Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
R E C E P Ç Ã O
A INTERPRETAÇÃO DO PROCESSO
RECEPTIVO EM DUAS TRADIÇÕES
DE INVESTIGAÇÃO SOBRE OS MEDIA
ISBN: 85-87922-95-5
Revisão de texto
Elisa Sankuevitz
Mario José de Oliveira
11 Introdução
19 OS ESTUDOS DOS EFEITOS
21 Efeitos Diretos e Imediatos
22 Sociedade, Cultura e Comunicação de Massa
25 A Metáfora da Agulha Hipodérmica
32 Teoria Matemática da Comunicação
41 Efeitos Limitados: Mediação, Seletividade e Reforço
42 Percepção e Cognição
43 Líderes de Opinião e Grupos Primários
48 A Seletividade dos Receptores
53 Efeitos Sociais
54 Funcionalismo
65 A Teoria Crítica
76 Efeitos da Tecnologia sobre a Sensibilidade
78 Efeitos Cognitivos
103 AS ANÁLISES DE RECEPÇÃO
107 Estudos Culturais, Cultura e Cultura de Massa
108 Cultura como Expressão dos Processos Sociais
122 Cultura como um Modo de Vida
133 Rumo a uma Crítica Marxista da Cultura de Massa
135 A Cultura como Processo Social e Material
137 Cultura e Comunicação como Práticas de Significação
151 Ideologia e Linguagem
153 Comunicação Dialógica e Multiacentualidade
158 Crítica Ideológica da Cultura de Massa
161 Análise Semiológica da Mensagem Televisiva
164 Leituras Negociadas, Hegemônicas e Opositoras
171 Os Estudos de Recepção
175 The “Nationwide” Audience
189 Da Decodificação ao Consumo Cultural
196 Estratégias de Resistência
199 Etnografia da Audiência
203 Recepção e Mediações na América Latina
221 Conclusão
241 Referências Bibliográficas
Seja qual for o ponto de onde partamos, devemos ouvir outros que
hajam partido de posições diferentes. Precisamos considerar cada ade-
são ou crença, cada valor, com a maior atenção; por não podermos
penetrar o futuro, não podemos estar certos acerca do que o enriquece-
rá; no presente, só o que podemos é ouvir e considerar tudo que se
ofereça e aproveitar o que seja possível.
Raymond Williams
Introdução
Efeito e Recepção 11
para a organização e mobilização populares e democratização da comunica-
ção. Em outras palavras, buscava-se, “participação” dos “oprimidos” por meio
desses veículos alternativos, “dar voz aos oprimidos”. Daí porque a gestão e
elaboração desses meios fosse um critério definidor de seu caráter popular:
um veículo era autenticamente popular quando produzido pelas classe popu-
lares. A ênfase na participação se justificava pela crença em como somente ela
tornaria possível a bidirecionalidade,1 processo que se caracterizaria pelo fato
de que “os receptores podem ser emissores e vice-versa” (Azevedo, 1980:153).
“Participação, conscientização e mobilização” eram as palavras que definiam
tais veículos. Seus objetivos, defender os interesses das classes populares,
formar consciência crítica, promover a liberdade política, social e cultural,
ajudar no processo de transformação social, criando coesão e solidariedade.
Essa orientação, bastante representativa nos anos de 1970 e de 1980 no
Brasil, acabou por dar lugar às perspectivas da educação para a recepção.
Aliava-se à participação e à gestão de meios alternativos a formação de uma
consciência crítica em relação às mensagens dos meios massivos.
Naquela época éramos todos vítimas (quem sabe até justamente) de
um modelo dos mass media que era uma cópia daquele das relações de
poder: um emissor centralizado, com planos políticos e pedagógicos
precisos, controlado pelo Poder (econômico ou político), as mensagens
emitidas por intermédio de canais tecnológicos reconhecíveis (onda,
canais, fios, aparelhos caracterizáveis como um vídeo de cinema ou TV,
um rádio, a página de uma revista) e os destinatários, vítimas da
doutrinação ideológica. Teria bastado ensinar os destinatários a “ler”
as mensagens, a criticá-las, quem sabe se teria chegado à era da liber-
dade intelectual, da consciência crítica... (Eco, 1984:179).
12 Introdução
agora vinha acompanhada de estratégias que visavam preparar os receptores
para ler, a partir dos seus valores de classe, as mensagens massificadas. Ler
seria passar de uma consciência ingênua (a explicação simplista e ideologizada
do mundo) a uma consciência crítica, totalizante, englobadora, o que só se
daria mediante um processo educativo.
A abordagem da relação entre os media e seus públicos como auxílio da
“pedagogia”, seja ela praticada no âmbito mais definido das escolas ou no das
instituições sociais, como a família, a igreja, os sindicatos, acabou por nos levar
ao segundo trabalho de investigação realizado dentro do Programa de Pós-
graduação, agora já no nível do mestrado. Nossa pesquisa, que começou com
uma preocupação sobre a recepção televisiva infantil, mais particularmente
sobre o caráter ativo desta recepção, resultou numa dissertação que tomava a
relação entre criança e TV como pretexto para a investigação do próprio con-
ceito de recepção e do processo comunicativo (Gomes, 1995).
Nesta nossa segunda experiência de pesquisa, nos debruçamos ao mesmo
tempo sobre dados empíricos – trabalhamos com crianças na faixa etária dos
seis anos, matriculadas na série de alfabetização de três escolas de Salvador,
escolhidas pelos critérios de localização e valor da mensalidade, de modo que
nos possibilitasse o acesso a crianças pertencentes aos vários estratos socio-
econômicos – e sobre a bibliografia. No nosso entendimento, os discursos sobre
a relação entre criança e televisão revelaram uma particular incompreensão do
fenômeno da recepção. Em primeiro lugar porque lançam sobre a relação entre
a criança e a TV um olhar preconceituoso – a relação que se estabeleceria aí seria
a da “sedução dos inocentes”. A TV, ardilosa, estaria abusando da ingenuidade
da criança, que não disporia dos mecanismos para lhe opor resistência. Segundo
porque, embora a atividade da criança diante da televisão comece a ser pensa-
da, ela é tomada apenas em termos potenciais – a criança pode vir a se tornar um
receptor ativo/crítico mediante algumas estratégias pedagógicas.
Na pesquisa desenvolvida no mestrado, procuramos sustentar nossa in-
vestigação empírica no modelo teórico-metodológico que mais parecia avan-
çar na análise da recepção televisiva, pelo menos no sentido de compreender
que a televisão é muito mais que um meio técnico de comunicação, é parte vital
do cotidiano, é uma instituição social que necessita ser compreendida como
parte orgânica da sociedade e cultura contemporâneas. O “paradigma das
mediações”, uma corrente de estudos latino-americanos filiada aos Estudos
Culturais ingleses, surgiu como aquele que, de modo mais decisivo até o mo-
mento, permitia compreender o receptor como um sujeito ativo, determinado
socioculturalmente e capaz de negociar os conteúdos das mensagens televisivas.
Efeito e Recepção 13
No entanto, nesse percurso de análise dos dados empíricos e de aprofun-
damento no modelo teórico-metodológico, nos defrontamos com alguns limi-
tes do paradigma das mediações. E começamos a suspeitar que a afirmação da
recepção ativa, seja do receptor infantil ou não, já não era suficiente para dar
conta da compreensão do processo comunicativo.
Este livro deve ser entendido como prosseguimento dessas inquietações
anteriores sobre a capacidade de resistência dos receptores e sobre o caráter
ativo da recepção. Mas, se aqueles trabalhos se realizaram sobre uma base de
dados empíricos, neste momento pretendemos uma abordagem especulativa.
Do mesmo modo, se nosso compromisso político-ideológico com o oprimido, o
indefeso, o outro na relação comunicativa estava na origem de nossas formula-
ções, nosso compromisso agora seria melhor situado no âmbito das nossas atri-
buições docentes e, portanto, no contorno do nosso comprometimento com a
investigação em comunicação.
No campo dos estudos da comunicação, os modelos teóricos e metodológi-
cos de análise das relações que se estabelecem entre os meios e os receptores
se configuram numa pilhagem de enfoques advindos de diversas fontes e
matrizes conceituais. A depender do enfoque e do período histórico do desen-
volvimento da comunicação como disciplina, a ênfase pode recair sobre a audiên-
cia, os efeitos ou a recepção.
Alguns autores (cf. Jensen & Rosengren, 1997), sobretudo os de língua
inglesa, se referem de modo mais genérico a “estudos de audiência” para
remeter à globalidade das abordagens sobre meios e receptores (sob essa
chave estariam indiscriminadamente tanto os estudos dos efeitos, a corrente
dos usos e gratificações, as investigações oriundas dos estudos culturais, as
investigações empíricas qualitativas, as análises literárias do papel do leitor e
da interpretação, a estética da recepção). Isto parece advir do fato de que em
inglês o termo audience remeteria igualmente à relação entre os meios e seus
públicos e ao público em si mesmo. No Brasil, “audiência” remete, antes, a uma
concepção empírica do público dos meios.
Consideraremos aqui, então, como Pesquisa de Audiência aquelas investi-
gações que procuram dar conta, quase sempre de modo quantitativo, de quem
são as pessoas que ouvem, assistem ou lêem um determinado veículo ou pro-
grama. Consideraremos ainda sob esta chave as investigações que procuram
classificar esta audiência segundo determinados critérios sociológicos, como
idade, sexo, profissão, classe social, religião; tamanho e composição da família;
região geográfica. Estes critérios podem ser ampliados e diversificados, e in-
cluir, por exemplo, a quantidade de horas de exposição dedicadas a determi-
14 Introdução
nado veículo, como à TV; ou o modo preferencial de lazer adotado, tipo de
moradia, quantidade de aparelhos de TV em casa, hábitos de consumo; grau
de participação social ou de interesse em assuntos públicos. A abordagem
estatística dos receptores é sua principal característica.
Os levantamentos estatísticos da audiência pertencem de modo mais claro ao
âmbito das pesquisas de mercado e raramente aparecem isolados nas investiga-
ções sobre a comunicação. Como o nosso interesse aqui recai na tentativa de
compreender os modelos de análise das relações entre os meios e os receptores,
centraremos nossa atenção sobre os estudos dos efeitos ou da recepção, adotan-
do o uso do termo “audiência” apenas quando for necessário fazer referência ao
caráter meramente empírico de identificação dos receptores.
São Estudos dos Efeitos aqueles que procuram medir o impacto que os
meios de comunicação têm sobre a audiência, em geral procurando classificar
o poder dos meios em termos de minimal effects ou maximal effects. Estes
efeitos podem ser descritos como diretos ou indiretos, limitados ou irrestritos,
efetivados a curto ou a longo prazo. Podem ser efeitos sobre o voto ou os
hábitos de consumo, sobre os comportamentos, as opiniões e as atitudes, so-
bre a sexualidade ou sobre a violência, sobre a formação da opinião, sobre a
aquisição dos conhecimentos, sobre a construção da realidade. Podem incidir
sobre os indivíduos, os agrupamentos sociais ou o sistema social. Em geral,
pode-se dizer que tais estudos são guiados pela pergunta: o que os meios de
comunicação fazem às pessoas?
Efeito, no nosso entendimento, é o conjunto das conseqüências resultantes
da presença dos media nas sociedades contemporâneas. Em geral, enquanto
conseqüência da atividade comunicativa, os efeitos pressupõem a finalização
do processo de comunicação. Considerar os “efeitos” implica conceber o pro-
cesso comunicativo como a produção e a transmissão de um estímulo comuni-
cativo (em geral, de uma mensagem dotada de um conteúdo estrategicamente
orientado) realizadas por um emissor, dotado de intenções e objetivos, e a
produção de um impacto num determinado público.
Podem ser delineados três grandes parâmetros de compreensão dos efei-
tos, parâmetros que estão sendo tratados na Parte I deste livro, configurando
seus três primeiros capítulos:
a. Uma orientação inicial, voltada para a consideração dos meios de comuni-
cação de massa como causa necessária e suficiente para a consecução dos
efeitos, entendidos esses como a mudança de opinião ou a determinação
da conduta. O efeito é uma decorrência direta e imediata das intenções do
emissor e de sua competência para elaborar as mensagens. Forma de
Efeito e Recepção 15
compreensão própria da hipótese hipodérmica, marcada pelo conceito de
“massa” e apoiada em postulados da psicologia behaviorista.
b. A consideração dos media como causa necessária, mas não suficiente, para a
consecução de efeitos, enquanto tomada de decisão ou conversão de conduta
– ênfase nos comportamentos de consumo e de voto. Pode-se nomear este
período como dos efeitos limitados, posto que considera os efeitos como
reforço de atitudes prévias. Os efeitos dependem menos das intenções dos
emissores que das características cognitivas, sociais ou culturais da audiên-
cia, características que implicam exposição, atenção e memorização seletivas
por parte dos indivíduos receptores. O poder dos meios é então considerado
muito limitado em face das outras fontes de influência, como a influência
pessoal, a liderança de opinião ou a própria personalidade de cada membro
da audiência, o que limita a ação persuasiva dos media.
c. Postula-se a hipótese de que os media produzem fortes efeitos, mas estes
se exercem não mais sobre os indivíduos considerados isoladamente, mas
sobre a sociedade e, como tal, não podem ser considerados numa perspec-
tiva de curto prazo. São os efeitos sociais a longo prazo que detêm a aten-
ção. Investigam-se efeitos cognitivos (que se exercem sobre a formação do
patrimônio cognitivo, cultural e social dos receptores) e cumulativos, liga-
dos a uma exposição cotidiana e permanente aos media.
Os Estudos de Recepção, tratados na Parte II, caracterizam-se por procurar
entender o lugar do receptor no processo comunicativo a partir da perspectiva
da sua atividade e, portanto, negando as concepções que o entendem passivo,
já que condicionado por um esquema linear de comunicação. Não necessaria-
mente quantificam ou tipificam as audiências, embora possam recorrer a esta
estratégia com fins metodológicos; não necessariamente se preocupam com o
poder dos meios sobre as pessoas. Definem-se antes como aqueles estudos
que procuram dar conta da “relação” entre os meios e os receptores a partir da
negação de que essa relação seja de mero “efeito de uns sobre os outros”.
Estamos considerando, para esta tipologia, os estudos realizados no âm-
bito do que se considera tradicionalmente como Estudos da Comunicação.
Não são considerados aqui, por exemplo, investigações desenvolvidas no
domínio da estética literária, marcadamente por Hans Robert Jauss e Wolfgang
Iser que, respectivamente, se reivindicam como sendo estudos de recepção
ou dos efeitos.
Deve-se à teoria matemática da comunicação, senão a idéia de que há um
“receptor” e um processo de “recepção”, o próprio vocabulário que a institui.
16 Introdução
Embora, neste caso, tenha havido uma extensão de uso dos termos. Receptor,
no modelo matemático, indica o aparelho técnico (como Weaver dizia ser, no
caso humano, “o ouvido, com o oitavo nervo”) que possibilita a decodificação
dos sinais, e “destinatário” é aquele a quem a mensagem se destina. A partir
daí, no entanto, no âmbito dos estudos de comunicação, receptor e destinatá-
rio são usados como termos sinônimos e se referem não ao aparelho técnico,
mas ao destinatário, usuário ou consumidor dos media – ouvinte, leitor,
telespectador. Receptor hoje é um conceito geral que designa qualquer indiví-
duo humano na situação específica em que participa de um processo comuni-
cativo. Enquanto indivíduo, ele participa do processo de comunicação não só
com seu cérebro e ouvido, mas com todos os seus sentidos, características de
personalidade, seu inconsciente, suas experiências anteriores, sua cultura.
“Recepção”, por sua vez, que para a teoria da informação significa “decodi-
ficação” stricto sensu, tem assumido uma acepção cada vez mais ampla, signifi-
cando, a depender da corrente de investigação que o adote, desde o uso ou
consumo dos meios de comunicação de massa até os processos gerais de produ-
ção de sentido. Entre aqueles que têm se dedicado à investigação da recepção,
pretende-se que ela seja não mais uma etapa do processo de comunicação, mas
um lugar novo no qual o processo comunicativo deve ser repensado. Nestes
termos, pensar a “recepção” significaria explodir o modelo informacional.
Ao mapear entre as principais correntes de investigação sobre os media o modo
como o problema dos efeitos ou da recepção tem sido pensado, acabamos por
postular que, sob alguns aspectos, não se avançou muito na compreensão do
processo receptivo. Neste sentido, a intuição mais promissora parece estar mesmo
no âmbito dos Estudos Culturais, no seu modo de procurar entender a experiência
cultural contemporânea, configurada pela presença dos meios de comunicação de
massa, na perspectiva das contribuições da semiótica. Entretanto, essa intuição se
perde nas análises de recepção levadas a cabo, na medida em que elas se consti-
tuem, no mais das vezes, discursos sobre as características e condições pertinentes
ao modo como os sujeitos empíricos compreendem, fruem, interpretam, absorvem
as mensagens produzidas na escala da comunicação mediática. De algum modo, e
por mais sofisticadas que sejam tais análises, elas acabam por subsumir a investi-
gação da recepção às investigações empíricas qualitativas de audiência.
Não há dúvida de que o modelo de análise da recepção desenvolvido no
âmbito dos Estudos Culturais serve a uma sociologia da recepção. Entretanto,
há que se perguntar qual é, a rigor, a importância dos atores sociais “de carne
e osso” para a compreensão do processo receptivo. O que é possível extrair de
substancial das pesquisas empíricas – ainda que qualitativas – a não ser fato-
Efeito e Recepção 17
res circunstancialmente limitados a uma audiência empírica e pontualmente
investigada? Na medida em que o principal interesse esteja em saber como se
dá o processo de recepção, em que medida os estudos de recepção devem
guiar-se pela pergunta sobre quem é a audiência? Ou melhor, em que medida
conhecer a audiência implica compreender o processo de recepção?
Não afirmamos que a pesquisa empírica não tenha dado suas contribui-
ções para o entendimento do processo receptivo, nem sequer postulamos que
se possa compreender o processo receptivo exclusivamente a partir da análise
do texto, mas propomos levar às últimas conseqüências a análise de quais têm
sido ou quais ainda podem vir a ser as contribuições da pesquisa empírica
qualitativa de audiência para a compreensão da recepção. Neste sentido, ten-
demos a acreditar que a pesquisa empírica qualitativa de audiência tem se
mostrado muito útil como estratégia para a abordagem de outras questões
referentes às relações entre Comunicação, Cultura e Sociedade, tais como a
sociabilidade, as configurações da política, a organização do tempo e do espa-
ço, as relações entre cultura global e cultura local, as representações sociais e
o problema das identidades. Mas tem nos deixado desamparados quando se
trata de explicar o que é mesmo recepção?
Não é de interesse deste livro formular um tratado geral das teorias da
recepção – até porque não podemos, a rigor, falar em uma Teoria da Recepção,
mas sim numa pilhagem de enfoques advindos de diversas fontes e matrizes
conceituais. Não é nossa pretensão, também, construir uma nova Teoria da
Recepção (teoria esta que deveria incorporar todas as contribuições para uma
síntese perfeita). É por esse motivo que adotamos o procedimento de investigar
alguns autores que são mais representativos no esforço de sistematizar uma
abordagem sobre o fenômeno da relação entre media e receptores, mesmo que
não esgotemos suas idéias e suas obras (usaremos suas idéias como metáforas
que sistematizam um certo procedimento intelectual de tratamento do tema).
Deste modo, acreditamos que este livro tem seu principal valor na questão
que ele coloca, ainda que não tenhamos reunido as condições para respondê-la.
Este trabalho se configura mais claramente como o local de exposição de um
problema, exigindo desenvolvimentos posteriores para buscar as suas soluções.
Nota
1. Segundo PAVELKA, 1979:43, a principal característica dos meios alternativos seria possibilitar um processo
de comunicação bidirecional.
18 Introdução
Parte 1
Os Estudos dos Efeitos
Efeito e Recepção 19
Capítulo 1
Efeitos Diretos e Imediatos
O primeiro ciclo de estudos sobre os efeitos, que vai até meados dos anos de
1940, é marcado pela metáfora da agulha hipodérmica e pelo modelo matemá-
tico da comunicação. É um período caracterizado por um conjunto de suposi-
ções, referentes tanto à organização da sociedade quanto às características
psicológicas dos indivíduos, vindas da psicologia e da sociologia clássicas.
Massificação, isolamento social, anomia, sugestionabilidade, hipnose e imitação
são alguns dos conceitos básicos absorvidos das ciências sociais e aplicados ao
estudo da comunicação.
Esse período, que tem suas origens embrionárias na tipologia dos leitores
dos folhetins e romances, ainda no século XIX, mas que condensa maior volu-
me de investigações em torno do cinema e do rádio já no século XX, vai aos
poucos consolidando uma visão do processo comunicativo como o movimento
de uma mensagem do comunicador à audiência. O que sobressai desse pri-
meiro ciclo é uma visão linear, fragmentada e mecanicista da comunicação,
visão que ressalta a) a separação entre emissores e receptores, pólos opostos
do processo comunicativo, pólos que definem uma origem e um fim; e, portan-
to, b) uma visão teleológica do processo comunicativo; c) a onipotência do
emissor; d) a passividade do receptor; e) a mensagem como algo material e
objetivo, que independe do emissor tanto quanto do receptor; f) os efeitos
como sendo diretos e imediatos.
O método de investigação prioritário será a análise de conteúdo, já que se
entende que há uma relação direta entre as mensagens veiculadas e os efei-
tos. As análises de conteúdo têm posteriormente suas conclusões extrapoladas
para o âmbito dos efeitos e já trazem implicitamente a concepção do receptor
como tabula rasa. Nesse período, os estudiosos estão preocupados com o fato
Efeito e Recepção 21
de que boa parte da vida do homem é parcial ou totalmente ocupada com
mensagens disseminadas pelos meios de comunicação de massa. A preocupa-
ção com a mensagem, com o conteúdo, é justificada porque ela seria o locus
onde habita o poder dos media.
Efeito e Recepção 23
pelos indivíduos que se agregam numa massa não impede a pronta degra-
dação de sua moralidade e a atrocidade de suas condutas assim que se
metem a agir coletivamente (cf. Ibidem, 286). A massa depreda os valores
morais individuais.
O que está em jogo é a defesa de um indivíduo ideal construído pelo libera-
lismo,9 um indivíduo muito específico – racional, autoconsciente, moralmente
autônomo, não dogmático, trabalhador, sincero e honesto – em contraposição a
todas as características atribuídas à idéia de massa – irracional, inconsciente,
dependente, fanática. Contágio, sugestão, alucinação transformam os indivíduos,
considerados na multidão, em autômatos, em sonâmbulos.
“A sociedade é a imitação, e a imitação é uma espécie de sonambulismo”
(Ibidem, 283). O conceito de imitação, decisivo no pensamento de Tarde, será
em grande parte responsável por uma interpretação das massas como passi-
vas. A massa se constitui pela simpatia, “fonte da imitação e princípio vital dos
corpos sociais” (Ibidem, 285). É verdade que Tarde afirma que, nas massas, a
imitação se dá no seu modo mais elementar e menos elevado (cf. Ibidem, 288).
Mas é verdade também que Tarde deu uma interpretação muito ativa a esse
conceito, formulando-o numa perspectiva dialética entre invenção e imitação.
Mas não foi nesse sentido que ele foi depois interpretado e apropriado.
Num texto posterior, de 1898, Tarde faz uma espécie de mea culpa e reco-
nhece a contribuição das multidões, pelo menos de um certo tipo delas, para a
paz e a união social. Ele afirma:
As multidões estão longe de merecer, em seu conjunto, o mal que lhe
atribuíram e que eu mesmo eventualmente apontei. Se pusermos na
balança a obra cotidiana e universal das multidões de amor, sobretudo
das multidões de festa, junto com a obra intermitente e localizada das
multidões de ódio, será preciso reconhecer com toda a imparcialidade
que as primeiras contribuíram muito mais para tecer e estreitar os
vínculos sociais do que as segundas para dilacerar em alguns pontos
esse tecido (Idem.1992a:64).
Efeito e Recepção 25
bro típico do leitor dessa ficção: esse modelo típico de leitores procurava fanta-
sias que oferecessem a excitação, a ação e a satisfação que eram impossíveis de
se encontrar no ambiente alienante do trabalho e do espaço doméstico urba-
no. Homem e mulher típicos queriam urgentemente viver as suas fantasias
emocionais à custa do romancista porque a vida urbana e industrial moderna
os havia desligado das crenças e linguagens dos seus antepassados rurais.
Isso os afastou do trabalho criativo, deixando-os sem comunidade, na aridez
das suas fábricas e alojamentos pobres (cf. Inglis, 1993:52).
