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Rovena Rosa/Agência Brasil

#EducaçãoEmDisputa:
#100DiasdeBolsonaro é uma parceria entre
Ação Educativa, Carta Educação e De Olho nos Planos.

Confira os conteúdos em:


http://www.acaoeducativa.org.br
http://www.cartaeducacao.com.br
http://www.deolhonosplanos.org.br

Expediente:

Reportagens: Ana Luiza Basilio e Júlia Daher


Edição: Ana Luiza Basílio, Claudia Bandeira, Denise Eloy e Júlia Daher
Diagramação e projeto gráfico: Gledson Neix
SUMÁRIO

100 dias de governo Bolsonaro e a educação 04


Educação: a mediocridade autoritária como política de governo 07
Especialistas analisam o impacto da dissolução da SECADI 10
MEC extingue SASE, secretaria responsável por articular o PNE 16
Na educação domiciliar, os familiares devem prever plano pedagógico 18
Por que o investimento em estudantes da educação pública está ameaçado? 20
Daniel Cara: “A composição do MEC sinaliza um projeto de privatização” 23
“Pensar que se resolve a alfabetização com o método fônico é uma
ignorância”
26

Militarizar as escolas é a solução para a educação? 30


“A EJA não tem lugar no MEC atualmente”, afirma Sonia Couto 32
Geraldo Magela/Agência Senado

100 dias de governo Bolsonaro e a


educação
Os temas que estão em destaque e a análise de especialistas e educadores nos 100 primeiros dias do
governo Bolsonaro

N
a quarta-feira (10/04), o governo de Jair de Educação Continuada, Alfabetização,
Bolsonaro completou 100 dias. Em cerca Diversidade e Inclusão (SECADI). O órgão era
de três meses, mudanças significativas responsável pelos programas, ações e políticas
já ocorreram no Ministério da Educação (MEC) de Educação Especial, Educação de Jovens
e temas estruturantes da política educacional e Adultos, Educação do Campo, Educação
seguem em debate. Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola,
Educação para as relações Étnico-Raciais
Para avaliar o período, a Ação Educativa, o De e Educação em Direitos Humanos. Em seu
Olho nos Planos e o Carta Educação produziram lugar, foram criadas duas novas secretarias: a
o especial Educação em disputa: 100 dias Secretaria de Alfabetização e a Secretaria de
de Bolsonaro. Com artigos e reportagens, o Modalidades Especializadas da Educação. Vale
especial faz uma retrospectiva das pautas destacar que não foram divulgadas que ações,
educacionais e um balanço do que aconteceu em programas e políticas das secretarias anteriores
cerca de três meses de governo. Confira! continuarão em andamento.

