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Universidade do Estado de Santa Catarina

Programa de Pós Graduação em Educação - PPGE


Curso de Mestrado – Turma 2014
Disciplina: Seminário de Educação e Comunicação
Orientadora: Dr. Ana Maria Hoepers Preve
Mestranda: Michele M. S. de Freitas

Educação e percursos inventivos na cidade:


A Arte como resistência
ou Cartografias Urbanas: Intervenções como territorialidades de resistência
“Desenho” da dissertação:

Introdução:

- Desmanchando linhas que cruzam pontos ocupados: um memorial

Capítulo I: Procedimentos

- Cartografia como método:


- As oficinas: outras territorialidades em educação
- Contra comunicação ou Comunicação Marginal/alternativa

Capítulo II: Arte como resistência

- Educação na rua
- O poder das imagens num imaginário social
- Arte e anarquismo

Capítulo III: As intervenções

- Canteiro de obras
- Mapeando as intervenções
- Relato de oficinas
- Relato de intervenções
- O que é o Lambe-lambe
Introdução:

Desmanchando linhas que cruzam pontos ocupados: um memorial1

Os começos também não estão dados, é preciso começar para


encontrar começos de pesquisa, começos há muito já dados e que, no
entanto, se inauguram. Mas é preciso partir, abandonar o ponto fixo
da terra firme e se lançar aos desconhecidos dessa mesma terra. Não
digo que se trate de ocupar um novo ponto, mas de construir modos
de transitar entre os pontos ocupados, e daí, já não interessam pontos,
nem de partida, nem de chegada, e sim desmanchar as linhas que
cruzam os pontos para compreender alguma coisa. (PREVE, 2010, p.4)

É preciso então começar... Desmanchando linhas para transitar entre os pontos


que decidi percorrer.
Arriscado precipitar-me numa busca sobre os começos de minha pesquisa, já que
a mesma se constitui de um percurso de vida. Este, completamente imbricado com
minha individualidade e experiência no mundo. Mas será na busca de algumas vagas
reminiscências da minha época escolar, e alguns passos mais recentes desta caminhada,
que tentarei trazer algumas linhas (narrativas) que foram essenciais para me constituir, e
que agora emergem como questão da presente pesquisa que está em curso.
Retomar algumas lembranças é como me encontrar novamente, indo também ao
encontro do presente trabalho. Querendo ou não, é esse movimento de retorno que me
coloca de frente com as perturbações e questionamentos que me mobilizam, e que por
hora estimulam uma incansável busca sem objeto definido, mas que, sobretudo, objetiva
transformar, algo, alguém, vidas... que seja, esse mundo que me atravessa. O mundo que
ocupo e todas as linhas que por ali se cruzam.
É também intrigante lançar-se na busca de lembranças do meu período escolar,
pois a escola para mim sempre me pareceu o “entre”. Entre o antes e o pós, momentos
estes tão almejados, para quando me encontrava fora dos altos portões da mesma. Não
afirmo que esse “entre”, tenha sido um momento assignificante, mas evidencio que
aqueles que destoavam deste “centro” foram mais essenciais para me constituir, e que
também apeteceram mais às minhas lembranças.

11
Título inspirado na epígrafe abaixo.
Esforçando um pouco minha memória, o que mais me recordo eram os
percursos, os caminhos que se emaranhavam no entorno da escola, fora do período-de-
aula, onde me encontrava na rua, quando eu e minha amiga passávamos horas sentadas
nas calçadas comendo alguma besteira e observando os transeuntes. Gostávamos de
observar suas expressões faciais, em sua maioria apática, pareciam deslizar por uma
superfície tão “conhecida” que mal se colocavam a observar. Faziam daquele percurso,
apenas passagem, nula, a qual não era aquela que objetivava, pois se encaminhavam
para um outro lugar que não aquele. Somando-se a isso, eram naquelas faces inflexíveis,
que encontrávamos a singularidade de expressões cômicas, a qual trazíamos a narração
do suposto pensamento destes(as) passantes, isso nos fazia rir por algumas horas e por
repetidas vezes, de alguma forma precisávamos trazer perturbações aquela frenesi, e
romper com o tédio daquele lugar.
Indo mais adiante, trago outro recorte temporal, tão importante quanto, porém,
mais recente, e que me acompanhou juntamente com minha graduação em geografia,
curso que me auxiliou a ter uma leitura sócio-política mais crítica de mundo. Foi neste
paralelo, que se iniciou em meados de 2013 até atualmente, minhas andanças como
militante, onde comecei a me envolver profundamente com a militância comunitária em
ocupações urbanas e com pessoas em situação de rua da Grande Florianópolis. Essa
inserção social se deu pela vontade de por em exercício estratégias de transformação
social, vontade esta, que me acompanha desde meus quinze anos de idade, quando
comecei a me assumir politicamente como anarquista.
Nesse interim, assumir esse movimento de construir formas de questionar e
desestabilizar a lógica excludente do sistema capitalista contemporâneo é estar
compondo a construção de processos educativos de resistência. Pois, é através de
pressões sociais feitas pela organização popular, afirmando isso através de experiências
pessoais, que pode-se alcançar mudanças. Dito isto, é pelo exemplo de exercícios
práticos, que se pretende evidenciar o potencial transformador da organização popular
por via da ação-direta2.
Inspirada no conceito “exercício revolucionário” do anarquista MALATESTA
(2007) é que então busco expor o potencial revolucionário da pressão popular.

