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ARGÉLIA ANGOLA ÁFRICA do sul

A revolução passo a Relações Angola-Portugal A nação arco-íris


passo Uma nova era, com certeza está doente!

Nº 138 - ABRIL 2019 – 700 Kz / 4 USD / 3 € / R$ 15

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2 ABRIL 2019 – África21


África21– ABRIL 2019 3
sumário

Endividamento dos países Argélia - A revolução passo


africanos Luigi Leone a passo Nathalie Ahmed

22 34

África do Sul - A nação arco-íris Relações Angola-Portugal: uma


está doente! Ben Sira nova era, com certeza J. A. Rangel

43 45
África21 Revista de Política, Economia e Cultura jbelisario.movimento@gmail.com Fotografia Agência Angop, Agência Lusa, Agência France Impressão em Angola: Imprimarte
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4 ABRIL 2019 – África21


aos leitores

ABRIL, NOTÍCIAS MIL


Desdobram-se no céu nuvens cinzentas carregadas de
chuva, que quase sempre são recebidas pelos camponeses
como uma graça divina que entumece as raízes do plantio e
anuncia boas colheitas. Abril, águas mil, já reza o ditado
popular,
Mas em Moçambique, as chuvas diluviais que se
abateram no centro do país à passagem do ciclone Idai,
6 Entrevista provocou uma tragédia medonha, com milhares de vítimas
a crescerem todos os dias. Lavras destruídas, aldeias e vilas
Miguel de Barros submersas, cidades paralisadas, a precisarem de socorros
“As políticas de prevenção, mitigação e combate às urgentes. Foi a maior tragédia de sempre nos anais da
mudanças climáticas só podem ser efetivas através memória, como refere o nosso correspondente em Maputo,
de abordagens globais e esforços regionais” Fernando Gonçalves.
Amável Fernandes A entrevista da edição de Abril, dá voz a Miguel de
Barros, um jovem sociólogo guineense, autor de uma obra
32 MOÇAMBIQUE multifacetada, que foi considerado a personalidade mais
Ciclone Idai devasta centro de Moçambique influente da África Ocidental, no Fórum “Novos Líderes,
Frenando Gonçalves Nova África”, realizado pela Confederação da Juventude da
África Ocidental. Lucidez, optimismo e procura de novos
38 ARTIGO DE OPINIÃO
Alves da Rocha
modelos de desenvolvimento, são a constante da sua
actividade.
40 VENEZUELA Dívidas e endividamento dos países africanos, é matéria
Mil pessoas não fazem um país recorrente da imprensa internacional, mas a informação
Manrique S. gaudin esconde uma guerra sem mercê, entre as grandes potências
e as grandes centrais da desinformação. A entrada da China
48 CUBA no mercado africano, despertou ira dos tradicionais países
Nova constituição consagra mudança na continuidade do Ocidente, que não perdoam a sua intrusão na sua
Hugo Melville coutada tradicional. Artigos centrais de Luigi Leone, com
52 AMBIENTE Pedro Vila Nova, a tratar com pinças, o caso de Angola.
Enfrentar os desafios energéticos em África As manifestações pacíficas na Argélia, que levaram à
Mário Pedro demissão do presidente Bouteflika, foram recebidas com
simpatia em todo mundo, mas a sua posterior continuação
66 ARTIGO DE OPINIÃO que reivindica uma mudança de “sistema”, pode acabar em
Carlos Lopes violência como no passado. A nossa colaboradora Nathalie
Ahmed, tenta explicar a situação com um olhar para o
passado que faz parte da cultura da FLN desde a sua
independência em 1962.
Rubricas Crónicas Como sempre as questões ecológicas e do Ambiente
10 Destaques merecem sempre a nossa atenção constante, eis, assim, a
17 Antenas 58 Odete Costa Semedo razão e a pertinência dos artigos sobre a energia eólica,
21 Gente 71 Muniz Sodré assinado pelo jornalista Mário Pedro.
60 Insumos 80 Amável Fernandes Uma breve nota historiográfica sobre a Banda
65 Press Release Desenhada em África de Manfredo Bem. Lança pistas sobre
74 Livro do mês uma arte, que foi durante décadas menosprezada, e que tem
76 Cults em África fortes tradições. Um tema, aliás, que África 21 vai
voltar a tratar com destaque.
Luanda a capital da Informalidade, assinado por Alves
da Rocha, aborda o outro lado da economia, que de forma
geral no nosso continente, carece de maior investigação e
novas leituras.
Nas últimas páginas da Cultura, uma atenção especial
para a rúbrica o Livro do Mês, sob orientação de José Luís
Mendonça. África21– ABRIL 2019 5
Entrevista Miguel de Barros
Miguel de Barros, jovem investigador de sociologia e activista da Guiné Bissau, foi
galardoado com o prémio do Fórum “ Novos Líderes, Nova África “, atribuído pela
confederação de jovens líderes da África Ocidental, e pela Organização Africana
de Jovens, em 30 de Março em Lomé. O papel da mulher e da juventude africana
no desenvolvimento do nosso continente ainda agarrado aos conceitos caducos da
economia extractiva, que é preciso reverter.
Por Amável Fernandes

África 21 -- O papel da mulher, tra-


dicionalmente negligenciado na so-
ciedade moderna africana, onde o
homem domina o discurso narrativo
na anexação de conceitos de desenvol-
vimento económico, tem sido o cavalo
de batalha dos seus projectos. Quais
foram os seus grandes desafios e per-
calços na Guiné Bissau?
Miguel de Barros: As mulheres e a ju-
ventude constituem simultaneamente o
maior ativo e potencial de transforma-
ção do continente africano. É verdade
que temos ainda muitos desafios a supe-
rar tais como altas taxas de mortalidade
materna, falta de cobertura do sistema
educativo que é ainda caracterizado por
alguma exclusão das meninas, exposição
a vulnerabilidades e práticas culturais
discriminatórias e privativas da liberdade
como o casamento precoce e forçado, a
mutilação genital feminina, peso exces-
sivo da responsabilização nas atividades
domésticas, todos fruto de séculos de su-
balternização em contextos de privação

“É possível os
de recursos estruturais para melhoria das
condições de vida não só das mulheres,
mas também das nossas sociedades.
Na Guiné-Bissau, as mulheres são os pi-

africanos construírem lares do sistema produtivo, económico.


Elas são dinamizadoras da vida social
com alto sentido de coesão, mas estão

o paraíso no seu
quase arredadas das esferas de decisão
nos espaços tradicionais locais mas tam-
bém nos órgãos de soberania e nas em-
presas. Porém, nós não partimos desta

continente”
base, mas sim reconvertemos as dinâmi-
cas de convivência para um cunho mais
machista em dois momentos:
- o regime colonial alterou os modelos

6 ABRIL 2019 – África21


tradicionais de alguns grupos étnicos ção de oportunidades de transformação sistémica.
que tinham modelos sociais onde o po- sociocultural e política num equilíbrio No caso da Guiné-Bissau, o país através
der se estruturava de forma matriarcal entre o modo de vida, a produção e o das suas instituições públicas, não gover-
(como é o caso dos Bijagós) e também consumo, mas também na forma como namentais e comunitárias tem vindo a
de forma horizontal (como são os casos sustentamos a nossa economia e as nos- fazer esforços consideráveis na conserva-
dos Balantas) e até onde as mulheres ti- sas instituições democráticas. ção de espaços e recursos naturais através
nham monopólio do comércio (como Para o efeito, o sistema educativo deve de implementação de modelos endóge-
era a sociedade crioula de Cacheu antes constituir-se como a base de uma nova nos e participativos que faz com que hoje
do século XIV). A lógica de imposição economia criativa geradora de empre- sejamos a maior potência de conservação
de sociedades hierarquizadas, a imposi- gos sustentáveis capaz de dialogar com da África Ocidental com mais de 26%
ção do modelo social baseado no poder mercados e produtora de bens e serviços. do seu território oficializado e funcional
dos homens e no controle das mulheres Os nossos Estados devem ser agentes ca- como Áreas Protegidas, integrando po-
no seu espaço doméstico, foram um dos pazes de financiar um sistema de ensino pulação no seu interior, mas de forma
principais impactos dos colonialismos público que forme e qualifique os talen- harmoniosa com a natureza, servindo es-
nas estruturas sociais tradicionais; tos humanos, aprendendo sobre o mun- ses espaços de reservas de biodiversidade,
- a liberalização económica e financei- do através de uma base de historicidade modos de vida e de resiliência natural e
ra dos mercados implementada pelo do seu continente, das suas culturas po- cultural, jogando um papel crucial na re-
programa de Ajustamento Estrutural pulares e tradicionais, das suas filosofias, generação de recursos e proteção costeira
sob égide do Banco Mundial e Fundo dos modos tradicionais de gestão dos e climática, mesmo estando numa zona
Monetário Internacional, obrigou a um ecossistemas, mas também da produção próxima do Sahel.
regime de descoletivização de proprie- de tecnologias adaptadas ao sistema pro-
dades produtivas comunitárias e de cul- dutivo sustentável que interage com o A21 – A Guiné Bissau que teve uma
turas alimentares transformadas em ter- contexto global. luta anticolonial exemplar no quadro
ritórios de monoculturas de renda para Para o efeito, o modelo de extrativismo dos movimentos de libertação africa-
exportação, para o pagamento de servi- dos recursos naturais e a sua exportação nos, tombou no abismo tenebroso de
ços de dívida, gerou um modelo econó- para transformação fora do continente golpes de estado, assassinatos e clima
mico baseado na especulação e comércio para depois entrar como um produto de guerra civil que ainda hoje marca a
de produtos importados mais dominado transformado que pagamos para consu- imagem do país. Quais foram as gran-
pelos homens. Neste contexto, a priva- mir deve mudar, tal como o privilégio de des pulsões de quase guerra civil?
tização de terras por uma elite política mobilidade comercial para fora do con- MdB: O Território que é hoje a Guiné-
e militar transformada em atores eco- tinente e ainda acreditar que é através da -Bissau foi palco do último império pré-
nómicos condicionou a transformação ajuda pública ao desenvolvimento que se -colonial em África, alberga mais de trin-
económica, e relegou as mulheres para faz investimentos de longo prazo. ta grupos étnicos e cada um com o seu
um contexto produtivo de baixa escala, modelo de sociedade, culto e tradição.
rudimentar ao nível doméstico e de pro- A21 – Uma questão incontornável e Enquanto Estado, fez um grande esforço
ximidade, recalcada por tabus e mitos de transversal de toda a sua obra é o con- para se constituir e erguer-se depois de
cunho religioso. ceito de desenvolvimento económico e uma longa presença colonial que tinha
social em África. Vivemos numa época uma visão do espaço enquanto meio de
A21 – A atribuição do prémio pela de transição climatérica inexorável. exploração e que criou um regime de
Confederação da Juventude da África Como dirigente da ONG, Tiniguena, diferenciação de povos e civilizações.
Ocidental (CWAY) como personalida- como observa essa luta no quadro re- Chegou à sua independência depois de
de que se “celebra um modelo para a gional do seu país? 11 anos de luta armada para a libertação
juventude africana” recompensa uma MdB: As políticas de prevenção, mitiga- nacional e no fim encontrou apenas 14
visão e a sua obra. Hoje a juventude ção e combate às mudanças climáticas só pessoas detentoras de uma qualificação
africana continua desesperadamente podem ser efetivas através de abordagens superior e sem nenhuma estrutura en-
a enfrentar o Mediterrâneo entre mil globais e esforços regionais. Para o efeito dógena com experiência administrativa.
perigos, no caminho da Europa. Que há que considerar mais que os debates Porém, durante uma década (1974-
fazer para mudar esta situação? os compromissos entre estados e atores 1984) teve possibilidade de construir
MdB: É possível os africanos construí- como as empresas, sobretudo as multi- um sistema social e um Estado providên-
rem o seu paraíso no seu continente. nacionais que influenciam formas de ex- cia que deu possibilidades de mobilidade
Para tal temos que mudar o nosso mode- ploração insustentáveis e consumos que social, acesso aos serviços, qualificou os
lo e ideia de investimento público e gera- geram maior destruição natural e ecos- seus recursos humanos e construiu uma

África21– ABRIL 2019 7


administração pública.
A inculcação de um modelo neoliberal
num contexto de economia planificada
assente num regime de partido-estado li-
derado por “militantes revolucionários”,
com elevado número de campesinato,
acentuou uma clivagem social e política,
retirou o estado das zonas rurais e gerou PERFIL
uma sociedade burguesa sem visão e nem
capacidade de construção de uma agen- Miguel de Barros (Bissau,
da pública nacional acabando por ficar 27/06/1980): Sociólogo, editor, investi-
desde então num modelo de tutela insti- gador e ativista guineense. É fundador
tucionalizada, primeiro pelo FMI/BM e da Cooperativa de Produção, Difusão
é nesse contexto de crise de Estado que se política e dirigente do país, sobretudo Cultural e Científica, coordenador da
se procedeu à liberalização política, sem na relação institucional entre os órgãos Célula de Pesquisa em Antropologia,
uma cultura cívica e sem desmilitariza- de soberania (incluindo a classe castren- História e Sociologia no Centro de Es-
ção do partido-estado e de crise econó- se). tudos Sociais Amílcar Cabral (CESAC/
Guiné-Bissau) do qual é cofundador e
mica que favoreceu o desenvolvimento Ou seja, trata-se, portanto, de um esfor-
membro do Conselho de Pesquisa para
de uma visão patrimonialista do Estado ço para a construção da confiança en-
as Ciências Sociais em África (CODES-
açambarcando todos os recursos e rique- tre os atores políticos e engajá-los num RIA/Senegal), atuando ainda em regime
zas por parte dos servidores do públicos. amplo compromisso geracional com a de colaboração com vários centros de
Com isto quero apenas demonstrar que Sociedade através de um novo contrato pesquisa na Europa (Portugal, Bélgica)
as crises políticas que o país viveu nos úl- social, o que permitirá produzir acordos e América do Sul (Brasil e Chile). Desde
timos trinta anos não são decorrentes e tendo em vista as reformas necessárias 2012, é diretor executivo da ONG gui-
nem originárias de guerras civis ou con- no sistema político, judicial, económico, neense Tiniguena – Esta Terra é Nossa!
flitos étnicos, mas sim da violência do da defesa e segurança, da administração Uma das mais antigas e importantes do
estado açambarcada pelos protagonistas pública e territorial e do funcionamento país. Coordenou a elaboração da se-
que disputam controle dos seus recursos das relações entre os órgãos de soberania gunda geração da Política Nacional para
com a participação de atores externos in- e deste modo gerar maior estabilidade Igualdade e Equidade de Género e co-
-coordenou a equipa técnica que elabo-
teressados na exploração desses recursos política e governativa em prol do desen-
rou a Estratégia Nacional da Segurança
(pesca, floresta, petróleo). Aliás, durante volvimento humano, inclusivo e durá-
Alimentar e Nutricional da Guiné-Bissau.
os onze meses de conflito político não vel. É esse esforço que o país está a fazer. Em 2018 foi distinguido com o prémio
houve nenhum campo de refugiados, as panafricano humanitário em “Leadership
pessoas deslocadas eram acolhidas por A21– A comunidade internacional e in Research & Social Impact” e faz parte
comunidades interétnicas e que coabita- a população do seu país, olham com da lista de personalidade com menos de
ram de forma pacífica. bastante esperança últimas eleições de 40 anos mais influente em África Oci-
09 de Março que deram a vitória ao dental.
A21– Hoje fala-se na Guiné Bissau da PAIGC. Mas há quem fale dos fantas-
necessidade de uma comissão de re- mas de velhas rivalidades entre perso- Algumas publicações:
- Barros, M. (2015) Civil Society and the State
conciliação nacional para apaziguar nagens políticas que podem reacender in Guinea Bissau: Dynamic Challenges and
os espíritos e virasse uma nova página uma guerra entre clãs políticos. Existe Perspectives, Bissau: UE-PAANE
do futuro do país. um novo consenso de paz? - Barros, M., Bussotti L., Grätz T. (2015) Me-
dia Freedom and Right to Information in Afri-
MdB: Há um erro nessa colocação. Não MdB: As eleições não são um fim em si. ca, Lisbon: CEI- IUL (E-book)
tivemos um processo político como o São momentos de renovação do compro- - Barros, M. (2014) The Impact of Voluntee-
da África do Sul e nem estivemos numa misso entre atores políticos e a Sociedade rism in Guinea-Bissau, Bissau: PNUD
Barros,
M. Carvalho, C. Eds. (2014) Civil Society,
situação político-militar como a de An- baseado na confiança que as populações Sovereignty, Food and Nutrition Security, Bis-
gola e Moçambique que conheceram a geram nos programas e protagonistas em sau: IMVF-RESSAN
guerra civil durante longos anos e que cena. No caso guineense é um momento - Barros, M. Semedo, O. (2013) Women‘s
Participation in Policy and Decision Making
gerou uma clivagem entre o norte e o sul bastante mobilizador e estas últimas elei-
in Guinea-Bissau: From Consciousness
ou o confronto entre etnias. Não se trata ções tiveram alguns elementos positivos and Perception to Political Practice, Bissau:
nada disso. A necessidade de instauração e encorajadores, como a maior implica- UNIOGBIS
da confiança encontra-se no seio da clas- ção e participação.

8 ABRIL 2019 – África21


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África21– ABRIL 2019 9


RD CONGO - A CONTINUIDADE DE KABILA COM NOVAS
destaques
APARÊNCIAS
Várias semanas após as eleições presidenciais que levaram à
presidência Félix Tshikedi, o que realmente mudou foram as
aparências na encenação política, porque quem realmente a dita
a agenda governativa, continua a ser o antigo presidente Joseph
Kabila, forte da maioria absoluta de deputados eleitos nas várias
Assembleias Regionais e da Assembleia Nacional em Kinshasa.
O novo presidente que emergiu da coligação de oposição,
tomou medidas forte e carregadas de emoção, tais como a liber-
tação de dois conhecidos opositores de Kabila, Firmin Yangambi
e Franck Diongo, os dois presos em 2016, no momento mais forte
RUANDA - ANIVERSÁRIO DO GENOCÍDIO E das manifestações contra o prolongamento do segundo e último
RECONCILIAÇÃO NACIONAL mandato presidencial.
Mas as recentes eleições senatorias de 09 de Março, deram
Em 7 de Abril último, o Ruanda comemorou o 25º aniversário do à Frente Comum do Congo (FCC) 84 dos 100 lugares no senado
genocídio de 1994, cujo traumatismo, apesar de todos os esfor- nas 24 das 26 províncias, com um adiamento eleitoral em duas
ços de reconciliação, está longe de ser esquecido neste impor- províncias. Uma vitória esmagadora que fez festejar os militantes
tante país dos Grandes Lagos. de Kabila em todo o território do país, que irá pesar na escolha
Passado um quarto de século, o presidente ruandês Paul dos governadores regionais e influenciar decisivamente a esco-
Kagame, declara luto nacional por um período de cem dias, o lha do futuro primeiro-ministro.
mesmo período de tempo, acendendo uma simbólica chama no Segundo alguns analistas da cena política congolesa, a
memorial Gesoli em Kigali, antes de se dirigir às cerimónias ri- maioria absoluta nas legislativas e no senado, colocam o presi-
tuais no estádio Amahoro. dente Félix Tshisekedi, à mercê de uma revisão constitucional e
Cem dias, exactamente o mesmo número de dias entre Abril mesmo de eventuais proceduras maliciosas contra o actual Chefe
e Junho de 1994, que durou o genocídio levado a cabo por extre- de Estado.
mistas hútus contra a minoria tutsi, mas que fez vítimas entre No campo da UDPS (União Democrática para o Progresso
hútus moderados. Social) que reagrupa a base militante do actual presidente Tshi-
O assassinato do presidente hútu Juvenal Habyarimana, foi o sekedi, passou-se de um clima de euforia ao espanto e cólera,
sinal para desencadear o massacre perpetrado pelas Forças Ar- quando se deram conta que não tinham sequer conseguido ele-
madas Ruandesas (FAR) e pelas milícias Hútus Inter ahuamwe ger um só senador nos sectores que consideravam mais fiéis
fanatizadas pela propaganda da rádio Mil Colinas, que incitavam como Kinshasa e Kasai, considerados “grandes eleitores”.
a acabar com os “inwenzi” (baratas), resultaram num massacre O descontentamento da base militante da UDPS, levou a
sem precedentes no continente africano. cabo “expedições punitivas contra as residências dos seus depu-
Quando a rebelião chefiada pelo actual presidente Paul Ka- tados regionais”, que acusam de se ter passado de armas e ba-
game, pertencente à etnia tutsi toma o poder, cerca de dois mi- gagens para a FCC de Kabila; o mesmo cenário de revolta no in-
lhões de hútus receosos de vinganças e represálias, foge para a terior do partido derrotado levou em Kinshasa, à proibição de
região oriental da RD Congo, onde na derrocada dos últimos dias entrada dos próprios deputados na sede do seu próprio Partido,
de Mobutu, ganham protagonismo político, através da agrupação que levou à intervenção da polícia nacional, que impediu o ataque
de milícias e partidos armados que se inserem na história da a uma delegação da FCC.
conflitualidade da região de Kivu. Os resultados das eleições senatoriais não espantaram Mar-
Após duas décadas de espera e esgotadas as esperanças de tin Fayalu, que em Paris continua a campanha de denúncia das
um regresso triunfal ao Ruanda, milhares de hútus começam a eleições presidenciais de 30 de Dezembro passado que elegeu
regressar ao país natal, encorajados pela política de perdão e
espírito de reconciliação nacional no país pelas autoridades de
Kigali.
O impressionante progresso e desenvolvimento nacional do
Ruanda, joga uma carta decisiva na inflexão dos principais líde-
res hútus, que decidem meter fim ao seu estatuto de párias afri-
canos, acorrendo a centros de formação profissional ruandeses
que proporcionam profissões para uma inserção social no mundo
do trabalho.

10 ABRIL 2019 – África21


Félix Tshisekedi, que considera uma mera “marionnette” de Os turcos voltam às urnas em 2023 para as eleições legislati-
Kabila. vas, que coincidem com o centenário da fundação da República,
“Tshisekedi estava ávido de poder e caiu na armadilha”, co- e ninguém consegue imaginar que Erdogan não faça parte do
mentou Martin Fayalu.” Agora Kabila tem tudo, e ri-se de todo o cenário.
mundo.” Para o professor de Relações Internacionais da Universidade
Entretanto um comunicado do chefe de gabinete do presiden- de Bilikent, Berk Esen, o resultado é terrível porque “mostra que
te Félix Tsisekedi, “congelou” as eleições e tomada de posse no o presidente mais poderoso das últimas décadas passou a ser
senado, por suspeitas de corrupção, esperando-se o resultado bastante vulnerável”, e acrescentando “que há uma crise econó-
de uma comissão de verificação e inquérito sobre o escrutínio. mica e há uma crise internacional com a situação de impasse nas
relações com os Estados Unidos”.
TURQUIA - ERDOGAN PERDE GRANDES CIDADES NAS
ELEIÇÕES MUNICIPAIS EUROPEUS RESTRINGEM SALVAMENTO NO
MEDITERRÂNEO
Uma operação naval, sem navios, foi com estas palavras que o
prestigiado quotidiano francês Le Monde, comentava a recente
decisão da União Europeia, pressionada pela Itália de Salviani,
de limitar drasticamente o salvamento no Mar Mediterrâneo, que
permitiu salvar a vida de cerca de 4.500 migrantes africanos.
Privando de navios a Missão Sophia no Mediterrâneo, dispositivo
central da Eunavifor chefiada por um almirante, a Europa pôs um
ponto final na emblemática política de segurança e defesa co-
mum, que apesar de ser formalmente prolongada, foi privada de
qualquer substância concreta, mantendo somente a vigilância
O Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) do presidente aérea na costa líbia, e reduzida à missão complementar da for-
turco, Racep Tayio Erdogan sofreu uma dura derrota nas eleições mação técnica de guarda-costas líbios.
municipais, que perdeu as grandes cidades do país, Instambul, A transferência do poder de salvamento e intercepção de migran-
Ankara, Esmirna e Adana, para as mãos da oposição do Partido tes para os guarda-costas líbios, é criticada fortemente por algu-
republicano do Povo (CHP), marcando o fim de uma governação mas instituições humanitárias que acusam a polícia marítima líbia
autoritária de duas décadas sem contestação. de deter os candidatos imigrantes em condições extremamente
Em Instambul, a maior cidade do país com mais de 10 mi- duras e no melhor dos casos reexpedi-los para os países de
lhões de habitantes, a disputa foi ao milímetro entre o candidato origem.
do CHP Ekren Imamaghe e o seu adversário do AKP, Binili Yil-
drim, que perdeu com a margem estreita de apenas 20 mil votos,
tendo o partido de Erdogan reclamado de situações irregulares e
tentativa de fraude.
Perder Instambul tem um significado acrescido para Erdogan,
cuja ascensão política teve início em 1994, como presidente da
Câmara da cidade, levando o correspondente da BBC, Mark
Lowen afirmar quês tas eleições constituem um “momento char-
neira” para o presidente Erdogan, quando “demonstrou que uma
oposição que era vista como moribunda, percebe que pode
ganhar”.
O que parece certo, é que estas eleições municipais que o
próprio Erdogan classificou como “uma questão de sobrevivên-
cia” para o regime que lidera o país desde 2003, representam um Apesar de se debater com falta de meios náuticos e helicópteros
ponto de viragem do eleitorado, e pode ser considerado como um e outros meios aéreos, a guarda-costeira conseguiu apreender
referendo à sua governação autoritária. destruir 500 embarcações e deter 150 traficantes, os grandes
Apesar da perda inesperada a nível local, Erdogan vai manter deste “comércio humano”. Por outro lado, o governo italiano que
o o controlo apertado sobre todas as instituições de estado, e proibiu a entrada nos seus portos de qualquer embarcação com
ninguém pode vaticinar que a derrota eleitoral, marca o fim políti- os indesejados migrantes, acusou as ONG’s de fomentar a migra-
co de uma era que pôs fim às principais conquistas republicanas ção e em consequência as “máfias” líbias, que exploram a tole-
de Mustafá Kemal Ataturk, o fundador da moderna Turquia. rância e os excessos de humanitarismo da Europa.
12 ABRIL 2019 – África21
O acordo da União Europeia que restringe os meios navais para Postos de Venda
salvamento foi aprovado por 28 países, que seguiram a iniciativa
do novo governo de coligação “anti-sistema” no poder em Roma
da Revista África21
desde 2918.
As costas italianas e em particular a ilha de Lampedusa, eram os LUANDA
pontos da Europa mais assediada pela migração clandestina, que
Lojas Africana
fez as grandes manchetes de sensação nos jornais e televisões
Mutamba – Rua Rainha Ginga (junto à sede da Sonangol)
de todo o mundo, contribuindo de certa forma para o voto euro- Hotel Skyna (hall do hotel)
peu de extrema-direita, que ainda tem a migração africana e Av. dos Combatentes (junto ao restaurante Ritz)
muçulmana com os grandes temas aglutinadores. Shopping do Belas (junto à zona da restauração)

