Вы находитесь на странице: 1из 26

O Lendário Bando de Maria Urtigão e a Vaca Lerdeza.

Dramaturgia – Reynaldo Barreto Lisboa.


(22) 99917-0032 / 99957-6418
reynaldolisboa@hotmail.com

Originalmente, um esquete criado em 24.06.08, a partir de um exercício dos meus alunos


do 3º ano na aula de improviso do curso técnico de teatro do CFA M DT– RO.
Aumentado em 11.10.2011 para montagem de espetáculo de rua.

Personagens:

AZULÃO – Contador de causos – vendedor de histórias;


MARIA URTIGÃO – Chefe do bando de cangaceiras;
MUNDICA – Cangaceira braço direito e puxa-saco de Maria Urtigão;
FINHA – Cangaceira;
ZITA - Cangaceira;
SORA – Cangaceira, filha de Finha;
COCHILO – Cangaceira, irmã de Maria Urtigão;
LINDA URTIGUINHA – Aprendiz de cangaceira, filha de Maria Urtigão;
MUSTAFÁ – O caixeiro
SACRISTÃO

AZULÃO – Senhoras e senhores,


Peço-vos a atenção, com toda gentileza
Até por que a pobreza
Não me permite vossa atenção comprar.
Sou andarilho, viajante nesse mundo
Mas vos confesso que no fundo
Desejo fazer deste o meu lugar.
Para tanto necessito
Testar se esse povo bonito
Sabe ser generoso e não tem pena de ofertar.
Não vos pedirei dado o dinheiro

1
Porque isso qualquer banqueiro
Poderia me emprestar.
Trago aqui sublime mercadoria
Que acaba com a nostalgia
E faz a boca se arreganhar.
Dando fuga a um sorriso vigoroso
Que o banguela, a bela e o horroroso
Toda gente, sem demora, vai deixar escapar.
Sou um humilde vendedor de história
E pela minha trajetória
Muitos causos vos posso eu contar.
A paga serão seus aplausos ao final
Mas ofendido ficarei se um real
Nesse chapéu alguém vier depositar.
Deposite de cinco reais para cima
E com sua licença deixarei de rima
Por que a história precisa começar.
(música – Vi dois siri jogando bola)

AZULÃO – Quero me apresentar: sou Azulão. Contador de causos e vendedor de


histórias. Histórias que muita gente insiste em duvidar. Quem sabe uma
mentirinha aqui, outra acolá, exageros e invencionices. Mas de uma coisa até
hoje ninguém duvidou: das minhas boas intenções. Só quero arrancar um
sorriso, uma gargalhada e fazer pensar sobre a vida que levamos. Os causos
que conto são causos vividos, se não pelo corpo, ao menos pela imaginação.
Em minhas andanças pelo nordeste deste nosso país um acontecido me
aconteceu que eu nunca pude esquecer. Vinha eu e Piaba – Piaba era um
bode que um fazendeiro me ofertou por eu ter feito, com algumas histórias,
seu menino sorrir pela primeira vez. Vinha eu e Piaba cansados da jornada e
castigado pelo sol. Naquele dia, por instantes, me deu uma espécie de
lezerice e tonto fui parar no meio da caatinga - se Piaba fosse um labrador
isso não aconteceria - Eu já tinha ouvido dizer que era um lugar perigoso
habitado por mal feitores, cangaceiros sanguinários e cruéis. Mas com os
miolos parcialmente cozinhados, não há mapa, bússola ou GPS que dê jeito.

2
Após sugar a ultima gota de água do meu cantil recuperei a orientação da
cabeça e me vi no meio de um acampamento de um desses terríveis
facínoras. Só tive tempo de correr puxando o bode para trás de um
mandacaru. Pra minha salvação, Piaba era um bode de poucas palavras,
gostava mais era de cantar, mas estava muito cansado o coitado do bode.
Dali, de traz do mandacaru, eu e Piaba presenciamos um momento histórico
do lendário bando de Maria Urtigão.

(Música do Gonzagão: Olha a Pisada - “Os cabras de lampião”)

"Olê muié rendeira


Olê muié rendá
Chorou por mim não fica
Soluçou vai pro borná."

Assim era que cantava os cabras de Lampião


Dançando e xaxando nos forró do sertão
Entrando numa cidade ao sair dum povoado
Cantando a rendeira se danavam no xaxado

Eu que me criei na pisada


Vendo os cangaceirus da pisada
Danço com sucesso na pisada
De Lampião
Olha a pisada.tum tum tum tum(3x)
Olha a pisada
De Lampião

Em pernambuco ele nasceu


Lá no sergipe ele morreu
O seu reinado a ninguém deu
Mas o xaxado
Tem que ser meu

3
(Um bando de cangaceiras descansa no meio da caatinga. Um sacristão atravessa a
cena. Ao sair pelo outro lado a chefe do bando desperta assustada).

