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PARA ALÉM DA INDUMENTÁRIA: a moda enquanto distintiva e libertária.

Leonardo de Souza Ramos – UEMG/Barbacena – MG.

RESUMO

O presente trabalho objetiva analisar as formulações sobre a moda elaboradas pelo sociólogo
Pierre Bourdieu, com foco sobre as relações entre as tendências da moda estabelecidas
pela/para a classe alta, e suas influências sobre as demais classes sociais. Conforme destacado
pelo autor, o debate sobre a moda não se encerra somente na discussão sobre a moda em si,
entretanto, se vinculando também a processos mais amplos de distinção social. A moda, nesse
sentido, atua como instrumento de diferenciação, hierarquização e legitimação de algumas
classes sociais, especificamente a classe alta, em relação às outras, classes média e baixa.
Tomando como base o texto de Bourdieu “Alta Costura e Alta Cultura”, procuraremos neste
trabalho, a partir do debate sobre moda, tanto discutir conceitos clássicos da abordagem
bourdieusiana – como “campo”, “capital” e “habitus” –, quanto delinear de que maneira as
tendências definidas para os indivíduos consumidores da Alta Costura, ou Prêt-à-Porter,
detentores do capital econômico e simbólico, atuam como instrumentos de distinção social e
definem, ou, pelo menos, influenciam fortemente o modo de se vestir das demais classes
sociais. Dessa maneira, ao mobilizar a moda como objeto de estudo, pretendemos chamar a
atenção para as contribuições de Bourdieu para uma compreensão mais alargada dos
processos de distinção social inscritos nas práticas de cultura. E, para não nos mantermos
somente sob as concepções de Bourdieu, acerca de tal tema, daremos destaque, também, ao
fator libertário que a moda compreende. O qual é “anunciante” do surgimento das sociedades
democráticas. Desse modo, num primeiro momento abordaremos a moda enquanto
instrumento de distinção social, e, num segundo momento enfatizaremos o caráter
transformador e libertário que esta possui. Ressaltamos que esse trabalho não é oriundo de
uma pesquisa já terminada, contudo, ainda em execução. Portanto, todas as informações nele
contidas são as que por ora podem ser afirmadas, segundo alguns teóricos que atuam/atuaram
sobre essa linha de pesquisa.

Palavras chave: Moda, Distinção, Cultura, Democracia, Classes.

INTRODUÇÃO

Visamos, neste artigo, explicitar, de modo sucinto, a alquimia contida no cenário da


moda, moda de vestuário. Dentre a alquimia que compreende esse fenômeno, daremos ênfase
aos fatores distintivos que foram desenvolvidos pelo Sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002),
principalmente acerca da moda; e aos fatores libertários e democráticos propiciados pela
moda, os quais foram destacados pelo filósofo francês Gilles Lopovetisky (1944). Não

213
objetivando evidenciar tais teorias como antagônicas, pois, de fato, não são. Mas, numa
cronologia, mostrar que ambas se complementam. E, ao fim, nos permite ter uma visão
aprimorada de como a moda se apresenta hoje, sob o viés sociológico.
Esse projeto de pesquisa não se encontra fechado, contudo, está ainda em execução.
Usamos como objeto de estudo a moda, pois esta apresenta várias facetas ainda não
interpretadas segundo as metodologias do campo sociológico. Uma vez que “a moda é um
assunto pouco prestigiado na tradição sociológica e, ao mesmo tempo, aparentemente um
pouco frívolo”1 e “a questão da moda não fazer furor no mundo intelectual” 2, optamos por
pegá-la enquanto objeto, a fim de contribuir para um estudo que, por ser recente, encontra-se
em ascensão. Em relação às demais agendas de pesquisa da sociologia.
Debruçar-nos-emos sobre esse fenômeno e, como metodologia, daremos ênfase às
teorias que ousaram interpretá-lo no sentido de destacar suas peculiaridades e similaridades.
Vale destacar que não apresentamos, aqui, um conteúdo hermeticamente fechado, todavia,
ainda à procura de algo inovador a ser questionado, lógico, no que tange a compreensão
sociológica do fenômeno moda.
A moda é algo intensamente presente no contexto histórico da humanidade,
especificamente das civilizações ocidentais. Ela foi atribuída ao ato de vestir, o qual tinha
como função principal a proteção contra as ações externas, ocasionadas pelo meio que os
sujeitos estavam inseridos, tais como o frio, o calor, a radiação solar, entre outros. Contudo,
ao acompanhar a história da moda, paralela à história das civilizações, pode-se ver o quanto a
moda não se manteve estagnada, todavia, tratou de moldar-se frente aos costumes.
Para além da indumentária. Há nuanças contidas na moda que merecem, e devem, ser
interpretadas sob a ótica das ciências sociais.
Torna-se fundamental termos uma definição de moda:

