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A CONTRIBUIÇÃO DE TEÓRICAS FEMINISTAS PARA OS ESTUDOS DE

GÊNERO

THE CONTRIBUTION OF FEMINIST THEORISTS FOR GENDER


STUDIES

Resumo:
Esse trabalho discute algumas contribuições de teóricas feministas no debate historicamente construído sobre a
categoria gênero. Focado no trabalho das autoras Joan Scott, Linda Nicholson e Judith Butler, este artigo apresenta
as críticas de algumas destas teóricas sobre as limitações das propostas feministas centradas em definir categorias
como “Gênero” e “Mulheres”. Criticam a noção binária de masculino/feminino para expor suas inovações teóricas.
Suas colocações abrangem questões de cunho teórico, metodológico e político.

Palavras- chave: Gênero. Mulheres. Teoria Feminista.

Abstract:
This paper discusses some contributions produced by feminist theorists regarding the debate historically built on
gender as a category. Focused on the work of authors such as Joan Scott, Linda Nicholson and Judith Butler, this
article points out some these theoretical criticisms about the limitations of feminist proposals focused on defining
categories such as “Gender” and “Women”. They criticize binary notion of masculine/feminine to expose their
theoretical innovations. The topics discussed deal with theoretical, methodological and political issues.

Keywords: Gender. Women. Feminist Theory

Silvana Maria Bitencourt


Universidade Federal de Mato Grosso / Departamento de Sociologia e Ciência Política. Professora Adjunta I da
Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT, campus Cuiabá.
e-mail: silvana_bitencourt@yahoo.com.br

178 Revista Ártemis, Vol. XVI n 1; ago-dez, 2013. pp. 178-185 ISSN: 2316 - 5251
A Contribuição de Teóricas Feministas para os Estudos de gênero

INTRODUÇÃO definir a identidade das mulheres por uma base


comum, presente em todas as mulheres, ou seja,
o sexo biológico no caso, o genital. Assim sendo,
O debate historicamente produzido sobre a cate-
o feminismo “diferencialista” foi criticado mui-
goria “Gênero1” tem implicado em diversas perspec-
tas vezes, por essencializar masculino e feminino
tivas e impasses entre as (os) pesquisadoras (es).
através de modelos dicotômicos, normativos e heteros-
Posicionamentos bastante distintos têm revelado
sexuais (RUBIN, 2003: 175).
a dinamicidade deste campo de estudos e a ne-
A autora Joana Maria Pedro, ao comentar sobre
cessidade de constantes diálogos. Nesse sentido,
as feministas ‘diferencialistas’ salienta que,
discutir algumas premissas que acompanharam a
constituição deste campo permitirá um olhar críti- As ‘diferencialistas’ eram
co sobre a definição de uma teoria academicamente acusadas de ‘essencialistas’ –
compartilhada entre as (os) estudiosas (os). ou melhor, de que negariam
A possibilidade de acesso à literatura inter- a temporalidade ao atribuir
nacional sobre os estudos de gênero contribuiu uma ontologia primordial e