MARIA URTIGÃO – Quem taí? Quem taí? (chamando) Cochilo! Ô Cochilo pamonha,
onde ta vancê, praga? Onde eu tavo co’a cabeça pra punhar de
sentinela uma besta chamada Cochilo?

MUNDICA – Né mermo, chefe!!!

MARIA URTIGÃO – Né mermo, o quê? Por acaso cê ta dizendo que minha irmãzinha é
uma praga, uma besta?

MUNDICA – To dizendo nada não. Só to concordando cum que a chefe disse.

MARIA URTIGÃO – Bem, se ta concordando cumigo, ta bom. Num é?

TODAS – Num é!

MARIA URTIGÃO – Ô Cochilo miserável, cadê vancê, mulé?

SORA – Calminha chefe, vai vê que passô ninguém não. Foi só um bicho do mato, um
calango.

FINHA – Tá certinho. Pode de tê sido.

MARIA URTIGÃO – Ói aqui, Sora, e vancê tumbêm, Finha, tem dois futum que conheço
bem: um é de calango - por ter comido o bicho a vida inteirinha e o
otro é de homi, apesar de já se fazê muito tempo que num como
ninhum. Mas a inhaca eu alembro bem. E não me chamo Maria
Urtigão se por aqui num passo homi.

FINHA – É... Tumbém pode de tê sido assim.

LINDA URTIGUINHA - Mainha, to assustadinha!

4
MARIA URTIGÃO – Se assuste não fia. É muito poco um ruído pra assustar a fia de
Maria Urtigão chefe dum bando de cangaceiras da mulesta. E se
alembre fia: fia de cangaceira, é cangaceira tumbém. É o mermo
sangue que escorre na veia.

Entra Cochilo esbaforida

MARIA URTIGÃO – Tu num tava de sentinela, Cochilo?

COCHILO – A noite interinha.

MARIA URTIGÃO – Cumé que te chamo e tu demora três lua pra me atendê?

COCHILO – É que eu tavo aliviando as tripa chefe.

MARIA URTIGÃO – Deixa de lado a porquera e me diz: passô alguém por aqui. No
meinho de nosso acampamento?

ZITA – Ai meu santinho, e se foi os macaco? E se foi o bando de Curisco e Dada?

TODAS – (desejosas) Ai, Curisco!... Ai! Dadadadada...

MARIA URTIGÃO – Cês tratem de tê respeito pela cumadre Dada. Tire os ói gordo de
cima de Curisco. Vamô logo Cochilo, passô alguém por aqui?

COCHILO – Não passo.

TODAS – AAAAAHHH!

COCHILO - Passô?

TODAS – IIIIIIIIIIIIIIII...

5
COCHILO - Passô não.

TODAS – AAAAAHHH!

COCHILO - Passô!

MARIA URTIGÃO – Sua fia dum bode moiado diga logo então quem passô por aqui.

COCHILO – Foi só o sacristão da capela de São Nicolau.

TODAS – (fogosas, menos Maria Urtigão) Ai! Meu São Nicolau.

MARIA URTIGÃO – Mas que tanto esse desinfeliz passeia por aqui?

COCHILO – Diz ele que leva ungüento pros doente do padre Cicó.

MARIA URTIGÃO – Que morra o padre e os seus doente.

ZITA – Num fala assim minha irmã que Deus castiga.

MARIA URTIGÃO – Ah! Deus castiga?!? Por quê? Ele ainda num ta castigando não, é?
Então em sol, em lua sem comer nada alem de mandacaru e
calango, num é castigo? Num é?

TODAS – Num é!

MUNDICA – Num é mermo, chefe!!!

SORA - O chefe, cumé que pode o lendário bando de Maria Urtigão – que é vancê – ta
perecendo de fomi. Um bando que já desafiô e venceu tantos macaco agora
acabá sem tê o que comê?

6
FINHA – (respeitosa) Maria perdoe a ousadia de minha fia, mas a cabrita num dexa de tê
razão. (muda o tom) Mas se vancê quisé eu digo que esta pomba lesa num tem
razão arguma e ainda entorto sua coluna pela afronta que fez a chefe.

LINDA URTIGUINHA – (olhando ao longe) Mainha?...

