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Mais abelhas que arquitetos

"É ainda discutível que as invenções mecânicas de até agora tenham aliviado o
labor diário de qualquer ser humano." (John Stuart Mill)

A expansão comercial e financeira propiciou o surgimento do capitalismo, cuja


culminância se deu no século XVIII. O desenvolvimento industrial provocou
mudanças sem precedentes na História; o feudalismo perdeu terreno e a
burguesia emergiu como classe dominante, impondo gradativamente seu ideal
econômico. Houve a reordenação da sociedade rural centralizada na vila e na
aldeia camponesa, e a consequente migração da população para os centros
urbanos. Essas profundas transformações econômicas desestruturam a antiga
e quase estática ordem social, introduzindo modificações substanciais na
atividade manufatureira, de natureza artesanal e doméstica. O trabalho familiar
que prevalecia nas oficinas foi reorganizado, e a atividade de artesão sofreu um
processo de desqualificação. A era do maquinismo arrancou mulheres e crianças
do lar e levou-as ao ambiente sombrio das fábricas.

A dificuldade de mão-de-obra

Enquanto os camponeses e artesãos podiam dosar o ritmo de suas atividades,


era bem diferente a sorte dos trabalhadores nas primeiras fábricas: trabalho
ininterrupto durante horas intermináveis, disciplina severa, serviços repetitivos,
frio, calor e barulho, tudo isso acarretando muita recusa ao trabalho. Esse
contexto fez com que os novos capitalistas se tornassem "filantrópicos" e se
dedicassem à recuperação dos desvalidos, oferecendo ou impondo a eles
trabalhos nas oficinas em troca de comida.

O desenvolvimento do capitalismo só foi possível quando houve mão-de-obra


disponível em grande escala. No início, lançou-se mão do crescente exército de
camponeses e artesãos arruinados, oriundos da destruição da sociedade pré-
capitalista medieval: expulsos das terras e das aldeias, desenraizados e sem
uma situação segura na sociedade, infestavam as estradas, pilhando e matando.
É esse melancólico exército de decaídos, mendigos, vagabundos e mercenários
que forma os primeiros proletários.

A dificuldade de mão-de-obra é inerente ao caráter estático da vida econômica


medieval. Com a produção voltada para a demanda tradicional e não para
ganhos ilimitados, a mão-de-obra não estava preparada para a nova ordem
econômica emergente. Dotar a sociedade de um novo ideal é uma questão que
exige longo tempo; assim, enquanto fosse possível usar a terra ou fazer
artesanato, ninguém iria querer trabalhar para outrem, submetendo-se a um
salário irrisório e a todo tipo de opressão. A solução, então, foi impor leis que
forçassem as pessoas livres a trabalhar, utilizando-se o sutil argumento de que
eram vadias. Na Inglaterra, o operário que abandonasse a fábrica arriscava-se
a ser preso. A classe produtora emergente, ao condenar a indolência, construiu
uma nova moral, poderosa e eficiente aliada para a exploração das forças
trabalhadoras necessárias, impondo penalidades severas a mendigos e
vagabundos.

Os "improdutivos" causam mal-estar

Merecem destaque as dramáticas exposições do filósofo francês Michel Foucault


em “História da loucura”. Quando incursiona pelo âmbito econômico, dá mostras
da mudança pela qual passou a sociedade a partir do século XV: a nova ordem
econômica concedia, aos que representassem ameaça de agitações, revoltas ou
desordens, um tratamento de reclusão visando à devida orientação correcional.
No século XVI a loucura e a pobreza ainda eram consideradas manifestações de
Deus e, consequentemente, pretexto para suscitar nas pessoas a caridade. Os
desvalidos ofereciam aos cristãos a possibilidade de praticar o ato de bondade
e, assim, de salvar-se.

Já no século XVIII, ainda segundo Foucault, ocorre a perda da dimensão mística


da miséria e toma lugar a ideia de desordem e de indisciplina: recusar-se a
trabalhar tornou-se, então, um desafio a Deus, que não criou o ser humano para
a revoltante inatividade do ócio. Agora o pobre passa a atestar a maldição divina.
Sendo assim, de pouco adianta ir em seu socorro através das obras de caridade.
A pobreza estava associada ao enfraquecimento da disciplina e à frouxidão dos
costumes.