2
Ação-direta e propaganda. No caso da minha prática foi como é o caso ocupar territórios para
construção de habitações.
É preciso uma ação prática, que seja alternadamente causa e resultado
da transformação gradual do meio. Devemos desenvolver pouco a
pouco nos trabalhadores o senso de rebelião contra as sujeições e os
sofrimentos inúteis dos quais são vítimas, e o desejo de melhorar suas
condições. (MALATESTA, 2007, p. 71)

Juntando esses recortes, minha pesquisa cada vez mais parece se constituir de
um emaranhado de passado e presente, e que está completamente tramado com as
questões levantadas anteriormente, questões que, sobretudo, também apresentaram-se
como fomentadoras em outras pesquisas a qual irei apresentar brevemente agora. A
exemplo, meu TCC elaborado para a conclusão da graduação no curso de Geografia e,
depois, como projeto de seleção para este mestrado. Com o TCC intitulado “Geografia
com plantas medicinais: formas de resistir e (re)inventar existências”3 e com o projeto
de mestrado que deu meu ingresso “Educação, horta coletiva e luta por moradia: uma
cartografia dos processos de empoderamento em uma ocupação urbana”, em ambas
situações dei especial atenção à cartografia como método (PASSOS e KASTRUP,
2012) de pesquisa para pensar nas inscrições que fazemos no espaço, e nesse sentido
(re)significá-lo, na tentativa de construir territorialidades de resistência. Por cartografia
como método, pode-se compreender, rapidamente, que este método de pesquisa-
intervenção considera que o trabalho de pesquisadora não é feito de modo prescritivo,
com regras prontas, nem com objetivos previamente definidos (PASSOS e BARROS,
2012). Não se trata de uma pesquisa sem direção. A respeito do método que aqui
apresento rapidamente, darei mais pistas a seu respeito noutro momento ao longo deste
trabalho. Agora voltamos aos trabalhos acima mencionados.
No TCC trabalhei com oficinas e práticas educativas com a horta, iniciativa que
se deu com minha inserção na escola E.E.B Simão José Hess como bolsista do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência – PIBID, onde buscou-se com
as(os) alunas(os) da mesma escola entender os processos de perda da cultura popular, e
sua relação com a criação de dependências com a indústria farmacêutica. Na tentativa
de contrapor essa lógica através das oficinas, fez-se cultivo e estudo de plantas
medicinais, objetivando construir uma “farmácia viva” dentro da comunidade escolar.
Já no projeto de mestrado, a horta também era o foco da prática, neste, almejava-se
problematizar como se dão, a partir de uma horta construída coletivamente por
moradoras(es) de uma ocupação urbana, os processos educacionais em suas novas

3
Disponível em: http://pergamumweb.udesc.br/dados-bu/000001/0000011b.pdf
formas de comunicação através da prática da dialogicidade e do coletivismo em
oficinas. Para que, com isso, perceba-se o coletivismo como uma ferramenta concreta
nas lutas urbanas. Em ambas as pesquisas sempre houve grande interesse em estar
(re)significando territorialidades, assim como contestar algumas imposições sócio-
políticas hegemônicas e excludentes.
Durante maior parte da minha graduação, a militância me acompanhou, exigindo
muitas horas da minha semana e uma sobrecarga de afazeres. Mesmo com essa
dificuldade, sempre dei especial atenção a minha militância nas lutas sociais, não sei ao
certo, mas me parece que sempre estive a fugir de uma educação institucionalizada, dos
“entres”, da escolarização que sempre pareceu sufocar os processos de autonomia e
resistência. Esses entornos, eram a busca de algo que me reconhecesse ativamente, parte
constituinte da minha individualidade. As respectivas inserções, mesmo que exigissem
demais, sempre foram meu fôlego, uma retomada que fortalece minhas andanças e
utopias, incluindo aí, o âmbito da pesquisa acadêmica. Foi, então, desse percurso que
tracei essa passagem, atravessamento entre a rua e minha pesquisa, onde decidi incluir
os meus “foras”, entornos, em minha pesquisa, sendo uma importante mobilizadora
dessa educação geográfica.
Portanto, esse memorial é a retomada de um caminho já iniciado e que agora
ganha novo movimento na minha questão de pesquisa. Pois, como sabemos, uma
questão também percorre percursos e é afetada pelos percursos que percorre. Uma
questão de pesquisa se compõe com o meio sobre o qual ela é lançada. Dentro da
metodologia que irei trabalhar, a questão está sempre num jogo de composição, nos
encontros, pois toda pesquisa é intervenção.

Mas, se assim afirmamos, precisamos ainda dar um passo, pois a


intervenção sempre se realiza por um mergulho na experiência que
agencia sujeito e objeto, teoria e prática, num mesmo plano de produção
ou de convergência - o que podemos designar como plano da
experiência. A cartografia como método de pesquisa é o traçado desse
plano da experiência, acompanhando os efeitos (sobre o objeto, o
pesquisador e a produção do conhecimento) do próprio percurso da
investigação. (PASSOS e BARROS, 2012, p. 17-18)