ESPANHA REFORÇA SUA POLÍTICA EM ÁFRICA Outros revendedores


Afro Beleza - Aeroporto domestico Luanda
Bisturi.Angola - Universidade Católica - Palanca
Bombas Pumangol
Cipé Lounge café - Aeroporto domestico Benguela
Distribuidora News Praia do Bispo (perto do Mausoléu)
Galeria Hotel Alvalade
Galeria Hotel Trópico
Galeria Diantrus - Hotel. Trópico - kinaxixi
Livraria Mensagem - Rua do 1.º Congresso do MPLA Mutamba
Livraria Nguvulu – Vila de Viana (junto à Igreja Católica)
Livraria Papelaria Mestria – Kinaxixi (junto à farmácia do Kina Xixi)
Livraria Sá da Bandeira – Maculusso
P.A Polo Industrial - Via Expresso - Frente ao Prédios do Zango
P.A Calumbo - Zango 2
P.A Zango - Wine - Viana via do simiteiro
Apesar da sua posição geográfica muito próxima do continente P.A Escola - Morro Bento Pro-cimo ao Motocros
africano e ser um dos raros países europeus que possui minúscu- P.A Maezo - Via Expresso Zango a Cacuaco
los territórios em África, Ceuta e Melilla, autênticos enclaves no Star Angola (Viana) Rua Comandante Valódia (prédio da Conservatória)
Supermercado Valoeste
território marroquino, para além do arquipélago das Canárias, a
Tudo é Possível - São Paulo Junto ao banco Millennium atlântico
Espanha nunca potenciou os seus laços com o continente
africano. LUBANGO
Mesmo com a Guiné Equatorial, único país africano a ter o espa- Livraria Jomarte
nhol como idioma, a diplomacia de Madrid continua um pouco
evasiva e distante, e o abandono do território do Sahara Ociden- HUAMBO
tal nas mãos de Marrocos, contribuiu negativamente na sua ima- Ludim Centro Comercial – Cidade Alta - Rua Imaculada Conceição
gem na maior parte dos países africanos. Mercado Central da Baixa
Com a apresentação do Plano África III, o novo ministro dos Ne- BIÉ
gócios Estrangeiros castelhano, Josep Borrell, abre novas embai- Praça da Pouca Vergonha
xadas em África sub-sahariana, com 23 embaixadores no conjun-
to de 30 representações credenciadas em todo o continente BENGUELA
africano, que representa uma viragem assertiva na história diplo- Pastelaria Flamingo
mática do Reino espanhol, acompanhada da inauguração em CAB (Café da Cidade)
Dakar, do primeiro Instituto Cervantes fora do Magrebe. Café Lounge Café
A diplomacia espanhola fora da Europa, foi, durante décadas, Tabacaria Grilo – Edificio do Mercado de Benguela
absorvida pela predominância dos laços com os países da Amé-
LOBITO
rica Latina, mas nos últimos anos o número de empresas espa- Tabacaria Mini Mercado do Lobito
nholas a trabalhar no continente africano aumentou de forma Quiosque Aurea
significativa, ao mesmo tempo se intensificou a cooperação em Sala Executiva do Aeroporto da Catumbela
diversas áreas do domínio de estado. Actualmente mais de mil
militares espanhóis cumprem missões repartidos em sete países NAMIBE
africanos. Futuro sem limites FASHION, Lda.
A nova diplomacia de Madrid começou em 2007, com o primeiro Mini-mercado Tropicália
Livraria Luenny & Luengy
ministro socialista José Luís Rodriguez Zapatero que abriu nos
Organizações Wacundy Okuliakuetu

África21– ABRIL 2019 13


destaques
Negócios Estrangeiros a Direcção Geral para África, com entida- região do Médio Oriente ainda sofre as consequências da chama-
de à parte da Direcção do Magrebe e do Médio Oriente, orienta- da Primavera Árabe de 2011, que levou à queda de Hosni Mouba-
ção que foi mantida pelo primeiro- ministro conservador Mariano rak, e a eleição de Mohamed Morsi, líder dos Irmãos Muçulma-
Rajoy e pelo seu sucessor Pedro Sanchez. nos, actualmente na prisão, após o golpe de estado do actual
A nova atenção espanhola em relação ao continente africano, e presidente egípcio general Abdel Fattah al-Sissi.
em particular aos países do sul do Sahara, não é alheia da reper- Mesmo durante o curto mandato de Morsi, destituído pelo exérci-
cussão mediática do fenómeno da migração africana através do to em 2013, as relações bilaterais não atravessaram nenhuma
Mar Mediterrâneo, que em vagas sucessivas alcançou a costa sul crise maior: o Egipto continuou a representar o papel de mediador
da península. A luta contra o terrorismo islâmico no Sahel, é privilegiado dos países árabes com Israel e muito principalmente
também uma das preocupações actuais dos serviços de informa- com o movimento islamita Hamas, no poder na faixa de Gaza,
ção militares de Madrid. política que tudo indica vai continuar a perdurar por muitos anos,
Os debates sobre o Sahara Ocidental, antiga colónia castelhana, confirma o investigador egípcio Amr Choubaki, do Centro de Es-
anexada por Marrocos no rescaldo pós-franquista em 1975, e que tudos de Política Estratégica Al-Ahran.
faz parte da agenda dos países da União Africana e da ONU, é Após a chegada ao poder de Donald Trump na Casa Branca, em
um tema sensível para a Espanha e pesa em particular nas suas 2017, o Egipto do presidente Fattah al-Sissi, tal como outros paí-
relações co Marrocos e Argélia, assim como de outros países ses árabes fiéis a Washington, sentiram-se um pouco embaraça-
africanos na África Austral que tinham reconhecido a República dos pela diplomacia de Trump, abertamente favorável a Israel,
Árabe Saharaui Democrática (RASD). reconhecendo em 2018, a cidade de Jerusalém como capital de
Israel, e no passado mês de Março, a plena soberania israelita
EGIPTO-ISRAEL: 40 ANOS DE RELAÇÕES ESTÁVEIS E sobre o território dos Montes Golan.
Recorde-se que o território fronteiriço do planalto sírio de Golan,
ALGUNS AMARGOS foi ocupado pelo exército sírio na Guerra Israelo-árabe em 1967,
e mais tarde anexado por Telavive em 1981, sem reconhecimento
Quarenta anos após a assinatura do tratado de paz entre o Egipto internacional das Nações Unidas.
e Israel, as relações entre os dois estados vizinhos e íntimos O Egipto tem uma actuação cautelosa e prudente em relação a
aliados dos Estados Unidos no Médio Oriente, podem considerar- Washington, principal credor financeiro do Egipto, do qual benefi-
-se estáveis e têm sobrevivido a todos os desentendimentos e ciou desde 1980 de 40 mil milhões de dólares para o exército,
discórdias regionais. para além de mais 30 mil milhões para a ajuda económica, se-
Em 26 de Março de 1979, o presidente egípcio Anouar El-Sadate gundo fontes do departamento do estado americano.
e o primeiro-ministro israelita Menahem Begin, assinaram em
Washington, sob a tutela do presidente americano Jimmy Carter, Mali: o estado de violência
o primeiro tratado de paz entre um país árabe e o estado hebreu,
mundialmente conhecido como o Acordo de Campo David. Os trágicos acontecimentos de março no Mali confirmam o fra-
Desde essa data o Egipto, tem se conservado ausente de qual- casso da estratégia securitária preconizada pelos estrategas
quer acto de beligerância que envolve o mundo árabe e Israel, ocidentais na luta contra o chamado terrorismo islâmico ao sul do
sublinha Abdelazin Hammad, analista político do jornal egípcio Sara (ver Africa 21)
Al-Chorouk, realçando que o tratado pôs fim ao estado de guerra A 17 de março centenas de jihadistas, comandados por um de-
entre os dois países, que existia desde a fundação nacional de sertor das Forças Armadas malianas (FAMa), que se juntou ao
Israel em 1948. Grupo de Apoio ao Islão e aos Muçulmanos (GSIM em francês),
O quadragésimo aniversário é celebrado no momento em que a liderado pelo Tuaregue maliano Yiad Ghali, atacou a base das
FAMa a Dioura, matando três dezenas de militares malianos.
A 23 de março, mais de 160 populares, da etnia peul, da aldeia de
Ogossagou,na região de Mopti, foram mortos num massacre
atribuído pelas autoridades de Bamako a uma milícia de autode-
fesa constituída maioritariamente por aldeões do povo Dogon.
Enquanto as mulheres e familiares dos militares organizam mani-
festações de protesto, acusando o Governo de não dar as forças
armadas os meios necessários para garantir a sua própria segu-
rança e a das populações, no centro do Mali, densamente povoa-
do e mosaico étnico, assiste-se á «limpezas étnicas» e os tradi-
cionais diferendos entre pastores e agricultores pela posse das
terras e da água, resolvem-se cada vez mais a tiros de kalashni-
kov e lança-morteiros.

14 ABRIL 2019 – África21


África21– ABRIL 2019 15
Uma situação cada vez mais parecida a que levou, em 2012, ao
golpe de estado contra o então presidente Amadou Toumani
Touré, e a tentativa de secessão dos tuaregues do norte do Mali,
com o agravante de que os varios grupos armados jihadistas,
agora agrupados no GSIM, estarem agora a dirigir os seus apelos
à guerra santa aos Peul, um povo de 40 milhões repartido entre
uma dúzia de países do Sahel e da Africa Ocidental, da Guiné ao
Burkina Faso. Com efeito, os peul, islamizados desde o seculo XI,
são facilmente suspeitados de simpatia pelos «terroristas» islâmi-
cos e frequentemente alvos de abusos, quer por parte das autori-
dades locais, quer pelas tropas estrangeiras empenhadas na
perseguição dos grupos armados islâmicos.
A espiral de violência entre as duas etnias “dogon e peul” foi de-
nunciada por um comunicado da força internacional do Minusma,
claramente incapaz de impedir tais actos de violência que se tor- presas que emprega cerca de 18 mil assalariados em três conti-
nam cada vez mais frequentes nos últimos meses. nentes, que vai do sector agro-alimentar, obras-públicas, siderur-
Embora existam rivalidades seculares entre estas etnias, a vio- gia, distribuição, siderurgia electrónica e electrodomésticos,
lência tem redobrado após a aparição do grupo jihadista chefiado Rebrab fez a sua imensa fortuna à sombra de Bouteflika, tornan-
por Amadou Koufa na região, que tem centrado o recrutamento do-se o homem mais rico da Argélia e o sexto mais rico do conti-
das suas forças no seio da comunidade “peul”, de onde ele pró- nente africano.
prio é originário. Isaad Rebrab, é suspeito de “falsas declarações relativas a movi-
A rivalidade entre “peuls”, que por tradição praticam a pastorícia, mentos de capitais e transferências para o estrangeiro, é acusado
e os “dogons” e “bambaras” que fazem da agricultura o seu prin- de sobrefacturações sobre equipamento usado que exibia como
cipal modo de vida, é ancestral e recheada de episódios sangren- novo, falsificações fiscais e alfandegárias”, segundo a Agência
tos, mas nos últimos meses tem ganho mais frequência à medida France-Press.
que guerrilha dos predicadores jihadistas islâmicos ganha acuti- Desde a demissão de Bouteflika em 2 de Abril último, sob pres-
lância em toda a região do Sahel. são de uma vasta contestação popular sem paralelo na história
argelina, a justiça abriu numerosos processos contra homens de
negócio, próximos do antigo presidente.
Rebrab começo a sua ascensão a partir da aquisição de uma
empresa siderúrgica do estado, a Metal Sider, escassos meses
antes da chagada de Bouteflika ao poder, e foi a partir desta pri-
meira operação que ele fundou o grupo Cevital, tornando-se o
mais emblemático patrão do regime argelino da última década,
altura em que o estado começa a dar os primeiros passos na
economia de mercado e abandono progressivo da filosofia de
estado que vinha dos primeiros tempos da Revolução Argelina.
A prisão de Rebrad, foi o início de uma vaga de prisões de ho-
mens de negócio próximos de Bouteflka, que envolvem as figuras
mais conhecidas do país: os quatro irmãos da família Kouninef,
proprietários do grupo KouCG, líderes do sector de Obras Pública
e Hidaúlica e também Ali Haddad, este último preso durante a
noite num posto de fronteira com a Tunísia.
O general Gaid Sallah, que levou à demissão de Bouteflika, e
actual homem-chave do regime argelino, pediu à justiça para
ARGÉLIA - HOMEM MAIS RICO DO PAÍS NA PRISÃO “acelerar a cadência no tratamento de inquéritos judiciais” que
envolvem, o que o povo apelida de “máfia do regime” .
A Procuradoria lançou uma vasta ofensiva judicial contra os Estas prisões em série que fazem as delícias das conversas dos
grandes patrões do país, tendo ordenado a prisão preventiva do cafés de Argel e extravasam para as redes sociais, eram ampla-
mais poderoso empresário nacional, Issad Rebrab, de 74 anos, mente conhecidas da maioria do povo argelino, que calavam pe-
suspeito de enriquecimento ilícito durante a presidência de Abde- rante o regime da FLN no poder desde 1962,que progressiva-
laziz Bouteflika. mente resvalou para a corrupção, contaminando o Partido e o
Fundador do grupo económico Cevital, um aglomerado de em- Estado, que se debate hoje na maior crise interna de sempre.

16 ABRIL 2019 – África21


Antena21

4
Milhões de dólares é o valor que o Banco Africano de Desenvolvimento
disponibilizou para a operacionalização de 4 centros agros-ecológicos,
“ Sou uma criança que diz que
outras pessoas me estão a roubar
o futuro”.
Greta Thumberg, activista ambiental sueca de 15
instalados nas províncias do Huambo, Cabinda e Cuando Cubango. anos, que lidera os protestos de alunos na Europa

EUA querem mandar primeira mulher à Lua


O vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, anunciou a tica” e pediu que ela “renove o seu entusiasmo”. Além disso,
intenção da NASA, Agência Espacial Americana, enviar astronau- ameaçou confiar futuras missões a empresas privadas, caso a
tas americanos à Lua, nos próximos cinco anos, principalmente a NASA não esteja pronta a tempo.
primeira mulher. “Se os foguetes privados são a única maneira de levar os astro-
“Por ordem do presidente, a política oficial deste governo e dos nautas americanos de volta à Lua, em cinco anos, eles irão em fo-
Estados Unidos é levar astronautas americanos à Lua, nos próxi- guetes privados”, disse. O director da NASA, Jim Bridenstine, cor-
mos cinco anos”, afirmou Pence, durante um discurso em Huntsvi- roborou que provavelmente será uma mulher a próxima pessoa a
lle, no Alabama. “A primeira mulher e o próximo homem na Lua pisar em solo lunar. Nenhum humano chega ao satélite terrestre
serão astronautas americanos, lançados por foguetes americanos, desde 1972.
a partir do solo americano”, enfatizou. Inicialmente, a data marcada
para o retorno ao satélite natural da Terra era 2028, mas o governo
de Donald Trump expressou frustração com os atrasos e os exces-
sos orçamentais do programa da NASA para a construção do pró-
ximo foguete SLS. Por isso, o primeiro voo foi reprogramado para
2021. Durante o discurso no Alabama, o vice-presidente não dei-
xouanuncio
de atacar a agência
africa espacial,
XXI_3suvs AF.pdfcriticando
1 a sua “inércia
23/02/2019 burocrá-
15:19

Será possível ter um SUV


para todos os estilos de vida? Não.

por isso construimos 3.

África21– ABRIL 2019 17


Antena21

2, 4
biliões de Dólares é a perda anual que o PIB
africano tem tido devido as doenças.
“ Não devemos ir por aí, porque divide o país. E ele
simplesmente não merece.”
Nancy Pelosi, líder americana da Câmara dos Representantes, explicando porque era
contra a um “impeachment” a Trump

Abertas candidaturas para sede da Con- Zâmbia proíbe bebida que contém
ferência Internacional sobre o Sida Viagra
A Zâmbia proibiu a venda e a produção da Power Natural High
Energy Drink SX, uma “bebida energética” depois de receberem
uma queixa do regulador de medicamentos do país em dezembro
de 2018, sugerindo que a bebida tinha sido contaminado com o
medicamento de disfunção erétil Viagra .
A bebida também é exportada para países africanos, como
Uganda, Malaui e Zimbábue , informou a fabricante Revin Zambia.
A Autoridade Nacional de Medicamentos da Uganda disse em uma
carta datada de 28 de dezembro de 2018 que fez descobertas se-
melhantes depois que um cliente se queixou de sudorese constante
e uma ereção de quase seis horas.
A Zâmbia ordenou que o fabricante retirasse a bebida depois
que os testes mostraram que ela continha Citrato de Sildenafil, que
tem o nome de marca Viagra, o Sildenafil é um ingrediente ativo na
terapia oral para a disfunção erétil em homens e só deve estar dis-
ponível mediante receita médica, disse o comunicado.
“Os resultados do Zimbábue e da África do Sul se correlaciona-
ram com os obtidos no Laboratório de Alimentos e Drogas, que in-
dicavam uma presença positiva do Citrato de Sildenafil”, afirmou.
Em Janeiro de 2019, o Malawi proibiu a bebida após testes
Abidjan – Os países africanos desejosos de acolher a 21ª edição conduzidos no seu laboratório de controlo de qualidade de fárma-
da Conferência Internacional sobre o HIV/Sida e Doenças Sexual- cos, após terem sido levantadas preocupações de segurança na
mente Transmissíveis (ICASA 2021), em 2021, foram chamados a Zâmbia e no Uganda.
apresentar as respectivas candidaturas, anunciou, em Abidjan, a
Sociedade Africana Anti-Sida (SAA).
A escolha do anfitrião far-se-á em duas etapas: a primeira será C

a apresentação das candidaturas, o mais tardar até 30 de Julho M

próximo e a segunda a avaliação das mesmas, pelos membros do


Y
Conselho de Administração da SAA. Posteriormente, dois países
serão pré-seleccionados, em função dos critérios enumerados. CM

A avaliação será feita entre os dias 1 e 15 de Setembro próxi- MY

mo, por dois ou três membros do Conselho de Administração da CY

SAA nos países pré-seleccionados. O processo de pré-selecção CMY

será finalizado o mais tardar a 15 de Setembro, seguido da notifica- K

ção aos dois países pré-seleccionados.


Após a deliberação dos membros do Conselho da SAA, o país
anfitrião da ICASA 2021 será informado a 30 de Setembro. Antes
da selecção final do anfitrião da ICASA 2021 e do envio de uma
carta de notificação a este último, um protocolo de acordo será
assinado entre este e a SAA, organizadora do evento. A 20ª edição
da ICASA está prevista para se realizar de 2 a 7 de Dezembro
próximo, em Kigali, no Ruanda.

18 ABRIL 2019 – África21


43%
é a percentagem que o poder de compra
recuou desde 2014 em Angola.
“ Estas mãos nunca mergulharam na
cumplicidade com o gangsterismo financeiro”
Francisco Louçã, ex-líder do Bloco de Esquerda português

ONU explora onda de mortes no confirmaram que cerca de 262 pessoas, incluindo crianças meno-
Uganda res de cinco anos, foram hospitalizadas desde 12 de março com
sintomas de confusão mental, vômitos, dores de cabeça, febre alta
O Programa Mundial de Alimentos (PMA) e o governo de Uganda e dor abdominal. Amostras do cereal, obtidas da Turquia, foram
iniciaram uma investigação sobre as mortes relacionadas à distri- enviadas para laboratórios no Quênia e na África do Sul para tes-
buição de mingau fortificado a refugiados e pessoas que sofrem de tes. Pelo menos 47.000 mulheres e crianças em Karamoja e
desnutrição. 102.000 refugiados em 13 distritos de hospedagem na Uganda re-
O Ministério da Saúde foi alertado para relatos de possível into- cebem suplementos Super Cereais sob o programa materno de
xicação alimentar entre pessoas que haviam consumido Super saúde e nutrição infantil do governo, implementado pelo PMA.
Cereal, um alimento misturado projetado para prevenir a desnutri-
ção, na região nordeste de Karamoja, em Março do ano em curso.
Quatro pessoas - dois homens, uma mulher e uma criança -
morreram e outras 262 receberam tratamento depois de consumi-
rem o mingau. A distribuição aos refugiados e as comunidades
anfitriãs em todo o país foi suspensa até que as investigações te-
nham sido concluídas.
Anuncio Imprimarte .pdf 1 25/10/16 13:04
Em uma declaração conjunta do Ministério da Saúde e PMA

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África|21
Estacionário
– ABRIL 2019 19
Antena21

732
milhões de dólares é o valor que Moçambique perde
com a corrupção desde 2018.
“ Os contadores de histórias evoluem com o
seu tempo”
Adame Ba Konaré, historiadora e literata maliana, sobre o papel actual dos “griots”
na idade das redes sociais

Jovens Africanos com destaque no Fórum Crans Montana

O Fórum Crans Montana está de volta a Dakhla, no Sahara Oci- jovens e mulheres para que se tornem agentes económicos rele-
dental, pelo quinto ano consecutivo. Mais de 1200 participantes, de vantes em Marrocos e no restante continente africano.
110 países, reuniram-se para refletir sobre o tema “Construir uma Hajbouha Zoubeir afirma que “60% dos nossos beneficiários
África Poderosa e Moderna a Serviço da Juventude”, uma edição são mulheres e acreditamos que investir em mulheres e em jovens
que deu a palavra aos jovens africanos, que representam 79% da é investir no futuro”.
população do continente. O programa de “Bolsas de excelência” da Fundação oferece a
Durante o Fórum um dos temas com maior destaque foi o papel oportunidade de ingressar nas maiores escolas nacionais e
das mulheres, que segundo os dados quase 25% das mulheres internacionais.
africanas, incluindo as mulheres marroquinas, são empresárias; “Temos 157 beneficiários que receberam bolsas de excelência,
tornaram-se campeãs do mundo na criação de empresas. 75% deles foram para escolas secundárias e universidades inter-
Uma plataforma única de intercâmbio e debate dedicada ao nacionais e alguns deles são hoje médicos e empreendedores, a
progresso das mulheres em África foi copresidida por Hajbouha participar no dia-a-dia e no desenvolvimento das suas regiões”,
Zoubeir, presidente da Fundação Phosboucraa. A Fundação apoia acrescenta a presidente da Fundação Phosboucraa.

20 ABRIL 2019 – África21


“ Ele é perspicaz, ele sorri para si, mas está a
planear outra coisa. Ele é estratégico e táctico”
De Lille , antigo político sul-africano, referindo ao presidente sul-africano Cyril
Ramaphosa Gente
Presidente da Tunísia acusado de PETER TABICHI, queniano de 37 anos, professor
cumplicidade na tortura de Matemática e Física, ganhou o importante ga-
lardão de melhor professor do mundo, no valor de
um milhão de dólares, atribuído no Dubai, numa ce-
rimónia apresentada pelo actor australiano Hugh Jack-
son, com uma vasta cobertura mediática.
Escolhido entre os últimos dez finalistas de diversas nacionalidades,
Tabischi trabalha numa zona rural carenciada e afectada pelo flagelo
da droga, e gasta cerca de 80% do seu salário para acudir os proble-
mas materiais dos seus alunos.
O prémio tem como objectivo valorizar a profissão de professor a ní-
vel internacional, e foi instituído pela família indiana Varkey, que fez
fortuna com uma rede de colégios no Médio Oriente.

Uma comissão independente criada para investigar crimes


pelo Estado tunisiano acusou o Presidente Beji Caid Esse- AKWAEKE EMEZI, de 32 anos, mestiça nigeria-
bsi de cumplicidade na tortura e seu predecessor Zine al- na de origem tâmil e da etnia Igbo, tornou-se a
-Abidine Ben Ali de corrupção. autora de mais galardoada e maior sucesso da
Um relatório da Instance Verité et Dignité (IVD), ou sua geração, após figurar na curta lista de finalistas
Comissão da Verdade e Dignidade, detalha a alegada do Women Prize for Fiction com o seu romance auto-
responsabilidade de 92 anos do Essebsi pelos crimes co- biográfico “Fresh Water”,
metidos enquanto ministro do regime de Habib Medalhada pela Fundação Carnagie e figurar simultaneamente na
Bourguiba. lista americana do Le Pen Club/ Hemingway de 2019, Akwaeke
Também menciona a extensa corrupção do ex-presi- Emezi autora de vários livros de sucesso, salientou-se também em
dente Ben Ali, sua família extensa e sua rede mais ampla, diversas publicações vídeo que lhe valerão Prémio Arts Fund em
incluindo o uso indevido de fundos públicos e violações de 2017. Cortejada a nível internacional pelas grandes editoras america-
direitos humanos, incluindo desaparecimentos forçados e nas, Emezi segue na peugada da grande escritora nigeriana Chima-
tortura cometidos sob seu governo. manda Ngozi Adichie.
Autoridades tunisianas têm tentado frequentemente
impedir o trabalho da Comissão de Verdade e Dignidade
desde sua criação em 2013. Ele é encarregado de expor
décadas de crimes cometidos entre o último ano do domí- KUMI NAIDOO, de 54 anos, sul-africano de ori-
nio francês em 1955 e a revolta de 2011 que derrubou Ben gem indiana, foi nomeado recentemente para o
Ali. prestigiado posto de secretário-geral da Amnistia
O corpo, inspirado na Comissão de Verdade e Recon- Internacional, com a ambição que os crimes contra
ciliação da África do Sul, foi projetado para fornecer evi- o ambiente figurem no capítulo na tradicional luta pelos
dências para romper com o passado do país e ajudar a Direitos Humanos, razão principal desta organização.
construir um futuro melhor após a revolta de 2011, que Nascido na cidade de Dirban, Naidoo iniciou-se na luta contra o
encerrou décadas de governo autocrático. apartheid na década de 1970-80 do século passado, a favor dos Di-
O IVD revelou em dezembro que havia descoberto reitos Humanos e contra a pobreza, que lhe valeram a expulsão do
62.720 casos de abuso e, desde então, encaminhou pelo liceu.
menos 173 casos a uma rede de tribunais especializados Formado em Sociologia Política na Rhodes University e Oxford,
destinada a perpetradores de julgamentos, incluindo ocupou anteriormente o lugar de Director da Greenpeace.
ex-funcionários.

África21– ABRIL 2019 21


Endividamento dos

No último Fórum Económico de Davos, em Janeiro passa- Analistas económicos pessimistas farejam no horizonte mais
do, Fang Xinghai, vice-presidente do órgão supervisor dos uma “bolha” financeira como a de 2008, esquissando cená-
Valores Mobiliários da China, afirmou que o endividamento rios contagiantes e depressivos no mercado de capitais, que
à escala planetária é o rinoceronte cinzento que está mesmo na sua complexidade não deixará ninguém incólume no cen-
à nossa frente, que todos veem mas que ninguém ousa im- tro da “city” nem nos seus arredores suburbanos.
portunar, ao mesmo tempo que todos apontam o dedo ao A entrada vigorosa da China no continente africano com li-
legendário cisne negro do mau augúrio. nhas de crédito que permitiram alavancar a construção de

22 ABRIL 2019 – África21


s países africanos Por LUIGI LEONE

numerosas infraestruturas, a sua presença como parceiro co- falta de pagamento, obter ventagens sobre matérias-primas e
mercial em todos os sectores da vida africana despertaram concessões territoriais. Trata-se de uma guerra ideológica de
as antigas potências coloniais para a competição receosos de que os africanos podem tirar proveito. Existe o mau endivi-
perder a influência tradicional que gozavam quase exclusi- damento e o endividamento sensato.
vamente. Os africanos estão perante uma grande oportunidade, tudo
A China é acusada de intoxicar o continente com linhas de depende das elites governantes.
crédito para projectos de valor duvidoso, para em caso de

África21– ABRIL 2019 23


Os paradoxos da dívida
e o papel da China
Com a sua fábula das línguas, o grego Esopo
demostrou que uma mesma coisa pode ser, ao
mesmo tempo, a melhor e a pior do mundo.
Com a dívida, acontece o mesmo. A sua ava-
liação, como vetor de crescimento ou factor de
risco, depende de múltiplas variáveis entre as
quais figura obviamente a forma como é utili-
zada por credores e devedores.