Data do século XVII a criação, na França, do primeiro Hospital Geral para o


internamento dos desvalidos. Apesar do nome, não se tratava efetivamente de
um hospital, mas de uma casa de correção, onde os internos, mão-de-obra
barata, eram obrigados a trabalhar sob supervisão cerrada. Esse tipo de
instituição se disseminou por toda a Europa. Na Inglaterra, com o mesmo fim,
criaram-se as Workhouses, também apelidadas de "bastilhas dos pobres". O
século XVII inaugura o uso do internamento como regulador da mão-de-obra e,
ao mesmo tempo, como ocultamento da miséria, evitando, assim, os
inconvenientes sociais e políticos de deixá-la à mostra.

Nesse primeiro impulso do mundo industrial acreditava-se que a prática do


trabalho compulsório servia como panaceia atenuadora das inquietações
sociais. Em meados do século XIX, ao se dar conta do fracasso das casas de
correção, os industriais são obrigados a mudar de objetivos. Segundo Foucault,
essas casas, que 150 anos antes destinavam-se a alojar os indolentes e
imprestáveis para o convívio social, passaram a abrigar prioritariamente os
loucos. Podemos constatar, então, que as primeiras tentativas de segregação,
iniciadas no século XVII nas penitenciárias e orfanatos, marcam o surgimento de
uma sociedade disciplinar onde os pobres e os libertinos são obstáculos à
ordem. Um exemplo ocorre na França, onde o operário passa a ter uma carteira
de trabalho, ficando, assim, submetido ao controle da Polícia.

Começando pela criança

Para pôr em funcionamento a crescente atividade produtiva, a exploração da


mão-de-obra não ficará restrita apenas aos adultos. Além do trabalho de homens
e mulheres, recorria-se sistematicamente à exploração do trabalho do menor.
Relata Paul Mantoux, estudioso da manufatura do século XVIII na Revolução
Industrial, que o trabalho da criança era mais apreciado porque supunha maior
docilidade e obediência, em virtude de sua fragilidade. Além disso, era mais
barato: bastava um insignificante salário ou, muitas vezes, alojamento e uma
ração em pão. Mantoux afirma que as crianças eram frequentemente
chicoteadas e punidas para fazer seus duros trabalhos e manter-se acordadas.
Acompanhemos o comovente relato que o autor faz do trabalho infantil:

"Entrar para uma fábrica era, diziam, como ir para um quartel ou para uma prisão.
(...) A maioria desses infelizes seres eram crianças assistidas, fornecidas -
poderíamos dizer vendidas - pelas paróquias por elas responsáveis. Os
manufatureiros, principalmente durante o primeiro período do maquinismo,
quando as fábricas eram construídas fora das cidades, e, em geral, longe delas,
teriam tido grande dificuldade para obter a mão-de-obra de que necessitavam
em sua vizinhança imediata. Por seu lado, as paróquias só queriam se
desembaraçar de suas crianças. Aconteciam verdadeiros negócios, vantajosos
para ambas as partes, embora não para as crianças, que eram tratadas como
mercadorias, entre os fabricantes e os administradores do imposto dos pobres.
Cinquenta, oitenta, cem crianças eram cedidas em bloco e enviadas, como gado,
com destino à fábrica onde deveriam ficar fechadas durante longos anos. (...) Os
operários se recusavam, e com razão, a mandar as suas. Sua resistência,
infelizmente, não durou muito tempo; levados pela necessidade, resignaram-se
àquilo que, a princípio, tanto os havia horrorizado. (...) Longe de se indignarem,
os contemporâneos achavam isso admirável. Yarranton recomendava a abertura
de escolas de indústria, como vira na Alemanha, onde duzentas meninas fiavam
sem descanso, sob a ameaça da palmatória de uma mestra, submetidas a um
silêncio absoluto, e chicoteadas se não fiassem bem ou rápido o bastante. (...)
De Föe, ao visitar Halifax, ficou maravilhado ao ver crianças de quatro anos
ganharem a vida como pessoas adultas...