É dessa retomada que trago a expressão de uma conversa que foi inscrita pelo
caminhar na cidade e o emergir de ideias que foram se constituindo e se reformulando
entre passos e, depois, entre goles de café. Diálogo entre eu e minha orientadora, e que
me levou a reconfigurar a questão de pesquisa. Portanto, o trançar da conversa veio das
inquietações que reverberam em ambas como educadoras, e de uma dissertação de
mestrado que está em fase de gestação quanto a sua questão problema, bem como da sua
problemática como um todo.
Naquele contexto de recém ingressa no mestrado e decidida a trocar de projeto, a
conversa se desenrolou sobre quais rumos tomar na próxima etapa, a qual,
superficialmente, eu já vinha tendo algumas ideias. Desta forma expus que gostaria de
trabalhar com intervenção urbana, numa perspectiva de uma cidade que dialogue com
sua realidade e com as pessoas que nela perpassam e existem. Principalmente na
intenção de dar visibilidade a sua realidade excludente, especialmente na questão da
moradia, e as lutas sociais que acontecem no contexto local e nacional, e com isso
buscar problematizá-las através da arte urbana e de práticas com oficinas, fora e dentro
da instituição escolar.
Como citado anteriormente, as aspirações acima provêm de minhas experiências
de militância com pessoas vivendo em situação de rua e de ocupações urbanas. E que,
por ora, busco compartilhar sob a superfície da cidade na intenção de desestabilizar
outras pessoas para com essa realidade, que através de processos de gentrificação e
estetização, acabam por normalizar, homogeneizar e despolitizar a estrutura social
excludente das cidades (JACQUES, 2005), com isso, um dos focos é problematizar a
questão da moradia e a exclusão social. Nisto, é também pela expressão artística que
busco abrir outras vias do sensível na cidade, fazendo ação através da colagem de
lambe-lambe e oficinas, como também fazendo registros.
Em consonância com Zanella (2010), o movimento de estranhamento a que a
arte nos remete tira-nos da cegueira cotidiana, e possibilita novos olhares à elementos e
fenômenos outrora cristalizados. Criar intervenções no espaço da cidade é uma
estratégia que possui potencial político de transgressão, e que pretende contestar sua
estética higienizadora e excludente da cidade, através da ressignificação de espaços
ociosos, na intenção de romper com a despolitização consensual que rege o espaço
urbano atualmente. Fazendo com isso uma educação na rua, para a rua e com a rua.
Criar ruídos, discordâncias, provocar, é um ato de comunicação como
resistência, pois pretende alterar o cotidiano, romper com a apatia, outrora causada pela
lógica habitual excludente que acaba por pacificar e docilizar até o brutal. Portanto,
deslocar do lugar habitual e torna-lo outro. Fazer com que aqueles passantes apáticos da
minha época escolar desviem o pensamento para a imagem em dissenso4. O que se trás
aqui é a continuidade de um movimento que já existe imbricado na cidade (grafites,
pichação, lambe-lambe, stencil, etc), mas que, diariamente, podem se (re)criar.
Portanto, é no lançar-se na superfície da cidade com a inserção de alguns signos, que o
sujeito toma a narração na comunicação, assim como propõem outras formas de fazer e
ver a cidade.
Ao longo do percurso e no entrelaçar de ideias, feito pelos passos em companhia
do olhar e das conversas, pensávamos sobre esta cidade que berrava em nossa visão
com seus grandes número de carros, pessoas e propagandas. Sempre havia algo
querendo informar, mas que não estava ali para dialogar, e sim, para avisar algo,
informar e relembrar que você tem que estar em constante movimento. Pois ali é o
espaço de passagem, da frenesi, das não permanências, e que nada te convida a ficar,
apenas transcorrer rapidamente.
Esse movimento de informação incessante se expressa tanto no corpo da cidade,
com suas ruas feitas para o rápido fluxo (planejamento urbano), tanto como nas
informações publicitárias, vazias em diálogo, pois a sua intenção já está claramente
dada. Pouco, ou nada se coloca de si para que o informado se imprima na pessoa, exige
pouca interação, pois age por compulsão, por hábito e assimilação, é o puro
despojamento de si. Um espaço alheio e estranho, em que se passa, mas não se inscreve,
que não se utiliza até que se compre, algo estanque que não mobiliza pensamentos.
Ocupar esses “vazios” é buscar abertura para diálogo, que se entende por algo
que não deseja pura e exclusivamente dar, informar algo pronto, mas abrir o sensível a
partir do descontextualizado na cidade, pela arte. Pois, não segue a intenção publicitaria,
pelo fato de não estar pronto para que se consuma, exigindo assim uma interação de
quem passa, de doar-se. A intervenção mesmo recebendo juízos de valor positivos ou
negativos, cumpre sua intenção contestadora.
Para Hollman (2013) o poder das imagens ativa-se naquilo que estas nos
proporcionam a pensar e imaginar ao encontra-las.

Em resumo, a tensão que as imagens fazem emergir na cidade têm


seus traços no (des)controle dos possíveis modos de olhá-las e no

4
De acordo com RANCIÈRE (2012), dissenso pode considerar-se o conflito de vários regimes de
sensorialidade, na esfera da arte pode ter politicamente a operação de reconfiguração da experiência
comum do sensível.
que elas podem produzir nas pessoas que as encontram. (Hollman,
2013, p.241).

A comunicação é instrumento claro de disputa de poder, pois está claramente


sob controle hegemônico, o que acaba por configurar-se como dispositivo de controle5.
Buscar romper com o exclusivismo hegemônico, abrir brechas, tomar voz, tomar a
palavra, o olhar, cartografar e cartografar-se como maneira de trazer outras
deformidades na “comunicação” do espaço, outras geografias, são formas de resistir e
trazer outras narrativas.
Sobre a lógica da comunicação, Guilherme Corrêa (2006), em seu livro
intitulado Educação, comunicação, anarquia: procedências da sociedade do controle
no Brasil nos diz baseado em Gilles Deleuze.

É preciso criar vacúolos de não comunicação, diz Deleuze. A


comunicação está preenchendo tudo, ela age por ocupação, por
comprometimento do espaço. A concentração enjoativa de
informação, sua disponibilidade em qualquer lugar, nos impede o
vazio, o silêncio. Ocupado o tempo todo pelo comunicacional,
quando nos encontramos com outras pessoas, quando intensidades
outras podem ser desfrutadas, nos atemos a trocar mensagens.
Conversamos verdadeiros textos escritos. [...] Escolas e meios de
comunicação promovem o movimento de informação na medida
mesma em que fazem tender a um máximo possível a passividade
dos corpos e do pensamento, ou melhor, na medida em que
oferecem às potencias do pensar um campo de ação restrito ao
comunicacional. Tal compreensão dos efeitos da ação combina de
educação e comunicação poderia nos insuflar a uma luta contra as
instituições que as promovem. (CORRÊA, 2006, p. 166-167)

É nesse desviar na rede comunicativa da cidade, capturando e criando brechas


no modelo de comunicação dominante e informacional, que se pretende trazer
interrupções na letargia outrora causada em quem perpassa a cidade. Não estaria na
comunicação pela via do diálogo, e não naquela que apenas nos informa de algo (tal
qual Correa nos esclarece), uma possibilidade outra de habitar a cidade? É na fuga para
as singularidades que se encontra uma comunicação de resistência, pois ela nasce
justamente dos espaços que não são destinadas a ela e que não quer ser informação ou
instrumento de controle. É uma arte-política-social imbricada no cotidiano, que
justamente tenta-se politizar e entranhar-se nos espaços que não são dados a isso

