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Cícero Antônio Fonseca de Almeida | Museólogo, mestre em Memória Social pela Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro (UNIRIO), professor do Departamento de Estudos e Processos Museológicos da UNIRIO e diretor executivo
do Centro Cultural Justiça Federal.
resumo
O artigo apresenta o pensamento de Bertha Lutz sobre o papel educativo desempenhado pelos
museus, extraído da publicação A função educativa dos museus, resultado de observações sobre
o funcionamento dos setores educativos de 58 museus norte-americanos visitados em 1932. O
texto permaneceu inédito até 2008 e traduz os debates ocorridos nos Estados Unidos nas pri-
meiras décadas do século XX, que preconizavam o caráter público e didático dos museus, além
de sua projeção social, sintetizados na expressão the new museum idea.
abstract
The article presents the thoughts of Bertha Lutz about the educational role of museums, extracted
from the publication A função educativa dos museus (The Educational Role of Museums), which was a
result of observations on the functioning of the educational sectors of 58 American museums visited
in 1932. The text remained unpublished until 2008, and reflects the discussions held in the United
States in the first decades of the twentieth century which advocated for the public and educational na-
ture of museums, as well their social projection, synthesized in the expression “the new museum idea”.
resumen
El artículo presenta el pensamiento de Bertha Lutz sobre el papel educativo desempeñado por
los museos, extraídos de la publicación A função educativa dos museus (El papel educativo de
los museos), a partir de las observaciones sobre el funcionamiento de los sectores educativos
de 58 museos estadounidenses visitados en 1932. El texto fue finalmente publicado en 2008, y
refleja los debates celebrados en los Estados Unidos en las primeras décadas del siglo XX, que
propugnaba el carácter público e educativo de los museos, así como su proyección social, que
se resume en la expresión the new museum idea.
Palabras clave: Museo Nacional (Brasil); museología; educación en museos; Bertha Lutz.
No primeiro dia de abril de 1932, Bertha Lutz, cientista e principal ativista do movimento
feminista no Brasil, à época atuando no setor de botânica do Museu Nacional, começava a
sua terceira viagem aos Estados Unidos, a segunda em que se dedicava ao estudo dos mu-
seus. Seu desejo era conhecer o funcionamento dos departamentos e serviços educativos
mantidos pelos museus norte-americanos. Este foco de análise era inovador no contexto
da ainda incipiente museologia brasileira e permitiu que Bertha ampliasse seu olhar sobre a
dimensão pedagógica dos museus, questão que já havia assimilado em sua segunda viagem
aos Estados Unidos, realizada em 1925.
Após seu retorno, apresentou à direção do Museu um extenso relatório de viagem, que
pretendia publicar inicialmente sob o título de O papel educativo dos museus americanos, de-
pois alterado para A função educativa dos museus. Seu desejo, entretanto, não se consumou,
e o livro só foi publicado em 2008.1
Para entender melhor o caráter pioneiro do pensamento expresso no relatório de Bertha
Lutz, basta lembrar outro fato que ocorreu no mesmo período. Exatamente no dia 4 maio de
1932, foi realizada a primeira aula do mais antigo curso de formação no campo da museolo-
gia no país, o “curso thecnico de museus”, vinculado ao Museu Histórico Nacional (MHN). Os
professores do novo curso eram funcionários da própria instituição e tinham a incumbência
de transmitir aos alunos inscritos a experiência de trabalho do MHN.2 O eixo do ensino, sob
a regência de Gustavo Barroso, criador e primeiro diretor do Museu, foi consolidado numa
disciplina central, que Barroso chamou de “técnica de museus”, dividida em cinco grandes
áreas: “organização, arrumação, catalogação, restauração e classificação de objetos” (Barro-
so, 1946, p. 7).3 A função educativa dos museus não estava contemplada no conjunto das
técnicas aplicadas aos museus.