significativamente para estudiosas (os) brasileiras imutável aos produtos históri-
(os) interagirem neste campo de estudos. Artigos cos da ação humana. Enfim,
científicos e livros produzidos por teóricas feminis- que estariam considerando
tas (SCOTT, 1990; NICHOLSON, 1999; BUTLER, que seria o sexo – no caso do
2003:1998) ajudaram a intensificar o debate e genital – que portavam o que
acrescentaram sofisticação teórica em estudos de promoveria a diferença em
“gênero”. Pode-se verificar que estas estudiosas relação aos homens, e que lhes
tomaram como ponto de partida as incoerências dava a identidade para as lutas
produzidas pelo feminismo pautado na oposição contra a subordinação. Assim,
binária masculino/feminino. Este tipo de femi- diziam que o fato de portarem
nismo, denominado “diferencialista2”, procurou um mesmo corpo que tem
1
Importante ressaltar como a autora Joana Maria Pedro (2005) menstruação, que engravida,
fez no campo da história e Lucila Scavone (2005) no cam- amamenta e é considerado
po da sociologia, que a emergência deste campo de estudos menos forte, fazia com que
possui estreitas relações com os movimentos feministas de
fossem alvos das mesmas
“segunda onda”, neste período faziam estudos sobre mulheres.
Pedro (2005) comenta que inicialmente as (os) historiadoras
violências e submissão.
(es) estudavam a “mulher” em relação ao homem e posterior- (PEDRO, 2005, p. 81).
mente começaram a fazer estudos sobre “mulheres” a fim de
incorporar outras diferenças (classe social, etnia, raça) que A seguir serão apresentados os enfoques das
também excluíam mulheres. No entanto, a base comum que autoras (Scott, 1990; Nicholson, 1999; Butler,
fazia todas as mulheres serem identificadas como “iguais” 2003:1998) selecionadas para este trabalho a fim
por serem vítimas da dominação masculina ainda vigorava de pontuar algumas de suas contribuições teóricas
nestes estudos.
para os estudos de gênero.
2
O feminismo recebeu inúmeros rótulos de suas estudiosas,
por isso deve ser analisado na sua pluralidade conceitual. No
entanto, neste texto parto de três momentos históricos defini- O argumento histórico e relacional de Joan Scott
dos por Lucila Scavone. Para a autora, o feminismo tem sido
delimitado por suas etapas históricas, três grandes fases são
comumente referidas: a fase universalista, humanista ou as A contribuição de Joan Scott para os estudos de
lutas igualitárias pela aquisição dos direitos civis, políticos e gênero pode ser verificada no texto “Gender a Use-
sociais; a fase diferencialista e ou essencialista das lutas pela
ful Category of Historical Analysis” de 1986, poste-
afirmação das diferenças e da identidade; e uma terceira fase,
denominada de pós-moderna, derivada do desconstrutivismo riormente traduzido em 1990 no Brasil com o título
que deu apoio às teorias dos sujeitos múltiplos e nômades “Gênero: uma categoria útil de Análise Histórica”.
(SCAVONE, 2008:177).