MARIA URTIGÃO – Castiga não, Finha. Sora tem razão. Mas o que num sabe é que há
algum tempo atrás, este sertão tava infestiado de bando. Era
cangaceiro pra tudo que era lado. Tinha uns ói de cobra no mei, mas
a grande maioria era de gente brava que lutava contra o poder
desses coroné que ecravizava o povo fingindo que dava liberdade.
Até que um dia o governo de Getúlio mandou as coluna avançá. O
espaço foi ficando pequeno, o povo do cangaço acuado. A volante
chegando. Eles vieram disimando, disimando e hoje estamos aqui
entocados na caatinga sem tê nem o que comê... restaram pocos
como nós.

LINDA URTIGUINHA – Mainha!...

MARIA URTIGÃO – Macacos maldito.

MUNDICA – Macacos maldito.

ZITA – Num fala assim que eles tão por toda parte embreados nessa caatinga. Se eles
ouvem, ai meu Deus.

MARIA URTIGÃO – Caatinga é terrero de cangaceiro. Deixa eles ouvi. Arranco cá umas
orelha pra minha coleção...

LINDA URTIGUINHA – Mainha. Mainha...

MARIA URTIGÃO – E capo os condenado e faço eles engoli as própria bolas...

MUNDICA – Isso mermo, chefe!!!

7
FINHA – É! Assim é bom também.

COCHILO – “Cruzim credo”! Isso dá certo não.

MARIA URTIGÃO – Sora ta certa, vamos atrás da comida. Vamô deixá de espreitar e
invadir o povoado agora.

LINDA URTIGUINHA - Mainha?...

MARIA URTIGÃO – Vamô bando. Pegue as arma, os facão e vamô a luta.

ZITA – Vô não. E os macaco?

COCHILO – “Cruzim credo”! Isso dá certo não.

MARIA URTIGÃO – Simbora bando.

Todas reagem ao seu modo, mas o tom que prevalece é o de euforia. Em meio a
balburdia o grito de Linda silencia a todas.

LINDA URTIGUINHA – Maiiiiinnnhaaaaaaa!... (T) Ói que vaquinha charmosa.

TODAS - Vaquinha? (Correm de um lado pra outro montam churrasqueira arrumam


mesa, surgem utensílios para refeição. Três delas começam a tocar baião com
zabumba, triângulo e pandeiro).

FINHA – É lerdeza. A vaca da mulé do Coroné Setembrino.

MARIA URTIGÃO – Pois então vamô sangrá a vaca da mulé do Setembrino Barbosa...

MUNDICA – É mermo assim, chefe!!! Vamô sangrá a vaca.

8
ZITA – Que o quê? É lerdeza, mas num é vaca da mulé do coroné não. Lerdeza é vaca da
mulé do dotor médico Crisóstomo.

MARIA URTIGÃO – Pois então sangremo a vaca da mulé do médico.

ZITA – Vô não. O médico é protegido do coroné e o coroné tem conluio co’s macaco.

COCHILO – Sem medo, Zita. A vaca num é do coroné nem do dotor. A vaca é da mulé do
dono da venda, o Vicente Tomás.
ZITA – Esse então é bicho que não se confia. Vende arma e munição pra nós, pros
macaco e pros jagunço do coroné. Num se sabe de que lado ele ta. Ah! Vô não.

SORA – Mainha é que ta certa, a vaca é da mulé do coroné. Oi como ela é rabuda.

LINDA URTIGUINHA – Essa vaca me parece ser é da mulé do prefeito. Ói o tamanho das
teta dela. Quem gosta de teta grande é o seu prefeito.

MARIA URTIGÃO – Isso é jeito de falar, Lindinha? E cume que ce sabe das preferênça
do véi Euclides?

LINDA URTIGUINHA – Mundica que disse.

MARIA URTIGÃO – Tu tem tanta intimidade assim cum prefeito, Mundica?

MUNDICA – Não chefe. Eu achei assim por mor do jeito que o prefeito oio pra... (sinal
com as mão das tetas grandes de Urtigão) vancê no dia da invasão das terra
do Guilhermino. Eu só pensei alto: Do jeito que o véi oia pra chefe só pode
gostar de teta grande. Daí Lindinha ouviu.

MARIA URTIGÃO – Né nada disso. Qualquer político não pode ver uma teta que já qué
se apossá. Pois ta certo. Num interessa de quem é a teta... quer
dizer: a vaca lerdeza. O que interessa é que o lendário bando de
Maria Urtigão vai sangrá o animar. Simbora.

9
ZITA – Vó não.

MARIA URTIGÃO – A vai! Num é?

TODAS – Num é!

