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A literatura africana nos reserva elementos particulares, que se mostram atrelados aos

aspectos próprios de sua formação. Quando nos dedicamos à tarefa de estudá-la e entendê-la,
é inevitável que esse estudo parta do ponto de que a África é um continente que passou por
um processo brutal de colonização, cujos reflexos ainda continuam vivos na sociedade
moderna. Temos que ter em mente que os processos de independência dos Estados-nação
africanos não só aconteceram em período bem recente em comparação às independências das
Américas, mas que também não foram processos pacíficos. O desrespeito às etnias e às
culturas locais no momento da partilha de terras pelos europeus foi elemento desencadeador
de diversas guerras civis internas, contribuindo para a desestabilização de uma sociedade já
desestabilizada. Neste contexto, a literatura, invenção do “homem branco”, mostra-se não só
como meio de expressão subjetiva dos povos colonizados, mas como instrumento de
libertação, com a gradual apropriação da arte europeia pelo negro em prol de sua própria
comunidade.

Devemos ter em mente as particularidades narrativas dos povos africanos. A grafia não
é típica da cultura africana: as sociedades do continente são, por tradição, orais. As histórias
são passadas de gerações em gerações, de pai para filho. Com este aspecto, temos algumas
limitações, como o fato de que não podemos levar o texto para onde quisermos, reproduzí-lo
fielmente no momento em que desejarmos, ou impedir que este seja alterado. Mas também
temos componentes de teatralidade, como o uso da música, do ambiente, e de expressões
corporais, que não podem se fazer presente no texto escrito. Não nos cabe julgar se a
oralidade é melhor ou pior que a grafia: basta-nos compreender que, em uma sociedade não-
grafocêntrica, as narrativas são feitas de uma outra forma, e possuem outros sentidos. Tentar
transpô-la para o papel mostra-se como um desafio inicial aos africanos, e nos fazem perceber
na escrita diversas características da oralidade. A modalidade escrita pode, inclusive, limitar o
texto oral que, narrado ao vivo, têm como recurso diversos elementos de cena.

É para evitar tais limitações que Paulina Chiziane, escritora moçambicana, busca não se
definir como “romancista”. Segundo a autora, no momento em que se define como tal, “mil e
uma autoridades vêm para te dizer como se deve ou não se deve escrever”. O ocidente parece
não compreender que a literatura africana é construída sob signos distintos do modelo trazido
pela Europa. Por isso, ela prefere o termo “contadora de histórias”, ainda que muitos dos seus
livros possuam densidade de romance. É uma forma da autora garantir a sua liberdade criativa
e manter-se conectada com a arte de seus ancestrais.

Chiziane nasceu na província de Gaza, ao sul de Moçambique, e se mudou para a


capital do país, Maputo, ainda criança. O português não é sua língua materna, mas sim as
línguas locais chope e ronga, vindo a aprender a língua oficial do país na escola. Participou
ativamente na construção da identidade de nação de seu país, tendo sido militante política da
Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), entidade que lutou pela independência de
Portugal. Apenas dois anos após a independência, viu o país cair em uma guerra civil,
estimulados pelas forças externas que guiavam a Guerra Fria: o capitalismo dos EUA de um
lado, o socialismo soviético de outro. Com a união de tempo entre as guerras da
independência e civil, temos mais 30 anos de instabilidade social na região. Chiziane, portanto,
viu de perto as consequências nefastas da colonização, tendo deste cedo a consciência em
como a influência externa foi maléfica para o seu povo. Os jogos de poder, a submissão, a
violência, e o descaso com a sociedade estão narrados em suas histórias.

Quando partimos para estudar Chiziane, um fator essencial que devemos levar em
consideração é o seu lugar de fala. Onde está Paulina no cenário literário, não só enquanto
mulher e negra, mas também como africana? Segundo a própria autora em entrevistas, ela se
depara constantemente em diálogos literários com “autoridades” que a questionam a respeito
de determinado método literário e, inclusive, a recomendam que siga por outro caminho. Ser
uma escritora negra africana em uma área marcada pelos ocidentalismo significa, então, ter a
arte o tempo todo questionada, como se ela estivesse devendo algo aos demais. Vinda de um
lugar historicamente marcado pela subalternidade, essa relegação não é, infelizmente, uma
surpresa. Por outro lado, Chiziane sabe qual é o seu papel na história, e não parece estar
disposta a se dobrar a esta ordem hegemônica.