ISSN: 2316 - 5251 Revista Ártemis, Vol. XVI n 1; ago-dez, 2013. pp. 178-185 179
BITENCOURT, Silvana Maria

Este artigo tornou-se um clássico, pois representou um inserissem seus estudos a partir do contexto espe-
dos principais avanços teóricos para as (os) pesquisa- cífico e da transformação fundamental. A autora
doras (es) interessadas (os) pelo recente campo, que gasta significativa parte de sua análise com três
começou a se consolidar no Brasil no inicio dos anos enfoques teóricos, estes centrados no patriarcado,
90. marxismo e psicanálise (dividida entre escola an-
Diversas estudiosas3 brasileiras citam Joan Scott, glo-americana das teorias da relação do objeto e
não apenas pelo avanço teórico de sua articulação escola francesa centradas na teoria estruturalista e
com a noção de poder4 para definir “gênero”, mas pós-estruturalista).
pela própria historicidade desta categoria no âmbito Ao discutir estas teorias, que tinham a pretensão
institucional brasileiro. de teorizar o debate de gênero, a autora explicita
Joan Scott, neste referenciado texto, preocupou-se as inconsistências analíticas destes enfoques e
em analisar minuciosamente as abordagens descri- literalmente põe o “dedo na ferida”. As limitações
tivas e teóricas realizadas por historiadoras (es), reveladas por Scott tratam da dificuldade das auto-
mostrando como o termo gênero foi construído pelas ras em sair de seus quadros de análise. Conforme
(os) estudiosas (os), enfatizando suas contribuições, Scott, enquanto as teóricas do patriarcado centra-
mas também os limites destas abordagens. das na dominação masculina analisavam os aspec-
Em relação às abordagens descritivas, Scott salienta tos internos, deste modo esquecendo os efeitos das
que gênero aparece como um novo tema, pois é usado estruturas na construção da identidade do sujei-
para substituir a categoria “mulheres”. Desta forma, to; as marxistas faziam o inverso, pois ofereciam
foi percebido como uma visão mais “neutra”, pois maior ênfase aos fatores externos no processo de
aparecia como dissociado da militância que o femi- construção da identidade. Para a autora, ambas as
nismo representava na época. O gênero também foi abordagens retardaram o avanço teórico do tema
usado para designar as relações entre os sexos. Nesta “gênero”,
abordagem descritiva, o gênero apareceu como um Na perspectiva psicanalítica, as estruturalis-
novo tema, um novo domínio de pesquisas históricas. tas e as pós-estruturalistas apresentaram o mesmo
Entretanto, o gênero não teve a força de análise sufi- problema. A construção das identidades feminina e
ciente para questionar. Portanto, mudar os para- masculina entre as teóricas das relações de objetos
digmas historicamente existentes. naturalizou uma produção de identidade de gênero
Conforme Scott, a busca de legitimidade dos centrada somente na esfera da família e na experiên-
estudos de “mulheres” fez com que estudiosas cia doméstica. Deste modo, revelou-se perigosa-
feministas vinculadas a quadros teóricos universais mente essencialista e a-histórica, pois a construção
da identidade estava centrada na responsabilidade
3
Em relação às autoras brasileiras podemos destacar: Scavone, dos pais, culpando estes de suas ausências. Esta teo-
Lucila. Estudos de gênero: uma sociologia feminista? Re- ria excluiu os indivíduos que eram socializados por
vista estudos feministas. Vol 16, no 1. Florianópolis Jan/apr
outros tipos de família. Nesse enfoque, o social é
2008, p.17-185; Pedro, Joana Maria. Traduzindo o debate: o
uso da categoria gênero na pesquisa histórica. História [on-
ignorado, consequentemente, o contexto histórico
line]. 2005, vol 24, n.1p.77-85. ISSN 0101-9074; Grossi, também é.
Miriam Pillar. Identidade de gênero e sexualidade In: Antro- Entre as pós – estruturalistas da linguagem,
pologia em Primeira Mão, nº 26. Florianópolis: PPGAS/ Scott indica o valor da linguagem na captura do
UFSC, 1998; entre outras. sentido das relações de gênero. Porém, chama a
4
A autora Joan Scott (1990) ao comentar sobre a necessidade
atenção para outro problema em relação ao aspecto
de um conceito de poder para se analisar as relações de gêne-
ro, propõe que a visão de poder social unificado, coerente
simbólico estável do “falo” na construção da iden-
e centralizado deve ser substituída por qualquer coisa que tidade de gênero. Aponta que significado do “falo”
esteja próxima ao conceito foucaultiano de poder, entendido é produzido anteriormente. Nesse sentido, o gênero
como constelações dispersas de relações desiguais constituí- é a-histórico, portanto, sem possibilidades de ques-
das pelos discursos nos “campos de forças” sociais (Scott, tionamentos e mudanças.
1990, p.14).

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A Contribuição de Teóricas Feministas para os Estudos de gênero

