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A tradição viva – A.

Hampaté Bâ

O autor relata que quando falamos de tradição em relação à história africana,


referimo-nos essencialmente à tradição oral, e que nenhuma tentativa de imergir na
história e na cultura dos povos africanos terá validade a não ser que se apoie nesse modelo
de herança de conhecimento. Hampaté afirma que essa herança de boca a boca ainda não
se perdeu e reside na memória da última geração desses depositários, os quais “são a
memória viva da África”.1

Entre as nações modernas, onde a escrita sobrepõe a oralidade, o autor expõe que
por muito tempo se julgou os povos sem escrita como sem cultura. Entretanto, felizmente,
afirma o autor, essa noção infundada começou a desmoronar. Hoje, “o problema todo se
resume em saber se é possível conceder à oralidade a mesma confiança que se concede à
escrita quando se trata do testemunho dos fatos passados”.2 Para Hampaté o problema
não deve ser colocado nestes termos. Para ele, o testemunho, seja escrito ou oral, no fim
não é mais que testemunho humano, portanto, sua validade é o quanto vale o homem que
lhe conta a história. O autor expõe que a oralidade faz nascer a escrita, antes de escrever
um relato, o homem recorda os fatos como lhe foram narrados ou como ele experienciou.
“Nada prova a priori que a escrita resulta em um relato da realidade mais fidedigno do
que o testemunho oral transmitido de geração a geração”. 3 Diversos relatos escritos são
enviesados, frutos de um ângulo do prisma, respectivo a determinados interesses. Além
disso, diz o autor, os próprios documentos escritos nem sempre se mantiveram livres de
falsificações ou alterações ao passarem pelas mãos dos copistas.

Nas sociedades de tradições orais, não só o papel da memória é mais bem


desenvolvido, como também a ligação entre o homem e a palavra. Nas sociedades
africanas expostas por Amadou Hampaté, o homem está ligado à palavra que profere, está
comprometido por ela e, em última instância, ele é a palavra. A própria coesão da
sociedade repousa no valor e no respeito pela palavra. Por outro lado, o autor aponta que
vemos que a escrita, mesmo nessas sociedades, vai substituindo a palavra falada,
tornando-se a única prova e único recurso, esvaziando o poder do compromisso falado.
Nas tradições africanas que o autor explicita, a palavra falada se empossava de um valor
moral fundamental, vinculado de um caráter sagrado com gênese no divino e nas forças

1
P.167
2
Ibdem, p. 168
3
Idem.
ocultas. Em suma, “a tradição oral baseia-se em uma certa concepção do homem, do seu
lugar e do seu papel no seio do universo”.4

Uma das grandes tradições africanas, a bambara do Komo, ensina que a palavra é
uma força fundamental que emana do próprio Ser Supremo, Maa Ngala. Na cosmogonia
Komo, contado pelo mestre ferreiro iniciador aos jovens circuncidados, revela que Maa
Ngala sentiu falta de um interlocutor e assim criou o primeiro homem: Maa. Maa Ngala
soprou seu próprio hálito em sua criação, pondo uma parte de si em sua criação. 5 Como
as palavras provinha de Maa Ngala para o homem, as palavras eram divinas, após o
contato com a corporeidade, perderam um pouco de sua divindade, mas ainda carregaram
uma sacralidade. Maa Ngala depositou em Maa as três potencialidades: do poder, do
querer e do saber, mas todas essas forças permanecem silenciadas dentro dele até que a
fala venha colocá-las em movimento. Postas em movimento, as forças começam a vibrar:
primeiro na forma de pensamento, depois de som e, por último, em fala. Esta última é a
materialização das vibrações das forças ocultas divinas.

Tal como a fala divina de Maa Ngala animou as forças cóscimas que repousavam
em Maa, a fala humana coloca em movimento e suscita as frças que estão repousando nas
coisas – para que se produza um efeito total, as palavras devem ser entoadas ritmicamente,
porque o movimento precisa de ritmo. Nesta linha sacra, a fala é responsável por manter
a harmonia do homem com o mundo que o cerca. Por esse motivo, a maior parte das
sociedades orais tradicionais considera a mentira como uma enorme falaha moral. A
harmonia é perturbada pela mentira. “Aquele que corrompe sua palavra, corrompe a si
próprio”.6 Quando alguém pensa em uma coisa e diz outra separa-se de si mesmo.

Mais do que todos os outros homens, “os tradicionalistas-doma obrigam-se a


respeitar a verdade. Para eles, a mentira não é simplesmente um defeito moral, mas uma
interdição ritual cuja violação lhes impossibilitaria o preenchimento de sua função”.7 Um
mentiroso não poderia ser um iniciador, e muito menos um Doma. Se um tradicionalista-
doma revelar-se um mentiroso, jamais voltaria a receber a confiança de alguém. Mais do
que todos, os Doma sujeitam-se a obrigação para com a verdade, pois são os grandes
detentores da Palavra, principal agente da vida humana e espiritual. São herdeiros das

4
P. 170
5
Vale ressaltar que o homem, Maa, é concebido como a mistura de todas as coisas existentes no
universo. Mais especificamente dos vinte elementos do universo, segundo esta tradição.
6
P. 174.
7
Ibidem, p. 177
palavras transmitidas por seus ancestrais, as palavras que podem remontar às primeiras
vibrações sagradas emitidas por Maa. Desse modo, se o Doma é detentor da Palavra, os
demais homens são os depositários da mesma.

Na África, de acordo com Hampaté, tudo é “História”. A grande História da vida


compreende a história das terras e das águas, a história dos vegetais, a histórias dos “filhos
do seio da terra” (mineralogia, metais, etc.), a história dos astros, a história das águas,
entre tantas outras. De todas estas, a maior e mais significativa é a do Homem, uma vez
que este é a simbiose de todas as histórias, visto que foi feito com uma parcela de tudo
que existiu antes dele.