Maneira; costume; uso geral; uso que depende do capricho; fantasia; ária; cantiga;
modinha; (Sociol.) fenômeno social ou cultural que consiste na mudança periódica
de estilo, de caráter mais ou menos coercitivo, cuja vitalidade se explica pela
necessidade de conquistar ou manter determinada posição social; (Estat.) valor do
argumento para o qual a função de frequência passa por um máximo, ou,
aproximadamente; valor do argumento central da classe de frequência máxima: o
mesmo, neste sentido, que cuspidal (Antôn.:Antimoda); Pl. artigos de vestuário
feminino.3

1
BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura. 1975, p. 1.
2
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. 1989, p. 9.
3
Dicionário Didático da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Didática Paulista Ltda. p. 395.
214
Esse fenômeno não se limita somente à indumentária, mas, também, “pode ser vista na
arquitetura, no mobiliário, nos adereços decorativos, na música, na dança, nas artes plásticas,
na linguagem, no cinema, na fotografia, nas religiões, nas ideologias, na literatura, no esporte,
no turismo, nas técnicas etc.”4 Portanto, por abordar tantas áreas, referiremos à moda, nesse
material, no que tange a moda de vestuário e temas análogos a esse.

BOURDIEU E A SIMBOLOGIA DISTINTIVA

Ainda me dirão: “Mas por que não estudar a magia nas sociedades ‘primitivas’ e sim
em Dior ou Cardin? ” Acho que uma das funções do discurso etnólogo é dizer coisas
que são suportáveis quando se aplicam às populações distantes, com o devido
respeito que lhes temos, mas que são muito menos suportáveis quando as
relacionamos às nossas sociedades. No fim de seu ensaio sobre a magia, Mauss se
pergunta: “Onde está o equivalente em nossa sociedade? ” Eu gostaria de mostrar
que é preciso procurar este equivalente em Elle ou no Le Monde (especialmente na
página literária). 5

A reflexão acerca dos símbolos de distinção social foi algo intensamente presente na
teoria do sociólogo Pierre Bourdieu. Foi precisamente em torno desta área que este
redesenhou e sintetizou conceitos dos três grandes expoentes da sociologia, a saber: “o
materialismo sensível de Marx, os ensinamentos de Durkheim sobre classificação (depois
ampliados por Cassirer) e as análises de Weber das hierarquias de honra em um modelo
sociológico próprio de classe. ” 6
Neste ínterim, e permanecendo fiéis em relação às formulações de Bourdieu –
especificamente quanto às noções de “capital econômico”, “capital cultural”, “capital
simbólico”, “campo” e “habitus” – almejamos explicitar a Alta Costura enquanto legítimo
instrumento de distinção social. Não somente isso, mas também objetivamos demonstrar a
influenciadas tendências de moda, definidas para a classe alta sobre as demais classes,
principalmente as classes média e baixa.
Uma vez que o debate sobre a Alta Costura não se encerra somente na discussão sobre
a moda em si, mas se vincula também a processos mais amplos de distinção social,
ressaltamos que não nos deteremos em explicar os pormenores contidos no campo da moda,
mas mostrar a grande aplicabilidade das tendências da moda de vestuário, que são criadas

