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a função educativa dos museus de bertha lutz

uma peça (quase) esquecida do quebra- cabeça da museologia no brasil


bertha lutz's a função educativa dos museus
the (almost) forgotten piece of the museology puzzle in brazil

Cícero Antônio Fonseca de Almeida | Museólogo, mestre em Memória Social pela Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro (UNIRIO), professor do Departamento de Estudos e Processos Museológicos da UNIRIO e diretor executivo
do Centro Cultural Justiça Federal.

resumo

O artigo apresenta o pensamento de Bertha Lutz sobre o papel educativo desempenhado pelos
museus, extraído da publicação A função educativa dos museus, resultado de observações sobre
o funcionamento dos setores educativos de 58 museus norte-americanos visitados em 1932. O
texto permaneceu inédito até 2008 e traduz os debates ocorridos nos Estados Unidos nas pri-
meiras décadas do século XX, que preconizavam o caráter público e didático dos museus, além
de sua projeção social, sintetizados na expressão the new museum idea.

Palavras-chaves: Museu Nacional; museologia; educação em museus; Bertha Lutz.

abstract

The article presents the thoughts of Bertha Lutz about the educational role of museums, extracted
from the publication A função educativa dos museus (The Educational Role of Museums), which was a
result of observations on the functioning of the educational sectors of 58 American museums visited
in 1932. The text remained unpublished until 2008, and reflects the discussions held in the United
States in the first decades of the twentieth century which advocated for the public and educational na-
ture of museums, as well their social projection, synthesized in the expression “the new museum idea”.

Keywords: National Museum (Brazil); museology; education in museums; Bertha Lutz.

resumen

El artículo presenta el pensamiento de Bertha Lutz sobre el papel educativo desempeñado por
los museos, extraídos de la publicación A função educativa dos museus (El papel educativo de
los museos), a partir de las observaciones sobre el funcionamiento de los sectores educativos
de 58 museos estadounidenses visitados en 1932. El texto fue finalmente publicado en 2008, y
refleja los debates celebrados en los Estados Unidos en las primeras décadas del siglo XX, que
propugnaba el carácter público e educativo de los museos, así como su proyección social, que
se resume en la expresión the new museum idea.

Palabras clave: Museo Nacional (Brasil); museología; educación en museos; Bertha Lutz.

acervo , rio de janeiro , v . 26 , n º 2 , p . 123 - 132 , jul . / dez . 2013 – p . 123


considerações iniciais

No primeiro dia de abril de 1932, Bertha Lutz, cientista e principal ativista do movimento
feminista no Brasil, à época atuando no setor de botânica do Museu Nacional, começava a
sua terceira viagem aos Estados Unidos, a segunda em que se dedicava ao estudo dos mu-
seus. Seu desejo era conhecer o funcionamento dos departamentos e serviços educativos
mantidos pelos museus norte-americanos. Este foco de análise era inovador no contexto
da ainda incipiente museologia brasileira e permitiu que Bertha ampliasse seu olhar sobre a
dimensão pedagógica dos museus, questão que já havia assimilado em sua segunda viagem
aos Estados Unidos, realizada em 1925.
Após seu retorno, apresentou à direção do Museu um extenso relatório de viagem, que
pretendia publicar inicialmente sob o título de O papel educativo dos museus americanos, de-
pois alterado para A função educativa dos museus. Seu desejo, entretanto, não se consumou,
e o livro só foi publicado em 2008.1
Para entender melhor o caráter pioneiro do pensamento expresso no relatório de Bertha
Lutz, basta lembrar outro fato que ocorreu no mesmo período. Exatamente no dia 4 maio de
1932, foi realizada a primeira aula do mais antigo curso de formação no campo da museolo-
gia no país, o “curso thecnico de museus”, vinculado ao Museu Histórico Nacional (MHN). Os
professores do novo curso eram funcionários da própria instituição e tinham a incumbência
de transmitir aos alunos inscritos a experiência de trabalho do MHN.2 O eixo do ensino, sob
a regência de Gustavo Barroso, criador e primeiro diretor do Museu, foi consolidado numa
disciplina central, que Barroso chamou de “técnica de museus”, dividida em cinco grandes
áreas: “organização, arrumação, catalogação, restauração e classificação de objetos” (Barro-
so, 1946, p. 7).3 A função educativa dos museus não estava contemplada no conjunto das
técnicas aplicadas aos museus.
O modelo adotado pelo curso de museus – que influenciou as primeiras gerações de
museólogos brasileiros – estava baseado na experiência europeia, especialmente na tradi-
ção francesa, que tinha na Escola do Louvre seu principal núcleo de formação de pessoal
para museus. Os candidatos ao cargo de “técnico” ou “conservador” (nomenclatura tam-
bém utilizada na França), segundo Barroso, deveriam saber, primordialmente, classificar
de maneira correta os objetos: “sem essa base, será impossível identificar com acerto e
propriedade os objetos, entender o que se pode chamar sua linguagem, própria ou sim-

