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E F E I T O E

R E C E P Ç Ã O
A INTERPRETAÇÃO DO PROCESSO
RECEPTIVO EM DUAS TRADIÇÕES
DE INVESTIGAÇÃO SOBRE OS MEDIA

Itania Maria Mota Gomes

Rio de Janeiro, 2004


A Sonia Carolina Garcia Mota e a Itamar Araújo Gomes
A Henrique Trindade
Agradeço a Wilson da Silva Gomes, orientador da tese que deu origem a
este livro, e a Adriano Duarte Rodrigues, orientador dos estudos realizados no
Centro de Estudos em Comunicação e Linguagens da Universidade Nova de
Lisboa.
Agradeço a Liv Sovik, a Monclar Valverde, a Miriam Rabelo e a Antonio Dias
Nascimento, que compuseram a banca de examinadores, cujo incentivo para
publicação e cujas observações e sugestões foram valiosos para a revisão da
tese para publicação.
À CAPES – Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior, pela bolsa de estágio doutoral no exterior, que permitiu minha esta-
dia em Lisboa por um ano, entre setembro de 1997 e setembro de 1998.
Ao Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação em Comu-
nicação e Cultura Contemporâneas da UFBA.
A André Lemos, Antonio Rodrigues, Carlos Trindade, Cláudio Gomes,
Enedina Trindade, Itamar Gomes Jr., Jeder Janotti Jr., Maria das Graças Go-
mes, Nilda Jacks, Rafaela Gomes, pelo que contribuíram, cada um a seu modo,
para a publicação deste livro.
©Itania Maria Mota Gomes / E-papers Serviços Editoriais Ltda., 2004.
Todos os direitos reservados à Itania Maria Mota Gomes / E-papers
Serviços Editoriais Ltda. É proibida a reprodução ou transmissão desta
obra, ou parte dela, por qualquer meio, sem a prévia autorização dos
editores.
Impresso no Brasil.

ISBN: 85-87922-95-5

Projeto gráfico, diagramação e Capa


Livia Krykhtine

Revisão de texto
Elisa Sankuevitz
Mario José de Oliveira

Esta publicação encontra-se à venda no site da


E-papers Serviços Editoriais.
http://www.e-papers.com.br
E-papers Serviços Editoriais Ltda.
Rua Mariz e Barros, 72, sala 202
Praça da Bandeira – Rio de Janeiro
Rio de Janeiro – Brasil
CEP 20.270-006

Gomes, Itania Maria Mota


Efeito e Recepção: a interpretação do processo receptivo em
duas tradições de investigação sobre os media / Itania Maria Mota Gomes
– Rio de Janeiro: E-Papers Serviços Editoriais, 2004.
258p.

1. Estudos de recepção 2. Estudos culturais 3. Teorias da comunicação


I. Título
CDD 302.2
Sumário

11 Introdução
19 OS ESTUDOS DOS EFEITOS
21 Efeitos Diretos e Imediatos
22 Sociedade, Cultura e Comunicação de Massa
25 A Metáfora da Agulha Hipodérmica
32 Teoria Matemática da Comunicação
41 Efeitos Limitados: Mediação, Seletividade e Reforço
42 Percepção e Cognição
43 Líderes de Opinião e Grupos Primários
48 A Seletividade dos Receptores
53 Efeitos Sociais
54 Funcionalismo
65 A Teoria Crítica
76 Efeitos da Tecnologia sobre a Sensibilidade
78 Efeitos Cognitivos
103 AS ANÁLISES DE RECEPÇÃO
107 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa
108 Cultura como Expressão dos Processos Sociais
122 Cultura como um Modo de Vida
133 Rumo a uma Crítica Marxista da Cultura de Massa
135 A Cultura como Processo Social e Material
137 Cultura e Comunicação como Práticas de Significação
151 Ideologia e Linguagem
153 Comunicação Dialógica e Multiacentualidade
158 Crítica Ideológica da Cultura de Massa
161 Análise Semiológica da Mensagem Televisiva
164 Leituras Negociadas, Hegemônicas e Opositoras
171 Os Estudos de Recepção
175 The “Nationwide” Audience
189 Da Decodificação ao Consumo Cultural
196 Estratégias de Resistência
199 Etnografia da Audiência
203 Recepção e Mediações na América Latina
221 Conclusão
241 Referências Bibliográficas
Seja qual for o ponto de onde partamos, devemos ouvir outros que
hajam partido de posições diferentes. Precisamos considerar cada ade-
são ou crença, cada valor, com a maior atenção; por não podermos
penetrar o futuro, não podemos estar certos acerca do que o enriquece-
rá; no presente, só o que podemos é ouvir e considerar tudo que se
ofereça e aproveitar o que seja possível.

Raymond Williams
Introdução

E ste livro prossegue uma inquietação que começou a se configurar em 1987,


dentro do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contempo-
râneas – ainda que o Programa, como tal, estivesse sendo apenas esboçado.
Desenvolvemos então, dentro do Curso de Especialização em Comunicação
Comunitária, um projeto de pesquisa sobre comunicação popular, projeto que
resultou na elaboração da monografia “Aspectos da Dinâmica do Jornalismo
Comunitário em Salvador: o Caso das Organizações de Bairro” (Gomes, 1989).
Naquele momento, nosso interesse pelas relações entre os media e seus
receptores se traduzia pelo questionamento sobre sua capacidade de resis-
tência: àquela época, receptores eram, para nós e para tantos outros, aqueles
que identificávamos como pertencendo às classes trabalhadoras, populares ou
oprimidas. O interesse pela comunicação popular era o interesse pelas práticas
de comunicação e de militância que pretendiam resistir à hegemonia das
classes dominantes e que representavam novas propostas de ação contra-
ideológica.
As experiências de comunicação popular ou participativa pretendiam re-
presentar atuações políticas às margens dos canais controlados. Já que o uso dos
meios de comunicação dentro de um padrão de difusão vertical e unilateral, na
quase completa ausência de acesso, participação ou autogestão por parte da
população, faria dos meios um dos mais eficazes fatores de manutenção e
estabilidade do sistema dominante, deveríamos forjar veículos gestados no
seio das camadas populares.
A utilização de veículos de comunicação (jornaizinhos, boletins, folhetos;
alto-falante, carro de som; vídeo) por parte de organizações do movimento
popular e operário, igrejas e entidades outras da sociedade civil era estratégia

Efeito e Recepção 11
para a organização e mobilização populares e democratização da comunica-
ção. Em outras palavras, buscava-se, “participação” dos “oprimidos” por meio
desses veículos alternativos, “dar voz aos oprimidos”. Daí porque a gestão e
elaboração desses meios fosse um critério definidor de seu caráter popular:
um veículo era autenticamente popular quando produzido pelas classe popu-
lares. A ênfase na participação se justificava pela crença em como somente ela
tornaria possível a bidirecionalidade,1 processo que se caracterizaria pelo fato
de que “os receptores podem ser emissores e vice-versa” (Azevedo, 1980:153).
“Participação, conscientização e mobilização” eram as palavras que definiam
tais veículos. Seus objetivos, defender os interesses das classes populares,
formar consciência crítica, promover a liberdade política, social e cultural,
ajudar no processo de transformação social, criando coesão e solidariedade.
Essa orientação, bastante representativa nos anos de 1970 e de 1980 no
Brasil, acabou por dar lugar às perspectivas da educação para a recepção.
Aliava-se à participação e à gestão de meios alternativos a formação de uma
consciência crítica em relação às mensagens dos meios massivos.
Naquela época éramos todos vítimas (quem sabe até justamente) de
um modelo dos mass media que era uma cópia daquele das relações de
poder: um emissor centralizado, com planos políticos e pedagógicos
precisos, controlado pelo Poder (econômico ou político), as mensagens
emitidas por intermédio de canais tecnológicos reconhecíveis (onda,
canais, fios, aparelhos caracterizáveis como um vídeo de cinema ou TV,
um rádio, a página de uma revista) e os destinatários, vítimas da
doutrinação ideológica. Teria bastado ensinar os destinatários a “ler”
as mensagens, a criticá-las, quem sabe se teria chegado à era da liber-
dade intelectual, da consciência crítica... (Eco, 1984:179).

Os projetos de educação para a recepção ou de leitura crítica da comunicação


procuraram superar a mera denúncia dos meios. Parte-se de uma concepção
de que os meios de comunicação, e a TV em especial, são instrumentos utiliza-
dos pelas classes dominantes em favor da manutenção da sua hegemonia e
que o seu impacto reduz o distanciamento crítico entre o emissor e o receptor.
Entretanto, considera-se que o receptor, se educado, pode vir a assumir uma
postura crítica diante destas mensagens. Procura-se, em última análise, forne-
cer subsídios para que os receptores – que às vezes vêem utilizadas como seus
sinônimos as expressões “classes trabalhadoras, classes populares” ou ainda
“classes oprimidas – ‘enfrentem’ ou ‘resistam’” à imposição ideológica e à
dominação cultural dos emissores – classes dominantes. A denúncia dos meios

12 Introdução
agora vinha acompanhada de estratégias que visavam preparar os receptores
para ler, a partir dos seus valores de classe, as mensagens massificadas. Ler
seria passar de uma consciência ingênua (a explicação simplista e ideologizada
do mundo) a uma consciência crítica, totalizante, englobadora, o que só se
daria mediante um processo educativo.
A abordagem da relação entre os media e seus públicos como auxílio da
“pedagogia”, seja ela praticada no âmbito mais definido das escolas ou no das
instituições sociais, como a família, a igreja, os sindicatos, acabou por nos levar
ao segundo trabalho de investigação realizado dentro do Programa de Pós-
graduação, agora já no nível do mestrado. Nossa pesquisa, que começou com
uma preocupação sobre a recepção televisiva infantil, mais particularmente
sobre o caráter ativo desta recepção, resultou numa dissertação que tomava a
relação entre criança e TV como pretexto para a investigação do próprio con-
ceito de recepção e do processo comunicativo (Gomes, 1995).
Nesta nossa segunda experiência de pesquisa, nos debruçamos ao mesmo
tempo sobre dados empíricos – trabalhamos com crianças na faixa etária dos
seis anos, matriculadas na série de alfabetização de três escolas de Salvador,
escolhidas pelos critérios de localização e valor da mensalidade, de modo que
nos possibilitasse o acesso a crianças pertencentes aos vários estratos socio-
econômicos – e sobre a bibliografia. No nosso entendimento, os discursos sobre
a relação entre criança e televisão revelaram uma particular incompreensão do
fenômeno da recepção. Em primeiro lugar porque lançam sobre a relação entre
a criança e a TV um olhar preconceituoso – a relação que se estabeleceria aí seria
a da “sedução dos inocentes”. A TV, ardilosa, estaria abusando da ingenuidade
da criança, que não disporia dos mecanismos para lhe opor resistência. Segundo
porque, embora a atividade da criança diante da televisão comece a ser pensa-
da, ela é tomada apenas em termos potenciais – a criança pode vir a se tornar um
receptor ativo/crítico mediante algumas estratégias pedagógicas.
Na pesquisa desenvolvida no mestrado, procuramos sustentar nossa in-
vestigação empírica no modelo teórico-metodológico que mais parecia avan-
çar na análise da recepção televisiva, pelo menos no sentido de compreender
que a televisão é muito mais que um meio técnico de comunicação, é parte vital
do cotidiano, é uma instituição social que necessita ser compreendida como
parte orgânica da sociedade e cultura contemporâneas. O “paradigma das
mediações”, uma corrente de estudos latino-americanos filiada aos Estudos
Culturais ingleses, surgiu como aquele que, de modo mais decisivo até o mo-
mento, permitia compreender o receptor como um sujeito ativo, determinado
socioculturalmente e capaz de negociar os conteúdos das mensagens televisivas.

Efeito e Recepção 13
No entanto, nesse percurso de análise dos dados empíricos e de aprofun-
damento no modelo teórico-metodológico, nos defrontamos com alguns limi-
tes do paradigma das mediações. E começamos a suspeitar que a afirmação da
recepção ativa, seja do receptor infantil ou não, já não era suficiente para dar
conta da compreensão do processo comunicativo.
Este livro deve ser entendido como prosseguimento dessas inquietações
anteriores sobre a capacidade de resistência dos receptores e sobre o caráter
ativo da recepção. Mas, se aqueles trabalhos se realizaram sobre uma base de
dados empíricos, neste momento pretendemos uma abordagem especulativa.
Do mesmo modo, se nosso compromisso político-ideológico com o oprimido, o
indefeso, o outro na relação comunicativa estava na origem de nossas formula-
ções, nosso compromisso agora seria melhor situado no âmbito das nossas atri-
buições docentes e, portanto, no contorno do nosso comprometimento com a
investigação em comunicação.
No campo dos estudos da comunicação, os modelos teóricos e metodológi-
cos de análise das relações que se estabelecem entre os meios e os receptores
se configuram numa pilhagem de enfoques advindos de diversas fontes e
matrizes conceituais. A depender do enfoque e do período histórico do desen-
volvimento da comunicação como disciplina, a ênfase pode recair sobre a audiên-
cia, os efeitos ou a recepção.
Alguns autores (cf. Jensen & Rosengren, 1997), sobretudo os de língua
inglesa, se referem de modo mais genérico a “estudos de audiência” para
remeter à globalidade das abordagens sobre meios e receptores (sob essa
chave estariam indiscriminadamente tanto os estudos dos efeitos, a corrente
dos usos e gratificações, as investigações oriundas dos estudos culturais, as
investigações empíricas qualitativas, as análises literárias do papel do leitor e
da interpretação, a estética da recepção). Isto parece advir do fato de que em
inglês o termo audience remeteria igualmente à relação entre os meios e seus
públicos e ao público em si mesmo. No Brasil, “audiência” remete, antes, a uma
concepção empírica do público dos meios.
Consideraremos aqui, então, como Pesquisa de Audiência aquelas investi-
gações que procuram dar conta, quase sempre de modo quantitativo, de quem
são as pessoas que ouvem, assistem ou lêem um determinado veículo ou pro-
grama. Consideraremos ainda sob esta chave as investigações que procuram
classificar esta audiência segundo determinados critérios sociológicos, como
idade, sexo, profissão, classe social, religião; tamanho e composição da família;
região geográfica. Estes critérios podem ser ampliados e diversificados, e in-
cluir, por exemplo, a quantidade de horas de exposição dedicadas a determi-

14 Introdução
nado veículo, como à TV; ou o modo preferencial de lazer adotado, tipo de
moradia, quantidade de aparelhos de TV em casa, hábitos de consumo; grau
de participação social ou de interesse em assuntos públicos. A abordagem
estatística dos receptores é sua principal característica.
Os levantamentos estatísticos da audiência pertencem de modo mais claro ao
âmbito das pesquisas de mercado e raramente aparecem isolados nas investiga-
ções sobre a comunicação. Como o nosso interesse aqui recai na tentativa de
compreender os modelos de análise das relações entre os meios e os receptores,
centraremos nossa atenção sobre os estudos dos efeitos ou da recepção, adotan-
do o uso do termo “audiência” apenas quando for necessário fazer referência ao
caráter meramente empírico de identificação dos receptores.
São Estudos dos Efeitos aqueles que procuram medir o impacto que os
meios de comunicação têm sobre a audiência, em geral procurando classificar
o poder dos meios em termos de minimal effects ou maximal effects. Estes
efeitos podem ser descritos como diretos ou indiretos, limitados ou irrestritos,
efetivados a curto ou a longo prazo. Podem ser efeitos sobre o voto ou os
hábitos de consumo, sobre os comportamentos, as opiniões e as atitudes, so-
bre a sexualidade ou sobre a violência, sobre a formação da opinião, sobre a
aquisição dos conhecimentos, sobre a construção da realidade. Podem incidir
sobre os indivíduos, os agrupamentos sociais ou o sistema social. Em geral,
pode-se dizer que tais estudos são guiados pela pergunta: o que os meios de
comunicação fazem às pessoas?
Efeito, no nosso entendimento, é o conjunto das conseqüências resultantes
da presença dos media nas sociedades contemporâneas. Em geral, enquanto
conseqüência da atividade comunicativa, os efeitos pressupõem a finalização
do processo de comunicação. Considerar os “efeitos” implica conceber o pro-
cesso comunicativo como a produção e a transmissão de um estímulo comuni-
cativo (em geral, de uma mensagem dotada de um conteúdo estrategicamente
orientado) realizadas por um emissor, dotado de intenções e objetivos, e a
produção de um impacto num determinado público.
Podem ser delineados três grandes parâmetros de compreensão dos efei-
tos, parâmetros que estão sendo tratados na Parte I deste livro, configurando
seus três primeiros capítulos:
a. Uma orientação inicial, voltada para a consideração dos meios de comuni-
cação de massa como causa necessária e suficiente para a consecução dos
efeitos, entendidos esses como a mudança de opinião ou a determinação
da conduta. O efeito é uma decorrência direta e imediata das intenções do
emissor e de sua competência para elaborar as mensagens. Forma de

Efeito e Recepção 15
compreensão própria da hipótese hipodérmica, marcada pelo conceito de
“massa” e apoiada em postulados da psicologia behaviorista.
b. A consideração dos media como causa necessária, mas não suficiente, para a
consecução de efeitos, enquanto tomada de decisão ou conversão de conduta
– ênfase nos comportamentos de consumo e de voto. Pode-se nomear este
período como dos efeitos limitados, posto que considera os efeitos como
reforço de atitudes prévias. Os efeitos dependem menos das intenções dos
emissores que das características cognitivas, sociais ou culturais da audiên-
cia, características que implicam exposição, atenção e memorização seletivas
por parte dos indivíduos receptores. O poder dos meios é então considerado
muito limitado em face das outras fontes de influência, como a influência
pessoal, a liderança de opinião ou a própria personalidade de cada membro
da audiência, o que limita a ação persuasiva dos media.
c. Postula-se a hipótese de que os media produzem fortes efeitos, mas estes
se exercem não mais sobre os indivíduos considerados isoladamente, mas
sobre a sociedade e, como tal, não podem ser considerados numa perspec-
tiva de curto prazo. São os efeitos sociais a longo prazo que detêm a aten-
ção. Investigam-se efeitos cognitivos (que se exercem sobre a formação do
patrimônio cognitivo, cultural e social dos receptores) e cumulativos, liga-
dos a uma exposição cotidiana e permanente aos media.
Os Estudos de Recepção, tratados na Parte II, caracterizam-se por procurar
entender o lugar do receptor no processo comunicativo a partir da perspectiva
da sua atividade e, portanto, negando as concepções que o entendem passivo,
já que condicionado por um esquema linear de comunicação. Não necessaria-
mente quantificam ou tipificam as audiências, embora possam recorrer a esta
estratégia com fins metodológicos; não necessariamente se preocupam com o
poder dos meios sobre as pessoas. Definem-se antes como aqueles estudos
que procuram dar conta da “relação” entre os meios e os receptores a partir da
negação de que essa relação seja de mero “efeito de uns sobre os outros”.
Estamos considerando, para esta tipologia, os estudos realizados no âm-
bito do que se considera tradicionalmente como Estudos da Comunicação.
Não são considerados aqui, por exemplo, investigações desenvolvidas no
domínio da estética literária, marcadamente por Hans Robert Jauss e Wolfgang
Iser que, respectivamente, se reivindicam como sendo estudos de recepção
ou dos efeitos.
Deve-se à teoria matemática da comunicação, senão a idéia de que há um
“receptor” e um processo de “recepção”, o próprio vocabulário que a institui.

16 Introdução
Embora, neste caso, tenha havido uma extensão de uso dos termos. Receptor,
no modelo matemático, indica o aparelho técnico (como Weaver dizia ser, no
caso humano, “o ouvido, com o oitavo nervo”) que possibilita a decodificação
dos sinais, e “destinatário” é aquele a quem a mensagem se destina. A partir
daí, no entanto, no âmbito dos estudos de comunicação, receptor e destinatá-
rio são usados como termos sinônimos e se referem não ao aparelho técnico,
mas ao destinatário, usuário ou consumidor dos media – ouvinte, leitor,
telespectador. Receptor hoje é um conceito geral que designa qualquer indiví-
duo humano na situação específica em que participa de um processo comuni-
cativo. Enquanto indivíduo, ele participa do processo de comunicação não só
com seu cérebro e ouvido, mas com todos os seus sentidos, características de
personalidade, seu inconsciente, suas experiências anteriores, sua cultura.
“Recepção”, por sua vez, que para a teoria da informação significa “decodi-
ficação” stricto sensu, tem assumido uma acepção cada vez mais ampla, signifi-
cando, a depender da corrente de investigação que o adote, desde o uso ou
consumo dos meios de comunicação de massa até os processos gerais de produ-
ção de sentido. Entre aqueles que têm se dedicado à investigação da recepção,
pretende-se que ela seja não mais uma etapa do processo de comunicação, mas
um lugar novo no qual o processo comunicativo deve ser repensado. Nestes
termos, pensar a “recepção” significaria explodir o modelo informacional.
Ao mapear entre as principais correntes de investigação sobre os media o modo
como o problema dos efeitos ou da recepção tem sido pensado, acabamos por
postular que, sob alguns aspectos, não se avançou muito na compreensão do
processo receptivo. Neste sentido, a intuição mais promissora parece estar mesmo
no âmbito dos Estudos Culturais, no seu modo de procurar entender a experiência
cultural contemporânea, configurada pela presença dos meios de comunicação de
massa, na perspectiva das contribuições da semiótica. Entretanto, essa intuição se
perde nas análises de recepção levadas a cabo, na medida em que elas se consti-
tuem, no mais das vezes, discursos sobre as características e condições pertinentes
ao modo como os sujeitos empíricos compreendem, fruem, interpretam, absorvem
as mensagens produzidas na escala da comunicação mediática. De algum modo, e
por mais sofisticadas que sejam tais análises, elas acabam por subsumir a investi-
gação da recepção às investigações empíricas qualitativas de audiência.
Não há dúvida de que o modelo de análise da recepção desenvolvido no
âmbito dos Estudos Culturais serve a uma sociologia da recepção. Entretanto,
há que se perguntar qual é, a rigor, a importância dos atores sociais “de carne
e osso” para a compreensão do processo receptivo. O que é possível extrair de
substancial das pesquisas empíricas – ainda que qualitativas – a não ser fato-

Efeito e Recepção 17
res circunstancialmente limitados a uma audiência empírica e pontualmente
investigada? Na medida em que o principal interesse esteja em saber como se
dá o processo de recepção, em que medida os estudos de recepção devem
guiar-se pela pergunta sobre quem é a audiência? Ou melhor, em que medida
conhecer a audiência implica compreender o processo de recepção?
Não afirmamos que a pesquisa empírica não tenha dado suas contribui-
ções para o entendimento do processo receptivo, nem sequer postulamos que
se possa compreender o processo receptivo exclusivamente a partir da análise
do texto, mas propomos levar às últimas conseqüências a análise de quais têm
sido ou quais ainda podem vir a ser as contribuições da pesquisa empírica
qualitativa de audiência para a compreensão da recepção. Neste sentido, ten-
demos a acreditar que a pesquisa empírica qualitativa de audiência tem se
mostrado muito útil como estratégia para a abordagem de outras questões
referentes às relações entre Comunicação, Cultura e Sociedade, tais como a
sociabilidade, as configurações da política, a organização do tempo e do espa-
ço, as relações entre cultura global e cultura local, as representações sociais e
o problema das identidades. Mas tem nos deixado desamparados quando se
trata de explicar o que é mesmo recepção?
Não é de interesse deste livro formular um tratado geral das teorias da
recepção – até porque não podemos, a rigor, falar em uma Teoria da Recepção,
mas sim numa pilhagem de enfoques advindos de diversas fontes e matrizes
conceituais. Não é nossa pretensão, também, construir uma nova Teoria da
Recepção (teoria esta que deveria incorporar todas as contribuições para uma
síntese perfeita). É por esse motivo que adotamos o procedimento de investigar
alguns autores que são mais representativos no esforço de sistematizar uma
abordagem sobre o fenômeno da relação entre media e receptores, mesmo que
não esgotemos suas idéias e suas obras (usaremos suas idéias como metáforas
que sistematizam um certo procedimento intelectual de tratamento do tema).
Deste modo, acreditamos que este livro tem seu principal valor na questão
que ele coloca, ainda que não tenhamos reunido as condições para respondê-la.
Este trabalho se configura mais claramente como o local de exposição de um
problema, exigindo desenvolvimentos posteriores para buscar as suas soluções.

Nota
1. Segundo PAVELKA, 1979:43, a principal característica dos meios alternativos seria possibilitar um processo
de comunicação bidirecional.

18 Introdução
Parte 1
Os Estudos dos Efeitos

S ão aqui denominados Estudos dos Efeitos aqueles que procuram medir o


impacto que os meios de comunicação têm sobre a audiência, de modo a
classificar o poder dos meios em termos de minimal effects ou maximal effects.
Estes efeitos são eventualmente descritos como diretos ou indiretos, limitados
ou irrestritos, realizados a curto ou a longo prazo. Podem ser efeitos sobre o
voto ou os hábitos de consumo, sobre os comportamentos, as opiniões e as
atitudes, sobre a sexualidade ou sobre a violência, sobre a formação da opi-
nião, sobre a aquisição dos conhecimentos, sobre a construção da realidade.
Podem estar centrados nos indivíduos, nos agrupamentos sociais ou no siste-
ma social. Em geral, tais estudos são guiados pela pergunta: o que os meios de
comunicação fazem às pessoas? A expressão meios de comunicação, neste caso,
refere-se tanto aos suportes técnicos usados na comunicação (as característi-
cas específicas do rádio, da TV, do cinema, das revistas) quanto pode ser uma
metáfora para tratar das mensagens que por eles são veiculadas.
Enquanto conseqüência da atividade comunicativa, os efeitos pressupõem
a finalização do processo de comunicação. Considerar os “efeitos” quase sem-
pre implica conceber o processo comunicativo como a produção e a transmis-
são de um estímulo comunicativo (em geral, de uma mensagem dotada de um
conteúdo estrategicamente orientado) realizadas por um emissor dotado de
intenções e objetivos, e a produção de um impacto num determinado público.
Nos próximos capítulos, procuraremos apresentar o modo como alguns
autores e correntes de investigação trataram da influência dos media, basea-
dos em paradigmas psicológicos, sociológicos e antropológicos. Nosso objetivo
é mostrar as conseqüências de se pensar em termos de “efeito” a relação entre
os meios de comunicação e seus públicos.

Efeito e Recepção 19
Capítulo 1
Efeitos Diretos e Imediatos

O primeiro ciclo de estudos sobre os efeitos, que vai até meados dos anos de
1940, é marcado pela metáfora da agulha hipodérmica e pelo modelo matemá-
tico da comunicação. É um período caracterizado por um conjunto de suposi-
ções, referentes tanto à organização da sociedade quanto às características
psicológicas dos indivíduos, vindas da psicologia e da sociologia clássicas.
Massificação, isolamento social, anomia, sugestionabilidade, hipnose e imitação
são alguns dos conceitos básicos absorvidos das ciências sociais e aplicados ao
estudo da comunicação.
Esse período, que tem suas origens embrionárias na tipologia dos leitores
dos folhetins e romances, ainda no século XIX, mas que condensa maior volu-
me de investigações em torno do cinema e do rádio já no século XX, vai aos
poucos consolidando uma visão do processo comunicativo como o movimento
de uma mensagem do comunicador à audiência. O que sobressai desse pri-
meiro ciclo é uma visão linear, fragmentada e mecanicista da comunicação,
visão que ressalta a) a separação entre emissores e receptores, pólos opostos
do processo comunicativo, pólos que definem uma origem e um fim; e, portan-
to, b) uma visão teleológica do processo comunicativo; c) a onipotência do
emissor; d) a passividade do receptor; e) a mensagem como algo material e
objetivo, que independe do emissor tanto quanto do receptor; f) os efeitos
como sendo diretos e imediatos.
O método de investigação prioritário será a análise de conteúdo, já que se
entende que há uma relação direta entre as mensagens veiculadas e os efei-
tos. As análises de conteúdo têm posteriormente suas conclusões extrapoladas
para o âmbito dos efeitos e já trazem implicitamente a concepção do receptor
como tabula rasa. Nesse período, os estudiosos estão preocupados com o fato

Efeito e Recepção 21
de que boa parte da vida do homem é parcial ou totalmente ocupada com
mensagens disseminadas pelos meios de comunicação de massa. A preocupa-
ção com a mensagem, com o conteúdo, é justificada porque ela seria o locus
onde habita o poder dos media.

Sociedade, Cultura e Comunicação de Massa


A origem dos discursos sobre a “cultura de massa” situa-se nas teorias sociais
elaboradas na segunda metade do século XIX, teorias que interpretam em
termos de “sociedade de massa” as transformações sociais ligadas à industria-
lização rápida da Europa Ocidental capitalista. Se, no período que vai de mea-
dos do século XVIII a meados do século XIX, o capitalismo teve seu período de
gestação e consolidação, a partir daí o que se verifica é a sua forte expansão,
com conseqüências como a acumulação de capital; a ampliação do tempo livre;
a reordenação da economia rural e formação de excedente populacional cam-
ponês; a conseqüente migração para os centros urbanos; o estabelecimento
definitivo de uma classe burguesa; a revolução dos transportes e do comércio.
Nesse sentido, a Revolução Industrial não nos remete apenas a transformações
no sistema econômico, mas, aliada às idéias de liberdade e igualdade advindas
da Revolução Francesa, implica profundas reviravoltas nas esferas institucio-
nal, cultural, política e social.
As mesmas transformações que fizeram emergir uma sociedade e uma
cultura de massa contribuem para o surgimento de uma ciência sobre o social,
a que Auguste Comte1 dará o nome de Sociologia. Está já em Comte o diagnós-
tico de que a segmentação das relações sociais e o enfraquecimento dos gru-
pos primários provocavam o isolamento social e a alienação dos indivíduos em
conjuntos sociais cada vez mais amplos. A industrialização e a urbanização
mereceram a atenção de vários pensadores, que analisam em termos de
contraposição e de dicotomias o avanço da sociedade complexa como forma
social própria do capitalismo industrial. De Ferdinand Tönnies nos vem a dis-
tinção entre Gemeinschaft e Gesellschaft (comunidade2 e sociedade). Henry
Maine, do campo da antropologia jurídica, compara as sociedades tradicionais
às modernas, destacando a transição do estatuto ao contrato social. Max Weber
nos fala da passagem de uma autoridade tradicional a uma autoridade legal-
racional. Émile Durkheim estabelece, com fins metodológicos, a distinção en-
tre solidariedade mecânica e solidariedade orgânica.3
O conceito de “massa” que serve de pressuposto às teorias da comunicação
dos primeiros tempos pode ser melhor compreendido na tradição de autores
como Gustave Le Bon (Psychologie des foules), Henry Fournial (Essai sur la

22 Efeitos Diretos e Imediatos


psychologie des foules), Scipio Sighele (Folla delinquente) e, embora com muito
mais matizes, Gabriel Tarde (Lois de l’imitation; L’Opinion et la Foule; Les crimes
des foules). Ao formular uma “psicologia das multidões”, todos subscrevem, de
modo mais ou menos sutil, uma visão manipulatória da sociedade e demarcam
de modo definitivo o problema da sugestionabilidade, tão recorrente nos estu-
dos dos efeitos. A multidão4 é descrita como um ajuntamento social onde há os
que arrastam e os que são arrastados, hipnotizadores e hipnotizados. Só a
“sugestão” explica que os últimos sigam os primeiros. As novas formas de
sugestão que os órgãos de imprensa representam são largamente tratadas na
segunda edição do livro Folla delinquente, de 1901, em que o jornalista é descri-
to por S. Sighele como aquele que arrasta e os seus leitores como o “gesso
úmido em que a sua mão imprime a marca” (apud Mattelart & Mattelart,
1997:18).5
Gabriel Tarde descreve a multidão como um organismo momentâneo, es-
pontâneo, inferior, infantil, louco e feminino. Uma besta impulsiva e maníaca,
refém de seus instintos, un ver monstrueux (Tarde, 1993:287).6 Se, aqui, a
energia e a vontade cumprem uma função mais crucial que a capacidade e o
vigor da inteligência, a associação com o louco, com a mulher ou com a criança
é inevitável. Para Tarde, é possível verificar nas multidões as mesmas caracte-
rísticas de seus pacientes nos hospícios: “hipertrofia do orgulho, intolerância,
imoderações em tudo” (Idem, 1992a:71).7 Ele também recorre a Fournial, quando
este afirma que a multidão tem qualquer coisa de infantil, de pueril em seus
atos e em sua cólera. Face ao seu poder de sedução, a articulação com a dimen-
são feminina e a pulsão sexual são inevitáveis. A massa é descrita como
envolvente, fascinante, ardilosa. Tarde é explícito:
É possível que ela se ligue, por um laço invisível, à sexualidade. E, de
fato, quando as mulheres intervêm nas multidões, nas seitas mesmo, e
quando elas concorrem para o adestramento operado por seus guias, os
efeitos dessa aliança são invencíveis (Idem.1993: 290).8

Tarde, Sighele e Fournial estão preocupados em estabelecer em que


medida a alienação de um indivíduo contaminado por uma multidão crimi-
nosa pode atenuar sua responsabilidade. Daí porque irão afirmar que uma
composição social freqüentemente difere bastante de seus elementos indivi-
duais e não é simplesmente uma soma. Partindo do suposto de que “...é certo
que moralmente e intelectualmente os homens por atacado valem menos do
que a varejo” (Ibidem, 288), tais autores irão postular que o indivíduo é
superior à massa. A generosidade ou a grandeza de um objetivo perseguido

Efeito e Recepção 23
pelos indivíduos que se agregam numa massa não impede a pronta degra-
dação de sua moralidade e a atrocidade de suas condutas assim que se
metem a agir coletivamente (cf. Ibidem, 286). A massa depreda os valores
morais individuais.
O que está em jogo é a defesa de um indivíduo ideal construído pelo libera-
lismo,9 um indivíduo muito específico – racional, autoconsciente, moralmente
autônomo, não dogmático, trabalhador, sincero e honesto – em contraposição a
todas as características atribuídas à idéia de massa – irracional, inconsciente,
dependente, fanática. Contágio, sugestão, alucinação transformam os indivíduos,
considerados na multidão, em autômatos, em sonâmbulos.
“A sociedade é a imitação, e a imitação é uma espécie de sonambulismo”
(Ibidem, 283). O conceito de imitação, decisivo no pensamento de Tarde, será
em grande parte responsável por uma interpretação das massas como passi-
vas. A massa se constitui pela simpatia, “fonte da imitação e princípio vital dos
corpos sociais” (Ibidem, 285). É verdade que Tarde afirma que, nas massas, a
imitação se dá no seu modo mais elementar e menos elevado (cf. Ibidem, 288).
Mas é verdade também que Tarde deu uma interpretação muito ativa a esse
conceito, formulando-o numa perspectiva dialética entre invenção e imitação.
Mas não foi nesse sentido que ele foi depois interpretado e apropriado.
Num texto posterior, de 1898, Tarde faz uma espécie de mea culpa e reco-
nhece a contribuição das multidões, pelo menos de um certo tipo delas, para a
paz e a união social. Ele afirma:
As multidões estão longe de merecer, em seu conjunto, o mal que lhe
atribuíram e que eu mesmo eventualmente apontei. Se pusermos na
balança a obra cotidiana e universal das multidões de amor, sobretudo
das multidões de festa, junto com a obra intermitente e localizada das
multidões de ódio, será preciso reconhecer com toda a imparcialidade
que as primeiras contribuíram muito mais para tecer e estreitar os
vínculos sociais do que as segundas para dilacerar em alguns pontos
esse tecido (Idem.1992a:64).

Tarde será um autor fundamental para a sociologia empírica norte-ameri-


cana. Paul Lazarsfeld e Elihu Katz irão reconhecê-lo como um precursor, so-
bretudo a partir de seus ensaios sobre a opinião pública e a conversação. Em
seus últimos escritos, Tarde aproxima-se mais das discussões sobre a opinião
pública, prevê que a sociedade está entrando na ‘era dos públicos’ e reivindica
que se considere a possibilidade de que um indivíduo possa fazer parte de
vários públicos ao mesmo tempo.10 Entretanto, as noções de sugestão e de

24 Efeitos Diretos e Imediatos


sugestionabilidade continuam a ter grande influência sobre seu pensamento.
Mais recentemente, Elihu Katz tem proposto um novo paradigma de investi-
gação da comunicação a partir de uma outra noção cara a Gabriel Tarde: a
conversação.11 Mas a esse ponto retornaremos adiante.
Por ora, interessa-nos ressaltar que o conceito de cultura de massa nasce
no momento em que a presença das massas se torna o fenômeno mais eviden-
te de um contexto histórico e torna-se o sinal de uma queda irrecuperável,
ante a qual o homem culto apavora-se. As massas surgem como uma ameaça
real ou potencial para a sociedade no seu conjunto. É esta ameaça implícita
que irá justificar os dispositivos de controle estatísticos que estão na origem
dos estudos de efeitos. “Cultura de massa é um termo denegridor” (Ang,
1997:407), que sempre estimula associações negativas. Embora seja um con-
ceito genérico, ambíguo e impróprio (cf. Eco, 1990:08), nem por isso é menos
ilustre, pois tanto a sociologia americana quanto a européia a ele recorreram
para falar de uma cultura que surge como conseqüência da ampliação do
tempo livre e do enriquecimento das classes trabalhadoras; que implica a
produção maciça de bens culturais e o nivelamento dos critérios estéticos a um
padrão mediano.
O termo ‘cultura de massa’ será usado para designar ‘produtos cultu-
rais manufaturados somente para um mercado de massa’. Característi-
cas associadas mas não intrínsecas à definição são a ‘estandardização’
do produto e o ‘comportamento de massa’ no seu uso. A cultura de
massa tende à estandardização porque almeja agradar ao gosto médio
de uma audiência indiferenciada” (Wilensky, 1987: 262).12

Somente nos anos de 1970 o conceito de sociedade de massa perde o esta-


tuto de exclusividade: sociedade global, sociedade transparente surgem como
novas denominações para caracterizar a sociedade das tecnologias da infor-
mação e da comunicação. Mas essas novas denominações implicam também
novas concepções acerca de sociedade e da comunicação. Até lá, embora o
conceito de “massa” venha a ser seguidamente problematizado, seu uso será
corrente nos escritos sobre a comunicação.

A Metáfora da Agulha Hipodérmica


Pode-se dizer que os estudos sobre os efeitos surgem em sua forma embrioná-
ria contra o romance, primeira evidência de que uma cultura comercial estava
a emergir. Queenie Leavis, em seu relato condenatório dos romances de ficção,
como Tarzan, de Edgar Rice Burroughs, apresentava a imagem de um mem-

Efeito e Recepção 25
bro típico do leitor dessa ficção: esse modelo típico de leitores procurava fanta-
sias que oferecessem a excitação, a ação e a satisfação que eram impossíveis de
se encontrar no ambiente alienante do trabalho e do espaço doméstico urba-
no. Homem e mulher típicos queriam urgentemente viver as suas fantasias
emocionais à custa do romancista porque a vida urbana e industrial moderna
os havia desligado das crenças e linguagens dos seus antepassados rurais.
Isso os afastou do trabalho criativo, deixando-os sem comunidade, na aridez
das suas fábricas e alojamentos pobres (cf. Inglis, 1993:52).
Frank Raymond Leavis, seu marido, segue o mesmo caminho e sugere que
os modernos sistemas mediáticos estão contaminados pela mentira e decep-
ção. Nesse sentido, as pessoas não poderiam mais ser apenas naturalmente
formadas para a sua própria cultura, deveriam ser formadas contra ela (cf.
Ibidem, 55). Culture and Environment, escrito em parceria com Denys Thompson
e publicado em 1933, desenvolvia, a rigor, além de uma cruel denúncia da
baixa qualidade dos bens culturais da época, um método prático para treinar
os ingleses contra “aquela deliberada exploração da vulgaridade de reações
que caracteriza a nossa civilização”, um método de ensino que foi largamente
aplicado na educação formal inglesa.13 F. R. Leavis terá grande influência sobre
Raymond Williams e Richard Hoggart, fundadores dos cultural studies.
Embora desde finais do século XIX, nos Estados Unidos e na Inglaterra,
surja a tipologia dos leitores, a tradição de investigação sobre os efeitos, que
irá impor uma fisionomia própria à investigação da comunicação, sobretudo
no seu viés norte-americano, só se solidifica no início do século, nos anos que
antecederam a Primeira Guerra Mundial, e está relacionada a um período de
reformas sociais e de preocupação da sociedade civil e de organismos gover-
namentais com a influência dos meios de comunicação sobre as crianças e os
jovens. Os estudos dos efeitos têm início quando as agências governamentais
e a sociedade civil começam a querer saber o que faz com que as pessoas se
desviem dos seus deveres. Ou, em outra mão, se os meios influenciam uma
conduta desviante. Os principais alvos das investigações eram então o cinema
e, pouco mais tarde, o rádio.
É corrente, no campo teórico da comunicação, associar-se os estudos da
primeira fase de investigação sobre os efeitos, compreendida entre o início do
século e meados dos anos de 1940 (até a Segunda Guerra), à metáfora da
“agulha hipodérmica”.14 Segundo essa metáfora, os media “injetam” seus con-
teúdos diretamente em cada membro da audiência. Ela implica a assunção de
que, tal como nas aplicações subcutâneas, a absorção (dos conteúdos e mensa-
gens veiculados pelos meios de comunicação) se dá de modo rápido, instantâ-

26 Efeitos Diretos e Imediatos


neo, e o efeito se verifica de modo quase imediato. Em geral, supunha-se que
cada indivíduo era diretamente atingido pelas mensagens midiáticas.
Apoiados no conceito de massa, os primeiros estudos não levavam em
consideração as diferenças que caracterizam cada meio de comunicação em
particular ou, menos ainda, as diferenças estruturais, sociais e culturais que
incidem sobre os indivíduos porque, nesta concepção, a massa mesmo signifi-
cava uma anulação das singularidades e a evidência do sucesso da homoge-
neização social. O isolamento físico do indivíduo na massa é o fator que explica
o realce que a tradição hipodérmica atribui às capacidades dos meios: os exem-
plos da propaganda de massa nazista e do período da guerra mundial consti-
tuiriam provas irrefutáveis.
Caracterizar o público dos meios de comunicação de massa como “massa”
é o pressuposto fundamental da problemática dos efeitos diretos – serve-lhe
como uma espécie de pré-requisito.15 Mas além da noção de “massa”, a metá-
fora da agulha hipodérmica, em geral considerada como a primeira tradição
de análise dos meios de comunicação,16 adota outros pré-requisitos, como a
hipnose, os reflexos condicionados e o behaviorismo, noções e hipóteses de
trabalho advindas de vários campos das ciências e que, de modo mais ou
menos explícito, conformavam uma noção geral acerca da presença dos meios
de comunicação na sociedade.
Da hipnose, prática já observada em antigos rituais religiosos, adota-se a
acepção popularizada pela terapêutica médica e psicológica do século XVIII: a
hipnose é um estado de hipersugestionabilidade e o indivíduo hipnotizado se
torna como que um autômato, passivo e subserviente, com as ações e percep-
ções controladas pelo hipnotizador. Os estudos de Jean-Martin Charcot sobre
a histeria, sobretudo a noção de que apenas os histéricos eram hipnotizáveis,
têm uma decisiva influência.
O behaviorismo é uma teoria geral do comportamento e da aprendizagem
desenvolvida, entre outros, por Ivan Petrovitch Pavlov, fisiologista russo (1849-
1936), ainda que não levasse esse nome – Pavlov referia-se à reflexologia. Suas
experiências laboratoriais de condicionamento de animais, a publicação do
livro Reflexos Condicionados (Pavlov, 1972),17 em 1926, e a tentativa de estender
suas conclusões sobre o condicionamento animal ao âmbito da psiquiatria
clínica vão inspirar o desenvolvimento da psicologia experimental. Burrhus
Frederic Skinner (1978; 1982; 1989), outro importante psicólogo americano
ligado ao condutivismo, destacou-se por ressaltar a influência do ambiente
como estímulo que provoca respostas individuais. Mas é John B. Watson (1930;
1945), psicólogo norte-americano (1878-1958), que se destacará como um dos

Efeito e Recepção 27
fundadores da psicologia do comportamento. Segundo sua concepção, o psicó-
logo deve estar atento única e exclusivamente às reações verificáveis de um
homem ou animal diante de um estímulo externo.
Como uma contestação ao subjetivismo próprio da psicologia do início do
século XX, que se interessava pelos estados da alma e pelas vivências e impres-
sões pessoais, o behaviorismo punha ênfase na observação empírica do com-
portamento, ou da conduta, em detrimento dos processos mentais. As princi-
pais características do behaviorismo é sua referência ao “indivíduo” e a opção
metodológica pela observação controlada, inclusive com experimentos reali-
zados em laboratório. O behaviorismo produziu uma série de leis gerais sobre
a conduta individual humana e seu modelo de estímulo-resposta tem servido
de base para as investigações sobre os efeitos dos media sobre as audiências.
A hipótese hipodérmica pode, de fato, ser melhor compreendida dentro de
uma teoria da ação elaborada pela psicologia behaviorista. A idéia de que
todos os comportamentos humanos podem ser descritos em termos de Estí-
mulo e Resposta veio a fornecer o suporte em que se apoiavam as convicções
acerca da instantaneidade e da inevitabilidade dos efeitos dos meios de comu-
nicação de massa. Nesse caso, a definição de sociedade de massa apenas irá
contribuir para acentuar a simplicidade do modelo E-R.
Tinha-se a consciência de que esse modelo era uma abstração analítica e de
que procurar cada uma das respostas aos estímulos era essencialmente um
expediente prático-metodológico, assim como se reconhecia o caráter com-
plexo do estímulo e a heterogeneidade da resposta. Efetivamente, para
definir a amplitude e a qualidade desta última são decisivos, por um lado,
o contexto em que se verifica o estímulo e, por outro, as experiências ante-
riores dos sujeitos... Todavia, esses dois fatores foram precisamente ‘trata-
dos’ pela teoria da sociedade de massa de modo a acentuarem a instanta-
neidade, a mecanicidade e a amplitude dos efeitos (Wolf, 1994a:25).

O efeito, visto como a resposta instantânea da audiência a uma mensagem


recebida (estímulo), não passa de um reflexo condicionado à mensagem, com-
preensão que instala, no âmbito dos estudos de comunicação, a idéia de um
controle e dominação absolutos por parte do emissor, aquele que provoca a
mensagem. O receptor é passivo, dir-se-ia em estado hipnótico, extremamen-
te influenciável. A massa é mole, maleável.... (cf. Sfez, 1991:51).
Segundo Mauro Wolf (1994a:27), são premissas deste modelo teórico: 1)
a consideração de que os processos comunicativos são assimétricos, sendo
os emissores ativos e a massa dos receptores passiva, que apenas reage

28 Efeitos Diretos e Imediatos


aos estímulos; 2) a comunicação é sempre fruto da “intenção de um emis-
sor” que visa a atingir determinados objetivos. Os efeitos têm relação dire-
ta com as mensagens veiculadas, daí que a análise de conteúdo será toma-
da como método de investigação capaz de identificar os objetivos de mani-
pulação; 3) ser emissor ou ser receptor “independe das relações sociais,
situacionais, contextuais e culturais” em que os processos comunicativos
são realizados.

Uma Não-tradição de Pesquisa


Há uma tendência recente em considerar que a hipótese hipodérmica consti-
tui uma tradição de investigação que nunca existiu enquanto tal (cf. Wolf,
1994b; Defleur & Ball-Rokeach, 1993). A hipótese hipodérmica seria melhor
definida como manifestação de uma atitude mental difundida sobretudo no
campo da imprensa, da literatura ou da opinião pública, mas quase nunca em
investigações sistemáticas do período.
Como prova disso, estariam, por exemplo, os estudos de Hadley Cantril e
do Payne Fund Studies, que já em 1933 consideravam os efeitos do cinema
sobre os adolescentes. Além de elencar vários tipos de efeitos – influências nos
estados emocionais, nas atitudes e nos conhecimentos de uma ampla gama de
temas, ou efeitos consistentes em alterações fisiológicas, como insônia, ou in-
fluências no rendimento escolar, no comportamento agressivo ou desviante,
nas orientações gerais e nos esquemas vitais das pessoas analisadas – os
trabalhos ressaltam o papel de uma série de
variáveis que contam na dinâmica do processo de influência: variáveis
cognitivas (relativas, por exemplo, ao grau de aprendizagem de infor-
mações em relação ao nível escolar, à classe de conteúdo, às diferentes
idades dos sujeitos), variáveis vinculadas às modalidades no uso do
meio por parte dos jovens, ou variáveis sociológicas (a classe social dos
sujeitos, o ambiente familiar, as relações de grupo na qual se encon-
tram) (Wolf, 1994b:39).

Evidencia-se a distância em relação à hipótese behaviorista do efeito direto


das mensagens sobre os receptores e a atenção dedicada a fatores de diferen-
ciação na recepção das mensagens, fatores externos aos media, relacionados
com as características do indivíduo, de seu ambiente e do contexto em que se
dá a exposição.
Podemos dizer que o mesmo se passa no estudo realizado por Hadley
Cantril, em 1940, sobre o pânico que tomou conta de cerca de 1 milhão e 200

Efeito e Recepção 29
mil pessoas, nos Estados Unidos, em razão da transmissão radiofônica, realiza-
da por Orson Welles, de The War of the Worlds, obra de H. G. Wells, programa
levado ao ar em outubro de 1938.
Buscando responder a duas perguntas básicas – por que a emissão de
Welles assustou a certas pessoas, enquanto outras emissões, de caráter igual-
mente fantástico não o conseguem? e por que essa emissão assustou algu-
mas pessoas e não outras? – o autor irá identificar as características da
radiotransmissão de Welles em particular, procurando entender o que susci-
tou o pânico. Em relação a este aspecto, Cantril destaca o realismo da emis-
são e a excelência dramática da representação. A recorrência a especialistas
– todos fictícios, como astrônomos ligados a várias universidades e organis-
mos científicos; às Forças Armadas e à Cruz Vermelha; e mesmo secretários
de Estado – aparece como uma técnica dramática que surtiu efeito. Entre-
tanto, apesar de todas as técnicas dramáticas utilizadas, não se deve esque-
cer que o programa fora clara e sistematicamente anunciado como sendo um
programa de ficção.
Segundo Cantril, não é uma mera circunstância o fato de que a situação de
pânico tenha sido desencadeada por uma transmissão radiofônica, dada a
importância que o rádio alcançava nos Estados Unidos naquele período, colo-
cando-se como o meio de informação por excelência. No entanto, não é possível
atribuir apenas à ampla difusão do rádio a reação de pânico.
“Diversas influências e circunstâncias condicionaram a situação de pânico”
(Cantril, 1985:102). E embora não seja possível ao autor relacionar de modo
consistente a reação de pânico a variáveis individuais, ele verifica que algumas
“características da personalidade conferiam a alguns indivíduos uma especial
inclinação à credulidade e ao medo”. Ele destaca também a influência de
outras pessoas no contexto imediato da recepção ao programa.
É claro que, situado na perspectiva da psicologia do seu tempo, o autor
ainda está tratando de estímulo e do modo de reagir a certos estímulos, mas....
já se trata de “um estímulo que (o indivíduo) deve interpretar ou que lhe
agradaria interpretar” (Ibidem, 104). Aliás, se o esquema E-R aparece aqui, ele
aparece no modo como originalmente é tratado pela perspectiva behaviorista
que reconhecia seu caráter complexo. Efetivamente, para definir a qualidade
da resposta, deve-se tomar em consideração o contexto no qual se verifica o
estímulo e as experiências dos indivíduos.
Com o conceito de “capacidade” ou “habilidade crítica” (critical ability)
(Ibidem, 102), Cantril evidencia uma série de fatores, vinculados à personali-
dade dos ouvintes, às condições nas quais tinham seguido a transmissão, ao

30 Efeitos Diretos e Imediatos


clima geral que caracterizava a sociedade americana naquele momento histó-
rico, fatores que explicariam porque alguns reagiram com pânico e outros
reconheceram a natureza de ficção do programa de Welles. Por intermédio
deste conceito, Cantril descreve quatro condições psicológicas que criam em
um indivíduo o particular estado mental que conhecemos como sugestiona-
bilidade (Ibidem, 103 e segs.).
1. Quando o estímulo intervém em um contexto mental que se aceita como
perfeitamente consistente, plausível. Na situação específica da transmis-
são de Orson Welles, isso se dá, por exemplo, no caso das pessoas que
interpretam o estímulo de acordo com sua formação religiosa, sobretudo
se esta formação prevê a possibilidade do fim do mundo; ou no caso das
pessoas que, influenciadas pela ameaça de guerra, acreditavam na possi-
bilidade de invasão dos Estados Unidos – e aqui pouco importou se a
invasão seria realizada pelos alemães, pelos japoneses ou pelos marcianos.
Lembremos que a transmissão é feita em outubro de 1938, portanto, ime-
diatamente posterior aos anúncios de ameaça de entrada dos Estados
Unidos na Segunda Guerra, em setembro.
2. Quando um indivíduo não está seguro da interpretação que deve dar a um
estímulo e, ao recorrer a fontes que confirmem sua interpretação, falha. É
o que acontece quando recorre a amigos ou vizinhos que também inter-
pretaram o estímulo equivocadamente.
3. Quando um indivíduo se vê diante de um estímulo que deve interpretar,
mas se dá conta de que nenhuma das pautas de avaliação que possui é
adequada. Isso ocorre, por exemplo, por “uma carência de informação e de
adestramento educacional formal” (Ibidem, 105). A prolongada inquieta-
ção, decorrente da depressão econômica, e a conseqüente insegurança
experimentada por muitos ouvintes foi outra causa: “A carência de um
marco de referência relativamente estável nos aspectos econômico ou po-
lítico havia criado em muitas pessoas um desequilíbrio psicológico... A amea-
ça de guerra havia deixado muitas pessoas em um estado de total aturdi-
mento, ignorantes da natureza do transtorno e de porque este havia de
afetar os Estados Unidos” (Ibidem, 106). A invasão marciana foi um aconte-
cimento a mais comunicado pelo rádio. “Outras pessoas que normalmente
poderiam haver mostrado capacidade crítica deixaram de fazê-lo em tal
situação porque suas próprias inseguranças emocionais e ansiedades as
faziam suscetíveis à sugestão ao ser enfrentadas com circunstâncias pesso-
almente perigosas” (Ibidem, 107).

Efeito e Recepção 31
4. Quando um indivíduo aceita como verdade tudo o que ouve ou lê sem
pensar sequer em compará-lo com outras informações. Este seria o único
caso em que se poderia falar de um receptor passivo, no sentido de que
reage direta e imediatamente.
O esforço do autor em tentar explicar o fenômeno a partir a) da considera-
ção da legitimação do rádio na sociedade americana da época; b) da excelência
do rádio como veículo de informação de massa; c) das características próprias
do programa específico (realismo; excelência da representação dada por Welles;
as técnicas dramáticas utilizadas); e d) das “predisposições” da audiência, colo-
ca sua investigação num campo oposto a qualquer hipótese hipodérmica. Ao
contrário, com uma sutil mudança de vocabulário, ele seria facilmente admiti-
do como precursor de vários estudos realizados em décadas mais recentes,
nos quais as relações sociais, situacionais, contextuais e culturais em que os
processos comunicativos são realizados e são tomados em consideração. Note-
se, por exemplo, como seu conceito de habilidade crítica parece bastante próxi-
mo do conceito de competência comunicativa ou competência cultural, cujo
aparecimento no campo dos estudos dos efeitos e da recepção não é anterior à
década de 1980 (cf. Wolf, 1994b:41).
Parece óbvio que os estudos de Hadley Cantril ou mesmo os do Payne Fund
não se enquadram na perspectiva hipodérmica. Entretanto, olhados isolada-
mente, tais estudos apenas reafirmam que nenhuma corrente investigativa
reina sozinha e que, quando marcamos um período histórico sob influência de
uma perspectiva teórica ou metodológica, apenas destacamos a sua maior
visibilidade ou ascendência. De todo modo, é extremamente elucidativo iden-
tificar num estudo realizado em 1940 boa parte das questões que ainda hoje
são postas aos estudiosos da comunicação.
Se a hipótese hipodérmica não configurou, de fato, uma tradição de inves-
tigação, ela se impôs com tal veemência como uma descrição do processo
comunicativo que aqui e acolá seus pressupostos aparecem nos textos sobre
comunicação e insistem em ressurgir das cinzas mesmo hodiernamente.18
Acreditamos que sua eficiência pode ser atribuída à associação posterior que
se fez entre a hipótese hipodérmica e o modelo matemático da comunicação.

Teoria Matemática da Comunicação


Tudo se passa como se o mecanismo de ligação fosse
simplicíssimo: como uma bola num flipper. Introduzimos a
bola num circuito (aqui denominado ‘canal’), e ela atinge o

32 Efeitos Diretos e Imediatos


seu objetivo (o receptor)... Emissor, canal, receptor. No
interior, uma mensagem (Sfez, 1991:26).

O modelo matemático da Comunicação surge com a publicação, na segunda


metade da década de 1940, de três artigos escritos por Claude Shannon em
uma revista altamente especializada, a Bell System Technical Journal. Em 1948,
os artigos são publicados em livro, precedidos de um artigo escrito por Warren
Weaver. É nesse formato que a teoria matemática ganhará visibilidade e des-
pertará tanto interesse que boa parte da atividade intelectual da segunda
metade do século XX estará orientada por aquilo que se convencionou chamar
“teoria da informação”. A publicação dos artigos de Shannon e Weaver é, tanto
quanto o foi a publicação, em 1948, de Cybernetics, de Norbert Wiener (1970;
1985; 1993), de quem, aliás, Shannon foi aluno, um “acontecimento intelectual”
que institui a Comunicação enquanto ciência.
A teoria da informação possibilitou uma descrição do sistema de comunica-
ção bastante duradoura. Até hoje, ainda que seja para lhe fazer críticas ou
acréscimos, ao se falar de comunicação parte-se do modelo matemático: a
comunicação é uma cadeia formada por uma “fonte de informação”, um “emis-
sor ou codificador”, que transforma uma “mensagem” em “sinais” a fim de a
tornar transmissível; um “canal” que é o meio utilizado para o transporte da
mensagem; um “decodificador ou receptor”, que reconstitui a mensagem a
partir dos “sinais”; e o “destinatário”, que é a pessoa ou coisa a quem a mensa-
gem é transmitida.

Sinal

Fonte de
Emissor Canal Receptor Destinatário
Informação

Sinal

Existem, de acordo com Weaver, três níveis de problemas que afetam um


sistema de comunicação (Weaver, 1993:416):19
Nível técnico: Com que precisão os símbolos da comunicação são transmiti-
dos? “Os problemas técnicos referem-se à precisão na transferência de
séries de símbolos... do emissor para o receptor”.20
Nível semântico: Com que precisão os símbolos transmitidos veiculam a
significação desejada? “Os problemas semânticos concernem à identida-
de... entre a interpretação do receptor e a intenção do emissor”.

Efeito e Recepção 33
Nível de eficácia ou influência: Com que eficácia a significação recebida
influencia a conduta no sentido desejado? Os problemas de eficácia con-
cernem ao êxito com que a significação conduzida até o receptor provoca
nele a conduta desejada.
A teoria da informação desenvolvida por Claude Shannon se preocupa com
os aspectos técnicos da comunicação. Interessado em quantificar o custo de
uma mensagem, Shannon foi buscar inspiração na biologia – onde as noções
de informação e de código vinham obtendo destaque com as pesquisas gené-
ticas. As questões por ele inicialmente formuladas dizem respeito, sobretudo,
à medida que a “quantidade de informação” e a “capacidade” do canal de
comunicação ou às características de um processo de codificação eficaz e à
quantidade de informação que pode ser conduzida por um canal.
Embora “informação” recubra uma nebulosa de noções, tais como notícias,
conhecimento, dados, nesta teoria, “informação” mede o número de escolhas ne-
cessárias para que um destinatário identifique corretamente determinado sinal.
A palavra ‘informação’ é utilizada em um sentido especial nesta teoria...
Informação não deve ser confundida com significação... Na teoria da comu-
nicação, ela não se refere àquilo que se diz, mas àquilo que se poderia
dizer... A informação é uma medida da liberdade de escolha (Ibidem, 419).

Quanto maior a liberdade de escolha, maior a informação, maior a incerte-


za e maior a riqueza de uma mensagem.
A noção de informação é identificada no texto de Weaver à noção
termodinâmica de entropia, medida do grau de acaso ou de desordem de uma
situação. “A [grandeza] que satisfaz singularmente as exigências naturais
estabelecidas para uma medida de informação é, exatamente, aquela conheci-
da em termodinâmica como entropia” (Idem, 1987:29).
Aqui é importante perceber
o papel que é desempenhado pela probabilidade na gênese de uma
mensagem. Efetivamente, a escolha dos símbolos sucessivos, do ponto
de vista do sistema da comunicação, fica sob a dependência das proba-
bilidades; e, de fato, das probabilidades que, a cada etapa do processo,
dependem das escolhas precedentes (Idem, 1993:420).

Se, no campo dos estudos psicossociológicos da comunicação é o diagrama


E-R que irá chamar a atenção para os estudos de linguagem, sobretudo para
lingüísticas de linhagem estruturalista,21 são a noção de entropia e a análise
probabilística que justificarão, posteriormente, uma teoria do significado. Os

34 Efeitos Diretos e Imediatos


exemplos que Weaver traz, para justificar uma semântica probabilística, rea-
parecem em vários estudos do campo da lingüística: na língua inglesa, se o
último símbolo escolhido é the, a probabilidade de que a palavra seguinte seja
um artigo ou um verbo é muito baixa. Ou ainda:
Em inglês é evidente que as probabilidades exercem um certo controle
sobre a linguagem, se pensarmos, por exemplo, que o dicionário não
contém qualquer palavra com a letra inicial j seguida de b, c, d, f, g, j,
k, l, q ,r, t, v, w, x ou z; de sorte que a probabilidade de que uma inicial
j seja seguida de uma dessas letras é nula. (Ibidem, 420).

À primeira vista, trazido para o campo de estudos da comunicação, o con-


ceito de informação pode parecer “decepcionante e bizarro”. Entretanto, se-
gundo o próprio Warren Weaver, essa seria uma impressão provisória. Ele,
que será um dos primeiros responsáveis pela extensão da teoria da informa-
ção às problemáticas mais gerais da comunicação, irá defender que, com as
proposições da teoria matemática, talvez estejamos pela primeira vez em con-
dições de formular uma verdadeira teoria do significado (Idem, 1993:426; Idem,
1987:35). Neste sentido, para Weaver, embora a teoria matemática desenvolvi-
da por Claude Shannon se preocupe com os aspectos técnicos da comunicação,
ela tem uma significação mais profunda e recobre também os níveis semântico
e pragmático.
É por isso que, ao procurar estabelecer uma teoria matemática da comu-
nicação a partir de Shannon, Weaver irá dizer que a palavra comunicação
será usada num sentido muito amplo, de forma a incluir “todos os procedi-
mentos pelos quais uma mente pode influenciar outra” (Idem, 1993:415). A
comunicação compreende não só a linguagem escrita ou falada, mas se apli-
ca de igual forma à música, às artes plásticas, ao teatro, à dança e, de fato, a
todo comportamento humano. E então o autor sugere que o diagrama inicial
da teoria da informação pode ser ampliado para incluir as questões funda-
mentais de significado e eficácia. Por exemplo, sugere, pode-se acrescentar
um Receptor Semântico, colocado entre o aparelho receptor e o destinatário.
Esse receptor semântico submete a mensagem a uma segunda decodificação,
cuja função é combinar as características estatístico-semânticas da mensa-
gem com as capacidades estatístico-semânticas da totalidade de receptores
ou subconjunto de receptores que constitui a audiência que desejamos atin-
gir. Ou um Ruído Semântico, colocado entre a fonte de informações e o
emissor (cf. Idem, 1987:34-5).

Efeito e Recepção 35
...Shannon, sem o marcar explicitamente, retomava uma tradição
anterior da filosofia científica, aquela da ‘recusa provisória da signi-
ficação’, do fundo em proveito da forma, do conteúdo em proveito da
mensagem, do meio em proveito do canal. Ele fazia triunfar uma
atitude metodológica importante: a recusa da especificidade de uma
mensagem em benefício exclusivo de suas características físicas
observáveis e, nisso, ajustava, por uma série de desenvolvimentos
sucessivos, um ‘modelo’ de comunicação partindo da troca de sinais
perfeitamente definidos desde um ponto até um outro... para se ex-
pandir progressivamente até uma teoria da transferência de formas
globais: a música, a fala, a imagem, de um lugar ou tempo até um
outro (Moles, 1993:411).

Não é nosso interesse, neste momento, proceder a uma crítica geral do


modelo matemático. Basta-nos, por enquanto, demarcar a visão do processo
comunicativo permitido por esta teoria e identificar os elementos básicos do
modelo matemático que fundam os estudos dos efeitos.
Deve-se à teoria matemática da comunicação, senão a idéia de que há um
“receptor” e um processo de “recepção”, o próprio vocabulário que a institui.
Embora, nesse caso, tenha havido uma extensão de uso dos termos. Receptor,
no modelo matemático, indica o aparelho técnico (aparelho auditivo humano,
inclusive) que possibilita a decodificação dos sinais e “destinatário” é aquele a
quem a mensagem se destina. A partir daí, no entanto, no âmbito dos estudos
de Comunicação, receptor e destinatário são usados como termos sinônimos e
se referem não ao aparelho técnico, mas ao destinatário, usuário ou consumi-
dor dos media – ouvinte, leitor, telespectador. Recepção, por sua vez, que para
a teoria da informação significa “decodificação” stricto sensu, tem assumido
uma acepção cada vez mais ampla, significando, a depender da corrente de
investigação que o adote, desde o uso ou consumo dos meios de comunicação
de massa até os processos gerais de produção de sentido.
Neste modelo, a função do emissor é codificar e a do receptor é decodificar a
mensagem. A decodificação é o processo por meio do qual o destinatário interioriza
a mensagem. Aqui há uma simples interiorização, sem criação. “O receptor não
passa de um emissor às avessas.” E a mensagem não é mais que objeto material
a ser transmitido do emissor ao receptor. O modelo matemático da comunicação
repousa sobre uma dicotomia, emissor-receptor ou codificação-decodificação.
Afirma-se, com efeito, a distinção emissor-receptor e introduz-se um canal entre
eles. Resultado: são conferidos poderes consideráveis aos media. O receptor da

36 Efeitos Diretos e Imediatos


mensagem não pode senão registrar a realidade objetiva transportada pelo
canal. A mensagem é algo distinta do emissor e do receptor; produz-se sem que
sejam tidas em conta as situações respectivas do emissor e do receptor. Os dois
sujeitos são distintos um do outro. Com este modelo transfere-se para as ciências
humanas o pressuposto da neutralidade das instâncias emissora e receptora.
Nesse esquema fragmentado, o emissor é todo-poderoso. E o seu domínio
provém, certamente, da concepção behaviorista que é inerente ao modelo
matemático. Quando Weaver afirma que
... pode parecer inconvenientemente limitado sugerir que o objetivo de
toda comunicação seja influenciar a conduta do receptor, mas, com
qualquer definição razoavelmente ampla de conduta, fica claro que a
comunicação ou afeta a conduta ou não produz qualquer efeito
comprovável e provavelmente não tem absolutamente nenhum efeito
(Weaver, 1987:26, grifo nosso),

torna-se evidente a influência do postulado behaviorista, em que há sempre um


estímulo exterior que provoca uma resposta, um comportamento observável.
No esquema matemático, a comunicação se realiza por ações pontuais que
visam determinados objetivos. Emissor e Receptor são pólos opostos, separa-
dos, que definem uma origem e um fim. A comunicação é entendida como um
esquema de transmissão mecanicista e linear. Foram essa linearidade e frag-
mentação os grandes responsáveis pela perenidade do modelo matemático:
eles permitem uma análise seqüencial e estrutural. O paradigma de Lasswell
é, neste sentido, uma contribuição a mais para sua difusão.
Em estreita sintonia com a teoria matemática, Harold Lasswell propunha
descrever o ato comunicativo a partir da resposta às seguintes perguntas:
“Quem? diz o quê? em que canal? para quem? com que efeito?” Esse excerto
de um texto de Lasswell, publicado originalmente em 1948, dá uma idéia clara
da concepção fragmentária que pautava a abordagem dos processos comuni-
cativos e que ainda hoje regula os estudos de comunicação. Para o que nos
interessa aqui, o paradigma de Lasswell tem a vantagem de marcar a distinção
entre “análise de audiência e análise dos efeitos”, embora admitindo que “é
mais simples combinar-se uma análise de audiência com uma de efeito...do
que mantê-las separadas” (Lasswell, 1987:106).
O estudo científico do processo de comunicação tende a se concentrar em
uma ou outra destas questões. Aqueles que estudam o ‘quem’ – o
comunicador – se interessam pelos fatores que iniciam e guiam o ato

Efeito e Recepção 37
comunicativo. Essa subdivisão do campo de pesquisa é chamada ‘aná-
lise de controle’. Os especialistas que focalizam o ‘diz o quê’ ocupam-se
da ‘análise de conteúdo’. Aqueles que se interessam principalmente
pelo rádio, imprensa, cinema e outros canais de comunicação fazem a
‘análise de meios’ (media). Quando o principal problema diz respeito às
pessoas atingidas pelos meios de comunicação, falamos de ‘análise de
audiência’. Se for o caso do impacto sobre as audiências, o problema
será de ‘análise de efeitos’ (Ibidem, 105).

Ainda que o próprio Lasswell pretendesse evitar uma fragmentação do


processo comunicativo, afirmando, antes, que sua intenção era examiná-lo
em relação ao processo social global,22 a sua descrição do ato comunicativo
transformou-se, à sua revelia, num paradigma do processo comunicativo
que só reafirmava a linearidade e a fragmentação postuladas pelo modelo
matemático.
Essa concepção do processo de comunicação enquanto linha direta entre
um ponto de partida e um ponto de chegada impregnará escolas e correntes
de investigação as mais diversas, das análises funcionalistas à lingüística es-
trutural, e até hoje está presente nos estudos de comunicação. A cibernética,
com a noção de feedback,23 sofistica um pouco mais o esquema e o modelo
sistêmico permitirá a Melvin De Fleur por em destaque o processo desempe-
nhado pela retroalimentação (feedback) no sistema social. Com o avançar das
pesquisas empíricas e a complexificação das abordagens sociológicas, o mode-
lo se enriquece, acrescentam-se outras variáveis e assume-se a importância de
situar emissores e receptores em contextos sociais, culturais, ideológicos. En-
tretanto, é surpreendente, ainda hoje, a dificuldade de se abandonar o mode-
lo informacional, o paradigma de Lasswell e a visão fracionária do processo
comunicativo que lhe é inerente – e isso, mesmo em abordagens que preten-
dem realizar essa empreitada.