Dos ofícios tradicionais, os artesanais tradicionais são os grandes vetores da


tradição oral. Toda função artesanal estava ligada a um conhecimento esotérico
transmitido de geração para geração. O trabalho do artesão era sagrado porque remetia a
obra de Maa Ngala. A tradição bambara afirma que a criação não está acabada, que Maa
Ngala deixou inacabada justamente para que seu interlocutor, Maa, as completasse e
modificasse, visando conduzir a natureza à perfeição. Em toda a tradição do Bafur, o
nobre ou chefe, o Horon, não só é proibido de tocar música publicamente, mas também
deve ser moderado em sua fala. Não deve conversar muito. Assim surgem os griots,
assumindo papel de mediadores, sendo a língua de seu mestre.

Uma vez que a sociedade africana está baseada no diálogo e na comunicação, os


griots são os agentes ativos e naturais dessas conversações. Inclusive, são autorizados a
ter “duas línguas na boca”, podem desdizer algo ou embelezar a verdade sem causar
ressentimentos. Entretanto, o nome griots fora dado pelos franceses, em língua nativa,
chamam-se dieli, que, em babara, significa “sangue”. Tal como o sangue, eles circulam
pelo corpo da sociedade, podendo curar ou deixar doente. Desse modo, os dieli foram
importantes agentes ativos do comércio e da cultura humana.

No mundo do homem tradicional, o conhecimento é incorporado a totalidade da


vida, tem um sentido prático cotidiano, uma vez que deve respeitar um conjunto de
proibições e obrigações ligadas à sua atividade. Desse modo, o ofício tradicional esculpe
o ser do homem, o conhecimento é vivido, os instrumentos e ferramentos de um oficio
materializam as palavras sagradas.

Os rígidos valores morais e a relação com a preservação do conhecimento, de


acordo com o autor, gradualmente levou estes grupos à noção de “casta”. A noção de
castas superiores ou inferiores, portanto, não se baseia em uma realidade sociológica
tradicional, mas sim como consequência da aparição de alguns impérios, nos quais a
função de guerreiro, reservada aos nobres, lhes conferia uma espécie de supremacia.
Embora não exista a noção de superioridade propriamente dita, algumas classes precedem
as outras, pois demandam iniciação e conhecimentos especiais. O ferreiro está no topo da
hierarquia, seguido pelo tecelão, pois seu ofício implica no mais alto grau de iniciação.

Os Dieli possuem demasiada influência sobre os Horon, isso se deve ao fato de que
os primeiros têm um grande conhecimento acerca da genealogia e da história das famílias.
Geralmente os griots possuintes desse saber não possuem a uma família e viajam pelo
país em busca de informações históricas cada vez mais extensas. Os Horon podem
presentear um dieli caso este lhe cause entusiasmo e sentimento, entretanto, não se trata
de “retribuição”, qualquer que seja a fortuna, os nobres são tradicionalmente obrigados a
oferecer presentes aos dieli – mesmo que este último seja mais rico que o nobre. Tendo
isso em bista, Amandou Hampaté explicita que os griots genealogistas tornaram-se,
naturalmente, os arquivistas da sociedade africana, além de grandes historiadores. Um
dieli não necessariamente é um historiador, embora se incline a isto, a possibilidade de se
tornar um “conhecedor”, um Doma, está ao seu alcance tanto quanto qualquer outro
membro da sociedade. Assim como um doma pode vir a ser um grande genealogista e
historiador. O griot que também é um tradicionalista-doma constitui uma fonte de
informações de absoluta confiança, relata o autor, pois sua qualidade de iniciado lhe
confere um alto valor moral e o sujeita à proibição da mentira. Torna-se um “griot rei”.
A relevância da veracidade dos fatos é tão grande na sociedade bambara que quando se
está na presença de um griot rei, pergunta-se se a história que este irá contar é a de um
dieli ou de um doma. Dependendo da resposta, a confiabilidade da narrativa assume a
dimensão de escutar fatos reais ou embelezados.

Um homem que se torna doma raramente permanece em sua cidade, pois se deseja
aprofundar seus conhecimentos deve viajar para conhecer diferentes doma’s em assuntos
específicos. O homem viajante descobre e vive outras iniciações, registra diferenças e
semelhança, alarga o campo de sua compreensão. “Pode-se dizer que o homem que se
tornou tradicionalista-doma foi um pesquisador e um indagador durante toda a vida e
jamais deixará de sê-lo”.8 Justamente por estas viagens é que o conhecimento e a memória

8
P. 204.
coletiva africana raramente se limita a um único território, mas sim está ligada a diversas
famílias e/ou grupos étnicos que migram pelo continente.

Dizer-se genealogista é dizer ser historiador nesse contexto, pois um bom


genealogista conhece a história, as proezas e os gestos de todas as personagens que cita.
Na África o interesse historiográfico não está ligado à cronologia, mas à genealogia, no
sentido de se poder estabelecer as linhas de desenvolvimento de uma família, clã, ou etnia
no tempo e espaço. Justamente por isso, diversos africanos tem um pouco de genealogista
e é capaz de remontar a um passado distante em sua própria linhagem. Caso contrário
estaria pondo em cheque sua própria identidade. Assim, cada patriarca tem um pouco de
historiador ao passo que conhece seus antepassados. Amadou Hampaté Bã expressa a
capacidade desses genealogistas ao passo que foi apenas por estes aspectos de tradição
oral que o autor escrever a História do Império Peul de Macina no Século XVIII.

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