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ARTE INTEGRANTE DO JORNAL PÚBLICO N.º 10.548 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
Até quando
vamos
continuar
a comê-los?
P4 a 11
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2 • Público • Domingo, 10 de Março de 2019
4 20 24
85 gramas Crónica
12
Para onde olharam elas?
Índice Conseguiremos
comer menos
Portugal visto por
mulheres fotógrafas
Vingré,
4 de Dezembro
85 gramas de estrangeiras de 1914
carne por dia?
A
violência concreta cho- gência permanente em que vivemos
ca-nos. É normal. e por uma violência omnipresente,
Dão-nos rostos. Vítimas cerrada, de que ninguém fala. Não
e carrascos. Forne- abre telejornais. Não é capa de jor-
cem-nos estatísticas. nais. Não é difícil de perceber por-
Dizem-nos que alguém quê. É uma violência sistémica dis-
é oprimido a cada minuto. A urgência seminada. Não produz efeitos espec-
invade-nos. Exigimos acção imedia- taculares. É cheia de zonas cinzentas.
ta. Tudo nos surge a preto e branco. E não tem rosto. Os responsáveis so-
O consenso social estabelece-se. E mos todos nós que nos resignamos
tomam-se medidas políticas, como a viver, como se fôssemos zombies,
aconteceu agora com a violência do- segundo um modelo capitalista pre-
méstica, embora se actue sobre con- datório que se vai transmutando,
sequências e pouco sobre causas. qualquer que seja a ideologia, gover-
Melhor do que nada, dizem-nos. Não no ou regime.
há tempo a perder, reforçam. E ca- Poder-se-iam imaginar alternati-
lamo-nos. vas. Mas os que detém o poder — ou
Não critico. Constato. Participo na os que são privilegiados por ele —
mecânica. Desejo que essas formas preferem pensar que não as há, e
de violência sejam erradicadas. Mas quem as poderia idealizar parece ter
ao mesmo tempo penso. Por norma sempre algo mais essencial para fazer
olhamos para essa violência visível no imediato. Interrogar essa violên-
e directa, perpetrada por agentes cia de forma séria implicava pormo-
corpóreos, sujeitos malévolos ou tur- nos em causa, enquanto colectivo e
bas fanáticas, como se fosse uma es- indivíduos. E ninguém gosta de se
pécie de elemento intrusivo no fun- colocar em causa.
cionamento habitual das nossas vi- Apetece perguntar: quantos mi-
das. Apreendemos com nitidez os lhões terão morrido por patologias
contornos dessas crueldades. Mas ligadas a alterações económicas e
também podemos Æcar hipnotizados condições sociopolíticas, decorren- A seguir
por elas. Essa excepcionalidade pode tes dos modelos desregrados onde
fazer-nos esquecer da violência sis- estamos imersos? Que correlação George Pell
témica, abstracta, anónima, regular haverá entre o paradigma socioeco-
e tantas vezes invisível a que somos nómico dominante e formas de vio-
submetidos. Faz-nos acreditar que a lência? Não há estatísticas. Até a pro- A condenação do cardeal George igreja, e que foram
violência é um corte com o quotidia- clamação de violências ideológicas Pell já é uma certeza, mas ainda surpreendidos pelo cardeal a
no. Mas será que é mesmo assim? de outros tempos (fascismo ou co- falta conhecer a pena. Aquele beber vinho sacramental nas
Alguns governantes dizem-nos munismo) parece fácil em compara- que se tornou a mais alta figura traseiras da Catedral de São
que, apesar da situação do país ou ção. AÆnal, até existe um manifesto da Igreja Católica (chegou a Patrício, em Melbourne, tendo
da Europa, não se vislumbra violên- comunista. Não existe nenhum ma- tesoureiro do Vaticano) a ser os abusos decorrido na
cia. Não sei por onde andam. Por nifesto do capitalismo desregulado. considerada culpada por abusar sequência desse momento. O
onde ando vejo desigualdades, ex- Mas milhões sofrem em resultado de crianças conhecerá o castigo cardeal continua a declarar-se
clusão, precariedade, desemprego, deste. Não estamos perante um pro- imposto pela lei civil na inocente das acusações, mas o
política reduzida à tecnocracia, fa- cesso objectivo que alguém tivesse quarta-feira, dia 13, depois de um Papa Francisco — que liderou
lhas de representatividade democrá- planeado ou executado. A responsa- longo processo judicial que recentemente um encontro para
tica, modelos económicos obsoletos; bilidade é denegada. É uma violência conheceu vários avanços e debater abusos sexuais da Igreja
pessoas a lutar pela sobrevivência, sem rosto. Mas impiedosa e destrui- recuos. No dia 26 de Fevereiro, Católica — afastou-o do seu
sem auto-estima, zangadas, presas a dora. A verdade é esta: só estaremos num julgamento por júri no conselho consultivo em
lógicas de competição desenfreada, aptos para atenuar as diversas vio- Tribunal Regional de Vitória, Dezembro, sem fazer qualquer
acordando às 5 da manhã para re- lências quando formos capazes de Austrália, o cardeal foi comentário sobre o julgamento.
gressarem a casa à hora de jantar
com ordenados de miséria, deprimi-
destrinçar as muitas formas como se
exercem e como se interligam.
O castigo considerado culpado por ter
abusado há cerca de duas
Para além deste cargo, Pell —
agora com 77 anos — tutelava o
das, ansiosas, doentes, sem futuro;
pessoas marcadas pelo estado de ur- Jornalista
do crime décadas de dois rapazes de 13
anos, que pertenciam ao coro da
Ministério da Economia do
Vaticano. Sérgio B. Gomes
Público • Domingo, 10 de Março de 2019 • 3
Ficha técnica
30 31 32
Tecnologia Emily is Away <3, Estar bem Crónica Ensaio
uma história num Facebook Construir a A África Paisagem Director Manuel Carvalho Directora
de Arte Sónia Matos
de outros tempos resiliência desde nossa do eléctrica Editor Sérgio B. Gomes
Televisão Como se diz a infância: qual o Instagram com Designers Marco Ferreira e Sandra
food porn em chinês? papel do adulto? rebanho Silva Email sgomes@publico.pt
H
á décadas, a a lutar pelo primeiro lugar na “bolha europeia”, sem capacidade comunicação.
Europa era, para economia, na coesão social e na Grande angular de representação, sem A crise de cidadania e de
uns, sonho de paz e ciência. Foi ultrapassada ou António Barreto intervenção nas comunidades participação política na Europa
grande projecto em distanciada pelos Estados Unidos. nacionais e sem interlocução com resulta da metamorfose dos
construção. A paz Está em vias de ser ultrapassada os cidadãos. O Parlamento cidadãos nacionais, uma certeza,
perpétua estava ali, pela China. Já nem sequer deixa a Europeu é um embuste: criado em cidadãos europeus, uma
ao virar do século. Democratas, Rússia a milhas atrás de si. Porto para lutar contra o “déÆce abstracção. Como é efeito da
cristãos sociais, liberais e seguro de tantos exilados, durante democrático”, apenas legitima transferência das soberanias
socialistas empenhavam-se no seu décadas, a Europa estremece hoje esse mesmo déÆce. Importantes nacionais, conhecidas, para a
desenvolvimento. Para outros, era com os imigrantes e os refugiados são as eleições nacionais alemãs. soberania europeia, inexistente. A
a “Europa das burocracias”, a ilegais. crise política é consequência do
O
mando das multinacionais. Para A história de Portugal europeu é que pretende a deÆnhamento dos parlamentos
outros ainda, era a “Europa dos igualmente um êxito. Em 1974, a Europa? A paz? Já nacionais e da emergência de um
monopólios” e do “grande Europa era um atalho para a conseguiu. Integrar parlamento artiÆcial sem
capital”. Mas os gaullistas queriam democracia e o desenvolvimento. todos? Está feito. identidade.
a “Europa das Nações”. E alguns Era o melhor futuro que se Criar as bases para
A
grupos de esquerda propunham a imaginava. A adesão portuguesa a democracia nos soberania europeia
“Europa dos trabalhadores”, foi um dos assuntos menos países europeus? Realizado. não existe. Como
enquanto os comunistas controversos da história do país. Neutralizar as tendências não existem
defendiam o internacionalismo. Foram cometidos erros e imperiais da Alemanha? cidadãos europeus.
O que se seguiu, depois da aceitaram-se dogmas de Cumprido. Criar uma base estável Os cidadãos são
Segunda Guerra, foi uma das mais integração, mas a verdade é que de defesa com os Estados Unidos? nacionais. Que estes
interessantes páginas da história, estes anos de Europa foram Efectuado. Resistir ao comunismo sejam europeus, muito bem. Mas
no capítulo das relações globalmente felizes. soviético? Foi um êxito. Fundar que sejam cidadãos europeus,
internacionais. O continente mais Hoje, para os portugueses, a novos sistemas de livre circulação nem pensar. A cidadania exige e
massacrado durante um milénio Europa é o que é, o que está e o de pessoas, de ideias, capitais e implica reconhecimento e
encontrava meio século de paz. Os que não se nota. A abstenção mercadorias? Executado. O que é identidade, pertença e justiça,
países responsáveis pela morte de eleitoral em Portugal, nas eleições mais confrangedor é que a Europa cultura e tradição! Praticamente
dezenas de milhões de pessoas em de 2014, foi de 66%. O contexto não tem nada para oferecer, a não nada disso existe na Europa, a não
duas guerras criaram um modo de não é muito diferente: em 28 ser o que é e o que está. Oferecer ser dentro dos Estados e das
vida baseado na cooperação. Tudo países, há apenas oito em que a aos cidadãos o que já têm, paz, nações. Para tudo o que é político
isto, com a ajuda decisiva da participação eleitoral é superior a liberdade e livre circulação, não e democrático, os cidadãos
NATO, do alto patrocínio militar metade do eleitorado. Em 20, a parece especialmente excitante. querem tratar com o seu país e a
dos Estados Unidos e da Guerra abstenção é superior a 50%. Certo Mobilizar os eleitores para a sua comunidade, não com a
Fria. é que os portugueses, que se democracia que têm há décadas Europa. Para a justiça e a coesão,
O Mercado Comum passou a declaram favoráveis à Europa em também não é emocionante. os cidadãos olham para os seus
Comunidade e esta a União, mais de dois terços, não votam Olha-se para a Europa e não se vê Estados, não para a Europa.
Æcando quase a coincidir com a nas eleições europeias. o que nos possa dar de novo. Mais A União Europeia pode e deve
Europa continental. Criava-se o Que aconteceu à Europa? Por do mesmo é receita para desastre respeitar a democracia, mas não é
euro e o espaço Schengen, além
de outras formas de cooperação.
que se vota tão pouco? Por que
motivos as pessoas não se
Durante 60 anos, ou abstenção. E dá o Çanco aos
seus inimigos.
democrática. Faz tudo o que se
imagina para diminuir a abstenção
O clube inicial de seis países
atingiu o número de 28 e vai
interessam pelas eleições? Por que
razão os resultados podem ser tão
a Europa Faz algum sentido “lutar contra
a abstenção” e “encorajar a
e aproximar os cidadãos. Mas é
tarefa inútil. As liberdades, a
passar brevemente a 27, graças à
saída da Grã-Bretanha, uma das
diferentes das eleições nacionais?
Há muitas respostas. Os
mostrou uma participação dos cidadãos”? Se
sim, do que se duvida, como fazer
cultura, a ciência e a protecção
social são construções humanas e
mais estúpidas decisões políticas
contemporâneas.
resultados das eleições europeias,
no plano nacional, não têm
folha de serviços para que os europeus se
interessem pela Europa e pelas
sociais, com história e geograÆa,
não resultam da política europeia,
consequências no plano europeu. invulgar de paz e eleições? As respostas são nem de construções jurídicas ou
D
urante 60 anos, a Uma maioria de esquerda, em conhecidas. Mais Europa. Mais de sistemas internacionais de
Europa mostrou
uma folha de
Portugal, não tem qualquer efeito,
porque é anulada por uma maioria
desenvolvimento Parlamento Europeu. Mais sessões
de esclarecimento. Mais colóquios
equilíbrio.
Fizemos uma Europa longe
serviços invulgar de
paz e
de direita, na Holanda. Ou
vice-versa. Mesmo quando os
social. Mas é sobre as benfeitorias da Europa.
Mais subsídios. Mais excursões a
demais. Recuar é difícil. Mudar de
rumo ainda é mais difícil, mas
desenvolvimento
social. Mas é uma história de êxito
resultados variam muito de país
para país, os efeitos Ænais são
uma história de Bruxelas. Mais regiões. Mais votos
obrigatórios. Multas para quem
necessário. Se assim não for, a
alternativa, a liquidação, é
que está a acabar mal. Já não faz
frente ao comunismo, porque não
nulos. O Parlamento é uma
organização híbrida, com
êxito que está não vota. Nada disto serve
absolutamente para nada, a não
desastrosa.
há comunismo. Já não é uma União enormes poderes dentro da a acabar mal ser dar emprego às agências de Sociólogo
85 gra
4 • Público • Domingo, 10 de Março de 2019
Conseguiremos
comer menos
85 gramas de
carne por dia?