Notas
1. Ver Comte, 1989.
2. A tradução de Gemeinschaft por comunidade, segundo alguns autores, deixa de fora a “complexidade da
acepção de Tönnies” (ver Defleur & Ball-Rokeach, 1993:171 e segs.). Mas o que importa aqui ressaltar é que
Gemeinschaft refere-se a um sentimento recíproco, vinculativo, que mantém os seres humanos ligados, como
membros de uma totalidade, enquanto Gesellschaft refere-se a um sistema social impessoal e anônimo. A
condição essencial do relacionamento social na Gesellschaft é o contrato, um relacionamento social voluntário,
formal, apoiado em mecanismos impessoais de controle, estabelecido mediante acordo racional. Na
Gemeinschaft o relacionamento social é informal, baseado em sentimento de união recíproca.
3. Ver DURKHEIM. 1995. Segundo Émile Durkheim, a divisão de trabalho de uma sociedade era a sua principal
fonte de solidariedade. Entretanto, a mesma divisão do trabalho que gera solidariedade orgânica, gera

38 Efeitos Diretos e Imediatos


também a diferenciação social e a individualidade. O aumento na divisão do trabalho implica introduzir um
número cada vez maior de relacionamentos mais formais e segmentados entre as pessoas, gerando uma
espécie de isolamento psicológico.
4. Alguns autores preferem marcar uma distinção entre massa e multidão. Herbert Blumer, por exemplo, em
1946, descreverá a massa como “um grupo coletivo elementar e espontâneo, em muitos aspectos semelhante à
multidão, e fundamentalmente diferente em outros sentidos” (1987:177). Existiria, para ele, pouca interação ou
troca de experiência entre os membros da massa, já que se encontram fisicamente separados e seus membros
não possuiriam a oportunidade de “se misturar como fazem os participantes de uma multidão”. A massa não
seria capaz de agir de forma integrada e com a unidade que caracteriza a multidão. Entretanto, o conceito de
massa que é majoritariamente adotado pelos estudos de comunicação provém da psicologia das multidões e
quase sempre um conceito (massa) é tomado pelo outro (multidão).
5. As citações selecionadas de quaisquer publicações portuguesas foram livremente adaptadas para a
ortografia praticada no Brasil.
6. Les crimes des foules foi apresentado no III Congresso Internacional de Antropologia Criminal, realizado em
Bruxelas, em agosto de 1892. Recolhemos a citação numa publicação francesa da Editora Larousse, datada de 1993.
7. “O público e a multidão” foi originalmente publicado em 1898.
8. Todas as citações de publicação estrangeira foram traduzidas pela autora.
9. O liberalismo pode ser compreendido como uma teoria antimassas. “Para um liberal, produto da ênfase do
século XIX sobre os melhores valores do romantismo, a medida absoluta, a origem e o lugar do valor humano
repousa na pessoa individual...A liberdade do indivíduo é sagrada” (Inglis, 1993:48).
10. Em “O público e a multidão” (Tarde, 1992a:29-77), Gabriel Tarde, diferentemente de Gustave Le Bon,, aponta
para o fato de que estamos a entrar, pela mão da imprensa, na era dos públicos. “A multidão é um grupo social
do passado” (p.37). Nesse ensaio, Tarde traça em detalhes as distinções e semelhanças entre a multidão e o
público e caracteriza diversas formas como essas configurações sociais se apresentam.
11. Ver especialmente “A opinião e a conversação” (Tarde, 1992b:79-154); Ver também Katz, Elihu, 1997:317-327.
12. Esse texto foi publicado em 1964.
13. Temos já aqui uma espécie de antepassado das propostas de educação para a recepção. Ver Parte II.
14. Várias são as metáforas utilizadas para traduzir a idéia de efeitos imediatos e diretos dos meios: “agulha
hipodérmica; bala mágica; bola de bilhar, correia de transmissão. Adotamos a hipótese hipodérmica” por ser a
metáfora mais corrente no Brasil.
15. Ver, na Parte II, que uma das primeiras providências dos Estudos Culturais será a rejeição das noções de
massa e de manipulação de massa.
16. Ver no item Uma não-tradição de pesquisa (p.29), a seguir, referência a uma disposição mais recente em
considerar a “hipótese hipodérmica” como uma corrente teórica que nunca existiu enquanto tradição de
pesquisa reconhecida em seu tempo. A “hipótese hipodérmica” seria melhor compreendida, então, como uma
atitude mental difundida na imprensa e no senso comum, mas dificilmente localizável em investigações
acadêmicas.
17. Ver também PAVLOV. 1979.
18. Em uma obra anterior, quando trabalhamos as relações entre a criança e a TV, mostramos como, numa
bibliografia recente – publicada entre a segunda metade da década de 1980 e a primeira metade da década de
1990 –, ainda é possível verificar a forte presença da mentalidade hipodérmica nos estudos de comunicação.
Naquele momento pudemos identificar que entre as grandes concepções que norteiam os mais recentes
estudos sobre a TV em sua relação com o público surgem as análises de conteúdo que posteriormente têm
suas conclusões extrapoladas para o âmbito da recepção e que já trazem implicitamente a concepção do
receptor como tabula rasa e dos meios de massa como manipuladores. As descrições que fazem do
telespectador podem ser contraditórias. Assim, enquanto para alguns o telespectador está imóvel diante do
aparelho de TV, sua concentração é tão total que nada se interpõe entre eles; para outros, o telespectador
assiste à TV de maneira absolutamente dispersa, sem concentração, apenas deixando que a TV o atravesse.
Em qualquer dos casos, porém, o que importa é enfatizar a total impossibilidade de atividade do receptor. Se
ele está imóvel diante da TV, ele é melancólico, esquizofrênico; se está disperso, perde a possibilidade de

Efeito e Recepção 39
contemplação que o levaria ao pensamento. De qualquer modo, o telespectador é aquele ser de nível mental
inferior (cf. Gomes, 1995).
19. Utilizamos aqui duas versões do texto de Warren Weaver, originalmente publicado em 1949. WEAVER,
Warren. Contributions récentes à la théorie mathématique de la communication. In: BOUGNOUX, Daniel (ed.).
Sciences de l’Information et de la Communication. Paris, Larousse, 1993; 415-427 (Textes Essentiels) e WEAVER,
Warren. “A teoria matemática da comunicação”. In: COHN, Gabriel (Org.). Comunicação e Indústria Cultural, 5.
ed. S.P; T.A. Queiroz Ed.; 1987; 25-37 (Biblioteca Básica de Ciências Sociais). Embora a tradução francesa seja
mais completa e melhor estruturada, há partes do texto que só estão disponíveis na versão do livro de Gabriel
Cohn.
20. Weaver utiliza “símbolo” num sentido estrito e tem em mente, na maior parte das vezes, o símbolo
alfabético.
21. Ver em Eco, Umberto, 1991, sobretudo em “Informação, comunicação, significação”, p.33-38, as
conseqüências da teoria da informação para a lingüística.
22. Esse texto de Lasswell marca a entrada dos estudos de comunicação na Sociologia estrutural-funcionalista.
É nele que pela primeira vez a comunicação é tratada em termos das funções que desempenha para o
organismo social. Ver adiante capítulo 3.
23. Norbert Wiener define a realimentação ou feedback como “a capacidade de poder ajustar a conduta futura
em função do desempenho pretérito. A realimentação pode ser tão simples quanto a de um reflexo comum, ou
pode ser uma realimentação de ordem superior, na qual a experiência passada é usada não apenas para
regular movimentos específicos como, outrossim, toda uma política de comportamento. Tal espécie de
realimentação pode revelar-se, e amiúde se revela, como aquilo que, sob um aspecto, conhecemos por reflexo
condicionado, e sob outro, por aprendizagem” (1985:33).

40 Efeitos Diretos e Imediatos


Capítulo 2
Efeitos Limitados
Mediação, Seletividade e Reforço

O incremento da pesquisa empírica sobre os efeitos dos meios de comunica-


ção e novas concepções vindas da Sociologia e da Psicologia foram fatores que
contribuíram para por abaixo a idéia de efeitos imediatos e diretos. Fatores
psicológicos ou sociológicos que distinguiam as pessoas passaram a ser conside-
rados variáveis que agiam entre o “estímulo” e a “resposta”. Assim, as diferenças
psicológicas individuais evidenciadas na estrutura cognitiva e nos processos
perceptivos, o processo de aprendizagem e socialização, as categorias e papéis
sociais e os relacionamentos interpessoais passaram a se colocar entre emissores
e receptores e a sugerir acréscimos ao modelo matemático da comunicação.
O período que vai da Segunda Guerra Mundial até os anos de 1950 será
considerado um segundo ciclo de estudos dos efeitos e estará marcado pela
investigação de aspectos que problematizam a eficácia direta dos media. Pas-
sam a ser consideradas características psicológicas, culturais e sociais dos indi-
víduos que implicariam seletivos padrões de atenção, percepção e memorização
dos conteúdos dos media e, em decorrência, formas seletivas de ação.
Esse ciclo é chamado de “efeitos limitados” porque as características psico-
lógicas individuais, as experiências passadas, as redes de relações interpes-
soais, desempenhariam um papel de mediação entre receptores e mensagens
midiáticas. No período anterior, a situação era de completo alarme em relação
aos poderes dos media: os emissores, porque controlavam os códigos e as
mensagens, detinham todos os trunfos; os receptores, porque aglutinados em
massas de indivíduos isolados e anônimos, porque guiados por processos irra-
cionais, apenas introjetavam os conteúdos das mensagens massivas.
Se os receptores eram impotentes diante da onipotência de emissores e
veículos, agora, com o boom de pesquisas empíricas, começava a ser delineada

Efeito e Recepção 41
uma postura conceitual contrária: dos receptores, com suas características
psicológicas, sociais e culturais, passava a depender a eficácia da mensagem.1
Tornava-se cada vez mais difícil comprovar os efeitos dos media sobre os re-
ceptores, posto que tais efeitos estariam em relação direta não mais com os
desígnios do emissor, com a sua intenção ao formular uma mensagem, mas
com a infinita variedade dos receptores considerados como seres individuais.
“Quase todos os aspectos da vida do membro da audiência e da cultura na qual
ocorre a comunicação parecem suscetíveis de serem relacionados com o pro-
cesso dos efeitos da comunicação” (Klapper, 1987:164).2
Do mito da onipotência dos meios passa-se, assim, ao mito da sua impo-
tência. Mas a passagem se dá por intermédio de uma compreensão restritiva
dos efeitos dos media: efeitos são entendidos como influência a curto prazo e
a problemática da eficácia das mensagens é reduzida a uma questão de
formação de opinião, de atitude3 e de mudança de atitude. Neste período, o
único efeito dos meios parece ser o de “reforço” das atitudes e opiniões
preexistentes.

Percepção e Cognição
Se suposições psicológicas anteriores reforçavam a idéia de que o comporta-
mento do indivíduo era governado por mecanismos biológicos herdados e,
conseqüentemente, que a natureza humana era razoavelmente uniforme, já
que as pessoas herdavam mais ou menos o mesmo conjunto de mecanismos
biológicos, a seqüência de estudos sobre o processo de aprendizagem e sobre
a motivação foi paulatinamente mostrando que cada indivíduo possuía uma
específica estrutura cognitiva, fruto de “características herdadas”, mas igual-
mente fruto de “características adquiridas” em suas experiências. Isso signifi-
cava o desenvolvimento de específicos processos perceptivos e a adoção dife-
renciada de comportamentos, atitudes, habilidades, crenças e valores.
A abundante literatura sobre percepção e cognição torna claro que o
organismo humano não ouve, vê ou toca simplesmente ‘o que está
aqui’; ao contrário, percebe (dentro dos limites da situação de estímulo)
o que quer perceber. Assim vistas, as percepções estão ajustadas às
necessidades, valores, emoções e experiências passadas do indivíduo
(Riley & Riley, 1987:125).4

Os modelos psicológicos fornecem pressupostos básicos acerca da natu-


reza humana que auxiliam a entender as relações entre as mensagens
midiáticas e fenômenos como atitudes, padrões de percepção, imitação do

42 Efeitos Limitados
comportamento de modelos, tomada de decisões e adoção de comportamen-
tos. Para os estudos de comunicação, a importância atribuída aos processos
de aprendizagem e a ênfase nas investigações empíricas começam a mostrar
que vários elementos entram na relação entre emissores e receptores, re-
presentando os primeiros sinais de questionamento da hipótese hipodérmica
e de revisão do modelo matemático e da perspectiva mecanicista e imediata
de estímulo e resposta. O efeito, a capacidade de persuasão das mensagens
massivas variaria, então, segundo características de personalidade dos indi-
víduos que compõem o público. Ainda permanece nestes estudos o esquema
estímulo-resposta, só que um pouco mais enriquecido, na medida em que
nele são introduzidos novos elementos; no caso, processos psicológicos e
motivacionais.
A abordagem empírico-experimental ou da persuasão parte do pressupos-
to de que é possível persuadir um receptor, desde que a forma e a organização
da mensagem sejam adequadas aos fatores individuais que o receptor ativa
quando a interpreta. Os estudos de Carl Hovland sobre os filmes de propagan-
da e a motivação dos exércitos americanos durante a Segunda Guerra Mundial
são os mais clássicos nesse campo.5 Há dois vieses de estudos psicológicos, um
que analisa os fatores ligados à mensagem e outro que investiga a audiência.
São duas formas metodológicas de abordar a comunicação, mas conceitual-
mente associadas. Em ambos os casos, o interesse está em procurar a melhor
forma de persuadir. No primeiro caso, busca-se a organização ótima das men-
sagens com fins persuasivos. Mas verifica-se que a eficácia da mensagem varia
conforme variem certas características dos destinatários e que os efeitos são a
resultante de fatores complexos envolvidos no processo comunicativo.

Líderes de Opinião e Grupos Primários


No âmbito dos estudos sociológicos, começa-se a levar em consideração carac-
terísticas socioestruturais e culturais dos indivíduos que integram a audiência,
tais como grau de instrução, classe social, profissão, faixa etária, gênero, e
outros mais relativos ao grau e tipo de consumo dos mass media. Vai-se mos-
trando, pouco a pouco, que os receptores não comparecem vazios à relação
com emissores, meios e mensagens, o que de algum modo já põe por terra a
noção de efeitos diretos e imediatos. O esquema linear e mecanicista da comu-
nicação, inspirado na “teoria da informação” e no modelo de Lasswell, vai se
complexificando com a introdução de novas variáveis que interfeririam tanto
na exposição aos meios e mensagens massivos quanto no grau de poder e
persuasão que seria exercido.

Efeito e Recepção 43
Se os teóricos da sociedade de massa afirmavam o enfraquecimento dos
grupos primários, definiam as audiências como atomizadas e consideravam
poderosíssima a influência dos meios, as conclusões a que chegavam os inves-
tigadores empíricos eram opostas. Os resultados ressaltavam a importância
dos líderes de opinião e do grupo de referência e demonstravam a complexi-
dade do processo engendrado pelos media: a sua influência não era certa nem
evidente. A rigor, já não se postulava uma associação imediata entre comunica-
ção de massa e persuasão.
O peso das provas indica que os meios de comunicação não são onipoten-
tes; eles são absorvidos nas culturas locais através do fluxo em duas
escalas (two-step) dos meios ao grupo local e daí às pessoas: e essa
absorção envolve uma auto-seleção à exposição correspondente à ativi-
dade prévia (Wilensky, 1987:261).6

No campo da sociologia, esse ciclo de estudos sobre os efeitos está marcado


por The People’s Choice, estudo de Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel
Gaudet, publicado em 1944, sobre o voto e a formação da opinião pública
durante as eleições presidenciais americanas de 1940, e por um trabalho pos-
terior, Personal Influence (é publicado em 1955, mas explora dados levantados
10 anos antes), de autoria conjunta de Elihu Katz e Lazarsfeld. Nesses estudos,
realizados na Universidade de Colúmbia, por intermédio do Bureau of Applied
Social Research, está elaborada a concepção de que os relacionamentos sociais
informais desempenham um papel para modificar a maneira como as pessoas
selecionam as mensagens massivas ou são influenciadas pelos media.
Postula-se que os processos comunicativos se realizam em duas etapas
(two-step flow of communication) e destaca-se o papel dos líderes de opinião:
no processo de comunicação, as idéias fluem dos meios para os líderes de
opinião e destes para os outros segmentos da população. Os líderes de opinião
operariam como intermediários entre os meios e os indivíduos. O modelo de
um fluxo de comunicação em duas etapas refutava, ao mesmo tempo, uma
imagem da sociedade formada por indivíduos atomizados, ligados aos meios
de comunicação mas não entre si, e uma concepção de que os mass media
exerciam uma influência isolada na moldagem do pensamento e do comporta-
mento das pessoas.
...Os mass media são muito menos potentes do que se esperava... As
pessoas não são persuadidas com facilidade a mudarem as suas opini-
ões e comportamentos. A procura das fontes de resistência à mudança,
assim como das fontes efetivas de influência quando as mudanças ‘ocor-

44 Efeitos Limitados
rem’, conduziu à descoberta do papel das relações interpessoais. Os
valores compartilhados em grupos familiares, de amigos e de compa-
nheiros de trabalho e as redes de comunicação que formam a sua
estrutura, a decisão de seus membros influentes no sentido de aceitar
ou rejeitar uma nova idéia – todos esses são processos interpessoais que
‘intervêm’ entre a campanha nos meios de comunicação e o indivíduo,
que é o seu alvo último (Katz, 1987:156 g.n.).7

Elihu Katz, que foi um dos principais continuadores e divulgadores do


modelo do fluxo em duas etapas, entende que The People’s Choice chegou a três
conjuntos de resultados (cf. Katz, 1993).8 O primeiro se refere ao impacto da
influência pessoal, o segundo diz respeito à transmissão da influência pessoal
e o terceiro verifica a relação entre os líderes de opinião e os mass media. Em
relação ao impacto da influência pessoal, os autores concluem que os contatos
pessoais parecem ter uma influência ao mesmo tempo mais freqüente e mais
eficaz sobre a escolha dos votos do que os meios de comunicação de massa.
Sobretudo isso é verificado nos casos de pessoas que se decidiram ao final de
uma campanha eleitoral ou, ainda mais, nos casos de pessoas que mudaram
de opinião ao longo de uma campanha.
Procurando saber se certas pessoas desempenhavam um papel mais im-
portante que outras na transmissão da influência, a pesquisa chega a destacar
os “líderes de opinião” e conclui que os líderes existem em todos os níveis
sociais e que eles são provavelmente muito semelhantes àqueles a quem influ-
encia. Os líderes de opinião, não são, portanto, uma classe superior de pessoas,
destacadas do grupo por pertencer a um estrato social ou econômico mais alto,
como se poderia imaginar, mas pertencem ao grupo, partilhando as mesmas
condições sociais, culturais, econômicas do grupo.
A relação entre líderes de opinião e media surgiu por comparação entre os
líderes e os não-líderes – os membros comuns da comunidade ou grupo que os
líderes influenciavam – em face da exposição aos meios de comunicação e se
constatou que os líderes de opinião estavam muito mais expostos ao rádio, aos
jornais e às revistas, ou seja, aos meios formais de comunicação, do que os
outros membros. Foi essa constatação que fez nascer a hipótese do fluxo de
comunicação em duas etapas (cf. Katz, 1993:707).
Os estudos deste período, sobre a influência pessoal e as opiniões e
atitudes dos indivíduos, são claramente devedores de Gabriel Tarde,
inspirador de Paul Lazarsfeld e Elihu Katz. Foi Tarde quem, ainda no final do
século XIX, formulou a hipótese de que a conversa modela a opinião e a
opinião desencadeia a ação.9 É de Tarde também a defesa de que a “ciência

Efeito e Recepção 45
do público” deveria conceder um lugar importante à estatística. Sua concep-
ção de uma “estatística das conversações” (Tarde, 1992b:150) certamente
inspirou Lazarsfeld a montar o “método de investigação em painel”.10 O
interesse da estatística não se restringe ao registro do que acontece em
determinado momento, mas às possibilidades que oferece de medir a propa-
gação de um comportamento no interior de uma mesma comunidade, “reve-
lando o sentido e a intensidade da imitação nos grandes domínios da vida
social” (Reynié, 1992:17).
Elihu KATZ, num texto recente, de 1993,11 afirma que o ensaio “A opinião e
a conversação”, publicado originalmente em dois números consecutivos da
Revue de Paris, entre agosto e setembro de 1899, é um documento fundador do
modelo do fluxo de comunicação em duas etapas e representa um programa
para a investigação sobre a opinião pública e a comunicação de massa tão
válido hoje como o foi em sua época.
Pode-se dizer que, em Tarde, o modelo do fluxo de comunicação em duas
etapas aparece formulado desse modo: os jornais constituem a fonte principal
das conversações e as conversações forjam a opinião. “A conversação em todos
os tempos e a principal fonte atual de conversação, a imprensa, são os grandes
fatores da opinião” (Tarde, 1992b:81). Conversação, para Tarde, é todo diálogo
sem utilidade, em que se fala por prazer, por distração. São as conversações
privadas que importam, aquelas que se realizam nos cafés, nos salões, nas
lojas: são esses espaços “as verdadeiras fábricas do poder” (Ibidem, 137). O
principal efeito da conversação é permitir que os homens se prestem recipro-
camente atenção, que possam agir uns sobre os outros, daí porque ela favore-
ce a “imitação”, a “propagação”.
Gabriel Tarde representa sem dúvida uma das primeiras e mais significa-
tivas tentativas de olhar o receptor (no seu caso, o leitor de jornal) como um ser
social e culturalmente localizado. “As conversações diferem muito conforme a
natureza dos conversadores, seu grau de cultura, sua situação social, sua
origem rural ou urbana, seus hábitos profissionais, sua religião” (Ibidem, 97).
Além disso, em Tarde, mais importante que a influência persuasiva do jornal é
a influência persuasiva dos homens uns sobre os outros. É a segunda, aliás,
que garante o exercício da primeira.
Na retomada do ensaio de Tarde, já agora nos anos de 1990, Katz (1997)
procede a um reexame do fluxo de comunicação em duas etapas, para dizer
que já não se trata mais de um fluxo de informação, mas de um fluxo de
influência. Mais que ao indivíduo, o líder de opinião, é ao grupo que se elege
como unidade de análise.

46 Efeitos Limitados
De fato, a continuação dos estudos empíricos sobre o fluxo de comunicação
em duas etapas, centrados sobre objetos de estudo e agrupamentos sociais cada
vez mais diversificados – desde as decisões de compra, a moda ou a freqüência
aos cinemas até a adoção de novos medicamentos por parte dos médicos –
mostrou que a força da integração do grupo se revelou um fator mais importante
que qualquer outro e independentemente da fonte da influência. A maior expo-
sição dos líderes de opinião aos media passou a ser encarada, então, como “um
caso especial” da proposição mais geral que atribui aos líderes a função de ligar
os grupos ao contexto mais amplo. As relações interpessoais constituem uma
fonte de pressão sobre o conformismo do grupo e se refletem na homogeneidade
das suas opiniões e das suas ações. Nos grupos primários, o meio de comunica-
ção é, por definição, um meio de pessoa a pessoa.
Uma das conseqüências mais importantes dos estudos sobre o two-step
flow of communication foi a “redescoberta” do grupo primário. Katz
(1998:85)12 se refere ao grupo primário como o verdadeiro herói da história
da investigação em comunicação nesse período. Na seqüência desses traba-
lhos se dará mais ênfase aos grupos que aos líderes de opinião, para com-
preender o processo de influência. Em associação com contribuições vindas
da Antropologia, sobretudo do conceito de “subcultura”13 e do método de
“observação participante”, os estudos levantarão a hipótese de que quando
um grupo tem coesão efetiva, dependência mútua, as atitudes e valores de
seus membros são modeladas reciprocamente e não pelos media. A teoria do
grupo de referência destaca os processos por meio dos quais os homens se
relacionam em grupos e referem seu comportamento aos valores desses
grupos. Os grupos fornecem um standard em referência ao qual o indivíduo
pode avaliar a si mesmo e aos outros.
Começando por ressaltar a estrutura social que está subjacente e tende a
integrar a grande diversidade de respostas e percepções individuais frente à
mensagem difundida em massa,
a abordagem sociológica faz a sua primeira contribuição ao modelo [E-
R], levando em conta as conexões entre R e os muitos grupos primários
com os quais ele interage, forma seus valores, sanções e comportamen-
tos e, concomitantemente, influencia o seu papel como receptor em
relação a [E] (Riley & Riley, 1987:132).14

Revendo as investigações sobre a eficácia a curto prazo, J. T. Klapper, outro


investigador representante da hipótese dos efeitos limitados, irá verificar que
a comunicação de massa não possuía uma eficácia necessária e suficiente para

Efeito e Recepção 47
conduzir a uma mudança de atitudes nos receptores. Ao contrário, os resulta-
dos empíricos levavam a crer que a comunicação de massa atuava no interior
de uma rede complexa de possíveis canais de influência. Foi considerando a
eficácia a curto prazo que Klapper listou três tipos de mudança que os meios
de comunicação poderiam provocar: “conversão, pequena mudança e refor-
ço”, destacando que, em geral, os meios eram mais eficazes no reforço das
atitudes preexistentes. As principais conclusões que se pode tirar desse perí-
odo de estudos sobre os efeitos é que (cf. Klapper, 1987):15
a. A comunicação de massa geralmente não atua como uma causa necessária
e suficiente dos efeitos de audiência, mas sim funciona mediante de um
nexo de fatores e influências mediadoras.
b. Esses fatores mediadores são tais que tipicamente tornam a comunicação
de massa um agente colaborador, mas não a causa exclusiva num processo
de reforço das condições existentes. Os media são mais adequados para
reforçar do que para mudar.
c. Em ocasiões tais em que a comunicação de massa funciona a serviço da
mudança, duas condições podem ocorrer. Ou os fatores mediadores serão
tidos como inoperantes, e o efeito dos media, direto; ou os fatores mediado-
res, que normalmente favorecem o reforço, serão tidos como eles próprios
impelindo no sentido da mudança.
d. Há apenas situações residuais nas quais a comunicação de massa parece
provocar efeitos diretos.

A Seletividade dos Receptores


A associação de hipóteses vindas tanto da sociologia quanto da psicologia
conformarão a compreensão de que os receptores reagem de modo seletivo à
influência dos meios de comunicação. Esta concepção está sustentada por
alguns princípios de seletividade, quais sejam:
a. Princípio da exposição seletiva: A audiência não se expõe aos meios num
estado de nudez psicológica; pelo contrário, apresenta predisposições já
existentes: “Os componentes da audiência tendem a expor-se à informação
que estão de acordo com as suas atitudes e a evitar as mensagens que, pelo
contrário, estão em desacordo com essas atitudes” (Wolf, 1994a:34). Pressu-
põe-se que é necessário uma análise das condições em que os receptores se
expõem. Portanto, grande parte do efeito de qualquer campanha é prede-
terminado pela estrutura da audiência. A idéia da “exposição seletiva”
afirma que o consumo da comunicação de massa não é indiferenciado e

48 Efeitos Limitados
evidencia o caráter complexo da relação comunicativa, ao contrário do que
preconiza o esquema E-R.
b. Princípio da atenção seletiva: Tal princípio prevê que diferenças individuais
resultam em diversos modelos de atenção ao conteúdo dos media. As pes-
soas criam “filtros mentais” que determinam seu interesse em obter infor-
mação: o êxito de uma campanha de informação dependeria, então, do
interesse que o público manifesta pelo assunto; da escassez de interesse e
de motivação por certos temas; da dificuldade de acesso à própria informa-
ção; da apatia social.
c. Princípio da percepção seletiva: “A percepção refere-se à atividade psicológi-
ca por meio da qual os indivíduos organizam interpretações significativas
de estímulos sensórios recebidos do ambiente” (Defleur & Ball-Rokeach,
1993:216). Diferenças em fatores cognitivos, culturais ou sociais implicam
diferentes processos perceptivos e distintas interpretações da realidade.
No caso específico de uma mensagem midiática recebida, a interpretação
pode transformar e adaptar seu significado, de acordo com as atitudes e os
valores do receptor, até mudar, por vezes, radicalmente, o sentido da pró-
pria mensagem (cf. Wolf, 1994a:35).
d. Princípio da memorização seletiva: A memorização se dá respeitando os
mesmos padrões da percepção seletiva.
e. Princípio da ação seletiva: Nem todos agirão da mesma forma por terem sido
expostos a determinada mensagem dos media.
Até os anos de 1960, a investigação sobre os efeitos foi marcada por uma
“...recitação quase ritualística do slogan do fluxo em dois passos (two-step
flow)” (Wilensky, 1987:260), recitação que pretendia marcar em definitivo,
mediante comprovações empíricas, a ineficácia dos meios de comunicação de
massa. Entretanto, tendia-se a subsumir o conceito de eficácia ao de influên-
cia a curto prazo. A preocupação central era com a decisão e a atitude; os
objetos privilegiados de investigação eram o voto e o consumo (ainda que
sejam significativas as pesquisas sobre a motivação dos soldados durante a
Segunda Guerra). A unidade de efeito considerada pelos estudos em torno
da influência pessoal é a “decisão”, que consistia num indicador de mudança
tangível e fácil de registrar. Descrever as decisões, de voto ou de compra,
possibilitava descrever exemplos específicos que revelavam os efeitos de
diferentes influências.
É claro que aqui ainda se pensava a comunicação em termos instrumentais
– daí a preocupação com as campanhas e a idéia do receptor como “alvo”. As

Efeito e Recepção 49
pesquisas de Lazarsfeld estão, nesse momento, voltadas para preparar instru-
mentos de avaliação úteis e operativos16 para os gestores dos meios de comu-
nicação, que são então considerados neutros. O Bureau of Applied Social Research
apresenta-se como centro de “investigação administrativa” e vive de contratos
e encomendas. A necessidade de oferecer resultados seguros aos contratantes
implica a opção por estudos quantitativos das audiências e uma formalização
matemática dos fatos. Essa posição leva-o a abstrair os processos de comunica-
ção social dos modos de organização do poder econômico e político.
Moldados por um quadro intelectual comportamentalista, os estudos so-
bre os efeitos limitados foram levados a centrar a atenção no indivíduo; a
necessidade de dar respostas seguras aos agentes financiadores das pesqui-
sas (gestores empresariais ou políticos dos meios de comunicação) implicou a
insistência em estudar o impacto a curto prazo e os levantamentos quantitati-
vos. Entretanto, o modelo do fluxo de influência e a descoberta de que os
grupos de referência funcionam como elementos mediadores abrem caminho
para abordagens mais globais do problema da comunicação.
O próprio Paul Lazarsfeld, na seqüência de suas investigações, atenta para
a necessidade de considerar a dimensão temporal para estudar os efeitos e
constata que a realização de estudos sobre os efeitos a curto prazo nunca
poderia dar conta dos impactos em profundidade dos meios de comunicação.
Aliás, de acordo com Katz, o “método de painel”, que permitia localizar as
mudanças de opinião quase ao mesmo tempo em que elas se produziam e de
as remeter, em seguida, às influências que se exerceram sobre as decisões, já
indica a preocupação de Lazarsfeld com o dado temporal (cf. Katz, 1998).
Numa tentativa de “corrigir o que a memória coletiva tem recordado do
paradigma lazarsfeldiano de investigação sobre a comunicação” (Katz, 1998:93),
Elihu Katz revê os estudos de Lazarsfeld e dos pesquisadores identificados
com o Bureau of Applied Social Research e afirma que o próprio Lazarsfeld
atribui às dificuldades metodológicas e financeiras o escasso investimento dos
investigadores no estudo dos efeitos a longo prazo e chama a atenção de que
a eficácia dos meios de comunicação está em criar a imagem de um mundo
cada vez mais distante e com o qual já não mantemos relações, eficácia que de
modo algum se permitira ver mediante as sondagens a curto prazo (cf. Ibidem,
96). Além disso, ainda segundo Katz (Ibidem, 95), Lazarsfeld apresenta uma
tipologia dos efeitos que considera efeitos imediatos, de curto prazo, de longo
prazo e institucionais.
Também Klapper se refere repetidamente aos efeitos que foram deixados
à margem dos estudos da época. Embora marque que a situação da investiga-

50 Efeitos Limitados
ção nos anos de 1950 sustentava que o reforço era o único efeito que se poderia
atribuir diretamente aos media, chama a atenção para, por exemplo, os “efei-
tos da existência dos media sobre os valores culturais” e sobre os processos de
socialização, efeitos que poderiam evidenciar um maior poder dos meios de
comunicação. Em 1958, o autor já alertava para o perigo existente,
na tendência a fazer naufragar numa minimização cega os efeitos e as
potencialidades da comunicação de massa... São, afinal, meios de co-
municação de massa, que diariamente se dirigem a enormes áreas da
população, com uma única voz... Não devemos perder de vista as carac-
terísticas peculiares dos media nem a probabilidade de que este caráter
peculiar cause efeitos peculiares (Klapper, 1987:173).

Notas
1. É certo que esse “segundo ciclo” de estudos sobre os efeitos ainda não assume categoricamente o poder
dos receptores. Trata-se melhor de um questionamento do poder irrestrito dos meios. Até porque, a
problemática ainda é a dos “efeitos”, que são limitados, é verdade, mas que existem: a persuasão é exercida,
mas ela não é direta. Entretanto, não é à toa que boa parte dos estudos de recepção, aqueles que postulam a
atividade e o poder dos receptores, irá voltar às pesquisas realizadas nesse período, seja para lhes reconhecer
os méritos, seja para indicar seus limites. Num caso ou noutro, várias das hipóteses aqui postuladas serão
retomadas pelos estudos de recepção. Ver Parte II.
2. Publicação original de 1958.
3. O conceito de atitude veio substituir o conceito de instinto. Em lugar das semelhanças atribuídas às
características biológicas herdadas, ressaltava as diferenças entre os seres humanos, adquiridas em suas
experiências de aprendizagem. Atitude traduzia uma espécie de predisposição aprendida que desempenhava
um papel fundamental na formação do comportamento. Sua popularidade advém do fato de se prestar
docilmente à análise estatística e de poder ser facilmente utilizada “em experiências ‘antes/depois’ a fim de
averiguar se uma experiência interveniente modificava atitudes das pessoas” (Defleur & Ball-Rokeach,
1993:196).
4. Original de 1959.
5. Os trabalhos de Hovland e sua equipe foram publicados no final da Segunda Guerra. Ver HOVLAND;
LUMSDAINE & SHEFFIELD, 1985, publicado originalmente em 1949.
6. Publicação original de 1964.
7. Originalmente publicado em 1959.
8. Publicação de 1956.
9. Ver o ensaio “A opinião e a conversação”, publicado em 1899 (Tarde, 1992b:79-154).
10. Por este método, as mesmas pessoas eram entrevistadas em diferentes momentos sucessivos da pesquisa.
11. Ver Katz, 1997:317-327.
12. Uma revisão elaborada por Katz, em 1987.
13. “Como o indica o prefixo, as subculturas são negociações significativas e distintivas que se realizam
dentro de culturas mais amplas. Tais negociações correspondem às posições, ambigüidades e contradições
particulares características de certos grupos imersos em estruturas sociais e históricas mais amplas”
(O’Sullivan et al., 1997:343). O conceito de subcultura nasceu do estudo do comportamento juvenil, com
particular referência ao problema do “desvio de conduta”, e implicou a consideração não só da classe como
também da idade como fatores determinantes da identidade. Neste caso, afirma-se que, dentro da cultura de

Efeito e Recepção 51
classe mais ampla – na maioria das vezes a atenção é dada à cultura operária – os jovens desenvolvem
respostas subculturais específicas, que têm a ver com as questões de idade e de diferença de geração.
Grupos subculturais juvenis da classe operária adotariam, então, estilos e modos de comportamento,
realizariam atividades como formas significativas de resposta e oposição, como modos de afirmação da
identidade, como estratégias para ganhar espaço cultural. Em geral prevalece em relação ao conceito de
subcultura a conotação de “resistência” e foi nesta acepção que ele foi ampliado para se referir também às
subculturas étnicas, raciais, sexuais. Esse conceito será muito utilizado pela corrente de investigação inglesa
dos cultural studies.
14. Este texto foi publicado em 1959.
15. Texto de 1958.
16. Juntamente com Frank Stanton, Lazarsfeld cria o “analisador de programa”, para registrar as reações dos
ouvintes de rádio em termos de gosto, repulsa ou indiferença, analisador que foi logo adaptado ao cinema:
consistia num mecanismo por meio do qual o próprio receptor registrava suas reações, mediante o
acionamento de um botão vermelho (para marcar seus descontentamento); um botão verde (para registrar sua
satisfação); ou o não acionamento dos botões (para marcar sua indiferença).

52 Efeitos Limitados
Capítulo 3
Efeitos Sociais

O surgimento e conseqüente popularização da televisão foi um dos fe-


nômenos decisivos para que se voltasse a considerar a hipótese de um
maior efeito dos meios, na medida mesmo em que ela encarna todas as
“potencialidades da comunicação de massa” ressaltadas por Klapper. As
mudanças provocadas pela televisão, sobretudo na esfera das atuações
políticas (com conseqüências tais como, por exemplo, a espetacularização
que os media impõem ao campo político), e o processo de globalização, que
coloca os meios de comunicação, em associação com a informática, como a
tecnologia característica da época atual, justificariam o retorno a uma con-
cepção de media power.
A insatisfação com os resultados das pesquisas orientadas para o indivíduo
e a refutação parcial da capacidade seletiva dos receptores, por meio dos
trabalhos de Elisabeth Noelle-Neumann1 – que destaca o modo como a TV
seduz valendo-se de suas características emocionais e de personalização da
informação, reduzindo a capacidade de exposição e percepção seletivas –
teriam operado como “uma causa interna” da mudança de orientação nos
estudos sobre os efeitos no início da década de 1970 (cf. Saperas, 1993:43).
São as “influências a longo prazo”, sobretudo aquelas “que se exercem
sobre o sistema social”, mais que sobre cada indivíduo em particular, que
detêm a atenção. O tipo de efeito que se tem em mente já não se traduz por
atitudes ou decisões localizadas, mas é um “efeito de tipo cognitivo”, que se
exerce sobre os sistemas de conhecimento. Já não são efeitos pontuais, ligados
à exposição a uma mensagem específica, mas são “efeitos cumulativos” (cf.
Wolf, 1994a:126), decorrentes de uma exposição cotidiana, continuada. A ênfa-
se recai sobre o caráter processual da comunicação. Pouco a pouco, abandona-

Efeito e Recepção 53
se a idéia de que os efeitos são intencionais, ligados a um contexto comunica-
tivo limitado no tempo e passa-se à preocupação com efeitos decorrentes da
própria existência dos media enquanto tal e do papel que cumprem na forma-
ção do patrimônio cognitivo, cultural e social dos receptores. A idéia é a de que
os media “criam” a cultura, o ambiente simbólico e cognitivo no qual os indiví-
duos vivem.

Funcionalismo
Foram os investigadores funcionalistas americanos quem fizeram as primei-
ras críticas aos efeitos a curto prazo, já que a preocupação quantitativa levava
a perder qualquer referência à totalidade sociocultural e a ignorar qualquer
perspectiva histórica. O que não quer dizer, em absoluto, que a abordagem
funcionalista abra mão da investigação empírica. Muito pelo contrário, a coleta
de dados será, entre outros fatores, o que diferenciará essa grande corrente
de investigação americana das correntes européias. Sistema, função, integração,
equilíbrio são alguns dos termos-chave do funcionalismo.2
A teoria funcionalista encara os media como um conjunto de sistemas soci-
ais que funcionam dentro de um sistema externo específico – o conjunto de
condições sociais e culturais próprio de cada sociedade – e, ao mesmo tempo,
como um dos principais fatores de integração das sociedades. Em boa medida,
os meios de comunicação de massa são um reflexo do sistema social mais
amplo e são analisados na perspectiva do equilíbrio e do funcionamento da
sociedade. No estudo da comunicação de massa, o funcionalismo representa,
ao mesmo tempo, uma continuação e um corte em relação às abordagens
anteriores: há aqui uma associação entre a tradição empírica anterior e a
tentativa de uma abordagem mais global.
Um dos conceitos mais importantes aqui é o conceito de “função”, ou seja,
o papel que determinados “fenômenos repetitivos” cumprem dentro de um
sistema para manter sua estabilidade. Quando provoca instabilidade, tais fe-
nômenos são disfuncionais. O termo função, que em biologia3 é usado para
descrever como os processos vitais contribuem para a manutenção do organis-
mo, é transposto para indicar o modo como os processos sociais se desenvolvem
de forma a garantir o equilíbrio e a continuidade dos sistemas sociais. Embora
na terminologia funcionalista seja adotado o termo “função” para designar o
papel que os meios de comunicação cumprem na sociedade, obviamente
estamos tratando aqui de “efeitos”, sem mais. É a pergunta sobre quais são as
conseqüências da comunicação de massa, quer sobre o indivíduo, quer sobre
os grupos, quer sobre os sistemas sociais e culturais que unifica tais aborda-

54 Efeitos Sociais
gens. Diferentemente das abordagens anteriores sobre os efeitos, entretanto,
o conceito de função adotado pela sociologia funcionalista implica o abandono
da idéia de intencionalidade do processo comunicativo e chama a atenção para
as conseqüências observáveis da presença dos meios de comunicação. É a
primeira vez, nos estudos de comunicação, que se deixa de falar dos efeitos da
perspectiva dos objetivos do emissor para se falar deles a partir do modo como
se verificam. A idéia de “disfunção”, nesse sentido, é elucidativa: disfunção é o
efeito não desejável.
Charles R. Wright, um dos mais representativos investigadores funciona-
listas da mass communication research, explica que “nem todos os efeitos da
comunicação de massa são pertinentes para a análise funcional, mas tão so-
mente aqueles que são relevantes e importantes para um futuro normal fun-
cionamento do sistema analisado” (Wright, 1985:84).4
Diversos estudos têm utilizado, explícita ou implicitamente, o referencial
funcionalista para examinar os meios de comunicação. Lasswell, ainda em
1948,5 foi o primeiro a enunciar uma tipologia das funções que os meios de
comunicação cumprem na sociedade. Identificou três funções:
a) vigilância sobre o meio ambiente, revelando ameaças e oportunida-
des que afetam a posição da comunidade e de suas partes componentes
ao nível dos valores;
b) correlação dos componentes da sociedade, na sua resposta ao meio
ambiente;
c) transmissão da herança social (Lasswell, 1987:117) .

Paul Lazarsfeld e Robert Merton, na Universidade de Columbia, tornaram


mais complexo o esquema identificando as funções manifestas (aquelas que
contribuem para o equilíbrio do sistema de modo intencional e que são reco-
nhecidas enquanto tais), as funções latentes (aquelas que não são intencionais
e também não são reconhecidas) e ainda indicam a possibilidade de existirem
as disfunções (os efeitos que são indesejáveis do ponto de vista do bem-estar e
do equilíbrio da sociedade ou de seus membros). Por exemplo, entre as
disfunções estaria a disfunção narcotizante dos media, que engendra a apatia
política de grandes massas da população.
Merton e Lazarsfeld representam uma das primeiras tentativas de se
sair do âmbito restrito da preocupação com as mensagens e o conteúdo
manifesto, para procurar olhar mais longe e identificar que papel social
pode ser atribuído aos meios de comunicação em virtude de sua “mera
existência” e da sua estrutura de propriedade e controle. Sintonizados com

Efeito e Recepção 55
o objetivo da teoria estrutural-funcional, que é compreender a complexida-
de dos sistemas sociais e a interação que existe entre os seus elementos, os
autores tentarão explicar o modo como a comunicação favorece – ou não – a
permanência societal.
Pelo simples fato de existirem enquanto tais, os media cumprem pelo menos
as seguintes funções na sociedade (cf. Lazarsfeld & Merton, 1987: 236-241):6
Atribuição de status: “os meios atribuem status a questões públicas, pesso-
as, organizações e movimentos sociais”. Essa função se insere no âmbito da
ação social organizada pela legitimação de determinadas políticas, pessoas
e grupos.
Execução das normas sociais: “os meios de comunicação tendem claramente
a reiterar normas sociais, ao exibirem à opinião pública os desvios em relação
ao padrão geral”. No entendimento dos autores, esta função de desvenda-
mento público surge institucionalizadamente nos meios de comunicação de
massa e acarreta uma ação social organizada, na medida em que determina-
dos comportamentos que seriam tolerados na esfera privada são, ou pelo
menos devem ser, rechaçados se exibidos publicamente. O mecanismo de
demonstração pública dos desvios acaba por forçar uma ação pública.
A disfunção narcotizante: Os meios de comunicação estariam sobrecarre-
gando os indivíduos com informações, mas esta sobrecarga teria um efeito
perverso, que seria fazê-los confundir “conhecer os problemas do momen-
to com fazer algo a seu respeito”. Desse modo, “...esses meios vêm involunta-
riamente canalizando as energias dos homens para um conhecimento pas-
sivo, em lugar de uma participação ativa”.
Mas os autores elencam ainda um rol de efeitos sociais provenientes da
estrutura de propriedade e de controle dos meios de comunicação. Embora essa
primeira tentativa de se procurar entender os efeitos da comunicação leve em
conta não só a mensagem ou o conteúdo manifesto, mas também o que “não é
expresso nem dito de forma explícita”, por enquanto, considerar os efeitos sociais
dos meios de comunicação eqüivale a considerá-los empresas “dirigidas pela
motivação do lucro”, sem que nisso haja qualquer crítica ao sistema capitalista
enquanto tal. São funções decorrentes dessa característica dos meios:
A homogeneização do gosto popular: aqui não se faz mais do que repetir os
argumentos usados desde o início do século, por exemplo pelos Leavis,7
para rechaçar a cultura de massa – “o gosto estético e intelectual foi desvir-
tuado pelo influxo de produtos de massa” (Ibidem, 244).8

56 Efeitos Sociais
Conformismo social: “Uma vez que os meios de comunicação são financia-
dos pelos grandes interesses econômicos, ...eles contribuem para a manu-
tenção desse sistema... [e apresentam] elementos de reiteração e aprova-
ção da estrutura social vigente; e esta contínua reiteração acentua a obri-
gação de aceitar tudo aquilo ligado à presente ordem social... Este fato
deve-se não apenas ao que é expresso, mas sobretudo ao que não é ex-
presso nem dito de forma explícita” (Ibidem, 242).
Paradoxalmente, embora afirmem que “os meios de comunicação de massa
devem ser incluídos entre os narcotizantes sociais mais respeitáveis e mais efici-
entes” (Ibidem, 241) – tão eficientes a ponto de impedir que os viciados reconhe-
çam sua própria doença – na conclusão do texto, Merton e Lazarsfeld parecem
estar ainda indecisos entre uma concepção de fortes efeitos e a permanência da
noção de efeitos limitados, voltando à questão do reforço das atitudes e à hipó-
tese do fluxo em duas etapas: dizem que o papel social que pode ser atribuído ao
meios por sua mera existência tem sido exagerado (Ibidem, 247); que “os meios
de comunicação têm sido efetivamente usados no sentido de canalizar atitudes
básicas, havendo, entretanto, poucas provas de que tenham conseguido
transformá-las” (Ibidem, 250); e falam da suplementação da propaganda de
massa por meio dos contatos pessoais e da “influência recíproca entre os meios
de comunicação e as influências na esfera pessoal” (Ibidem, 250).
Apesar de estarem de algum modo ainda voltados para os efeitos limita-
dos, os trabalhos destes autores são fundamentais para marcar uma mudança
na perspectiva dos estudos da comunicação. Primeiro, os estudos de Merton,
em particular, permitem, no âmbito mais geral da teoria sociológica estrutu-
ral-funcionalista, uma abordagem um tanto mais elaborada do conceito de
função, na medida mesmo em que prevê as funções manifestas, as funções
latentes e ainda as disfunções, que mostram que nem todos os atos de comu-
nicação possuem um valor positivo para o funcionamento do sistema.
Segundo porque, daí em diante, os estudos de comunicação afirmarão sem
medo a existência de “efeitos sociais de longo prazo”, efeitos esses que passam
a ser considerados em relação à totalidade social, e não mais aos indivíduos
considerados numa perspectiva meramente psicológica ou comportamental.
Finalmente, eles fornecerão o instrumental analítico e o vocabulário que con-
formarão muitos dos estudos posteriores, mesmo aqueles que transitam em
correntes teóricas sob muitos aspectos radicalmente distintas.
A “disfunção narcotizante”, por exemplo, foi alegremente acolhida no âmbi-
to de estudos dos efeitos. Se Merton e Lazarsfeld postulam que “a existência de

Efeito e Recepção 57
amplas massas da população politicamente apáticas e inertes não é de interesse
da moderna sociedade complexa” (1987:240-1), a recepção posterior da
narcotização irá considerá-la interessante para a manutenção do sistema. Em
geral, deixa-se de lado aquilo que era fundamental em Merton e em Lazarsfeld,
ou seja, a noção mesma de disfunção (e a riqueza que ela implica para a compre-
ensão dos efeitos) e ressalta-se a narcotização como um efeito pretendido pelos
media. Narcotização, apatia, conformismo são noções úteis a um bom número de
estudiosos que estarão ocupados em reiterar a concepção de um receptor passi-
vo, inconsciente, “viciado”, sem domínio sobre si mesmo.9
Essa tipologia das funções dos meios de comunicação influenciou muitos dos
estudos posteriores e acabou por culminar no modelo de Charles R. Wright, que,
além de acrescentar a função de “entretenimento” às outras três funções já
propostas por Lasswell, explicitou as condições de possibilidade de uma análise
funcionalista da comunicação de massa. Começando por especificar os tipos de
fenômenos da comunicação de massa que podem ser explorados pela aborda-
gem funcional-estrutural, Charles Wright irá afirmar, em 1960, seguindo postu-
lados de Robert Merton, que “a análise funcional se ocupa de examinar aquelas
conseqüências dos fenômenos sociais que afetam o funcionamento normal, a
adaptação ou o ajuste de um sistema dado: indivíduos, grupos, sistemas sociais
e culturais” (Wright, 1985:71). Mas para que um fenômeno social seja de interes-
se da investigação funcionalista ele deve ser “estandartizado”, isto é, “repetitivo”
e “normativo”. Com isso estariam aqui incluídos fenômenos tão amplos como a
estrutura social, os processos sociais, as normas culturais, as normas sociais, as
organizações grupais ou os dispositivos de controle social.
A própria comunicação de massa, considerada como processo social, é um
fenômeno normativo e repetitivo e, portanto, apropriado à análise funcional.
Wright vê pelo menos quatro modos de abordagem funcional da comunica-
ção. O primeiro deles supõe um grau de abstração maior e envolvia, à época,
grandes dificuldades de manipulação empírica – o que certamente diminuía o
número de estudos que a ele se voltavam. Esse primeiro tipo de análise busca-
va responder a uma pergunta fundamental:
Quais são as conseqüências – para os indivíduos, os pequenos grupos, os
sistemas sociais e culturais – de uma forma de comunicação que se
dirige a audiências amplas, heterogêneas e anônimas, pública e rapi-
damente, utilizando para este fim uma organização complexa e cara?
(Ibidem, 72).

58 Efeitos Sociais
Mais operacionalizável que o primeiro, um segundo tipo de abordagem
funcionalista iria analisar cada meio de comunicação em particular. Assim,
tem-se estudos dedicados à investigação de quais as funções cumpridas pela
imprensa, pela televisão, ou pelo rádio ou dedicados a identificar quais as
necessidades sociais e individuais que são satisfeitas por cada meio em parti-
cular.10 Um terceiro tipo prevê a mirada funcionalista na análise institucional
de qualquer organização da comunicação de massa. Um quarto tipo de abor-
dagem, finalmente, “estuda as conseqüências de desenvolver as ‘atividades
básicas da comunicação’ por meio da comunicação de massa” (Ibidem, 75) e
não pela comunicação face a face. Atividades básicas da comunicação, aqui,
significam as funções arroladas por Lasswell (“vigilância; integração; trans-
missão cultural”) acrescidas do “entretenimento”.
Por acreditar que este último tipo seja o mais promissor para o desenvolvi-
mento da teoria estrutural-funcionalista da comunicação, Wright passa a fa-
zer um inventário das funções das comunicações de massa e organiza um
quadro de efeitos da comunicação fundamental para a compreensão da abor-
dagem funcionalista sobre a comunicação naquele período. Ele cruza a pro-
posta de Merton e Lazarsfeld com a de Lasswell e chega a 12 elementos:
Existem 1. funções; 2. disfunções; 3. manifestas; 4. latentes; tais como a 5.
vigilância; 6. integração; 7. transmissão cultural; 8. entretenimento; que são
exercidas sobre 9. a sociedade; 10. os subgrupos; 11. o indivíduo; 12. os siste-
mas culturais (Wright, 1985:77).
Aqui são repetidos nossos já conhecidos efeitos dos meios de comunicação
sobre os indivíduos (apatia, ansiedade, narcotização, debilidade do espírito
crítico, passividade, degradação do gosto, evasão). Mas a novidade está em
evidenciar que a investigação sobre os efeitos irremediavelmente se volta
para os efeitos sociais e culturais. Assim, são considerados como efeitos sobre
a sociedade o incremento da coesão social, a ampliação das normas e experiên-
cias comuns, o fornecimento de informações essenciais para a vida cotidiana
(tais como notícias econômicas ou meteorológicas); ou por outro lado, a ameaça
da estabilidade, o pânico, o conformismo social e alguns entraves para a mu-
dança social e a ação. No âmbito cultural, a comunicação de massa ao mesmo
tempo em que favorece o intercâmbio cultural pode facilitar a invasão cultural,
reduzir a variedade das culturas locais, provocar a estandardização estética.
Uma outra conseqüência extremamente importante dos estudos
funcionalistas da comunicação chega por intermédio de Melvin DeFleur. É ele
quem irá complicar o modelo matemático de Shannon e Weaver, pondo em
destaque o processo desempenhado pela retroalimentação (feedback)11 no siste-

Efeito e Recepção 59
ma social. Ao analisar o mau gosto como fenômeno repetitivo e os veículos de
comunicação enquanto sistemas sociais, ele descreve quais são e o modo como
opera cada componente do sistema. Os “produtores”, os “patrocinadores”, as
“agências de propaganda”, os “distribuidores” (que na realidade são os veículos
ou cadeias de veículos), os “subsistemas de controle” (tais como os poderes
legislativos e algumas organizações civis), as “audiências” e os “institutos de
pesquisa” são os componentes principais do sistema de comunicação. A
retroalimentação dar-se-ia, na concepção do autor, com a intervenção dos insti-
tutos de sondagens de opinião, que colhem informações da audiência e as forne-
cem aos outros componentes do sistema, particularmente aos distribuidores.
De fato, a organização desses componentes não difere da organização pos-
tulada pelo modelo matemático. A rigor, é apenas uma variante, um tanto mais
complicada. Senão vejamos: os produtores, em acordo com os patrocinadores e
as agências de publicidade, preparam “diversas formas de conteúdo” que são
repassadas aos distribuidores (veículos ou cadeias de veículos); estes levam aquelas
diversas formas de conteúdo até as audiências. É claro que implica um certo
requinte entender cada um desses componentes como um subsistema em rela-
ção com outros subsistemas (por exemplo, os produtores dependem dos atores,
dos diretores, dos técnicos). É claro também que, na medida mesmo em que está
interessado em compreender a integração dos vários componentes de um siste-
ma social, o modelo sistêmico tornará difícil conceitualizar qualquer elemento
isolado do processo, separado de todos os outros.
Não há qualquer requinte, entretanto, na descrição que o autor faz das
audiências. Nesse caso, ele não faz mais do que reunir o que já vinha sendo
dito antes. Para o autor, a “audiência”
é um componente extremamente complexo. A audiência é estratificada,
diferenciada e inter-relacionada segundo as muitas formas que os cientis-
tas sociais há anos estudam. Algumas das principais variáveis que exer-
cem um papel no determinar como esse componente funcionará dentro do
sistema são as principais necessidades e interesses dos membros da audi-
ência, as várias categorias sociais nela representadas e a natureza dos
relacionamentos sociais entre membros dessa audiência. Essas variáveis
apontam para mecanismos de comportamento que determinam os mode-
los de atenção, interpretação e reação de uma audiência face a conteúdo
de um dado tipo (Defleur & Ball-Rokeach, 1993:152).12

Os estudos de comunicação permanecem, até aqui, devedores da teoria da


informação. A novidade se reduz mesmo a acrescentar os institutos de pesqui-

60 Efeitos Sociais
sa, que garantem o feedback. À medida que o receptor tende a responder ao
comunicador, ambos devem ser vistos em sua relação mútua e a estrutura
social mais ampla, que abrange cada um, aparece agora como subsistema de
um sistema global.

Usos e Gratificações
Uma herança importante da tradição estrutural-funcionalista para a compreen-
são da problemática dos efeitos, e ao mesmo tempo para indicar sua superação,
vem por meio da corrente dos usos e gratificações. Essa corrente surge como
decorrência direta da noção de feedback, que chamou a atenção dos pesquisado-
res para a capacidade de resposta da audiência. Percebeu-se, assim, que os
receptores originavam mensagens de retorno e acionavam processos de inter-
pretação baseados em suas experiências psicológicas e sociais. Essa corrente
sustenta que o consumo mediático é motivado e está orientado para satisfazer
certas necessidades individualmente experimentadas. Ao inverter os termos
dos questionamentos sobre a comunicação e, ao invés de perguntar o que os
media fazem às pessoas, perguntar o que é que as pessoas fazem dos media, a
hipótese dos “usos e gratificações” postulará, pela primeira vez, na história das
investigações sociológicas sobre a comunicação, a atividade do receptor.
Embora hoje se localize o começo da abordagem dos usos e gratificações num
trabalho realizado nos anos de 1940, sobre as gratificações que as audiências
buscavam das radionovelas, e publicado em Lazarsfeld & Stanton, 1944, seu maior
desenvolvimento se dá no início dos anos de 1970, com as investigações de Elihu
Katz, Denys McQuail e Jay Blumler. Segundo esse autores, cada meio de comunica-
ção possui determinados atributos capazes de produzir diferentes gratificações e,
como cada membro, individualmente, tem necessidades específicas e diferencia-
das, daí decorre que diferentes membros da audiência podem usar e interpretar
os conteúdos mediáticos de forma absolutamente idiossincrática.
Acredita-se que cada receptor pode usar e interpretar cada programa ou
meio de comunicação obedecendo apenas às determinações de suas próprias
necessidades e segundo as satisfações idiossincráticas que possa retirar da
exposição aos media. Isso implica, no limite, que não há qualquer determina-
ção do emissor ou do “texto” sobre os usos ou leituras, que passam a se deter-
minar apenas pelas necessidades psicológicas dos membros da audiência. Os
conteúdos dos meios podem, então, segundo essa corrente, ser interpretados
de modo absolutamente diferente tanto da intenção do emissor ou das prerro-
gativas do texto, quanto das leituras que os outros membros da audiência
possam fazer.

Efeito e Recepção 61
A hipótese dos “usos e gratificações”
contempla os membros do público como usuários ativos do conteúdo dos
meios, mais que como passivamente influenciados por eles. Portanto,
não presume uma relação direta entre mensagens e efeitos, senão que
postula que os membros do público fazem uso das mensagens e que esta
utilização atua como variável que intervém no processo do efeito (Katz;
Blumler & Gurevitch, 1985:129).13

O termo “efeito” seria um equívoco, na medida em que sugere que são os


meios que fazem algo com os receptores, quando segundo a hipótese dos
“usos e gratificações” se daria o contrário: são os receptores que usam os
meios. É o receptor quem determina que um processo de comunicação ocorra
e em que condições (Ibidem, 137). Em outros termos, para a corrente dos “usos
e gratificações”, o processo comunicativo depende, exclusivamente, das ne-
cessidades individuais dos receptores e não têm qualquer relação com a estru-
tura dos meios ou com a estrutura dos textos mediáticos.
A investigação sobre os “usos e gratificações” insere-se na teoria funciona-
lista dos media, constituindo seu desenvolvimento empírico mais representati-
vo. Segundo essa corrente, é possível conceber, em termos funcionais, a satis-
fação das necessidades dos indivíduos. Os usos dos media são analisados do
ponto de vista das suas conseqüências para o funcionamento do sistema social.
Em substituição às quatro funções pensadas por Lasswell e Wright (“vigi-
lância; integração; transmissão cultural; e entretenimento”), os pesquisadores
dos “usos e gratificações” propõem uma nova categorização das funções: a)
diversão (incluindo a fuga da rotina, o escape dos problemas e a liberação
emocional); b) relações pessoais (incluindo a companhia substituta assim como
a utilidade social); c) identidade pessoal (incluindo a referência pessoal, a explo-
ração da realidade e o reforço de valores); e d) a vigilância do entorno por
entenderem que aquela tipologia não reflete a gama completa das funções
que se pode atribuir aos meios (cf. Ibidem, 144).
Tratar o conjunto das necessidades dos receptores como variáveis fun-
cionais no estudo dos efeitos da comunicação implica um deslocamento da
origem do efeito do conteúdo da mensagem para todo o contexto comuni-
cativo. Isso porque os dados empíricos da uses and gratifications research
demonstram que as satisfações podem ser derivadas não somente do con-
teúdo dos meios, senão do próprio ato da exposição em si ou do contexto
comunicativo que tipifica a situação de exposição (por exemplo, a necessi-
dade de passar o tempo livre com a família pode ser satisfeita pela televi-

62 Efeitos Sociais
são e pode determinar a escolha desse meio, independentemente do pro-
grama escolhido).
Isso terá como conseqüência imediata, primeiro, a realização de estudos
diretos sobre as atrações do público, independentemente da análise de con-
teúdos; depois, um maior burilamento na concepção dos meios, que passam a
ser analisados não só em função de seu conteúdo característico, mas de seus
atributos típicos (por exemplo, como meio impresso ou meio audiovisual) e das
situações de exposição que favorecem (no lar ou fora dele, sozinho ou com
outros). É a relação entre as necessidades que os públicos querem ver satisfei-
tas pelo consumo mediático e os diferentes atributos tecnológicos ou estéticos
dos meios, a sua “gramática”, que será o alvo dos levantamentos empíricos.
É comum saudar-se a corrente dos “usos e gratificações” como uma viragem
epistemológica importante no estudo da influência da comunicação midiática.
Em geral, afirmar-se-á que “a investigação empírica abandonava uma orienta-
ção essencialmente ‘mediacêntrica’ em proveito de um novo interesse pelo
utilizador e o seu modo de recepção dos media” (Breton & Proulx, 1997:184-5).
Reconhecer os receptores como ativos; priorizar os usos e as gratificações
de necessidades sociais e psicológicas em detrimento do efeito direto; compre-
ender que os meios de comunicação têm uma influência que está além ou
aquém do conteúdo das mensagens veiculadas, mas que remete às caracterís-
ticas tecnológicas e estéticas de cada veículo e aos contextos que caracterizam
a situação de exposição; considerar que a simples exposição aos meios já pode
ter importância para um receptor, independentemente do conteúdo exibido;
são “novidades” trazidas, ou pelo menos melhor elaboradas, pela corrente dos
“usos e gratificações”. Entretanto, parece-nos um exagero falar em “viragem
epistemológica”, em “mudança de paradigmas”.
Em primeiro lugar, porque uma olhadela mais cuidadosa na própria histó-
ria das investigações sobre os efeitos mostra ser falsa a afirmação de que
somente agora se passa a dar mais ênfase às experiências dos receptores do
que às mensagens. A rigor, os receptores vêm sendo alvo de investigações
desde, pelo menos, os estudos de Hadley Cantril sobre o pânico provocado
pela radiotransmissão de A Guerra dos Mundos.
Em segundo lugar, é difícil aceitar a hipótese de uma mudança de para-
digmas porque, embora a corrente dos “usos e gratificações” seja pioneira em
afirmar a “atividade” dos receptores, o modo mesmo como essa atividade é
pensada não tem nada de novo e remete em muitos aspectos aos estudos
sobre os efeitos limitados. Falar em “atividade” implica falar em “mediação” de
fatores psicológicos, sociais, culturais. De fato, o próprio Elihu Katz, investiga-

Efeito e Recepção 63
dor que tem se dedicado a desenvolver essa corrente até os dias de hoje,
entende que a seletividade, que juntamente com as relações interpessoais
constituiu o pilar da idéia de mediação, “engendrou a tradição dos ‘usos e
gratificações’” (Katz, 1998:96).
Até aqui, a corrente dos usos e gratificações apresenta alguns limites na
sua compreensão do receptor. Primeiro, retoma-se boa parte dos postulados
do período dos efeitos limitados. É a hipótese de que fatores psicológicos
mediam a relação entre os receptores e os meios que se encontra aqui
reformulada de modo a atender as orientações da perspectiva estrutural-
funcionalista e, portanto, mais atenta ao contexto social e a uma perspectiva de
longo prazo. Depois, e apesar da aparente preocupação com o contexto social,
ao estar voltada para os processos subjetivos de satisfação das necessidades
individuais, a corrente dos usos e gratificações acaba por acentuar uma ima-
gem da audiência como indivíduos isolados.
A principal crítica que se faz à corrente dos usos e gratificações diz respeito
justamente à sua ênfase nas necessidades psicológicas individuais, ou como dirá
David Morley mais tarde, “na sua natureza insuficientemente sociológica”
(1996:84). A ênfase se põe sobre os estados mentais, as necessidades e satisfações
individuais abstraídas da situação social dos indivíduos, que aparecem aqui
completamente alheios à estrutura social, aos grupos de pertencimento, às
subculturas. A conseqüência da abordagem psicologista dos “usos e gratifica-
ções” é um levantamento cada vez mais exaustivo das diferenças individuais de
interpretação, sem que essas leituras idiossincráticas que os receptores reali-
zam possam ser compreendidas em qualquer marco mais amplo de análise.
Além disso, e aqui está nosso terceiro motivo para rejeitar a idéia de uma
“viragem epistemológica”, conceber o público como ativo implica, nesse caso,
supor que “uma parte importante do uso dos meios massivos seja dirigida a
objetivos” (Katz; Blumler & Gurevitch, 1985:135). Mantém-se uma concepção
teleológica da comunicação, inerente ao modelo matemático: as experiências
com os meios são uma atividade racionalmente orientada. A corrente dos “usos
e gratificações” traz implícita a noção de uma utilização instrumental dos
meios de comunicação.
A corrente dos “usos e gratificações” se preocupou em demasia em afirmar
o poder do receptor e essa preocupação se traduziu em dois modos correlatos
de abordar a relação entre os meios e os receptores:
a. Não se analisava, em absoluto, o texto. Partia-se, a priori, da concepção de
que os textos são polissêmicos, de que as mensagens são “abertas”. O
“texto” dos meios era avaliado “como se se tratasse de manchas de tinta,

64 Efeitos Sociais
sem ter que ver com a compreensão que os espectadores tinham dele”
(Katz, 1998:97-8).
b. Do lado da audiência, embora haja algum esforço de se lançar aos estu-
dos de caráter etnográfico, sobretudo para investigar as satisfações reti-
radas dos contextos de exposição aos meios, na maioria dos casos o pro-
grama de investigação consistiu em medir os tipos de satisfações ligadas
à utilização dos media ou a suportes específicos valendo-se dos depoi-
mentos dos receptores. Do ponto de vista metodológico, supõe-se que as
pessoas são suficientemente conscientes para poder informar sobre seus
interesses e seus motivos. Assim, essa abordagem produziu pouco mais
que uma lista de razões que as pessoas alegam para justificar seu consu-
mo dos meios.
Apesar de todas as suas limitações, a investigação sobre os usos e gratifica-
ções, ao questionar o paradigma dos efeitos, destacando as variações de usos
que os receptores fazem dos meios; ao chamar a atenção dos investigadores
para a atividade do receptor; ao considerar a importância das experiências
psicológicas (e mais tarde, ainda que em menor escala, sociais e culturais) do
receptor no processo comunicativo, está na origem do que se convencionou
chamar “estudos de recepção”.14

A Teoria Crítica
Contemporaneamente à perspectiva funcionalista, começa a tomar corpo
uma outra corrente de estudos que lhe é oposta em vários pressupostos.
Conhecida como “teoria crítica”,15 a análise social dos meios de comunicação
desenvolvida por seus autores deixou marcas indeléveis sobre esse campo
de estudos. Vertente européia de investigação, reconhecida a partir da pro-
dução intelectual dos autores filiados ao Instituto de Pesquisa Social de Frank-
furt,16 fundado na década de 1920, e cujos autores de maior expressão são
Walter Benjamin, Leo Lowenthal, Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert
Marcuse e Jürgen Habermas, a Escola de Frankfurt percorreu três grandes
temas: “a dialética da razão iluminista e a crítica à ciência; a dupla face da
cultura e a discussão da indústria cultural; e a questão do Estado e suas
formas de legitimação na moderna sociedade de consumo” (Freitag, 1990:32).
A teoria crítica se propunha analisar os fenômenos sociais considerando
seus aspectos econômicos, culturais, históricos e ideológicos e, com isso, possi-
bilitou ao campo de estudos da comunicação uma abordagem mais especulativa
e menos empírica. São temas chaves dessa corrente de estudos de filiação
freudo-marxista o problema da homogeneização cultural e da estandardização

Efeito e Recepção 65
vistos como estratégias montadas para manipular os consumidores dos pro-
dutos da indústria cultural e obter adesão ao sistema.
Ainda que existam diferenças – por exemplo, Benjamin e Habermas não
assumem o mesmo tom pessimista de Adorno e Horkheimer – e ainda que os
próprios autores passem por diversas fases de pensamento – a partir de Dialética
do Esclarecimento Adorno e Horkheimer assumem um tom cada vez mais
desesperançado – em geral, os pensadores de Frankfurt entendem a cultura e
a comunicação de massa como inseridas no sistema capitalista de produção,
obedecendo ao mesmo modelo de gestão, organização e distribuição, à mesma
racionalidade técnica, que caracteriza qualquer produto industrializado. A con-
junção entre arte e tecnologia será um dos mais freqüentes alvos da reflexão
frankfurtiana sobre a cultura e justificará uma das principais críticas feitas a essa
escola: a de que ela se caracterizaria pela “nostalgia de uma experiência cultural
livre da ligação com a técnica” (Mattelart & Mattelart, 1997:67).
A questão é que, para os frankfurtianos, a relação entre arte e técnica
remete ao totalitarismo e leva a arte a perder sua função revolucionária, ou
seja, a capacidade de “comunicar o horror daquilo que é e a promessa daquilo
que pode ser” (MARCUSE.1982: 246).17 Inevitavelmente influenciados pela as-
censão do nazi-fascismo, reivindicam uma técnica
que é o oposto da tecnologia e da técnica que dominam as sociedades
repressivas de hoje, isto é, uma técnica liberta do poder destrutivo que
experimenta homens e coisas, espírito e matéria como simples matéria de
fracionamento, de combinação, de transformação, de consumo (Ibidem, 253).

O nazismo, a experiência do exílio nos Estados Unidos e o conseqüente


contato com a sociedade de consumo norte-americana e com o macarthismo, a
degeneração da experiência comunista com o governo stalinista na URSS le-
vam Adorno, Horkheimer e o próprio Marcuse nos seus últimos escritos, a
perder de vez a esperança de que um dia a razão possa cumprir seu compro-
misso com a liberdade e a autonomia individual. Assumirão, a partir de então,
o tom de denúncia contra a razão instrumentalizada em favor da liquidação do
sujeito. A investigação sobre a “indústria cultural” levada a cabo por Adorno e
Horkheimer é um dos momentos mais ilustrativos dessa denúncia.

A Indústria Cultural
A discussão sobre a “indústria cultural”18 – expressão mais amplamente difun-
dida a partir da publicação de Dialética do esclarecimento, de Adorno e
Horkheimer, em 1947 – pretende mostrar “a regressão do esclarecimento à

66 Efeitos Sociais
ideologia” (Adorno & Horkheimer, 1991:16). A “indústria cultural” é entendida
como instrumento de reprodução das relações dominantes e será responsabi-
lizada por anular as consciências dos indivíduos para garantir uma adesão
irrestrita aos valores do sistema social dominante.
“Indústria cultural” substitui uma outra expressão, mais corriqueira à época,
“cultura de massa”, para evitar a interpretação de que se trataria de uma cultu-
ra produzida pelas massas. A indústria cultural se distingue radicalmente tanto
da “cultura superior” quanto da “cultura popular” e diz melhor respeito a um
tipo de cultura que, ao mesmo tempo, é adaptada ao consumo das massas e
determina esse consumo: “A indústria cultural é a integração deliberada, a par-
tir do alto, de seus consumidores” (Adorno, 1987a:287).19 O que caracteriza a
“arte para o consumidor” é a total perda da sua autonomia, na medida em que
a “especulação sobre o efeito” e “a motivação do lucro” passam a ser seus únicos
critérios. “A difundida tese de que a indústria cultural seria a arte dos consumi-
dores é falsa, é a ideologia da ideologia” (Idem, 1986c:106).20 É necessário, segun-
do os autores, rechaçar a tese de que há uma arte dos consumidores, pois ela
facilita a leitura de que a relação entre a cultura de massa e seus receptores se dá
harmoniosamente pelo mecanismo da oferta e da procura.
Este é um dos pontos de divergência entre a teoria crítica e a sociologia
empírica americana. Para os autores filiados ao Instituto de Pesquisa Social de
Frankfurt
os pontos de partida [para análise da comunicação e da cultura de
massa] não são os dados de mercado. Sustenta-se que a pesquisa empírica
está operando sob a falsa hipótese de que a escolha do consumidor é o
fenômeno social decisivo, a partir do qual se deveria levar a efeito a
análise. Nossa primeira questão é: quais são as funções da comunicação
cultural dentro do processo total da sociedade? ...Seu objetivo é mais o
de descobrir como os elementos objetivos de um todo social são produzi-
dos e reproduzidos nos meios de comunicação de massa. Destarte, não
aceitaríamos o gosto das massas como sendo a categoria básica, mas
insistiríamos em descobrir como o gosto é impingido aos consumidores
como um resultado específico das condições e interesses tecnológicos,
políticos e econômicos dos senhores na esfera da produção. Gostaríamos
de investigar o que ‘gostar’ ou ‘não gostar’ efetivamente significam em
termos sociais (Lowenthal, 1987:310).21

O envolvimento da produção cultural de massa com a lei do livre mercado


esconde e ao mesmo tempo justifica a estandardização, característica funda-

Efeito e Recepção 67
mental de todo e qualquer produto da indústria cultural. A estandardização
chega mesmo a ser o único critério que permite distinguir com segurança a
“cultura séria” e a cultura de massa: “padronização e não-padronização são os
termos contrastantes fundamentais para estabelecer a diferença” (Adorno,
1986a:120).22 Num de seus vários ensaios sobre a música, Adorno mostra como
a estandardização atinge tanto a estrutura quanto a forma musical, sendo
escamoteada, às vezes, pelo recurso a estruturas de efeitos supostamente
individuais, mas que só fazem oferecer repetidamente a mesma coisa. Massa-
crados pela rotina do trabalho mecanizado, os homens só podem ocupar seu
tempo livre com atividades que não exijam qualquer esforço, mas ao mesmo
tempo possibilitem uma fuga da rotina.
Toda a esfera da diversão comercial barata reflete esse duplo desejo. Ela
induz ao relaxamento porque é padronizada e pré-digerida. Sendo
padronizada e pré-digerida serve, na psicologia familiar das massas,
para poupar-lhes o esforço dessa participação (mesmo de ouvir ou obser-
var), sem o qual não pode haver receptividade à arte. Por outro lado, os
estímulos que ela providencia permitem uma escapadela da monotonia
do trabalho mecanizado (Ibidem:136).

