Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
"É ainda discutível que as invenções mecânicas de até agora tenham aliviado o
labor diário de qualquer ser humano." (John Stuart Mill)
A dificuldade de mão-de-obra
"Entrar para uma fábrica era, diziam, como ir para um quartel ou para uma prisão.
(...) A maioria desses infelizes seres eram crianças assistidas, fornecidas -
poderíamos dizer vendidas - pelas paróquias por elas responsáveis. Os
manufatureiros, principalmente durante o primeiro período do maquinismo,
quando as fábricas eram construídas fora das cidades, e, em geral, longe delas,
teriam tido grande dificuldade para obter a mão-de-obra de que necessitavam
em sua vizinhança imediata. Por seu lado, as paróquias só queriam se
desembaraçar de suas crianças. Aconteciam verdadeiros negócios, vantajosos
para ambas as partes, embora não para as crianças, que eram tratadas como
mercadorias, entre os fabricantes e os administradores do imposto dos pobres.
Cinquenta, oitenta, cem crianças eram cedidas em bloco e enviadas, como gado,
com destino à fábrica onde deveriam ficar fechadas durante longos anos. (...) Os
operários se recusavam, e com razão, a mandar as suas. Sua resistência,
infelizmente, não durou muito tempo; levados pela necessidade, resignaram-se
àquilo que, a princípio, tanto os havia horrorizado. (...) Longe de se indignarem,
os contemporâneos achavam isso admirável. Yarranton recomendava a abertura
de escolas de indústria, como vira na Alemanha, onde duzentas meninas fiavam
sem descanso, sob a ameaça da palmatória de uma mestra, submetidas a um
silêncio absoluto, e chicoteadas se não fiassem bem ou rápido o bastante. (...)
De Föe, ao visitar Halifax, ficou maravilhado ao ver crianças de quatro anos
ganharem a vida como pessoas adultas...
Por outro lado, junto a esse tipo de discurso, a religião atuava poderosamente
como antídoto para os descontentamentos sociais e como forma de aceitação
das penas do trabalho geradas pela nova ordem econômica. Uma parte
essencial das orações evangélicas tinha como doutrina o dever do pobre de
trabalhar duramente, de obedecer a seus superiores e de estar satisfeito com a
condição de vida que Deus lhe reservara. Assim, a Igreja contribuía para a
formação de religiosos que exerciam a função de vigilantes da mão-de-obra em
estabelecimentos laicos, num período em que a disciplina ainda não era invisível,
distante e interiorizada.
Foucault constata ser indiferente, à primeira vista, o fato de essa instituição ser
convento, prisão, hospital psiqui-trico, escola ou quartel, uma vez que a prática
dessas casas se estende quase que identicamente por todas as outras
instituições sociais. Na verdade, tratava-se de uma fábrica existente na região
do Ródano, que empregava mulheres. Eram, como ele generaliza, fábricas-
prisões, fábricas-conventos, fábricas sem salários, "onde o tempo do operário é
inteiramente comprado".
Esse sonho patronal, esse caso-limite, foi praticado em larga escala no início do
século XIX, chegando a 40 mil o número de operários que, na França, viviam
sob tal regime. Diante dessa ocorrência, conclui o filósofo que há duas espécies
de utopia: "as utopias proletárias socialistas, que têm a característica de nunca
se realizarem, e as utopias capitalistas, que têm a má tendência de se realizarem
frequentemente". Os espaços reclusos são as instituições totais, cuja prática
disciplinar se ramificava por todas as casas de correção, tomando-as
semelhantes entre si. Aplica-se a denominação a todas as formas de instituições
- internatos, conventos, prisões, quartéis, campos de trabalho - nas quais a
autoridade procura estabelecer, através de regras formais e explícitas, uma total
regulamentação da vida diária de seus habitantes.
Como esse tipo de prática não poderia prosperar numa economia de livre
mercado, os patrões tiveram de lançar mão de outros mecanismos. Não seria
exagero afirmar que o maior problema, em face da moderna organização
industrial e social, foi o esforço para construir uma efetiva ideologia que
submetesse a massa proletária ao gosto pelo trabalho. Para essa modernização
o trabalho livre provava ser mais rentável e eficiente, pois exigia menos inversão
de capital na vigilância e no gerenciamento. Para confirmar essa constatação
surgiram novas teorias, que alardeavam a importância e as vantagens do vínculo
entre capitalismo e trabalho livre.
A (CON)SAGRAÇÃO DO CAPITAL
O liberalismo
Para se impor, o liberalismo foi forçado a produzir argumentos cada vez mais
consistentes em face de uma realidade social em que se evidenciava o estado
de penúria da população, acentuado mesmo após o decantado fim da servidão.
Exaltou-se, principalmente, a "liberdade" que o cidadão tinha para vender sua
força de trabalho. Progressivamente, teorias como a do economista inglês
Malthus, segundo a qual a pobreza se deve ao crescimento desordenado da
população sem a correspondente produção de alimentos, ou outras, que viam
na miséria a derrota dos incapazes na luta pela sobrevivência, vão desobrigando
a classe dominante de combater a pobreza. Fundamentava-se a crença da
miséria como inevitável. Uma vertente do pensamento econômico nascente
sustentava com extrema franqueza que cada um cuidasse da sua própria
subsistência.
Surge a crítica