1. Extinção de secretarias 2. Disputa de política de alfabetização


Em janeiro, por meio de decreto, foi extinta A política de alfabetização no país também foi
a Secretaria de Articulação com os Sistemas tema de destaque durante esses meses. O ex-
de Ensino (SASE), principal responsável por ministro, Vélez, e o secretário de alfabetização,
articular o Sistema Nacional de Educação Carlos Nadalim, defenderam o método fônico
(SNE) e prestar assistência técnica e dar apoio como solução para os problemas relacionados
aos estados e municípios no processo de à alfabetização, colocando o letramento como
monitoramento e avaliação dos planos decenais “vilão da alfabetização”. O secretário afirmou,
de educação e na implementação do Piso à época, que o letramento consiste em uma
Salarial Nacional. A SASE foi criada em 2011 “preocupação exagerada com a construção
a partir de uma demanda apontada durante a de uma sociedade igualitária, democrática
Conferência Nacional de Educação (CONAE) e pluralista em formar leitores críticos”.
2010. Suas atribuições passaram então para a Mais de 100 organizações se manifestaram
Secretaria de Educação Básica (SEB). publicamente em uma carta endereçada ao
Assim como a SASE, o ex-ministro Ricardo MEC.
Vélez Rodríguez extinguiu a Secretaria de
04.
3. Alterações no Ministério da Educação 5. Direito à educação e educação domiciliar
Em pouco mais de três meses de governo, Outro tema de destaque foi a educação
o Ministério da Educação protagonizou as domiciliar. Sua regulamentação consta em uma
principais polêmicas governamentais. A pasta das 35 metas prioritárias do plano de 100 dias
esteve envolvida em uma série de decisões de governo de Bolsonaro e está atribuída ao
equivocadas e recuos, além de estar no meio Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
de um jogo de forças entre o grupo de Olavo de Humanos. Pelo determinado na Lei de Diretrizes
Carvalho e os militares que levaram à demissão e Bases da Educação (LDB), é dever do Estado
do ministro Ricardo Vélez Rodríguez e mais de e da família garantir frequência escola da
uma dezena de baixas entre seus funcionários. população de 4 a 17 anos. Com base nesta
Abraham Weintraub assumiu o cargo de normativa, no ano passado, o Supremo Tribunal
ministro da Educação no dia 09 de abril e Federal (STF) julgou a modalidade ilegal.
nomeou o seu time para o alto escalão, quase
inteiramente composto por economistas. 6. Militarização da educação
Além de extinguir secretarias, o decreto
4. Ataque ao financiamento de qualidade também criou um novo órgão: a Subsecretaria
Em março, reunião do Ministério da Educação de Fomento às Escolas Cívico-Militares. Braço
com o Conselho Nacional de Educação (CNE) da Secretaria de Educação Básica (SEB), a
colocou em xeque um dos dispositivos centrais divisão deve fomentar, acompanhar e avaliar
para o financiamento da educação no país. a ampliação de escolas e modelos de gestão
Previstos em lei, mas ainda não implementados, compartilhada entre as Secretarias de Educação,
o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e o o Exército, as Polícias Militares (PM) e o Corpo
Custo Aluno-Qualidade (CAQ) permitem que de Bombeiros.
se calcule o padrão mínimo de investimento
por por estudante para que se possa garantir 7. Criminalização da educação e Lava-Jato
um patamar de qualidade educacional no país. No dia 14 de fevereiro, foi assinado um
Esses insumos vão desde a infraestrutura dos acordo entre Ministério da Educação,
prédios, todos inclusivos, até a garantia de Ministério da Justiça, Controladoria-Geral
condições de trabalho, formação e valorização da União e Advocacia-Geral da União para
das(os) profissionais da educação. O CAQi é apurar casos de corrupção no Ministério
o padrão o mínimo e o CAQ é o valor que se da Educação. A Lava Jato da Educação Site
pretende alcançar como ideal. A implementação externo, como foi apelidada, foi anunciada no
dos mecanismos era uma das estratégias Twitter do presidente Jair Bolsonaro e vista
previstas na Meta 20 do Plano Nacional de com preocupação por atores do campo, que
Educação (PNE) para que se pudesse alcançar alertaram que o maior problema da pasta seria
até 2024 o investimento de 10% do PIB na área. a insuficiência de recursos e não a corrupção.
Em um cenário de restrição de recursos para a
educação devido ao Teto de Gastos (EC95/16) Conversamos com quatro especialistas em
e de desmantelamento de mecanismos de educação para saber como avaliam os primeiros
participação social, revogação do parecer 100 dias deste governo:
torna ainda mais distante a possibilidade de
cumprimento do Plano.

Ednéia Gonçalves, socióloga, formadora de professoras(es) e diretora executiva


adjunta da Ação Educativa:

À primeira vista, os 100 dias de governo de Bolsonaro se resumem à triste disputa entre
olavistas e militares, sem que os ganhos de um lado ou outro impliquem em avanço no
acesso, inclusão, permanência ou qualidade da educação no Brasil. Porém, acredito que
outros movimentos que se desenrolam nesse governo representam riscos igualmente perigosos às conquistas
democráticas na educação.
Nesse período, enquanto nos angustiamos com a ausência de lucidez e direcionamento no MEC, fomos
confrontados com a pauta do retrocesso: representada pela expansão da militarização das escolas, pela tentativa
de imposição de uma agenda fundamentalista religiosa, racista e LGBTfóbica inspirada no Escola sem Partido.
Enquanto isso, a pautas que interessam discutir (Fundeb, CaQi/CAQ, Plano Nacional de Educação) eram
esvaziadas pelo Ministério da Economia com o anúncio da PEC da desvinculação total do orçamento. A aparente
ausência de propostas concretas e intencionalidade nas ações do MEC nos revelam que as reais disputas do
campo educacional se desenrolam em outra trincheira: na economia. É para lá que devemos urgentemente
direcionar nossa resistência.