A estandardização é inerente à indústria, à cultura e ao comportamento


dos seres humanos na “sociedade unidimensional” e é fundamental para que
a indústria cultural alcance seu efeito sobre os receptores, configurando uma
espécie de cenário para que o efeito se dê. Em conexão com a estandardização
do homem está o conformismo e a regressão psicológica.

Os Efeitos da Cultura Industrializada: Regressão e Conformismo


O efeito de conjunto da indústria cultural é o de uma
antidesmistificação, a de um antiiluminismo (anti-Aufklärung);
nela... a desmistificação, a Aufklärung, a saber a dominação
técnica progressiva, se transforma em engodo das massas, isto é,
em meio de tolher a sua consciência. Ela impede a formação de
indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de
decidir conscientemente (Adorno, 1987a:295).

A indústria cultural é acusada de alienar, exercer controle social, ser perni-


ciosa para o desenvolvimento mental e emocional, padronizar o gosto e coloni-
zar o imaginário, induzir ao consumismo, impor o conformismo e engendrar a

68 Efeitos Sociais
regressão psicológica dos indivíduos. Adota-se uma visão particularmente ver-
tical e onipotente do poder dos media. Os receptores são as vítimas (cf. Idem,
1986c:107) da indústria cultural e a relação que se dá entre eles é de manipu-
lação. Pressupõe-se, na maior parte das vezes, uma relação direta entre a
intenção do emissor e o efeito.
Para Adorno e Horkheimer, a indústria cultural constitui um sistema de
estímulos que por todos os meios capturam os homens. Haveria uma “lógica da
dominação consciente e estrategicamente elaborada para impedir a atividade
intelectual” dos receptores (cf. Adorno & Horkheimer, 1991:119), tornando-os
seres humanos de “reflexos condicionados” (cf. Adorno, 1986a:121). Em Dialética
do esclarecimento, em 1947, Adorno e Horkheimer escrevem:
...O filme ‘adestra’ o espectador ...Atualmente, a ‘atrofia’ da imagina-
ção e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzi-
da a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos ... ‘paralisam’ essas
capacidades em virtude de sua própria constituição objetiva. São feitos
de tal forma que... ‘proíbem a atividade intelectual do espectador’...
(Adorno & Horkheimer, 1991:119 g.n.).

Ou ainda:
O espectador ‘não deve ter necessidade de nenhum pensamento pró-
prio, o produto prescreve toda reação’...Toda ligação lógica que pressu-
ponha um ‘esforço intelectual é escrupulosamente evitada...O pensa-
mento é ele próprio massacrado e despedaçado’ (Ibidem, 128-9, g.n.).

Os produtos da indústria cultural encontram-se prenhes de ideologia, já


que supõem uma tecnologia industrial que é indissociável de uma situação
global em que fatores sociais, econômicos, culturais e políticos são interdepen-
dentes. A idéia é de que os meios não apenas veiculam ideologia, mas são, eles
próprios, ideologia. Vejamos o que diz Adorno:
Os aspectos sociais, técnicos e artísticos da televisão não podem ser
tratados isoladamente. São amplamente interdependentes... O próprio
meio de comunicação... insere-se no âmbito do esquema abrangente da
indústria cultural e...leva adiante a tendência daquela no sentido de
cercar e capturar a consciência do público por todos os lados (...) É
somente no conjunto de todos os procedimentos mutuamente
afinados...que se forma o clima da indústria cultural (Adorno,
1987b:346/347).

Efeito e Recepção 69
Diferentemente das correntes e teorias anteriores – e essa é uma diferen-
ça significativa para uma historiografia dos estudos dos efeitos – para a teoria
crítica o problema não se restringe aos conteúdos e mensagens explicitamente
emitidos pelos meios de comunicação, mas remete a toda sua estrutura e
configuração política:
Não mais importam tanto os conteúdos ideológicos específicos quanto o
fato de que simplesmente haja algo preenchendo o vácuo da consciência
expropriada... É presumivelmente bem menos importante para o con-
texto social dominante quais as doutrinações ideológicas específicas que
um filme sugere a seus espectadores do que o fato de que estes, ao
voltarem para casa, estão mais interessados nos nomes dos atores e nos
seus casamentos e casos amorosos (Idem, 1986b:87).

Daí porque Adorno chama a atenção de que, para desnudar os efeitos dos
filmes ou da televisão, será preciso ir além das simples análises de conteúdo e
chega a considerar, num certo momento, que pode haver uma boa margem de
variação entre a intenção dos emissores e o efeito produzido, ainda que essa
variação seja de todo modo prevista e controlada pelo sistema da indústria
cultural (cf. Idem, 1986c:102). Os meios de massa são organizados de modo a
apresentar várias camadas de significados superpostas umas às outras, todas
elas contribuindo para o efeito, todas elas organizadas de modo a capturar o
receptor. Daí porque não se pode atribuir aos meios de comunicação uma
mensagem inequívoca. Diferentemente do que virá a ser defendido posterior-
mente, por algumas correntes dos estudos literários e dos estudos culturais
britânicos, aqui a polissemia dos meios de comunicação aparece como mais
uma estratégia de captura de sentido.
A teoria crítica entende o “efeito” como sendo social e cumulativo (cf. Idem,
1986d:110). Por isso, os autores de Frankfurt recusam a Sociologia americana,
pois entendem que o efeito não pode ser determinado apenas pelas pesquisas
empíricas, que não teriam instrumental adequado para tanto. Adorno indica a
necessidade de tratamento empírico da problemática dos efeitos,23 diz-se
incompreendido quando seus escritos são considerados antitéticos à pesquisa
sociológica empírica (cf. Ibidem, 109), mas ressalta que tais pesquisas só po-
dem ser úteis se confrontadas às análises dos mecanismos das obras e às
análises dos mecanismos estruturais da indústria cultural. Para o estudo dos
efeitos, é importante considerar, por exemplo, a “especificidade” “artística” de
cada meio (cf. Idem, 1986c:101). O efeito da indústria cultural só se determina
pela referência a todo o seu contexto de atuação:

70 Efeitos Sociais
Os efeitos dependem de inúmeros mecanismos de difusão, de controle social
e de autoridade, e, por fim, da estrutura da sociedade, dentro da qual
podem ser examinados seus contextos de atuação. Dependem também dos
estados de consciência e de inconsciência – que são socialmente determina-
dos – daqueles sobre os quais o efeito se exerce (Idem, 1986d:108).

Adorno e sua Teoria do Ouvinte


Se a indústria cultural é sempre vitoriosa em suas estratégias para capturar o
receptor, incitar o conformismo e obter adesão ao sistema dominante, poderí-
amos inferir que se descarta completamente a possibilidade de uma recepção
ativa. E, de fato, assim argumentam Adorno e Horkheimer em Dialética do
esclarecimento e em suas obras posteriores. Fala-se mesmo em “passividade
das massas” e na liquidação do sujeito como o sinal característico da nova
época em que vivemos (cf. Adorno, 1999:72-3).24
Entretanto, nem sempre a relação entre indústria cultural e seus receptores
foi compreendida desse modo. Pelo menos numa primeira fase do pensamento
de Adorno, aquela anterior à publicação de Dialética do esclarecimento, a relação
entre os media e os receptores é descrita como sendo ambígua, ambivalente e,
sobretudo, exigindo uma postura ativa e voluntária dos receptores.
Num texto originalmente publicado em 1941, “Sobre música popular”,
Adorno (1986a: 115-146) formula uma teoria do ouvinte e mostra que os hábi-
tos de audição são formados por um processo de “repetição, reconhecimento,
identificação, posse – ou propriedade – e aceitação”. A “repetição”, que apare-
ce como uma das principais características dos produtos da indústria cultural
tanto em Adorno e Horkheimer quanto em Walter Benjamin, acaba por tornar
os produtos reconhecidos e finalmente aceitos. No entender de Adorno, as
razões da popularidade dos hits musicais poderão ser encontradas mediante a
“análise teórica dos processos envolvidos na transformação da repetição em
reconhecimento, e do reconhecimento em aceitação” (Ibidem, 130). Sua repe-
tição em alto grau acaba por fazer com que os ouvintes reconheçam um deter-
minado hit, e isso independentemente da qualidade musical. O reconhecimen-
to faz com que o ouvinte de certo modo “possua” aquele hit. E é esse sentimen-
to de propriedade que provoca prazer, prazer que é transferido para o pró-
prio hit: o ouvinte tenderia a transferir a “gratificação da propriedade para o
próprio objeto e atribuir a ele, em termos de gosto, de preferência ou qualida-
de objetiva, o prazer da posse que se tenha alcançado” (Ibidem, 134).
A questão que nos parece decisiva é que Adorno admite que, em algum
nível, o ouvinte se dá conta desse processo. Ainda que a indústria cultural apele

Efeito e Recepção 71
para uma estrutura mental de distração e desatenção, reforçada pelo modo de
produção mecanizado e favorecida pelo tédio e esforço do trabalho repetitivo, os
receptores têm alguma consciência da sua submissão e, mais importante – ainda
que paradoxal –, para gozar do entretenimento que não demande quaisquer
esforços, devem investir alguma energia nisto. Haveria um jogo de forças entre
o “desejo de obedecer” e o “desejo de resistir”. No contexto concreto da indústria
cultural, a desproporção entre a força do indivíduo e a concentrada estrutura
social que faz pressão sobre ele acaba por minar sua resistência.
É claro que ‘isso não implica a absoluta eliminação da resistência’. Mas
ela é levada a estratos cada vez mais profundos da estrutura psicológi-
ca. A energia psicológica precisa ser investida diretamente, a fim de
que se supere a resistência. Pois ‘essa resistência não desaparece com-
pletamente na rendição a forças externas, mas mantém-se viva dentro
do indivíduo e continua sobrevivendo até mesmo no exato momento do
consentimento’ (Ibidem, 142 g.n.).

Os traços mais marcantes da ambivalência que caracteriza a relação dos


ouvintes com a música popular são, para Adorno, o despeito e a fúria que se
verificam em algumas ocasiões. Se os ouvintes se submetem ao “lixo musical”,
essa submissão não é de todo inconsciente e não se dá sem um correspondente
mal-estar. Os ouvintes devem, inclusive, investir muita energia para esconder
esse mal-estar. Despeito e fúria seriam os sinais de reação dos ouvintes contra
a imposição dos produtos sem qualidade.
A massa dos ouvintes foi posta em total prontidão para juntar-se à
vagamente percebida conspiração dirigida contra eles para identificar-
se com o inevitável e para manter ideologicamente aquela liberdade
que cessou de existir como realidade. O rancor do engano é transferido
para a ameaça de que ele se torne consciente e eles defendem com fervor
a sua própria atitude, já que isso lhes permite ser voluntariamente
enganados. O material, para ser aceito, também necessita desse des-
peito. O seu caráter de mercadoria, a sua estandardização opressiva,
não é tão recôndita, a ponto de não ser perceptível. Apela para a ação
psicológica por parte do ouvinte. Passividade apenas não basta. O ou-
vinte precisa forçar-se a aceitar (Ibidem, 143).

Desse modo Adorno explicitamente contesta as mesmas assunções que


posteriormente virá defender – quais sejam, a passividade das massas, a
consideração dos receptores como insetos, os jitterbugs, que agiriam por refle-

72 Efeitos Sociais
xo condicionado, a idéia de que os meios teriam o poder de injetar diretamente
nos receptores seus conteúdos ideológicos – e afirma que tal compreensão
precisa ser modificada. Se se guardou do pensamento de Frankfurt uma des-
crição da comunicação que a descreve “em termos muito semelhantes aos da
teoria hipodérmica” (Wolf, 1994a:88; cf. também Morley, 1996:74), certamente
essa memória não é rigorosa: Adorno fala de
uma tendência que transcende os reflexos socialmente condicionados: a
tendência à fúria... Essa fúria não pode ser simplesmente atribuída à
aceitação passiva do que é dado. É essencial à ambivalência que o
sujeito não reaja de modo simplesmente passivo. Passividade completa
exige uma aceitação inequívoca. No entanto, nem o próprio material,
nem a observação dos ouvintes, sustentam a suposição de tal aceitação
unilateral. Apenas deixar de resistir não é suficiente para a aceitação
do inexorável (Adorno, 1986a:144).

E mais, Adorno não apenas se posiciona de modo contrário à hipótese de


que os receptores agiriam segundo reflexos condicionados, mas defende mes-
mo que a aceitação dos produtos da indústria cultural requer uma “resolução
deliberada” por parte dos receptores, uma “decisão de se conformar... A deci-
são é um ato da vontade, próximo à superfície da consciência” (Ibidem, 144).
Esse comportamento “quase racional” dos receptores implica que nem
tudo está perdido, indica que ainda há alguma possibilidade de que os indiví-
duos possam ser suficientemente fortes para se livrar dos desígnios da indús-
tria cultural. Para consumir os produtos da indústria cultural, “não basta, de
modo algum, desistir de si mesmo e ficar passivamente alinhado. Para ser
transformado em um inseto, o homem precisa daquela energia que eventual-
mente poderia efetuar a sua transformação em homem” (Ibidem, 146).
É claro que Adorno considera já aqui os ouvintes como vítimas da regres-
são, e é essa perspectiva que se destacará em sua obra posterior. É claro
também que, para o autor, a atividade possível para a maior parte dos ouvin-
tes é a pseudo-atividade (cf. Idem, 1999:98), no entanto, não se pode deixar de
considerar que Adorno antecipou em seus escritos alguns importantes ele-
mentos de um programa de investigação em recepção, pelo menos no modo
como isso tem sido proposto a partir dos estudos culturais ingleses.25
Em primeiro lugar, os pensadores de Frankfurt, de um modo geral, pro-
põem que a investigação sobre a indústria cultural deve relacionar a estrutura
e a forma dos produtos às condições de sua recepção, o que implica considerar
fatores sociais, econômicos, culturais e políticos das sociedades contemporâneas.

Efeito e Recepção 73
Isso significa considerar os receptores como membros de uma sociedade capi-
talista – unidimensional, diria Marcuse – com específicas características que
constringem o processo receptivo e que constituem o cenário para que o efeito
se dê. Portanto, para a teoria crítica, o efeito não é conseqüência da transmis-
são de mensagens ou conteúdos específicos, mas da configuração global do
sistema da indústria cultural. Confrontar o efeito com as análises dos mecanis-
mos internos do produto cultural, considerando mesmo a especificidade técni-
ca e artística de cada ambiente ou meio de comunicação utilizado, e dos meca-
nismos do sistema da indústria cultural é um caminho de investigação sugeri-
do por Adorno e só muito recentemente recuperado, no mais das vezes sem
que se lhe dê o crédito.
Em segundo lugar, a relação entre a indústria cultural e seus consumido-
res não se dá harmoniosamente, pela relação de oferta e procura. Mas, se esse
é um postulado geral dos investigadores de Frankfurt, postulado que se cons-
truiu em oposição direta aos investigadores da sociologia empírica americana,
é Adorno quem trará uma contribuição decisiva para a compreensão da rela-
ção entre media e recepção, antecipando os argumentos posteriores de que
essa relação é ambígua, ambivalente, complexa, regida por complicados me-
canismos psicossociais e de poder.

O Efeito da Cultura Tecnicamente Reproduzida: “Moldagem da


Percepção”
Walter Benjamin não compartilha com Adorno e Horkheimer a mesma visão
negativa sobre as conseqüências da associação entre arte e técnica. Para Ben-
jamin, o totalitarismo é uma conseqüência circunstancial dessa associação,
mas nada impede que a associação entre arte e técnica possa vir a cumprir
objetivos revolucionários ou, pelo menos, democráticos. A conjunção entre
arte e técnica, que naquele momento tinha no cinema seu exemplo mais com-
pleto, pode vir a “favorecer uma crítica revolucionária das relações sociais,
inclusive do próprio estatuto da propriedade” (Benjamin, 1982:226).26 De todo
modo, para Benjamin o cinema já é revolucionário pelas modificações que
causa nos modos de percepção:
Por conta do grande plano, é o espaço que se amplia; por conta da
câmera lenta, é o movimento que toma novas dimensões. Assim como a
ampliação não tem por única finalidade tornar mais claro o que ‘sem
ela’ seria confuso (graças a ela, pelo contrário, vemos aparecerem novas
estruturas da matéria), tampouco a câmera lenta coloca simplesmente

74 Efeitos Sociais
em relevo formas de movimento que já conhecíamos, mas descobre
outras formas, perfeitamente desconhecidas... (Ibidem, 233).

Há em comum entre os autores de Frankfurt a assunção de que a reprodu-


tibilidade técnica das obras artísticas leva à perda da aura e à submissão da
arte ao consumo, mas Benjamin consegue ver que está em jogo uma transfor-
mação radical das formas de percepção. Desconfiar da massificação decorren-
te da reprodução da obra de arte – “...A reprodução em massa corresponde de
perto à reprodução das massas” (Idem.1985a: 194) – não o impede de perceber
que as próprias técnicas de reprodução passam cada vez mais a se apresentar
como formas originais de arte e que a obra, ela própria, é cada vez mais uma
obra de arte criada para ser reproduzida. Isso, para Benjamin, implica a modi-
ficação dos critérios de julgamento estético, até então, válidos.
O efeito decisivo dessas novas formas artísticas possibilitadas pela
reprodutibilidade técnica é criar um novo receptor, que já não é aquele que
contempla, que se deixa abandonar pelas próprias associações de idéias, mas
aquele que, enquanto examina, se distrai. A diversão entra aí como o elemento
definidor de novas formas de recepção da obra de arte tecnicamente
reproduzida, diversão que é garantida pelo efeito de choque.27 Esse efeito de
choque, que já aparecia no dadaísmo, é levado ao extremo no cinema, onde o
olhar jamais consegue se fixar e é todo o tempo atraído pelas modificações de
lugar, de cenário, de tempo, de enquadramento.
...A arte nos confirma, implicitamente, que nosso modo de percepção é
hoje capaz de responder a novas tarefas... É o que faz atualmente através
do cinema. Esta forma de recepção mediante o divertimento, cada vez
mais evidente hoje em todos os domínios da arte, e que é em si mesma um
sintoma de importantes modificações nos modos de percepção, encontrou
no cinema seu melhor campo de experiência. Por seu efeito de choque, o
filme corresponde a esta forma de recepção. Se ele rejeita basicamente o
valor cultual da arte, não é apenas porque transforma cada espectador
em especialista, mas porque a atitude deste especialista não exige de si
nenhum esforço de atenção. O público das salas escuras é indubitavelmente
um examinador, mas um examinador que se distrai (Idem, 1982:238).

Benjamin contesta os argumentos elitistas contra o cinema, segundo os


quais o cinema seria um espetáculo que não requer concentração nem pressu-
põe qualquer inteligência e mostra que, a rigor, o cinema modifica a relação
entre a massa e a obra de arte tecnicamente reproduzida. Essa relação traduz

Efeito e Recepção 75
um comportamento progressista que se caracteriza pela ligação direta entre o
prazer de ver e sentir e a capacidade de crítica. “No cinema, o público não
separa a crítica da fruição” (Ibidem, 231).
A teoria crítica, sobretudo como ela aparece em Adorno e Horkheimer, per-
manece ainda hoje uma das principais fontes conceituais para autores preocu-
pados com os efeitos dos mass media e terá uma influência decisiva sobre os
estudos culturais ingleses, que serão responsáveis, a partir da década de 1980,
pelas investigações mais inovadoras sobre a relação entre media e recepção.
Entretanto, ainda estão por ser plenamente exploradas as conseqüências
do pensamento de Walter Benjamin para a compreensão do processo de re-
cepção. Os novos modos de ver e compreender o mundo, a nova sensibilidade,
um novo raciocínio, mais estético, mais visual e sonoro, e que implicam uma
nova forma de percepção do mundo, característica da era audiovisual, ainda
são pouco compreendidos.28

Efeitos da Tecnologia sobre a Sensibilidade


McLuhan tem o mérito de, já em meados da década de 1950, “reconhecer que
a própria forma de qualquer meio de comunicação é tão importante quanto
qualquer coisa que ele transmita” (1982:145) e, com isso, ir contra a direção
predominante na investigação sociológica da comunicação de massa. Em Os
meios de comunicação como extensões do homem, publicado em 1964, sua obra
de maior referência, ele consolida sua postura de oposição à tradição de inves-
tigação e contribui decisivamente para a compreensão da relação entre os
meios de comunicação e a sociedade pensando os efeitos em termos até então
pouco explorados. “A nova configuração e estruturação elétrica da vida cada
vez mais se opõe aos velhos processos e instrumentos de análise, lineares e
fragmentários, da idade mecânica. E cada vez mais nos apartamos do conteú-
do das mensagens para estudar o efeito total” (McLuhan, 1974:42).
O pensamento de Marshall McLuhan conduziu as investigações em comu-
nicação à consideração de que as mudanças técnicas e culturais não podiam
ser explicadas sem que se fizesse referência à sua ligação íntima com o contex-
to sociológico no qual se inscreve, mas também à consideração dos impactos
culturais a longo prazo das inovações técnicas em matéria de comunicação.
McLuhan questiona o postulado da neutralidade da técnica. Ao invés de
uma concepção neutra da ciência e da técnica, que diz que os produtos
tecnológicos não são nem bons nem maus, mas que o que determina seu valor
é a sua forma de uso, McLuhan afirmará, em oposição a isso, que “toda tecno-
logia gradualmente cria um ambiente humano totalmente novo” (Ibidem, 10).

76 Efeitos Sociais
Para McLuhan, os meios de comunicação são extensões do homem no sen-
tido de que formam o ambiente no qual o homem se move. “Qualquer inven-
ção ou tecnologia é uma extensão ou auto-amputação de nosso corpo, e essa
extensão exige novas relações e equilíbrios entre os demais órgãos e exten-
sões do corpo” (Ibidem, 63), o que, a rigor, implica um entendimento dos meios
comunicação enquanto introdutores de novos hábitos de percepção. Por exem-
plo, “a mensagem do cinema enquanto meio é a mensagem da transição da
sucessão linear para a configuração” (Ibidem, 26-7).
Com isso McLuhan renova profundamente a problemática dos efeitos
dos media. Ao afirmar que o meio é a mensagem, ou seja, que “a ‘mensa-
gem’ de qualquer meio ou ecnologia é a mudança de escala, cadência ou
padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas” (Ibidem,
22), McLuhan assenta as bases para uma compreensão mais ampla dos
efeitos, que não remetem precipuamente ao âmbito psicológico, compor-
tamental ou mesmo cognitivo, mas dizem respeito à sensibilidade: “os efei-
tos da tecnologia não ocorrem aos níveis das opiniões e dos conceitos: eles
se manifestam nas relações entre os sentidos e nas estruturas da percep-
ção, num passo firme e sem qualquer resistência” (Ibidem, 34). Ao mostrar
que o fator decisivo para a compreensão dos efeitos dos media reside em
sua própria natureza, McLuhan desloca a atenção das investigações em
comunicação da análise de conteúdo para a análise das características es-
pecíficas dos próprios media.
...Para efeitos práticos e operacionais, o meio é a mensagem. Isto ape-
nas significa que as conseqüências sociais e pessoais de qualquer meio –
ou seja, de qualquer uma das extensões de nós mesmo – constituem o
resultado do novo estalão introduzido em nossas vidas por uma nova
tecnologia ou extensão de nós mesmos (Ibidem, 21).

A distinção que McLuhan faz entre meios quentes e meios frios tem como
base justamente o efeito de cada um desses meios sobre a percepção humana.
Um meio será quente ou frio a depender do modo como ele solicita a participa-
ção do homem. Assim, um meio quente é aquele que exige menos participação
do que um frio; um meio frio, ao contrário, é aquele em que muito pouco é
fornecido e muita coisa deve ser preenchida pela audiência. Participação, aqui,
é entendida como a mobilização dos sentidos:
um meio quente é aquele que prolonga um único de nossos sentidos e
em ‘alta definição’. Alta definição se refere a um estado de alta satura-

Efeito e Recepção 77
ção de dados. Visualmente, uma fotografia se distingue pela ‘alta
definição’. Já uma caricatura ou um desenho animado são de ‘baixa
definição, pois fornecem pouca informação visual (Ibidem, 38).

Na classificação de McLuhan, o rádio e o cinema são meios quentes; a fala,


o telefone, a televisão são meios frios. A televisão é o protótipo de um meio frio,
tanto na medida em que ela mobiliza mais de um sentido, a visão e a audição,
quanto no sentido de que oferece uma imagem relativamente pobre e exige
do telespectador um investimento, uma mobilização no sentido de preencher
os espaços vazios deixados na tela – a imagem televisiva é formada na tela por
uma série de pontos que exigem o esforço visual do telespectador para
completá-la.
Um meio quente e um meio frio têm efeitos bem diferentes sobre seus usuári-
os, assim como um mesmo meio pode ter efeitos diferentes em diferentes culturas:
“o efeito do ingresso da imagem da televisão variará de cultura a cultura, depen-
dente das relações sensórias existentes em cada cultura” (Ibidem, 63).

Efeitos Cognitivos
Na década de 1970 se produziu um cognitive turn (Blumler & Gurevitch, 1996:121)
cuja principal contribuição foi defender que o “reforço” – justamente aquele
argumento-chave que os investigadores dos anos 50 usavam para dizer que os
meios de massa tinham apenas efeitos limitados29 – era a principal conseqüência
da exposição aos meios e aquela que permitia postular que os meios de comuni-
cação de massa exerciam efeitos poderosos sobre suas audiências.
Desde então, os estudos sobre as influências dos meios de comunicação têm
cada vez mais se voltado para os “efeitos cognitivos”,30 ou seja, para “o conjunto
das conseqüências que derivam da ação mediadora dos meios de comunicação
de massa sobre os conhecimentos públicos partilhados por uma comunidade”
(Saperas, 1993:11). Atentar aos “efeitos cognitivos” implica dedicar-se ao exame
da formação da opinião pública e da interferência da comunicação de massa no
sistema político e traz, como conseqüência, um alargamento do âmbito tradicio-
nalmente coberto pela noção de “efeito”, na medida em que se procura superar
a noção de efeitos ligados às atitudes e às condutas, característicos das “investi-
gações administrativas” do período dos efeitos limitados.
Enquanto as investigações dos efeitos limitados concentravam-se nos pro-
cessos de persuasão e no papel das instâncias mediadoras e das influências
pessoais, aqui retoma-se e redefine-se o interesse que investigadores como
Robert Ezra Park e Walter Lippmann manifestaram pela relação existente

78 Efeitos Sociais
entre os meios de comunicação e o sistema político. Já em 1922, os estudos de
Walter Lippmann sobre a opinião pública chamavam a atenção para a influên-
cia que os media teriam sobre os conhecimentos e sobre a construção das
imagens da realidade e Robert Ezra Park (1970), na Universidade de Chicago,
foi o primeiro a definir a notícia como uma forma de conhecimento, em 1940.
As transformações do sistema mediático, com a consolidação da televisão
como meio de comunicação hegemônico e as transformações sofridas pelo siste-
ma político em razão da presença dos meios de comunicação, levaram à idéia de
que o sistema político estava sendo ele próprio mediado pelo sistema comunica-
tivo. Ao observar a existência de um conjunto de efeitos ligados à informação e à
sua distribuição, as investigações em torno dos efeitos cognitivos levam ao reco-
nhecimento do poder dos meios de comunicação enquanto fontes de influência
na sociedade. O efeito que então se analisa é aquele que se exerce sobre a
formação da visão de mundo dos indivíduos. “A distribuição da informação será,
precisamente, o fundamento dos efeitos cognitivos...” (Saperas, 1993:28).
Enric Saperas, professor da Faculdade de Ciências da Informação da
Universidade Autônoma de Barcelona, reúne quatro linhas de investigação
sob a chave dos “efeitos cognitivos”: a agenda-setting function, a
“tematização”, a gap hypothesis e a produção de notícias como “construção
social da realidade”. A agenda-setting e a gap hypothesis surgiram nos Esta-
dos Unidos e têm um caráter prioritariamente metodológico e empírico
aplicado às descrições da realidade comunicativa e política daquele país. A
“tematização” e a “produção da notícia” têm um caráter teórico mais geral
e se referem à globalidade do sistema social e não especificamente à pro-
blemática dos efeitos (cf. Saperas, 1993:13). Essas linhas de investigação
têm sua origem no início da década de 1970 e todas têm em comum uma
clara distinção entre atitude e cognição.
Destacando o processo de globalização, a interface entre comunicação e
política, a consolidação da televisão e a atenção dada à função cognitiva dos
meios, Mauro Wolf (1994b) prefere falar em “efeitos sociais” dos media, reunin-
do sob essa expressão as correntes do knowledge-gap, também já indicada por
Saperas, e mais a teoria da “espiral do silêncio”, a da “dependência do sistema
de media” e a “teoria do cultivo”.
Embora algumas dessas correntes de investigação pudessem claramente
ser tratadas por suas afinidades com teorias sociológicas mais globais – e
assim a “tematização e a dependência do sistema de media”, por exemplo,
poderiam seguir-se à abordagem do tratamento funcional-estrutural da co-
municação –, optamos por tratá-las individualmente em razão de que o nosso

Efeito e Recepção 79
interesse em sua abordagem é tornar possível uma melhor compreensão da
problemática dos efeitos e não de cada corrente ou teoria em particular. É
também nosso interesse na compreensão dos efeitos que justifica o tour de
force por meio do qual teorias mais amplas e que de modo algum podem ser
reduzidas a uma questão de efeitos serão aqui consideradas.

Agenda-setting
A hipótese da agenda-setting function situa-se na tradição norte-americana de
investigação sobre os efeitos dos media e surge como desenvolvimento dos
estudos dos efeitos limitados. Ainda que seus autores postulem que “a pers-
pectiva de estabelecimento de uma agenda é um modelo de efeitos midiáticos
limitados” (McCombs, 1996:20), por oposição à idéia de efeitos diretos e imedi-
atos, ela contesta o conceito de percepção seletiva, caro ao paradigma dos efei-
tos limitados. O estabelecimento de uma agenda designa o fato de que os
media têm o poder de concentrar a atenção pública em uma série definida e
limitada de questões ao mesmo tempo em que omite outras.
Em pesquisa empírica realizada nas eleições presidenciais norte-america-
nas de 1968, Maxwell E. McCombs e Donald L. Shaw31 tentam oferecer uma
alternativa à problemática de Lazarsfeld, postulando que os media possuem
um impacto mais importante do que a Escola de Colúmbia admitira, ainda que
esse impacto se submeta a condições contingentes. Em seus levantamentos
empíricos, descobrem que são justamente os eleitores indecisos os que estari-
am mais atentos às informações difundidas nos meios de comunicação, o que
poderia levar a contradizer os estudos dos efeitos limitados, que postulavam
que os media apenas reforçavam atitudes e opiniões já existentes.
...Ainda que todavia indecisos, [os eleitores] já começavam a inclinar-se
pelo candidato republicano ou pelo democrata. Ao utilizar estas prefe-
rências, formularam-se comparações entre a agenda-setting dos eleito-
res e as de dois jornais (por exemplo: o total de notícias de uma agenda-
setting citadas em um noticiário ou somente a agenda-setting de notí-
cias relativas ao partido preferido e seus candidatos). Se a correlação
entre a agenda-setting dos eleitores e a agenda-setting global das
notícias é a mais alta, isto constitui a evidência para o estabelecimento
da agenda-setting. Se a correlação com a agenda-setting do partido
preferido é mais alta, nesse caso existe evidência de percepção seletiva.
De 24 comparações feitas, 18 favoreceram a interpretação do estabeleci-
mento da agenda-setting (Ibidem, 18).

80 Efeitos Sociais
A problemática da construção da agenda já não era novidade em outros
domínios, em particular em sociologia e em ciência política, em que se investi-
gavam a construção da agenda da opinião pública (public agenda-setting), a
construção da agenda das políticas públicas (que implicava a ordem de impor-
tância que as elites políticas e os governantes atribuem aos diferentes proble-
mas) e a construção da agenda dos próprios meios de comunicação, ou seja,
análise dos processos que presidiriam à construção da agenda midiática.
No início da década de 1970, os trabalhos de McCombs e Shaw procuraram
investigar o impacto dos meios na construção da ordem de importância dos
temas na opinião pública. A sua hipótese consistia em que, durante uma cam-
panha eleitoral, os media construiriam a prioridade dos desafios políticos. A
agenda-setting marca a viragem do estudo dos efeitos para a análise da comu-
nicação política e representou, nos Estados Unidos, a primeira análise da co-
municação política fora do âmbito estrito da persuasão. Seus trabalhos tam-
bém “assinalam um deslocamento da investigação para as implicações cognitivas
a longo prazo do jornalismo cotidiano” (Ibidem, 1996:15).
Um processo como o da criação de agenda temática define-se pela
produção de efeitos cognitivos de natureza cumulativa...Os efeitos de
agenda produzem-se tendo em conta um quadro temporal ou período
de tempo para o qual os media propõem um tema segundo determina-
dos itens da atualidade (Saperas, 1993:68).

Descendente direta do pensamento de Walter Lippmann (1922), a investi-


gação sobre a agenda-setting pretende por à prova empiricamente as suas
idéias. Servindo-se da investigação sobre a formação da opinião pública, a
hipótese da agenda-setting pretende explicar o modo como os indivíduos per-
cebem a realidade, identificar quais os fatos percebidos como prioritários e
analisar em que medida se verificam efeitos cognitivos decorrentes da distri-
buição de conhecimentos e informações por parte da media. A “função de
agenda” diz respeito à relação que se estabelece entre a ênfase manifestada
no tratamento de um tema por parte dos media e as prioridade temáticas
manifestadas pelos receptores a ela expostos:
É aqui onde se situa o efeito mais importante dos mass media: sua
capacidade de estruturar e organizar nosso próprio mundo... Essa capa-
cidade dos mass media de saber estruturar os conhecimentos da audi-
ência e de saber modificá-los tem sido definida como a função de comu-
nicação de massa que estabelece a agenda-setting (McCombs, 1996:16).

Efeito e Recepção 81
A hipótese não supõe uma relação causal direta entre o conteúdo da agenda
dos media e a subseqüente percepção pública de quais são os temas importantes
do dia. Justamente por colocar-se de acordo com o modelo dos efeitos limitados,
a investigação mais recente tem tendido a centrar atenção nas condições sob as
quais a agenda-setting influencia ou não. O exame das “condições contingentes”
(Ibidem, 20e segs.) que limitam o estabelecimento de uma agenda-setting não
aponta para características isoladas da audiência, dos acontecimentos, ou dos
conteúdos das notícias, mas para elementos que ressaltam sua interação com as
situações nas quais os indivíduos e os acontecimentos intervêm.
Assim, apela-se a dois recursos: o conceito de “necessidade de orientação”,
que aporta uma explicação psicológica geral para o processo de fixação da
agenda, e o de “entorpecimento/não entorpecimento”. O conceito de necessi-
dade de orientação diz que, em todos os casos, embora em graus variados,
todo indivíduo tem necessidade de orientar-se em relação ao seu meio ambi-
ente e é devido a essa necessidade que ele vai atrás das informações que lhe
permitam situar-se no mundo. Contemporaneamente essas informações são
sobretudo acessíveis pelos meios de comunicação.
O outro recurso, entorpecimento/não entorpecimento, diz respeito ao modo
como os acontecimentos interferem na vida cotidiana dos indivíduos. Num
texto de revisão dos estudos da agenda, publicado nesta década, McCombs
fornece-nos exemplos da guerra do Golfo. Por um lado, o aumento da gasolina
decorrente da invasão do Kuwait pelo Iraque irrompeu de forma entorpecedora
na vida cotidiana de milhares de pessoas, atingindo suas rotinas diárias, suas
economias domésticas – nesse caso, não era necessário recorrer aos meios de
comunicação para saber sobre a inflação; por outro, os detalhes da situação no
Oriente Médio, as estratégias militares, a participação dos Estados Unidos, por
exemplo, não afetavam diretamente a vida das pessoas fora da área geográfi-
ca do conflito e só eram acessíveis mediante os meios de comunicação.
A influência da agenda-setting dos meios de informação aumenta com
o grau de necessidade de orientação entre a audiência. Porém esta
influência se apoia prioritariamente em temas não entorpecedores e
distantes do pessoal. Alguns temas, como a inflação em geral ou o preço
da gasolina irrompem em nossa vida cotidiana. Nossa experiência nes-
tes casos é direta e não dependemos dos meios de informação para
conhecer seu significado. Tanto a experiência pessoal como a necessida-
de de orientação são condições contingentes que clareiam em grande
medida o funcionamento para o processo de estabelecimento de uma
agenda-setting (Ibidem, 30).

82 Efeitos Sociais
A função de agenda dos media é analisada a partir da exploração empírica
de quatro “agendas”: a) agenda pessoal ( o mais importante aqui é identificar
sobre que temas um indivíduo pensa mais do que saber o que ele pensa
sobre um tema concreto); b) agenda interpessoal (conjunto de temas de atu-
alidade que se manifestam servindo-se da discussão interpessoal); c) agenda
dos media (conjunto dos temas presentes nos media num determinado perí-
odo)32; d) agenda pública (conjunto dos temas que reclamam a atenção públi-
ca durante um determinado período de tempo) (cf. Saperas, 1993:64 e segs.).
Os principais problemas desta corrente de investigação remetem à ênfase
em metodologias quantitativas de pesquisa e à investigação experimental em
laboratório. Por um lado, é dado um tratamento meramente quantitativo à
agenda dos media: são consideradas em centímetros ou em segundos as co-
berturas concedidas aos diferentes temas e computada a freqüência com que
os temas aparecem: considera-se a quantidade de vezes em que um tema
aparece, o espaço (ou o tempo) que lhe é dedicado e não se leva em conta o
modo como cada tema é tratado, se recebe uma cobertura favorável ou desfa-
vorável, por exemplo. A opinião pública também recebe um tratamento quan-
titativo, por meio das sondagens de opinião. Finalmente, o tratamento quanti-
tativo da audiência impede que sejam considerados fatores de ordem social,
psicológica, cultural, que incidem sobre a recepção aos meios de comunicação.

Tematização
A tematização é o processo de definição, estabelecimento e reconhecimento
público dos problemas políticos que constituem a opinião pública e refere-se
ao impacto das novas tecnologias da comunicação e das transformações do
modelo jornalístico sobre a opinião pública. “Os meios de comunicação de
massa modificam os princípios que a política toma como ponto de partida”
(Luhmann, 1992a:56).
Quanto ao objeto de estudo, a tematização situa-se muito próxima da
agenda-setting e está orientada para a avaliação das relações entre os meios
de comunicação de massa e o sistema político. Mas as afinidades ficam por aí.
Extremamente complexo, o conceito de tematização surgiu no âmbito de
investigação até certo ponto alheio à própria questão comunicativa. Sua
formulação se deve a Niklas Luhmann,33 pensador em muitos aspectos pró-
ximo do funcionalismo sistemático surgido do desenvolvimento do último
período da obra de Talcott Parsons.34 É da análise que Luhmann faz da
Opinião Pública enquanto processo de comunicação do sistema político que
surge o conceito de tematização.

Efeito e Recepção 83
A “tematização” parte da modificação do conceito de opinião pública surgi-
do na tradição liberal e pode ser definida como o mecanismo de formação da
opinião pública no seio das sociedades complexas. O conceito moderno de
opinião pública que gira em torno de definições tais como “a autoridade invi-
sível da sociedade política” ou “árbitro no domínio político” ou ainda “a soma
das opiniões dos indivíduos (sobretudo dos indivíduos letrados e, portanto,
iluminados)”, definições que só se tornam possíveis quando acompanhadas
por um conceito idealizado do indivíduo próprio da teoria liberal, é rejeitado
por Luhmann.
O conceito de opinião pública refere-se ao sistema social da sociedade.
Não se refere ao que realmente acontece na(s) consciência(s) das pessoas
individuais, ou de muitas pessoas, ou de todas, num momento particu-
lar no tempo. Portanto, não remete para o que as pessoas reais real-
mente pensam, o que elas compreendem, o que atrai a sua atenção ou
o que conseguem lembrar (Idem, 1992b:69).

Procurando reconhecer um tipo de opinião pública consentâneo com uma


nova sociedade definida por sua complexidade estrutural e pela transforma-
ção do sistema político, o sociólogo alemão irá sustentar que a função da comu-
nicação é reduzir a complexidade social por meio da “tematização”, ou seja, a
evidência de temas. “Os temas da opinião pública, as notícias e os comentários
na imprensa e no audiovisual têm uma óbvia importância para a política”
(Ibidem, 85) e servem para captar a atenção e reduzir a incerteza. A opinião
pública define-se como uma estrutura comum de sentido que permite que os
indivíduos desenvolvam uma ação intersubjetiva.

Efeito de Distanciamento
Ainda que melhor situado no campo de estudos sobre a difusão e o controle da
informação, o modelo do knowledge-gap permite algumas reflexões sobre a
problemática dos efeitos e tem contribuído para que se forme em torno dos
estudos em comunicação o conceito de “efeitos cognitivos” – efeitos que se
verificam sobre a formação dos conhecimentos partilhados – e, neste sentido,
reforça a noção de efeitos fortes e cumulativos.
Ao considerar o acesso ao conhecimento como uma forma de controle soci-
al, P. Tichenor, G. Donohue & C. Olien (1970) perguntam se as amplas e genera-
lizadas oportunidades de exposição aos meios de comunicação implicariam
um equivalente acesso ao conhecimento. Valendo-se de investigações empíricas
eles são levados a afirmar que os diversos setores socioeconômicos dispõem de

84 Efeitos Sociais
diferentes capacidades comunicativas: entre os pesquisados, os indivíduos
que pertenciam a estrato socioeconômico baixo apresentavam baixos níveis de
conhecimento político e uma baixa capacidade de aquisição de informações
pelos meios de comunicação; os que pertenciam a estratos socioeconômicos
altos possuíam melhores conhecimentos políticos e demonstravam maior ca-
pacidade de recepção das informações por meio dos media.
Assim, o modelo do knowledge-gap desenha dois tipos de audiência, segun-
do suas capacidades de uso e de compreensão dos meios de comunicação e
chega à conclusão de que os media acentuam e reproduzem as desigualdades,
são instrumentos que incrementam as diferenças sociais e fazem surgir novas
formas de desigualdade. Estabelece-se um distanciamento ou um desnível
(gap) de conhecimentos entre os diversos setores socioeconômicos em razão de
diferentes capacidades comunicativas dos indivíduos. O knowledge-gap surge
como efeito cognitivo decorrente da ação dos meios de comunicação.
Quando a introdução da informação dos meios de comunicação de mas-
sa num sistema social aumenta, as camadas da população com um
status socioeconômico alto tendem a adquirir esta informação em maior
escala do que os segmentos socioeconômicos baixos, pelo que o
distanciamento entre estes segmentos tende a aumentar em vez de
diminuir (Tichenor, Donohue & Olien apud Saperas, 1993:111).

As primeiras críticas à hipótese do distanciamento têm questionado a existên-


cia de uma relação direta entre o pertencer a um estrato socioeconômico específico
e a aquisição de conhecimento. Se num momento inicial o grau de educação formal
possibilitado pelo estrato socioeconômico era a variável que determinava as capa-
cidades cognitivas, posteriormente foram considerados outros fatores, tais como a
motivação e o interesse dos indivíduos para adquirirem informação, a competência
comunicativa (traduzida pela capacidade de recordar e compreender uma infor-
mação) e mesmo o modelo de consumo dos media que cada receptor adota. Com
isso, as investigações em torno do distanciamento têm cada vez mais se voltado
para as abordagens qualitativas dos receptores. Segundo Wolf (1994b:77 e segs.),
o modelo do knowledge-gap antecipou, em boa medida, a ênfase que os estudos de
comunicação darão, a partir dos anos de 1980, à investigação dos processos engen-
drados pelos receptores concretos.

A Espiral do Silêncio
A problemática do espaço público também dará origem às investigações da
teoria da espiral do silêncio, divulgada pela primeira vez por Elisabeth

Efeito e Recepção 85
Noelle-Neumann, pesquisadora do Institut für Demoskopie Allensbach (Ale-
manha), no Congresso Internacional de Psicologia, realizado em Tóquio,
em 1972.35 Esta teoria procura explicar os efeitos que os media têm sobre a
opinião pública e sobre o modo de percepção pública de tal opinião. Há
uma certa unanimidade dos investigadores em comunicação em conside-
rar Noelle-Neumann como a mais aguerrida responsável pelo retorno da
idéia de media power e pelo entendimento dos receptores como indefesos.
São cinco os pressupostos da teoria da espiral do silêncio:
1. A sociedade ameaça os indivíduos com o isolamento.
2. Os indivíduos experimentam um contínuo medo do isolamento.
3. Este medo do isolamento faz com que os indivíduos tentem avaliar conti-
nuamente o clima de opinião.
4. Os resultados desta avaliação influenciam no comportamento em público,
especialmente na expressão pública ou na ocultação das opiniões.
5. Os pressupostos anteriores estão relacionados entre si, o que proporciona
uma explicação da formação, manutenção e modificação da opinião pública
(cf. Noelle-Neumann, 1995:260).36
A partir desses pressupostos, Noelle-Neumann chega a uma definição ope-
racional da opinião pública:
As opiniões públicas são atitudes ou comportamentos que se devem
expressar em público para não se isolar. Em âmbitos de controvérsia ou
de mudança, as opiniões públicas são as atitudes que se podem expres-
sar sem correr o risco de isolamento. Essa definição pode verificar-se com
os métodos de investigação mediante sondagem e com as observações
representativamente distribuídas (Ibidem, 234).

É a consideração da natureza social dos indivíduos que pretende ser o


elemento diferencial dessa teoria. Essa natureza social, que faz temer a sepa-
ração e o isolamento dos demais, que faz desejar ser respeitados e queridos
pelos outros e que tem sido, ao longo da história das sociedades, o responsável
fundamental pelo êxito da vida social, explica “o enorme esforço coletivo que
consiste em saber com precisão e fiabilidade que opiniões se estão fortalecen-
do e quais estão perdendo apoio” (Ibidem, 63). É o resultado deste esforço para
assegurar-se constantemente de quais são as opiniões e comportamentos so-
cialmente aprovados (ou desaprovados) que influencia a tendência da pessoa
a expressar sua opinião ou a manter-se em silêncio.

86 Efeitos Sociais
Se a pessoa crê que sua opinião forma parte de um consenso, se expressa
com confiança em conversações públicas e privadas, manifestando suas
convicções... E, ao contrário, quando a pessoa se sente em minoria se torna
precavida e silenciosa, reforçando assim a impressão de debilidade, até
que o lado aparentemente mais fraco desaparece... (Ibidem, 259-60).

Este é o processo da espiral do silêncio. Noelle-Neumann formula a teoria


da espiral do silêncio nos seguintes termos: se uma opinião é percebida como
pertencendo à maioria, as pessoas que não partilham tal opinião tenderiam a
esconder sua própria opinião por medo de rejeição social, por exemplo. Além
disso, se ao fim de um dado período as pessoas percebem que suas opiniões
continuam sendo minoritárias, elas acabariam por mudar sua própria opinião
para seguir a maioria. A espiral do silêncio indica um deslocamento da opinião
nascida do fato de que um grupo aparece mais forte do que é na realidade,
enquanto os que têm uma opinião distinta parecem mais fracos do que efeti-
vamente são. “Há um vínculo estreito entre os conceitos de opinião pública,
sanção e castigo” (Idem, 1998:200).
Nesta teoria, assume-se que os mass media cumprem um importante papel
na socialização política dos indivíduos, na medida em que eles são praticamen-
te incapazes, dada a quantidade de fatos e questões em jogo numa sociedade
cada vez mais complexa e fragmentada, de conhecer a realidade política por
outra via que não a dos media. “Os meios de comunicação constituem a fonte
mais importante para a observação constante que o indivíduo realiza do meio”
(Idem, 1995:275). Embora existam várias causas que possam produzir um
clima de opinião, é de se levar em consideração que, numa sociedade midiática,
os meios de comunicação desempenham um decisivo papel na percepção que
a sociedade tem da opinião pública. “O que dá uma força irresistível ao proces-
so (da espiral do silêncio) é seu caráter público. O elemento da atenção pública
se introduz no processo com máxima eficácia mediante os meios de comunica-
ção de massa” (Ibidem, 203). Este processo atinge a perfeição com a consolida-
ção da televisão, que “cria com a cor e o som, uma grande confusão entre a
própria observação e a observação mediada” (Ibidem, 205).
Noelle-Neumann apresenta uma versão um tanto redutora do processo
comunicativo, na medida em que toma como parâmetro de comparação a
conversação privada. Assim, a comunicação pode ser unilateral ou bilateral;
direta ou indireta; pública ou privada. E enquanto a conversação é bilateral,
direta e privada, a comunicação engendrada pelos meios de massa é unilate-
ral, indireta e pública. É esse contraste entre a conversação (comunicação

Efeito e Recepção 87
natural do indivíduo) e a comunicação de massa que justificaria que os indiví-
duos se sintam “tão fragilizados ante os meios de comunicação” (Ibidem, 204).
Noelle-Neumann sustenta que há três características dos media que são
importantes considerar e que favorecem a compreensão da “espiral do silên-
cio”: a) a onipresença dos media nas sociedades complexas; b) a acumulação,
característica que os media têm de reforçar-se uns aos outros, quantitativa e
qualitativamente, e com isso conseguir criar e manter a relevância de um
tema; e c) a conformidade: os traços comuns e as semelhanças existentes nos
processos produtivos da informação tendem a ser mais significativos do que as
diferenças, o que conduz a mensagens substancialmente mais semelhantes
do que dessemelhantes. São essas características que favorecem o poderio dos
meios de comunicação e determinam o cumprimento de suas “funções”, entre
as quais estaria a “função de articulação”:
Os meios subministram às pessoas as palavras e as frases que podem
utilizar para defender um ponto de vista. Se as pessoas não encontram
expressões habituais, repetidas com freqüência, em favor de seu ponto
de vista, caem no silêncio, se tornam mudas (Ibidem, 226).

Supondo que a percepção política da realidade advém da imagem de rea-


lidade que é divulgada pelos media, as pesquisas orientadas por essa teoria
em geral confrontam a “agenda” política dos meios de comunicação, a opinião
de cada indivíduo pesquisado e a percepção que ele tem do que seja a opinião
coletiva. Noelle-Neumann propõe seis perguntas básicas cujas respostas pro-
porcionariam a informação mínima necessária para comprovar a teoria da
espiral do silêncio:
1. Há que determinar a distribuição da opinião pública sobre um tema
dado com os métodos pertinentes de sondagem representativa.
2. Há que avaliar o clima de opinião, a opinião individual sobre ‘Que
pensa a maioria das pessoas?’. Isto mostra com freqüência um panora-
ma completamente novo.
3. Como o público crê que vai evoluir o tema controverso? Que lado vai
adquirir força, qual vai perder espaço?
4. Há que medir a disposição a expressar-se sobre um determinado
tema, ou a tendência a permanecer calado, especialmente em público.
5. Possui o tema em questão um forte componente emocional ou moral?
Sem esse componente não há pressão da opinião pública e, portanto,
não há espiral do silêncio.

88 Efeitos Sociais
6. Que posição adotam os meios de comunicação ante esse tema? A que
lado apoiam os meios influentes? Os meios são uma das duas fontes das
quais procede a estimativa que as pessoas fazem do clima de opinião.
Os meios influentes emprestam palavras e argumentos aos outros jor-
nalistas e aos que estão de acordo com eles, influenciando assim no
processo da opinião pública e na tendência a expressar-se ou a ficar
calado (Ibidem, 258).

Os levantamentos empíricos parecem levar à confirmação da hipótese sus-


tentada por Noelle-Neumann de que poderia haver um descompasso entre o
que a maioria das pessoas pensa e a opinião que é considerada pública. Tal
desacordo mostra que a opinião pública não é uma mera soma das opiniões
individuais, mas seria constituída pelas opiniões “tornadas” públicas pelos
media, e leva à formulação do conceito de “clima de opinião”: a percepção que
os indivíduos têm do que seja a opinião coletiva.
Na medida em que dão visibilidade a determinados temas políticos, em
que tornam significativos os resultados de pesquisas de opinião, em que divul-
gam pronunciamentos públicos, os meios de comunicação acabariam por mol-
dar a percepção individual da opinião coletiva e a conformar um “clima de
opinião”. Considerando as características de onipresença, de conformidade e
de acumulação, indispensáveis para compreender o funcionamento da espiral
do silêncio, pode-se observar que os media intervêm na criação dos desloca-
mentos da opinião pública. Eles não se limitam a representar as tendências da
opinião pública, mas, ao fazê-lo, acionam um processo por meio do qual aca-
bam por lhe conferir forma.
Segundo Noelle-Neumann, os levantamentos empíricos levados a cabo des-
de o início da década de 1970 mostram que o processo da espiral do silêncio não
se tem oposto, em nenhuma ocasião, à linha adotada pelos meios. Por um lado, os
meios influem na percepção individual do que se pode dizer ou fazer sem correr
o risco do isolamento social; por outro, “o fato de que um indivíduo seja conscien-
te de que os meios apoiam sua opinião é um fator importante que influi em sua
predisposição a expressar-se” (Ibidem, 258). Desse modo, a teoria da espiral do
silêncio evidencia um modo muito significativo de influência dos media:
Quanto mais se estuda a questão, mais difícil parece avaliar os efeitos
dos meios de comunicação. Estes efeitos não procedem de um único
estímulo. Costumam ser cumulativos, segundo o princípio de que ‘mui-
tas gotas de água desgastam a pedra’. As conversações contínuas entre
as pessoas ampliam as mensagens dos meios, e não muito depois já não

Efeito e Recepção 89
se percebe diferença alguma entre o lugar de recepção dos meios e os
lugares muito distante dele. A influência dos meios é predominante-
mente inconsciente. As pessoas não podem informar sobre o que tem
sucedido. Antes, mesclam suas próprias percepções diretas e as percep-
ções filtradas pelos olhos dos meios de comunicação em um todo indivisível
que parece proceder de seus próprios pensamentos e experiências... A
maior parte desses efeitos dos meios acontece indiretamente, como de
rebote, na medida em que o indivíduo adota os olhos dos meios e age
em conseqüência (Ibidem, 221-2).

A Dependência do Sistema de Media


Em 1975, Melvin DeFleur e Sandra Ball-Rokeach propõem uma teoria que
pretende “explicar por que as comunicações de massa às vezes têm efeitos
poderosos e diretos e, outras, efeitos indiretos e bastante débeis” (Defleur &
Ball-Rokeach, 1993:320). Esta investigação sobre os efeitos é feita mediante a
análise do modo como os vários componentes da estrutura social estão ligados
à existência de um sistema de media profundamente institucionalizado dentro
da sociedade. Ressalta-se a natureza constante e sistemática dos efeitos que
derivam das relações estruturais que conformam o sistema social.
Trata-se de “uma teoria ecológica”, que encara a sociedade como uma
estrutura orgânica; examina como as partes dos sistemas sociais micro e macro
relacionam-se; e procura explicar o comportamento das partes em termos
desses relacionamentos. O relacionamento-chave em que se baseia a teoria é o
de “dependência”: os media são tão essenciais à nossa sociedade que depende-
mos deles para certas funções sociais. Mas, como essa dependência não é de
mão única, quer dizer, tanto quanto os sistemas social, político, econômico ou
cultural dependem dos media, eles igualmente dependem daqueles, alguns
autores preferem falar de “interdependência” (cf. Wolf, 1994b:86).
São três as principais metas que os indivíduos podem buscar alcançar
servindo-se dos media: “compreensão, orientação e divertimento” (cf. Defleur
& Ball-Rokeach, 1993:324 e segs.), metas que configuram campos de depen-
dência que podem ser analisados segundo a relação entre os conteúdos dos
media e os receptores e segundo o peso que adquirem fatores relacionados
com o contexto (econômico, cultural, interpessoal etc.) na relação entre media e
consumidores. Essas dependências podem, por exemplo, ser de tipo cognitivo,
quando os receptores recorrem aos media para atingir objetivos tais como a
“compreensão social” (conhecer e interpretar o mundo) e a compreensão de si
mesmo.

90 Efeitos Sociais
A principal hipótese que guia a compreensão dessa teoria sobre a proble-
mática dos efeitos é a de que o poder dos media reside em seu controle dos
recursos de informação de que indivíduos, grupos e sistemas sociais depen-
dem para alcançar suas respectivas metas. Os media são encarados como um
“sistema de divulgação” que controla três tipos de recursos “causadores de
dependência”. O primeiro recurso é a “coleta” ou “criação” de informação. O
segundo recurso, o “processamento” da informação. O terceiro recurso é a
“disseminação” ou “difusão”, “ou seja, a capacidade de distribuir a informação
a uma audiência de massa” (Ibidem, 322).
Ao associar o grau de dependência que os componentes do sistema social e
os indivíduos têm dos media e a intensidade dos efeitos “da exposição às
mensagens”, os autores procurarão relacionar variáveis estruturais, contextuais,
interpessoais, individuais e comunicativas. É importante para a teoria da de-
pendência dos media observar por que caminhos os media se fazem necessári-
os para os diversos sistemas e subsistemas sociais.
Na teoria da dependência dos media, a chave para explicar quando e
por que indivíduos “se expõem” aos media e os “efeitos” dessa exposição
sobre suas crenças e comportamento, consiste em levar em conta as
maneiras por que as pessoas empregam recursos de media para alcan-
çar suas metas pessoais (Ibidem, 329).

São imensas as afinidades entre a teoria da dependência dos media e a hipóte-


se dos “usos e gratificações”. A diferença básica consiste em que a teoria da depen-
dência busca ser mais ampla e associar variáveis de diversos tipos, não só de cariz
psicológico, como o faz a hipótese dos “usos e gratificações”. A consideração de
variáveis macrossociais como variáveis de natureza comunicativa têm sido funda-
mental para situar o problema dos efeitos em um marco mais amplo e significativo.

A Teoria do Cultivo
A relação entre recepção televisiva e as representações da realidade social
elaboradas ao longo do tempo são o centro das atenções da cultivation theory,
que tem em George Gerbner seu mais reconhecido investigador. À postulação
de forte poder dos media se acrescenta a consideração de que sua influência se
exerce sobretudo no tempo, cumulativamente. As investigações da teoria do
cultivo enquadram-se na contemporânea compreensão dos efeitos justamen-
te por considerá-los a longo prazo e por postular que, mais que um efeito
pontual, circunstancialmente marcado, haveria uma persistente e difusa in-
fluência da televisão sobre os telespectadores e a cultura que os envolve.

Efeito e Recepção 91
A teoria do cultivo atribui ao meio televisivo a função de agente de sociali-
zação, de construtor principal de imagens e representações mentais da reali-
dade social. Tal como no modelo da “espiral do silêncio”, também aqui se
afirma que a TV tem características peculiares que a fazem mais persuasiva e
potente que todos os demais media. “Diferentemente de outros usos dos meios
de comunicação, ver televisão é um ritual; as pessoas assistem TV segundo o
relógio, não segundo o programa”, diz Gerbner (1993:s/pg.).
E isso significa que a TV é o único meio que alcança os espectadores com
mensagens e imagens que eles de outro modo nunca teriam seleciona-
do. Todos os outros media – filmes e impresso – são seletivamente
usados por pessoas em busca do que lhes interessa... A televisão ajuda
a formar desde o início as predisposições e seleções que governam o uso
dos outros meios. Diferentemente de outros meios, a televisão requer
pouca ou nenhuma atenção; seus padrões repetitivos são absorvidos no
curso da vida. Eles tornam-se parte integral do estilo de vida da famí-
lia, mas nunca se originam de, nem respondem às suas necessidades e
demandas (Ibidem, s/pg.).

Para Gerbner, a televisão é um sistema centralizado que constantemente


reafirma a visão de mundo que usamos para legitimar a ordem social. Forma-
mos nossa identidade cultural a partir das histórias37 e imagens que nos rodei-
am e que nos falam da vida e dos valores. Mas, pela primeira vez na história,
as crianças são socializadas não pelos pais, pela família, pelos professores, ou
pelos padres, mas por um punhado de conglomerados que têm alguma coisa
para vender. O processo de socialização agora é produzido em massa e politi-
camente dirigido. Essas mudanças têm profundas conseqüências e têm altera-
do o modo como crescemos, aprendemos e vivemos. O ponto crucial da
cultivation theory é que a televisão define nosso ambiente cultural atuando
como um moderno contador de histórias. “Tais histórias incluem sermões,
instruções e comerciais. Hoje os comerciais são as principais histórias que nos
dizem o que deveríamos fazer e o que deveríamos comprar” (Idem, 1998b:s/
pg.) e todo o problema está em saber como a realidade está representada
nesse novo contexto cultural marcado pela presença da TV.
Essas representações [que a TV produz] não são o único ou mesmo neces-
sariamente o principal determinante do que as pessoas pensam ou fa-
zem. Mas elas são as contribuições culturais mais onipresentes, inescapáveis,
ordinárias e politicamente orientadas para o que amplas comunidades
absorvem durante longos períodos de tempo (Idem, 1993:s/pg.).

92 Efeitos Sociais
A análise do cultivo procura investigar se aqueles receptores que passam mais
tempo diante da TV são mais propensos, comparativamente àqueles que vêem
pouca TV, a perceber o mundo real de modo a refletir as mais ordinárias e repetitivas
características do mundo televisivo, a mais difusa das quais é a violência. Os inves-
tigadores chegam à conclusão de que a televisão contribui significativamente para
o sentimento de que se vive num mundo miserável e sombrio.
As investigações estão majoritariamente voltadas para o exame do signifi-
cado que a exibição da violência tem para assegurar o poder da TV em cultivar
uma certa imagem da realidade. A violência seria uma técnica, bem-sucedida,
de controle social, na medida em que legitima a autoridade, o poder e a força.
Ao mostrar um mundo violento, a TV estaria querendo fazer com que seus
telespectadores concordem com a idéia da necessidade de um maior poder do
Estado. A concepção que norteia boa parte dos estudos preocupados com a
relação entre comunicação e poder é a de que a televisão é um espaço de
construção do real e de que essa construção é nitidamente um processo de
controle político da realidade.
Os levantamentos empíricos realizados parecem mostrar que os recepto-
res mais fortemente expostos à TV estão mais predispostos a sentimentos de
vulnerabilidade e medo. O meio televisivo não cultiva somente sistemas de
crenças, senão que produz também atitudes emotivas que “facilitam” o exer-
cício do poder. A violência televisiva então, é uma parte do sistema social,
cultural, econômico e político. É claro que nem toda violência é igual; em
alguns casos, ela pode ser uma expressão cultural necessária e legítima –
como a que existe em Shakespeare... (cf. Gerbner, 1998a). Mas a violência que
nos chega por meio das notícias ou dos programas de ficção, a Happy violence
(Gerbner; Morgan & Signorielli, 1994b), é resultado de um complexo e global
esquema de marketing.
Ao expor os receptores a uma opressiva violência, a televisão cultiva um
exagerado senso de insegurança e desconfiança sobre o miserável mundo
visto na TV. Além disso, a sensação de vulnerabilidade e dependência contribui
para a credibilidade dos slogans em favor da adoção da pena de morte e da
ampliação do aparato policial, que supostamente fariam aumentar a seguran-
ça. Pessoas inseguras seriam mais propensas a depender da autoridade e mais
suscetíveis de dar crédito a posturas ilusoriamente simples e fortes. “Elas
podem aceitar e mesmo saudar a repressão se ela promete atenuar suas ansi-
edades” (Gerbner, 1993:s/pg.).
Ao considerar que a TV impede a seletividade dos receptores, já que
aciona um processo ritualístico que captura o telespectador, a teoria do cul-

Efeito e Recepção 93
tivo irá colocar a sua ênfase num aspecto quantitativo de há muito rejeitado
pelos estudos de comunicação: em geral, supõe-se que haveria uma relação
direta entre uma forte exposição aos media e a introjeção das crenças veicu-
ladas na TV. Os pesquisadores procedem à identificação das políticas que
regem o sistema televisivo; à análise de conteúdo dos programas televisivos;
e, em seguida, à análise do cultivo. Eles entrevistam telespectadores para
identificar suas atitudes e opiniões e seus hábitos de recepção. O tempo de
exposição surge como a variável mais importante nos levantamentos
empíricos. Os resultados empíricos parecem mostrar que os heavy viewers
são guiados pela televisão, na medida em que, ao serem pesquisados, ofere-
cem o que Gerbner chama de TV answers, atitudes e opiniões espelhadas nas
informações divulgadas pela TV.
Os padrões sistêmicos observados no conteúdo televisivo fornecem a
base para formular questões para sondagens sobre as concepções da
realidade social que as pessoas possuem. Os pesquisados são dividi-
dos, em cada amostra, entre aqueles que assistem mais televisão,
aqueles que assistem uma quantidade moderada e aqueles que assis-
tem menos. O cultivo é avaliado por meio da comparação dos padrões
de resposta nos três grupos de telespectadores (leve; mediano; pesado)
e controlado por importantes características demográficas e outras
(Ibidem, s/pg.).

Em boa medida se considera que o público percebe as mesmas representações


sociais que as análises de conteúdo detectaram nas mensagens televisivas. Ora,
esse problema não é novo e já o encontramos nos estudos do primeiro ciclo de
investigação sobre os efeitos. Aos receptores se considera somente com respeito à
quantidade de tempo passada diante da TV, não pelo que concerne às significações
extraídas do consumo televisivo (cf. Wolf, 1994b:99-100). Parece que não existem
outras fontes de percepção e conhecimento da realidade em competição ou que a
TV atua assim, em bloco. Ainda que enfatize a força dos meios de comunicação,
marcadamente da TV, como agente de socialização, não se leva a termo o problema
de como se relacionam e interferem outros agente de socialização.
Ainda que apresente algumas nuanças na concepção dos efeitos, em mui-
tos aspectos a teoria do cultivo parece devedora dos estudos inaugurais nessa
área. A consideração dos efeitos sob uma perspectiva que considera seu cará-
ter cumulativo, a atenção aos efeitos de tipo cognitivo, a postulação de que os
media agem sobre a socialização de crianças e adultos são boas e inovadoras
pistas para a pesquisa. Entretanto, postular que quanto mais horas alguém se

94 Efeitos Sociais
expõe ao mundo da televisão mais absorve concepções da realidade social
coincidentes com as representações televisivas é inferir que as influências
exercidas pelos meios de comunicação obedecem às premissas da passividade
dos receptores, da onipotência dos media, da atomização social. Não se está
muito distante da consideração de que os meios de comunicação são causa
necessária e suficiente para a consecução dos efeitos, de que estes são uma
decorrência direta e imediata das intenções do emissor e de sua competência
para elaborar as mensagens; de uma visão teleológica do processo comunica-
tivo. Alguns investigadores consideram a cultivation theory uma espécie de
empiricismo frankfurtiano tardio (cf. Kleinhans, 1994:s/pg.).

A Construção Social da Realidade


As investigações sobre a notícia como construção social da realidade são resulta-
do da aplicação da sociologia do conhecimento,38 no modo como a concebe a
tradição sociológica filiada ao filósofo e sociólogo Alfred Schutz,39 à investigação
comunicativa. Mas foi sobretudo a interpretação e a sistematização da sociologia
do conhecimento elaboradas, em 1966, por Peter Berger e Thomas Luckmann
que tornaram acessíveis para os investigadores da comunicação a atenção que a
sociologia do conhecimento dá à vida cotidiana e que possibilitou sua “utilização”
na interpretação do jornalismo como forma de conhecimento.
A sociologia do conhecimento ocupa-se de tudo que é considerado “conhe-
cimento” na sociedade. Seu postulado central é o de que a realidade é construída
socialmente.40 E entre as diferentes esferas da realidade há uma que se apre-
senta como sendo a realidade por excelência: a realidade da vida cotidiana.
Crucial para o homem, a realidade da vida cotidiana é aquela para a qual a
sociologia do conhecimento voltará sua atenção. A ênfase será posta na forma
de conhecimento própria desse âmbito, o conhecimento do senso comum,
aquele que dirige a conduta humana em sua vida diária.
A linguagem desempenha um papel fundamental na construção da reali-
dade social, tanto porque permite a interação entre os indivíduos quanto
porque determina que a realidade cotidiana se imponha como uma realidade
já construída previamente à ação exercida por um indivíduo:
A linguagem usada na vida cotidiana fornece-me continuamente as ne-
cessárias objetivações e determina a ordem em que estas adquirem sen-
tido e na qual a vida cotidiana ganha significado para mim... A lingua-
gem marca as coordenadas de minha vida na sociedade e enche esta vida
de objetos dotados de significação (Berger & Luckmann, 1993:38-9).

Efeito e Recepção 95
A realidade social só existe na medida em que a comunicação permite que
se disponha de um mecanismo de interação entre os indivíduos: “A vida cotidi-
ana é sobretudo a vida com a linguagem, e por meio dela, de que participo com
meus semelhantes. A compreensão da linguagem é por isso essencial para
minha compreensão da realidade da vida cotidiana” (Ibidem, 57). A realidade
cotidiana apresenta-se ao indivíduo como um mundo intersubjetivo, um mun-
do partilhado com outros homens. A intersubjetividade, origem do sentido
comum dos atos sociais, exige, na sociedade contemporânea, o reconhecimen-
to da ação dos meios de comunicação.
Dentro da perspectiva da construção social da realidade, a notícia se apre-
senta como elemento fundamental na construção de um tipo especial de rea-
lidade: a realidade pública cotidiana. Ainda que não se deva assimilar o concei-
to de ‘ construção da realidade’ única e exclusivamente à prática jornalística, já
que a noção mesma de ‘construção social da realidade’, tal como a definem
Peter Berger e Thomas Luckmann, remete à vida cotidiana e já que existem
outros elementos de construção da realidade atuando em outras esferas, en-
tretanto, devido à forte presença dos meios de comunicação nas sociedades
atuais e à extrema dependência dos homens em relação às informações
jornalísticas, a maior parte dos investigadores irá defender que há uma rela-
ção direta entre a realidade construída pelo jornalismo e a realidade identificada
pelo público como sendo a própria realidade. Essa corrente de investigação
considera que o conjunto dos efeitos cognitivos que resultam da ação pública
dos meios é a construção do nosso meio, do nosso mundo, da nossa cultura
cotidiana, enfim, da nossa realidade social. A atenção é posta sobre o processo
mediante o qual os meios de comunicação “criam” a realidade.
A referência a uma construção da realidade, que passará a ser inter-
subjetivamente partilhada por meio da prática informativa, coloca-nos
perante um dos efeitos cognitivos mais relevantes da ação dos meios de
comunicação de massa... Encontramo-nos perante um tipo de investiga-
ção que... se orientará para o conhecimento da ação geral dos media e dos
seus profissionais sobre o ambiente social (Saperas, 1993:141).

Na perspectiva da notícia como construção da realidade, alguns conceitos caros


ao jornalismo são postos em cheque. Ao definir o jornalista como um produtor da
realidade social, o primeiro cânone que se desmonta é o da objetividade jornalística.
“A objetividade como coisa autônoma entra em crise... passa a ser um produto
social intersubjetivo” (Alsina, 1996:29).41 A notícia não é um simples reflexo ou
seleção da realidade, nem o jornalista é imparcial e objetivo. O acontecimento,

96 Efeitos Sociais
elemento sobre o qual o jornalista trabalha, não é uma realidade objetiva em si
mesmo, exterior e alheia à percepção do sujeito, que sempre produz uma inter-
pretação da realidade. “Os jornalistas são, como todas as pessoas, construtores da
realidade de seu ambiente. Porém, além disso, dão forma de narração a esta
realidade e, difundindo-a, convertem-na em uma realidade pública” (Ibidem, 15).
Considerar a notícia como “construção da realidade” implica considerá-la
como a produção de sentido que se dá por intermédio das práticas de produ-
ção da notícia e das rotinas que normatizam a profissão jornalística. Gaye
Tuchmann (1978), um dos principais investigadores da notícia como constru-
ção da realidade se dedicou exaustivamente a analisar o processo de produção
da notícia, considerando vários aspectos da prática profissional e do modo de
organização das empresas jornalísticas. Considerou fundamentais não só as
rotinas informativas, a relação entre o jornalista e as fontes, as fases do traba-
lho jornalístico, desde a elaboração da pauta até a edição do jornal, como a
lógica produtiva da empresa jornalística.
Mais recentemente, a consideração da notícia como construção da realida-
de tem demandado o reconhecimento de que este “é um processo de três
fases: a produção, a circulação e o consumo” (Alsina, 1996:14) e ainda que a
ênfase seja sempre colocada na produção, os autores costumam fazer quando
nada uma ressalva de que o processo de construção da realidade deve neces-
sariamente implicar a relação entre o jornalista e seu público (cf. Alsina, 1996;
Saperas, 1993). A relação entre jornalista e audiência fundamenta-se num
acordo comunicativo e socialmente definido:
Esta relação entre o jornalista e seus destinatários está estabelecida por
um contrato fiduciário social e historicamente definido. Aos jornalistas
se lhes atribui a competência de recolher os acontecimentos e temas
importantes e atribuir-lhes um sentido (Alsina, 1996:31).