Este seria o valor ideal para que a dieta dos
portugueses se aproximasse da alimentação
justa para “salvar o planeta”. Isto signiÄca passar
de um consumo diário de carnes vermelhas
para uma rotina de uma ou duas vezes por
semana. Olhamos para a alimentação neste
último trabalho de uma série sobre o
impacto dos bovinos na nossa vida
Por Alexandra Prado Coelho
amas
Público • Domingo, 10 de Março de 2019 • 5
6 • Público • Domingo, 10 de Março de 2019
E
m média, um adulto em
Portugal consome perto de 100
gramas de carnes vermelhas
por dia. De acordo com um
estudo da revista cientíÆca
Lancet divulgado em Janeiro,
para que seja possível a popu-
lação mundial alimentar-se no
futuro e, ao mesmo tempo, salvar o planeta,
garantindo a sua sustentabilidade, cada pessoa
deveria comer um máximo de 28 gramas por
dia — e, idealmente, uma média de apenas 14
gramas diários.
“Isto signiÆca passar de um consumo de car-
ne a um ritmo diário para uma ou, no máximo,
duas refeições por semana”, diz Duarte Torres,
investigador da Faculdade de Ciências da Nu-
trição e Alimentação da Universidade do Por-
to, que, a pedido do P2, analisou os dados,
comparando o consumo em Portugal com as
metas do relatório da EAT-Lancet, feito por uma
comissão de 37 especialistas internacionais de
16 países. A conclusão? Os portugueses teriam
de reduzir de forma muito considerável a quan-
tidade de carne vermelha que comem (e aqui
inclui-se, seguindo a lógica da Lancet, vaca,
borrego e porco).
Partindo dos dados do Inquérito Alimentar
Nacional e de Actividade Física (IAN-AF, de
2015/16), Duarte Torres analisou o consumo
em Portugal de carnes vermelhas, incluindo
charcutaria e outras carnes processadas, e che-
gou aos seguintes números: para a população
em geral, são 88,2 gramas diários; crianças (dos
3 meses aos 10 anos), 54,6 gr.; adolescentes
(dos 10 aos 18), 95,2 gr.; adultos (18 aos 65) 97,3
gr.; e idosos 64,4 gramas.
Se tivermos como referência os tais 14 gra-
mas diários aconselhados, constatamos que
os portugueses consomem, todas as categorias
incluídas, 98,3% de carne vermelha a mais. No
caso dos adolescentes e adultos, essa percen-
tagem atinge os 99,5%. Note-se que estes nú-
meros incluem a carne de porco — se ela for
retirada da equação e se se considerar apenas FÁBIO AUGUSTO
que no relatório da Lancet —, pelo que tenta Ou seja, 100 gramas de feijão correspondem
sempre que possível comprar animais inteiros a um terço das proteínas de 100 gramas de
e aproveitar de formas diferentes as várias carne. O importante, conclui o nutricionista,
partes. É, explica, uma forma de fugir à exces- é ter em conta estes valores e conseguir um
siva valorização que habitualmente é feita das prato equilibrado, “usando a leguminosa como
chamadas “partes nobres”, como o lombo ou fornecedor tanto de hidratos de carbono como
a vazia. de proteína e reduzindo a quantidade de pro-
Mas centremo-nos de novo na questão do
consumo e do que se pode fazer nesse extremo
Os agentes políticos teína animal”.
Façamos mais algumas contas com a ajuda
da cadeia. José Camolas é nutricionista, espe-
cialista em doenças metabólicas e de compor-
devem começar a de José Camolas: “Estima-se que um adulto
precise de 1 grama de proteína por cada quilo
por cereais integrais, proteínas vegetais, gor-
duras vegetais (como o azeite) e uma pequena
tamento alimentar e está ligado ao Programa
Nacional para a Promoção da Alimentação Sau- pensar nisto. Vamos de peso. Se pesar 70 quilos, precisa de 70 gra-
mas diários. Se consumir 120 gramas de carne,
quantidade de proteína animal (algo que, nota
Duarte Torres, corresponde já a muitos dos
dável da Direcção-Geral da Saúde. Também ele
usa a Roda dos Alimentos como referência, até onde? Os 28 ela vai dar-lhe aproximadamente 30 gramas
de proteína. Faltam 40, que podem ser obtidos
pratos da dieta mediterrânica). neste caso para sublinhar a discrepância com
a realidade: “As porções habitualmente servidas gramas diários através da proteína vegetal e assim consegui-
mos reduzir em 40 gramas diários o nosso
em Portugal são o dobro do recomendado, mui- consumo de proteína animal, o que já terá um
O sistema da Terra
tas vezes com bifes de 200 ou 250 gramas.” como limite impacto muito grande ao Æm de um ano.”
O relatório da Lancet debruça-se também sobre A mais recente versão da Roda coloca as le- Apesar de muito conservador tendo em con-
a produção, propondo limites para o que, a
nível planetário, deve ser produzido “para re-
guminosas ao lado do peixe, carne e ovos. “São
óptimas fontes de proteína, com quase tanta
máximo ta as metas propostas pela Lancet, este cenário
poderá ser mais realista para um país como
duzir o risco de alterações irreversíveis e po-
tencialmente catastróÆcas para o sistema da
por unidade de peso como a carne ou o peixe.”
Mas, atenção, não estamos a falar de fontes de
parecem-me um Portugal neste momento. Quanto à adopção
de uma dieta vegetariana, Camolas avisa que
Terra”. É preciso, aqui, ter em conta as emis-
sões de carbono e as suas consequências para
proteína exactamente iguais. “As leguminosas
têm algum desfasamento em termos de quali-
bom objectivo a ela “implica uma literacia nutricional um pou-
co mais elaborada” e que é preciso uma espe-
as alterações climáticas; o uso da terra para
produção em larga escala de cereais (muitos
dade biológica. O valor biológico de um ali-
mento refere-se aos aminoácidos essenciais e
médio/longo prazo, cial atenção sobretudo a dois pontos: as neces-
sidades de ferro, particularmente nas mulheres
dos quais são usados para alimentar animais),
o uso dos recursos hídricos, a perda de biodi-
na proporção ideal para o ser humano e aí os
animais têm uma aÆnidade biológica maior e,
mas implicam uma em idade fértil, e a vitamina B12, que tem de
ser tomada em suplemento.
versidade, entre outros factores.
Actores importantes aqui, para além obvia-
portanto, um valor mais alto. As proteínas ve-
getais são de médio ou baixo valor biológico,
alteração profunda Neste aspecto, o mundo move-se a duas ve-
locidades, analisa Duarte Torres: “Há países
mente dos produtores, são os cozinheiros e os
chefs de cozinha. Alexandre Silva, que tem o
mas este pode ser aumentado combinando-as,
por exemplo, com cereais.”
nos hábitos e não em que um consumo muito elevado de carne
está associado a um bem-estar e outros em que,
restaurante Loco, em Lisboa, com uma estrela
Michelin, prepara-se agora para abrir o Fogo,
Tal como Duarte Torres, José Camolas diz
que “não se pretende a restrição total da pro- se consegue isso pelo contrário, são as pessoas mais instruídas
que passam a comer menos carne. Estamos a
um espaço especializado na cozinha feita no
fogo — que inclui carne, mas também peixe,
teína animal”. O desejável é que, “quando pen-
samos nas necessidades proteicas do ser hu- de um momento viver no mesmo planeta vários momentos e o
simbolismo da carne é diferente de um país
marisco e legumes.
Alexandre, que tem também um restauran-
mano, metade venha de uma fonte de origem
vegetal”. Olhemos então para algumas legumi- para o outro para outro.” Portugal está num ponto intermé-
dio. Se “há 40 anos o consumo regular de car-
te no Mercado da Ribeira, em Lisboa, diz que nosas: o feijão, por exemplo, tem cerca de 6,6 ne foi uma conquista numa sociedade de po-
aí serve 80% de peixe e 20% de carne e tem
notado uma tendência para alguma diminui-
gramas de proteína por cada 100 gramas, valor
que no caso do grão é de 8 gramas, aproxima-
Duarte Torres breza muitas vezes extrema”, neste momento
há sinais que apontam noutra direcção. E, sem
ção do consumo de carne pelos clientes. No damente. dúvida, a partir de agora “as questões ambien-
conjunto dos três restaurantes, a sua preocu- Estes valores signiÆcam que a percentagem tais vão passar a estar em cima da mesa”.
pação tem sobretudo que ver com o evitar o de proteína é de cerca de 7%, enquanto na
desperdício — outro dos objectivos em desta- carne ela pode situar-se entre os 20 e os 30%. apc@publico.pt
8 • Público • Domingo, 10 de Março de 2019
“Estava a comer
Gorduras insaturadas
354kcal/40g
Gorduras saturadas
96kcal/11,8g
carne e pensei:
Açúcares
120kcal/31g
Leite inteiro ou
equivalentes
‘E se isto fosse um
153kcal/250g
Frutas
126kcal/200g
corpo humano?’”
Dieta Leguminosas
284kcal/75g O que leva muitos jovens a tornarem-se
saudável Ovos
vegetarianos ou vegan? Falámos com seis para
2500kcal/dia 19kcal/13g perceber. O exemplo de uns inÅuenciou os
A revista científica Lancet e a EAT,
plataforma para a transformação
Frango
62kcal/29g
outros, mas é, acima de tudo, uma questão de
do sistema alimentar, reuniram 37
especialistas para desenhar a
Carnes
vermelhas
coerência. “Comecei a sentir-me hipócrita”
dieta ideal para assegurar a
30kcal/14g
alimentação de dez mil milhões
de pessoas em 2050 e, ao mesmo
Por Alexandra Prado Coelho
Peixe
tempo, salvar o planeta da
catástrofe ambiental. 40kcal/28g
M
aria foi a primeira. “Em 2016, tinha 16 anos, era Páscoa e dis-
Estes valores, em calorias por
tipo de alimento (e respectivos Nozes Tinha 14 anos quando se à minha mãe que não queria almoçar car-
gramas), correspondem a 291kcal/50g se começou a interro- ne, ela disse que estava bem e a partir daí
essa dieta saudável para os gar sobre “o que é ma- nunca mais comi carne nem peixe.” Em três
humanos e o planeta. tar os animais para os meses, Marta tinha deixado também os ovos,
Tubérculos comer”. Foi nessa al- o leite e o queijo. “Na Páscoa Æz-me vegeta-
39kcal/50g tura que fez a primei- riana, no Verão já era vegan.” No seu caso, a
ra tentativa de se tor- transição para o veganismo foi natural e mui-
nar vegetariana. “Não deu, não consegui.” Mas to mais fácil do que a mudança de Maria, que
continuou a ler, a juntar informação sobre a teve mais diÆculdade em abandonar coisas
indústria, a saber mais sobre os direitos dos como “um bolo que leva manteiga”, por
animais e, quando fez 17, tomou a decisão. exemplo. “Já cozinhava omeletes há um ano,
“Acordei um dia e pensei que não queria con- mas continuava a comer bolachas com ovos.
tinuar a compactuar com este tipo de indústria. Foi das coisas que mais me custaram. E o
Grãos integrais Estava já muito consciente e a sentir-me hipó- queijo também.”
811kcal/232g crita. Ia ter um almoço e pensei: ‘Não vou co-
mer aquela carne, não quero, fazia-me mesmo A “repulsa da carne”
Vegetais uma certa repulsa.”
78kcal/300g Marta foi a segunda. Tinha visto o exemplo A seguir, foi Francisco. Primo de Maria e de
da Maria da Paz Carvalho, sua prima mais ve- Marta, Francisco Silva Dias tinha assistido à
lha, hoje com 20 anos, e não teve grande diÆ# mudança nas duas e, nesse mesmo ano de
culdade. “Desde pequena nunca gostei assim 2016, em Dezembro, também ele se tornou
tanto de carne, e peixe era aquela coisa que vegetariano. “Nós conversamos imenso, a mi-
não queria, os meus pais tinham de me obri- nha família discute sobre tudo e é muito fácil
gar.” Nessa altura, era ainda apenas uma ques- as modas espalharem-se entre nós”, diz. “Co-
tão de gosto. Só mais tarde, por causa de Ma- mecei a ganhar noção do que era a indústria,
ria e do que começou a ler sobre o assunto, é nunca me tinha questionado sobre isso. Mas
que se tornou, para Marta Novais, também depois de perceber, senti também um bocado
uma questão ética. essa repulsa da carne. Ainda comi peixe du-
Um bocado hipócrita por pensarem que nós estamos a criticá-las por Francisco assegura, por seu lado, que há hoje
Para Joana Semedo, outra amiga também con- não fazerem o mesmo.” No entanto, garante, tanta informação disponível sobre o tema que
vidada para esta conversa, tudo começou por não quer “impingir” nada aos outros e muito “é uma coisa que se aprende a aplicar rapida-
uma questão de coerência. “Desde o oitavo menos ofendê-los. “As pessoas demoram a pro- mente”. Sim, reforça Paulo, explicando que já
ano que me interessava imenso por alimenta- cessar as coisas. Eu tive esta informação toda teve pessoas a fazer-lhe perguntas: “Eu digo,
ção e nutrição”, diz. A informação ia-lhe che- e mesmo assim demorei tempo.” vai vendo, não comeces de repente, se comias
gando, mas confessa que não se sentia ainda Marta partilha da opinião de que mais vale arroz com carne não tires a carne e não comas
suÆcientemente motivada para agir. Até que
um dia a professora de FilosoÆa pediu aos alu-
À medida que “não ser chato”. Quando vêem a comida dela,
alguns interessam-se e pedem para provar. “É
só o arroz, por favor.”
