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“O espaço é um dos maiores dons com que a natureza dotou os homens e que, por
isso, eles têm o dever, na ordem moral, de organizar com harmonia, não esquecendo que,
mesmo na ordem prática, ele não pode ser delapidado…”1
A fixação dos primeiros povos na cidade de Lisboa foi determinada pelas
condições morfológicas do local, condições que foram “estranguladas” pela ação do
homem. À medida que a cidade foi crescendo, foram surgindo construções desordenadas
e instáveis que punham em causa a segurança dos cidadãos.
Com o terramoto de 1755 seguido de um terrível incêndio, Lisboa vê expostas as
suas fragilidades (crescimento caótico, problemas de circulação causado pelas ruas
estreitas, de higiene e segurança, construção de edifícios com fachadas desalinhadas e de
diferentes alturas, estruturas das varandas e proteções das janelas em madeira,
construções sobre arcadas, ausência de esgotos e fraco abastecimento de água), mas
encontra, a partir daqui, uma nova edificação assente num plano rígido2, onde se delineia
uma organização do espaço assente no conhecimento das circunstâncias do momento,
embora limitada pelo tempo e pelo poder económico.
Importa compreender que a reconstrução da cidade de Lisboa fez-se respeitando
o passado, respondendo à necessidade de alojar rapidamente um grande número de
habitantes e com a ousadia de implementar uma nova organização do espaço e da forma
no processo de construção arquitetónica.
A edificação da Baixa Pombalina reflete uma arquitetura que se caracteriza por
um retorno à simplicidade e elegância das proporções, características já protagonizadas
pela Arquitetura Chã, que representa os princípios frugais da arquitetura vernacular,
diferenciando-se assim do Gótico português tardio,1500-1550 e o Barroco português,
1700 1750.
Independentemente das influências ou circunstâncias subjacentes à reconstrução
da Baixa, o edifício pombalino é o resultado não de cópias simples de edifícios que já
existiam, mas de um novo conceito de edifício, adaptado à produção racional em massa,
cuidadosamente concebido para produzir um edifício económico, higiénico e seguro,
1
PEREIRA, Paulo - Arte Portuguesa. Lisboa: Temas e Debates pág. 488
fundamentado na maneira simples e tradicional de construção, sem negligenciar a clareza
e ordem da antiguidade clássica.
A composição da fachada, o número de andares, a forma das pedras ao redor dos
espaços e o uso de varandas e janelas no primeiro andar dos edifícios, teve origem na
composição do Palácio Ludovice (1740) situado no Bairro Alto. Contudo, os elementos
que formam as fachadas são simplificados, com o objetivo de estandardizar a produção
dos componentes.
Os pilares deram lugar aos blocos, a solidez das paredes de pedra do piso térreo,
as pedras que formam os pilares, os elementos de conexão, os arcos e as sólidas abóbadas
de tijolo e as escadas com os dois primeiros degraus em pedra esculpida, parecem ter
origem nas grandes mansões urbanas, como o Palácio das Galveias (1650-70) .
Imagem 2 -Palácio Távora-Galveias, Campo Pequeno ,1915 foto de José Bárcia Fonte:
http://lisboadeantigamente.blogspot.com/2016/01/palacio-taPlanta cotada de um andar-tipo vora-
galveias.html
Os frontões retos das janelas das varandas dos edifícios pombalinos nas Ruas do
Arsenal e Rossio, ocorreram muito antes, como no caso do Palácio dos Duques de Aveiro
em Azeitão (antes de 1619), e também no andar de cima das janelas do dormitório no
Mosteiro de Alcobaça (1716).
Imagem 3 -Palácio dos Duques de Aveiro em
Azeitão Imagem 4 -Mosteiro de Alcobaça
Fonte: http://ruinarte.blogspot.com/2010/05/o- Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Mosteiro_de_Alcoba%C3%A7a
palacio-dos-duques-de-aveiro-azeitao.html
Imagem 6 -Planta da cidade de Turim de 1890 Imagem 7 -Plano para Londres depois do incendio de Valentine
Fonte: https://www.ebay.com/itm/1890-Ca- knight. Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Great_Fire_of_London
ANTIQUE-TOWN-PLAN-TURIN-
ITALY/122680443073?hash=item1c905300c1
:g:Rk4AAOSw3ihXTIus
Imagem 8 -Projeto do novo aposento para os Imagem 9 -Plano do povoado de Candelária publicado pelo
Índios da Aldeya de S. Miguel, original de José padre José Manuel Peramás na obra De vita et moribus tredecim
Mathias de Oliveira Rego, do Arquivo Histórico virorum paraguaycorum, Faenza, 1793
Ultramarino, Lisboa, 1765
3
PEREIRA, Paulo - Arte Portuguesa. Lisboa: Temas e Debates pág 484
mesmos erros, uma vez que, “ao criar formas, cria circunstâncias e estas por sua vez
podem agravá-los ou melhorá-los”4.