Frank Raymond Leavis, seu marido, segue o mesmo caminho e sugere que
os modernos sistemas mediáticos estão contaminados pela mentira e decep-
ção. Nesse sentido, as pessoas não poderiam mais ser apenas naturalmente
formadas para a sua própria cultura, deveriam ser formadas contra ela (cf.
Ibidem, 55). Culture and Environment, escrito em parceria com Denys Thompson
e publicado em 1933, desenvolvia, a rigor, além de uma cruel denúncia da
baixa qualidade dos bens culturais da época, um método prático para treinar
os ingleses contra “aquela deliberada exploração da vulgaridade de reações
que caracteriza a nossa civilização”, um método de ensino que foi largamente
aplicado na educação formal inglesa.13 F. R. Leavis terá grande influência sobre
Raymond Williams e Richard Hoggart, fundadores dos cultural studies.
Embora desde finais do século XIX, nos Estados Unidos e na Inglaterra,
surja a tipologia dos leitores, a tradição de investigação sobre os efeitos, que
irá impor uma fisionomia própria à investigação da comunicação, sobretudo
no seu viés norte-americano, só se solidifica no início do século, nos anos que
antecederam a Primeira Guerra Mundial, e está relacionada a um período de
reformas sociais e de preocupação da sociedade civil e de organismos gover-
namentais com a influência dos meios de comunicação sobre as crianças e os
jovens. Os estudos dos efeitos têm início quando as agências governamentais
e a sociedade civil começam a querer saber o que faz com que as pessoas se
desviem dos seus deveres. Ou, em outra mão, se os meios influenciam uma
conduta desviante. Os principais alvos das investigações eram então o cinema
e, pouco mais tarde, o rádio.
É corrente, no campo teórico da comunicação, associar-se os estudos da
primeira fase de investigação sobre os efeitos, compreendida entre o início do
século e meados dos anos de 1940 (até a Segunda Guerra), à metáfora da
“agulha hipodérmica”.14 Segundo essa metáfora, os media “injetam” seus con-
teúdos diretamente em cada membro da audiência. Ela implica a assunção de
que, tal como nas aplicações subcutâneas, a absorção (dos conteúdos e mensa-
gens veiculados pelos meios de comunicação) se dá de modo rápido, instantâ-
Efeito e Recepção 27
fundadores da psicologia do comportamento. Segundo sua concepção, o psicó-
logo deve estar atento única e exclusivamente às reações verificáveis de um
homem ou animal diante de um estímulo externo.
Como uma contestação ao subjetivismo próprio da psicologia do início do
século XX, que se interessava pelos estados da alma e pelas vivências e impres-
sões pessoais, o behaviorismo punha ênfase na observação empírica do com-
portamento, ou da conduta, em detrimento dos processos mentais. As princi-
pais características do behaviorismo é sua referência ao “indivíduo” e a opção
metodológica pela observação controlada, inclusive com experimentos reali-
zados em laboratório. O behaviorismo produziu uma série de leis gerais sobre
a conduta individual humana e seu modelo de estímulo-resposta tem servido
de base para as investigações sobre os efeitos dos media sobre as audiências.
A hipótese hipodérmica pode, de fato, ser melhor compreendida dentro de
uma teoria da ação elaborada pela psicologia behaviorista. A idéia de que
todos os comportamentos humanos podem ser descritos em termos de Estí-
mulo e Resposta veio a fornecer o suporte em que se apoiavam as convicções
acerca da instantaneidade e da inevitabilidade dos efeitos dos meios de comu-
nicação de massa. Nesse caso, a definição de sociedade de massa apenas irá
contribuir para acentuar a simplicidade do modelo E-R.
Tinha-se a consciência de que esse modelo era uma abstração analítica e de
que procurar cada uma das respostas aos estímulos era essencialmente um
expediente prático-metodológico, assim como se reconhecia o caráter com-
plexo do estímulo e a heterogeneidade da resposta. Efetivamente, para
definir a amplitude e a qualidade desta última são decisivos, por um lado,
o contexto em que se verifica o estímulo e, por outro, as experiências ante-
riores dos sujeitos... Todavia, esses dois fatores foram precisamente ‘trata-
dos’ pela teoria da sociedade de massa de modo a acentuarem a instanta-
neidade, a mecanicidade e a amplitude dos efeitos (Wolf, 1994a:25).
Efeito e Recepção 29
mil pessoas, nos Estados Unidos, em razão da transmissão radiofônica, realiza-
da por Orson Welles, de The War of the Worlds, obra de H. G. Wells, programa
levado ao ar em outubro de 1938.
Buscando responder a duas perguntas básicas – por que a emissão de
Welles assustou a certas pessoas, enquanto outras emissões, de caráter igual-
mente fantástico não o conseguem? e por que essa emissão assustou algu-
mas pessoas e não outras? – o autor irá identificar as características da
radiotransmissão de Welles em particular, procurando entender o que susci-
tou o pânico. Em relação a este aspecto, Cantril destaca o realismo da emis-
são e a excelência dramática da representação. A recorrência a especialistas
– todos fictícios, como astrônomos ligados a várias universidades e organis-
mos científicos; às Forças Armadas e à Cruz Vermelha; e mesmo secretários
de Estado – aparece como uma técnica dramática que surtiu efeito. Entre-
tanto, apesar de todas as técnicas dramáticas utilizadas, não se deve esque-
cer que o programa fora clara e sistematicamente anunciado como sendo um
programa de ficção.
Segundo Cantril, não é uma mera circunstância o fato de que a situação de
pânico tenha sido desencadeada por uma transmissão radiofônica, dada a
importância que o rádio alcançava nos Estados Unidos naquele período, colo-
cando-se como o meio de informação por excelência. No entanto, não é possível
atribuir apenas à ampla difusão do rádio a reação de pânico.
“Diversas influências e circunstâncias condicionaram a situação de pânico”
(Cantril, 1985:102). E embora não seja possível ao autor relacionar de modo
consistente a reação de pânico a variáveis individuais, ele verifica que algumas
“características da personalidade conferiam a alguns indivíduos uma especial
inclinação à credulidade e ao medo”. Ele destaca também a influência de
outras pessoas no contexto imediato da recepção ao programa.
É claro que, situado na perspectiva da psicologia do seu tempo, o autor
ainda está tratando de estímulo e do modo de reagir a certos estímulos, mas....
já se trata de “um estímulo que (o indivíduo) deve interpretar ou que lhe
agradaria interpretar” (Ibidem, 104). Aliás, se o esquema E-R aparece aqui, ele
aparece no modo como originalmente é tratado pela perspectiva behaviorista
que reconhecia seu caráter complexo. Efetivamente, para definir a qualidade
da resposta, deve-se tomar em consideração o contexto no qual se verifica o
estímulo e as experiências dos indivíduos.
Com o conceito de “capacidade” ou “habilidade crítica” (critical ability)
(Ibidem, 102), Cantril evidencia uma série de fatores, vinculados à personali-
dade dos ouvintes, às condições nas quais tinham seguido a transmissão, ao
Efeito e Recepção 31
4. Quando um indivíduo aceita como verdade tudo o que ouve ou lê sem
pensar sequer em compará-lo com outras informações. Este seria o único
caso em que se poderia falar de um receptor passivo, no sentido de que
reage direta e imediatamente.
O esforço do autor em tentar explicar o fenômeno a partir a) da considera-
ção da legitimação do rádio na sociedade americana da época; b) da excelência
do rádio como veículo de informação de massa; c) das características próprias
do programa específico (realismo; excelência da representação dada por Welles;
as técnicas dramáticas utilizadas); e d) das “predisposições” da audiência, colo-
ca sua investigação num campo oposto a qualquer hipótese hipodérmica. Ao
contrário, com uma sutil mudança de vocabulário, ele seria facilmente admiti-
do como precursor de vários estudos realizados em décadas mais recentes,
nos quais as relações sociais, situacionais, contextuais e culturais em que os
processos comunicativos são realizados e são tomados em consideração. Note-
se, por exemplo, como seu conceito de habilidade crítica parece bastante próxi-
mo do conceito de competência comunicativa ou competência cultural, cujo
aparecimento no campo dos estudos dos efeitos e da recepção não é anterior à
década de 1980 (cf. Wolf, 1994b:41).
Parece óbvio que os estudos de Hadley Cantril ou mesmo os do Payne Fund
não se enquadram na perspectiva hipodérmica. Entretanto, olhados isolada-
mente, tais estudos apenas reafirmam que nenhuma corrente investigativa
reina sozinha e que, quando marcamos um período histórico sob influência de
uma perspectiva teórica ou metodológica, apenas destacamos a sua maior
visibilidade ou ascendência. De todo modo, é extremamente elucidativo iden-
tificar num estudo realizado em 1940 boa parte das questões que ainda hoje
são postas aos estudiosos da comunicação.
Se a hipótese hipodérmica não configurou, de fato, uma tradição de inves-
tigação, ela se impôs com tal veemência como uma descrição do processo
comunicativo que aqui e acolá seus pressupostos aparecem nos textos sobre
comunicação e insistem em ressurgir das cinzas mesmo hodiernamente.18
Acreditamos que sua eficiência pode ser atribuída à associação posterior que
se fez entre a hipótese hipodérmica e o modelo matemático da comunicação.
Sinal
Fonte de
Emissor Canal Receptor Destinatário
Informação
Sinal
Efeito e Recepção 33
Nível de eficácia ou influência: Com que eficácia a significação recebida
influencia a conduta no sentido desejado? Os problemas de eficácia con-
cernem ao êxito com que a significação conduzida até o receptor provoca
nele a conduta desejada.
A teoria da informação desenvolvida por Claude Shannon se preocupa com
os aspectos técnicos da comunicação. Interessado em quantificar o custo de
uma mensagem, Shannon foi buscar inspiração na biologia – onde as noções
de informação e de código vinham obtendo destaque com as pesquisas gené-
ticas. As questões por ele inicialmente formuladas dizem respeito, sobretudo,
à medida que a “quantidade de informação” e a “capacidade” do canal de
comunicação ou às características de um processo de codificação eficaz e à
quantidade de informação que pode ser conduzida por um canal.
Embora “informação” recubra uma nebulosa de noções, tais como notícias,
conhecimento, dados, nesta teoria, “informação” mede o número de escolhas ne-
cessárias para que um destinatário identifique corretamente determinado sinal.
A palavra ‘informação’ é utilizada em um sentido especial nesta teoria...
Informação não deve ser confundida com significação... Na teoria da comu-
nicação, ela não se refere àquilo que se diz, mas àquilo que se poderia
dizer... A informação é uma medida da liberdade de escolha (Ibidem, 419).
Efeito e Recepção 35
...Shannon, sem o marcar explicitamente, retomava uma tradição
anterior da filosofia científica, aquela da ‘recusa provisória da signi-
ficação’, do fundo em proveito da forma, do conteúdo em proveito da
mensagem, do meio em proveito do canal. Ele fazia triunfar uma
atitude metodológica importante: a recusa da especificidade de uma
mensagem em benefício exclusivo de suas características físicas
observáveis e, nisso, ajustava, por uma série de desenvolvimentos
sucessivos, um ‘modelo’ de comunicação partindo da troca de sinais
perfeitamente definidos desde um ponto até um outro... para se ex-
pandir progressivamente até uma teoria da transferência de formas
globais: a música, a fala, a imagem, de um lugar ou tempo até um
outro (Moles, 1993:411).
Efeito e Recepção 37
comunicativo. Essa subdivisão do campo de pesquisa é chamada ‘aná-
lise de controle’. Os especialistas que focalizam o ‘diz o quê’ ocupam-se
da ‘análise de conteúdo’. Aqueles que se interessam principalmente
pelo rádio, imprensa, cinema e outros canais de comunicação fazem a
‘análise de meios’ (media). Quando o principal problema diz respeito às
pessoas atingidas pelos meios de comunicação, falamos de ‘análise de
audiência’. Se for o caso do impacto sobre as audiências, o problema
será de ‘análise de efeitos’ (Ibidem, 105).
Notas
1. Ver Comte, 1989.
2. A tradução de Gemeinschaft por comunidade, segundo alguns autores, deixa de fora a “complexidade da
acepção de Tönnies” (ver Defleur & Ball-Rokeach, 1993:171 e segs.). Mas o que importa aqui ressaltar é que
Gemeinschaft refere-se a um sentimento recíproco, vinculativo, que mantém os seres humanos ligados, como
membros de uma totalidade, enquanto Gesellschaft refere-se a um sistema social impessoal e anônimo. A
condição essencial do relacionamento social na Gesellschaft é o contrato, um relacionamento social voluntário,
formal, apoiado em mecanismos impessoais de controle, estabelecido mediante acordo racional. Na
Gemeinschaft o relacionamento social é informal, baseado em sentimento de união recíproca.
3. Ver DURKHEIM. 1995. Segundo Émile Durkheim, a divisão de trabalho de uma sociedade era a sua principal
fonte de solidariedade. Entretanto, a mesma divisão do trabalho que gera solidariedade orgânica, gera
Efeito e Recepção 39
contemplação que o levaria ao pensamento. De qualquer modo, o telespectador é aquele ser de nível mental
inferior (cf. Gomes, 1995).
19. Utilizamos aqui duas versões do texto de Warren Weaver, originalmente publicado em 1949. WEAVER,
Warren. Contributions récentes à la théorie mathématique de la communication. In: BOUGNOUX, Daniel (ed.).
Sciences de l’Information et de la Communication. Paris, Larousse, 1993; 415-427 (Textes Essentiels) e WEAVER,
Warren. “A teoria matemática da comunicação”. In: COHN, Gabriel (Org.). Comunicação e Indústria Cultural, 5.
ed. S.P; T.A. Queiroz Ed.; 1987; 25-37 (Biblioteca Básica de Ciências Sociais). Embora a tradução francesa seja
mais completa e melhor estruturada, há partes do texto que só estão disponíveis na versão do livro de Gabriel
Cohn.
20. Weaver utiliza “símbolo” num sentido estrito e tem em mente, na maior parte das vezes, o símbolo
alfabético.
21. Ver em Eco, Umberto, 1991, sobretudo em “Informação, comunicação, significação”, p.33-38, as
conseqüências da teoria da informação para a lingüística.
22. Esse texto de Lasswell marca a entrada dos estudos de comunicação na Sociologia estrutural-funcionalista.
É nele que pela primeira vez a comunicação é tratada em termos das funções que desempenha para o
organismo social. Ver adiante capítulo 3.
23. Norbert Wiener define a realimentação ou feedback como “a capacidade de poder ajustar a conduta futura
em função do desempenho pretérito. A realimentação pode ser tão simples quanto a de um reflexo comum, ou
pode ser uma realimentação de ordem superior, na qual a experiência passada é usada não apenas para
regular movimentos específicos como, outrossim, toda uma política de comportamento. Tal espécie de
realimentação pode revelar-se, e amiúde se revela, como aquilo que, sob um aspecto, conhecemos por reflexo
condicionado, e sob outro, por aprendizagem” (1985:33).
Efeito e Recepção 41
uma postura conceitual contrária: dos receptores, com suas características
psicológicas, sociais e culturais, passava a depender a eficácia da mensagem.1
Tornava-se cada vez mais difícil comprovar os efeitos dos media sobre os re-
ceptores, posto que tais efeitos estariam em relação direta não mais com os
desígnios do emissor, com a sua intenção ao formular uma mensagem, mas
com a infinita variedade dos receptores considerados como seres individuais.
“Quase todos os aspectos da vida do membro da audiência e da cultura na qual
ocorre a comunicação parecem suscetíveis de serem relacionados com o pro-
cesso dos efeitos da comunicação” (Klapper, 1987:164).2
Do mito da onipotência dos meios passa-se, assim, ao mito da sua impo-
tência. Mas a passagem se dá por intermédio de uma compreensão restritiva
dos efeitos dos media: efeitos são entendidos como influência a curto prazo e
a problemática da eficácia das mensagens é reduzida a uma questão de
formação de opinião, de atitude3 e de mudança de atitude. Neste período, o
único efeito dos meios parece ser o de “reforço” das atitudes e opiniões
preexistentes.
Percepção e Cognição
Se suposições psicológicas anteriores reforçavam a idéia de que o comporta-
mento do indivíduo era governado por mecanismos biológicos herdados e,
conseqüentemente, que a natureza humana era razoavelmente uniforme, já
que as pessoas herdavam mais ou menos o mesmo conjunto de mecanismos
biológicos, a seqüência de estudos sobre o processo de aprendizagem e sobre
a motivação foi paulatinamente mostrando que cada indivíduo possuía uma
específica estrutura cognitiva, fruto de “características herdadas”, mas igual-
mente fruto de “características adquiridas” em suas experiências. Isso signifi-
cava o desenvolvimento de específicos processos perceptivos e a adoção dife-
renciada de comportamentos, atitudes, habilidades, crenças e valores.
A abundante literatura sobre percepção e cognição torna claro que o
organismo humano não ouve, vê ou toca simplesmente ‘o que está
aqui’; ao contrário, percebe (dentro dos limites da situação de estímulo)
o que quer perceber. Assim vistas, as percepções estão ajustadas às
necessidades, valores, emoções e experiências passadas do indivíduo
(Riley & Riley, 1987:125).4
42 Efeitos Limitados
comportamento de modelos, tomada de decisões e adoção de comportamen-
tos. Para os estudos de comunicação, a importância atribuída aos processos
de aprendizagem e a ênfase nas investigações empíricas começam a mostrar
que vários elementos entram na relação entre emissores e receptores, re-
presentando os primeiros sinais de questionamento da hipótese hipodérmica
e de revisão do modelo matemático e da perspectiva mecanicista e imediata
de estímulo e resposta. O efeito, a capacidade de persuasão das mensagens
massivas variaria, então, segundo características de personalidade dos indi-
víduos que compõem o público. Ainda permanece nestes estudos o esquema
estímulo-resposta, só que um pouco mais enriquecido, na medida em que
nele são introduzidos novos elementos; no caso, processos psicológicos e
motivacionais.
A abordagem empírico-experimental ou da persuasão parte do pressupos-
to de que é possível persuadir um receptor, desde que a forma e a organização
da mensagem sejam adequadas aos fatores individuais que o receptor ativa
quando a interpreta. Os estudos de Carl Hovland sobre os filmes de propagan-
da e a motivação dos exércitos americanos durante a Segunda Guerra Mundial
são os mais clássicos nesse campo.5 Há dois vieses de estudos psicológicos, um
que analisa os fatores ligados à mensagem e outro que investiga a audiência.
São duas formas metodológicas de abordar a comunicação, mas conceitual-
mente associadas. Em ambos os casos, o interesse está em procurar a melhor
forma de persuadir. No primeiro caso, busca-se a organização ótima das men-
sagens com fins persuasivos. Mas verifica-se que a eficácia da mensagem varia
conforme variem certas características dos destinatários e que os efeitos são a
resultante de fatores complexos envolvidos no processo comunicativo.
Efeito e Recepção 43
Se os teóricos da sociedade de massa afirmavam o enfraquecimento dos
grupos primários, definiam as audiências como atomizadas e consideravam
poderosíssima a influência dos meios, as conclusões a que chegavam os inves-
tigadores empíricos eram opostas. Os resultados ressaltavam a importância
dos líderes de opinião e do grupo de referência e demonstravam a complexi-
dade do processo engendrado pelos media: a sua influência não era certa nem
evidente. A rigor, já não se postulava uma associação imediata entre comunica-
ção de massa e persuasão.
O peso das provas indica que os meios de comunicação não são onipoten-
tes; eles são absorvidos nas culturas locais através do fluxo em duas
escalas (two-step) dos meios ao grupo local e daí às pessoas: e essa
absorção envolve uma auto-seleção à exposição correspondente à ativi-
dade prévia (Wilensky, 1987:261).6
44 Efeitos Limitados
rem’, conduziu à descoberta do papel das relações interpessoais. Os
valores compartilhados em grupos familiares, de amigos e de compa-
nheiros de trabalho e as redes de comunicação que formam a sua
estrutura, a decisão de seus membros influentes no sentido de aceitar
ou rejeitar uma nova idéia – todos esses são processos interpessoais que
‘intervêm’ entre a campanha nos meios de comunicação e o indivíduo,
que é o seu alvo último (Katz, 1987:156 g.n.).7
Efeito e Recepção 45
do público” deveria conceder um lugar importante à estatística. Sua concep-
ção de uma “estatística das conversações” (Tarde, 1992b:150) certamente
inspirou Lazarsfeld a montar o “método de investigação em painel”.10 O
interesse da estatística não se restringe ao registro do que acontece em
determinado momento, mas às possibilidades que oferece de medir a propa-
gação de um comportamento no interior de uma mesma comunidade, “reve-
lando o sentido e a intensidade da imitação nos grandes domínios da vida
social” (Reynié, 1992:17).
Elihu KATZ, num texto recente, de 1993,11 afirma que o ensaio “A opinião e
a conversação”, publicado originalmente em dois números consecutivos da
Revue de Paris, entre agosto e setembro de 1899, é um documento fundador do
modelo do fluxo de comunicação em duas etapas e representa um programa
para a investigação sobre a opinião pública e a comunicação de massa tão
válido hoje como o foi em sua época.
Pode-se dizer que, em Tarde, o modelo do fluxo de comunicação em duas
etapas aparece formulado desse modo: os jornais constituem a fonte principal
das conversações e as conversações forjam a opinião. “A conversação em todos
os tempos e a principal fonte atual de conversação, a imprensa, são os grandes
fatores da opinião” (Tarde, 1992b:81). Conversação, para Tarde, é todo diálogo
sem utilidade, em que se fala por prazer, por distração. São as conversações
privadas que importam, aquelas que se realizam nos cafés, nos salões, nas
lojas: são esses espaços “as verdadeiras fábricas do poder” (Ibidem, 137). O
principal efeito da conversação é permitir que os homens se prestem recipro-
camente atenção, que possam agir uns sobre os outros, daí porque ela favore-
ce a “imitação”, a “propagação”.
Gabriel Tarde representa sem dúvida uma das primeiras e mais significa-
tivas tentativas de olhar o receptor (no seu caso, o leitor de jornal) como um ser
social e culturalmente localizado. “As conversações diferem muito conforme a
natureza dos conversadores, seu grau de cultura, sua situação social, sua
origem rural ou urbana, seus hábitos profissionais, sua religião” (Ibidem, 97).
Além disso, em Tarde, mais importante que a influência persuasiva do jornal é
a influência persuasiva dos homens uns sobre os outros. É a segunda, aliás,
que garante o exercício da primeira.
Na retomada do ensaio de Tarde, já agora nos anos de 1990, Katz (1997)
procede a um reexame do fluxo de comunicação em duas etapas, para dizer
que já não se trata mais de um fluxo de informação, mas de um fluxo de
influência. Mais que ao indivíduo, o líder de opinião, é ao grupo que se elege
como unidade de análise.
46 Efeitos Limitados
De fato, a continuação dos estudos empíricos sobre o fluxo de comunicação
em duas etapas, centrados sobre objetos de estudo e agrupamentos sociais cada
vez mais diversificados – desde as decisões de compra, a moda ou a freqüência
aos cinemas até a adoção de novos medicamentos por parte dos médicos –
mostrou que a força da integração do grupo se revelou um fator mais importante
que qualquer outro e independentemente da fonte da influência. A maior expo-
sição dos líderes de opinião aos media passou a ser encarada, então, como “um
caso especial” da proposição mais geral que atribui aos líderes a função de ligar
os grupos ao contexto mais amplo. As relações interpessoais constituem uma
fonte de pressão sobre o conformismo do grupo e se refletem na homogeneidade
das suas opiniões e das suas ações. Nos grupos primários, o meio de comunica-
ção é, por definição, um meio de pessoa a pessoa.
Uma das conseqüências mais importantes dos estudos sobre o two-step
flow of communication foi a “redescoberta” do grupo primário. Katz
(1998:85)12 se refere ao grupo primário como o verdadeiro herói da história
da investigação em comunicação nesse período. Na seqüência desses traba-
lhos se dará mais ênfase aos grupos que aos líderes de opinião, para com-
preender o processo de influência. Em associação com contribuições vindas
da Antropologia, sobretudo do conceito de “subcultura”13 e do método de
“observação participante”, os estudos levantarão a hipótese de que quando
um grupo tem coesão efetiva, dependência mútua, as atitudes e valores de
seus membros são modeladas reciprocamente e não pelos media. A teoria do
grupo de referência destaca os processos por meio dos quais os homens se
relacionam em grupos e referem seu comportamento aos valores desses
grupos. Os grupos fornecem um standard em referência ao qual o indivíduo
pode avaliar a si mesmo e aos outros.