5
FOUCAULT
(entendendo assim que todo espaço é político), como forma de contestar a cidade e a
política representativa que pretende excluir a população do processo de construção da
mesma. Com isso é justamente dessas brechas que se criam possibilidades, portanto
emerge de vacúolos de não comunicação, de perturbações e fugas. Também como
forma de contestar os espaços restritos, exclusivistas e vendáveis, consequentemente, a
propriedade, que por ora fecham-se para (des)apropriações e significações.
Evitando a concepção instrumental da comunicação, na qual de acordo com
BARBERO (2013) são tramas de discursos ou a própria ação politica hegemônica de
mediação das massas, através do controle da vida pública e privada pela mediação da
sensibilidade que se constrói e desconstrói permanentemente o social, na constituição de
sentido, pois é no povo que se encontra a ameaça mais insidiosa sobre as instituições
políticas. Então, são nessas intervenções no “vazio”, ou também na criação de vazios na
cidade - entendo os vazios como aquilo que não deixa a comunicação como informação
passar, trazendo outros sensíveis - que tomaremos como resistência. Afirmando assim, a
arte como ferramenta de luta, tendo grande papel social e político, devido sua incidência
sobre o sensível. Dando suporte nesse escrito a não-comunicação de DELEUZE (2007),
o qual para o mesmo também pode-se chamar de vacúolos de não comunicação, afirma-
se “É preciso um desvio da fala. Criar foi sempre coisa distinta de comunicar. O
importante talvez venha a ser criar vacúolos de não-comunicação, interruptores, para
escapar ao controle”(DELEUZE, 2007, p. 217).
O que Deleuze trás aqui é a proposição de outras formas de mexer com o
sensível, ir além da linguagem formalizada, como a falada e escrita, que parecem estar
extremamente centralizadas nos meios de comunicação, moldadas numa estrutura para
assimilação apropriável, mas também, trazer algo que possa fazer emergir outro, algo
que escape ao que está posto.
Num cessar dos passos em meio ao caos da cidade, minha parceira de conversa
pegou uma folha de papel e questionou “por que uma página do livro didático não está
colada aqui?”. Nessa parada, fazendo gesto de tentar fixa-la no muro, ponderamos que -
alí é espaço para se andar! -. A rua é passagem, apenas o “meio”, irrelevante entre a
origem e o destino. Só se comunica no que é apropriável, caso contrário é ilegítimo,
vandalismo. A rua é “pública”, mas para passagem. Fechada a vestígios, permanências.
Superfícies fechadas em suas restrições governáveis. Conforme Ranciére (2009, p. 21):
Uma “superfície” não é simplesmente uma composição geométrica de linhas. É uma
forma de partilhar o sensível.
Essa educação culturalmente constituída a qual conhecemos, confinadas em
estruturas/instituições legitimadas, à exemplo a escola e mídias hegemônicas, tem por
intenção estar sob controle. Afirmar que todo espaço é educativo, é entrar em dissenso
com os dispositivos de controle e apropriação.
A arte de atuar com o território (não legitimados a isso), é, portanto, uma
comunicação em resistência, ou, uma não-comunicação, pois vai em contraposição aos
espaços e conteúdos exclusivistas e privilegiados de comunicação na cidade, como os
outdoors, lojas e vitrines. Assim como em outros meios, como a televisão, a revista, o
jornal, o rádio, o livro didático, etc. Comunicação para FOUCAULT (1992), assim
como para CORRÊA (2006) são dispositivos de controle, isto é, disseminadores de
informações hegemônicas e totalizantes, que incidem diretamente sob a subjetividade
das(os) individuas(os), pois são sustentadas majoritariamente por discursos de controle,
normalizados e insensíveis a diversidade. Foucault em História da Sexualidade I: A
vontade de saber expõem a ideia de dispositivo, referindo-se a ele como:

Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos,


instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis,
medidas administrativas, enunciados científicos, proposições
filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os
elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer
entre estes elementos. (FOUCAULT, 1992, p. 44)

Uma comunicação minuciosamente controlável pelo enquadramento da


publicidade, confinada em suas intenções e espaços vendáveis. Estrategicamente
controladas, pois tem sua dimensão fundamental nos processos de subjetivação das
pessoas. Capturadas(os) pelos dispositivos de controle, tornam-se inertes, moldáveis,
sustentáculos do sistema vigente. Portanto, a arte também entra nessa via na condição
de intervir na subjetivação, ou seja, alterá-la de alguma forma, resistir, disputar.
Numa breve perspectiva histórica para se pensar a cidade atual, SENNETT
(2003) fala da livre locomoção que triunfou sobre os clamores sensoriais do espaço a
partir do séc. XVI com a emergência do sistema capitalista e sua lógica de circulação de
mercadorias. O planejamento das cidades passou por mudanças em sua infraestrutura,
especialmente no requisito de deslocamento. No qual os urbanistas tomaram por
referência o sistema sanguíneo como exemplo de tráfego, fazendo da cidade uma grande
malha urbana, com diversas ramificação, análogas a artérias e veias que se ligassem
entre si em torno de um centro, facilitando-se a passagem. O mesmo problematiza que,
com isso, tem-se uma crise táctil, onde deslocar-se ajuda a dessensibilizar o corpo: “O
corpo secular em infindável locomoção corre risco de ignorar essa história, ao perder
suas conexões com as outras pessoas e com os outros lugares através dos quais se
move” (SENNETT, 2003, p.215).
Gabriel Bueno Almeida (2013) em sua dissertação de mestrado Politica,
subjetividade e arte urbana: o graffiti na cidade, também se utiliza de Richard Sennett
como importante referencia, dizendo:

As virtudes urbanas descritas por Sennett (2004) são potência do


meio urbano, [...] Sennett entende que as metrópoles do
capitalismo, erigidas sob a lógica da padronização do consumo –
tanto dos bens comercializáveis quanto dos modos de vida –
produzem relações de diferença e não de alteridade: um sistema
classificatório e fixo de identidades, devido neutralidade e
estandardização das experiências, enquanto que a alteridade é
uma relação provocadora, aberta ao estranhamento, imprevisível.
No entanto, a nova forma de se viver a cidade, criada por aqueles
que nela buscam novos lugares para por suas letras, seus
desenhos, e que têm olhos atentos para as mínimas mudanças na
sua superfície, se configura como uma resistência aos modos de
vida pasteurizados, abrindo rupturas numa lógica policialesca (na
maneira que Rancière entende polícia) e possibilitando outras
relações sensíveis. (ALMEIDA, 2013, p. 119)

Para entender o conceito de comunicação da presente pesquisa, tem-se


CORRÊA (2006), que nos aponta:

A comunicação constitui o regime de celas em que somos


individualmente colocados em contato com as mensagens, com as
informações. Estas, por sua vez, são o ingrediente ativo da
passividade frente aos programas de governo (não só programas
de estado) que as selecionam e oferecem como serviço público.
Nas situações de comunicação se dá, hoje, o fenômeno de ação
individual e total da disciplina – apresentado por Foucault em
Vigiar e Punir e em varias de suas entrevistas – ampliando para
uma escala planetária.
[...] não causar espanto afirmar que a comunicação é uma prisão.
O confinamento das situações de comunicação ao espectro de
variações possíveis da consciência, ao que pode ser transformado
em informação associado à imobilidade do corpo no equipamento
da carteira escolar por anos a fio, faz a adaptação mais efetiva e
pérfida de cada um ao abismo indiferenciado do mesmo. Da
comunicação pode-se dizer que é a linha que continua as
investidas em estruturar o querer e a vontade do outro – o
problema do governo para o qual a pedagogia intercede-.
(CORRÊA, 2006, p. 159-160)

O que CORRÊA (2006) trás é o potencial da comunicação individualizar as


pessoas, colocando-as, desde sempre, na posição de receptoras, estando pronta a receber
de forma passiva sem contestar, na sala de aula, em frente da televisão, no computador
etc. Tendo como resultante a desmobilização popular e a passividade. Frisando essa
gestão dos corpos que se expressa em diversas esferas, como a escola, a rua, a empresa,
a casa e etc.
O que falamos aqui é a estreita relação entre arte (de intervenção) urbana e
comunicação, assim como as outras esferas que são diretamente relacionadas nesse
escrito, como a política, educação, estética e a resistência. De acordo com RANCIÈRE
(2009) a estética é um sistema de formas a priori que determina o que se deve sentir,
assim, o modo de compartilhar a experiência sensível comum, resultado do recorte de
tempos e espaços, por conseguinte, do que deve ser visível e invisível. Sob essa
perspectiva a política ocupa-se do que se vê e do que se pode dizer sobre o que é visto,
portanto estética e política partilham da mesma finalidade. O efeito político da estética
está nas formas sensíveis, no entanto, “se a experiência estética entra no terreno da
política é porque ela também se define como experiência de dissenso” (Rancière, 2010,
p.64). Assim, política e arte podem se configurar como práticas do dissenso,
reconfigurando as experiências das formas sensíveis nos espaços de confronto. O
dissenso provoca deslocamentos, pois intervém no sensorial através da ruptura em
relação ao instituído e a abertura de novas possibilidades, é a forma de trazer alterações.
O que poderia, de acordo com BARBERO (2013), ser uma rebelião estética que
revaloriza o sentimento e a experiência do espontâneo, como espaço de emergência da
subjetividade.
Assim como na comunicação pode-se ter a não-comunicação. Suas dimensões
políticas estão na possiblidade de criar. Logo na tentativa de romper com esse
silenciamento ensurdecedor, a qual uma comunicação excessiva nos cala, trazer outras
perspectivas e olhares, portanto, tem-se a arte como fermento de reconhecimento e luta.

Aprisionados na imagem, como projeção do vivido sobre as probabilidades de


sua repetição, somos igualmente prisioneiros de um esquema perceptivo, mas
também da moldura cultural que ela efetua na relação com um regime
imagético. Operando nessa clausura, a educação e também a geografia são tão
somente funções formalizadas com relação aos dispositivos escolar e
comunicacional, ocupando-se do que dever ser visto, dito, sentido, percebido,
produzindo concretamente sobre corpos as marcas das ideações curriculares e
de governo. (GODOY, 2013, p. 216)
Capítulo I:
Procedimentos

Cartografia como método:

O presente trabalho tem como direção os movimentos feitos pelos processos de


pesquisa. Nesta conjuntura, ele se constitui de um percurso feito no decorrer da
pesquisa, a qual toma a cartografia como método de pesquisa-intervenção (PASSOS e
KASTRUP, 2012).

A Cartografia como método de pesquisa-intervenção pressupõe uma


orientação do trabalho do pesquisador que não se faz de modo
prescritivo, por regras já prontas nem com objetivos previamente
estabelecidos. No entanto, não se trata de uma ação sem direção, já que
a cartografia reverte o sentido tradicional de método sem abrir mão da
orientação do percurso da pesquisa. (PASSOS e BARROS, 2012, p. 17)

A respeito do método aqui apresentado, tem-se por objetivo pensar as inscrições


que fazemos no espaço e nas formas em que ele é apropriado e percorrido.
Configurando a pesquisa não apenas teórica e epistemológica, mas de um percurso
investigativo que se faz com oficinas experimentais, e também na rua com a colagem e
registro de lambe-lembes6. Partindo disso, cartografar na presente pesquisa seria esse
movimento de inscrever-se no próprio espaço (re)significando-o na buscando
problematizar as possibilidades de uma educação na rua, e de uma comunicação que
fuja ao controle.
Uma questão de pesquisa se compõe com o meio sobre o qual ela é lançada, na
tentativa de construir territorialidades de resistência. Neste caso, a metodologia em
questão a qual irei trabalhar está sempre num jogo de composição, nos encontros, pois
toda pesquisa é intervenção.