1 Publicado pelo Museu Nacional e pela editora Muiraquitã, com apoio da FAPERJ, resultou do tratamento dos
arquivos existentes no Museu Nacional e no Arquivo Nacional, referentes a Bertha Lutz, e teve a organização
confiada a Guilherme Gantois de Miranda, Maria José Veloso da Costa Santos, Silvia Ninita de Moura Estevão e
Vitor Manoel Marques da Fonseca.
2 O curso de museus foi criado pelo decreto n. 21.129, de 7 de março de 1932, que determinava sua vinculação
direta à direção do Museu Histórico Nacional, e duração de dois anos, habilitando os alunos para o cargo de 3º
oficial do MHN.
3 Por ocasião do início do curso de museus, Barroso estava afastado da direção do Museu, só retornando em
novembro de 1932. O curso foi efetivamente criado na gestão do historiador Rodolfo Garcia.

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bólica, catalogá-los, aferir o seu valor e até arrumá-los bem” (Barroso, 1946, p. 14). Este
pensamento predominou no curso de museus até a reforma curricular de 1944, quando a
ementa da parte geral apontava a necessidade de estudo das “finalidades sociais e educa-
tivas dos museus” (Sá, 2007, p. 16).
Bertha Lutz foi expectadora privilegiada da disseminação de novos conceitos na mu-
seologia norte-americana, especialmente a “teoria nova do museu”, que se consolidou ao
longo das duas primeiras décadas do século XX, influência direta do pensamento de William
Flower, diretor do Departamento de História Natural do Museu Britânico, entre 1884 e 1898.4
O conceito não era corrente no Brasil, e foi assim resumido por Bertha Lutz:

na realidade, até as últimas décadas, os museus tinham descurado um tanto o aspecto


popular de sua função educativa. [...]. As coleções eram organizadas de modo a facilitar
as investigações científicas, não obstante a aridez desta modalidade de exposição. Por
grande favor admitia-se o público a percorrer as salas e ler os rótulos anexados aos es-
pécimes [...], e nos museus de arte, ao nome do autor da obra, sua data de nascimento e
de morte. Agora não é mais assim. O museu contemporâneo está começando a adquirir
consciência de seu papel de esclarecedor da massa do povo e a envidar todos os esfor-
ços nesse sentido (Lutz, 2008, p. 31).

O pensamento de Bertha Lutz sobre educação em museus teve pouca ressonância entre
os profissionais dos museus brasileiros, por duas razões basicamente: por um lado, o fato
de não ter sido imediatamente publicado, permanecendo apenas sob a forma de um relató-
rio preservado nos arquivos do Museu Nacional; por outro, pela dissonância com a prática
adotada pelos museus no período, ou mesmo, como já vimos, com o modelo de ensino de
museologia recém-implantado pelo curso de museus, focado fortemente na tradição que
podemos chamar de “colecionista-classificatória”.5

um livro “fora do tempo”

Nascida em São Paulo, em 2 de agosto de 1894, filha de Adolfo Lutz, Bertha Maria Julia
Lutz era zoóloga e estudou ciências naturais em Paris, na Sorbonne, onde graduou-se em

