Da eqitidade
estudo de direito positivo comparado
Dra, InuNa WEINERT DE ABREU
Assessora de Ministro do Supremo Tribunal
Federal.
SUMARIO
I — Introducdo
II — Evolugiio histérica da eqitidade
1 — Direito grego antigo e moderno
2 — Direito romano
3 — Idade Média
3.1 — Direito canénico medieval
3.2 — Direito comum medieval
4 — Direito inglés
5 — Direito norte-americano
6 — Direito brasileiro
7 — Bibliografia
7.1 — Legislagdo compulsada
7.2 — Obras doutrindrias
7.3 — Comentarios
1.4 — Periddicos
7.5 — Enciclopédias
I — INTRODUCAO
A busca do exato significado da palavra eqitidade, que se desen-
rola através dos séculos, por toda a histéria do direito, 6 tarefa ainda
R. Inf. legisl, Brosilio o. 15m. 60 out/dex. 1978 215incompleta, em face do estranho papel desempenhado por esse insti-
tuto na estrutura dos ordenamentos, ora apartado, ora presente nas
normas juridicas,
O ponte crucial do problema est& em que a lei deve contrabalan-
car interesses, individuais e sociais, diferentemente afetados por cédi-
gos morais, o que conduz ao emprego da eqilidade com os mais varia-
dos sentidos, embora haja prevaléncia de dois deles: a de fator de miti-
gacdo dos rigores da norma (summum jus, summa injuria) e a de fon-
te subsididria de direito, para suprir as omissdes da lei.
A nogdo de lei logo se identificou A necessidade de um instrumento
promotor de paz e seguranga, razéo por que se contrapés, sempre, &
eqitidade, uma atitude ambivalente do direito positivo, repelindo-a, por
incompativel & certeza que se exige das normas legais, ou acolhendo-a,
como sinénimo de justica; algo de definitivo, entretanto, tornou-se pa-
tente: o fato de ser a eqilidade aquele elemento que introduz na lei
valores éticos distintivos, estimulando o aplicador das normas legais &
Procura da justeza de sua decisio.
A presenca da eqiiidade na maioria das civilizacdes antigas e nas
mModernas culturas revela a constante preocupagaéo do homem na reali-
zagao da justiga; 0 contetido de eqiiidade das normas estaria represen-
tado, exatamente, por aquelas conviccées fundamentais, consubstan-
ciadoras dos reclamos comuns da natureza humana, pelos costumes ¢
propésitos de conduta do homem.
O conceito de eqiiidade como materializagéo de justiga encontra-
se, portanto, profundamente vinculado @ observancia dos direitos natu-
rais do homem, daqueles direitos que, oriundos de uma ordem superior
e anterior, dela emanam, como imperativos da propria natureza hu-
mana € se imp6em ao direito positivo como requisitos essenciais mini-
Tos de sua validade.
Unanimes, desde Platéo, no entendimento de que a fonte maior das
virtudes reside na propria natureza humana, e que somente através
da aplicacdo eqiiitativa da lei se aleanga o verdadeiro sentido de Justica,
filsofos e juristas concordam, também, na, consideragéio de que a liber-
dade de julgar todos os casos sob a luz da eqitidade poder& conduzir
a0 extremo oposto, representado pela destruigaéo mesma da lei.
Em outras palavras, e tendo em vista que a aplicacfo da eqilidade
resulta sempre do exame particular de cada caso, observam os autores
que aos interesses individuais deve-se sobrepor, sempre, o interesse
comum A coletividade, justificando, por vezes, decisdes, in casu, aparen-
temente injustas.
Sendo a aequitas, o direito aequum, que se opée ao direito iniguum,
a “justiga do caso concreto”, ou seja, a subsungéo de uma situacko
individual a determinada norma juridica, resulta de imediato a sua
correlagéio com o direito positivo, impondo-se, pois, para um estudo
216 R. Inf, legisl. Brasilia a. 15 m. 60 out./dex. 1978comparativo do tema, a andlise dos diversos ordenamentos juridicos
vigentes, apés rapida incurs&éo na evolucao histérica do institute.
If — EVOLUGAO HISTORICA DA EQUIDADE
1 — Direito grego antiga ¢ moderna
As palavras de Aristoteles, em sua espléndida obra ‘Moral, a Nico-
maco”, refletem, de mancira admiravelmente clara, os conceitos da
eqtiidade e de eqiiitativo prevalentes na antiga Grécia:
“Lo equitativo y lo justo son una misma cosa; y siendo buenos
ambos, la tniea diferencia que hay entre ellos es que lo equi-
tative es mejor atin.” (Obra citada, pag. 167.)
Vemos que 0 ponto vital da colocacao grega do problema esta cu.
tido nessa afirmagao de Aristételes.
Dela derivam os demais raciocinios aristotélicos no sentido, prin-
cipalmente, de que o eqiiitativo nao se confunde com 0 justo legal, ou
seja, com o justo segundo a Iei, residindo, neste particular, a maior
dificuldade de distingdo entre esse justo legal e o justo eqiiitativo.
O que ocorre, pondera Aristételes, é que a lei, embora geral, deve
aplicar-se a casos particulares; as conseqiiéncias imediatas, sao as omis-
soes da ‘ei, que se verificam nao por ser ela menos boa; a falta nao
esta nela nem no legislador, mas na propria natureza das coisas, por
ser esta a condigéo de todas as coisas praticas.
Diante de duas realidades inarredaveis, quais sejam, o dever de
dizer a justiga no caso concreto e as peculiaridades deste, nao previstas
na lei, $6 resta a0 Juiz um caminho, o da eqiiidade, do qual resultaré
uma decisio, igualmente boa, pois ele supriré a lacuna como se legis-
lador fosse, ¢ estivesse presente a0 momento da elaboragdo legal.
Legislando in casu, o Juiz estar sendo eqiiitativo e justo, situacio
bastante distinta do justo legal, em que a decisio decorre da letra ex-
pressa da lei. Ao justo legal é preferivel, porém, o justo eqiiitativo, exa-
tamente quando da aplicacdo fria do texto da lei resulte summa injuria,
adverte o mestre, para quem o homem egiiitativo 6 aquele que, por
livre eleigiio de sua raz&o, nfo hesita em decidir de forma justa, mes-
mo que para isso tenha de abrir mio do apoio da lei.
Em conclusao, diz Aristoteles:
“Este es el hombre equitativo, y esta disposicién moral, esta
virtud, es la eguidad, que es una espécie de justicia y no una
virtud diferente de la Justicia misma.” (Obra eitada, pag. 168.)
No apenas Aristételes mas Herddoto, os sofistas e Plato regis-
traram a preponderdncia que ocorria, no direito grego, da “epieikeia”
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