Por Luigi Leone

D ESDE 2018, DÉCIMO ANIVERSÁRIO da falência


da banca Lehman Brothers, que marcou o início da úl-
tima «crise da dívida», as instituições financeiras internacio-
ca Agnieszka Gehringer, analista do Instituto Flossbach von
Storch.
A confiança dos mercados depende por sua vez das avaliações
nais e os seus analistas, denunciam o crescimento da dívida emitidas pelo FMI e as agências de notação financeira (em
mundial, pública e privada, que ultrapassou os 164 trilhões de inglês credit rating). Por isso o fato de Christine Lagarde ter
dólares, equivalente a 225 % do PIB do planeta, o seu nível puxado o sinal de alarme em relação a dívida pública da África
mais alto desde a Segunda Guerra Mundial e que constitui Subsaariana, avaliada em 45 % do PIB no final de 2017, o
uma bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento. que representou um aumento de 40% em três anos, fez dis-
Mas é sobretudo nos países do Sul e em particular os africanos parar o alarme. Segundo o FMI, cinco países da região estão
que o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Interna- «sobre endividados» (ver quadro) e nove «em risco elevado»,
cional (FMI) avisam da existência de «linhas vermelhas» a não em termos de «ratio dívida/PIB), «de serviço da dívida em
ultrapassar, em termos de agravamento do endividamento e relação ao orçamento» ou de «dívida em relação às receitas de
de solvabilidade. exportação». Sobre-endividamento é um eufemismo, entendi-
«O problema afeta mais os países emergentes, porque a con- do como «bancarrota iminente», que se aplica quando um país
fiança do mercado na sua incapacidade de pagamento é me- fica incapacitado de pagar os juros e créditos vencidos, dando
nor e, além disso, a situação pode mudar bruscamente” expli- lugar a uma «suspensão de pagamentos» (default em inglês).

24 ABRIL 2019 – África21


africanas (16% segundo outra fonte americana).
O maior perigo, para os africanos, já não seria, como na déca-
O maior perigo, para os afri- da anterior, a pilhagem das matérias-primas e das terras mas a
«perda de soberania» consecutiva a impossibilidade de pagar
canos, já não seria, como na as infraestruras (portos, aeroportos, caminhos de ferro, bar-
década anterior, a pilhagem das ragens hidroeléctricas) encomendadas a empresas chinesas ao
abrigo das facilidades de crédito outorgadas aos governos.
matérias-primas e das terras mas Para Dambisa Moyo - economista zambiana, autora do livro
à «perda de soberania» consecu- Dead Aid, publicado em 2009, em que critica veementemen-
tiva à impossibilidade de pagar as te as políticas de ajuda ao desenvolvimento promovidas pelo
Ocidente - «o que os países africanos precisam é de comércio
infraestruras (portos, aeroportos, e infraestruturas. Pouco importa de onde vem – da China, da
caminhos de ferro, barragens Índia, da Turquia, da Rússia ou do Brasil. É sempre uma boa
hidroeléctricas) encomendadas a nova ter novos parceiros e as relações entre doadores e bene-
ficiários mudaram muito com a chegada da China». A autora
empresas chinesas ao abrigo das denuncia ao longo das páginas do seu «ajuda ao desenvolvi-
facilidades de crédito outorgadas mento» praticada pelos Estados Unidos e Europa.
Jeffrey Sachs, director do Earth Institute da universidade de
aos governos. Columbia e conselheiro especial do Secretário Geral da ONU,
António Guterres, afirma que a intervenção da China em
África representa «a maior fonte de desenvolvimento para o
continente na nossa geração».
Poderia ter acrescentado que para muitos países africanos, a
China não foi uma escolha, mas a única solução disponível,
face aos embargos e outras condições impostas pelas institui-
ções de Bretton Woods. Como se viu com os Programas de
Ajustamento Estrutural impostos aos países endividados nas
décadas de 80/90, as exigências do Banco Mundial (BM) e
do Fundo Monetário Internacional (FMI) não resolveram
nenhum problema estrutural e tiveram custos sociais dramáti-
cos. Segundo vários economistas, contribuíram para aumentar
a pobreza e a corrupção e destruíram as capacidades africanas
de desenvolvimento endógeno, como os próprios estrategas
do BM reconhecerem mais tarde. Limitavam-se à luta contra
a corrupção e a defesa da democracia e dos direitos humanos.

A culpa é da China?
A China é apontada com a principal responsável do aumento
exponencial da dívida de alguns países africanos e as acusações
redobraram depois do Fórum de Cooperação China-África
de Setembro de 2018, quando Xi Jinping pôs sobre a mesa
mais 60 mil milhões de dólares de créditos a África, dos quais
quinze mil milhões de dólares sob a forma de empréstimos
isentos de juros, vinte mil milhões em linhas de crédito, dez
mil milhões num fundo especial para o desenvolvimento de
mecanismos financeiros e cinco mil milhões de importações
de produtos africanos.
Segundo o Instituto China-África Research Initiative (CARI)
da Universidade americana John Hopkins, o montante dos
créditos concedidos por Pequim a África desde o início do
século ascendia a 132 mil milhões de dólares, mas a China
era detentora de menos de 20% do total das dívidas públicas

África21– ABRIL 2019 25


Faz o que eu digo, não faças o que eu faço

A soberania mo
O Comité para o Jubileu da Dívida (CJD) – uma ONG que
defende o endividamento sustentável como alavanca para o
crescimento económico e o combate à pobreza - estima que
o aumento do peso do serviço da dívida sobre as economias
africanas é preocupante (11,7 % das receitas em 2017 contra
5,9 em 2015) mas afirma que a China não é a principal res-
ponsável.
Numa análise à composição da dívida dos países africanos,
citada pela agência Lusa, o CJD salienta que só 17% dos pa-
gamentos de juros vão para o gigante asiático contra 32% a
agentes privados e 35% às instituições multilaterais como o
FMI ou o Banco Mundial.
O britânico Tim Jones, fundador do CJD, diz que «o FMI
tem de parar de responder às crises da dívida emprestando
dinheiro para «salvar» os credores, ou seja aos bancos e ins-
tituições financeiras internacionais (IFI), o que os incentiva
a continuar a emprestar irresponsavelmente; em vez disso os Em 2017, o ativista beninense Kemi Séba queimou publi-
credores deviam ser forçados a reestruturar e reduzir a dívida». camente uma nota de 5000 francos CFA em Dacar e pas-
Sujeitar a sua população a drásticas «curas de austeridade» e ter sou vários meses atrás das grades antes de ser absolvido
de vender o seu património e as empresas públicas para salvar pela justiça senegalesa e desde então a polémica acerca
o seu sistema financeiro e os seus bancos, é a amarga receita da última moeda colonial em circulação em África não
que experimentaram, depois da crise financeira de 2008, vá- parou de crescer. Em Janeiro de 2019 um dos «amigos»
rios países do sul da Europa, sob a férula da «troika» formada europeus de Séba, o italiano Luigi di Maio, do Movimen-
pelo FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia. to Cinco Estrelas, no poder em Roma, agarrou a deixa
Na origem das sanções esteve o escândalo da famosa «divida lançada por intelectuais e artistas africanos para acusar a
oculta» que levou à detenção, em Fevereiro, de cinco perso- França de «empobrecer África» e de obrigar milhares de
nalidades entre as quais um ex-ministro das Finanças e um africanos a emigrar para a Europa.
filho do ex-presidente Guebuza, é qualificado, por um diplo- Criada na sequência dos acordos de Bretton Woods em
mata citado pela imprensa helvética, de «hipocrisia estratos- 1945, a moeda única da «zona do franco» é atualmen-
férica»: «atacam Moçambique, mas ninguém toca na Alema- te em circulação em 14 países da União Económica e
nha, França, Suíça, Inglaterra, que estão todos implicados. Os Monetária da África Ocidental (UEMOA), da Comunida-
banqueiros que montaram essas operações de crédito sabiam de Económica e Monetária da África Central (CEMAC)
perfeitamente que o país estava sob perfusão do FMI. Deviam e nas Comores, totalizando 155 milhões de habitantes.
ter recusado». Inicialmente indexado à moeda francesa, segundo uma
paridade fixada unilateralmente pelo Banco Central fran-
O problema é África, não a China cês, o CFA é, desde a criação da moeda única europeia,
O ex-Ministro das Obras Públicas da Libéria, W.Gyude Moo- indexado ao Euro. A política monetária da zona é agora
re, afirma que a ideia de que a China é predadora e mal inten- conduzida pelo Banco Central Europeu (BCE), sediado
cionada e que quer colonizar África afogando-a em dívidas é em Francoforte. Mas é o tesouro francês que continua a
insultuosa porque subentende que os dirigentes africanos são garantir a convertibilidade do CFA em troca do deposito
ingénuos, corruptos ou inconscientes dos riscos. Na realidade, de 50 % da totalidade das reservas cambiais dos países
escreve Gyude, «em razão da sua demografia, África deverá, africanos.
nos próximos anos, criar mais empregos que qualquer outro Para o economista e ex-ministro togolês Kako Nabukpo
continente na história. Somos conscientes dos riscos, mas não (autor do livro «Sortir l´Afrique de la Servitude Monetai-
temos alternativa» re» publicado em 2016) a tutela exercida por Paris sobre
O crescimento é o principal assassino da dívida, mas não há as políticas económicas dos países da zona CFA não é
crescimento sem investimentos e quando o recurso ao crédito apenas um anacronismo neocolonial. Impede, de facto, as
é a regra para todo o investimento privado, dos particulares reformas estruturais das suas economias. A limitação do
às grandes multinacionais, é lógico que os Estados adoptem crédito e as altas taxas de juro travam os investimentos
o mesmo modelo, sobretudo quando as receitas orçamentais produtivos, criadores de riquezas e de empregos, ao mes-
são exíguas e as despesas correntes dificilmente compressíveis, mo tempo que a força e a estabilidade do CFA favorecem
como é o caso da maioria dos países africanos, mesmo aqueles

26 ABRIL 2019 – África21


Alem disso, a China fez do
continente africano a montra

onetária e o CFA e o laboratório das suas ambi-


ções internacionais.

que são «potencialmente ricos» em recursos naturais.


Segundo Jing Gu, consultora do BM e do Banco Africano de
Desenvolvimento, é vital que os governos africanos retomem
o controlo das suas relações com os seus parceiros estrangeiros.
O que implica estabelecer prioridades, insistir nas transferên-
cias de tecnologias e negociar segundo as suas próprias regras.
Diz que «os africanos devem ser claros e determinados. São
eles que devem decidir, não os estrangeiros, o Ocidente ou a
China».
Ao contrário do que afirma uma certa opinião mediática a
China não intervém apenas em África para sugar as suas maté-
as importações e penalizam as exportações e que a con- rias-primas: o seu peso no sector extrativo africano permanece
vertibilidade incita à fuga de capitais, sejam eles legais ou muito inferior ao dos gigantes americanos, canadiano, austra-
produtos da corrupção. liano e brasileiro.
Mas tanto Nabukpo como Carlos Lopes, nosso colabora- Segundo o CARI (China Africa Research Initiative) da Uni-
dor habitual, consideram que uma moeda comum é uma versidade John Hopkins de Baltimore 40 % dos créditos
vantagem em termos de integração regional, que não se outorgados pela China a África tem servido para financiar a
deve «jogar fora o bebé com a água da banheira» e que o construção de infraestruturas destinadas à produção eléctrica
«debate sobre o CFA» não deve ser ideologizado. Por ou- ou às transmissões e 30 % aos transportes, tendência que se
tras palavras, o CFA deve ter uma política dinâmica para deverá intensificar nos próximos anos com a adesão de uma
se adaptar à economia global, em vez de priorizar a es- dezena de países africanos ao projeto das Novas Rotas da Seda
tabilidade e o statu quo. Vários economistas sugerem de (o mais recente foi a Argélia em 2018)
indexar o CFA sobre um painel de divisas incluído, alem Além disso, a China fez do continente africano a montra e
do Euro, o Dólar US e o Yuan chinês; outros preconizam o laboratório das suas ambições internacionais. Por isso está
o abandono da paridade fixa. Mas para que qualquer de- atenta às críticas e corrige rapidamente os seus erros, nomea-
cisão seja possível é preciso que os bancos centrais da damente em matéria de respeito do ambiente, formação e
UMEOA e da CEMAC, que são autónomos em relação transferência de conhecimentos.
aos governos africanos, deixem de depender do governo Por exemplo o gigante das telecomunicações Huawei, que
francês e tratem diretamente com o BCE. O presidente realiza 15% dos seus benefícios em Africa forma anualmente
francês Emmanuel Macron diz-se disponível para debater 12 000 estudantes em telecomunicações na Africa do Sul, An-
a reforma do CFA mas os ativistas africanos não se con- gola, Congo-Brazzaville, Egipto, Kenya, Marrocos e Nigéria
tentam com «meias medidas», como a mudança do nome Segundo o jornalista americana Howard W. French, «os
de CFA para o de CAURI e a redução dos depósitos de chineses são agora jogadores sofisticados», que avaliam com
reservas cambiais de 50 para 10% com a manutenção da atenção a rentabilidade dos projetos e a solvência dos seus
convertibilidade por um período transitório. Para os eco- parceiros. O gabinete de consultadoria McKinsey prevê que
nomistas a independência total também não é isenta de as empresas públicas e privadas chinesas vão aumentar e di-
riscos. O maior é o da desvalorização abrupta que torna- versificar as suas atividades em África, investindo em sectores
ria incomportável o reembolso das dívidas contraídas em como a agricultura, os seguros bancários, as telecomunicações,
moedas fortes. A desintegração das uniões monetárias os transportes e a logística.
existentes tornaria cada um dos seus membros menos A recente visita de Xi Jinping à Europa, a adesão da Itália à
capazes de competir com os «gigantes» regionais como a Rota da Seda e o encontro organizado pelo presidente francês
Nigéria, adiando sine die a criação de uma moeda comum com o seu homólogo chinês, Angela Merkel e o presidente da
(prevista à escala da CEDEAO para 2020) e ainda mais Comissão Europeia, confirmaram que as alegadas preocupa-
problemática, a existência futura de uma moeda única ções pela dívida africana à China escondam uma real apreen-
africana, sem a qual o mercado único em construção só são pelo futuro dos bancos e empresas europeias que realizam
beneficiaria às economias mais fortes e dinâmicas. atualmente no continente africano uma parte substancial dos
seus lucros.

África21– ABRIL 2019 27


A mochila pesada da
dívida pública no futuro
de Angola
Durante décadas os números da dívida pública interna e ex-
terna eram quase um segredo de Estado. Entre a incompe-
tência, o secretismo e a corrupção, instalou-se um nevoeiro
espesso, propício a todo o tipo de manobras e malfeitorias,
que o povo angolano vai pagar caro na próxima década. Po-
rém, nos últimos tempos, os números e as cifras começam
a falar e a dar os verdadeiros contornos do endividamento e
das suas consequências.
Por Pedro Vila Nova

DEPOIS DO DESLUMBRAMENTO das linhas de crédito fende a existência de um fundo de estabilização que deve ser
chinesas, dinheiro a rodos gastos em infraestruturas neces- alimentado por excedentes fiscais estruturais, suportado com
sárias, mas com um ror de “elefantes brancos” à mistura de receitas pelas receitas petrolíferas, frisando a “importância de
duvidosa qualidade, Angola assinou com o Fundo Monetário liquidar atrasados, evitando o aumento da dívida pública evi-
Internacional (FMI) o Programa de Financiamento Ampliado tando o aumento significativo do rácio da dívida pública em
(EEF), depois de altos e baixos nas relações que se seguiram relação ao PIB”.
desde 2002. Com o fim da dolorosa guerra civil e da destrui- Seguem-se as tradicionais e inevitáveis recomendações da car-
ção das infraestruturas, o país precisava de ajuda financeira. tilha do FMI, para casos semelhantes: a racionalização de des-
O FMI impunha condições e uma delas era a transparência, pesas e o aumento de receitas não petrolíferas; contenção da
que finalmente se iniciou sob a presidência de João Lourenço. massa salarial, ajuizamento de incentivos fiscais, assim como o
O programa EEF avaliado em 3,7 mil milhões de dólares, de- estabelecimento de prioridades nos investimentos públicos e

28 ABRIL 2019 – África21


um reforço na assistência e à saúde. mais de 18.444 trabalhadores para a Educação e 2.146 para
Defende a implementação cuidadosa do IVA (Imposto de a Saúde, numa situação de défice fiscal relevante, queda de
Valor Acrescentado), ao mesmo tempo aconselha uma maior receitas fiscais e outras e agravamento de condições internas e
flexibilidade cambial, aconselhando a reestruturação bancária internacionais de contratação de dívida pública?” Questionou
e a sua recapitalização, ao mesmo tempo que a aconselha a o economista Alves da Rocha, figura predominante do Centro
liberalização do mercado de trabalho e cortes na burocracia e de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade
no aumento da função pública. Católica, numa recente abordagem na imprensa angolana.
Os tempos que se avizinham serão de grande austeridade, com Os analistas do Economist Intelligence Unit (EIU) alertaram
o país mergulhado na crise económica, o défice público e mi- Angola para o “endividamento de forma sensata” sob perigo
lhares de empresas paradas ou quase falidas. “Por exemplo, de entrar em default ou incumprimento das suas obrigações
como o Governo vai justificar e defender a contratação de financeiras com os credores internacionais.

Cuidado com os abutres !


Para os especuladores, as dívidas soberanas são uma excelente 26 sentenças condenatórias totalizando mais de mil milhões de
oportunidade de realizar lucros da ordem dos 300 aos 2000%, o dólares. Julgados por um número reduzido de tribunais (princi-
que explica o crescimento exponencial de um mercado dito «se- palmente americanos e britânicos) a favor dos credores em mais
cundário» onde os títulos emitidos pelos estados são transacio- de 75% dos casos, pelo que desde 2004, o seu número não para
nados, não pelo preço nominal, mas de acordo com a avaliação de aumentar.
do «risco» ou seja da maior ou menor expectativa de conseguir o Num relatório apresentado em 2016 na ONU, o BM precisou que
seu reembolso, com que prazo e com que custos. os países africanos eram, de longe, os alvos preferidos dos «fun-
A existência deste mercado permite às grandes potências eco- dos abutres» (com uma média de oito processos por ano) e os
nómicas de endividar-se de forma quase ilimitada e mesmo de que registavam o maior número de sentenças desfavoráveis. An-
lucrar com isso. Mas para os países pobres e/ou sobre endivi- gola, Camarões, Côte d´Ivoire, Congo, Etiópia, Libéria, Madagás-
dados constitui uma armadilha letal devido ao aparecimento, car, Moçambique, Níger, RDC, São Tomé e Principe, Serra Leoa,
nas últimas décadas, dos chamados «fundos abutres» que se Tanzânia, Uganda e Zâmbia são os países visados ou já conde-
especializaram na compra de uma pequena parte da dívida de nados, o que levou o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD)
entidades em dificuldades, por um preço largamente inferior ao a criar um gabinete de assistência jurídica para ajudar os países
valor nominal e a atacar depois o emissor em justiça para obter africanos a lutar contra as atividades dos «fundos abutres» e de-
o reembolso integral (e com juros!) da dívida. A atuação destes sencorajar os credores de recorrer à via judiciária para resolver
fundos especulativos não só dificulta a renegociação das dívidas os litígios. O acordo relativo à criação desta organização inter-
soberanas diretamente com os credores institucionais (tipo FMI nacional foi assinado em janeiro de 2016 por 52 estados, maio-
ou Clube de Paris) como pode levar à cobrança coerciva dos valo- ritariamente africanos, mas também pela Bélgica, Brasil, França,
res em dívida, mediante o sequestro, por ordem judicial, de outros Países Baixos e Reino Unido. Segundo a BAD, a iniciativa tem
ativos ou receitas dos estados, incluídas as doações e ajudas como objetivo ultrapassar a razão principal dos sucessos dos es-
outorgadas por países terceiros. Segundo o Banco Mundial (BM) peculadores, que exploram falhas na negociação e redação dos
mais de um terço dos países abrangidos pelo seu programa de contratos e concessões, falhas devidas a uma representação jurí-
alívio da dívida dos países pobres e pesadamente endividados dica inadequada e ao défice de capacidades locais».
(PPTE) de 1996 foram alvos de processos, de que resultaram

África21– ABRIL 2019 29


Os tempos que se avizinham serão
de grande austeridade, com o país
mergulhado na crise económica, o
défice público e milhares de em-
presas paradas ou quase falidas.
Afirmação de Alves da Rocha

Dívida Pública de Angola


Actualmente a dívida pública de Angola está estima-
da em 81% do Produto Interno Bruto (mais ou menos
equivalente a USD 97,2 mil milhões. Alguns membros
do Governo entendem não ser preocupante esta cifra
percentual, pois a mesma situa-se abaixo da de outros
países (na região da SADC e de outros países, como
Portugal). Para mim é óbvio que é preocupante, sobre-
tudo quando se pensa na dinâmica de crescimento da
economia / (cerca de 2,5% em média anual até 2022).
Se a economia cresce pouco, por muito boa que seja
a gestão dessa dívida, não se geram os recursos ne-
cessários ao respectivo ressarcimento. Junta-se a taxa
de juro dos empréstimos e das linhas de crédito e a O pacote da dívida angolana com a China que representa cer-
garantia petróleo de muitas delas. A desanexação das ca de 41% da dívida total, é paga directamente com exporta-
linhas de crédito à garantia petróleo só se dará quando ções de petróleo, o que reduz o risco de Pequim, que não con-
a economia crescer razoavelmente (digamos em média fia no pagamento financeiro obrigatório no quadro de dívida,
anual acima de 6,5%). O peso do serviço da dívida pú- prática que é seguida com a maior de outros países africanos.
blica é enorme: em 2017 e de acordo com o Relatório A “nova rota da seda” pode ser uma excelente oportunidade
de Fundamentação do OGE 2018, este item das finan- para as economias africanas, que não possuem fundos públi-
ças do Estado consumiu 87,3% das receitas fiscais e cos para projectos de desenvolvimento, nem recursos huma-
representava36,3% das despesas totais do OGE. É nos, mas pode também cavar a uma dependência perigosa no
uma magnitude colossal, reduzindo-se a manobre or- futuro, tudo depende do comportamento e da visão das elites
çamental em relação a outras despesas de fomento do no poder. No caso de Angola, uma economia de monocultura
crescimento e de alívio das condições sociais da popu- dependente do petróleo em 90%, vai passar por sérias dificul-
lação. Embora escasseiem informações claras quanto dades com o declínio do petróleo a médio prazo ao mesmo
à dívida de Angola à China, pode avançar-se com uma tempo que se acentuam as obrigações com o serviço de dívida.
cifra de 25 mil milhões no final de 2017 (a maior dos 10 Apesar dos riscos deste modelo, a Fitch Solutions reconhece
países africanos mais endividados face ao gigante asiá- que apesar de todos os riscos, este modelo vai continuar a pre-
tico). A dívida pública externa de Angola está estimada valecer em Angola e África e deverá mesmo, de certo modo,
em cerca de USD 43 mil milhões, representando a da agravar-se à medida que crescem as dificuldades de financia-
China qualquer coisa como 58%. Claro que o rácio de mento e os altos riscos de dívida pública que se seguiram com
81% é preocupante. a descida generalizada dos preços das matérias-primas.
Os países ocidentais, que no passado foram responsáveis pelas
páginas mais negras do colonialismo, acusam frequentemente
a China de falta de ética na selecção de projectos, esquecendo
que os riscos do actual modelo chinês em África representa
um perigo para ambos os lados.
O pacote de ajuda financeira de 11 mil milhões de dólares,
representa 1/6 da ajuda prometida no Fórum da Cooperação
China-África, numa altura em que se começou amargamente
a fazer o balanço dos “elefantes Brancos”, tais como o novo
Aeroporto de Luanda no Bom Jesus, que engoliu 6,4 mil mi-
lhões de dólares, não havendo previsões sérias do início do seu
funcionamento.

30 ABRIL 2019 – África21


África21– ABRIL 2019 31
MOÇAMBIQUE

Ciclone Idai devasta


centro de Moçambique
Teve o seu início no dia 4 de Março, como uma depressão tropical que se forma-
ra ao largo da costa moçambicana. Depois de fazer uma viragem para a direita,
atingindo o Maláui e a província da Zambézia, em Moçambique, o ciclone Idai
abateu-se no dia 14 de Março sobre a cidade portuária da Beira, no centro de
Moçambique, com uma ferocidade invulgar, deixando, na sua trajectória, um
rasto de destruição, mortes e dor.

Por Fernando Gonçalves

N O CONJUNTO DOS TRÊS PAÍSES afectados pelo


ciclone, nomeadamente Maláui, Moçambique e Zim-
babué, dados oficiais mas não conclusivos indicam cerca 800
drográfica do centro de Moçambique, constituída pelos rios
Buzi, Pungue e Revue. De acordo com o Instituto Nacional
de Gestão de Calamidades (INGC), pelo menos 1.523 pes-
mortes, mais de 2.300 feridos e um total de 2,7 milhões de soas sofreram diversos tipos de ferimentos e mais de 168 mil
pessoas afectadas. Só em Moçambique, foram confirmadas famílias perderam os seus abrigos. Há ainda um número não
quase 600 pessoas mortas, atingidas directamente pelos ven- determinado de pessoas desaparecidas, o que significa que o
tos fortes e pelas inundações que afectaram toda a bacia hi- número de mortes poderá vir a aumentar substancialmente.