4
DULCI, Luciana. Da moda às modas no vestuário: entre a teoria hierárquica e o pluralismo, pelo olhar da
consumidora popular em Belo Horizonte. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da FAFICH/UFMG. Belo Horizonte, 2009
5
BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura. 1975, p. 2.
6
WACQUANT, Loïc. Capital simbólico a classes sociais. Versão ampliada e comentada in:
JournalofClassicalSociology, vol. 13, n°2, maio de 2013.
215
para a classe alta sobre as demais classes, chegando aos centros de comércio popular a preços
muito acessíveis.
A obra Alta Costura e Alta Cultura, de Pierre Bourdieu, que nos será de grande
relevância para a produção deste conteúdo, objetiva discutir, como já sugerido pelo próprio
título, o estabelecimento da relação entre Alta costura e práticas de cultura, ou “capital
cultural”, numa linguagem bourdieusiana. Na obra em questão, o autor inicia seu debate,
afirmando o quão importante é o estudo de objetos “indignos”, como a moda, por exemplo.
Estando ela, a moda, também protegida da dessacralização proposta pelos estudos científicos,
o que leva Bourdieu a tratá-la como, de fato, o fez, de modo indireto. “Minha intenção é dar
uma contribuição à sociologia das produções intelectuais, isto é, uma sociologia dos
intelectuais e ao mesmo tempo à análise do fetichismo e da magia. ” 7 Nisso, o autor destacou
a magia contida nos objetos, algo equivalente ao ocorrido nas sociedades primitivas,
conforme consta no discurso etnológico.
É fundamental, para prosseguirmos, termos em mente a noção de “campo” segundo a
concepção de Bourdieu para compreendermos como a moda se insere em um espaço de
relações específico. Conforme destacado pelo autor: “Chamo de campo um espaço de jogo,
um campo de relações objetivas entre indivíduos ou instituições que competem por um
mesmo objetivo. ” 8 Sob esse viés, a moda é um campo, onde alta costura, alta cultura e prêt-
à-porter, encontram-se inseridos. Não sendo meros objetos, mas, distintivos de diferenciação,
devido a toda simbologia neles agregada.

DISTINÇÃO ENQUANTO SÍNTESE DA DIALÉTICA ENTRE OBJETIVISMO E


SUBJETIVISMO.

Dentre as teses concebidas na obra A Distinção, de Pierre Bourdieu, sobressai a de


“enfatizar a capacidade performativa de formas simbólicas e suas implicações em múltiplos
níveis em lutas sociais por e através de divisões sociais. ” 9E possibilitou o mesmo autor a
superar o antagonismo entre teorias objetivistas e subjetivistas, contidas nas discussões sobre
classes.

7
BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura. 1975, p. 2.
8
BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Costura. 1975, p. 2.
9
BOURDIEU, Pierre. Capital Simbólico e Classes Sociais. In: Revista L`Arc, nº 72, 1978, p. 105.
216
Todo empreendimento científico de classificação deve considerar que os agentes
sociais aparecem como objetivamente caracterizados por duas espécies diferentes de
propriedades: de um lado, propriedades materiais que, começando pelo corpo, se
deixam denominar e medir como qualquer outro objeto do mundo físico; de outro,
propriedades simbólicas adquiridas na relação com sujeitos que os percebem e
apreciam, propriedades essas que precisam ser interpretadas segundo sua lógica
especial. 10

As propriedades caracterizam os agentes sociais, sendo estas, as propriedades, de dois


tipos: material e simbólicas. As leituras e releituras feitas acerca da realidade social, também
devem ser realizadas visando interpretar as duas propriedades nela existentes.
Neste campo das classes, essas propriedades exercem um papel fundamental. O que
nos impossibilita de ver as dinâmicas ocorridas no interior desse campo não meramente sob o
viés objetivista e também não somente pelo subjetivista. Mas, como almejado por Bourdieu,
ultrapassar essas definições por meio de um movimento dialético. E, claro, sintetizá-los ao
fim.
Não nos interessa aqui, desmantelar as teorias objetivistas e subjetivistas formuladas
sobre o campo das classes, mas, como Bourdieu, no artigo “Capital simbólico e classes
sociais”, o qual foi publicado originalmente em 1978, na revista L`Arc, n° 72, fazer uso
simultâneo destas. Propomos, também, mostrar que as criações oriundas do campo da moda,
possuem uma capacidade de legitimação, por parte dos agentes. E garantem sua aplicação,
enquanto tendência, para uma dada estação, ou composição de estilo, em todas as classes.
Perante isso, desde já nos é permitido afirmar que a função básica do ato de vestir-se já foi
ultrapassada, todavia, tornou-se instrumento de distinção social.
Estando-nos introduzidos nesta síntese entre objetivismo e subjetivismo, acabamos por
agregar valores simbólicos em determinados objetos. E a consequência desse ato será aplicada
sobre o funcionamento da realidade social em que estamos. Um artigo componente da
indumentária que usamos no cotidiano, não é meramente um objeto, mas, um distintivo de
nossa posição ocupada na realidade social em que nos encontramos introduzidos e
introjetados.
Tal artigo da indumentária, como meio de distinção, e produto das dinâmicas do
campo da moda, sendo ele uma calça, blusa, sapato, sandália, bolsa, entre outros, não tem sua
composição material alterada, sendo ele confeccionado para a classe alta ou não. Entretanto,
sua metamorfose é simbólica, cuja nuance é digna somente daqueles que compreendem as
regras e mecanismos desse campo, o campo da moda.