.05
Catarina de Almeida, professora da Faculdade de Educação da Universidade de
Brasília e coordenadora do Comitê Distrito Federal da Campanha Nacional pelo
Direito à Educação:

Se eu pudesse dizer em uma frase o que eu entendo dos 100 primeiros dias do governo
Bolsonaro, eu diria que é um governo que tem como projeto destruir todas as políticas e todos
os projetos que nós temos para a educação. Ou seja, é um governo que tem como projeto destruir a educação
deste país. Isso só para falar da área da educação. E por que eu estou dizendo isto?
Efetivamente, o que o governo Bolsonaro fez com as nomeações e demissões, com seus anúncios até agora, foi
exatamente soltar decretos e portarias e constituir comissões para acabar com o que estava por aí, para acabar
com o projeto de educação que vinha se desenvolvendo neste país, que, para bem ou mal, estava em curso.
Objetivamente, é um governo que ameaça acabar com o que o país já tinha, sem apresentar nenhuma proposta.
Tanto é que, nós, ativistas, das entidades que lutam em prol do direito à educação e de outros direitos, lutamos
para nos manter o que já tínhamos e não para avançar em relação àquilo que se faz necessário.
Esses 100 dias do governo representam destruição. Acho, inclusive, que se o ministro anterior ficou na sua
falta de ação, as perspectivas dos 100 dias futuros é a de concretizar a destruição daquilo que o presidente já
anunciava na campanha e vem anunciando desde que assumiu o governo.

Juliana Oliveira, historiadora e cientista social, professora de história da rede


municipal de educação de São Paulo:

A influência do discurso do presidente eleito é perceptível no ambiente escolar: alguns


estudantes agindo com maior violência enquanto os grupos que fazem parte do que
consideramos minorias têm se unido, se fortalecido e criado espaços de resistência. Nas
periferias as “celas” de aula seguem recebendo cada vez menos investimento (na sua estrutura e nos materiais
didáticos) e a quantidade de grades supera a de janelas – fazendo um paralelo com os sonhos de cada aluno e
aluna ali.
As decisões presidenciais transmitidas pela mídia e redes sociais, as fake news que os familiares receberam
por WhatsApp e as declarações sensacionalistas de representantes oficiais do governo causaram todos os dias
comoção e desespero entre a comunidade escolar na rede pública: somos nós os mais afetados e prejudicados,
serão os nossos que pagarão com sangue, suor e lágrimas pelas escolhas de quem possui uma vida digna com o
mínimo de recursos básicos e direitos humanos – que nós não temos. O balanço não é favorável.

Salomão Ximenes, professor adjunto do Bacharelado em Políticas Públicas da


Universidade Federal do ABC (UFABC) e doutor em Direito:

Um princípio básico da avaliação política é considerar o que foi proposto. Por isto, para
fazer essa avaliação, precisamos retomar o plano de governo que foi apresentado durante a
campanha e o plano específico apresentado para os 100 primeiros dias.O plano de governo
para a campanha falava de uma “inversão de prioridades”, reduzindo o investimento em Educação Superior e
priorizando a Educação Básica. Propunha também “extirpar a filosofia de Paulo Freire das escolas”. Além disso,
trazia a questão do ajuste econômico ultraliberal, a manutenção da Emenda Constitucional 95 e a redução da
máquina estatal.O plano dos 100 dias da área de educação tinha basicamente uma meta, que era um plano de
alfabetização. No Ministério de Direitos Humanos, havia a apresentação da regulamentação do ensino domiciliar
no Brasil. Esse é o plano que precisa ser avaliado.
Isso explica em parte a estratégia de se nomear uma figura como o Vélez Rodríguez, que tinha como papel,
mobilizar a agenda de censura no Ministério da Educação (MEC), tornar essa agenda, se não implementada, ao
menos presente constantemente no discurso, enquanto uma ameaça colocada para as instituições educacionais.
Nesse sentido, ele deu várias sinalizações, tanto em relação ao livro didático, como em relação ao Enem.
Portanto, é muito diferente de imaginar que se tratava de alguém sem propósito: havia uma coerência muito
grande entre o que é uma das estratégias iniciais e a perspectiva desse ministro. Além disso, era alguém que
não tinha preocupação com a construção de políticas educacionais, com a pactuação federativa, nenhuma
preocupação ou percepção com a questão do financiamento educacional. Um ministro com esse perfil é muito
útil e oportuno para a implementação da agenda radical de ajuste fiscal neoliberal que está colocada na Emenda
Constitucional 95. Não haverá espaço para um ministro que tensione a área econômica por um maior aporte de
recursos da União, uma relação federativa ou mesmo um financiamento direto via políticas de fundo, como o
Fundeb. Praticamente nenhum programa relacionado a repasse de recurso ou coisa do gênero foi anunciado ou
sequer pensado, salvo algo relacionado à implementação da BNCC por pressão das fundações empresariais