32 ABRIL 2019 – África21


De acordo com o Instituto Na- Nyusi anunciou também que nas zonas afectadas será suspen-
so o pagamento de todas as taxas relacionadas com o uso do
cional de Gestão de Calamida- serviço nacional de saúde, garantindo assim o acesso gratuito
des (INGC), pelo menos 1.523 de toda a população a cuidados de saúde.
Entre as medidas tomadas pelo governo, inclui-se também a
pessoas sofreram diversos reimpressão do livro escolar e a sua distribuição gratuita entre
tipos de ferimentos e mais de os necessitados. O sector económico, nomeadamente a indús-
168 mil famílias perderam os tria e o comércio, irão beneficiar de um desconto de 50 por-
cento nas suas facturas de energia eléctrica, enquanto que na
seus abrigos. agricultura prevê-se a distribuição gratuita de 100 mil utensí-
lios e mil toneladas de sementes diversas.
O pacote de medidas de alívio inclui ainda a redução de 50
Numa primeira abordagem sobre o desastre, depois de sobre- porcento da tarifa de passageiros para todo o transporte fer-
voar as zonas afectadas, o Presidente Filipe Nyusi estimara que roviário nas linhas de Sena e Machipanda, que estabelecem a
o número de mortos poderia atingir a casa dos mil. Há casas ligação com o Malawi e o Zimbabwe, respectivamente.
que ficaram soterradas na lama e é possível que uma vez es- Estas são medidas de alívio a curto prazo. A longo prazo, o
coadas todas as águas, novos corpos venham a ser descobertos. esforço de reconstrução será ainda maior, tendo em conta o
A cidade da Beira, o segundo maior centro urbano do país, nível de destruição que se abateu sobre infraestruturas de pro-
foi onde o ciclone Idai fez a sua aterragem, a uma velocidade dução tanto na cidade da Beira como nos vários distritos de
estimada em pelo menos 200 quilómetros por hora. Estima-se toda a região afectada. Incerteza paira ainda sobre o futuro
que cerca de 90 porcento da cidade tenha ficado completa- de milhares de trabalhadores cujas empresas foram destruídas,
mente destruída. A estrada nacional número seis, ainda na fase matéria sobre a qual o governo ainda não se pronunciou.
final da sua reconstrução, ao custo de mais de 500 milhões A comunidade internacional não teve mãos a medir, com
dólares, ficou cortada em quatro pontos e a sua ligação só viria apoios canalizados à cidade da Beira a partir de vários cantos
a ser restabelecida mais de uma semana depois. Este é o maior do mundo. O governo de Angola respondeu a esta catástrofe
ciclone de que se tem memória em toda a história moderna humanitária com o envio de quatro aviões que descarregaram
no Hemisfério Sul. no Aeroporto Internacional da Beira 52 toneladas de diversos
Sendo aquela a única ligação terrestre, a cidade da Beira ficou bens, incluindo medicamentos, e ainda quatro helicópteros
durante mais de uma semana isolada do resto do país. Esta é envolvidos nas operações de resgate de pessoas sitiadas em
também a principal via de acesso ao mar para países do inte- zonas inundadas. Angola enviou também uma equipa mul-
rior como o Maláui, a Zâmbia e o Zimbabué e também para a tidisciplinar de 100 pessoas, entre as quais médicos, técnicos
parte sul da República Democrática do Congo. De facto, a li- de saúde e militares. Para além do esforço de reconstrução,
gação entre a cidade da Beira e o resto do mundo só viria a ser Moçambique terá de lidar, nos próximos tempos, com outras
restabelecida com a reabertura do aeroporto local apenas três necessidades para a população local, tendo em conta a eclosão
dias depois do ciclone. Todo o sistema de comunicações com de doenças como a cólera e malária. As autoridades sanitárias
a cidade e outras regiões circunvizinhas ficou completamente do país haviam registado, até ao dia 1 de Abril, 271 casos de
desactivado, o que nos primeiros dias tornou quase impossível cólera na cidade da Beira e no distrito de Nhamatanda. Estes
avaliar o nível de estragos causados pelo ciclone. Sem energia números deverão aumentar até pelo menos o início da época
eléctrica nem água, a Beira, com cerca de 600 mil habitantes, seca, em Maio.
parecia uma cidade fantasma. Apesar de Moçambique estar localizado na Zona de Conver-
O que tornou a situação pior é o facto da maior parte da re- gência Tropical, onde estes fenómenos naturais são cíclicos, é
gião afectada situar-se abaixo do nível médio das águas do notável o nível de impreparação em que o país foi apanhado.
mar. Toda esta região ficou submersa devido ao transbordo Ao tomar conta da aproximação do ciclone, o governo emitiu
de todos os seus rios não só devido as águas da chuva que caía um alerta vermelho, mas não teve à sua disposição os meios
com muita intensidade, mas também porque foi necessário necessários para a evacuação da população das zonas afectadas,
abrir as comportas de todas as barragens próximas da região, sendo que as primeiras operações de resgate só foram possíveis
incluindo a Barragem de Cahora Bassa. graças à intervenção de uma equipa de mergulhadores volun-
Em resposta às consequências do ciclone Idai, o Presidente tários sul africanos que se fizeram ao país antes da aterragem
Nyusi anunciou, no dia 28 de Março, numa comunicação à do ciclone.
nação a partir da cidade da Beira, que o governo iria lançar nas É certamente uma lição sobre como o país se deve organizar
regiões afectadas uma campanha de vacinação contra a cólera, para que consequências de eventos similares no futuro tenham
visando atingir um total de 800 mil pessoas. um maior nível de mitigação.

África21– ABRIL 2019 33


ARGÉLIA

A revolução, passo a passo


Uma revista mensal não pode, se for séria e honesta, fazer «futurologia».
Há um mês a manutenção do presidente argelino no poder por um perío-
do indefinido parecia inelutável «Bouteflika for Ever», Africa 21, Março
de 2019. Na hora de fechar a presente edição, Bouteflika já é uma figura
do passado, mas as incertezas e indefinições permanecem.

Por Nathalie Ahmed

D ESDE MEADOS DE FEVEREIRO, data do anúncio


oficial da candidatura do Presidente Abdelaziz Boute-
flika a um quinto mandato nas eleições presidenciais, agenda-
teflika (ou aqueles que falavam em seu nome), que preferiu
demitir-se antes de ser considerado inapto para o desempenho
do cargo.
das para o 26 de Abril, os argelinos têm caminhado muito, no Reunidas em Congresso a 9 de Abril, as duas câmaras do par-
sentido próprio como no figurado. Todas as semanas, às sex- lamento, eleitas em 2017 por um terço dos eleitores inscritos
tas-feiras, por dezenas de milhares e agora por milhões, tem podem ratificar a proposta do general Salah: a coligação que
saído as ruas, em Argel e em todo o país, para mudar o rumo apoiou os últimos governos dispõe da maioria absoluta ne-
político do seu país. E sob a pressão, pacífica e determinada, cessária. Se não o fizerem ou se os «3 B» decidem seguir o
da população aparentemente unanime, o poder cedeu, passo exemplo do «seu» presidente demitindo-se, não haverá mais
a passo, à medida que os seus pilares se declaravam a favor do «soluções constitucionais» e a Argélia entrará de facto numa
«povo» e das suas «reivindicações legítimas». nova fase, com os dois protagonistas principais da mudança
Como em todas as crises políticas anteriores desde a inde- de regime – os militares e a rua - face a face ou de mãos dadas?
pendência da Argélia (1961) foi a cúpula militar, pela voz do Desde a independência, todas as revoltas foram reprimidas
general Ahmed Gaid Salah, chefe de estado-maior do Exérci- brutalmente e os militares decidiram entre eles como resolver
to Nacional Popular (ANP em francês) que apitou o final da as crises e quem deveria ser o chefe de estado nomeado para
partida para Bouteflika e os seus aliados e propôs uma saída aplicar as decisões previamente tomadas. Em 1991, quando
para a crise, mediante a aplicação do artigo 102 da constitui- interromperam o processo eleitoral antes da vitória iminente
ção vigente e que daria lugar à eleição de um novo presidente dos islamistas, foram buscar o «histórico» Mohamed Boudiaf,
no prazo de 135 dias. Essa solução não foi aceite por Bou- exilado em Marrocos para presidir à transição. O assassina-

34 ABRIL 2019 – África21


to deste, seis meses mais tarde desencadeou uma guerra sem constituintes, como na Tunísia: se forem livres o povo optará,
quartel entre os grupos islâmicos armados e as forças armadas sem dúvida pelo modelo ocidental, nenhum general argelino
e de segurança argelinas que causou mais de cem mil mortos ousará reprimi-lo como fez o Marechal Sissi, e o futuro só
de ambos os lados. Em 1998, foi de novo a cúpula militar pode ser risonho, feliz e próspero para todos.
que empurrou para a saída o general Liamine Zeroual, en- Os argelinos que conhecem as realidades do seu país e que se-
tão presidente, e escolheu Bouteflika para encarnar a paz e a guem com atenção o que acontece a sua volta, no Magreb, no
reconciliação nacional com os islamistas. Dispostos a entre- Próximo Oriente, em África e no mundo, são mais reticentes.
gar as armas em troca da sua reintegração na sociedade e no Orgulhosos do que já fizeram, mas inquietos das consequên-
jogo político. Missão cumprida por Bouteflika que aproveitou cias, e indecisos em relação ao futuro imediato. Começam a
o balanço para reforçar os poderes da presidência em detri- desenhar-se diferenças no seio do «Hirak» e entre os mani-
mento dos militares (o Exército Nacional Popular, ANP em festantes que, todas as sextas-feiras, se juntam por bairros e
francês, e os Serviços secretos dirigidos durante 25 anos pelo em família, para dizer «não» ao «velho sistema». Se a maioria
general Mediene, aliás Toufik) e integrou o islamista MSP «veste» a bandeira nacional, também se veem muitas bandeiras
(Movimento da Sociedade para o Progresso), dirigido desde berberes; e se algumas palavras de ordem são comuns, os bair-
2013 por Abderrazak Makri, que pertence a nebulosa dos Ir- ros populares e o interior rural não se manifestam da mesma
mãos Muçulmanos, na «maioria presidencial» do Parlamento forma que os advogados ou os estudantes, ponta de lança do
eleito em 2017. Também jogou habilmente com a rivalidade movimento; os jovens cantam com mais entusiasmo «la casa
entre as duas forças políticas dominantes, a Frente de Liber- del Mouradia».
tação Nacional (FLN, partido único entre 1962 e 1989) e do
Rassemblement Nacional Democrático (RND) criado pelos O movimento à procura de referências
apoiantes de Zeroual antes das eleições legislativas de 1997, Os partidos, da situação como da oposição, acompanham o
nas quais derrotou o FLN. Aliados e ao mesmo tempo rivais, movimento e reagem, como podem, ao «tsunami» que os apa-
os dois partidos representam versões políticas diferentes do nhou de surpresa e que os deixou mais divididos e desacredi-
«regime». Bouteflika «salvou» o FLN, autoproclamado guar- tados do que já eram.
dião da legitimidade revolucionária, da extinção, mas apoiou- A comunicação social, oficial ou independente, os jornais em
-se mais no RND, mais liberal em economia e partidário das papel ou Online, as redes sociais fervilham de notícias mas
privatizações. também de «mujimbos» ou fake news, provocando desmenti-
dos, polémicas e forçando os que detêm (ainda) algum poder
Fim do sistema ou mudança de regime? a agir para satisfazer as reivindicações mais urgentes da popu-
Passados os primeiros dias de surpresa e orgulho pela unida- lação, como a detenção dos oligarcas mais próximos do clã
de e a dignidade demostrada pelo povo nas ruas, os analistas derrubado ou a proibição feita aos governadores de proceder a
argelinos mais lúcidos interrogam-se acerca do futuro do mo- expropriações de terras ou privatizações.
vimento e da forma política que tomará a transição que, por O movimento não tem líderes, nem porta-vozes, nem or-
sua vez, determinará o quadro institucional futuro. Os mani- ganização hierárquica, mas o que fez até agora a sua força é
festantes reclamam o «fim do sistema» e a palavra de ordem também a sua fragilidade. O advogado Mustafa Bouchachi,
parece fazer a unanimidade. ex-presidente da Liga Argelina de Defesa dos Direitos Huma-
Mas, o que significa «o sistema»? Até onde deve ir o sanea- nos e ex-deputado da Frente das Forças Socialistas (FFS), uma
mento para restaurar a confiança entre os cidadãos argelinos e das figuras mais carismáticas e respeitadas do movimento está
as instituições encarregues de governar o país, mesmo a títu- preocupado com a popularidade crescente da palavra de or-
lo provisório? Como impedir que o «Hirak» (movimento em dem «Todos fora!» e insiste sobre a necessidade de defender as
árabe) se divida e fragmente em fações antagónicas ou mani- instituições e aproveitar todas as pessoas honestas e os funcio-
pulado por oportunistas, nacionais ou estrangeiros? nários competentes. «A transição democrática é sempre uma
Os analistas ocidentais, incluídos os que confessavam há pou- etapa frágil e o discurso da exclusão conduz a mobilizar um
co que era difícil entender as relações de força no seio de um exército para se opor a ela» diz Bouchachi que acrescenta que
«regime opaco» e mais difícil ainda precisar quem governava «os culpados de crimes e delitos devem ser julgados pelos tri-
em nome de Bouteflika desde o seu AVC de 2013, entusias- bunais não pela justiça dos telemóveis e dos ajustes de contas.»
mam-se pela «segunda fase das primaveras árabes» que os edi-
torialistas apodaram de «revolução dos sorrisos». Enaltecem Os islamistas à espreita
o papel da juventude e das redes sociais, a espontaneidade, o E há, dentro e fora da Argélia, quem esteja interessado em
bom humor e a ausência de toda a violência e o vandalismo. acabar de vez com um «regime» que incomoda muita gente.
Para eles, pouco importa a forma que tomará a transição, se O general francês Dominique Delawarde, que foi chefe do
as primeiras eleições serão presidenciais, como no Egito ou serviço de informação e guerra electrónica no Estado Maior

África21– ABRIL 2019 35


36 ABRIL 2019 – África21
Todos os monarcas árabes da negra» e limitar-se a surfar sobre a legítima indignação do
povo contra a corrupção, a rapina e a impunidade.
temem que a Argélia reganhe As agressões verbais contra as militantes feministas que in-
o prestígio e a influência que troduziram nas manifestações a reivindicação da abolição do
«Código da Família» e um apelo lançado nas redes sociais,
exerceu sobre os seus súbditos desde Londres, a atacar com ácido as mulheres não veladas
durante a guerra de libertação (que levou a polícia britânica a identificar e deter o autor das
e sob a presidência de Bou- ameaças) foram um sinal de alarme para os democratas que
condenam todas as formas de discriminação e exclusão.
medienne (falecido em 1978) e
que consiga ser de novo farol Cenas dos próximos capítulos?
«O povo tem razão em não ter confiança em ninguém neste
e pioneira da democracia e do sistema, mas é preciso não proceder por etapas. Não se pode
progresso no (mal) chamado avançar de forma anárquica e pedir tudo, já» disse o escritor
mundo árabe. arabista Samir Kacimi.
As duas questões que se colocam agora, em prioridade, é a
criação de instituições consensuais para governar a Argélia du-
de Planeamento Operacional enumerou, num artigo publi- rante a transição e o papel que devem desempenhar os milita-
cado pela revista Africa-Asie, os «pecados imperdoáveis» de res nesse período.
Argel aos olhos da NATO e dos seus aliados árabes e de Israel, Há opiniões divergentes acerca do papel do exército na desti-
no atual contexto internacional: cooperação com a Rússia (in- tuição de Bouteflika e da figura do general Gaid Salah, rumo-
cluída a compra dos famosos mísseis S400); relações com o res acerca de divisões entre «militares fardados» e «militares à
Irão e a Síria; condenação da intervenção militar no Iémen; paisana» (os outrora todo poderosos serviços secretos milita-
recusa de integrar a NATO árabe liderada pela Arábia Saudita res) e de conspirações para colocar um general em posição de
e o G5 Sahel dirigido por Washington e Paris; apoio indefec- se candidatar à presidência nas próximas eleições e de ganhá-
tível à causa palestiniana. -las.
Todos os monarcas árabes temem que a Argélia reganhe o Sobre o governo é unanime a rejeição do executivo nomeado
prestígio e a influência que exerceu sobre os seus súbditos por Bouteflika na véspera da sua demissão, mas há divergên-
durante a guerra de libertação e sob a presidência de Bou- cias acerca dos poderes a atribuir ao futuro governo proviso-
medienne (falecido em 1978) e que consiga ser de novo farol rio. Segundo a constituição vigente, até à eleição de um novo
e pioneira da democracia e do progresso no (mal) chamado presidente, o executivo deve limitar-se a gerir os assuntos cor-
mundo árabe. rentes, mas o que era admissível para um curto período (135
E a Turquia e o Qatar esperam que Abderrazak Macri e o seu dias) já não o é se, como tudo indica, a transição durar meses
MSP consigam conquistar o poder em Argel, compensando ou anos. A crise económica interna e a situação internacio-
assim as humilhações sofridas pelos Irmãos Muçulmanos no nal não permitem um «vazio institucional» prolongado. Há
Egito e na Tunísia. O caminho será difícil, reconhece o pró- propostas no sentido de se criar uma presidência coletiva de
prio Abderrazak Macri, que espera, no entanto, poder colher, dois ou três membros, referendada pelo Hirak, com compe-
em futuras eleições, os frutos da «re-islamização» da sociedade tência para formar um governo «de unidade nacional», e uma
argelina conseguida nas últimas duas décadas. Mas, para isso, comissão mais alargada, encarregue de rever a constituição,
devem ser discretos para não reavivar a memória da «déca- a legislação eleitoral e de organizar e fiscalizar as eleições.

África21– ABRIL 2019 37


A OPINIÃO DE ALVES DA ROCHA

Luanda a capital da
informalidade
joserocha.ucan@gmail.com

H á cerca de um ano a esta parte a economia informal em


Angola ganhou, de novo, interesse investigativo, reflectivo
em estudos diversos, teses de mestrado e de doutoramento. O que
actividades informalizadas.
Nos países em desenvolvimento e em particular em África, o
aparecimento do sector informal está intimamente ligado ao fenó-
revela estar-se em presença de um fenómeno com uma dimensão meno da explosão demográfica das cidades e da terciarização pre-
relevante, que nem o crescimento económico depois da paz conse- coce do meio urbano, resultados negativos directos dos modelos
guiu atenuar. Pelo contrário, a incapacidade de a economia formal desenvolvimento adoptados, que se mostraram socialmente inade-
em criar emprego e gerar rendimento tem contribuído para o quados e culturalmente inadaptados aos problemas desses países.
avolumar da expressão económica do informal. E há dados que Estes modelos de desenvolvimento nuclearizaram-se não na agri-
acabam por ser arrepiantes: o FMI fala num informal valendo cultura (as críticas de René Dumont são particularmente contun-
50% do PIB, o Ministério das Finanças (nas palavras da ex-secre- dentes neste aspecto), mas sim na indústria. Preconizava-se, então,
tária de Estado do Orçamento em 2017) apontava para 60%, al- uma industrialização acelerada contra o tempo e contra a corrente,
guns estudos recentes colocam a sua importância relativa em 40%, um pouco desordenada por não se alicerçar numa estratégia inte-
e assim por diante. Querendo-se, portanto, dizer que o país tem grada de crescimento económico e manifestamente desenraizada
mais informalidade do que formalidade nos seus processos de ge- dum enquadramento sociocultural aderente à realidade.
ração de valor interno, emprego e rendimentos. E Luanda é a O inchaço urbano decorrente da atracção que as expectativas
campeã da informalidade em Angola, como mais adiante se sobre o modelo exerceram no meio rural acabou por contribuir
verificará. para a sua própria falência e em vez de ter funcionado como tam-
O fenómeno do sector informal das diferentes economias pão ao inusitado e prejudicial êxodo rural, pelo contrário, consti-
suscitou a curiosidade dos analistas sociais no início da década de tuiu-se numa força centrípeta quase irresistível que estimulou a
70 e aparece, fundamentalmente, associado às crises económicas, constituição dum sector de serviços (comércio de bairro e de rua,
ao subdesenvolvimento e à mega polarização de certas cidades do transportes urbanos, restauração e intermediação financeira) de-
até então chamado Terceiro Mundo. Apesar de hoje em dia se senquadrado do processo normal de crescimento económico.
tratar, pelo menos aparentemente, de uma situação focalizada nos Qual a génese do sector informal? E como deve o mesmo ser
países em desenvolvimento, os outros países também a vivem, em analisado para que sejam efectivas as eventuais medidas de apoio?
maior ou menor dimensão, mas com outros instrumentos de o Como um subproduto do desemprego urbano e um produto di-
controlar e de o transformar. Pode, portanto, afirmar-se que nas recto das movimentações e instabilidade das populações? Como
economias ocidentais mais evoluídas, os sistemas de segurança so- um alfobre de inventividade e iniciativa empresarial, na esteira das
cial existentes, em particular na Europa, onde os mesmos se apre- doutrinas liberais e, portanto, passível de maior estímulo, por-
sentam com uma grande capacidade de cobertura social das crises quanto poder ser aqui que se encontram alguns dos embriões das
económicas, são as válvulas de escape para o desemprego, deixan- futuras boas pequenas e médias empresas? Ou tudo isso, mas
do, assim, este de funcionar como motivador para o exercício de também, mais complexo e sério, que o sector informal está conti-

38 ABRIL 2019 – África21


Angola é uma economia assimétrica,
de todos os pontos de vista: económi-
co, produtivo e fiscal (com a preponde-
rância do petróleo), social e distribui-
ção do rendimento nacional (peso da
pequena burguesia patrimonialista).

do na esfera étnico-familiar que garante a sua sobrevivência? Uma


esfera específica em África e que, ao contrário do mercado, das
políticas económicas e da legislação positiva, pressupõe a família
alargada, a solidariedade étnica e a responsabilidade comunitária.
Na verdade, todo o processo de produção e de reprodução
social realiza-se dentro do modelo étnico de organização social
com peso comunitário determinante: todas as etapas que condu-
zem à produção material, como a obtenção de crédito, a organiza-
ção da produção, o recrutamento de mão-de-obra, a administra-
ção, a localização física e a resolução de conflitos, passam-se na
esfera étnico-familiar das comunidades. O mercado apenas inter-
vém na venda dos bens e serviços deste sector e quando alguém
aparece no mercado a vender bens e serviços de maneira informal
esta é a única etapa em que as relações mercantis intervêm de
maneira clara e efectiva, ou seja, é a única fase em que a produção
informal se sujeita à lógica oficial do mercado.
Angola é uma economia assimétrica, de todos os pontos de
vista: económico, produtivo e fiscal (com a preponderância do
petróleo), social e distribuição do rendimento nacional (peso da
pequena burguesia patrimonialista). Luanda é o polo do desenvol-
vimento económico do país, em perfeito contraste com o resto do
território: 30% da população, 90% do sistema bancário, 75% do do acesso à infraestrutura urbana, quanto à segurança da pose
sistema empresarial, 65% das Universidades e Institutos Tecnoló- destas propriedades, o acesso e posse da terra acontece maioritaria-
gicos, 95% dos centros de decisão, 80% do sistema de mente de modo informal com 61,3% e o sistema de circulação e
transporte). transportes é dominado pelos transportes informais, onde, além
Mas também no domínio da informalidade Luanda é rainha: de outras modalidades informais, tem-se que cerca de 80% da
o trabalho com mais de 56% das famílias obtendo os seus rendi- população usa os candongueiros como meio de transporte
mentos a partir deste sistema, o setor comercial por sua vez, está quotidiano.
baseado em mais de 80% na informalidade, o uso e a ocupação do Sem uma economia formal organizada, racional e funcional
solo são caracterizados por 71% da população que vive em habita- (que tem no tempo o principal factor de concretização), o infor-
ções informais ou precárias, do ponto de vista tanto das condições mal vai continuar a florescer.

África21– ABRIL 2019 39


Venezuela

Mil pessoas
não fazem
um país

Os grandes jornais e as grandes agências de notícias internacionais, incutiram a


ideia de que na Venezuela há dois governos. No entanto, o Presidente é Nicolas
maduro, e Juan Guaidó é apenas um presidente de fachada – sem território, sem
forças armadas, sem ministros e sem judiciário, entre outras deficiências – posto
em funções pelos poderes estabelecidos globalmente.

Por Manrique S. Gaudin

H OUVE UM TEMPO, não muito distante,


em que os 34 países da América Latina escolhiam os
seus presidentes por meio de eleições, nas quais os seus 637 mi-
popular e tinham sedes diferentes, diferentes órgãos do poder
(forças armadas, poderes legislativos e judiciais) e, obviamente
diferentes interesses.
lhões de habitantes optavam entre diferentes candidatos que Os grandes jornais do mundo e as grandes agências interna-
se haviam comprometido a respeitar as normas democráticas. cionais de notícias instalaram a ideia de que “na Venezuela
Então, cada país tinha um presidente. Houve antes, e mesmo há dois governos”, uma frase dia após dia repetida por todos,
nestes tempos, muitas excepções: líderes que se apresentavam identicamente e até a saturação, sem a imaginação nem para
como figuras providenciais, salvadoras e messiânicas, que ar- dar um mínimo de voo literário para essas cinco palavras que,
rebatavam o governo daqueles que o tinham legitimamente juntas para formar um conceito, tornaram-se uma bomba-re-
conquistado, através do voto da população. Noutras partes do lógio perigosa que ameaça a Venezuela e, a repetir-se noutras
mundo, estas alterações deram-se mediante processos violen- regiões, a democracia global.
tos, e muitas vezes resultaram no estabelecimento de gover- Há na Venezuela um presidente constitucional, Nicolás Ma-
nos paralelos, facções que reivindicavam representatividade duro, eleito em Maio do ano passado por quase 6,3 milhões de

40 ABRIL 2019 – África21


Os grandes jornais do mundo e as
grandes agências internacionais de
notícias instalaram a ideia de que
“na Venezuela há dois governos”…

-presidente. O engajamento de rua, de Guaidó, contemplava,


basicamente, “o respeito literal, do artigo 233 da Constitui-
ção”, que afirma que, uma vez comprovado qualquer uma das
seis causalidades, em falta pelo presidente, o seu substituto
deve convocar novas eleições dentro de um período não supe-
rior a trinta dias. Neste caso, Guaidó.
Os Estados Unidos e os países americanos e europeus ligados
a eles, assumem posições claramente intervencionistas. Tal é
o caso dos governos da Argentina, Chile, Brasil, Colômbia
Equador, Peru, Paraguai, Alemanha, Espanha, França, Ho-
landa e Portugal. Uruguai, México e Bolívia, na América,
continuam a respeitar o direito dos povos à sua autodeter-
minação. Na Europa, Itália, Grécia e Irlanda, entre as mais
importantes, também respeitam esse direito. Assim, eles re-
conhecem Guaidó como o legítimo Presidente da Venezuela,
quando ele não foi eleito por ninguém, seja em eleições demo-
cráticas ou por uma Assembleia Constituinte. E mais, Guaidó
pessoas. Na ocasião, com o mesmo padrão e com as mesmas não só não respeita a constituição em seu artigo 233, como
autoridades eleitorais, o aluno de ultradireita, Juan Guaidó não controla nenhum território, nem as forças armadas ou de
obteve um total de 97.492 votos com os quais conseguiu um segurança, nem sequer controla os 100 metros quadrados de
lugar de deputado na unicameral Assembleia Nacional. Ma- seu escritório na Assembleia Nacional, que está sob custódia
duro é um ex-dirigente sindical dos trabalhadores dos trans- das tropas da Guarda Nacional Bolivariana, que respondem
portes, antigo deputado, ex-ministro dos negócios estrangei- a Maduro. Não tem um gabinete de ministros, nem um Su-
ros e antigo vice-presidente da República durante os últimos premo Tribunal de Justiça, nem administra qualquer empresa
dois mandatos de Hugo Chávez, o líder da Revolução Bo- estatal.
livariana (2006-2013). Guaidó é um frustrado estudante de Os venezuelanos são fortemente nacionalistas e não toleram
engenharia na Universidade Católica, com um título de gestor que quem propôs ser seu líder insista com o pedido a Donald
de empresas passado por essa mesma casa religiosa. Em 23 de Trump para que os Estados Unidos invadam o país, derru-
Janeiro passado, durante um comício de rua, Guaidó auto- bem Maduro e estabeleçam um novo governo, no qual Guai-
proclamou-se “presidente interino” e assumiu perante milha- dó seria imposto presidente, sem o acréscimo de “interino”
res de pessoas o compromisso de “respeitar e fazer respeitar a ou “no comando”. Ele seria o presidente de facto. A última
constituição da República”. De imediato, recebeu apoio do convocatória foi para o sábado dia 6, mas falhou novamente.
governo dos EUA e 15 governantes latino-americanos, que Como em todos os dias desde 23 de Janeiro, quando Guaidó
respondem às directivas do norte-americano Donald Trump. escolheu a si mesmo, dia 6 de Abril não o acompanharam ne-
Para que Maduro pudesse desaparecer constitucionalmente nhum dos líderes políticos da oposição, algo que deve chamar
do cargo, teria de dar-se uma destas seis causalidades: morte, a atenção dos deputados americanos e europeus que o seguem
renúncia, destituição ditada pelo mais alto tribunal de justiça, apenas porque eles devem seguir Trump. Nem o empresário
incapacidade física ou mental determinada por uma junta mé- e duas vezes candidato presidencial Henrique Capriles, nem
dica, abandono do cargo ou revocatória popular de seu man- o ex-presidente da Assembleia Nacional, o democrata social
dato por um plebiscito. Nada disso aconteceu com Maduro Henry Ramos Allup, nem Henri Falcón, um militar aposen-
e, se tivesse acontecido, tinha de ser substituído pelo seu vice- tado e Ex-candidato à Presidência.