Mas, se assim afirmamos, precisamos ainda dar um passo, pois a


intervenção sempre se realiza por um mergulho na experiência que
agencia sujeito e objeto, teoria e prática, num mesmo plano de produção
ou de coemergência - o que podemos designar como plano da
experiência. A cartografia como método de pesquisa é o traçado desse
plano da experiência, acompanhando os efeitos (sobre o objeto, o
pesquisador e a produção do conhecimento) do próprio percurso da
investigação. (PASSOS e BARROS, 2012, p. 17-18)

6
Técnica de intervenção feita através da colagem de papéis.
Nessa perspectiva a pesquisa desenvolve-se não somente analisando o objeto
que mobiliza trabalho - uma educação que se faz na rua e a arte urbana como um novo
sensível no corpo da cidade- mas, na produção de novos territórios educativos e
comunicacional. São destes desdobramentos que se mostram ao longo de pesquisa que
se evidencia a compreensão de processualidade investigativa na produção de novas
intensidades.

A cartografia busca, em diferentes regiões, as especificidades para


compor um olhar, ou seja, não visa construir um mapa que sirva de guia
para todos os olhares – até porque cada olhar é único e muda com as
vivências do observador - mas, nesse caso busca perceber as dinâmicas,
os fluxos e as intensidades que se mostram nos objetos.
Diferente de métodos rígidos, a cartografia não visa isolar o objeto de
suas articulações históricas nem de suas conexões com o mundo. Ao
contrário, o objetivo da cartografia é justamente desenhar a rede de
forças à qual o objeto ou fenômeno em questão se encontra conectado,
dando conta de suas processualidades. (AGUIAR, 2010, p. 13)

As oficinas: outras territorialidades em educação

É na compreensão de que as oficinas comunicam com os elementos dela, criando


um novo território educacional, que a mesma se aproxima da cartografia. Pois é pelas
processualidades inventivas da oficina, que a concepção de oficina se configura como
um novo território em educação (CORRÊA E PREVE, 2011, p. 197), ao passo que a
mesma possibilita “abrir espaço para o desconhecido, reduzir o investimento na
segurança do mesmo, não cultivar esperanças que fazem esperar e que consolam”
(CORRÊA e PREVE, 2011, p. 197), nesse mesmo contexto CORRÊA E PREVE (2011)
evidenciam seu caráter libertário, pois não tem pretensão de reagir à escolarização.

A oficina para além do mencionada são também, no interior deste trabalho, uma
forma muito particular de aproximar os participantes com prática educativa, pois ela
tem como estratégia o conhecer com a prática, como construção horizontal do
aprendizado, no intuito de trazer para estes “outras realidades” através de práticas
inventivas. Neste sentido, busca-se a desconstrução de ideias engessadas sobre os
espaços educativos, lançando-se então no corpo da cidade, na intenção tencionar
questionamentos sobre a lógica de uma educação e uma comunicação centralizadora.
Portanto ela tem como importante papel (re)pensar sobre os espaços educativos e
como nós, sujeitas(os), fomos estruturados e organizados a perfazer e conduzir nosso
olhar sobre a cidade. Irrompida pelo processo de industrialização e urbanização a
sociedade opera com reducionismos, exclusivismos e centralismos, em perfeita
consonância com o modelo de aprendizagem segregadora tutelada pelo estado à
anulação dos sujeitos.
Nesse sentido, a oficina tem o objetivo de ser uma linha de fuga dessas
imposições propositadas, pois tem sua principal metodologia reflexões e produção de
práticas coletivas do conhecimento, no sentido de ser sentidas e cultivadas em práticas
na qual os participantes são os agentes efetivadores do conhecimento.

A oficina é uma prática educativa que vem como alternativa a educação


verticalizada, por isso tem sua metodologia na prática (numa espécie de fazer) como
forma de empoderamento do aprendizado com os conteúdos abordados. OLIVEIRA
(2014) diz que o lugar não é um espaço estanque, um dado em si, e sim

(...) produto das tensões e disputas entre muitas práticas e


narrativas sobre ele, concluiremos também que, nos dias que
correm, conhecer o espaço é também pensar como ele é inventado
diariamente diante de nós pelas câmeras fotográficas e narrativas
da tevê, bem como ele é criado em nossas próprias práticas
educativas nas quais aparecem muitas fotografias e filmes”
(OLIVEIRA 2014, p.7).

Essa (re)significação de espaços ociosos dentro da cidade pode ser considerada


um espaço de contrastes que reluta a lógica mercadológica dos espaços privados (e até
os públicos), fechados em sua identidade excludente e espaços restritivos (espaços de
consumo); portanto criar possibilidade de uma cidade menos estruturada em desusos, e
silenciamentos, são estratégias de resistir, pois agregasse a ela novos sentidos.

E por isso as oficinas fazem composição da presente pesquisa, pois é na mesma


onde encontrei a possibilidade de estar construindo de forma horizontal o diálogo
entre o aprendizado, e a busca por novos horizontes sobre o tema tratado.
Esse movimento de estudo com oficinas veio como intensidade de romper com
os ajustes e anulações que passamos dentro e fora da sala de aula, onde as
individualidades são constantemente negligenciadas por adequações,
convencionalismos e moralismos construídos em nós, e que compulsoriamente impõe
uma série de informações, desqualificando nossas vontades de aprender, esvaziando
nossos corpos imobilizados. É portanto costurando outras formas de comunicação na
cidade, na tentativa de desestruturar essa lógica de inação e anulação que meu trabalho
avança como forma de sair da situação passiva (e pacificadora) de emissor e receptor de
informação, trabalhando, então, a educação com experiência e as fugas através das
possibilidades que nasce dessa prática na rua.
A proposta de educação com oficinas vem de um saber que se adquire com a
experiência e não pela via exclusiva da internalização. Aprende-se com a mão na massa
e numa situação de diálogo. Por isso essa prática educativa vem a mim como expressão
de cultivar a autonomia e a resistência, do cultivar-se, e cultivar outras realidades
existentes, que são e estão omissas. Tornar o aprendizado como uma prática de
possibilidades, onde indivíduos possam ver-se como sujeitos do acontecimento,
traçando seus contornos de inserção no mundo e produzindo linhas de fuga a partir dele.
Um pouco de educação libertária, e esta é revolucionária porque significa a insubmissão
e a contestação através da prática que aflora, o expurgo do eu, que por horas parece
afogado em todas as convencionalidades. Sem medo da inadequação e incompetência
do repetir. Experiência é atravessar um espaço indeterminado, e trazer saberes com
empoderamento daquilo que se quer, que te toca.