Veja-se que, após o terramoto de 1755, a reconstituição da cidade de Lisboa, foi
possível devido à ação do governo de Marquês de Pombal, de Manuel da Maia, e dos
arquitetos Eugénio dos Santos e Carlos Mardel que evitaram que Lisboa tivesse sido
reconstruída partir dos escombros por cada proprietário sem planeamento, estabelecendo-
se uma nova disciplina urbana .“renasça das próprias cinzas, mais perfeita, mais bela,
mais de acordo com as necessidades e possibilidades da época “5
4
PEREIRA, Paulo - Arte Portuguesa. Lisboa: Temas e Debates pág. 486
Imagem 10 -Pormenor da Planta da Cidade em 1650 e Planta da Cidade de Lisboa
Fonte : Google Earth , Paula André pwp Barroco – Iluminismo – Séc. XVII-XVIII
Cada bolco era constituído por vários edifícios, que por sua vez podiam pertencer
a vários proprietários, com uma estrutura independente e divisória contra incêndio, o
interior dos edifícios, assim como o seu exterior, revelou-se muito simples e de
acabamento austero. O acesso aos pisos era feito através de um estreito hall de entrada no
centro do edifício, (atualmente, este espaço é frequentemente utilizado como área
comercial) as divisões estavam por norma organizadas: as áreas sociais - as salas de estar
e de jantar, próximas da rua por causa da iluminação e ventilação, enquanto as áreas de
serviço como a cozinha situavam-se do outro lado da casa junto ao saguão, e entre estas
divisões existiam uma série de quartos interiores com portas de interligação entre
compartimentos. As fachadas tinham quatro pisos, o primeiro com janelas sacadas, os
segundo e terceiro pisos com janelas «de peitoril», o quarto, de águas furtadas em
colocação irregular; um rés-do-chão de lojas acompanha o mesmo ritmo dos vãos
superiores. Estabeleceu-se 3 tipos de padrão para fachada, cujas diferenças eram sempre
ao nível dos vãos e das suas cantarias, com maior ou menor riqueza, de acordo com a
hierarquia das próprias ruas.
Piso de loja
Planta cotada de
um andar-tipo Planta esquemática piso Térreo
áreas serviços
cozinha
Imagem 11 -Nova Lisboa, alçado de uma das ruas principais e quartos interiores com
Áurea no Cartulário Pombalino Fonte : Arquivo da Câmara portas de interligação
entre compartimentos
Municipal
áreas sociais
sala de estar e
jantar
6
PEREIRA, Paulo - Arte Portuguesa. Lisboa: Temas e Debates pág. 488
7
França José Augusto, 1987, pág. 173-217
8
França José Augusto, 1987, pág. 297-307
Álvaro Siza reconhece que o Chiado faz parte da Baixa Pombalina como um todo,
e defende a impossibilidade de caracterizar um objeto sem ter em conta a sua envolvente,
e do complexo sistema de relações que existe entre este e o lugar onde se implanta. Este
pensamento está também presente no texto de Fernando Távora que afirma que na
organização do espaço quer as formas em si, quer a relação entre elas, quer o espaço que
as limita, são igualmente importantes e isto resulta do espaço ser continuo9. A
Reconstrução do Chiado concentra-se na importância do lugar. Um lugar que é para o
arquiteto um objeto transformado e transformável, que vive essencialmente das relações
que estabelece entre si e o que o rodeia.
Essa importância do lugar deve vir apoiada num profundo conhecimento da
História e da história do lugar, sem que por isso se deixe de responder aos problemas
modernos.
O incêndio e as suas consequências não tiveram impacto nem força para se
justificar uma quebra da linguagem característica do Chiado em prol de uma imagem
nova, nem o programa era suficientemente transformador. A transformação foi
conseguida por alterações cirúrgicas no edificado - “(...) não havia nenhuma razão para
fazer edifícios que se destacassem do contexto, à exceção dos que, numa certa medida, já
se destacavam.”10, como seria o caso do Grandella. Também não se pretendeu fazer uma
cópia do existente, mas sim uma reinterpretação, um trabalho de síntese de um
“Pombalino de transição” que dependia de uma estrutura maior que é a Baixa, um
redesenhar tendo em conta as novas necessidades do sítio e da época, adaptando a
linguagem dos alçados pré-existentes, e transformando o interior dos quarteirões em
espaço público dialogante com uma série de percursos existentes e reforçando a imagem
do sítio como lugar de passagem, restabelecendo as relações entre as cotas alta e baixa da
mesma forma que reinterpreta os espaços público e privado, tendo em conta as
características programáticas das suas construções.