(...) Abandonado ao arbítrio dos patrões, que os mantinha fechados em seus


edifícios isolados, longe de qualquer testemunha que pudesse comover-se com
seu sofrimento, padeciam uma escravidão desumana. O único limite para seu
dia de trabalho era o esgotamento completo de suas forças: durava quatorze,
dezesseis e até dezoito horas;... Frequentemente, para não paralisar o
funcionamento das máquinas, o trabalho continuava sem interrupção, dia e noite.
Nesse caso, eram formadas equipes que se revezavam: as camas não esfriavam
nunca. Os acidentes eram frequentes, sobretudo no final dos dias de trabalho
muito longos, quando as crianças, exaustas, ficavam trabalhando meio
adormecidas; foram incontáveis os dedos arrancados, os membros esmagados
pelas engrenagens. (...) As fábricas eram, geralmente, insalubres: seus
arquitetos pouco se preocupavam com a higiene e com a estética. Os tetos eram
baixos, de forma a se perder o menos possível de espaço, as janelas eram
estreitas e, quase sempre, ficavam fechadas..." (Paul Mantoux. A Revolução
Industrial no século XVIII. São Paulo, Unesp/Hucitec, s.d.)

No entanto, apesar dessas condições reais, nem sempre a situação do


trabalhador era descrita com pessimismo e críticas. Muitos dos exploradores da
mão-de-obra, assim como seus ideólogos, tinham das condições de trabalho
uma visão bem diferente. Como exemplo, merece destaque a visão do inglês
Andrew Ure, considerado o diabólico porta-voz da burguesia, que deixou
registradas em livro editado em 1835 suas considerações filosóficas acerca da
atividade manufatureira. Propõe Ure a substituição do trabalho do homem pelo
da mulher e da criança. Diz nunca ter visto qualquer empregador infligir castigo
corporal às crianças e nem mesmo tratá-las com rudeza. Considerava absurdas
as críticas feitas aos industriais, que criavam oportunidades de trabalho e ainda
facilitavam as tarefas humanas "introduzindo máquinas que aliviavam as
fadigas". Segundo ele, dava gosto observar aqueles "rotos meninos" que
manipulavam o carro do tear com vivacidade. Além de suscitar um aumento da
produção, o maquinismo permitiu disciplinar a mão-de-obra; a principal
dificuldade foi convencer o operariado a abandonar antigos hábitos e trabalhar
com regularidade. Relatos históricos dão conta do descontentamento dos
operários, que exigiam o direito de "ir refrescar-se lá fora" ou de parar para "ver
a procissão passar".

A resistência à introdução das máquinas foi grande e, como último recurso, os


trabalhadores em fúria chegavam a despedaçar aquelas que encontravam pela
frente. A mecanização era benéfica para o patronato, pois as máquinas
desqualificavam os ofícios e ditavam o ritmo da produção, enfraquecendo a
pressão sindical. Ainda segundo Ure, os patrões, só de ouvir falar em sindicatos,
já ficavam à espreita, uma vez que o trabalho especializado, além de encarecer
a produção, ainda os deixava subordinados ao livre-arbítrio do operariado. As
máquinas exigiam apenas destreza e vigilância, convenientes, então, para os
"olhos vivos" e os "delicados e flexíveis dedos dos menores", cuja habilidade
causava inveja aos adultos e chegava a ser para eles um exemplo. Os
argumentos que sustentavam o uso da mão-de-obra infantil são conhecidos:
trabalhar desde cedo forja o hábito, a disciplina e a subordinação.

Na visão de Andrew Ure, criar leis limitando a jornada de trabalho, tanto do


menor quanto do adulto, significava ir contra o inalienável direito à liberdade de
opção do trabalhador que tencionava elevar seu poder aquisitivo. Era, pois, um
ato autoritário e de falsa filantropia para o povo trabalhador, que dependia da
fábrica para sobreviver. Tais medidas, se aplicadas, resultariam na demissão de
crianças, arrancando-as do seu "leve e lucrativo trabalho na aquecida sala de
tecelagem para o frio mundo", e elas cairiam "na mendicância e no vício". Para
Ure, a interferência do Estado e das associações de trabalhadores só
obstaculizavam a possibilidade de o trabalhador sair das ruas e da mendicância.
As associações e sindicatos, em vez de combater seus patrões, deveriam
alegrar-se com seus êxitos, pois eram eles que despertavam os "entorpecidos
talentos" do proletariado.