O modelo adotado pelo curso de museus – que influenciou as primeiras gerações de
museólogos brasileiros – estava baseado na experiência europeia, especialmente na tradi-
ção francesa, que tinha na Escola do Louvre seu principal núcleo de formação de pessoal
para museus. Os candidatos ao cargo de “técnico” ou “conservador” (nomenclatura tam-
bém utilizada na França), segundo Barroso, deveriam saber, primordialmente, classificar
de maneira correta os objetos: “sem essa base, será impossível identificar com acerto e
propriedade os objetos, entender o que se pode chamar sua linguagem, própria ou sim-
1 Publicado pelo Museu Nacional e pela editora Muiraquitã, com apoio da FAPERJ, resultou do tratamento dos
arquivos existentes no Museu Nacional e no Arquivo Nacional, referentes a Bertha Lutz, e teve a organização
confiada a Guilherme Gantois de Miranda, Maria José Veloso da Costa Santos, Silvia Ninita de Moura Estevão e
Vitor Manoel Marques da Fonseca.
2 O curso de museus foi criado pelo decreto n. 21.129, de 7 de março de 1932, que determinava sua vinculação
direta à direção do Museu Histórico Nacional, e duração de dois anos, habilitando os alunos para o cargo de 3º
oficial do MHN.
3 Por ocasião do início do curso de museus, Barroso estava afastado da direção do Museu, só retornando em
novembro de 1932. O curso foi efetivamente criado na gestão do historiador Rodolfo Garcia.
O pensamento de Bertha Lutz sobre educação em museus teve pouca ressonância entre
os profissionais dos museus brasileiros, por duas razões basicamente: por um lado, o fato
de não ter sido imediatamente publicado, permanecendo apenas sob a forma de um relató-
rio preservado nos arquivos do Museu Nacional; por outro, pela dissonância com a prática
adotada pelos museus no período, ou mesmo, como já vimos, com o modelo de ensino de
museologia recém-implantado pelo curso de museus, focado fortemente na tradição que
podemos chamar de “colecionista-classificatória”.5
Nascida em São Paulo, em 2 de agosto de 1894, filha de Adolfo Lutz, Bertha Maria Julia
Lutz era zoóloga e estudou ciências naturais em Paris, na Sorbonne, onde graduou-se em
4 William H. Flower publicou, em 1898, o livro Essays on museums and other subjects connected with Natural His-
tory, uma coletânea de artigos, além de outros textos nos anos seguintes, que serviram para consolidar os
princípios da new museum idea, que indicava uma ampliação da atuação dos museus no novo século, como
instituições voltadas para a popularização da ciência e a educação do público.
5 Vale ressaltar, entretanto, que nos anos de 1940 outras reflexões sobre a importância da perspectiva pedagó-
gica dos museus começaram a surgir no panorama da museologia no Brasil, demonstrando que tanto as insti-
tuições quanto seus profissionais começavam a se tornar mais permeáveis às novas tendências. Dois trabalhos
merecem destaque: A extensão cultural dos museus, de Edgard Sussekind de Mendonça, e Museus para o povo,
de José Valadares, ambos publicados em 1946. O trabalho de Valadares também resultou de uma viagem de
estudos aos Estados Unidos. Paradoxalmente, o fortalecimento do papel educativo dos museus no Brasil tem
sido uma das características que mais avançaram no país nos últimos vinte anos.
6 Sobre a atuação de Bertha Lutz no campo da museologia são imprescindíveis os trabalhos de Maria Margaret
Lopes, “Bertha Lutz e a importância das relações de gênero, da educação e do público nas instituições museais”,
publicado na revista Musas, de maio de 2006, e “A construção da invisibilidade das mulheres nas ciências: a
exemplaridade de Bertha Maria Julia Lutz (1894-1976)“, publicado na revista Gênero, em 2004.
todas as instituições públicas, sem exceção do museu, devem mostrar resultados corres-
pondentes à despesa que representam e estes resultados devem ser positivos, tangíveis,
visíveis e comensuráveis. O bom senso exige que as instruções mantidas por fundos
públicos deem alguma retribuição ao povo, e que uma parte, ao menos, das suas ativi-
dades seja suscetível de compreensão clara pelo leigo e de avaliação exata pelo contri-
buinte (Lutz, 2008, p. 33).