África21– ABRIL 2019 41


42 ABRIL 2019 – África21
África do Sul

A nação arco-íris
está doente!

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele,


pela sua origem ou ainda pela sua religião. Para odiar, as pes-
soas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas
podem ser ensinadas a amar (1994) ”.

Por Bem Sira

O postulado é de Nelson Mandela – o


carismático líder anti-apartheid e “pai” da Nação Arco-
-Íris, por ocasião do nascimento de uma nova África do Sul,
1990), pela sua oposição a este regime de segregação racial.
A luta foi assumida por toda a África. Muitos patriotas anti-
-apartheid foram aqui acolhidos e protegidos, sobretudo nos
fundada na justiça, paz, liberdade e fraternidade entre os ho- países da África Austral que, por isso, pagaram com sangue e
mens. Estava-se longe de pensar que estes princípios alguma destruição das suas infraestruturas.
vez viriam torpedear a determinação da erradicação definitiva Vinte e cinco anos após a instauração do regime democráti-
das sequelas do regime de apartheid. co, de maioria negra, este passado de luta foi esquecido e as
O mesmo que o manteve no cárcere, por 27 anos (1963 – antigas vítimas do apartheid converteram-se em algozes dos

África21– ABRIL 2019 43


A xenofobia, na África do Sul, juntamente com a falsa ideia de uma consciência nacional,
estabelece barreiras e suprime o “outro” que está fora do seu
não está alheia a outras formas contexto. Confrontamo-nos com leis de migração e normas
de segregação, como resquícios de proibição de costumes, medidas que, no fundo, mais não
são do que parte de um projecto que visa a segregação e o
de sistemas racistas como o co- medo da influência de outras sociedades.
lonialismo e o apartheid e pros- Na África do Sul, a xenofobia não está alheia a outras formas
perou com base na subjugação de segregação, como resquícios de sistemas racistas como o co-
lonialismo e o apartheid e prosperou com base na subjugação
da população negra. Tornou-se da população negra. Tornou-se igualmente possível presenciar
igualmente possível presenciar um ultranacionalismo em relação ao restante continente afri-
cano. Afinal, o título de África do Sul, num continente com
um ultranacionalismo em relação
o mesmo nome, não pode ser visto de modo insignificante.
ao restante continente africano. Nesta perspectiva, o quadro hierárquico da África do Sul em
relação aos outros países tem como reflexo um movimento
segregacionista até para com os países vizinhos.
Por isso, ataques contra imigrantes e refugiados passaram a
forasteiros de cor, acusados pelas suas desgraças sociais. Daí os ser frequentes. O estrangeiro passou a ser o culpado dos pro-
actos de violência xenófoba que se vêm abatendo sobre todos blemas económicos e sociais do país de destino, como se es-
quantos um dia aportaram à África do Sul, em busca de me- tes trouxessem na bagagem tudo de pernicioso que agora o
lhores oportunidades de vida. atinge. Este é, veladamente, também o motivo exposto pelo
O governo escuda-se num pretenso aproveitamento crimi- governo sul-africano para a onda de ataques xenófobos que
noso das dificuldades económicas para justificar os desvarios vêm ocorrendo. Por via de factores sociais e económicos, as
dos seus cidadãos. Por ocasião de uma reunião, em Pretória, autoridades acusam os imigrantes de serem os principais res-
entre responsáveis diplomáticos e policiais e os embaixadores ponsáveis pelo aumento da violência e desemprego e de se de
da SADC e de outros países alvos, o embaixador zambiano, recursos que deveriam ser destinados aos sul-africanos.
Emmanuel Mwamba, pediu aos políticos sul-africanos con- Como parte na construção do preconceito, estereótipos são
tenção verbal nos seus pronunciamentos de campanha para as atribuídos a imigrantes, a fim de justificar as atrocidades, mui-
eleições de 8 de Maio. tas vezes fomentadas veladamente pelas próprias autoridades.
Numa dessas acções de campanha, na província do KwaZulu- Os “Makwerekwere” – gíria para identificar o que é “de fora”
-Natal, palco das mais violentas manifestações de xenofobia – são vistos como criminosos, portadores de doenças como
dos últimos tempos, o presidente Cyril Ramaphosa ter-se-á o HIV e “ladrões” de empregos. Mandela esteve focado na
excedido em relação aos comerciantes expatriados. “Toda a reconciliação de uma sociedade dividida pelo ódio racial, mas
gente chega às nossas townships e monta negócios sem licen- ficaram por resolver problemas como a desigualdade social e
ças e autorizações. Vamos acabar com isso e aqueles que estão a pobreza.
a operar ilegalmente, seja de que sítio venham, devem agora A Nação Arco-Íris está, realmente, doente! Seis anos depois
saber (...) “. de partir, será que o líder da luta anti-apartheid reconheceria
o país que deixou? Mandela ficaria muito preocupado e triste
Racismo e Xenofobia com a realidade de hoje. A coesão nacional foi afectada e vai
Sobre isso, Mandela dizia: “O racismo (e, por extensão, a xe- levar tempo até que o país se recupere”. A África do Sul de
nofobia) é uma praga na consciência humana. A ideia de que hoje é vista por muitos como um país em alvoroço e desgasta-
qualquer pessoa pode ser inferior a outra, a ponto de aque- do pela corrupção, nepotismo e arbitrariedades. Uma pesquisa
les que se consideram superiores definirem e tratarem o resto de 2006, sobre Migração, concluiu que os sul-africanos são os
como sub-humanos, nega a humanidade mesmo àqueles que que mais se opõem à imigração em todo o mundo e a xenofo-
se elevam ao status de deuses. Portanto, “que nunca, nunca bia ainda é um problema no país.
mais esta bela terra experimente novamente a opressão de um “A África do Sul tem de se voltar a unir e Cyril Ramaphosa
pelo outro e sofra a indignidade de ser a escória do mundo. tem essa possibilidade, apesar dos estragos causados”. Como
Que a liberdade reine!”. disse Mandela, “Assumimos o compromisso de construir uma
Assistimos, em várias partes do mundo, manifestações de xe- sociedade na qual todos (…) possam caminhar de cabeça er-
nofobia vinculadas a discursos de ódio e posições extremistas, guida, sem receios, certos do seu inalienável direito à digni-
com cunho mais ou menos proteccionista. Estas manifesta- dade: uma nação arco-íris, em paz consigo própria e com o
ções desenvolvem-se apoiadas na lógica da inferiorização que, mundo” (discurso de posse, 1994).

44 ABRIL 2019 – África21


ANGOLA

Relações Angola-Portugal
Uma nova era, com certeza
No término da visita de estado a Angola do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, Por-
tugal e Angola assinaram 11 instrumentos de cooperação bilateral, com destaque para
os dois protocolos: um sobre a administração local e outro sobre segurança e ordem
interna; também foram assinados cinco memorandos de entendimento sobre diversas
áreas. Para trás ficou o irritante provocado pelo “caso Manuel Vicente” e os dois países
falam de um novo ciclo de relacionamento económico que querem construir.

J. A. R angel

C INCO MEMORANDOS de entendimento, dois


protocolos de cooperação, dois de colaboração e uma
declaração de intenções, bem como um acordo de actividades
Os interesses de ambas as partes são muitos, existindo um
grande fluxo de negócios que passam por Angola, um grande
número de empresários portugueses que têm grandes investi-
remuneradas em relação ao pessoal diplomático, é o balanço mentos em Angola e há angolanos com muitos investimentos
positivo da estada de cinco dias em Angola de “Ti Celito”, em Portugal. O estado angolano conhecedor desta importân-
cuja presença e alegria encheu o espaço público angolano. cia, poderá jogar no repatriamento de capitais que saíram de
Quem tem acompanhado de perto a evolução do clima entre Angola de forma ilícita, uma das grandes apostas do presiden-
os dois países não tem dúvidas de que se está a entrar numa te João Lourenço.
“nova era”. Marcelo Rebelo de Sousa chegou a Angola para Os protocolos de cooperação dizem respeito às áreas da admi-
investir numa relação que se quer sem máscaras nem disfarces, nistração local e capacitação e formação técnico-profissional e

África21– ABRIL 2019 45


O protocolo estabelece os
termos e condições para o de-
Recuperar o tempo perdido
senvolvimento de projectos de
consultoria e assessoria técnica Em 2013, eram mais de nove mil as empresas portugue-
especializada, bem como outros sas que exportavam para Angola. Quatro anos depois
não chegavam a seis mil. Em 2018, segundo a Aicep,
projectos, na área do sector em- as exportações voltaram a cair. Desde 2014 as vendas
presarial do estado e processo para Angola tombaram mais de 50%. O país chegou a
ser o quarto maior destino das vendas portuguesas ao
de abertura de capital a terceiros estrangeiro, sendo hoje o oitavo. As importações ango-
e de privatizações. lanas, pelo contrário, dispararam no ano passado. Por-
tugal comprou mais de 900 milhões de euros em bens a
Angola em 2018, quando no ano anterior tinha importa-
do 279 milhões de euros.

cooperação institucional, bem como à da segurança e ordem


interna, através de projectos de intercâmbio, formação e asses-
soria técnica especializada.
Os memorandos de entendimento versam sobre Igualdade
do Género e Assistência a Grupos Vulneráveis e Formação de
C
Quadros e sobre o domínio da actividade marítima e portuá-
ria, intercâmbio de experiências nas áreas de gestão portuária, dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e Adjunto e M

transportes marítimos e logística, segurança marítima e por- da Economia, Pedro Siza Vieira. Y

tuária, gestão de frotas, construção naval e formação de capital Fora do âmbito governamental, os dois países assinaram tam- CM

humano. bém dois “protocolos de colaboração”. O primeiro foi assina- MY

Por outro lado, os memorandos de entendimento incluem do entre o Instituto Nacional de Apoio às Micro, Pequenas e
CY

também as áreas da simplificação, modernização administrati- Médias Empresas (INAPEM) de Angola e a Agência para a
va e reforma do estado, fortalecendo e promovendo a coope- Competitividade e Inovação (IAPMEI, I.P.) de Portugal. CMY

ração e da reforma do estado, através da troca de experiências O protocolo visa estabelecer a cooperação na área da qualifica- K

e conhecimentos, bem como no sistema educativo e no desen- ção, da promoção do investimento inovador e da partilha de
volvimento do ensino profissional. boas práticas e ‘benchmarking’ dos instrumentos de financia-
O quinto diz respeito à formação de funcionário técnicos di- mento às empresas como do desenvolvimento de promoção
plomáticos, em que se actualiza o quadro de cooperação entre de investimento. O segundo foi assinado entre o Instituto de
os dois ministérios com base em programas específicos de for- Gestão de Ativos e Participações do Estado (IGAPE) do Mi-
mação, capacitação e preparação de funcionários das carreiras nistério das Finanças angolano e a Parpública - Participações
técnicas e diplomáticas. Públicas, SGPS, S.A, do Ministério das Finanças português.
Também em relação à área diplomática, Portugal e Angola O protocolo estabelece os termos e condições para o desen-
assinaram igualmente uma “declaração de intenções” ligada volvimento de projectos de consultoria e assessoria técnica
à Convenção sobre Segurança Social, com vista ao reforço e especializada, bem como outros projectos, na área do sector
continuidade das negociações técnicas necessárias para mate- empresarial do Estado e processo de abertura de capital a ter-
rializar a cooperação. ceiros e de privatizações. Estão assim, criadas as condições para
Ainda na área diplomática, as duas partes assinaram um “acor- que investidores portugueses encontrem um bom ambiente de
do sobre actividades remuneradas de membros do pessoal di- negócios em solo angolano, ultrapassado que está o obstáculo
plomático e consular”, que permite que membros do agrega- que existia nomeadamente ao limite ao investimento, a neces-
do familiar de funcionários de missões diplomáticas possam sidade de se fazer parceria com algum empresário local
exercer actividades remuneradas no estado acreditador nas “Proximidade” e “confiança” são as palavras-chave da nova
mesmas condições que os cidadãos desse estado e de acordo era de cooperação entre os dois países, agora que tentam a
com a lei aplicável. reconciliação económica. Numa altura em que Angola aposta
Os acordos foram assinados, do lado angolano, pelos minis- na diversificação da economia, viver apenas do petróleo é in-
tros das Relações Exteriores, Manuel Augusto, do Interior, viável, pois uma economia diversificada vai representar mais
Ângelo Veiga Tavares e, pelo lado português, pelos ministros oportunidades para as empresas portuguesas.
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África21– ABRIL 2019 47


CUBA

Nova constitituição consagra


mudança na continuidade
Foi à sombra da figura tutelar de Raul Castro, que foi proclamada em ceri-
mónia solene em Havana em 10 de Abril último, a nova constituição cubana,
que apesar de conter 60% de emendas ao texto anterior, consagra o socialismo
como objectivo sem equívocos no horizonte político da sociedade cubana.
Mudanças sim, mas na linha da continuidade política nos últimos 61 anos da
revolução castrista.
Por Hugo Melville

N A PRESENÇA do novo presidente cubano, Mi-


guel Diaz-Canel e de Esteban Lazo Hernandez, pre-
sidente da Assembleia Nacional, Raul Castro esquissa uma
guerra anticolonial.
A nova magna carta foi referendada a 24 de Fevereiro e
aprovada 86,85% de eleitores, ou seja 6.816.169 votaram
breve panorâmica da história constitucional cubana, desde a “Sim”, numa consulta que envolveu uma população total de
primeira constituição dos “mambises” (combatentes pela in- 7.848.343. A novidade do voto “Não” veio de uma união sem
dependência de Cuba contra a Espanha nas últimas décadas precedentes das várias igrejas cristãs (católicos, metodistas,
do sec.XIX), lembrando que “a salvaguarda da unidade, liber- pentecostais, baptistas e Assembleia de Deus) em redor de
dade e independência e igualdade de todos os cubanos”, se uma plataforma ideológica centrada nos Direitos Humanos e
mantivera inalterável nos ao longo de 150 anos que debuta a Liberdade de Consciência.

48 ABRIL 2019 – África21


A panorâmica à volta de Cuba no contexto
latino-americano, depende muito da evolu-
ção política que seguirem os acontecimen-
tos na Venezuela (em menor escala na Ni-
carágua), onde a velha política de aliança
com o Kremlin, renasceu das cinzas, com
indefectível propósito de não deixar Donald
Trump de mãos livres.

Castro, continue a jogar um papel chave dentro do partido,


Confrontada a severas dificuldades económicas, que Raul ficou patente nesta cerimónia, o “render da velha guarda” a
Castro aludiu, recordando “o período especial” dos anos 90 favor de uma nova geração de que o novo presidente Miguel
após o colapso da União Soviética, a nova constituição re- Diaz-Canales personifica desde a sua nomeação a nível de es-
conhece a propriedade privada, a economia de mercado e os tado.
investimentos estrangeiros, mas adverte que não “regressará Formado em engenharia de Telecomunicações, Canales que
jamais ao capitalismo”. ocupou o cargo de ministro da Educação, conhece os anseios
Segundo Arturo Lopez-Levy, professor da Universidade de da juventude na era da internet, e suavizou as arestas mais
Gustavo Adolphus, no Minnesota, EUA, a nova constituição ásperas entre a velha geração que vem da Sierra Maestra, mas
“mostra uma grande capacidade de adaptação, identificando não cedendo uma polegada nos princípios centrais de orien-
os problemas e aplicando políticas adequadas para responder tação ideológica. A sua conta twitter que é seguida por 98 mil
aos novos desafios”. A participação popular na redacção da internautas, empresta-lhe um ar de modernidade e diálogo,
Magna Carta cubana relevou a mudança de mentalidade na e não restam dúvidas que o referendo da nova constituição
juventude, mais aberta ao diálogo, ao mesmo tempo que apro- encarna esse espírito, mas não consentirá qualquer mudança
fundou a problemática da Educação, que com a Saúde para de modelo de governação que ponha em perigo a axiologia
todos, são os pilares e grande vitrina do pacto social da Revo- marxista-leninista.
lução iniciada em 1956. No acto proclamação da nova constituição, Raul Castro, afir-
A panorâmica à volta de Cuba no contexto latino-americano, mou que era a segunda vez que lha era atribuída essa honra,
depende muito da evolução política que seguirem os aconteci- pois em 1976 tina sido indigitado pelo seu irmão Fidel Cas-
mentos na Venezuela (em menor escala na Nicarágua), onde a tro, que partira de visita para uma missão no exterior, não
velha política de aliança com o Kremlin, renasceu das cinzas, mencionando que a viagem do legendário Comandante-em-
com indefectível propósito de não deixar Donald Trump de -Chefe, era a visita a Angola a convite do presidente Agosti-
mãos livres. Mesmo com os fornecimentos de petróleo vene- nho Neto, onde o exército “internacionalista cubano” prestou
zuelano a claudicar, Cuba (e a Rússia) não vão permitir a que- uma inestimável ajuda.
da do regime de Nicolas Maduro, muito embora a tendência A primeira constituição cubana na esteira de documentos de
eleitoral na América Latina se vire definitivamente para a di- Guaimaro, Jimaguayu e Vaya, não firmou plenamente a inde-
reita nos próximos anos. pendência nacional, que foi ofuscada pela adição posterior da
Mas o que é interessante para a maioria dos analistas políticos Emenda Platt, que a condicionava aos interesses dos Estados
internacionais, é que Revolução Cubana continua, após a im- Unidos; seguiu-se a constituição de 1940, cujo teor era bas-
plosão da União Soviética a partir dos anos 90 do século pas- tante progressista para época, não foi infelizmente aplicada na
sado, a posicionar-se como único regime político alternativo prática, tendo a partir de 1952, com o golpe de estado do Ful-
ao liberalismo económico mundial, onde o acento das teses de gêncio Batista, ter sido substituída por aditamentos contrários
Hayek em apoio de um estado minimalista, tem aumentado ao seu espírito legal, e só muito mais tarde foi remodelada e
uma riqueza sem precedentes em proveito de um grupo cada reflectida na Lei Fundamental promulgada por Fidel de Cas-
vez menor de multinacionais e famílias cosmopolitas. tro em 1959.
A modernização da nova constituição cubana, vai tentar, por A nova constituição resulta se uma nova abertura informativa,
outro lado, contrariar a tendência para esclerose das institui- e de um contacto mais estreito “com a rua e o povo”, que fez
ções políticas, que nos países socialistas de economia plani- recordar os primeiros tempos de governação de Fidel de Cas-
ficada, sempre revelaram grande fragilidade e foram a causa tro. Tem havido uma maior abertura de opinião, aos mesmo
principal da sua desarticulação política interna. tempo que são transmitidos, por vezes em directo, as sessões
Mas embora a velha geração personificada na figura de Raul parlamentares e de Conselho de Ministros.

África21– ABRIL 2019 49


ANGOLA

Ciclismo angolano
ganha visibilidade internacional
Já é comum nos finais de semana dezenas de cliclistas percorrerem gran-
des distâncias em suas “bikes” de competição, tanto nas centralidades
como nas estradas próximas de Luanda. O que pouca gente sabe no en-
tanto, é que entre estes atletas existe uma equipa de ciclistas profissionais
de primeira linha que tem obtido grande visibilidade nas competições
internacionais.
por Jorge Milagre

Ú nica equipa profissional an-


golana, com o estatuto “Conti-
nental”, que lhe permite ser convidada
norte-americano, um português e um
luso-francês. Esta equipa tem chamado a
atenção e obtido grande visibilidade nas
obter novos parceiros e patrocinadores
para melhorar a sua estrutura para a vol-
ta a Portugal, onde é obrigada a ter várias
para a maioria das grandes competições competições internacionais mais recen- viaturas para levar os atletas, bicicletas,
internacionais, a equipa - BAI SICASAL tes de que participou; tanto no “Tour bagagens, estruturas de apoio e dois car-
PETRO - irá participar em Julho des- do Ruanda”, considerada a mais impor- ros para andar em plena corrida.
te ano da 81ª da Volta a Portugal, que tante competição africana da atualidade,
está entre as cinco voltas mais impor- como na “Volta ao Alentejo”, onde al- Competições mais importantes
tantes do mundo. É de realçar que esta cançou lugares destacados entre os cerca Em que pese a inexistência de ciclovias
será a primeira vez que uma equipa an- de 190 ciclistas participantes. Mais que nas cidades, que seriam um grande in-
golana irá participar desta competição. lugares cimeiros, obviamente almejados centivo ao desporto, o ciclismo de estra-
Infelizmente por razões orçamentais por qualquer concorrente, a equipa tem da, modalidade olímpica hoje presente
ainda não deverá participar das demais obtido grande destaque e visibilidade nas em quase todo o mundo, estende-se
competições europeias mais famosas, transmissões das rádios e televisões que também em Angola. Há associações nas
como o Tour de França ou o da Ingla- cobrem os eventos, sobretudo devido à províncias de Luanda, Benguela, Uíge,
terra. Embora mantenha um núcleo de sua estratégia de manterem-se à frente Huambo, Namibe, Lubango, no Bié e,
amadores de diferentes classes e idades, dos pelotões durante muito tempo em recentemente, foi criada uma também
a equipa angolana, com a média de 19 vários momentos durantes as compe- na Lunda Norte. Todas as associações
anos de idade, tem participado destas tições. Sobrevivendo com orçamento promovem competições periodica-
competições apenas com sete atletas apertado, garantido pelos actuais patro- mente, mas só a Federação promove o
profissionais: quatro angolanos, um cinadores, a equipa está agora a tentar campeonato nacional, normalmente em

50 ABRIL 2019 – África21


Pioneiros O ciclismo em África
Até 1975 o ciclismo era praticado A Eritreia está entre os países que a estrutura organizativa. O maior tour
quase que exclusivamente pelos mais desenvolveram o ciclismo nos úl- de África hoje, por exemplo, está no
colonos. Após a independência timos anos. Superou a África do Sul e Ruanda, um país extremamente organi-
o ciclismo recomeça oficialmente a Etiópia, o Ruanda e Angola. Muitos zado, disciplinado e que atrai turistas de
em 1979 com projetos de forma- países colocam os atletas na África do todo o mundo. Equipas de todo o mun-
ção no quadro de reorganização Sul, a principal escola do ciclismo em do querem correr no Tour do Ruanda,
da então Secretaria de Estado África. Os seus eventos muitas vezes não por causa dos prémios que não são
dos Desportos. Nessa altura en- são melhores e mais bem organizados muito elevados, mas devido à sua orga-
tre outros entusiastas os irmãos do que os da Europa, mas fecham-se nização, às suas belas paisagens e ao
Araújo, Carlos e Justiniano, sur- muito. As únicas competições em Áfri- grau de dificuldade, já que o país está
gem como os primeiros incenti- ca onde os sul africanos aparecem são em média a 1400 metros de altitude,
vadores da modalidade em An- as organizadas no Ruanda e no Ga- com montanhas que chegam até os 4
gola e ainda hoje continuam a ser bão. Houve períodos em que o Egipto, mil metros.
seus principais pilares. O longo a Argélia e Marrocos equilibravam-se Também há atletas eritreus, etíopes
período de guerra deixou pouco com a África do Sul nos campeonatos e ruandeses a competirem no grande
espaço para a expansão do des- africanos. Hoje, Angola supera esses pelotão europeu e no ciclismo mundial,
porto a nível nacional mesmo as- países. Senegal, Burundi, Camarões e mas quando por qualquer motivo os pa-
sim a chama manteve-se acesa. Ruanda fizeram grandes investimentos trocinadores saem, não há continuação
Em 2009, o ciclista Alberto Silva e hoje têm um ciclismo melhor organi- do projeto. As organizações em África
Pepino, natural de Benguela, zado. Os países da francofonia todos ficam muito dependentes de apoios
participou em São Francisco da eles têm a Volta ao seu país. O Ruanda externos e quando os patrocinadores
Califórnia, no Estados Unidos da teve um forte apoio norte americano e estrangeiros saem do país o ciclismo
América, dos Jogos Olímpicos da soube aproveitar esse investimento, tra- começa a decair.
terceira idade. Em 2013, Pepino, balharam tanto no atleta como em toda
já com mais de 80 anos, um íco-
ne do ciclismo angolano, voltou
aos Estados Unidos e sagrou-se É de realçar que esta será a Julho, acompanhando o calendário in-
campeão mundial na sua catego- ternacional da modalidade.
ria, conquistando duas medalhas
primeira vez que uma equipa
No calendário das corridas nacionais
de ouro em provas de contrar- angolana irá participar desta programadas para 2019 a 2ª Edição do
relógio e de fundo. O país conta competição. Infelizmente por Grande Prêmio Internacional Banco
atualmente com 18 equipas de Bai, a ser realizado na província da Huí-
ciclismo e cerca de 770 ciclistas razões orçamentais ainda la de 07 a 11 de Novembro, com asses-
praticantes, entre amadores e não não deverá participar das soria técnica da equipa BAI SICASAL
amadores, o que é muito pouco
considerando a dimensão do país
demais competições euro- PETRO DE LUANDA, a ORPED e
a direcção de desportos do governo da
e a sua população. Cerca de 60% peias mais famosas, como Huíla, surge como a competição mais
destes atletas concentram-se em o Tour de França ou o da importante. Já estão confirmadas a pre-
Luanda. sença de três equipas estrangeiras profis-
Inglaterra.
sionais de Portugal, França e África do
Sul.
Neste ano destaca-se também a reali-
zação do Grande Prémio Internacional
de Malanje onde as presenças de pelo
menos uma equipa estrangeira e alguns
ciclistas individuais de diferentes nacio-
nalidades estão confirmadas. Destacado
patrocinador da modalidade em Angola,
o Banco BAI pretende patrocinar e or-
ganizar em 2020 a 2ª Edição da Volta a
Angola em 2020.