4 William H. Flower publicou, em 1898, o livro Essays on museums and other subjects connected with Natural His-
tory, uma coletânea de artigos, além de outros textos nos anos seguintes, que serviram para consolidar os
princípios da new museum idea, que indicava uma ampliação da atuação dos museus no novo século, como
instituições voltadas para a popularização da ciência e a educação do público.
5 Vale ressaltar, entretanto, que nos anos de 1940 outras reflexões sobre a importância da perspectiva pedagó-
gica dos museus começaram a surgir no panorama da museologia no Brasil, demonstrando que tanto as insti-
tuições quanto seus profissionais começavam a se tornar mais permeáveis às novas tendências. Dois trabalhos
merecem destaque: A extensão cultural dos museus, de Edgard Sussekind de Mendonça, e Museus para o povo,
de José Valadares, ambos publicados em 1946. O trabalho de Valadares também resultou de uma viagem de
estudos aos Estados Unidos. Paradoxalmente, o fortalecimento do papel educativo dos museus no Brasil tem
sido uma das características que mais avançaram no país nos últimos vinte anos.

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1918. Em 1919, prestou concurso público para o Museu Nacional, ingressando no quadro
desta instituição em 4 de setembro do mesmo ano, onde exerceu diversas funções nos cam-
pos da botânica, zoologia e, em especial, na organização do museu e nos seus serviços edu-
cativos, e se aposentou em 1964. Bertha foi a segunda mulher a ingressar no serviço público
no Brasil.
Três anos após ingressar no Museu, fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Femini-
no (FBPF), que pretendia promover a educação e a profissionalização das mulheres. Em 1933,
graduou-se em direito, no Rio de Janeiro, e em 1936 assumiu a cadeira de deputada federal,
na condição de suplente do deputado Cândido Pessoa, que falecera, exercendo o mandato
até a instauração do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937.
Apesar dos inúmeros compromissos assumidos, manteve seu vínculo com o Museu Na-
cional. Em viagem aos Estados Unidos em 1922, representou o Brasil na Assembleia Geral
da Liga das Mulheres Eleitorais. De volta aos Estados Unidos, em 1925, entre os meses de
março e abril, dedicou seu tempo aos museus, para analisar, dentre outras coisas, formas
de intercâmbio de espécimes da flora e materiais etnográficos, preparo e organização de
mostruários para museus de história natural e organização de museus para crianças. Bertha
esteve de volta à Europa, em 1929, onde analisou museus na Alemanha, Inglaterra, França e
Bélgica.6
A viagem de 1932 foi resultado do convite da Associação Americana de Museus e da
União Pan-Americana, com o financiamento da Carnegie Corporation e da Carnegie Endow-
ment for International Peace. Ao longo de sessenta dias, percorreu vinte cidades, e visitou 58
museus. Produziu um amplo relatório, em que destacou rotinas de trabalho, indicou referên-
cias bibliográficas e outras fontes, e incorporou inúmeras fotografias, fichas de catalogação,
folhetos etc. Bertha teve a colaboração de Laurence V. Coleman, então diretor da Associação
Americana de Museus, na definição do itinerário.
O texto de Bertha reitera, inicialmente, a ruptura de antigos conceitos sobre a atuação
dos museus, ao tratar da oposição entre o “museu estático: templo das musas, relicários e
troféus” e o “museu dinâmico e a sua projeção social”. Cita pensadores do campo da museo-
logia, como Alexander Grant Ruhtven, John Cotton Dana e William Henry Flower, cujo traba-
lho Essays on museums and other subjects connected with natural history, publicado em 1898,
teve grande repercussão nos Estados Unidos. Bertha enumerou alguns fatores que contri-
buíram para as novas diretrizes dos museus, com destaque para os “econômico-sociais”: “O
professor Herbert Spinden, então chefe dos Serviços Educativos do Museu de Brooklyn, deu-
me como uma das razões de vida do vasto programa educativo o fato de ser muito mais fácil
obter auxílio de particulares e a concessão de verbas públicas para os museus, quando estes
dão provas práticas da sua utilidade” (Lutz, 2008, p. 32).