10
BOURDIEU, Pierre. Capital Simbólico e Classes Sociais. In: Revista L`Arc, nº 72, 1978, p. 106.
217
A Haute Couture ascendeu na França nos anos 80, do século XIX. Tendo como
precursor Charles Frederic Worth (1825-1895), que inovou por usar modelos, no lugar de
cabides, em seus desfiles. 11 A aplicação de pedras preciosas nas criações, confecção por meio
de técnicas de bordado raras e a produção artesanal das peças – corte e costura manufaturados
– são alguns requisitos básicos para considerar a obra de um estilista como alta costura ou
não. Um serviço que visou servir aos membros da realeza e outras classes paralelas,
significando um trabalho árduo, e caro. A alta costura definiu as tendências da burguesia,
mas, também do proletariado, ainda que de modo involuntário. Não limitadas somente aos
espaços requintados das Maisons francesas, as tendências da moda ocuparam lugar também
nas araras das lojas de departamento, que atendiam as classes menos abastadas.
A dúvida contida nisso é que ambas as classes se vestem, algo natural para os dois.
Entretanto a distinção era percebida no primeiro olhar lançado tanto num agente abastado,
quanto em um humilde. O que impera nesse ato de distinção é a origem dos artigos da
indumentária, oriundo ele da Maison ou da grande loja de departamento, é toda a sacralização
que se atribuiu a esses objetos. Nesse sentido, o que distingue uns dos outros não se relaciona
tanto ao aspecto material, mas, sobretudo, aos elementos simbólicos. Conforme Bourdieu
ressaltou, “toda diferença reconhecida, aceita como legítima, funciona por isso mesmo como
um capital simbólico que obtém um lucro de distinção. ” 12
Para além do capital econômico, aquele palpável, contido nos artigos de indumentária,
há também, e até mais que o próprio capital econômico, o capital simbólico. Possibilitando a
distinção entre as classes, mesmo que requerendo um olhar educado para alcançar tal
finalidade. Caso contrário, isso não é nítido a olho nu.

O prestígio de um salão depende do rigor de suas exigências (não se pode receber


uma pessoa de pouca reputação sem perder reputação) e da “qualidade” das pessoas
recebidas, medida ela mesma pela “qualidade” dos salões que as recebem: as altas e
as baixas da bolsa de valores mundanos, registradas pelas publicações mundanas,
são medidas por esses dois critérios, num universo de nuances ínfimas que requerem
um olho treinado. Num universo em que tudo é classificado, portanto, classificante
[...]13

O capital simbólico contido nos objetos, pelos agentes, nos remete a tudo aquilo
descrito nos relatórios etnológicos, sobre a magia nas sociedades primitivas. Dessa forma,
podemos pensar a moda em nossa sociedade como o equivalente à magia das sociedades
11
Disponível em: http://mondomoda.org/2009/12/21/nomes-da-moda-charles-frederic-worth/
Acesso em 20 ago. 2014
12
BOURDIEU, Pierre. Capital Simbólico e Classes Sociais. In: Revista L`Arc, nº 72, 1978, p. 111.
13
BOURDIEU, Pierre. Capital Simbólico e Classes Sociais. In: Revista L`Arc, nº 72, 1978, pp. 109-110.
218
primitivas. Não se limitando somente às tendências estabelecidas pela moda, especificamente,
alta costura e prêt-à-porter, essa magia abrange também a criação da indumentária das
grandes lojas de liquidação a preços populares.