Segundo Djamila Ribeiro, lugar de fala é.... Portanto, todos os indivíduos do globo,
inseridos em algum local social, possuem o seu lugar de fala. O de Chiziane é o de mulher, em
uma sociedade extremamente machista; a de negra, em um mundo embraquecido; a de
escritora, em um país que tradicionalmente só publicava textos escritos por homens. Inclusive,
este é um fato interessante de se apontar: Chiziane, em 1990, se tornou a primeira mulher
moçambicana a ter um livro publicado. Observando estes fatores, não é de se surpreender que
a sua literatura seja questionadora, e que busque discutir as questões de poder, de opressão, e
de patriarcado.

Em entrevista, a autora diz que não se considera “feminista”, por motivos parecidos
aos que a fazem evitar o termo “romancista”. Diz temer “os vigilantes de comportamento”, e
que, ao se definir “feminista” (que não devemos esquecer que é um conceito cunhado na
sociedade ocidental), poderia ser alvo da própria classe feminista que poderia ditá-la alguma
conduta. Já podemos perceber que Chiziane preza, acima de tudo, pela sua liberdade. Afirma,
porém, que fica extremamente feliz que o discurso do seu trabalho combine com o que as
feministas estão dizendo sobre libertação e igualdade. A luta das mulheres é muito cara à
autora, como podemos ver em alguns de seus escritos. Ela nos relembra em entrevista como a
resistência promovida pelas mulheres no momento da independência de Moçambique foi
essencial à vitória, e que, infelizmente, foi uma luta ofuscada pela estrutura patriarcal da nova
administração, o que a fez abandonar a FRELIMO.

É preciso considerar todas essas questões para adentrarmos no entendimento do


conto “Quem Manda Aqui?” Publicado em xxxx, no livro As andorinhas, o conto nos remete à
memória do povo de Chiziane, especialmente por narrar um episódio real acontecido na
província de Gaza, local de nascimento da autora. Através de um episódio que nos parece
absurdo, a autora vai discutir a relação de poder e como isso afeta a população, incluindo em
sua metáfora não apenas o episódio histórico em si, mas as sucessivas lutas pela colonização e
pelo controle durante a guerra civil.

O conto narra a história de um imperador, que realmente existiu na historiografia:


Ngungunhane de Gaza. O acontecimento banal de uma andorinha evacuar e cair no rei é o
motivo para a fúria deste: fazendo uso do seu poder absoluto, declara guerra a todas as
andorinhas do reino. As tropas devem então mobilizar-se imediatamente ante “a ameaça” do
inimigo. Muitos se questionam se o rei está ou não fazendo pleno uso de suas faculdades
mentais, mas a grande questão é que, independentemente da possibilidade de loucura do
soberano, os súditos são obrigados a embarcar nesta mentalidade e acatar a ordem. Aqui está
uma das reflexões que a autora tenta nos passar: o poder desestabiliza a sociedade, e submete
o homem comum à ordem de terceiros. É sobre uma monarquia institucionalizada na África,
mas também poderia ser sobre a colonização em si.
O ponto de vista central sobre o poder no conto de Chiziane pode ser observado no
seguinte trecho:

“Poder invisível armadura que eleva o espírito humano aos píncaros do


absurdo. Pelo poder os guerreiros sangram a terra e castram a virilidade
dos homens. De tanto poder, o imperador sente-se no pico das montanhas
de Zulwine, esquecendo o pormenor mais importante: no topo da pirâmide
o seu corpo de elefante não tem equilíbrio. Cairá.”

O poder é capaz de desumanizar o homem, fazê-lo esquecer que é tão homem quanto
os seus súditos. Foi o que Paulina observou ao perceber o ofuscamento das mulheres pela
gestão da FRELIMO quando esta conseguiu obter o poder após o processo de independência.

Em um trecho da obra, os soldados estão temerosos pela guerra com as andorinhas,


pois se lembram da “inutilidade da guerra passada com os hipopótamos. Cem morreram,
outros cinquenta ficaram amputados.” Se fizermos um paralelo com a história de Moçambique
a qual Paulina presenciou, os hipopótamos, dentro desta metáfora, não são necessariamente
os colonizadores, pois a luta para com esses se mostrou inevitavelmente necessária. São, antes
disso, o próprio povo moçambicano, assim como as andorinhas. Os conflitos internos

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