6 Sobre a atuação de Bertha Lutz no campo da museologia são imprescindíveis os trabalhos de Maria Margaret
Lopes, “Bertha Lutz e a importância das relações de gênero, da educação e do público nas instituições museais”,
publicado na revista Musas, de maio de 2006, e “A construção da invisibilidade das mulheres nas ciências: a
exemplaridade de Bertha Maria Julia Lutz (1894-1976)“, publicado na revista Gênero, em 2004.

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A respeito dos fatores econômico-sociais, Bertha Lutz transcreveu o pensamento de
John C. Dana, que havia ocupado a direção do Museu da Cidade de Newark:

todas as instituições públicas, sem exceção do museu, devem mostrar resultados corres-
pondentes à despesa que representam e estes resultados devem ser positivos, tangíveis,
visíveis e comensuráveis. O bom senso exige que as instruções mantidas por fundos
públicos deem alguma retribuição ao povo, e que uma parte, ao menos, das suas ativi-
dades seja suscetível de compreensão clara pelo leigo e de avaliação exata pelo contri-
buinte (Lutz, 2008, p. 33).

No capítulo denominado “O museu em si”, são apresentadas questões essenciais que


devem fazer parte do “museu moderno”, “um órgão insubstituível de divulgação popular”.
Suas reflexões vão desde a localização e arquitetura dos museus, passando por problemas
de horários de abertura ao público. Sobre a localização, fez uma reflexão sobre o Museu
Nacional: “seria desejável [...] uma nova sede para o Museu Nacional. Penso que teríamos
grande vantagem, do ponto de vista da nossa missão educativa, em escolher, mediante es-
tudo prévio, um ponto acessível da cidade e em adaptar o horário de abertura aos lazeres do
público que desejamos atrair” (Lutz, 2008, p. 45). Especificamente sobre horários de abertura
e fechamento de museus, acrescentou a seguinte observação, ao falar do ramal da rua 69,
do Museu de Artes da Pensilvânia: “funciona em horas que permitam o comparecimento do
público que trabalha, já que se trata de um museu popular”.
Os dois capítulos finais do livro, intitulados “Metodologia educativa do museu” e “O mu-
seu em ação”, concentram questões “aplicadas”. Ao começar a analisar as metodologias, Ber-
tha aponta os “princípios orientadores” da exposição, e destaca a importância das exposições
de caráter transitório7 (“a fim de continuar a atrair o mesmo público, o museu deve organizar,
ao lado das exposições permanentes, outras de caráter transitório”) e dos “acessórios”, como
os habitat-group (grandes dioramas com reconstituição de cenas da natureza), reproduções
em cera e uso de projeção cinematográfica etc.
Os serviços educativos oferecidos ao “público em geral ou a grupos determinados”,
como portadores de deficiência física, chamou a atenção de Bertha: “os museus demons-
tram também o mais louvável carinho para com os [...] cegos, surdos-mudos e paralíticos.
[...]. É emocionante observar a visita de um grupo de crianças cegas ao museu” (Lutz, 2008,
p. 67). Da mesma maneira, as chamadas study hours, períodos que alguns museus dedica-
vam a receber visitantes para estudos sobre o acervo, foram lembradas por Bertha, que as-
sistiu a uma dessas atividades no Metropolitan de Nova Iorque, dedicada aos empregados
do comércio local.
Especialmente em Nova Iorque, foram analisados museus que ofereciam curso para pro-
fessores, alguns reconhecidos pela Diretoria de Instrução Pública, que garantia aumento

7 Chamadas hoje de exposições temporárias ou de curta duração.

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anual de salário para os professores que realizassem um tempo mínimo de formação em
museus. Na questão da relação museu-escola, Bertha acentuou um ponto ainda muito atu-
al, que é a necessidade de treinar os professores antes das visitas de alunos, em assuntos
ligados ao objeto de trabalho do museu: “as vantagens são recíprocas, permitindo maior
eficiência pedagógica no programa educacional museográfico e dando ao museu o ensejo
de servir à educação popular, sem sacrifício dos seus serviços técnicos e de seu pessoal cien-
tífico, aliás, muitas vezes pouco apto a fornecer explicações aos leigos” (Lutz, 2008, p. 69).