Scott alerta sobre a insistente dualidade entre legitimado e criticado. Ele se


realidade social e realidade psíquica, pois as refere à oposição masculino
perspectivas teóricas analisadas pela autora acabaram - feminino e fundamenta ao
enfatizando uma das realidades. E estas teorias pouco mesmo tempo seu sentido.
questionaram a relação entre indivíduo/estrutura e o Para proteger o poder político,
processo complexo que envolve a construção da iden- a referência deve parecer certa
tidade de gênero. e fixa fora de toda construção
A ausência do aspecto relacional que faz interagir binária e o processo social tor-
estas realidades psíquica/social, ou melhor, indivíduo/ nam-se ambos partes do sen-
estrutura é salientada por Scott como uma das suas tido do poder de ele mesmo;
contribuições para os estudos de gênero. Sendo rela- por em questão ou mudar um
cional, o gênero dialoga com classe, etnia, raça e aspecto ameaça o sistema in-
geração, ou seja, outras categorias sociais. teiro. (SCOTT, 1990: 18).
O aspecto histórico que envolve a construção do
gênero também é destacado por Scott. Por isso, a com- Desta forma, a análise de gênero de Scott não
preensão sobre as relações sociais pode ser alcançada corresponde ao gênero em si, mas aos diversos cam-
usando esta categoria para analisar a história numa pos que reproduzem/produzem discursivamente a
conexão do presente com o passado. Scott define o representação masculino/ feminino.
gênero em duas partes que estão ligadas entre si, mas Esta noção de como opera a categoria “gêne-
deveriam ser separadas para fins de análise. Para a au- ro” contribui para as (os) pesquisadoras (os) não
tora, “O gênero é um elemento constitutivo de relações somente questionar a oposição binária masculino/
sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre feminino, mas ao mesmo tempo, investigar como as
os sexos, e o gênero é o primeiro modo de dar signifi- percepções implícitas do gênero são invocadas ou
cado às relações de poder.” (SCOTT, 1990: 14) reativadas nas diferentes relações sociais.
Na primeira definição de gênero, Scott apresenta
quatro elementos que operam na construção da identi- Linda Nicholson provoca as feministas diferencialistas
dade de gênero. São eles: simbólico, normativo, noção
política referente às instituições e a identidade subje-
A definição de gênero de Joan Scott inaugurou
tiva. A autora explica que não atuam sozinhos, são in-
uma teoria consistente para se pensar como os sig-
terdependentes5.
nificantes de gênero são historicamente significados
Para Scott, o gênero é construído na relação e para
nas relações sociais. A partir dela, o debate começou
analisá-lo não devemos ter olhares fixos numa origem,
a tomar corpo. Depois de Scott, Linda Nicholson
a fim de compreender a oposição binária masculino/
publicou em 1999, o artigo “Interpreting Gender”,
feminino, mas sim no processo histórico que tem en-
que foi posteriormente traduzido em 2000 no Brasil
volvido a produção/reprodução desta oposição binária.
com o título “Interpretando o gênero”. Para Nicholson,
Ao analisar o campo político, a autora mostra como
a definição que separa sexo e gênero ainda tende a
o simbólico e a linguagem operam no modo como
persistir entre as feministas. A autora comenta esta
são estruturadas as relações sociais. Sobre as repre-
prevalência como uma “herança que ainda sobre-
sentações de gênero que envolvem o campo político,
vive” entre as feministas, e é sobre esta herança que
compreende que,
Nicholson constrói sua argumentação. Linda tem
O gênero é uma das referên- contribuindo significativamente para pensarmos
cias recorrentes pelas quais o no entendimento do corpo biológico como algo
poder político foi concebido, complexo que está dentro de uma cultura e uma
história
5
Para mais informações ver: Scott, Joan Wallach. Gênero: Ao buscar as origens do gênero, verifica que
uma categoria útil de análise histórica. In: Revista Educação o sexo biológico não foi totalmente negado pe-
e Realidade. Porto Alegre, v 16, n2, 1990. p.14. las feministas. Ele foi empregado como base