“(…) E, portanto, esses edifícios têm que emergir naturalmente, e não há que estar
a imitar pombalino ou o que quer que seja, porque existe uma força própria que não
é capricho do arquiteto, é a própria natureza do trabalho e o seu significado na
cidade”11(..)
9
PEREIRA, Paulo - Arte Portuguesa. Lisboa: Temas e Debates pág. 483
10
SIZA, Álvaro; “Viver intensamente” (1991); Entrevista por Laurent Beaudouin; Trad. Vera Cabrita; AA.VV.; Álvaro
Siza, uma questão de medida; Caleidoscópio, 2009, Casal de Cambra; pp. 72
11
SIZA, Álvaro; entrevista a Matilde Lobo, “Estratégias de reconstrução urbana. A experiência do chiado em
discurso directo”
Isto remete para as premissas de Fernando Távora “o espaço é contínuo, porque o
tempo é uma das suas dimensões, logo o espaço é igualmente irreversível, na medida que
nunca pode vir a ser o que já foi”.
12
Álvaro; “A propósito da Reconstrução do Chiado” (1990); entrevista de José Salgado; AA.VV.; Álvaro Siza a
reconstrução do Chiado, Lisboa; Lisboa, Figeirinhas, ICEP, 2000; pp. 72 e 74
Imagem 17 - Alçado da rua Ivens, poente Fonte:
https://www.ecoarkitekt.com/etiqueta/chiado/
13
Anexo 3 O jornal de 8 de agosto 1988
14
PEREIRA, Paulo - Arte Portuguesa. Lisboa: Temas e Debates pág. 487
5. Conclusão
No processo de construção tem de se ter consciência de que a liberdade é
delimitada, ainda que não de forma determinante, por circunstâncias. A criação de formas
e a organização do espaço não se podem dissociar da realidade nem das necessidades da
sociedade, pois têm um carater pedagógico.
A partir do objeto de estudo, ensaio “Dimensões e Características do Espaço”, de
Fernando Távora, fez-se uma leitura da reconstrução da Baixa Pombalina como uma
intervenção profundamente condicionada por uma série de fatores, que depois de
realizada se tornou no espaço condicionante da reconstrução do Chiado em 1988 e de
futuras alterações.
Deste trabalho se conclui que tanto a primeira obra como a segunda foram
condicionadas porque nasceram para satisfazer uma necessidade, um programa, tiveram
de se construir num curto espaço de tempo, mediante um orçamento e técnicas e materiais
de construção vigentes, assim como se enquadravam num determinado meio/ambiente.
Assim percebemos o peso das circunstâncias para a definição de formas.
No sec. XVII, a destruição provocada pelo terramoto levou a surgimento de uma
nova arquitetura ancorada no pragmatismo, recuperando os aspetos essenciais da
memória e respondendo às necessidades de Lisboa e dos seus habitantes. Já no século XX
a circunstância (incêndio de 1988) não teve força suficiente para se justificar uma rutura
na cidade, uma arquitetura nova, mas sim uma arquitetura de continuidade, procurando
manter a sua identidade sem que isso deixe de responder aos problemas modernos.
Os projetos de arquitetura para a cidade de Lisboa têm de contemplar a cidade no
seu todo, as intervenções na periferia têm de ser feitas de forma articulada com centro
histórico para que se mantenha o equilíbrio entre o passado e o presente.
6. Bibliografia
1987
Álvaro; “A propósito da Reconstrução do Chiado” (1990);
MONTEIRO, Pardal, Os Portugueses Percursores
Entrevista de José Salgado; AA.VV.; Álvaro Siza a reconstrução do Chiado,
Lisboa; Lisboa, Figeirinhas, ICEP, 2000
Anexo 3, O jornal de 8 de agosto 1988
SIZA, Álvaro; “Viver intensamente” (1991)
Entrevista por Laurent Beaudouin; Trad. Vera Cabrita
AA.VV.; Álvaro Siza, uma questão de medida; Caleidoscópio, 2009, Casal de
Cambra
SIZA, Álvaro; entrevista a Matilde Lobo, “Estratégias de reconstrução urbana. A
experiência do Chiado em discurso directo”
7.Anexos