A escola, por outro lado, ajuda pouco. “A
nos para escreverem um texto sobre um tema
à escolha e ela resolveu escrever sobre vegeta-
o tempo vai melhor isso do que dizer-lhes: ‘Acabaste de ma-
tar não sei quantos animais e gastar não sei quan-
única coisa de que me lembro é uma referência
em FilosoÆa, no 10.º ano, um pequeno texto
rianismo.
Empenhou-se em explicar “porque é que era
passando, parece tos litros de água nesse hambúrguer.’ Aí a pessoa
diz: ‘Esquece, não gosto de vegetarianos’.”
de um Ælósofo que falava do vegetarianismo”,
recorda Paulo. Maria lembra-se de terem “es-
mais ético, melhor para a saúde e porque é que
se devia prestar mais atenção ao assunto”. Ha- que o corpo se Não começar de repente
tudado a sobrepesca” e nada mais. É verdade,
intervém Joana, com uma gargalhada, “mas
via, no entanto, um problema que a incomo-
dava. “Cheguei ao Ænal do texto e pensei que adapta à ideia e Todos concordam que, mesmo em termos fí-
nunca apresentavam como solução comer me-
nos peixe”.
estava a ser um bocado hipócrita. Decidi nesse
dia deixar de comer carne.” Admite que “não [comer carne] sicos, este é um processo que pode demorar
mais ou menos tempo, mas durante o qual o
É verdade que as cantinas escolares passa-
ram a ter opções vegetarianas, mas não lhes
foi por especial empatia” com os animais — “foi corpo se vai desabituando de certas coisas. parece que haja ainda todo o cuidado para que
por achar que era errado criticar uma coisa
que eu estava a fazer”.
torna-se cada vez “Quando se começa, ainda se sente um bocado
aquela saudade do chouriço, do presunto”,
o equilíbrio nutricional seja sempre garantido.
“Não é como na Ásia”, diz Paulo, “em que há
Comunicou aos pais e a primeira coisa que
a mãe lhe disse foi que achava que seria uma
mais inimaginável confessa Paulo. “Depois, à medida que o tem-
po vai passando, parece que o corpo se adap-
uma grande tradição vegetariana. Nós não te-
mos isso e quando queremos fazer comida
fase, mas, fosse como fosse, Joana teria de co-
zinhar para ela. “Os meus pais Æzeram questão
Paulo ta à ideia e [comer carne] torna-se cada vez
mais inimaginável.” Joana garante que percebe
vegetariana é uma lasanha vegetariana. As pes-
soas nem conseguem imaginar o que podem
de dizer que ia ser uma coisa que eu ia fazer imediatamente se há carne ou peixe num pra- fazer com ingredientes vegetarianos”.
sozinha e pela qual ia ter de me esforçar.” Isso to. “Arroz com caldo de carne, por exemplo, Eles, os quatro primos e os dois amigos, es-
acabou por ser bom. “Descobri que gostava nota-se logo”, concorda Paulo. tão felizes com a opção que tomaram e tudo o
mesmo de cozinhar e ganhei o gosto de desco- Têm cuidados porque sabem que isso é es- que lêem ou vêem reforça as convicções que
brir novos vegetais e coisas diferentes.” sencial numa mudança de alimentação deste já tinham. Paulo conclui: “Quando uma pessoa
É com humor que descreve os jantares com “Coitados dos animais” tipo. Paulo conta que, quando foi à médica, já começa, pensa só ‘coitados dos animais’, mas
a família mais alargada e as perguntas que ain- “Quando uma pessoa começa chegou dizendo que era vegetariano e levando depois descobre que há implicações a todos
da lhe fazem: “Joana, já não comes carne? Mas [a ser vegan], pensa só com ele toda a informação sobre o equilíbrio os níveis, não só éticos, mas de sustentabilida-
ainda comes frango, não? O que é que se pas- ‘coitados dos animais’, mas nutricional. E ela “ah, ok, estás bem, não per- de, de utilização de recursos, de desperdício
sou?” É sempre motivo de conversa e de cu- depois descobre que há deste 25 quilos, não estás muito pálido, ok, se de recursos. E há muitas implicações que acre-
riosidade. “Algumas pessoas acham ofensivo implicações a todos os níveis” acontecer alguma coisa, avisa”. dito que nem nós conhecemos.”
NELSON GARRIDO
Público • Domingo, 10 de Março de 2019 • 11
É
difícil para quem come carne sa existir no mundo.” É por isso que alguns ac-
perceber exactamente o que se tivistas vegan pensam que não pode ser compa-
passa na cabeça de quem deci- rável com os custos económicos do Æm da pro-
diu deixar de a comer por ter dução de carne e derivados: “O que é uma
sofrido um choque ao tomar pessoa Æcar sem emprego em comparação com
consciência da forma como os o holocausto maior, esse sofrimento que é inÇi-
animais são mortos para serem gido e aplaudido?”, interrogam-se.
transformados em comida. A Aliança Animal e a ProVeg acreditam que
De um momento para o outro — e é isso que, “com essa conversa não se muda o mundo”.
alerta Elisa Nair Ferreira, da Aliança Animal, “Estamos a falar dos hábitos das pessoas e elas
pode tornar alguns activistas mais intolerantes sentem-se atacadas porque estamos a dizer que
— “essas pessoas não conseguem estar com a fazem parte desse holocausto — e ninguém gos-
família à mesa [porque] onde antes viam comi- ta de ser acusado de participar na violência.”
da normal, passam a ver um pedaço de corpo Espanha é um dos países onde a ProVeg já
e isso torna-se sinistro”. está a trabalhar, diz Elisa, explicando que há
Elisa, que é vegan há cinco anos, lembra-se um grande apoio à organização, mesmo de não-
de um dia ter pensado: “As pessoas têm pedaços veganque se identiÆcam com a causa. “Existem
de cadáveres dentro de casa. Esta frase soa mui- Çuxos de apoio a nível mundial e a ProVeg está
to mal, não soa? Mas é verdade. Temos no con- a canalizar esse dinheiro para os vários países
gelador pedaços de cadáveres esquartejados. onde já entrou.” Isto permite, entre outras coi-
Quando tomamos consciência disso precisamos sas, ter activistas que já não precisam de ser
de um tempo para acalmarmos.” Alguém que voluntários porque são pagos.
se torna vegan “passa a estar em sofrimento e a A ideia é tornar a transição, para quem a de-
ter uma consciência constante de uma realida- sejar, mais fácil. “São criados programas de
de que os outros não têm”. vam lixados comigo”, conta, bem-humorada. dos sabores portugueses mais tradicionais. conversão dos produtos para se implementar
O que percebeu quando se tornou activista Conhecia alguns vegetarianos, mas era um “Se o restaurante tem francesinhas, vai tê-las uma transição gradual, de forma a manter os
dos direitos dos animais foi que tentar forçar os modo de vida que não lhe agradava — e, confes- também vegan, se é gourmet, vai ter opções empregos.”. Elisa está convicta que não demo-
outros a ver essa realidade quando eles não que- sa, “tinha muito medo de passar fome”. Sentiu gourmet, se os não vegetarianos comem boli- rará muito a chegar a Portugal. “Há cinco anos
rem não tem eÆcácia. É fundamental perceber sempre, no entanto, uma ligação forte com os nhos de bacalhau, os vegan comem bolinhos de não tínhamos activistas sequer para nada disto.
como se pode fazer um activismo que seja eÆ# animais. “Defendia todos menos aqueles que ‘bicalhau’, com grão-de-bico em vez do baca- E agora começamos a ter.”
caz. Só assim, acredita, se poderá realmente comia.” A mudança começou precisamente por lhau”, conta Elisa. Para já, o projecto abrange A questão começa também a tornar-se polí-
ajudar os animais. Por isso, o tempo hoje já não causa de um protesto contra as touradas. “Foi cerca de 40 restaurantes no Porto e começou tica. “Os programas de conversão das empre-
é o de exibir nas ruas cartazes com imagens o meu primeiro activismo”, recorda. Conseguiu, há pouco tempo a ser lançado em Lisboa. sas”, defende, “não deviam partir dos activistas
chocantes, de animais a serem mortos e esquar- com várias outras pessoas, substituir a tourada A fundadora da Aliança Animal acredita que mas dos Estados. Deviam-se aplicar impostos
tejados. O tempo é de dialogar. por um festival de música onde estava previsto com este “activismo vegan eÆcaz” estão a con- mais caros aos produtos vindos de fora e usar
“Muitos vegan Æcam com raiva das outras que houvesse comida, e, subitamente, surgiu a seguir-se muitas mudanças. A Aliança está liga- esse dinheiro para promover os produtos de
pessoas porque não entendem como é possível pergunta: “Então vamos defender uns animais da à ProVeg, associação internacional que tem origem vegetal. O país é o Estado e somos nós.
saberem a verdade e não mudarem de compor- e comer outros? Acabámos de salvar seis touros como um dos rostos principais a activista Me- É preciso abrir as portas, conversar com quem
tamento, apenas porque querem ter dez minu- e vamos papar uma vaca?” lanie Joy. “Queremos passar a mensagem, mas já está dentro e criar essas condições.”
tos de prazer”, explica. “E isso gera conÇitos Não fazia sentido, e Elisa foi sensível a isso. apresentando soluções. Não adianta apenas A Aliança — que se assume “autónoma” em
tremendos.” É difícil aceitar que aquilo que as “Comecei a participar nas acções mas os acti- mostrar o problema, porque as pessoas dizem relação ao partido PAN – Pessoas, Animais,
pessoas consideram ser o seu direito ao prazer vistas eram poucos e ainda estavam muito pre- ‘e agora?’”. A ProVeg, conta Elisa, iniciou já um Natureza, e defende que “a causa animal
de comer um pedaço de carne “possa ser supe- sos à ideia de mostrar a verdade e não sorrir, diálogo com as grandes empresas e está a mos- deve ser uma preocupação das pessoas da
rior à vida de um animal”. Daí que não lhe pa- porque o assunto é sério. Eu, que sabia como trar-lhes que “há aqui uma coisa que era um esquerda e da direita — trabalha também na
reça fazer sentido que, por muito extremas que se via o activismo de fora, fui das pessoas que nicho de mercado, mas que agora é o futuro”. área do Direito. “O direito do animal é um
possam ser algumas acções de activistas, este mais impulsionaram a mudança.” Há um ponto de partida que a activista dei- ramo que está a crescer”, diz, lembrando
possam ser classiÆcados como extremistas. xaclaro: “Nós não queremos que quem vende que foi já criada a primeira pós-graduação
“Não é possível que quem está a pedir para que Activismo inclusivo leite, salsichas ou Æambre vá à falência.” Acre- nessa área na Faculdade de Direito da Uni-
aquele sofrimento termine seja considerado ditam que pode ser feita uma transição. “[As versidade de Lisboa.
extremista. Extremista é degolar animais.” Hoje a trabalhar já a nível nacional, a Aliança empresas] vão ter tempo de fazer as suas inves- Mas não são precisos radicalismos. Elisa dei-
Esta advogada do Porto, nascida em Trás-os- Animal nasceu no Porto por iniciativa de Elisa tigações, de desenvolver novos produtos e, [nes- xa um exemplo: “Uma das coisas que as pessoas
Montes, passou pelo processo todo, por isso e de Maria Aragão, autora de Omeletas Sem Ovos sa altura] se as pessoas começarem a diminuir [que estão a tentar tornar-se vegan] mais diÆ#
tem consciência de toda a série de emoções que e vegan há 15 anos. “Surgiu precisamente da radicalmente o consumo de produtos de origem culdade têm em deixar é o queijo. Dizem, nun-
ele provoca. Durante grande parte da sua vida necessidade de fazermos um activismo mais animal, as empresas podem começar a aumen- ca vou conseguir, portanto nem vale a pena.
foi carnívora. Depois de uma fase, na infância, inclusivo, que seja fácil de receber pelas pes- tar a produção dos que já têm de origem vegetal. Nós sugerimos go vegan except for the cheese.
em que esteve um período sem comer carne, soas”, explica Elisa. Já há talhos em Espanha a vender seitan.” Deixa o que podes, muda o que podes.”
voltou a ser capaz de o fazer desde que não Um dos projectos em que mais se têm empe- A ideia é ser construtivo e não destrutivo. “Há “O que estamos a fazer é um caminho”, acre-
pensasse no assunto. “Tinha que bloquear o nhado nos últimos tempos é o programa E o muita gente que Æca chocada com o que os ani- dita esta activista. “A nossa sensibilidade está a
pensamento. Nunca comi coelho, leitão, cabri- seu restaurante já tem? que ajuda restaurantes mais passam e sem espaço para pensar nos pro- mudar. Dantes as mães também aceitavam que
to, pato, aqueles animais com os quais já tinha a terem uma oferta de pratos vegetarianos/ve- blemas dos humanos. [A situação dos animais] os Ælhos fossem para a guerra. Hoje não deixam.
criado empatia por achar que eram fofos. Mas gan, a partir de receitas trabalhadas por Maria é uma realidade tão horrorosa que é capaz de Viemos das cavernas e evoluímos até aqui. Por
o porquinho adulto, a vaca ou as galinhas esta- Aragão com a preocupação de não se afastarem ser a pior coisa que nos vem à cabeça que pos- que é que havíamos de estagnar agora?”
12 • Público • Domingo, 10 de Março de 2019
Para onde
olharam elas?