África21– ABRIL 2019 51


AMBIENTE

Enfrentar os desafios
energéticos em África
A sustentabilidade energética é uma prioridade absoluta para a África,
onde 57 % da sua população (de cerca de 1.277 milhões de pessoas)
continua privada de electricidade. A situação, para além de ser preju-
dicial para o desenvolvimento económico do continente, impede-o de
atingir todo o seu potencial. O sector energético caracteriza-se pela ine-
ficiência, sendo o investimento necessário limitado pela prática de tari-
fas abaixo do preço de custo.
Por Mário Pedro

N ÃO OBSTANTE, é enorme o potencial inexplorado


na área das energias renováveis ou “limpas”, de Norte
a Sul, sobretudo na região Subsahariana, para dar resposta à
recursos, para o fornecimento de uma energia limpa e a preços
comportáveis.
A África Subsahariana enfrenta dois grandes desafios energé-
necessidade de uma produção de energia eficiente e acessível, ticos: o acesso inadequado à energia e as alterações climáticas.
com destaque para as energias renováveis e a integração regio- Para mitigar os impactos das alterações climáticas, terá de al-
nal, contribuindo no seu conjunto para o desenvolvimento da cançar o pleno acesso à electricidade e desenvolver sistemas de
economia africana. energia limpa. Trata-se da região com os maiores índices de
O acesso a serviços de energia sustentáveis e modernos é uma pobreza energética no mundo: mais de 600 milhões de pessoas
condição essencial à satisfação das necessidades humanas não têm acesso à electricidade e outros tantos milhões estão
básicas e do desenvolvimento económico e social em toda a ligadas à redes eléctricas não fiáveis, que não satisfazem, por
África. A energia constitui uma prioridade fundamental e o isso, as suas necessidades básicas nesta matéria.
continente possui abundantes fontes de energia renováveis, O Potencial de Recursos da África Subsahariana
sendo as principais a solar e a eólica. Urge, por isso, criar pro- A região Subsahariana tem uma enorme abundância de recur-
jectos que contribuam para a exploração responsável destes sos energéticos renováveis ainda não devidamente explorados

52 ABRIL 2019 – África21


CALENDÁRIO
ligamos emoções DE FEIRAS 2019
MAIO 1ª EDIÇÃO DA EXPO MALANJE E DO SALÃO DA MANDIOCA

2-5 REPÚBLICA DE ANGOLA


GOVERNO DA PROVÍNCIA DE MALANJE
Local:
Pavilhão Palanca Negra - Malanje

MAIO 6ª EDIÇÃO DA FEIRA DA INDÚSTRIA ALIMENTAR, BEBIDAS, DISTRIBUIÇÃO E LOGÍSTICA DE ANGOLA

8 - 11 MINISTÉRIO DA INDUSTRIA
Local:
ZEE- Zona Económica Especial

29 MAIO 9º EDIÇÃO FEIRA INTERNACIONAL DE BENGUELA

Local:
1 JUNHO REPÚBLICA DE ANGOLA
GOVERNO DA PROVÍNCIA DE BENGUELA
Estádio Nacional de Ombaka - Benguela

JUNHO 1ª EDIÇÃO DA FIMMA - FEIRA DAS INDÚSTRIAS DO MOBILIÁRIO E MADEIRA DE ANGOLA

5-8 MINISTÉRIO DA INDUSTRIA


Local:
ZEE- Zona Económica Especial

JUNHO 2ª EDIÇÃO DA ANGOLA FIT - SPARTANS COMPETITION

15 - 17 Local:
Baía de Luanda - Luanda

JUNHO ANGOLA ICT FÓRUM 2019 - MAKING THE FUTURE

18 - 20 MINISTÉRIO DAS TELECOMUNICAÇÕES E


TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO
Local:
HCTA - Talatona - Luanda

JULHO 35º EDIÇÃO DA FEIRA INTERNACIONAL DE LUANDA

9 - 13 REPÚBLICA DE ANGOLA
MINISTÉRIODAECONOMIAEPLANEAMENTO
Local:
ZEE- Zona Económica Especial

SETEMBRO 1ª EDIÇÃO DA CIDADE DO EMPREENDEDOR AO 2019

25 - 28 CIDADE DO
EMPREENDEDOR
REPÚBLICA DE ANGOLA
GOVERNODAPROVÍNCIADELUANDA
Local:
Baía de Luanda

OUTUBRO 4ª EDIÇÃO DA EXPO INDÚSTRIA

9 - 12 MINISTÉRIO DA INDUSTRIA
Local:
ZEE- Zona Económica Especial

2ª EDIÇÃO DA ÁFRICA PEOPLE SUMMIT 2019


OUTUBRO
23 - 25 *
ANGOLA
Local:
CCTA - Centro de Convenções Talatona

NOVEMBRO
FÓRUM E EXPOSIÇÃO SOBRE A CONSTRUÇÃO CIVIL, OBRAS PÚBLICAS E
16ª EDIÇÃO DA PROJEKTA MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO

13 - 16 MINISTÉRIO DA CONSTRUÇÃO
E OBRAS PÚBLICA
Local:
Tenda Ilha de Luanda - Luanda

18-03-2019 | V13

África21– ABRIL 2019 53


O acesso aos serviços de ener- A energia eólica “surgiu” com a crise do petróleo, nos anos 70.
No entanto, a sua origem remonta a antiguidade, a partir dos
gia sustentáveis e modernos estudos dos ventos. Por outro lado e devido à sua localização
é uma condição essencial à geográfica, a África é o continente mais ensolarado do mundo,
quando o assunto é energia solar. Por isso, esta fonte é a mais
satisfação das necessidades viável e sustentável para os problemas energéticos que o conti-
humanas básicas e do desenvol- nente enfrenta, especialmente nas zonas rurais.
vimento económico e social em A diversidade das fontes de electricidade, mediante soluções
de energia renovável, como solar, eólica e geotérmica, é a
toda a África. resposta mais eficaz para a pobreza energética do continente,
Angola tem um défice de energia visto que uma energia barata também possibilita um melhor
atendimento aos sectores da saúde, comunicação, informação
– 140 KWh/por habitante – que o e educação. De acordo com a Agência Internacional de Ener-
coloca atrás da média de consu- gia, o sol, que irradia permanentemente milhões de watts para
mo per-capita em África. Estima- a superfície terrestre, oferece 7.700 vezes mais energia do que
toda a necessidade mundial. Segundo os cálculos, se apenas
-se que apenas 30% da sua 2% da área do deserto do Sahara fossem ocupados por pai-
população tem acesso à energia. néis solares, seria possível suprir toda a demanda energética
do planeta.

As 5 apostas em energias renováveis


para atender à procura. Estima-se que a sua capacidade se situe em África
nos 11.000 gigawatts (GW), grande parte com base em fontes Quénia – É o líder global em sistemas de energia solar insta-
renováveis. Dispõe de um elevado potencial de energia solar lados por habitante. A sua central eólica de 310 megawatts,
fotovoltaica. A maioria dos seus países costeiros tem um alto inaugurada em 2018, vem ganhando destaque no mundo das
potencial de energia eólica e o Vale do Rift Africano Oriental energias limpas e é já a maior de África. África do Sul – Desde
dispõe de enorme capacidade geotérmica. 2010 que vem apresentando um dos índices de crescimento
Estima-se que a demanda por energia eléctrica, em África, tri- mais rápidos no mundo, em energias renováveis. Argélia – É
plique até 2030 e o continente dispõe de grande potencial de detentora de um dos programas mais progressistas do Oriente
produção de energia eólica e solar. Ambas, de origem renová- Médio e Norte de África. Ghana – O país está a implementar
vel, poderiam suprir a demanda, além de diminuir os gastos um programa para permitir o acesso à electricidade até 2020.
com centrais convencionais (hidroeléctricas ou termoeléctri- Marrocos – Desde 2015 que 34% da electricidade do país é
cas). A Agência Internacional da Energia (AIE), que assinala de fonte renovável, 2% da qual é solar. O país é detentor da
uma crescente avidez pela electricidade, na África Subsaharia- maior central solar do mundo – Ouarzazate, no Sudeste do
na, prevê uma subida da procura na ordem dos 4% por ano, país.
até 2040. Mas o acesso pleno de toda a população da região só
será alcançado em 2080. O caso de Angola
Relativamente aos investimentos necessários, calcula que eles O país tem um défice de energia – 140 KWh/por habitante
se situem à volta dos US$ 385 biliões, para que o continente – que o coloca atrás da média de consumo per-capita em Áfri-
tenha acesso pleno à electricidade, até 2030. E este é o mo- ca. Estima-se que apenas 30% da sua população tem acesso à
mento chave para que a África dê um salto na erradicação da energia. Dispõe de uma considerável radiação solar e extensos
miséria, até mesmo para a sobrevivência do nosso planeta e polígonos florestais, capazes de impulsionar a utilização da
como solução para a crise de energia. biomassa, para além de ventos que propiciam a instalação de
parques eólicos.
Energia eólica – o que é? Até 2025, o país prevê produzir 800 MW de energia eléctrica
É o processo de transformação da energia dos ventos em ener- a partir de fontes renováveis, com maior predominância nas
gia útil. A energia eólica, enquanto alternativa aos combus- áreas rurais, o que permitirá duplicar o total de população
tíveis fósseis, é renovável, limpa e não produz gases de efeito com acesso à electricidade. Contudo, a dispersão populacional
de estufa. Portanto, ecológica. As fontes mais utilizadas são a – sobretudo nas zonas rurais – e as dificuldades de acesso a de-
água dos rios e oceanos, ventos, luz solar, biomassa e o calor terminadas zonas do país determinaram a eleição da Energia
da terra. Todas elas estão disponíveis, são acessíveis e gratuitas Solar Fotovoltaica como a solução ideal para a electrificação
em todo o planeta, em maior ou menor abundância. do país.

54 ABRIL 2019 – África21


«Mandela moçambicano ou «Senhor da guerra»?
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Brasil, todos os demais receberão o seu exemplar pelo correio a partir de Lisboa.
Como os custos de envio também são variáveis, conforme as re­giões,
o preço das assinaturas é igualmente regionalizado.
Eis, a seguir, um quadro explicativo, com a tabela de preços
das assinaturas e com os detalhes acerca dos centros onde os pagamentos
deverão ser feitos, conforme os endereços dos assinantes.

Afonso Macacho Marceta Dhlakama estava há mais de 40 Figura controversa, com uma linguagem simples e directa,
anos na liderança da Renamo, cuja presidência assumiu
TABELA após era visto por uns como o “Mandela moçambicano” e, por
DE ASSINATURAS
REGIÃO
a morte de André Matsangaíssa, noBANCO
SEMESTRAL ANUAL
auge da guerra civil mo- CONTA
SWIFT
outros, como um IBAN
“senhor da guerra”. Assumia AGENTE
/ AGÊNCIA
a sua faceta
çambicana. A sua entrada no mundo da política aconteceu em controversa sem problemas. “Se não gostarem de mim, depois
Angola KZ 8.000 KZ 14.000 BIC BCCBAOLU 00766438210001 AO06005100000766438210162 Movimento
1974, com o final da guerra colonial, tendo-se alistado na de cinco anos, podem-me mandar embora, porque não vou
Brasil Frelimo, partido
R$ 120 que abandonaria,
R$ 200 doisITAÚanos depois. 69854-5 Agencia 0532
matar ninguém”, afirmou, BELISAN
num comício, em 2014, aquando
Portugal Foi um€dos 20 fundadores€ 35do movimento armado RNM da campanha para a presidência de Moçambique.
União(Resistência
Europeia €Nacional
30 de €
Moçambique).
55 Millennium BCOMPTPL Foi alvo de vários
45371872997 atentados, desde as eleições
PT 50003300004537187299705 de 15 de
Triangulação
BCP
Após a USD
Resto do mundo morte60de Matsangaíssa,
USD 100 começou a luta pela suces- Outubro de 2014.
são, ganha por Dhlakama. O movimento muda de nome e Dhlakama foi casado com Rosária Xavier Mbiriakwira
nasce a Renamo. Dhlakama, com quem teve oito filhos.
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África21– ABRIL 2019 55


O longo “strip” da banda
desenhada em África
Certos estudiosos remontam os primórdios da Banda Desenhada (BD) em África para os
arquétipos das gravuras de Tassili e das grutas do Baixo Congo e mesmo dos pictogramas
do tempo glorioso das Pirâmides de Gizé. Mas o que é importante salientar na brevíssi-
ma história do universo da BD, é que a criatividade dos autores africanos é indissociável
da sua emancipação cultural e política. Um olhar sobre o Outro, um olhar sobre Nós.

Por Manfredo Ben

A Banda Desenhada (BD) é uma forma de arte


que conjuga textos e imagens com o objectivo de nar-
rar histórias dos mais variados géneros e estilos. Publicadas
Cuba e “mangas” no Japão, com estilos diferentes e perso-
nagens fabulosos, eles fazem parte do imaginário de milhões
de pessoas e foi percussora da globalização do planeta muito
em forma de revistas, livros ou em “tiras”, conhecidas como antes de se falar de globalização.
“comics” nos Estados Unidos, “fumetti” na Itália, “tebeos” Os primeiros “strips” em África, aparecem em jornais egíp-
na Espanha, historietas na Argentina, ”muñequitos” em cios e das ilhas Maurícias, nos finais do sec. XIX, mas é um

56 ABRIL 2019 – África21


Os primeiros “strips” em Áfri- com Hergé, o famoso criador belga de Tintin, que começa
a desenhar célebres pranchas depois de 1930 e que ganha
ca, aparecem em jornais egíp- notoriedade após a 2ª Guerra Mundial com êxitos ”Tintim
cios e das ilhas Maurícias, nos na América”, “Tintim no país dos sovietes”, que se enquadra
dentro da política da “cortina de ferro”.
fins do sec. XIX, mas é um pouco Na mesma época, Hergé publica “Tintim no Congo”, onde
abusivo catalogá-los como BD, o seu herói e viajante Tintim, se torna um clássico do colo-
pois segue a tradição da carica- nialismo que destila um paternalismo racista que até hoje
constitui uma mancha na sua obra, apesar da desculpa dos
tura política dos jornais britânicos contextos culturais da época. Um exemplo similar, proscri-
e franceses no auge de humor to também, é o personagem de Bamboula de Mattei, que
as edições Varly tentaram reeditar para uma edição crítica,
jornalístico da época. mas que foi interdita pela indignação de leitores da BD na
Europa.

pouco abusivo catalogá-los como BD, pois segue a tradição No fervor das independências africanas, os autores africanos
da caricatura política dos jornais britânicos e franceses no participam na exaltação de heróis míticos dos antigos reinos
auge de humor jornalístico da época. Foi em 1915, na África da África pré-colonial da “golden age” e das façanhas da luta
do Sul, que aparece a primeira publicação africana aceite de contra o colonialismo, ao mesmo tempo emprestam o seu
forma unânime pelos estudiosos da BD, com o título Karan- talento à figuração narrativa da pedagogia de saúde pública e
ga Konikal, magazine humorístico impresso no Malawi, sob da prática de boa cidadania.
a égide da Livingstonian Mission Press, que durou pouco Mas é partir dos anos de 1960, juntamente com a literatura
mais que um ano. e o cinema, que os autores amadurecem o seu espírito de
Nos anos vinte do século passado, encontramos traços da reflexão, com um novo olhar sobre a Europa e os regimes
BD nos sumários das revistas coloniais, L’Avenir (1920) de africanos, que são escalpelizados sem peias e complexos. No
qualidade gráfica medíocre, L’Essor du Congo, criado em Egipto, os grandes artistas Ettap, Labbed e Kateb, lançam
1928, que se insere no caracter de narração histórica e no contos e narrativas em árabe, com o célebre “Sindbad, o
mesmo ano l’Écho du Katanga (1928) na antiga Elisabetevil- marinheiro”, que mereceu as críticas ferozes de Nasser e do
le (Lumumbashi), a que se seguiu o L’Echo de Stan em Stan- clero muçulmano em uníssono.
leyviile ( Kisangani), mas que, pese o facto serem publicações Na Argélia, na mesma época, Ismael Ait Djaffar, publica
impressas e editadas no continente africano, a identidade dos “Lamentações dos Mendigos da Casbah”, que pode ser con-
autores e colaboradores está longe de ser estabelecida. siderada o grande precursor do romance-gráfico norte-africa-
A consagração do primeiro autor africano de BD em África no, enquanto que nas margens do grande rio Congo, mais
(embora seja difícil dizer quem foi o primeiro dos primeiros) precisamente em 1965, duas grandes vedetas da BD, Freddy
vai para o congolês, Paul Liugani, que debuta em 1930, Mulongo e Achille Ngoye, editam a Gento Oye, que mais
no magazine La Croix du Congo e, quase em simultâneo tarde se tornará o êxito de “Jovens para Jovens” e “Koke”, em
(1940) era publicada no Daily Times, da Nigéria, as Joseph que participam os grandes nomes africanos: Denis Boyau,
Hollyday’s Adventures, que contagiou o Quénia e Tangani- Lepa Mabila Saye, Bernard Mayo, Djemba Djeis, entre mui-
ca, com a aparição do Swali Rafiku Yetu, de onde emerge o tos e muitos outros que vale a pena hoje redescobrir.
grande autor M.S. Agutu, com a série Mrefu e Peter Kasem- Por sua vez, os autores europeus começam a “desenhar”
be, todos eles editados em inglês e suaíli, numa África que África com outros olhos. O italiano Hugo Pratt, passeia o
começavam a soprar os “ventos da independência”. magnífico e fantasioso Corto Maltese, na Etiópia da infância
Na década de 50, a BD ganhou o seu estatuto definitivo de tardia, com o belíssimo álbum “Etíopes”, que juntamente
8ª Arte, logo a seguir ao cinema, com a divulgação dos super- com “Equatória”, nos remetem para poesia renegada, deses-
-heróis americanos Capitão América, Batman, que enfren- perada e negra de Conrad, mas deixando sempre uma porta
tavam os “maus” que se queriam apoderar de Gothan City, aberta, de um misterioso sorriso e esperança.
uma espécie de Elsinore dos tempos modernos, o arquétipo Por outro lado certos autores europeus, começam a contar os
do poder americano, se quisermos; enquanto do outro lado acontecimentos da actualidade em África, com um espírito
do Atlântico ganhava maturidade e estatuto, a BD escola crítico de “história do tempo presente”, de que é um exem-
franco-belga, que irá influenciar uma boa parte dos autores plo o álbum “Des Billets et des Bombes” (Bilhetes e Bombas)
da BD nas antigas colónias francesas. de George Samprun, em que é denunciada a duplicidade de
Mas os preconceitos coloniais também passavam pela BD, Sarkozy na queda e assassinato de Kadhafi.

África21– ABRIL 2019 57


A crónica de Odete Costa Semedo

Fios, fibras e fibrilas!


O O estranho, aquilo sobre o qual não se tem
capacidade de descodificar – talvez uma outra
ordem –, sempre foi um mistério para o ser humano.
representam, entre outros, figuras geométricas, a flora, os
bichos que filosofam nos provérbios populares, tal como
o adágio que nos previne a não porfiar, se a bentana dis-
Tudo que é desconhecido chega a carre- ser que o lagarto/crocodilo tem um olho
gar mitos. Mitos ligados ao escuro, à noi- furado, pois os dois vivem no mesmo lu-
te e às estrelas, à retina do Sol ao meio- gar. O pano de pente denominado costa de
-dia, ao vermelho, ao branco, às espécies lagarto também representa este adágio que
de indivíduos da natureza. Casos há em referencia a convivência e o estar juntos
que sonhar com uma determinada cor, como forma de conhecimento profundo
um animal ou ambiente pode ter inter- do outro; da mesma forma, outro provér-
pretações muito fortes ao ponto de con- bio adverte: “o pau, por mais tempo que
duzir ao adiamento de uma viagem ou de estiver no mar, jamais se transformará em
um outro propósito; assim também a lagarto/crocodilo”, numa clara alusão ao
criação artística é, por vezes, atribuída a odetecsemedo@hotmail.com colonizador instalado no país durante a
seres do outro mundo, uma espécie de musa que se ma- época colonial.
nifesta no silêncio da noite. Foram esses símbolos e discursos feitos de fios
Dependendo da imaginação de cada um, os mitos e de algodão, de fibras, de fibrilas, outros códigos que en-
alguns fenómenos naturais são ligados a símbolos, a si- contraram na Casa da Cultura do Mundo, no evento O
nais que podem ser desenhados em paredes ou marca- novo alfabeto, espaços de interação e, quiçá, pontos de
dos/bordados em tecidos denominados panu. Vistos interceção com o código binário, com uma possível nova
com o olhar de hoje, essas marcas ou símbolos são fór- ordem de conhecimento que vai se desenhando pelo
mulas criadas para funcionarem como ponto de harmo- mundo.
nia entre o homem, a língua e o seu meio. E esses registos Minha gente, os símbolos até ali desconhecidos
viram códigos, falas e dialogam com a comunidade, para o outro, tais como a cobertura dos mortos, o pano
porquanto tornam-se discurso. Para muita gente, está-se de pente da noiva, a indumentária do régulo, os panos de
diante de um alfabeto, de sinais que representam algo ostentação para os dias festivos, estavam todos ali, tanto
passível de ser decifrado; forma de registo, incluindo, física quanto virtualmente. Ora os panos – na sua geo-
neste caso, representações capazes de traduzir metáforas, metria – pareciam lagartos, ora se assemelhavam a ondas
enfim, um sistema de sentido. por cima das quais os filamentos sulcavam. Pareciam
Para quem já se habituou às digressões do nosso na- navegar sonhos, desconstruir distopias e firmar, sim,
vio mundo afora, os questionamentos já bailam nas suas uma nova alfabetização.
mentes, perguntando aonde nos levará o barco da me- E o nosso navio partiu, deixando Berlim e o
mória, desta vez? Será o mundo da escrita o próximo mês de Janeiro para trás, em busca do outro lado do
destino? E, que deambulações esperam pelos tripulantes atlântico, para devolver os fios às origens!
desse barco?
Berlim 2019 foi o porto escolhido para ancorar o
nosso navio, pois tornou-se, por uns dias, lugar de parti-
lha de outros sinais, de outras formas de gerar significa-
dos que, insubmissamente, se fizeram uma outra ordem.
Porém, para muitos, tratou-se de um novo alfabeto, Das
Neue Alphabet. Berlim foi, de facto, o palco de interce-
ções de múltiplos signos: de linhas de várias cores às
múltiplas línguas que pariram o tear crioulo, num entre- Vistos com o olhar de hoje, essas marcas
laçar de códigos. Os panos de pente guineenses, parte da ou símbolos são fórmulas criadas para
produção têxtil desse país, tecidos em teares tradicionais,
reproduzem situações específicas da vida comunitária e
funcionarem como ponto de harmonia
os seus vários ritos, na conjugação de cores e debuxos que entre o homem, a língua e o seu meio.

58 ABRIL 2019 – África21


África21– ABRIL 2019 59
insumos

Moçambique tem limitada capacidade de resposta

A consultora EXX Africa considera que a capacidade de mo tempo que tem de implementar as mudanças institu-
Moçambique responder aos efeitos do ciclone Idai, recu- cionais para aumentar a confiança externa”.
perando e garantindo a resiliência necessária para respon- Como a agricultura representa mais de 20% do PIB e
der a futuros eventos climatéricos, está comprometida emprega quase 80% da força de trabalho, “o Idai vai ter
pelas dificuldades financeiras. um impacto imediato na vida da maioria dos trabalhado-
“A capacidade de Moçambique recuperar rapidamente e res moçambicanos”, escreve a consultora, acrescentando
garantir a resiliência a eventos futuros deste género está que “além dos custos de reconstrução, várias importações
em dúvida”, escreveu o director da consultora, Robert de alimentos devem duplicar este ano, devido à descida
Besseling, num relatório sobre Moçambique. Lembrando da produção interna”.
que “ainda há partes de Moçambique que continuam a O ciclone Idai, que devastou parte da costa do sudoeste
ser afectadas pelo ciclone Eline, de 2000”, a EXX Africa africano, deixou mais de 900 mortos em Moçambique,
escreve que “é imperativo que o Governo assegure esse Zimbabwe e Maláui.
apoio através de doações e não de empréstimos, ao mes-

Aumenta procura mundial de petróleo


A Agência Internacional de Energia (AIE) estima que a procu- queda da produção na Venezuela. As extracções da OPEP
ra mundial de petróleo aumente para 100,6 milhões de barris diminuíram em 550.000 barris diários, em Março, para um
por dia, este ano, mais 1,4 milhões de barris que em 2018. No total de 30,1 milhões de barris, uma travagem liderada pela
relatório de Abril sobre o mercado petrolífero, recentemente Arábia Saudita, que registou o nível mais baixo em dois anos.
divulgado, a AIE prevê que a oferta também caia, devido ao Em contrapartida, a produção fora da OPEP vai crescer em
corte da produção da OPEP e da Venezuela. 2019, em 1,7 milhões de barris, contra o acréscimo de 2,8
Este aumento foi compensado pela queda registada no quarto milhões de barris de 2018.
trimestre do ano passado, no conjunto das economias desen-
volvidas agrupadas na Organização para a Cooperação e o De-
senvolvimento Económico (OCDE), a primeira desde finais
de 2014. Esta travagem foi confirmada no primeiro trimestre
do ano, devido à desaceleração na Europa, mas deverá recu-
perar ao longo do ano, sobretudo impulsionada pelos Estados
Unidos, sublinhou a AIE.
A oferta baixou em 340.000 barris por dia, em Março, devido
aos cortes impostos pela OPEP, impulsionados pela “forte”

60 ABRIL 2019 – África21


Ethiopian Airlines melhor companhia aérea em África
A Ethiopian Airlines acaba de conquistar o troféu de melhor zação de normas de qualidade e de certificação do transporte
companhia aérea em África, em 2019, atribuído pelo Fórum aéreo internacional, atribuiu uma certificação à Ethiopian,
Africano dos responsáveis das companhias aéreas, que esteve enquanto companhia aérea de quatro estrelas. A Skytrax con-
reunido em Kigali (Rwanda), no âmbito da Zona de Comér- cedeu igualmente à Ethiopian Airlines o Prémio de Melhor
cio Livre Continental Africana. Num comunicado divulgado Companhia Aérea de África e duas vezes o Prémio Mundial
em Addis Abeba, a companhia considera o Prémio “um ver- das Transportadoras Aéreas.
dadeiro reconhecimento pan-africano”.
O Fórum Africano das companhias aéreas é a principal con-
ferência internacional dedicada ao sector privado em África e
agrupa, anualmente, as maiores empresas, investidores estran-
geiros, peritos e decisores de alto nível de África.
Tewolde Gebre Mariam, presidente-director-geral da Ethio-
pian Airlines, declarou que é uma grande honra para a sua
companhia ser premiada “como campeã africana” do sector e
agradeceu “por esta marca de confiança por parte da equipa,
mesmo em momentos difíceis da nossa história”.
“Continuamos a chorar a perda dos nossos passageiros, ocor-
rida durante o trágico acidente do voo ET 302, a 10 de Março
de 2019”, afirmou, ao renovar as suas mais sinceras condolên-
cias às famílias das vítimas, aos países e ao continente africano.
“Estamos muito gratos aos que nos manifestaram o seu apoio
nestes momentos difíceis”, indicou.
A Ethiopian é uma companhia aérea já premiada várias vezes.
Em Novembro de 2017, a Skytrax, a mais prestigiosa organi-

Filha do presidente congolês em negócio polémico nos EUA


dinheiro, segundo a Global Witness, teria passado por
paraísos fiscais em Delaware, Ilhas virgens britânicas e
Chipre.
A ONG pede uma investigação do negócio às autori-
dades americanas e portuguesas, devido ao presumível
envolvimento do cidadão luso José Veiga, antigo direc-
tor do Benfica, detido em 2016 num caso de branquea-
mento de dinheiro no Congo. Veiga foi solto após três
meses de cadeia, mas a investigação prossegue. Mariana
Abreu, da Global Witness, disse em Washington que “há
Claudia Sassou Nguesso, filha do chefe de estado do muitos sinais de corrupção e lavagem de dinheiro” neste
Congo Brazzaville, é suspeita de desvio de milhões negócio, diz ela.
de dólares de fundos públicos, para a compra de um A assessoria de Claudia Sassou Nguesso desmente que
apartamento de luxo, em Nova Iorque, denuncia a ela tenha tido qualquer intenção em comprar o aparta-
organização não-governamental Global Witness. mento em causa. A família do presidente congolês já é
O apartamento está no arranha-céus Trump Inter- investigada em França, por branqueamento de dinheiro
national Hotel and Tower, um complexo residencial e aquisição fraudulenta de bens através do desvio de fun-
e hoteleiro do actual presidente norte americano. O dos públicos.

