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RESUMO
O presente trabalho objetiva analisar as formulações sobre a moda elaboradas pelo sociólogo
Pierre Bourdieu, com foco sobre as relações entre as tendências da moda estabelecidas
pela/para a classe alta, e suas influências sobre as demais classes sociais. Conforme destacado
pelo autor, o debate sobre a moda não se encerra somente na discussão sobre a moda em si,
entretanto, se vinculando também a processos mais amplos de distinção social. A moda, nesse
sentido, atua como instrumento de diferenciação, hierarquização e legitimação de algumas
classes sociais, especificamente a classe alta, em relação às outras, classes média e baixa.
Tomando como base o texto de Bourdieu “Alta Costura e Alta Cultura”, procuraremos neste
trabalho, a partir do debate sobre moda, tanto discutir conceitos clássicos da abordagem
bourdieusiana – como “campo”, “capital” e “habitus” –, quanto delinear de que maneira as
tendências definidas para os indivíduos consumidores da Alta Costura, ou Prêt-à-Porter,
detentores do capital econômico e simbólico, atuam como instrumentos de distinção social e
definem, ou, pelo menos, influenciam fortemente o modo de se vestir das demais classes
sociais. Dessa maneira, ao mobilizar a moda como objeto de estudo, pretendemos chamar a
atenção para as contribuições de Bourdieu para uma compreensão mais alargada dos
processos de distinção social inscritos nas práticas de cultura. E, para não nos mantermos
somente sob as concepções de Bourdieu, acerca de tal tema, daremos destaque, também, ao
fator libertário que a moda compreende. O qual é “anunciante” do surgimento das sociedades
democráticas. Desse modo, num primeiro momento abordaremos a moda enquanto
instrumento de distinção social, e, num segundo momento enfatizaremos o caráter
transformador e libertário que esta possui. Ressaltamos que esse trabalho não é oriundo de
uma pesquisa já terminada, contudo, ainda em execução. Portanto, todas as informações nele
contidas são as que por ora podem ser afirmadas, segundo alguns teóricos que atuam/atuaram
sobre essa linha de pesquisa.
INTRODUÇÃO
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objetivando evidenciar tais teorias como antagônicas, pois, de fato, não são. Mas, numa
cronologia, mostrar que ambas se complementam. E, ao fim, nos permite ter uma visão
aprimorada de como a moda se apresenta hoje, sob o viés sociológico.
Esse projeto de pesquisa não se encontra fechado, contudo, está ainda em execução.
Usamos como objeto de estudo a moda, pois esta apresenta várias facetas ainda não
interpretadas segundo as metodologias do campo sociológico. Uma vez que “a moda é um
assunto pouco prestigiado na tradição sociológica e, ao mesmo tempo, aparentemente um
pouco frívolo”1 e “a questão da moda não fazer furor no mundo intelectual” 2, optamos por
pegá-la enquanto objeto, a fim de contribuir para um estudo que, por ser recente, encontra-se
em ascensão. Em relação às demais agendas de pesquisa da sociologia.
Debruçar-nos-emos sobre esse fenômeno e, como metodologia, daremos ênfase às
teorias que ousaram interpretá-lo no sentido de destacar suas peculiaridades e similaridades.
Vale destacar que não apresentamos, aqui, um conteúdo hermeticamente fechado, todavia,
ainda à procura de algo inovador a ser questionado, lógico, no que tange a compreensão
sociológica do fenômeno moda.
A moda é algo intensamente presente no contexto histórico da humanidade,
especificamente das civilizações ocidentais. Ela foi atribuída ao ato de vestir, o qual tinha
como função principal a proteção contra as ações externas, ocasionadas pelo meio que os
sujeitos estavam inseridos, tais como o frio, o calor, a radiação solar, entre outros. Contudo,
ao acompanhar a história da moda, paralela à história das civilizações, pode-se ver o quanto a
moda não se manteve estagnada, todavia, tratou de moldar-se frente aos costumes.
Para além da indumentária. Há nuanças contidas na moda que merecem, e devem, ser
interpretadas sob a ótica das ciências sociais.
