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Hampaté Bâ
Entre as nações modernas, onde a escrita sobrepõe a oralidade, o autor expõe que
por muito tempo se julgou os povos sem escrita como sem cultura. Entretanto, felizmente,
afirma o autor, essa noção infundada começou a desmoronar. Hoje, “o problema todo se
resume em saber se é possível conceder à oralidade a mesma confiança que se concede à
escrita quando se trata do testemunho dos fatos passados”.2 Para Hampaté o problema
não deve ser colocado nestes termos. Para ele, o testemunho, seja escrito ou oral, no fim
não é mais que testemunho humano, portanto, sua validade é o quanto vale o homem que
lhe conta a história. O autor expõe que a oralidade faz nascer a escrita, antes de escrever
um relato, o homem recorda os fatos como lhe foram narrados ou como ele experienciou.
“Nada prova a priori que a escrita resulta em um relato da realidade mais fidedigno do
que o testemunho oral transmitido de geração a geração”. 3 Diversos relatos escritos são
enviesados, frutos de um ângulo do prisma, respectivo a determinados interesses. Além
disso, diz o autor, os próprios documentos escritos nem sempre se mantiveram livres de
falsificações ou alterações ao passarem pelas mãos dos copistas.
1
P.167
2
Ibdem, p. 168
3
Idem.
ocultas. Em suma, “a tradição oral baseia-se em uma certa concepção do homem, do seu
lugar e do seu papel no seio do universo”.4
Uma das grandes tradições africanas, a bambara do Komo, ensina que a palavra é
uma força fundamental que emana do próprio Ser Supremo, Maa Ngala. Na cosmogonia
Komo, contado pelo mestre ferreiro iniciador aos jovens circuncidados, revela que Maa
Ngala sentiu falta de um interlocutor e assim criou o primeiro homem: Maa. Maa Ngala
soprou seu próprio hálito em sua criação, pondo uma parte de si em sua criação. 5 Como
as palavras provinha de Maa Ngala para o homem, as palavras eram divinas, após o
contato com a corporeidade, perderam um pouco de sua divindade, mas ainda carregaram
uma sacralidade. Maa Ngala depositou em Maa as três potencialidades: do poder, do
querer e do saber, mas todas essas forças permanecem silenciadas dentro dele até que a
fala venha colocá-las em movimento. Postas em movimento, as forças começam a vibrar:
primeiro na forma de pensamento, depois de som e, por último, em fala. Esta última é a
materialização das vibrações das forças ocultas divinas.
Tal como a fala divina de Maa Ngala animou as forças cóscimas que repousavam
em Maa, a fala humana coloca em movimento e suscita as frças que estão repousando nas
coisas – para que se produza um efeito total, as palavras devem ser entoadas ritmicamente,
porque o movimento precisa de ritmo. Nesta linha sacra, a fala é responsável por manter
a harmonia do homem com o mundo que o cerca. Por esse motivo, a maior parte das
sociedades orais tradicionais considera a mentira como uma enorme falaha moral. A
harmonia é perturbada pela mentira. “Aquele que corrompe sua palavra, corrompe a si
próprio”.6 Quando alguém pensa em uma coisa e diz outra separa-se de si mesmo.
4
P. 170
5
Vale ressaltar que o homem, Maa, é concebido como a mistura de todas as coisas existentes no
universo. Mais especificamente dos vinte elementos do universo, segundo esta tradição.
6
P. 174.
7
Ibidem, p. 177
palavras transmitidas por seus ancestrais, as palavras que podem remontar às primeiras
vibrações sagradas emitidas por Maa. Desse modo, se o Doma é detentor da Palavra, os
demais homens são os depositários da mesma.
Os Dieli possuem demasiada influência sobre os Horon, isso se deve ao fato de que
os primeiros têm um grande conhecimento acerca da genealogia e da história das famílias.
Geralmente os griots possuintes desse saber não possuem a uma família e viajam pelo
país em busca de informações históricas cada vez mais extensas. Os Horon podem
presentear um dieli caso este lhe cause entusiasmo e sentimento, entretanto, não se trata
de “retribuição”, qualquer que seja a fortuna, os nobres são tradicionalmente obrigados a
oferecer presentes aos dieli – mesmo que este último seja mais rico que o nobre. Tendo
isso em bista, Amandou Hampaté explicita que os griots genealogistas tornaram-se,
naturalmente, os arquivistas da sociedade africana, além de grandes historiadores. Um
dieli não necessariamente é um historiador, embora se incline a isto, a possibilidade de se
tornar um “conhecedor”, um Doma, está ao seu alcance tanto quanto qualquer outro
membro da sociedade. Assim como um doma pode vir a ser um grande genealogista e
historiador. O griot que também é um tradicionalista-doma constitui uma fonte de
informações de absoluta confiança, relata o autor, pois sua qualidade de iniciado lhe
confere um alto valor moral e o sujeita à proibição da mentira. Torna-se um “griot rei”.
A relevância da veracidade dos fatos é tão grande na sociedade bambara que quando se
está na presença de um griot rei, pergunta-se se a história que este irá contar é a de um
dieli ou de um doma. Dependendo da resposta, a confiabilidade da narrativa assume a
dimensão de escutar fatos reais ou embelezados.
Um homem que se torna doma raramente permanece em sua cidade, pois se deseja
aprofundar seus conhecimentos deve viajar para conhecer diferentes doma’s em assuntos
específicos. O homem viajante descobre e vive outras iniciações, registra diferenças e
semelhança, alarga o campo de sua compreensão. “Pode-se dizer que o homem que se
tornou tradicionalista-doma foi um pesquisador e um indagador durante toda a vida e
jamais deixará de sê-lo”.8 Justamente por estas viagens é que o conhecimento e a memória
8
P. 204.
coletiva africana raramente se limita a um único território, mas sim está ligada a diversas
famílias e/ou grupos étnicos que migram pelo continente.