África21– ABRIL 2019 61


insumos

África deve priorizar mobilização de receitas, diz CEA


África deve construir economias mais resilientes, para dis- e agravar a perda de rendimentos ligada aos fluxos financeiros
por de recursos que lhe permitam realizar os Objectivos do ilícitos, estimados em 50 mil milhões de dólares americanos.
Desenvolvimento Sustentável (ODS), nas próximas décadas, Relativamente à Zona de Comércio Livre Continental Afri-
concluiu a Conferência de Ministros da Comissão Económica cana (ZCLCA), definida pela União Africana e submetida
para África (CEA), encerrada em Marraquexe, Marrocos. aos estados-membros para ratificação, a nota sublinha que ela
Esta foi das conclusões saídas da conferência sobre “Política “oferece a oportunidade de reforçar o que alguns países africa-
Orçamental, Comércio e Sector Privado na era digital: uma nos realizaram de modo bilateral e permitirá estimular o cres-
Estratégia para África”, que reuniu, na última semana de cimento no quadro de uma abordagem comum de desenvol-
Março, ministros africanos das Finanças, Planeamento e do vimento”. Para entrar em vigor, a ZCLCA deve ser ratificada
Desenvolvimento Económico. Segundo as conclusões finais, por 22 países africanos. Até agora, 21 já o fizeram.
um aumento de 12 a 20 % das taxas cobradas pode render
cerca de 400 biliões de dólares americanos e contribuir para
financiar o défice de infraestruturas, avaliado em 600 biliões
de dólares”.
Todavia, isso não deve realizar-se em detrimento do pacto
social entre os governos e os cidadãos, para a melhoria da
transparência e da boa governação. O sector privado deve de-
sempenhar um papel essencial na inserção das tecnologias nas
economias africanas e os governos devem estabelecer “parce-
rias que privilegiam o valor partilhado”. A digitalização das
economias pode aumentar o crescimento do PIB, de cinco
para seis pontos anuais, facilitar a transferência dos benefícios

ONU e União Africana juntos no desenvolvimento sustentável de África

Por seu lado, Vera Songwe, secretária-executiva da Comis-


são Económica das Nações Unidas para a África, “as Nações
Unidas estão a trabalhar com a União Africana para tirar as
pessoas da pobreza, levar energia aos lares de mais de 500 mi-
lhões de pessoas sem electricidade e conseguir os 60 biliões
de dólares necessários para empoderar as mulheres africanas”.
A comissária dos Recursos Humanos, Ciência e Tecnologia
da União Africana, Sarah Anyang Agbor, disse que “é minha,
sua, nossa responsabilidade fortalecer a colaboração para as
reformas”.
Michel Sidibé, director-executivo do Programa Conjunto das
Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), co-presidiu a
um painel intitulado “Ampliando as soluções duráveis, in-
cluindo a abordagem ao deslocamento forçado : nexo de de-
“Não podemos alcançar o desenvolvimento sustentável sem senvolvimento”, durante o qual os participantes apontaram
manter a paz. Tampouco podemos construir um futuro se- que mais de um terço das pessoas deslocadas no mundo está
guro para todos sem abordar as causas profundas dos nossos em África. Os participantes concordaram com a necessidade
conflitos e vulnerabilidades”. A afirmação é da vice-secretária- de entender e abordar as raízes dos deslocamentos forçados e
-geral das Nações Unidas, Amina Mohammed, durante a 20ª trabalhar para quebrar o ciclo de vulnerabilidades. Sidibé en-
sessão do Mecanismo de Coordenação Regional para a África fatizou que fomentar sociedades resilientes significa, primeira-
(RCM-África), ocorrida em Marrakech, Marrocos. mente, enfrentar o desafio da desigualdade da renda.

62 ABRIL 2019 – África21


BM reduz previsões de crescimento da África subsaariana
O Banco Mundial reviu em baixa a previsão do crescimento Para as três maiores economias da região - África do Sul,
das economias da África subsaariana para 2019. “Projecta- Angola e Nigéria - o Banco Mundial prevê crescimentos gra-
-se que o crescimento alcance os 2,8%, em 2019 e 3,3% em duais. Para a África do Sul, os analistas prevêem que alcance os
2020”, lê-se no relatório “O Pulsar de África”, divulgado pela 1,3%, em 2019 e 1,7% em 2020. Para Angola, estimam que
instituição, sedeada em Washington. cresça 1% este ano e, no próximo, 2,9%.
Os analistas apelidam de “desafiante” o ambiente externo A Nigéria deverá ter um crescimento mais brando. A econo-
que a região enfrenta, apontando a redução das actividades mia do maior produtor africano de petróleo deve alcançar
económicas, diminuição da produção industrial e as disputas 2,1%, em 2019 e 2,2% em 2020. No ano passado, a África
comerciais entre os EUA e a China como as principais cau- subsaariana registou uma quebra no seu crescimento econó-
sas. “Esta recuperação é apoiada por exportações e consumo mico, de 2,3%, abaixo da taxa de crescimento da população,
privado e por um ressalto da produção agrícola e aumento da pelo quarto ano consecutivo.
produção mineira e dos serviços”.

Pela primeira vez, há mais africanos a sair da pobreza extrema


os africanos representam mais de 70% das pessoas mais
O ritmo de redução da pobreza extrema é ainda muito
pobres do mundo”, acrescenta-se no artigo.
lento. Um em cada três africanos vive abaixo da linha de
Se esta tendência continuar, em 2030 a África terá conse-
pobreza. O número dos que conseguiram sair da pobreza
guido reduzir o número de pessoas extremamente pobres
extrema ultrapassou, em Março, pela primeira vez desde
em 45 milhões e a pobreza relativa vai cair dos 33,5%,
que foram definidos os Objectivos do Desenvolvimento
hoje, para 24%, lê-se no texto, que dá conta que, ainda
Sustentável (ODS), o número dos que entraram nessa
assim, o continente não vai conseguir atingir os Objec-
situação. De acordo com o World Data Lab, uma em-
tivos do Desenvolvimento Sustentável, erradicando a
presa de estatísticas que trabalha com o UNICEF, em
pobreza até 2030. Hoje, em dia, há aproximadamente
Março deste ano, o número de pessoas que saíram da si-
377 milhões de africanos que ainda vivem com menos
tuação de pobreza extrema, por dia, suplantou em 367 o
de 1,90 dólares por dia, lê-se no artigo Pobreza em África
número de pessoas que caíram nessa situação. “O ritmo
está agora a cair – mas ainda não suficientemente depres-
desta redução líquida da pobreza ainda é, hoje em dia,
sa.
muito pequeno. Apenas 367 pessoas por dia, mas no fi-
“Angola está a passar por um curto período em que a
nal deste ano a taxa pode aumentar para mais de três mil
pobreza está a aumentar; isto começou em Setembro de
pessoas por dia, resultando numa redução de um milhão
2017, mas as previsões do World Data Lab antecipam
de pessoas que estão em situação de pobreza extrema em
que em 2021 a pobreza extrema vai cair novamente e em
2020”, lê-se num artigo publicado pelo norte-americano
2030 a pobreza extrema estará nos 3,5%, o que significa
Brookings Institute.
que se esta tendência puder ser revertida mais cedo, então
“A África é a última fronteira do mundo na luta contra a
o país terá uma hipótese maior de cumprir os ODS 1”,
pobreza extrema; hoje, um em cada três africanos – 422
conclui o artigo.
milhões de pessoas – vive abaixo da linha de pobreza e
64 ABRIL 2019 – África21
PRESS RELEASE

Grupo Zahara aposta na juven- qualquer alteração no curso regular de distribui- Segundo o ministro Marcos Nhunga, que proce-
tude angolana ção de combustível, o mercado leva alguns dias deu ao encerramento da conferência, o Ministé-
a voltar à normalidade, situação susceptível de rio da Agricultura e Florestas está a negociar
induzir à falsa percepção de existência de es- com empresas russas e marroquinas para a
cassez de produto, o que não é o caso. A So- produção de fertilizantes no país. A actividade
nangol Logística apela à tranquilidade dos seus foi promovida pela revista Economia & Mercado,
consumidores e a denúncia às autoridades foram prelectores José Severino, presidente da
sempre que verifiquem o descaminho do aludi- AIA (Associação Industrial de Angola), José
do produto. César Macedo, director geral da Agropromotora;
O Grupo Zahara lançou a 2ºedição do Progra- e Castro Camarada, agrónomo, participaram
ma Kima – um programa de trainees que visa a Petro conquista a 3º e 4º etapa dos painéis de debate o director-geral da ADRA,
captação dos melhores talentos à saída das das provas Belarmino Jelembi; Carlos Pinto, agrónomo.
universidades. O Programa Kima pretende A Associação Provincial de Ciclismo de Luanda
identificar e seleccionar jovens angolanos, fina- (APCIL), realizou nos dias 30 e 31 de Março a 3º 50 Anos de António OLE expostoS
listas de uma licenciatura/mestrado ou recém- e 4º etapa das provas de ciclismo “TAÇA LUAN- no Banco Económico
-licenciados, para integrar num programa de DA XXL 2019”, com o patrocínio oficial da XXL O Banco Económico realizou uma conferência
formação dentro do Grupo Zahara, o mesmo ENERGY uma marca de bebida energética do de imprensa de apresentação da exposição “
permitirá a empregabilidade de 30 jovens, que 50 Anos- Passado, Presente e Futuro” do artis-
durante 6 meses, terão formação direccionada ta António Ole, a exibição terá lugar Galeria
para a compreensão geral dos conceitos-chave Banco Económico encerrando o mês de Abril.
de negócio com foco no desenvolvimento de A actividade é uma celebração, e uma home-
competências práticas em áreas operacionais. nagem, ao meio século de carreira de António
O recrutamento será no dia 30 de Abril, durante Ole, um dos maiores artistas contemporâneos
o mês, o Programa encontra-se a fazer um de Angola. Esta mostra de arte integra cerca
roadshow pelas Universidades de Angola, de 40 obras – entre pintura, desenho e fotogra-
onde está a apresentar detalhadamente os fia- cria uma retrospectiva com algumas das
respectivos objectivos. peças mais emblemáticas dos primeiros anos
Grupo Castel Angola. de trabalho de António Ole e apresenta, tam-
Sonangol esclarece falta de No primeiro dia foi disputada a 3ª etapa em cir- bém, diversas obras recentes e inéditas.
combustível em Luanda cuito fechado com um percurso de 75 km, na O percurso profissional de António Ole está in-
A Sonangol Logística torna público que, um cer- centralidade do Kilamba e o segundo dia foi trinsecamente ligado às diversas dimensões de
to condicionamento logístico esteve na base do marcado com á 4ª etapa, prova de fundo com evolução da sociedade angolana e das geogra-
desencadeamento de uma maior procura de um percurso de 120 km, partindo do município fias por onde passou. A sua obra é um legado
combustível, mais concretamente de gasolina, de Viana a Cabala regresso a Viana. indelével na arte e na cultura contemporânea
em Luanda. A equipa Bai Sicasal Petro de Luanda, foi a de Angola.
A referida ocorrência conduziu à necessidade equipa vencedora desta 3ª & 4ª Etapa, com os
de se reestruturar alguns processos relativos às atletas Hélvio Lemos vencedor da 3ª Etapa e o
quantidades de combustível necessárias aos di- Gabriel Cole vencedor da 4ª etapa, com os tem-
ferentes consumidores, intermédios e finais, de pos de 01:44:24 e 02:56:00.
modo que os reabastecimentos já em curso, as-
sim como as reposições posteriores possam ir Minagrif anuncia novo plano
ao encontro das necessidades do mercado. para facilitar acesso a
Mais informa que, normalmente, a seguir a fertilizantes
À margem da Conferência E&M “Agricultura:
passado à actualidade, principais constrangi-
mentos e caminhos a seguir”, realizada na
Quarta-feira, 10 de Abril, em Luanda, o Ministé-
rio da Agricultura e Florestas de Angola anun-
ciou que está em curso um novo plano ministe-
rial para facilitar o acesso dos camponeses a
fertilizantes e outros insumos agrícolas.

África21– ABRIL 2019 65


A OPINIÃO DE Carlos Lopes

A prosperidade da África
depende de cidades sustentáveis
Carlos Lopes, alto representante da Comissão da União Afri-
cana, expõe os seus pontos de vista sobre as alterações climá-
ticas desde a Cimeira Climática Africana de 2019

N a semana passada, delegados de todo o


mundo reuniram-se em Acra para a Cimeira do Cli-
ma em África de 2019.
de água.
Talvez seja por isso que muitos países africanos são líderes
mundiais na luta contra as alterações climáticas. Apesar de
Não é por acaso que a primeira cimeira climática regional está seus baixos níveis de emissões, os países de Burkina Faso ao
em África. Embora os africanos sejam responsáveis por apenas Quênia se comprometeram a reduzir a intensidade das emis-
uma pequena parcela das emissões de carbono que causam a sões. Cada tonelada de gases de efeito estufa que eles evitam
mudança climática, o continente é especialmente vulnerável a ajudará a aliviar os impactos da mudança climática.
choques climáticos. Os 54 países enfrentam uma série de ris- Com uma parcela crescente de pessoas e atividade econômica
cos, desde inundações mais severas a secas e estresse por calor. nas áreas urbanas, as cidades de baixo carbono serão absoluta-
Muitos desses perigos são mais pronunciados nas cidades da mente fundamentais para reduzir o risco climático. A Cimeira
África. do Clima Africano reconhece isso, concentrando-se em assen-
• Superfícies duras como estradas e prédios não absor- tamentos humanos e energia. E cidades de Acra e Durban já
vem água, então há mais escoamento e, portanto, mais inun- estão planejando alcançar a neutralidade de carbono até mea-
dações. dos do século.
• Concreto e asfalto também irradiam calor, particu- Mas os governos africanos não podem se concentrar estreita-
larmente se não houver espaço verde. mente na mitigação do clima nas cidades: eles também devem
• No verão, as temperaturas nos assentamentos infor- encontrar formas de reduzir a pobreza, criar empregos decen-
mais em Nairobi são até 4 ° C mais quentes do que em outras tes e reduzir a poluição. Portanto, é essencial identificar me-
partes da cidade. didas de baixo carbono que também proporcionem melhorias
O stress climático só aumentará à medida que as cidades de reais na vida das pessoas.
África crescem. Prevê-se que a população urbana da África se E agora, histórias de sucesso estão surgindo em todo o conti-
expanda em quase um bilhão de pessoas entre 2015 e 2050. nente. Estes oferecem esperança de que a escolha de um cami-
Isso aumentará a pressão sobre os ambientes em torno das nho verde pode tornar as cidades africanas mais limpas, mais
cidades. saudáveis e mais ricas.
• A Cidade do Cabo descobriu isso nos meses aterrori- • Luzes de rua movidas a energia solar foram instala-
zantes da contagem regressiva para o “Dia Zero”, uma crise de das em Jinja, Uganda. A iluminação pública leva a ruas mais
água que foi evitada em 2018 devido ao severo racionamento seguras, com horário de funcionamento alargado para peque-

66 ABRIL 2019 – África21


nas empresas. E as luzes da rua movidas a energia solar custam está sendo coletado. É difícil chegar ao ministro nacional, mas
25% menos que as luzes convencionais, e muitas outras po- é fácil chegar ao vereador local.
dem ser instaladas pelo mesmo preço. Mas as autoridades municipais precisam de apoio para enfren-
• A coleta e a reciclagem de resíduos foram estendidas tar os muitos desafios que enfrentam. Talvez eles não possam
para assentamentos informais em Kampala, Uganda. Forman- fazer parceria com cooperativas de catadores se as políticas de
do uma parceria formal com os catadores, o estado tem conse- compras públicas exigirem certos documentos legais. Talvez
guido melhorar os meios de subsistência dos mais pobres e, ao eles não possam arcar com os custos de construção de uma
mesmo tempo, reduzir as inundações e as doenças. nova rede de ônibus. Talvez eles não tenham as habilidades
• Largas calçadas e dias sem carros em Kigali, Ruanda, técnicas para instalar luzes de rua movidas a energia solar. Em
estão incentivando as pessoas a andar em vez de dirigir, o que cada um desses casos, os governos nacionais podem apoiar os
beneficia especialmente aqueles que não podem pagar carros. governos locais para oferecer melhores serviços públicos a um
• E os sistemas Bus Rapid Transit (BRT) foram cons- custo menor - e com menos emissões.
truídos na Cidade do Cabo, Joanesburgo, Dakar, Dar es Sa- A Cúpula do Clima da África é o primeiro passo no caminho
laam, Lagos e Nairobi, que ajudam a combater a poluição do para as negociações anuais sobre o clima. Devemos aproveitar
ar e o congestionamento. este momento para celebrar a liderança africana na mudança
• Em todos os casos, essas cidades encontraram um climática. Nas cidades de todo o continente, vemos que há
caminho de baixo carbono para abordar prioridades urgentes: oportunidades para melhorar os padrões de vida hoje e ga-
saúde pública, trabalho decente, ruas seguras. rantir um planeta mais seguro no futuro. Tanto os governos
Cada uma dessas histórias de sucesso tem, em sua essência, nacionais quanto os locais devem se orgulhar dessas histórias
uma parceria entre os governos nacional e local. de sucesso.
As autoridades municipais têm um papel crítico a desempe-
nhar no planejamento e prestação de serviços públicos.
• Habitação e transporte, por exemplo, serão mais
Carlos Lopes, professor da Escola Mandela de Governança Pública da Uni-
adequados às necessidades das pessoas locais se o Estado as versidade da Cidade do Cabo, é Alto Representante da União Africana para
envolver na tomada de decisões. E as pessoas precisam ser ca- parcerias com a Europa pós-2020 e membro da Comissão Global sobre Eco-
nomia e Clima.
pazes de chegar facilmente aos seus governos para lhes dizer Este artigo foi publicado no site www.project-syndicate.org/commentary/
quando uma luz de rua não está funcionando ou seu lixo não africa-stake-in-brexit-by-carlos-lopes-4-2017-06

África21– ABRIL 2019 67


SUDÃO

Ascensão e queda do
ditador Omar al-Bechir

Após trinta anos de uma governação com mãos de ferro, o presidente


sudanês Omar al-Bechir, cai em consequência da intensificação de mani-
festações de rua que começaram com o anúncio do aumento do preço de
combustíveis, que culminou com um golpe militar palaciano executado
pelo seu homem de confiança, o vice-presidente e ministro da Defesa,
Awad Auf.
JOÃO SELES

A O FIM de três décadas no


poder, o ditador sudanês, Omar
al-Bechir foi deposto pelo exército que
anuncia um futuro incerto ao nível de-
mocrático das exigências populares.
A confirmação do afastamento do líder
obrigatório, formação de um conselho
militar para governar o país durante dois
anos, após os quais serão marcadas elei-
anuncia abertura de um “ciclo de tran- autoritário foi surgiu na televisão pelo ções presidenciais.
sição política” de dois anos, que para os número dois de Béchir, o vice-presiden- O general Awad Auf ordenou de imedia-
milhares de manifestantes que duran- te e ministro da Defesa, Awad Ibn Auf, to a libertação de presos políticos e o en-
te semanas a fio precipitaram a queda que entre vários comunicados declarou cerramento de portos, aeroportos e espa-
de um dos “homens fortes” de África, o estado de emergência com suspensão ço aéreo por 24 horas, indicando que o
tem o sabor de um rebuçado amargo, e da constituição, instauração de recolher deposto presidente Béchir se encontrava

68 ABRIL 2019 – África21


A subida do preço dos com- lho de Estado. “Os pobres estão mais
pobre os ricos continuam mais ricos, e
bustíveis foi a gota a mais não existem as mesmas oportunidades
que fez rebentar o dique para todas as pessoas. Declarou o chefe
da hierarquia militar.
da indignação da juventude O anúncio da formação de um governo
sem emprego e futuro. “Os militar foi prontamente recusado pe-
manifestantes são sobre- las principais organizações que enqua-
draram as manifestações, que receia a
tudo jovens profissionais substituição de uns militares por outros.
afectados pelas políticas “Não aceitamos um governo do exército
nos próximos dois anos. O regime conti-
de islamização e de arabi- nua o mesmo, apenas cinco ou seis pes-
Durante o seu mandato travou uma
guerra sem quartel durante 22 anos con-
zação do regime”. Afirmou soas foram substituídas por outras cinco tra os separatistas do Sudão do Sul até
Andrew Tchie, investigador ou seis pessoas dentro do regime”, afir- 2005, que levou ao morticínio de cerca
mou Ahmed al-Matasser, da Associação de 10 milhões de pessoas. Os bombar-
da Universidade de Essex, Sudanesa dos Profissionais. deamentos selvagens sobre aldeias no Sul
Inglaterra. A queda do preço do petróleo de que o do Sudão, são ainda hoje recordadas com
Sudão vive quase exclusivamente levou horror. Os massacres contra a população
ao empobrecimento da classe média e do Darfur pelas milícias Janjaweed, leva-
da juventude em especial, que já nasce- ram às acusações de genocídio pelo TPI,
ra e crescera sob o regime de Béchir. A que lançou um mandato internacional
sob custódia militar “em local seguro”. subida do preço dos combustíveis foi a de prisão.
Recorde-se Béchir é acusado pelo Tribu- gota a mais que fez rebentar o dique da Na década de 90 do século passado,
nal Penal Internacional (TPI) de crimes indignação da juventude sem emprego e Omar Béchir estreitou os seus laços com
contra a Humanidade, genocídio e vio- futuro. “Os manifestantes são sobretu- terrorismo internacional, dando guarida
lação. Os militares golpistas invadiram a do jovens profissionais afectados pelas e protecção logística a Osama bin La-
sede do Movimento Islâmico, uma orga- políticas de islamização e de arabização den antes de partir para o Afeganistão,
nização criada por Béchir, para alargar a do regime”. Afirmou Andrew Tchie, e ao célebre terrorista venezuelano, Ilich
base popular do seu partido Congresso investigador da Universidade de Essex, Ramirez, mais conhecido por Carlos, o
Nacional. Inglaterra. Chacal, autor de sangrentos atentados
A movimentação do exército foi desen- em França, e foi durante este período que
cadeada quando os manifestantes que BÉCHIR E TRINTA ANOS DE os americanos lançam um míssil cruzei-
tinham criado uma espécie de acam- VIOLÊNCIA CONTÍNUA ro que destruiu uma fábrica de medica-
pamento aglomerado às portas de um Omar Béchir, o governante de mãos de mentos, que os americanos suspeitavam
quartel militar, ao mesmo tempo que ferro, ascendeu ao poder através de um de fabricação de armas químicas.
tinha cercado o palácio residencial pre- golpe de Estado em 1989, quando de- A sua famigerada imagem nunca foi um
sidencial, começaram a ser vítimas de pôs o primeiro-ministro eleito Sadiq al- problema para Omar Béchir, porque ela
unidades da polícia de intervenção rá- -Madhi, e foi posteriormente eleito por exalava quase normalmente da longa his-
pida e de grupos de milícias particulares três vezes, em eleições que foram classifi- tória de violência, guerra e sofrimento
do presidente, que tentavam arredar os cadas como uma farça, pela comunidade que faz parte da história do Sudão.
manifestantes do local causando vários internacional. O general que liderou o golpe, Awad Ibn
mortos. Atrás do seu aspecto frágil, escondia-se Aouf, foi sempre, ao longo da sua vio-
O exército tomou o partido dos mani- um homem feroz e tenaz, que gostava lenta governação, o seu homem de con-
festantes e depôs o presidente Omar al- de recordar as suas raízes camponesas fiança, que fez a sua carreira nos serviços
-Béchir, para ganhar a simpatia dos ma- das margens do rio Nilo. A sua história de inteligência militar, para ascender a
nifestantes e despoletar a radicalização preferida era contar a história do seu par- ministro da Defesa e vice-presidente. Se
do movimento de protesto. Fazendo eco tido, que quebrara trabalhar em garoto, Béhir era considerado popularmente o
das preocupações dos manifestantes, Auf e que recusara substituir por um dente “Homem Aranha” do centro da teia de
afirmou que há muito tempo as Forças de prata no seu período da academia mi- milícias que executam a repressão mais
Armadas estavam a observar o que se litar, para que se recordasse sempre da violenta, Awad Aouf, não podia estar
passava a nível de corrupção no apare- vida dura do povo. longe.