Torna-se fundamental termos uma definição de moda:
Maneira; costume; uso geral; uso que depende do capricho; fantasia; ária; cantiga;
modinha; (Sociol.) fenômeno social ou cultural que consiste na mudança periódica
de estilo, de caráter mais ou menos coercitivo, cuja vitalidade se explica pela
necessidade de conquistar ou manter determinada posição social; (Estat.) valor do
argumento para o qual a função de frequência passa por um máximo, ou,
aproximadamente; valor do argumento central da classe de frequência máxima: o
mesmo, neste sentido, que cuspidal (Antôn.:Antimoda); Pl. artigos de vestuário
feminino.3
1
BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura. 1975, p. 1.
2
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. 1989, p. 9.
3
Dicionário Didático da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Didática Paulista Ltda. p. 395.
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Esse fenômeno não se limita somente à indumentária, mas, também, “pode ser vista na
arquitetura, no mobiliário, nos adereços decorativos, na música, na dança, nas artes plásticas,
na linguagem, no cinema, na fotografia, nas religiões, nas ideologias, na literatura, no esporte,
no turismo, nas técnicas etc.”4 Portanto, por abordar tantas áreas, referiremos à moda, nesse
material, no que tange a moda de vestuário e temas análogos a esse.
Ainda me dirão: “Mas por que não estudar a magia nas sociedades ‘primitivas’ e sim
em Dior ou Cardin? ” Acho que uma das funções do discurso etnólogo é dizer coisas
que são suportáveis quando se aplicam às populações distantes, com o devido
respeito que lhes temos, mas que são muito menos suportáveis quando as
relacionamos às nossas sociedades. No fim de seu ensaio sobre a magia, Mauss se
pergunta: “Onde está o equivalente em nossa sociedade? ” Eu gostaria de mostrar
que é preciso procurar este equivalente em Elle ou no Le Monde (especialmente na
página literária). 5
A reflexão acerca dos símbolos de distinção social foi algo intensamente presente na
teoria do sociólogo Pierre Bourdieu. Foi precisamente em torno desta área que este
redesenhou e sintetizou conceitos dos três grandes expoentes da sociologia, a saber: “o
materialismo sensível de Marx, os ensinamentos de Durkheim sobre classificação (depois
ampliados por Cassirer) e as análises de Weber das hierarquias de honra em um modelo
sociológico próprio de classe. ” 6
Neste ínterim, e permanecendo fiéis em relação às formulações de Bourdieu –
especificamente quanto às noções de “capital econômico”, “capital cultural”, “capital
simbólico”, “campo” e “habitus” – almejamos explicitar a Alta Costura enquanto legítimo
instrumento de distinção social. Não somente isso, mas também objetivamos demonstrar a
influenciadas tendências de moda, definidas para a classe alta sobre as demais classes,
principalmente as classes média e baixa.
Uma vez que o debate sobre a Alta Costura não se encerra somente na discussão sobre
a moda em si, mas se vincula também a processos mais amplos de distinção social,
ressaltamos que não nos deteremos em explicar os pormenores contidos no campo da moda,
mas mostrar a grande aplicabilidade das tendências da moda de vestuário, que são criadas
4
DULCI, Luciana. Da moda às modas no vestuário: entre a teoria hierárquica e o pluralismo, pelo olhar da
consumidora popular em Belo Horizonte. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da FAFICH/UFMG. Belo Horizonte, 2009
5
BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura. 1975, p. 2.
6
WACQUANT, Loïc. Capital simbólico a classes sociais. Versão ampliada e comentada in:
JournalofClassicalSociology, vol. 13, n°2, maio de 2013.
215
para a classe alta sobre as demais classes, chegando aos centros de comércio popular a preços
muito acessíveis.
A obra Alta Costura e Alta Cultura, de Pierre Bourdieu, que nos será de grande
relevância para a produção deste conteúdo, objetiva discutir, como já sugerido pelo próprio
título, o estabelecimento da relação entre Alta costura e práticas de cultura, ou “capital
cultural”, numa linguagem bourdieusiana. Na obra em questão, o autor inicia seu debate,
afirmando o quão importante é o estudo de objetos “indignos”, como a moda, por exemplo.
Estando ela, a moda, também protegida da dessacralização proposta pelos estudos científicos,
o que leva Bourdieu a tratá-la como, de fato, o fez, de modo indireto. “Minha intenção é dar
uma contribuição à sociologia das produções intelectuais, isto é, uma sociologia dos
intelectuais e ao mesmo tempo à análise do fetichismo e da magia. ” 7 Nisso, o autor destacou
a magia contida nos objetos, algo equivalente ao ocorrido nas sociedades primitivas,
conforme consta no discurso etnológico.