Aquilo que é próprio do profissional da comunicação é o papel socialmente


legitimado e institucionalizado para construir a realidade social enquanto re-
alidade pública e coletivamente relevante.
A atenção possibilitada pela sociologia do conhecimento à relação entre
meios de comunicação e vida cotidiana, sobretudo a partir dos estudos de
Berger & Luckmann, será de fundamental importância para as investigações
futuras no campo da comunicação. As chamadas “sociologias da vida cotidia-
na”42 inspirarão tanto os “estudos culturais ingleses” quanto as “investigações
qualitativas de audiência” a proceder a uma investigação minuciosa do papel
que os meios cumprem na vida cotidiana.

Efeito e Recepção 97
Nos últimos capítulos, procedemos a uma leitura de vários autores e cor-
rentes de pensamento que se debruçaram sobre a comunicação com o intuito
de identificar como, na curta história de investigação dos media, a relação
entre comunicação e públicos tem sido pensada. Tratamos de delinear três
grandes parâmetros de compreensão dos efeitos:
a. Uma orientação inicial, voltada para a consideração dos meios de comuni-
cação de massa como causa necessária e suficiente para a consecução dos
efeitos, entendidos esses como a mudança de opinião ou a determinação
da conduta. O efeito é uma decorrência direta e imediata das intenções do
emissor e de sua competência para elaborar as mensagens. Forma de
compreensão própria da hipótese hipodérmica, marcada pelo conceito de
massa e apoiada em postulados da psicologia behaviorista.
b. A consideração dos media como causa necessária, mas não suficiente, para a
consecução de efeitos, enquanto tomada de decisão ou conversão de conduta
– ênfase nos comportamentos de consumo e de voto. Pode-se nomear este
período como dos efeitos limitados, posto que considera os efeitos como
reforço de atitudes prévias. Os efeitos dependiam menos das intenções dos
emissores que das características cognitivas, sociais ou culturais da audiên-
cia, características que implicavam exposição, atenção e memorização seleti-
vas por parte dos indivíduos receptores. O poder dos meios é então conside-
rado muito limitado em face das outras fontes de influência, como a influên-
cia pessoal, a liderança de opinião ou a própria personalidade de cada mem-
bro da audiência, o que limitava a ação persuasiva dos media.
c. Volta a ser considerada a hipótese de que os media produzem fortes efei-
tos, mas estes se exercem não mais sobre os indivíduos considerados isola-
damente, mas sobre a sociedade e, como tal, não podem ser considerados
numa perspectiva de curto prazo. São os efeitos sociais a longo prazo que
detêm a atenção. Investigam-se efeitos cognitivos (que se exercem sobre a
formação do patrimônio cognitivo, cultural e social dos receptores) e cumu-
lativos, ligados a uma exposição cotidiana e permanente aos media.

Notas
1. Elisabeth Noelle-Neumann começa a divulgar suas investigações em 1972. Ver adiante item A espiral do
silêncio (p.85).
2. Não é nosso interesse elaborar uma detalhada análise ou mesmo uma sinopse, certamente apressada e
defeituosa, dos postulados do funcionalismo enquanto teoria sociológica geral. A abordagem que faremos
remete exclusivamente ao modo como o funcionalismo possibilitou um tratamento marcante da problemática
dos efeitos dos meios de comunicação. Talcott Parsons é o fundador do funcionalismo norte-americano com o
trabalho no qual critica Durkheim, Pareto, Marshall e Weber: The Structure of Social Action, New York: Free Press,
1937. A partir daí o próprio Parsons e também Robert King Merton desenvolverão o funcionalismo,

98 Efeitos Sociais
constituindo seus principais sociólogos.Uma boa referência bibliográfica complementar são os volumes de
Guy ROCHER. Sociologia geral (Tradução Ana Ravara), Lisboa: Presença, 1971, vol. V ou ainda, do mesmo autor,
Talcott Parsons e a sociologia Norte-Americana, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. Uma publicação mais recente
é Donald N. LEVINE. Visões da tradição sociológica (Tradução Álvaro Cabral), Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, 325
pp. De Talcott Parsons ver, sobretudo: PARSONS, Talcott; BALES, Robert F. & SHILS, Edward A. Working papers
in the theory of action, New York: FreePress; London: Collier MacMillan, 1953, 269 pp.; PARSONS, T. The social
system, London: Tavistock, 1952, 575 pp.; PARSONS, T. (Org.). A sociologia americana: perspectivas, problemas,
métodos (Tradução Octavio Mendes Cajado), São Paulo: Cultrix, 1970, 383 pp.; PARSONS, T. O sistema das
sociedades modernas (Tradução Dante Moreira Leite), São Paulo: Pioneira, 1974, 189 pp. (Biblioteca Pioneira de
Ciências Sociais). De Robert K. Merton ver, principalmente, Social theory and social structure, New York, Free
Press, 1968, 702 pp. Há tradução brasileira, publicada pela Ed. Mestre Jou: Sociologia: teoria e estrutura
(Tradução Miguel Maillet), São Paulo: 1970, 758 pp.
3. São várias as “inspirações” que possibilitaram o surgimento da teoria sociológica estrutural-funcionalista ou
teoria dos sistemas. A idéia mesma de uma teoria dos sistemas foi formulada por Ludwig von Bertalanffy, no
campo da biologia. Claude Henri de Saint-Simon é o primeiro a adaptar a teoria dos sistemas à análise
sociológica e a conceber a sociedade como um sistema orgânico. Da antropologia, sobretudo com Malinowski e
Radcliffe-Brown, vem a visão de que todo sistema social tem uma unidade funcional como todas as partes são
interligadas. A partir daí, a idéia de que a sociedade obedece a uma lei fisiológica, de que há uma
continuidade entre a ordem biológica e a ordem social será diversamente adotada, seja por Herbert Spencer,
que define a sociedade como um sistema funcional e propõe uma analogia entre sociedades e um organismo
individual em termos de crescimento, estruturas, funções, sistemas de órgãos, seja por Auguste Comte, que
postula que a sociedade pode ser encarada como um tipo particular de organismo, qual seja um “organismo
coletivo”, seja por sociólogos mais recentes. O próprio Lasswell, em 1948, ao escrever o texto inaugural de
aplicação do funcionalismo ao problema da comunicação de massa remete explicitamente às “equivalências
biológicas” (Lasswell, 1987:106) que podem ser encontradas em associações humanas. Também Émile
Durkheim, com sua discussão sobre a solidariedade mecânica versus solidariedade orgânica foi um inspirador
do funcionalismo, tendo sido largamente discutido por Parsons no livro que fundou essa corrente do
pensamento sociológico.
4. Publicado originalmente em 1960.
5. No mesmo texto no qual ele anuncia seu paradigma para descrever o ato comunicativo.
6. 1948 é a data da publicação original desse texto de Lazarsfeld & Merton.
7. Ver primeiro capítulo desta Parte I, em especial item A metáfora da agulha hipodérmica (p.25).
8. Melvin DeFleur, em bases também funcionalistas, é quem analisa de modo bastante apurado o conteúdo de
mau gosto dos media como fenômeno repetitivo e mostra como medida ele é funcional para o sistema. “O
conteúdo de divertimento que parece mais capaz de atrair a atenção do maior número de membros da
audiência é o mais espetacular, o chamado conteúdo de mau gosto... [Ele] é funcional na acepção de que –
apesar de poder ser mau gosto – aumenta o tamanho da audiência exposta à propaganda (...). O conteúdo de
mau gosto vende... e vende muito. Este fato consagra isso como o elemento-chave do sistema social da media.
Ele mantém o complexo inteiro unido, assegurando sua estabilidade financeira” (Defleur & Ball-Rokeach,
1993:156-7).
9. É muito interessante notar como a descrição de Merton e Lazarsfeld dos “efeitos sociais” dos media, das
suas “funções” ou “disfunções” é retomada posteriormente, e perdura ainda nos anos de 1990, às vezes de
modo menos perspicaz que o original, como argumentos para provar a alienação produzida pelos meios,
denunciar a defesa dos interesses de classe que pautam a concepção das telenovelas e seus personagens ou
apontar as alianças político-econômicas que determinam a construção da notícia. A idéia de que os meios de
comunicação são os mais eficientes narcotizantes hodiernos e de que seus receptores são viciados é repetida
à exaustão – em geral, sem qualquer referência a Merton e Lazarsfeld. Apenas um exemplo: “Vicia-se pela TV,
como se vicia em açúcar, fumo, maconha, coca e outros da área farmaco-dependente (...)” (PIGNATARI,
1993:487). A denúncia de que os meios de comunicação reiteram a ordem vigente, impedem a consciência
crítica e promovem uma ampla e inconsciente adesão ao sistema capitalista é lugar comum em textos
contemporâneos de estudos da comunicação. Em um trabalho anterior (ver GOMES, 1995, sobretudo o
primeiro capítulo), mostramos como a relação, postulada por tais textos, entre consumo, sexo, lazer, violência e
controle social não remete unicamente à conformação de padrões de comportamento. Remete igualmente e de

Efeito e Recepção 99
imediato para a idéia de poder, ideologia e defesa do projeto político das classes dominantes afinadas com o
sistema capitalista, a serviço das quais estariam os meios de comunicação.
10. Note-se que a corrente dos usos e gratificações estaria claramente inserida nesse segundo tipo de
abordagem funcionalista. A isso voltaremos mais adiante.
11. Idéia em si tomada de empréstimo à cibernética, a noção de feedback descreve os dispositivos de
informação capazes de ajustar seu comportamento em função da análise que faz dos efeitos da sua ação.
Nesta concepção, ela foi adotada por Norbert Wiener no quadro de uma pesquisa realizada em parceria entre
o MIT, Massachusetts Institute of Technology, no qual Wiener ensinava, e o governo americano, com fins de
desenvolver um dispositivo que aumentasse a rapidez de resposta dos aviões americanos usados durante a
Segunda Guerra.
12. A publicação original é de 1975.
13. Publicação original de 1974.
14. Ver Parte II, As análises de recepção.
15. Barbara Freitag chama a atenção para que “o termo Escola de Frankfurt ou a concepção de uma ‘teoria
crítica’ sugerem uma unidade temática e um consenso epistemológico, teórico e político que raras vezes
existiu entre os representantes da Escola” (Freitag, 1990:33). Com esta ressalva, adotaremos o uso das duas
expressões por razões de economia textual.
16. Não é nosso interesse aqui proceder a um estudo exaustivo da contribuição dos frankfurtianos para a
sociologia, a filosofia ou a ciência política contemporâneas, mas tão somente recuperar sua discussão sobre a
comunicação e a cultura com o específico objetivo de identificar o modo como a problemática dos efeitos foi
tratada e qual o perfil que o receptor assume no imaginário frankfurtiano.
17. Este é um texto tardio de Marcuse, publicado em 1967.
18. Barbara Freitag afirma que essa expressão foi usada pela primeira vez por Horkheimer, no ensaio “Arte e
Cultura de Massa”, publicado em 1941 (cf. Freitag, 1990:66), embora o próprio Adorno afirme que o termo tenha
sido utilizado pela primeira vez em Dialética do esclarecimento (cf. Adorno, 1987a: 287).
19. Texto de 1962.
20. Original de 1967.
21. Publicado originalmente em 1950.
22. Publicado originalmente em 1941.
23. Adorno trabalhou no Instituto de Pesquisa Social Aplicada, dirigido por Lazarsfeld, durante seu período de
exílio nos Estados Unidos.
24. Originalmente publicado em 1963.
25. Ver Parte II.
26. Trabalhamos aqui com duas traduções do texto de BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de sua
reprodutibilidade técnica”, de 1936, publicado em LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da cultura de massa, 3. ed., Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 209-240 e em BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e técnica, arte e política
(Tradução Sérgio Paulo Rouanet), 4. ed., v. I, São Paulo: Brasiliense, 1985a, p. 165-196.
27. Em “A arte da oscilação” (Vattimo, 1991: 55-71), Gianni Vattimo desenvolve uma analogia entre o efeito de
choque (Stoss) em Heidegger e o efeito de choque (schock) em Walter Benjamin, procurando captar os aspectos
essenciais da arte na sociedade contemporânea.
28. Em um trabalho anterior exploramos algumas das conseqüências do pensamento de Walter Benjamin,
sobretudo em seus escritos sobre a criança e o brinquedo (Benjamin, 1984), para a investigação da recepção
televisiva infantil. Ver Gomes, 1995.
29. Ver Parte I, Capítulo 2: Efeitos limitados (p.41).
30. O paradigma cognitivo, que está presente nos estudos de comunicação desde que as diferenças
psicológicas individuais evidenciadas na estrutura cognitiva entraram como fatores de mediação nos estudos
dos “efeitos limitados”, implica uma visão da natureza humana derivada da teoria da Gestalt. Ela destaca uma
diversidade de conceitos e processos que são considerados parte da estrutura de personalidade de todos os

100 Efeitos Sociais


seres humanos e investiga o modo como esses processos funcionam para modelar respostas do
comportamento. São postulados do paradigma cognitivista:
“1. É melhor encarar os membros individuais da sociedade como receptores ativos de um conjunto de
impulsos, cujas respostas comportamentais a tais estímulos são modeladas por processos mentais interiores
(cognitivos). 2. Processos cognitivos habilitam os indivíduos a transformar o conjunto de estímulos de várias
maneiras: codificá-lo, armazená-lo, interpretá-lo seletivamente, deturpá-lo e recuperá-lo para uso ulterior em
decisões acerca do comportamento. 3. Os processos cognitivos que têm papéis essenciais na formação do
comportamento individual compreendem percepção, imaginação, sistemas de crenças, atitudes, valores,
tendências para equilíbrio desses fatores, além de recordação, pensamento, e numerosas outras atividades
mentais. 4. Os componentes cognitivos da organização mental de determinado indivíduo são produtos de
suas anteriores experiências de aprendizagem, que podem ter sido deliberadas ou acidentais, sociais ou
solitárias”(Defleur & Ball-Rokeach, 1993:56-7).
31. O trabalho inaugural de Maxwell E. McCOMBS & Donald L SHAW, The Agenda-Setting Function of Mass Media
foi publicado pela primeira vez em 1972 no Public Opinion Quarterly, n. 36.
32. A função de agenda está intimamente relacionada com a investigação sobre os gatekeepers, na medida como
a ação dos indivíduos que operam como gatekeepers determina a agenda dos media. Gatekeeper é um termo
originado na investigação sociológica americana para se referir à posição estratégica que certos profissionais
ocupam no sistema de produção jornalística, por exemplo os editores e chefes de redação, e que lhes permite
exercer um controle seletivo sobre o que efetivamente é publicado. O principal trabalho sobre os gatekeepers é o
de White (1950).
“O Gatekeeper adquire uma relevância especial na investigação sobre a capacidade de estabelecimento da
agenda temática ao realizar a seleção dos temas, ao determinar o grau de relevância do tema e,
conseqüentemente, ao iniciar o processo de estabelecimento da agenda dos media. Ao mesmo tempo,
determinará qual é o período de permanência de um tema nos media e destacará quais são os conflitos de
maior presença pública” (Saperas, 1993:61). A investigação sobre a agenda-setting tem recentemente se
perguntado sobre quem estabelece a agenda dos meios de informação e a resposta tem conduzido aos
agentes sociais externos aos meios, aos eventos que os jornalistas não controlam, mas igualmente “às
tradições, às práticas e aos valores do jornalismo como profissão” (McCOMBS.1996:24).
33. Há, no Brasil, traduções de duas obras de Niklas Luhmann importantes para esse tema: Poder (Tradução de
Martine Creusot de Rezende), 2. ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1992, 121 pp; e O amor como
paixão: para a codificação da intimidade (Trad. Fernando Ribeiro), RJ, Bertrand Brasil, 1991, 250 pp. (Série
Memória e Sociedade). Para o tratamento que Luhmann dá à problemática específica da Comunicação ver A
improbabilidade da comunicação, Lisboa: Vega, 1992, 157 pp. Para a análise do problema da opinião pública, ver
ensaio “Complexidade societal e opinião pública”. In: Luhmann, 1992:65-94.
34. “Se quisermos arriscar uma caracterização geral da proposta teórica de Luhmann, podemos considerá-la na
direta continuidade da Sociologia estrutural e funcional de Parsons; isto significa que ele toma essa proposta
como ponto de partida, e apenas isso, para desenvolver um modelo intelectual próprio que, em múltiplos
aspectos, se afasta da referência original” (PISSARRA, 1992:6).
35. A conferência de Noelle-Neumann foi posteriormente publicada em 1974, pelo Journal of Communication, n.
24. Trabalhamos aqui com uma tradução espanhola de 1998.
36. Em 1984 Elisabeth Noelle-Neumann publicou, pela University of Chicago Press, The Spiral of Silence. Public
Opinion – our social skin. Neste livro a autora sistematiza as pesquisas realizadas na década de 1970 e formula
propriamente uma teoria. Trabalhamos aqui com uma tradução espanhola publicada pela Paidós em 1995.
37. Gerbner fala em story, palavra inglesa que, no contexto do seu trabalho, pode ser traduzida tanto por
história quanto por narrativa ou relato.
38. Tanto Schutz como Berger & Luckmann associam a sociologia do conhecimento aos métodos de análise
fenomenológica, daí porque alguns autores se referem à sociologia do conhecimento como
“sociofenomenologia”. “O método que julgamos mais conveniente para esclarecer os fundamentos do
conhecimento na vida cotidiana é o da análise fenomenológica, método puramente ‘descritivo’ mas não
‘científico’ ...A análise fenomenológica da vida cotidiana, ou melhor, da experiência subjetiva da vida cotidiana,
abstém-se de qualquer hipótese causal ou genética, assim como de afirmações relativas ao status ontológico
dos fenômenos analisados” (Berger & Luckmann, 1993:36-7).

Efeito e Recepção 101


39. Ver em O problema da sociologia do conhecimento (Berger & Luckmann, 1993:11-34) como os autores remontam
a tradição de investigação da sociologia do conhecimento, de Max Scheler – quem usou a expressão sociologia
do conhecimento pela primeira vez, em 1924 –, passando pelas contribuições de Marx, Nietzsche, Dilthey, até
chegar à formulação de Karl Mannhein para então rejeitá-la e reivindicar filiação com a redefinição proposta
por Alfred Schutz. “As formulações teóricas da realidade, quer sejam científicas ou filosóficas quer sejam até
mitológicas, não esgotam o que é ‘real’ para os membros de uma sociedade. Sendo assim, a sociologia do
conhecimento deve acima de tudo ocupar-se com o que os homens ‘conhecem’ como ‘realidade’ em sua vida
cotidiana, vida não teórica ou pré-teórica. Em outras palavras, o ‘conhecimento’ do senso comum, e não as
‘idéias’, deve ser o foco central da sociologia do conhecimento. É precisamente este ‘conhecimento’ que
constitui o tecido de significados sem o qual nenhuma sociedade poderia existir. A sociologia do
conhecimento, portanto, deve tratar da construção da realidade (...) Devemos a compreensão fundamental
desta redefinição a Alfred Schutz. Em toda sua obra, como filósofo e como sociólogo, Schutz concentrou-se
sobre a estrutura do mundo do sentido da vida cotidiana. Embora não tenha elaborado uma sociologia do
conhecimento, percebeu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveria focalizar a atenção” (Berger &
Luckmann, 1993:29-30).
40. Não é nosso interesse neste trabalho discutir as várias concepções sociológicas e filosóficas sobre a
realidade. No entanto, chamamos a atenção de que para a sociologia do conhecimento não há uma realidade
independente da subjetividade que a conhece e que seria prévia à relação do conhecimento enquanto tal.
41. Originalmente publicado em 1989.
42. Mauro WOLF (1988) inclui nessa categoria a etnometodologia desenvolvida por Harold Garfinkel, o estudo
das conversações realizado por Harvey Sacks e a hipótese do “enquadramento” de Erving Goffman.

102 Efeitos Sociais


Parte II
As Análises de Recepção

O s Estudos Culturais1 ingleses2 surgem no contexto da Inglaterra dos anos


de 1960 preocupados em compreender as “culturas vivas”, as práticas e as
instituições culturais e suas relações com a sociedade e as transformações
sociais. Conseqüentemente, dão especial destaque ao modo como os meios de
comunicação se inserem no tecido cultural contemporâneo: para os Estudos
Culturais, entender a cultura, o modo como ela se organiza nas sociedades
contemporâneas, implica entender como se dão os processos comunicativos. A
cultura, aqui, deixa de ser um sistema simbólico ordenado, com valores morais
e instituições constituídas, e passa a ser compreendida como ocorrência dinâ-
mica em processos comunicativos e sistemas de significação. Os objetos que
circulam entre os sujeitos humanos são entidades construídas no âmbito da
prática cultural e só neste âmbito adquirem seu valor.
Os Estudos Culturais organizam-se institucionalmente em torno do Centre
for Contemporary Cultural Studies (CCCS), da Universidade de Birmingham,
fundado em 1964, sob a direção de Richard Hoggart. Entretanto, foi entre 1968
e 1979, quando esteve sob a direção de Stuart Hall, que ele teve seu período
mais brilhante. Richard Hoggart, Raymond Williams e Stuart Hall são os três
principais nomes dos Estudos Culturais. Hoggart e Williams foram seus funda-
dores ao reformular o conceito de cultura. Hall criou a revista do Centro,
Working Papers in Cultural Studies, e conduziu as investigações dos Estudos
Culturais a uma aproximação com o estruturalismo francês – e por meio dele,
com o marxismo – e com a semiótica.
Considera-se que a fundação dos Estudos Culturais se deu, entretanto, um
pouco antes da criação do CCCS. Dois livros publicados em fins dos anos de
1950, The uses of literacy, de Richard Hoggart (1957), e Culture and society: 1780-

Efeito e Recepção 103


1950, de Raymond Williams (1958), e um terceiro publicado no início dos anos
de 1960, The making of the english working class, de Edward Palmer Thompson
(1963) são considerados os textos inauguradores dos Estudos Culturais. Estes
três autores estão preocupados, de modo geral, em entender quem são e como
se constituem as classes trabalhadoras. Esse interesse pela classe trabalhado-
ra os leva a buscar os meios de redefinir a noção tradicional de cultura de
modo a estendê-la o suficiente para incluir a cultura popular ou de massa.
De um modo geral, para os Estudos Culturais, a “cultura” é entendida como
a esfera na qual se naturalizam e se representam as desigualdades sociais –
inicialmente desigualdades de classe (foco do interesse dos primeiros
“culturalistas”); hoje cada vez mais desigualdades de gênero, raça ou etnia (foco
do interesse dos investigadores dos Estudos Culturais a partir dos anos de 1980).
Mas ao mesmo tempo, cultura é também o meio pelo qual os diferentes grupos
subordinados vivem e opõem resistência a essa subordinação. Assim, a cultura é
o terreno onde se desenvolve a luta pela hegemonia. Em outros termos, cultura,
na acepção dos Estudos Culturais, é “a produção e reprodução sociais de sentido,
significado e consciência” (O’Sullivan et al., 1997:87).
Os Estudos Culturais não são propriamente uma disciplina acadêmica que
se defina por uma metodologia ou um campo de investigação claramente
demarcados, nem possuem uma teoria unificada, um cânone textual próprio
ou metodologia comum. Eles são construídos por uma série de metodologias e
posições teóricas a tal ponto distintas que levaram Stuart Hall a afirmar que o
trabalho teórico desenvolvido pelo CCCS seria mais apropriadamente qualifi-
cado como uma algazarra teórica – e isso sem nenhum desmerecimento.
Ao contrário, para Hall, ao se configurarem como uma abordagem alta-
mente contextual, um método de análise variável, flexível e crítico, como a
expressão de uma insatisfação com as disciplinas e uma aposta na abordagem
interdisciplinar da cultura,3 os Estudos Culturais criam as condições internas
para “estar sempre abertos para aquilo que ainda não se conhece, para aquilo
que ainda não se pode denominar” (Hall, 1996a:263). Essa algazarra teórica
parece constituir a própria identidade dos Estudos Culturais enquanto um
campo em permanente diálogo com os problemas suscitados por conjunturas
históricas específicas.
Esse esforço interdisciplinar consistiu em trazer para a interpretação da
cultura as contribuições da sociologia, da história, da filosofia e, o mais impor-
tante na concepção de Richard Hoggart (cf. 1970:255), da crítica literária. Mais
recentemente, a partir dos anos de 1970, a abertura e o ecletismo dos Estudos
Culturais têm permitido a contribuição do estruturalismo, da semiótica, da

104 As Análises de Recepção


psicanálise e, nos dias atuais, dos estudos pós-estruturalistas – marcadamente
as discussões sobre feminismo, raça e identidade. Isto não se dá sem tensão,
sobretudo aquela que existe entre recusar o fechamento do campo e, ao mes-
mo tempo, marcar posições.
Stuart Hall (1984:117 e segs.) identificou quatro elementos da ruptura dos
Estudos Culturais com as abordagens da comunicação de massa. Em primeiro
lugar, os Estudos Culturais rejeitam a concepção da cultura de massa como um
fenômeno indiferenciado para adotar um modo de encarar os mass media
como cimentando e propagando representações ideológicas dominantes.
Depois, os Estudos Culturais rompem com a perspectiva behaviorista carac-
terística da Sociologia da Comunicação, que vê a influência dos meios como um
mecanismo direto de estímulo e resposta. A ênfase dos Estudos Culturais esta-
rá mais claramente marcada por conceber os meios como forças sociais e polí-
ticas amplas e difusas, cuja influência é quase sempre indireta, sutil e mesmo
imperceptível.
Terceiro, os Estudos Culturais rechaçam as noções dos textos mediaticos
como portadores de um sentido transparente. Ao contrário, chamam a atenção
para o potencial estruturante que cada meio, incluindo a linguagem, possui. E
examinam, sob influência direta de Barthes, Eco e Bakhtin, o sistema de signos
mediante os quais o sentido dos meios de massa alcançam a audiência.
Finalmente, os Estudos Culturais rompem com uma concepção da audiên-
cia como passiva e indiferenciada e apostam no exame detalhado da variedade
de formas como as mensagens são decodificadas pelos membros da audiência
com orientações sociais e políticas diferentes.

Notas
1. Não é nosso objetivo aqui, absolutamente, proceder a uma apresentação sistemática dos Estudos Culturais,
seja percorrendo seus autores, seus conceitos ou analisando seus principais desdobramentos. O nosso
tratamento dos Estudos Culturais dirige-se de modo específico à compreensão das análises de recepção que
essa corrente de investigação possibilitou. Para uma avaliação mais geral sobre os Estudos Culturais ver as
coletâneas CURRAN; MORLEY & WALKERDINE, 1998; DURING, 1997; CURRAN & GUREVITCH, 1996; MORLEY
& CHEN, 1996; HALL; HOBSON; LOVE & WILLIS, 1984.
2. Paul GILROY chama atenção para que, de fato, os Estudos Culturais têm um caráter marcadamente inglês,
mais que britânico. Por um lado, os três textos fundadores dos estudos formam um triângulo etnocêntrico “no
qual o desenvolvimento cultural e a política cultural se configuram como um fenômeno nacional
exclusivamente inglês” e nenhum deles “transmite um sentido de Grã-Bretanha e da identidade inglesa como
formadas por forças e processos que transbordem o crisol imperial do estado-nação” (1998:77).
3. Para uma discussão sobre a aposta dos cultural studies na interdisciplinaridade e a rejeição de sua própria
institucionalização em disciplina como parte de um projeto político mais amplo, ver GIROUX et al., 1998:s/pg.
Aí os autores defendem que se os Estudos Culturais são informados por um projeto político que atribui um
lugar central à crítica e à transformação social, seus investigadores devem, em primeiro lugar, reconhecer que
a universidade e sua estrutura disciplinar departamentalizada têm uma relação particular com a sociedade

Efeito e Recepção 105


dominante, o que implica expor os interesses históricos específicos que estruturam as disciplinas
acadêmicas. Depois, e como conseqüência, os Estudos Culturais devem desenvolver formas de conhecimento
crítico assim como uma crítica do conhecimento mesmo. Ver também HALL (1986:59), quando o autor rejeita
que os Estudos Culturais ingleses se constituam como uma escola: “não quisemos criar esse tipo de
ortodoxia”.

106 As Análises de Recepção


Capítulo 1
Estudos Culturais, Cultura e
Cultura de Massa

C onsidera-se que a fundação dos Estudos Culturais se deu um pouco antes


da criação do CCCS. Dois livros publicados em fins dos anos de 1950, The uses of
literacy, de Richard Hoggart (1957), e Culture and society: 1780-1950, de Raymond
Williams (1958), e um terceiro publicado no início dos anos de 1960, The making
of the english working class, de Edward Thompson (1963) são considerados os
textos inauguradores dos Estudos Culturais. Estes três autores estão preocu-
pados, de modo geral, em entender quem são e como se constituem as classes
trabalhadoras. Esse interesse pela situação social e cultural da classe trabalha-
dora os leva a buscar os meios de redefinir a noção tradicional de cultura de
modo a estendê-la o suficiente para incluir a cultura popular ou de massa.
O programa inicial dos Estudos Culturais foi proceder a uma transformação
radical do conceito de cultura que se afastava daquele defendido pelos princi-
pais intelectuais da época – que entendiam a cultura apenas no sentido que hoje
damos à expressão “cultura erudita” e que se refere à busca e ao cultivo da
perfeição moral, intelectual, espiritual. Desde essa fase inicial, desde esses pri-
meiros esforços por reformular o conceito de cultura que os cultural studies se
distinguirão como uma corrente de investigação que põe o foco da sua atenção
no processo ativo e consciente de construção de sentido na cultura.
Neste capítulo, exploraremos as contribuições de duas dessas obras que
marcaram o surgimento dos Estudos Culturais, especificamente The uses of literacy,
de Richard Hoggart, e Cultura e sociedade: 1780-1950, de Raymond Williams.
Pensar a cultura como expressão dos processos sociais, como faz Richard Hoggart,
ou como um modo integral de vida, como faz Raymond Williams, leva os Estudos
Culturais, nessa fase inicial, a criar as bases para uma compreensão de cultura
como a esfera do sentido que unifica as esferas da produção (a economia) e das

Efeito e Recepção 107


relações sociais (a política). Williams e Hoggart são considerados fundadores dos
Estudos Culturais por mostrar, na Inglaterra dos anos de 1950, que a vida mate-
rial e a vida cultural são profundamente interligadas e por mostrar, contra a
visão própria da intelectualidade inglesa à época, o lastro popular da cultura.

Cultura como Expressão dos Processos Sociais


The uses of literacy. Aspects of working-class life with special reference to publications
and entertainments1 é um livro dividido em duas partes. Na primeira, “Uma velha
ordem”,2 Richard Hoggart pretende indicar o caráter múltiplo e infinitamente
multifacetário da vida da classe trabalhadora e colocar-se contra o romantismo das
abordagens das classes trabalhadoras ou populares, romantismo que, ao mesmo
tempo em que traz consigo o perigo de supervalorizar as qualidades da cultura
operária, leva a um conseqüente lamento por sua situação. Nesse primeiro mo-
mento, dá-se ênfase a aspectos da oralidade, ao papel da família e da comunidade
na configuração da cultura tradicional, investiga-se o modo como o concreto, o
pessoal e o local, o presente e o imediato modelam essa cultura.
Na segunda parte do livro, “Cedendo lugar ao novo”,3 Hoggart concen-
tra-se nos aspectos “mais lamentáveis” das mudanças trazidas pela cultura
de massa. Embora analise detidamente as publicações populares e o entre-
tenimento,4 Hoggart acredita que seu diagnóstico poderá, com alguns ajus-
tes, valer também para o cinema, a radiodifusão, a televisão e a publicidade
(cf. Ibidem, 270). Nesta segunda parte do livro, a forma de abordar a relação
entre meios e público não difere daquela que várias vezes indicamos na
primeira parte deste livro e que configura a forma mais usual de investiga-
ção sobre os efeitos: da análise das publicações e entretenimento deduz-se o
efeito que eles causam.
Igualmente usual naquele período, a preocupação também é com a natu-
reza da produção de massa – concentração da produção, organização comer-
cial em larga escala, o interesse do lucro – e os efeitos dessa massificação sobre
os consumidores, efeitos sobre a sexualidade, a violência, os hábitos de leitura,
sobre os valores. A questão de fundo é que a cultura, agora, é um jogo de fazer
dinheiro, um negócio, um comércio quase sempre enganador e fraudulento
(cf. Ibidem, 197) possibilitado pela produção industrial e pela tecnologia.
Essa associação entre cultura e negócio traz como conseqüência o próprio
processo de massificação ou, dito de outro modo, a mudança rumo a uma
sociedade culturalmente sem classes (cf. Ibidem, 15; 201; 279). Hoggart, dife-
rentemente de Raymond Williams, como veremos adiante,5 acreditava que em
pelo menos um sentido a sociedade caminhava, naquele momento, em direção

108 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa


a “um tipo mais medíocre de cultura sem classe ou ...uma cultura ‘sem rosto’”
(Ibidem, 280). E isso porque a indústria do entretenimento, para alcançar uma
audiência maior, precisaria deixar de lado os limites de classe. A especial dedi-
cação que a produção de massa tem para com a classe trabalhadora e a baixa
classe média justifica-se apenas porque aquela audiência forma a maioria de
seus potenciais consumidores – nem que seja no simples sentido de que essas
classes formam a maioria da população. Para Hoggart a identificação entre
cultura de massa e classe trabalhadora dá-se por uma relação de mercado:
uma forma o público consumidor da outra.

Qualidades da Cultura Operária


Hoggart descreve as mudanças na vida operária da Inglaterra do pós-guerra
valendo-se de sua própria experiência pessoal: seus exemplos são freqüente-
mente garimpados na história de sua família6 ou dele próprio, quem viveu
entre as milhares de casas amontoadas e enfumaçadas do distrito operário de
Leeds; quem, aos 11 anos, passeava pelo bairro em direção ao centro comercial
para comprar suas revistas semanais preferidas; ou, ainda, quem analisa muitos
dos detalhes da leitura e de outros hábitos a partir dos seus próprios.
No que pretende ser um simples diagnóstico sem aspirar possuir o caráter
cientificamente testado dos levantamentos sociológicos (cf. Ibidem, 11), uma
visão individual de algumas tendências da situação cultural baseada parcial-
mente na sua própria experiência pessoal e parcialmente no seu interesse
como especialista, Hoggart se esforçará por
ver além dos hábitos, o que eles significam; ver através dos relatos o que
os relatos verdadeiramente querem dizer (o que pode ser o oposto dos
relatos mesmos); detectar as diferentes pressões da emoção atrás das
frases idiomáticas e das práticas rituais (Ibidem, 18).

A essência da vida e da cultura da classe trabalhadora é um certo “sentido


do ‘pessoal’, do ‘concreto’, do ‘local’” (Ibidem, 32:g.n.). É uma “‘vida densa e
concreta’, uma vida cuja principal ênfase é dada ao que é ‘íntimo’, ‘sensório’,
‘detalhado’ e ‘pessoal’” (Ibidem, 88:g.n.). Essa essência é incorporada na idéia
de família, na de comunidade, na fala, nas formas da cultura e nas atitudes tal
como elas se expressam na vida cotidiana. Hoggart presta especial atenção às
maneiras de falar, de vestir, de morar; a aspectos da experiência diária (tais
como o hábito de comprar a crédito e pagar em pequenas prestações (cf.
Ibidem, 21); às superstições e aos mitos (cf. Ibidem, 29 e segs.). O mundo
concreto e local é o que pode ser compreendido, manuseado, é aquele no qual

Efeito e Recepção 109


se pode confiar, e é a partir dele que se poderá compreender as relações da
subcultura operária com as “debilitantes forças externas” (Ibidem, 146) repre-
sentadas pelas publicações e entretenimentos de massa.
A importância que se dá ao concreto, ao pessoal, ao íntimo, ao local nas
culturas populares justifica seu interesse pelas representações da vida coti-
diana: essa gente é imensamente interessada em gente: “eles têm a fascina-
ção do romancista pelo comportamento individual, pelos relacionamentos”
(Ibidem, 89). Hoggart chama a atenção para o fato de que a indústria do
entretenimento é extremamente habilidosa em usar isso a seu favor: a ênfa-
se que ela dá aos aspectos da vida cotidiana, por exemplo, quando seus
seriados refletem diariamente os pormenores da vida cotidiana, é uma es-
tratégia de captura de audiência. A arte de maior apelo entre a classe traba-
lhadora será sempre aquela que apresentar como seu pressuposto a com-
preensão de que “a vida humana é fascinante em si mesma” (Ibidem, 100). O
alimento básico dos seriados populares não é alguma coisa que sugira uma
fuga da vida comum; antes é o que assume que a vida comum é intrinseca-
mente interessante. Daí porque, menos que uma fuga da rotina diária, essa
arte deve ser reiteradamente uma apresentação do que já é essencialmente
conhecido.
[São] programas comuns realmente despretensiosos, freqüentemente
compostos... de uma série de itens ligados apenas pelo fato de que todos
eles ‘ocupam-se da vida cotidiana da gente comum...’ eles simplesmen-
te ‘apresentam o povo ao povo’ e são apreciados por isso... Se (um
programa) é realmente despretensioso e comum ele será interessante e
popular (Ibidem, 101:g.n.).

A Mudança Social
Os efeitos, em The uses of literacy, são compreendidos em termos de mudan-
ças sociais. E, sendo assim, eles são apenas um aspecto de uma interação de
fatores culturais, sociais, políticos, econômicos. “Concentrar-se nos prová-
veis efeitos de certos desenvolvimentos nas publicações e entretenimento é,
claro, isolar apenas um segmento dentre uma extremamente complexa inte-
ração de mudanças sociais, políticas e econômicas. Tudo está contribuindo
para alterar atitudes...” (Ibidem, 141). Além disso, o processo de mudança
social é lento: não podemos pensar num corte abrupto entre o mundo antes
da cultura de massa e o mundo depois dele. No momento em que Hoggart
desenvolvia suas investigações, a cultura de massa estava passando por uma

110 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa


fase de consolidação representada, sobretudo, pela chegada da televisão e
ele entendia que, naquele momento, as “velhas atitudes” e aquelas novas,
decorrentes da presença dos meios de comunicação de massa na vida da
sociedade, poderiam ser encontradas ao mesmo tempo nas mesmas pessoas.
“As mudanças nas atitudes se processam de modo muito lento por meio de
muitos aspectos da vida social. Elas são incorporadas nas atitudes existentes
e freqüentemente parecem, à primeira vista, formas renovadas daquelas
‘velhas’ atitudes” (Ibidem, 142).
Como decorrência dos processos de massificação, Hoggart, de modo simi-
lar a vários investigadores do período, eventualmente se preocupa com os
problemas da degradação do gosto,7 da apelação sexual,8 da incitação à violên-
cia,9 do sensacionalismo,10 e mesmo se preocupa com o fato de que “a impren-
sa popular... é uma das maiores forças conservadoras na vida pública hoje em
dia: sua natureza requer que ela promova o conservadorismo e a conformida-
de” (Ibidem, 196). Mas não são esses os efeitos que detêm sua atenção. O
interesse de Hoggart coloca-se precipuamente sobre a mudança nos hábitos
de leitura e sobre a reinterpretação de valores básicos da cultura ocidental
burguesa, tais como liberdade, igualdade e progresso.

Os Hábitos de Leitura
Em relação à leitura, o problema é que ao avanço no sistema de ensino, à
diminuição do analfabetismo na Inglaterra e à maior facilidade de acesso às
publicações não corresponde uma melhoria da qualidade da leitura. Hoggart
faz logo a ressalva de que não é possível dar uma resposta estatística à
análise da qualidade da leitura já que a questão envolve distinções de valor
(cf. Ibidem, 271).11
Segundo Hoggart, há um grande incremento no consumo das publicações
voltadas para o entretenimento e esse consumo não deve ser lastimado. O
problema é que, em alguma medida, “o tamanho do incremento parece haver
sido decidido nem tanto pela necessidade de satisfazer apetites anteriormen-
te insatisfeitos, mas pela mais forte persuasão daqueles que fornecem o entre-
tenimento” (Ibidem, 270). É o esforço da indústria do entretenimento por
alcançar vendas cada vez maiores que dita as regras da oferta e não os interes-
ses do público ou mesmo do sistema educacional, com todas as conseqüências
“lamentáveis” desse processo.12
A objeção é de que ao incremento da capacidade de leitura não correspon-
de um incremento na sua qualidade. Ao contrário, a centralização da produ-
ção, a preocupação com os lucros e o crescimento do número de leitores impli-

Efeito e Recepção 111


cam que as pessoas sejam forçosamente mantidas num “espantoso baixo nível
em suas leituras” (Ibidem, 193).
Mas o critério de “qualidade” de Hoggart é surpreendentemente diferenci-
ado dos critérios de qualidade da cultura erudita e vincula-se às características
que ele identificou na cultura popular. Para Richard Hoggart, a ausência de
qualidade das publicações populares pode ser evidenciada não pelo fato de que
elas não conseguem chegar ao mesmo nível intelectual que The Times; mas pelo
fato de que elas (assim como tudo o mais a que servem de exemplo: os progra-
mas televisivos, o cinema popular e muito do rádio comercial) não conseguem
apelar verdadeiramente ao concreto, ao local, ao pessoal (cf. Ibidem, 276-7).
Hoggart afirma não se basear num “inconfesso pesar” de que nem todo
mundo leia, por exemplo, The Times.
Desejar que a maioria da população algum dia venha a ler The Times
é esperar que a natureza humana seja essencialmente diferente, e isso
é cair num esnobismo intelectual. A habilidade para ler os semanários
respeitáveis não é condição sine qua non de qualidade de vida... A
objeção mais forte aos entretenimentos populares mais banais não é
que eles impedem seus leitores de se tornarem intelectuais, mas que
eles dificultam que as pessoas sem inclinação intelectual tornem-se
sábios à sua própria maneira (Ibidem, 276).

Liberdade, Igualdade e Progresso


Ao investigar o processo de mudança cultural favorecido pelos modernos mei-
os de comunicação, a questão que preocupa Hoggart é a da mudança dos
antigos valores. Ele analisa particularmente o modo como valores próprios da
cultura da classe trabalhadora, como a tolerância, o sentimento de grupo, a
atenção ao presente, vinculam-se aos conceitos de “liberdade”, “igualdade” e
“progresso” no modo como eles são reinterpretados pela cultura de massa.
Que relações podem existir entre a antiga ‘tolerância’ e as formas contem-
porâneas da idéia de ‘liberdade’, entre o antigo sentimento de grupo e o
moderno igualitarismo democrático e entre (paradoxalmente, como pare-
ce ser à primeira vista) o velho sentimento da necessidade de viver no
presente e o novo ‘progressivismo’? De que modo a ‘tolerância’ contribui
para as atividades dos novos profissionais do entretenimento?... Pode a
idéia de ‘aproveitar o tempo enquanto se pode’ porque a vida é dura
abrir caminho ao hedonismo de massa? Pode o sentimento de grupo
transformar-se num conformismo arrogante e desonesto?... (Ibidem, 142).

112 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa


Na análise que faz das publicações e do entretenimento de massa, Hoggart
verifica que há um forte apelo a essas idéias de liberdade, igualdade e pro-
gresso, que são tão caras ao mundo burguês, mas que particularmente ali-
mentam o patrimônio cultural da classe trabalhadora. O apelo a essas idéias é
uma estratégia da cultura de massa para manter a audiência receptiva a suas
abordagens (cf. Ibidem, 144). Esse apelo não se faz, entretanto, sem que essas
idéias passem por um processo de modelagem com fins de se tornarem mais
adequadas aos propósitos da cultura industrial.
Hoggart analisa a leitura que esses conceitos de liberdade, igualdade e
progresso recebem no seio da cultura operária “tradicional”; analisa o trata-
mento que esses conceitos recebem nos diversos produtos de massa; e chega
à conclusão de que a maioria dos entretenimentos de massa tende “a uma
visão de mundo na qual o progresso é concebido como uma busca da posses-
são material, igualdade como nivelamento moral e liberdade como o funda-
mento do infinito prazer irresponsável” (Ibidem, 277).
Assim, o conceito de progresso, por exemplo, mantém-se como uma noção
inegavelmente válida para a classe trabalhadora em função dos benefícios e
serviços que a sociedade tecnológica possibilita, porque a ausência desses
benefícios e serviços tornaria muito difícil viver uma vida digna, porque sem
eles a vida seria uma luta ainda mais dura pela sobrevivência (cf. Ibidem, 143).
As novidades tecnológicas facilitam o dia-a-dia, liberando tempo livre para o
lazer. Neste sentido, progresso combina com as idéias de viver no presente e
curtir a vida (cf. Ibidem, 157 e segs.).
No processo de reinterpretação engendrado pelos meios de massa, entre-
tanto, o “progresso” se transforma em “progressivismo”, ou seja, assume uma
forma de materialismo: incentiva-se não a busca por melhores benefícios e ser-
viços simplesmente, mas a ganância, o consumismo, o “desejo de por as mãos
nos produtos cintilantes da sociedade tecnológica” (Ibidem, 143). O
“progressivismo” oferece uma infinita perspectiva de divertimento, na medida
em que a tecnologia cada vez mais serve à indústria do entretenimento fácil.
Semelhante processo ocorre à idéia de “liberdade”. No modo como tem
sido transmitida à classe trabalhadora pela cultura de massa, ela apresenta-se
como uma “justificação”. “É sempre liberdade de, nunca liberdade para; liber-
dade como um benefício em si mesmo” (Ibidem, 147). No interesse do entrete-
nimento de massa, o apelo é feito pelo recurso a uma noção de liberdade
individual quase ilimitada, pelo recurso a uma crença de que todas as velhas
sanções foram finalmente removidas. “Liberdade equivale a permissão para
prover tudo que melhore as vendas” (Ibidem, 198).

Efeito e Recepção 113


Pela mesma “peneira deformadora e simplificante” (Ibidem, 144) pela qual a
cultura de massa passa todas as grandes idéias, “igualdade” assume o caráter de
“igualitarismo”. Esse “grosseiro igualitarismo democrático” é o próprio funda-
mento da massificação (Ibidem, 149); ele garante que a produção massificada seja,
de fato, bem aceita pelas camadas populares e garante a tendência de se comprar
as mesmas marcas de tênis, assistir os mesmos programas, ler os mesmos jornais
e revistas. Esse igualitarismo apoia-se fortemente no sentimento de grupo próprio
da cultura da classe trabalhadora: o sentimento de grupo, que se traduz no fato de
que todos gostamos de sentir que “estamos indo aonde todo mundo vai”, tem sido
usado em prol da mudança social e da persuasão de massa (cf. Ibidem, 149).
...Há algo acolhedor no sentimento de que você está com todo mundo.
Ouvi pessoas darem, como razão para ouvir um popular programa de
rádio, não o fato de que ele diverte, mas de que ele ‘lhe dá algo sobre o
que conversar depois’ com as pessoas no trabalho (Ibidem, 156).

A discussão sobre o igualitarismo traz uma das passagens mais contraditó-


rias de The uses of literacy. Segundo Hoggart, a tendência ao igualitarismo
coopera para a emergência de um agrupamento cultural quase tão amplo
quanto a soma de todos os outros grupos, daí sua compreensão de que cami-
nhamos rumo a uma sociedade culturalmente sem classe. Mas tal agrupamen-
to tão amplo “seria um grupo apenas no sentido de que seus membros com-
partilhavam uma ‘passividade’... Os olhos registrariam mas não conectariam
aos nervos, ao coração ou ao cérebro” (Ibidem, 157).
O sentimento de grupo é o responsável pelo prazer que os consumidores
dos produtos culturais de massa possam eventualmente tirar do seu consumo.
Segundo Hoggart, o prazer advém não das possibilidades contidas no objeto
de consumo em si, mas do sentimento de prazer proporcionado pelo fato de
que todos desfrutamos os mesmos romances, as mesmas publicações ilustra-
das, os mesmos programas de rádio, os mesmos hits musicais. O prazer é
decorrência da partilha.
Hoggart fala em passividade dos receptores ao mesmo tempo em que
discute o prazer de consumir os produtos de massa. O prazer que será consi-
derado, tanto para a corrente dos “usos e gratificações”13 quanto para os
Estudos Culturais dos anos de 1980 e 1990 14 como a evidência de um consumo
ativo por parte dos receptores. Para Hoggart, entretanto, o prazer do consumo
não impedia a passividade dos consumidores diante dos produtos da impren-
sa, da televisão, do cinema, a aceitação passiva do que lhe era imposto pela
indústria do entretenimento.

114 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa


Contigüidades...
Cada uma das partes do livro de Hoggart foi escrita com a linguagem e as
inquietações do seu tempo e, analisadas isoladamente, quase nada as afasta-
ria do pensamento canônico sobre a cultura de massa. A inquietação básica é
aquela já nossa velha conhecida dos primórdios dos estudos de comunicação:
que estamos caminhando rumo à criação de uma cultura de massa; que
os resquícios do que era, pelo menos em parte, uma cultura urbana ‘do
povo’ estão sendo destruídos; e que a nova cultura de massa é, em
alguns aspectos importantes, menos sadia do que a freqüentemente
tosca cultura que ela está substituindo (Ibidem, 23-4).

Exceto, talvez, o uso de um método mais requintado de análise oriundo dos


estudos literários associado a observações de caráter etnográfico, quase não
há o que diferencie o diagnóstico produzido por Hoggart da produção intelec-
tual própria da investigação em comunicação dos anos de 1940 e 1950; quase
nada há que o afaste do generalizado tom de queixa e preocupação com os
efeitos da associação entre cultura, tecnologia e produção em larga escala.
Mesmo a linguagem é aquela, dos “efeitos”, das “atitudes”, da “massificação”.
Analisado nestes termos, The uses of literacy faria parte, tranqüilamente, do
leque de obras que analisam as produções da cultura de massa e se assustam
com o que nelas encontram. Pode-se mesmo, sem muito esforço, identificar
certa combinação de nostalgia e pessimismo, nostalgia de um mundo livre da
tecnologia, da industrialização e da urbanização; pessimismo quanto às conse-
qüências dessas mesmas tecnologia, industrialização e urbanização sobre a
natureza humana.
Há, de fato, alguma aproximação entre The uses of literacy e algumas moda-
lidades de investigação sobre os media que discutimos na primeira parte deste
livro, sob a denominação de Estudos dos Efeitos. Marcadamente, Hoggart
realiza um diagnóstico muito afim ao da Escola de Frankfurt,15 mais especifica-
mente ao pensamento de Horkheimer e Adorno na fase posterior à Dialética do
esclarecimento. Em outros aspectos, no entanto, Hoggart parece ligar-se às
investigações do período dos “efeitos limitados”, especialmente às investiga-
ções de Lazarsfeld sobre os grupos de referência, ao uso do conceito de
“subcultura” e à aposta nos métodos de investigação etnográficos.
A compreensão socialista da cultura é talvez o aspecto que melhor justifique a
proximidade, sobretudo na segunda parte do livro, entre The Uses of Literacy e essa
outra corrente de investigação crítica da cultura, elaborada por pesquisadores
ligados a Frankfurt – e isso apesar de não se poder classificar Richard Hoggart

Efeito e Recepção 115


como um intelectual marxista: “ele não era, e nunca tinha sido, um marxista”
(Sparks, 1996:72). Hoggart não formou sua visão da cultura operária com referên-
cia ao comunismo – que formou outros intelectuais proeminentes dos Estudos
Culturais, Williams e Hall, entre eles – nem com referência a qualquer outra
variante do marxismo. Além disso, não aparece explicitamente em Hoggart a
preocupação com um tema marxista clássico, a ideologia, tão crucial para os pensa-
dores de Frankfurt quanto será mais tarde para os Estudos Culturais.
Embora os frankfurtianos demonstrem maior perspicácia e capacidade
crítica ao analisar a cultura e a comunicação de massa como inseridas no
sistema capitalista de produção, obedecendo ao mesmo modelo de gestão,
organização e distribuição, à mesma racionalidade técnica que caracteriza
qualquer produto industrializado, também em Hoggart essa compreensão
está presente e se evidencia sobretudo quando ele descreve os processos de
centralização da produção e quando, tal como Adorno, assume que o mercado
é a categoria que distingue tanto a cultura popular autêntica quanto a cultura
erudita da cultura de massas. Aqui também se assume que o elemento deter-
minante na configuração da cultura de massas é a “especulação sobre o efei-
to”, é “a motivação do lucro”.16
As relações entre cultura e sistema capitalista constituíram a preocupação
primordial de Hoggart, tal como para Adorno e Horkheimer. Mas elas não são
interpretadas do mesmo modo. Em Hoggart, em última instância, a ênfase é posta
nos aspectos criativos da atividade humana como propulsora da mudança social.
O tratamento que The use of literacy faz da comunicação e da cultura de massas
aproxima-se, igualmente, das investigações ligadas ao chamado período dos “efei-
tos limitados”. A afinidade está em considerar os media como causa necessária mas
não suficiente para a produção dos efeitos.17 Praticamente ao mesmo tempo em
que Klapper dizia que “quase todos os aspectos da vida do membro da audiência
e da cultura na qual ocorre a comunicação parecem suscetíveis de serem relacio-
nados com o processo dos efeitos da comunicação” (Klapper, 1987:164),18 Hoggart,
do outro lado do Atlântico, afirmava que os efeitos da massificação deveriam ser
analisados contra o pano de fundo geral da cultura e empreendia uma investiga-
ção sobre o processo de mudança social em que tomava em consideração as rela-
ções entre a cultura operária e a cultura de massa.
Embora Hoggart de modo algum faça referência ao modelo do two-step
flow of communication, sua compreensão dos processos comunicativos remete
à idéia de que tais processos ocorrem nos contextos das culturais locais. Certa-
mente Hoggart é influenciado por um clima intelectual que, animado com as
descobertas antropológicas, lança mão do conceito de “subcultura” e dos mé-

116 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa


todos de investigação etnográfica. Mas, diferentemente das investigações
americanas, Hoggart não se preocupa com as influências a curto prazo. Ao
contrário, é o processo de mudança social, um processo necessariamente len-
to, que atrai seu interesse.
Tal como na investigação dos “efeitos limitados”, aqui também se rejeita o
diagnóstico de que as transformações implicadas pela Revolução Industrial
tenham necessariamente como conseqüência a segmentação das relações so-
ciais, o enfraquecimento dos grupos primários, o isolamento social dos indiví-
duos. Ao contrário, Hoggart chega mesmo a afirmar que quanto mais as rápi-
das transformações sociais desorientam os indivíduos, quanto mais o mundo
exterior parece mais e mais fluido, tanto mais a família e a comunidade sur-
gem como um porto seguro, como algo “real e reconhecível” (Hoggart, 1957:88).
E mais: esses laços comunitários e familiares acabam funcionando como ins-
tâncias de “mediação” entre os indivíduos e a cultura de massa.
Se nas investigações americanas dos anos de 1940 a ênfase acabou por ser
posta nas mediações individuais, ou seja, nas características psicológicas, na
estrutura cognitiva e nos processos perceptivos e mesmo quando se pensava
na força dos relacionamentos pessoais o destaque ia para os líderes de opinião,
Hoggart parece se aproximar mais dos desdobramentos das investigações de
Lazarsfeld sobre os grupos de referência. São os grupos familiares ou comuni-
tários que mais freqüentemente aparecem em The uses of literacy como inter-
mediando a relação entre a cultura e a comunicação de massas e os indivíduos.
A classe social aparece como o principal fator de mediação para Hoggart, ainda
que ele leve em consideração também outras características socioestruturais e
culturais dos membros da audiência, tais como a faixa etária ou o grau de
instrução.
Acreditamos que nem esse avizinhar-se de algumas correntes de investi-
gação sobre os efeitos, nem mesmo a própria insistência de Hoggart em des-
crever os efeitos das publicações e entretenimentos de massa devem ofuscar a
contribuição decisiva de Hoggart – e dessa obra em particular – para a funda-
ção dos Estudos Culturais e, conseqüentemente, para o giro que as investiga-
ções sobre comunicação e cultura deram para as análises de recepção.

Rupturas
Em certos momentos Hoggart detém-se sobre as mudanças ocorridas em con-
seqüência da massificação da cultura, com ênfase nos efeitos negativos dessa
massificação; em outros – e por mais que pretenda o contrário – produz uma
romântica declaração de amor à cultura da classe trabalhadora. Essa

Efeito e Recepção 117


ambivalência levará Simon During (1997:2003) a considerar The uses of literacy
um livro esquizofrênico, que contém, por um lado, uma evocação sentimental
das comunidades operárias tradicionais, relativamente intocadas pela cultura
comercial, e, por outro, um ataque à moderna cultura de massas. Entretanto,
acreditamos que o livro de Hoggart não deve ser visto com tanta má vontade.
Só é possível enxergar esquizofrenia em The uses of literacy se sua leitura
admitir cada um dos capítulos como um texto isolado dos demais, sem cone-
xões internas. Mas essa não parece ser a leitura preferencial desta obra funda-
dora dos cultural studies.
De todo modo, uma questão se põe: o que pode haver num livro que
freqüentemente transita entre o saudosismo e a desesperança; num autor
que acredita que a cultura de massa atua como uma combinação de forças
para embotar o poder de discriminação da mente, incapacitando-a para todo
exercício voluntário até “reduzi-la a um estado de quase selvagem torpor”
(Hoggart, 1957:171), que acredita, enfim, que os meios de entretenimento de
massa são uma “antivida” (cf. Ibidem, 277); o que pode haver aí que justifique
considerá-los, obra e autor, como fundadores de uma corrente de investigação
que definirá o processo de construção de sentido como um processo ativo e
consciente, que afirmará a atividade e a criatividade do receptor-sujeito e
chegará mesmo a saudar a cultura de massas?
O ponto de ruptura da obra de Hoggart com a tradição de investigação dos
media, aquilo que possibilitou à investigação britânica sobre a comunicação de
massa produzir, a partir dele, uma virada de paradigma, evidencia-se, sobre-
tudo, na conexão entre as partes do livro: há a cultura popular autêntica; há a
cultura de massa; e os efeitos de uma sobre a outra só podem ser considerados
a partir da sua inter-relação. Ou, dito de outro modo, “os efeitos da massificação
só podem ser analisados contra o pano de fundo geral da cultura”. É necessá-
rio, primeiro, descrever a qualidade da vida cotidiana para, depois, identificar
que mudanças sociais são processadas em decorrência dos apelos da cultura
do entretenimento.
Baseado em observações etnográficas do modo de construção das formas
culturais da classe trabalhadora, Hoggart tentou captar como os media associ-
avam-se a aspectos da cultura operária, sendo então reinterpretados e
reapropriados. Naquele momento, o trabalho de Hoggart optava por relativizar
a idéia da onipotência da cultura de massa: âmbitos importantes da vida coti-
diana ainda permaneceriam impermeáveis à sua influência.
Não há nada de esquizofrênico, portanto, em perceber, por meio da análise
detalhada de seus produtos, que a cultura e a comunicação de massa visam a

118 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa


determinados objetivos, buscam cumprir determinadas diretrizes, engendram
todos os esforços para capturar seus receptores, mas que não são todo-pode-
rosos. Há, no lado do consumidor desses produtos, certos aspectos que devem
ser considerados: esses consumidores têm uma cultura própria, interesses
próprios, uma vida pessoal, cotidiana, concreta na qual esse consumo se dá e
que lhe molda os padrões.
O efeito é... controlado e neutralizado continuamente por outras forças.
As pessoas não vivem vidas que são imaginativamente tão pobres quanto
a mera leitura de sua literatura poderia sugerir. Sabemos isso, simples-
mente, da nossa experiência cotidiana. A maioria dos entretenimentos
populares contemporâneos encoraja uma estéril atitude para com a
vida, mas muito da vida ainda tem pouca conexão direta com isso.
Existem as guerras e o medo da guerra; há o mundo do trabalho, das
suas relações, lealdades e tensões; existem as obrigações domésticas e a
gestão do dinheiro; existem os laços e as solicitações comunitários; há
doença e cansaço e nascimento e morte... (Ibidem, 264-5).

Se em alguns momentos Hoggart afirma que a cultura de massa pretende


submeter seus consumidores a um “processo de enfraquecimento” (Ibidem:198);
se fala da passividade dos consumidores diante das produções de massa; se
identifica nas publicações e nos entretenimentos populares uma certa inclinação
por “manter seus leitores num nível de aceitação passiva, no qual eles nunca
realmente questionam, mas alegremente aceitam o que lhes é dado e não pen-
sam em mudança” (Ibidem:196); Hoggart não deixa de reconhecer que essa
aceitação é freqüentemente apenas aparente e quase sempre limitada ao pre-
sente. As classes populares possuem uma forte habilidade para silenciosamente
ignorar aquilo que não lhes interessa, “para sobreviver às mudanças adaptando
ou assimilando o que elas querem do novo e ignorando o resto” (Ibidem, 31).
E o que lhes garante esse “jogo de cintura”, o que, em outros termos,
possibilita às pessoas resistirem às investidas da cultura de massa, são as
“ainda consideráveis reservas morais da gente da classe trabalhadora” (Ibidem,
266), reservas que as capacitam a ignorar muita coisa que pode ser descarta-
da, mas, sobretudo, as capacitam a colocar sua própria visão de mundo na
interpretação que fazem dos produtos culturais que recebem e, neste proces-
so, chegar mesmo a transformar e melhorar muito do que recebem da cultura
de massa. É claro que toda essa energia para resistir pode mostrar-se despre-
zível diante da força e da amplitude dos processos de massificação, mas –
acredita Hoggart – foi essa mesma energia que possibilitou que as pessoas da

Efeito e Recepção 119


classe operária sobrevivessem “à mudança de uma vida rural para uma vida
urbana sem se tornarem um lumpem ‘proletariado’ amorfo...” (Ibidem, 269).
Essa “cultura completamente penetrante” (Ibidem, 31) da classe operária é
a força que faz com que as pessoas sejam muito menos afetadas pela
massificação cultural do que poderíamos acreditar partindo exclusivamente
da análise dos produtos de massa. “A questão é, claro, saber por quanto tempo
esse estoque de capital moral durará, e se ele está sendo suficientemente
renovado. Mas devemos ser cuidadosos em não subestimar seu efeito no pre-
sente” (Ibidem, 266). O poder de persuasão da cultura de massa é muito forte,
mas não é irresistível: ainda há muitos âmbitos da vida comum onde se pode
exercer uma ação livre.19
Além de reconhecer que, se os efeitos da massificação existem – e Hoggart é
bastante aplicado na tarefa de apontá-los – eles não se dão independentemente
de outros fatores sociais, políticos, econômicos e culturais, The uses of literacy é
precoce em demonstrar que o apelo da indústria do entretenimento só se efetiva
quando e na medida em que essa indústria mostra-se hábil em adequar-se à
cultura de seus receptores. Sendo a classe trabalhadora (e a baixa classe média)
seus maiores consumidores, o sistema da cultura de massa deve estar atento
para conhecer a cultura dessa classe e só então formular estratégias de aborda-
gem. Para que o efeito se produza é necessário que leitores e escritores, recep-
tores e consumidores partilhem um mesmo ethos (cf. Ibidem, 175).
Assim, por exemplo, se uma idéia propagada pela cultura de massa parece
ser bem acolhida entre a classe trabalhadora é porque essa idéia de algum
modo remete à cultura própria dessas pessoas; é porque parece estar “em
concordância com certas idéias chaves “que elas têm tradicionalmente conhe-
cido como idéias orientadoras do desenvolvimento social e espiritual” (Ibidem,
282). Ao mesmo tempo em que pode funcionar como uma espécie de antídoto
ou barreira para a penetração da cultura de massa, a cultura tradicional tam-
bém é a responsável por permitir que ela exerça seus efeitos:
Pode haver alguma verdade profética nas discussões sobre ‘a vasta
massa anônima com suas respostas completamente apáticas’. Mas
até aqui as classes trabalhadoras não são tão perversamente atingi-
das quanto a frase sugere, porque com uma grande parte de si mes-
mas elas simplesmente ‘não estão lá’, estão vivendo em algum outro
lugar, vivendo intuitivamente, habitualmente, verbalmente, recor-
rendo a mito, aforismos e ritual. Isso as salva de alguns dos piores
efeitos das presentes investidas; isso também as torna, de outros

120 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa


modos, sujeitos fáceis daquelas abordagens. Tanto quanto elas têm
sido afetadas pelas condições modernas, elas têm sido afetadas nos
pontos nos quais suas antigas tradições as tornaram mais abertas e
suscetíveis (Ibidem, 321).

O que Hoggart fez, concretamente, em The uses of literacy, aquilo que


tornou este livro tão decisivo para a fundação dos Estudos Culturais, foi explo-
rar um certo leque de atitudes próprias das classes populares de modo a
mostrar que elas representavam não o resultado de um processo simples de
massificação, brutalização e lavagem cerebral das massas, mas eram mais
matizadas, ambíguas e até incorporavam valores positivos que encontravam
expressão na vida cultural da classe operária. Em outras palavras, Hoggart
mostrou como a classe operária cria, no seu “encontro” com os processos de
industrialização e urbanização, formas culturais específicas e, ao fazê-lo, mos-
trou que a produção e o consumo culturais expressam as relações sociais
básicas, as formas de vida de uma dada sociedade. O pressuposto que guia The
uses of literacy é o de que a cultura é expressão dos processos sociais básicos.
A contribuição de Richard Hoggart para os Estudos Culturais se dá por
uma via ao mesmo tempo teórico-metodológica e política. Para chamar a aten-
ção para a cultura operária, Richard Hoggart procedeu a uma radical
reformulação do conceito de cultura de modo a pôr fim à supremacia do con-
ceito de cultura que vigorava então e que acabava por limitar a cultura ao
domínio da arte, da estética, dos valores morais ou criativos.
Por outro lado, ao chamar a atenção para a solidariedade de rua da classe
trabalhadora, para as subculturas operárias, ele marca a opção da escola in-
glesa por metodologias de investigação qualitativa: os métodos etnográficos
de pesquisa de campo, a opção pela consideração das culturas vivas, pela
atenção aos receptores concretos, irão conviver com métodos de análise literá-
ria. Uma contribuição fundamental de Hoggart para os Estudos Culturais –
tanto de seu próprio esforço investigativo quanto da direção que imprimiu ao
CCCS – foi estabelecer a premissa de que os métodos de análise literária
podem ser aplicados a um rol mais amplo de produtos culturais. No mesmo
ano de publicação de The uses of literacy, também Roland Barthes irá aplicar,
aos textos e produtos culturais, uma metodologia de análise inspirada na
lingüística saussureana. Mas Mitologias terá que esperar até os anos de 1970
para inspirar os Estudos Culturais. Voltaremos a isso.
Ao mesmo tempo, o interesse por entender quem são e como se constituem
as classes trabalhadoras, a preocupação com a sua situação social e cultural

Efeito e Recepção 121


levam Hoggart a definir um modelo de investigação explicitamente “engajado”.
Foi desde essa fase inicial, que os culturalistas marcaram uma posição que se
tornou central para os Estudos Culturais posteriormente: puseram o foco da
atenção nos aspectos criativos da atividade humana e, portanto, destacavam o
processo ativo e consciente de construção de sentido na cultura.

Cultura como um Modo de Vida


Dentre os autores fundadores dos cultural studies, certamente é Raymond
Williams20 quem maiores contribuições fará à investigação sobre os processos
de comunicação e à ênfase na recepção, ainda que ele próprio não tenha, em
qualquer momento, se dedicado aos estudos de recepção. Antes, o receptor é
para ele, no mais das vezes, uma categoria analítica. Embora o trabalho de
Williams fique melhor situado no âmbito dos estudos literários, suas análises
sobre cultura e teoria cultural forneceram os conceitos chaves para a investi-
gação dos Estudos Culturais sobre a comunicação.
Cultura e sociedade: 1780-1950 é sua obra de juventude, considerada como
fundadora dos Estudos Culturais ingleses. Mas sua contribuição não se restrin-
ge a esse livro. The long revolution, publicado um pouco depois, em 1961,
Marxismo e literatura, já no início da década de 1970 e Television – technology
and cultural form, de 1975 são suas obras mais decisivas para os Estudos
Culturais, marcadamente para o entendimento da comunicação e da cultura
contemporâneas. Neste momento, interessa-nos particularmente explorar
Cultura e sociedade enquanto uma obra fundadora específica.
Em Cultura e sociedade, publicado em 1958, Raymond Williams procura
interpretar os usos que o conceito de cultura adquire na sociedade inglesa
tomando como objeto de análise a produção literária de finais do século XVIII
até meados do século XX. Segundo Williams, às modificações na vida e no
pensamento correspondem alterações na linguagem e, desse modo, é possível
verificar como certas palavras adquiriram novos sentidos e mesmo como no-
vas palavras surgiram no vocabulário inglês de modo a dar conta das mudan-
ças que se processavam na vida daquela sociedade.
Inicialmente interessado no entendimento da idéia de cultura, Williams
teve que ampliar o leque de sua atenção porque a história da palavra cultura,
da sua estrutura de significados, remetia a um movimento mais amplo de
idéias e sentimentos que exigia um quadro de referência mais amplo. As
transformações no uso da palavra “cultura” não foram conseqüência apenas
dos novos métodos de produção cultural em sua associação com a indústria e
os meios tecnológicos. As questões implicadas nos significados da palavra “cul-
tura” surgem das grandes transformações históricas que, de algum modo, se
traduzem nas alterações sofridas pelas palavras “indústria, democracia e clas-
se” e são de perto acompanhadas pelas modificações experimentadas pela
palavra “arte”. “Indústria”, “democracia”, “classe”, “arte” e “cultura” forma-
ram esse sistema de referência:
A idéia de “cultura” seria mais simples se fosse resposta ao industrialismo
apenas; foi, porém, resposta a novos desenvolvimentos políticos e soci-
ais, isto é, à “Democracia”. Em relação a esta é resposta radical e
complexa aos novos problemas de classe social. Além disso, ao mesmo
tempo em que essas respostas definem conseqüências e comportamen-
tos na área exterior sob exame, há, ainda, na formação dos significados
de “cultura”, referência evidente a um âmbito de experiência pessoal e,
aparentemente, privada, que iria afetar profundamente o sentido e a
prática da arte (Williams, 1969:19-20).

O sentido de “indústria” altera-se durante a Revolução Industrial. É no


final do século XVIII que “indústria” deixa de remeter exclusiva e prioritaria-
mente a uma habilidade humana para indicar uma instituição, um conjunto de
atividades, para transformar-se num substantivo coletivo para designar as
empresas e as atividades a que se dedicam. Essa transformação “atesta o
surgimento de uma série de transformações técnicas de grande alcance e sua
influência sobre os métodos de produção. Atesta, ainda, a influência dessas
modificações sobre a sociedade, que também as transforma” (Ibidem, 16).
“Democracia”, ainda que originária do grego e significando “governo do povo”,
em seu uso contemporâneo está de algum modo associada às conseqüências da
Revolução Industrial. Ela só entra no vocabulário comum inglês a partir da Revolu-
ção Francesa e das revoltas populares americanas e traduziu, na Inglaterra, a luta
pela “representação democrática” na configuração do poder político.
Modificação de igual importância ocorre à palavra “classe” por volta de fins
do século XVIII, quando ela deixa de significar precipuamente uma divisão
escolar e passa a se referir a uma divisão social. É claro que ela não indica o
surgimento das divisões sociais na Inglaterra.
Mas indica, de maneira clara, uma transformação no caráter dessas
divisões e aponta, de modo igualmente claro, uma alteração nas atitu-
des com respeito a tais separações. Classe é palavra mais indefinida do
que categoria ou ordem e foi esse, provavelmente, um dos motivos para
adotá-la (Ibidem, 17).
“Arte” teve um desenvolvimento parecido com o de “indústria”. De habili-
dade humana passou a designar um conjunto de atividades de certo tipo:
“Arte, agora, designava um particular grupo de atividades, as artes ‘imagina-
tivas’ ou ‘criadoras’” (Ibidem, 17).
“Cultura”, para Williams, é a palavra que melhor traduz as transformações
sofridas pela sociedade e aponta para um processo geral de mudança que
indica a configuração das sociedades modernas.
[Cultura] significara primordialmente, ‘tendência de crescimento natural’
e, depois, por analogia, um processo de treinamento humano. Mas este
último emprego, que implicava, habitualmente, cultura de alguma coisa,
alterou-se, no século XIX, no sentido de cultura como tal, bastante por si
mesma. Veio a significar, de começo, ‘um estado geral ou disposição de
espírito’, em relação estreita com a idéia de perfeição humana. Depois,
passou a corresponder a ‘um estado geral de desenvolvimento intelectual
no conjunto da sociedade’. Mais tarde correspondeu a ‘um corpo geral das
artes’. Mais tarde ainda, ao final do século, veio a indicar ‘todo um sistema
de vida, no seu aspecto material, intelectual e espiritual’ (Ibidem, 18).