Portugal visto
por mulheres
fotógrafas
estrangeiras
Quando em Portugal se implementava um regime político autoritário na década de
1930, a fotograÄa experimentava um fulgor excepcional, saindo dos estúdios e das
mãos dos “proÄssionais”. Entre os inúmeros fotógrafos estrangeiros que passaram por
Portugal durante o Estado Novo, contam-se muitas mulheres — umas mais centradas
na produção de um Portugal para “inglês” ver, mas também para “francês” ou “alemão”
verem; outras, mais libertas de espartilhos, registaram um país acabrunhado e pobre,
de mulheres de fardos à cabeça e crianças descalças. Percurso breve pelo trabalho de
mulheres fotógrafas estrangeiras que passaram por Portugal entre 1930 e 1975
Por Filipa Lowndes Vicente
Público • Domingo, 10 de Março de 2019 • 13
© AGNÈS VARDA
Maria
e Sophia
Maria do Alívio
numa rua da
Póvoa de
Varzim, em
1956, com um
poster rasgado
de Sophia
Loren no muro.
Esta é talvez a
fotografia mais
conhecida
entre todas as
imagens que
a belga Agnès
Varda captou
em Portugal
14 • Público • Domingo, 10 de Março de 2019
Q
uando Susan Lowndes
(1907-1993) veio viver para
Portugal, em 1939, notou
que não existia um bom
guia artístico e cultural do
país em língua inglesa e
que a última edição do co-
nhecido guia da editora
Murray era já de 1887. Mas
foi só em 1946 que a es-
critora e mulher do embaixador britânico em
Portugal, Ann Bridge, desaÆou a minha avó
inglesa para escreverem um livro em conjun-
to e partirem à descoberta do país onde eram
“estrangeiras”. The Selective Traveller in
Portugal, publicado em 1949, teve um enorme
sucesso, com inúmeras edições nas décadas
seguintes. Em 1954, no seu livro Portugal and
Madeira, Sacheverell Sitwell escrevia na in-
trodução: “Nenhum viajante inglês poderá
visitar Portugal sem ter este livro à mão e
qualquer escritor inglês que escreva sobre
Portugal terá de estar em dívida constante
para com elas.”
Ann Bridge deixou Portugal pouco depois
da publicação daquele guia. A minha avó Su-
san não regressou a Londres e Æcou a viver
no Monte Estoril até ao Æm da vida e a escre-
ver sobre cultura, arquitectura, arte e religião
em Portugal (além de um livro sobre gastro-
nomia portuguesa e espanhola, que era mo-
tivo de riso na família, pois nunca soube co-
zinhar). Lembro-me bem de a ver sentada na
sua secretária a escrever à máquina, mas nun-
ca a vi com uma câmara fotográÆca.
As duas inglesas percorreram Portugal de
automóvel, em 1946, e visitaram centenas de
igrejas, monumentos e museus. Sabemos que
também levaram uma câmara, mas nas legen-
das das imagens reproduzidas no livro nada
remete para a sua autoria, delas próprias ou
de outros. De onde vinham então as imagens
que ilustravam The Selective Traveller in Por-
tugal? Na página de agradecimentos, encon-
tram-se os nomes dos responsáveis das insti-
tuições que lhes cederam imagens, mas não
os autores das fotograÆas em si. O primeiro a
ser reconhecido foi António Porto d’Assa Cas-
telo Branco, da secção fotográÆca do SNI [Se-
cretariado Nacional de Informação], “uma TONI FRISSELL
colecção única que forneceu muitas das foto- Fátima do Portugal — um Portugal “do Minho a Ti-
graÆas para este livro” e, como sabemos, para e Lisboa mor” — que se queria mostrar. O lápis azul da
tantos outros livros publicados nas décadas Em cima, censura não rasurava só palavras, mas tam-
seguintes. Entre os vários directores de mu- mulheres bém obliterava imagens.
seus reconhecidos — aÆnal, este era um guia no santuário Foram muitas as mulheres estrangeiras que,
artístico e cultural —, estava também Vasco de Fátima, como a minha avó, escreveram sobre Portugal
Rebelo Valente, director do Museu Soares dos cerca de no século XX, mas foram menos aquelas que
Reis, do Porto, que lhes deu “muitas fotogra- 1970, numa centraram na fotograÆa a sua relação criativa
Æas”. Apenas dois nomes de privados surgem imagem com o país. E menos ainda as que Æzeram li-
como “tendo, amavelmente cedido fotogra- captada por vros fotográÆcos ou exposições individuais.
Æas” — W.B. Rumann, Esq. e uma mulher, Mrs. Ingeborg Um levantamento exaustivo está por fazer,
Scoville, muito provavelmente uma referência Lippmann, mas são vários os autores que já contribuíram
a Orlena Scoville, a norte-americana que com- correspon- com a sua investigação para esta genealogia.
prara, e restaurara, o Palácio da Bacalhôa, em dente do Como já notou Teresa Mendes Flores, o livro
Azeitão, em 1936. jornal The de António Sena, de 1998, História da Imagem
Na década de 1950, o panorama editorial New York Fotográfica em Portugal 1839-1997, menciona
de livros para estrangeiros, sobre Portugal e Times em quatro mulheres (entre 16 fotógrafos estran-
colónias, mudou radicalmente. Foi um perío- Portugal; à geiros, no total): Monck, Varda, Weiss e La-
do em que as instituições culturais e turísticas esquerda, venson [“FotograÆa e Género”, Comunicação
do Estado Novo investiram especialmente na fotografia e Sociedade, 2017, eds. Maria da Luz Correia
divulgação internacional do país, através da de Toni e Carla Cerqueira)]. Já em 2007, Ângela Cami-
encomenda de livros de viagem escritos, e Frissell la Castelo-Branco, em “Os ‘olhares fotográÆ#
por vezes fotografados, por estrangeiros. A de outra cos’ dos estrangeiros”, escreveu sobre os mui-
investigadora Susana S. Martins, da Universi- norte- tos fotógrafos de além-fronteiras que retrata-
dade Nova de Lisboa, tem trabalhado sobre -americana, ram Portugal durante este período e referiu,
o tema, analisando o papel fundamental que Gertrude além destas quatro mulheres, algumas outras.
a fotograÆa teve na produção de um “Portu- Legendre, O projecto de investigação coordenado por
gal” não só para “inglês” ver, mas para “fran- enquanto Filomena Serra, sobre “FotograÆa Impressa.
cês”, “holandês”, “norte-americano” ou “suí- fotografava Imagem e Propaganda em Portugal (1934-
ço” verem. As agências do Estado possuíam, barcos 1974)”, está a trazer à luz e a aprofundar ou-
classiÆcavam e disponibilizavam as fotograÆas no Tejo tros estudos de caso.
Público • Domingo, 10 de Março de 2019 • 15
SABINE WEISS, VILLAGE MODERNE DE PÊCHEURS, OLHÃO, ALGARVE, PORTUGAL,1954 MARGARET MONCK, MAN, QUAYSIDE WITH BIRD CAGES (PORTUGAL)/CORTESIA DO CENTRO PORTUGUÊS DE FOTOGRAFIA
A esquina
Esquina
da Rua da
Glória e da
Rua da
Conceição
da Glória,
Lisboa, numa
fotografia
de Virginia
Watland,
captada
durante a
década de
1950. As
imagens
de mulheres
com cargas
à cabeça são
uma constante
na produção
imagética
de Portugal
desta época
Público • Domingo, 10 de Março de 2019 • 19
legendas. Tendo em conta, no entanto, a quan- Varvara não foi apenas uma mulher que fo- obra desta fotógrafa que nunca divulgou o seu
tidade de estrangeiros que passaram e viveram tografou, mas alguém que fez da fotograÆa ins- trabalho em vida e que só um mero acaso a
na Madeira é muito provável que outras fotó- trumento de trabalho e de remuneração, com colocou ao lado de outros reputados fotógra-
grafas também aqui tenham trabalhado. estúdio aberto e cartão de fotógrafa proÆssional. fos do século XX exempliÆca bem os percur-
Poderíamos pensar no Madeira, da dina- Uma diferença relevante em relação a outras sos criativos ou intelectuais de muitas mulhe-
marquesa, ao lado do Nazaré (1958) ou do mulheres fotógrafas, como a que esteve recen- res até um passado recente.
Algarve (1965) de Artur Pastor (Artur Pastor, temente exposta no Arquivo Municipal, Helena
coord. Luís Pavão (Lisboa: Arquivo Municipal Corrêa de Barros, é que Varvara teve consciên- A invisibilidade da fotografia
de FotograÆa, 2014), ou mesmo do icónico cia da relevância que o seu trabalho poderia ter
Lisboa, Cidade Triste e Alegre de Victor Palla no contexto português, tendo ela própria feito
feminina
e Costa Martins, objecto de uma exposição uma doação ao Arquivo FotográÆco. Historicamente, as mulheres artistas, escrito-
recente no Museu da Cidade, em Lisboa? To- Talvez não seja por acaso que as duas mu- ras ou fotógrafas do passado (muitas mais do
dos são livros onde a imagem, mais do que o lheres fotógrafas estrangeiras que mais tempo que aquelas que imaginaríamos à partida) tra-
texto, é protagonista, e todos se concentram viveram em Portugal — Ingeborg Lippman e balharam com as limitações indissociáveis ao
numa cidade ou região geográÆca. O próprio Varvara Heyd — sejam aquelas que, por inicia- seu género. Mas estas limitações não afectaram
Felner da Costa publicou em 1967 um livro tiva própria, legaram o seu trabalho a institui- apenas a sua educação, o seu percurso proÆs-
com fotograÆas sobre Fátima, destinado a um ções portuguesas. Ambas eram proÆssionais sional ou a sua mobilidade. Mais poderosos,
público estrangeiro. e remuneradas pelo seu trabalho fotográÆco, porque mais invisíveis e naturalizados, foram
Após o casamento com um editor suíço, Var- e não amadoras, algo que servia de validação os mecanismos que Æzeram com que, por se-
vara foi viver para Lisboa e montou um labo- pública da obra e afectava o modo como as rem mulheres, fossem menos conhecidas e
ratório fotográÆco em casa, num palacete à próprias mulheres valorizavam a sua prática. reconhecidas, menos classiÆcadas, expostas e
Graça. Foi também a relação de Varvara com estudadas por museus, universidades ou ar-
o SNI que lhe permitiu cumprir o seu desejo O Portugal das não-portuguesas quivos, e menos escolhidas pelas múltiplas
de fotografar Belém, a partir do céu. Disponi- formas de constituir os cânones. Os modos de
bilizaram-lhe um avião com um piloto para que É mais difícil fazer a história de mulheres do reconhecimento e consagração no campo ar-
pudesse fazer fotograÆas aéreas de Lisboa. que de homens, sobretudo porque os traços tístico são indissociáveis dos contextos histó-
A relação fotográÆca com Portugal culminou documentais sobre os seus percursos tendem ricos em que se decide quem e o que é que tem
numa grande exposição, de mais de 400 foto- a estar menos acessíveis, menos classiÆcados, “qualidade” e merece “Æcar para a história”.
graÆas — Portugal Visto por Varvara — resultado menos arquivados em lugares públicos e menos Não chega acrescentar mulheres aos cânones
de três anos de viagens pelo país, como se ex- estudados. Onde estão estas e outras fotogra- masculinos. É necessário desconstruir os me-
plica no catálogo, não nas “estradas principais” Æas? Foram feitas por acaso, por mulheres que canismos que levaram a que elas não tivessem
ou nos “caminhos conhecidos”, mas antes no viajavam sempre com uma câmara fotográÆca sido incluídas neles. No passado, mas também
“coração do país””. O próprio título revela tra- ou faziam parte de encomendas proÆssionais? no presente. A obra de muitos homens também
tar-se de uma visão muito individual e especí- Foram reproduzidas em livros ou jornais? Terão poderá terá sido esquecida por uma multipli-
Æca — Varvara não faz apenas imagens mas sido acompanhadas de textos e legendas? Como cidade de razões. Mas nunca por ter sido feita
também assina o texto. A exposição foi inau- é que os itinerários de várias destas mulheres Olhares femininos por “homens”. No entanto, a invisibilidade his-
gurada primeiro em Copenhaga, em 1970, na fotógrafas se cruzaram com a história do nazis- Em cima, a dinamarquesa tórica de muitas mulheres, indissociável da sua
Academia Real de Arte, Charlottenborg; passou mo alemão, da II Guerra Mundial, e com o fac- Sonia Varvara Hasselbalch identidade feminina, está a ser profundamen-
depois para o Centro Lume, no Rio de Janeiro; to de Portugal se ter tornado um lugar de pas- (1920-2008) e a belga Agnès te revista. Uma muito maior consciência das
e, Ænalmente, em 1972, abriu ao público no sagem de tantos judeus perseguidos, a caminho Varda (1928-); em baixo, a discriminações de género do passado — também
Palácio Foz, em Lisboa. A imagem gráÆca da dos Estados Unidos? Qual o envolvimento ne- austríaca Inge Morath na esfera artística, cultural e intelectual —, por
exposição era um galo de Barcelos com uma cessário com as entidades oÆciais do país au- (1923-2002) e a polaca parte de quem hoje em dia faz investigação e
máquina fotográÆca no bico. toritário para poder tornar pública uma visão Bernice Kolko (1905-1970) organiza exposições, tem trazido a público inú-
Felner da Costa, autor do prefácio, começa sobre Portugal? Que relações tiveram em Por- meros casos de mulheres fotógrafas dos séculos
por descrever Varvara como “um fotógrafo tugal, com outros estrangeiros ou com portu- XIX e XX que eram desconhecidas tanto do
proÆssional no mais digniÆcante sentido da gueses? Que outras mulheres fotógrafas estran- grande público como de especialistas.