atividades “centrais” e “extensivas”

Na parte dedicada ao “museu em ação” são apresentadas duas modalidades básicas de


atividades educativas, as “centrais” e as “extensivas”. Em relação às atividades centrais – re-
alizadas primordialmente no espaço do museu –, Bertha destacou o trabalho dos docentes
e instrutores, que organizavam palestras nas próprias salas de exposição ou em anfiteatros
especialmente concebidos para essas atividades, além de sessões recreativas, concertos, de-
monstração de modelos animados, dentre outras atividades. Sobre o trabalho dos docentes,
foram consideradas habilidades essenciais à capacidade de despertar a atenção dos visitan-
tes e o elevado nível de conhecimento sobre os temas principais das exposições:

o serviço de docentes é importantíssimo, porque nada justifica que, em instituições


de arte ou de ciência, as únicas pessoas que se acham à disposição do público, para
fornecer-lhes explicações, sejam os guardas do estabelecimento ou os cicerones profis-
sionais, que não podem evidentemente ser especialistas na matéria e que, geralmente,
dão explicações duvidosas (Lutz, 2008, p. 80).

Além das atividades “centrais” realizadas nos próprios museus, também estavam em pleno
crescimento nos Estados Unidos as ações “extramuros”, notadamente as “trilhas da natureza”:
“o primeiro passo no desenvolvimento de um programa museológico de estudos ao ar livre é
constituído pela organização de uma trilha da natureza, em geral num dos parques da cidade
ou dos arredores, com o concurso das autoridades dos parques e jardins” (Lutz, 2008, p. 83).
Bertha apresentou também a experiência dos “museus ao ar livre”:

de algum tempo para cá, surgiu uma verdadeira escola de museólogos, que acha, aliás,
com muita razão, que o estudo da história natural deve ser feito no seio da própria natu-
reza. A primeira iniciativa dessa espécie foi a de Skansen [Suécia], que se tornou célebre.
Mas também nos Estados Unidos há muita coisa realizada nesse particular. Vários muse-
ólogos têm se distinguido no desenvolvimento do ensino ao relento, [...]. Hoje em dia,
já existem numerosos museus ao ar livre e trilhas naturais. [...]. Tive o ensejo de estudar
de perto o Museu ao Ar Livre de Bear Mountain, no Interstate Palissades Park, estado de
Nova York. [...]. O público comparece ao parque de Bear Mountain em barcos que sobem
o rio Hudson ou pela estrada de rodagem. [...]. Parando de vez em quando para mostrar

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os recantos mais cênicos da paisagem, [...] encontrávamos grandes rótulos [textos ex-
plicativos], em estilo rústico, apontando a direção do Museu ao ar livre ou intercedendo
junto ao público a favor das flores e das árvores. Ao fim de duas horas, atingimos o pon-
to final do Museu (Lutz, 2008, p. 83-84).

Em relação às atividades “extensivas”, foram relatadas as estratégias de divulgação dos


museus, como a criação de suplementos educativos publicados em jornais de grande cir-
culação e a criação de programas transmitidos em rádio, alguns em cadeia nacional. A este
respeito, Bertha deixou seu recado ao então diretor do Museu Nacional, Edgar Roquette-
Pinto: “achando-se o diretor do Museu Nacional à frente da Rádio-Sociedade, poderia o nos-
so Instituto ter dado amplo desenvolvimento a semelhante iniciativa”. Ainda sobre o mesmo
tema, em suas “palavras finais”, Bertha apontava o desejo de organizar no Brasil “um serviço
de educação popular pelo rádio”.
Vale lembrar que o artifício de assinalar indicativos, ou mesmo críticas, em relação
ao trabalho desenvolvido pelos museus brasileiros, em especial o Museu Nacional, fa-
zia parte das intenções de Bertha. Em relação aos museus escolares, experiência que
ganhou impulso no Brasil após o início da República, Bertha lançou a sua crítica mais
contundente:

é um fato incontestável e muito interessante que o museu escolar se acha em fase de


evolução regressiva. Dizem as autoridades no assunto, que a organização de museus
por instrutores não especializados não conduz a resultados satisfatórios e que a doação
de material dos estabelecimentos de ensino é condenável, porque no maior número dos
casos, o material permanece em abandono (Lutz, 2008, p. 98).