06.
e da imprensa articulada a essas fundações. Nesse sentido, o governo é coerente com o que foi apresentado
inicialmente.
E é nesse sentido também que meu balanço dos 100 dias é um balanço indicativo do que serão os próximos
anos e meses em relação ao governo Bolsonaro na área de educação. Entendo que a aliança ultraconservadora,
neoliberal radical e militarista reacionária que caracterizam esse governo não dá margem para qualquer ação
de melhoria ou de “menos mal” no Ministério da Educação. Ou seja, a articulação entre a lógica autoritária do
militarismo, a lógica do controle ideológico, os efeitos já sentidos da EC 95 (que serão agravados caso ela não seja
revogada) e uma postura de desvinculação total vai permear estruturalmente a área de educação no governo
Bolsonaro e impossibilitar qualquer perspectiva de uma política educacional minimamente racional, planejada,
progressista, que atenda, por exemplo, as metas e estratégias do Plano Nacional de Educação.
Esse é um balanço realista, pessimista, que nos convoca a uma ação de contestação direta e total à lógica
do governo Bolsonaro, que é uma lógica que vai além do debate educacional. Essa condução das políticas
educacionais não será influenciada ou derrotada unicamente a partir do debate educacional.

Antonio Cruz/Agência Brasil

Educação: a mediocridade autoritária


como política de governo
Por Denise Carreira e Roberto Catelli

N
ão é tarefa fácil avaliar os primeiros para que o Brasil avance na garantia do direito
cem dias do governo de Jair à educação de qualidade – a situação é de total
Bolsonaro no campo da educação. A abandono.
dificuldade, entretanto, não se relaciona com
a complexidade das propostas educacionais A substituição do Ministro Ricardo Vélez por
formuladas, mas com a ausência de qualquer Abraham Weintraub não indica a mudança
direcionamento para a política educacional dessa rota: muito pelo contrário, mostra que
que busque concretizar os marcos legais e ela poderá ser aprofundada pelo atual governo.
enfrentar os desafios estruturais da educação Além de reafirmar o discurso ultraconservador
brasileira. Com relação ao Plano Nacional de do seu antecessor – em especial, o
Educação (PNE), lei 13.005 aprovada em 2014 compromisso com a descabida “guerra cultural
– que representou um esforço suprapartidário contra o marxismo e à ideologia de gênero” nas
e estabeleceu metas para os próximos dez anos escolas – Weintraub é vinculado ao grupo