Começando por ressaltar a estrutura social que está subjacente e tende a
integrar a grande diversidade de respostas e percepções individuais frente à
mensagem difundida em massa,
a abordagem sociológica faz a sua primeira contribuição ao modelo [E-
R], levando em conta as conexões entre R e os muitos grupos primários
com os quais ele interage, forma seus valores, sanções e comportamen-
tos e, concomitantemente, influencia o seu papel como receptor em
relação a [E] (Riley & Riley, 1987:132).14
Efeito e Recepção 47
conduzir a uma mudança de atitudes nos receptores. Ao contrário, os resulta-
dos empíricos levavam a crer que a comunicação de massa atuava no interior
de uma rede complexa de possíveis canais de influência. Foi considerando a
eficácia a curto prazo que Klapper listou três tipos de mudança que os meios
de comunicação poderiam provocar: “conversão, pequena mudança e refor-
ço”, destacando que, em geral, os meios eram mais eficazes no reforço das
atitudes preexistentes. As principais conclusões que se pode tirar desse perí-
odo de estudos sobre os efeitos é que (cf. Klapper, 1987):15
a. A comunicação de massa geralmente não atua como uma causa necessária
e suficiente dos efeitos de audiência, mas sim funciona mediante de um
nexo de fatores e influências mediadoras.
b. Esses fatores mediadores são tais que tipicamente tornam a comunicação
de massa um agente colaborador, mas não a causa exclusiva num processo
de reforço das condições existentes. Os media são mais adequados para
reforçar do que para mudar.
c. Em ocasiões tais em que a comunicação de massa funciona a serviço da
mudança, duas condições podem ocorrer. Ou os fatores mediadores serão
tidos como inoperantes, e o efeito dos media, direto; ou os fatores mediado-
res, que normalmente favorecem o reforço, serão tidos como eles próprios
impelindo no sentido da mudança.
d. Há apenas situações residuais nas quais a comunicação de massa parece
provocar efeitos diretos.
48 Efeitos Limitados
evidencia o caráter complexo da relação comunicativa, ao contrário do que
preconiza o esquema E-R.
b. Princípio da atenção seletiva: Tal princípio prevê que diferenças individuais
resultam em diversos modelos de atenção ao conteúdo dos media. As pes-
soas criam “filtros mentais” que determinam seu interesse em obter infor-
mação: o êxito de uma campanha de informação dependeria, então, do
interesse que o público manifesta pelo assunto; da escassez de interesse e
de motivação por certos temas; da dificuldade de acesso à própria informa-
ção; da apatia social.
c. Princípio da percepção seletiva: “A percepção refere-se à atividade psicológi-
ca por meio da qual os indivíduos organizam interpretações significativas
de estímulos sensórios recebidos do ambiente” (Defleur & Ball-Rokeach,
1993:216). Diferenças em fatores cognitivos, culturais ou sociais implicam
diferentes processos perceptivos e distintas interpretações da realidade.
No caso específico de uma mensagem midiática recebida, a interpretação
pode transformar e adaptar seu significado, de acordo com as atitudes e os
valores do receptor, até mudar, por vezes, radicalmente, o sentido da pró-
pria mensagem (cf. Wolf, 1994a:35).
d. Princípio da memorização seletiva: A memorização se dá respeitando os
mesmos padrões da percepção seletiva.
e. Princípio da ação seletiva: Nem todos agirão da mesma forma por terem sido
expostos a determinada mensagem dos media.
Até os anos de 1960, a investigação sobre os efeitos foi marcada por uma
“...recitação quase ritualística do slogan do fluxo em dois passos (two-step
flow)” (Wilensky, 1987:260), recitação que pretendia marcar em definitivo,
mediante comprovações empíricas, a ineficácia dos meios de comunicação de
massa. Entretanto, tendia-se a subsumir o conceito de eficácia ao de influên-
cia a curto prazo. A preocupação central era com a decisão e a atitude; os
objetos privilegiados de investigação eram o voto e o consumo (ainda que
sejam significativas as pesquisas sobre a motivação dos soldados durante a
Segunda Guerra). A unidade de efeito considerada pelos estudos em torno
da influência pessoal é a “decisão”, que consistia num indicador de mudança
tangível e fácil de registrar. Descrever as decisões, de voto ou de compra,
possibilitava descrever exemplos específicos que revelavam os efeitos de
diferentes influências.
É claro que aqui ainda se pensava a comunicação em termos instrumentais
– daí a preocupação com as campanhas e a idéia do receptor como “alvo”. As
Efeito e Recepção 49
pesquisas de Lazarsfeld estão, nesse momento, voltadas para preparar instru-
mentos de avaliação úteis e operativos16 para os gestores dos meios de comu-
nicação, que são então considerados neutros. O Bureau of Applied Social Research
apresenta-se como centro de “investigação administrativa” e vive de contratos
e encomendas. A necessidade de oferecer resultados seguros aos contratantes
implica a opção por estudos quantitativos das audiências e uma formalização
matemática dos fatos. Essa posição leva-o a abstrair os processos de comunica-
ção social dos modos de organização do poder econômico e político.
Moldados por um quadro intelectual comportamentalista, os estudos so-
bre os efeitos limitados foram levados a centrar a atenção no indivíduo; a
necessidade de dar respostas seguras aos agentes financiadores das pesqui-
sas (gestores empresariais ou políticos dos meios de comunicação) implicou a
insistência em estudar o impacto a curto prazo e os levantamentos quantitati-
vos. Entretanto, o modelo do fluxo de influência e a descoberta de que os
grupos de referência funcionam como elementos mediadores abrem caminho
para abordagens mais globais do problema da comunicação.
O próprio Paul Lazarsfeld, na seqüência de suas investigações, atenta para
a necessidade de considerar a dimensão temporal para estudar os efeitos e
constata que a realização de estudos sobre os efeitos a curto prazo nunca
poderia dar conta dos impactos em profundidade dos meios de comunicação.
Aliás, de acordo com Katz, o “método de painel”, que permitia localizar as
mudanças de opinião quase ao mesmo tempo em que elas se produziam e de
as remeter, em seguida, às influências que se exerceram sobre as decisões, já
indica a preocupação de Lazarsfeld com o dado temporal (cf. Katz, 1998).
Numa tentativa de “corrigir o que a memória coletiva tem recordado do
paradigma lazarsfeldiano de investigação sobre a comunicação” (Katz, 1998:93),
Elihu Katz revê os estudos de Lazarsfeld e dos pesquisadores identificados
com o Bureau of Applied Social Research e afirma que o próprio Lazarsfeld
atribui às dificuldades metodológicas e financeiras o escasso investimento dos
investigadores no estudo dos efeitos a longo prazo e chama a atenção de que
a eficácia dos meios de comunicação está em criar a imagem de um mundo
cada vez mais distante e com o qual já não mantemos relações, eficácia que de
modo algum se permitira ver mediante as sondagens a curto prazo (cf. Ibidem,
96). Além disso, ainda segundo Katz (Ibidem, 95), Lazarsfeld apresenta uma
tipologia dos efeitos que considera efeitos imediatos, de curto prazo, de longo
prazo e institucionais.
Também Klapper se refere repetidamente aos efeitos que foram deixados
à margem dos estudos da época. Embora marque que a situação da investiga-
50 Efeitos Limitados
ção nos anos de 1950 sustentava que o reforço era o único efeito que se poderia
atribuir diretamente aos media, chama a atenção para, por exemplo, os “efei-
tos da existência dos media sobre os valores culturais” e sobre os processos de
socialização, efeitos que poderiam evidenciar um maior poder dos meios de
comunicação. Em 1958, o autor já alertava para o perigo existente,
na tendência a fazer naufragar numa minimização cega os efeitos e as
potencialidades da comunicação de massa... São, afinal, meios de co-
municação de massa, que diariamente se dirigem a enormes áreas da
população, com uma única voz... Não devemos perder de vista as carac-
terísticas peculiares dos media nem a probabilidade de que este caráter
peculiar cause efeitos peculiares (Klapper, 1987:173).
Notas
1. É certo que esse “segundo ciclo” de estudos sobre os efeitos ainda não assume categoricamente o poder
dos receptores. Trata-se melhor de um questionamento do poder irrestrito dos meios. Até porque, a
problemática ainda é a dos “efeitos”, que são limitados, é verdade, mas que existem: a persuasão é exercida,
mas ela não é direta. Entretanto, não é à toa que boa parte dos estudos de recepção, aqueles que postulam a
atividade e o poder dos receptores, irá voltar às pesquisas realizadas nesse período, seja para lhes reconhecer
os méritos, seja para indicar seus limites. Num caso ou noutro, várias das hipóteses aqui postuladas serão
retomadas pelos estudos de recepção. Ver Parte II.
2. Publicação original de 1958.
3. O conceito de atitude veio substituir o conceito de instinto. Em lugar das semelhanças atribuídas às
características biológicas herdadas, ressaltava as diferenças entre os seres humanos, adquiridas em suas
experiências de aprendizagem. Atitude traduzia uma espécie de predisposição aprendida que desempenhava
um papel fundamental na formação do comportamento. Sua popularidade advém do fato de se prestar
docilmente à análise estatística e de poder ser facilmente utilizada “em experiências ‘antes/depois’ a fim de
averiguar se uma experiência interveniente modificava atitudes das pessoas” (Defleur & Ball-Rokeach,
1993:196).
4. Original de 1959.
5. Os trabalhos de Hovland e sua equipe foram publicados no final da Segunda Guerra. Ver HOVLAND;
LUMSDAINE & SHEFFIELD, 1985, publicado originalmente em 1949.
6. Publicação original de 1964.
7. Originalmente publicado em 1959.
8. Publicação de 1956.
9. Ver o ensaio “A opinião e a conversação”, publicado em 1899 (Tarde, 1992b:79-154).
10. Por este método, as mesmas pessoas eram entrevistadas em diferentes momentos sucessivos da pesquisa.
11. Ver Katz, 1997:317-327.
12. Uma revisão elaborada por Katz, em 1987.
13. “Como o indica o prefixo, as subculturas são negociações significativas e distintivas que se realizam
dentro de culturas mais amplas. Tais negociações correspondem às posições, ambigüidades e contradições
particulares características de certos grupos imersos em estruturas sociais e históricas mais amplas”
(O’Sullivan et al., 1997:343). O conceito de subcultura nasceu do estudo do comportamento juvenil, com
particular referência ao problema do “desvio de conduta”, e implicou a consideração não só da classe como
também da idade como fatores determinantes da identidade. Neste caso, afirma-se que, dentro da cultura de
Efeito e Recepção 51
classe mais ampla – na maioria das vezes a atenção é dada à cultura operária – os jovens desenvolvem
respostas subculturais específicas, que têm a ver com as questões de idade e de diferença de geração.
Grupos subculturais juvenis da classe operária adotariam, então, estilos e modos de comportamento,
realizariam atividades como formas significativas de resposta e oposição, como modos de afirmação da
identidade, como estratégias para ganhar espaço cultural. Em geral prevalece em relação ao conceito de
subcultura a conotação de “resistência” e foi nesta acepção que ele foi ampliado para se referir também às
subculturas étnicas, raciais, sexuais. Esse conceito será muito utilizado pela corrente de investigação inglesa
dos cultural studies.
14. Este texto foi publicado em 1959.
15. Texto de 1958.
16. Juntamente com Frank Stanton, Lazarsfeld cria o “analisador de programa”, para registrar as reações dos
ouvintes de rádio em termos de gosto, repulsa ou indiferença, analisador que foi logo adaptado ao cinema:
consistia num mecanismo por meio do qual o próprio receptor registrava suas reações, mediante o
acionamento de um botão vermelho (para marcar seus descontentamento); um botão verde (para registrar sua
satisfação); ou o não acionamento dos botões (para marcar sua indiferença).
52 Efeitos Limitados
Capítulo 3
Efeitos Sociais
Efeito e Recepção 53
se a idéia de que os efeitos são intencionais, ligados a um contexto comunica-
tivo limitado no tempo e passa-se à preocupação com efeitos decorrentes da
própria existência dos media enquanto tal e do papel que cumprem na forma-
ção do patrimônio cognitivo, cultural e social dos receptores. A idéia é a de que
os media “criam” a cultura, o ambiente simbólico e cognitivo no qual os indiví-
duos vivem.
Funcionalismo
Foram os investigadores funcionalistas americanos quem fizeram as primei-
ras críticas aos efeitos a curto prazo, já que a preocupação quantitativa levava
a perder qualquer referência à totalidade sociocultural e a ignorar qualquer
perspectiva histórica. O que não quer dizer, em absoluto, que a abordagem
funcionalista abra mão da investigação empírica. Muito pelo contrário, a coleta
de dados será, entre outros fatores, o que diferenciará essa grande corrente
de investigação americana das correntes européias. Sistema, função, integração,
equilíbrio são alguns dos termos-chave do funcionalismo.2
A teoria funcionalista encara os media como um conjunto de sistemas soci-
ais que funcionam dentro de um sistema externo específico – o conjunto de
condições sociais e culturais próprio de cada sociedade – e, ao mesmo tempo,
como um dos principais fatores de integração das sociedades. Em boa medida,
os meios de comunicação de massa são um reflexo do sistema social mais
amplo e são analisados na perspectiva do equilíbrio e do funcionamento da
sociedade. No estudo da comunicação de massa, o funcionalismo representa,
ao mesmo tempo, uma continuação e um corte em relação às abordagens
anteriores: há aqui uma associação entre a tradição empírica anterior e a
tentativa de uma abordagem mais global.
Um dos conceitos mais importantes aqui é o conceito de “função”, ou seja,
o papel que determinados “fenômenos repetitivos” cumprem dentro de um
sistema para manter sua estabilidade. Quando provoca instabilidade, tais fe-
nômenos são disfuncionais. O termo função, que em biologia3 é usado para
descrever como os processos vitais contribuem para a manutenção do organis-
mo, é transposto para indicar o modo como os processos sociais se desenvolvem
de forma a garantir o equilíbrio e a continuidade dos sistemas sociais. Embora
na terminologia funcionalista seja adotado o termo “função” para designar o
papel que os meios de comunicação cumprem na sociedade, obviamente
estamos tratando aqui de “efeitos”, sem mais. É a pergunta sobre quais são as
conseqüências da comunicação de massa, quer sobre o indivíduo, quer sobre
os grupos, quer sobre os sistemas sociais e culturais que unifica tais aborda-
54 Efeitos Sociais
gens. Diferentemente das abordagens anteriores sobre os efeitos, entretanto,
o conceito de função adotado pela sociologia funcionalista implica o abandono
da idéia de intencionalidade do processo comunicativo e chama a atenção para
as conseqüências observáveis da presença dos meios de comunicação. É a
primeira vez, nos estudos de comunicação, que se deixa de falar dos efeitos da
perspectiva dos objetivos do emissor para se falar deles a partir do modo como
se verificam. A idéia de “disfunção”, nesse sentido, é elucidativa: disfunção é o
efeito não desejável.
Charles R. Wright, um dos mais representativos investigadores funciona-
listas da mass communication research, explica que “nem todos os efeitos da
comunicação de massa são pertinentes para a análise funcional, mas tão so-
mente aqueles que são relevantes e importantes para um futuro normal fun-
cionamento do sistema analisado” (Wright, 1985:84).4
Diversos estudos têm utilizado, explícita ou implicitamente, o referencial
funcionalista para examinar os meios de comunicação. Lasswell, ainda em
1948,5 foi o primeiro a enunciar uma tipologia das funções que os meios de
comunicação cumprem na sociedade. Identificou três funções:
a) vigilância sobre o meio ambiente, revelando ameaças e oportunida-
des que afetam a posição da comunidade e de suas partes componentes
ao nível dos valores;
b) correlação dos componentes da sociedade, na sua resposta ao meio
ambiente;
c) transmissão da herança social (Lasswell, 1987:117) .
Efeito e Recepção 55
o objetivo da teoria estrutural-funcional, que é compreender a complexida-
de dos sistemas sociais e a interação que existe entre os seus elementos, os
autores tentarão explicar o modo como a comunicação favorece – ou não – a
permanência societal.
Pelo simples fato de existirem enquanto tais, os media cumprem pelo menos
as seguintes funções na sociedade (cf. Lazarsfeld & Merton, 1987: 236-241):6
Atribuição de status: “os meios atribuem status a questões públicas, pesso-
as, organizações e movimentos sociais”. Essa função se insere no âmbito da
ação social organizada pela legitimação de determinadas políticas, pessoas
e grupos.
Execução das normas sociais: “os meios de comunicação tendem claramente
a reiterar normas sociais, ao exibirem à opinião pública os desvios em relação
ao padrão geral”. No entendimento dos autores, esta função de desvenda-
mento público surge institucionalizadamente nos meios de comunicação de
massa e acarreta uma ação social organizada, na medida em que determina-
dos comportamentos que seriam tolerados na esfera privada são, ou pelo
menos devem ser, rechaçados se exibidos publicamente. O mecanismo de
demonstração pública dos desvios acaba por forçar uma ação pública.
A disfunção narcotizante: Os meios de comunicação estariam sobrecarre-
gando os indivíduos com informações, mas esta sobrecarga teria um efeito
perverso, que seria fazê-los confundir “conhecer os problemas do momen-
to com fazer algo a seu respeito”. Desse modo, “...esses meios vêm involunta-
riamente canalizando as energias dos homens para um conhecimento pas-
sivo, em lugar de uma participação ativa”.
Mas os autores elencam ainda um rol de efeitos sociais provenientes da
estrutura de propriedade e de controle dos meios de comunicação. Embora essa
primeira tentativa de se procurar entender os efeitos da comunicação leve em
conta não só a mensagem ou o conteúdo manifesto, mas também o que “não é
expresso nem dito de forma explícita”, por enquanto, considerar os efeitos sociais
dos meios de comunicação eqüivale a considerá-los empresas “dirigidas pela
motivação do lucro”, sem que nisso haja qualquer crítica ao sistema capitalista
enquanto tal. São funções decorrentes dessa característica dos meios:
A homogeneização do gosto popular: aqui não se faz mais do que repetir os
argumentos usados desde o início do século, por exemplo pelos Leavis,7
para rechaçar a cultura de massa – “o gosto estético e intelectual foi desvir-
tuado pelo influxo de produtos de massa” (Ibidem, 244).8
56 Efeitos Sociais
Conformismo social: “Uma vez que os meios de comunicação são financia-
dos pelos grandes interesses econômicos, ...eles contribuem para a manu-
tenção desse sistema... [e apresentam] elementos de reiteração e aprova-
ção da estrutura social vigente; e esta contínua reiteração acentua a obri-
gação de aceitar tudo aquilo ligado à presente ordem social... Este fato
deve-se não apenas ao que é expresso, mas sobretudo ao que não é ex-
presso nem dito de forma explícita” (Ibidem, 242).
Paradoxalmente, embora afirmem que “os meios de comunicação de massa
devem ser incluídos entre os narcotizantes sociais mais respeitáveis e mais efici-
entes” (Ibidem, 241) – tão eficientes a ponto de impedir que os viciados reconhe-
çam sua própria doença – na conclusão do texto, Merton e Lazarsfeld parecem
estar ainda indecisos entre uma concepção de fortes efeitos e a permanência da
noção de efeitos limitados, voltando à questão do reforço das atitudes e à hipó-
tese do fluxo em duas etapas: dizem que o papel social que pode ser atribuído ao
meios por sua mera existência tem sido exagerado (Ibidem, 247); que “os meios
de comunicação têm sido efetivamente usados no sentido de canalizar atitudes
básicas, havendo, entretanto, poucas provas de que tenham conseguido
transformá-las” (Ibidem, 250); e falam da suplementação da propaganda de
massa por meio dos contatos pessoais e da “influência recíproca entre os meios
de comunicação e as influências na esfera pessoal” (Ibidem, 250).
Apesar de estarem de algum modo ainda voltados para os efeitos limita-
dos, os trabalhos destes autores são fundamentais para marcar uma mudança
na perspectiva dos estudos da comunicação. Primeiro, os estudos de Merton,
em particular, permitem, no âmbito mais geral da teoria sociológica estrutu-
ral-funcionalista, uma abordagem um tanto mais elaborada do conceito de
função, na medida mesmo em que prevê as funções manifestas, as funções
latentes e ainda as disfunções, que mostram que nem todos os atos de comu-
nicação possuem um valor positivo para o funcionamento do sistema.
Segundo porque, daí em diante, os estudos de comunicação afirmarão sem
medo a existência de “efeitos sociais de longo prazo”, efeitos esses que passam
a ser considerados em relação à totalidade social, e não mais aos indivíduos
considerados numa perspectiva meramente psicológica ou comportamental.
Finalmente, eles fornecerão o instrumental analítico e o vocabulário que con-
formarão muitos dos estudos posteriores, mesmo aqueles que transitam em
correntes teóricas sob muitos aspectos radicalmente distintas.
A “disfunção narcotizante”, por exemplo, foi alegremente acolhida no âmbi-
to de estudos dos efeitos. Se Merton e Lazarsfeld postulam que “a existência de
Efeito e Recepção 57
amplas massas da população politicamente apáticas e inertes não é de interesse
da moderna sociedade complexa” (1987:240-1), a recepção posterior da
narcotização irá considerá-la interessante para a manutenção do sistema. Em
geral, deixa-se de lado aquilo que era fundamental em Merton e em Lazarsfeld,
ou seja, a noção mesma de disfunção (e a riqueza que ela implica para a compre-
ensão dos efeitos) e ressalta-se a narcotização como um efeito pretendido pelos
media. Narcotização, apatia, conformismo são noções úteis a um bom número de
estudiosos que estarão ocupados em reiterar a concepção de um receptor passi-
vo, inconsciente, “viciado”, sem domínio sobre si mesmo.9
Essa tipologia das funções dos meios de comunicação influenciou muitos dos
estudos posteriores e acabou por culminar no modelo de Charles R. Wright, que,
além de acrescentar a função de “entretenimento” às outras três funções já
propostas por Lasswell, explicitou as condições de possibilidade de uma análise
funcionalista da comunicação de massa. Começando por especificar os tipos de
fenômenos da comunicação de massa que podem ser explorados pela aborda-
gem funcional-estrutural, Charles Wright irá afirmar, em 1960, seguindo postu-
lados de Robert Merton, que “a análise funcional se ocupa de examinar aquelas
conseqüências dos fenômenos sociais que afetam o funcionamento normal, a
adaptação ou o ajuste de um sistema dado: indivíduos, grupos, sistemas sociais
e culturais” (Wright, 1985:71). Mas para que um fenômeno social seja de interes-
se da investigação funcionalista ele deve ser “estandartizado”, isto é, “repetitivo”
e “normativo”. Com isso estariam aqui incluídos fenômenos tão amplos como a
estrutura social, os processos sociais, as normas culturais, as normas sociais, as
organizações grupais ou os dispositivos de controle social.
A própria comunicação de massa, considerada como processo social, é um
fenômeno normativo e repetitivo e, portanto, apropriado à análise funcional.
Wright vê pelo menos quatro modos de abordagem funcional da comunica-
ção. O primeiro deles supõe um grau de abstração maior e envolvia, à época,
grandes dificuldades de manipulação empírica – o que certamente diminuía o
número de estudos que a ele se voltavam. Esse primeiro tipo de análise busca-
va responder a uma pergunta fundamental:
Quais são as conseqüências – para os indivíduos, os pequenos grupos, os
sistemas sociais e culturais – de uma forma de comunicação que se
dirige a audiências amplas, heterogêneas e anônimas, pública e rapi-
damente, utilizando para este fim uma organização complexa e cara?
(Ibidem, 72).
58 Efeitos Sociais
Mais operacionalizável que o primeiro, um segundo tipo de abordagem
funcionalista iria analisar cada meio de comunicação em particular. Assim,
tem-se estudos dedicados à investigação de quais as funções cumpridas pela
imprensa, pela televisão, ou pelo rádio ou dedicados a identificar quais as
necessidades sociais e individuais que são satisfeitas por cada meio em parti-
cular.10 Um terceiro tipo prevê a mirada funcionalista na análise institucional
de qualquer organização da comunicação de massa. Um quarto tipo de abor-
dagem, finalmente, “estuda as conseqüências de desenvolver as ‘atividades
básicas da comunicação’ por meio da comunicação de massa” (Ibidem, 75) e
não pela comunicação face a face. Atividades básicas da comunicação, aqui,
significam as funções arroladas por Lasswell (“vigilância; integração; trans-
missão cultural”) acrescidas do “entretenimento”.