palavra” que, apesar de ter nascido na Dina- geiras haverá nas legendas de fotograÆas de Desde há pelo menos cinco anos, temos as-
marca, tinha uma “alma” inesperadamente livros de viagens, nos agradecimentos iniciais sistido a uma proliferação de exposições his-
portuguesa. O uso do masculino — Varvara é ou em espólios desconhecidos em arquivos tóricas, individuais e colectivas, sobre mulhe-
“fotógrafo” e não “fotógrafa” — era uma forma, públicos e privados? O que podemos concluir res fotógrafas, em todo o mundo. Em 2015,
mesmo que inconsciente, de a valorizar. O vi- do facto de terem sido mais as mulheres estran- dois dos principais museus parisienses acolhe-
sitante, segundo Felner, não ia ver uma expo- geiras a fotografar Portugal do que as próprias ram a exposição Qui a peur de femmes photo-
sição de arte fotográÆca, mas sim “conhecer e mulheres portuguesas? graphes, 1839-1945. Os exemplos de exposições
aprender a amar Portugal”. O “milagre de Var- A grande fotógrafa portuguesa do Portugal nos últimos meses são inúmeros: em Londres,
vara” era ter conseguido fazer o “retrato total do século XX, a escritora e feminista Maria La- as imagens que Norah Lyle-Smyth (1874-1963),
onde os portugueses reconhecem um bocadi- mas, tinha um claro interesse pelas mulheres fotógrafa e feminista, fez das sufragistas do East
nho de si”. O catálogo publicado no Rio de portuguesas, a especiÆcidade da sua situação, End londrino; na National Portrait Gallery, exi-
Janeiro também tinha claras intenções turísti- do seu trabalho, da sua discriminação. Mas será bem-se ainda os quase 90 retratos de mulheres
cas, e o patrocínio que a TAP deu à exposição que podemos aÆrmar o mesmo em relação às britânicas eminentes fotografados pela fran-
foi prova disso. Dando o seu apoio a “esta ad- fotógrafas estrangeiras? Se a ideia da especiÆ# cesa Mayotte Magnus (IlluminatingWomen, até
mirável exposição de fotograÆas duma grande cidade de um olhar feminino pode ser ques- 24 Março de 2019).
artista dinamarquesa”, a TAP assumia-se, ela tionável, podemos, no entanto, aÆrmar que Já em 1977, tinham estado expostos no mesmo
própria, como uma “permanente fotograÆa de algumas destas mulheres fotógrafas estavam museu naquela que fora a maior exposição de
Portugal no céu azul dos grandes espaços”. mais atentas às condições de vida, direitos e “mulheres” alguma vez realizada naquela ins-
O conteúdo desta exposição foi doado ao emancipação das mulheres. E que os lugares tituição; em Itália, perto de Florença, a exposi-
Arquivo Municipal de Lisboa-FotográÆco. A 1 históricos que puderam ocupar determinaram ção Female Identity through the images of five
de Março de 1994, o PÚBLICO noticiou esse aquilo que viram, e como o Æzeram, tal como Italian Photographers, 1965-1985 (Centro Pecci,
depósito de cerca de “450 imagens” da “fotó- aquilo que não viram. Mais inquestionáveis são Prato); em Berlim, a austríaca Inge Morath, da
grafa que viveu em Portugal entre 1954 e a as discriminações dos olhares posteriores, da agência Magnum, que passou por Lisboa na
década de 70” doadas pela própria ao “novo construção histórica, que não viram aquilo que década de 1950, foi uma das fotógrafas expostas
Arquivo FotográÆco de Lisboa”. Em todo este não estavam preparados para ver. na f³-freiraum für fotografie, a mostra #wo-
processo, o papel de Luís Pavão e de Luísa Uma das fotógrafas mais extraordinárias menphotographer. A proliferação de exposições
Costa Dias, então responsável pelo Arquivo, deste período, a nova-iorquina Vivian Maier temporárias de mulheres fotógrafas nos últimos
foi fundamental. Umas semanas depois, o (1926-2009), ama de proÆssão, foi protagonis- anos, a sua valorização em espólios de arquivos
mesmo jornal publicou o resultado de uma ta recente de mais uma exposição, desta vez e museus e a multiplicação de estudos e publi-
breve conversa com a “baronesa fotógrafa que em Berlim, na Willy Brandt Haus, além de já cações têm desaÆado os cânones da história da
Æxou Portugal” (PÚBLICO, 18 de Março de ter sido objecto de um documentário, À Pro- fotograÆa, uma história cada vez mais rica, múl-
1994). O próprio arquivo aproveitou a visita cura de Vivian Maier. Só passou a ser conhe- tipla e objecto de novas abordagens.
de Varvara na altura da doação oÆcial do es- cida quando, depois da sua morte, as malas
pólio para a entrevistar e tomar notas sobre com os seus pertences foram parar às mãos Investigadora do Instituto de Ciências
a sua biograÆa. de alguém que tornou visível o seu labor. A Sociais da Universidade de Lisboa
20 • Público • Domingo, 10 de Março de 2019
Vingré,
4 de
Dezembro
de 1914
Crónica Depois do Centenário (IV) O martírio dos seis fuzilados
de Vingré é tão absurdo que me deixa perplexo, sem saber ao
certo como decifrar a Europa que os matou a sangue-frio.
Rimbaud escreveu em Iluminações: “Podemos extasiar-nos na
destruição, rejuvenescer pela crueldade!” Teremos aprendido
alguma coisa desde o Inverno de 1914? Segunda parte da terceira
de uma série de crónicas sobre a Guerra das Guerras
Por Paulo Faria texto e fotografia
E
m Le Feu, de Barbusse, um Seria esse o critério da valentia? O texto degraus da hierarquia, chamou a atenção livrarem daquele peso que ameaçava
soldado chama o narrador e também não refere se o oÆcial que de homens que ostentavam, nas platinas do queimar-lhes as mãos.
aponta-lhe, num campo de comandou o pelotão de fuzilamento lhes dólman, pequenas constelações de estrelas
lavoura, o lugar onde foi desfechou ou não na cabeça o tiro de douradas. Um alferes do batalhão do meu Que plantas são estas?
fuzilado um camarada. O misericórdia regulamentar. Um outro pai no Ultramar, com quem falei aquando
poste a que o amarraram é relatório em que três médicos militares do das minhas pesquisas sobre essa outra À minha frente estende-se um manto de
baixo, um metro de altura, regimento, designados para o efeito, atestam guerra, descreveu assim os militares de verdura. Sei que estas plantas não são
não mais, o fuzilado nem a morte dos seis fuzilados termina com a carreira com quem privou: “Tipos batateiras, não são faveiras, não são
sequer pôde morrer de pé, teve de se frase: “Todos tiveram morte instantânea.” completamente histéricos.” Em Dezembro ervilheiras. Não são couves nem alfaces,
ajoelhar ou sentar no chão. “É um poste para Talvez tenham sido poupados ao tiro de de 1914, o destino dos cidadãos da Europa, isso é evidente. Mas o meu saber atém-se
animais”, comenta alguém. Enquanto misericórdia na têmpora. Ou talvez estas mesmo nos países democráticos, estava nas neste ponto, não vai mais além. Sei o que
escreviam as suas cartas de despedida, na fórmulas fossem meras frases feitas para mãos de tipos completamente histéricos. não são estas plantas, mas não sei o que
cave que acabo de abandonar e onde a escamotear o cariz criminoso do ritual. Que nos sirva de lição. A máquina são. Não surge ninguém a pé a quem eu
Alexandra preferiu Æcar mais um pouco, os Os soldados alemães entraram na trituradora, sempre atenta, pôs-se em possa perguntar. Há uma casa ali ao fundo,
seis de Vingré ouviram cravar os postes na trincheira ocupada pela meia secção do movimento. Houve um inquérito mas não faz sentido incomodar os
terra deste campo de cultivo em cuja orla me sargento Diot por volta das cinco horas da preliminar. Recolheram-se depoimentos. moradores, bater à campainha, sobressaltar
encontro agora parado. Não sei, porque o tarde, pela extremidade direita. Seguiu-se Por Æm, convocou-se um conselho de as aves de capoeira e os cães de guarda,
relatório da execução não o especiÆca, se os uma coreograÆa de gestos aparentemente guerra. Tudo no prazo de seis dias. Os apenas para perguntar que plantas são
postes eram curtos, se, antes de os matarem, corriqueira, idêntica a tantas outras gestos dos actores daquele banal quarto de estas que crescem na terra onde morreram
obrigaram aqueles homens a agachar-se refregas, a tantos outros avanços e recuos, a hora foram examinados à lupa e sopesados seis homens. Passam carros esporádicos, de
como animais. O texto refere apenas, na tantos outros momentos entre o grotesco e ao milímetro por juízes que tinham uma meia em meia hora, de vidros fechados por
linguagem seca e previsível dos burocratas, o medonho que Æzeram a longa história medida de culpa para distribuir e que causa do frio, que logo desaparecem sem
que “todos eles morreram com muita desta guerra. Só que, neste caso, o relatório queriam à viva força pregá-la na lapela de abrandar. Alguém, certamente um dos tais
valentia”. Quererá dizer que não choraram? do sucedido, ao galgar de mão em mão os alguém, fosse lá quem fosse, para se “ingleses” de que me falou o aldeão das
Público • Domingo, 10 de Março de 2019 • 21
“Às armas!”
O cabo Floch estava na ponta direita da
trincheira com o soldado Aulanier e o
soldado Gay. Viu chegar os alemães e Æcou
estupefacto. Não estava à espera de ver
aparecer assim o inimigo, julgava que a
trincheira à sua direita se encontrava ainda
ocupada por tropas francesas. Estava a
comer, não tinha a arma ao alcance da mão.
Os alemães encostaram-lhe as baionetas ao
peito, Æzeram o mesmo a Aulanier e a Gay,
gritaram-lhes: “Mãos ao ar! Rendam-se!”
Floch gritou por sua vez: “Alerta! Estão aqui
os boches!”
No conselho de guerra, realizado no dia 3
de Dezembro, às cinco da tarde, foram
constituídos réus, acusados de abandono
do posto em presença do inimigo e de
desobediência à ordem de marchar contra o
inimigo, 24 homens. Dois cabos e 22
soldados, todos pertencentes à meia secção
do sargento Diot. Dos presentes naquela
trincheira, só não foram levados a tribunal
o próprio sargento Diot, o soldado Aulanier
e o soldado Pellerin.
A esmagadora maioria dos acusados nem
sequer chegou a pôr os olhos no inimigo. Os
depoimentos assemelham-se nas suas
linhas gerais. Estavam a comer, ouviram
gritos vindos da direita. Gritos lancinantes,
dizem alguns, como se alguém estivesse a
ser degolado. Gritou-se: “Às armas!” A
galochas, deixou, presa a um dos adornos atenções do monstro que ronda por perto, Seres humanos ordem foi passada de boca em boca. Todos
metálicos do monumento aos fuzilados, cientes de que qualquer passo em falso será Monumento aos deitaram a mão às espingardas, prenderam
uma papoila feita de lã tricotada. fatal. Tinham perfeita noção de que fuzilados, em Vingré. a baioneta ao cano da arma. Uns ouviram
Ler os depoimentos incluídos no estavam em jogo as suas vidas, sabiam a “Deve ter sido isto o gritar: “Avancem, avancem!” Outros
processo é doloroso, causa-me um dimensão da infâmia que os cercava. que mais enervou as ouviram brados a ordenar a retirada. De
incómodo quase físico. Como Rimbaud, pela pena do tradutor Cesariny, chefias: perceberem repente, soaram gritos: “Salve-se quem
inevitavelmente sucede sempre que o escreveu em Uma Cerveja no Inferno: “O que os seus homens puder, estão ali os alemães, vão-nos
aparelho judicial prende alguém nas suas mais ajuizado será abandonar tal ainda se comportavam massacrar!” Houve uma correria,
quelíceras, o destino de cada um não se continente onde a loucura ronda em busca como seres humanos, encontrões na trincheira apertada. Um
jogou nos factos ocorridos, mas sim no de reféns para estes miseráveis.” O ainda não tinham feito soldado desequilibrou-se, caiu de joelhos,
modo como os factos foram traduzidos em continente, claro está, era a Europa. E os a plena aprendizagem tornou a levantar-se. Um caudal humano
palavras, no modo como as palavras de miseráveis eram o comerciante, o da barbárie” jorrou, impetuoso, e escoou-se pela galeria
cada relato se entrelaçaram na rede magistrado, o general, o imperador. Os de acesso à trincheira de segunda linha,
semântica dos outros relatos. Só que, neste homens da meia secção do sargento Diot levando-os a todos. Quem já se viu
caso, a desproporção entre o suposto delito perceberam que chegara a sua vez. Os arrastado por uma multidão em pânico
e o castigo inÇigido é tão grande que me reféns da loucura europeia eram agora eles. sabe do que falo. Depararam-se com o
deixa aturdido, sem ter a que me agarrar. O cabo Floch escreveu à mulher, Lucie, subtenente Paulaud, que lhes ordenou que
Mais penoso ainda: em todos os na última carta: “Peço-te perdão de joelhos, regressassem à trincheira abandonada.
depoimentos dos acusados transparece humildemente, por toda a mágoa que te Depois de alguma hesitação, seguiram-no e
uma tensão de cortar à faca, como se eles vou causar e pelos transtornos que irás foram deparar-se com a trincheira deserta.
caminhassem em terreno minado, como se sofrer por minha causa...” O soldado Foi esta a história que quase todos
fossem marinheiros de Ulisses encerrados Blanchard escreveu à mulher, Michelle: contaram. Não houve mortos nem feridos
na caverna do Ciclope cego, todos a falarem “Perdoa-me, minha amada, tudo o que vais de parte a parte. Entre o início e o Æm deste
em sussurros para não atraírem sobre si as sofrer por mim.” E o soldado Gay escreveu banalíssimo incidente decorreram, c
22 • Público • Domingo, 10 de Março de 2019
À esquerda ou à direita
A segunda testemunha cujo depoimento
deu aos juízes os pretextos que eles soubesse ao certo quem fora: “Estão ali os A espera aÆrmou, por um único soldado, Pellerin,
procuravam para ceifar a eito nas Æleiras boches, você quer que a gente morra, é?” Em cima, arredores de que viu assim o seu nome riscado da lista
dos seus próprios homens foi o subtenente Furioso, chamou-lhes inúteis, e foi nesse Vingré; em baixo, a cave dos réus. Em 1921, no processo que
Paulaud. Ao ver surgir o tropel de fugitivos, momento que alguém, atrás dele, lhe onde cinco soldados e um conduziu à reabilitação dos seis de Vingré,
aÆrmou ter tentado obrigá-los a darem meia berrou: “Já que é tão corajoso, vá você à cabo passaram a última várias testemunhas aÆrmaram que Paulaud,
volta, gritando-lhes: “Avancem! Avancem frente!” E então, enchendo-se de brios, o noite — de 3 para 4 de tendo saído do seu abrigo, ordenou de viva
todos!” Em resposta, os soldados subtenente Paulaud irrompeu ao encontro Dezembro de 1914 — antes voz a retirada para a trincheira de segunda
gritaram-lhe duas ou três vezes, sem que ele da trincheira da primeira linha, seguido, de serem fuzilados linha e foi um dos primeiros a fugir.