Contra comunicação:

...
Capítulo II
Arte como resistência

O que é arte?
Uma “arma”
Qual sua tarefa primeira?
“Fazer revoltados”
Fernand Pelloutier

Educação na rua:

O presente capítulo pretende problematizar as possibilidades e limites de uma


educação na rua, analisando a arte urbana de intervenção como estratégia de
comunicação marginal, pois escapa ao controle dos espaços e conteúdos exclusivistas da
comunicação hegemônica institucional, assim como desobedece à estética higienista e
proibicionista no corpo da cidade, estas, estrategicamente sob dominação para controle
do comunicacional e do espacial.
Carregada com discurso visual, a intervenção tem potencial subjetivador, pois é
pelo olhar de quem mira que se imprime sentidos (Hollman, 2013). Nessa perspectiva, o
que busco evidenciar é uma educação que atravessa os muros da escola e se inscreve
sob a superfície da cidade, escapando de equipamentos e dispositivos
institucionalizados, como instrumento de contestação e de ocupação espacial.

As imagens são reconhecidas como poderosas no campo educativo e,


talvez por essa característica, elas tenham se tornado objetos que devem
ser regulados e controlados.
[...]
As imagens tornam-se poderosas porque, numa fração de segundos,
apresentam rapidamente um produto às inúmeras pessoas que circulam
diariamente nas cidades por meio de cartazes, placas, outdoors afixados
em prédios ou nos ônibus que expõem produtos e formas de vida.
[...]
As imagens na paredes da cidades são poderosas, pois nelas se podem
inscrever situações proibidas ou até silenciadas que passariam
despercebidas na dinâmica do cotidiano. (Hollman, 2013, p. 237)

Nessa perspectiva a intervenção não busca única e exclusivamente comunicar ou


informar, mas resistir a uma institucionalização do comunicacional, onde circulam-se
informações devidamente controlada pelos dispositivos de dominação (FOUCAULT),.
Portanto a arte busca produzir algo que escape, que resista a essa dominação, ocupando-
se de trazer outro sensível no corpo da cidade (RANCIÈRE, 2009) através da
(re)significação do espaço, subvertendo-o, e trazendo outras sensibilidades. As
intervenções muitas vezes comunicam aquilo que as grandes mídias não querem, por
isso ela pode ser vista de uma perspectiva de resistência política. Neste sentido, a arte e
as intervenções são sim, mas não unicamente, a materialização de uma disputa política
entre quem detém e quem não detém o direito de comunicar. Ela busca romper com a
despolitização consensual do corpo urbano, que através de uma estética higienista tenta
aludir a uma certa neutralidade sócio espacial.

Aprisionados na imagem, como projeção do vivido sobre as


probabilidades de sua repetição, somos igualmente prisioneiros de um
esquema perceptivo, mas também da moldura cultural que ele efetua na
relação com um regime imagético. Operando nessa clausura, a educação
e também a geografia são tão somente funções formalizadas com
relação aos dispositivos escolar e comunicacional, ocupando-se do que
deve ser visto, dito, sentido, percebido, produzindo concretamente sobre
os corpos as marcas das ideações curriculares e de governo. (GODOY,
2013, p. 216)

Neste ponto, a geografia nos ajuda pensar todo espaço como espaço de disputa,
pois não se dissocia da lógica de dominação e exploração capitalista. “Em resumo, a
tensão que as imagens fazem emergir na cidade têm seus traços de (des)controle dos
possíveis modos de olhá-la e no que elas podem produzir nas pessoas que as encontram
[...]” (Hollman, 2013, p. 241).

A vontade de repolitizar a arte manifesta-se assim em estratégias e


práticas muito diversas. [...] a arte é considerada política porque mostra
os estigmas da dominação, porque ridiculariza os ícones reinantes ou
porque sai de seus lugares próprios para transformar-se em prática
social etc. (RANCIÈRE, 2012, p.52)

A arte de rua resiste aos espaços “institucionalizados e institucionalizantes” da


arte e sua estética vendável, dos museus e galerias. Não é necessário ser artista para se
fazer uma intervenção, eu mesma não me considero uma, pois acho que a mesma não é
de direito exclusivo destes(as), qualquer pessoa pode fazer arte e intervenção.
Para o mesmo objetivo, a presente pesquisa também tem por horizonte
compreender as potencialidades políticas das imagens e da arte, na construção de
imaginários, e leituras de mundo. Pois querendo ou não elas são dispositivos que estão
sob controle, tanto no corpo da cidade, na educação e nos veículos de comunicação.
Neste contexto utilizo como referência GAWRYSZEWSKI (2009) o qual
analisa a importância das imagens no jornal anarquista A Plebe no início do século XX,
dentro de uma perspectiva estratégia de propaganda política, educacional e pedagógica
de difusão do ideal libertário.