É fundamental, para prosseguirmos, termos em mente a noção de “campo” segundo a
concepção de Bourdieu para compreendermos como a moda se insere em um espaço de
relações específico. Conforme destacado pelo autor: “Chamo de campo um espaço de jogo,
um campo de relações objetivas entre indivíduos ou instituições que competem por um
mesmo objetivo. ” 8 Sob esse viés, a moda é um campo, onde alta costura, alta cultura e prêt-
à-porter, encontram-se inseridos. Não sendo meros objetos, mas, distintivos de diferenciação,
devido a toda simbologia neles agregada.
7
BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura. 1975, p. 2.
8
BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Costura. 1975, p. 2.
9
BOURDIEU, Pierre. Capital Simbólico e Classes Sociais. In: Revista L`Arc, nº 72, 1978, p. 105.
216
Todo empreendimento científico de classificação deve considerar que os agentes
sociais aparecem como objetivamente caracterizados por duas espécies diferentes de
propriedades: de um lado, propriedades materiais que, começando pelo corpo, se
deixam denominar e medir como qualquer outro objeto do mundo físico; de outro,
propriedades simbólicas adquiridas na relação com sujeitos que os percebem e
apreciam, propriedades essas que precisam ser interpretadas segundo sua lógica
especial. 10
10
BOURDIEU, Pierre. Capital Simbólico e Classes Sociais. In: Revista L`Arc, nº 72, 1978, p. 106.
217
A Haute Couture ascendeu na França nos anos 80, do século XIX. Tendo como
precursor Charles Frederic Worth (1825-1895), que inovou por usar modelos, no lugar de
cabides, em seus desfiles. 11 A aplicação de pedras preciosas nas criações, confecção por meio
de técnicas de bordado raras e a produção artesanal das peças – corte e costura manufaturados
– são alguns requisitos básicos para considerar a obra de um estilista como alta costura ou
não. Um serviço que visou servir aos membros da realeza e outras classes paralelas,
significando um trabalho árduo, e caro. A alta costura definiu as tendências da burguesia,
mas, também do proletariado, ainda que de modo involuntário. Não limitadas somente aos
espaços requintados das Maisons francesas, as tendências da moda ocuparam lugar também
nas araras das lojas de departamento, que atendiam as classes menos abastadas.
A dúvida contida nisso é que ambas as classes se vestem, algo natural para os dois.
Entretanto a distinção era percebida no primeiro olhar lançado tanto num agente abastado,
quanto em um humilde. O que impera nesse ato de distinção é a origem dos artigos da
indumentária, oriundo ele da Maison ou da grande loja de departamento, é toda a sacralização
que se atribuiu a esses objetos. Nesse sentido, o que distingue uns dos outros não se relaciona
tanto ao aspecto material, mas, sobretudo, aos elementos simbólicos. Conforme Bourdieu
ressaltou, “toda diferença reconhecida, aceita como legítima, funciona por isso mesmo como
um capital simbólico que obtém um lucro de distinção. ” 12
Para além do capital econômico, aquele palpável, contido nos artigos de indumentária,
há também, e até mais que o próprio capital econômico, o capital simbólico. Possibilitando a
distinção entre as classes, mesmo que requerendo um olhar educado para alcançar tal
finalidade. Caso contrário, isso não é nítido a olho nu.
O capital simbólico contido nos objetos, pelos agentes, nos remete a tudo aquilo
descrito nos relatórios etnológicos, sobre a magia nas sociedades primitivas. Dessa forma,
podemos pensar a moda em nossa sociedade como o equivalente à magia das sociedades
11
Disponível em: http://mondomoda.org/2009/12/21/nomes-da-moda-charles-frederic-worth/
Acesso em 20 ago. 2014
12
BOURDIEU, Pierre. Capital Simbólico e Classes Sociais. In: Revista L`Arc, nº 72, 1978, p. 111.
13
BOURDIEU, Pierre. Capital Simbólico e Classes Sociais. In: Revista L`Arc, nº 72, 1978, pp. 109-110.
218
primitivas. Não se limitando somente às tendências estabelecidas pela moda, especificamente,
alta costura e prêt-à-porter, essa magia abrange também a criação da indumentária das
grandes lojas de liquidação a preços populares.
14
BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura. 1975, p. 5.