Por outro lado, junto a esse tipo de discurso, a religião atuava poderosamente
como antídoto para os descontentamentos sociais e como forma de aceitação
das penas do trabalho geradas pela nova ordem econômica. Uma parte
essencial das orações evangélicas tinha como doutrina o dever do pobre de
trabalhar duramente, de obedecer a seus superiores e de estar satisfeito com a
condição de vida que Deus lhe reservara. Assim, a Igreja contribuía para a
formação de religiosos que exerciam a função de vigilantes da mão-de-obra em
estabelecimentos laicos, num período em que a disciplina ainda não era invisível,
distante e interiorizada.

O exemplo não vem de cima

Se havia ociosidade na classe dominante, ela era também condenável, mas o


malefício maior recaía sobre os pobres. Estes não deveriam invejar os ricos, pois
o repouso após estafante dia de trabalho é mais bem aproveitado que qualquer
indolência. Isso reflete a persistência da classe ociosa, que alega gastar todo
seu tempo e energia nos "cansativos deveres sociais" de cumprimento da
etiqueta, como visitas, preocupação com o vestuário, idas a clubes, ações de
caridade, prática de esportes etc. Esse segmento social sobreviverá até a
sociedade moderna, com valores diferentes, destoando da ética da exaltação do
trabalho. O novo sistema econômico, por razões históricas, além de se pautar
por um sinal produtivista de acumulação de riqueza (não existente no regime
feudal), percebeu que era de seu interesse difundir a ideologia do trabalho, a fim
de motivar ou coagir a classe subalterna à produção de riquezas.

O enaltecimento do trabalho se expande e extrapola as obras de eminentes


pensadores e religiosos que, com suas ideias, prestavam um serviço à classe
dominante. Longe de ser um filósofo, Napoleão, por exemplo, dizia ter chegado
a uma conclusão definitiva: "Quanto mais trabalhar o meu povo, menos vícios
haverá; estarei disposto a ordenar que aos domingos, após os ofícios religiosos,
se abram as oficinas e os operários voltem ao trabalho". Mesmo o árduo trabalho
assalariado converteu-se em virtude, não era mais uma maldição ou motivo de
desprezo, contrariamente ao que fora programado pelos nossos remotos
ancestrais gregos e medievais.
Para muitos, a formação educacional estava descartada, pois levaria os jovens
à insolência perante seus superiores e permitiria que tivessem acesso a "folhetos
sediciosos, livros perigosos e publicações contra a cristandade", assim como os
faria querer igualar-se em direitos à classe superior. Dessa forma, o ensino,
quando aplicado, necessitava de vigilância e de punição, para desenvolver
corpos submissos, dóceis, capazes de executar, como indivíduos úteis, qualquer
trabalho mecânico. Alguns membros da Igreja aconselhavam as elites sociais a
praticar uma conduta exemplar para que os pobres pudessem "confiar nelas
como guias".

A total dedicação ao trabalho

Michel Foucault aborda, em uma conferência, o regulamento de uma instituição


que, conforme enfatiza, "realmente existiu na França" no século XIX:
quatrocentos internos deveriam levantar todas as manhãs às cinco horas; às
cinco e cinquenta deveriam ter terminado de fazer a toalete e a cama e de tomar
café; às seis começava o trabalho obrigatório, que terminava às oito e quinze da
noite, com uma hora de intervalo para o almoço; às oito e quinze, jantar e oração
coletiva. O recolhimento aos dormitórios, às nove horas, era feito em absoluto
silêncio. O domingo era reservado ao dever religioso cumprido na reclusão da
capela, no interior da instituição, para evitar o contato com o mundo exterior.
Entretanto, a fim de dissipar o tédio, pela manhã eram feitas recreações, leituras
e escrita; à tarde, catecismo e passeios sob a vigilância do pessoal religioso que
controlava a economia, a eficiência do trabalho e o enquadramento moral. Os
internos não recebiam salários, mas um prêmio em dinheiro ao final do ano ou
no momento em que deixavam a instituição.

Foucault constata ser indiferente, à primeira vista, o fato de essa instituição ser
convento, prisão, hospital psiqui-trico, escola ou quartel, uma vez que a prática
dessas casas se estende quase que identicamente por todas as outras
instituições sociais. Na verdade, tratava-se de uma fábrica existente na região
do Ródano, que empregava mulheres. Eram, como ele generaliza, fábricas-
prisões, fábricas-conventos, fábricas sem salários, "onde o tempo do operário é
inteiramente comprado".