Público • Domingo, 10 de Março de 2019 • 23
trincheira, quiseram saber com toda a longe num refulgir metálico, como um
minúcia quem estava à direita e à esquerda ruído de ventoinha antiga.
de quem, mas, no momento de pronunciar Em Uma Cerveja no Inferno, sempre pela
o veredicto, imperou a mais absoluta mão de Cesariny, o jovem Rimbaud
aleatoriedade. Pettelet e Blanchard estavam escreveu: “A quem devotar-me? Que
na parte esquerda da trincheira e foram animal é preciso adorar? Que imagem
condenados à morte. Nada há nos santa atacam? Que corações terei de
depoimentos deles que os diferencie dos
restantes. Li-os e reli-os de Æo a pavio, nada
Não sei, porque o esmagar? Que mentira devo defender?
Através de que sangue tenho de passar?”
contêm que pudesse ser usado como prova
incriminatória, nem mesmo por alguém
relatório da Nenhum dos três juízes do tribunal
formulou estas perguntas. Estas, sim,
com más intenções. Quando não se
pretende fazer justiça, mas apenas arranjar
execução não o mereciam resposta. Bastava terem-nas
feito para hesitarem um segundo. Bastava
bodes expiatórios, tanto faz condenar este
ou aquele. Podiam ter tirado à sorte, como
especifica, se os que tivessem lido Rimbaud.
Para seis dos 18 absolvidos, um terço, a
faziam os romanos para dizimar uma
coorte. Sempre seria mais honesto.
postes eram curtos, absolvição não passou de um adiamento da
pena capital. Morreram na guerra. Três
Louis Barthas, tanoeiro, traça nas suas
memórias um quadro de desconÆança
se, antes de os deles, Gilbert Guignatier, Jean Gardy e Pierre
Reverzy, morreram em Verdun, no prazo de
mútua, de animosidade declarada entre os
oÆciais e os soldados franceses durante a
matarem, obrigaram menos de três meses, entre Março e Junho
de 1916. Tanto na certidão de óbito de
Grande Guerra. Alguns dos episódios por ele
descritos são incríveis. Numa trincheira de
aqueles homens Guignatier como na de Reverzy consta a
menção “desaparecido em combate”. Isto
primeira linha, um soldado da esquadra de
Barthas, ao manejar a culatra da espingarda,
a agachar-se como queria normalmente dizer que o cadáver
Æcara perdido na terra-de-ninguém, numa
fere-se na mão e começa a sangrar. Um
sargento acorre de imediato, acusa-o de se
animais. O texto zona inacessível do campo de batalha. Ou
então que o cadáver Æcara tão esfacelado
ter ferido de propósito e leva-o à presença do
capitão. Só os protestos veementes do
refere apenas, na por um obus que nada havia para sepultar,
para meter num caixão. Última ironia:
soldado o livram de enfrentar um conselho
de guerra. Numa galeria juncada de mortos,
linguagem seca Gardy e Reverzy foram dois dos que, a 3 de
Dezembro de 1914, se salvaram por dois
os soldados passam horas a Æo à chuva, de
noite. O comandante envia sucessivos
e previsível dos votos contra um.
Media&Tecnologia
DR
Tecnologia Televisão
Emily is Away <3, Como se diz
food porn
uma história em chinês?
num Facebook
de outros tempos Jorge Mourinha
Não há dúvidas de que o food porn
se tornou num dos mais apetitosos
(passe o trocadilho) formatos da
motivação: “Não sei por que adoro Uma curiosa televisão não linear, sobretudo des-
João Pedro Pereira explorar as antigas redes sociais. série chinesa de que a existência de canais ex-
Acho que parte da razão é encapsu- no Netflix clusivamente dedicados à culinária
Estamos em 2008. O Facebook está lá-las e mostrar a experiência a gera- mostra sabores multiplicaram a produção, divul-
ainda na idade da inocência e é hora ções diferentes que não eram ado- capazes de gação e exibição de programas
de deixar o serviço de mensagens lescentes na altura. E acho que outra surpreender o onde já não se vende apenas uma
da AOL para falar com os amigos, parte é só gostar de fazer versões em mais ousado receita, mas sim uma experiência.
trocar links e fazer pokes na nova jogos pixelados das minhas próprias palato E não é de surpreender que o
rede social. memórias de criança”. ocidental NetÇix queira ganhar posição proe-
É assim que começa Emily is Away Emily remete não apenas para um minente no género: aÆnal, com a
<3, um videojogo ainda em desenvol- tempo em que as vidas de quem o série de monograÆas sobre chefs
vimento pela mão do criador indepen- joga eram possivelmente mais sim- de alta-cozinha Chef’s Table, já tem
dente Kyle Seeley, e que será o tercei- ples, como para uma época em que o paradigma do luxo do género
ro de uma série de narrativas digitais a nossa relação com a tecnologia era (quatro excelentes novos episó-
em que o jogador escolhe o seu rumo muito menos complicada. dios, a despropósito, acabam de se
na história através de diálogos online No caso desta terceira obra, há juntar aos 30 já existentes). Pelo
com as outras personagens. uma crítica ao rumo do Facebook: meio de uma oferta crescente que
Parte da nostalgia perder-se-á no “Sinto que o Facebook é uma sombra inclui óptimas séries como Sal,
público em Portugal. O AOL era um do que era”, aÆrmou Seeley. Gordura, Ácido, Calor, a “experiên-
serviço muito americano. Em Portu- O jogo surge precisamente numa cia” mais radical do canal acaba de
gal, nos anos 1990 e início dos anos
2000, o mIRC era a ferramenta de
altura em que Mark Zuckerberg deci-
diu redeÆnir o rumo do Facebook.
Emily remete entrar no “menu”: A Origem dos
Sabores, cujo título relativamente
eleição de adolescentes para conver-
sas online. Já o Facebook, em 2008,
Nesta semana, anunciou que o futuro
da rede social passa por um foco na
para uma pacíÆco não explica bem o que se
segue.
era por cá uma relativa novidade (“O
Facebook é que está a dar, o MySpa-
privacidade e por se tornar numa pla-
taforma de mensagens, permitindo a
época em que a Isto porque A Origem dos Sabores
abre todo um novo itinerário ao
ce já era”, escrevia a jornalista do
PÚBLICO Isabel Coutinho, em Março
utilizadores comunicarem entre si,
quer estejam no Facebook ou no Mes-
nossa relação food porn. A série é chinesa e foi
realizada por Chen Xiaoqing para
daquele ano).
Em Emily is Away <3, o Facebook
senger, Instagram ou WhatsApp.
Emily is Away <3 não tem ainda data
com a o serviço online do grupo multimé-
dia Tencent (a origem na rede jus-
chama-se Facenook, o YouTube é o
YouToob e as funcionalidades pro-
de lançamento. Por ora, é possível ver
uma curta apresentação em vídeo. E tecnologia era tiÆca a curta duração de cada um
dos 20 episódios, que ronda os 12
metidas ao jogador parecem ser mui-
to semelhantes ao Facebook daque-
é quase certo que o som Ænal desper-
tará recordações em muitos. muito menos minutos) e dedicada à cozinha da
região de Chaoshan, no Sudeste da
le tempo, incluindo um mural em
que tudo acontecia por ordem cro- jppereira@publico.pt complicada China. Ingredientes tão banais
como azeitonas, laranjas ou mexi-
nológica, em vez de ser meticulosa- lhões, que existem aqui em varie-
DR
mente ordenado por algoritmos. dades locais, ganham toda uma
De acordo com Seeley, a diversi- outra dimensão perante a salmou-
dade de funcionalidades do Face- ra, fermentação, marinada ou co-
book permitirá uma jogabilidade zedura que lhes são aplicadas (e
mais complexa do que a dos títulos nos quais um paladar ocidental ra-
anteriores. O jogador poderá enviar ramente teria pensado).
links ou fazer posts, em vez de apenas Apesar do evidente olho na diás-
seleccionar linhas de diálogo. Na sua pora global chinesa (e na futura
análise ao original Emily is Away — relação com um mercado que pode
lançado em 2015 e que tem como revelar-se bastante lucrativo), A
pano de fundo uma relação de ami- Origem dos Sabores abre sobretudo
zade à distância que cobre os anos a porta dos espectadores ociden-
de liceu e faculdade do protagonista tais a uma série de experiências
— o crítico de videojogos do PÚBLI- culinárias muito especíÆcas e loca-
CO, Pedro Martins, notava que os O jogo lizadas, com uma qualidade visual
diálogos Ænais encurralavam o joga- recupera a que nada Æca a dever a programas
dor, não lhe dando grandes hipóteses ordenação ocidentais. Mesmo que numa ver-
de escolha. cronológica são muito idiossincraticamente
Ao site The Verge, Seeley reconhe- do mural do chinesa, visível até nas algo pecu-
ceu que a nostalgia é boa parte da Facebook liares traduções…
Público • Domingo,
Doming 10 de Março de 2019 • 25
Semana de lazer
Po
Por Sílvia Pereira
lazer@publico.pt
Arte
BoCA aberta
a desafios
Marina Abramovic recupera nas Carpintarias de São Lázaro Spirit Música/Dança continentes. Empunham guitarra vez menos colada à imagem e aos
House a instalação que montou num matadouro das Caldas da Por um requiem eléctrica, tuba, mbira, acordeão trejeitos de fadista, embora sem
(este tocado pelo português João nunca se afastar do género, e
Rainha há 22 anos. Angélica Liddell leva ao Mosteiro de Tibães a mestiço Barradas) e outros instrumentos. cada vez mais apostada no tom
primeira visão de Lo frío y lo cruel. Pedro Barateiro faz A Viagem
Depois de nos terem trazido Bach Cantam em duetos e trios. E ligeiro e pop em que já tinha
Invertida a minas de lítio no D. Maria II. Yolanda Norton põe a
cantado por crianças surdas e deixam transparecer as suas raízes aventurado no anterior Mundo.
igreja lisboeta de St. George a “rezar” pelo empoderamento das Mahler com polifonia africana e e influências, do jazz à ópera, LISBOA Coliseu dos Recreios
mulheres negras com Beyoncé Mass. William Forsythe mostra sons de animais, o coreógrafo passando por rock e ritmos Dia 14 de Março, às 21h30.
Alignigung 2 em três museus. O Coro Gulbenkian vai ao Lux belga Alain Platel e a companhia africanos. Bilhetes de 20€ a 60€. PORTO
cantar Stockhausen. Cabe tudo isto – e muito mais – na segunda Les Ballets C de la B regressam LISBOA Culturgest Coliseu. De 17 a 19 de Março, às
BoCA – Biennial of Contemporary Arts. Com John Romão como com outra abordagem original à De 14 a 16 de Março. Quinta e 22h. Bilhetes de 18,60€ a 46,50€
director artístico, reinveste nas artes performativas e visuais, obra de um compositor clássico: o sexta, às 21h; sábado, às 19h.
insiste na diluição das fronteiras entre disciplinas e desaÆa Requiem de Mozart. A célebre Bilhetes a 18€ Teatro
artistas a saírem da sua zona de conforto. São mais de 50 a ocupar missa fúnebre transforma-se, FITA no Alentejo
37 espaços de Lisboa, Porto e, este ano, também Braga, ao longo pelas mentes de Platel e do Música
de mês e meio, com direito a 22 estreias mundiais e 15 nacionais. músico Fabrizio Cassol, em Mais coliseus para Nove municípios alentejanos,
Requiem para L., em que a uma extensão a Lisboa. Peças
um
orquestra é substituída por 14
Mariza oriundas de dez países e 11 dias
or
músicos de Quase um ano depois de ter para as representar. É a quinta
pa
vários esgotado os coliseus, Mariza edição do FITA – Festival
ed
regressa a estes palcos para mais Internacional de Teatro do
In
uma dose de Mariza. O disco, Alentejo. A anfitriã e organizadora
Al
lançado nessa altura, é o sétimo Lendias d’Encantar apresenta-se
Le
da sua carreira e o primeiro com com Vidas Clandestinas, A Ilha do
co
uma canção com letra sua, Desamanhã (co-produção com a
De
Oração. Traz uma cantora cada Companhia Certa do Varazim
Co
Teatro) e Kangalutas (com a Folha
Te
de Medronho e o Grupo do Teatro
do Oprimido da Guiné-Bissau).