Por acreditar que este último tipo seja o mais promissor para o desenvolvi-
mento da teoria estrutural-funcionalista da comunicação, Wright passa a fa-
zer um inventário das funções das comunicações de massa e organiza um
quadro de efeitos da comunicação fundamental para a compreensão da abor-
dagem funcionalista sobre a comunicação naquele período. Ele cruza a pro-
posta de Merton e Lazarsfeld com a de Lasswell e chega a 12 elementos:
Existem 1. funções; 2. disfunções; 3. manifestas; 4. latentes; tais como a 5.
vigilância; 6. integração; 7. transmissão cultural; 8. entretenimento; que são
exercidas sobre 9. a sociedade; 10. os subgrupos; 11. o indivíduo; 12. os siste-
mas culturais (Wright, 1985:77).
Aqui são repetidos nossos já conhecidos efeitos dos meios de comunicação
sobre os indivíduos (apatia, ansiedade, narcotização, debilidade do espírito
crítico, passividade, degradação do gosto, evasão). Mas a novidade está em
evidenciar que a investigação sobre os efeitos irremediavelmente se volta
para os efeitos sociais e culturais. Assim, são considerados como efeitos sobre
a sociedade o incremento da coesão social, a ampliação das normas e experiên-
cias comuns, o fornecimento de informações essenciais para a vida cotidiana
(tais como notícias econômicas ou meteorológicas); ou por outro lado, a ameaça
da estabilidade, o pânico, o conformismo social e alguns entraves para a mu-
dança social e a ação. No âmbito cultural, a comunicação de massa ao mesmo
tempo em que favorece o intercâmbio cultural pode facilitar a invasão cultural,
reduzir a variedade das culturas locais, provocar a estandardização estética.
Uma outra conseqüência extremamente importante dos estudos
funcionalistas da comunicação chega por intermédio de Melvin DeFleur. É ele
quem irá complicar o modelo matemático de Shannon e Weaver, pondo em
destaque o processo desempenhado pela retroalimentação (feedback)11 no siste-
Efeito e Recepção 59
ma social. Ao analisar o mau gosto como fenômeno repetitivo e os veículos de
comunicação enquanto sistemas sociais, ele descreve quais são e o modo como
opera cada componente do sistema. Os “produtores”, os “patrocinadores”, as
“agências de propaganda”, os “distribuidores” (que na realidade são os veículos
ou cadeias de veículos), os “subsistemas de controle” (tais como os poderes
legislativos e algumas organizações civis), as “audiências” e os “institutos de
pesquisa” são os componentes principais do sistema de comunicação. A
retroalimentação dar-se-ia, na concepção do autor, com a intervenção dos insti-
tutos de sondagens de opinião, que colhem informações da audiência e as forne-
cem aos outros componentes do sistema, particularmente aos distribuidores.
De fato, a organização desses componentes não difere da organização pos-
tulada pelo modelo matemático. A rigor, é apenas uma variante, um tanto mais
complicada. Senão vejamos: os produtores, em acordo com os patrocinadores e
as agências de publicidade, preparam “diversas formas de conteúdo” que são
repassadas aos distribuidores (veículos ou cadeias de veículos); estes levam aquelas
diversas formas de conteúdo até as audiências. É claro que implica um certo
requinte entender cada um desses componentes como um subsistema em rela-
ção com outros subsistemas (por exemplo, os produtores dependem dos atores,
dos diretores, dos técnicos). É claro também que, na medida mesmo em que está
interessado em compreender a integração dos vários componentes de um siste-
ma social, o modelo sistêmico tornará difícil conceitualizar qualquer elemento
isolado do processo, separado de todos os outros.
Não há qualquer requinte, entretanto, na descrição que o autor faz das
audiências. Nesse caso, ele não faz mais do que reunir o que já vinha sendo
dito antes. Para o autor, a “audiência”
é um componente extremamente complexo. A audiência é estratificada,
diferenciada e inter-relacionada segundo as muitas formas que os cientis-
tas sociais há anos estudam. Algumas das principais variáveis que exer-
cem um papel no determinar como esse componente funcionará dentro do
sistema são as principais necessidades e interesses dos membros da audi-
ência, as várias categorias sociais nela representadas e a natureza dos
relacionamentos sociais entre membros dessa audiência. Essas variáveis
apontam para mecanismos de comportamento que determinam os mode-
los de atenção, interpretação e reação de uma audiência face a conteúdo
de um dado tipo (Defleur & Ball-Rokeach, 1993:152).12
60 Efeitos Sociais
sa, que garantem o feedback. À medida que o receptor tende a responder ao
comunicador, ambos devem ser vistos em sua relação mútua e a estrutura
social mais ampla, que abrange cada um, aparece agora como subsistema de
um sistema global.
Usos e Gratificações
Uma herança importante da tradição estrutural-funcionalista para a compreen-
são da problemática dos efeitos, e ao mesmo tempo para indicar sua superação,
vem por meio da corrente dos usos e gratificações. Essa corrente surge como
decorrência direta da noção de feedback, que chamou a atenção dos pesquisado-
res para a capacidade de resposta da audiência. Percebeu-se, assim, que os
receptores originavam mensagens de retorno e acionavam processos de inter-
pretação baseados em suas experiências psicológicas e sociais. Essa corrente
sustenta que o consumo mediático é motivado e está orientado para satisfazer
certas necessidades individualmente experimentadas. Ao inverter os termos
dos questionamentos sobre a comunicação e, ao invés de perguntar o que os
media fazem às pessoas, perguntar o que é que as pessoas fazem dos media, a
hipótese dos “usos e gratificações” postulará, pela primeira vez, na história das
investigações sociológicas sobre a comunicação, a atividade do receptor.
Embora hoje se localize o começo da abordagem dos usos e gratificações num
trabalho realizado nos anos de 1940, sobre as gratificações que as audiências
buscavam das radionovelas, e publicado em Lazarsfeld & Stanton, 1944, seu maior
desenvolvimento se dá no início dos anos de 1970, com as investigações de Elihu
Katz, Denys McQuail e Jay Blumler. Segundo esse autores, cada meio de comunica-
ção possui determinados atributos capazes de produzir diferentes gratificações e,
como cada membro, individualmente, tem necessidades específicas e diferencia-
das, daí decorre que diferentes membros da audiência podem usar e interpretar
os conteúdos mediáticos de forma absolutamente idiossincrática.
Acredita-se que cada receptor pode usar e interpretar cada programa ou
meio de comunicação obedecendo apenas às determinações de suas próprias
necessidades e segundo as satisfações idiossincráticas que possa retirar da
exposição aos media. Isso implica, no limite, que não há qualquer determina-
ção do emissor ou do “texto” sobre os usos ou leituras, que passam a se deter-
minar apenas pelas necessidades psicológicas dos membros da audiência. Os
conteúdos dos meios podem, então, segundo essa corrente, ser interpretados
de modo absolutamente diferente tanto da intenção do emissor ou das prerro-
gativas do texto, quanto das leituras que os outros membros da audiência
possam fazer.
Efeito e Recepção 61
A hipótese dos “usos e gratificações”
contempla os membros do público como usuários ativos do conteúdo dos
meios, mais que como passivamente influenciados por eles. Portanto,
não presume uma relação direta entre mensagens e efeitos, senão que
postula que os membros do público fazem uso das mensagens e que esta
utilização atua como variável que intervém no processo do efeito (Katz;
Blumler & Gurevitch, 1985:129).13
62 Efeitos Sociais
são e pode determinar a escolha desse meio, independentemente do pro-
grama escolhido).
Isso terá como conseqüência imediata, primeiro, a realização de estudos
diretos sobre as atrações do público, independentemente da análise de con-
teúdos; depois, um maior burilamento na concepção dos meios, que passam a
ser analisados não só em função de seu conteúdo característico, mas de seus
atributos típicos (por exemplo, como meio impresso ou meio audiovisual) e das
situações de exposição que favorecem (no lar ou fora dele, sozinho ou com
outros). É a relação entre as necessidades que os públicos querem ver satisfei-
tas pelo consumo mediático e os diferentes atributos tecnológicos ou estéticos
dos meios, a sua “gramática”, que será o alvo dos levantamentos empíricos.
É comum saudar-se a corrente dos “usos e gratificações” como uma viragem
epistemológica importante no estudo da influência da comunicação midiática.
Em geral, afirmar-se-á que “a investigação empírica abandonava uma orienta-
ção essencialmente ‘mediacêntrica’ em proveito de um novo interesse pelo
utilizador e o seu modo de recepção dos media” (Breton & Proulx, 1997:184-5).
Reconhecer os receptores como ativos; priorizar os usos e as gratificações
de necessidades sociais e psicológicas em detrimento do efeito direto; compre-
ender que os meios de comunicação têm uma influência que está além ou
aquém do conteúdo das mensagens veiculadas, mas que remete às caracterís-
ticas tecnológicas e estéticas de cada veículo e aos contextos que caracterizam
a situação de exposição; considerar que a simples exposição aos meios já pode
ter importância para um receptor, independentemente do conteúdo exibido;
são “novidades” trazidas, ou pelo menos melhor elaboradas, pela corrente dos
“usos e gratificações”. Entretanto, parece-nos um exagero falar em “viragem
epistemológica”, em “mudança de paradigmas”.
Em primeiro lugar, porque uma olhadela mais cuidadosa na própria histó-
ria das investigações sobre os efeitos mostra ser falsa a afirmação de que
somente agora se passa a dar mais ênfase às experiências dos receptores do
que às mensagens. A rigor, os receptores vêm sendo alvo de investigações
desde, pelo menos, os estudos de Hadley Cantril sobre o pânico provocado
pela radiotransmissão de A Guerra dos Mundos.
Em segundo lugar, é difícil aceitar a hipótese de uma mudança de para-
digmas porque, embora a corrente dos “usos e gratificações” seja pioneira em
afirmar a “atividade” dos receptores, o modo mesmo como essa atividade é
pensada não tem nada de novo e remete em muitos aspectos aos estudos
sobre os efeitos limitados. Falar em “atividade” implica falar em “mediação” de
fatores psicológicos, sociais, culturais. De fato, o próprio Elihu Katz, investiga-
Efeito e Recepção 63
dor que tem se dedicado a desenvolver essa corrente até os dias de hoje,
entende que a seletividade, que juntamente com as relações interpessoais
constituiu o pilar da idéia de mediação, “engendrou a tradição dos ‘usos e
gratificações’” (Katz, 1998:96).
Até aqui, a corrente dos usos e gratificações apresenta alguns limites na
sua compreensão do receptor. Primeiro, retoma-se boa parte dos postulados
do período dos efeitos limitados. É a hipótese de que fatores psicológicos
mediam a relação entre os receptores e os meios que se encontra aqui
reformulada de modo a atender as orientações da perspectiva estrutural-
funcionalista e, portanto, mais atenta ao contexto social e a uma perspectiva de
longo prazo. Depois, e apesar da aparente preocupação com o contexto social,
ao estar voltada para os processos subjetivos de satisfação das necessidades
individuais, a corrente dos usos e gratificações acaba por acentuar uma ima-
gem da audiência como indivíduos isolados.
A principal crítica que se faz à corrente dos usos e gratificações diz respeito
justamente à sua ênfase nas necessidades psicológicas individuais, ou como dirá
David Morley mais tarde, “na sua natureza insuficientemente sociológica”
(1996:84). A ênfase se põe sobre os estados mentais, as necessidades e satisfações
individuais abstraídas da situação social dos indivíduos, que aparecem aqui
completamente alheios à estrutura social, aos grupos de pertencimento, às
subculturas. A conseqüência da abordagem psicologista dos “usos e gratifica-
ções” é um levantamento cada vez mais exaustivo das diferenças individuais de
interpretação, sem que essas leituras idiossincráticas que os receptores reali-
zam possam ser compreendidas em qualquer marco mais amplo de análise.
Além disso, e aqui está nosso terceiro motivo para rejeitar a idéia de uma
“viragem epistemológica”, conceber o público como ativo implica, nesse caso,
supor que “uma parte importante do uso dos meios massivos seja dirigida a
objetivos” (Katz; Blumler & Gurevitch, 1985:135). Mantém-se uma concepção
teleológica da comunicação, inerente ao modelo matemático: as experiências
com os meios são uma atividade racionalmente orientada. A corrente dos “usos
e gratificações” traz implícita a noção de uma utilização instrumental dos
meios de comunicação.
A corrente dos “usos e gratificações” se preocupou em demasia em afirmar
o poder do receptor e essa preocupação se traduziu em dois modos correlatos
de abordar a relação entre os meios e os receptores:
a. Não se analisava, em absoluto, o texto. Partia-se, a priori, da concepção de
que os textos são polissêmicos, de que as mensagens são “abertas”. O
“texto” dos meios era avaliado “como se se tratasse de manchas de tinta,
64 Efeitos Sociais
sem ter que ver com a compreensão que os espectadores tinham dele”
(Katz, 1998:97-8).
b. Do lado da audiência, embora haja algum esforço de se lançar aos estu-
dos de caráter etnográfico, sobretudo para investigar as satisfações reti-
radas dos contextos de exposição aos meios, na maioria dos casos o pro-
grama de investigação consistiu em medir os tipos de satisfações ligadas
à utilização dos media ou a suportes específicos valendo-se dos depoi-
mentos dos receptores. Do ponto de vista metodológico, supõe-se que as
pessoas são suficientemente conscientes para poder informar sobre seus
interesses e seus motivos. Assim, essa abordagem produziu pouco mais
que uma lista de razões que as pessoas alegam para justificar seu consu-
mo dos meios.
Apesar de todas as suas limitações, a investigação sobre os usos e gratifica-
ções, ao questionar o paradigma dos efeitos, destacando as variações de usos
que os receptores fazem dos meios; ao chamar a atenção dos investigadores
para a atividade do receptor; ao considerar a importância das experiências
psicológicas (e mais tarde, ainda que em menor escala, sociais e culturais) do
receptor no processo comunicativo, está na origem do que se convencionou
chamar “estudos de recepção”.14
A Teoria Crítica
Contemporaneamente à perspectiva funcionalista, começa a tomar corpo
uma outra corrente de estudos que lhe é oposta em vários pressupostos.
Conhecida como “teoria crítica”,15 a análise social dos meios de comunicação
desenvolvida por seus autores deixou marcas indeléveis sobre esse campo
de estudos. Vertente européia de investigação, reconhecida a partir da pro-
dução intelectual dos autores filiados ao Instituto de Pesquisa Social de Frank-
furt,16 fundado na década de 1920, e cujos autores de maior expressão são
Walter Benjamin, Leo Lowenthal, Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert
Marcuse e Jürgen Habermas, a Escola de Frankfurt percorreu três grandes
temas: “a dialética da razão iluminista e a crítica à ciência; a dupla face da
cultura e a discussão da indústria cultural; e a questão do Estado e suas
formas de legitimação na moderna sociedade de consumo” (Freitag, 1990:32).
A teoria crítica se propunha analisar os fenômenos sociais considerando
seus aspectos econômicos, culturais, históricos e ideológicos e, com isso, possi-
bilitou ao campo de estudos da comunicação uma abordagem mais especulativa
e menos empírica. São temas chaves dessa corrente de estudos de filiação
freudo-marxista o problema da homogeneização cultural e da estandardização
Efeito e Recepção 65
vistos como estratégias montadas para manipular os consumidores dos pro-
dutos da indústria cultural e obter adesão ao sistema.
Ainda que existam diferenças – por exemplo, Benjamin e Habermas não
assumem o mesmo tom pessimista de Adorno e Horkheimer – e ainda que os
próprios autores passem por diversas fases de pensamento – a partir de Dialética
do Esclarecimento Adorno e Horkheimer assumem um tom cada vez mais
desesperançado – em geral, os pensadores de Frankfurt entendem a cultura e
a comunicação de massa como inseridas no sistema capitalista de produção,
obedecendo ao mesmo modelo de gestão, organização e distribuição, à mesma
racionalidade técnica, que caracteriza qualquer produto industrializado. A con-
junção entre arte e tecnologia será um dos mais freqüentes alvos da reflexão
frankfurtiana sobre a cultura e justificará uma das principais críticas feitas a essa
escola: a de que ela se caracterizaria pela “nostalgia de uma experiência cultural
livre da ligação com a técnica” (Mattelart & Mattelart, 1997:67).
A questão é que, para os frankfurtianos, a relação entre arte e técnica
remete ao totalitarismo e leva a arte a perder sua função revolucionária, ou
seja, a capacidade de “comunicar o horror daquilo que é e a promessa daquilo
que pode ser” (MARCUSE.1982: 246).17 Inevitavelmente influenciados pela as-
censão do nazi-fascismo, reivindicam uma técnica
que é o oposto da tecnologia e da técnica que dominam as sociedades
repressivas de hoje, isto é, uma técnica liberta do poder destrutivo que
experimenta homens e coisas, espírito e matéria como simples matéria de
fracionamento, de combinação, de transformação, de consumo (Ibidem, 253).
A Indústria Cultural
A discussão sobre a “indústria cultural”18 – expressão mais amplamente difun-
dida a partir da publicação de Dialética do esclarecimento, de Adorno e
Horkheimer, em 1947 – pretende mostrar “a regressão do esclarecimento à
66 Efeitos Sociais
ideologia” (Adorno & Horkheimer, 1991:16). A “indústria cultural” é entendida
como instrumento de reprodução das relações dominantes e será responsabi-
lizada por anular as consciências dos indivíduos para garantir uma adesão
irrestrita aos valores do sistema social dominante.
“Indústria cultural” substitui uma outra expressão, mais corriqueira à época,
“cultura de massa”, para evitar a interpretação de que se trataria de uma cultu-
ra produzida pelas massas. A indústria cultural se distingue radicalmente tanto
da “cultura superior” quanto da “cultura popular” e diz melhor respeito a um
tipo de cultura que, ao mesmo tempo, é adaptada ao consumo das massas e
determina esse consumo: “A indústria cultural é a integração deliberada, a par-
tir do alto, de seus consumidores” (Adorno, 1987a:287).19 O que caracteriza a
“arte para o consumidor” é a total perda da sua autonomia, na medida em que
a “especulação sobre o efeito” e “a motivação do lucro” passam a ser seus únicos
critérios. “A difundida tese de que a indústria cultural seria a arte dos consumi-
dores é falsa, é a ideologia da ideologia” (Idem, 1986c:106).20 É necessário, segun-
do os autores, rechaçar a tese de que há uma arte dos consumidores, pois ela
facilita a leitura de que a relação entre a cultura de massa e seus receptores se dá
harmoniosamente pelo mecanismo da oferta e da procura.
Este é um dos pontos de divergência entre a teoria crítica e a sociologia
empírica americana. Para os autores filiados ao Instituto de Pesquisa Social de
Frankfurt
os pontos de partida [para análise da comunicação e da cultura de
massa] não são os dados de mercado. Sustenta-se que a pesquisa empírica
está operando sob a falsa hipótese de que a escolha do consumidor é o
fenômeno social decisivo, a partir do qual se deveria levar a efeito a
análise. Nossa primeira questão é: quais são as funções da comunicação
cultural dentro do processo total da sociedade? ...Seu objetivo é mais o
de descobrir como os elementos objetivos de um todo social são produzi-
dos e reproduzidos nos meios de comunicação de massa. Destarte, não
aceitaríamos o gosto das massas como sendo a categoria básica, mas
insistiríamos em descobrir como o gosto é impingido aos consumidores
como um resultado específico das condições e interesses tecnológicos,
políticos e econômicos dos senhores na esfera da produção. Gostaríamos
de investigar o que ‘gostar’ ou ‘não gostar’ efetivamente significam em
termos sociais (Lowenthal, 1987:310).21
Efeito e Recepção 67
mental de todo e qualquer produto da indústria cultural. A estandardização
chega mesmo a ser o único critério que permite distinguir com segurança a
“cultura séria” e a cultura de massa: “padronização e não-padronização são os
termos contrastantes fundamentais para estabelecer a diferença” (Adorno,
1986a:120).22 Num de seus vários ensaios sobre a música, Adorno mostra como
a estandardização atinge tanto a estrutura quanto a forma musical, sendo
escamoteada, às vezes, pelo recurso a estruturas de efeitos supostamente
individuais, mas que só fazem oferecer repetidamente a mesma coisa. Massa-
crados pela rotina do trabalho mecanizado, os homens só podem ocupar seu
tempo livre com atividades que não exijam qualquer esforço, mas ao mesmo
tempo possibilitem uma fuga da rotina.
Toda a esfera da diversão comercial barata reflete esse duplo desejo. Ela
induz ao relaxamento porque é padronizada e pré-digerida. Sendo
padronizada e pré-digerida serve, na psicologia familiar das massas,
para poupar-lhes o esforço dessa participação (mesmo de ouvir ou obser-
var), sem o qual não pode haver receptividade à arte. Por outro lado, os
estímulos que ela providencia permitem uma escapadela da monotonia
do trabalho mecanizado (Ibidem:136).
68 Efeitos Sociais
regressão psicológica dos indivíduos. Adota-se uma visão particularmente ver-
tical e onipotente do poder dos media. Os receptores são as vítimas (cf. Idem,
1986c:107) da indústria cultural e a relação que se dá entre eles é de manipu-
lação. Pressupõe-se, na maior parte das vezes, uma relação direta entre a
intenção do emissor e o efeito.
Para Adorno e Horkheimer, a indústria cultural constitui um sistema de
estímulos que por todos os meios capturam os homens. Haveria uma “lógica da
dominação consciente e estrategicamente elaborada para impedir a atividade
intelectual” dos receptores (cf. Adorno & Horkheimer, 1991:119), tornando-os
seres humanos de “reflexos condicionados” (cf. Adorno, 1986a:121). Em Dialética
do esclarecimento, em 1947, Adorno e Horkheimer escrevem:
...O filme ‘adestra’ o espectador ...Atualmente, a ‘atrofia’ da imagina-
ção e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzi-
da a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos ... ‘paralisam’ essas
capacidades em virtude de sua própria constituição objetiva. São feitos
de tal forma que... ‘proíbem a atividade intelectual do espectador’...
(Adorno & Horkheimer, 1991:119 g.n.).
Ou ainda:
O espectador ‘não deve ter necessidade de nenhum pensamento pró-
prio, o produto prescreve toda reação’...Toda ligação lógica que pressu-
ponha um ‘esforço intelectual é escrupulosamente evitada...O pensa-
mento é ele próprio massacrado e despedaçado’ (Ibidem, 128-9, g.n.).
Efeito e Recepção 69
Diferentemente das correntes e teorias anteriores – e essa é uma diferen-
ça significativa para uma historiografia dos estudos dos efeitos – para a teoria
crítica o problema não se restringe aos conteúdos e mensagens explicitamente
emitidos pelos meios de comunicação, mas remete a toda sua estrutura e
configuração política:
Não mais importam tanto os conteúdos ideológicos específicos quanto o
fato de que simplesmente haja algo preenchendo o vácuo da consciência
expropriada... É presumivelmente bem menos importante para o con-
texto social dominante quais as doutrinações ideológicas específicas que
um filme sugere a seus espectadores do que o fato de que estes, ao
voltarem para casa, estão mais interessados nos nomes dos atores e nos
seus casamentos e casos amorosos (Idem, 1986b:87).
Daí porque Adorno chama a atenção de que, para desnudar os efeitos dos
filmes ou da televisão, será preciso ir além das simples análises de conteúdo e
chega a considerar, num certo momento, que pode haver uma boa margem de
variação entre a intenção dos emissores e o efeito produzido, ainda que essa
variação seja de todo modo prevista e controlada pelo sistema da indústria
cultural (cf. Idem, 1986c:102). Os meios de massa são organizados de modo a
apresentar várias camadas de significados superpostas umas às outras, todas
elas contribuindo para o efeito, todas elas organizadas de modo a capturar o
receptor. Daí porque não se pode atribuir aos meios de comunicação uma
mensagem inequívoca. Diferentemente do que virá a ser defendido posterior-
mente, por algumas correntes dos estudos literários e dos estudos culturais
britânicos, aqui a polissemia dos meios de comunicação aparece como mais
uma estratégia de captura de sentido.
A teoria crítica entende o “efeito” como sendo social e cumulativo (cf. Idem,
1986d:110). Por isso, os autores de Frankfurt recusam a Sociologia americana,
pois entendem que o efeito não pode ser determinado apenas pelas pesquisas
empíricas, que não teriam instrumental adequado para tanto. Adorno indica a
necessidade de tratamento empírico da problemática dos efeitos,23 diz-se
incompreendido quando seus escritos são considerados antitéticos à pesquisa
sociológica empírica (cf. Ibidem, 109), mas ressalta que tais pesquisas só po-
dem ser úteis se confrontadas às análises dos mecanismos das obras e às
análises dos mecanismos estruturais da indústria cultural. Para o estudo dos
efeitos, é importante considerar, por exemplo, a “especificidade” “artística” de
cada meio (cf. Idem, 1986c:101). O efeito da indústria cultural só se determina
pela referência a todo o seu contexto de atuação:
70 Efeitos Sociais
Os efeitos dependem de inúmeros mecanismos de difusão, de controle social
e de autoridade, e, por fim, da estrutura da sociedade, dentro da qual
podem ser examinados seus contextos de atuação. Dependem também dos
estados de consciência e de inconsciência – que são socialmente determina-
dos – daqueles sobre os quais o efeito se exerce (Idem, 1986d:108).