Williams elabora uma espécie de historiografia da palavra “cultura” por


meio da análise de alguns textos e autores básicos. Para compreender o uso
desta palavra na tradição do século dezenove, ele vai aos textos políticos de, por
exemplo, Edmund Burke e William Cobbett, analisa os ensaios de John Stuart
Mill sobre Jeremy Bentham e Samuel Coleridge, lê poetas românticos ingleses
Blake, Wordsworth, Shelley e Keats, busca em Thomas Carlyle um diagnóstico
da sociedade inglesa no tempo da produção industrial e vai procurar naquilo
que ele chama de “romances industriais” – Mary Barton e North and South, de
Gaskell; Hard Times, de Charles Dickens, Sybil, de Disraeli, Alton Locke, de Kingsley,
e Felix Holt, de George Eliot – a compreensão da resposta humana ao
industrialismo: para Williams, tais textos, e os romances mais especificamente,
não somente oferecem algumas das mais vívidas descrições da existên-
cia humana numa sociedade industrial em seus desordenados começos,
como também ilustram certas idéias comuns, em que se fundava a
resposta direta de sentimento e pensamento à nova forma da sociedade
(Ibidem, 105).

Mas é a definição de cultura dada por Matthew Arnold que confere à


tradição do século XIX “uma senha e um nome” (Ibidem, 131). A cultura assu-
me com Arnold todas as conseqüências da noção de cultivo. A ênfase é posta na

124 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa


cultura do intelecto, que deve ser cultivado de modo a atingir a “perfeição”. É
essa busca da perfeição que Arnold chamará “cultura” e que, naquele momen-
to, se coloca contra uma acepção de cultura no sentido utilitarista que concebia
a educação e a cultura como um treinamento do homem com fins de capacitá-
lo para cumprir determinadas tarefas.
Essa concepção de cultura como busca da perfeição é uma reação aos
efeitos da industrialização e do conseqüente movimento da classe trabalhado-
ra em meados do século XIX: cultura, como busca da perfeição, é colocada
como oposta a anarquia (a anarquia que Arnold via nos movimentos operários
da Inglaterra, sobretudo em 1848). Arnold vai “propor a cultura como forma
de nos salvarmos das dificuldades atuais; considerando a cultura a busca da
nossa perfeição mais completa, a ser conseguida por meio do esforço por
saber, em todas as questões que mais nos interessam, o que de melhor for
pensado e dito no mundo” (Arnold apud Williams, 1969:131) de modo a reagir
à vulgaridade produzida pela industrialização e pelo enriquecimento das clas-
ses médias e populares e, ao mesmo tempo, reagir à instabilidade social que a
Inglaterra vivia naquele período diante da organização das classes trabalha-
doras. As classes trabalhadoras são concebidas como desordeiras, vulgares,
populacho.
De fato, é contra essa concepção de cultura, e contra a implícita concepção da
classe trabalhadora que ela carrega, que os Estudos Culturais vão se posicionar.
É nas “opiniões do século XX”, título da parte final de Cultura e Sociedade
que Williams vai encontrar, entretanto, alguns dos elementos que conforma-
rão sua teoria cultural. Nessa parte ele analisa as contribuições de D. H.
Lawrence, sobretudo em sua obra de ficção, mais que em seus ensaios ou em
suas correspondências, de T. S. Eliot, dos críticos literários I. A. Richards e
Frank Raymond Leavis e do marxismo.
É em Notes toward the definition of culture, publicado em 1948, que Williams
vai buscar uma formulação decisiva do conceito de cultura para compor sua
própria teoria da cultura. Desse conjunto de ensaios de T. S. Eliot, Williams
extrai aquele aspecto que ele considera de real mérito: “A importância maior
do livro está, no meu entender, em... sua adoção do significado de ‘cultura’
como ‘um modo inteiro de vida’” (Williams, 1969:245).
Essa idéia de cultura como um modo inteiro de vida vem mostrar que a
mudança social nunca é parcial: a alteração em qualquer elemento de um
sistema complexo afeta seriamente o conjunto. Depois, na medida em que
permitiu pensar, com o apoio da Antropologia Social que se desenvolvia à
época, em vários modos de vida, esse conceito terminou por implicitamente

Efeito e Recepção 125


afirmar que o modo de vida das sociedades européias modernas não era
universal nem permanente, não era a única possibilidade de vida.
Dentre “as opiniões do século XX”, Williams explora ainda uma tradição de
estudos literários de cunho liberal, associada a F. R. Leavis, a Queenie Leavis e
a Denys Thompson,21 e que dominou a Inglaterra durante quase três décadas,
dos anos de 1930 aos anos de 1950. Neste sentido, Raymond Williams ajuda os
Estudos Culturais a se constituírem na Inglaterra como um campo de investi-
gação fora do leavisismo (cf. During, 1997:2002),
Os Leavis denunciavam o romance comercial e propunham usar o sistema
educacional para difundir o conhecimento e a apreciação literária mais largamen-
te, com ênfase nas obras clássicas da literatura inglesa. Williams de algum modo
compartilha com Leavis a compreensão de que a cultura de massa é perniciosa
para a formação dos indivíduos, que os textos canônicos são mais ricos que os
textos da cultura de massa e que a cultura deveria ser avaliada de acordo com sua
capacidade de aprofundar e ampliar as experiências humanas; mas, por outro
lado, entende que os Leavis desconsideravam as formas de vida comunitária nas
quais o consumo da cultura industrial se dava e que o levaria a apostar no potencial
de resistência das pessoas comuns em face dos efeitos dos media.
Raymond Williams explicitamente reconhece os méritos do trabalho de F.
R. Leavis, sobretudo valoriza sua proposta pedagógica e seus julgamentos
“precisos e analíticos” sobre a cultura industrial, compartilha com ele um certo
pessimismo em relação à cultura comercial, mas adverte que “os modos de
pensar e sentir associados a instituições como a imprensa popular, a propa-
ganda, o cinema e o rádio não podem, em última análise, ser criticados sem
referência a todo um modo de viver” (Williams, 1969:268).
A crítica que Williams faz ao leavisismo nesse momento será a pedra de
toque dos estudos de recepção a partir dos anos de 1980. Enquanto Williams
dirá que Leavis e seus colegas cometem uma “falha intelectual básica” que é a
de estender um juízo válido acerca das obras (no caso, obras literárias) a um
retrato da vida contemporânea, os pesquisadores da recepção irão denunciar
as análises de conteúdo que posteriormente têm suas conclusões extrapoladas
para o âmbito da recepção e que já trazem implicitamente a concepção do
receptor como “tabula rasa”. E mais, a concepção de que o receptor é uma
“tabula rasa” advém justamente de não se fazer referência aos seus “modos
de viver”. Ou, como poderia ter dito Hoggart, de não se fazer referência à
“vida densa e concreta”.
Em Cultura e sociedade, também as relações entre marxismo e cultura são
esboçadas de modo a apontar como o marxismo pôde contribuir para as trans-

126 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa


formações impostas ao conceito de cultura – ao mostrar, por exemplo, que a
“organização econômica básica não podia ser separada e afastada de suas
implicações morais e intelectuais” (Ibidem, 289). No final da década de 1950,
Williams já aponta para um uso inadequado do termo cultura pelos marxistas
e afirma que, ao invés de pensar em artefatos e produtos intelectuais e de
imaginação de uma sociedade,
...parece que os marxistas deveriam logicamente empregar o termo
‘cultura’ no sentido de um processo integral de vida, ou de um processo
geral de caráter social, já que dão ênfase à interdependência de todos
os aspectos da realidade social e definida importância à dinâmica da
mudança social( Ibidem, 291).

Mas Williams só tinha, então, condições de dizer que esse uso inadequa-
do era decorrente da própria tentativa de Marx em esboçar uma teoria
cultural a partir das relações entre infra-estrutura e superestrutura; era
decorrente, sobretudo, da interpretação posterior que se fez desses termos,
considerando-os como categorias de descrição da realidade e não como “uma
sugestiva analogia”.
É claro que Williams estava em busca de uma teoria cultural que permitisse
abordar aquilo que lhe parecia ser uma questão fundamental: a cultura da
classe trabalhadora; e somente um conceito largo de cultura, que não reduzisse
a cultura a seus artefatos ou a um corpo de trabalho imaginativo permitiria isso.
Já que a classe trabalhadora, por sua própria posição, não produziu uma cultura
no sentido mais estrito, caberia então buscar uma formulação que permitisse
considerar outras contribuições da classe trabalhadora. E Williams encontra:
A cultura que [a classe trabalhadora] produziu e que é importante assi-
nalar é a instituição democrática coletiva, seja nos sindicatos, no movi-
mento cooperativo, ou no partido político. A cultura da classe trabalhado-
ra, nos estádios através dos quais vem passando, é antes social (no sentido
em que criou instituições) do que individual (relativa ao trabalho intelec-
tual ou imaginativo). Considerada no contexto da sociedade, essa cultura
representa uma realização criadora notável (Ibidem, 335).

Em outros termos, o que a classe trabalhadora produziu foi “todo um modo


de vida”.
É claro que Williams retomou esse conceito de “cultura como todo um
modo de vida” de T. S. Eliot (cf. Ibidem, 240-255). É claro também que já havia
um esforço da antropologia para pensar a cultura nesses mesmos termos. Mas

Efeito e Recepção 127


esse conceito, despido do liberalismo da crítica cultural, adquire com o marxis-
mo uma maior envergadura. Modo de vida não implica apenas a forma de
morar, a maneira de vestir ou de aproveitar o lazer; implica, sobretudo, formas
de conceber a natureza da relação social.
Pensar a cultura como um modo de vida e, sobretudo, colocar o centro do
seu interesse na cultura da classe trabalhadora permite aos Estudos Culturais
rejeitar a idéia de uma cultura de massas e o próprio conceito de massa que lhe
dá sustentação. Em conseqüência, atinge-se também a idéia de manipulação
das massas, que era então o termo chave com o qual se explicava a relação do
homem com a cultura e a comunicação contemporâneas.22 Implica, também,
recusar a idéia correlata de uma cultura sem classe.
Williams repele firmemente a idéia de que a industrialização, com seu
interesse pela expansão dos mercados e com seu processo de uniformização
cultural, daria lugar ao aparecimento de uma cultura que se poderia dizer
sem classes. Essa crença somente se justificaria com base numa grosseira
interpretação de classe. Quando se refere à “classe” trabalhadora, Williams
quer se referir a um sentimento de classe que é ao mesmo tempo uma espécie
de “modo de ser”; um modo de ser que se corporifica nas organizações e
instituições daquela classe específica – o que não quer dizer que apareça
individualmente e obrigatoriamente em cada um dos membros daquela clas-
se. A idéia de classe é muito rígida e não serve para classificar os indivíduos.
Serve, entretanto, para falar dos “modos coletivos de expressão” (Ibidem, 335).
Se considerarmos a cultura, como importa fazê-lo, em termos de um corpo
de trabalho imaginativo e intelectual, perceberemos que, com a extensão
generalizada da educação, a distribuição da cultura se vem fazendo de
modo mais igual e, ao mesmo tempo, a nossa obra da cultura se vem
endereçando a um público mais amplo que o correspondente a uma só
classe. Contudo, a cultura não é apenas um corpo de trabalho imaginativo
e intelectual; é também e essencialmente todo um modo de vida. A base
para uma distinção entre cultura burguesa e cultura da classe trabalhado-
ra não está senão secundariamente no campo do trabalho imaginativo e
intelectual... A base primária para a distinção deve ser buscada no modo
total de vida e, ainda aí, não devemos limitar-nos a evidências tais como a
forma de morar, a maneira de vestir ou de aproveitar o lazer. A produção
industrial tende a impor uniformidade nesses campos. A distinção vital se
coloca em nível diferente. O elemento básico da distinção na vida inglesa, a

128 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa


partir da Revolução Industrial, não é a língua, nem a vestimenta, nem o
lazer – pois tudo isso tende, indubitavelmente, para a uniformidade. A
distinção crucial está em formas alternativas de se conceber a natureza da
relação social (Ibidem, 333).

Daqui em diante, os Estudos Culturais rejeitarão – e radicalmente – a idéia de


que a cultura contemporânea se possa traduzir por “cultura de massa” e usam
para tanto um argumento decisivo: descrever a cultura em termos de massa –
tanto quanto em termos de uma sociedade sem classes – despolitiza o conceito de
cultura. Tendo em conta que em nossa sociedade “as massas não podem ser outra
coisa senão os trabalhadores” (Ibidem:308), a expressão “cultura de massa” traz
implícita a concepção de que a classe trabalhadora pode, ou mesmo deve, ser
conduzida. Para Williams, a idéia de massa diz muito mais respeito a um modo
intencional de enxergar a classe trabalhadora como “populaça”, com suas supos-
tas características de credulidade, volubilidade, sugestionabilidade, vulgaridade
de gosto e de hábitos, do que à realidade concreta dessa classe.
Segundo Williams, o conceito de comunicação de massa e de manipulação
de massa não servem para uma sociologia “dessas instituições centrais e vari-
adas”. Primeiro porque, na expressão “comunicação de massa”, o conceito de
massa explica melhor o “tipo de funcionamento” dos meios de “transmissão
múltipla” e sua “intenção” de atingir uma audiência vasta e “fácil de condu-
zir”, do que “os usos” que se fazem dessa comunicação (cf. Ibidem, 311). De-
pois, porque o conceito de massa neutraliza as estruturas de classe e o de
manipulação “neutraliza as interações complexas de controle, seleção, incor-
poração e as fases da consciência social que correspondem a situações sociais
e relações reais” (Idem, 1979:139). Em suas obras posteriores, Williams irá
aprofundar essas discussões.
Cultura e sociedade formula, de maneira ainda mais explícita que The uses of
literacy, uma das premissas básicas dos Estudos Culturais: qual seja, a de que
a cultura não pode ser pensada fora de suas relações com a sociedade. As
instituições e práticas sociais da cultura não podem ser vistas como distintas do
conjunto de instituições e práticas sociais mais amplo, em geral reconhecido
como “sociedade”. No caso das sociedades contemporâneas, dizer isto significa
pensar “a longa revolução”,23 as transformações históricas, sobretudo aquelas
implicadas pela Revolução Industrial, e que podem ser traduzidas pelos signi-
ficados das palavras “indústria, democracia, classe, arte e cultura”. Para os
cultural studies, então, compreender a cultura implicará compreender as “re-
lações entre os elementos de um sistema geral de vida” (Idem, 1969:12).

Efeito e Recepção 129


Notas
1. A dificuldade de acesso a essa obra hoje, no Brasil, justifica nosso procedimento de apresentar sua
estrutura interna, detalhar seus conteúdos básicos e só então explorar suas conseqüências. Tanto as edições
inglesas quanto uma tradução portuguesa dessa obra (As utilizações da cultura: aspectos da vida cultural da
classe trabalhadora, Lisboa: Editorial Presença, 1973) estão esgotadas. Neste trabalho, utilizamos a primeira
edição inglesa, publicada pela Chatto & Windus, da qual foram livremente traduzidas todas as citações
indicadas.
2. An ‘Older’ Order.
3. Yielding Place to New.
4. Hoggart debruça-se, entre outros materiais, sobre as publicações ilustradas, os romances populares, os
calendários de parede com fotos de mulheres nuas e as letras das canções populares.
5. Com o giro que os Estudos Culturais darão em direção ao marxismo, considerar a cultura tanto em termos
de massa quanto em termos da cultura própria de uma sociedade sem classes será despolitizar o conceito de
cultura. Ver, mais adiante, a discussão sobre Raymond Williams e sua concepção de cultura como um modo
integral de vida.
6. Por exemplo, entre as páginas 24 e 26 Hoggart conta como sua família atravessou as duas guerras mundiais
e foi obrigada a deixar a área rural e se instalar em zona urbana em busca de maiores facilidades educacionais
e sociais – por exemplo, acesso a médicos – e como, mesmo então, seu passado rural se evidenciava no corpo,
nas atitudes, na linguagem, no estilo de moradia, na decoração das casas, nos aforismos.
7. “O argumento mais forte contra o moderno entretenimento de massa não é que ele degrada o gosto – a
degradação pode ser viva e ativa – mas que ele superexcita o gosto, conseqüentemente o entorpece e
finalmente o mata; ele o enfraquece em vez de o corromper... Ele o aniquila em sua sensibilidade, e ainda
confunde e persuade sua audiência de que ela é quase completamente incapaz de desviar o olhar... Ainda não
alcançamos esse estágio, mas essas são as linhas nas quais estamos nos movendo” (HOGGART, 1957:163).
8. Hoggart desconfia, por exemplo, da capacidade de algumas publicações ilustradas ou dos calendários com
mulheres nuas de incrementar a imoralidade sexual entre os jovens. Ele não consegue “imaginar muita
conexão entre [essas publicações] e a atividade sexual. Eles podem encorajar a masturbação: em sua forma
simbólica eles podem promover aquele tipo de resposta sexual hermética” (HOGGART, 1957:192).
9. Entre as páginas 210 e 223, Hoggart analisa os romances de sexo-e-violência.
10. Ver à página 191, de Hoggart.1957, referências à imprensa sensacionalista.
11. No início dos anos de 1970, no Brasil, Ecléa BOSI (1986) realizou uma investigação empírica, de cunho
sociológico, sobre leitura de operárias de uma fábrica em Osasco, periferia de São Paulo. Nessa pesquisa Bosi
apresenta, em termos muito próximos dos defendidos por Richard Hoggart em The Uses of Literacy, largamente
citado no livro que resultou da investigação, a relação entre cultura de massa e cultura popular.
Tal como Hoggart, também Bosi pratica uma espécie de declaração de amor à cultura operária, que a partir do
cimento, da padronização dos loteamentos, da fábrica que desfigura o bairro, “imprimindo o seu selo de
esqualidez às ruas e casas cujas cores rouba e cuja fisionomia rói” (p. 20) realizaria um movimento lento e
contínuo de diferenciação que pouco a pouco substitui o cimento pelas plantações de milho e abóbora, pelas
roseiras; que vai transformando um cômodo pequeno de uma dessas casas planejadas e mobiliadas com
móveis baratos e “que os refinados consideram de mau gosto” (p. 21) em um “ambiente em que a família se
reúne, acolhedor, quente e agradável, onde é bom estar”(p. 21). Em outras palavras, Ecléa Bosi acredita que
esses movimentos de diferenciação próprios da cultura do povo implicam “uma resistência diária à
massificação e ao nivelamento” (p. 23).
Inicialmente interessada em saber se se verificavam hábitos de leitura entre mulheres operárias, a autora leva
em consideração a leitura de qualquer material impresso, desde a Bíblia e clássicos da literatura até as
publicações de massa, tais como jornais, revistas, histórias em quadrinhos, fotonovelas e os romances
comerciais. Dessa investigação o que se ressalta é a relação entre leitura e vida cotidiana, relação que se
mostra tanto na escolha do material impresso ou do que efetivamente se lê nesse material (por exemplo, Bosi
mostra a relação entre a preferência pelos horóscopos e a busca de orientação para a vida diária, p. 127) quanto
nos hábitos de leitura em si (por exemplo, como o tempo para a leitura se insere na divisão do tempo entre a

130 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa


jornada de trabalho fabril e de trabalho doméstico, p. 22). Esse trabalho de Ecléa Bosi é considerado uma das
primeiras investigações sobre recepção no Brasil.
12. Hoggart não nega que em muitos aspectos da vida a produção de massa trouxe benefícios. A bicicleta é
um produto industrial de massa que Hoggart aponta como exemplo. Andar de bicicleta é uma atividade
característica da classe trabalhadora (cf. HOGGART, 1957:268 e segs.) e, para Hoggart, o hábito de passear de
bicicleta nas manhãs de domingo, pelos arredores das cidades, a participação nos clubes de ciclismo, são uma
valiosa “evidência de que a classe trabalhadora urbana ainda pode reagir positivamente tanto às mudanças
no seu meio ambiente quanto às vantajosas possibilidades da barata produção de massa” (HOGGART,
1957:269) com o ciclismo, os jovens aproveitam para praticar exercício, respirar ar fresco e fazer amizades. A
questão toda é que justamente no âmbito cultural é que se torna difícil reconhecer quaisquer benefícios.
13. Ver Parte I, capítulo 3, em especial item Usos e gratificações (p.61).
14. John Fiske é quem, dentro dos Estudos Culturais (americanos), mais tem desenvolvido a hipótese de que o
prazer que o receptor tira da sua relação com os media é a prova de que a recepção é um processo ativo. Ele
parte dos desenvolvimentos de Barthes sobre O prazer do texto (BARTHES, 1993b), para fazer uma investigação
sobre a televisão. Ver FISKE, 1987.
15. Ver Parte I, capítulo 3, item A teoria crítica (p.65).
16. É muito pouco provável que Hoggart tivesse conhecimento das investigações conduzidas pelos
pensadores ligados ao Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt quando escreveu The uses of literacy. Os textos
de Frankfurt, majoritariamente escritos em alemão, receberam traduções tardias para o inglês,
particularmente a partir da década de 1970 (cf. INGLIS, 1993:57-8). Raymond Williams fala explicitamente, em
Marxismo e literatura, do seu acesso tardio às obras da Escola de Frankfurt e de como sua leitura dos
frankfurtianos, em especial de Walter Benjamin, e de outros investigadores marxistas conduziu ao
compromisso do seu trabalho com a vida da maioria da população (WILLIAMS, 1979:10).
17. Ver Parte I, Capítulo 2, Efeitos limitados: mediação, seletividade e reforço. Ver especificamente o item Líderes de
opinião e grupos primários (p.43).
18. Original de 1958.
19. Hoggart sugere que é sobretudo em alguns âmbitos da vida privada que essa ação livre se verifica mais
largamente. Nos hobbies e nas artes manuais, por exemplo, os homens da classe trabalhadora ainda exercitam
a escolha pessoal, agem livre e voluntariamente (cf. HOGGART, 1957:145, 267).
20. Não pretendemos aqui discutir o tom moralizante que boa parte da obra de Williams adota, nem sua
aposta em que os Estudos Culturais requerem uma abordagem histórica, nem, muito menos, discutir sua
clara opção pelo socialismo de Estado. O que nos interessa é o conceito amplo de cultura com o qual ele
trabalha, conceito que será fundamental para os Estudos Culturais até os dias de hoje e, sobretudo, para as
análises de recepção que essa corrente de investigação engendra.
21. Ver Parte I, Capítulo 1, item A metáfora da agulha hipodérmica (p.25).
22. Ver Parte I, item Sociedade, cultura e comunicação de massa (p.22).
23. Ver WILLIAMS, 1961.

Efeito e Recepção 131


Capítulo 2
Rumo a uma Crítica Marxista
da Cultura de Massa

O s Estudos Culturais podem ser vistos como produto de uma dada circuns-
tância histórica fortemente associada com o desenvolvimento da New Left, na
Inglaterra da segunda metade dos anos de 1950, e sua natureza socialista,
preocupada com a abolição dos privilégios econômicos e educacionais e inte-
ressada em envidar esforços em prol do enriquecimento social e cultural da
vida da classe trabalhadora. A New left review, quando editada por Stuart Hall,
afirmava que todas as formas de expressão têm sua própria validade e todas
demandam uma apreciação rigorosa (cf. Schulman, 1998:s/pg), premissa que
justifica o interesse de uma parcela da intelectualidade inglesa por investigar
as formas de expressão da cultura popular.
Entretanto, ainda que alguma afinidade houvesse, não se pode dizer que
o início dos Estudos Culturais estivesse claramente marcado pelo marxismo ou
que já ali eles se definissem como uma teoria cultural marxista. Nenhuma das
três obras fundadoras dos cultural studies podem ser consideradas marxistas,
nem mesmo Cultura e Sociedade, que foi escrito dentro de um enquadramento
no qual o marxismo era uma referência fundamental para quem quer que
pretendesse dar conta das relações entre a cultura e o conjunto de instituições
e práticas sociais. Essa influência marxista se evidencia, por exemplo, no inte-
resse de Williams em conceber a classe social como um elemento definidor da
experiência cultural e no seu reconhecimento da contribuição que o marxismo
pode dar para pensar a cultura. Mas o próprio Williams, ainda assim, se dizia,
em Cultura e sociedade, “um não-marxista” (Williams, 1969:287).
Embora não se possa dizer que marxismo e Estudos Culturais tenham reco-
nhecido imediata afinidade, o contexto de formação da New Left na Inglaterra, e,
portanto, de formação dos principais intelectuais ligados aos Estudos Culturais,

Efeito e Recepção 133


os aproximou. As questões que o projeto teórico marxista colocava na ordem do
dia – as questões de poder, das relações de classe, da relação entre poder e
exploração e, principalmente, a questão de “uma teoria geral que pudesse, de
modo crítico, juntar numa reflexão crítica diferentes domínios da vida, política e
teoria, teoria e prática, questões econômicas, políticas e ideológicas e assim por
diante” (Hall, 1996a:265) – eram também as questões dos Estudos Culturais.
De um modo muito peculiar, quando os Estudos Culturais decisivamente se
vinculam ao projeto marxista, já no final dos anos de 1960 início dos anos de
1970, é por meio de uma crítica ao marxismo clássico, ao seu modo de pensar
as relações entre sociedade, economia e cultura a partir do modelo de infra-
estrutura e superestrutura e ao seu modo de compreender a ideologia como
falsa consciência. Segundo Hall, isso se justifica porque a formação intelectual
dos principais investigadores dos Estudos Culturais, entre eles Raymond
Williams e o próprio Hall, se deu no contexto de constituição da New Left, que
“sempre encarou o marxismo como um problema, como dificuldade, como
perigo, não como uma solução” (Ibidem, 264). Os Estudos Culturais estão cons-
tantemente retrabalhando conceitos marxistas clássicos, mostrando sua
inadequação para interpretar as relações entre cultura e sociedade, e se vin-
culam, mais propriamente, às investigações pós-marxistas. “Tudo isso dá ao
marxismo uma curiosa qualidade de um ser morto-vivo. Ele está constante-
mente sendo ‘transcendido’ e ‘preservado’” (Idem, 1996b:25).
O encontro entre marxismo e Estudos Culturais
... começa, e se desenvolve através da crítica de um certo reducionismo
e economicismo, que eu acho que não é extrínseco, mas intrínseco ao
marxismo; uma contestação ao modelo de base e superestrutura atra-
vés do qual tanto o marxismo sofisticado quanto o vulgar tinham tenta-
do pensar as relações entre sociedade, economia e cultura. Ele era
localizado em e participava de uma necessária e prolongada e ainda
não encerrada contestação à questão da falsa consciência. Em meu
próprio caso, ele requeriu uma ainda não completada contestação ao
profundo eurocentrismo da teoria marxista (Idem, 1996a:265).

Ao mesmo tempo em que a obra de Marx vinha recebendo novas traduções


– tanto Williams quanto Hall se referem especialmente ao Grundrisse (cf. Williams,
1979:10; Hall, 1996a:266) –, a New Left põe os principais intelectuais dos Estudos
Culturais em contato com a obra de alguns marxistas até então não acessíveis em
inglês, como o marxista russo Mikhail Bakhtin ou o filósofo marxista italiano
Antonio Gramsci, mas também com intelectuais seus contemporâneos, sobretu-

134 Rumo a uma Crítica Marxista da Cultura de Massa


do aqueles que vinham fazendo uma síntese entre estruturalismo e marxismo,
como Louis Althusser. Pode-se mesmo dizer que o encontro com o estruturalismo
governou a apropriação que os Estudos Culturais fizeram do marxismo. Estru-
turalismo marxista, então, foi a versão do marxismo que se tornou uma espécie
de ortodoxia dentro do CCCS por volta de 1973, quando Hall publicou Encoding/
Decoding. Essas influências forneceram aos Estudos Culturais os elementos para
a formulação de uma teoria cultural propriamente marxista.

A Cultura como Processo Social e Material


Em Marxismo e literatura, publicado em 1971, Raymond Williams aprofunda a
crítica marxista que tinha apenas esboçado em Cultura e sociedade. Ao fazê-lo,
propõe uma análise cultural a partir da revisão de um dos pressupostos bási-
cos da teoria marxista da cultura, qual seja, o de que há uma infra-estrutura
determinante e uma superestrutura determinada, sendo estas categorias ana-
líticas consideradas como entidades concretas separáveis e abstratas. Pautada
neste pressuposto, a teoria marxista da cultura foi considerada por um longo
tempo como necessariamente redutiva e determinista. Pensada deste modo,
nenhuma atividade cultural tem realidade e significação em si mesma,
mas é sempre reduzida a uma expressão direta ou indireta de um fator
econômico que a precede e controla, ou de um conteúdo político determi-
nado por uma posição ou situação econômica (Williams, 1979: 87).

Williams chama a atenção de que tal concepção contraria a crítica original


de Marx, que justamente se voltava contra a idéia de “separação” das áreas de
pensamento e atividade e propunha pensar infra-estrutura e superestrutura
como “relação” e não, o que ocorreu posteriormente, como categorias ou áreas
de atividade relativamente fechadas, relacionadas temporalmente (primeiro a
produção material, em seguida a consciência, depois a política e a cultura) ou
espacialmente (como níveis ou camadas – política e cultura, em seguida for-
mas de consciência e daí “a base” ou infra-estrutura).
Essa compreensão da infra-estrutura como uma área ou categoria dotada
de propriedades fixas a partir das quais se deduzem os processos variáveis da
superestrutura justificou-se, segundo Williams, pelo não reconhecimento de
que “a base” “é em si mesma um processo dinâmico e internamente contradi-
tório” (Ibidem, 86).
Se o que permitiu essa compreensão da teoria cultural marxista foi o con-
ceito de determinação, que, ainda que crucial para o marxismo, em geral,
implicava uma concepção mecanicista da cultura e levava a perder de vista os

Efeito e Recepção 135


processos sociais, Raymond Williams propõe então pensá-lo não com a força de
um “determinismo”, mas como a fixação de limites e a existência de pressões.
Com isso, ele quer salvar um conceito sem o qual o marxismo parece, “com
efeito, destituído de validade” (Ibidem, 87), mas quer fazê-lo sem manter o senti-
do de que infra-estrutura e superestrutura são áreas separadas. Para Williams,
entender “determinação” como a fixação de limites e a existência de pressões
implica pensar que a sociedade limita a realização social e individual, ao mesmo
tempo em que – e sobretudo – é também “um processo constitutivo com pressões
muito poderosas que se expressam em formações políticas, econômicas e cultu-
rais e são internalizadas e se tornam ‘vontades individuais’, já que tem também
um peso de ‘constitutivas’” (Ibidem, 91). É isso que significa pensar a determina-
ção como um processo complexo e inter-relacionado de limites e pressões.
Mas essa reformulação ainda não parece ser suficiente para extrair do
conceito de determinação o peso do “determinismo” e Williams vai buscar em
Althusser a idéia de overdetermination:
O conceito de ‘superdeterminação’ é uma tentativa de evitar o isolamento
de ‘categorias’ autônomas, mas ao mesmo tempo de ressaltar ‘práticas’
relativamente autônomas, e, não obstante, interativas, é claro. Em suas
formas mais positivas – isto é, no seu reconhecimento de forças múltiplas, e
não das forças isoladas dos modos ou técnicas de produção, e em seu
reconhecimento dessas forças como estruturadas, em situações históricas
particulares, e não como elementos de uma totalidade ideal, ou pior ainda,
simplesmente adjacentes – o conceito de ‘superdeterminação’ é mais útil
do que qualquer outro, como meio de se compreender situações vividas
historicamente e as complexidades autênticas da prática (Ibidem, 92).

Com o conceito de superdeterminação quer-se evitar a conseqüência habi-


tual da fórmula infra-estrutura/superestrutura: uma descrição da cultura, da
arte e do pensamento como um simples “reflexo” das condições materiais de
existência. Ainda que a consideração das determinações econômicas no estudo
da cultura seja uma contribuição especial do marxismo, o que se faz realmente
necessário, para Williams, “é o restabelecimento de todo o processo social
material, e especificamente da produção cultural como social e material”
(Ibidem, 140). A rejeição de toda e qualquer idéia de separação entre cultura e
vida social material implica reconhecer a complexidade dos processos sociais,
dentre eles os processos de elaboração da cultura.
De algum modo, o interesse dos Estudos Culturais pela cultura popular foi
decisivo para essa revisão do marxismo. Primeiro porque, como disse Hall, a crítica

136 Rumo a uma Crítica Marxista da Cultura de Massa


que os Estudos Culturais faziam ao marxismo se relacionava com sua propensão a
“pensar coisas novas, especialmente abrir novos espaços em relação às questões da
cultura popular, televisão etc.” (Hall, 1996e:496) para as quais o marxismo ortodoxo
não parecia contribuir. Ao evitar o determinismo expresso por uma certa concep-
ção marxista das relações entre base e superestrutura, Williams punha ênfase no
processo ativo e consciente de construção de sentido na cultura. Compreender a
cultura como um processo social constitutivo que cria modos de vida específicos
significa reconhecer sua complexidade, sua diversidade e sua historicidade. Em
outros termos, implica falar em “culturas”, no plural (cf. Williams, 1979:23).
Segundo porque, no entendimento de Williams, os grandes sistemas de
comunicação contemporâneos são instituições que borram a rigidez da sepa-
ração entre infra-estrutura e superestrutura porque são uma “área social na
qual a atividade econômica capitalista em grande escala e a produção cultural
são inseparáveis” (Ibidem, 138). Williams proporá, então, que se busque com-
preender a comunicação a partir do conceito gramsciano de hegemonia.

Cultura e Comunicação como Práticas de Significação


Por articular as relações entre cultura e poder, Gramsci tem sido o pensador
marxista para quem os Estudos Culturais se voltaram com mais freqüência.
Ele ajudou os Estudos Culturais a pensar melhor, dentro da tradição marxista,
determinadas questões que a teoria marxista clássica não permitia pensar.
Segundo Hall, os Estudos Culturais aprenderam com Gramsci “sobre a nature-
za da cultura, sobre a disciplina do que é conjuntural, sobre a importância da
especificidade histórica, sobre a imensa produtividade da metáfora da hege-
monia, sobre o modo no qual se pode pensar as questões das relações de classe
servindo-se das noções de conjunto e de bloco” (Hall, 1996a: 267).
Para o problema que aqui nos interessa, as relações entre comunicação e
cultura e, dentro disso, a análise de recepção, Gramsci foi uma inspiração
fundamental nos seguintes aspectos: a elaboração do problema da hegemonia,
a concepção de que a ideologia se materializa nas práticas, a ênfase no “popu-
lar”; e a importância do “intelectual orgânico”. Sua concepção da sociedade
como uma totalidade complexamente estruturada, com diferentes níveis de
articulação (o político, o econômico, o ideológico) e diferentes tipos de combina-
ção entre esses níveis será decisiva para o reconhecimento da complexidade,
diversidade e historicidade da cultura.
O conceito de “hegemonia”, tal como formulado por Antônio Gramsci, será
retomado de maneira decisiva pela corrente dos Estudos Culturais como um
dos pontos marcantes da teoria cultural marxista e será responsável, em boa

Efeito e Recepção 137


medida, pela superação da concepção especular da cultura. Em Gramsci, as
questões políticas e ideológicas não são interpretadas a partir da sua determi-
nação econômica, mas como “relações de força”. No entender de Gramsci, o
conflito entre as classes subalternas e hegemônicas não se dá no plano estrita-
mente político-econômico, mas também no cultural, onde o que está em jogo
são os valores e as “visões do mundo e da vida”. A hegemonia aparece, então,
como momento de realização da soberania de uma certa “visão do mundo” nas
sociedades históricas. “Hegemonia”1 é uma capacidade de direção realizada;
um complexo de atividades culturais e ideais que organiza o consenso e con-
sente o exercício da direção moderada. É uma forma de condução consensual,
ao contrário do domínio:
(...) As modificações nos modos de pensar, nas crenças, nas opiniões, não
ocorrem mediante ‘explosões’ rápidas, simultâneas e generalizadas,
mas sim, quase sempre, através de ‘combinações sucessivas’, de acordo
com ‘fórmulas’ ‘de autoridade’ variadíssimas e incontroláveis. A ilusão
‘explosiva’ nasce da ausência de espírito crítico (...) Na esfera da cultu-
ra, aliás, as ‘explosões’ são ainda menos freqüentes e menos intensas...
Confunde-se a ‘explosão’ de paixões políticas acumuladas num período
de transformações técnicas, às quais não correspondem novas formas de
organização jurídica adequada, mas sim imediatamente um certo grau
de coerções diretas e indiretas, com as transformações culturais, que são
lentas e graduais; e isto porque, se a paixão é impulsiva, a cultura é
produto de uma complexa elaboração (Gramsci, 1985:175/176).

Hegemonia é um momento final, é o lugar ao qual se chega após um lento


e gradual percurso. Para Carlos Nelson Coutinho, um dos principais pontos da
teoria política e cultural de Gramsci está em entender o conceito de “conquista
da hegemonia” por uma classe social que se quer transformar em classe naci-
onal. E ela só pode ser classe dominante quando já conquistou a condição de
classe dirigente culturalmente, quando já detém o “consenso” moral e político
da maioria da população nacional (cf. Coutinho, 1981:56). Aqui ele toma a noção
de hegemonia como momento cronologicamente final de um processo de con-
flito social no sentido de conquista da direção consensual. Para se tornar classe
dirigente, o proletariado participa de uma batalha de idéias, um diálogo e um
confronto cultural, onde deverá enfrentar os problemas de todos aqueles que
poderão, de algum modo, participar da aliança que constituirá o novo poder
(sem isso não se poderá constituir nenhum tipo de consenso).

138 Rumo a uma Crítica Marxista da Cultura de Massa


Como uma complexa combinação de forças políticas, sociais e culturais, hege-
monia é um conceito que inclui e ultrapassa dois outros poderosos conceitos, o
de cultura e o de ideologia. Inclui o de cultura como processo social global que
constitui a visão de mundo de uma sociedade e de uma época e o de ideologia em
qualquer de seus sentidos marxistas, nos quais um sistema de significados e
valores é a expressão ou projeção de um determinado interesse de classe.
...Ultrapassa o de cultura porque indaga sobre as relações de poder e
alcança a origem do fenômeno da obediência e da subordinação; ultra-
passa o conceito de ideologia porque envolve todo o processo social vivo,
percebendo-o como práxis, isto é, ‘as representações, as normas e os valo-
res são práticas sociais e se organizam como e através de práticas sociais’
dominantes e determinadas. Pode-se dizer que, para Gramsci, a hegemo-
nia é a cultura numa sociedade de classes (Chauí, 1986:21, g.n.).

Neste sentido, hegemonia é um conjunto de práticas e expectativas, é um


sistema “vivido” – “constitutivo” e “constituinte” – de significados e valores,
o que implica uma nova maneira de compreensão da atividade cultural, que
já não é mais a expressão superestrutural de uma estrutura social e econô-
mica formada, mas se encontra entre os processos básicos da própria forma-
ção social. O conceito de hegemonia permitirá aos autores filiados aos Estu-
dos Culturais pensar a cultura a partir das condições materiais de existência.
Agradecia-se a Gramsci “por haver trazido a ideologia do céu à terra através
da sua incarnação nas instituições materiais e práticas sociais” (Forgacs,
1997:178).
A ideologia, em Gramsci, assume o sentido de uma concepção do mundo
que se evidencia em todas as manifestações da vida individual ou coletiva. Em
outras palavras, qualquer ideologia ou concepção de mundo requer sua ne-
cessária elaboração nas formas de consciência práticas e populares. Gramsci
nunca está interessado apenas na essência filosófica da ideologia, “ele sempre
remete às ideologias ‘orgânicas’, que são orgânicas porque tocam o senso
comum, prático, cotidiano e ‘organizam as massas humanas e criam o terreno
sobre o qual os homens se movem, adquirem consciência de sua posição,
lutam etc.’” (Hall, 1996c:431).
É nessa concepção gramsciana que Williams vai se inspirar para pensar a
consciência e seus produtos como partes do processo social material.
... O ‘pensamento’ e a ‘imaginação’ são, desde o início, processos soci-
ais... e que só se tornam acessíveis de modos físicos e materiais que não

Efeito e Recepção 139


são passíveis de argumentação: em vozes, em sons feitos por instrumen-
tos, em escrita manuscrita ou impressa, em pigmentos dispostos na tela
ou em gesso, em mármore ou pedra trabalhados (Williams, 1979:67).

Gramsci recusa qualquer noção de que a ideologia se desenvolva esponta-


neamente, sem direção, ou de que ela automaticamente espelhe as condições
materiais de uma determinada classe. “Embora o campo ideológico sempre
esteja, para Gramsci, articulado com diferentes posições sociais e políticas, ele
forma e estrutura, não precisamente espelha, corresponde ou ‘ecoa’ a estrutu-
ra de classe da sociedade” (Hall, 1996c:434).
A família, os partidos políticos, as instituições culturais, educacionais, reli-
giosas – Gramsci dá especial atenção ao papel da Igreja Católica na configura-
ção da cultura popular italiana e como isso, num momento chave, favoreceu o
fascismo – são centros de formação ideológica. Mas Gramsci dá especial aten-
ção aos intelectuais orgânicos, que têm a responsabilidade estratégica de de-
senvolver a ideologia, seja rumo à transformação da sociedade, seja para favo-
recer a manutenção do bloco dominante conforme estejam os intelectuais
comprometidos com uma coisa ou outra.
Gramsci reforça o caráter universal do papel dos intelectuais, que devem
desenvolver a consciência de classe, por meio de um trabalho de homoge-
neização, em favor da classe à qual estejam vinculados. O intelectual orgâni-
co do proletariado é aquele que, enquanto especialista, desdobra-se num
ser político; como intelectual militante, é aquele que transforma sua ação em
um engajamento total na construção de um novo bloco histórico, criando, na
superestrutura, uma visão unitária em favor da classe revolucionária. Veja-
mos como isso aparece nas palavras de Gramsci: “O modo de ser do novo
intelectual não pode mais consistir na eloqüência... mas num imiscuir-se
ativamente na vida prática, como construtor, organizador, ‘persuasor per-
manente’... (Gramsci, 1985:08). Ele acede à concepção histórico-humanista
sem a qual ele permaneceria sendo um ‘especialista’, sem poder tornar-se
um ‘dirigente’ (especialista + político). É essa ligação orgânica entre os inte-
lectuais, considerados como dirigentes em cada um dos seus campos de
atuação, e o povo o que vai possibilitar o surgimento do novo bloco histórico,
unidade entre infra e superestrutura.
Quando a relação entre os intelectuais e o povo-nação, entre dirigentes
e dirigidos – entre governantes e governados – é dada por uma adesão
orgânica, na qual o sentimento-paixão torna-se compreensão e, conse-
qüentemente, saber (não mecanicamente, mas de modo vivo), só então

140 Rumo a uma Crítica Marxista da Cultura de Massa


a relação é de representação e acontece o intercâmbio de elementos
individuais entre governados e governantes, entre dirigidos e dirigen-
tes, isto é, realiza-se a vida de conjunto que só a força social é, cria-se o
‘bloco histórico’! (Gramsci, 1966a apud Sartriani, 1986:34/35).

O intelectual orgânico deve trabalhar em dois fronts ao mesmo tempo: de um


lado, deve-se estar na vanguarda do trabalho intelectual teórico porque, como
Gramsci disse, é tarefa do intelectual orgânico saber mais (e mais profundamen-
te) que os intelectuais tradicionais sabem. “Se você está no jogo da hegemonia
você tem que ser mais esperto do que ‘eles’” (Hall, 1996a:268). Daí porque não
deve haver limite teórico para os Estudos Culturais: valem todas as formas de
conhecer mais e mais profundamente a realidade para atuar nela e cooperar na
conquista da hegemonia em favor das classes populares. Do outro lado, o inte-
lectual orgânico não pode se furtar à responsabilidade de transmitir aquelas
idéias, aqueles conhecimentos, por intermédio da sua função como intelectual,
àqueles que não pertencem, profissionalmente, à classe intelectual.
Se o conceito de hegemonia foi importante do ponto de vista teórico, a idéia
gramsciana de produção dos intelectuais orgânicos parecia favorecer a associa-
ção entre teoria e prática política e justificava o que os Estudos Culturais já
vinham tentando fazer: “estivemos tentando encontrar uma prática institucio-
nal dentro dos Estudos Culturais que pudesse produzir um intelectual orgâni-
co” (Ibidem, 267). O projeto político dos Estudos Culturais em boa medida se
define por entender a prática intelectual como uma prática política e colocar as
questões teóricas e as questões políticas numa permanente tensão.
Outro ponto fundamental de apoio dos Estudos Culturais em Gramsci é sua
noção de “folclore”, que permite entender a cultura popular como concepção de
mundo e de vida em contraposição às concepções de mundo oficiais. O folclore
não é uma questão central no pensamento gramsciano, mas circunscreve-se no
contexto da abordagem da relação entre os intelectuais e o povo e da necessida-
de de haver uma unidade ideológica entre eles. No contato permanente com o
povo, supunha Gramsci, o intelectual encontraria os problemas que deveriam
ser estudados e, mais, somente neste contato permanente seria possível ao
trabalho de elaboração intelectual tornar-se histórico. A exigência de um contato
cultural com os “simples” e a premência de depuração do trabalho intelectual,
da filosofia, dos elementos intelectualistas de natureza individual conduziram-
no a uma consideração do folclore radicalmente distante da concepção paternalista
hegemônica naquele momento. Gramsci recupera na religião, no sistema de
crenças, superstições, opiniões e modos de viver populares o lugar de uma
“filosofia espontânea” inerente a todos os homens e na qual deverão ancorar-se

Efeito e Recepção 141


os intelectuais para, indo além dela, empreender a reforma intelectual e moral
que permitirá ao proletariado assumir sua função dirigente, condição principal
para a própria conquista do poder. No sentido de estabelecer a lógica das lutas
sociais e de conquista de uma nova cultura, Gramsci trabalha com um problema
conceitual composto por quatro termos: “concepção do mundo”, “cultura popu-
lar”, “senso comum” e “folclore”, que têm como linha mestra a fragmentação, a
ausência de sistematização, a pouca elaboração.
Pode-se dizer que, até hoje, o folclore foi preponderantemente estudado
como elemento ‘pitoresco’ (...) Dever-se-ia estudá-lo pelo contrário, como
‘concepção do mundo e da vida’, em grande medida implícita, de determi-
nados estratos (determinados no tempo e no espaço) da sociedade, em
contraposição... às concepções do mundo ‘oficiais’ (ou, em sentido amplo,
das partes cultas das sociedades historicamente determinadas), que se
sucederam no desenvolvimento histórico. (Daí a estreita relação entre folclo-
re e ‘senso comum’, que é o folclore filosófico). Concepção de mundo não
somente não elaborada e assistemática, pois o povo (isto é, o conjunto das
classes subalternas...) não pode – por definição – ter concepções elaboradas,
sistemáticas e politicamente organizadas e centralizadas em seu desenvol-
vimento, como também múltipla; não apenas no sentido de diverso, de
justaposto, mas no sentido de estratificado... (Gramsci, 1978:183/184).

As crenças populares, a cultura do povo são, para Gramsci, uma parte


essencial de qualquer estratégia política e, portanto, deve-se reconhecer a
cultura popular como possuidora de uma particular tenacidade, uma espontâ-
nea capacidade para aderir às condições materiais da vida e suas mudanças e
mesmo, às vezes, um valor político progressista, de transformação.
O conceito gramsciano do “nacional-popular” foi fundamental para abrir
os horizontes dos Estudos Culturais e ajudá-lo a superar um certo reducionismo
marxista que até então punha ênfase na questão da classe. “Popular”, neste
caso, vinha substituir o “proletariado” ou as “classes trabalhadoras”. “Na Grã-
Bretanha, o nacional-popular tem sido recebido e usado como um conceito
‘político’ e identificado com a noção das lutas popular-democráticas sem um
específico caráter de classe que possa ser articulado em relação à luta do
trabalho contra o capital” (Forgacs, 1997:179). Isto será decisivo para que os
Estudos Culturais venham enriquecer a discussão sobre a cultura: do interes-
se inicial de Hoggart e Williams com a cultura operária a ênfase desloca-se
para a cultura popular em seu sentido mais amplo.

142 Rumo a uma Crítica Marxista da Cultura de Massa


Gramsci possibilita aos Estudos Culturais uma compreensão da cultura que
permite entender que a cultura de massa opera de dentro do popular. Ou seja, as
mensagens de massa só têm pertinência quando reelaboradas pela cultura popu-
lar; é dentro da cultura popular que os conteúdos de massa são apropriados, inter-
pretados e revestidos de sentido. Os Estudos Culturais preferirão, então, daí em
diante, substituir a expressão “cultura de massa por cultura popular” – mas aí essa
expressão não tem qualquer conotação de cultura tradicional ou autêntica, genui-
namente do povo, mas remete à articulação das práticas populares na cultura. Hoje,
nos textos produzidos no marco dos Estudos Culturais, tanto uma expressão quanto
a outra são usadas como sinônimos e se referem de modo geral à cultura contempo-
rânea caracterizada pela presença das tecnologias da comunicação e da informação.
A centralidade que as questões culturais adquirem no pensamento
gramsciano é fundamental para justificar a força que esse marxista tem, até os
dias atuais, dentro da corrente culturalista. A cultura é o terreno das práticas,
representações, linguagens e costumes de qualquer sociedade e aparece em
Gramsci como o verdadeiro lugar de construção da hegemonia popular.
A conseqüência mais importante do conceito de hegemonia para os Estu-
dos Culturais é que ele permite a abordagem direta da extraordinária comple-
xidade cultural das sociedades atuais e, como tal, da cultura e comunicação de
massa, esta última compreendida como uma articulação de práticas de signifi-
cação num campo de forças sociais (cf. Williams, 1979:115).
Esta concepção da “comunicação de massa como práticas de significação”
levará os Estudos Culturais a progressivamente deslocarem sua atenção das
obras da cultura e dos próprios meios de comunicação para os receptores,
compreendidos como indivíduos e grupos sociais integrados em práticas soci-
ais – materiais e culturais – mais amplas.
A idéia de hegemonia como um momento a ser construído por meio das
alianças estratégicas de diferentes setores sociais e a conseqüente concepção
de que não há uma correspondência direta entre as dimensões econômicas,
políticas e ideológicas será fundamental para as análises de recepção ainda em
um outro sentido. Segundo Hall, a conseqüência política dessa não correspon-
dência é ter levado os Estudos Culturais a “abandonar construções esquemáticas
de como as classes “deveriam”, ideal e abstratamente, se comportar politica-
mente em vez do estudo concreto de como elas de fato se comportam, em
condições históricas reais” (Hall, 1996c:438). Sem dúvida, o primeiro estudo de
recepção elaborado no marco dos Estudos Culturais, o de David Morley sobre
como diferentes audiências, estruturadas por classe, recebiam os conteúdos

Efeito e Recepção 143


do programa televisivo Nationwide, certamente se origina aí. Além de Morley,
também na América Latina isso será fundamental, pois Gramsci será a influên-
cia direta do modelo de investigações conhecido entre nós como “paradigma
das mediações”, cujos principais formuladores são Jésus Martín-Barbero e
Guillermo Orozco Goméz. Voltaremos a isso no capítulo 4.

Ideologia, Reprodução e Subjetividade


A visibilidade do problema da ideologia tem, para os Estudos Culturais, uma
base muito objetiva: a necessidade de entender como o massivo crescimento
das indústrias culturais moldou e transformou a consciência das massas e a
questão do consenso da massa operária para com o sistema nas sociedades
capitalistas avançadas da Europa. “O problema da ideologia, portanto, diz
respeito aos modos nos quais idéias de diferentes tipos tomam conta das
mentes das massas e desse modo se transformam em uma ‘força material’”
(Hall, 1996b:27). Politicamente, interessava aos Estudos Culturais compreen-
der como as idéias sociais surgem e se cristalizam numa formação social parti-
cular de modo a poder “informar a luta para mudar a sociedade e abrir cami-
nho rumo à transformação socialista da sociedade” (Ibidem, 26).
A discussão sobre a ideologia, sobre como a ideologia opera, como ela
“interpela” os sujeitos, aliás, será fundamental para levar os Estudos Culturais
às análises de recepção – que não serão, pelo menos em seu início, outra coisa
senão uma investigação empírica do modo como leitores comuns, ‘de carne e
osso’, interpretam, lêem, recebem os conteúdos ideológicos transmitidos pelos
meios de comunicação de massa.
Numa espécie de historiografia do conceito de ideologia, Williams vê que
ele assume três versões comuns:
i) um sistema de crenças característico de uma classe ou grupo;
ii) um sistema de crenças ilusórias – idéias falsas ou consciência falsa –
que se pode contrastar com o conhecimento verdadeiro ou científico;
iii) o processo geral da produção de significados e idéias (Williams, 1979:60).

Os Estudos Culturais rejeitarão as duas primeiras versões, reescreverão a


terceira e, neste processo, assumirão a ideologia como um problema teórico a
ser enfrentado, mas também como um problema político e estratégico.
A interpretação de ideologia que os Estudos Culturais adotam é oposta à
concepção ortodoxa da ideologia que entende que as idéias refletem as condi-
ções materiais de existência, que são efeito direto da base econômica, e que
subsume as idéias dominantes às idéias da classe dominante. A interpretação

144 Rumo a uma Crítica Marxista da Cultura de Massa


culturalista da ideologia é a que se recolhe em Gramsci, Althusser e Ernesto
Laclau, aquela que Jorge Larrain chama de uma versão neutra da ideologia,
em oposição à versão crítica ou negativa, que ele identifica em Marx e que se
refere sobretudo à ideologia burguesa:
Em geral, as concepções negativas ou críticas da ideologia se referem a
um tipo de pensamento distorcido, qualquer que seja o modo no qual
escolhamos entender tal distorção. As concepções neutras referem-se a
idéias políticas, discursos e visões de mundo que são articulados em
torno de alguns princípios relacionados aos interesses de algum grupo
social, partido ou classe... O conceito neutro de ideologia, em si mesmo,
não discrimina entre idéias adequadas ou inadequadas, não exprime
julgamento epistemológico sobre elas mas enfatiza que através delas os
seres humanos adquirem consciência da realidade social e relaciona
aquelas idéias a alguns interesses de classe ou a algum princípio políti-
co articulado. Assim, pode-se falar de ideologia burguesa e ideologia
proletária, ideologia liberal e ideologia nacionalista sem necessaria-
mente querer estabelecer ou prejulgar sua adequação ou veracidade...
Para a versão neutra, o ‘ideológico’ é a qualidade de qualquer pensa-
mento ou idéia que serve a ou articula interesses de grupo ou classe, o
que quer que eles sejam. Para a versão negativa, ao contrário, o ‘ideo-
lógico’ é o atributo de qualquer pensamento ou idéia que distorce ou
inverte a realidade (Larrain, 1996:53-4).

É o próprio Hall quem o diz:


Por ideologia entendo as estruturas mentais – as linguagens, os concei-
tos, as categorias, as imagens do pensamento e os sistemas de represen-
tação – que diferentes classes e grupos sociais empregam para dar senti-
do, definir, decifrar e tornar inteligível o modo como a sociedade opera (...)
‘Agora’ usamos [ideologia] para nos referir a todas as formas organizadas
de pensamento social... Ou seja, tanto os conhecimentos práticos quanto
os teóricos que habilitam as pessoas a decifrar a sociedade, e dentro de
cujas categorias e discursos nós sobrevivemos e experimentamos nosso
posicionamento objetivo nas relações sociais (Hall, 1996b:26-7).

Louis Althusser será a grande referência teórica dos Estudos Culturais


para a revisão do conceito de ideologia. É certo que houve muita influência de
Ernest Laclau e de Gramsci, mas elas são posteriores à leitura de Althusser e
em boa medida sua devedora. Althusser, em muitos aspectos, será uma influ-

Efeito e Recepção 145


ência marcante para os Estudos Culturais. Ele será decisivo para a revisão que
Williams faz da teoria cultural marxista, claro, mas influenciará igualmente
todos os investigadores ligados a Birmingham. O próprio Gramsci foi mais
amplamente conhecido pelos investigadores ingleses “através do filtro de Louis
Althusser, cujos escritos se tornaram largamente conhecidos na Inglaterra (no
início dos anos de 1970) e quem tinha se inspirado no trabalho do marxista
italiano em muitos aspectos importantes” (Forgacs, 1997:178). Althusser se
inspira em Gramsci sobretudo para pensar sua teoria do Estado a partir da
noção de “sociedade civil” e para pensar a ideologia por meio das instituições
materiais e das práticas sociais.
Aparelhos ideológicos de Estado, publicado em 1970, teve uma larga acolhi-
da dentro dos Estudos Culturais sobretudo em razão das implicações de se
considerar a) os meios de comunicação e a cultura como aparelhos ideológi-
cos de Estado; b) a ideologia como conjunto das práticas materiais necessári-
as à reprodução das relações de produção; c) os vínculos entre ideologia e
subjetividade.
Althusser entende que ao capital não basta assegurar à força de trabalho,
por intermédio do salário, as condições materiais de sua reprodução. Além de
alimentação, vestuário, habitação, é necessário tornar a força de trabalho apta
a ser utilizada no sistema de produção, o que implica qualificá-la para a divisão
sócio-técnica do trabalho e submetê-la às normas da ordem vigente. O respon-
sável por essa tarefa é o Estado, que dispõe de aparelhos repressivos e ideoló-
gicos, distinguíveis por seu modo de funcionamento: os primeiros agem pela
força; os últimos agem servindo-se da ideologia. Dentre os aparelhos ideológi-
cos de Estado, aqueles responsáveis por reproduzir a ideologia dominante,
Althusser aponta o “AIE de informação (a imprensa, o rádio, a televisão etc.)” e
o “AIE cultural (Letras, Belas Artes, esportes etc.)” (Althusser, 1985:68). Mas
esses aparelhos ideológicos não reproduzem pacificamente a ideologia domi-
nante; são eles próprios palco da luta de classes e, enquanto tal, suscetíveis de
oferecer um campo objetivo às contradições de classe.
Indubitavelmente, a concepção de ideologia adotada pelos Estudos Cul-
turais ingleses é inspirada em Louis Althusser, para quem a ideologia não é
um simples reflexo da base material, mas possui ela mesma sua própria
materialidade e adquire um papel decisivo na reprodução das relações soci-
ais. Nesse ensaio em particular, a ideologia aparece de modo rigorosamente
diferente do que é concebido pelo marxismo clássico, seja como sistema de
crenças característico de uma classe ou grupo, seja como um sistema de
crenças ilusórias – idéias falsas ou consciência falsa. Em primeiro lugar,

146 Rumo a uma Crítica Marxista da Cultura de Massa


Althusser recusa a concepção marxista clássica de ideologia como “pura ilu-
são, puro sonho” (Ibidem, 83). Em segundo lugar, rejeita de modo geral a
identidade entre classe e ideologia, ou seja, a concepção de que a posição
ideológica de uma classe sempre corresponderá à sua posição nas relações
sociais de produção.
Neste sentido, é fundamental a contribuição de Ernesto Laclau, que parte
de Althusser para desmontar a proposição que afirma que idéias e conceitos
particulares pertencem exclusivamente a uma classe particular. Ou de que
classes, enquanto tais, são sujeitos de uma ideologia de classe fixa. Para Laclau,
a ideologia é composta de elementos e conceitos que não têm necessária cor-
respondência de classe. Ao contrário, as ideologias podem ser articuladas por
uma série de discursos que representam diferentes classes. O caráter de clas-
se de uma ideologia não é dado por sua vinculação automática a uma dada
classe, mas por sua articulação dentro de um discurso de classe ideológico (cf.
Laclau, 1978).
Althusser irá pensar a estrutura e o funcionamento da ideologia em duas
teses. Tese I: “a ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com
suas condições reais de existência” (Althusser, 985:85). Aqui, não são as condi-
ções reais de existência, o mundo real, que os homens representam na ideolo-
gia; antes, o que na ideologia é representado é a relação que os homens
estabelecem com as suas condições reais de existência. “É esta relação que está
no centro de toda representação ideológica” (Ibidem, 87).
É a Tese II, entretanto, que será o fulcro de toda a investigação da escola
inglesa: “a ideologia tem uma existência material” (Ibidem, 88). Althusser fala
em “atos inscritos em práticas” e observa que “estas práticas são reguladas
por rituais nos quais estas práticas se inscrevem, no seio da existência material
de um aparelho ideológico” (Ibidem, 91). Esta que é uma das afirmações mais
citadas de Aparelhos ideológicos de estado (cf. Hall 1998:40) é claramente deve-
dora do pensamento de Gramsci sobre a ideologia. É com Gramsci e Althusser
que o conceito de “prática”, “que tem sempre de ser definida como obra sobre
um material, com uma finalidade específica, dentro de certas condições sociais
necessárias” (Williams, 1979:160) se torna decisivo para os Estudos Culturais.
Outra contribuição fundamental de Althusser para os Estudos Culturais é a
vinculação entre ideologia e subjetividade. Se em seus outros escritos2 Althusser
permanece rigidamente vinculado ao projeto estruturalista de descentralização
do sujeito, se defende que as relações sociais são processos sem sujeitos, quan-
do desenvolve sua teoria da ideologia em Aparelhos ideológicos..., ele se vai
distanciando da concepção de que a ideologia é um processo simples sem

Efeito e Recepção 147


sujeito e “parece que assimila a crítica de que este campo referente ao sujeito
e à subjetividade não pode deixar-se simplesmente como um espaço vazio”
(Hall, 1998:43).
O problema de como os indivíduos se convertem em articuladores da ide-
ologia começa a ser resolvido, no campo da teoria marxista, com esse ensaio de
Althusser, quando ele assume que o termo central decisivo para sua teoria da
ideologia é a noção de sujeito: “Só há ideologia pelo sujeito e para os sujeitos.
Ou seja, a ideologia existe para sujeitos concretos, e esta destinação da ideolo-
gia só é possível pelo sujeito: isto é, pela “categoria de sujeito” e de seu funci-
onamento” (Althusser, 1985:93). Althusser explica o funcionamento da ideolo-
gia por meio do conceito de “interpelação”, que ele vai buscar em Lacan:3
“Toda ideologia interpela os indivíduos concretos enquanto sujeitos concre-
tos’, através do funcionamento da categoria de sujeito” (Althusser, 1985:96). A
ideologia apela ao sujeito (autônomo e livre) para que ele livremente se sub-
meta: “os sujeitos se constituem pela sua sujeição” (Ibidem, 104). Pelo mecanis-
mo da sujeição, um mecanismo ideológico básico e que se mostra num conjun-
to de práticas e de rituais da vida cotidiana, o indivíduo se reconhece como
sujeito, mas se sujeita a um Sujeito absoluto, naturalizado.
Althusser chamou a atenção para os modos como a ideologia é internalizada
e levou os Estudos Culturais a se aproximarem da interpretação psicanalítica de
como os indivíduos se relacionam com as categorias ideológicas da linguagem.
Ao criticar a noção de ideologia como falsa consciência, os Estudos Culturais
adotam a premissa de que não é o sujeito quem produz ideologia, enquanto um
sistema de idéias, mas “é a ideologia, concebida como uma instância material de
práticas e rituais, que constitui o sujeito” (Larrain, 1996: 48).
Os Estudos Culturais assumem a idéia althusseriana de que a ideologia inter-
pela os indivíduos enquanto sujeitos como a explicação básica de como a ideologia
opera. “Ideologias não são de fato produzidas pela consciência individual, antes os
indivíduos formulam suas crenças, dentro de posições já fixadas pela ideologia,
como se eles fossem seus verdadeiros produtores” (Larrain, 1996:49).
Hall chama a atenção para os desdobramentos que Aparelhos Ideológicos de
Estado possibilitaram para a teoria crítica e lamenta que o ensaio de Althusser
tenha sido estruturado em duas partes, a primeira sobre a ideologia e a repro-
dução das relações sociais de produção e a segunda sobre a constituição de
sujeitos e de como as ideologias nos interpelam. A conseqüência disso, segun-
do Hall, é que
o que em princípio foi idealizado como um elemento crítico dentro da
teoria geral da ideologia (a teoria do sujeito) chegou a tomar-se,

148 Rumo a uma Crítica Marxista da Cultura de Massa


metonimicamente, pela totalidade da teoria mesma. Por tanto, as teo-
rias enormemente sofisticadas que se têm desenvolvido posteriormente
têm sido, todas elas, teorias que tratam da segunda questão (Hall,
1998:44).

Tomar em consideração a segunda parte do projeto teórico de Althusser


tem implicado para a teoria crítica uma ênfase na psicanálise, na subjetivida-
de, na sexualidade e, por decorrência, uma aproximação com os estudos femi-
nistas e com a investigação sobre a “diferença”. Essa tendência se vê reforçada
pelos debates pós-estruturalistas e pela hipótese de uma era pós-moderna
que se caracterizaria por novos regimes de produção, pela pluralização da
vida social e cultural e pelo reino do individualismo e da subjetividade.
Tem implicado, também, no âmbito dos estudos de comunicação, a ênfase
no receptor. Rever o processo comunicativo desde o âmbito da recepção quase
sempre significa reivindicar a ocupação do lugar do sujeito pelo receptor. Os
estudos de comunicação que colocam a tônica na recepção o fazem a partir do
“reconhecimento do sujeito e da pertinência de uma teoria que parte das
concepções deste último, de sua subjetividade” (Mattelart & Mattelart, 1989:201)
para pensar os processos comunicativos. Neste sentido, a ênfase neste outro
pólo por tanto tempo ignorado em sua atividade, o receptor, nasce como con-
seqüência, no campo da comunicação, de um esforço geral de afirmação dos
sujeitos – individuais, políticos, sociais, sexuais, étnicos – esforço que perpas-
sou a filosofia, a psicanálise, as ciências sociais, a teoria literária, a história. Mas
esse é um desdobramento posterior dos Estudos Culturais, ao qual retorna-
remos mais adiante.

Notas
1. Embora o conceito de hegemonia tenha sofrido, no interior do próprio pensamento gramsciano, uma série
de modificações e extensões ainda não cabalmente identificadas, não parece haver conceito mais difundido e
ao qual mais se recorre para pensar a cultura na perspectiva de uma estratégia revolucionária. Ver GRAMSCI,
1978; GRAMSCI, 1985; GRAMSCI, 1991. Uma análise do conceito de hegemonia, tal como aparece em Gramsci,
pode ser encontrada em ANDERSON, 1986:07-74.
2. Ver ALTHUSSER, 1979; ALTHUSSER et al., 1979.
3. Ver LACAN, 1992.

Efeito e Recepção 149


Capítulo 3
Ideologia e Linguagem

S e os Estudos Culturais nascem como um programa de investigação sobre


cultura, poder e sociedade na Inglaterra dos anos de 1960 e estabelecem as
premissas de uma teoria cultural geral que deveria iluminar a análise concreta
dos meios de comunicação, é somente nos anos 1970 que os Estudos Culturais
ingleses se consolidam como uma corrente de investigação própria e atingem
seu maior desenvolvimento. Esse é o momento em que o Centre for Contemporary
Cultural Studies fica sob a direção de Stuart Hall, quem foi responsável por
alinhar em definitivo o trabalho dos “culturalistas” com o marxismo, sobretu-
do com a reinterpretação que o marxismo sofreu nos anos de 1960 – e que Hall
acompanhou enquanto editava a New Left Review.
Foi também sob a influência de Stuart Hall que os Estudos Culturais se
tornaram teoricamente mais sofisticados e metodologicamente mais diversifi-
cados, já que ele foi um dos grandes responsáveis por trazer às investigações
dos Estudos Culturais as contribuições de intelectuais ligados à semiologia e ao
estruturalismo, mais especificamente, Louis Althussser, Roland Barthes e
Umberto Eco. A partir de então, os Estudos Culturais partilharão com Althusser
as questões ligadas à natureza da ideologia e aplicarão exaustivamente aos
textos e produtos culturais a metodologia de análise proposta em Mitologias. Já
o modelo de análise semiológica da mensagem televisiva esboçado por Umberto
Eco em meados dos anos de 1960 será decisivo para o trabalho de investigação
do próprio Stuart Hall.
Hall chama a atenção para a importância que o giro lingüístico teve para os
Estudos Culturais. A descoberta da discursividade, da textualidade, possibili-
tada pelo encontro dos Estudos Culturais com o estruturalismo e a semiótica,
foi decisiva e significou avanços teóricos que ele reconheceu como sendo:

Efeito e Recepção 151


a crucial importância da linguagem e da metáfora lingüística para
qualquer estudo da cultura; a expansão da noção de texto e textualidade,
tanto como fonte de sentido quanto como aquilo que evade e adia o
sentido; o reconhecimento da heterogeneidade, da multiplicidade de
sentidos, da luta por fechar arbitrariamente a infinita semiose que está
além do sentido; o reconhecimento da textualidade e do poder cultural,
da representação em si mesma, como um lugar de poder e regulação; do
simbólico como fonte de identidade (Hall, 1996a: 270-1).

As relações entre ideologia e linguagem, ou talvez mais propriamente, o


interesse pelas “leituras ideológicas”, tão próprio da investigação crítica dos
anos de 1960, levaram progressivamente os Estudos Culturais ao interesse
pelo receptor. É claro que, no início, o interesse estava em compreender como
os “textos” da cultura representavam a ideologia dominante – esse foi o traba-
lho inspirado por Mitologias, de Barthes, por exemplo.
Foi decisivo para os Estudos Culturais, nesse aspecto, uma compreensão
mais larga de texto do que aquela meramente lingüística ou verbal. Texto se
refere a específicos modos de organizar expressões físicas com o fim de comu-
nicar. Entende-se por texto uma cadeia de enunciados ligados por vínculos de
coerência ou grupos de enunciados emitidos ao mesmo tempo com base em
mais de um sistema semiótico. Nesse sentido, são textos um romance, uma
conversa, um filme, um videoclip, um documentário, um programa televisivo
da BBC, uma matéria veiculada num jornal impresso ou televisivo ou mesmo
todo um telejornal.
Mas a consolidação da indústria cultural, principalmente com o aparecimen-
to da televisão, colocava os investigadores críticos face a face com a necessidade
de entender as relações entre cultura, consciência e linguagem e, portanto,
compreender o modo como as indústrias culturais moldavam a consciência das
pessoas. Sob a direção de Hall, os textos dos media eram considerados pelos
Estudos Culturais como fontes de exemplos de como a ideologia inscrevia as
idéias dos grupos dominantes na sociedade: o interesse estava no modo como os
sistemas de signos, tratados como “textos”, estruturam ou posicionam seus leito-
res ou sujeitos. Para os Estudos Culturais a partir de então, os textos são fonte de
poder e a textualidade aparece como um lugar de representação e resistência.
A discussão sobre a ideologia, no modo como a entenderam Gramsci,
Althusser e Laclau, possibilitou aos Estudos Culturais “uma concepção mais
lingüística ou ‘discursiva’ da ideologia” (Idem, 1996b:30). A idéia de que as
ideologias podem ser articuladas por uma série de discursos e que esses dis-
cursos representam diferentes classes (para Laclau), diferentes posições e se

152 Ideologia e Linguagem


materializam nas práticas (práticas discursivas, sobretudo) foi fundamental
para levar os Estudos Culturais a atentarem ao problema da linguagem: “Lin-
guagem é o meio ‘por excelência’ através do qual coisas são ‘representadas’ no
pensamento e, por conseguinte, o meio no qual a ideologia é gerada e trans-
formada” (Ibidem, 35-6).

Comunicação Dialógica e Multiacentualidade


Mesmo antes que a “revolução semiótica” chegasse aos Estudos Culturais, já
havia aí um interesse pelas questões da linguagem. Raymond Williams, por
exemplo, foi dos primeiros a tratar dessa questão e o fazia ao apontar as
contribuições de Mikhail Bakhtin (Volochinov). Williams embarca na crítica de
Bakhtin à concepção filosófico-lingüística que o marxista russo chama de
“objetivismo abstrato” e que estaria representada pela lingüística saussureana.
É em oposição ao “sistema lingüístico” de Saussure que a linguagem aparece,
em Marxismo e literatura, como constitutivamente humana: “A linguagem é,
então, positivamente, uma abertura característica do homem e uma abertura
para o mundo: não uma faculdade distinguível ou instrumental, mas
constitutiva” (Williams, 1979:30).
Bakhtin é uma autor fulcral para a interpretação que os Estudos Culturais
dão das relações entre ideologia e linguagem. Ideologia aparece em Bakhtin
como um termo geral para descrever os processos de produção do significado
por meio de signos. Isso é fundamental para possibilitar uma interpretação
materialista da ideologia – ou da consciência. Para Bakhtin, a consciência ad-
quire forma e existência nos signos. “‘Não separar a ideologia da realidade
material do signo’ (colocando-a no campo da ‘consciência’ ou em qualquer
outra esfera fugidia e indefinível)” (Bakhtin, 1999:44) é uma das suas regras
metodológicas. Isso implica dizer que os fenômenos ideológicos encontram
sua realidade na materialidade objetiva dos signos sociais. “As leis dessa reali-
dade são as leis da comunicação semiótica” (Ibidem, 36).
Tudo isso lança uma nova luz sobre o problema da consciência e da
ideologia. ‘Fora de sua objetivação, de sua realização num material
determinado’ (o gesto, a palavra, o grito), a ‘consciência é uma ficção...’
Enquanto expressão material estruturada (por meio da palavra, do
signo, do desenho, da pintura, do som musical etc.) a consciência cons-
titui um fato objetivo e uma força social imensa (Ibidem, 117-8).