.07
ultraliberal do governo Bolsonaro que defende (INEP) é dramaticamente revelador. Além disso,
mais cortes de recursos das políticas sociais e o vale destacar que até o momento a gestão do
fim das vinculações constitucionais para saúde MEC havia se negado sistematicamente a se
e educação pública. reunir com as Confederações Nacionais das
Trabalhadoras e Trabalhadores em Educação,
As vinculações constitucionais estabelecem o representantes legítimas de milhões de
patamar mínimo de recursos que municípios, profissionais que atuam nas escolas do país.
estados e União devem investir em educação
e saúde públicas. A proposta de desvinculação Diante da perspectiva de aprofundamento
total dos recursos dessas áreas – proposta pelo do arrocho salarial para uma categoria já tão
Ministro da Economia, Paulo Guedes – associada desvalorizada e da crescente precarização das
aos efeitos perversos do corte de recursos condições de trabalho nas escolas em realidades
gerados pela Emenda Constitucional (2016) cada vez mais desiguais, o novo Ministro da
do governo Temer, colocará em colapso o frágil Educação acena para o professorado com a
financiamento educacional, precarizando solução autoritária de recrudescimento da
ainda mais a condição das profissionais de repressão aos estudantes que entrarem em
educação e das escolas públicas do país. conflito com os profissionais da escola e até
Além disso, enterrará as possibilidades da com a criminalização das famílias desses alunos,
construção do novo Fundeb (Fundo Nacional sugerindo uma maior presença da polícia como
de Desenvolvimento da Educação Básica) mediadora dos conflitos escolares, em explícito
representar alguma esperança em um descumprimento da legislação educacional e do
contexto de drásticas medidas econômicas de ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
austeridade, denunciadas internacionalmente
pela Organização das Nações Unidas (ONU). Cem dias: da polêmica midiática à
desconstrução planejada dos avanços
Apesar das inúmeras confusões, das polêmicas
públicas e das disputas internas no Ministério O primeiro ato do governo foi a nomeação
entre grupos ultraconservadores (entre de um ministro da educação, o colombiano
militares e olavistas, por exemplo), é necessário Ricardo Vélez Rodríguez, que tinha como sua
não menosprezar o governo Bolsonaro: há um maior chancela a indicação de seu nome por
movimento em curso na gestão educacional Olavo de Carvalho, figura emblemática do
comprometido com a desconstrução ampla governo Bolsonaro. Vélez não acumula currículo
e profunda das políticas educacionais como que atesta sua competência na área, nem
direito humano. experiência na política pública. A composição
inicial do Ministério, incluindo suas secretarias
Esse movimento vem se caracterizando por três e instituições foi nomear militares, discípulos de
frentes: o desmonte institucional de políticas Olavo de Carvalho e alguns poucos nomes com
e de órgãos educacionais, sobretudo daqueles alguma experiência técnica na área para compor
que tratam do enfrentamento das desigualdades uma equipe que só poderia causar desconfiança,
educacionais; a promoção de ações e programas dada sua pouca afinidade com a enorme tarefa
com forte carga ideológica ultraconservadora, que lhe era atribuída.
como as escolas militarizadas, a defesa das
propostas do movimento Escola Sem Partido, Um dos primeiros anúncios do novo governo
da educação domiciliar, do ensino religioso foi o fechamento da Secretaria de Educação
confessional em escolas públicas e de Continuada, Alfabetização, Diversidade e
mudanças curriculares de viés autoritário; e Inclusão (SECADI), que teve importante
o sufocamento do financiamento educacional, papel nos governos Lula e Dilma atuando em
garantindo as condições para o avanço dos agendas conflitivas, marcadas por profundas
processos de privatização da educação pública, desigualdades na garantia do direito à educação,
em especial, da educação básica, atualmente entre elas, o enfrentamento do racismo, da
provida em cerca de 80% pelo Estado. LGBTfobia e a construção de políticas voltadas
para comunidades quilombolas, indígenas e do
Destaca-se também como uma característica campo, além daquelas voltadas para pessoas
de gestão educacional do governo Bolsonaro encarceradas e para adolescentes e jovens em
o profundo desprezo por diagnósticos, pela cumprimento de medidas socioeducativas.
produção de informações, por pesquisas
científicas, da qual o tratamento dado ao
Instituto Nacional de Pesquisa Educacional