MUNDICA – Num é mermo, chefe!

ZITA – Mas minha irmã...

FINHA – Rosa tá cum a razão, chefe: se a vaca for da mulé do coroné ele manda os
jagunço vir atrás de nós, se for da mulé do médico ele num da mais remédio pra
nós, se for do dono da venda ele num traz mais munição pra nós em troca de
xamego. (t) E num sei o que é pior: ficar sem a munição ou sem o xamego. E se
a vaca for da mulé do prefeito é uma vaca oficiar. Será um crime político, isso dá
certo não. Vai ficá ruim pra nós.

COCHILO – É milhó dexá a vaca na sombra. Calango num é tão ruim. “Cruzim credo”!
Isso dá certo não.

MARIA URTIGÃO – Seja lá de quem for essa vaca vai pro brejo.

FINHA – É! Assim tumbém ta bom.

MUNDICA – A vaca vai pro brejo! Vamo sangra a bicha.

ZITA - Vô não.

FINHA – Assim é que é bom.

COCHILO – “Cruzim credo”. Dexa a vaca em paz.

FINHA – É milhó deixá.

10
SORA – Pra mim é da mulé do coroné.

LINDA URTIGUINHA – É da mulé do prefeito, oi o tetão.

MUNDICA – Vão sangrá a bicha...

MARIA URTIGÃO – Espera! (t) Vem vindo omi.

Todas se agitam cada uma corre prum lado pega nas bolsas batom, espelho, escova de
cabelo, perfume e etc.

MARIA URTIGÃO – Suas desmioladas vances tão querendo morrê? É pra pegá as arma
e se atocaiá bando. Vances são cangaceiras ou são atriz, modelo e
manequim?

Todas fazem poses, caras e bocas sensuais satirizando as modelos da TV. Depois voltam
a real.

MUNDICA – Num é mermo assim, chefe.

FINHA – Isso ta bom não.

ZITA - Deve de sê os macaco. Discunjuro.

SORA – São os omi do coroné.

COCHILO – “Cruzim credo”. Isso dá certo não.

LINDA URTIGUINHA – (olhando a vaca) Oia a teta gente maió que a da mamãe.

MARIA URTIGÃO – Quietas suas praga e se atocaia.

Vem vindo um caixeiro carregando malas com roupas.

11
MUSTAFÁ – Que medo. E se aqui na caatinga tiver escondido um bando sanguinário de
cangaceiros? Só de pensar me desarranja as tripas. Preciso aliviar o ventre
ligeiro.

MARIA URTIGÃO – Pode parar que as terras do meu acampamento num precisam de
adubo, não. E se deixar escapolir um pedacinho que seja faço você
engolir, miserável.

ZITA – Deixa o omi se aliviá, chefe, que é pra carne num fica amargosa.

MUSTAFÁ – Vocês vão me matar? Me sangrar? Me comer?

MARIA URTIGÃO – Ía não, mas essa tua conversa ta até me abrindo o apetite.

LINDA URTIGUINHA – Mainha, da ele pra mim?

SORA – Se a chefe quiser eu levo o moço pra se aliviá atrás duma moita.

FINHA – Num sei a quem essa menina puxô. Quem ta querendo se alivia é tu quenga.
Dexa que eu levo o moço.

MUSTAFÁ – Não precisa mais...

MARIA URTIGÃO – Seu desinfeliz. Caatinga aqui é só a denominação da região. Seu


porquera.

MUSTAFÁ – Perdão dona... perdão.

MUNDICA – Chefe, qué que eu faça o peste punha tudo de volta pra dentro?

COCHILO – Eu já vi esse cabra no povoado, chefe. É o que entrega os vestido e os


perfume lá pra venda.

MUSTAFÁ – Sim, sim. sou Mustafá, o caixeiro...

12
MARIA URTIGÃO – Sei quem vancê é, omi. O que deu nessa sua cabeça de titica pra
passar aqui no meu território? Ta querendo me desafiá peste?

MUSTAFÁ – Não. De jeito algum. Mustafá também sabe quem é a senhora. A sua fama e
do seu temido bando já chegou a capital. Este é o caminho mais rápido para
o povoado. Tenho pressa, pois estou levando uma encomenda para uma
festa de casamento.

LINDA URTIGUINHA – Casamento? Que lindo!

MUNDICA – Chefe, vamos invadir o povoado e acabar com a festa.

FINHA – Vamos tirar a barriga da miséria.

COCHILO – “Cruzim”! Vai da certo não.

MARIA URTIGÃO – E que encomenda é essa? Se é o bolo vamo, começar a refeição hoji
pela sobremesa.