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primordial na construção do gênero. Desta forma, Para construir seu argumento, Nicholson problema-
a biologia foi utilizada pelas feministas afirmando tiza o corpo biológico, a forma que ele tem sido
suas vantagens através da igualdade detectada no historicamente compreendido e propõe pensar o
corpo das mulheres. Mas, também distinguia as corpo como uma variável, ao invés de uma constante.
mulheres dos homens por meio do corpo biológi- No entanto, em sua análise, o corpo não desapa-
co. Portanto, para Nicholson, não houve uma liber- rece; ela afirma que há diferenças no sentido e na
tação da biologia na construção do gênero. A autora importância atribuídas ao corpo e que tal fato con-
define essa noção do relacionamento entre corpo, sequentemente afeta o sentido da dicotomia mas-
personalidade e comportamento de fundacionalis- culino/feminino.
mo biológico, a fim de indicar suas diferenças e se- A autora desenvolve uma análise da prevalên-
melhanças em relação ao determinismo biológico. cia da metafísica materialista6 que comprova
Segundo ela, como as especificidades foram se tornando cada
vez mais evidentes. De tal modo, mostra como o
Tal concepção do relaciona- sentido das características físicas, que de sinal ou
mento entre a biologia e a marca da distinção masculino/feminino, passou a
socialização torna possível o ser causa, aquilo que lhe dava origem. A distinção
que pode ser descrito como masculino/feminino tornou-se altamente binária.
uma espécie de noção ‘por- Neste contexto, Nicholson referencia os estudos
ta casacos’ da identidade: o de Thomas Laqueur (1994) sobre a mudança que
corpo é visto como um tipo ocorre no século XVIII com o desenvolvimento da
de cabide de pé no qual são biologia e medicina quando a noção de unissexua-
jogados diferentes artefatos da do corpo é substituída pela noção bissexuada.
culturais especificamente os Com isto percebemos como o corpo biológico tem
relativos à personalidade e sido construído por discursos sociais que expres-
comportamento. Tal modelo sam interesses. Contudo, a diferença, quando apa-
permitiria às feministas teorizar receu, foi marcada no corpo da mulher.
sobre o relacionamento en- Quando Nicholson analisa os argumentos das
tre biologia e personalidade feministas “diferencialistas”, compartilha as críti-
aproveitando certas vanta- cas introduzidas por Joan Scott: o perigo de generalizar
gens do determinismo biológi- as mulheres por teorias. Assim, desconhecendo os
co, ao mesmo tempo em que contextos sociais, tomando o corpo biológico como
dispensando certas desvanta- algo dado, ou seja, fora da cultura e sem história.
gens. [...] Rotulo essa noção Nicholson traz uma contribuição ao salientar o
de relacionamento entre cor- perigo de usarmos uma teoria que pensa o gênero
po, personalidade e compor- como dependente do sexo biológico, pois isto pode
tamento de ‘fundacionalismo contribuir para excluir aqueles que se desviam da
biológico. (NICHOLSON, norma, pelo modelo pautado na oposição binária
2000: 12). masculino/feminino adotar uma heterossexuali-
Partindo deste aspecto, a biologia continua sendo o
dade normativa.
referencial para a construção do gênero sem con-
textualização do corpo biológico. A proposta de Ni- 6
A metafísica materialista se desenvolveu entre os homens
cholson é de abandonar tanto o fundacionalismo bi- da ciência entre o século XVII e o XIX, esta tendência pen-
ológico como o determinismo biológico. “Defendo sa as pessoas como matéria em movimento – seres físicos
que podem se distinguir uns dos outros, acima de tudo, pela
que a população humana difere, dentro de si mes-
referência às coordenadas espaciais e temporais que ocupam.
ma, não só em termos das expectativas sociais so- Esta visão também significou a tendência cada vez mais forte
bre como pensamos, sentimos e agimos; há também à compreensão da natureza de fenômenos específicos em ter-
diferenças nos modos como entendemos o corpo.” mos de configurações específicas da matéria que os corporifi-
(NICHOLSON, 2000: 14). cava (NICHOLSON, 2000: 15)

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Partindo desta perspectiva, a autora destaca a Quando fala desta “herança insistente”, não comen-
necessidade de complexificarmos a análise para ta sobre a definição de Joan Scott, parece voltar ao
entendermos - como estes padrões binários possuem feminismo de segunda onda, sem contextualizar o
uma historicidade. Diz ser necessário abandonarmos que a proposta de Scott acrescentou.
a dicotomia masculino/feminino, ou seja, desistir da O argumento de Nicholson propõe a negociação
ideia de pensarmos a categoria mulher por um único política numa compreensão de corpo biológico so-
sentido, mas como uma rede complexa7 de característi- cialmente e historicamente construído. Sua crítica é
cas que se entrecruzam. sobre o corpo, ou seja, sobre o entendimento femi-
Para a autora, a distinção masculino/feminino nista sobre o corpo e os significados que o constituem
pode ter sido importante para a cultura Ocidental, discursivamente.
no entanto há contextos em que esta distinção não se
aplica e por isso esta especificidade deve ser levada O argumento Contingente de Judith Butler
em consideração. A autora sugere,