Efeito e Recepção 71
para uma estrutura mental de distração e desatenção, reforçada pelo modo de
produção mecanizado e favorecida pelo tédio e esforço do trabalho repetitivo, os
receptores têm alguma consciência da sua submissão e, mais importante – ainda
que paradoxal –, para gozar do entretenimento que não demande quaisquer
esforços, devem investir alguma energia nisto. Haveria um jogo de forças entre
o “desejo de obedecer” e o “desejo de resistir”. No contexto concreto da indústria
cultural, a desproporção entre a força do indivíduo e a concentrada estrutura
social que faz pressão sobre ele acaba por minar sua resistência.
É claro que ‘isso não implica a absoluta eliminação da resistência’. Mas
ela é levada a estratos cada vez mais profundos da estrutura psicológi-
ca. A energia psicológica precisa ser investida diretamente, a fim de
que se supere a resistência. Pois ‘essa resistência não desaparece com-
pletamente na rendição a forças externas, mas mantém-se viva dentro
do indivíduo e continua sobrevivendo até mesmo no exato momento do
consentimento’ (Ibidem, 142 g.n.).
72 Efeitos Sociais
xo condicionado, a idéia de que os meios teriam o poder de injetar diretamente
nos receptores seus conteúdos ideológicos – e afirma que tal compreensão
precisa ser modificada. Se se guardou do pensamento de Frankfurt uma des-
crição da comunicação que a descreve “em termos muito semelhantes aos da
teoria hipodérmica” (Wolf, 1994a:88; cf. também Morley, 1996:74), certamente
essa memória não é rigorosa: Adorno fala de
uma tendência que transcende os reflexos socialmente condicionados: a
tendência à fúria... Essa fúria não pode ser simplesmente atribuída à
aceitação passiva do que é dado. É essencial à ambivalência que o
sujeito não reaja de modo simplesmente passivo. Passividade completa
exige uma aceitação inequívoca. No entanto, nem o próprio material,
nem a observação dos ouvintes, sustentam a suposição de tal aceitação
unilateral. Apenas deixar de resistir não é suficiente para a aceitação
do inexorável (Adorno, 1986a:144).
Efeito e Recepção 73
Isso significa considerar os receptores como membros de uma sociedade capi-
talista – unidimensional, diria Marcuse – com específicas características que
constringem o processo receptivo e que constituem o cenário para que o efeito
se dê. Portanto, para a teoria crítica, o efeito não é conseqüência da transmis-
são de mensagens ou conteúdos específicos, mas da configuração global do
sistema da indústria cultural. Confrontar o efeito com as análises dos mecanis-
mos internos do produto cultural, considerando mesmo a especificidade técni-
ca e artística de cada ambiente ou meio de comunicação utilizado, e dos meca-
nismos do sistema da indústria cultural é um caminho de investigação sugeri-
do por Adorno e só muito recentemente recuperado, no mais das vezes sem
que se lhe dê o crédito.
Em segundo lugar, a relação entre a indústria cultural e seus consumido-
res não se dá harmoniosamente, pela relação de oferta e procura. Mas, se esse
é um postulado geral dos investigadores de Frankfurt, postulado que se cons-
truiu em oposição direta aos investigadores da sociologia empírica americana,
é Adorno quem trará uma contribuição decisiva para a compreensão da rela-
ção entre media e recepção, antecipando os argumentos posteriores de que
essa relação é ambígua, ambivalente, complexa, regida por complicados me-
canismos psicossociais e de poder.
74 Efeitos Sociais
em relevo formas de movimento que já conhecíamos, mas descobre
outras formas, perfeitamente desconhecidas... (Ibidem, 233).
Efeito e Recepção 75
um comportamento progressista que se caracteriza pela ligação direta entre o
prazer de ver e sentir e a capacidade de crítica. “No cinema, o público não
separa a crítica da fruição” (Ibidem, 231).
A teoria crítica, sobretudo como ela aparece em Adorno e Horkheimer, per-
manece ainda hoje uma das principais fontes conceituais para autores preocu-
pados com os efeitos dos mass media e terá uma influência decisiva sobre os
estudos culturais ingleses, que serão responsáveis, a partir da década de 1980,
pelas investigações mais inovadoras sobre a relação entre media e recepção.
Entretanto, ainda estão por ser plenamente exploradas as conseqüências
do pensamento de Walter Benjamin para a compreensão do processo de re-
cepção. Os novos modos de ver e compreender o mundo, a nova sensibilidade,
um novo raciocínio, mais estético, mais visual e sonoro, e que implicam uma
nova forma de percepção do mundo, característica da era audiovisual, ainda
são pouco compreendidos.28
76 Efeitos Sociais
Para McLuhan, os meios de comunicação são extensões do homem no sen-
tido de que formam o ambiente no qual o homem se move. “Qualquer inven-
ção ou tecnologia é uma extensão ou auto-amputação de nosso corpo, e essa
extensão exige novas relações e equilíbrios entre os demais órgãos e exten-
sões do corpo” (Ibidem, 63), o que, a rigor, implica um entendimento dos meios
comunicação enquanto introdutores de novos hábitos de percepção. Por exem-
plo, “a mensagem do cinema enquanto meio é a mensagem da transição da
sucessão linear para a configuração” (Ibidem, 26-7).
Com isso McLuhan renova profundamente a problemática dos efeitos
dos media. Ao afirmar que o meio é a mensagem, ou seja, que “a ‘mensa-
gem’ de qualquer meio ou ecnologia é a mudança de escala, cadência ou
padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas” (Ibidem,
22), McLuhan assenta as bases para uma compreensão mais ampla dos
efeitos, que não remetem precipuamente ao âmbito psicológico, compor-
tamental ou mesmo cognitivo, mas dizem respeito à sensibilidade: “os efei-
tos da tecnologia não ocorrem aos níveis das opiniões e dos conceitos: eles
se manifestam nas relações entre os sentidos e nas estruturas da percep-
ção, num passo firme e sem qualquer resistência” (Ibidem, 34). Ao mostrar
que o fator decisivo para a compreensão dos efeitos dos media reside em
sua própria natureza, McLuhan desloca a atenção das investigações em
comunicação da análise de conteúdo para a análise das características es-
pecíficas dos próprios media.
...Para efeitos práticos e operacionais, o meio é a mensagem. Isto ape-
nas significa que as conseqüências sociais e pessoais de qualquer meio –
ou seja, de qualquer uma das extensões de nós mesmo – constituem o
resultado do novo estalão introduzido em nossas vidas por uma nova
tecnologia ou extensão de nós mesmos (Ibidem, 21).
A distinção que McLuhan faz entre meios quentes e meios frios tem como
base justamente o efeito de cada um desses meios sobre a percepção humana.
Um meio será quente ou frio a depender do modo como ele solicita a participa-
ção do homem. Assim, um meio quente é aquele que exige menos participação
do que um frio; um meio frio, ao contrário, é aquele em que muito pouco é
fornecido e muita coisa deve ser preenchida pela audiência. Participação, aqui,
é entendida como a mobilização dos sentidos:
um meio quente é aquele que prolonga um único de nossos sentidos e
em ‘alta definição’. Alta definição se refere a um estado de alta satura-
Efeito e Recepção 77
ção de dados. Visualmente, uma fotografia se distingue pela ‘alta
definição’. Já uma caricatura ou um desenho animado são de ‘baixa
definição, pois fornecem pouca informação visual (Ibidem, 38).
Efeitos Cognitivos
Na década de 1970 se produziu um cognitive turn (Blumler & Gurevitch, 1996:121)
cuja principal contribuição foi defender que o “reforço” – justamente aquele
argumento-chave que os investigadores dos anos 50 usavam para dizer que os
meios de massa tinham apenas efeitos limitados29 – era a principal conseqüência
da exposição aos meios e aquela que permitia postular que os meios de comuni-
cação de massa exerciam efeitos poderosos sobre suas audiências.
Desde então, os estudos sobre as influências dos meios de comunicação têm
cada vez mais se voltado para os “efeitos cognitivos”,30 ou seja, para “o conjunto
das conseqüências que derivam da ação mediadora dos meios de comunicação
de massa sobre os conhecimentos públicos partilhados por uma comunidade”
(Saperas, 1993:11). Atentar aos “efeitos cognitivos” implica dedicar-se ao exame
da formação da opinião pública e da interferência da comunicação de massa no
sistema político e traz, como conseqüência, um alargamento do âmbito tradicio-
nalmente coberto pela noção de “efeito”, na medida em que se procura superar
a noção de efeitos ligados às atitudes e às condutas, característicos das “investi-
gações administrativas” do período dos efeitos limitados.
Enquanto as investigações dos efeitos limitados concentravam-se nos pro-
cessos de persuasão e no papel das instâncias mediadoras e das influências
pessoais, aqui retoma-se e redefine-se o interesse que investigadores como
Robert Ezra Park e Walter Lippmann manifestaram pela relação existente
78 Efeitos Sociais
entre os meios de comunicação e o sistema político. Já em 1922, os estudos de
Walter Lippmann sobre a opinião pública chamavam a atenção para a influên-
cia que os media teriam sobre os conhecimentos e sobre a construção das
imagens da realidade e Robert Ezra Park (1970), na Universidade de Chicago,
foi o primeiro a definir a notícia como uma forma de conhecimento, em 1940.
As transformações do sistema mediático, com a consolidação da televisão
como meio de comunicação hegemônico e as transformações sofridas pelo siste-
ma político em razão da presença dos meios de comunicação, levaram à idéia de
que o sistema político estava sendo ele próprio mediado pelo sistema comunica-
tivo. Ao observar a existência de um conjunto de efeitos ligados à informação e à
sua distribuição, as investigações em torno dos efeitos cognitivos levam ao reco-
nhecimento do poder dos meios de comunicação enquanto fontes de influência
na sociedade. O efeito que então se analisa é aquele que se exerce sobre a
formação da visão de mundo dos indivíduos. “A distribuição da informação será,
precisamente, o fundamento dos efeitos cognitivos...” (Saperas, 1993:28).
Enric Saperas, professor da Faculdade de Ciências da Informação da
Universidade Autônoma de Barcelona, reúne quatro linhas de investigação
sob a chave dos “efeitos cognitivos”: a agenda-setting function, a
“tematização”, a gap hypothesis e a produção de notícias como “construção
social da realidade”. A agenda-setting e a gap hypothesis surgiram nos Esta-
dos Unidos e têm um caráter prioritariamente metodológico e empírico
aplicado às descrições da realidade comunicativa e política daquele país. A
“tematização” e a “produção da notícia” têm um caráter teórico mais geral
e se referem à globalidade do sistema social e não especificamente à pro-
blemática dos efeitos (cf. Saperas, 1993:13). Essas linhas de investigação
têm sua origem no início da década de 1970 e todas têm em comum uma
clara distinção entre atitude e cognição.
Destacando o processo de globalização, a interface entre comunicação e
política, a consolidação da televisão e a atenção dada à função cognitiva dos
meios, Mauro Wolf (1994b) prefere falar em “efeitos sociais” dos media, reunin-
do sob essa expressão as correntes do knowledge-gap, também já indicada por
Saperas, e mais a teoria da “espiral do silêncio”, a da “dependência do sistema
de media” e a “teoria do cultivo”.
Embora algumas dessas correntes de investigação pudessem claramente
ser tratadas por suas afinidades com teorias sociológicas mais globais – e
assim a “tematização e a dependência do sistema de media”, por exemplo,
poderiam seguir-se à abordagem do tratamento funcional-estrutural da co-
municação –, optamos por tratá-las individualmente em razão de que o nosso
Efeito e Recepção 79
interesse em sua abordagem é tornar possível uma melhor compreensão da
problemática dos efeitos e não de cada corrente ou teoria em particular. É
também nosso interesse na compreensão dos efeitos que justifica o tour de
force por meio do qual teorias mais amplas e que de modo algum podem ser
reduzidas a uma questão de efeitos serão aqui consideradas.
Agenda-setting
A hipótese da agenda-setting function situa-se na tradição norte-americana de
investigação sobre os efeitos dos media e surge como desenvolvimento dos
estudos dos efeitos limitados. Ainda que seus autores postulem que “a pers-
pectiva de estabelecimento de uma agenda é um modelo de efeitos midiáticos
limitados” (McCombs, 1996:20), por oposição à idéia de efeitos diretos e imedi-
atos, ela contesta o conceito de percepção seletiva, caro ao paradigma dos efei-
tos limitados. O estabelecimento de uma agenda designa o fato de que os
media têm o poder de concentrar a atenção pública em uma série definida e
limitada de questões ao mesmo tempo em que omite outras.
Em pesquisa empírica realizada nas eleições presidenciais norte-america-
nas de 1968, Maxwell E. McCombs e Donald L. Shaw31 tentam oferecer uma
alternativa à problemática de Lazarsfeld, postulando que os media possuem
um impacto mais importante do que a Escola de Colúmbia admitira, ainda que
esse impacto se submeta a condições contingentes. Em seus levantamentos
empíricos, descobrem que são justamente os eleitores indecisos os que estari-
am mais atentos às informações difundidas nos meios de comunicação, o que
poderia levar a contradizer os estudos dos efeitos limitados, que postulavam
que os media apenas reforçavam atitudes e opiniões já existentes.
...Ainda que todavia indecisos, [os eleitores] já começavam a inclinar-se
pelo candidato republicano ou pelo democrata. Ao utilizar estas prefe-
rências, formularam-se comparações entre a agenda-setting dos eleito-
res e as de dois jornais (por exemplo: o total de notícias de uma agenda-
setting citadas em um noticiário ou somente a agenda-setting de notí-
cias relativas ao partido preferido e seus candidatos). Se a correlação
entre a agenda-setting dos eleitores e a agenda-setting global das
notícias é a mais alta, isto constitui a evidência para o estabelecimento
da agenda-setting. Se a correlação com a agenda-setting do partido
preferido é mais alta, nesse caso existe evidência de percepção seletiva.
De 24 comparações feitas, 18 favoreceram a interpretação do estabeleci-
mento da agenda-setting (Ibidem, 18).
80 Efeitos Sociais
A problemática da construção da agenda já não era novidade em outros
domínios, em particular em sociologia e em ciência política, em que se investi-
gavam a construção da agenda da opinião pública (public agenda-setting), a
construção da agenda das políticas públicas (que implicava a ordem de impor-
tância que as elites políticas e os governantes atribuem aos diferentes proble-
mas) e a construção da agenda dos próprios meios de comunicação, ou seja,
análise dos processos que presidiriam à construção da agenda midiática.
No início da década de 1970, os trabalhos de McCombs e Shaw procuraram
investigar o impacto dos meios na construção da ordem de importância dos
temas na opinião pública. A sua hipótese consistia em que, durante uma cam-
panha eleitoral, os media construiriam a prioridade dos desafios políticos. A
agenda-setting marca a viragem do estudo dos efeitos para a análise da comu-
nicação política e representou, nos Estados Unidos, a primeira análise da co-
municação política fora do âmbito estrito da persuasão. Seus trabalhos tam-
bém “assinalam um deslocamento da investigação para as implicações cognitivas
a longo prazo do jornalismo cotidiano” (Ibidem, 1996:15).
Um processo como o da criação de agenda temática define-se pela
produção de efeitos cognitivos de natureza cumulativa...Os efeitos de
agenda produzem-se tendo em conta um quadro temporal ou período
de tempo para o qual os media propõem um tema segundo determina-
dos itens da atualidade (Saperas, 1993:68).
Efeito e Recepção 81
A hipótese não supõe uma relação causal direta entre o conteúdo da agenda
dos media e a subseqüente percepção pública de quais são os temas importantes
do dia. Justamente por colocar-se de acordo com o modelo dos efeitos limitados,
a investigação mais recente tem tendido a centrar atenção nas condições sob as
quais a agenda-setting influencia ou não. O exame das “condições contingentes”
(Ibidem, 20e segs.) que limitam o estabelecimento de uma agenda-setting não
aponta para características isoladas da audiência, dos acontecimentos, ou dos
conteúdos das notícias, mas para elementos que ressaltam sua interação com as
situações nas quais os indivíduos e os acontecimentos intervêm.
Assim, apela-se a dois recursos: o conceito de “necessidade de orientação”,
que aporta uma explicação psicológica geral para o processo de fixação da
agenda, e o de “entorpecimento/não entorpecimento”. O conceito de necessi-
dade de orientação diz que, em todos os casos, embora em graus variados,
todo indivíduo tem necessidade de orientar-se em relação ao seu meio ambi-
ente e é devido a essa necessidade que ele vai atrás das informações que lhe
permitam situar-se no mundo. Contemporaneamente essas informações são
sobretudo acessíveis pelos meios de comunicação.
O outro recurso, entorpecimento/não entorpecimento, diz respeito ao modo
como os acontecimentos interferem na vida cotidiana dos indivíduos. Num
texto de revisão dos estudos da agenda, publicado nesta década, McCombs
fornece-nos exemplos da guerra do Golfo. Por um lado, o aumento da gasolina
decorrente da invasão do Kuwait pelo Iraque irrompeu de forma entorpecedora
na vida cotidiana de milhares de pessoas, atingindo suas rotinas diárias, suas
economias domésticas – nesse caso, não era necessário recorrer aos meios de
comunicação para saber sobre a inflação; por outro, os detalhes da situação no
Oriente Médio, as estratégias militares, a participação dos Estados Unidos, por
exemplo, não afetavam diretamente a vida das pessoas fora da área geográfi-
ca do conflito e só eram acessíveis mediante os meios de comunicação.
A influência da agenda-setting dos meios de informação aumenta com
o grau de necessidade de orientação entre a audiência. Porém esta
influência se apoia prioritariamente em temas não entorpecedores e
distantes do pessoal. Alguns temas, como a inflação em geral ou o preço
da gasolina irrompem em nossa vida cotidiana. Nossa experiência nes-
tes casos é direta e não dependemos dos meios de informação para
conhecer seu significado. Tanto a experiência pessoal como a necessida-
de de orientação são condições contingentes que clareiam em grande
medida o funcionamento para o processo de estabelecimento de uma
agenda-setting (Ibidem, 30).
82 Efeitos Sociais
A função de agenda dos media é analisada a partir da exploração empírica
de quatro “agendas”: a) agenda pessoal ( o mais importante aqui é identificar
sobre que temas um indivíduo pensa mais do que saber o que ele pensa
sobre um tema concreto); b) agenda interpessoal (conjunto de temas de atu-
alidade que se manifestam servindo-se da discussão interpessoal); c) agenda
dos media (conjunto dos temas presentes nos media num determinado perí-
odo)32; d) agenda pública (conjunto dos temas que reclamam a atenção públi-
ca durante um determinado período de tempo) (cf. Saperas, 1993:64 e segs.).
Os principais problemas desta corrente de investigação remetem à ênfase
em metodologias quantitativas de pesquisa e à investigação experimental em
laboratório. Por um lado, é dado um tratamento meramente quantitativo à
agenda dos media: são consideradas em centímetros ou em segundos as co-
berturas concedidas aos diferentes temas e computada a freqüência com que
os temas aparecem: considera-se a quantidade de vezes em que um tema
aparece, o espaço (ou o tempo) que lhe é dedicado e não se leva em conta o
modo como cada tema é tratado, se recebe uma cobertura favorável ou desfa-
vorável, por exemplo. A opinião pública também recebe um tratamento quan-
titativo, por meio das sondagens de opinião. Finalmente, o tratamento quanti-
tativo da audiência impede que sejam considerados fatores de ordem social,
psicológica, cultural, que incidem sobre a recepção aos meios de comunicação.
Tematização
A tematização é o processo de definição, estabelecimento e reconhecimento
público dos problemas políticos que constituem a opinião pública e refere-se
ao impacto das novas tecnologias da comunicação e das transformações do
modelo jornalístico sobre a opinião pública. “Os meios de comunicação de
massa modificam os princípios que a política toma como ponto de partida”
(Luhmann, 1992a:56).
Quanto ao objeto de estudo, a tematização situa-se muito próxima da
agenda-setting e está orientada para a avaliação das relações entre os meios
de comunicação de massa e o sistema político. Mas as afinidades ficam por aí.
Extremamente complexo, o conceito de tematização surgiu no âmbito de
investigação até certo ponto alheio à própria questão comunicativa. Sua
formulação se deve a Niklas Luhmann,33 pensador em muitos aspectos pró-
ximo do funcionalismo sistemático surgido do desenvolvimento do último
período da obra de Talcott Parsons.34 É da análise que Luhmann faz da
Opinião Pública enquanto processo de comunicação do sistema político que
surge o conceito de tematização.
Efeito e Recepção 83
A “tematização” parte da modificação do conceito de opinião pública surgi-
do na tradição liberal e pode ser definida como o mecanismo de formação da
opinião pública no seio das sociedades complexas. O conceito moderno de
opinião pública que gira em torno de definições tais como “a autoridade invi-
sível da sociedade política” ou “árbitro no domínio político” ou ainda “a soma
das opiniões dos indivíduos (sobretudo dos indivíduos letrados e, portanto,
iluminados)”, definições que só se tornam possíveis quando acompanhadas
por um conceito idealizado do indivíduo próprio da teoria liberal, é rejeitado
por Luhmann.
O conceito de opinião pública refere-se ao sistema social da sociedade.
Não se refere ao que realmente acontece na(s) consciência(s) das pessoas
individuais, ou de muitas pessoas, ou de todas, num momento particu-
lar no tempo. Portanto, não remete para o que as pessoas reais real-
mente pensam, o que elas compreendem, o que atrai a sua atenção ou
o que conseguem lembrar (Idem, 1992b:69).
Efeito de Distanciamento
Ainda que melhor situado no campo de estudos sobre a difusão e o controle da
informação, o modelo do knowledge-gap permite algumas reflexões sobre a
problemática dos efeitos e tem contribuído para que se forme em torno dos
estudos em comunicação o conceito de “efeitos cognitivos” – efeitos que se
verificam sobre a formação dos conhecimentos partilhados – e, neste sentido,
reforça a noção de efeitos fortes e cumulativos.
Ao considerar o acesso ao conhecimento como uma forma de controle soci-
al, P. Tichenor, G. Donohue & C. Olien (1970) perguntam se as amplas e genera-
lizadas oportunidades de exposição aos meios de comunicação implicariam
um equivalente acesso ao conhecimento. Valendo-se de investigações empíricas
eles são levados a afirmar que os diversos setores socioeconômicos dispõem de
84 Efeitos Sociais
diferentes capacidades comunicativas: entre os pesquisados, os indivíduos
que pertenciam a estrato socioeconômico baixo apresentavam baixos níveis de
conhecimento político e uma baixa capacidade de aquisição de informações
pelos meios de comunicação; os que pertenciam a estratos socioeconômicos
altos possuíam melhores conhecimentos políticos e demonstravam maior ca-
pacidade de recepção das informações por meio dos media.
Assim, o modelo do knowledge-gap desenha dois tipos de audiência, segun-
do suas capacidades de uso e de compreensão dos meios de comunicação e
chega à conclusão de que os media acentuam e reproduzem as desigualdades,
são instrumentos que incrementam as diferenças sociais e fazem surgir novas
formas de desigualdade. Estabelece-se um distanciamento ou um desnível
(gap) de conhecimentos entre os diversos setores socioeconômicos em razão de
diferentes capacidades comunicativas dos indivíduos. O knowledge-gap surge
como efeito cognitivo decorrente da ação dos meios de comunicação.
Quando a introdução da informação dos meios de comunicação de mas-
sa num sistema social aumenta, as camadas da população com um
status socioeconômico alto tendem a adquirir esta informação em maior
escala do que os segmentos socioeconômicos baixos, pelo que o
distanciamento entre estes segmentos tende a aumentar em vez de
diminuir (Tichenor, Donohue & Olien apud Saperas, 1993:111).
A Espiral do Silêncio
A problemática do espaço público também dará origem às investigações da
teoria da espiral do silêncio, divulgada pela primeira vez por Elisabeth
Efeito e Recepção 85
Noelle-Neumann, pesquisadora do Institut für Demoskopie Allensbach (Ale-
manha), no Congresso Internacional de Psicologia, realizado em Tóquio,
em 1972.35 Esta teoria procura explicar os efeitos que os media têm sobre a
opinião pública e sobre o modo de percepção pública de tal opinião. Há
uma certa unanimidade dos investigadores em comunicação em conside-
rar Noelle-Neumann como a mais aguerrida responsável pelo retorno da
idéia de media power e pelo entendimento dos receptores como indefesos.