A dialética da pretensão e da distinção que está na origem das transformações do


campo de produção é reencontrada no espaço dos consumos: ela caracteriza aquilo
que chamo de luta da concorrência, luta de classes contínua e interminável. Uma
classe possui uma determinada propriedade, a outra a alcança, e assim por diante.
Esta dialética da concorrência implica numa corrida em direção ao mesmo objetivo e
no reconhecimento implícito deste objeto. 14

Os agentes propiciam esta sacralização, independente da classe em que estejam. O que


é definido para as classes abastadas, é cobiçado também pelas classes menos abastadas, pois
estas também legitimam toda a simbologia contida nestes. Consequentemente, há uma
alteração quanto à qualidade e quantidade destes objetos para atenderem estas demais classes,
menos abastadas, uma vez que estas compreendem a maioria da população. Entretanto, não
entraremos nesta discussão, somente buscamos evidenciar, assim, que há luta da concorrência
entre as classes.

EFEMERIDADE PERMANENTE, UM MEIO LIBERTÁRIO.

A moda enquanto libertária. Não se atentando somente sobre o fator distintivo


possibilitado pelo fenômeno da moda de vestuário, o filósofo francês Gilles Lipovetsky
(1944) se propôs a responder algumas indagações acerca de tal fenômeno, as quais o levariam
a interpretá-lo sob uma concepção subsidiada no fator libertário da moda de vestuário na era
moderna, democrática e individualista. A chave distintiva que imperou sobre a inteligibilidade
do fenômeno moda foi incapaz de trazer à luz um delineamento preciso desse fenômeno
consoante às diretrizes impostas pela modernidade. Nesse ínterim, Lipovetsky não se opôs à
teoria bourdieusiana, ou objetivou dá-la um caráter caduco. Entretanto, almejou
complementá-la e adicionar à mesma o estado de pluralidade em que a moda, não somente a
moda de vestuário, mas no sentido geral, se encontra.

Como uma instituição essencialmente estruturada pelo efêmero e pela fantasia


estética pôde tomar lugar na história humana? Por que no Ocidente e não em outra
parte? Como a era do domínio técnico, da interrogação do mundo pode ser ao

14
BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura. 1975, p. 5.
219
mesmo tempo a da desrazão de moda? Como pensar e explicar a mobilidade frívola
erigida em sistema permanente? 15

Não sendo consubstancial à história da vida humana, a moda, especificamente a moda


de vestuário, não pertence à história de todas as civilizações. Ela, como um campo sistêmico,
dotado de metamorfoses efêmeras e extravagâncias, é oriunda do final da Idade Média.
Entretanto, em menos de meio século, a partir de 1950, meados do século XX, tomou formas
inimagináveis para esse fenômeno, e sendo esse um dos motivos que requer a observação e
interpretação por parte dos teóricos das ciências sociais. Dentre as várias mudanças,
sobressaem a pluralidade da moda hoje, rompendo com os moldes que eram impostos num
sistema de moda típico da década de 1880; a diminuição, quase extinção, da distinção
estamentária possibilitada pela moda de vestuário e o comando que esse fenômeno assumiu
como organizadora da vida coletiva moderna. Contudo, “é preciso atormentar-se com isso?
Isso anuncia um lento mas inexorável declínio do ocidente? É preciso reconhecer aí o signo
da decadência do ideal democrático? ”16 São indagações que julgamos pertinentes, pois, nos
darão respostas que ampliaram a visão acerca da moda, não limitando, ou encerrando o
discurso sobre a moda, somente na distinção social. Ainda que não seja possível respondê-las
neste conteúdo, contudo, fica como proposta para a pesquisa que estamos realizando.
Paralelo à ascensão da moda de vestuário, há a subida, e evolução, das estratégias de
consumo. Houve a revolução do vestuário, mas, junto dessa, houve também a revolução, e
alteração, do conceito de consumo. “A alta costura contribuiu para essa grande revolução
comercial, sempre em curso, que consiste em estimular, ou desculpabilizar a compra e o
consumo através de estratégias de encenação publicitária, de superexposição dos produtos”.17
Para interpretarmos melhor essa evolução do conceito de consumo, torna-se fundamental
consultar a obra de Adorno e Horkheimer, intitulada “Dialética do Esclarecimento” (1969).
Não a esmiuçaremos aqui. Todavia, vale destacar que, em conformidade às colocações destes
autores na obra supracitada, “sem dúvida a alta costura é uma empresa industrial e comércio
de luxo, cujo objetivo é o lucro e cujas criações incessantes produzem uma obsolescência
propícia à aceleração do consumo”. 18 Lipovetsky vê que a Alta Costura, o equivalente aqui à
moda de vestuário, “se apresenta como uma formação sempre de duas cabeças, econômica e
estética, burocrática e artística”, onde as estratégias usadas por cada membro dessas “cabeças”