(...) pensarmos o sentido de Como Linda Nicholson, a filósofa pós-estruturalis-


“mulher” como capaz de ilus- ta Judith Butler também enxerga ‘problemas’ em se
trar o mapa de semelhanças procurar definir categorias como gênero e mulheres.
e diferenças que se cruzam. Em 1990, publicou “Gender Trouble: Feminism and
Nesse mapa o corpo não de- the Subversion of Identity” traduzido em 2003, para o
saparece; ele se torna uma português com o título “Problemas de gênero: femi-
variável historicamente espe- nismo e subversão da identidade”. Para Judith Butler
cífica cujo sentido e importân- buscar uma definição para gênero e mulher, já é, em
cia são reconhecidos como si, um ato autoritário. Butler, como Nicholson, aban-
potencialmente diferentes em dona a ideia de uma definição precisa para a categoria
contextos históricos variáveis. gênero e mulheres e questiona as limitações do sujei-
Essa sugestão, desde que se to do feminismo “mulheres”. Desta forma, critica a
assuma que o sentido é en- posição das feministas numa política representacional
contrado, não pressuposto, para as mulheres. Para Butler, tentar definir a catego-
assume também que a procura ria “mulheres” só tende a reforçar ainda mais o bi-
em si não é um projeto políti- narismo masculino/feminino de matriz heterossexual.
co ou de pesquisa que uma A proposta da autora é questionar a estrutura que
intelectual será capaz de exe- oferece legitimidade para este sujeito precisar existir.
cutar sozinha em seu gabinete. Partindo desta percepção, quem determinou que se
(NICHOLSON, 2000: 36). precisa de um sujeito determinado para a política
feminista? Deste modo, a tarefa é justamente formu-
Deste modo, o corpo é uma variável que deve lar no interior dessa estrutura constituída, uma crítica
ser compreendida historicamente, cujo sentido e às categorias de identidade que as estruturas jurídicas
importância são reconhecidos como potencialmente contemporâneas engendram, naturalizam e imobi-
diferentes em contextos variáveis. lizam.
Linda Nicholson propõe pensarmos a mulher A argumentação da autora, centrada em abando-
numa rede complexa de características que as nar a ideia de um sujeito definido para o feminismo
constitui e não reduzidas a um único sentido co- tem sido muitas vezes, entendida como o “fim do
mum, ou seja, o “genital”. O argumento de Nicholson feminismo”. No entanto, o que Butler propõe é se
mostra-se focado na crítica as “diferencialistas”. pensar o feminismo como um movimento em constante
transformação, ou seja, constituindo-se na con-
7
Foi através da filosofia da linguagem que defendida por tingência. Desta maneira, do mesmo modo que se
Ludwig Wittgenstein que Linda Nicholson pensou esta rede questionam as bases do feminismo, também se
complexa para se pensar a mulher em vários sentidos.