Em um momento em que a maioria dos operários era analfabeta ou


desconhecia a língua portuguesa por terem origem estrangeira
(espanhóis, italianos, poloneses entre outros), a imagem passou a ser um
importante instrumento de educação política por facilitar a transmissão
da mensagem ao leitor, que se identificava enquanto indivíduo ou classe
social na representação visual. Existe uma grande discussão sobre o
poder de síntese da imagem, ou seja, a facilidade com que passa a
mensagem pretendida por seu autor. Quem vê a imagem a decifra,
entende-a dentro de seu mundo. (GAWRYSZEWSKI, 2009, p. 19)

É nessa perspectiva que exponho a arte como veículo de expressão crítica e


cognitiva, carregada de um caráter didático inovador e subversivo dos conteúdos e
formas como força estética dos sentidos na difusão de aspirações, evidenciando que a
arte urbana também são facetas do combate social.
Capítulo III:
As intervenções

É no presente capítulo que a cartografia como método de pesquisa intervenção


fica mais evidente, pois tem intenção de mapear os movimentos que a pesquisa seguiu
com as oficinas e também com as intervenções, através de registros7 fotográficos e
audiovisuais, bem como relatos. Compreendendo que, assim como as intervenções, as
oficinas também criam um novo território educacional que se aproxima da cartografia,
pois sua metodologia também são reflexos de processualidades.
O público que as oficinas pretende atingir são variados, desde crianças à
professores em formação, no último caso, bolsista do Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação a Docência – PIBID, também pretende se expandir para eventos culturais e
escolas. Assim como registros aleatórios de intervenções na cidade de Florianópolis, é
aí que a Cartografia como método de pesquisa-intervenção (BARROS e KASTRUP,
2009) tem sua maior expressão, pois ela vai se constituindo no decorrer da pesquisa.

Lambe-lambe:

O Lambe-lambe é uma técnica de intervenção urbana, onde basicamente é feita a


colagem de um papel sob uma superfície. Esta técnica já vem sendo utilizada há
algumas décadas, pois antes de ser apropriada para fins artísticos a mesma já vinha
sendo utilizada para transmitir anúncios públicos ou propagandas.
Entre as várias expressões da arte urbana, o lambe-lambe é uma das mais fáceis,
baratas e rápidas. Tendo por objetivo ocupar a cidade através da linguagem visual como
plataforma alternativa de comunicação e expressão. Ele pode ser feito com a
reutilização de matérias - jornais, revistas, etc.- ou também de impressões - xerox ou
serigrafia-, expondo fotos, desenhos, pinturas, textos, etc. A ideia é levar mensagens,
imagens aos transeuntes, ou simplesmente ocupar, sujar ou perturbar o espaço.

Como produzir?

Há várias formas de se produzir um lambe, a mais comum é pegar um desenho


xerocar e colar. Outras formas de fazer a gravação sob o papel é pela serigrafia,
xilogravura, colagens, desenho a mão ou qualquer outra forma de impressão. A arte

7
http://galeriaurbana-floripa.tumblr.com/
pode ser de vários tamanhos, variando de centímetros a metros, colorido ou preto e
branco. Já a colagem é feita com cola caseira a base de farinha ou polvilho.
O lambe-lambe também pode ser considerada uma estratégia menos susceptível
a abordagens negativas (quando é feito sem autorização), pois sua colagem demora de
segundos a minutos, variando de acordo com seu tamanho. Em caso de emergência e
coibição ele também é de fácil destruição (ainda com a cola mole). Desta forma, quando
um artista sofre alguma intervenção na hora da colagem, ele pode simplesmente
descolar, ou alegar que é uma arte que se autodestrói em pouco tempo (nem sempre essa
afirmação é verdade), pois seu material é feito a base de papel, água e farinha. Muitos
dos pichadores e grafiteiro são acusados de crime ambiental, devido as tintas terem
bases tóxicas, no caso do lambe-lambe, isso não pode ser alegado.

A cola:

Cola de Polvilho8:
Ingredientes:
– 5 colheres de sopa de Polvilho doce
– 1 litro de água
– Cola branca

Modo de preparo:

Coloque as 5 colheres de sopa de Polvilho doce em 750 ml de água e dissolva


bem, deixando cozinhar no fogo baixo até engrossar (será fácil perceber). Depois,
coloque o resto da água fria e continue mexendo por mais alguns minutos. Tire do fogo
e coloque um pouco de cola branca, para a cola grudar mais. De preferência, espere
esfriar a cola e use em seguida (ou em alguns dias), não aconselho guardar.

Cola de Farinha de trigo:


Ingredientes:
– 7 colheres de sopa de farinha de trigo
– 1 colher de sopa de vinagre ou pinho sol (para evitar bichos)
– 1 litro de água

Modo de preparo:

Ferva 3/4 da água em uma panela grande. Misture separadamente em uma tigela,
1/4 da água fria com a farinha até dissolver totalmente. Jogue a mistura com farinha na
água fervente e mexa por 5 minutos.
8
Receita tirada de https://designstuff.wordpress.com/2008/01/28/lambe-lambe/
Acesso: junho de 2015
Alguns mapeamentos:
Relatos:

Está por vir...


Referencia:

AGUIAR, Lisiane Machado. As potencialidades do pensamento geográfico:


a cartografia de Deleuze e Guattari como método de pesquisa processual. In: Intercom:
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Trabalho
apresentado em XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Caxias do
Sul – RS, 2010.

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cidade. Dissertação (Mestrado Psicologia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.

ANTLIFF, Allan. Anarquia e Arte: da Comuna de Paris à Queda do Muro de Berlim.


São Paulo: Madras, 2009.

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JR. Wenceslao, M. (Orgs) Grafias do espaço: imagens da educação geográfica
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Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas / Universidade do Estado de Santa


Catarina. Programa de Pós-Graduação em Teatro. - Vol 1, n.15 (Out 2010).
____Da arte de quebrar pedras ou a cena da emancipação. Edélcio Mostaço. p. 11-20
_____ Política da arte! Tradução de Mônica Costa Netto p. 45-60

HOLLMAN, Verônica. Imagens na cidade e no ensino da questão ambiental. In.


CAZETTA, Valéria; OLIVEIRA JR. Wenceslao, M. (Orgs) Grafias do espaço:
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