África21– ABRIL 2019 69


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70 ABRIL 2019 – África21
A crónica de Muniz Sodré

A lógica triunfante dos zumbis


E
m meio à constante atração do público internacional isto é, aquele que assume forças vitais para tentar devorar os
por temas de morte e horror, persiste há algum tempo que ainda permanecem. Esse é o zumbi, o morto-vivo da
o sucesso de filmes e séries sobre zumbis ou, como imaginação cinematográfica, o walking-dead.
preferem os norte-americanos, walking-deads. O fenômeno Além do horror imediato, essa temática parece evidenciar a
é recente, mas não há nada de novo na te- enorme fragilidade do ser humano diante
mática: é um desdobramento de produções de suas próprias realizações materiais. A
já presentes no cinema da segunda metade impressão é de que, quanto mais se avança
do século passado. Primeiro, George Ro- tecnologicamente, mais se regride em ter-
mero com A hora dos mortos vivos (1968), mos emocionais. A educação, a cultura e a
reaproveitavamento de Herbert West-Rea- política são lentas ante a velocidade do
nimator, uma narrativa de horror do clássi- avanço técnico. Valores democráticos, res-
co H.P. Lovecraft (1890-1937), por sua vez peito às diferenças e condutas refletidas são
inspirada no Frankenstein, de Mary Shel- figuras de uma humanidade que se esvazia.
ley. O filme de Romero impactou, em geral Disso não nos salva a tão louvada realidade
negativamente, o público da época, mas foi virtual, esse aumento maquinal do espaço-
depois classificado como esteticamente importante. Os ro- -tempo, aparentemente adequado às novas estruturas e
teiros de agora combinam a violência desabrida ao gosto de configurações da vida social.
um determinado público com a fantasia de mortos-vivos No cerne dessa transformação, em que se esvaem velhos
resultantes de uma catástrofe, que caçam os sobreviventes valores, tende-se a observar, por exemplo, a ausência de
para devorá-los. sustentação moral das sociedades atuais como se fosse uma
O que me intrigava é que, sucesso popular à parte, as característica genérica da época, algo como um produto
atuais narrativas me parecessem totalmente desinteressan- alarmante do nosso “espírito do tempo”. O grau zero de
tes. A ficção original pertencia ao fantástico, um gênero confiança na sociabilidade regular ––– a falência do vínculo
pautado pela hesitação literária entre o real e o sobrenatural. fiduciário com a sociedade –– pode alimentar o ódio como
Convenhamos: Que graça pode mesmo existir na infinda paixão fundamental. Dentro dessa lógica, o clichê de senso
repetição, pretensamente realista, de zumbis à caça de vivos comum, segundo o qual “todo mundo precisa de alguém
que, por sua vez, tentam abatê-los com as armas portáteis para amar”, pode ser reescrito como “todo mundo precisa
que povoam e encantam a imaginação bélica de uma certa de alguém para odiar, por alguma razão”.
cidadania? A menos que, além da droga, a descarga de uma Mortos-vivos parecem-me, assim, os valores que têm las-
arma de fogo possa ser compreendida como a única descar- treado a civilidade tradicional do Ocidente tecnologicamen-
ga emocional aceitável para a consciência de seres humanos te próspero. O imaginário refletido na ficção popularesca
isolados, solitários, vazios de espírito comunitário e embala- sempre foi sensível à influência das mutações civilizatórias
dos pela teologia do ódio. sobre a fragilidade emocional do socius. Sem sadias media-
Mas o gênero atual define-se como de catástrofe, termo que ções culturais, o ser humano próximo, mas diferente (o
abrange uma diversidade de figurações, desde desastres cli- migrante, o minoritário, o diverso), pode ser percebido
máticos, aliens, monstros gigantescos até zumbis. A catás- como ameaça devoradora. Não é assim mesmo que pensam
trofe é o portal para a irrupção da monstruosidade, velha e Trump e seus seguidores? Nesse contexto, cada um é vir-
moderna obsessão no imaginário coletivo de culturas as tualmente o zumbi do outro.
mais variadas. Do passado mítico ao presente supostamente
tecnocientífico, o monstro persiste como fonte de medo,
mas também de pensamento. É que monstro não amedron-
ta por ser algo totalmente desconhecido, mas por ser um
conhecido que, tomados de pavor, desconhecemos.
Veja-se a Morte. Ela é de fato a causa do medo originário
entre os humanos, embora de algum modo todos a conhe- A impressão é de que quanto mais se avan-
çam como destino irrevogável, como uma forma de sentido
que se dá à vida. Mas o real pavor aparece no imaginário,
ça tecnologicamente mais se regride em
quando nos deparamos com o morto que desconhecemos, termos emocionais

África21– ABRIL 2019 71


OPERAÇÃO

Pela sua posição geo-estratégica privilegiada, Angola tem uma costa marítima na
ordem de 1650 km de extensão, com praias maravilhosas e um clima que convida
a actividades de recreio, lazer e desportivas permanentemente.

No entanto, a não observância das normas de navegação e de segurança marítima,


associadas à ocupação desordenada e ilegal de terrenos na faixa litoral, ameaça
extinguir este grande potencial.

O IMPA - Instituto Marítimo e Portuário de Angola, órgão regulador da marinha


mercante, portos e actividades conexas, está a realizar a “Operação Mar Seguro”
que visa a observância das normas de navegação e de segurança marítima para
a garantia da salvaguarda da vida humana no mar, segurança a navegação, pro-
tecção do ambiente marinho, assim como a reposição da ordem na faixa litoral.

Todo o navegante de meios náuticos, proprietários de infraestruturas na orla


marítima ou que tenham privatizado espaços públicos, deverão
contactar imediatamente o IMPA para efeitos de homologação
ou regularização.

O incumprimento das normas claramente expressas constitui uma


infração nos termos da lei.

CONTACTOS

942 700 323


993 342 714
operacaomarseguro@impa.gov.ao

Respeite as leis, gaRanta a seguRança


e pReseRve a vida
África21– ABRIL 2019 73
LIVRO DO MÊS

Dias da Nossa Vida,


de Isaquiel Cori
Ficcionar a retórica conciliadora

Yuval Noah Harari, na sua obra Sapiens – Uma Bre-


ve História da Humanidade, põe em relevo que “As
pessoas entendem facilmente que os “primitivos”
consolidam sua ordem social acreditando em deuses
e espíritos e se reunindo a cada lua cheia para dançar
juntos em volta da fogueira. Mas não conseguimos
avaliar que as nossas instituições modernas funcio-
nam exactamente sobre a mesma base.”

Por José Luís Mendonça

O mundo moderno continua a funcionar, portanto, com


base no mito. Um desses mitos é o de que os que lu-
taram pela independência têm legitimidade não só para se
riquíssimos recursos naturais do país e, ao proceder assim, im-
põe a prestação incontornável de um serviço de inteligência e
de uma força policial quase omnipotentes, que, na verdade,
perpetuarem no poder, mas para se tornarem os novos ricos consomem a maior fatia do orçamento do Estado.
à custa do erário. Este mito é um dos mais poderosos criados Na página 43, o romance transpira o que Armindo Gasolina
na África subsariana. e seus pares vinham depositando nas redes sociais: “…má go-
O mais recente romance de Isaquiel Cori, Dias da Nossa vernação, corrupção encabeçada pelo governador, pobreza ex-
Vida, lançado em Luanda no passado dia 19 de Fevereiro, trema da maioria da população, saque das terras dos campone-
traz à superfície da escrita a grande problemática da relação ses, favorecimento de estrangeiros em prejuízo dos nacionais.”
entre os governantes e os governados, no Estado pós-colonial, O romance Dias da Nossa Vida é uma espécie de desabafo
construído sob o modelo comummente apelidado de “cabri- político de um narrador à beira da morte, que se revela nas
tismo”, do provérbio “o cabrito come onde está amarrado”. 10 cortinas que separam os 11 capítulos do livro e que nos vai
A trama deste romance assenta no conflito entre Reinaldo contando como funcionam os serviços de segurança num Es-
Bartolomeu, chefe dos Serviços de Informação da Repúbli- tado regido pelo sistema político do cabritismo. Só que, como
ca numa província (“um homem pequenino a fazer de deus” se pode ler na página 130, “Nem tudo é política, a vida vai
– pág. 47) e um jovem estudante que dá pelo nome de Ar- muito mais além”, cogitação íntima de Reinaldo, personagem
mindo Gasolina, caudilho de um grupo de descontentes que principal, dotado de sabedoria e perspicácia para conseguir
reclamam contra a corrupção, o peculato e o clientelismo do convencer Gasolina a aceitar uma bolsa de estudos em troca
governador Arlindo Seteko “Não Se Mete”. Este confronto do apaziguamento dos ânimos juvenis na província.
nasce precisamente devido ao facto de uma tal forma de go- Aliás, o romance que parecia ter um clímax de sangue, na imi-
vernar excluir liminarmente a grande massa dos governados nência de um confronto entre as forças da ordem, vestidas
da participação no banquete propiciado pela exploração dos de um negro vetusto, em contraste com os trajes brancos dos

74 ABRIL 2019 – África21


Dias da Nossa Vida apresente
um desfecho inesperado que diz
bem da retórica conciliadora que
anima o narrador a conspirar
literariamente pela ordem e a paz
social.

manifestantes frente ao palácio, tem um final muito feliz, no


próprio salão de festas do palácio, com todos os “inimigos” ali
reunidos em amena confraternização.
Este desfecho inesperado – para quem foi “educado” a ler best-
-sellers carregados de ossos quebrados e fachadas de edifícios
a arder, sugestão preconizada pelo nome do jovem Gasolina
– diz bem da retórica conciliadora que anima o narrador (e,
por tabela, o próprio Isaquiel Cori). Afinal, qual é o intelec-
tual angolano que não conspira literariamente com a ordem
e a paz social?
Contudo, a paz social tem um preço. E é precisamente esse
preço que o romance quer resgatar para as mentes de quem di-
rige o país: o preço do desenvolvimento. Que se alcança com
uma certa justiça social, na criação de emprego e no refrear
dos apetites insaciáveis pelo peculato.
O leitor penetra num ambiente familiar, onde não falta o bur-
lesco, o erótico e o sarcástico. A boca de Andrezinho, o filho
de Reinaldo, a dizer “Papá, papá, quando eu crescer também
quero ser bufo”, incita mesmo o homem da secreta a uma
pesquisa na escola do filho. Os cenários da província onde se
localiza a acção desenham-se aos olhos do leitor, com quadros Isaquiel Cori
da natureza circundante, mas também figuras castiças como
o velho Ti Manel Fidacaixa ou a cunhada de Reinaldo, Ana Isaquiel Cori nasceu em Luanda a 12 de
Flor, varredora de bom vinho francês no qual afogava as má- Agosto de 1967. Trabalhou como auxiliar
goas de mulher solteira preterida a favor de sua irmã, Rebeca, de Bibliotecário na Biblioteca Nacional e
por culpa própria. formou-se em Jornalismo no Instituto Médio
Um livro curto e grosso, por isso de leitura imparável, onde de Economia de Luanda (IMEL). Estudou
ninguém morre, um livro, portanto, que nos faz lembrar uma
História na Faculdade de Ciências Sociais
novela criada para consumo dos dias da vida diária dos ango-
da Universidade Agostinho Neto.
lanos, com um desfecho que podia levar ao casamento entre
Doroteia, a filha mais velha do homem da segurança e o seu
É editor no Jornal de Angola.
“rival político”, o jovem Armindo Gasolina, se a festa de ani- Obras publicadas: Sacudidos pelo Vento,
versário do Governador Não Se Mete, “monumentalmente romance, 1996; O Último Feiticeiro, contos,
só, na sua cadeira dourada de encosto alto”, tivesse durado 2005; Pessoas Com Quem Falar, entrevis-
mais uma páginas de narração e não terminasse, assim: “Rebe- tas, em co-autoria com Aguinaldo Cristó-
ca levantou-se já a bambolear o corpo. Reinaldo Bartolomeu vão, 2006; O Último Recuo, romance, 2010
segurou a mão direita da mulher e juntos escorregaram rápido
para a pista de dança.”

África21– ABRIL 2019 75


cults

História da BD
nos Camarões
A história pós-colonial do desenho animado camaronês
começa com As Aventuras de Sam Monfong, um po-
lícia destemido, publicadas no The Gazette, sob o pincel do
Os Pequenos Desenhos do Sorriso, provavelmente um dos ca-
ricaturistas mais talentosos do país.
Mais de 40 anos depois, o que resta? Thomas Kiti ainda é
designer Thomas Durand Kiti. Este é o primeiro herói de professor de artes visuais e história da arte. Thomas Kiti não
quadrinhos na história de Camarões. Kiti é o primeiro cartu- publica quadrinhos há mais de 25 anos. Lémana Louis Marie
nista a caricaturar o então Presidente da República, Amadou morreu em 1997.
Ahidjo, no jornal Camarões Sports em 1982. Macus não deu mais sinal de vida. A menos que o Mboa
Em 1985, Thomas Durand Kiti lança uma das primeiras re- Comic Strip Festival lhes ofereça uma homenagem, pode-se
vistas de humor e caricatura dos Camarões, Mad, em que en- temer que estes artistas permaneçam em relativo anonimato.
contramos as aventuras de Sam Monfong. Kiti criou em 1986
o Centro Africano de Estudos e Pesquisas sobre Quadrinhos
e Desenhos Animados. Sem apoio financeiro, este centro está
fechado. Outras séries aparecem em 1975, como Le Grand
Duel, roteirizado por Macus, em cerca de cinquenta edições.
Alguns dias depois, saem os primeiros ensaios em quadrinhos
de Lémana Louis Marie, da série do Balão de Pep que abor-
da de modo humorístico vários males da sociedade da época.
Depois, Lémana Louis Marie anima por uma década a página

Tonspi expõe
Contagem Decrescente
estas dores já estão mortos há muito tempo.”
Depois da vídeo-montagem, o hall maior de exposições do
Camões, no piso superior, apresenta o próprio Tonspi, preto
no branco, como todas as 47 fotografias e os três desenhos,
com as mãos sobre a cabeça, tentando travar a água da vida
que a lava das imagens doídas no coração. Angola é um país
de Alimento.
A Gratidão frente a um prato de esmalte já amolgado com ar-
roz transforma a mesa em santuário e Deus recebe esse gesto,
dos dois meninos à mesa a jantar.

D
A exposição Contagem Decrescente fecha com três desenhos:
eve haver uma linha do sem-tempo de onde cresce essa a fragilidade do homo sapiens, lâmpada do mundo. Como
música clássica e se enraíza na sala de exposições do escreveu Mateus, o evangelista: “não se acende uma candeia
Centro Cultural Camões, nos últimos dias de Fevereiro de para colocá-la debaixo de um cesto. Ao contrário, coloca-se no
2019 e faz respirar as imagens que José Silva Pinto (Tonspi) velador e, assim, ilumina a todos os que estão na casa.”
sequenciou em vídeo, no pequeno ecrã fechado sob cortinas Tonspi nasceu no Lobito (1959). Com experiência profis-
nocturnas: “Hoje é o primeiro dia da minha morte. Hoje é o sional em diferentes áreas, decidiu empenhar-se a fundo na
dia em que gostava que começasses a viver”, lê-se no ecrã, pas- fotografia, como aprendiz de contador de histórias, com a pa-
sam acordes de música sacra, “os que não conseguem sentir ciência inaudita do iogue indiano.

76 ABRIL 2019 – África21


Joeirar o grão
com cestaria Tonga

nome das regiões onde são produzidas, sendo tradicionalmen-


te usados para joeirar grãos. Eles têm um aro enrolado pesado
e são tecidos de minúsculas videiras, ou trepadeiras e folhas
de palmeira, num estilo de tecelagem simples. As cestas de
Munyumbwe são mais grossas e tecidas em tigelas profundas
ou rasas. As cestas de Sinazeze são tecidas com fios, são rústicas
com bordas grossas e resistentes e normalmente criadas com
padrões de blocos simples.
Ao contrário de outros povos zambianos que afirmam ter des-
cido do Reino Luba-Lunda na atual RDC e Angola, a origem
exacta da tribo Tonga ainda é desconhecida. Os assentamen-

O nome “Tonga” significa “independente”, pois que, an-


tes da colonização, o povo Tonga não tinha chefes (lí-
deres tradicionais) como os outros grupos étnicos. Os Tonga
tos da Idade do Ferro desde o século VII foram encontrados
em várias partes da Província do Sul da Zâmbia, sendo o mais
popular o Ingombe Ilede, traduzido como “a vaca adormeci-
da” devido ao grande imbondeiro caído nas proximidades do
vivem nas terras mais altas acima do rio Zambeze, na Zâmbia.
local. Tanto no Vale quanto no Planalto Tonga, homens e
Os Tonga são conhecidos pelo seu intrincado trabalho em
mulheres removem os incisivos superiores e caninos durante
cestos. As cestas são tipicamente feitas por mulheres, e servem
a puberdade. Ambos são matrilineares em herança e sucessão.
diferentes propósitos, como transportar, guardar, etc., e têm o

Jogar kissoro
“online”!
K isoro é um dos mais antigos jogos do mundo, da família
“mancala” (em árabe – deslocar). O jogo é praticado na
República Centro-africana há muitos séculos.
gamos e um modo de conquista com um mapa sincronizado
representando dois reinos que estão lutando.
O jogo foi feito para permitir que jogadores de todos os níveis
Tem agora a sua versão numérica criada pelo jovem centro- gostem. A dificuldade é automaticamente ajustada de acordo
-africano Teddy Kossoko, que vive na França onde estuda com o número de ganhos e perdas. É fácil de jogar como os
informática: «No domínio numérico há uma falta de jogos jogos de damas.
africanos, de entre as milhões de adaptações que existem». O
seu criador pretende «dar uma outra visão do meu país através
deste jogo e deste modo uma outra visão da África».
Na verdade, é uma variante do bem conhecido Awale, Senet,
Bao ou Congkak e é o equivalente a jogos de xadrez. O objeti-
vo do jogo de estratégia é capturar todas as peças do adversário
para evitar que ele se mova. Apresenta um grande interesse
educacional: é simples de aprender; requer o uso de cálculos;
pode ser usado no jardim de infância e desenvolve fortemente
cálculo mental (adição e subtração)
É um modo multijogador online, onde o jogador incorpora
um personagem e confronta vários Chefes com diferentes téc-
nicas de jogo e onde o acaso foi integrado para mais diversão,
possui um tutorial que permite ao jogador entender como jo-

África21– ABRIL 2019 77


cults

Lætitia Kandolo,
a magia de criar roupas
T em a experiência de um imbondeiro e a frescura de um
junco. Entre Paris e Kinshasa, a estilista Laetitia Kando-
lo distribui a sua marca de roupas.
goleses, Laetitia começou como estilista com Sarah Diouf para
a revista Ghubar. Durante três anos, foi responsável por ves-
tir Kanye West. Também trabalha para Rihanna, The Black
Olhos brilhantes, lábios sorridentes e cabelos coloridos, a es- Eyed Peas, Beyoncé, Madonna ...
tilista Lætitia, com apenas 25 anos, tem um vasto currículo. Em 2015 lança a sua marca: “Eu precisava colocar o meu
Nascida em Rosny-sous-Bois (França) com antepassados con- know-how em prática”. Voa para Kinshasa para desenvolver
o seu projeto, Uchawi, que significa “mágica” em suaíli. Três
anos depois, multiplica as suas colecções.
Há uma mistura de cera, tecidos orientais e africanos, mas
também trança e muitos materiais. Todas as peças (entre 60 a
300 €) estão disponíveis apenas na loja online. “Pretendo fazer
viagens através da moda. Uchawi não tem fronteiras”, disse
Lætitia. A sua marca é parceira do Instituto Superior de Artes
e Ofícios de Kinshasa. “Espero que a produção local ajude a
despertar a indústria têxtil no Congo e ofereça outra imagem
do que é a moda no continente”. Laetitia conclui: “Não é a
roupa que se veste, é a nossa personalidade que veste a roupa.
Você pode usar um top branco e calças pretas e ouvir dizer
que está super bem vestido como você pode usar um vestido
que custa 5000 euros e não deslumbrar”.

Sony Labou Tansi escreve


com uma fé absoluta no homem

O filme da realizadora francesa Julie Peghini, “Je ne


suis pas vivant mais poète” (Não sou um ser vivo, sou
Poeta), difundido a 27 de Fevereiro pela TV5 Monde, é um
é filmado a reproduzir o texto aos seus actores de teatro da
Colline, ou ainda Étienne Minoungou no meio da popula-
ção, numa praça de Ouagadougou, pronunciando a palavra
trabalho consagrado à descoberta da voz do dramaturgo, ro- “labou-tansiana”. De igual modo se descobre os anónimos de
mancista e poeta congolês Sony Labou Tansi. Um homem Brazza que utilizam frases raras do escritor em kikongo. Este
revoltado, possuído pela sua palavra. A sua escrita vibra no documentário não esquece os corpos que encarnam o seu ver-
alento de quem vê chegarem as catástrofes e, no homem, a bo através da dança.
morte da sua parte de humanidade. Apela a um outro mun-
do, por si só capaz de responder à ameaça crescente das ideo-
logias fundamentalistas de todos as espécies. Os escritos de
Labou Tansi dão testemunho de uma fé absoluta do homem.
Ele dedicou toda a sua vida a alertar, a lutar contra “a morte
da vida”. O documentário foi concebido a partir do volume
publicado recentemente por Céline Gahungu, “Sony Labou
Tansi, nascimento de um escritor”.
Nas imagens, as emoções fortes sucedem-se no Congo, no
Burkina Faso e na França: o actor Jean-Paul Delore apare-
ce no papel do Rimbaud de Brazza, Dieudonné Niangouna

78 ABRIL 2019 – África21


Palmas finais para
o lendário Med Hondo
D irector, actor, roteirista e produtor, conhecido como
um dos maiores actores afro-americanos em francês,
Mohammed Hondo era acima de tudo um homem cultivado,
O seu primeiro filme Oh Sun, lançado em 1969, foi “um ata-
que mordaz contra o colonialismo”. A causa do seu sucesso
retumbante em África, deve-se, segundo Hondo a “essa sede
prolífico e comprometido. de ser, essa sede de si e da sua cultura, que os africanos têm.
Autor de vários filmes, famoso no mundo da dobagem, Med Eles precisam se ver, ouvir suas línguas, assistir a filmes que
Hondo, cujo nome verdadeiro é Mohammed Abid Hondo, lhes dizem respeito.”
era, acima de tudo, um director comprometido. “Nas telas,
no teatro, a África, eu, os negros, um continente estava au-
sente das imagens do mundo. Tive de preencher esse vazio”,
disse ele no início de sua carreira. Morreu num sábado, dia 2
de Março passado, em Paris, aos 82 anos.
Nascido em 4 de Maio de 1936, em Attar, na Mauritânia,
Mohammed Hondo vem de uma grande família nómada,
que viveu alternadamente no Mali, na Argélia ou no Senegal.
Estudou cozinha Em Rabat, e chegaria a França no final de
1950, onde foi docker cook antes de fazer teatro e cinema com
temas anticolonialistas e o gosto pela rebelião. “Eu não estou
aqui por acaso. Meu tio morreu para libertar-nos da França e
eu, trabalhando aqui, estou em casa assim como os franceses
que trabalham na Mauritânia estão em casa lá “, proclamou.

Teatro de Étienne Minoungou:


o palco como um ringue

D esde que o comediante e dramaturgo congolês Dieu-


donné Niangouna escreveu para ele “M’appelle Mo-
hamed Ali” (Chamo-me Mohamed Ali), não mais restaram
diante. É um passador de teatro. Um laço entre as diferentes
gerações do teatro burquinense.
Emprestando a sua voz e o seu porte imponente a Mphamed
dúvidas de que, para Étienne Minoungou, o teatro é um des- Ali, à poesia de Césaire ou ao pensamento de Sony Labou
porto de combate. É o melhor meio de “boxear a situação”, Tansi, Étienne Minoungou fá-lo em tom de conversa. O tea-
diz com certa malícia. tro, para ele, deve ser uma conversa ao por do sol. Com pala-
Com essa peça retomada em Ouagadougou no festival “Ré- vras certamente de um género especial, mas acessíveis a todos.
créâtrales” que fundou em 2002, o artista burquinense inau- “Um espaço de discussão social”.
gurava um tríptico que viria a completar mais tarde. Apresen-
tado em Paris no Tarmac em Março de 2016, “Cahier d’un
retour au pays natal” (Caderno de um regresso ao país natal)
de Aimé Césaire constituiu o segundo módulo. No final do
Festival de Avignon, encenou “Si nous voulons vivre” (Se qui-
sermos viver), criado a partir de “Encre, sueur, salive et sang”
(Tinta, suor, saliva e sangue), recolha de crónicas, entrevistas
e textos curtos de Sony Labou Tansi. Três “exercícios de lu-
cidez” dignas de um grande dramaturgo. Na verdade, mesmo
quando encena, Étienne Minoungou é mais do que come-

África21– ABRIL 2019 79


Última página

UM BOLETIM
ESCOLAR COSIDO NO
FORRO DO CASACO
N
Amável Fernandes

ão sabemos o nome dele e pouco interessa para esta sendo sempre a focada a África a sul do Sahara, mas que mes-
crónica. Para a médica legista Cristina Cattaneo e da mo assim se situa no 19º lugar no ranking mundial da
sua equipa científica na Sicília, era mais um corpo entre mi- migração
lhares de outros, recolhidos das praias do Mediterrâneo em O México é o país do mundo com maior número de mi-
2015. grantes (5%seguindo-se a Rússia (4,1%) e China (3,9%). O
Habituada ao exercício frio da sua profissão, que tinha por relatório afirmando ainda que 75% da população migrante
finalidade de colectar dados biológicos e genéticos para um africana elege outros países africanos como domicílio; África
banco de dados, o cadáver do jovem migrante naufragado, acolheu 67% da migração mundial a partir do ano 2000, e
quase uma criança, tinha uma particularidade que a emocio- recebeu no seu solo 452 mil palestinos e 253 mil franceses,
nou: um boletim escolar cosido cuidadosamente no forro do sem contar com outras numerosas comunidades estrangeira
casaco, com o nome indecifrável, mas conservava as notas le- que seria enfadonho numerar.
gíveis em todas as disciplinas exarada por uma escola anónima A realidade dos números, pura e fria, contra uma onda de
do Mali. histeria alimentada pelas redes sociais e a manipulação das
“Era a primeira vez, que muitos deles viam o mar”, recor- mentes por algoritmos com fins tenebrosos. A desestabilização
dou a médica para imprensa. O famoso desenhador, Marco do Ocidente está em marcha de forma ostensiva. Por todo o
Dombrosio, dedicou-lhe um desenho, simultaneamente ter- lado, observamos o retrocesso dos valores democráticos a fa-
no e cruel: uma criança no fundo do mar a ler para os peixes vor de autoritarismo e teorias de conspiração.
o seu boletim escolar que ele acreditava, fosse o bilhete de Os atentados de ChristChurch na Nova Zelândia perpe-
garantia para uma nova vida. trado por suprematistas da extrema-direita branca contra po-
Poderia prosseguir os seus estudos na Europa, sonhara ele, pulação muçulmana migrante, assim como o atentado no Sri
e como tinha boas notas, talvez pudesse ascender mesmo a Lanka contra cristãos que celebravam a Páscoa, executado por
uma carreira científica, e ajudar a sua família que deixara no muçulmanos em retaliação, é uma prova de uma progressiva
país distante! intoxicação que se espalha como peste por todos os
Cosido no forro do casaco estava, porém, outro destino! continentes.
Injusto, absurdo e desumano, cujos contornos no horizonte Possuem um ponto em comum, a identificação do Outro
negro ainda não vislumbramos claramente: a falsa representa- como Inimigo, as teses de uma nova barbárie como horda
ção do perigo da migração africana como ameaça para segu- vinda das estepes africanas para ocupar espaços continentais e
rança da “civilização branca europeia”, que alimenta ideologia substituir as respectivas populações.
da “direita alternativa”, da Europa aos Estados Unidos, do Mas voltemos ao princípio: estava a contar a história de
Brasil à Nova Zelândia. um rapazinho prometedor que partiu da zona do Sahel, com
Estamos perante um eixo xenófobo que faz da manipula- um boletim escolar de notas 10 cosido no forro do casaco.
ção da migração o seu cavalo de batalha, construindo numa Nunca tinha visto o mar azul e…
falsa narrativa que foi rebatida pelos pela estatística do Relató-
rio Mo-Ibrhim, a escassas semanas em Abidjan.
Em 2018, a migração africana em relação à migração Possuem um ponto em comum, a identifi-
mundial não excedia os 18,5%, comparado com 41% da cação do Outro como Inimigo, as teses de
Ásia, e da Europa com 23,7%; o Egipto é o primeiro fornece-
dor de migrantes de África, depois de Marrocos e Somália, uma nova barbárie como horda vinda das
mas nunca a imprensa internacional sublinhou este facto, estepes africanas…

80 ABRIL 2019 – África21

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