Esse sonho patronal, esse caso-limite, foi praticado em larga escala no início do
século XIX, chegando a 40 mil o número de operários que, na França, viviam
sob tal regime. Diante dessa ocorrência, conclui o filósofo que há duas espécies
de utopia: "as utopias proletárias socialistas, que têm a característica de nunca
se realizarem, e as utopias capitalistas, que têm a má tendência de se realizarem
frequentemente". Os espaços reclusos são as instituições totais, cuja prática
disciplinar se ramificava por todas as casas de correção, tomando-as
semelhantes entre si. Aplica-se a denominação a todas as formas de instituições
- internatos, conventos, prisões, quartéis, campos de trabalho - nas quais a
autoridade procura estabelecer, através de regras formais e explícitas, uma total
regulamentação da vida diária de seus habitantes.

Como esse tipo de prática não poderia prosperar numa economia de livre
mercado, os patrões tiveram de lançar mão de outros mecanismos. Não seria
exagero afirmar que o maior problema, em face da moderna organização
industrial e social, foi o esforço para construir uma efetiva ideologia que
submetesse a massa proletária ao gosto pelo trabalho. Para essa modernização
o trabalho livre provava ser mais rentável e eficiente, pois exigia menos inversão
de capital na vigilância e no gerenciamento. Para confirmar essa constatação
surgiram novas teorias, que alardeavam a importância e as vantagens do vínculo
entre capitalismo e trabalho livre.

A (CON)SAGRAÇÃO DO CAPITAL

"Antes de sua expulsão do Paraíso, Adão e Eva desfrutavam, sem trabalhar, um


nível de vida elevado. Depois de sua expulsão, tiveram de viver miseravelmente,
trabalhando de manhã até a noite. A história do progresso técnico dos dois
últimos séculos é a de um esforço tenaz para voltar a encontrar o caminho do
Paraíso." (Wassily Leontief, Prêmio Nobel de Economia.)

Os discursos religiosos ou moralizantes acerca do trabalho têm seu espaço


ocupado pouco a pouco por teorias que encontram no trabalho objeto específico
de profundas reflexões filosóficas e econômicas. Entram em cena doutrinas mais
elaboradas, como o liberalismo, surgido no século XVII, que ganhou corpo e foi
se cristalizando através de diversos pensadores burgueses. A sua divulgação
cada vez mais dava a munição necessária à ideologia empresarial nascente.

O liberalismo

A ideologia liberal ou liberalismo, ao se pautar por um conjunto de ideias


contrárias à intervenção do Estado na economia, e sendo favorável à livre
concorrência do mercado e à exaltação dos direitos individuais, exprimia, no
nível das ideias, o que era levado na prática pela burguesia emergente.

Para se impor, o liberalismo foi forçado a produzir argumentos cada vez mais
consistentes em face de uma realidade social em que se evidenciava o estado
de penúria da população, acentuado mesmo após o decantado fim da servidão.
Exaltou-se, principalmente, a "liberdade" que o cidadão tinha para vender sua
força de trabalho. Progressivamente, teorias como a do economista inglês
Malthus, segundo a qual a pobreza se deve ao crescimento desordenado da
população sem a correspondente produção de alimentos, ou outras, que viam
na miséria a derrota dos incapazes na luta pela sobrevivência, vão desobrigando
a classe dominante de combater a pobreza. Fundamentava-se a crença da
miséria como inevitável. Uma vertente do pensamento econômico nascente
sustentava com extrema franqueza que cada um cuidasse da sua própria
subsistência.

O historiador contemporâneo Harold J. Laski, em seu estudo acerca do


liberalismo europeu, constata que esse ideal econômico se preocupou mais em
defender os interesses da propriedade do que em proteger aquele cidadão que
só possuía sua força de trabalho para vender. Assim, os ideais liberais se
converteram em uma ideologia disciplinar da classe trabalhadora. No estudo de
economistas como Adam Smith (1723-1790), o trabalho passa a ocupar o
primeiro plano na conquista de riquezas. Ele constata que a riqueza dos países
não reside no ouro, na prata ou na agricultura, como era a tendência do
pensamento do século XVIII, mas no trabalho, capaz de transformar matéria
bruta em produtos com valor de mercado. No início do século XIX, o pensador
alemão Hegel (1770-1831) valorizou o trabalho como objeto de reflexão filosófica
e tematizou o desenrolar da luta entre duas consciências, a do senhor e a do
escravo, influenciando profundamente Karl Marx (1818-1883).