15
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. 1989, p. 10.
16
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. 1989, pp. 12-13.
17
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. 1989, p. 95.
18
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. 1989, p. 99.
220
estão além da inteligibilidade distintiva aplicada à moda de vestuário. Mas, legitimando o
caráter democrático que a moda de vestuário adquiriu, especificamente quanto à criação de
roupas na escala prêt-à-porter, tirada da fórmula americana ready to wear. Abandonando a
moda restrita a criação de itens de Alta Costura.

Quaisquer que sejam as diferenças de valor e de qualidade que separam os artigos do


prêt-à-porter, a nova era assinala uma etapa suplementar na organização democrática
da moda, já que o sistema heterogêneo do sob medida e em série foi substituído por
uma produção industrial de essência homogênea, quaisquer que sejam as variações
de preço e de inovação que nela se encontrem. A moda de cem anos, com sua
organização dual sob medida/confecção, era uma formação híbrida meio-
aristocrática, meio-democrática; expurgando de seu funcionamento um pólo
ostensivamente elitista e universalizando o sistema da produção em série, o prêt-à-
porter avançou um degrau na dinâmica democrática inaugurada da maneira parcial
pela fase anterior. 19

Em tese, hoje não se vive sob um modelo legitimado de moda de vestuário, ou moda
no sentido geral, todavia, há uma pluralidade que envolve esse fenômeno. O padrão imposto
não exerce mais essa ação de coerção sobre os agentes. Diferentemente de ser algo que vem
de cima pra baixo e de fora pra dentro, a moda possui suas peculiaridades e é signo de
individualidade. Compõe estilo, não tendência. “O vestuário de moda é cada vez menos um
meio de distanciamento social e cada vez mais um instrumento de sedução e estética, um
instrumento de sedução, de juventude, de modernidade emblemática. ” 20

À GUISA DE CONCLUSÃO: as perspectivas para o caminhar desse trabalho.

Assim como Bourdieu, queríamos ver o equivalente à magia das sociedades primitivas
em nossa sociedade, portanto, nos debruçamos em estudar o fenômeno da moda,
especificamente as nuances da moda de vestuário. Aqui, apresentamos um material breve,
sucinto, que fez uso das teorias julgadas como referência para os estudos sobre tal fenômeno.
Conforme anteriormente destacado, este não é um trabalho já finalizado, contudo, ainda em
execução.
A teoria bourdieusiana, cuja abordamos no início desse artigo, enfatizou o caráter
distintivo da moda de vestuário. Sendo-nos de grande relevância, pois, a moda, quando
começou seu desenvolver, a partir do final da Idade Média, objetivava realmente a distinção.
Uma vez que a hierarquia social daquele tempo era rígida e com locais já reservados para os