São cinco os pressupostos da teoria da espiral do silêncio:
1. A sociedade ameaça os indivíduos com o isolamento.
2. Os indivíduos experimentam um contínuo medo do isolamento.
3. Este medo do isolamento faz com que os indivíduos tentem avaliar conti-
nuamente o clima de opinião.
4. Os resultados desta avaliação influenciam no comportamento em público,
especialmente na expressão pública ou na ocultação das opiniões.
5. Os pressupostos anteriores estão relacionados entre si, o que proporciona
uma explicação da formação, manutenção e modificação da opinião pública
(cf. Noelle-Neumann, 1995:260).36
A partir desses pressupostos, Noelle-Neumann chega a uma definição ope-
racional da opinião pública:
As opiniões públicas são atitudes ou comportamentos que se devem
expressar em público para não se isolar. Em âmbitos de controvérsia ou
de mudança, as opiniões públicas são as atitudes que se podem expres-
sar sem correr o risco de isolamento. Essa definição pode verificar-se com
os métodos de investigação mediante sondagem e com as observações
representativamente distribuídas (Ibidem, 234).
86 Efeitos Sociais
Se a pessoa crê que sua opinião forma parte de um consenso, se expressa
com confiança em conversações públicas e privadas, manifestando suas
convicções... E, ao contrário, quando a pessoa se sente em minoria se torna
precavida e silenciosa, reforçando assim a impressão de debilidade, até
que o lado aparentemente mais fraco desaparece... (Ibidem, 259-60).
Efeito e Recepção 87
natural do indivíduo) e a comunicação de massa que justificaria que os indiví-
duos se sintam “tão fragilizados ante os meios de comunicação” (Ibidem, 204).
Noelle-Neumann sustenta que há três características dos media que são
importantes considerar e que favorecem a compreensão da “espiral do silên-
cio”: a) a onipresença dos media nas sociedades complexas; b) a acumulação,
característica que os media têm de reforçar-se uns aos outros, quantitativa e
qualitativamente, e com isso conseguir criar e manter a relevância de um
tema; e c) a conformidade: os traços comuns e as semelhanças existentes nos
processos produtivos da informação tendem a ser mais significativos do que as
diferenças, o que conduz a mensagens substancialmente mais semelhantes
do que dessemelhantes. São essas características que favorecem o poderio dos
meios de comunicação e determinam o cumprimento de suas “funções”, entre
as quais estaria a “função de articulação”:
Os meios subministram às pessoas as palavras e as frases que podem
utilizar para defender um ponto de vista. Se as pessoas não encontram
expressões habituais, repetidas com freqüência, em favor de seu ponto
de vista, caem no silêncio, se tornam mudas (Ibidem, 226).
88 Efeitos Sociais
6. Que posição adotam os meios de comunicação ante esse tema? A que
lado apoiam os meios influentes? Os meios são uma das duas fontes das
quais procede a estimativa que as pessoas fazem do clima de opinião.
Os meios influentes emprestam palavras e argumentos aos outros jor-
nalistas e aos que estão de acordo com eles, influenciando assim no
processo da opinião pública e na tendência a expressar-se ou a ficar
calado (Ibidem, 258).
Efeito e Recepção 89
se percebe diferença alguma entre o lugar de recepção dos meios e os
lugares muito distante dele. A influência dos meios é predominante-
mente inconsciente. As pessoas não podem informar sobre o que tem
sucedido. Antes, mesclam suas próprias percepções diretas e as percep-
ções filtradas pelos olhos dos meios de comunicação em um todo indivisível
que parece proceder de seus próprios pensamentos e experiências... A
maior parte desses efeitos dos meios acontece indiretamente, como de
rebote, na medida em que o indivíduo adota os olhos dos meios e age
em conseqüência (Ibidem, 221-2).
90 Efeitos Sociais
A principal hipótese que guia a compreensão dessa teoria sobre a proble-
mática dos efeitos é a de que o poder dos media reside em seu controle dos
recursos de informação de que indivíduos, grupos e sistemas sociais depen-
dem para alcançar suas respectivas metas. Os media são encarados como um
“sistema de divulgação” que controla três tipos de recursos “causadores de
dependência”. O primeiro recurso é a “coleta” ou “criação” de informação. O
segundo recurso, o “processamento” da informação. O terceiro recurso é a
“disseminação” ou “difusão”, “ou seja, a capacidade de distribuir a informação
a uma audiência de massa” (Ibidem, 322).
Ao associar o grau de dependência que os componentes do sistema social e
os indivíduos têm dos media e a intensidade dos efeitos “da exposição às
mensagens”, os autores procurarão relacionar variáveis estruturais, contextuais,
interpessoais, individuais e comunicativas. É importante para a teoria da de-
pendência dos media observar por que caminhos os media se fazem necessári-
os para os diversos sistemas e subsistemas sociais.
Na teoria da dependência dos media, a chave para explicar quando e
por que indivíduos “se expõem” aos media e os “efeitos” dessa exposição
sobre suas crenças e comportamento, consiste em levar em conta as
maneiras por que as pessoas empregam recursos de media para alcan-
çar suas metas pessoais (Ibidem, 329).
A Teoria do Cultivo
A relação entre recepção televisiva e as representações da realidade social
elaboradas ao longo do tempo são o centro das atenções da cultivation theory,
que tem em George Gerbner seu mais reconhecido investigador. À postulação
de forte poder dos media se acrescenta a consideração de que sua influência se
exerce sobretudo no tempo, cumulativamente. As investigações da teoria do
cultivo enquadram-se na contemporânea compreensão dos efeitos justamen-
te por considerá-los a longo prazo e por postular que, mais que um efeito
pontual, circunstancialmente marcado, haveria uma persistente e difusa in-
fluência da televisão sobre os telespectadores e a cultura que os envolve.
Efeito e Recepção 91
A teoria do cultivo atribui ao meio televisivo a função de agente de sociali-
zação, de construtor principal de imagens e representações mentais da reali-
dade social. Tal como no modelo da “espiral do silêncio”, também aqui se
afirma que a TV tem características peculiares que a fazem mais persuasiva e
potente que todos os demais media. “Diferentemente de outros usos dos meios
de comunicação, ver televisão é um ritual; as pessoas assistem TV segundo o
relógio, não segundo o programa”, diz Gerbner (1993:s/pg.).
E isso significa que a TV é o único meio que alcança os espectadores com
mensagens e imagens que eles de outro modo nunca teriam seleciona-
do. Todos os outros media – filmes e impresso – são seletivamente
usados por pessoas em busca do que lhes interessa... A televisão ajuda
a formar desde o início as predisposições e seleções que governam o uso
dos outros meios. Diferentemente de outros meios, a televisão requer
pouca ou nenhuma atenção; seus padrões repetitivos são absorvidos no
curso da vida. Eles tornam-se parte integral do estilo de vida da famí-
lia, mas nunca se originam de, nem respondem às suas necessidades e
demandas (Ibidem, s/pg.).
92 Efeitos Sociais
A análise do cultivo procura investigar se aqueles receptores que passam mais
tempo diante da TV são mais propensos, comparativamente àqueles que vêem
pouca TV, a perceber o mundo real de modo a refletir as mais ordinárias e repetitivas
características do mundo televisivo, a mais difusa das quais é a violência. Os inves-
tigadores chegam à conclusão de que a televisão contribui significativamente para
o sentimento de que se vive num mundo miserável e sombrio.
As investigações estão majoritariamente voltadas para o exame do signifi-
cado que a exibição da violência tem para assegurar o poder da TV em cultivar
uma certa imagem da realidade. A violência seria uma técnica, bem-sucedida,
de controle social, na medida em que legitima a autoridade, o poder e a força.
Ao mostrar um mundo violento, a TV estaria querendo fazer com que seus
telespectadores concordem com a idéia da necessidade de um maior poder do
Estado. A concepção que norteia boa parte dos estudos preocupados com a
relação entre comunicação e poder é a de que a televisão é um espaço de
construção do real e de que essa construção é nitidamente um processo de
controle político da realidade.
Os levantamentos empíricos realizados parecem mostrar que os recepto-
res mais fortemente expostos à TV estão mais predispostos a sentimentos de
vulnerabilidade e medo. O meio televisivo não cultiva somente sistemas de
crenças, senão que produz também atitudes emotivas que “facilitam” o exer-
cício do poder. A violência televisiva então, é uma parte do sistema social,
cultural, econômico e político. É claro que nem toda violência é igual; em
alguns casos, ela pode ser uma expressão cultural necessária e legítima –
como a que existe em Shakespeare... (cf. Gerbner, 1998a). Mas a violência que
nos chega por meio das notícias ou dos programas de ficção, a Happy violence
(Gerbner; Morgan & Signorielli, 1994b), é resultado de um complexo e global
esquema de marketing.
Ao expor os receptores a uma opressiva violência, a televisão cultiva um
exagerado senso de insegurança e desconfiança sobre o miserável mundo
visto na TV. Além disso, a sensação de vulnerabilidade e dependência contribui
para a credibilidade dos slogans em favor da adoção da pena de morte e da
ampliação do aparato policial, que supostamente fariam aumentar a seguran-
ça. Pessoas inseguras seriam mais propensas a depender da autoridade e mais
suscetíveis de dar crédito a posturas ilusoriamente simples e fortes. “Elas
podem aceitar e mesmo saudar a repressão se ela promete atenuar suas ansi-
edades” (Gerbner, 1993:s/pg.).
Ao considerar que a TV impede a seletividade dos receptores, já que
aciona um processo ritualístico que captura o telespectador, a teoria do cul-
Efeito e Recepção 93
tivo irá colocar a sua ênfase num aspecto quantitativo de há muito rejeitado
pelos estudos de comunicação: em geral, supõe-se que haveria uma relação
direta entre uma forte exposição aos media e a introjeção das crenças veicu-
ladas na TV. Os pesquisadores procedem à identificação das políticas que
regem o sistema televisivo; à análise de conteúdo dos programas televisivos;
e, em seguida, à análise do cultivo. Eles entrevistam telespectadores para
identificar suas atitudes e opiniões e seus hábitos de recepção. O tempo de
exposição surge como a variável mais importante nos levantamentos
empíricos. Os resultados empíricos parecem mostrar que os heavy viewers
são guiados pela televisão, na medida em que, ao serem pesquisados, ofere-
cem o que Gerbner chama de TV answers, atitudes e opiniões espelhadas nas
informações divulgadas pela TV.
Os padrões sistêmicos observados no conteúdo televisivo fornecem a
base para formular questões para sondagens sobre as concepções da
realidade social que as pessoas possuem. Os pesquisados são dividi-
dos, em cada amostra, entre aqueles que assistem mais televisão,
aqueles que assistem uma quantidade moderada e aqueles que assis-
tem menos. O cultivo é avaliado por meio da comparação dos padrões
de resposta nos três grupos de telespectadores (leve; mediano; pesado)
e controlado por importantes características demográficas e outras
(Ibidem, s/pg.).
94 Efeitos Sociais
expõe ao mundo da televisão mais absorve concepções da realidade social
coincidentes com as representações televisivas é inferir que as influências
exercidas pelos meios de comunicação obedecem às premissas da passividade
dos receptores, da onipotência dos media, da atomização social. Não se está
muito distante da consideração de que os meios de comunicação são causa
necessária e suficiente para a consecução dos efeitos, de que estes são uma
decorrência direta e imediata das intenções do emissor e de sua competência
para elaborar as mensagens; de uma visão teleológica do processo comunica-
tivo. Alguns investigadores consideram a cultivation theory uma espécie de
empiricismo frankfurtiano tardio (cf. Kleinhans, 1994:s/pg.).
Efeito e Recepção 95
A realidade social só existe na medida em que a comunicação permite que
se disponha de um mecanismo de interação entre os indivíduos: “A vida cotidi-
ana é sobretudo a vida com a linguagem, e por meio dela, de que participo com
meus semelhantes. A compreensão da linguagem é por isso essencial para
minha compreensão da realidade da vida cotidiana” (Ibidem, 57). A realidade
cotidiana apresenta-se ao indivíduo como um mundo intersubjetivo, um mun-
do partilhado com outros homens. A intersubjetividade, origem do sentido
comum dos atos sociais, exige, na sociedade contemporânea, o reconhecimen-
to da ação dos meios de comunicação.
Dentro da perspectiva da construção social da realidade, a notícia se apre-
senta como elemento fundamental na construção de um tipo especial de rea-
lidade: a realidade pública cotidiana. Ainda que não se deva assimilar o concei-
to de ‘ construção da realidade’ única e exclusivamente à prática jornalística, já
que a noção mesma de ‘construção social da realidade’, tal como a definem
Peter Berger e Thomas Luckmann, remete à vida cotidiana e já que existem
outros elementos de construção da realidade atuando em outras esferas, en-
tretanto, devido à forte presença dos meios de comunicação nas sociedades
atuais e à extrema dependência dos homens em relação às informações
jornalísticas, a maior parte dos investigadores irá defender que há uma rela-
ção direta entre a realidade construída pelo jornalismo e a realidade identificada
pelo público como sendo a própria realidade. Essa corrente de investigação
considera que o conjunto dos efeitos cognitivos que resultam da ação pública
dos meios é a construção do nosso meio, do nosso mundo, da nossa cultura
cotidiana, enfim, da nossa realidade social. A atenção é posta sobre o processo
mediante o qual os meios de comunicação “criam” a realidade.
A referência a uma construção da realidade, que passará a ser inter-
subjetivamente partilhada por meio da prática informativa, coloca-nos
perante um dos efeitos cognitivos mais relevantes da ação dos meios de
comunicação de massa... Encontramo-nos perante um tipo de investiga-
ção que... se orientará para o conhecimento da ação geral dos media e dos
seus profissionais sobre o ambiente social (Saperas, 1993:141).
96 Efeitos Sociais
elemento sobre o qual o jornalista trabalha, não é uma realidade objetiva em si
mesmo, exterior e alheia à percepção do sujeito, que sempre produz uma inter-
pretação da realidade. “Os jornalistas são, como todas as pessoas, construtores da
realidade de seu ambiente. Porém, além disso, dão forma de narração a esta
realidade e, difundindo-a, convertem-na em uma realidade pública” (Ibidem, 15).
Considerar a notícia como “construção da realidade” implica considerá-la
como a produção de sentido que se dá por intermédio das práticas de produ-
ção da notícia e das rotinas que normatizam a profissão jornalística. Gaye
Tuchmann (1978), um dos principais investigadores da notícia como constru-
ção da realidade se dedicou exaustivamente a analisar o processo de produção
da notícia, considerando vários aspectos da prática profissional e do modo de
organização das empresas jornalísticas. Considerou fundamentais não só as
rotinas informativas, a relação entre o jornalista e as fontes, as fases do traba-
lho jornalístico, desde a elaboração da pauta até a edição do jornal, como a
lógica produtiva da empresa jornalística.
Mais recentemente, a consideração da notícia como construção da realida-
de tem demandado o reconhecimento de que este “é um processo de três
fases: a produção, a circulação e o consumo” (Alsina, 1996:14) e ainda que a
ênfase seja sempre colocada na produção, os autores costumam fazer quando
nada uma ressalva de que o processo de construção da realidade deve neces-
sariamente implicar a relação entre o jornalista e seu público (cf. Alsina, 1996;
Saperas, 1993). A relação entre jornalista e audiência fundamenta-se num
acordo comunicativo e socialmente definido:
Esta relação entre o jornalista e seus destinatários está estabelecida por
um contrato fiduciário social e historicamente definido. Aos jornalistas
se lhes atribui a competência de recolher os acontecimentos e temas
importantes e atribuir-lhes um sentido (Alsina, 1996:31).
Efeito e Recepção 97
Nos últimos capítulos, procedemos a uma leitura de vários autores e cor-
rentes de pensamento que se debruçaram sobre a comunicação com o intuito
de identificar como, na curta história de investigação dos media, a relação
entre comunicação e públicos tem sido pensada. Tratamos de delinear três
grandes parâmetros de compreensão dos efeitos:
a. Uma orientação inicial, voltada para a consideração dos meios de comuni-
cação de massa como causa necessária e suficiente para a consecução dos
efeitos, entendidos esses como a mudança de opinião ou a determinação
da conduta. O efeito é uma decorrência direta e imediata das intenções do
emissor e de sua competência para elaborar as mensagens. Forma de
compreensão própria da hipótese hipodérmica, marcada pelo conceito de
massa e apoiada em postulados da psicologia behaviorista.
b. A consideração dos media como causa necessária, mas não suficiente, para a
consecução de efeitos, enquanto tomada de decisão ou conversão de conduta
– ênfase nos comportamentos de consumo e de voto. Pode-se nomear este
período como dos efeitos limitados, posto que considera os efeitos como
reforço de atitudes prévias. Os efeitos dependiam menos das intenções dos
emissores que das características cognitivas, sociais ou culturais da audiên-
cia, características que implicavam exposição, atenção e memorização seleti-
vas por parte dos indivíduos receptores. O poder dos meios é então conside-
rado muito limitado em face das outras fontes de influência, como a influên-
cia pessoal, a liderança de opinião ou a própria personalidade de cada mem-
bro da audiência, o que limitava a ação persuasiva dos media.
c. Volta a ser considerada a hipótese de que os media produzem fortes efei-
tos, mas estes se exercem não mais sobre os indivíduos considerados isola-
damente, mas sobre a sociedade e, como tal, não podem ser considerados
numa perspectiva de curto prazo. São os efeitos sociais a longo prazo que
detêm a atenção. Investigam-se efeitos cognitivos (que se exercem sobre a
formação do patrimônio cognitivo, cultural e social dos receptores) e cumu-
lativos, ligados a uma exposição cotidiana e permanente aos media.
Notas
1. Elisabeth Noelle-Neumann começa a divulgar suas investigações em 1972. Ver adiante item A espiral do
silêncio (p.85).
2. Não é nosso interesse elaborar uma detalhada análise ou mesmo uma sinopse, certamente apressada e
defeituosa, dos postulados do funcionalismo enquanto teoria sociológica geral. A abordagem que faremos
remete exclusivamente ao modo como o funcionalismo possibilitou um tratamento marcante da problemática
dos efeitos dos meios de comunicação. Talcott Parsons é o fundador do funcionalismo norte-americano com o
trabalho no qual critica Durkheim, Pareto, Marshall e Weber: The Structure of Social Action, New York: Free Press,
1937. A partir daí o próprio Parsons e também Robert King Merton desenvolverão o funcionalismo,
98 Efeitos Sociais
constituindo seus principais sociólogos.Uma boa referência bibliográfica complementar são os volumes de
Guy ROCHER. Sociologia geral (Tradução Ana Ravara), Lisboa: Presença, 1971, vol. V ou ainda, do mesmo autor,
Talcott Parsons e a sociologia Norte-Americana, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. Uma publicação mais recente
é Donald N. LEVINE. Visões da tradição sociológica (Tradução Álvaro Cabral), Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, 325
pp. De Talcott Parsons ver, sobretudo: PARSONS, Talcott; BALES, Robert F. & SHILS, Edward A. Working papers
in the theory of action, New York: FreePress; London: Collier MacMillan, 1953, 269 pp.; PARSONS, T. The social
system, London: Tavistock, 1952, 575 pp.; PARSONS, T. (Org.). A sociologia americana: perspectivas, problemas,
métodos (Tradução Octavio Mendes Cajado), São Paulo: Cultrix, 1970, 383 pp.; PARSONS, T. O sistema das
sociedades modernas (Tradução Dante Moreira Leite), São Paulo: Pioneira, 1974, 189 pp. (Biblioteca Pioneira de
Ciências Sociais). De Robert K. Merton ver, principalmente, Social theory and social structure, New York, Free
Press, 1968, 702 pp. Há tradução brasileira, publicada pela Ed. Mestre Jou: Sociologia: teoria e estrutura
(Tradução Miguel Maillet), São Paulo: 1970, 758 pp.
3. São várias as “inspirações” que possibilitaram o surgimento da teoria sociológica estrutural-funcionalista ou
teoria dos sistemas. A idéia mesma de uma teoria dos sistemas foi formulada por Ludwig von Bertalanffy, no
campo da biologia. Claude Henri de Saint-Simon é o primeiro a adaptar a teoria dos sistemas à análise
sociológica e a conceber a sociedade como um sistema orgânico. Da antropologia, sobretudo com Malinowski e
Radcliffe-Brown, vem a visão de que todo sistema social tem uma unidade funcional como todas as partes são
interligadas. A partir daí, a idéia de que a sociedade obedece a uma lei fisiológica, de que há uma
continuidade entre a ordem biológica e a ordem social será diversamente adotada, seja por Herbert Spencer,
que define a sociedade como um sistema funcional e propõe uma analogia entre sociedades e um organismo
individual em termos de crescimento, estruturas, funções, sistemas de órgãos, seja por Auguste Comte, que
postula que a sociedade pode ser encarada como um tipo particular de organismo, qual seja um “organismo
coletivo”, seja por sociólogos mais recentes. O próprio Lasswell, em 1948, ao escrever o texto inaugural de
aplicação do funcionalismo ao problema da comunicação de massa remete explicitamente às “equivalências
biológicas” (Lasswell, 1987:106) que podem ser encontradas em associações humanas. Também Émile
Durkheim, com sua discussão sobre a solidariedade mecânica versus solidariedade orgânica foi um inspirador
do funcionalismo, tendo sido largamente discutido por Parsons no livro que fundou essa corrente do
pensamento sociológico.
4. Publicado originalmente em 1960.
5. No mesmo texto no qual ele anuncia seu paradigma para descrever o ato comunicativo.
6. 1948 é a data da publicação original desse texto de Lazarsfeld & Merton.
7. Ver primeiro capítulo desta Parte I, em especial item A metáfora da agulha hipodérmica (p.25).
8. Melvin DeFleur, em bases também funcionalistas, é quem analisa de modo bastante apurado o conteúdo de
mau gosto dos media como fenômeno repetitivo e mostra como medida ele é funcional para o sistema. “O
conteúdo de divertimento que parece mais capaz de atrair a atenção do maior número de membros da
audiência é o mais espetacular, o chamado conteúdo de mau gosto... [Ele] é funcional na acepção de que –
apesar de poder ser mau gosto – aumenta o tamanho da audiência exposta à propaganda (...). O conteúdo de
mau gosto vende... e vende muito. Este fato consagra isso como o elemento-chave do sistema social da media.
Ele mantém o complexo inteiro unido, assegurando sua estabilidade financeira” (Defleur & Ball-Rokeach,
1993:156-7).
9. É muito interessante notar como a descrição de Merton e Lazarsfeld dos “efeitos sociais” dos media, das
suas “funções” ou “disfunções” é retomada posteriormente, e perdura ainda nos anos de 1990, às vezes de
modo menos perspicaz que o original, como argumentos para provar a alienação produzida pelos meios,
denunciar a defesa dos interesses de classe que pautam a concepção das telenovelas e seus personagens ou
apontar as alianças político-econômicas que determinam a construção da notícia. A idéia de que os meios de
comunicação são os mais eficientes narcotizantes hodiernos e de que seus receptores são viciados é repetida
à exaustão – em geral, sem qualquer referência a Merton e Lazarsfeld. Apenas um exemplo: “Vicia-se pela TV,
como se vicia em açúcar, fumo, maconha, coca e outros da área farmaco-dependente (...)” (PIGNATARI,
1993:487). A denúncia de que os meios de comunicação reiteram a ordem vigente, impedem a consciência
crítica e promovem uma ampla e inconsciente adesão ao sistema capitalista é lugar comum em textos
contemporâneos de estudos da comunicação. Em um trabalho anterior (ver GOMES, 1995, sobretudo o
primeiro capítulo), mostramos como a relação, postulada por tais textos, entre consumo, sexo, lazer, violência e
controle social não remete unicamente à conformação de padrões de comportamento. Remete igualmente e de
Efeito e Recepção 99
imediato para a idéia de poder, ideologia e defesa do projeto político das classes dominantes afinadas com o
sistema capitalista, a serviço das quais estariam os meios de comunicação.
10. Note-se que a corrente dos usos e gratificações estaria claramente inserida nesse segundo tipo de
abordagem funcionalista. A isso voltaremos mais adiante.
11. Idéia em si tomada de empréstimo à cibernética, a noção de feedback descreve os dispositivos de
informação capazes de ajustar seu comportamento em função da análise que faz dos efeitos da sua ação.