Época de crescimento econômico sem precedentes, o século XIX faz da


organização do trabalho objeto de atenção de diversos reformadores sociais.
Assim, a divisão excessiva do trabalho é condenada pelo socialista utópico
Fourier, que a considera "repugnante". Essa primeira fase da teoria e prática
socialista foi considerada utópica por acreditar-se na possibilidade de eliminar a
exploração do proletariado através de mudanças ou reformas sociais e
econômicas. Ela visava à substituição do conflito e da competição pela harmonia
e pela cooperação entre as classes sociais, sem contudo reconhecer a luta de
classes ou lançar mão da revolução proletária.

Uma parte dos empreendedores, ditos liberais, alegava ser passageira a


situação de miséria e acenava com melhores salários, cooperativas e tolerância
de organi-zação sindical. Tais precauções tomaram corpo devido ao perigo dos
ideais socialistas em gestação. Enquanto puderam, os patrões combateram
duramente o surgi-mento de sindicatos e outras formas de resistência dos
trabalhadores.

Surge a crítica

Um dos grandes pensadores do tema, cuja influência se estendeu a toda parte


do mundo, foi Karl Marx. Ele ficou fascinado pela produtividade sem precedentes
na sociedade ocidental e dedicou numerosas páginas de críticas à condição
degradante em que se encontravam os trabalhadores. Baseando-se na dinâmica
econômica, Marx procurou dotar o trabalhador de uma bagagem teórica e prática
capaz de reverter sua condição de explorado. Segundo ele, só O trabalho gera
riqueza, e justamente quem a produz a ela não tem direito. Sua ideia é a de que
pelo trabalho o homem deixa de ser escravo dos desígnios da natureza,
moldando a matéria bruta à sua necessidade. Nessa atividade o homem se
"naturaliza" e a natureza se "humaniza". Quem olha a vida econômica através
da circulação exterior das riquezas tem a impressão de uma igualdade entre dar
e receber; no entanto, quem penetra na intimidade da produção fabril verifica
que é o homem que aliena sua força de trabalho para gerar riquezas privadas.
Nesse tipo de atividade o homem se toma infeliz, não desenvolve sua
potencialidade, sente-se como algo externo a si mesmo "e só se sente ele próprio
quando fora do trabalho"; no trabalho, sente-se "fora de si mesmo", diz Marx.
Muitos acham estranho, e até certo ponto paradoxal, que a essa crítica à
produção capitalista Marx dê, em sua obra principal, o título não de O Trabalho,
mas sim de O Capital. O trabalho é, na realidade, o personagem central na teoria
marxista, já que dá sustentáculo ao capital.

Marx assegura que o objetivo da revolução socialista não se cumpre com a


emancipação da classe trabalhadora, mas com a liberação do homem em
relação ao trabalho. A escritora e filósofa francesa Simone Weil, que por algum
tempo se submeteu ao trabalho fabril, afirmava que a esperança de uma
liberação final do fardo do trabalho "é o único elemento utópico do marxismo" e
deveria tomar-se a verdadeira força motriz de todos os movimentos trabalhistas.
Para ela, "o ópio do povo" - que Marx acreditava ser a religião - é, na realidade,
o trabalho. Sob a influência do pensamento de Marx, impregnado da ideologia
do trabalho de seu tempo, boa parte da velha escola marxista ortodoxa fez
também uma intensa exaltação do trabalho ao elevá-lo a fator essencial da vida
real dos homens, fazendo coro, ainda que inversamente, à veneração levada a
cabo pelos capitalistas.

A conquista de novos povos

Esse progresso espetacular do capitalismo, que não passou despercebido a


Marx, é evidenciado pela extensão de seus tentáculos a todas as partes do
planeta, e principalmente na África e na Ásia, através do colonialismo. A ambição
do capital europeu não fica restrita ao seu território. O sutil argumento utilizado
foi a necessidade de difundir um modelo de sociedade tido como o mais
avançado, capaz de levar a outros povos, considerados "selvagens", os
benefícios da civilização. Tinha-se como missão levar o progresso cultural,
religioso, moral etc.