19
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. 1989, p. 113.
20
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. 1989, p. 152.
221
membros de cada classe/estamento. Por ser uma teoria dotada de conceitos – capital
econômico, capital cultural, campo, habitus, etc. - que nos possibilita delinear esse fenômeno
conforme o propósito do autor, nos mantivemos fiéis a ela, quando iniciamos esse estudo.
Entretanto, a aplicabilidade da teoria de Bourdieu para esse estudo, não nos seria de
grande valia, a menos que fizéssemos um recorte específico de um tema compreendido no
interior do campo da moda. Não nos possibilitaria uma integral inteligibilidade do fenômeno
da moda de vestuário. Por isso, abordamos a teoria do filósofo francês Gilles Lipovetisky, o
qual, assim como Bourdieu, se atentou em explicitar as nuanças da moda. Contudo,
complementou a teoria bourdieusiana, quando foi além do fator distintivo e mostrou o fator
libertário da moda, consoante a era moderna em que nos encontramos inseridos. Quando
destacamos esse uso de teorias aparentemente antagônicas, não queremos hierarquiza-las,
mas, por determinados motivos metodológicos e visando a eficácia da pesquisa, evidenciar
que no fim elas se complementam.

Tratando-se de pensar o mundo social, nunca se corre o risco de exagerar a


dificuldade ou as ameaças. A força do pré-construído está em que, achando-se
inscrito ao mesmo tempo nas coisas e nos cérebros, ele se apresenta com as
aparências da evidência, que passa despercebida porque é perfeitamente natural. A
ruptura é, com efeito, uma conversão do olhar e pode-se dizer do ensino da pesquisa
em sociologia que ele deve em primeiro lugar “dar novos olhos” como dizem por
vezes os filósofos iniciáticos. Trata-se de produzir, senão “um homem novo”, pelo
menos, “um novo olhar”, um olhar sociológico. E isso é possível sem uma
verdadeira conversão, uma metanoia, uma revolução mental, uma mudança de toda
a visão do mundo social. 21

Ao discutir as ações do interior do campo da moda e as ações do campo de classes –


estamentos -, não nos é permitido, por ora, evidenciar qual se encontra à priori do outro. Fica-
se aqui, pelo menos almejado, o propósito de destacar a pluralidade de modas que hoje se tem,
e que, segundo Lipovetsky, e anunciadora das sociedades democráticas. Mas, uma ínfima
parcela deste fenômeno, ainda compreende a distinção estamental. “O vestuário, diz ele
(Erasmo de Rotterdam) a certa altura, é em certo sentido o corpo do corpo. Dele pode-se
deduzir a atitude da alma. E dá exemplos de que maneira de vestir corresponde a esta ou
aquela condição espiritual. ” 22
Por ser uma pesquisa ainda em execução, temos como perspectiva destacar o que
significa a moda de vestuário na modernidade, uma vez que esta já ultrapassou sua função
básica do ato de vestir. Tornou-se símbolo de distinção? Tornou-se representação dos signos

21
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 1989, p. 49.
22
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. 1994, p. 90.
222
da individualidade dos agentes compreendidos na era moderna? Quanto à sua gênese, como se
dá sua aprovação enquanto instrumento que legitima a personalidade nessa era que possui
como característica a homogeneidade?
Enfim, são indagações que julgamos pertinentes e representam nossas perspectivas
para o desenvolvimento desse projeto de pesquisa. Podendo, claro, serem refutadas ou não.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura. In: Questões de Sociologia. Rio de
Janeiro: Marco Zero, 1983, 154-161. p. Comunicação feita em Noroit, 192 p., nov. 1974, dez.
1974, jan. 1975.
BOURDIEU, Pierre. Capital simbólico e classes sociais. L`Arc, 1978, n°72.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

Dicionário Didático da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Didática Paulista Ltda.
DULCI, Luciana. Da moda às modas no vestuário: entre a teoria hierárquica e o
pluralismo, pelo olhar da consumidora popular em Belo Horizonte. Tese de doutorado
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FAFICH/UFMG. Belo
Horizonte, 2009
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

ESTADÃO. 25 de Março – A Torre de Babel do consumo. Disponível em:


<http://www.estadao.com.br/infograficos/25-de-marco--a-torre-de-babel-do-
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HORKHEIMER, Max e Theodor W. ADORNO. Dialética do esclarecimento. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. 4. Ed. São Paulo: Companhia das Letras,
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<http://mondomoda.org/2009/12/21/nomes-da-moda-charles-frederic-worth/>. Acesso em 20
ago. 2014.
WACQUANT, Loïc. Capital simbólico a classes sociais. Versão ampliada e comentada in:
JournalofClassicalSociology, vol. 13, n°2, maio de 2013.

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