Além das atividades “centrais” realizadas nos próprios museus, também estavam em pleno
crescimento nos Estados Unidos as ações “extramuros”, notadamente as “trilhas da natureza”:
“o primeiro passo no desenvolvimento de um programa museológico de estudos ao ar livre é
constituído pela organização de uma trilha da natureza, em geral num dos parques da cidade
ou dos arredores, com o concurso das autoridades dos parques e jardins” (Lutz, 2008, p. 83).
Bertha apresentou também a experiência dos “museus ao ar livre”:
de algum tempo para cá, surgiu uma verdadeira escola de museólogos, que acha, aliás,
com muita razão, que o estudo da história natural deve ser feito no seio da própria natu-
reza. A primeira iniciativa dessa espécie foi a de Skansen [Suécia], que se tornou célebre.
Mas também nos Estados Unidos há muita coisa realizada nesse particular. Vários muse-
ólogos têm se distinguido no desenvolvimento do ensino ao relento, [...]. Hoje em dia,
já existem numerosos museus ao ar livre e trilhas naturais. [...]. Tive o ensejo de estudar
de perto o Museu ao Ar Livre de Bear Mountain, no Interstate Palissades Park, estado de
Nova York. [...]. O público comparece ao parque de Bear Mountain em barcos que sobem
o rio Hudson ou pela estrada de rodagem. [...]. Parando de vez em quando para mostrar
Sua opinião sobre a “evolução regressiva” dos museus escolares estava baseada, den-
tre outras experiências, na situação encontrada nas escolas visitadas em 1921 no estado de
Minas Gerais, quando observou que o material recebido do Museu Nacional não havia sido
utilizado, à exceção dos casos onde o estabelecimento possuía naturalistas. Também em
escolas do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, Bertha encontrou situação semelhante: “se
o museu escolar não for dirigido por técnico muito capaz, degenera em coleção de curiosi-
dades composta de espécimes sem nexo” (Lutz, 2008, p. 98).
Ainda sobre a aplicabilidade das experiências norte-americanas em museus brasileiros,
outros aspectos foram acrescentados: “lembraria a reorganização e ampliação dos serviços
de diapositivos em caráter de empréstimo, a criação de ramais, de coleções mostruários [...],
de trilhas [...], de uma sala com programas para crianças” (Lutz, 2008, p. 104).
Sobre a relação específica entre os museus e o público infantil, Bertha dedicou exten-
sa observação, privilegiando o lado lúdico das atividades: “há duas formas pelas quais os
museus servem à infância, uma didática, que consiste em fornecer subsídios ao ensino e à
instrução pública, e a outra, mais recreativa, que ensina enquanto distrai. É deste segundo
método que trato aqui” (Lutz, 2008, p. 88).
organização poderosa, com trustes, diretora muito eficiente, pessoal técnico feminino
treinado e muitos auxiliares. [...]. Acha-se aberto diariamente de 9h às 17h e aos domin-
gos, à tarde. [...]. O Boston Children’s Museum está tão individualizado que possui o seu
próprio hino e edita folhetos e uma revista. É considerado um estabelecimento modelar
(Lutz, 2008, p. 95).
um dos aspectos da atividade dos museus americanos que mais me interessou foi ve-
rificar como é grande o número de mulheres que nele exercem a sua atividade, [...]. O
Museu de Newark [...] é interessante do ponto de vista da mulher. [...]. O Museu tem
grande número de funcionários entre os quais um só homem, o porteiro. Mas o trabalho
pesado, quem o faz? Perguntei admirada. Elas mesmas ou, antes, a máquina que inven-
taram para esse fim. Possuem dois aparelhos que operam sobre o mesmo princípio que
o chamado macaco dos automóveis. Um destina-se aos mostruários horizontais, outro
aos verticais, mas é fato que sublevam e transportam qualquer mostruário, mesmo o
mais pesado. Posso afiançá-lo sob palavra, porque eu mesma o experimentei e transpor-
tei um mostruário grande, de um lado para o outro, com a mesma facilidade com que se
empurra em carrinho de criança (Lutz, 2008, p. 77).
Em suas palavras finais, Bertha Lutz procurou sintetizar os elementos que influenciaram
a “evolução do museu” e a predominância das atividades de caráter educativo, e deixou um
Referências bibliográficas
Recebido em 20/9/2013
Aprovado em 23/9/2013