08.
A SECADI era a secretaria na qual estavam necessário saber se o MEC vai implementar
postos os debates sobre a igualdade de gênero escolas civis-militares nos mesmos padrões das
e se abrigava o Programa Brasil Alfabetizado escolas federais com este perfil, pois nas escolas
(PBA) que chegou a atender 1,5 milhões de militares federais há carreira diferenciada
pessoas analfabetas e buscou alavancar a para os professores, exame de ingresso e
educação de jovens e adultos no país. Tudo isto condições particulares de realizar o trabalho
foi desmontado no dia 2 de janeiro, quando pedagógico. Não é de se admirar que obtenham
ainda muitos dos novos gestores do MEC sequer melhores notas nas avaliações nacionais: além
haviam sido indicados. de serem extremamente seletivas na escolha
dos estudantes com o melhor desempenho
Além da SECADI, o novo governo extinguiu nos exames de ingresso, o suposto sucesso não
também a Secretaria de Articulação com os está em ser militar, mas de oferecer condições
Sistemas de Ensino (SASE), responsável por materiais mais adequadas para que o trabalho
prestar assistência técnica e dar apoio aos pedagógico seja realizado.
municípios no que se refere ao monitoramento
e avaliação do processo de implementação dos Passados dois meses de governo, no mês de
planos de educação. março, ocorreram quinze demissões do alto
escalão do Ministério, incluindo o Secretário
No lugar da estrutura anterior do MEC, foram Executivo e o presidente do INEP. As demissões
instituídas cinco secretarias que sugeriram ocorreram em meio a disputas internas que
possíveis rumos que o governo parecia opunham olavistas a militares e entravam
navegar. Em substituição à SECADI, surgiu em conflito com o próprio ministro. Disputas
a Secretaria de Alfabetização e a Secretaria internas de poder que pouco se relacionam com
de Modalidades Especializadas de Educação. os desafios educacionais do país.
A primeira resgatou a proposta de uso do
superado método fônico para alfabetização, Mas para além desses conflitos, que roubam a
julgando que os métodos construtivistas ou cena pública, segue a desconstrução organizada
com foco no letramento seriam “doutrinadores”. das conquistas educacionais das últimas
Visão destacada em fala do secretário Carlos décadas: no final de março, articulada com
Nadalim, divulgada em vídeo na internet no a área econômica do governo Bolsonaro, o
qual afirma considerar que tais métodos têm Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão
uma “preocupação exagerada com a construção de assessoramento do MEC, revogou o parecer
de uma sociedade igualitária, democrática e que estabelecia as bases do Custo Aluno
pluralista, em formar leitores críticos, engajados Qualidade Inicial (CAQi) e do Custo Aluno
e conscientes”. Qualidade (CAQ). Previsto legalmente, mas
nunca regulamentado, o Custo Aluno Qualidade
Ou seja, condenando a doutrinação política, a é um mecanismo que representa quanto o Brasil
Secretaria estabelece um critério ideológico deve investir para dar um salto na educação
para definir um método de alfabetização pública. Com a revogação do parecer do CNE,
ignorando o fato que o processo de documento normativo fruto da pressão da
alfabetização, como bem explicou Magda Soares sociedade civil e que tem como base estudo da
em entrevista, não depende apenas de um bom Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o
método. Segundo ela: “O grande equívoco na governo fragiliza ainda mais o Plano Nacional
área de Alfabetização é que, historicamente, de Educação e sinaliza novos ataques ao
sempre se considerou que alfabetização financiamento da educação pública.
era uma questão de método” (Nova Escola,
10/1/2019). Mais do que isso, a Secretaria de Nessa perspectiva, temas como a reforma
Alfabetização se propõe a redefinir um plano do Ensino Médio, a implementação da Base
de alfabetização, mas não conseguiu sequer Nacional Comum Curricular (BNCC), a formação
estabelecer as diferenças entre a alfabetização de professores, o Programa Nacional do Livro
de crianças e adultos. Didático ficaram fora da agenda, enquanto os
novos líderes do ministério alardeavam contra
Vale mencionar ainda a criação da Subsecretaria o marxismo cultural, o globalismo cultural e a
de Fomento às Escolas Cívico-Militares, que ideologia de gênero, em um discurso ideológico
busca estimular a militarização das escolas para que oculta a realidade, que faz uso de problemas
ampliar a qualidade e segurança da educação. que nem mesmo existem na realidade
Essa parece ser quase a única proposta para educacional para fazer valer uma ação política
tratar da questão da qualidade. Entretanto, é que só tem como finalidade ocupar o poder,

.09
manter a lógica eleitoral de combate ao inimigo os materiais didáticos na perspectiva de que
e desconstruir as conquistas educacionais da afirmem que a terra é plana, que excluam a
sociedade brasileira das últimas décadas. teoria da evolução das espécies, que considerem
o nazismo uma ideologia da esquerda e
Diante deste terrível quadro – e da afronta que o golpe de 1964 não existiu e deve ser
deste governo aos marcos de direitos humanos, comemorado no Brasil como um episódio
do desprezo pela ciência e do ataque explícito redentor da Nação.
às universidades brasileiras – parece não tão
absurdo o risco de que o MEC possa rever

Denise Carreira é doutora em educação pela USP e coordenadora da área


de educação da Ação Educativa. Atualmente, integra a iniciativa De Olho
nos Planos e a Rede Internacional Gulmakai de defensoras do direito
humano à educação de meninas e mulheres.