Aqui Bakhtin ecoa, de todo modo, aquele entendimento que os Estudos


Culturais vão buscar em Althusser – e que o próprio Althusser havia ido bus-

Efeito e Recepção 153


car em Gramsci – de que a ideologia se materializa nas práticas sociais. A
compreensão de que a ideologia tem uma existência material irá de algum
modo abrir caminho para a leitura de Bakhtin. A partir de então, os Estudos
Culturais cada vez mais interpretarão essas práticas como “práticas discursivas”.
Especialmente Marxismo e filosofia da linguagem, de 1929, ajuda os Estudos
Culturais a tratar as questões da linguagem do ponto de vista de uma ativida-
de humana criadora. Bakhtin é especialmente importante por subsidiar os
Estudos Culturais a manter aquela que se tornou uma posição central para os
Estudos Culturais desde a sua fundação: a atenção aos aspectos criativos da
atividade humana.
Bakhtin oferece aos Estudos Culturais uma compreensão da comunicação como
um processo dialógico, num sentido amplo, o que significa uma ênfase na lingua-
gem como um processo de interação verbal. Ao afirmar que a palavra, ao mesmo
tempo em que procede de alguém, se dirige a alguém, que “ela constitui justa-
mente o ‘produto da interação do locutor e do ouvinte...’” (Ibidem, 113), Bakhtin
chama a atenção para o uso da linguagem como um processo comunicativo propri-
amente dito – em oposição a uma concepção da linguagem como função das
necessidades de expressão individual de um locutor – processo que se caracteriza
pela “interação” entre locutor e ouvinte, pela “troca” comunicativa.
Isso será fundamental para que os Estudos Culturais se dediquem a analisar
os processos culturais – e os processos comunicativos que aí estão inseridos –
como processos que se efetivam na “troca”, o que vai definir os processos comu-
nicativos como processos receptivos: é na recepção que a comunicação ocorre.
Por outro lado, ao considerar que, na troca comunicativa, a palavra está necessa-
riamente voltada para as necessidades de expressão ao mesmo tempo em que se
orienta em função do interlocutor, Bakhtin oferece aos Estudos Culturais uma
abordagem metodológica da comunicação que a partir de então tentará consi-
derar sempre os “dois pólos” envolvidos no processo comunicativo. Ainda que
em Bakhtin o par locutor-ouvinte constitua a condição necessária da linguagem
(cf. Ibidem, 123), os estudos de recepção, em alguns momentos, ao exacerbar a
ênfase na função do ouvinte/receptor, irão dizer que o receptor é em si a condi-
ção da comunicação: a comunicação se realiza na recepção.
Mas a ênfase na “interação” tem ainda outra conseqüência, pois em Bakhtin
considerar a comunicação como interação implica considerar as “relações en-
tre a interação concreta e a situação extralingüística – não só a situação imedi-
ata, mas também, através dela, o contexto social mais amplo” (Ibidem, 124).
O entendimento de que nenhuma comunicação pode ser compreendida
fora desse vínculo com a situação concreta na qual a interação ocorre está

154 Ideologia e Linguagem


intimamente relacionado ao modo como Bakhtin concebe as relações entre
linguagem e ideologia e que se expressa em uma das citações mais conhecidas
de Marxismo e filosofia da linguagem – aquela que diz que “o signo se torna a
arena onde se desenvolve a luta de classes” (Ibidem, 46). Os Estudos Culturais
assumem integralmente essa proposição, que traz profundas conseqüências
para o trabalho dos culturalistas e que irá de algum modo justificar seu esforço
por entender as relações entre linguagem e ideologia de modo a atuar em
favor da construção de uma nova hegemonia.
Para Bakhtin, afirmar que todo signo é ideológico, no sentido de que refle-
te ou refrata as estruturas sociais, implica assumir que os sistemas semióticos
servem para exprimir a ideologia e são, de algum modo, modelados por ela:
“Em outros termos, tudo que é ideológico é um “signo”. “Sem signo não existe
ideologia” (Ibidem, 31).
A compreensão de que todo signo é um fenômeno ideológico e que, por-
tanto, se vincula às estruturas sociais e não pode ser compreendido fora da
situação concreta – extralingüística – na qual se realiza, será fundamental
ainda em outro sentido: ele marca a “descoberta”, dentro dos Estudos Cultu-
rais, do fenômeno da polissemia ou, na linguagem de Bakhtin, da multiacentua-
lidade. Afirmar que “...O signo e a situação social em que se insere estão
indissoluvelmente ligados” (Ibidem, 62) significa dizer que o signo não pode
ser separado da situação social sem ver alterada sua natureza semiótica.
Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também
reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe
fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signo está
sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso,
correto, justificado, bom, etc.). O domínio do ideológico coincide com o
domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo
se encontra, encontra-se também o ideológico. ‘Tudo que é ideológico
possui um valor semiótico’ (Ibidem, 32).

É a vinculação do signo às estruturas sociais que garante a polissemia,


pluriacentuação ou plurivalência (Bakhtin utiliza, alternativamente, qualquer
destes termos, sem que se verifique diferenças significativas entre eles). O
caráter polissêmico do signo é assumido por Bakhtin em contestação à
“univocidade” que ele encontrava no “objetivismo abstrato” de Saussure. A
contestação à lingüística saussureana ou ao que Bakhtin chama o “objetivismo
abstrato” é um ponto fundamental para a formulação da sua filosofia da lin-
guagem concebida como uma “filosofia do signo ideológico”. Bakhtin contesta

Efeito e Recepção 155


o “objetivismo abstrato” sobretudo por priorizar a “univocidade” da palavra
mais do que “polissemia e plurivalência vivas”; a representação da linguagem
como um produto acabado, que se transmite de geração a geração, e a incapa-
cidade de compreender o processo gerativo “interno” da língua (Ibidem, 103).
A concepção de Saussure de que “a língua existe na coletividade sob a
forma de uma série de marcas depostas em cada cérebro, mais ou menos como
um dicionário de que todos os exemplares, idênticos, estivessem repartidos
entre os indivíduos” (Saussure, 1995:49) favorece arbitrariamente a unicidade.
Bakhtin irá assumir que o processo de produção de sentido não se dá ao modo
de um dicionário, como uma relação biplanar entre significantes e significa-
dos, mas que, ao contrário, o signo é por natureza vivo e móvel, plurivalente,
e, mais, que o que lhe dá esse caráter é justamente sua vinculação inextricável
à situação social concreta. A plurivalência do signo é resultado de sua inserção
nas estruturas sociais, nas tensões da luta social.
Todo signo, como sabemos, resulta de um consenso entre indivíduos
socialmente organizados no decorrer de um processo de interação. Ra-
zão pela qual ‘as formas do signo são condicionadas tanto pela organi-
zação social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação
acontece’. Uma modificação destas formas ocasiona uma modificação
do signo (Bakhtin, 1999:44).

Além disso, o signo vê-se marcado pelo “horizonte social” de uma época e
de um grupo social determinados:
...é preciso supor... um certo ‘horizonte social’ definido e estabelecido
que determina a criação ideológica do grupo social e da época a que
pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa literatura, da nos-
sa ciência, da nossa moral, do nosso direito (Ibidem, 112).

O esforço por encerrar a palavra num dicionário implica estabilizar sua


significação fora de todo contexto. Para Bakhtin, ao contrário, “o sentido da
palavra é totalmente determinado por seu contexto. De fato, há tantas signifi-
cações possíveis quanto contextos possíveis” (Ibidem, 106).
Todo signo, quando empregado numa enunciação específica, possui, além
do seu conteúdo, da sua significação objetiva, “um acento de valor ou ‘apre-
ciativo’, isto é, quando um conteúdo objetivo é expresso (dito ou escrito) pela
fala viva, ele é sempre acompanhado por um acento apreciativo determina-
do. Sem acento apreciativo, não há palavra” (Ibidem:132). Toda enunciação é
sobretudo uma ‘orientação apreciativa’. A mudança do acento avaliativo da

156 Ideologia e Linguagem


palavra se dá em função do contexto. É a pluralidade de acentos que dá vida
à palavra.
A multiacentualidade é uma propriedade dos signos que consiste em que
cada signo tenha a capacidade de transmitir mais de um sentido, de acordo
com as circunstâncias nas quais ele é empregado. É ela que dá o caráter
polissêmico do signo e que exige uma compreensão ativa por parte do ouvinte.
O signo não se apresenta ao ouvinte/receptor como um item de dicionário,
como uma correspondência já previamente estabelecida; ao contrário, é fun-
ção do ouvinte escolher, dentre um conjunto de sentidos possíveis, aquele
mais apropriado ao contexto de uso específico. “Compreender a enunciação de
outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado
no contexto correspondente” (Ibidem, 131-2).
O essencial na tarefa de descodificação não consiste em reconhecer a
forma utilizada, mas compreendê-la num contexto concreto preciso,
compreender sua significação numa enunciação particular. Em suma,
trata-se de perceber seu caráter de novidade e não somente sua confor-
midade à norma. Em outros termos, o receptor, pertencente à mesma
comunidade lingüística, também considera a forma lingüística utiliza-
da como um signo variável e flexível e não como um sinal imutável e
sempre idêntico a si mesmo (Ibidem, 93).

A significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre os


interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de compreensão ativa. “A
significação... é o efeito da ‘interação do locutor e do receptor produzido medi-
ante material de um determinado complexo sonoro’” (Ibidem, 132).
O caráter polissêmico da palavra, no entanto, não implica, para Bakhtin, que
ela deixa de ser una. “Ela não se desagrega em tantas palavras quanto forem os
contextos nos quais ela pode se inserir” (Ibidem, 106). Há limitações impostas
pela unicidade inerente a todas as significações. Conciliar a polissemia da pala-
vra com sua unicidade aparece como o problema fundamental da semântica.
São vários os aspectos a ressaltar da contribuição do pensamento de Bakhtin
para a análise da comunicação e da cultura: o entendimento do caráter dialógico
da comunicação; a ênfase na compreensão como um processo ativo; a atenção
ao contexto de uso do signo (contexto entendido tanto como contexto lingüístico,
evidenciado em cada enunciação, quanto como contexto extralingüístico, que
se refere às situações sociais concretas de uso da linguagem) e ao caráter
polissêmico ou multiacentual da linguagem. A polissemia dos textos e a ativi-
dade dos receptores serão os argumentos-chave das análises de recepção.

Efeito e Recepção 157


Crítica Ideológica da Cultura de Massa
Mythologies, publicado em 1957, foi tão decisivo para os Estudos Culturais que
alguns autores (Dekoven, 1996:132 e segs.; During, 1997:44) chegam mesmo a
arrolá-lo entre as obras fundadoras da corrente de investigação inglesa, ao
lado de The making of the english working class, de The uses of literacy ou de
Culture and society: 1780-1950. Mitologias é um livro tão importante para os
Estudos Culturais porque examina, concretamente, nos “textos” da cultura de
massa, o modo como a ideologia trabalha. A aplicação que Barthes faz de um
método originado na lingüística à interpretação da moda, do cinema, da foto-
grafia, das matérias jornalísticas, da alimentação, das peças publicitárias abriu
novas possibilidades para os Estudos Culturais, constituindo-se mesmo como o
texto fundador da sua prática crítico-ideológica. Mas Mitologias foi decisivo
também por influenciar a formulação proposta por Stuart Hall para investiga-
ção da comunicação e do processo de “decodificação” da mensagem televisiva.
Barthes se dispunha a realizar uma crítica ideológica dos mitos da vida
cotidiana francesa e, portanto, também da linguagem da cultura de massa,
mas evitando uma posição de mera denúncia das estratégias ideológicas da
comunicação e da cultura em prol da reprodução do capital. Num posfácio à
edição de 1970 de suas Mitologias ele afirma que, ao tratar as “representações
coletivas” como sistemas de signos, pretendia “revelar em detalhe a mistifica-
ção que transforma a cultura pequeno-burguesa em natureza universal”
(Barthes, 1993a). Daí porque, no modo como ele propõe, a “mitologia” faça
parte “simultaneamente da semiologia, como ciência formal, e da ideologia,
como ciência histórica: ela estuda as idéias-em-forma” (Ibidem, 134).
Essa naturalização da cultura burguesa é, para Barthes, o próprio princí-
pio do mito. O mito é uma mensagem que não se define por seu objeto, mas
pelo modo como o enfoca; e, no caso dos mitos das sociedades burguesas, esse
enfoque é sempre uma deformação, é sempre a transformação da realidade
do mundo em imagem do mundo. A mensagem do mito nos diz, por exemplo,
que o teatro, a arte ou o homem burgueses são “o teatro, a arte, o homem
eternos” (Ibidem, 159).
Entendamos que, para Barthes, como ele precisará posteriormente às Mi-
tologias, a ideologia
é precisamente a idéia ‘enquanto ela domina’: a ideologia só pode ser
dominante... É inconseqüente falar de ‘ideologia dominante’, porque
não há ideologia dominada: do lado dos ‘dominados’ não há nada,
nenhuma ideologia, senão precisamente – e é o último grau da aliena-
ção – a ideologia que eles são obrigados (para simbolizar, logo para

158 Ideologia e Linguagem


viver) a tomar de empréstimo à classe que os domina. A luta social não
pode reduzir-se à luta de duas ideologias rivais: é a subversão de toda
ideologia que está em causa.) (Barthes, 1993b:44-5).

Essa “ideologia anônima” que faz com que “tudo na nossa vida cotidiana [seja]
tributário da representação que a burguesia criou “para ela e para nós”, das
relações entre o homem e o mundo” (Id.1993a:161), que faz com que a ordem
burguesa seja vivida como uma ordem natural, manifesta-se nas representações
da cultura e mostra-se também, de modo ainda mais “espesso”, na cultura cotidia-
na, nas cerimônias civis, nos rituais, nas normas não escritas da vida em sociedade.
Barthes procederá a uma extensão do conceito de “linguagem” a toda
unidade significativa de modo a poder aplicar a análise semiológica à fotogra-
fia, ao cinema, à publicidade, mas também aos esportes, aos espetáculos, aos
casamentos, ao turismo, aos brinquedos; enfim a todas as “falas” que podem
servir de suporte às mensagens ideológicas:
Entender-se-á portanto, daqui para diante, por “linguagem”, “discur-
so”, “fala” etc., toda a unidade ou toda a síntese significativa, quer seja
verbal ou visual: uma fotografia será, por nós, considerada fala exata-
mente como um artigo de jornal; os próprios objetos poderão transfor-
mar-se em fala se significarem alguma coisa... (Ibidem, 133).

A extensão do conceito de linguagem permite a Barthes tratar, por exemplo,


do brinquedo e mostrar como ele é apresentado às crianças, tanto nas suas
formas quanto mesmo na sua matéria-prima, de modo a torná-las “crianças-
utentes e não crianças-criadoras” (Ibidem, 42), de modo a prepará-las para suas
funções adultas de acordo com as exigências da sociedade pequeno-burguesa.
Ou lhe permite evidenciar que os casamentos recebem da imprensa enfoques
diferenciados, conforme sejam casamentos burgueses ou casamentos de amor,
mas que à variação de enfoque não corresponde uma mudança de objetivo, que
permanece a manutenção do status quo (cf. Ibidem, 36-38).
Barthes, que assumiu como sua tarefa desenvolver, a partir da sugestão
saussuriana,1 uma “semiologia”, uma ciência geral que toma por seu objeto
qualquer sistema de signos, estava interessado nas “significações”, esse pro-
cesso ou ato que une o significante ao significado e cujo produto é o signo (cf.
Barthes, 1984:40; Saussure, 995:194): “as imagens, os gestos, os sons melódi-
cos, os objetos e os complexos dessas substâncias que encontramos nos ritos,
nos protocolos ou nos espetáculos constituem, senão ‘linguagens’, pelo menos
sistemas de significação” (Barthes, 1984:07). A “mitologia”, portanto, faz parte
dessa ciência geral dos signos.

Efeito e Recepção 159


O mito “é um sistema semiológico segundo” (Idem, 1993a:136), ele opera de
modo deslocado em relação ao sistema lingüístico. Se há, na língua, um signi-
ficante, um significado e a relação entre esses dois termos, o signo propria-
mente dito, há, no mito, também uma relação nos mesmos termos. Mas o
deslocamento se dá de tal modo que o signo, o terceiro elemento do sistema
lingüístico, é então o significante, o primeiro elemento do mito.
Portanto, no mito, o significante aparece de dois modos, tanto como termo
final do sistema lingüístico, quanto como termo inicial do sistema mítico. Daí
que Barthes resolve atribuir-lhe nomes diferentes, conforme queiramos no-
mear sua função no sistema lingüístico ou no mito.
No plano da língua, isto é, como termo final do primeiro sistema, cha-
marei ao significante: sentido...; no plano do mito, chamar-lhe-ei: ‘for-
ma’. Quanto ao significado, não há ambigüidade possível: continuare-
mos a chamar-lhe conceito. O terceiro termo é a correlação dos dois
primeiros: no sistema da língua, é o ‘signo...’ Chamarei ao terceiro
termo do mito, ‘significação...’ (Ibidem, 138-9).

Este terceiro termo, que é a associação entre os dois primeiros, a forma e o


conceito, é o único que se apresenta de maneira plena e suficiente, é o único
que é efetivamente consumido. Mas como, enfim, se dá esse consumo? Como
o mito é recebido por seus “leitores”?
A leitura ou deciframento do mito que, aliás, é a única operação possível para
a semiologia, ou melhor, no caso específico, para a mitologia, depende da duplicidade
do seu significante, simultaneamente sentido e forma. Conforme se focalizar um,
ou outro, ou os dois termos simultaneamente, produzem-se três tipos diferentes
de leitura (aqui vale citar uma passagem mais longa de Barthes (1993a:149):
1. Se focalizar o significante vazio, deixo o conceito preencher a forma do mito
sem ambigüidade e encontro-me perante um sistema simples, onde a signi-
ficação militar é um “exemplo” da imperialidade francesa, é o seu “símbolo”.
Este modo de focalizar é, por exemplo, a do produtor de mitos, do redator de
imprensa que parte de um conceito e procura uma forma para esse conceito.

2. Se focalizar um significante pleno, no qual distingo claramente o


sentido da forma e, portanto, a deformação que um provoca no outro,
destruo a significação do mito, recebo-o como uma impostura: o negro
que faz a saudação militar transforma-se no “álibi” da imperialidade
francesa. Este tipo de focalização é a do mitólogo que decifra o mito e
compreende uma deformação.

160 Ideologia e Linguagem


3. Enfim, se eu focalizar o significante do mito, enquanto totalidade
inextricável de sentido e forma, recebo uma significação ambígua; reajo
de acordo com o mecanismo constitutivo do mito, com a sua dinâmica
própria, transformo-me no leitor do mito. O negro que faz a saudação
militar deixa de ser exemplo, símbolo e, menos ainda, álibi: é a própria
“presença” da imperialidade francesa.

Esta terceira modalidade de leitura consome o mito segundo os próprios


fins da sua estrutura. É um consumo inocente porque o leitor não vê no mito
um sistema semiológico, mas um sistema de fatos; as intenções do mito são
naturalizadas. Compreender essa leitura, do leitor comum, digamos assim, é
fundamental para entender como um mito funciona de modo a afetar deter-
minados leitores, como ele opera de modo a passar da História à Natureza e
como essa passagem corresponde aos interesses de uma determinada socie-
dade: é a leitura do leitor comum que nos permite compreender a ideologia.
É claro que, como nos chama a atenção Barthes, a liberdade de leitura, ou
seja o que vai determinar que um sujeito se posicione na modalidade 1, 2 ou 3,
não diz respeito à semiologia, mas à situação concreta do sujeito. Mas à mito-
logia cabe realizar um ato político: recuperar essas leituras inocentes, desven-
dar sua alienação e criar as condições para as leituras ideológicas.
Esses três tipos de leitura propostos por Barthes serão claramente os
inspiradores do modelo de investigação que Stuart Hall irá propor, em 1973,
para o problema da decodificação do discurso televisivo e que será a pedra de
toque da “virada” dos Estudos Culturais ingleses para a pesquisa empírica da
recepção, com o trabalho realizado por David Morley com a audiência de um
programa televisivo da BBC.

Análise Semiológica da Mensagem Televisiva


As investigações de Umberto Eco sobre a “abertura” das obras artísticas são fun-
damentais para os Estudos Culturais. Publicada em 1962, Obra aberta analisava
uma tendência geral de nossa cultura em direção àqueles processos em
que, em vez de uma seqüência unívoca e necessária de eventos, se
estabelece como que um campo de probabilidades, uma ‘ambigüidade’
de situação, capaz de estimular escolhas operativas ou interpretativas
sempre diferentes (Eco, 1991:93).

Eco se perguntava como uma obra de arte podia postular, de um lado, uma
livre intervenção interpretativa a ser feita pelos próprios destinatários e, de
outro, apresentar características estruturais que ao mesmo tempo estimulas-

Efeito e Recepção 161


sem e regulassem a ordem das suas interpretações. Ele enfrentava, então, o
problema dos movimentos cooperativos que o leitor realiza e que, segundo
Barthes veio a demonstrar depois, são os responsáveis por produzir o prazer
da leitura.2
O que é fundamental para o Estudos Culturais neste momento da produ-
ção intelectual de Umberto Eco é o postulado de que “se pretendemos exami-
nar as possibilidades de significação de uma estrutura comunicativa, não po-
demos prescindir do pólo ‘receptor’” (Ibidem, 131). Isso os levará a assumir
que, para compreender as relações entre cultura, comunicação e poder, ou
seja, para compreender os processos de comunicação de massa e o modo como
uma mensagem ou texto efetivamente produzem ideologia, é necessário des-
locar a atenção da mensagem para a relação comunicativa entre a mensagem
e seus receptores. O receptor torna-se, aqui, um elemento indispensável para
explicar o “efeito” de uma mensagem. Para entender o sentido de uma mensa-
gem é necessário considerá-la “enquanto interpretada ‘por uma dada situa-
ção’ (situação psicológica e, através dela, histórica, social, antropológica em
sentido lato)” (Ibidem, 132).
Um texto fundamental a subsidiar a abordagem dos Estudos Culturais sobre
o problema da recepção foi produto de uma conferência realizada por Umberto
Eco no Colóquio para a impostação de um modelo de pesquisa interdisciplinar sobre
a relação televisão-público, realizado em 1965. “Para uma investigação semiológica
sobre a mensagem televisional” (Idem, 1990:365-386)3 é exemplar de toda uma
discussão que empolgava os centros acadêmicos europeus, sobretudo na Itália,
França e Inglaterra, acerca da aplicação da semiologia à análise da comunicação
de massa. Ele é crucial, sobretudo, por atentar especialmente à mensagem
televisiva, que cada vez mais ocupava o centro das atenções do CCCS. Nele,
Umberto Eco pretendia esboçar um modelo operacional de análise da mensa-
gem televisiva, chamando a atenção para a pergunta sobre “o que efetivamente
o público recebe dos programas televisivos?”. Postular a questão de como a
mensagem televisiva é recebida implica considerar
que uma dada transmissão televisional seja analisada como fato
comunicacional (mensagem), a propósito do qual devem ser individuadas:
1) as intenções do remetente; 2) as estruturas comunicacionais objetivas
da mensagem; 3) as reações do receptor em relação aos itens 1 e 2.
...Uma investigação desse tipo configura-se como pesquisa sobre a men-
sagem televisional enquanto ‘sistema de signos’ (Ibidem, 366).

162 Ideologia e Linguagem


Se, num processo comunicativo, deve-se reconhecer que um signo põe em
relação um emissor e um receptor, supondo que exista um código4 comum a
ambos, o que a análise semiológica da mensagem deve definir é o sistema de
significação do emissor e o sistema de significação que este parece “presumir”
no receptor. O que a semiologia possibilita, então, dentro de um programa de
investigação sobre a mensagem televisiva, é distinguir os códigos dos emissores
(aí incluídos todos os níveis de produção de um programa televisivo) e analisar
determinadas mensagens, estabelecendo em referência a que códigos foram
elaboradas e que quadros de referência presumem nos receptores. Daí se pode
partir para verificar, mediante uma pesquisa de campo, como as mensagens são
“de fato” recebidas – mas essa já não é uma tarefa possível para a semiologia. “‘A
análise semiológica não pode estabelecer o efetivo sistema de significação dos
receptores isolados’. Isso poderá ser individuado ‘apenas pela análise do público
realizada numa investigação de campo’” (Ibidem, 380).
Eco propõe comparar os achados desses dois momentos de investigação – a
análise semiológica da mensagem e a análise empírica da recepção – para ver
a) se as mensagens justificavam todas as recepções ocorridas; b) se
algumas recepções enfocaram, na mensagem, níveis de significado que
haviam escapado à nossa análise e ao remetente; c) se algumas recep-
ções demonstraram que dadas mensagens podiam ser interpretadas de
modo totalmente disforme das suas intenções comunicativas, e todavia
de modo coerente; d) se em dadas situações de recepção os usuários
projetam livremente na mensagem, qualquer que seja ela, determina-
dos significados que ali querem achar (Ibidem, 369-370).

Nessa conferência Umberto Eco antecipa algumas questões que serão cen-
trais para as posteriores análises de recepção dos Estudos Culturais. Em pri-
meiro lugar, Eco chama a atenção de que os códigos, esses sistemas de conven-
ções comunicativas, são aplicados a uma mensagem “à luz de um ‘quadro de
referência cultural geral’, que constitui o patrimônio de ‘saber’ do receptor: a
sua posição ideológica, ética, religiosa, as suas disposições psicológicas, os seus
gostos, os seus sistemas de valores, etcetera’ (Ibidem, 379). ‘Quadro de refe-
rência’ que se poderia também chamar de ‘ideologia’, ‘um sistema de assunções
e expectativas’ que interage com a mensagem e determina a escolha dos
códigos à cuja luz deve ela ser decodificada” (Ibidem, 379).
Depois, antenado com o tipo de preocupações da época, ou seja, a conside-
ração da linguagem como o lugar da luta de classe – ou como dirá Stuart Hall

Efeito e Recepção 163


mais tarde, o problema de uma “política da significação” ou da luta no discurso
(cf. Hall, 1997:103) – Eco antecipa a hipótese de um trabalho de educação para
a audiência, como alternativa de trabalho político-cultural, “porque é naquele
pólo que se trava a verdadeira batalha dos significados, da liberdade ou da
passividade da recepção” (Eco, 1990:370).
Dois anos depois da publicação de Para uma investigação semiológica sobre a
mensagem televisional, Umberto Eco irá publicar Guerrilha semiológica. Nele se reafir-
ma a possibilidade que um receptor tem de ler uma mensagem de modo diferente
do que foi intencionado pelo emissor e, mais, que o significado da mensagem muda
de acordo como o código com que o receptor a interpreta. A mensagem chega vazia
ao receptor que então a preencherá “com os significados que lhe serão sugeridos
pela própria situação antropológica, pelo modelo de cultura” (Idem, 1984:173).
O universo das comunicações de massa está repleto dessas interpreta-
ções discordantes; diria que a variabilidade das interpretações é a lei
constante das comunicações de massa. As mensagens partem da Fonte
e chegam a situações sociológicas diferenciadas, onde agem códigos
diferentes (Ibidem, 171).

É nesse sentido que Eco proporá uma solução de guerrilha para o proble-
ma do poder dos meios de comunicação, “uma ação para impelir o público a
controlar a mensagem e suas múltiplas possibilidade de interpretação” (Ibidem,
174). Essa solução de guerrilha implica procedimentos de educação crítica do
receptor, levados a termo por instituições educacionais, partidos políticos etc.
de modo que ele possa subverter os significados de uma dada mensagem.
O que importa ressaltar da contribuição de Eco não é tanto sua proposta de
uma guerrilha semiológica – embora tal proposta venha a ser amplamente
assumida nos anos de 1970 e 1980.5 Importa ressaltar o fato de que ele chama
a atenção para a necessidade de se considerar uma mensagem (televisiva, no
caso) como um fato comunicativo, o que implica considerá-la como um sistema
de signos. Depois, em relação a isto, e o que é decisivo para a ênfase que será
posta nos processos receptivos: o significado da mensagem muda de acordo
como o código com que o receptor a interpreta e que esse código é determina-
do pela situação socioantropológica do receptor, pelo quadro de referência
cultural geral no qual a situação comunicativa se insere.6

Leituras Negociadas, Hegemônicas e Opositoras


Inspirado pela preocupação de Althusser com a ideologia, pelas formulações
semiológicas de Barthes e Eco e pela postulação do caráter polissêmico da

164 Ideologia e Linguagem


linguagem e do caráter dialógico da comunicação em Bakhtin, Stuart Hall
formulará um modelo de comunicação em quatro etapas. Encoding/decoding in
television discourse é um texto fundamental para o tratamento que os Estudos
Culturais dão ao problema da comunicação e das relações entre as questões da
linguagem e as questões sociais.
Hall sugere pensar o processo comunicativo em termos de uma “complexa
estrutura em dominância” (Hall, 1997:91) sustentada pela articulação de quatro
práticas ou momentos distintos, mas interligados – “produção, circulação, distri-
buição/consumo e reprodução”. Essa é uma “estrutura em dominância” porque,
ainda que cada um desses momentos tenha seu caráter distinto, sua própria
especificidade, sua própria forma e condição de existência, nenhum deles é com-
pletamente independente dos demais e nenhum deles pode determinar comple-
tamente o próximo, com o qual está articulado.7 Aqui vale a pena transcrevermos
uma citação mais longa, na qual Hall caracteriza o processo comunicativo televisivo:
As estruturas institucionais da radiodifusão, com suas práticas e redes
de produção, suas relações organizadas e sua infra-estrutura técnica,
são requeridas para produzir um programa. Produção, aqui, constrói a
mensagem. Em um sentido, então, o circuito começa aqui. Obviamente,
o processo de produção não é isento de seu aspecto ‘discursivo’: ele é
também inteiramente composto por significados e idéias: o conhecimen-
to de praxe concernente às rotinas de produção, as habilidades técnicas
historicamente definidas, as ideologias profissionais, o conhecimento
institucional, definições e assunções, assunções sobre a audiência e as-
sim por diante modelam a constituição do programa mediante sua
estrutura de produção. Além disso, embora as estruturas de produção
da televisão originem o discurso televisivo, elas não constituem um
sistema fechado. Elas colhem seus assuntos, enfoques, agendas, aconte-
cimentos, pessoal, imagens da audiência, ‘definições da situação’ de
outras fontes e outras formações discursivas dentro da estrutura
sociocultural e política mais ampla, da qual elas são uma parte diferen-
ciada... A audiência é ao mesmo tempo a ‘fonte’ e o ‘receptor’ da
mensagem televisiva. Assim – tomando emprestados os termos de Marx
– circulação e recepção são, de fato, ‘momentos’ do processo de produção
na televisão e são reincorporados, através de uma porção de feedbacks
estruturados e enviesados, ao próprio processo de produção. O consumo
ou recepção da mensagem televisiva é, deste modo, também ele mesmo
um ‘momento’ do processo de produção no sentido amplo, ainda que o
último seja ‘predominante’ porque ele é o ‘ponto de partida para a

Efeito e Recepção 165


realização’ da mensagem. Produção e recepção da mensagem televisiva
não são, no entanto, idênticas, mas são relacionadas: são momentos
diferenciados dentro da totalidade formada pelas relações sociais do
processo comunicativo como um todo (Ibidem, 92-3).

O privilégio, nesse modelo proposto por Hall, recai sobre a forma “discursiva”
da mensagem e com isso Hall pretendia dispersar o behaviorismo que se tinha
instalado na investigação dos meios de comunicação. Ao afirmar que é na forma
discursiva que a produção e circulação dos produtos comunicativos acontecem e
que é também na forma discursiva que seu consumo se dá, Stuart Hall, apoiado
na semiologia estruturalista que se praticava na época, traz para o âmbito dos
Estudos Culturais o postulado de que o processo comunicativo não se refere de
imediato a uma relação de estímulo e resposta, mas trata de mensagens que são
organizadas e consumidas por intermédio da operação de códigos.
Antes que essa mensagem possa ter um ‘efeito’ (de qualquer modo defi-
nido), satisfazer uma ‘necessidade’ ou ser colocada em ‘uso’, ela deve
primeiro ser apropriada como um discurso significativo e ser significativa-
mente decodificada. É essa série de sentidos decodificados que ‘tem um
efeito’, influencia, diverte, instrui ou persuade com conseqüências
perceptivas, cognitivas, emocionais, ideológicas ou comportamentais ver-
dadeiramente complexas. Num momento ‘determinante’ a estrutura
emprega um código e produz uma ‘mensagem’; em outro momento de-
terminante a mensagem, através de sua decodificação, desemboca na
estrutura das práticas sociais. Estamos agora completamente cientes de
que essa reentrada nas práticas de recepção e ‘uso’ da audiência não
pode ser compreendida em termos comportamentais (Ibidem, 93).

O que Hall vem a acrescentar ao modelo proposto por Umberto Eco em


Para uma investigação semiológica sobre a mensagem televisional se faz sob a
influência de Althusser e sua consideração de que a ideologia tem uma exis-
tência material e será uma das premissas dos Estudos Culturais: consumir um
discurso significa transformá-lo em “práticas sociais”. “Se nenhum ‘sentido’ é
apreendido, não pode haver ‘consumo’. Se o sentido não é articulado em
práticas, ele não tem efeito” (Ibidem, 91).
“Os momentos de ‘codificação’ e de ‘decodificação’, embora ‘relativamente
autônomos’ em relação ao processo comunicativo como um todo, são momen-
tos ‘determinantes’” (Ibidem, 91). Isso significa que há, ou pelo menos deverá
haver, algum grau de reciprocidade entre os momentos de codificação e de

166 Ideologia e Linguagem


decodificação, pois do contrário não se poderia falar de uma efetiva troca
comunicativa. O trabalho de codificação constrói os limites e parâmetros den-
tro dos quais a decodificação irá operar, impondo um “sentido preferencial” da
mensagem. Nos termos de Umberto Eco, o momento da codificação “presume”
o código do receptor e constrói a mensagem de modo a garantir que os recep-
tores sigam as estratégias ou mapas de leitura que foram construídos na
codificação. As mensagens não são completamente “abertas” a qualquer inter-
pretação, a codificação presume e estabelece as regras do que deve ser uma
“leitura preferencial” da mensagem.
Mas a questão é que “esses mapas são ‘estruturados em dominância’, mas
não fechados” (Ibidem, 99). Hall, na pista de Eco e Barthes, mas sobretudo de
Bakhtin, dirá, pois, que o processo de leitura não consiste numa atribuição sim-
ples e a-problemática de um significante a um significado mediante um código.
Primeiro, porque existe a “polissemia” das mensagens; depois, porque o proces-
so de decodificação, tal como Eco também já supunha, é função do quadro de
referência ou dispositivos de cognição que a audiência transporta. A decodificação
implica uma inevitável combinação de convencionalidade e criatividade.
Hall sugere, então, numa clara remissão à tipologia de Barthes, que a
leitura ou decodificação de uma mensagem televisiva pode se dar a partir de
três posições, diferenciadas de acordo com a posição em que o receptor se
coloca em relação aos códigos televisivos: dominante-hegemônica, negociada
ou oposicional.
1. A “posição dominante-hegemônica” é aquela em que o telespectador
“decodifica a mensagem em termos do código de referência no qual ele
tinha sido codificado..., [aquela em que ele opera] “dentro do código domi-
nante”. Este é o caso típico-ideal de uma comunicação perfeitamente trans-
parente...” (Ibidem, 101).
2. A posição oposicional, aquela em que o telespectador pode “compreender
perfeitamente tanto a inflexão conotativa quanto a literal dada por um
discurso, mas decodificar a mensagem num modo globalmente contrário”
(Ibidem, 103).
3. Enfim, a “posição negociada”. Essa posição contém uma mistura de acomoda-
ção e oposição. Aqui a audiência reconhece legitimidade ao que é hegemo-
nicamente definido, aceita essas definições totalizadoras globalmente, no âm-
bito das formulações abstratas; no entanto, adota, nas situações mais restritas,
no âmbito da prática cotidiana, suas próprias regras. A audiência consente
uma posição privilegiada às definições dominantes dos acontecimentos, mas se

Efeito e Recepção 167


reserva o direito de fazer uma aplicação mais negociada de tais definições às
condições locais. Essa posição negociada “é carregada de contradições, embora
somente em certas ocasiões elas se tornem completamente visíveis. Os códigos
negociados operam através do que poderíamos chamar lógicas particulares ou
situadas: e essas lógicas são sustentadas por sua relação diferencial e desigual
com os discursos e as lógicas do poder” (Ibidem, 102).
Para Hall, um dos momentos mais politicamente significativos se daria
quando os acontecimentos que normalmente são decodificados num modo
hegemônico ou negociado passassem a receber uma leitura oposicional. Esse
é o objetivo da política da significação (a luta no discurso), pelo menos para
aqueles comprometidos, como os investigadores dos Estudos Culturais, com a
construção de uma nova hegemonia.
O conceito de autonomia relativa dos momentos de produção, circulação,
distribuição/consumo e reprodução, a atenção que se dá aos problemas da
polissemia e das leituras preferenciais e, enfim, essa tipologia dos processos de
decodificação serão apropriados por David Morley, quem se encarrega de ir a
campo verificar com telespectadores concretos a recepção de um programa
televisivo. Se em Everyday Television: “Nationwide”, Morley e Charlotte Brunsdon
(1978) analisam os processos de codificação, as estratégias de construção da
mensagem televisiva, em The “Nationwide” Audience, publicado dois anos mais
tarde, Morley irá verificar concretamente o modo como a decodificação do
programa se dá, analisando os modos de decodificação encontrados de acordo
com o modelo proposto por Hall e comparando os resultados com o trabalho
anterior de investigação sobre os códigos de Nationwide. Esse trabalho, o
primeiro a realizar nos marcos dos Estudos Culturais uma pesquisa empírica
de recepção, não é senão a conseqüência dos esforços de Stuart Hall por inserir
um paradigma semiótico na estrutura social.

Notas
1. Ver SAUSSURE, 1995:44: “Podemos portanto conceber ‘uma ciência que estude a vida dos sinais no seio da
vida social’; ela formaria uma parte da psicologia social e, por conseguinte, da psicologia geral. Chamar-lhe-
emos ‘semiologia’ (do grego sêmeion, ‘sinal’). Estudaria em que consistem os sinais, que leis os regem. Uma
vez que ainda não existe, não podemos dizer o que será; mas tem direito à existência e o seu lugar está desde
já determinado. A lingüística não é mais do que uma parte dessa ciência geral, as leis que a semiologia
descobrir serão aplicáveis à lingüística, e esta achar-se-á assim ligada a um campo bem definido no conjunto
dos fatos humanos.”
2. Ver BARTHES, 1993b.
3. Esta conferência de Eco foi resultado de um trabalho interdisciplinar de investigação realizado na Itália e
que tinha, entre outros participantes, Paolo Fabbri.
4. “Chama-se ‘Código’ um sistema de convenções comunicativas que constituem as regras de uso e
organização de vários significantes” (Eco, 1990:372).

168 Ideologia e Linguagem


5. Em nossa dissertação de mestrado, analisamos alguns projetos de “educação para a recepção ou de leitura
crítica da comunicação”. A crença básica em tais projetos é a de que o receptor poderá vir a exercer uma
postura de atividade diante dos meios de comunicação, em especial diante da televisão – se educado para
isso. Parte-se de uma concepção de que os meios de comunicação são instrumentos utilizados pelas classes
dominantes em favor da manutenção da sua hegemonia e que o seu impacto reduz o distanciamento crítico
entre o emissor e o receptor. No Brasil, os exemplos mais consistente são os projetos de Leitura Crítica da
Comunicação que vêm sendo desenvolvidos pela União Cristã Brasileira de Comunicação, vinculada à Igreja
Católica, mas a proposta de educação para a recepção perpassa vários trabalhos informados pela pedagogia e
pela militância política de esquerda. Ver GOMES, 1995.
6. É certo que em sua obra mais recente, sobretudo em Os limites da interpretação, Eco tem parcialmente revisto
sua posição inicial em relação às possibilidades de interpretação e da liberdade do leitor: “...Continuo achando
que, dentro dos confins de uma língua determinada, existe um sentido literal das formas lexicais, que é o que
vem arrolado em primeiro lugar no dicionário, ou então aquele que todo cidadão comum elegeria em primeiro
lugar quando lhe fosse perguntado o que significa determinada palavra... Nenhuma teoria da recepção
poderia evitar essa restrição preliminar. Qualquer ato de liberdade por parte do leitor pode vir ‘depois’ e não
‘antes’ da aplicação dessa restrição”(ECO, 1995:XVIII).
7. Hall claramente se inspira, para formular seu modelo de comunicação, no modo como Marx descreveu a
produção capitalista como um circuito. Na interpretação que o próprio Hall faz dessa descrição, “esse circuito
explica não apenas produção e consumo, mas reprodução – os modos nos quais as condições de permanência
do circuito são sustentadas. Cada momento é vital para a geração e realização do valor. Cada um estabelece
certas condições definidas para o outro – ou seja, cada um é dependente de ou determinado pelo outro”
(HALL, 1996b:35) [This circuit explains not only production and consumption, but reproduction – the ways in which
the conditions for keeping the circuit moving are sustained. Each moment is vital to the generation and realization of
value. Each establishes certain determinate condition for the other – that is, each is dependent on or determinate for the
other]. Hall propõe pensar esse circuito em termos de momentos interconectados.

Efeito e Recepção 169


Capítulo 4
Os Estudos de Recepção

Na cena do texto não há ribalta:


não existe por trás do texto ninguém
ativo (o escritor) e diante dele ninguém
passivo (o leitor); não há um
sujeito e um objeto.
Roland Barthes (1993b:24)

Como conseqüência do ensaio de Hall sobre a codificação/decodificação do


discurso televisivo, a atenção à “natureza complexa e contraditória dos proces-
sos nos quais se opera o consumo cultural” (Morley, 1997:30) ganha um novo
delineamento dentro dos Estudos Culturais. Embora desde Hoggart e Williams
a preocupação com os processos culturais estivesse presente, a partir de então
ela ganha um contorno marcadamente empírico.
Mas a ênfase que os Estudos Culturais darão, a partir dos anos de 1980, às
análises de recepção não pode ser vista como tributária apenas de Hall. De
fato, Hall, trabalhando a partir das formulação de Bakhtin, Barthes e Eco,
sistematizou um modelo de investigação que tornava possível a investigação
empírica da recepção – no modo como recepção passou a ser entendida dentro
do CCCS a partir de então. Entretanto, de algum modo a atenção aos recepto-
res concretos já vinha sendo construída desde Raymond Williams, dentro do
seu próprio trabalho.
Embora em alguma medida os Estudos Culturais tenham desde então se
afastado das suas origens, o pressuposto mais geral dos estudos de recepção
vem do entendimento da cultura que já estava em Culture and society: a cultura
é um processo social total por meio do qual significados são socialmente
construídos e historicamente transformados. Além disso, o próprio Williams

Efeito e Recepção 171


prosseguirá, em suas obras posteriores, a discussão, que ele havia muito preli-
minarmente abordado em Cultura e sociedade, sobre o conceito de comunicação
de massa e a noção de manipulação de massa que lhe é correspondente. Lá ele
já dizia que as noções de massa e manipulação não serviam para uma sociologia
dos meios de comunicação contemporâneos e chamava a atenção para que eles
apenas davam conta do “tipo de funcionamento” dos meios de “transmissão
múltipla” e sua intenção de atingir uma audiência ampla e dócil, deixando pas-
sar ao largo “os usos” que se fazem dessa comunicação (cf. Williams, 1969:311).
Ao chamar a atenção, em Cultura e sociedade, para uma constante tendên-
cia de confundir as técnicas com os “usos” que delas se fazem numa dada
sociedade, Raymond Williams antecipa uma abordagem que os Estudos Cultu-
rais farão em anos mais recentes. Ele mesmo, em 1973, escreverá Television.
Technology and Cultural Form, livro publicado dois anos mais tarde e no qual
pretende descrever as relações entre a televisão enquanto tecnologia e “a
televisão enquanto uma forma cultural”. Acreditando que parece pouco razo-
ável descrever uma tecnologia como causa de um efeito sobre a sociedade,
Williams, ao mesmo tempo em que procede a uma crítica de McLuhan, chama
a atenção para os usos que a televisão receberá dos seus consumidores.
Para o “determinismo tecnológico”, que Williams entende melhor repre-
sentado por McLuhan, as novas tecnologias são inventadas como se fossem
uma esfera independente da sociedade e só esta concepção de esferas separa-
das permitiria aceitar o postulado de que novas tecnologias criam novas soci-
edades ou novas condições humanas. Williams contesta tal concepção mos-
trando que, historicamente, as inovações tecnológicas respondem a uma dire-
ção deliberada, a uma ênfase e uma intenção seletivas. O determinismo
tecnológico seria uma ideologia, não só no sentido de que celebra os meios
enquanto tais, quanto no sentido de que anula todas as outras questões sobre
eles e sobre seus usos.
O trabalho de McLuhan foi uma particular culminação de uma teoria
estética que se tornou, negativamente, uma teoria social (...). Muito do
apelo inicial do trabalho de McLuhan foi sua aparente atenção à
especificidade dos media: as diferenças de qualidade entre fala, im-
presso, rádio, televisão e assim por diante. Mas em seu trabalho, assim
como no conjunto da tradição formalista, os meios nunca foram vistos
realmente como práticas (Idem.1997:126-7).

Para elaborar uma história social dos usos da televisão, Williams remonta à
fase de consolidação da imprensa na Grã-Bretanha e mostra que ela se relaci-

172 Os Estudos de Recepção


ona a alguns dos principais momentos de crise da sociedade. A forma dos
jornais ingleses teria sido definida durante o período de instituição da repúbli-
ca inglesa, em 1649; a Revolução Industrial teria consolidado o jornalismo
popular; e, finalmente, aponta Williams, as grandes guerras do século XX
transformariam os jornais numa forma social universal (cf. Ibidem, 21). Mas o
aspecto mais atraente da análise de Television... é o entendimento de que a
televisão, assim como o rádio, foram desenvolvidos para funcionar como meios
de transmissão para lares individuais, ainda que não houvesse nada na tecno-
logia que determinasse tal direção. Em outros termos, o que Williams defende
é que toda tecnologia, incluindo as tecnologias da comunicação e especifica-
mente a televisão, “é ao mesmo tempo uma intenção e um efeito de uma
ordem social particular” (Williams, 1997:128).
...Todas as tecnologias têm sido desenvolvidas e aperfeiçoadas para
ajudar nas práticas humanas já conhecidas ou nas práticas previstas ou
desejadas. Esse elemento de intenção é fundamental, mas ele não é
exclusivo. Intenção original ajusta-se a práticas conhecidas ou deseja-
das de um grupo social particular, e o ritmo e a escala do desenvolvi-
mento será radicalmente afetado por aquelas intenções específicas do
grupo e por sua relativa força (Ibidem, 129).

O funcionamento da televisão como meio de transmissão para lares indivi-


duais integra-se a um processo mais amplo que Raymond Williams chamou de
“privatização do móvel” (Ibidem, 26), caracterizado por duas tendências da
vida urbana moderna, aparentemente paradoxais, mas profundamente
conectadas. O desenvolvimento do rádio, da televisão, do formato dos jornais
modernos conecta-se ao desenvolvimento da indústria de bens de consumo
duráveis, dos eletrodomésticos, mas também das motocicletas e carros, da
ampliação e melhoria das estradas e linhas de ferro: por um lado, a “mobilida-
de”; por outro, uma “auto-suficiência dos lares”. Os meios de comunicação de
uso doméstico representariam essas duas tendências na medida em que su-
prem os lares com informações e entretenimento que vêm “do mundo lá fora”.
Em Marxismo e literatura, de 1971, Williams propôs que se aceitasse o
desafio de se realizar uma “complexa sociologia de audiências reais, e de
condições reais de recepção e reação” (Idem, 1979:139), desafio que ele mesmo
não realiza, mas que será amplamente assumido pela escola inglesa a partir
dos anos de 1980. De algum modo, no conjunto de sua obra, Williams a rigor
elabora o programa das investigações futuras sobre a recepção. Estava em
Williams o entendimento de que:

Efeito e Recepção 173


1. Os processos comunicativos estão inseridos no processo cultural mais amplo;
2. A cultura não pode ser compreendida sem referência à sociedade, ou seja,
às práticas sociais dos indivíduos;
3. Para se compreender a comunicação é necessário partir não da noção de
meio, mas da noção de prática;
4. Práticas sociais são discursos;
5. Uma sociologia da cultura deve superar a distinção entre uma sociologia
dos meios e uma sociologia dos públicos e adotar como princípio funda-
mental a unidade complexa dos elementos;
6. Os indivíduos, receptores dos produtos culturais contemporâneos, perten-
cem às classes populares – Williams se referia à classe trabalhadora, en-
quanto insistia em que inserir os receptores na classe trabalhadora evita-
ria pensá-los como massa.
Os “estudos de recepção” são hoje considerados um desenvolvimento im-
portante dentro da corrente dos Estudos Culturais – ainda que nem sempre
tenha sido assim. Eles propõem-se analisar as interpretações que o público dá
aos textos mediáticos ou, mais amplamente, o consumo ou uso que o público
faz dos textos e das tecnologias da comunicação. Estudos de recepção aparece,
então, como um termo guarda-chuva que abriga desde a consideração inicial
dos processos de “decodificação” das mensagens até à ênfase nos “usos dos
meios” e no “consumo cultural”; acolhe desde a investigação de campo sobre o
modo como os receptores “produzem sentido” a partir dos textos mediáticos
até a “etnografia da audiência”, que procura examinar certos encontros entre
media e receptores a partir de sua inserção no espaço doméstico e nas práticas
da vida cotidiana. Comum a todos esses enfoques e desdobramentos é a ênfa-
se na atividade do receptor.
Os estudos de recepção marcam, em definitivo, o interesse dos Estudos
Culturais pela atividade humana, que aqui se traduz no interesse pela manei-
ra ativa, criativa, com que os espectadores, ouvintes, leitores põem-se diante
dos meios de comunicação. A maior parte das investigações estará voltada
para a recepção televisiva e, então, acredita-se que os telespectadores estabe-
lecem suas próprias significações e constroem sua própria cultura, ao invés de
sofrer passivamente os efeitos da presença da TV nas sociedades contemporâ-
neas, em vez de receber passivamente os significados previamente construídos
em outros momentos do processo comunicativo.

174 Os Estudos de Recepção


No ato de colocar a questão da interpretação de mensagens por parte
da audiência, já rechaçamos o suposto de que os meios são instituições
cujas mensagens produzem automaticamente um efeito sobre nós, en-
quanto audiência (Morley, 1996:112).

Estudar recepção não se traduz por checar se a audiência alcança os sentidos


transmitidos pelos meios de comunicação. Ao contrário, procuram-se “os dife-
rentes sentidos que a audiência constrói” a partir das mensagens disponibilizadas
pelos media. A própria “diversidade de sentidos” construídos é muitas vezes
considerada, em si mesma, testemunho da atividade dos receptores.
A noção de que a ideologia é um verdadeiro lugar de luta, a atribuição de
poder aos sujeitos e grupos para intervir nos sistemas políticos e significantes
e o entendimento dos media como lugar de construção da hegemonia vão
justificar o surgimento daquilo que se denominou “estudos de recepção” dos
media. Mas os Estudos Culturais se preocupam não com qualquer media, mas
com os media populares, o que, ao mesmo tempo em que nos remete ao seu
projeto político, marca a ênfase na televisão.
Os estudos de recepção baseiam-se em dois pressupostos. Primeiro, o de
que a audiência é sempre ativa; segundo, o de que o conteúdo dos meios é
polissêmico – o que tem sido entendido como sua abertura a diferentes inter-
pretações. Estudos de recepção são entendidos aqui como
um tipo particular de pesquisa de audiência, distintivo pelo montante
de interesse que mostram pelas questões que têm a ver com a organiza-
ção simbólica e discursiva da produção dos media e aqueles processos de
produção de sentido através dos quais compreensão, significação e pra-
zer são gerados (Corner, 1996:280).

Leitor, telespectador, receptor não são aqui sujeitos textuais, mas sujeitos
sociais, o que significa, para os Estudos Culturais, sujeitos que têm uma história,
vivem numa formação social particular (que deve ser compreendida em relação
a fatores sociais tais como classe, gênero, idade, região de origem, etnia, grau de
escolaridade) e que são constituídos por uma história cultural complexa que é ao
mesmo tempo social e textual.

The “Nationwide” Audience


A decodificação dos textos dos media aparece como um lugar central nos Estudos
Culturais a partir de 1980, com a investigação realizada por David Morley dentro
do CCCS e que resultou na publicação de The “Nationwide” Audience. Seis anos

Efeito e Recepção 175


antes, o próprio Morley, ainda um estudante do CCCS, tinha publicado um ensaio
que já continha boa parte das suas idéias, sobretudo já continha um chamamen-
to para que os Estudos Culturais abordassem empiricamente a questão de como
os efeitos ideológicos dos media eram assegurados (Morley, 1974).
Com o propósito de resistir à idealização do processo semiótico, à sua
análise fora do contexto geral das relações sociais, The “Nationwide” Audience
representa a primeira investigação empírica da audiência realizada nos mar-
cos dos Estudos Culturais ingleses. O trabalho de Morley consistirá em compa-
rar, por um lado, os conteúdos codificados no texto mediático e, por outro, o
trabalho de decodificação realizado pelos sujeitos-receptores, decodificação
que será tributária de uma série de fatores sociais – em Morley esses fatores
serão a classe social em associação com sexo, idade, raça, nível de escolaridade.
O trabalho de Morley consolida uma ruptura dos Estudos Culturais com a
tradição de investigação sobre a Comunicação e propõe-se como uma contes-
tação à corrente dos “usos e gratificações”,1 na medida em que rejeita o
psicologismo de sua abordagem. Ao mesmo tempo, porém, seu trabalho mar-
ca uma ruptura com o que se vinha fazendo, em Birmingham, em termos de
investigação sobre a comunicação: a investigação culturalista sobre a comuni-
cação deixa de se debruçar precipuamente sobre a mensagem, de algum
modo afasta-se da crítica ideológica da mensagem nos moldes do trabalho de
Barthes, e vai buscar os receptores de “carne e osso”. Se até então o interesse
estava no modo como os sistemas de signos, tratados como “textos”, estruturam
ou posicionam seus leitores ou sujeitos, a partir de agora os Estudos Culturais
passam a se interessar também pelo modo como esses leitores-sujeitos se
põem diante de tais textos.
Quase sem exceção, os principais autores dos Estudos Culturais ou suas
principais fontes provinham da crítica literária ou de disciplinas humanísticas,
o que teria levado a investigação dentro dessa corrente a se interessar mais
pela análise imanente dos textos. Daí que o próprio Morley tenha se sentido à
margem dos paradigmas que predominavam nos Estudos Culturais até os
anos de 1970, sobretudo em suas variantes psicanalíticas e pós-estruturalistas.
Estimulado pelo trabalho de Hall, que tendia a associar a sociologia à semiótica
em seu modelo de codificação/decodificação do discurso televisivo, Morley
desenvolveu um trabalho empírico pioneiro dentro do CCCS. A contribuição da
Sociologia tem implicado uma maior atenção às investigações empíricas e cer-
tamente vem daí o fato de que Morley, um sociólogo, seja considerado o pri-
meiro investigador dos Estudos Culturais a analisar os processos da cultura e
da comunicação em seus cenários sociais e materiais concretos.

176 Os Estudos de Recepção


David Morley parte de uma pesquisa que ele e Charlotte Brundson realiza-
ram em Birmingham entre 1975 e 1978 e que se propunha analisar as caracte-
rísticas do programa televisivo Nationwide, considerando desde seus artifícios
formais, seus modos específicos de se dirigir à audiência e suas formas parti-
culares de organização textual. Considerou-se que Nationwide incluía-se num
“gênero” específico de programas – magazine/programa de variedades –,
transmitido por um meio de comunicação particular, a televisão. Em fina sintonia
com as preocupações dos Estudos Culturais sobre as relações entre media,
poder e sociedade, Morley justifica a escolha de Nationwide em termos do
papel que ele cumpre como reprodutor de ideologia:
Programas como Nationwide podem desempenhar um papel ideológico
fundamental no processo da comunicação... E, com efeito, até pode
importar mais em certo sentido entender um programa do tipo de
Nationwide que outros mais evidentemente ‘controvertidos’ ou ‘séri-
os’... porque esses informes individuais sobre a ‘vida humana’ de nossa
época, que constituem o ativo de Nationwide, transmitem também
uma quantidade não desprezível de mensagens implícitas sobre atitu-
des básicas e valores sociais. Estes valores e atitudes, como um todo,
tendem a constituir o que poderíamos considerar um conjunto de supo-
sições básicas sobre a vida da Grã-Bretanha contemporânea e sobre as
atitudes ‘sensatas’ que nos conviria adotar ante diferentes ‘problemas
sociais’... (Morley, 1996:120).2

Na primeira etapa da pesquisa, a análise de Nationwide consistiu em que


uma equipe de pesquisadores se reunia, durante vários meses, para assistir
ao programa em grupo e logo discuti-lo, com o fim de identificar os temas
recorrentes e os formatos de apresentação. Esse trabalho se completou com
uma análise da estrutura interna de uma emissão particular do programa. Os
resultados foram publicados em 1978 no livro Everyday Television: “Nationwide”
(Brundson & Morley, 1978).
Para Morley, no entanto, a abordagem textualista começou a parecer limi-
tada porque não podia lidar completamente com a polissemia. Para ele, seria
necessário ir a campo para descobrir o que as pessoas efetivamente fazem
com os conteúdos dos produtos mediáticos. O modelo de investigação e a
metodologia usados por Morley procedem explicitamente daqueles propostos
por Umberto Eco em “Para uma investigação semiológica sobre a mensagem
televisional” em associação com o modelo de Stuart Hall para análise dos pro-
cessos de codificação/decodificação no discurso televisivo.

Efeito e Recepção 177


A proposta de Eco assume nesse trabalho de Morley a seguinte configura-
ção (cf. Morley, 1996:135 e segs.):
1. Análise das mensagens: os objetivos são elucidar os códigos de sentido
básicos utilizados, as configurações e estruturas que se repetem nas
mensagens, a ideologia implícita nos conceitos e categorias mediante os
quais as mensagens são transmitidas. Os programas são analisados por
referência à sua construção: a articulação dos temas, a maneira na qual
se mobilizam, visual e verbalmente, os fundamentos e os marcos
explicativos; em que se integrava o comentário do especialista e se as
discussões e entrevistas realizadas no programa eram de algum modo
monitoradas e dirigidas. “Alguns pontos particularmente interessantes
para nós eram esses artifícios e estratégias destinados a tornar ‘inteligí-
veis’ os temas dos programas e a alcançar suas ramificações às audiênci-
as que se tem em vista” (Ibidem, 135-6).
2. Investigação de campo com entrevistas destinadas a estabelecer o modo
no qual as mensagens já analisadas foram realmente recebidas e interpre-
tadas por diversos setores da audiência mediática situados em diferentes
posições estruturais. Para esse momento, a investigação adotou as três
posições hipotéticas, previstas por Hall, a partir das quais a decodificação
de um discurso televisivo poderia ser construída: aceitação da leitura pre-
ferencial, negociação e oposição (Hall, 1997:100-103).
3. Uma vez recolhidos todos os dados sobre a recepção das mensagens, com-
parar esses dados com as análises das mensagens, realizadas previamen-
te, com o objetivo de comprovar:

a) se algumas interpretações mostraram níveis de sentido das mensa-


gens que não havíamos advertido em absoluto em nossa análise; b) se
a ‘visibilidade’ dos diferentes sentidos se relacionou com as posições
socioeconômicas dos entrevistados; c) na medida em que diversos setores
da audiência interpretaram as mensagens diversamente e em que
projetaram livremente na mensagem os sentidos que desejavam achar.
Poderíamos descobrir, por exemplo, que a comunidade de usuários pos-
sui tal liberdade para decodificar a mensagem que o poder de influên-
cia dos meios é muito mais fraco do que supúnhamos. Ou poderíamos
descobrir o contrário (Morley, 1996: 136).

Os objetivos do projeto eram construir uma tipologia do espectro de


decodificações realizadas; analisar como e por que elas variam; demonstrar

178 Os Estudos de Recepção


como se geram diferentes interpretações; relacionar essas variações com ou-
tros fatores culturais.
Morley partiu para investigar empiricamente as interpretações diferenci-
ais do mesmo material realizadas por diferentes grupos no sentido de desta-
car “a natureza da interseção mediante a qual as audiências produzem senti-
dos partindo do material (palavras, imagens) que se lhes apresenta na forma
organizada do texto” (Ibidem, 133). Mas o interesse não era só esse. Dentro do
espírito das preocupações dos Estudos Culturais, o projeto tentava relacionar
a análise das práticas de decodificação com a problemática da hegemonia, que
permitia a interpretação do processo de construção de sentido no contexto das
relações de poder.
... Queríamos investigar as diferentes formas de negociação e resistên-
cia que manifestavam os diversos grupos ante o programa; ou seja,
investigar a medida (ou os limites) em que a audiência recolhia ou
aceitava as definições ‘hegemônicas’ enunciadas pelo programa. Por-
tanto, interessava-nos determinar as condições nas quais se produziam
sentidos contra-hegemônicos ou de oposição nas trocas comunicativas
iniciadas pelo programa (Ibidem, 133).

Para a análise das mensagens, considerou-se que os programas comunicam


mais que seu conteúdo explícito. Por isso não basta simplesmente analisar o con-
teúdo do que se diz, mas também as pressuposições que subjazem este conteúdo.
Há, por exemplo, pressuposições em relação à audiência/ao leitor. A maneira na
qual os programas destinam-se e referem-se às suas audiências é fundamental
para a análise da mensagem televisiva. São os “modos de destinação”, que constro-
em, a partir do texto, a relação dos receptores com o programa. Modo de destinação
é aquilo que é característico das formas e práticas comunicativas específicas de um
programa, diz respeito ao modo como um programa tenta estabelecer, por sua
apresentação, uma forma particular de relação com sua audiência.
Associando dois métodos de análise, o sociológico e o semiótico, Morley
tentará examinar dois tipos de constrições à produção de sentido, a constrição
imposta pelas estruturas e mecanismos internos do texto, que convidam a
fazer certas leituras e desautorizam outras, e as origens culturais do leitor/
receptor. Com isso ele pretendia evitar tanto uma concepção de que um texto
permite toda e qualquer leitura – e, aqui, “texto” é também um programa
televisivo – como evitar uma tendência formalista da análise semiótica, que
tenderia à análise imanente dos textos, considerando que eles determinam
completamente o sentido.

Efeito e Recepção 179


O problema, para Morley, é que os métodos de análise de conteúdo dispo-
níveis naquele período operavam “com um modelo hipodérmico da interação
entre os meios e a audiência” (Ibidem, 122), supunham que partindo das
mensagens seria possível predizer os efeitos que se haveria de produzir. Re-
presentavam “uma tentativa interminável de achar um objeto mítico: o senti-
do ‘real’ e ‘último’ da mensagem” (Ibidem, 122).
Por isso Morley se volta para aquela fonte de estudos sobre a linguagem tão
recorrente nos Estudos Culturais. Bakhtin será para ele uma inspiração provei-
tosa para o exame das condições básicas de efetivação de uma comunicação
plena de sentido. Sua abordagem dirige a atenção ao exame dos códigos que
estão implícitos e explícitos na mensagem e considera seu caráter polissêmico. A
leitura que os Estudos Culturais fazem do conceito de multiacentualidade, e que
Morley acompanha, é de que a mensagem é sempre capaz de produzir mais de
um sentido ou interpretação e nunca pode reduzir-se a um sentido “real”. Para
Morley, na companhia de Bakhtin, é porque os sentidos não são produzidos
“referencialmente” pela indicação de objetos reais do mundo, mas pela remissão
de um signo a outro signo, que as mensagens são polissêmicas.
No entanto, em Morley, a concepção de que toda mensagem é polissêmica
vem acompanhada da explicação de que isso não significa que toda e qualquer
leitura seja permitida. Se há, ou pelo menos deveria haver, como disse Hall,
algum grau de reciprocidade entre os momentos de codificação e de
decodificação, pois do contrário não se poderia falar de uma efetiva troca
comunicativa, o trabalho de codificação deve construir os limites e parâmetros
dentro dos quais a decodificação pode operar, impondo um “sentido preferen-
cial” da mensagem.
A mensagem é... uma polissemia estruturada. Um aspecto central do
argumento é que nem ‘todos’ os sentidos existem ‘por igual’ na mensa-
gem: ela tem sido estruturada com uma dominante, apesar da impos-
sibilidade de alcançar uma ‘clausura total’ do sentido. Além disso, a
leitura preferencial é parte da mensagem, e pode-se discerni-la na
estrutura lingüística e comunicativa desta (Ibidem, 126).

Os emissores não podem deixar que as mensagens fiquem abertas a “qual-


quer” interpretação. Eles são compelidos, no intento de fazer lograr uma comu-
nicação eficaz, a introduzir uma direção ou certos mecanismos de “clausura” na
estrutura da mensagem, de modo a tentar estabelecer “uma” das possíveis
interpretações como a “leitura preferencial ou dominante”. São mecanismos de
clausura, por exemplo, o título de uma matéria jornalística, as legendas de uma

180 Os Estudos de Recepção


foto, as chamadas de um telejornal, o comentário de um articulista. O que não
significa que tais mecanismos sejam absolutamente eficazes, pois sempre é
possível fazer uma leitura “opositora”, nos termos definidos por Hall.
Morley parte das seguintes premissas para elaborar sua análise de
Nationwide (cf. Ibidem, 125): um mesmo acontecimento pode ser codificado de
mais de uma maneira; uma mensagem sempre contém mais de uma “leitura”
potencial – as mensagens propõem e preferem determinadas leituras em
lugar de outras, porém nunca podem chegar a fechar-se por completo em
uma só leitura; seguem sendo polissêmicas; compreender uma mensagem é
uma prática problemática, por mais transparente e “natural” que possa pare-
cer – as mensagens codificadas de um modo sempre podem ser lidas de um
modo diferente.
Bakhtin será fundamental para Morley também por sua concepção dialógica
da comunicação. A idéia de que o sentido se constrói na “interação” entre o
texto e seus receptores, que foi fundamental para os Estudos Culturais rejeita-
rem a pretensão da semiologia de explicar o funcionamento de um texto pela
análise imanente, é decisiva para o estudo dos processos de decodificação.
Lembremos que, em Bakhtin, considerar a comunicação como interação impli-
ca considerar as “relações entre a interação concreta e a situação extralingüística
– não só a situação imediata, mas também, por meio dela, o contexto social
mais amplo” (Bakhtin, 199:124). A consideração das estruturas sociais e, por-
tanto, da situação concreta, extralingüística, será o próprio fundamento do
fenômeno da polissemia ou, na linguagem de Bakhtin, da multiacentualidade.
O reconhecimento de que a distribuição e a aplicação dos códigos variam
segundo os contextos sociais e históricos e de que sempre existe a possibilida-
de de uma disjunção entre os códigos de emissão e de recepção é uma premis-
sa norteadora da investigação empírica realizada por Morley. E o fundamento
para sua rejeição do tratamento do processo comunicativo na perspectiva dos
efeitos. Para Morley, antes que uma mensagem possa produzir efeitos na
audiência, elas devem ser decodificadas.
Falar de ‘efeitos’, é, pois, uma maneira abreviada, e inadequada, de
assinalar o momento no qual as audiências lêem e dão sentido de
maneira diferente às mensagens transmitidas e operam segundo esses
sentidos no contexto de sua própria situação e experiência (Morley,
1996:126).

Se sempre existe a possibilidade de uma disjunção entre os códigos de


emissão e os códigos de recepção, o problema dos efeitos é o problema de se

Efeito e Recepção 181


averiguar até onde as decodificações se produzem dentro dos limites do modo
preferencial ou dominante no qual se codificou inicialmente a mensagem.
No entendimento de Morley, um exame do processo comunicativo deveria
incluir pelo menos a abordagem de três elementos, o estudo da produção de
artefatos mediáticos, o estudo dos produtos – os programas televisivos en-
quanto conjuntos construídos de unidades de signos portadores de uma men-
sagem –, e finalmente o estudo do processo de decodificação ou interpretação
dos signos no qual a audiência está ativamente comprometida (Ibidem, 114-5).
Qualquer enfoque que considerasse isoladamente esses elementos do proces-
so seria inadequado.
O entendimento de que nenhuma comunicação pode ser compreendida
fora do vínculo com a situação concreta na qual a interação ocorre será a base,
também, para uma reconceituação da audiência, concebida não mais como
uma massa indiferenciada de indivíduos, mas como “uma complexa configu-
ração de subculturas e subgrupos superpostos, nos quais se situam os indiví-
duos” (Ibidem, 128). Acredita-se que os membros de certas subculturas tende-
rão a compartilhar uma orientação cultural, a decodificar uma mensagem de
um modo particular e que suas leituras individuais estarão marcadas por
formações e práticas culturais compartilhadas, que, por sua vez, estarão de-
terminadas pela posição objetiva que o indivíduo ocupa na estrutura social. Os
contextos sociais, desse modo, administram os recursos e estabelecem os limi-
tes dentro dos quais os indivíduos operam. Morley pretende uma abordagem
que remeta
as interpretações diferenciadas à estrutura socioeconômica da socieda-
de, e assim mostre que os membros de classes e grupos diferentes, que
compartilham diferentes códigos culturais, interpretam diversamente
uma mensagem dada, não somente no nível idiossincrático/pessoal,
senão de um modo que se relaciona sistematicamente com sua posição
socioeconômica. Em suma, necessitamos entender que as diferentes for-
mações e estruturas subculturais que existem na audiência e o fato de
que cada classe e cada grupo compartilham diferentes códigos e compe-
tências culturais, estruturam a decodificação da mensagem para dife-
rentes setores da audiência (Ibidem, 129).

Sua hipótese era a de que as decodificações variavam segundo: a) “fatores


sociodemográficos básicos” – idade, sexo, raça e classe; b) a inserção dos re-
ceptores em diversos “marcos e identificações culturais”, tanto no nível das
estruturas e instituições formais – sindicatos, partidos políticos e sistema edu-

182 Os Estudos de Recepção


cacional –, quanto no nível informal, como o compromisso com diferentes
subculturas, entre elas as culturas juvenis ou estudantis ou as que têm sua
base em minorias raciais ou culturais; c) o “tema”, principalmente quanto a
saber se os temas tratados eram distantes ou “abstratos” com relação à expe-
riência ou às fontes de informação e a perspectiva de grupos particulares –
desejava-se saber como se modifica a decodificação da mensagem quando o
decodificador tem uma experiência direta dos acontecimentos exibidos pelos
meios, em comparação com os casos em que a apresentação que fazem os
meios é o único contato que a audiência tem com os fatos. “A experiência direta
ou o acesso a um enfoque diferente do apresentado pelos meios inclina o
receptor a fazer uma decodificação negociada ou de oposição?” (Ibidem, 146).3
Finalmente, considerava-se o “contexto”, que nesse caso remete especifica-
mente à situação de exposição ao programa – se no contexto familiar ou no
contexto educacional ou de trabalho. Morley diz que por escassez de recursos
esta última hipótese não pôde ser testada naquele momento
Alguns anos mais tarde, no entanto, em Family television. Cultural power
and domestic leisure, de 1986, Morley explora as interações entre media e
receptores no seio da família, no contexto natural da recepção de televisão: o
universo doméstico. Nesse trabalho, já sob a influência dos estudos feministas
desenvolvidos dentro do Center for contemporary cultural studies, Morley irá se
dedicar particularmente à questão das relações de poder entre os sexos reve-
ladas pela utilização da televisão e a recepção aos programas. Mas essa ainda
não era uma preocupação na época da investigação sobre Nationwide.
Morley apresenta dois programas de Nationwide, transmitidos nos dias 19
de março de 1976 e 29 de março de 1977, programas por ele previamente
gravados em vídeo, a 29 grupos formados por cinco a 10 pessoas e compostos
segundo diferentes níveis educacionais (todas as pessoas estavam entre os
níveis médio e superior do sistema de ensino britânico), distintas origens soci-
ais e culturais; alguns grupos eram formados por pessoas residentes em Lon-
dres, outros, formados por residentes na região da Inglaterra de onde o pro-
grama era emitido. A metodologia de investigação incluiu, num primeiro mo-
mento, discussões realizadas logo após a exibição dos programas e, numa fase
posterior, entrevistas. Os grupos se dividiram em quatro categorias principais:
1) Gerentes; 2) Estudantes; 3) Aprendizes; 4) Sindicalistas. A premissa que
conduziu a configuração dos grupos foi a de que
o espectador individual não chega a esse [contato com os media] ‘despido
de cultura’; aborda o texto aportando sua própria série de códigos e
marcos culturais, segundo os quais concebe o que vê, marcos e códigos

Efeito e Recepção 183


derivados de sua situação e suas origens culturais e sociais. No momento
de assistir ao programa, os códigos e estruturas que este oferece se encon-
tram com os códigos e discursos de que dispõe o espectador, e necessaria-
mente passam pelo ‘filtro’ destes últimos” (Morley, 1996:134-5, g.n.).