MUSTAFÁ – É o vestido da noiva.

LINDA URTIGUINHA – Mainha, é meu! Deixa eu ficar com o vestido, deixa?

MUSTAFÁ – Não. Por favor? Mustafá precisa desse dinheirinho. A noiva precisa do
vestido.

MARIA URTIGÃO – A noiva já tem um noivo?

MUSTAFÁ – Sim. Um rapaz muito bonito.

MARIA URTIGÃO – Então vamos dividir: ela fica com o noivo e minha “fia” fica com o
vestido.

13
LINDA URTIGUINHA – Mainha, não dá pra trocar?

MARIA URTIGÃO – Não! Não dá. To mimando muito essa cabrita. Agora já falta menos.
falta só o homi. (Linda de olho no Mustafá) E tira o sói desse aí. Num
quero genro cagão. Quero neto com a pexera nos dente.

MUSTAFÁ – Mustafá não serve. Mustafá é muito medroso, covarde, um bosta n’água.

SORA – Pra mim ta bom esse aí, titia. Mamãe nem se importa.

FINHA – Pra mim ta bom assim, mas se num tive bom pra chefe, eu arrebento essa
desmiolada.

MARIA URTIGÃO - Qué casá cum difunto, Sora?

MUSTAFÁ – Defunto?

MARIA URTIGÃO – A não se que vancê ajude a gente a invadi essa festa de casamento.

MUSTAFÁ – A festa da filha do Coronél Setembrino?

ZITA – Ah! num vô. Hoje a festa dela, amanhã nosso enterro.

MUNDICA – Vamo invadi a festa da fia do coroné, chefe?

COCHILO – O coroné tem uns amigo importante. Os macaco vão ta tudo de vigia.
“Credem cruze”! Da certo não.

MARIA URTIGÃO – Cochilo ta certa. Melhô morre de fome que pelas mão dos macaco.
Vamos voltar pra lerdeza.

FINHA – Mas, assim dá no mermo. Pros coroné, vaca, muié, fia, é tudo igual. Vai vê que
ele da até mais valô a vaca.

14
ZITA – Mas, lerdeza não é a vaca da mulé do coroné.

MUSTAFÁ – Não chame senhora Cândida de vaca. Senhora Cândida é uma flor.

TODAS – Huuuuuummmmmm!

MARIA URTIGÃO – Mas que sem-vergonhice. Bem feito pro veio Setembrino. Agora ta
provado; lerdeza pode num se a vaca da mulé do coroné, mas a
mulé do coroné tumbém é uma vaca.

FINHA – Chefe, já que esse cabra é tão desavergonhado que bulina a mulé do coroné,
deixa ele buliná nós?

MUSTAFÁ – Mas...

SORA – Só um cadinho?

LINDA URTIGUINHA – Eu primeiro que tenho que sê inaugurada. Ele tem que ta forte.

MUSTAFÁ – Mustafá não vai aguentar.

ZITA – Primeiro as mais velhas. E se num aguentá , morre.

FINHA – Eu que dei a idéia.

COCHILO – Pelo menos alguma coisa vancê já deu hoji. Eu primeiro que tenho que voltar
pra tocaia.

MUSTAFÁ – Mustafá ta perdido.

MARIA URTIGÃO – Primeiro...

TODAS – A chefe!

15
MARIA URTIGÃO – Primeiro um banho nesse cagão. (elas concordam e se agitam)
Quiétas! Um cheiro...

COCHILO – Foi esse porco denovo?

MUNDICA – Esse bicho deve de ta estragado.

MARIA URTIGÃO – Atocaia bando, que aí vem mais homi.

Todas comemoram.

MARIA URTIGÃO – Rápido que pode de se os macaco.

MUSTAFÁ – Salvo. Salvo.

MARIA URTIGÃO – (ameaçando com a peixeira) Amarra o fedorento. Acho que vancê
tava cum mais medo do banho que das minhas menina.

MUNDICA – Chefe, o cabra se borrô denovo.

MARIA URTIGÃO – Amarra o nojento e se atocaia, rápido.

Vem vindo despreocupado o sacristão. Quando ele chega no meio da cena vê o caixeiro
amarrado e amordaçado.

SACRISTÃO – Jesus. Quem te prendeu aí, homi de Deus? Mas é seu Mustafá. Espera
que vou desamarrá o sinhô. (se aproxima) Misericórdia! Que carniça mais
fedida é essa? (tira a mordaça)

MUSTAFÁ – Foi Maria Urtigão e o seu bando.