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se renova o próprio movimento. Para a autora é passa por constantes re-significações, que podem
arrogante se estipular uma base fundamental para ser contestadas a todo momento.
definir a categoria “mulheres”. Por isso, destaca o Percebemos que críticas e diálogos travados
perigo de se determinar uma base universal para entre diferentes posicionamentos feministas são
opressão feminina, sobre isto enfatiza que, frequentes. A própria Judith Butler já recebeu
críticas sobre seu posicionamento por pensar que
A urgência do feminismo no somente poderá haver transformação a partir de
sentido de conferir um status um campo que não esteja ligado às categorias
universal ao patriarcado, com homem e mulher.
vistas a fortalecer aparên- Diversos autoras (es) que refletem no campo
cia de representatividade das dos estudos feministas e estudos culturais têm
reivindicações do feminismo, procurado debater o aspecto situacional que revela
motivou ocasionalmente um a ambiguidade entre a necessidade e a impossibi-
atalho na direção de uma uni- lidade que permeia o processo de construção da
versalidade categórica e fictícia identidade (HALL, 2000).
da estrutura de dominação, tida
como responsável pela pro-
Considerações Finais
dução da experiência comum
de subjugação das mulheres.
(BUTLER, 2003: 21). Dentro de tudo que foi exposto nesse trabalho po-
demos verificar que os estudos de Michel Foucault e
Desta forma, a afirmação da identidade feminina Thomas Laqueur têm se mostrado útil para as feminis-
através de um modelo de “ser mulher” tem apre- tas (SCOTT, 1990; NICHOLSON, 1999; BUTLER,
sentado diversas contradições e incoerências fazen- 2003), pois estes autores, ao partirem de problema-
do o discurso feminista ‘diferencialista’ ser criticado tizações que o discurso médico teve ao legitimar cate-
pelas adeptas do pós-estruturalismo e Teoria Queer8. gorias historicamente construídas, mostram que
Judith Butler (1998) afirma que o uso da categoria as diferenças sobre os sexos não são e não devem ser
“mulher”, é coerente para reinvindicação política. usadas inquestionavelmente, pois suas construções
No entanto, esta categoria não é fixa, é polissêmica. permeiam poder (NICHOLSON, 2000).
A proposta da autora é esquecer as identidades O olhar treinado pode salientar aquilo que pen-
que rotulam fixando realidades numa alegoria de samos ser consideravelmente seguro para nos com-
masculino/feminino. Butler (1998) propõe pensar prometer a falar. Desta forma, escolhendo um modelo
o poder que permeia a constituição desta mulher, de análise que envolve determinada proposta temáti-
todo o processo que esta passou para hoje se tor- ca consequentemente, não desenvolveremos em nos-
na um “agente”. Neste sentido, um “sujeito viável” sa análise aquilo que o modelo escolhido não propõe
constituído pelo poder e o discurso que permeia destacar. A ocorrência disso pode ser justificada por
a sua identificação. Butler (1998) explora a ideia limitações de conhecimento, mas também por ar-
de liberdade do sujeito estar “aberto” para novos rogância ou diversos motivos que nos acomodam
enfrentamentos e realidades vigorando e re-signifi- a produzir críticas sem conhecer como o “outro”
cando sua constituição. tem se constituído, sem nos autoanalisar enquanto
Esta desconstrução permite a abertura para estar- pesquisadoras. Assim, as críticas desfocadas, muitas
mos cientes que a categoria “gênero” é histórica e vezes, são feitas visando à destruição da experiência
“do outro”. Por isso, sem justificações fundamen-
tadas, o criticar sem conhecer não contribui para a
8
Teoria Queer foi um desdobramento do gênero que ocorreu
nos anos 90, conforme Judith Butler ocorre no momento que produção de uma reflexividade consciente e ética
se começa a questionar a normatividade heterossexual e res- (SANTOS, 2007).
saltar o aspecto socialmente contingente e transformável dos
corpos e da sexualidade (Butler, 2003).