Assim, nos grupos dos gerentes, marcadamente dos gerentes de banco,


que eram sobretudo homens brancos, na faixa etária dos 24 aos 52 anos e de
classe média, seus membros pareciam compartilhar os marcos de sentido co-
mum apresentados no programa, de tal modo que o que era de fato dito no
programa lhes parecia de algum modo invisível, ou pelo menos incontroverso.
Mas os gerentes rejeitaram o modo de destinação do programa, que lhes
pareceu sensacionalista e paternalista, e reivindicaram, em oposição, um modo
de destinação que se identificasse com um enfoque sério da atualidade.
Os estudantes universitários de artes, homens e mulheres brancos, com
idades entre os 19 e os 24 anos, classe média, “tenderam a produzir uma série
muito eloqüente de leituras negociadas e de oposição e a redefinir o marco de
interpretação proposto pelo programa” (Ibidem, 162-3). Como os gerentes de
banco, menosprezaram o estilo de Nationwide e seu modo de se dirigir à
audiência. Seu compromisso com o discurso educacional os levou a avaliar o
programa de acordo com critérios de pertinência e valor informativo, critérios
derivados de emissões sérias sobre a atualidade. Nesse caso, Nationwide é
defeituoso porque apresenta uma forma de conhecimento inadequada, sen-
sacionalista e dramática. Os membros desse grupo mostraram-se particular-
mente conscientes dos métodos empregados na produção do programa, mas,
quando se tratava de questões mais diretamente políticas e econômicas, suas
decodificações eram muito menos “opositoras” e tendiam a aceitar os marcos
de sentido propostos pelo programa. Os grupos de estudantes aceitam a pre-
tensão de Nationwide de “falar em nome de todos nós”.
Já os estudantes de pedagogia (em sua maior parte mulheres brancas, entre
os 19 e os 46 anos de idade, de classe média) evidenciaram seu compromisso com
o discurso educacional reivindicando uma TV mais educativa e séria.
Os estudantes de carreira técnica eram principalmente mulheres ne-
gras, na faixa etária dos 18 aos 25 anos, da classe trabalhadora. Em sua
maioria, provinham da América Central e, portanto, poderiam ter fornecido
uma leitura do imigrante para a qual Morley não parece ter atentado, já que
ele analisa as respostas desse grupo em termos de distinção racial, sem
considerar a sua situação de estrangeiros. Na interpretação de Morley, as
interpretações que essas mulheres negras fizeram do material exibido re-

184 Os Estudos de Recepção


fletiu a disjunção entre os códigos culturais dessa comunidade e os códigos
culturais de Nationwide:
Estes grupos são tão alheios ao discurso de Nationwide que sua respos-
ta é em primeira instância uma ‘crítica do silêncio’ antes que uma
leitura de oposição... De certo modo, não chegam a comprometer-se o
suficiente com o discurso do programa, ou se negam a fazê-lo, para
poder desconstruí-lo ou redefini-lo. Há uma simples disjunção entre a
série de representações com as quais opera o programa e as geradas
pelo ambiente subcultural dos estudantes (Ibidem, 165).

Os interesses e o marco cultural de Nationwide simplesmente não eram os


interesses desses estudantes negros. Eles mostraram ter consciência de que o
Nationwide “não é um programa dirigido a eles; não se ocupa de seus interesses
específicos e não responde ao que eles consideram ‘boa televisão’: definida em
termos de prazer e entretenimento” (Ibidem, 165-6). A representação da vida
familiar que o programa apresentava parecia-lhes imprópria. Eles não encontra-
ram qualquer ponto de identificação com o discurso que o programa mantinha
sobre os problemas das famílias que viviam na Grã-Bretanha naquela época.
A terceira categoria de grupos da pesquisa, a dos aprendizes, todos
brancos, em sua maioria homens, com idade entre os 18 e os 24 anos, da
classe trabalhadora, apresentou um tom geral de resposta ao programa que
Morley definiu como de descrença e de estranhamento. Seus membros recu-
saram o modo de destinação do programa, considerado “formal/classe mé-
dia/BBC/tradicional” (Ibidem, 166), mas mostraram partilhar a mesma con-
cepção ideológica populista adotada pelo programa, de tal modo que
“decodificam os temas específicos de acordo com a leitura preferencial codi-
ficada no texto” (Ibidem, 166). Para este grupo, a equipe que produz o
Nationwide simplesmente realiza seu trabalho, um trabalho que seus mem-
bros vêem como puramente técnico: “formular perguntas sobre os efeitos
sociopolíticos das práticas exercidas por Nationwide lhes parece ‘ir demasia-
do longe’” (Ibidem, 167).
Ainda que o tom dominante das respostas deste grupo a Nationwide fora
cínico, soara a resistência ante qualquer coisa que ‘se trate de impor’, as
decodificações que seus membros fizeram dos principais temas tratados
pelo programa se enquadraram dentro do marco dominante ou da leitu-
ra preferencial estabelecida pelo programa (Ibidem, 167).

Efeito e Recepção 185


Os grupos formados por sindicalistas tenderam a produzir formas de
decodificação negociada, ainda que existissem variações dentro dos grupos.
Tais variações são atribuídas, por Morley, ao grau de envolvimento que os
membros dos grupos tinham com a questão sindical4 e também ao grau de
envolvimento com as questões abordadas. Por exemplo, “num nível mais
concreto e local (o das questões ‘sindicais’ diretamente econômicas), os mem-
bros deste grupo adotam uma postura mais crítica e, portanto, decodificam
temas específicos desta categoria desde uma leitura de oposição” (Ibidem,
168), enquanto que tendem a uma decodificação mais hegemônica em relação
a questões mais abstratas. Já o grau de comprometimento com o sindicalismo
apareceu como uma variável fundamental para diferenciar entre os sindicalis-
tas que aceitam o enfoque individualista e a construção que o Nationwide faz
de uma comunidade nacional inglesa não diferenciada que passa por um
momento de crise – “nesse sentido se pode dizer que este grupo se identifica
com o ‘nós’ nacional que o discurso do programa constrói” (Ibidem, 168) – e
aqueles que produziram a leitura de oposição mais elaborada e recusaram
a pretensão do programa de nos dizer qual é o ‘nosso motivo de queixa’
e as tentativas de construir um ‘nós’ nacional. Este grupo satisfaz os
critérios de uma leitura de oposição no sentido preciso de que é uma
leitura que redefine as questões propostas pelo programa (Ibidem, 169).

Ainda que, em alguns aspectos, não se tenha logrado, com os dados


empíricos, um entendimento diferente do que Bakhtin, Eco e Hall já vinham
produzindo sobre o processo comunicativo – e, nesse sentido, os casos de
leituras completamente contraditórias de um mesmo tema, como por exemplo
as leituras dos gerentes e as leituras dos sindicalistas, constituem “o mais claro
exemplo do modo em que o ‘sentido’ ou a ‘mensagem’ de um programa de-
pende do código interpretativo que a audiência aporta à situação de
decodificação” (Ibidem, 162), por outro, os resultados da investigação foram,
para aquele período, surpreendentes.
Primeiro, porque não permitiram estabelecer uma relação clara entre a
posição sociocultural dos grupos pesquisados e suas respostas ao programa, já
que outras variáveis entraram em jogo. Não foi suficiente, por exemplo, per-
tencer à classe trabalhadora para apresentar uma decodificação opositora em
relação ao programa, que supostamente defenderia os interesses do capital.
Nem surgiram garantias de que todos os trabalhadores produzam uma mes-
ma decodificação:

186 Os Estudos de Recepção


Não é o fato de pertencer à classe trabalhadora o que provoca uma
diferença nas decodificações da televisão, senão que a enunciação dessa
posição social através do discurso (neste caso, o discurso dos sindicalistas)
é o que ‘desvia’ a decodificação em uma direção particular (Ibidem, 168).

Além disso, alguns grupos entendiam que o programa era enviesado,


estruturado de acordo com códigos dominantes, mas ainda assim o aceitavam.
Isso mostrou que o fato de os indivíduos dentro dos grupos conseguirem
perceber como a ideologia dominante operava; o fato de que não eram cultu-
ralmente ingênuos não significava uma recusa aos valores naturalizados pelos
media. É o caso, por exemplo, dos gerentes, que rejeitaram o modo de destinação
do programa, reivindicaram um modo de destinação que se identificasse com
um enfoque mais sério da atualidade, mas, em compensação, fizeram uma
leitura absolutamente de acordo com os códigos dominantes nas questões
referentes a aspectos político-ideológicos mais gerais. Ou dos estudantes de
artes, que se mostraram capazes de reconhecer os métodos empregados na
produção do programa, mas tendiam a aceitar os marcos de sentido propostos
quando se tratava de questões mais diretamente políticas e econômicas.
Em conseqüência, verificou-se a necessidade de refinamento do modelo de
análise da decodificação proposto por Hall e uma crítica da própria idéia de
decodificação. No entendimento de Morley, o modelo de análise de Hall permi-
tia conceber a audiência como um todo socialmente estruturado e isto consti-
tuiu um progresso considerável. Entretanto, a proposta de Hall apresentava a
decodificação como um continuum básico de código dominante, negociado e
de oposição e, portanto, não pareceu apropriada para interpretar todas as
subdivisões e diferenciações significativas que existem dentro das estruturações
básicas de código, de tal modo que “para elaborar um modelo mais adequado
da audiência teríamos que fazer uma série de distinções dentro do modelo de
Hall” (Morley, 1996:171).
Além disso, Morley parece se dar conta dos problemas implicados no pró-
prio uso da metáfora da codificação/decodificação. O mais importante deles
nos parece a ausência de nitidez em relação à compreensão do que seja
efetivamente decodificação, pelo menos do que se entende por decodificação
dentro dos Estudos Culturais, e que certamente não é o mesmo que entendia
Shannon e Weaver, como uma identificação de sinais. Se se pretendia estender
o conceito até levá-lo a funcionar como sinônimo de produção de sentidos, e
acreditamos que é esse o entendimento de Morley, assim como o de Hall,
melhor seria deixar claro que se estava tratando de um processo que envolve

Efeito e Recepção 187


várias fases ou momentos que deveriam, por sua vez, ser concebidos como
processos separados dentro do que se chama decodificação.
[Decodificação] é um conceito que sugere um ‘ato único’ de leitura de um
texto. Quando talvez inclua melhor uma ‘série’ de processos – atenção,
reconhecimento da importância, compreensão, interpretação e resposta
efetuados por um único membro da audiência ante a tela. O modelo, assim
como se o apresenta, pelo menos parece confundir o eixo da compreensão/
incompreensão dos signos com o do acordo/desacordo a respeito das formas
de significação proposicional geradas a partir desses signos (Ibidem, 176).5

Se o uso da metáfora da decodificação apresenta problemas tão graves, se


a idéia mesmo de decodificação remete ao modelo matemático da comunicação
e, portanto, carrega consigo a tendência a colocar ênfase tanto na intenciona-
lidade dos emissores, quanto na passividade dos receptores, seria mais pru-
dente abandoná-la. Por mais que o conceito seja ampliado, é difícil separar a
noção de decodificação da noção de que a televisão se apresenta como um
canal de transmissão de uma mensagem ou um ‘sentido’ predeterminado.
Em seus trabalhos mais recentes, Morley tem se afastado do modelo de
codificação/decodificação e buscado apoio numa teoria dos gêneros, entendi-
dos “como conjuntos de regras para a produção de sentido, regras que deter-
minam as combinações de signos em configurações específicas que regulam o
modo no qual os autores produzem os textos e o modo no qual as audiências
os lêem” (Ibidem, 184). E mais, o fato de que cada gênero exige que o especta-
dor seja competente em certas formas de conhecimento e que esteja familiari-
zado com certas convenções parece lançar novas luzes sobre, por exemplo, a
relação entre o estilo narrativo da tradição da cultura oral da classe trabalha-
dora e certos gêneros produzidos pelos meios, ou sobre a relação entre televi-
são e vida cotidiana (interesse mais atual de Morley), ou entre o melodrama e
certas formas da cultura popular latino-americana (Barbero, 1987), ou, ainda,
sobre a cada vez mais evidente caracterização da cultura contemporânea como
uma cultura jovem e urbana (Barbero, 1999).
O trabalho investigativo de Morley tem, desde então, sofrido uma espécie
de deslocamento. Do interesse inicial em analisar a ideologia das mensagens
televisivas e o modo como elas se inscrevem nos sujeitos, da análise específica
das relações entre a estrutura de classe e o processo de decodificação, seu
esforço agora se dá por compreender o papel que as diferenças sexuais, abor-
dadas no contexto familiar, têm sobre as práticas receptivas dos espectadores.
A televisão de algum modo deixa de ser o centro de interesse e cede lugar à

188 Os Estudos de Recepção


“maneira na qual, na esfera doméstica, se utilizam as diversas tecnologias da
comunicação” (Morley, 1997:31). Na seqüência de seus trabalhos, traduzindo o
redirecionamento que os estudos de recepção tiveram de modo geral dentro
dos Estudos Culturais, as relações entre posição de classe e decodificação são
deixadas de lado e o lugar central passa a ser ocupado pelo papel que os meios
de comunicação desempenham na construção das identidades – culturais,
étnicas, nacionais, sexuais. De um interesse inicial pela problemática da inter-
pretação chega-se ao problema de como as práticas de recepção, entendidas
como práticas de uso e consumo dos meios e tecnologias da comunicação,
constroem as identidades.

Da Decodificação ao Consumo Cultural


Desde o trabalho de Morley sobre o Nationwide, o consumo dos meios enquan-
to espaço de produção cultural ativa adquiriu um lugar central nos Estudos
Culturais. Mas a investigação sobre recepção vem ganhando contornos um
pouco diferentes. Mantêm-se a ênfase na atividade do receptor, a utilização de
metodologias qualitativas de investigação e a insistência na pesquisa empírica,
porém as investigações de algum modo se distanciam do problema das rela-
ções entre ideologia e linguagem, que caracterizaram os trabalhos de Hall e
que justificaram que Morley fosse a campo verificar como elas se davam. É
claro, esse tema não desaparece de todo, mas já não é mais tão central e
aparece de todo modo reconfigurado. Em vez da “decodificação” de uma men-
sagem plena de conteúdo ideológico, adota-se com mais freqüência a noção de
“consumo cultural”, que se mostraria mais apta a englobar práticas sociais tão
diversificadas quanto a aquisição e leitura de romances (Radway, 1997), a
freqüentação aos shopping centers (Morris, 1997), a recepção diária a um pro-
grama televisivo específico, como Dallas (Ang, 1985:1997); o consumo da televi-
são “em geral” no âmbito do espaço doméstico (Morley, 1996) ou da vida cotidi-
ana (Silverstone, 1996), o consumo de produtos e histórias do universo de Walt
Disney (Wasko, 1996), o consumo que adolescentes do sexo feminino fazem da
cantora Madonna (Fiske, 1997).
Minha intenção é propor que se conceba o consumo – literal e metafori-
camente – como um dos processos principais pelos quais os indivíduos se
incorporam às estruturas da sociedade contemporânea, porém enten-
dendo que essa incorporação é um processo complexo e ambíguo... [O
consumo] põe de algum modo em evidência e dá certa expressão às
dinâmicas particulares da estrutura e da ação – e especialmente ao

Efeito e Recepção 189


papel dos meios na articulação dessas dinâmicas – que constituem uma
das problemáticas centrais da teoria social e cultural (Silverstone,
1996:186-7).

Essa ênfase sobre o consumo cultural é decorrente de um redirecionamen-


to do próprio objeto de estudo, que se deslocou das comunidades e classes
posicionadas contra o bloco de poder dominante para o modo como subculturas
específicas (grupos étnicos, homossexuais, feministas, adolescentes, culturas
nacionais em desenvolvimento) mantêm e elaboram valores, identidade e éti-
ca autônomos. Esse deslocamento foi fundamental para a internacionalização
dos Estudos Culturais, a partir de meados dos anos de 1980. “Análises do
racismo, do sexismo e da indústria cultural possuíam um apelo mais amplo
que a análise da cultura operária da Inglaterra, particularmente nos Estados
Unidos ou na Austrália” (During, 1997:15).
É certo que desde o início os Estudos Culturais se posicionaram como o
lugar acadêmico dos discursos marginais. Mas agora, a atenção às minorias
políticas, econômicas, culturais, sexuais tem como conseqüência o fato de que
se começa a, de algum modo, celebrar a cultura comercial num movimento
que alguns críticos têm chamado de “populismo cultural” (During, 1997; Curran,
1996:1997). O “populismo cultural ajudou os cultural studies a se tornarem
globais justamente porque... a cultura comercial tem cada vez mais um alcan-
ce transnacional” (During, 1997:17). Os Estudos Culturais vão de um ataque
teórico ao problema da hegemonia e da construção da hegemonia dominante
servindo-se dos media, tão importante nos anos de 1970, para o argumento de
que alguns produtos culturais populares podem mesmo ter efeitos políticos
positivos, independentemente de adotarem explicitamente um discurso edu-
cacional ou crítico. Em que pesem as críticas, algumas das questões hoje im-
portantes para os Estudos Culturais, como o prazer, a corporalidade, a
fantasia, o afeto, o desejo, a transgressão são trazidas para enriquecer a
análise da recepção da cultura e cooperam para o entendimento de que a
recepção aos media não se restringe a um problema de interpretação de uma
mensagem, entendida no sentido discursivo, lingüístico, mas remete também
a questões de percepção e sensibilidade.
De um modo geral, os Estudos Culturais continuam interessados em como
grupos com menos poder desenvolvem, na prática, suas próprias leituras e usos
dos produtos culturais. Mas esse interesse parece se configurar em duas tendên-
cias dentro das investigações sobre recepção. Uma tendência mais claramente
devedora da concepção dos Estudos Culturais ingleses das relações entre cultura,

190 Os Estudos de Recepção


poder e sociedade e que, portanto, continua analisando o consumo cultural com
referência ao contexto mais amplo das relações sociais, cujo trabalho mais modelar
parece ser o de Janice Radway sobre as práticas de consumo e leitura do público
feminino dos romances. Os estudos mais caracteristicamente situados nessa ten-
dência tentam relacionar o consumo cultural com a experiência social dos mem-
bros do público. “Ante situações de desigualdade nas relações sociais, os membros
do público tentam encontrar uma solução imaginária para sua posição de subor-
dinação. Seu prazer é uma forma de resistência” (Curran, 1997:69).
Em Reading the romance: women, patriarchy and popular literature, publica-
do em 1984, Janice Radway procura entender o que faz do romance um
produto cultural tão popular. É claro que isso pode ser explicado pelo prazer
que o gênero romance oferece aos seus leitores ou pelo desejo que ele de
algum modo satisfaz – e Radway certamente insere o elemento prazenteiro
em suas análises. Mas se a autora parasse por aí, mais adequado seria inseri-
la na segunda tendência recente dos Estudos Culturais (que veremos já em
seguida), o que seria um equívoco. Em Radway, o prazer não explica tudo. Há
um “negócio”, a indústria da publicação, que intervém entre os textos e seus
leitores. O romance popular moderno se desenvolve, como um gênero, medi-
ante uma série de decisões estratégicas adotadas pelas editoras.
Para Radway, a leitura do romance ocorre por meio de uma estrutura em
três termos: o escritor, a indústria da publicação e o prazer dos leitores. No seu
entendimento, as decisões de compra não são uma conseqüência exclusiva das
necessidades ou prazeres dos leitores – no caso particular, das leitoras. Ao
contrário,
elas são profundamente afetadas pela apresentação e disponibilidade
de um livro assim como pelos potenciais conhecimentos e expectativas
dos leitores. Comprar um livro, então, não pode ser reduzido a uma
simples interação entre um livro e um leitor. É um acontecimento que é
afetado e pelo menos parcialmente controlado pela natureza material
da edição do livro enquanto uma tecnologia de produção e distribuição
socialmente organizada (Radway, 1997:439).

Janice Radway desenvolve a hipótese de que o aumento do volume de


publicação de romances e sua enorme popularidade são conseqüência do fato
de que a indústria da publicação aprendeu a endereçar melhor a produção e
a distribuição dos livros para uma audiência de massa: “a aparente necessida-
de da audiência feminina por este tipo de ficção pode ter sido gerada ou pelo
menos aumentada artificialmente” (Ibidem, 439). O sucesso dos romances pode

Efeito e Recepção 191


ser resultado da habilidade das editoras em trazer para si e reiteradamente
atingir as mulheres da classe média, habilidade que se refere não apenas ao
conteúdo dos romances – as relações amorosas entre homens bonitos e saudá-
veis e mulheres corajosas mas emocionalmente frágeis –, mas à descoberta de
que mesmo com a ascensão das mulheres ao mundo do trabalho, elas continu-
avam a ser responsáveis pelos cuidados com a alimentação e a saúde da família
e que, portanto, freqüentavam assiduamente os mercados e farmácias. Conse-
qüentemente, as editoras podiam se assegurar de regularmente alcançar um
amplo segmento da população feminina adulta simplesmente colocando os
romances à venda nas lojas de comida e remédios (cf. Ibidem, 447).
No entanto, se parece certo que as leitoras constituem mais da metade do
público leitor de livros e que, portanto, o aumento das vendas dos romances
de ficção é resultado da competência das editoras para alcançar sua audiência
potencial, é certo também que os romances provêem uma experiência de
leitura bastante agradável para um enorme número de mulheres, de tal modo
que elas desejem repetir a experiência.
O sentido da experiência de ler um romance deve ser estreitamente
associado ao modo como o ato de leitura se encaixa no dia da mãe de
classe média e ao modo como a estória em si mesma remete às ansieda-
des, medos, e necessidades psicológicas resultantes de sua posição social
e familiar (Ibidem, 453).

Nesse sentido, o prazer que as leitoras pesquisadas por Janice Radway ex-
traem de sua leitura dos romances é uma forma de resistência ou de subversão.
Em sua investigação empírica, Radway encontrou algumas leitoras que conta-
ram que optaram pela leitura de novelas mesmo diante da reprovação de seus
maridos e que buscavam nessa literatura um modo de, mesmo que silenciosa-
mente, defender os valores femininos e criticar os masculinos. Essa prática aca-
bava por se tornar uma maneira de alcançarem maior autoconfiança, de afirma-
rem-se mais fortemente e resistirem ao poder masculino na família.
Uma outra tendência de análise do consumo cultural estaria melhor caracte-
rizada pelos desenvolvimentos norte-americanos dos Estudos Culturais,
marcadamente pelas investigações de John Fiske que, em sua análise do consu-
mo dos produtos que giram em torno de Madonna, enfatiza o modo como jovens
retiram prazer do processo de produção de sentido. Nessa tendência, ainda que
inserida nos marcos dos Estudos Culturais, a concepção das relações entre po-
der, cultura e sociedade refletiria uma postura considerada menos politizada em
relação à sociedade e, portanto, também, em relação às práticas de consumo.

192 Os Estudos de Recepção


Pelo menos é assim que alguns dos principais investigadores dos Estudos Cultu-
rais mais próximos do CCCS (Ang, Morley e o próprio Hall) concebem uma parte
dos estudos sobre consumo cultural levados a termo nos Estados Unidos. A
principal diferença entre os estudos culturais norte-americanos e os estudos
culturais ingleses estaria no lugar que o poder e o conflito ocupam no processo
da cultura. “O idealismo humanista da perspectiva norte-americana é contrário
à perspectiva européia mais esquerdista e mais cínica que jamais perde de vista
os custos sociais de todas as formas de consenso” (Ang, 1997a:102-3).
Para John Fiske, importa o fato de que, qualquer que seja o papel da
televisão nas culturas ocidentais contemporâneas, “não há dúvida de que as
pessoas gostam dela, e que assistir TV é a principal fonte de prazer em nossas
vidas” (Fiske, 1995:224). Fiske adota uma concepção de prazer que é ao mesmo
tempo devedora da psicanálise, no que ela considera o prazer como a principal
motivação para a ação humana, e do ensaio de Barthes sobre “o prazer do
texto” (Barthes, 1993b), em sua consideração sobre a origem cultural do pra-
zer. A televisão, no seu entendimento, é apenas “um portador/provocador de
sentidos e prazeres” (Fiske, 1997:01) e de algum modo parece se submeter à
busca de prazer dos telespectadores.
Seu estudo sobre adolescentes fãs de Madonna mostrou que a principal
fonte de seu prazer em ouvir as músicas, mas sobretudo assistir aos shows e
clipes da cantora era o controle que Madonna demonstrava exercer sobre a
sua própria imagem, ou, melhor, a percepção de que, de algum modo,
esse controle poderia ser transmitido a elas. Elas coerentemente viram
Madonna como uma mulher que usou o discurso da sexualidade patri-
arcal para assegurar seu controle sobre aquele discurso e portanto
sobre a sua própria sexualidade. Sua sexualidade não era representada
no vídeo musical como uma fonte de prazer para os homens, mas para
si mesma e suas fãs. Ela usou signos e imagens de um discurso mascu-
lino de modo a assegurar sua independência dos homens, da sanção
masculina, e portanto daquele discurso. Isso era uma fonte particular-
mente importante de prazer para jovens garotas porque... Madonna
nunca é uma vítima, nunca é passiva... (Fiske, 1997:232).

Para Fiske, os vídeos musicais de Madonna exploram os limites entre os


papéis que convencionalmente regulam a representação da sexualidade numa
sociedade masculina e a experiência social e sexual das garotas e suas neces-
sidades. É isso que supostamente explica que as adolescentes adotem o look
Madonna, que arranca os signos da moda convencional feminina do seu con-

Efeito e Recepção 193


texto e os liberta de seu sentido original. O que parece importante para Fiske
é que os sentidos do look Madonna não podem ser especificados e permitiri-
am, assim, a construção de uma “diversidade de sentidos” por suas fãs. O
prazer que os clipes de Madonna dão não adviriam do quê eles explicitamente
dizem, mas de sua afirmação do direito e do poder de uma subcultura forte-
mente subordinada a construir seus próprios sentidos.
Fiske defende que o prazer popular necessariamente contém elementos
de resistência. Com isso ele quer, na linha dos Estudos Culturais, contestar a
passividade dos receptores, do “povo”, já que se trata da “cultura popular”,
negar que sejam culturalmente torpes e que estejam econômica, política ou
culturalmente à mercê da indústria da cultura. Mas atividade e resistência
aparecem em Fiske de modo um tanto diferente de como essas “capacidades”
dos receptores são entendidas pelos investigadores mais fiéis aos Estudos
Culturais ingleses. Elas são explicadas em relação ao entendimento do que
seja popular, e cultura popular especificamente, e do modo como o povo se
relaciona com a cultura. Não é o entendimento do que seja povo, popular ou
cultura popular que distancia Fiske dos investigadores mais ligados a
Birmingham. O que os distancia é o modo como ele interpreta a relação entre
cultura popular e resistência.
O “popular” não assume em Fiske, ou em qualquer dos investigadores dos
Estudos Culturais, a força de uma cultura ou uma experiência social autêntica,
genuína, tradicional. Do mesmo modo que “povo” é compreendido como um
conceito que inclui uma variedade de grupos sociais que estão constantemen-
te mudando sua relação com o sistema dominante e que deve ser visto como
uma aliança de formações que estão permanentemente em deslocamento e
que são relativamente transitórias, a cultura popular é também efêmera,
multifacetada, de modo a corresponder à fluidez ou flexibilidade das próprias
formações sociais populares. A expressão povo refere-se a
grupos sociais que são relativamente impotentes e que são tipicamente
interpelados como consumidores, embora eles possam não responder
dessa maneira. Eles têm formas culturais e interesses próprios que
diferem de, e freqüentemente conflitam com, aqueles dos produtores de
mercadorias culturais. A autonomia desses grupos... é apenas relativa,
e nunca total, mas deriva de suas histórias marginalizadas e reprimi-
das que têm intransigentemente resistido à incorporação, e tem conser-
vado diferenças materiais assim como ideológicas geralmente por meio
de formas culturais desvalorizadas, muitas das quais são orais e não

194 Os Estudos de Recepção


registradas. Para alguns desses grupos essas diferenças podem ser pe-
quenas e os conflitos emudecidos, mas para outros a divergência é
enorme. Para uma mercadoria ser popular, então, ela tem que ser
capaz de ir ao encontro dos vários interesses das pessoas entre as quais
ela é popular, assim como dos interesses de seus produtores (Fiske,
1997:310).

Fiske adota o termo “resistência” não em seu sentido político ou revolucioná-


rio de subversão do sistema social. Em seu uso, resistência refere-se à “recusa a
aceitar a identidade social proposta pela ideologia dominante” (Fiske, 1997:241).
Ainda que essa recusa possa não se traduzir em uma transformação do sistema
social, ela resiste à incorporação e mantém um sentido de diferença social que
seria um pré-requisito para qualquer mudança política efetiva.
Resistência aparece em Fiske como um conceito central que remete à
multiplicidade de formas da cultura popular. Diante da diversidade de grupos
sociais, diante da diversidade de interesses que eles representam, também
existe “uma enorme variedade de resistências” (Fiske, 1997:316). Resistências,
neste caso, não é simplesmente oposição ao poder, mas são elas próprias fon-
tes de poder: elas são as formas “nas quais os poderes do subalterno são mais
claramente expressados” (Ibidem, 316).
As resistências são de dois tipos, que correspondem às duas principais
formas de poder – o poder de construir sentidos, prazeres e identidades
sociais e o poder de construir um sistema socioeconômico. “O primeiro é um
poder semiótico, o segundo é um poder social, e os dois são intimamente
relacionados, embora relativamente autônomos” (Ibidem, 316). O interesse de
Fiske recai sobre a resistência semiótica, aquela que se expressa como uma
resistência à homogeneização e que se traduz na capacidade de “construir
sentidos, prazeres e identidades sociais que ‘diferem’ daqueles propostos
pelas estruturas de dominação” (Ibidem, 317). O campo de exercício da resis-
tência semiótica é o campo das “representações”. A resistência, portanto, não
se dá apenas na experiência social concreta de subordinação, mas no próprio
modo de atribuir sentido a essa experiência. E esses modos de atribuir sentido
muitas vezes se traduzem em “fantasias”, modos interiores, íntimos, privados
de representação, que, por seu próprio caráter privado demarcam “uma da-
quelas áreas que não podem ser totalmente colonizadas” (Ibidem, 318). Para
Fiske, sua interioridade não desqualifica sua efetividade política.
A resistência semiótica é entendida por John Fiske como a afirmação da
diferença e se traduz na própria diversidade das leituras. E mais, essa diver-

Efeito e Recepção 195


sidade de leituras é estimulada pelos próprios produtos culturais, quanto mais
homogêneos eles sejam. Assim, um seriado como Dallas, amplamente transmi-
tido em várias partes do mundo, teria necessariamente que conter uma aber-
tura que lhe possibilitasse alcançar uma variedade de telespectadores espa-
lhados pelos continentes.6 É neste sentido que Fiske adota a idéia de que um
texto – seja ele a televisão em geral ou um programa televisivo – é um porta-
dor/provocador de sentidos. Para alcançar audiência tão variada, os produto-
res de Dallas devem ter levado em consideração muito da diversidade cultural
dos seus prováveis telespectadores e devem ter provido um “considerável
excesso semiótico” (Ibidem, 319) de modo a permitir às subculturas receptoras
produzirem seus próprios sentidos em vez daqueles preferidos pelos produ-
tores. Por isso, para Fiske, a televisão é o principal lugar onde o sistema domi-
nante tem que “reconhecer a insegurança de seu poder, e onde eles têm que
encorajar a diferença cultural com toda ameaça à sua própria posição que isso
implica” (Ibidem, 326).
A valorização pura e simples da diversidade de leituras como fonte de
resistência, resistência consistindo essencialmente em desestabilizar os senti-
dos propostos pelos media, e o entendimento de que toda ação de resistência
é em si mesma boa serão alvo de fortes críticas. David Morley refuta o trabalho
de John Fiske no que ele pretenderia fazer apologia de uma “democracia
semiótica”, na qual pessoas provenientes de um vasto leque de subculturas e
grupos constróem seus próprios sentidos dentro de uma economia cultural
autônoma. Para Morley, tais
estudos recentes sobre recepção, que documentam a autonomia da
audiência e oferecem leituras otimistas redentoras de textos mediáticos
dominantes, se apresentaram ante tudo, não como um desafio a um
modelo ingênuo dos efeitos, mas como provas de que os meios não
exercem nenhuma influência na democracia semiótica do pluralismo
pós-moderno. A valorização implícita do prazer da audiência leva facil-
mente, nesses trabalhos, a um relativismo cultural que... se incorpora
em seguida a uma retórica neoliberal populista... (Morley, 1996:49).

Estratégias de Resistência
A investigação que resultou na publicação, em 1985, de Watching “Dallas”:
soap opera and the melodramatic imagination, de Ien Ang, é considerada uma
das mais interessantes abordagens etnográficas da audiência, sobretudo pela
técnica etnográfica incomum que ela adotou. Ang colocou um anúncio em uma

196 Os Estudos de Recepção


revista feminina de grande circulação na Holanda com a frase “Eu gosto de
assistir o seriado de TV Dallas, mas freqüentemente tenho reações esquisitas
a ele” (Ang, 1997b:411), solicitou às telespectadoras que escrevessem para ela
para compartilhar suas experiências de assistir à série e, então, pautou sua
investigação na análise das cartas que foram enviadas em resposta.
De acordo com a postura que revelaram nas cartas, as telespectadoras
foram classificadas em três categorias: as amantes de Dallas, as inimigas de
Dallas e as “irônicas”, ainda que os três grupos tenham demonstrado uma
visão negativa dos media, que a autora denominou “ideologia da cultura de
massa”. A crítica ideológica aos media, nesse caso, é tomada como pretexto
para que a autora examine os usos estratégicos que as telespectadoras fazem
do hábito de assistir televisão.
Ang entende que a discussão sobre a ideologia da cultura de massa, essa
imagem negativa comumente oferecida da cultura de massa, imagem que
permeia o senso comum e os discursos jornalísticos, pode dar o enquadramento
no qual perguntas tais como “o que devo pensar sobre um programa televisivo?,
que argumentos posso usar para tornar minha opinião plausível?, como devo
reagir ante as pessoas que têm uma opinião diferente?” podem ser respondi-
das. Ang adota a concepção de que a ideologia não apenas organiza as idéias
e imagens que as pessoas fazem da realidade, mas também habilita as
pessoas a formarem uma imagem de si mesmos e, assim, ocuparem uma
posição no mundo. “Mediante ideologias as pessoas adquirem uma identida-
de, tornam-se sujeitos com suas próprias convicções, sua própria vontade,
suas próprias preferências” (Ibidem, 410). Daí, um indivíduo vivendo na ideo-
logia da cultura de massa pode qualificar-se como, por exemplo, “uma pessoa
de gosto”, ou como alguém que não se deixa seduzir pela cultura comercial
barata. Mas, como a ideologia também produz uma imagem dos outros, tal
indivíduo pode constituir a identidade do outro como aquele que tem um
gosto vulgar ou que se deixa seduzir pela cultura massificada.
As cartas das telespectadoras que odeiam Dallas são caracterizadas pela
demonstração de “fúria,7 aborrecimento e indignação” (Ang, 1997b:404), mas
não apresentam um discurso meramente emocional. As telespectadoras fre-
qüentemente oferecem uma explicação racional para sua aversão. Essa
explicação racional argumenta contra o uso do estereótipo, sobretudo na re-
presentação dos papéis masculinos e femininos; condena as supostamente
falsas intenções constitutivas de todo produto comercial com seu interesse
pelo lucro; e, em se tratando de telespectadores europeus diante de uma
produção cultural norte-americana, acusam sua estratégia imperialista.

Efeito e Recepção 197


As telespectadoras “irônicas” são aquelas que são aficionadas por Dallas ao
mesmo tempo em que utilizam os padrões de julgamento que a ideologia da
cultura de massa prescreve. Estas telespectadoras resolvem a contradição
entre adotar a moral da ideologia da cultura de massa e ao mesmo tempo
experimentar prazer ao assistir o programa pelo recurso à ironia, ao escárnio,
à troça. Elas introduzem um comentário jocoso como forma de mostrar seu
distanciamento. Elas gostam de Dallas, mas não são ingênuas, percebem seus
artifícios, sua má qualidade, seu tom exagerado, estilo dramalhão, e afirmam
tirar prazer disso: “Acho Dallas divertido porque ele é tão ruim” (Ibidem, 408).
O conflito entre respeitar as normas da ideologia da cultura de massa e gostar
de Dallas desaparece: “ironizando, isto é, criando uma distância entre si mes-
mas e Dallas como um ‘objeto ruim’, é o modo no qual se gosta de Dallas”
(Ibidem, 409). A ironia permite que elas desfrutem do programa sem drama
de consciência.
As amantes de Dallas foram as telespectadoras que demonstraram possuir
uma relação negociada mais complexa e cuidadosa tanto em relação à ideolo-
gia da cultura de massa quanto em relação ao próprio programa. Ang se
pergunta sobre como reagem as telespectadoras que gostam de Dallas ao fato
de que a ideologia da cultura de massa as representa como idiotas, como o
oposto das pessoas de gosto, ou das pessoas que não são seduzidas pela
indústria cultural. Elas sabem que essa imagem negativa existe e se preocu-
pam com ela? A ideologia da cultura de massa não é desconhecida das fãs de
Dallas e elas também tendem a operar por meio dela.
Uma das estratégias adotadas pelas telespectadoras é internalizar julga-
mentos da ideologia da cultura de massa ao mesmo tempo em que pretendem
assumir o controle sobre suas reações. Assim uma telespectadora pode gostar
de Dallas, deixar-se levar pelo sentimentalismo da série, emocionar-se ou rela-
xar, ainda que afirme estar atenta ao tipo de influência que o programa pode
ter, ao tipo de sentimentalismo barato que ele produz (cf. Ibidem, 412). Essa
telespectadora não adota uma atitude independente da ideologia da cultura
de massa, apenas assume o controle de sua moral.
Uma segunda estratégia é a negação da ideologia, mas nos seus próprios
termos, de tal modo que, ante a acusação de que Dallas não tem substância (e
portanto é ruim), responde-se que ele tem substância (e então é bom). Esse tipo de
telespectadora sente-se sob ataque e negocia com as representações da ideologia
da cultura de massa, mas ainda dentro do seu espaço discursivo. Analisando uma
das cartas, Ang diz: “[a telespectadora] não situa a si mesma fora [da ideologia] e
não fala de uma posição ideológica opositora” (Ibidem, 413).

198 Os Estudos de Recepção


Uma terceira estratégia ainda é possível. Aqui a ironia aparece novamente,
mas não como uma estratégia consciente para criar distanciamento. Antes, é
expressão de uma conflitante experiência de assistir TV. Gostar realmente de
assistir Dallas e mostrar-se irônico em relação a ele são posições dificilmente
conciliáveis, já que uma envolve
identificação enquanto a outra cria distância. A atitude ambivalente justifi-
ca-se pelo fato de que, embora uma parcela das telespectadoras aceitem a
justeza da ideologia da cultura de massa, elas ao mesmo tempo realmente
gostam de Dallas – o que é contrário às regras da ideologia. A ironia aqui é um
mecanismo de defesa com o qual as telespectadoras tentam obedecer às nor-
mas ditadas pela ideologia da cultura de massa, enquanto secretamente gos-
tam de Dallas.
Isso mostra que as telespectadoras utilizam uma variedade de estratégias
de defesa, estratégias em si mesmas contraditórias e que evidenciam uma
relação ambivalente dos receptores com os media. Essa ambivalência conduz
Ien Ang a uma conclusão que em última instância nega um dos mais importan-
tes pressupostos dos Estudos Culturais, qual seja, o de que a ideologia se
inscreve nas práticas. Segundo Ang, a influência da ideologia da cultura de
massa pode se restringir às opiniões, aos discursos que as pessoas usam quan-
do falam sobre cultura. “Essas opiniões e racionalizações não precisam, no
entanto, necessariamente prescrever as ‘práticas’ culturais das pessoas”
(Ibidem, 419). A autora nega, aparentemente sem se dar conta, ou pelo menos
não o faz explicitamente, a idéia gramsciana de que a ideologia se evidencia
em todas as manifestações da vida individual ou coletiva.8

Etnografia da Audiência
Esse estudo de Ien Ang representa um momento inicial do que se veio a
denominar “etnografia da audiência” ou etnografia do público.
A maioria dos estudos sobre recepção se limita à análise das especifici-
dades de certos encontros texto/público; os métodos utilizados são qua-
litativos (entrevistas em profundidade e/ou observação participante), e
sobretudo se insiste na descrição detalhada da maneira na qual o
público negocia com os textos e com as tecnologias dos meios. Neste
sentido, a análise da recepção poderia muito bem chamar-se: ‘etnografia
do público e dos meios’ (Ang, 1997a:87).9

A etnografia praticada nos Estudos Culturais, particularmente nos estudos


de recepção, pretende filiar-se àquela que aparece na letra de Clifford Geertz,10

Efeito e Recepção 199


que defende um conceito de cultura essencialmente semiótico e que exige,
portanto, não uma ciência experimental, mas uma ciência interpretativa.
Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chama-
ria símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um
poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimen-
tos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um
contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligí-
vel – isto é, descritos com densidade (Geertz, 1989:24).

Tal “descrição densa” deve atentar ao comportamento, pois é mediante o


fluxo do comportamento, da ação social, que as formas culturais encontram
articulação. É certo que elas a encontram também nos artefatos e nos “estados
de consciência”, mas, então, o seu significado emerge do papel que esses
artefatos e estados de consciência desempenham no padrão de vida de uma
formação cultural particular, nos usos que se fazem deles. É a inspeção dos
comportamentos e dos acontecimentos que garante o acesso aos sistemas
simbólicos.
Há três características da descrição etnográfica densa:
ela é interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social e a
interpretação envolvida consiste em tentar salvar o ‘dito’ num tal discur-
so da sua possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis...
Há ainda, em aditamento, uma quarta característica de tal descrição,
pelo menos como eu a pratico: ela é microscópica (Ibidem, 31).

Os Estudos Culturais apelam à etnografia como uma alternativa às pesqui-


sas quantitativas de audiência, próprias das análises de mercado, dos índices
de audiência, mas também “no sentido de evitar as ciladas da objetividade
sociológica” (During, 1997:21) e dar lugar às vozes outras que não as dos
próprios teóricos. O problema da representatividade tem sido desconsiderado
em favor de uma abordagem mais qualitativa. Para os Estudos Culturais, o
conhecimento baseado em técnicas estatísticas pertence aos processos que
normatizam a sociedade e de todo modo se opõem ao respeito dos Estudos
Culturais pelos sujeitos marginais.
Mas a etnografia vinha também “corrigir” aquela tendência fortemente
especulativa dos Estudos Culturais, característica dos anos de 1970, quando
estavam sob a direção intelectual de Hall. O uso dos métodos etnográficos
parecia oferecer solução à tensão que os Estudos Culturais viviam entre sua
predileção pelas experiências vividas e sua propensão à teorização.

200 Os Estudos de Recepção


A etnografia possibilita um tipo de estudo de recepção diferente do que
vinha sendo realizado pelos Estudos Culturais ingleses até então. Com a
etnografia, a prática de assistir televisão não é investigada exclusivamente no
nível do discurso dos telespectadores, mas situada no espaço doméstico, orga-
nizada dentro da dinâmica das relações domésticas, e considerada como ele-
mento de um estilo individual de vida. O enfoque etnográfico permite avaliar
melhor o impacto cultural dos desenvolvimentos atuais dos meios de comuni-
cação, desenvolvimentos que implicam, entre outras coisas, o uso associado de
várias tecnologias de uso doméstico. Permite também, por sua variedade de
recursos metodológicos (monografias de bairro, observação participante, es-
tudos de caso e análise de histórias de vida), várias maneiras de abordar e
tentar compreender a audiência. Nesse sentido, a etnografia ajuda os Estudos
Culturais preservarem sua preocupação com as experiências vividas.
A etnografia da audiência que se tem praticado nos marcos dos Estudos
Culturais tem sido precipuamente a etnografia da audiência televisiva. Embo-
ra haja uma preocupação com o uso associado de várias tecnologias de uso
doméstico, esse uso é sempre relacionado à televisão. É para compreender a
relação entre televisão e audiência que se toma a televisão como uma tecnolo-
gia a mais a ocupar o tempo e o espaço doméstico. “Recontextualizar o estudo
do consumo da televisão dentro de um marco sociotecnológico e cultural mais
amplo” (Morley, 1996:280) significa, no mais das vezes, considerá-la como uma
tecnologia a mais dentro do conjunto das tecnologias da comunicação que
ocupam o tempo e o espaço doméstico – o vídeocassete, o computador, o
telefone, o equipamento de som. Mas a ênfase é dada ao consumo da televisão.
Procura-se entender a televisão ao mesmo tempo como um “texto” e como
uma “tecnologia”, o que implica sua consideração em relação às rotinas da vida
cotidiana, ao conjunto dos bens materiais e culturais de uma determinada
formação social e às suas competências. Isto significa estudar a recepção em
detalhe, no espaço e no momento reais em que ela se dá. Ver televisão é uma
prática social regida por regras e “a preocupação do etnógrafo é interpretar as
regras que governam e facilitam essa prática” (Ibidem, 265).
O ponto de partida de qualquer desses estudos é o lar ou a família, pois
ali se cria a primeira relação com a televisão e se realiza a formulação
primária de sentidos. O lar ou a família, inseridos em um ambiente
social e cultural mais amplo, proporcionam, com suas pautas de intera-
ção cotidiana, com seus próprios sistemas internos de relações, e sua
própria cultura de legitimação e de formação da identidade, um labo-

Efeito e Recepção 201


ratório para a investigação naturalista do consumo e da produção de
sentido (Ibidem, 263).

O recurso à etnografia tem, a rigor, significado uma “enérgica defesa” de


que o estudo das audiências televisivas se dê em seu cenário doméstico “natu-
ral” e de que a recepção televisiva seja inserida nas práticas da vida cotidiana.
Mas essa defesa tem na maior parte das vezes se traduzido numa concepção
estreita da etnografia, que se tem transladado aos Estudos Culturais como um
mero sinônimo de investigação qualitativa. Enquanto a etnografia tem repre-
sentado um esforço de interpretação da cultura como um sistema semiótico
geral, pelo menos é assim que ela aparece em Geertz, nos estudos de recepção
ela se torna um mero conjunto de técnicas que possibilitam ao investigador
chegar aos receptores. Sobretudo possibilita aos investigadores chegarem ao
“espaço doméstico”.
No nosso entendimento, e na consideração do problema que se coloca
neste livro, qual seja, a compreensão do processo receptivo, o “giro etnográfico”
representa um empobrecimento. Em primeiro lugar, a etnografia parece per-
der, ela própria, sua densidade. Mantêm-se as recomendações de Geertz de
que ela seja interpretativa e microscópica, mas parece haver uma grave ten-
dência a exagerar na abordagem microscópica a ponto de que ela se transfor-
ma num fetiche.
Por outro lado, à etnografia se toma apenas como um sinônimo de investiga-
ção qualitativa da audiência. Se antes audiência se apresentava como uma mas-
sa invisível, “escondida atrás das portas fechadas de seus lares privados” (Ang,
1991:s/pg.), e à qual não se tinha acesso a não ser pelo recurso aos “índices de
audiência”, com a etnografia das audiências esse problema se resolve. Enquanto
as pesquisas (quantitativas) de audiência forneciam um conhecimento estatísti-
co, técnico, aparentemente objetivo e factual das audiências, descreviam seu
comportamento como um ato puramente mecânico de ligar ou desligar um
aparelho de TV, as etnografias da audiência mostram que os telespectadores são
por definição mais do que apenas membros de uma audiência típica. E neste
sentido as etnografias da audiência são bem-sucedidas.
Quando as pessoas assistem TV elas são, claro, inevitavelmente
posicionadas como membros da audiência, mas elas também sempre
simultaneamente habitam uma miríade de outras posições subjetivas
tais como pai, crítico, fã, democrata, sulista ou o que quer que seja –
posições subjetivas que eludem o mundo simbólico da medição de audi-
ência (Ibidem, s/pg.).

202 Os Estudos de Recepção


Não resta dúvida de que mostrar “as táticas fragmentadas, invisíveis e
marginais” (Idem, 1997a:92) que os receptores utilizam em seus encontros
com os media, explorar os modos como o consumo da cultura se efetiva nos
espaços domésticos e se traduz nas práticas cotidianas é uma das grandes
contribuições dos estudos etnográficos da recepção. Mas, na medida em que
os estudos de recepção se qualificam como investigação empírica qualitativa
de audiência, eles, em vez de marcar uma posição de ruptura em relação à
tradição de investigação da comunicação oriunda da teoria da informação,
traduzem-se num refinamento das pesquisas de audiência.

Recepção e Mediações na América Latina


Os estudos de recepção emergem na América Latina em meados dos anos
de1980 e nascem como um movimento que pretendia apresentar uma refle-
xão alternativa às análises de inspiração funcionalista ou frankfurtiana que
até então predominavam. Recorre-se, então, ao pensamento de Gramsci no
que ele pode significar um desbloqueio, desde o marxismo, da questão cultu-
ral e da dimensão de classe na cultura popular e possibilitar, a partir daí, uma
reflexão alternativa dos problemas comunicacionais.
A análise de recepção surge, na América Latina, como uma tentativa explí-
cita de produzir
uma teoria da comunicação que tivesse como eixos as culturas e as
práticas comunicativas próprias da América Latina, a história de sua
dominação, e portanto os conflitos sociais, os desequilíbrios de informa-
ção em sociedades como as nossas configurados tanto pelos interesses
privados dos meios como pelas ingerências das instituições políticas
(Barbero, 1999: s/pg.).

A penetração do conceito de “hegemonia”, tal como pensado por Gramsci,


e a visão cultural dos meios de comunicação possibilitada pelos cultural studies
da Universidade de Birmingham vão marcar diversas abordagens teórico-
metodológicas dos estudos latino-americanos da recepção, entre eles as cor-
rentes conhecidas como “frentes culturais”, do Programa de Estudos sobre as
Culturas Contemporâneas, coordenado por Jorge Gonzalez; recepção ativa, do
Centro de Indagación y Expressión Cultural y Artística (CENECA/Chile), repre-
sentado por Valerio Fuenzalida e Maria Elena Hermosilla (1989); “consumo
cultural”, desenvolvida por Nestor Garcia Canclini (1995); “enfoque integral da
audiência”, desenvolvido por Guillermo Orozco Gómez; e “uso social dos mei-
os”, por Jesus Martín-Barbero.11 Estas vertentes têm em comum o estudo da

Efeito e Recepção 203


recepção a partir de uma revalorização do sujeito e, em conseqüência, a ênfase
na atividade do receptor diante dos meios de comunicação.

O Paradigma das Mediações


Dentre estas vertentes, as que dão corpo teórico e metodológico ao “paradig-
ma das mediações”12 parecem avançar mais no sentido de que, embora não
negligenciem o lugar do receptor como sujeito ativo no processo comunicativo,
vêem este sujeito como determinado socioculturalmente. O recorte que se fará
aqui na abordagem dos estudos da recepção a partir do “paradigma das
mediações” justifica-se precipuamente por ter sido por intermédio dele que os
Estudos Culturais ingleses entraram no campo da comunicação no Brasil. Até
a primeira metade dos anos de 1990, quando se falava em Estudos Culturais,
aqui, pensava-se na leitura que Jésus Martín-Barbero e Guillermo Orozco
Gómez faziam dos investigadores ingleses. O recorte justifica-se, também, por
ser este modelo aquele que, no nosso entendimento, melhor indica os cami-
nhos rumo a uma concepção mais global do processo comunicativo.
O “paradigma das mediações” pode ser identificado na proposta teórico-
metodológica desenvolvida por Guillermo Orozco, “enfoque integral da audi-
ência”, e na do “uso social dos meios”, concebida por Jésus Martín-Barbero.
Tais propostas têm como objeto de investigações as “mediações” que intervêm
no processo de recepção aos media. Ambas preocupam-se primordialmente
com a recepção televisiva e partem de uma mesma dupla filiação, aos Estudos
Culturais desenvolvidos na Universidade de Birmingham – a referência fun-
damental para eles são as reflexões de Raymond Williams – e a Gramsci,
marcadamente a seus conceitos de “hegemonia e intelectuais orgânicos”.
Filiação que se por um lado “marca uma contribuição distintiva da teoria lati-
no-americana da recepção, por outro traz um entendimento da recepção
como locus de enfrentamento e resistência”.
Essas propostas teóricas apresentam um largo passo de superação na
concepção dos processos comunicativos, na compreensão dos meios de comu-
nicação no interior da sociedade, na medida em que procuram entender a
recepção aos meios, notadamente a recepção televisiva, do ponto de vista de
uma teoria que pretende compreender a complexidade e as contradições da
experiência cultural nas sociedades contemporâneas mirando os meios de
comunicação não como um aparato ou instrumento, mas como constitutivos
das próprias práticas sociais. Portanto, é perfeitamente compreensível a proxi-
midade epistemológica (no que diz respeito aos conceitos e instrumentos de
investigação) e política (no que diz respeito à avaliação que se faz das socieda-

204 Os Estudos de Recepção


des capitalistas hodiernas) destes estudos de recepção ao solo epistêmico que
as teorias críticas da sociedade formulam.

Uso Social dos Meios


Em Barbero, a filiação aos Estudos Culturais dar-se-á por sua preocupação em
investigar os processos de constituição do massivo desde as transformações
nas culturas subalternas. Daí porque ele irá buscar os estudos de Raymond
Williams, especialmente naqueles aspectos onde ele trata da elaboração de
um modelo que permita dar conta da complexa dinâmica dos processos cultu-
rais contemporâneos. A linha de fundo que guia os Estudos Culturais naquilo
que interessa a Barbero e que permite articular as práticas populares na
cultura é a que entende o massivo como trabalhando desde dentro do popular.
Ou seja, as mensagens de massa só têm pertinência quando reelaboradas pela
cultura popular; é dentro da cultura popular que os conteúdos de massa são
apropriados, interpretados e revestidos de sentido.
O deslocamento da cultura do âmbito da ideologia, da sua mera reprodu-
ção, para o “campo dos processos constitutivos e portanto transformadores do
social” (Barbero, 1987:90), permite pensar o processo de dominação como o
processo em que uma classe hegemoniza na medida em que representa inte-
resses que são reconhecidos como seus, de alguma forma, pelas classes subal-
ternas.
E ‘na medida’ significa aqui que ‘não há hegemonia, senão que ela se
faz e desfaz, se refaz permanentemente’ em um ‘processo vivido’, feito
não somente de força senão também de sentido, de apropriação do
sentido pelo poder, de sedução e de cumplicidade (Ibidem, 85:g.n.).

O cultural aparece como campo estratégico de luta pela hegemonia.


É a partir deste quadro teórico que Barbero irá perceber a comunicação,
considerando-a como espaço estratégico desde o qual se deva pensar as soci-
edades a meio caminho entre o subdesenvolvimento acelerado e uma moder-
nização compulsiva, mais particularmente, as sociedades latino-americanas.
Diante da observação de que o modo no qual as pessoas produzem o sentido
de sua vida, o modo no qual se comunicam e usam os meios não cabia na
concepção tradicional da comunicação – um emissor-dominante envia uma
mensagem a um receptor-dominado – Barbero propõe a revisão do processo
de comunicação “desde o seu outro lado, o da recepção, o das resistências que
aí têm seu lugar, o da apropriação desde os usos” (Ibidem, 10:g.n.). Opera-se
dessa forma um deslocamento conceitual cunhado por ele de de los medios a

Efeito e Recepção 205


las mediaciones13 e que indica a entrada em campo do estudo das instituições,
organizações e sujeitos, das diversas temporalidades sociais e multiplicidade
de matrizes culturais. Sua preocupação básica está nas articulações entre as
práticas de comunicação e os movimentos sociais.
Buscando identificar as articulações entre as práticas comunicativas e os
movimentos sociais e percebendo, por outro lado, a força com que os movi-
mentos sociais fazem visíveis as mediações, Barbero propõe partir daí mesmo,
“dos lugares dos quais provêem as constrições que delimitam e configuram a
materialidade social e a expressividade cultural da televisão” (Ibidem, 233).
Em lugar de analisar as lógicas da produção ou da recepção, ele propõe partir
do lugar onde se estabelece sua relação de enfrentamento, do lugar onde a
relação entre os receptores e os meios acontece – o campo das mediações .
Em De los medios a las mediaciones, Barbero propõe que devam ser consi-
deradas três instâncias mediadoras para a análise da televisão, a “cotidianidade
familiar”, a “temporalidade social” e a “competência cultural”. A família apare-
ce como o locus primordial de leitura e codificação da televisão:
Se a televisão na América Latina tem ainda a família como a ‘unidade
básica de audiência’ é porque ela representa para as maiorias a situ-
ação primordial de reconhecimento. E não se pode entender o modo
específico no qual a televisão interpela a família sem interrogar a
cotidianidade familiar enquanto lugar social de uma interpelação fun-
damental para os setores populares (Ibidem, 233/234).

A mediação que a cotidianidade familiar cumpre na configuração da televi-


são não se limita ao que é possível analisar desde o âmbito da recepção – o local
ocupado pelo aparelho de TV no espaço doméstico, a legitimidade que as
emissões televisivas possuem no seio da família, os horários e programações
preferidas, o grau de atenção/dispersão com que se assiste TV, entre outros
indicadores –, pois inscreve suas marcas no próprio discurso televisivo, atra-
vés da “simulação do contato”, quando a TV interpela a família, convertendo-
a em seu interlocutor, e da “retórica do direto”, dispositivos que organizam o
espaço da televisão sobre o eixo da “proximidade e da magia de ver” (cf.
Ibidem, 233-235).
A “simulação do contato” atende à própria condição da recepção televisiva,
que se dá no ambiente da dispersão característica à cotidianidade familiar –
em oposição à concentração própria à recepção cinematográfica, por exemplo.
Mas atende, sobretudo, à necessidade de facilitar o aporte do mundo da ficção
e do espetáculo ao espaço da cotidianidade e da rotina. Barbero aponta o

206 Os Estudos de Recepção


apresentador ou animador, “personagem” em geral tomado de empréstimo
ao espetáculo popular, e o tom coloquial adotado pelas emissões televisivas
como os responsáveis por criar um clima que permite o trânsito entre realida-
de cotidiana e espetáculo ficcional. A “retórica do direto”, por sua vez, diz
respeito aos modos como a televisão busca operar sua proximidade em relação
a seus espectadores, interpelando-os a partir dos dispositivos que dão forma à
própria cotidianidade, como o imediatismo, a simplicidade, a clareza e a econo-
mia narrativa.
A “temporalidade social”, segunda mediação considerada por Barbero,
refere-se às formas como a organização do tempo pela TV reproduz a mesma
matriz cultural que organiza o tempo cotidiano, a da repetição e do fragmento
e que, segundo o autor, remete aos modos pelos quais a televisão inscreve o
cotidiano no mercado (cf. Ibidem, 236). Inserindo-se no tempo do ritual e da
rotina, a televisão organiza sua programação como forma da rentabilidade:
Cada programa ou, melhor, cada texto televisivo remete seu sentido ao
cruzamento dos gêneros e dos tempos. Enquanto gênero, pertence a uma
família de textos que se correspondem e se reenviam uns aos outros desde
os diversos horários do dia e da semana. Enquanto tempo ‘ocupado’, cada
texto remete à seqüência horária do que o antecede e o segue ou ao que
aparece no palimpsesto em outros dias à mesma hora (Ibidem, 236).

O tempo de descanso, uma vez dedicado à recepção televisiva, deixa entre-


ver a forma do tempo do trabalho. Se o fragmento e a repetição reproduzem
o cotidiano, a serialidade da programação de TV remete ao tempo produtivo;
‘o tempo da série’ fala o idioma do sistema produtivo – o da estandartização
(...). A série e os gêneros fazem agora a mediação entre o tempo do capital e o
tempo da cotidianidade” (Ibidem, 236/237).
Num texto mais recente, Barbero amplia sua concepção da “temporalida-
de” de modo a que elas não se refiram especificamente ao “tempo da TV”, mas
encontrem ressonância na “multiplicidade de temporalidades, [na] multiplici-
dade de histórias, com seus próprios ritmos e com suas próprias lógicas” (Idem,
1995:43). Apoiado em Raymond Williams, Barbero pretende chamar atenção
para a heterogeneidade de temporalidades vividas por cada sociedade, em
outros termos, para o fato de que “em toda sociedade convivem formações
culturais arcaicas, residuais e emergentes” (Ibid, 44).
Ele acrescenta também, nesse texto de 1995, três outras mediações, a
mediação das novas fragmentações sociais e culturais, a mediação da exclu-
são cultural e a mediação das demandas sociais. Barbero considera, sobretu-

Efeito e Recepção 207


do, a segmentação dos públicos com os quis os meios trabalham, segmenta-
ção cada vez mais matizada e que se põe como estratégia mercadológica em
razão das novas tecnologias da comunicação, como as redes de satélites, as
TVs a cabo e por assinatura. Mas Barbero está interessado nas fragmenta-
ções sociais e culturais engendradas pela tecnologia, por exemplo, aquela
que dá nova roupagem ao velho tema da diferença de gerações: a separação
entre jovens e velhos em razão dos “novos modos de relação da juventude
com a tecnologia eletrônica” (Ibidem, 46). Atualmente, ele tem dedicado al-
gum esforço à investigação do modo como os aparatos eletrônicos reorgani-
zam a experiência social dos jovens. “O mundo jovem é hoje o espaço primor-
dial de expressão das mudanças que experimentamos...” (Idem, 1999:s/pg.),
a apatia dos jovens nos fala das nossas incertezas e da nova sensibilidade
possibilitada pela tecnologia eletrônica.
Haveria, segundo Barbero, um acúmulo de demandas sociais de comunica-
ção que se expressam nos modos de ver, de escutar e de ler. São demandas que
de certo modo traduzem a multiplicidade de atores da sociedade civil e que
não têm sido consideradas pelas políticas de comunicação na América Latina.
Considerar a exclusão social como mediação implica considerar a desqualifica-
ção do gosto popular, a deslegitimação da cultura dos gêneros narrativos e
“uma deslegitimação dos modos populares de recepção, dos modos populares
de desfrutar as coisas” (Idem, 1995:52).
Os gêneros (melodrama, telejornal, aventura, terror...) constituem uma
mediação fundamental para a recepção televisiva porque é desde aí que a
dinâmica cultural da televisão atua. É desde aí que ela dá conta das diferenças
sociais que a atravessam e de onde ela ativa a “competência cultural” dos seus
receptores: “Os gêneros... constituem uma mediação fundamental entre as
lógicas do sistema produtivo e do sistema de consumo, entre a do formato e a
dos modos de ler, dos usos” (Idem, 1987: 239).
Os gêneros são compreendidos por Barbero no sentido que lhes deu
Paolo Fabbri (1973): como a unidade mínima de análise da comunicação de
massa. Eles não aparecem como uma propriedade dos textos, mas como algo
que perpassa os textos, não é uma estratégia da produção dos textos, mas
uma estratégia de leitura. Por isso Barbero entende que o gênero é uma
estratégia “de comunicação”, ligada aos vários universos culturais. “O gêne-
ro é um estratagema da comunicação, completamente enraizado nas dife-
rentes culturas, por isso, geralmente, não podemos entender o sentido dos
gêneros senão em termos de sua relação com as transformações culturais na
história...” (Barbero, 1995:65).

208 Os Estudos de Recepção


No sentido trabalhado por Barbero, o gênero “é menos questão de estru-
tura e de combinatórias que de competência” (Idem, 1987:241), é uma “es-
tratégia de comunicabilidade” e é como marca dessa comunicabilidade que
ele se faz presente e analisável em um texto. Sugerindo que o melodrama é
o gênero televisivo14 mais expressivo na América Latina porque é o mais
aberto às formas de viver e sentir de sua população,15 Barbero procurará
identificar, no melodrama, os mecanismos pelos quais, operando desde a
memória e o imaginário coletivo, ele irá dar conta do reconhecimento da
cultura popular na cultura de massa. É o “drama do reconhecimento” o que
está em jogo no melodrama e reconhecimento, na acepção adotada, significa
interpelação:
...re-conhecer significa interpelar, uma questão acerca dos sujeitos, de
seu modo específico de constituir-se. E não somente os individuais, tam-
bém os coletivos, os sociais, incluídos os sujeitos políticos. Todos se fazem
e refazem na trama simbólica das interpelações, dos reconhecimentos
(Ibidem, 244).

Aqui está, no nosso entendimento, um dos grandes saltos da proposta de


Barbero rumo a uma análise do processo comunicativo como um todo: seu
entendimento dos gêneros como “estratégias de interação”, como modos nos
quais se fazem presentes, reconhecíveis, as competências comunicativas dos
emissores e dos destinatários. É o funcionamento dessas estratégias de intera-
ção que vai impor uma diferente concepção da comunicação, na medida em
que impõe pensar a “competência textual” fora do âmbito de uma exclusivida-
de da emissão, senão também da recepção.
Segundo Barbero, o estudo da recepção por ele proposto não entende a
comunicação em termos de mensagens que circulam, de efeitos e respostas: a
recepção é recolocada no âmbito da cultura. Situar a recepção no âmbito da
cultura significa pensar o modo em que ela trabalha a “hegemonia” e as
“resistências” que ela mobiliza, “do resgate portanto dos modos de apropria-
ção e réplica das classes subalternas” (Ibidem, 240). Temos, de maneira explí-
cita, o entendimento de cultura como campo de luta e da recepção como locus
de enfrentamento e construção da hegemonia.
Estudar a produção de sentido no espaço da recepção significa pensar os
processos de comunicação a partir do âmbito da cultura.
Os ‘usos’, portanto, são inalienáveis da situação sociocultural dos recep-
tores, que reelaboram, ressignificam, ressemantizam os conteúdos

Efeito e Recepção 209


massivos conforme sua experiência cultural, a qual dá suporte para
esta apropriação. A consideração de que o receptor também é um pro-
dutor é a principal mudança trazida por este enfoque da comunicação,
que privilegia o cotidiano como lugar a ser pesquisado e o consumo
como categoria de análise (Jacks, 1993: 40).16

Em termos de pesquisa de comunicação, isso implica o deslocamento do


eixo que se estabelecia na produção, para o âmbito do consumo, no intuito de
verificar como se dá o uso que os receptores fazem dos conteúdos de massa. O
consumo é entendido como o espaço das práticas cotidianas, enquanto
lugar de uma luta que não se esgota na posse dos objetos, pois passa
ainda mais decisivamente pelos usos que lhes dão forma social e nos
quais se inscrevem demandas e dispositivos de ação que provêm de
diferentes competências culturais (Barbero, 1987: 231).

Neste sentido, a categoria consumo (em oposição a produção) aparece em


Barbero com uma certa proeminência: é necessário uma concepção do consumo
capaz de oferecer um marco à investigação da comunicação e da cultura desde
o popular, que permita uma compreensão dos diferentes modos de apropriação
cultural, dos diferentes usos sociais da comunicação. Assim, a noção de consumo
estende-se não somente à reprodução de forças, mas também à produção de
sentido e o que o autor propõe é uma análise integral do consumo, o que signi-
fica que o consumo deve ser entendido como o conjunto dos processos sociais de
apropriação dos produtos, como lugar de diferenciação social, como sistema de
integração e de comunicação de sentidos – “como modo de circulação e
popularização de sentido” (Idem.1995:62) –, como cenário de objetivação de
desejos e como “um lugar de processo ritual” (Ibidem, 62).

Enfoque Integral da Audiência


Guillermo Orozco tomará de empréstimo a Barbero o tema das mediações, mas
colocando-o numa perspectiva que permita entender como se realiza a intera-
ção entre a televisão e a audiência com o propósito deliberado de formar as
bases para a construção de um receptor crítico, ativo.
Guillermo OROZCO desenvolve boa parte das suas investigações em rela-
ção à recepção televisiva infantil. A interação criança/TV é considerada como
um processo complexo de aprendizagem informal que não se circunscreve ao
tempo de estar frente à tela e que é influenciada pelas várias mediações que
interferem nessa relação:

210 Os Estudos de Recepção


As mediações das crianças provêem de várias fontes: a mente, a TV
mesma, tanto como meio técnico como uma instituição socializante,
outras instituições socializantes como a família e a escola, a cultura da
qual são membros as crianças, o sexo, a etapa de desenvolvimento
intelectual e afetivo, o lugar de origem e de residência e o estrato
socioeconômico etc. (Orozco, 1992a:110).

Um dos principais pressupostos que orientam as investigações sobre as


“mediações múltiplas” diz que embora o receptor pareça fisicamente isolado, ele
deve ser considerado como situado cultural, histórica e socialmente. Ou seja,
além das características individuais, do estágio de desenvolvimento cognitivo,
do esforço mental e físico que os receptores acionam para ver TV, existem pa-
drões de recepção que advêm da inscrição sociocultural e econômica dos teles-
pectadores. Assim, o contexto sociocultural onde se dá o contato entre meios de
comunicação e receptores não pode estar fora das pesquisas sobre recepção.
Estudando como a criança aprende a partir da televisão, Orozco afirma:
o que faz com que a aprendizagem da criança seja significativa não é,
então, seu desenvolvimento cognitivo senão “sua cultura, entendida como
um âmbito próprio, ainda que em estreita conexão com o estrato social ao
qual pertence”. Na medida em que a aprendizagem da criança dá como
resultado uma atividade cognitiva que não está determinada somente
pelo desenvolvimento das categorias mentais senão também pelo que é
considerado relevante socioculturalmente para ser aprendido, a “apren-
dizagem social da criança não é reativa”. É intencional, no sentido de que
participa de uma intencionalidade global a partir de onde adquire seu
sentido... A aprendizagem da criança é discriminatória. Se produz em
direções específicas e como tal é um processo que supõe necessariamente
uma dupla mediação: cognitiva e sociocultural (Idem, 1990:39,g.n.).

Nesse sentido, é fundamental ter em conta o processo de industrialização


e urbanização, o desenvolvimento tecnológico, as condições políticas e de tra-
balho, a qualidade de vida dos receptores – tais aspectos implicam novas
dimensões para o trabalho, o lazer, o consumo, a vida em família e em socieda-
de. O processo de urbanização, por exemplo, é considerado um fator funda-
mental para o “confinamento cultural da criança”, que está fortemente relaci-
onado com o aumento do tempo de exposição à TV.
Observar o contexto implica considerar que as condições de recepção não
são externas ao processo receptivo, mas são constitutivas do processo de pro-

Efeito e Recepção 211


dução de sentido. São as próprias características da condição de recepção
televisiva que conformam a estética da televisão: a rotina da família, a atenção
dividida entre as tarefas domiciliares e a tela, obrigarão o sistema de produção
televisiva a articular, desde os gêneros e a programação, estratégias de captu-
ra do receptor. As condições de recepção não serão determinantes apenas
sobre o modo como a televisão ativa a competência dos receptores, mas sobre
o modo mesmo como esses receptores percebem, interpretam e se apropriam
das mensagens, o modo como desde a recepção se produz o sentido.
Orozco, com base em suas investigações empíricas, estabelece sete premis-
sas básicas que permitirão compreender o processo receptivo. “A primeira
delas sustenta que a comunicação se produz no pólo da recepção e não da
emissão”, o que não significa dizer que não há intencionalidade e sentidos
propostos pelo emissor, mas que esses sentidos não têm garantia de serem
aceitos como tal,
...em parte porque toda mensagem é polissêmica, suscetível de várias
interpretações...Porém em parte também porque o receptor não é um
recipiente vazio. É um sujeito historicamente situado, que interage
situadamente com as mensagens (Idem, 1991b:10).

“Perceber o sujeito receptor como um múltiplo agente social, imerso em


uma cultura e participante de outros processos e interações é a segunda
premissa” desse modelo e está intrinsecamente relacionada com uma outra,
que entende que “a recepção não se esgota no momento mesmo em que se
dá o contato direto e físico com as mensagens de um meio de comunicação,
mas ela o transcende e funde-se com as práticas cotidianas dos receptores”.
Considerar as práticas cotidianas da audiência como o lugar desde onde
significados e sentidos são negociados e se realiza sua apropriação ou resis-
tência é o que vai permitir a Orozco “conceituar ‘produtivamente’ a recepção
enquanto objeto de estudo para ser problematizada pedagogicamente de-
pois” (Ibidem, 07).
“A exposição aos meios não é a variável determinante para a compreensão do
processo receptivo – quarta premissa.” O que importa é a maneira de expor-se:
nos termos de Orozco, “‘passiva’ ou ativamente, ‘crítica’ ou acriticamente, indivi-
dual ou coletivamente” (Ibidem, 09:g.n.). Atentemos para o fato de que ao colocar
essas opções emblemáticas como exemplos do modo como se expõem os recep-
tores aos meios, Orozco está explicitamente assumindo, por um lado, a possibi-
lidade de uma recepção passiva, o que em outros momentos ele negará catego-
ricamente; por outro, a necessidade de uma recepção crítica.17

212 Os Estudos de Recepção


No texto e momento em que se mostram, esses exemplos de Orozco alertam-
nos, de qualquer forma, para uma suposição: a ênfase que Orozco coloca na
pedagogia da recepção pode justificar-se por sua necessidade, como de boa parte
dos intelectuais latino-americanos de esquerda, de se conceber e atuar como
agente político na construção de uma nova hegemonia no Continente. Conside-
rando-se a filiação gramsciana da corrente dos Estudos Culturais – da qual Orozco
parte – fica evidente aqui a introjeção de um dos conceitos estratégicos básicos do
marxista italiano mais lido na América Latina, qual seja, o de “intelectual orgânico”.
É esta opção política que levará Orozco a formular, em seus próprios ter-
mos, “uma estratégia teórico-metodológica para vincular estreitamente a in-
vestigação da recepção dos meios com a educação dos receptores” (Ibidem,
02), o que pretende ser um trabalho pedagógico e político. Ele parte de uma
“quinta premissa básica que alude ao fato de que o receptor não nasce, senão
que se faz”,
...se vai constituindo em receptor, em parte devido à mediação exercida
pelos mesmos meios e mensagens sobre seus processos de recepção. Em
parte devido a suas múltiplas aprendizagens em outros cenários sociais,
experiências e condicionamentos contextuais e estruturais (Ibidem, 10).