SACRISTÃO – Mas cum esse futum, com certeza o seu Mustafá afugentô elas. (entra o
bando sem que o sacristão perceba) Mas cume que um homi desse se

16
deixo amarrá por um bando de mulé morta de fome. Umas lezera. Se
fosse cumigo, homi...

MARIA URTIGÃO – Mostra aqui pras morta de fome o que cê faria se fosse cum tu.
Pegaaaaa!

SACRISTÃO – Jesus, Maria, José!

MUNDICA - É meu, é meu.

FINHA - Tira a roupa, rápido.

COCHILO - Deixa eu comê ele, chefe?

FINHA - Vem cá negão da titia.

LINDA URTIGUINHA - Devagar que eu sou virgem.

SORA - E eu só um cadinho.

MARIA URTIGÃO – Ninguém vai come ninguém.

TODAS - Não? AAAAHHH!

MARIA URTIGÃO - Mas é vancê, cabra? O que tanto tu se embréia na caatinga? Num
sabe que nosso bando está a perigo... ou melhor: é perigoso.

SACRISTÃO – Vancê me desculpe, Maria Urtigão, mas é que preciso aliviá as


necessidade dos doente do padre Cicó.

COCHILO – Como eu falei chefe.

17
MARIA URTIGÃO – Vancê sabia que atrapaiô o meu sono hoji? Que acordei assombrosa
por tua causa? Que num gosto de futum de homi no meu
acampamento? Que eu capo homi e faço ingoli as própria bola?

SACRISTÃO – Jesus, Maria, José!

FINHA – Capa não chefe.

MUNDICA – A gente pode se diverti cum ele.

ZITA - Depois nós capa. Aí vai ficar um capado e um cagado.


LINDA URTIGUINHA – Mainha se a senhora capa ele é menos um homi onde já tem tão
poco... (chorosa) e eu ainda não perdi o selo, mainha.

SORA – (chorosa fingida) Nem eeeeuuuu!

COCHILO – Se eu mermo joguei água pra desatracá vancê e o falecido Dundun, Solange
Cadinho. “Cruzim credo”!

FINHA - Fia? Mas aquele cabra se deitava cum a sua mãe.

MARIA URTIGÃO – Por isso sangrei o desinfeliz. Que Deus o tenha. Mas, voltando ao
Sacristão: Num vô considerá as ofensa que tu tava fazendo aí com o
cagão por que eu sei que vancê tumbém é um bundão igaulzinho ao
outro.

SACRISTÃO – Obrigado, capitão. Então eu posso ir buscá os ungüento?

MARIA URTIGÃO – Vancê num vai a lugar ninhum. As minina iam da um banho nesse
desinfeliz pra adispois xamegá um poquinho cum ele. Mas num sei
se só um banho ia resolvê o problema. Se perderia muito tempo cum
o traste e se gastaria muita água, que é coisa rara cá na caatinga..

MUNDICA – Eu já disse que este peste deve de ta estragado.

18
FINHA – Mas nóis num precisa mais dele. Agora temo o sacristão.

COCHILO – Deixa o sacristão ir buscá os ungüento, chefe. O catingoso carrega os


perfume. Nóis faz ele bebê.

Já tomei a decisão.

LINDA URTIGUINHA – Mainha vai dá os dois pra mim, já que nunca tive ninhum.

SORA – Dê unzinho pra mim tumbém, titia. Nem precisa se intero, só uma partezinha ta
bom.

MARIA URTIGÃO – Solte o catinguento que num to agüentando mais este fedô.

Sora e Linda lamentam.

MARIA URTIGÃO – Mas, escuta aqui o seu bosta; vancê vai trazê uns fardo da tal festa
pra nóis. Se num fizê o que eu digo, quando te encontrá de novo, e
vou encontrá, eu arranco tuas bolas cum os dentes da Mundica, que
num vô botá os dentinhos que me restam nesta porquise que é tu.
Agora somi daqui, somi.

Finha, Munfdica e Zita enxotam o caixeiro.

MARIA URTIGÃO – Rápido peste.

MUSTAFÁ – (com as pernas abertas) Bem que eu queria, dona Maria, Mas não consigo ir
mais rápido.

Finha, Munfdica e Zita enxotam definitivamente o caixeiro.

ZITA – E o que vamo fazê cum o sacristão, chefe? Um assado, um cozido ou vamo cume
ele cru.

19
FINHA – Podemo fazê é uma saliência das boas cum ele.

Todas comemoram.

MARIA URTIGÃO – Bando, temo que agi cum a cabeça. Vamo matá uma fome de cada
vez. Primeiro a do bucho...