219
mesmo tempo a da desrazão de moda? Como pensar e explicar a mobilidade frívola
erigida em sistema permanente? 15
15
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. 1989, p. 10.
16
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. 1989, pp. 12-13.
17
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. 1989, p. 95.
18
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. 1989, p. 99.
220
estão além da inteligibilidade distintiva aplicada à moda de vestuário. Mas, legitimando o
caráter democrático que a moda de vestuário adquiriu, especificamente quanto à criação de
roupas na escala prêt-à-porter, tirada da fórmula americana ready to wear. Abandonando a
moda restrita a criação de itens de Alta Costura.
Em tese, hoje não se vive sob um modelo legitimado de moda de vestuário, ou moda
no sentido geral, todavia, há uma pluralidade que envolve esse fenômeno. O padrão imposto
não exerce mais essa ação de coerção sobre os agentes. Diferentemente de ser algo que vem
de cima pra baixo e de fora pra dentro, a moda possui suas peculiaridades e é signo de
individualidade. Compõe estilo, não tendência. “O vestuário de moda é cada vez menos um
meio de distanciamento social e cada vez mais um instrumento de sedução e estética, um
instrumento de sedução, de juventude, de modernidade emblemática. ” 20
Assim como Bourdieu, queríamos ver o equivalente à magia das sociedades primitivas
em nossa sociedade, portanto, nos debruçamos em estudar o fenômeno da moda,
especificamente as nuances da moda de vestuário. Aqui, apresentamos um material breve,
sucinto, que fez uso das teorias julgadas como referência para os estudos sobre tal fenômeno.
Conforme anteriormente destacado, este não é um trabalho já finalizado, contudo, ainda em
execução.
A teoria bourdieusiana, cuja abordamos no início desse artigo, enfatizou o caráter
distintivo da moda de vestuário. Sendo-nos de grande relevância, pois, a moda, quando
começou seu desenvolver, a partir do final da Idade Média, objetivava realmente a distinção.
Uma vez que a hierarquia social daquele tempo era rígida e com locais já reservados para os
19
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. 1989, p. 113.
20
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. 1989, p. 152.
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membros de cada classe/estamento. Por ser uma teoria dotada de conceitos – capital
econômico, capital cultural, campo, habitus, etc. - que nos possibilita delinear esse fenômeno
conforme o propósito do autor, nos mantivemos fiéis a ela, quando iniciamos esse estudo.
Entretanto, a aplicabilidade da teoria de Bourdieu para esse estudo, não nos seria de
grande valia, a menos que fizéssemos um recorte específico de um tema compreendido no
interior do campo da moda. Não nos possibilitaria uma integral inteligibilidade do fenômeno
da moda de vestuário. Por isso, abordamos a teoria do filósofo francês Gilles Lipovetisky, o
qual, assim como Bourdieu, se atentou em explicitar as nuanças da moda. Contudo,
complementou a teoria bourdieusiana, quando foi além do fator distintivo e mostrou o fator
libertário da moda, consoante a era moderna em que nos encontramos inseridos. Quando
destacamos esse uso de teorias aparentemente antagônicas, não queremos hierarquiza-las,
mas, por determinados motivos metodológicos e visando a eficácia da pesquisa, evidenciar
que no fim elas se complementam.
21
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 1989, p. 49.
22
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. 1994, p. 90.
222
da individualidade dos agentes compreendidos na era moderna? Quanto à sua gênese, como se
dá sua aprovação enquanto instrumento que legitima a personalidade nessa era que possui
como característica a homogeneidade?
Enfim, são indagações que julgamos pertinentes e representam nossas perspectivas
para o desenvolvimento desse projeto de pesquisa. Podendo, claro, serem refutadas ou não.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura. In: Questões de Sociologia. Rio de
Janeiro: Marco Zero, 1983, 154-161. p. Comunicação feita em Noroit, 192 p., nov. 1974, dez.
1974, jan. 1975.
BOURDIEU, Pierre. Capital simbólico e classes sociais. L`Arc, 1978, n°72.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
Dicionário Didático da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Didática Paulista Ltda.
DULCI, Luciana. Da moda às modas no vestuário: entre a teoria hierárquica e o
pluralismo, pelo olhar da consumidora popular em Belo Horizonte. Tese de doutorado
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FAFICH/UFMG. Belo
Horizonte, 2009
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
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