Contudo as razões que encobriam esse ato humanitário da missão civilizatória


eram outras: a necessidade de mercados para os artigos excedentes, o controle
das matérias-primas e, por fim, a possibilidade de escoar o excesso de capital
acumulado com investimentos nas colônias carentes de ferrovias, hospitais,
eletricidade etc. A mão-de-obra abundante e barata tinha, no entanto, o
inconveniente de fazer parte de uma cultura bem diferente e extremamente
contrária a qualquer tipo de trabalho regular. Consequentemente, o nativo foi
estigmatizado como indolente e preguiçoso "por natureza". Diante de uma moral
utilitarista, ensiná-lo a trabalhar com afinco era um direito e até mesmo um dever
da missão civilizatória.

Em um relatório enviado por um colonizador à metrópole, dizia-se que faltava


"ambição" aos nativos; que eles "não estavam familiarizados com o conforto" e,
para contentá-los, era "qualquer coisa suficiente", exigindo assim o mínimo
necessário de trabalho.

Ao obrigar esses povos a trabalhar, a História se repetia, como nos primórdios


do capitalismo. A diferença é que os colonizadores estavam agora dotados de
"experiências" acumuladas durante séculos, e sabiam como coagir ao trabalho
aqueles que não estavam acostumados a ele. A estratégia utilizada, quando não
submetia à escravidão todo um povo, era a de endividar as colônias, impor-lhes
pesados impostos e taxas ou expulsar os nativos de suas terras para que eles
não mantivessem uma economia de subsistência capaz de lhes dar
autossuficiência.

Os nativos, não acostumados àquele ritmo, achavam irracional a obsessão que


os europeus tinham pelo trabalho. Os colonizadores, envoltos em contradições
num mundo de cultura diferente, cuja ordem mantinham através da coerção e da
ideologia da superioridade da raça, veem a longo prazo seus métodos deixarem
de surtir efeito. Paulatinamente os colonizados, ao tomar consciência de sua
situação, partem para a formação de movimentos de independência, em busca
da autonomia política e econômica.

Um crítico mais exaltado

Nessa torrente de enaltecimento do trabalho, difundida em quase todas as


nações, encontramos, no fim do século XIX, o pensamento peculiar de Paul
Lafargue, autor de um livro cujo título já aponta para a sua proposição: O direito
à preguiça. Como um dos pioneiros da crítica à divinização do trabalho, o autor
invoca as "terríveis consequências do trabalho" na sociedade capitalis-ta. Ele
estranhava "a esquisita mania", presente nos padres, economistas e moralistas
e até mesmo na classe trabalhadora, do "amor pelo trabalho". Para o autor,
tratava-se de um estranho vício, uma aberração mental que levava ao
esgotamento do indivíduo. Segundo Lafargue, excetuando-se os que trabalham
para a sobrevivência, há aqueles que gostam do trabalho como um fim em si
mesmo: "Uns curvados sobre suas terras, os outros agarrados a suas lojas,
movem-se como toupeiras em galerias subterrâneas, e nunca se levantam para
observar, ao acaso, a natureza".

Herdeiro dessa tradição produtivista, o nosso tempo, considerado o "século do


trabalho", nos faz dedicar a essa atividade toda a nossa existência.
Homens da Inglaterra, por que arar
para os senhores que vos mantêm na miséria?
Por que tecer com esforço e cuidado
as ricas roupas que vossos tiranos vestem?
Por que alimentar, vestir e poupar
do berço até o túmulo,
esses parasitas ingratos que
exploram vosso suor – ah, que bebem vosso sangues
Por que abelhas da Inglaterra, forjar
muitas armas, cadeias e açoites
para que esses vagabundos possam desperdiçar
o produto forçado de vosso trabalho
Tendes acaso ócio, conforto, calma,
abrigo, alimento, o bálsamo gentil do amor?
Ou o que é que comprais a tal preço
com vosso sofrimento e com vosso temor?
A semente que semeais, outro colhe
A riqueza que descobris, fica com outro.
As roupas que teceis, outro veste.
As armas que forjais, outro usa.
Semeai – mas que o tirano não colha.
Produzi riqueza – mas que o impostor não a guarde. Tecei roupas – mas que o
ocioso não as vista.
Forjai armas – que usareis em vossa defesa

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