MUNDICA – E dispois a da bicha (se referindo ao sexo).

Todas reagem positivamente.

MARIA URTIGÃO – Sacristão, eu deixo cê ir, mas vancê vai tê que ajudá a sangrá a vaca
do coroné.

ZITA – Ai meu Deus, de novo essa história. Num é do coroné. È do médico dotor.

SACRISTÃO – Que vaca?

LINDA URTIGUINHA – (vai mostrar e se aproveita da aproximação pra encoxar o cara)


Aquela bonitinha ali. Fui eu que vi. (sedutora) Vancê comi carne
vermelha? (se insinua) Comi!

SACRISTÃO – Num sei. (para Maria) Como?

MARIA URTIGÃO – Se quer cumê alguma carne primero vai tê que ajudá sangrá a vaca.

SACRISTÃO – Ora! Mas é lerdeza. Num é a vaca da mulé do coroné não.

FINHA – Ói! Mas eu jurava que a vaca era da mulé do Setembrino. Mas se num é, assim
tumbém ta bom.

ZITA – Viu. É do dotor.

20
COCHILO – É do Vicente Tomás.

SACRISTÃO – Não é...

MUNDICA – Viu Lindinha. Nóis é que tava certo. A vaca é da mulé do prefeito.

LINDA URTIGUINHA – Logo vi. (para o sacristão) Óia lá o tamanho das teta.

SACRISTÃO - Hein? (olhando as teta de Maria Urtigão) É! Grande.

MARIA URTIGÃO – Num me interressa de quem é essa vaca. Agora sismei e vo sangrá a
bicha de qualquer jeito. E vancê, sacristão, vai me ajudá.

SACRISTÃO – Mas eu num posso fazê isso.

MARIA URTIGÃO – Vai fazê; se não te dou pras meninas. (todas olham devoradoras pra
ele)

SACRISTÃO – Num posso.

MARIA URTIGÃO – Vai fazê; se não te capo.

SACRISTÃO – Num posso.

TODAS – (menos cochicho) Pode!

SACRISTÃO – Não!

TODAS – (menos Cochicho) Vai fazer.

SACRISTÃO – Não posso sangrá a vaca da mulé do...

MUNDICA E LINDA – Do Prefeito...

21
ZITA – Do Dono da venda...

FINHA – Do coroné?

SACRISTÃO – Do padre.

TODAS – Do padre?

SACRISTÃO – Do padre.

MARIA URTIGÃO – E quem é a mulher do padre.

SACRISTÃO – (indeciso) É... É... (escolhe alguém na platéia) Ela!

MARIA URTIGÃO – Vamo sangrá a cachorra.

Todas saem para a platéia na maior balburdia e seqüestram a espectadora e a amarram


na cena.

MARIA URTIGÃO – Então vancê é a mulé do padre? Quiéta!

MUNDICA – Quiéta!

ZITA – Deixa ela ir. Se ela é mulé do padre é igual ao dono da venda: ora tem parte com
Deus, ora com o rabudo.

SORA – Mamãe, então o padre pode ser meu pai.

FINHA – Sora, fia, respeite sua mãe. Do padre não. Vancê minha fia é igual essa
desinfeliz (espectadora), um cadinho de um, um cadinho de outro. Mas do padre
nem um cadinho.

LINDA URTIGUINHA – Mainha o padre tirô o selo dela.

22
SACRISTÃO – Jesus, Maria, José.

MARIA URTIGÃO – Também num vamos bota toda culpa no padre, né? É pecado.

MUNDICA – Vamo sangrá a pecadora, chefe.

FINHA – Vai vê que por causa dela que este lugar é essa miséria.

ZITA – Deus castigo o povo daqui por causa dela.

MARIA URTIGÃO – Vamo sangrá!

COCHILO – “Credem cruze”. Para! A mulé do padre num é ela não. A mulé do padre so
eu. Lerdeza é minha.

TODAS – Cochicho, mulé do padre?

MARIA URTIGÃO – Que traição, Cochicho. Minha própria irmã. E vancê sacristão,
acoitando.

COCHILO – Chefe foi naquele dia em que eu fiquei escondida na igreja fugida dos
jagunços do coroné. O padre me deu cobertura e eu também dei...
cobertura, pra ele. Daí então pra eu num contá pra ninguém ele me deu
lerdeza...

SACRISTÃO - Que era da mulé do coroné, que pra pagá uns corte de fazenda deu pra
mulé do dono da venda, que pra paga umas consulta deu pra mulé do
dotor médico, que oferto pro padre...