Sua opinião sobre a “evolução regressiva” dos museus escolares estava baseada, den-
tre outras experiências, na situação encontrada nas escolas visitadas em 1921 no estado de
Minas Gerais, quando observou que o material recebido do Museu Nacional não havia sido
utilizado, à exceção dos casos onde o estabelecimento possuía naturalistas. Também em
escolas do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, Bertha encontrou situação semelhante: “se
o museu escolar não for dirigido por técnico muito capaz, degenera em coleção de curiosi-
dades composta de espécimes sem nexo” (Lutz, 2008, p. 98).
Ainda sobre a aplicabilidade das experiências norte-americanas em museus brasileiros,
outros aspectos foram acrescentados: “lembraria a reorganização e ampliação dos serviços
de diapositivos em caráter de empréstimo, a criação de ramais, de coleções mostruários [...],
de trilhas [...], de uma sala com programas para crianças” (Lutz, 2008, p. 104).
Sobre a relação específica entre os museus e o público infantil, Bertha dedicou exten-
sa observação, privilegiando o lado lúdico das atividades: “há duas formas pelas quais os
museus servem à infância, uma didática, que consiste em fornecer subsídios ao ensino e à
instrução pública, e a outra, mais recreativa, que ensina enquanto distrai. É deste segundo
método que trato aqui” (Lutz, 2008, p. 88).

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Foram relatadas as experiências das salas especiais para crianças e dos jogos infantis,
que em geral eram realizados através da aplicação de um questionário, após consulta às sa-
las de exposições ou coleções específicas, para estimular a observação. O relatório descreveu
as experiências com puzzles utilizados no Museu de Búfalo e no Museu Infantil de Brooklyn,
além de outros recursos, como modelos animados, as salas de natureza e as feiras infantis.
Os museus dedicados inteiramente às crianças foram, sem dúvida, o grande destaque do
capítulo. Em relação ao Museu da Criança de Boston, as estatísticas de visitação chamaram
a atenção da autora: “128.752 crianças em 1928-9, com um máximo de 1.473 em fevereiro, e
151 mil em 1930”. Este museu foi referido como uma

organização poderosa, com trustes, diretora muito eficiente, pessoal técnico feminino
treinado e muitos auxiliares. [...]. Acha-se aberto diariamente de 9h às 17h e aos domin-
gos, à tarde. [...]. O Boston Children’s Museum está tão individualizado que possui o seu
próprio hino e edita folhetos e uma revista. É considerado um estabelecimento modelar
(Lutz, 2008, p. 95).

A cientista e a ativista da causa feminina caminharam juntas, através de um olhar diri-


gido e sensível, como não poderia deixar de ser. Ao relatar as habilidades necessárias para
os docentes e guias dos museus no que se referia ao aprendizado dos visitantes, concluiu
que “embora possa parecer suspeito [...], verifiquei que, em regra geral, as mulheres revelam
aptidões superiores para esse gênero de trabalho”.
No capítulo “Educando e educadores”, dedica um longo trecho à questão, intitulado “A
mulher no museu”:

um dos aspectos da atividade dos museus americanos que mais me interessou foi ve-
rificar como é grande o número de mulheres que nele exercem a sua atividade, [...]. O
Museu de Newark [...] é interessante do ponto de vista da mulher. [...]. O Museu tem
grande número de funcionários entre os quais um só homem, o porteiro. Mas o trabalho
pesado, quem o faz? Perguntei admirada. Elas mesmas ou, antes, a máquina que inven-
taram para esse fim. Possuem dois aparelhos que operam sobre o mesmo princípio que
o chamado macaco dos automóveis. Um destina-se aos mostruários horizontais, outro
aos verticais, mas é fato que sublevam e transportam qualquer mostruário, mesmo o
mais pesado. Posso afiançá-lo sob palavra, porque eu mesma o experimentei e transpor-
tei um mostruário grande, de um lado para o outro, com a mesma facilidade com que se
empurra em carrinho de criança (Lutz, 2008, p. 77).