Aos palcos vão também Alma de
Ao
Boleros, da Sapo de Otro Pozo
B
((Argentina); Tierra, da Punto Azul
(Cuba); La Super Familia, de La
Fulana Teatro (Chile); Pareja
Abierta, do Teatro Memorias
A
(Honduras); Medea, da Arte
Boricua (Porto Rico); EN, da
B
Companhia de Nacional de Danza
Co
Contemporánea (República
Co
Dominicana); Simone, Mujer
Do
Partida, da Mado Y Trillo (Uruguai);
Pa
e Hominus Brasilis, do Teatro
Manual, Aqueles Dois, da Luna
M
Lunera, e Rosa Choque, d’Os
Lu
Conectores (Brasil).
Co
A
ALJUSTREL, ALMODÔVAR,
BE
BEJA, CAMPO MAIOR, ELVAS,
LISBOA,
SBOA, PORTO e G
GRÂNDOLA, LISBOA,
BRAGA
RAGA Vários locais M
MÉRTOLA, PONTE DE SOR,
De
e 15 de Março a 30 de SA
SANTIAGO DO CACÉM
Abril.
bril. Programa completo Vá
Vários locais. De 14 a 24 de
em
m www.bocabienal.org. M
Março. Programa completo em
Grátis
átis a 12€ (excepto w
www.lendiasdencantar.com/fita-
workshops,
orkshops, de 20€ a 150€) 20
2019. Grátis a 3€
26 • Público • Domingo, 10 de Março de 2019
Dia de Äcar
DOCUMENTÁRIO
todos os outros. Em troca da vida Comissário Montalbano 20.17 De 10.25 A Origem dos Guardiões (VP) Especial 17.27 Acampamento Kikiwaka
dos reféns, era exigida a Lisboa a Helsínquia 20.36 Uma Noite 12.05 Aviões - Equipa de Resgate (VP) 18.14 Bizaardvark 19.00 A Irmã do Meio
libertação de terroristas detidos 21.01 Medicinas do Mundo 21.30 13.30 Um Segredo do Passado 15.25 21.22 K.C. Agente Secreta
em prisões localizadas em França, Jornal 2 22.13 A Coleção 23.09 Anne Dia da Independência 17.55 Mil e uma Anne Morgan, uma Americana
Alemanha, Suíça, Quénia e Israel. Morgan, uma Americana na Grande Maneiras de Bater as Botas 19.55 na Grande Guerra
Caso as suas reivindicações não Guerra 0.03 Sons de Nova Iorque: Luis Colateral 22.00 Rei Artur 0.10 O DISCOVERY RTP2, 23h09
fossem atendidas, ameaçavam Perdomo & Mimi Jones 0.36 De Mulher Lobisomem 2.00 No Labirinto dos 17.15 Chapa e Pintura 19.05 O Segredo Filha do abastado banqueiro John
fazer explodir o avião com todos Para Mulher no Festival de Jazz de Nice Ursos 3.35 Foxcatcher das Coisas 21.00 A Febre do Ouro Pierpont Morgan, Anne Morgan
os prisioneiros dentro. Sob 1.52 Olhar o Mundo 2.34 Cinemax 3.37 22.00 A Febre do Ouro: Austrália esteve, logo após a Primeira
pressão, Israel lançou um raide de O Povo Que Ainda Canta 23.50 A Febre do Ouro 0.40 A Febre Grande Guerra, na vanguarda do
comandos, numa operação que AXN do Ouro: Austrália 2.15 Na Rota do feminismo e das acções
Æcou na história como a missão de 13.36 The Rookie 14.26 A Pantera Ouro Com Parker Schnabel 3.00 Já humanitárias. Com a ajuda de
resgate mais complexa e perfeita SIC Cor-de-Rosa (2006) 16.06 A Pantera Estavas Avisado! 4.30 Negócio cerca de 350 mulheres
de sempre. Um thriller de acção, 6.00 Os Malucos do Riso 6.50 Tobots Cor-de-Rosa 2 17.45 O Segurança do Fechado 5 norte-americanas, desejosas de
realizado pelo brasileiro José 7.15 Lego Nexo Knights 7.40 Os Shopping 19.25 The Good Doctor emancipação, fundou o CARD -
Padilha, que conta a história da Guardiões da Galáxia 8.10 Gosto Disto 20.15 The Good Doctor 21.05 The Comité Americano para as
mítica Operação Entebbe. 9.05 Olhó Baião! 12.15 Vida Selvagem: Good Doctor 21.55 Golpe de Amor HISTÓRIA Regiões Devastadas e ajudou a
Battle of the Swamp Dragons 13.00 23.40 Uma Questão de Nervos 1.30 A 17.03 O Preço da História 20.11 A reconstruir a devastada Picardia,
Jaime Primeiro Jornal 14.20 Show 15.00 007 Verdade Escondida 3.43 Hansel & Maldição de Oak Island 0.19 Criaturas França.
RTP1, 23h37 Spectre 17.45 xXx: O Regresso de Gretel: Caçadores de Bruxas Míticas 1.54 Templários e O Santo
INFANTIL
Jaime tem treze anos, trabalha, e Xander Cage 19.57 Jornal da Noite Graal 2.37 Templários e O Santo Graal
acredita que o dinheiro lhe 21.35 Quem Quer Namorar com o 3.22 The Clinton Affair 5.34 Trump: O
poderá devolver a felicidade Agricultor? 23.20 Levanta-te e Ri - AXN BLACK Caminho Para a Casa Branca
perdida. Ulisses e Jaime são dois Leiria 2.00 Vamos Jogar! 13.06 Punisher - Zona de Guerra 14.41 Aviões - Equipa de Resgate (V.P.)
jovens adolescentes que A Jóia do Nilo 16.25 Corpo de Delito Hollywood, 12h05
trabalham clandestinamente. Um 18.03 Profundo Azul 2 - O Recife 19.30 ODISSEIA De simples avião fumigador, Dusty
porque a família o obriga, outro TVI Má Fé 21.14 Capote 23.04 Caso 39 17.31 Rivais do Recife 18.24 Assim Se passou a corredor fora de série.
porque quer. Com ele poderá 6.15 Os Batanetes 6.45 Campeões e 0.52 Os Últimos Cavaleiros 2.40 Bad Formou a América do Norte 19.18 Top Mas tudo muda quando sofre uma
comprar uma mota para o pai, Detectives 8.18 Detective Maravilhas Boys 2 4.59 iZombie 10 Clima Extremo 20.02 Aviões SOS avaria. Consciente do Æm da sua
que assim poderá encontrar 9.20 O Bando dos Quatro 9.59 Viral 20.48 Power 22.31 Airbus 350: a carreira, regressa à terra que o viu
emprego e reconciliar-se com a Querido, Mudei a Casa! 11.12 Missa - Estrela dos Céus 23.14 Slutever 23.59 nascer para poder acabar os seus
mãe... Um Ælme de António Pedro Lisboa 12.28 Selfie 13.00 Jornal da AXN WHITE Resgate na Praia 0.50 Airbus 350: a dias. Porém, é incitado a usar os
Vasconcelos que escolheu um Uma 14.00 Somos Portugal 19.57 14.52 Infiel 17.04 Isto Só a Mim! 18.35 Estrela dos Céus 1.33 Slutever 2.18 seus conhecimentos de voo para
vasto elenco de actores liderado Jornal das 8 21.55 Quem quer casar In Memoriam 20.21 Young Sheldon Resgate na Praia 3.05 Power 4.48 Jóias treinar a equipa de combate aos
por Nicolau Breyner, Saúl Fonseca com o meu filho? 23.32 First Dates, o 22.00 Em Solitário 23.49 A Guerra dos da Arte 5.42 Aviões SOS Viral incêndios na Base Aérea de Pico
e Zita Duarte. Pistão.
Público • Domingo, 10 de Março de 2019 • 27
Dia de sair
15h35, 18h15, 21h05, 23h50; Vice M14. Marvel M12. 12h50, 15h40, 18h30, 20h40, Avenida Dom Pedro I, Lote 1/2. T. 215887311 22h; O Filme Lego 2 M6. 12h45, 15h, 17h15,
AS ENTREVISTAS
Dez personalidades nacionais e estrangeiras
de primeiro plano deixam-nos o seu pensamento
sobre a questão europeia e apontam caminhos
para o futuro. Até Março no P2.
O ANIVERSÁRIO
Dia 5 de Março, data do aniversário do PÚBLICO,
os temas europeus merecerão uma atenção especial.
A directora por um dia convidada para a efeméride
é Elisa Ferreira, ex-eurodeputada no Parlamento Europeu
e actual vice-presidente do Banco de Portugal.
A CONFERÊNCIA
Dia 15 de Março, o PÚBLICO organiza na Casa da Música,
no Porto, uma conferência para debater o presente
e o futuro da Europa. Entre várias personalidades
nacionais e estrangeiras, estarão presentes o
Presidente da República e o primeiro-ministro.
PATROCÍNIO APOIO
Público • Domingo, 10 de Março de 2019 • 29
Jogos
XADREZ
Fernandes (Golpilheira) Beja - Central - Vale Bidarra (Fernão Ferro) Serpa - Serpa
Belmonte - Costa , Central (Caria) Benavente - Jardim Sertã - Patricio , Farinha (Cernache do
Miguens Bombarral - Hipodermia Borba - Bonjardim) Sesimbra - Leão Setúbal - Fuzeta ,
Sol Lua Crescente
Carvalho Cortes Cadaval - Misericórdia Marques Silves - Algarve , Dias Neves, Edite, Nascente 06h56
L. Kubbel Caldas da Rainha - Caldense Campo Maior - Ass. Soc. Mutuos João de Deus Sines -
Central Cartaxo - Central do Cartaxo Cascais Atlântico , Monteiro Telhada (Porto Covo)
Poente 18h38 14 Mar. 10h27
1922 - Marginal , Ribeiro do Arneiro (São Domingos Sintra - Vasconcelos , Fidalgo (Algueirão -
(As brancas ganham) de Rana) Castelo Branco - Nuno Alvares Mem Martins), Garcia (Cacém) Sobral Monte
Castelo de Vide - Freixedas Castro Verde -
Alentejana Chamusca - Joaquim Maria
Agraço - Moderna Sousel - Mendes Dordio
(Cano) , Andrade Tavira - Félix Franco Tomar -
Marés
Cabeça Constância - Vila Farma Constância , Misericórdia Torres Novas - Lima Torres
Carrasqueira (Montalvo) Coruche - Vedras - Garcia Alves Vendas Novas - Nova Leixões Cascais Faro
Misericórdia Covilhã - São João Cuba - Da Viana do Alentejo - Viana Vidigueira - Costa
Misericórdia Elvas - Calado Entroncamento - Vila de Rei - Silva Domingos Vila Franca de
Terra Estremoz - Godinho Évora - Teixeira Xira - Valentim LDA. , Central de Alverca Preia-mar 04h55 3,3 04h31 3,3 04h38 3,2
1–0
5.Cd7+ Rd5 6.Cb6+ Rxc5 7.Cxa4+ Faro - Almeida , Da Penha Ferreira do Alentejo (Alverca), Central Vila Nova da Barquinha - 17h12 3,2 16h47 3,2 10h28 0,7
[4...Dd1 5.f4#] - Fialho Ferreira do Zêzere - Graciosa , Soeiro, Tente (Atalaia) , Carvalho (Praia do Ribatejo),
[4...Df1 5.Cg4+ Rd5 6.Ce3+ Rxc5 7.Cxf1] Moderna (Frazoeira/Ferreira do Zezere) Oliveira Vila Real de Santo António - Carrilho Baixa-mar 11h01 0,7 10h35 0,9 16h54 3,1
Figueiró dos Vinhos - Campos (Aguda) , Vila Velha de Rodão - Pinto Vila Viçosa -
2.Cf6+! Re5 3.gxf3! a1=D 4.Bc5 Da4
Correia Suc. Fronteira - Costa Coelho Fundão Monte Alvito - Baronia Ansião - Moniz 23h16 0,8 22h49 1,0 22h42 0,8
[1...a1=D 2.Cf6+ Re5 3.e7]
1.e6! fxe6 - Taborda Gavião - Mendes (Belver) , Pimentel Nogueira Redondo - Alentejo
Golegã - Lusitano Grândola - Moderna Fonte: www.AccuWeather.com
Solução:
30 • Público • Domingo, 10 de Março de 2019
Estar bem
LUCIANO LOZANO/GETTY IMAGESA
A física refere-se ao termo “resiliên- Fale sobre resiliência
cia” como “propriedade de um cor- Leia livros e conte histórias que
po de recuperar a sua forma original abordem a superação de situações
após sofrer choque ou deformação” difíceis. Incentive a criança a falar
(in Priberam). Nas ciências sociais, sobre casos que conheça. Explique-
apesar de encontrarmos múltiplas lhe onde e a quem pode recorrer
aceções, a mais comum é aquela que quando necessitar de ajuda.