Roberto Catelli Jr. é doutor pela Faculdade de Educação da Universidade


de São Paulo (USP) e coordenador executivo da Ação Educativa. Tem
experiência principalmente nos seguintes temas: Educação de Jovens e
Adultos, políticas públicas de educação, avaliação educacional e ensino de
História.

Divulgação/MEC

eSpecIalIStaS analISaM O IMpactO da


dISSOlUçãO da SecadI
Ministro da Educação de Jair Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodríguez, dissolve Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). Saiba o impacto disso

T
ão logo assumiu o Ministério da Educação – extinguiu a Secretaria de Articulação com
(MEC), à época ministro da educação, os Sistemas de Ensino (SASE) e dissolveu
Ricardo Vélez Rodríguez – colombiano a Secretaria de Educação Continuada,
indicado por Olavo de Carvalho para o cargo Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI).

10.
O órgão era responsável pelos programas, ações Nacional de Educação (PNE) é uma tentativa de
e políticas de Educação Especial Site externo, reverter este cenário. Com sua periodicidade
Educação de Jovens e Adultos, Educação do decenal, com metas e estratégias a longo prazo,
Campo, Educação Escolar Indígena, Educação ele desponta como uma política de Estado,
Escolar Quilombola, Educação para as relações
Étnico-Raciais e Educação em Direitos Entre as ações e programas desenvolvidos nos
Humanos. Em seu lugar, foram criadas duas últimos anos pela Secretaria especificamente
novas secretarias: a Secretaria de Alfabetização direcionados à EJA, ela cita o Programa Brasil
e a Secretaria de Modalidades Especializadas da Alfabetizado (PBA), o Programa Nacional do
Educação. Livro Didático para Alfabetização de Jovens e
Adultos (PNLD EJA), o Educação em Prisões, a
Procurada pela iniciativa De Olho nos Planos, Medalha Paulo Freire e o Literatura para Todos.
a assessoria de imprensa do MEC informou
estar em ritmo mais lento devido ao período Além desses programas, a professora chama
de transição de gestão. Por isto, não soube atenção para a intersecção de todas as outras
esclarecer quais ações, programas e políticas da modalidades de responsabilidade da SECADI
antiga SECADI serão mantidos pelas duas novas com a Educação de Jovens e Adultos. “Não
secretarias, quais serão modificados e quais dá para falar de política para pessoas com
serão extintos. deficiência sem discutir a Educação de Jovens
e Adultos. Não tem como discutir Educação do
Para compreender o cenário de cada uma Campo, Educação Indígena, educação para as
das modalidades, os avanços obtidos nos relações étnico-raciais sem discutir Educação
últimos anos e os principais desafios a serem de Jovens e Adultos. Porque uma parte
enfrentados, o De Olho entrevistou uma série de significativa dos sujeitos da EJA são indígenas,
especialistas. do campo, negros, mulheres. Da mesma forma
não tem como falar em Educação em Direitos
Confira o resultado: Humanos e Cidadania sem discutir a questão
da Educação de Jovens e Adultos, uma vez que
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS a grande maioria dos jovens que estão hoje na
Principais ações EJA são jovens e foram crianças que não tiveram
Em conversa com o De Olho, Analise da Silva, acompanhamento de frequência escolar e isso,
professora do departamento de Métodos por exemplo, era fundamental para a educação
e Técnicas da Educação da Faculdade de qualidade social que a EJA exige e que vinha
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do programa bolsa-família”, explica.
conta que a SECADI foi criada em 2004 por
demanda de movimentos sociais. O órgão era o O que se espera da nova Secretaria
responsável por todas as ações de Educação de Perguntada sobre quais seriam as expectativas
Jovens e Adultos no país. sobre a nova Secretaria e quais deveriam
ser suas prioridades, a professora destaca a
“É complicado dizer qual política ela executava. importância do cumprimento do Plano Nacional
Porque para nós, dos Fóruns EJA, política, de Educação (PNE). “É implementar a Meta 8, a
no sentido da palavra, não é um projeto, Meta 9 e a Meta 10”, sustenta.
um programa ou uma ação. É uma coisa
que é pública, que é do Estado e que tem A Meta 8 do PNE trata da elevação da
continuidade. Nessa perspectiva, não executava escolaridade média da população de 18 a
política nenhuma. Essa é uma crítica nossa 29 anos e de igualar a escolaridade média
há décadas. Mesmo assim, todas as ações que entre negros e não negros no país. A Meta 9
envolvem os 88 milhões de sujeitos da EJA determina o percentual mínimo de elevação
no país eram desenvolvidas pela SECADI”, da taxa de alfabetização da população jovem e
constata. A fala revela um obstáculo para a adulta. Já a Meta 10 prevê a oferta de matrículas
melhoria da qualidade educacional no Brasil: a da EJA no Ensino Fundamental e no Ensino
descontinuidade das políticas públicas. O Plano Médio integradas à Educação Profissional.