a atualidade de bertha lutz

Em suas palavras finais, Bertha Lutz procurou sintetizar os elementos que influenciaram
a “evolução do museu” e a predominância das atividades de caráter educativo, e deixou um

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recado entre otimista e crítico sobre o novo papel dos museus, que “fiéis a evolução dos
tempos desceram cristãmente do seu aristocrático isolamento”.
As quase oito décadas que separam a redação do relatório e a definitiva publicação de
A função educativa dos museus não impedem uma reflexão objetiva sobre a contribuição e a
atualidade de Bertha Lutz. Deve ser ressaltada a preocupação da autora com o “novo” lugar
do museu, a partir do que chamou de “duplo objetivo”, a pesquisa e a divulgação. Bertha as-
sistiu de perto uma mudança de comportamento por parte dos museus norte-americanos,
que se afastavam cada vez mais da tradição museológica europeia. A despeito de sua forma-
ção na Sorbonne, Bertha iniciou suas atividades científicas no Museu Nacional referenciada
pelos Estados Unidos, “em que os cientistas priorizaram a dedicaram-se eles próprios às suas
pesquisas, à educação e à divulgação científica” (Lopes, 2008, p. 20).
A autora antecipou uma tendência que somente após algumas décadas iria se consoli-
dar definitivamente no país. Não bastasse a detalhada descrição das atividades que acom-
panhou de perto, Bertha também nos legou um quadro de referências bastante extenso,
que serve hoje de parâmetro para uma compreensão do universo das principais influências
teóricas que marcaram especialmente a museologia norte-americana. Em sua bibliografia se
destacam, além dos já citados William Flower, Alexandre Ruhtven, John Cotton Dana, outros
autores como Frank Collins Baker, Laurence Vail Coleman e Ralph Clifton Smith. No mesmo
sentido, são preciosas as imagens anexadas, as fichas de pesquisa, os questionários, os car-
tazes de propaganda, e os modelos de etiquetas e textos explicativos ligados às exposições
de longa duração.
Segundo Maria Margaret Lopes, a importância do pensamento de Bertha Lutz poderia
ser assim resumida:

uma verdadeira e atualíssima provocação, um questionamento positivo aos estudos te-


órico-metodológicos da museologia, da educação em museus, dos estudos de público.
É o mais insistente convite à necessária reflexão sobre as possibilidades analíticas que
os museus oferecem aos historiadores em geral, aos historiadores das ciências, aos estu-
diosos de gênero, para nos ajudar a pensar o século XXI (Lopes, 2008, p. 23).

Referências bibliográficas

BARROSO, Gustavo. Introdução à técnica de museus. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e


Saúde; Museu Histórico Nacional, 1946.
LOPES, Maria Margaret. Convite à leitura. In: LUTZ, Bertha Maria Julia. A função educativa dos
museus. Organizadores: Guilherme Gantois de Miranda, Maria José Veloso da Costa Santos,

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Silvia Ninita de Moura Estevão e Vitor Manoel Marques da Fonseca. Rio de Janeiro: Museu
Nacional; Niterói: Muiraquitã, 2008.
LUTZ, Bertha Maria Julia. A função educativa dos museus. Organizadores: Guilherme Gantois de
Miranda, Maria José Veloso da Costa Santos, Silvia Ninita de Moura Estevão e Vitor Manoel Mar-
ques da Fonseca. Rio de Janeiro: Museu Nacional; Niterói: Muiraquitã, 2008.
SÁ, Ivan Coelho de. História e memória do curso de museologia: do MHN à UNIRIO. Anais do
Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, Museu Histórico Nacional; IBRAM, v. 39, 2007.

Recebido em 20/9/2013
Aprovado em 23/9/2013

p. 132 – jul . / dez . 2013

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