Nesta concepção, ela foi adotada por Norbert Wiener no quadro de uma pesquisa realizada em parceria entre
o MIT, Massachusetts Institute of Technology, no qual Wiener ensinava, e o governo americano, com fins de
desenvolver um dispositivo que aumentasse a rapidez de resposta dos aviões americanos usados durante a
Segunda Guerra.
12. A publicação original é de 1975.
13. Publicação original de 1974.
14. Ver Parte II, As análises de recepção.
15. Barbara Freitag chama a atenção para que “o termo Escola de Frankfurt ou a concepção de uma ‘teoria
crítica’ sugerem uma unidade temática e um consenso epistemológico, teórico e político que raras vezes
existiu entre os representantes da Escola” (Freitag, 1990:33). Com esta ressalva, adotaremos o uso das duas
expressões por razões de economia textual.
16. Não é nosso interesse aqui proceder a um estudo exaustivo da contribuição dos frankfurtianos para a
sociologia, a filosofia ou a ciência política contemporâneas, mas tão somente recuperar sua discussão sobre a
comunicação e a cultura com o específico objetivo de identificar o modo como a problemática dos efeitos foi
tratada e qual o perfil que o receptor assume no imaginário frankfurtiano.
17. Este é um texto tardio de Marcuse, publicado em 1967.
18. Barbara Freitag afirma que essa expressão foi usada pela primeira vez por Horkheimer, no ensaio “Arte e
Cultura de Massa”, publicado em 1941 (cf. Freitag, 1990:66), embora o próprio Adorno afirme que o termo tenha
sido utilizado pela primeira vez em Dialética do esclarecimento (cf. Adorno, 1987a: 287).
19. Texto de 1962.
20. Original de 1967.
21. Publicado originalmente em 1950.
22. Publicado originalmente em 1941.
23. Adorno trabalhou no Instituto de Pesquisa Social Aplicada, dirigido por Lazarsfeld, durante seu período de
exílio nos Estados Unidos.
24. Originalmente publicado em 1963.
25. Ver Parte II.
26. Trabalhamos aqui com duas traduções do texto de BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de sua
reprodutibilidade técnica”, de 1936, publicado em LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da cultura de massa, 3. ed., Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 209-240 e em BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e técnica, arte e política
(Tradução Sérgio Paulo Rouanet), 4. ed., v. I, São Paulo: Brasiliense, 1985a, p. 165-196.
27. Em “A arte da oscilação” (Vattimo, 1991: 55-71), Gianni Vattimo desenvolve uma analogia entre o efeito de
choque (Stoss) em Heidegger e o efeito de choque (schock) em Walter Benjamin, procurando captar os aspectos
essenciais da arte na sociedade contemporânea.
28. Em um trabalho anterior exploramos algumas das conseqüências do pensamento de Walter Benjamin,
sobretudo em seus escritos sobre a criança e o brinquedo (Benjamin, 1984), para a investigação da recepção
televisiva infantil. Ver Gomes, 1995.
29. Ver Parte I, Capítulo 2: Efeitos limitados (p.41).
30. O paradigma cognitivo, que está presente nos estudos de comunicação desde que as diferenças
psicológicas individuais evidenciadas na estrutura cognitiva entraram como fatores de mediação nos estudos
dos “efeitos limitados”, implica uma visão da natureza humana derivada da teoria da Gestalt. Ela destaca uma
diversidade de conceitos e processos que são considerados parte da estrutura de personalidade de todos os
Notas
1. Não é nosso objetivo aqui, absolutamente, proceder a uma apresentação sistemática dos Estudos Culturais,
seja percorrendo seus autores, seus conceitos ou analisando seus principais desdobramentos. O nosso
tratamento dos Estudos Culturais dirige-se de modo específico à compreensão das análises de recepção que
essa corrente de investigação possibilitou. Para uma avaliação mais geral sobre os Estudos Culturais ver as
coletâneas CURRAN; MORLEY & WALKERDINE, 1998; DURING, 1997; CURRAN & GUREVITCH, 1996; MORLEY
& CHEN, 1996; HALL; HOBSON; LOVE & WILLIS, 1984.
2. Paul GILROY chama atenção para que, de fato, os Estudos Culturais têm um caráter marcadamente inglês,
mais que britânico. Por um lado, os três textos fundadores dos estudos formam um triângulo etnocêntrico “no
qual o desenvolvimento cultural e a política cultural se configuram como um fenômeno nacional
exclusivamente inglês” e nenhum deles “transmite um sentido de Grã-Bretanha e da identidade inglesa como
formadas por forças e processos que transbordem o crisol imperial do estado-nação” (1998:77).
3. Para uma discussão sobre a aposta dos cultural studies na interdisciplinaridade e a rejeição de sua própria
institucionalização em disciplina como parte de um projeto político mais amplo, ver GIROUX et al., 1998:s/pg.
Aí os autores defendem que se os Estudos Culturais são informados por um projeto político que atribui um
lugar central à crítica e à transformação social, seus investigadores devem, em primeiro lugar, reconhecer que
a universidade e sua estrutura disciplinar departamentalizada têm uma relação particular com a sociedade
A Mudança Social
Os efeitos, em The uses of literacy, são compreendidos em termos de mudan-
ças sociais. E, sendo assim, eles são apenas um aspecto de uma interação de
fatores culturais, sociais, políticos, econômicos. “Concentrar-se nos prová-
veis efeitos de certos desenvolvimentos nas publicações e entretenimento é,
claro, isolar apenas um segmento dentre uma extremamente complexa inte-
ração de mudanças sociais, políticas e econômicas. Tudo está contribuindo
para alterar atitudes...” (Ibidem, 141). Além disso, o processo de mudança
social é lento: não podemos pensar num corte abrupto entre o mundo antes
da cultura de massa e o mundo depois dele. No momento em que Hoggart
desenvolvia suas investigações, a cultura de massa estava passando por uma
Os Hábitos de Leitura
Em relação à leitura, o problema é que ao avanço no sistema de ensino, à
diminuição do analfabetismo na Inglaterra e à maior facilidade de acesso às
publicações não corresponde uma melhoria da qualidade da leitura. Hoggart
faz logo a ressalva de que não é possível dar uma resposta estatística à
análise da qualidade da leitura já que a questão envolve distinções de valor
(cf. Ibidem, 271).11
Segundo Hoggart, há um grande incremento no consumo das publicações
voltadas para o entretenimento e esse consumo não deve ser lastimado. O
problema é que, em alguma medida, “o tamanho do incremento parece haver
sido decidido nem tanto pela necessidade de satisfazer apetites anteriormen-
te insatisfeitos, mas pela mais forte persuasão daqueles que fornecem o entre-
tenimento” (Ibidem, 270). É o esforço da indústria do entretenimento por
alcançar vendas cada vez maiores que dita as regras da oferta e não os interes-
ses do público ou mesmo do sistema educacional, com todas as conseqüências
“lamentáveis” desse processo.12
A objeção é de que ao incremento da capacidade de leitura não correspon-
de um incremento na sua qualidade. Ao contrário, a centralização da produ-
ção, a preocupação com os lucros e o crescimento do número de leitores impli-
Rupturas
Em certos momentos Hoggart detém-se sobre as mudanças ocorridas em con-
seqüência da massificação da cultura, com ênfase nos efeitos negativos dessa
massificação; em outros – e por mais que pretenda o contrário – produz uma
romântica declaração de amor à cultura da classe trabalhadora. Essa
Mas Williams só tinha, então, condições de dizer que esse uso inadequa-
do era decorrente da própria tentativa de Marx em esboçar uma teoria
cultural a partir das relações entre infra-estrutura e superestrutura; era
decorrente, sobretudo, da interpretação posterior que se fez desses termos,
considerando-os como categorias de descrição da realidade e não como “uma
sugestiva analogia”.
É claro que Williams estava em busca de uma teoria cultural que permitisse
abordar aquilo que lhe parecia ser uma questão fundamental: a cultura da
classe trabalhadora; e somente um conceito largo de cultura, que não reduzisse
a cultura a seus artefatos ou a um corpo de trabalho imaginativo permitiria isso.
Já que a classe trabalhadora, por sua própria posição, não produziu uma cultura
no sentido mais estrito, caberia então buscar uma formulação que permitisse
considerar outras contribuições da classe trabalhadora. E Williams encontra:
A cultura que [a classe trabalhadora] produziu e que é importante assi-
nalar é a instituição democrática coletiva, seja nos sindicatos, no movi-
mento cooperativo, ou no partido político. A cultura da classe trabalhado-
ra, nos estádios através dos quais vem passando, é antes social (no sentido
em que criou instituições) do que individual (relativa ao trabalho intelec-
tual ou imaginativo). Considerada no contexto da sociedade, essa cultura
representa uma realização criadora notável (Ibidem, 335).
O s Estudos Culturais podem ser vistos como produto de uma dada circuns-
tância histórica fortemente associada com o desenvolvimento da New Left, na
Inglaterra da segunda metade dos anos de 1950, e sua natureza socialista,
preocupada com a abolição dos privilégios econômicos e educacionais e inte-
ressada em envidar esforços em prol do enriquecimento social e cultural da
vida da classe trabalhadora. A New left review, quando editada por Stuart Hall,
afirmava que todas as formas de expressão têm sua própria validade e todas
demandam uma apreciação rigorosa (cf. Schulman, 1998:s/pg), premissa que
justifica o interesse de uma parcela da intelectualidade inglesa por investigar
as formas de expressão da cultura popular.
Entretanto, ainda que alguma afinidade houvesse, não se pode dizer que
o início dos Estudos Culturais estivesse claramente marcado pelo marxismo ou
que já ali eles se definissem como uma teoria cultural marxista. Nenhuma das
três obras fundadoras dos cultural studies podem ser consideradas marxistas,
nem mesmo Cultura e Sociedade, que foi escrito dentro de um enquadramento
no qual o marxismo era uma referência fundamental para quem quer que
pretendesse dar conta das relações entre a cultura e o conjunto de instituições
e práticas sociais. Essa influência marxista se evidencia, por exemplo, no inte-
resse de Williams em conceber a classe social como um elemento definidor da
experiência cultural e no seu reconhecimento da contribuição que o marxismo
pode dar para pensar a cultura. Mas o próprio Williams, ainda assim, se dizia,
em Cultura e sociedade, “um não-marxista” (Williams, 1969:287).
Embora não se possa dizer que marxismo e Estudos Culturais tenham reco-
nhecido imediata afinidade, o contexto de formação da New Left na Inglaterra, e,
portanto, de formação dos principais intelectuais ligados aos Estudos Culturais,
Notas
1. Embora o conceito de hegemonia tenha sofrido, no interior do próprio pensamento gramsciano, uma série
de modificações e extensões ainda não cabalmente identificadas, não parece haver conceito mais difundido e
ao qual mais se recorre para pensar a cultura na perspectiva de uma estratégia revolucionária. Ver GRAMSCI,
1978; GRAMSCI, 1985; GRAMSCI, 1991. Uma análise do conceito de hegemonia, tal como aparece em Gramsci,
pode ser encontrada em ANDERSON, 1986:07-74.
2. Ver ALTHUSSER, 1979; ALTHUSSER et al., 1979.
3. Ver LACAN, 1992.
Além disso, o signo vê-se marcado pelo “horizonte social” de uma época e
de um grupo social determinados:
...é preciso supor... um certo ‘horizonte social’ definido e estabelecido
que determina a criação ideológica do grupo social e da época a que
pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa literatura, da nos-
sa ciência, da nossa moral, do nosso direito (Ibidem, 112).
Essa “ideologia anônima” que faz com que “tudo na nossa vida cotidiana [seja]
tributário da representação que a burguesia criou “para ela e para nós”, das
relações entre o homem e o mundo” (Id.1993a:161), que faz com que a ordem
burguesa seja vivida como uma ordem natural, manifesta-se nas representações
da cultura e mostra-se também, de modo ainda mais “espesso”, na cultura cotidia-
na, nas cerimônias civis, nos rituais, nas normas não escritas da vida em sociedade.
Barthes procederá a uma extensão do conceito de “linguagem” a toda
unidade significativa de modo a poder aplicar a análise semiológica à fotogra-
fia, ao cinema, à publicidade, mas também aos esportes, aos espetáculos, aos
casamentos, ao turismo, aos brinquedos; enfim a todas as “falas” que podem
servir de suporte às mensagens ideológicas:
Entender-se-á portanto, daqui para diante, por “linguagem”, “discur-
so”, “fala” etc., toda a unidade ou toda a síntese significativa, quer seja
verbal ou visual: uma fotografia será, por nós, considerada fala exata-
mente como um artigo de jornal; os próprios objetos poderão transfor-
mar-se em fala se significarem alguma coisa... (Ibidem, 133).
Eco se perguntava como uma obra de arte podia postular, de um lado, uma
livre intervenção interpretativa a ser feita pelos próprios destinatários e, de
outro, apresentar características estruturais que ao mesmo tempo estimulas-
Nessa conferência Umberto Eco antecipa algumas questões que serão cen-
trais para as posteriores análises de recepção dos Estudos Culturais. Em pri-
meiro lugar, Eco chama a atenção de que os códigos, esses sistemas de conven-
ções comunicativas, são aplicados a uma mensagem “à luz de um ‘quadro de
referência cultural geral’, que constitui o patrimônio de ‘saber’ do receptor: a
sua posição ideológica, ética, religiosa, as suas disposições psicológicas, os seus
gostos, os seus sistemas de valores, etcetera’ (Ibidem, 379). ‘Quadro de refe-
rência’ que se poderia também chamar de ‘ideologia’, ‘um sistema de assunções
e expectativas’ que interage com a mensagem e determina a escolha dos
códigos à cuja luz deve ela ser decodificada” (Ibidem, 379).
Depois, antenado com o tipo de preocupações da época, ou seja, a conside-
ração da linguagem como o lugar da luta de classe – ou como dirá Stuart Hall
É nesse sentido que Eco proporá uma solução de guerrilha para o proble-
ma do poder dos meios de comunicação, “uma ação para impelir o público a
controlar a mensagem e suas múltiplas possibilidade de interpretação” (Ibidem,
174). Essa solução de guerrilha implica procedimentos de educação crítica do
receptor, levados a termo por instituições educacionais, partidos políticos etc.
de modo que ele possa subverter os significados de uma dada mensagem.
O que importa ressaltar da contribuição de Eco não é tanto sua proposta de
uma guerrilha semiológica – embora tal proposta venha a ser amplamente
assumida nos anos de 1970 e 1980.5 Importa ressaltar o fato de que ele chama
a atenção para a necessidade de se considerar uma mensagem (televisiva, no
caso) como um fato comunicativo, o que implica considerá-la como um sistema
de signos. Depois, em relação a isto, e o que é decisivo para a ênfase que será
posta nos processos receptivos: o significado da mensagem muda de acordo
como o código com que o receptor a interpreta e que esse código é determina-
do pela situação socioantropológica do receptor, pelo quadro de referência
cultural geral no qual a situação comunicativa se insere.6
O privilégio, nesse modelo proposto por Hall, recai sobre a forma “discursiva”
da mensagem e com isso Hall pretendia dispersar o behaviorismo que se tinha
instalado na investigação dos meios de comunicação. Ao afirmar que é na forma
discursiva que a produção e circulação dos produtos comunicativos acontecem e
que é também na forma discursiva que seu consumo se dá, Stuart Hall, apoiado
na semiologia estruturalista que se praticava na época, traz para o âmbito dos
Estudos Culturais o postulado de que o processo comunicativo não se refere de
imediato a uma relação de estímulo e resposta, mas trata de mensagens que são
organizadas e consumidas por intermédio da operação de códigos.
Antes que essa mensagem possa ter um ‘efeito’ (de qualquer modo defi-
nido), satisfazer uma ‘necessidade’ ou ser colocada em ‘uso’, ela deve
primeiro ser apropriada como um discurso significativo e ser significativa-
mente decodificada. É essa série de sentidos decodificados que ‘tem um
efeito’, influencia, diverte, instrui ou persuade com conseqüências
perceptivas, cognitivas, emocionais, ideológicas ou comportamentais ver-
dadeiramente complexas. Num momento ‘determinante’ a estrutura
emprega um código e produz uma ‘mensagem’; em outro momento de-
terminante a mensagem, através de sua decodificação, desemboca na
estrutura das práticas sociais. Estamos agora completamente cientes de
que essa reentrada nas práticas de recepção e ‘uso’ da audiência não
pode ser compreendida em termos comportamentais (Ibidem, 93).
Notas
1. Ver SAUSSURE, 1995:44: “Podemos portanto conceber ‘uma ciência que estude a vida dos sinais no seio da
vida social’; ela formaria uma parte da psicologia social e, por conseguinte, da psicologia geral. Chamar-lhe-
emos ‘semiologia’ (do grego sêmeion, ‘sinal’). Estudaria em que consistem os sinais, que leis os regem. Uma
vez que ainda não existe, não podemos dizer o que será; mas tem direito à existência e o seu lugar está desde
já determinado. A lingüística não é mais do que uma parte dessa ciência geral, as leis que a semiologia
descobrir serão aplicáveis à lingüística, e esta achar-se-á assim ligada a um campo bem definido no conjunto
dos fatos humanos.”
2. Ver BARTHES, 1993b.
3. Esta conferência de Eco foi resultado de um trabalho interdisciplinar de investigação realizado na Itália e
que tinha, entre outros participantes, Paolo Fabbri.
4. “Chama-se ‘Código’ um sistema de convenções comunicativas que constituem as regras de uso e
organização de vários significantes” (Eco, 1990:372).
Para elaborar uma história social dos usos da televisão, Williams remonta à
fase de consolidação da imprensa na Grã-Bretanha e mostra que ela se relaci-
Leitor, telespectador, receptor não são aqui sujeitos textuais, mas sujeitos
sociais, o que significa, para os Estudos Culturais, sujeitos que têm uma história,
vivem numa formação social particular (que deve ser compreendida em relação
a fatores sociais tais como classe, gênero, idade, região de origem, etnia, grau de
escolaridade) e que são constituídos por uma história cultural complexa que é ao
mesmo tempo social e textual.
Nesse sentido, o prazer que as leitoras pesquisadas por Janice Radway ex-
traem de sua leitura dos romances é uma forma de resistência ou de subversão.
Em sua investigação empírica, Radway encontrou algumas leitoras que conta-
ram que optaram pela leitura de novelas mesmo diante da reprovação de seus
maridos e que buscavam nessa literatura um modo de, mesmo que silenciosa-
mente, defender os valores femininos e criticar os masculinos. Essa prática aca-
bava por se tornar uma maneira de alcançarem maior autoconfiança, de afirma-
rem-se mais fortemente e resistirem ao poder masculino na família.
Uma outra tendência de análise do consumo cultural estaria melhor caracte-
rizada pelos desenvolvimentos norte-americanos dos Estudos Culturais,
marcadamente pelas investigações de John Fiske que, em sua análise do consu-
mo dos produtos que giram em torno de Madonna, enfatiza o modo como jovens
retiram prazer do processo de produção de sentido. Nessa tendência, ainda que
inserida nos marcos dos Estudos Culturais, a concepção das relações entre po-
der, cultura e sociedade refletiria uma postura considerada menos politizada em
relação à sociedade e, portanto, também, em relação às práticas de consumo.
Estratégias de Resistência
A investigação que resultou na publicação, em 1985, de Watching “Dallas”:
soap opera and the melodramatic imagination, de Ien Ang, é considerada uma
das mais interessantes abordagens etnográficas da audiência, sobretudo pela
técnica etnográfica incomum que ela adotou. Ang colocou um anúncio em uma
Etnografia da Audiência
Esse estudo de Ien Ang representa um momento inicial do que se veio a
denominar “etnografia da audiência” ou etnografia do público.
A maioria dos estudos sobre recepção se limita à análise das especifici-
dades de certos encontros texto/público; os métodos utilizados são qua-
litativos (entrevistas em profundidade e/ou observação participante), e
sobretudo se insiste na descrição detalhada da maneira na qual o
público negocia com os textos e com as tecnologias dos meios. Neste
sentido, a análise da recepção poderia muito bem chamar-se: ‘etnografia
do público e dos meios’ (Ang, 1997a:87).9
Notas
1. Ver Parte I, Capítulo 3, item Usos e gratificações (p.61).
2. The “Nationwide” Audience é uma obra com edição esgotada. Nossas limitações de acesso a bibliografia
estrangeira fora de circulação nos obrigaram a utilizar um livro mais recente de Morley, publicado no início da
década de 1990. As referências que aqui trazemos são de Television, Audiences and Cultural Studies. Mas
chamamos a atenção de que toda a segunda parte desse livro, “Classe, ideologia e interpretação”, é dedicada
a reapresentar as pesquisas de Morley sobre o programa da BBC. Morley utiliza o argumento de que é
justamente o fato de que as duas obras que resultaram da pesquisa estão hoje esgotadas que justifica sua
reapresentação de modo tão detalhado.
3. Ver no Capítulo 3, da Parte I, especialmente no item Agenda-setting (p.80), que a experiência direta dos
acontecimentos divulgados pelos meios de comunicação era uma variável importante para a hipótese do
agenda-setting. Seus investigadores, ao examinar as condições sob as quais a agenda-setting influencia ou não,
já apontavam para as “condições contingentes” que limitam o estabelecimento de uma agenda. Apelavam
para o conceito de “necessidade de orientação” e para a relação entre “entorpecimento/não entorpecimento”,
que diz respeito ao modo como os acontecimentos interferem na vida cotidiana dos indivíduos. Segundo esses
investigadores, a influência da agenda dos meios de informação aumenta com o grau de necessidade de
orientação entre a audiência, mas essa influência se apoia prioritariamente em temas não entorpecedores e
distantes do pessoal.
4. Em nossa dissertação de mestrado um dos exemplos mais esclarecedores sobre as mediações familiares na
recepção televisiva infantil foi o de uma menina da classe média, que tinha no pai, um sindicalista com sólida
formação política e cultural, um forte elemento de mediação na sua relação com a TV: ela, assim como os
irmãos, quase não se interessavam pela televisão e quando o faziam, faziam-no de maneira absolutamente
criteriosa. Seu programa preferido na época era o Rá Tim Bum, um educativo produzido pela TV Cultura de São
Paulo e transmitido ao resto do País pelas tevês educativas. O Rá Tim Bum destinava-se a crianças entre três e
seis anos e visava prepará-las para iniciarem o ciclo escolar. Com o slogan “Aprender é divertido”, o programa
obtinha em média seis pontos de audiência. Ver GOMES, 1995, em particular o Capítulo 2, Ingenuidade e
Recepção: As relações da criança com a TV.
5. Na Parte I, capítulo 3 Efeitos sociais (p.53), quando tratamos da teoria do ouvinte formulada por Theodor
Adorno, vimos que ele entende (ADORNO. 1986a: 115-146) que os hábitos de audição seriam formados por um
processo de repetição, reconhecimento, identificação, posse – ou propriedade – e aceitação, sendo que a
K laus Bruhn Jensen e Karl Erik Rosengren (1997) entendem que há cinco
tradições de investigação sobre a articulação entre os media e seus públicos: a
investigação sobre os efeitos, a investigação sobre os “usos e gratificações”, o
enfoque culturalista, as análises de recepção e a análise literária. Nesta última,
os autores colocam tanto a “estética da recepção”, como ela foi trabalhada por
Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser,1 e a reader-response theory, marcadamente
ao tratamento que lhe dá Stanley Fish,2 quanto estudos empíricos sobre recep-
ção da literatura, realizados sob as mais diversas orientações teóricas. As con-
tribuições dos estudos literários não foram consideradas neste livro, ou só o
foram de modo muito parcial e diagonal, mediante as abordagens engendra-
das pelos Estudos Culturais, o que certamente constitui uma de suas mais
sérias limitações.
Tratamos aqui das outras tradições apontadas por Jensen & Rosengren,
mas rejeitamos a dissociação que eles fazem entre a corrente dos usos e grati-
ficações e a tradição dos efeitos e entre as análises de recepção e os Estudos
Culturais. No primeiro caso, discordamos da separação por entendermos que
a corrente dos usos e gratificações, apesar de realizar uma crítica aos estudos
dos efeitos, não representa um corte radical com seus postulados mais fulcrais.
Recusamos a distinção entre as análises de recepção e os Estudos culturais
porque entendemos que, rigorosamente, as análises de recepção são as inves-
tigações empíricas sobre a relação entre media e audiência realizadas dentro
do quadro teórico-metodológico dos Estudos Culturais.
A corrente dos “usos e gratificações”, ainda que tenha tido o mérito de
explicitamente falar na atividade dos receptores, o que faz com que Jensen e
Rosengren a apartem dos estudos dos efeitos, é, rigorosamente, uma herança
222 Conclusão
mos Mcquail (1997:18), Ronsini (1999:02) e os próprios Morley, Ang e Radway –
a análise de recepção é efetivamente a pesquisa empírica realizada nos mar-
cos dos Estudos Culturais, mais que uma tradição independente.