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Necessitamos ter consciência da “razão indo- ambas falam das “manhas de poder”, possuem
lente9” que nos limitou a pensar dicotomicamente preocupações centralizadas no corpo e seu caráter
excluindo uns para afirmar outros em nossas historicamente construído. E tudo que é construído,
análises. Nesse sentido contextualizar como tem pode ser mudado. Essa é a boa notícia.
sido definida a categoria mulher, como propõem as
autoras trabalhadas neste texto, contribui para refle- Referências
tirmos sobre as implicações produzidas na afirmação
de um padrão de feminilidade, muitas vezes, ana-
BUTLER, Judith. (1998). O feminismo e a questão
lisado como universal. As incoerências em afirmar
da Pós-modernidade. In: Cadernos Pagu n.11: p.11-
uma feminilidade, ou seja, um modelo de ser mulher,
42.
não negaram totalmente a biologia do corpo. Mas
BUTLER, Judith. (2003). Problemas de gênero.
utilizaram as vantagens desta para afirmar o gêne-
Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro:
ro constituído a partir da base biológica. Logo, ao
Civilização Brasileira.
utilizar desta base ao seu favor, as feministas não se
FEMENÍAS, Maria Luisa. (2003). Judith Butler:
libertaram da biologia definindo o gênero como so-
Introducción a su lectura. Buenos Aires: Catálogos,
cial (NICHOLSON, 2000).
2003..
No entanto, o feminismo “diferencialista” con-
FOUCAULT , Michel. (1980). Herculine Barbin,
tribuiu num determinado momento histórico. Diver-
Tradução (do francês para o inglês) Richard McDou-
sos intelectuais estavam dispostos a refletir sobre o
gal, New York: Pantheron.
discurso universal, o qual salientava uma universali-
GROSSI, Miriam Pillar. (1998). Identidade de
dade particular. Desta forma, o momento contempla-
gênero e sexualidade. In: Antropologia em Primeira
va, além de uma nova abordagem teórica/metodológi-
Mão, nº 26. Florianópolis: PPGAS/UFSC.
ca do conhecimento, uma política diferente pautada no
HALL, Stuart. (2000). “Quem precisa de Iden-
reconhecimento daqueles excluídos historicamente.
tidade?” In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org). Iden-
Assim sendo, foi nesta política de reconhecimento
tidades e Diferença: a perspectiva dos estudos cul-
que a diferença serviu como uma base significativa
turais. Petrópolis: Vozes.
para referenciar positivamente o sujeito que fora his-
LAQUEUR, Thomas. (1994). La construcción
toricamente sujeitado.
Del sexo: cuerpo y género desde los griegos hasta
O trabalho de desconstrução realizado por
Freud. Madrid: Cátedra.
estas teóricas tem contribuindo de diferentes
NICHOLSON, Linda. (2000). Interpretando o
formas. Joan Scott com sua teoria de gênero as-
gênero. In: Revista Estudos Feministas. Florianópo-
sociada à organização social e a noção de poder
lis, vol. 8, n.2: p. 09-41.PEDRO, Joana Maria. (2005).
mostra-se viável para trabalharmos em pesquisas
Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na
que abordem os significados que ainda permeiam
pesquisa. In: História [online]. vol 24, n 1: p. 77-98.
a distinção binária masculino/feminino historici-
RUBIN, Gayle com BUTLER, Judith. (2003).
zando estas categorias, mostrando os motivos, os
Tráfico sexual – entrevista. In: Cadernos Pagu,
interesses sobre determinada ordem estabelecida.
Campinas, n.21:,p.57.205.
Linda Nicholson e Judith Butler, embora estejam
SANTOS, Boaventura Sousa. (2007). Renovar a
refletindo e compartilhando com Joan Scott, pois
teoria crítica e reinventar a emancipação social. São
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Segundo Boaventura de Souza Santos, trata-se de um modelo de Paulo, Boimtempo.
razão limitada, preguiçosa, que se considera única, exclusi- SCAVONE, Lucila.(2008). Estudos de Gênero:
va, e que não se exercita o suficiente para poder ver a riqueza inistas. Vol. 16. n.1: p.173-185, jan-apr.,
inesgotável do mundo, pois nossas categorias são muito SCOTT, Joan Wallach. (1990). Gênero: uma cate-
reducionistas é nesta razão que temos sido treinados o pro-
goria útil de análise histórica. In: Revista Educação e
duzir conhecimentos. Para mais informações ver: SANTOS,
Boaventura Sousa. Renovar a Teoria Crítica e Reinventar a Realidade. Porto Alegre, v 16, n.2: p 5-22.
Emancipação Social. São Paulo, Boimtempo, 2007, p. 12-49. Recebido em: 10/02/2013
Aceito em: 10/06/2013

ISSN: 2316 - 5251 Revista Ártemis, Vol. XVI n 1; ago-dez, 2013. pp. 178-185 185

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