É justo essa premissa que permitirá a vinculação entre a investigação da


recepção e a educação dos receptores, que não estão condenados a ser vítimas
dos meios durante toda a vida. Basta para tanto, segundo a concepção do
autor, que mudemos as regras do jogo das mediações nos processos comunica-
tivos, via explicitação sistemática das mediações para audiências concretas.
Estimular a criatividade e resistência da audiência, dentro desta perspectiva,
é estimular maneiras distintas de “jogar com a mediação” (cf. Idem. 1991a:123).
O esforço de articulação da investigação da recepção com a educação para a
recepção impõe indagar a situação dos receptores frente aos meios, explorar
“as múltiplas mediações de que são “objeto”18 em sua complexa interação com
seus conteúdos” (Idem, 1991b:02,g.n.) para em seguida evidenciar as regras
de sua articulação, explicitando-as a grupos de receptores, e traçar estratégias
de análise e intervenção que permitam uma maior autonomia dos receptores
e uma articulação das mediações de forma alternativa.
A vinculação da investigação da recepção com a educação dos receptores
passa, segundo ele, pela necessidade de configuração de objetos de estudo no
campo da investigação da recepção que sejam suscetíveis de serem explora-
dos de maneira produtiva, isto é, que sejam passíveis de uma intervenção
concreta. Orozco é bastante explícito:

Efeito e Recepção 213


O modelo da ‘Mediação Múltipla’ em grande parte tem sido confeccio-
nado em atenção a este requerimento epistemológico que tenta facili-
tar a intervenção no processo da recepção. Partindo da ‘Mediação com
maiúsculas’ (a la Martín-Barbero...), o modelo pretende oferecer uma
operacionalização de distintas mediações... para que tanto investiga-
dores como educadores possamos identificar aqueles elementos que es-
tão conformando de maneira específica a recepção e a posterior produ-
ção comunicativa da audiência (Ibidem, 13).

Uma sexta premissa definidora do Modelo das Multimediações diz que a


recepção é interação – com os meios, com as mensagens, com a cultura, com as
instituições. É na interação social das audiências que se produz o sentido, cujos
limites não são dados apenas por razões individuais, mas circunscrevem-se
num cenário sociocultural específico.
Esta concepção culturalista permite entender a existência de atos cria-
tivos individuais, por exemplo na interação com a TV, porém os explica
mais além dos indivíduos mesmo, em sua cultura ou subcultura... Na
interação entre os significados das diversas instituições nas quais parti-
cipa a audiência, que atuam como ‘mediação’ no processo de produção
de seus próprios significados, é donde se define o alcance da criatividade
dessa audiência, é donde se definem as audiências como tais ou seus
segmentos e, finalmente, é donde se logra sua manipulação ou emanci-
pação cultural (Idem, 1991a:122).

A “mediação” aparece em Orozco como espaço primordial para compreen-


der esta interação entre audiência e televisão e, em sua concepção, ela é enten-
dida como conjunto de valores, idéias, instituições e capacidades cognitivas
responsável pelos processos de assimilação, rejeição negociação, resistência a
que estão sujeitas as mensagens de massa. “Entender a recepção como pro-
cesso sempre e necessariamente mediado é a sétima premissa” na qual se
ancora Orozco e aquela que vai, por um lado, permitir uma articulação peda-
gógica do Modelo das Multimediações; por outro, vai garantir maior sustenta-
ção à sua proposta teórico-metodológica para a investigação da recepção.
Enquanto categorias de análise, as mediações aparecem aqui de modo
muito mais preciso que em Barbero: elas não provêem somente dos meios, dos
gêneros e das mensagens, mas de outras diversas fontes internas e externas,
anteriores e posteriores ao próprio processo receptivo e, portanto, dos própri-
os receptores. Existem mediações que se dão ao nível do próprio receptor,

214 Os Estudos de Recepção


outras dizem respeito às condições em que a recepção acontece, outras têm
caráter institucional e, por fim, temos a própria mediação cultural.
São duas as mediações centradas no indivíduo: a “mediação cognitiva”,
conjunto de fatores que interferem na percepção, processamento e apropria-
ção da realidade e que diz respeito ao processo de aquisição de conhecimento
pelo indivíduo e a “mediação estrutural”, conjunto de “elementos identitários
que servem de referência ao receptor, conformando sua maneira de pensar e
agir” (Jacks, 1993:44) – idade, sexo, religião, escolaridade, estrato socioeco-
nômico, etnia et cetera. Nilda Jacks entende que
este conjunto de elementos referenciais permite a localização mais pre-
cisa da relação do sujeito com seu meio, do que a mediação anterior [a
cognitiva], definindo dados mais concretos para a análise da mediação,
uma vez que é possível verificar procedimentos comprováveis nos grupos
de referência (Ibidem, 44).

A “mediação situacional” diz respeito ao cenário onde ocorre a recepção.


Aqui têm relevância as práticas cotidianas, marcadamente o espaço doméstico,
o mais significativo em termos de expressão da individualidade. O lar aparece
como o lugar por onde se inicia a trajetória da recepção televisiva e permite
identificar como as mensagens e conteúdos da televisão encontram o receptor
– sozinho, acompanhado, trocando considerações com outros telespectadores
ou não, com atenção dispersa ou exclusiva, no espaço social ou íntimo da casa.
A família aparece fortemente como uma mediação na relação receptor/televi-
são. Mas não só ela, também a escola, a religião, os partidos políticos, sindicatos,
bairro, local de trabalho são considerados por Orozco como “mediações institu-
cionais” com as quais e a partir das quais o receptor interage, intercambia,
produz e reproduz sentidos e significados. As mediações institucionais atuam
como “comunidades de interpretação”, pois é desde aí que muitas das mensa-
gens são interpretadas, ganham significado e produzem comunicação.
Pertencer simultaneamente a várias instituições resulta em um
referencial múltiplo e interrelacionado, uma vez que cada instituição
luta por impor sua produção de significados como a mais legítima.
Nessa luta, muitas vezes as instituições se reforçam, em outras se anu-
lam ou se saturam, ou ainda competem entre si por terem objetivos
diferentes(Jacks, 1993:45-46).

É neste bloco que Orozco situa a própria televisão, representada tanto


pelos seus aspectos tecnológicos como enquanto instituição social que produz

Efeito e Recepção 215


significados e ganha legitimidade frente à audiência. A mediação televisiva
aparece como o espaço a partir do qual será possível identificar os mecanismos
que configuram o discurso televisivo, a programação, os gêneros, a
dramaturgia, os cenários, os atores, a publicidade, o grau de verossimilhança
e representabilidade. O fato de que a televisão é ao mesmo tempo um meio
técnico de comunicação com características específicas e uma instituição social
determinada historicamente marcará, segundo Orozco, sua distintividade cul-
tural frente às outras instituições sociais.
Entre as características tecnológicas e específicas da TV cabe destacar
duas fundamentais: a de poder outorgar “verossimilhança” a seu dis-
curso e a de poder “apelar à emotividade” de sua audiência. Isto signi-
fica que sua dualidade original [meio técnico/instituição social] se repro-
duz e se traduz em uma segunda: fazer crível seu discurso e invitar a
audiência a crê-lo fazendo uso não somente de argumentos racionais
senão também e com freqüência principalmente emotivos... A combina-
ção destas características confere à TV uma força particular para ga-
nhar legitimidade como instituição e popularidade como meio de comu-
nicação (Orozco, 1991a:109).

A “mediação cultural” é aquela onde todas as demais se localizam e que as


configura. O pressuposto básico dos Estudos Culturais aparece aqui com toda
clareza: a recepção não se dá apenas durante o processo de ver televisão,
começa bem antes e termina bem depois. Todas as demais mediações estão
conformadas pela cultura, “terreno onde todas as informações se originam,
onde o consumo se efetiva, onde o sentido é produzido” (Jacks, 1993:48).
Uma crítica muito dura às abordagens da relação entre cultura e sociedade
por meio da metáfora da mediação, e que, portanto, pode ser trazida para
uma crítica ao modelo das mediações, advém de um dos principais teóricos dos
Estudos Culturais. Raymond Williams aponta para os limites do conceito de
“mediação” que, se por um lado permite ir além da passividade da teoria do
reflexo, indicando de alguma forma um processo ativo, por outro perpetua
um dualismo básico. A idéia de “mediação” surge no cenário das teorias da
cultura como desafio à noção de “reflexo”, inerente à concepção especular de
cultura, e vem significar um ato de intercessão, reconciliação ou interpretação,
impondo pensar que a arte já não “refletia” a sociedade, a superestrutura já
não “refletia” a infra-estrutura, mas que a relação entre os dois termos se
daria por um processo mediado, no qual o conteúdo original pode ser modifi-
cado. É claro que isso deu margem a pensar a mediação como falseamento

216 Os Estudos de Recepção


ideológico (de classe) e daí os esforços de desvelamento assumidos por uma
certa teoria marxista da cultura.
Segundo Raymond Williams, entretanto, a idéia de mediação vinha tentar
restituir a essas categorias (infra-estrutura/superestrutura), separadas ape-
nas com fins metodológicos, o caráter de processo. “Mediação pretendia des-
crever um processo ativo” (Williams, 1979:101) e, para os Estudos Culturais, o
termo perde radicalmente qualquer acepção negativa, como deformação ou
escamoteamento, e passa a ser considerado como um processo positivo e ine-
rente à realidade social e não a ela acrescentado como projeção, disfarce ou
interpretação.
Entretanto, pensar a mediação como processo que se dá entre uma coisa e
outra impõe-nos “um certo senso de áreas separadas e preexistentes, ou
ordens de realidade, entre as quais o processo de mediação ocorre” (Ibidem,
102). Mesmo quando considerado positivo, quando tenta dar conta da consci-
ência constitutiva inerente a qualquer processo social, à
...forma necessária de processo social geral de significação e comunica-
ção, é realmente apenas um estorvo descrevê-lo como ‘mediação’. Isso
porque a metáfora nos leva de volta ao conceito mesmo de ‘intermedi-
ário’ que, na melhor das hipóteses, esse sentido constitutivo e constituidor
rejeita (Ibidem, 103).

Transladado para os estudos da comunicação, o conceito de “mediação”19


parece perpetuar uma velha dicotomia entre os pólos da emissão e da recep-
ção, com a vantagem apenas de que a ênfase é colocada neste último. O que
poderia ser um grande trunfo, sobretudo do modelo das multimediações, é,
no nosso entendimento, justamente o que impede uma visada mais abrangente
sobre o processo comunicativo. Ao insistir em colocar a ênfase nas mediações –
porque isso servia a seus objetivos políticos – Orozco e Barbero reforçam uma
visão dicotômica da comunicação, visão que, no nosso entendimento, já não dá
conta de uma compreensão do processo comunicativo e nos impõe o desafio de
superar esta disjunção entre os dois pólos da comunicação.
Acreditamos que é o esforço por atrelar uma proposta teórica a uma práti-
ca pedagógica ou militante o que tem feito com que se coloque a ênfase nas
mediações, já que é desde aí onde se pode intervir no processo receptivo.
Colocar a tônica dos estudos da comunicação e da cultura no âmbito da recep-
ção, parece, neste modelo conceitual, muito mais que uma saída epistemológica,
uma saída política. A questão fundamental desvia-se da necessidade de com-
preensão do processo comunicativo para a articulação de práticas comunicati-

Efeito e Recepção 217


vas e investigativas que possibilitem pensar estratégias de construção de uma
nova hegemonia. A submissão da investigação da recepção à educação para a
recepção parece claramente responder ao modo como os intelectuais podem
contribuir, no plano do embate ideológico, para a construção de uma nova
cultura – uma leitura evidente de um outro conceito gramsciano que serve de
referência para a elaboração de uma estratégia revolucionária, o de intelectu-
ais orgânicos.
Submeter a investigação da recepção à necessidade de educação dos re-
ceptores possibilita ao “paradigma das mediações” responder ao problema da
leitura crítica das mensagens mediáticas, o que, de algum modo, poderia vir a
contribuir, no plano de uma estratégia revolucionária mais ampla, para a
construção de uma nova hegemonia. Não permite, no entanto, responder à
pergunta sobre o modo como os processos comunicativos instauram, para
além e aquém das pedagogias da recepção, um receptor ativo; não permite
responder ao modo mesmo como a comunicação se dá.

Notas
1. Ver Parte I, Capítulo 3, item Usos e gratificações (p.61).
2. The “Nationwide” Audience é uma obra com edição esgotada. Nossas limitações de acesso a bibliografia
estrangeira fora de circulação nos obrigaram a utilizar um livro mais recente de Morley, publicado no início da
década de 1990. As referências que aqui trazemos são de Television, Audiences and Cultural Studies. Mas
chamamos a atenção de que toda a segunda parte desse livro, “Classe, ideologia e interpretação”, é dedicada
a reapresentar as pesquisas de Morley sobre o programa da BBC. Morley utiliza o argumento de que é
justamente o fato de que as duas obras que resultaram da pesquisa estão hoje esgotadas que justifica sua
reapresentação de modo tão detalhado.
3. Ver no Capítulo 3, da Parte I, especialmente no item Agenda-setting (p.80), que a experiência direta dos
acontecimentos divulgados pelos meios de comunicação era uma variável importante para a hipótese do
agenda-setting. Seus investigadores, ao examinar as condições sob as quais a agenda-setting influencia ou não,
já apontavam para as “condições contingentes” que limitam o estabelecimento de uma agenda. Apelavam
para o conceito de “necessidade de orientação” e para a relação entre “entorpecimento/não entorpecimento”,
que diz respeito ao modo como os acontecimentos interferem na vida cotidiana dos indivíduos. Segundo esses
investigadores, a influência da agenda dos meios de informação aumenta com o grau de necessidade de
orientação entre a audiência, mas essa influência se apoia prioritariamente em temas não entorpecedores e
distantes do pessoal.
4. Em nossa dissertação de mestrado um dos exemplos mais esclarecedores sobre as mediações familiares na
recepção televisiva infantil foi o de uma menina da classe média, que tinha no pai, um sindicalista com sólida
formação política e cultural, um forte elemento de mediação na sua relação com a TV: ela, assim como os
irmãos, quase não se interessavam pela televisão e quando o faziam, faziam-no de maneira absolutamente
criteriosa. Seu programa preferido na época era o Rá Tim Bum, um educativo produzido pela TV Cultura de São
Paulo e transmitido ao resto do País pelas tevês educativas. O Rá Tim Bum destinava-se a crianças entre três e
seis anos e visava prepará-las para iniciarem o ciclo escolar. Com o slogan “Aprender é divertido”, o programa
obtinha em média seis pontos de audiência. Ver GOMES, 1995, em particular o Capítulo 2, Ingenuidade e
Recepção: As relações da criança com a TV.
5. Na Parte I, capítulo 3 Efeitos sociais (p.53), quando tratamos da teoria do ouvinte formulada por Theodor
Adorno, vimos que ele entende (ADORNO. 1986a: 115-146) que os hábitos de audição seriam formados por um
processo de repetição, reconhecimento, identificação, posse – ou propriedade – e aceitação, sendo que a

218 Os Estudos de Recepção


aceitação dos produtos da indústria cultural requereria uma “resolução deliberada” por parte dos receptores,
um investimento de sua energia. Queremos aqui chamar a atenção para o fato de que já em Adorno aparecia
uma compreensão mais sofisticada da formação do hábito de audição e, em alguma medida, do próprio
processo de audição, que envolveria, pelo menos, quatro momentos distintos: reconhecimento, identificação,
posse e aceitação.
6. Além da investigação de Ien Ang, Watching Dallas, no qual a autora analisa as cartas de telespectadoras sobre a
série americana difundida em quase todo o mundo, há a pesquisa de Tamar Liebes e Elihu Katz, que realizaram
um trabalho de investigação, inserido na corrente dos usos e gratificações, sobre a interpretação que a série
Dallas recebeu de telespectadores de seis comunidades etnicamente definidas: árabes, israelitas, judeus
imigrantes, judeus marroquinos membros de um kibutz, americanos e japoneses. Ver LIEBES & KATZ, 1997.
7. Não deixa de ser interessante observar que a fúria aparecia na teoria do ouvinte, de Adorno (ver Capítulo 3,
da Parte I, em especial o item Os efeitos da cultura industrializada, p.68) como um dos traços mais marcantes da
ambivalência que caracterizaria a relação dos ouvintes com a música popular. Fúria e despeito, aliás, foram
interpretados por Adorno como os sinais mais evidentes da atividade dos ouvintes.
8. Ver Parte II, Capítulo 2 Rumo a uma crítica marxista da cultura de massa (p.133).
9. Embora a autora admita que ainda está para ser efetivada uma verdadeira etnografia dos meios no seio dos
Estudos Culturais.
10. A etnografia é um método de investigação de campo procedente da Antropologia, método no qual o
investigador “entra” numa cultura particular para produzir “a partir de dentro” uma exposição sobre suas
práticas e seus sentidos. As principais vantagens da etnografia são a atenção dada ao registro escrito detalhado
das observações do etnógrafo e a variedade de técnicas de coleta de dados. Não é nosso interesse aqui
apresentar um tratamento exaustivo da etnografia, do seu desenvolvimento na Antropologia e nas Ciências
Sociais, nem da intensa polêmica sobre o papel do etnógrafo e seus limites. Também não pretendemos discutir
se, e em que medida, os estudos de recepção são fiéis à teoria interpretativa da cultura formulada por Geertz.
Para os nossos objetivos aqui é suficiente apontar o modo como, partindo explicitamente de Geertz, os Estudos
Culturais têm praticado a etnografia da audiência. Geertz é explicitamente citado em MORLEY, 1996; ANG, 1997a;
HARTLEY, 1991; MORRIS, 1997; SCHULMAN, 1993; LULL, 1997.
11. Um resumo do aparato conceitual, dos principais pressupostos, das estratégias metodológicas e
instrumentos de pesquisas utilizados por cada uma destas correntes está em JACKS, Nilda. 1994.
12. Na investigação que resultou em nossa dissertação de mestrado, trabalhamos com o paradigma das
mediações, sobretudo no que ele permitia pensar a recepção televisiva infantil. Esta abordagem que realizamos
agora é devedora da crítica que naquele momento fizemos das propostas de Orozco e Barbero e de todo modo
remete aos Capítulos 2 e 3 da dissertação. Ver GOMES.1995.
13. Título do livro no qual Jésus Martín-Barbero se dedica à formulação do seu modelo de investigação da
Comunicação e que tem como sugestivo subtítulo Comunicación, cultura e hegemonia (BARBERO, 1987).
14. Martha Renero realizou, no México, uma interessante investigação acerca do modo como se gera o gosto da
audiência para os gêneros televisivos e sobre quais implicações tem a prática do seu desfrute junto ao
contexto da cultura familiar. Segundo Renero, “na cosmovisão familiar, referir-se à televisão é manifestar uma
série de representações discursivas acerca dos gêneros, as quais se inscrevem na pragmática cotidiana de
seu uso e desfrute(...). Encontramos que, independentemente de que perguntássemos acerca dos
particulares gêneros televisivos, estes resultam relevantes no campo de significação familiar como modo de
referir-se à entidade ‘televisão’. Ou seja, que a percepção do ‘televisivo’ passa pela percepção dos gêneros
audiovisuais em forma recorrente em todas as famílias...Encontramos que os cônjuges, como principais
agentes mediadores da instituição ‘família’, se posicionam a si mesmo e à entidade familiar frente ao texto
televisivo a partir de que encontram que o gênero (modo de articulação de significados e leitura convencional
da realidade) projeta modos e saberes aplicáveis e questionáveis desde a cotidianidade de seu espaço
privado(...) As representações dos gêneros televisivos por parte dos pais de família – e que também são
projetados a seus filhos e filhas – se reflete como uma ativa aprendizagem dos ‘modos adequados de ser’ em
relação a seu meio sociocultural(...). Advertimos, por outro lado, que através das caracterizações dos gêneros
passam importantes elementos do imaginário simbólico e mecanismos de negociação do cotidiano familiar,
ligados à socialização dos filhos...” (Renero, 1992:79-92).

Efeito e Recepção 219


15. A idéia de que a linguagem melodramática é folclórica parece ter sido apropriada de Gramsci (cf. Gramsci,
1966b apud Sartriani, 1986:32).
16. Nilda Jacks tem sido, no Brasil, quem mais tem se dedicado à investigação do problema das mediações,
contribuindo para o desenvolvimento conceitual e burilamento metodológico do modelo das mediações. Em
sua tese de doutorado, A Recepção na Querência: estudo da audiência e da identidade cultural gaúcha como
mediação simbólica (JACKS, 1993), Nilda Jacks realiza uma investigação empírica qualitativa sobre a recepção
televisiva gaúcha da novela Pedra sobre Pedra, da Rede Globo de Televisão, e constrói, a partir daí, um
interessante estudo sobre os vínculos entre televisão, cultura e identidade. Essa tese foi publicada em 1999
pela Editora da Universidade Federal do Rio Grande de Sul.
17. O título de um de seus livros, publicado em colaboração com Mercedes CHARLES, é extremamente
elucidativo: Educación para la recepción: hacia una lectura critica de los medios, editado pela Trillas, em 1990.
18. Veremos mais adiante como o conceito de mediação induz-nos a ver os receptores como objeto, alvo das
várias instâncias mediadoras e como isso implica uma noção de passividade.
19. Nas pesquisas de comunicação, o conceito de mediação foi originalmente utilizado para referir-se aos
modos como os emissores e os meios percebiam e transmitiam a informação a seu público. É somente a partir
da década de 1980 que ele passa a referir-se também ao pólo da recepção e a relacionar-se explicitamente aos
movimentos sociais e à cultura, sobretudo a partir dos estudos de MARTÍN-BARBERO, e aos processos de
aprendizagem informal da televisão, a partir das reflexões de OROZCO sobre a interação das instituições
socializadoras na produção da aprendizagem infantil.

220 Os Estudos de Recepção


Conclusão

K laus Bruhn Jensen e Karl Erik Rosengren (1997) entendem que há cinco
tradições de investigação sobre a articulação entre os media e seus públicos: a
investigação sobre os efeitos, a investigação sobre os “usos e gratificações”, o
enfoque culturalista, as análises de recepção e a análise literária. Nesta última,
os autores colocam tanto a “estética da recepção”, como ela foi trabalhada por
Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser,1 e a reader-response theory, marcadamente
ao tratamento que lhe dá Stanley Fish,2 quanto estudos empíricos sobre recep-
ção da literatura, realizados sob as mais diversas orientações teóricas. As con-
tribuições dos estudos literários não foram consideradas neste livro, ou só o
foram de modo muito parcial e diagonal, mediante as abordagens engendra-
das pelos Estudos Culturais, o que certamente constitui uma de suas mais
sérias limitações.
Tratamos aqui das outras tradições apontadas por Jensen & Rosengren,
mas rejeitamos a dissociação que eles fazem entre a corrente dos usos e grati-
ficações e a tradição dos efeitos e entre as análises de recepção e os Estudos
Culturais. No primeiro caso, discordamos da separação por entendermos que
a corrente dos usos e gratificações, apesar de realizar uma crítica aos estudos
dos efeitos, não representa um corte radical com seus postulados mais fulcrais.
Recusamos a distinção entre as análises de recepção e os Estudos culturais
porque entendemos que, rigorosamente, as análises de recepção são as inves-
tigações empíricas sobre a relação entre media e audiência realizadas dentro
do quadro teórico-metodológico dos Estudos Culturais.
A corrente dos “usos e gratificações”, ainda que tenha tido o mérito de
explicitamente falar na atividade dos receptores, o que faz com que Jensen e
Rosengren a apartem dos estudos dos efeitos, é, rigorosamente, uma herança

Efeito e Recepção 221


da tradição estrutural-funcionalista para a compreensão da problemática dos
efeitos. Além disso, é difícil aceitar a hipótese de que a mera inversão dos
termos dos questionamentos sobre a comunicação – em vez de perguntar o
que os media fazem às pessoas, perguntar o que é que as pessoas fazem dos
media – constitua uma viragem de paradigma.
Embora a corrente dos “usos e gratificações” seja pioneira em afirmar a
“atividade” dos receptores, o modo mesmo como essa atividade é pensada não
tem nada de novo e remete em muitos aspectos aos estudos sobre os efeitos
limitados e, mesmo antes, às investigações de Hadley Cantril sobre o pânico
causado pela transmissão radiofônica de A guerra dos mundos. Falar em “ativi-
dade” implica falar em “mediação” de fatores psicológicos, sociais, culturais.
“Atividade”, aqui, é muito próximo de “seletividade”, e, no caso particular dos
“usos e gratificações”, os fatores que garantem a seletividade são fatores de
ordem psicológica. Falar em atividade implica a postulação de que o consumo
mediático é motivado e está orientado para satisfazer certas necessidades
individualmente experimentadas. É a hipótese de que fatores psicológicos
mediam a relação entre os receptores e os meios que se encontra aqui
reformulada de modo a atender às orientações da perspectiva estrutural-
funcionalista e, portanto, mais atenta ao contexto social e a uma perspectiva de
longo prazo.
A investigação sobre os “usos e gratificações” não deixa de constituir um
questionamento dos estudos dos efeitos, ao destacar as variações de usos que os
receptores fazem dos meios; ao chamar a atenção dos investigadores para a
atividade do receptor; ao considerar a importância das experiências psicológi-
cas, mas é um questionamento parcial e realizado numa perspectiva interna.
Conceber o público como ativo implica, neste caso, supor que “uma parte impor-
tante do uso dos meios massivos seja dirigida a objetivos” (Katz; Blumler &
Gurevitch, 1985:135), o que, a rigor, implica uma concepção teleológica da comu-
nicação, inerente ao modelo matemático. A corrente dos “usos e gratificações”
traz implícita a noção de uma utilização instrumental dos meios de comunicação.
Jensen & Rosengren entendem que “os enfoques culturalistas estão pre-
sentes nos estudos de recepção sob vários aspectos” (Jensen & Rosengren,
1997:342) e só justificam sua dissociação pelo fato de que os estudos de recep-
ção têm um desdobramento marcadamente empírico. Apontam Williams,
Hoggart e Hall como os investigadores mais representativos dos Estudos Cul-
turais e Morley, Ang e Radway como aqueles que elaboraram as análises de
recepção mais preocupadas em integrar as perspectivas sociológicas às pers-
pectivas semióticas. No nosso entendimento, entretanto – e nisso acompanha-

222 Conclusão
mos Mcquail (1997:18), Ronsini (1999:02) e os próprios Morley, Ang e Radway –
a análise de recepção é efetivamente a pesquisa empírica realizada nos mar-
cos dos Estudos Culturais, mais que uma tradição independente.
Na primeira parte deste livro, procedemos a uma apresentação e avaliação
da “tradição dos estudos dos efeitos”, que, em verdade, engloba uma varieda-
de de hipóteses e correntes de investigação e algumas abordagens mais pro-
priamente teóricas. Na segunda parte, concentramo-nos na “tradição de aná-
lise da recepção”, que, diferentemente dos estudos dos efeitos, implicam o
tratamento da relação entre “media e receptores” oferecida por uma corrente
de investigação muito claramente delimitada, a dos cultural studies.
Nosso objetivo, ao analisar diferentes abordagens da relação entre media e
receptores, foi entender o modo como descrevem e interpretam o “encontro”
entre os meios de comunicação de massa e suas audiências – o que implica
considerar como interpretam e descrevem os media, os receptores e o processo
receptivo propriamente dito. Não se tratou simplesmente de identificar qual a
descrição mais detalhada ou verdadeira, nem de estabelecer qual a interpre-
tação mais adequada, embora algumas vezes tivéssemos mostrado a
inadequação de algumas delas. Nossa intenção, muito mais modesta, foi explo-
rar as contribuições que elas oferecem para a compreensão do processo comu-
nicativo.
Os estudos dos efeitos são aqueles que apresentam em comum a preocu-
pação em entender quais são e como se produzem os efeitos dos media sobre
seus receptores. O que está em jogo, no mais das vezes, é compreender as
relações entre Comunicação e Poder, a comunicação sendo entendida, em ge-
ral, como todos aqueles “procedimentos por meio dos quais uma mente pode
influenciar outra” (Weaver, 1993:415).
Os media são concebidos como a causa dos efeitos. Eles são transmissores
ou disseminadores de mensagens. A expressão “meios de comunicação” ao
mesmo tempo em que remete indistintamente aos veículos de comunicação –
suportes técnicos usados na comunicação (o rádio, a TV, o cinema, as revistas,
os jornais) – pode ser uma metáfora para tratar das mensagens e conteúdos
que por eles são veiculados. Na verdade, como a ênfase é posta no processo de
transmissão de mensagens, pouca atenção é dada às características técnicas
dos veículos. Raramente se leva em consideração as diferenças que caracteri-
zam cada meio de comunicação em particular; procura-se, antes, analisar como
as mensagens são construídas e que conteúdos ela carrega. As mensagens são
entendidas como portadoras de um conteúdo, que pode ser explícito ou implí-
cito, mas quase sempre é intencionalmente determinado.

Efeito e Recepção 223


Nesse sentido, constituem-se exceções as abordagens de Marshall McLuhan
e de Walter Benjamim, que fizeram o esforço de considerar os meios de comu-
nicação não como portadores de uma mensagem, de um conteúdo, mas como
tecnologias responsáveis por mudar a relação do homem com o modo de
perceber o mundo. Para Benjamim, o cinema foi revolucionário pelas modifica-
ções que causou nos modos de percepção. McLuhan, por seu turno, tem o
mérito de “reconhecer que a própria forma de qualquer meio de comunicação
é tão importante quanto qualquer coisa que ele transmita” (Mcluhan, 1982:145),
sugerindo que nos afastássemos da preocupação com o conteúdo das mensa-
gens “para estudar o efeito total” (Idem, 1974:42).
McLuhan assenta as bases para uma compreensão mais ampla dos efeitos,
que não remetem precipuamente ao âmbito psicológico, comportamental ou
mesmo cognitivo, mas dizem respeito à sensibilidade: “os efeitos da tecnologia
não ocorrem aos níveis das opiniões e dos conceitos: eles se manifestam nas
relações entre os sentidos e nas estruturas da percepção” (Ibidem, 34). Ao
mostrar que o fator decisivo para a compreensão dos efeitos dos media reside
em sua própria natureza, McLuhan desloca a atenção das investigações em
comunicação da análise de conteúdo para a análise das características especí-
ficas dos próprios media.3
Os efeitos são de vários tipos. Da identificação inicial de que os media
exerciam seus efeitos sobre a mudança de opinião e atitude – e especificamen-
te sobre o modo como essa mudança se transformava em voto ou compra –
chegou-se até aos efeitos cognitivos (que se exercem sobre a formação do
patrimônio cognitivo, cultural e social dos receptores), aos efeitos sobre a capa-
cidade simbólica para estruturar a opinião pública; aos efeitos sobre a distri-
buição social dos conhecimentos coletivos; aos efeitos sobre as formas de
construção social da realidade. Não deixou de existir quem apontasse efeitos
sobre os estados emocionais ou mesmo alterações fisiológicas, como insônia,
ou influências no rendimento escolar, no comportamento agressivo ou desviante.
Os efeitos se exercem sobre os membros da audiência individualmente
considerados ou sobre o sistema social geral. Às vezes, são conseqüência dire-
ta e imediata das intenções do emissor e de sua competência para elaborar as
mensagens; às vezes os efeitos são limitados por determinadas características
cognitivas, sociais ou culturais da audiência; outras vezes, ainda, são efeitos
cumulativos, resultantes de uma exposição cotidiana e permanente aos media.
Pouco a pouco, abandona-se a idéia de que os efeitos são intencionais, ligados
a um contexto comunicativo limitado no tempo e passa-se à preocupação com
efeitos decorrentes da própria existência dos media enquanto tal e do papel

224 Conclusão
que cumprem na formação do patrimônio cognitivo, cultural e social dos re-
ceptores. A idéia é a de que os media “criam” a cultura, o ambiente simbólico e
cognitivo no qual os indivíduos vivem.
Os receptores são entendidos de início como uma massa de indivíduos
anônimos, fácil de conduzir, absolutamente à mercê dos poderosos meios e
emissores; ou, o que não é contraditório, como indivíduos socialmente isola-
dos. Mas aos poucos começa-se a levar em consideração características
socioestruturais e culturais dos indivíduos que integram a audiência, tais como
grau de instrução, classe social, profissão, faixa etária, gênero, e outros mais
relativos ao grau e tipo de consumo dos mass media. Vai-se mostrando, pouco
a pouco, que os receptores não comparecem vazios à relação com emissores,
meios e mensagens. Essas características funcionam como “filtros” ou “instân-
cias mediadoras” e serão responsáveis por determinar a “seletividade” e, por-
tanto, a limitar os efeitos.
A noção de mediação não aparece, nesse caso, para dar conta do modo
como os media constituem, eles mesmos, uma mediação entre homem e mun-
do. Trata-se, na verdade, do fato de que há elementos de mediação entre os
próprios media e os receptores. A mediação, nos estudos dos efeitos, é trazida
em causa como argumento para explicar o modo de produção dos efeitos,
diretos/indiretos. A seletividade, por seu turno, determina a intensidade de sua
força: se há seletividade, os efeitos são limitados, constituindo-se, no mais das
vezes, em mero reforço de atitudes já existentes; se não há seletividade (seja
porque os indivíduos estão socialmente isolados e, por exemplo, sem sofrer a
mediação das relações pessoais, seja porque os meios de comunicação, a tele-
visão principalmente, apresentariam determinadas características de confi-
guração técnica e social que reduziriam a capacidade de exposição e percep-
ção seletivas), então há fortes poderes.
Os estudos em torno dos efeitos limitados, com a consideração das media-
ções, e os estudos dos efeitos a longo prazo, lograram nos afastar da metáfora
da agulha hipodérmica, segundo a qual os media “injetam” seus conteúdos
diretamente em cada membro da audiência, produzindo sua imediata absor-
ção. Os receptores já não são mais diretamente atingidos, o efeito não se
produz de imediato. Nesse sentido, os estudos dos efeitos sofisticaram-se,
acolheram um leque mais amplo das influências dos media na sociedade e na
cultura, apontaram algumas variáveis que podem interferir na sua efetivação
– ampliando ou diminuindo seu grau de importância e sua intensidade. Mas o
modo mesmo de olhar o processo comunicativo procurando por seus efeitos é
um modo de subjugar o receptor. O receptor ainda é “alvo”, mudo, “passivo”.

Efeito e Recepção 225


A conseqüência de se pensar o processo comunicativo como a produção de
efeitos é que a atenção raramente é posta sobre o receptor, mas procura-se, ao
contrário, identificar nas mensagens e conteúdos dos meios as estratégias de
sua captura. O receptor representa o lado passivo do “esquema” da comunica-
ção: sua função pode ser traduzida na expressão “receptor-receptáculo”
(Ghiglione, 1997:302). Isso significa que, mesmo quando se vai ao receptor
empiricamente, não é para analisar como ele age, mas para verificar como ele
reage às estratégias de captura. Vai-se ao receptor verificar se ele recebeu
“bem” uma mensagem que já vem pronta, não para compreender o que ele
efetivamente faz com a mensagem recebida. É a mensagem que interessa, é
por meio dela que o poder é exercido. O processo receptivo é entendido como,
então, decodificação de sinais, ou melhor, como a internalização de conteúdos.
Não é correto afirmar-se, no entanto, que a investigação em comunicação,
seja ela empírica ou especulativa, carregue uma orientação essencialmente
“mediacêntrica” e recuse qualquer interesse pelo receptor ou por seu modo
de uso dos media. É falso afirmar-se que são os estudos de recepção que
marcam a descoberta dos atores sociais, que antes seriam entidades deduzidas
dos textos ou quantificada pelos surveys. Em geral, quando se diz isso, tencio-
na-se fazer crer que os estudos de recepção, inaugurados nos anos de 1980
pelos Estudos Culturais, tenham como sua característica essencial voltar-se
para os receptores. Isso de modo algum é verdadeiro – não o é em relação ao
interesse pelo receptor e não o é, também, pela abordagem empírica. A tradi-
ção de investigação sobre os efeitos de todo modo ajudou a dissipar a noção de
que os receptores são ampla e facilmente influenciáveis.
A investigação sobre os efeitos inventou muitas idéias agora reformuladas
na avalanche recente dos estudos sobre a recepção. É certo, no entanto,
que o fez em uma linguagem técnica diferente e, às vezes, com menos
sutileza (Curran, 1997:61).

Assim, por exemplo, os investigadores que trabalharam sobre os efeitos


afirmavam faz já bastante tempo que as predisposições dos receptores frente
aos textos influem de maneira crucial na compreensão que esses receptores
têm dos textos, e que diferentes predisposições geram diferentes compreen-
sões – isso já aparecia nas investigações de Hadley Cantril, marcou boa parte
do que se fez sob o epíteto de “efeitos limitados”, e já está já nas investigações
sobre os efeitos cognitivos. Portanto, não é propriamente a atenção aos recep-
tores que marca a distinção entre os estudos dos efeitos e os estudos de recep-
ção. A distinção está no modo de olhar o receptor, modo que se caracteriza, nos

226 Conclusão
estudos de recepção, pela postulação da sua atividade, e sobretudo, pelos
objetivos que guiam esse olhar – um projeto político de transformação social.
Os efeitos são uma conseqüência do processo comunicativo e, desse modo,
a miríade de hipóteses e correntes de investigação que analisamos tendem a
retratar o processo comunicativo como um “circuito”, como a transmissão de
um estímulo por intermédio de um canal. É claro que dos anos de 1940 até hoje
ocorre uma sofisticação do modelo. Mas, na maior parte das vezes, sem que se
refutem seus pressupostos fundamentais.
A teoria da informação possibilitou uma descrição do sistema de comunica-
ção bastante duradoura. Até hoje, ainda que seja para lhe fazer críticas ou
acréscimos, ao se falar de comunicação parte-se do modelo matemático: a
comunicação é uma cadeia formada por uma “fonte de informação”, um “emis-
sor ou codificador”, que transforma uma “mensagem” em “sinais” a fim de a
tornar transmissível; um “canal” que é o meio utilizado para o transporte da
mensagem; um “decodificador ou receptor”, que reconstitui a mensagem a
partir dos “sinais”; e o “destinatário”, que é a pessoa ou coisa a quem a mensa-
gem é transmitida.
Nesse modelo, a função do emissor é codificar e a do receptor é decodificar
a mensagem. A decodificação é o processo por meio do qual o destinatário “lê”
os sinais – de acordo com o código em que a mensagem foi elaborada, e
interioriza seus conteúdos. O receptor da mensagem não pode senão registrar
a realidade objetiva transportada pelo canal. Aqui há uma simples interiorização,
sem criação. E a mensagem não é mais que um objeto material a ser transmi-
tido do emissor ao receptor. O modelo matemático da comunicação repousa
sobre uma dicotomia, emissor-receptor ou codificação-decodificação. Afirma-
se, com efeito, a distinção emissor-receptor e introduz-se um canal entre eles.
No esquema matemático, a comunicação se realiza por ações pontuais que
visam determinados objetivos. Emissor e receptor são pólos opostos, separa-
dos, que definem uma origem e um fim. A comunicação é entendida como um
esquema de transmissão mecanicista e linear. Foram essas linearidade e frag-
mentação as grandes responsáveis pela perenidade do modelo matemático:
elas permitem uma análise seqüencial e estrutural. O modelo matemático “é
regido por princípios que sustentam a nossa cultura ocidental e que resistem
a todo o esforço de análise e destruição” (Sfez, 1991:27).
No modelo matemático da comunicação, os processos comunicativos são
assimétricos, na medida em que existe um sujeito ativo que emite o estímulo e
um sujeito passivo que é impressionado por esse estímulo e que reage. A
comunicação é intencional: o início do processo, por parte do comunicador,

Efeito e Recepção 227


acontece intencionalmente e dirige-se, em geral, a um objetivo. O comunicador
visa a produzir determinado efeito. A comunicação é individual: é um processo
que diz respeito, antes do mais, a cada indivíduo e que deve ser estudado
nestes indivíduos. Os processos comunicativos são episódicos.
Existem às vezes descobertas que, de uma certa maneira se transfor-
mam em maldições. Nos parece que o famoso modelo [matemático da
comunicação] pertence a esse tipo de acontecimentos. Com efeito, du-
rante mais de 40 anos, este modelo causou estragos nos espíritos melhor
formados e conduziu gerações inteiras de investigadores sobre os cami-
nhos balizados, porém sem saída, da ‘mecânica da segurança’, da
transparência do código com respeito às intenções e da reversibilidade
codificação/decodificação (Ghiglione, 1997:295).

Na Inglaterra, os Estudos Culturais surgem como conseqüência do esforço


de alguns investigadores em romper com a perspectiva behaviorista caracte-
rística da Sociologia da Comunicação, que vê a influência dos meios como um
mecanismo de estímulo e resposta. Inseridos na perspectiva das teorias críti-
cas da sociedade, procuram conceber os media como forças sociais e políticas
amplas e difusas, cuja influência é quase sempre indireta e sutil, às vezes
mesmo imperceptível. Eles recusam tanto uma concepção da audiência como
passiva e indiferenciada quanto a noção de que os textos mediáticos são por-
tadores de um sentido transparente. Apostam, então, no exame detalhado da
variedade de formas como as mensagens são decodificadas pelos membros da
audiência com orientações sociais e políticas diferentes.
Os Estudos Culturais representam uma tentativa de superar a concepção
dos processos comunicativos oriunda do modelo matemático, na medida em
que procuram compreender os meios de comunicação no interior da socieda-
de e entender a recepção aos meios, notadamente a recepção televisiva, do
ponto de vista de uma teoria que pretende compreender a complexidade e as
contradições da experiência cultural nas sociedades contemporâneas mirando
os meios de comunicação não como um aparato ou instrumento, mas como
constitutivos das próprias práticas sociais. Eles constituem uma tentativa ex-
plícita de produzir uma teoria da comunicação que tivesse como eixos as cultu-
ras e as práticas comunicativas e que criasse as condições para investigar os
processos de constituição do massivo desde as transformações na cultura.
A sua premissa básica, a de que a cultura não pode ser pensada fora de
suas relações com a sociedade, ou seja, de que as instituições e práticas sociais
da cultura não podem ser vistas como distintas do conjunto de instituições e

228 Conclusão
práticas sociais mais amplo, em geral reconhecido como “sociedade”, dirige o
foco da sua atenção para os processos ativos e conscientes de construção de
sentido na cultura. A “cultura” é entendida como a esfera na qual se naturali-
zam e se representam as desigualdades sociais. Mas, ao mesmo tempo, “cultu-
ra” é também o meio pelo qual os diferentes grupos subordinados vivem e
opõem resistência a essa subordinação. Assim, a cultura é o terreno onde se
desenvolve a luta pela hegemonia.
É a preocupação dos Estudos Culturais com as relações entre linguagem e
ideologia, preocupação que tinha como origem um projeto político de trans-
formação social – projeto que impunha ao trabalho intelectual a responsabili-
dade de fornecer os subsídios para atuação em favor da construção de uma
nova hegemonia – que os leva, progressivamente, ao interesse pelo receptor.
A consolidação da indústria cultural, principalmente com o aparecimento da
televisão, colocava os investigadores críticos frente à necessidade de entender
as relações entre cultura, consciência e linguagem e, portanto, de compreen-
der o modo como as indústrias culturais moldavam a consciência das pessoas.
É claro que, no início, o interesse estava em compreender como os “textos” da
cultura representavam a ideologia dominante, mas posteriormente isso já não
foi suficiente e os Estudos Culturais voltaram-se para o modo concreto como os
sujeitos empíricos negociavam os sentidos ideológicos das mensagens e resis-
tiam aos seus apelos. A noção de que a ideologia é um verdadeiro lugar de
luta, a atribuição de poder aos sujeitos e grupos para intervir nos sistemas
políticos e significantes e o entendimento dos media como lugar de construção
da hegemonia vão justificar o surgimento daquilo que se denominou “estudos
de recepção” dos media.
Os investigadores dos Estudos Culturais procuram entender a recepção não
como uma etapa do processo comunicativo, mas como o seu sinônimo, na medida
em que é o próprio processo de recepção que instaura a troca comunicativa. No
intuito de procurar compreender as relações entre cultura, comunicação e po-
der, ou seja, compreender os processos de comunicação de massa e o modo como
uma mensagem ou texto efetivamente produzem ideologia, eles tentam deslo-
car a atenção da mensagem para a relação comunicativa entre a mensagem e
seus receptores. Para entender o sentido de uma mensagem é necessário
considerá-la enquanto interpretada “por uma dada situação” psicológica, histó-
rica, social, antropológica. Leitor, telespectador, receptor não são aqui sujeitos
textuais, mas sujeitos sociais, o que significa, para os Estudos Culturais, sujeitos
que têm uma história, vivem numa formação social particular (que deve ser
compreendida em relação a fatores sociais tais como classe, gênero, idade, re-

Efeito e Recepção 229


gião de origem, etnia, grau de escolaridade) e que são constituídos por uma
história cultural complexa que é ao mesmo tempo social e textual.
Rever o processo comunicativo desde o âmbito da recepção quase sempre
significa reivindicar a ocupação do lugar do sujeito pelo receptor.4 Os estudos
de comunicação que colocam a tônica na recepção o fazem a partir do “reco-
nhecimento do sujeito e da pertinência de uma teoria que parte das concep-
ções deste último, de sua subjetividade” (Mattelart & Mattelart, 1989:201) para
pensar os processos comunicativos.
A expressão Estudos de recepção abriga desde a consideração inicial dos
processos de “decodificação” das mensagens (nos modos das investigações de
Hall e Morley) até à ênfase mais recente nos “usos dos meios” e no “consumo
cultural”; acolhe desde a investigação de campo sobre o modo como os recep-
tores “produzem sentido” a partir dos textos mediáticos até a “etnografia da
audiência”, que procura examinar certos encontros entre media e receptores a
partir de sua inserção no espaço doméstico e nas práticas da vida cotidiana.
Comum a todos esses enfoques e desdobramentos é a ênfase na atividade
do receptor. Porém, um dos aspectos mais problemáticos dos estudos de
recepção é o modo mesmo como a “atividade” dos receptores é entendida. O
que significa, a rigor, “atividade”? O que se quer dizer quando se afirma que
os receptores respondem ativamente aos chamamentos dos media? Aprender
a ver a combinação particular de pontos na tela da TV como representação de
objetos do mundo é atividade? A atividade do receptor pode ser evidenciada
desde o seu físico, o olhar atento, os ouvidos em alerta; ou, quando a progra-
mação não lhe agrada, o descaso, a realização de outras tarefas? Ou só é
atividade sua participação emocional ou cognitiva no processo receptivo, quan-
do, por exemplo, utiliza sua inteligência para encadear sons e imagens que
recebe e compreender as mensagens? Se os receptores empreendem algum
tipo de discussão enquanto assistem à TV, isso é evidência da sua atividade?
Ou atividade significa negociar os sentidos das mensagens mediáticas, no
sentido de uma decodificação negociada proposta por Hall? Ou só é atividade
digna de menção a decodificação opositora? E quando a decodificação se dá de
acordo com os códigos da codificação, o que isso significa? Ou mais, se ser ativo
é demonstrar capacidade de resistência aos chamamentos dos media, o que é
“resistência”? Resistir semioticamente implica capacidade para resistir social e
politicamente?
Para a corrente investigativa dos “usos e gratificações”, reconhecida em
seu pioneirismo por explicitar a atividade dos receptores, conceber o público
como ativo implicava supor que o uso dos meios era “dirigido” por objetivos

230 Conclusão
claros e conscientes, no caso, a satisfação de necessidades psicológicas indivi-
duais. Para os estudos de recepção, a atividade dos receptores é mais comple-
xa. Em alguns momentos, de fato, pode-se acusar a “atividade física”. Mas, em
geral, postular essa atividade do receptor significa postular que: 1) os recepto-
res são sujeitos sociais; 2) os receptores “carregam” para o seu encontro com os
media toda a sua cultura – argumento dos Estudos Culturais desde as investi-
gações de Richard Hoggart e Raymond Williams –, a sua posição na estrutura
social – ênfase de Hall, porém mais concretamente de David Morley –, e o
contexto particular de sua inserção na sociedade, descrito em relação a fatores
sociais tais como gênero, etnia, idade; 3) esses elementos extralingüísticos
determinam os códigos que os receptores usarão para interpretar as mensa-
gens; 4) como há uma enorme variedade de contextos sociais e culturais, há
uma equivalente multiplicidade de leituras possíveis.
Há, quase sempre, uma associação entre os dois principais pressupostos
dos estudos de recepção, o de que a audiência é sempre ativa e o de que as
mensagens dos meios são polissêmicas. Mas não se entende polissemia como a
entendia Barthes, para quem a polissemia é um “estádio rudimentar da escri-
tura” (Barthes, 1993b:47). Antes, polissemia tem sido entendida, no sentido
que lhe deu Bakhtin ao se referir à multiacentualidade da linguagem, como
sua abertura a diferentes interpretações. A conseqüência da polissemia,5 para
os Estudos Culturais, é que ela deixa margem a que os receptores elaborem
“uma leitura diferente”, a partir de sua inserção nos contextos sociais mais
amplos. Em outros termos, polissemia implica a solicitação da atividade do
receptor. Às vezes, demonstrar a “diversidade de sentidos” construídos é, em
si mesmo, uma prova da atividade dos receptores.
A consideração do contexto extralingüístico, da situação social concreta
onde ocorre a interação entre media e receptores implica uma opção
metodológica dos estudos de recepção em abordar o processo receptivo a
partir do conjunto das variáveis que levam os receptores a interagir com os
meios. Essa opção metodológica aproxima-se daquela adotada pelos investi-
gadores dos “efeitos limitados” e nos leva de volta à idéia de “seletividade”.
Apesar de afirmar o receptor como sujeito ativo, sua lógica nos leva a
compreendê-lo como alvo, como local de chegada das influências das várias
instâncias “mediadoras”, o que de qualquer modo denota a idéia de passivida-
de. Por exemplo, atribuir às instituições sociais o papel de reforço ou de sub-
versão das mensagens veiculadas pelos media parece-nos, outrossim, uma
reedição do modelo do two step flow of comunicacion, imputando às institui-
ções o papel de “filtro”, de agenciador, reforçador ou indutor de mudanças de

Efeito e Recepção 231


comportamento, atitudes, opiniões, valores, gostos... Essa opção metodológica
aparece de modo muito evidente no “paradigma das mediações”, em que
mediações são ao mesmo tempo o conjunto dessas influências que estruturam
e organizam a percepção da realidade por parte do receptor e o lugar do qual
“provêem as constrições que delimitam e configuram a materialidade social e
a expressividade cultural da televisão” (Barbero, 1987:233).
Por outro lado, postular a atividade do receptor é falar da sua capacidade
de resistência aos poderes dos media e, portanto, falar do poder do receptor.
Tal associação entre recepção e resistência é conseqüência da filiação mar-
xista dos Estudos Culturais. Pensar a cultura numa perspectiva marxista ao
mesmo tempo em que procedia a uma revisão do marxismo clássico permitiu
aos Estudos Culturais superar uma concepção especular da cultura e, com o
apoio de Gramsci, conceber a comunicação como práticas de significação
num campo de forças sociais. A comunicação – a linguagem, teria dito Bakhtin
– era o lugar da luta de classes e deveria ser interrogada a partir dos modos
mesmo de luta que aí se produzem. Mas perceber a cultura como lugar de
confronto implicou muitas vezes a valorização da cultura popular e de sua
capacidade de resistência. No campo da comunicação, este risco se reflete na
crença de que a tarefa dos meios de comunicação de massa é dominar e a dos
receptores (classe subalterna) é resistir. Realiza-se uma rotação no eixo tra-
dicional: a “capacidade de ação” – de domínio, imposição e manipulação –
que antes era atribuída aos emissores é traspassada agora à capacidade de
ação, de resistência e impugnação dos receptores. Conceber a comunicação
e a cultura como locais de enfrentamento implica considerar a recepção
como prática de resistência.
Estabelecer a condição da recepção e do sujeito receptor (sujeito social,
cultural, político) enquanto um lugar que recebe e processa as informações do
ponto de vista do tesouro cultural que dispõe, acionando o conjunto de práti-
cas, hábitos e saberes ao qual tem acesso, para avaliar, julgar, processar e
interpretar os dados permite à investigação da recepção dotar a pedagogia da
comunicação de chaves de acesso e intervenção na realidade. O que está em
jogo é a construção política da anatomia de um receptor que deve ser crítico,
ou seja, deve possuir o instrumental hermenêutico que lhe permita ser capaz,
por um lado, de perceber as mensagens mediáticas como produzidas no
interior de uma sociedade de interesses e, por outro, de a elas resistir.
O interesse pedagógico, como vimos, é muito evidente no “enfoque inte-
gral da audiência”, formulado com o objetivo explícito de facilitar a interven-
ção na prática educativa das famílias, das escolas e das instituições políticas e

232 Conclusão
sociais. Mas o objetivo de intervenção social não é exclusividade de Guillermo
Orozco. Ele é formulado por Barbero, por Morley, por Ang, por Radway, por
Hall. Lembremos que a inserção do trabalho intelectual num projeto político
mais amplo foi definido por Hall como sendo a característica mais sólida dos
Estudos Culturais e, de fato, esse “engajamento” aparece na corrente inglesa
desde Hoggart até hoje. Janice Radway conclama as feministas a adotarem
estratégias educacionais baseadas em seus achados empíricos e analíticos; Ien
Ang enfatiza a necessidade de tornar o prazer que as telespectadoras tiram de
Dallas politicamente produtivo, inserindo-o num plano de ação feminista. O
engajamento do trabalho intelectual em “estratégias emancipadoras” é apon-
tado por Schroder (1987:26) como a principal distinção entre a investigação na
tradição dos estudos críticos e a investigação na tradição da Sociologia da
comunicação, que, no mais, estariam tendendo a uma convergência.6
A capacidade dos Estudos Culturais de formular uma crítica cultural e
política e analisar as práticas receptivas na perspectiva de sua articulação com
as relações de poder tem sido demonstrada ainda hoje. Afirmar que a produ-
ção de sentido não é somente uma questão de significação, mas sobretudo
uma questão de poder tem constituído o esforço do trabalho investigativo de
quase todos os investigadores que analisamos nesta segunda parte do livro.
Mas parece haver, em alguns momentos, uma divergência sobre o que é mes-
mo o poder e quais os limites entre sua dimensão textual e sua dimensão
social. Essa divergência reflete-se, marcadamente, nas investigações norte-
americanas, cujo distanciamento do marxismo tenderia a exacerbar a ênfase
na dimensão textual do poder.
Stuart Hall talvez seja o intelectual ligado aos Estudos Culturais que mais
tenha, nos dias de hoje, evidenciado sua insatisfação com alguns desenvolvi-
mentos mais recentes dos Estudos Culturais, sobretudo com sua internacio-
nalização (ou americanização). Para Hall, investigar a cultura impõe-nos a con-
vivência com uma permanente tensão, aquela entre ter que reconhecer a
dimensão textual das questões culturais ao mesmo tempo em que se reconhe-
ce também que a textualidade não é nunca o bastante; aquela de ter que
reconhecer que a textualidade é o lugar do exercício do poder, mas, ao mesmo
tempo, que o poder tem uma dimensão não textual. Ele chama a atenção para
o fato de que a cultura sempre opera por meio da textualidade, mas que, ao
mesmo tempo a “textualidade nunca é suficiente” (Hall, 1996a:271). É claro que
as questões políticas e de poder são sempre questões de representação, são
sempre questões discursivas. Entretanto, são também questões que escapam
à mera textualidade. Os Estudos Culturais nunca se afastam da assunção de

Efeito e Recepção 233


que os textos são fonte de poder, de que a textualidade é um lugar de repre-
sentação e resistência, mas eles parecem às vezes se afastar (é o que acontece
com John Fiske, por exemplo) da premissa segundo a qual os textos devem ser
estudados em sua conexão com as instituições, as classes e grupos, as nações,
os gêneros, as raças, as práticas ideológicas.
Hall entende a “textualidade como um lugar de vida e morte” (Ibidem, 273),
o que implica reconhecer a materialidade do poder e da desigualdade e, por
isso, rejeitar que os Estudos Culturais se ocupem exclusivamente de questões de
linguagem e textualidade. Ainda que ele observe que as questões de poder e de
política tenham sempre que ser abrigadas nas representações da textualidade.
Para Hall, aprender a lidar com essa tensão é requisito para que os Estudos
Culturais cumpram sua “vocação ‘mundana’” (Ibidem, 272), qual seja, realizar-
se como uma “intervenção”, um “projeto” político de transformação social.
Isso nos chama a atenção para o fato de que a atividade do receptor não
necessariamente implica poder sobre a ordem social. Se há algumas tendênci-
as à exacerbação do poder do receptor, hoje, para os investigadores críticos, no
esforço de alcançar uma abordagem teórica mais adequada das relações cul-
turais e seus efeitos, tomar em consideração sua atividade não implica desco-
nhecer que os media efetivamente produzem efeitos.
Ao afirmar a condição do receptor como sujeito ativo e apontar categorias
de análise que podem ser articuladas metodologicamente, os estudos “críti-
cos” da recepção lograram operar um significativo avanço teórico-metodológico
em relação aos estudos dos efeitos. Neste sentido, as descrições etnográficas
têm sido extremamente competentes em afirmar a atividade dos receptores.
No entanto, algumas limitações ainda persistem, marcadamente aquelas im-
postas pelo modo de pensar tal atividade, que, como já vimos, muitas vezes se
aproxima de seletividade e mediação.
No esforço de romper com a tradição de investigação sobre os efeitos e com
o modelo matemático da comunicação, os investigadores dos Estudos Cultu-
rais procuraram pensar a recepção não como uma etapa do processo de
comunicação, mas como “um ‘lugar’ novo, de onde devemos repensar os estu-
dos e a pesquisa de comunicação” (Barbero, 1995:39). Pensar a recepção seria
o mesmo que explodir o modelo mecânico. Mas, parece-nos, este esforço acaba
por não se realizar plenamente. A maior parte dos estudos recentes sobre a
recepção continua partindo da existência “fática” de um tipo particular de
texto que se estima recebido por certo conjunto de indivíduos. Tais estudos
perpetuam a idéia de que existe um “circuito” de comunicação claramente
delimitado e, portanto, identificável, situável e sujeito a observação.

234 Conclusão
Os estudos de recepção mantêm a ênfase, própria do modelo informacio-
nal, na questão da mensagem. Embora às vezes se anuncie uma superação da
determinante mecanicista de tal modelo, na medida em que a ênfase sairia da
transmissão das mensagens e seria transferida aos processos de construção
de sentido, a rigor, a preocupação ainda está posta na decodificação, nas leitu-
ras ideológicas, na capacidade de resistência dos receptores aos conteúdos
ideológicos. Permanece ausente dos Estudos Culturais a questão da sensibili-
dade, por exemplo, que McLuhan e Benjamin já haviam apontado. Quando se
referem ao “prazer”, é ao prazer de subverter a mensagem (Fiske), ao prazer
de burlar o autoritarismo masculino (Radway). Os Estudos Culturais calam-se
sobre a fruição dos produtos culturais; preocupam-se com os modos de resis-
tência às suas mensagens. Em decorrência de sua inserção num projeto políti-
co, os Estudos Culturais não dizem uma palavra sobre o prazer físico que o
receptor pode tirar de sua interação com os media; toda a ênfase é posta no
prazer intelectual de subverter uma mensagem entendida como conteúdo
estrategicamente orientado. O prazer é motivado, visa ao enfrentamento.
Em que pesem as críticas a algumas abordagens mais recentes dos Estu-
dos Culturais, elas trazem algumas questões importantes, como o prazer, a
corporalidade, a fantasia, o afeto, o desejo, a transgressão para enriquecer a
análise da recepção da cultura e cooperam para o entendimento de que a
recepção aos media não se restringe a um problema de interpretação de uma
mensagem, entendida no sentido discursivo, lingüístico, mas remete também
a questões de percepção e sensibilidade.
Os estudos da recepção puderam instituir o espaço para uma revisão das
teorias da comunicação, mas na medida em que se transformam em investiga-
ção empírica qualitativa de audiência, na medida em que a ênfase é posta
sobre as situações particulares dos encontros, a intuição inicial se perde. O que
se ganha, a rigor, em multiplicar ao infinito as etnografias da audiência? “...So-
mente se redescobre, exemplo atrás de exemplo, que os diferentes grupos de
espectadores recorrem a diferentes maneiras de ler os textos que se lhes
propõem” (Dayan, 1997:27). É claro que essa repetição responde a um objetivo
político claramente definido. O que questionamos é se está contribuindo para
os próprios objetivos dos estudos de recepção – pelo menos como o pensaram
Hall, Morley, Barbero, de recusa do modelo matemático; questionamos se as
etnografias estão contribuindo para a compreensão do processo receptivo.
Para Ien Ang, conhecer a audiência parece ser a questão fundamental dos
Estudos Culturais atualmente. Em seu livro mais recente, Desperately seeking
the audience (Ang, 1991b), a autora questiona as formas de acesso à audiência

Efeito e Recepção 235


televisiva configuradas pelas “medições de audiência” e refuta a invisibilidade
da audiência que se esconde atrás dos números dos surveys. A questão para
Ang é saber exatamente quem ou o que é a audiência televisiva, essa audiên-
cia concreta que se esconde por trás dos índices, com seu conhecimento esta-
tístico, técnico e apenas aparentemente objetivo.
Mas a questão crucial, do ponto de vista da recepção, não deveria ser
propriamente saber quem é a audiência, nem deveria ser descrever seu com-
portamento, mas compreender o processo comunicativo. Em outros termos,
compreender o próprio processo que institui uma audiência. Nesse sentido,
perguntamos: Qual é, a rigor, a importância dos atores sociais “de carne e
osso” para a compreensão do processo receptivo? O que é possível tirar de
substancial das pesquisas empíricas – ainda que qualitativas – a não ser fato-
res circunstancialmente limitados a uma audiência empírica e pontualmente
investigada. Na medida em que o principal interesse esteja em saber como se
dá o processo de recepção, em que medida os estudos de recepção devem
guiar-se pela pergunta sobre “quem” é a audiência? Ou melhor, em que me-
dida conhecer a audiência implica conhecer o processo de recepção?
Em que medida a investigação empírica qualitativa da audiência é, ou contri-
bui para, um “outro modo de ver a comunicação” (Barbero, 1995:57)? Descrever
o comportamento da audiência por meio da atenção a fatores situacionais que
determinam padrões distintos de ver TV – com interrupção, sem interrupção;
atentamente, com fidelidade a canais e gêneros, zappeando; “explicar adequa-
damente a importância da TV na vida das pessoas” (Ronsini, 1999:3); discriminar
a variedade de resposta humana aos mass media seriam estratégias de aborda-
gem do processo receptivo? No nosso entendimento, a prática de realizar inves-
tigações localizadas, regionalizadas, de certos encontros entre media e recepto-
res está impedindo a compreensão do processo receptivo.
Não afirmamos aqui que a pesquisa empírica não tenha dado suas contri-
buições para o entendimento do processo receptivo, sequer postulamos que
se possa compreender o processo receptivo exclusivamente a partir da análise
do texto, mas propomos que se leve às últimas conseqüências a análise de
quais têm sido ou quais ainda podem vir a ser as contribuições da pesquisa
empírica qualitativa de audiência para a compreensão da recepção.
Particularmente, tendemos cada vez mais a acreditar que a pesquisa
empírica qualitativa de audiência tem se mostrado muito útil como estratégia
para a abordagem de outras questões referentes à comunicação, tais como
sociabilidade, configurações da política, organização do tempo e do espaço,
cultura global e cultura local, relações entre media e identidade cultural. O

236 Conclusão
refinamento das metodologias qualitativas de investigação da audiência têm
chamado de tal modo a atenção dos investigadores em comunicação que hoje
a investigação sobre a recepção tem se transformado ela mesma numa meto-
dologia, no sentido de que serve de suporte para análise de outras questões
referentes à comunicação e cultura contemporâneas. Os estudos de recepção
se transformaram, eles mesmos, numa espécie de modelo teórico-metodológico
de investigação em comunicação, mas têm nos deixado desamparados quando
se trata de explicar “o que é mesmo recepção”?
O esforço de investigação sobre a recepção, que começa com uma tentativa
de “articulação das investigações sociológicas e das investigações sobre o tex-
to” (Jensen & Rosengren, 1997:340), vai ganhando um peso sociológico cada
vez maior. Quando a análise de recepção passa a chamar-se etnografia da
audiência, a mudança não é apenas de terminologia. Mudam-se os propósitos.
Se antes a ênfase era entender o processo receptivo – e acreditamos que, com
todos as limitações impostas pela metáfora da “decodificação” e pela metáfora
da “mediação”, esse é o propósito de Stuart Hall, de David Morley e de Jésus
Martín-Barbero – agora a ênfase está em conhecer a audiência, em descrever
seu comportamento.
Na medida em que os estudos de recepção se qualificam como investigação
empírica qualitativa de audiência, eles, do ponto de vista do que nos interessa
neste livro, se empobrecem e, ao invés de marcar uma posição de ruptura em
relação à tradição de investigação da comunicação oriunda da teoria da infor-
mação, significam um refinamento das pesquisas de audiência. A identificação
dos “estudos de recepção” à “pesquisa empírica qualitativa de audiência”
parece-nos extremamente redutora. A redução está em atribuir aos chamados
estudos de recepção a mera função de levantamento e coleta de dados, atri-
buição que se evidencia na afirmação corrente de que os estudos de recepção
são a pesquisa empírica de audiência realizada nos marcos dos Estudos Cultu-
rais. Com isso se perdem de vista as possibilidades que os estudos de recepção
parecem vislumbrar.
Quando Orozco arrola a “mediação televisiva” ou “mediação videotecno-
lógica”, ou seja aquelas características específicas da televisão – sua progra-
mação, gêneros, publicidade, seu grau de representabilidade e verossimi-
lhança, o próprio aparato eletrônico; quando Barbero estabelece a competên-
cia cultural como um campo onde se evidenciam os modos a partir dos quais a
emissão televisiva já ativa, ela mesma, necessariamente – para que suas men-
sagens tenham evidência – as competências culturais inerentes à existência
individual e social de cada um dos receptores e identifica nos “gêneros” os

Efeito e Recepção 237


modos nos quais se fazem reconhecíveis e se organizam as competências
comunicativas de emissores e receptores, assumindo-os explicitamente en-
quanto “estratégias de comunicabilidade” ou “estratégias de interação”; quan-
do Morley, em seus trabalhos mais recentes, apoia-se numa teoria dos gêneros
parece se apresentar, nesses autores, momentos fecundos para um salto teó-
rico-metodológico na direção de pensar o processo comunicativo como um
todo, tanto na sua lógica de trocas de informações quanto na descrição do
“aparato” (técnico, social...) da comunicação. Os gêneros permitiriam entender
o processo comunicativo não a partir das mensagens, mas a partir da “intera-
ção”. Os gêneros são formas reconhecidas socialmente a partir das quais se
classifica um produto dos media. Em geral, os programas individualmente
pertencem a um gênero particular, como o “melodrama” ou o “programa
jornalístico”, na TV, e é a partir deste gênero que ele é socialmente reconheci-
do. Colocar a atenção nos “gêneros” implica reconhecer que o receptor orienta
sua interação com o programa e com o meio de comunicação de acordo com as
expectativas geradas pelo próprio reconhecimento do gênero. Os gêneros
funcionam como uma espécie de “manual de uso”.
Os gêneros aparecem não como propriedades dos textos. O gênero não é
algo que passa ao texto, mas algo que passa pelo texto... O gênero é
uma estratégia de comunicação, ligada profundamente aos vários uni-
versos culturais... O gênero não é só uma estratégia de produção, de
escritura, é tanto ou mais uma estratégia de leitura (Barbero, 1995:64).

Nesses sentido, os gêneros são momentos de uma “negociação”. No caso da


recepção televisiva, por exemplo, os gêneros permitem relacionar as formas
televisivas com a elaboração cultural e discursiva do sentido. Acreditamos que
se houvessem desenvolvido esta linha de raciocínio tais autores começariam a
indicar as luzes no final do túnel.
Aquilo que aparece nesses autores como “estratégias de comunicabilidade”
ou “estratégias de interação”, ou seja, os modos como a emissão televisiva já
ativa, ela mesma, as competências culturais dos receptores,7 parece se aproxi-
mar de noções que permitem uma visada do ponto de vista de uma pragmá-
tica da comunicação. Pensar o processo comunicativo nesta perspectiva signi-
fica pensar tanto o modo como o campo da emissão ativa as competências dos
receptores, quanto também o modo como os receptores constroem suas com-
petências para negociar o sentido. Isso significa pensar as “condições de uso
da comunicação”, os “contextos”, as “intenções dos falantes”, as “circunstânci-
as nas quais o sentido é produzido”, sem privilegiar um dos pólos, mas a partir

238 Conclusão
de uma análise do “processo comunicativo”, que, acreditamos, deva, ele sim,
ser colocado no lugar do sujeito da comunicação. Enfim, existem alguns esfor-
ços que parecem ter ficado para trás na seqüência dos estudos de recepção e
que se evidenciam naquela intuição que Hall foi buscar em Barthes, Bakhtin e
Eco, qual seja, o tratamento da questão cultural na perspectiva da semiótica.
Não foi interesse deste livro formular um tratado geral das teorias da recep-
ção – até porque não podemos, a rigor, falar em uma Teoria da recepção, mas sim
numa pilhagem de enfoques advindos de diversas fontes e matrizes conceituais.
Não foi nossa pretensão, também, construir uma Teoria da Recepção (teoria essa
que deveria incorporar todas as contribuições para uma síntese perfeita). É por
esse motivo que adotamos o procedimento de investigar alguns autores que são
mais representativos no esforço de sistematizar uma abordagem sobre o fenô-
meno da relação entre media e receptores, mesmo que não esgotemos suas
idéias e suas obras (usamos suas idéias como metáforas que sistematizam um
certo procedimento intelectual de tratamento do tema).
A principal contribuição deste livro está em desnudar os discursos que
trazem em causa a relação entre os media e seus receptores, mas que: primei-
ro, ou estão preocupados em descrever o que os meios de comunicação fazem
com os receptores; ou, segundo, em descrever aquelas situações concretas em
que a recepção ocorre.
Com estas ressalvas, então, submetemos o resultado da pesquisa ao exame
da comunidade acadêmica, esperando que seu esforço ofereça um bom moti-
vo para prosseguir um debate que, muito longe de estar bem estabelecido e
resolvido, se reabre permanentemente.

Notas
1. Ver JAUSS, 1996; 1994; 1986 e ISER, 1996.
2. Ver FISH.1995.
3. Encontra-se em VALVERDE.1992 uma das leituras mais recentes e interessantes sobre as contribuições de
McLuhan para o problema da comunicação contemporânea.
4. Tal reivindicação é expressa por vários autores ligados aos Estudos Culturais. Ele está presente, por
exemplo, na forma de título de livro sobre os estudos de recepção. Ver WILTON DE SOUZA, 1995.
5. Essa conseqüência é o oposto do que era para Adorno (1986c:102), para quem a polissemia dos meios de
comunicação aparece como mais uma estratégia de captura de sentido (ver página 70, na Parte I). O fato de
que não se pode atribuir aos meios de comunicação uma mensagem inequívoca, o fato de que eles são
organizados de modo a apresentar várias camadas de significados superpostas umas às outras foi entendido
como estratégia para garantir o efeito: com a polissemia buscava-se organizar a mensagem de tal modo que
ela não permitisse a fuga do receptor. Em Adorno, a polissemia não é inerente à mensagem, não remete à sua
vinculação às estruturas sociais, antes, é uma estratégia dos seus produtores.
6. Kim Schroder aponta uma tendência à convergência sobretudo nos métodos de investigação: os estudos
críticos terminaram por ir buscar explicação para seus problemas de pesquisa numa base de dados empírica e
a sociologia da Comunicação estaria cada vez mais se abrindo à metodologia qualitativa.

Efeito e Recepção 239


7. Tais noções aproximam-se do que vem sendo reivindicado como objeto de estudo por autores filiados tanto à
semiótica quanto à semiologia e que se traduzem em expressões tais como “cooperação textual”, “instruções
de leitura”, “instruções de interpretatibilidade” ou ainda “contratos de leitura”. Tais expressões traduzem um
esforço investigativo de tentar dar conta do modo como um texto produz uma atitude no intérprete, do modo
como ele solicita sua contribuição.

240 Conclusão
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