Na primeira parte deste livro, procedemos a uma apresentação e avaliação
da “tradição dos estudos dos efeitos”, que, em verdade, engloba uma varieda-
de de hipóteses e correntes de investigação e algumas abordagens mais pro-
priamente teóricas. Na segunda parte, concentramo-nos na “tradição de aná-
lise da recepção”, que, diferentemente dos estudos dos efeitos, implicam o
tratamento da relação entre “media e receptores” oferecida por uma corrente
de investigação muito claramente delimitada, a dos cultural studies.
Nosso objetivo, ao analisar diferentes abordagens da relação entre media e
receptores, foi entender o modo como descrevem e interpretam o “encontro”
entre os meios de comunicação de massa e suas audiências – o que implica
considerar como interpretam e descrevem os media, os receptores e o processo
receptivo propriamente dito. Não se tratou simplesmente de identificar qual a
descrição mais detalhada ou verdadeira, nem de estabelecer qual a interpre-
tação mais adequada, embora algumas vezes tivéssemos mostrado a
inadequação de algumas delas. Nossa intenção, muito mais modesta, foi explo-
rar as contribuições que elas oferecem para a compreensão do processo comu-
nicativo.
Os estudos dos efeitos são aqueles que apresentam em comum a preocu-
pação em entender quais são e como se produzem os efeitos dos media sobre
seus receptores. O que está em jogo, no mais das vezes, é compreender as
relações entre Comunicação e Poder, a comunicação sendo entendida, em ge-
ral, como todos aqueles “procedimentos por meio dos quais uma mente pode
influenciar outra” (Weaver, 1993:415).
Os media são concebidos como a causa dos efeitos. Eles são transmissores
ou disseminadores de mensagens. A expressão “meios de comunicação” ao
mesmo tempo em que remete indistintamente aos veículos de comunicação –
suportes técnicos usados na comunicação (o rádio, a TV, o cinema, as revistas,
os jornais) – pode ser uma metáfora para tratar das mensagens e conteúdos
que por eles são veiculados. Na verdade, como a ênfase é posta no processo de
transmissão de mensagens, pouca atenção é dada às características técnicas
dos veículos. Raramente se leva em consideração as diferenças que caracteri-
zam cada meio de comunicação em particular; procura-se, antes, analisar como
as mensagens são construídas e que conteúdos ela carrega. As mensagens são
entendidas como portadoras de um conteúdo, que pode ser explícito ou implí-
cito, mas quase sempre é intencionalmente determinado.
224 Conclusão
que cumprem na formação do patrimônio cognitivo, cultural e social dos re-
ceptores. A idéia é a de que os media “criam” a cultura, o ambiente simbólico e
cognitivo no qual os indivíduos vivem.
Os receptores são entendidos de início como uma massa de indivíduos
anônimos, fácil de conduzir, absolutamente à mercê dos poderosos meios e
emissores; ou, o que não é contraditório, como indivíduos socialmente isola-
dos. Mas aos poucos começa-se a levar em consideração características
socioestruturais e culturais dos indivíduos que integram a audiência, tais como
grau de instrução, classe social, profissão, faixa etária, gênero, e outros mais
relativos ao grau e tipo de consumo dos mass media. Vai-se mostrando, pouco
a pouco, que os receptores não comparecem vazios à relação com emissores,
meios e mensagens. Essas características funcionam como “filtros” ou “instân-
cias mediadoras” e serão responsáveis por determinar a “seletividade” e, por-
tanto, a limitar os efeitos.
A noção de mediação não aparece, nesse caso, para dar conta do modo
como os media constituem, eles mesmos, uma mediação entre homem e mun-
do. Trata-se, na verdade, do fato de que há elementos de mediação entre os
próprios media e os receptores. A mediação, nos estudos dos efeitos, é trazida
em causa como argumento para explicar o modo de produção dos efeitos,
diretos/indiretos. A seletividade, por seu turno, determina a intensidade de sua
força: se há seletividade, os efeitos são limitados, constituindo-se, no mais das
vezes, em mero reforço de atitudes já existentes; se não há seletividade (seja
porque os indivíduos estão socialmente isolados e, por exemplo, sem sofrer a
mediação das relações pessoais, seja porque os meios de comunicação, a tele-
visão principalmente, apresentariam determinadas características de confi-
guração técnica e social que reduziriam a capacidade de exposição e percep-
ção seletivas), então há fortes poderes.
Os estudos em torno dos efeitos limitados, com a consideração das media-
ções, e os estudos dos efeitos a longo prazo, lograram nos afastar da metáfora
da agulha hipodérmica, segundo a qual os media “injetam” seus conteúdos
diretamente em cada membro da audiência, produzindo sua imediata absor-
ção. Os receptores já não são mais diretamente atingidos, o efeito não se
produz de imediato. Nesse sentido, os estudos dos efeitos sofisticaram-se,
acolheram um leque mais amplo das influências dos media na sociedade e na
cultura, apontaram algumas variáveis que podem interferir na sua efetivação
– ampliando ou diminuindo seu grau de importância e sua intensidade. Mas o
modo mesmo de olhar o processo comunicativo procurando por seus efeitos é
um modo de subjugar o receptor. O receptor ainda é “alvo”, mudo, “passivo”.
226 Conclusão
estudos de recepção, pela postulação da sua atividade, e sobretudo, pelos
objetivos que guiam esse olhar – um projeto político de transformação social.
Os efeitos são uma conseqüência do processo comunicativo e, desse modo,
a miríade de hipóteses e correntes de investigação que analisamos tendem a
retratar o processo comunicativo como um “circuito”, como a transmissão de
um estímulo por intermédio de um canal. É claro que dos anos de 1940 até hoje
ocorre uma sofisticação do modelo. Mas, na maior parte das vezes, sem que se
refutem seus pressupostos fundamentais.
A teoria da informação possibilitou uma descrição do sistema de comunica-
ção bastante duradoura. Até hoje, ainda que seja para lhe fazer críticas ou
acréscimos, ao se falar de comunicação parte-se do modelo matemático: a
comunicação é uma cadeia formada por uma “fonte de informação”, um “emis-
sor ou codificador”, que transforma uma “mensagem” em “sinais” a fim de a
tornar transmissível; um “canal” que é o meio utilizado para o transporte da
mensagem; um “decodificador ou receptor”, que reconstitui a mensagem a
partir dos “sinais”; e o “destinatário”, que é a pessoa ou coisa a quem a mensa-
gem é transmitida.
Nesse modelo, a função do emissor é codificar e a do receptor é decodificar
a mensagem. A decodificação é o processo por meio do qual o destinatário “lê”
os sinais – de acordo com o código em que a mensagem foi elaborada, e
interioriza seus conteúdos. O receptor da mensagem não pode senão registrar
a realidade objetiva transportada pelo canal. Aqui há uma simples interiorização,
sem criação. E a mensagem não é mais que um objeto material a ser transmi-
tido do emissor ao receptor. O modelo matemático da comunicação repousa
sobre uma dicotomia, emissor-receptor ou codificação-decodificação. Afirma-
se, com efeito, a distinção emissor-receptor e introduz-se um canal entre eles.
No esquema matemático, a comunicação se realiza por ações pontuais que
visam determinados objetivos. Emissor e receptor são pólos opostos, separa-
dos, que definem uma origem e um fim. A comunicação é entendida como um
esquema de transmissão mecanicista e linear. Foram essas linearidade e frag-
mentação as grandes responsáveis pela perenidade do modelo matemático:
elas permitem uma análise seqüencial e estrutural. O modelo matemático “é
regido por princípios que sustentam a nossa cultura ocidental e que resistem
a todo o esforço de análise e destruição” (Sfez, 1991:27).
No modelo matemático da comunicação, os processos comunicativos são
assimétricos, na medida em que existe um sujeito ativo que emite o estímulo e
um sujeito passivo que é impressionado por esse estímulo e que reage. A
comunicação é intencional: o início do processo, por parte do comunicador,
228 Conclusão
práticas sociais mais amplo, em geral reconhecido como “sociedade”, dirige o
foco da sua atenção para os processos ativos e conscientes de construção de
sentido na cultura. A “cultura” é entendida como a esfera na qual se naturali-
zam e se representam as desigualdades sociais. Mas, ao mesmo tempo, “cultu-
ra” é também o meio pelo qual os diferentes grupos subordinados vivem e
opõem resistência a essa subordinação. Assim, a cultura é o terreno onde se
desenvolve a luta pela hegemonia.
É a preocupação dos Estudos Culturais com as relações entre linguagem e
ideologia, preocupação que tinha como origem um projeto político de trans-
formação social – projeto que impunha ao trabalho intelectual a responsabili-
dade de fornecer os subsídios para atuação em favor da construção de uma
nova hegemonia – que os leva, progressivamente, ao interesse pelo receptor.
A consolidação da indústria cultural, principalmente com o aparecimento da
televisão, colocava os investigadores críticos frente à necessidade de entender
as relações entre cultura, consciência e linguagem e, portanto, de compreen-
der o modo como as indústrias culturais moldavam a consciência das pessoas.
É claro que, no início, o interesse estava em compreender como os “textos” da
cultura representavam a ideologia dominante, mas posteriormente isso já não
foi suficiente e os Estudos Culturais voltaram-se para o modo concreto como os
sujeitos empíricos negociavam os sentidos ideológicos das mensagens e resis-
tiam aos seus apelos. A noção de que a ideologia é um verdadeiro lugar de
luta, a atribuição de poder aos sujeitos e grupos para intervir nos sistemas
políticos e significantes e o entendimento dos media como lugar de construção
da hegemonia vão justificar o surgimento daquilo que se denominou “estudos
de recepção” dos media.
Os investigadores dos Estudos Culturais procuram entender a recepção não
como uma etapa do processo comunicativo, mas como o seu sinônimo, na medida
em que é o próprio processo de recepção que instaura a troca comunicativa. No
intuito de procurar compreender as relações entre cultura, comunicação e po-
der, ou seja, compreender os processos de comunicação de massa e o modo como
uma mensagem ou texto efetivamente produzem ideologia, eles tentam deslo-
car a atenção da mensagem para a relação comunicativa entre a mensagem e
seus receptores. Para entender o sentido de uma mensagem é necessário
considerá-la enquanto interpretada “por uma dada situação” psicológica, histó-
rica, social, antropológica. Leitor, telespectador, receptor não são aqui sujeitos
textuais, mas sujeitos sociais, o que significa, para os Estudos Culturais, sujeitos
que têm uma história, vivem numa formação social particular (que deve ser
compreendida em relação a fatores sociais tais como classe, gênero, idade, re-
230 Conclusão
claros e conscientes, no caso, a satisfação de necessidades psicológicas indivi-
duais. Para os estudos de recepção, a atividade dos receptores é mais comple-
xa. Em alguns momentos, de fato, pode-se acusar a “atividade física”. Mas, em
geral, postular essa atividade do receptor significa postular que: 1) os recepto-
res são sujeitos sociais; 2) os receptores “carregam” para o seu encontro com os
media toda a sua cultura – argumento dos Estudos Culturais desde as investi-
gações de Richard Hoggart e Raymond Williams –, a sua posição na estrutura
social – ênfase de Hall, porém mais concretamente de David Morley –, e o
contexto particular de sua inserção na sociedade, descrito em relação a fatores
sociais tais como gênero, etnia, idade; 3) esses elementos extralingüísticos
determinam os códigos que os receptores usarão para interpretar as mensa-
gens; 4) como há uma enorme variedade de contextos sociais e culturais, há
uma equivalente multiplicidade de leituras possíveis.
Há, quase sempre, uma associação entre os dois principais pressupostos
dos estudos de recepção, o de que a audiência é sempre ativa e o de que as
mensagens dos meios são polissêmicas. Mas não se entende polissemia como a
entendia Barthes, para quem a polissemia é um “estádio rudimentar da escri-
tura” (Barthes, 1993b:47). Antes, polissemia tem sido entendida, no sentido
que lhe deu Bakhtin ao se referir à multiacentualidade da linguagem, como
sua abertura a diferentes interpretações. A conseqüência da polissemia,5 para
os Estudos Culturais, é que ela deixa margem a que os receptores elaborem
“uma leitura diferente”, a partir de sua inserção nos contextos sociais mais
amplos. Em outros termos, polissemia implica a solicitação da atividade do
receptor. Às vezes, demonstrar a “diversidade de sentidos” construídos é, em
si mesmo, uma prova da atividade dos receptores.
A consideração do contexto extralingüístico, da situação social concreta
onde ocorre a interação entre media e receptores implica uma opção
metodológica dos estudos de recepção em abordar o processo receptivo a
partir do conjunto das variáveis que levam os receptores a interagir com os
meios. Essa opção metodológica aproxima-se daquela adotada pelos investi-
gadores dos “efeitos limitados” e nos leva de volta à idéia de “seletividade”.
Apesar de afirmar o receptor como sujeito ativo, sua lógica nos leva a
compreendê-lo como alvo, como local de chegada das influências das várias
instâncias “mediadoras”, o que de qualquer modo denota a idéia de passivida-
de. Por exemplo, atribuir às instituições sociais o papel de reforço ou de sub-
versão das mensagens veiculadas pelos media parece-nos, outrossim, uma
reedição do modelo do two step flow of comunicacion, imputando às institui-
ções o papel de “filtro”, de agenciador, reforçador ou indutor de mudanças de
232 Conclusão
sociais. Mas o objetivo de intervenção social não é exclusividade de Guillermo
Orozco. Ele é formulado por Barbero, por Morley, por Ang, por Radway, por
Hall. Lembremos que a inserção do trabalho intelectual num projeto político
mais amplo foi definido por Hall como sendo a característica mais sólida dos
Estudos Culturais e, de fato, esse “engajamento” aparece na corrente inglesa
desde Hoggart até hoje. Janice Radway conclama as feministas a adotarem
estratégias educacionais baseadas em seus achados empíricos e analíticos; Ien
Ang enfatiza a necessidade de tornar o prazer que as telespectadoras tiram de
Dallas politicamente produtivo, inserindo-o num plano de ação feminista. O
engajamento do trabalho intelectual em “estratégias emancipadoras” é apon-
tado por Schroder (1987:26) como a principal distinção entre a investigação na
tradição dos estudos críticos e a investigação na tradição da Sociologia da
comunicação, que, no mais, estariam tendendo a uma convergência.6
A capacidade dos Estudos Culturais de formular uma crítica cultural e
política e analisar as práticas receptivas na perspectiva de sua articulação com
as relações de poder tem sido demonstrada ainda hoje. Afirmar que a produ-
ção de sentido não é somente uma questão de significação, mas sobretudo
uma questão de poder tem constituído o esforço do trabalho investigativo de
quase todos os investigadores que analisamos nesta segunda parte do livro.
Mas parece haver, em alguns momentos, uma divergência sobre o que é mes-
mo o poder e quais os limites entre sua dimensão textual e sua dimensão
social. Essa divergência reflete-se, marcadamente, nas investigações norte-
americanas, cujo distanciamento do marxismo tenderia a exacerbar a ênfase
na dimensão textual do poder.
Stuart Hall talvez seja o intelectual ligado aos Estudos Culturais que mais
tenha, nos dias de hoje, evidenciado sua insatisfação com alguns desenvolvi-
mentos mais recentes dos Estudos Culturais, sobretudo com sua internacio-
nalização (ou americanização). Para Hall, investigar a cultura impõe-nos a con-
vivência com uma permanente tensão, aquela entre ter que reconhecer a
dimensão textual das questões culturais ao mesmo tempo em que se reconhe-
ce também que a textualidade não é nunca o bastante; aquela de ter que
reconhecer que a textualidade é o lugar do exercício do poder, mas, ao mesmo
tempo, que o poder tem uma dimensão não textual. Ele chama a atenção para
o fato de que a cultura sempre opera por meio da textualidade, mas que, ao
mesmo tempo a “textualidade nunca é suficiente” (Hall, 1996a:271). É claro que
as questões políticas e de poder são sempre questões de representação, são
sempre questões discursivas. Entretanto, são também questões que escapam
à mera textualidade. Os Estudos Culturais nunca se afastam da assunção de
234 Conclusão
Os estudos de recepção mantêm a ênfase, própria do modelo informacio-
nal, na questão da mensagem. Embora às vezes se anuncie uma superação da
determinante mecanicista de tal modelo, na medida em que a ênfase sairia da
transmissão das mensagens e seria transferida aos processos de construção
de sentido, a rigor, a preocupação ainda está posta na decodificação, nas leitu-
ras ideológicas, na capacidade de resistência dos receptores aos conteúdos
ideológicos. Permanece ausente dos Estudos Culturais a questão da sensibili-
dade, por exemplo, que McLuhan e Benjamin já haviam apontado. Quando se
referem ao “prazer”, é ao prazer de subverter a mensagem (Fiske), ao prazer
de burlar o autoritarismo masculino (Radway). Os Estudos Culturais calam-se
sobre a fruição dos produtos culturais; preocupam-se com os modos de resis-
tência às suas mensagens. Em decorrência de sua inserção num projeto políti-
co, os Estudos Culturais não dizem uma palavra sobre o prazer físico que o
receptor pode tirar de sua interação com os media; toda a ênfase é posta no
prazer intelectual de subverter uma mensagem entendida como conteúdo
estrategicamente orientado. O prazer é motivado, visa ao enfrentamento.
Em que pesem as críticas a algumas abordagens mais recentes dos Estu-
dos Culturais, elas trazem algumas questões importantes, como o prazer, a
corporalidade, a fantasia, o afeto, o desejo, a transgressão para enriquecer a
análise da recepção da cultura e cooperam para o entendimento de que a
recepção aos media não se restringe a um problema de interpretação de uma
mensagem, entendida no sentido discursivo, lingüístico, mas remete também
a questões de percepção e sensibilidade.
Os estudos da recepção puderam instituir o espaço para uma revisão das
teorias da comunicação, mas na medida em que se transformam em investiga-
ção empírica qualitativa de audiência, na medida em que a ênfase é posta
sobre as situações particulares dos encontros, a intuição inicial se perde. O que
se ganha, a rigor, em multiplicar ao infinito as etnografias da audiência? “...So-
mente se redescobre, exemplo atrás de exemplo, que os diferentes grupos de
espectadores recorrem a diferentes maneiras de ler os textos que se lhes
propõem” (Dayan, 1997:27). É claro que essa repetição responde a um objetivo
político claramente definido. O que questionamos é se está contribuindo para
os próprios objetivos dos estudos de recepção – pelo menos como o pensaram
Hall, Morley, Barbero, de recusa do modelo matemático; questionamos se as
etnografias estão contribuindo para a compreensão do processo receptivo.
Para Ien Ang, conhecer a audiência parece ser a questão fundamental dos
Estudos Culturais atualmente. Em seu livro mais recente, Desperately seeking
the audience (Ang, 1991b), a autora questiona as formas de acesso à audiência
236 Conclusão
refinamento das metodologias qualitativas de investigação da audiência têm
chamado de tal modo a atenção dos investigadores em comunicação que hoje
a investigação sobre a recepção tem se transformado ela mesma numa meto-
dologia, no sentido de que serve de suporte para análise de outras questões
referentes à comunicação e cultura contemporâneas. Os estudos de recepção
se transformaram, eles mesmos, numa espécie de modelo teórico-metodológico
de investigação em comunicação, mas têm nos deixado desamparados quando
se trata de explicar “o que é mesmo recepção”?
O esforço de investigação sobre a recepção, que começa com uma tentativa
de “articulação das investigações sociológicas e das investigações sobre o tex-
to” (Jensen & Rosengren, 1997:340), vai ganhando um peso sociológico cada
vez maior. Quando a análise de recepção passa a chamar-se etnografia da
audiência, a mudança não é apenas de terminologia. Mudam-se os propósitos.
Se antes a ênfase era entender o processo receptivo – e acreditamos que, com
todos as limitações impostas pela metáfora da “decodificação” e pela metáfora
da “mediação”, esse é o propósito de Stuart Hall, de David Morley e de Jésus
Martín-Barbero – agora a ênfase está em conhecer a audiência, em descrever
seu comportamento.
Na medida em que os estudos de recepção se qualificam como investigação
empírica qualitativa de audiência, eles, do ponto de vista do que nos interessa
neste livro, se empobrecem e, ao invés de marcar uma posição de ruptura em
relação à tradição de investigação da comunicação oriunda da teoria da infor-
mação, significam um refinamento das pesquisas de audiência. A identificação
dos “estudos de recepção” à “pesquisa empírica qualitativa de audiência”
parece-nos extremamente redutora. A redução está em atribuir aos chamados
estudos de recepção a mera função de levantamento e coleta de dados, atri-
buição que se evidencia na afirmação corrente de que os estudos de recepção
são a pesquisa empírica de audiência realizada nos marcos dos Estudos Cultu-
rais. Com isso se perdem de vista as possibilidades que os estudos de recepção
parecem vislumbrar.
Quando Orozco arrola a “mediação televisiva” ou “mediação videotecno-
lógica”, ou seja aquelas características específicas da televisão – sua progra-
mação, gêneros, publicidade, seu grau de representabilidade e verossimi-
lhança, o próprio aparato eletrônico; quando Barbero estabelece a competên-
cia cultural como um campo onde se evidenciam os modos a partir dos quais a
emissão televisiva já ativa, ela mesma, necessariamente – para que suas men-
sagens tenham evidência – as competências culturais inerentes à existência
individual e social de cada um dos receptores e identifica nos “gêneros” os
238 Conclusão
de uma análise do “processo comunicativo”, que, acreditamos, deva, ele sim,
ser colocado no lugar do sujeito da comunicação. Enfim, existem alguns esfor-
ços que parecem ter ficado para trás na seqüência dos estudos de recepção e
que se evidenciam naquela intuição que Hall foi buscar em Barthes, Bakhtin e
Eco, qual seja, o tratamento da questão cultural na perspectiva da semiótica.
Não foi interesse deste livro formular um tratado geral das teorias da recep-
ção – até porque não podemos, a rigor, falar em uma Teoria da recepção, mas sim
numa pilhagem de enfoques advindos de diversas fontes e matrizes conceituais.
Não foi nossa pretensão, também, construir uma Teoria da Recepção (teoria essa
que deveria incorporar todas as contribuições para uma síntese perfeita). É por
esse motivo que adotamos o procedimento de investigar alguns autores que são
mais representativos no esforço de sistematizar uma abordagem sobre o fenô-
meno da relação entre media e receptores, mesmo que não esgotemos suas
idéias e suas obras (usamos suas idéias como metáforas que sistematizam um
certo procedimento intelectual de tratamento do tema).
A principal contribuição deste livro está em desnudar os discursos que
trazem em causa a relação entre os media e seus receptores, mas que: primei-
ro, ou estão preocupados em descrever o que os meios de comunicação fazem
com os receptores; ou, segundo, em descrever aquelas situações concretas em
que a recepção ocorre.
Com estas ressalvas, então, submetemos o resultado da pesquisa ao exame
da comunidade acadêmica, esperando que seu esforço ofereça um bom moti-
vo para prosseguir um debate que, muito longe de estar bem estabelecido e
resolvido, se reabre permanentemente.
Notas
1. Ver JAUSS, 1996; 1994; 1986 e ISER, 1996.
2. Ver FISH.1995.
3. Encontra-se em VALVERDE.1992 uma das leituras mais recentes e interessantes sobre as contribuições de
McLuhan para o problema da comunicação contemporânea.
4. Tal reivindicação é expressa por vários autores ligados aos Estudos Culturais. Ele está presente, por
exemplo, na forma de título de livro sobre os estudos de recepção. Ver WILTON DE SOUZA, 1995.
5. Essa conseqüência é o oposto do que era para Adorno (1986c:102), para quem a polissemia dos meios de
comunicação aparece como mais uma estratégia de captura de sentido (ver página 70, na Parte I). O fato de
que não se pode atribuir aos meios de comunicação uma mensagem inequívoca, o fato de que eles são
organizados de modo a apresentar várias camadas de significados superpostas umas às outras foi entendido
como estratégia para garantir o efeito: com a polissemia buscava-se organizar a mensagem de tal modo que
ela não permitisse a fuga do receptor. Em Adorno, a polissemia não é inerente à mensagem, não remete à sua
vinculação às estruturas sociais, antes, é uma estratégia dos seus produtores.
6. Kim Schroder aponta uma tendência à convergência sobretudo nos métodos de investigação: os estudos
críticos terminaram por ir buscar explicação para seus problemas de pesquisa numa base de dados empírica e
a sociologia da Comunicação estaria cada vez mais se abrindo à metodologia qualitativa.
240 Conclusão
Referências Bibliográficas