MARIA URTIGÃO – E por quê?

SACRISTÃO – Pro padre guardar um segredo de confissão. Acho que ela meteu a galha
no dotor.

23
MARIA URTIGÃO – E como vancê sabe de tudo isso?

MUNDICA – E comé?

SACRISTÃO – Quando o padre entra na pinga braba não tem segredo de confissão que
ele não conte.

COCHILO – Por favor, minha irmã. Eu nunca ganhei nada de homi ninhum. Não mate
minha vaquinha.

FINHA – Mas, Chica, padre num é homi.

COCHILO – Não é?! (em êxtase) “Credem cruze”! Humhumhum. Hahaha. Aiaiaiai.

MARIA URTIGÃO – Ta certo minha irmã. Num vamo sangrá a vaca.

SORA – Mas, chefe.

LINDA URTIGUINHA – Mainha falô, falô!

ZITA – Mas agora eu quero sangrá. Já que a vaca num é do coroné, vamo sangrá ela.

MARIA URTIGÃO – Ninguém vai sangrá a vaca da minha irmã. Num é?

MUNDICA – Num é mermo assim, chefe!

FINHA – Mas chefe, então o que nos vamo comê?

MARIA URTIGÃO – Cambada, chama na zabumba que hoje nós vamo te um banquete.
Carne vermelha bem passada do Sacristão.

SACRISTÃO – Jesus, Maria, José.

24
MARIA URTIGÃO – E vamo se comporta que hoje nós temo visita pro jantá. (a
espectadora)

FINHA – Chefe será que a gente antes num pode se diverti um pouquinho cum ele?

MARIA URTIGÃO – Mas é claro. Vamos fazê uma festa. Mas como manda a intiqueta, a
primera a se servi é a visita.

TODAS – Depois eu - e eu - eu que sou virgem – deixa um cadinho pra mim – a segunda
é a chefe.

SACRISTÃO – Jesus, Maria, José. (Música)

AZULÃO – Vocês devem estar se perguntando o que aconteceu comigo. Como eu


consegui sair daquela situação. Me aproveitei deste momento de distração e de
euforia do bando para fugir. Mas eu não poderia deixar o sacristão ser devorado
pelas meninas de Maria Urtigão. Então tive uma idéia: (para o bode) Piaba, meu
menino. Sinto muito, mas vamos ter que nos separar – Uma lágrima rolou dos
olinhos de Piaba, eu me fiz de forte – Não fique assim, você vai encontrar
alguém melhor que eu e que aproveite tudo que você pode dar – as patas, as
orelhas, a buchada... – Não é nada contigo e sim comigo. Agora vai, vai, vai... –
Dei uma palmada no lombo de Piaba que correu em disparada passando a
frente do bando que...

LINDA URTIGUINHA – Mamãe, que bodinho charmoso.

MARIA URTIGÃO – Minha gente larga o peste do sacristão e simbora sangrá o bode.

Todas saem gritando atrás do bode. Sacristão fica.

SACRISTÃO – Ai meu Deus, obrigado. Obrigado, meu Deus. (para a espectadora que
está em cena) Foge dona, foge. Aproveita e foge dona. Vai.

AZULÃO – (chamando) Sacristão? Vai ficar me devendo essa.

25
SACRISTÃO – O bode era seu? Muito obrigado. Muito obrigado. Não sei como poderei
pagar o senhor, obrigado. (sai correndo)

AZULÃO – Ah! E por falar em pagar...


Senhoras e senhores
Este chapéu que aqui está em minhas mãos
Foi feito com o legítimo coro da vaca lerdeza
Com o resto eu e o sacristão fizemos churrasco,
Bife a rolé, bife á cavalo e até bife á milanesa.
Da vaquinha só sobrou este chapéu
Mas a ele demos nobre obrigação
Faz boa sombra e ameniza o calor que vem do céu
E ainda serve pra recolher o seu tostão.
Se não tiverem dinheiro, fazer o quê?
Não aceitamos cheque, vale transporte ou ticket de refeição
Aceitaremos seus aplausos e suas críticas
Mas, somente os sinceros, os verdadeiros
Mas, somente os que vierem de dentro do coração.

(passa o chapéu enquanto as meninas tocam um forrozinho, só depois do


chapéu)

O CPT e a Cia Teatral da Antiga Capital Federal


Agradecidos convidam a todos a vir dançar em nosso bailão.

(música – a praça vira um baile. Atores retiram das malas do caxeiro adereços para
ornamentar o público tirando a todos pra dançar.)

FIM.

26

Вам также может понравиться