deÆne a resiliência como a capaci-
dade ou o conjunto de capacidades Construa e fomente relações
que permitem ao ser humano lidar de suporte
e adaptar-se de forma positiva às Crie uma relação próxima e afetiva.
circunstâncias adversas. Porém, ao Faça com que a criança ganhe um
contrário dos corpos a que a física sentido de pertença. Dê atenção e
se dedica, sabemos que no ser hu- afeto, brinque, conforte, ouça os
mano as experiências, sobretudo na seus interesses e mostre empatia, o
infância, permanecem connosco e que não signiÆca que concorde sem-
modiÆcam a forma como pensamos pre com ela, mas que é capaz de se
e sentimos. pôr no seu lugar e entender os seus
Apesar de vivermos uma era em sentimentos.
que a adversidade é frequentemen-
te abafada pelo aparente estado con- Promova o autocontrolo
tínuo de felicidade que as redes so- e a autorregulação
ciais promovem, a verdade é que, A criança aprende a autorregular o
em determinados momentos, todas seu comportamento através das in-
as famílias vivem situações difíceis terações diárias com os cuidadores.
e stressantes. Divórcios, problemas Por isso, garanta bons hábitos de
de saúde física e mental e experiên- sono e de alimentação. Ajude-a a
cias escolares negativas estão talvez acalmar-se, através da respiração ou
entre as mais frequentes, mas não a imaginar algo que lhe dê prazer.
nos esqueçamos de uma parte signi- Ensine-a a saber esperar desde ce-
Æcativa da nossa população (e das do: recorra a rimas e lengalengas
nossas crianças) que vive em grande enquanto espera por algo; deÆna
desvantagem social, na pobreza e/ou rotinas e momentos próprios para
exposta à violência. Neste sentido, determinadas ações; elogie sempre
a ciência tem demonstrado que ex- que se mostra paciente. Encoraje a
posição sistemática e prolongada a perseverança perante os desaÆos e
experiências adversas na infância a frustração.
está associada a um maior risco de
desenvolvimento de doença mental, Fomente a autonomia
abuso de substâncias, abandono es- e a responsabilidade
colar e perturbações de ansiedade. Dê oportunidade para que a criança
Perante isto, devemos questio- tome decisões relevantes sobre os
nar-nos: porque é que há crianças contextos em que está envolvida e
que superam melhor a adversidade que possa ser ela própria, e não o
do que outras? Como podemos aju- adulto, a encontrar formas de resolver
dá-las a desenvolver o seu sentido os seus problemas. Permita-lhe correr
de resiliência e prepará-las para as riscos saudáveis, adequados à sua ida-
diÆculdades que poderão enfrentar de e fase de desenvolvimento.
durante a adolescência e a vida
adulta? Ajude a gerir emoções
Para tal, importa entender que a Nem todas as adversidades são trau-
resiliência não é uma qualidade máticas e muitas delas podem ser
inata que se detém ou não ao nas- positivas. Ao experienciar diÆculda-
cer. É algo que se desenvolve atra- des, criam-se oportunidades de
vés de um processo dinâmico entre crescimento. Ser resiliente não é
desde a infância:
siliência manifesta-se quando a saú- sentimentos da criança, incentive-a
de mental e o desenvolvimento de a nomear o que sente, fale com ela
uma criança se encontram numa sobre situações que a deixam ansio-
direção positiva, apesar do peso sa e ajude-a a encontrar formas de
Crónica
É
um facto conÆrmado chamar-se “porco gordo racista” — que são levadas de avião pela fotograÆa de Stacey Dooley:
pela ciência que só há ao que parece, a Internet não Alexandre Martins Comic Relief para gravarem estes metade apoiava David Lammy, e a
três certezas nesta estava preparada para esta Ælmes é que isso transmite uma outra metade nem queria ouvir o
vida: a morte, os discussão. imagem distorcida de África, que que aquele “porco gordo racista”
impostos e aquela “Isto não é pessoal e eu não perpetua uma velha ideia da era estava para ali a dizer. Um efeito
fotograÆa com uma ponho em causa as boas intenções colonial.” também conhecido pelos
criança negra ao colo que as dela”, disse Lammy. “O meu Por esta altura, a Internet já cientistas como “um dia normal
pessoas brancas partilham no problema com as celebridades estava partida em dois, como o no Twitter e no Facebook”.
Instagram assim que põem o pé coração negro na legenda da Como é óbvio para qualquer
abaixo do deserto do Sara. DR pessoa que passe mais de cinco
Calma. Deixemos as irritações minutos por dia na Internet, o
com o politicamente correcto, o deputado britânico cometeu um
marxismo cultural e a ideologia de erro ainda maior: apresentou
género a descansar por uns factos.
minutos naquela ilha do PacíÆco “A esperança média de vida
onde os unicórnios e os dragões subiu mais de 10% em 37 países
vivem em liberdade e harmonia, e africanos; o aumento percentual
vamos todos fazer um exercício do Produto Interno Bruto nos 11
que já não fazemos há muito maiores países subsarianos foi
tempo: pensar em conjunto e sem mais do dobro do que a média
pedras na mão. mundial; e as remessas da
No dia 23 de Fevereiro, a diáspora africana representam
britânica Stacey Dooley, uma mais nove mil milhões de dólares
conhecida jornalista de [oito mil milhões de euros] do que
investigação, realizadora de o total enviado em ajuda
documentários e estrela do internacional.”
programa de dança Strictly Come A melhoria da situação em
Dancing, partilhou no Instagram muitos países africanos tem sido
uma fotograÆa tirada no Uganda, impulsionada pelo esforço diário
durante as Ælmagens para uma de milhões de africanos que Æcam
campanha da associação de de fora das fotograÆas partilhadas
solidariedade social Comic Relief. no Instagram. E, ao serem
Na imagem, Dooley carrega ao representados por jovens
colo uma criança negra, que tem britânicos com crianças negras e
aquela expressão que as crianças pobres ao colo, esses milhões de
fazem quando não parecem estar africanos não conseguem mudar a
muito interessadas em subir ao narrativa transmitida pelas
colo de alguém. fotograÆas do Instagram: as
Na legenda, a britânica escreveu crianças africanas precisam de
“OB.SESSSSSSSSSSED” e ajuda porque os políticos do
juntou-lhe a imagem de um continente são todos uns
coração negro partido ao meio. ditadores corruptos, e só os
Stacey Dooley não fez nada que brancos podem salvá-las.
muitas outras Æguras — mais É claro que nem Stacey Dooley,
públicas e menos públicas — não nem a esmagadora maioria das
façam todos os dias. Mas, desta celebridades que posam no
vez, o deputado do Partido Instagram com crianças negras ao
Trabalhista David Lammy, um colo — e nem os anónimos que
britânico Ælho de naturais da organizam desÆles de Carnaval
Guiana, achou que devia falar com crianças mascaradas de
sobre isso. estereótipos andantes — têm más
“O mundo não precisa de mais intenções. Mas quem tem boas
salvadores brancos. Isto perpetua intenções também arranja tempo
estereótipos gastos e inúteis. Em para ouvir quem se diz
vez disso, vamos promover vozes incomodado ou ofendido. E para
de todo o continente africano e pensar e respirar fundo antes de
lançar um debate sério.” gritar “politicamente correcto”.
Boom! Em poucos minutos, o
deputado David Lammy passou a alexandre.martins@publico.pt
32 • Público • Domingo, 10 de Março de 2019
Ensaio
Entre o milho semeia-se o feijão, que parte daquilo que hoje existe nas processos de cultivo, rega, abrasa estas terras quando é Verão
se enrola aos caules daquele, as hortas. Metamorfoses mobilização de terra, adubos e e o sol cai a pique, o rebanho
abóboras, e plantam-se hortaliças, Tudo isso resultou num Álvaro Domingues Ætossanitários, maquinarias as percorre as pastagens comendo e
regadas pela mesma água; na orla prodígio de construção artiÆcial mais diversas, aos plásticos ou à ruminando muita erva e pouca
dos campos, dispõem-se alinhadas da paisagem que só terminava nos selecção genética — e de integração física teórica.
as árvores de fruto ou as uveiras por lameiros da montanha com nos mercados globais, a A ovelha, natureza doméstica
onde trepa a vinha. Na maior povoados aglomerados e esparsos, importância e o papel do solo que já acompanhava os nómadas
extensão do Noroeste, nos montes e encostas pedregosas agrícola na equação complexa dos pré-históricos em rebanhos
desapareceram os pomares rapadas por séculos de pastoreio e sistemas de produção está sempre imensos e divagações sem Æm,
especializados e as vinhas baixas cortes de mato. Abrigado a mudar. continua inseparável dos humanos
lembradas nos documentos No Alentejo, plano e seco, era Eis então uma nova policultura — e dos seus artifícios, seja no
medievais; decaiu também a
criação de gado grosso, que viu
tudo ao contrário: especialização
em vez da mistura. O trigo era a
do calor, o segredo da mistura minhota das
várias culturas no mesmo terreno
restolho, entre os chaparros ou
entre os campos das fotovoltaicas:
ocupados parte do ano os seus
terrenos de pastagem. (…) (1)
produção base do latifúndio a
perder de vista… aquela monotonia
o rebanho —, uma espécie de seara
fotovoltaica combinada com a
limpam o terreno, depositam a
caganita para manter o solo fértil,
obsediante da planura e suas vastas percorre produção de pastagem para impedem que o mato cresça e
A
ssim escrevia perspectivas sem paisagem, pequenos ruminantes ditos assombre os painéis, dão leite, lã e
Orlando Ribeiro
sobre a policultura
cenografadas a amarelos de seara e
azul de céus: aqueles intermináveis
as pastagens ovelhas, a negra e as outras.
De factor de produção, a
cordeiros, agnus em latim.
Do natural ao sobrenatural —
da Ribeira do Minho.
Numa sociedade
desdobramentos de argila vermelha
e enxuta, polvorenta, sangrando às
comendo electricidade passou a ser a própria
Ænalidade da produção. Quais Ælas
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi
—, havendo sol e terra e chuva
então marcada pela
ruralidade profunda, o que
mordeduras inclementes do sol, sem
um entreluzir de águas, que lhe
e ruminando de árvores bidimensionais a perder
de vista no latifúndio alentejano, os
quanto baste, são os humanos
especialistas na produção de
impressionava o geógrafo era o
elevado grau de produtividade
matassem a sede; aquela lividez
hóstil dos rastolhos. (2) muita erva painéis procuram o sol para
produzir o fogo eléctrico, como
natureza sintética, de paisagens
tecnológicas como já eram as do
conseguido pelo sistema de
culturas que se estendia por veigas
Entretanto, como tudo mudou,
também a agronomia teve de se e pouca física dizia Benjamim Franklin, que
lançava papagaios para recolher
Minho rural da rega, dos muros,
dos socalcos e da policultura
e socalcos com uma variedade de
produções que se misturavam e
orientar. Em tempos de
intensidade tecnológica — desde os teórica esse fogo das nuvens dos céus
trovejantes. Abrigado do calor que
promíscua.
Por assim ser, não se entende
que, sazonalmente, rodavam de ÁLVARO DOMINGUES
porque é que é tão complicado
modo a manter a terra sempre a hoje olhar para estas imensidões
produzir alguma coisa. A horta era tão harmoniosamente ordenadas.
talvez o exemplo mais Se em vez de painéis fotovoltaicos
diversiÆcado e intenso dessa houvesse tractores ou ceifeiras-
promiscuidade. Atendendo aos debulhadoras-enfardadeiras,
recursos tecnológicos de então, talvez o povo não se atrapalhasse
ainda sem adubos químicos, com a tecnologia; assim, torna-se
tractores e outras máquinas complicado porque os painéis não
agrícolas, esta mistura de plantas lavram nem enfardam.
e animais, pão e vinho, fumeiro e Fosse a energia eléctrica barata
batatas, farinha e galinhas…, e não tivéssemos todos de pagar
viabilizava uma agricultura de exorbitâncias por electricidade
subsistência que alimentava uma gerada pelo sol ou pelo vento, e
multidão de gente espalhada por era um mundo perfeito. O povo é
um território sem aldeias mas com muito difícil de contentar. É por
milhares de freguesias, lugares e isso que muitos dos que mandam
casais, estradas e caminhos e, preferem mandar como em
sobretudo, levadas de rega que rebanhos — adaptam-se a tudo e
conduziam a água à parcela mais berram pouco.
minúscula e distante. Dizia Mestre
António em 1512 sobre esta 1. Orlando Ribeiro (1945), Portugal, o
província e suas avondanças, que Mediterrâneo e o Atlântico — Estudo
era tão povorada que em poucas Geográfico, Coimbra Editora Lda, p.17
2. José Corrêa d’Oliveira, prefácio a José da
partes della se poode dar hum
Silva Picão, Através dos Campos: Usos e
brado que se não ouça em povoado! Costumes Alentejanos (Concelho de Elvas),
—, e ainda não tinha chegado o 2.ª ed., Lisboa, Neogravura, 1947, p.VIII.
milagre do milho americano, das (1.ª ed. 1903) (ed. online)
batatas, do feijão, da abóbora, do
tomate, do pimento e de uma boa Geógrafo. Professor da FAUP
571b50ed-6c2f-429c-901f-270aff607ac3