.11
“Hoje, nós temos aproximadamente 14 milhões de brasileiros e brasileiras que não são
alfabetizados. É preciso dar conta de superar esse desafio. É preciso diminuir a taxa de
analfabetismo funcional. É preciso dar conta de trabalhar a EJA de maneira integrada com
a educação profissional. Então o que essa Secretaria de Modalidades Especializadas precisa
fazer para executar o que a SECADI cumpria é implementar as metas 8, 9 e 10 do PNE”,
defende.

Analise enfatiza que, para que essas metas sejam dessas lideranças permitiu que a secretaria se
cumpridas, é importante que haja financiamento mantivesse alinhada com as demandas de diferentes
adequado para a educação. “Para conseguir fazer povos.
isso, ela tem que defender a imediata revogação
da Emenda Constitucional 95 (EC95). Ou nos dizer Além das conferências, a Secretaria era
como cumpriremos o PNE sem revogar a EC95/2016. também responsável pelo Programa de Apoio à
Não tem como uma Secretaria responsável pela EJA Formação Superior e Licenciaturas Interculturais
no país se propor a fazer algo que seja garantia de Indígenas (PROLIND). Destinado à formação de
direitos da EJA, se ela não se contrapuser à EC95. professoras(es) para escolas indígenas, o programa
Enquanto esta emenda constitucional estiver em foi instituído em 2005 e, desde lá, tem dado
vigor, não temos como implementar as metas do apoio financeiro para que universidades criem e
PNE. Para a EJA, o PNE é fundamental. É uma dívida mantenham cursos superiores na área.
histórica e social enorme, que, para ser solucionada,
precisa de investimento e verba pública nessa “As licenciaturas têm um papel de extrema
modalidade”, conclui. importância. Tanto de formar professores indígenas
que estão em atuação e que não têm Ensino Superior,
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA quanto de formar profissionais indígenas que
Principais ações queiram atuar como professores”, conta.
Entre as principais ações desempenhadas pela
SECADI, Jozileia Jagso, antropóloga e indígena Apesar de um grande avanço, uma dificuldade
Kaigang, destaca a realização das Conferências frequente dos cursos atrelados ao PROLIND é a
Nacionais de Educação Escolar Indígena (CONEEIs). perenidade de financiamento. Como a liberação
Conquistas do movimento, as conferências são de fluxos financeiros pelo programa não tem
instâncias participativas de tomada de decisão. periodicidade fixa, a abertura de novas turmas nas
São compostas de plenárias, cujos resultados universidades fica condicionada à publicação de
sistematizados compõem um documento final de editais. Em virtude disto, a maior parte dos cursos
orientação ao Ministério da Educação. O fomento de Licenciatura Intercultural do país está fora da
– tanto técnico, quanto financeiro – a essas matriz orçamentária anual das universidades. Sua
conferências era realizado pela SECADI. continuidade depende da manutenção do repasse de
recursos pela nova secretaria.
“Quando se tem uma conferência com diversas vozes,
há a intenção de contemplar diferentes realidades. “O corte de recursos que vai haver nas universidades
Um dos erros ocorre bastante é se pensar que a vai fazer com que elas tenham dificuldade de manter
Educação Escolar Indígena tem que ser igual para o que têm. Neste contexto, os cursos que vem através
todos os povos. E não é. A realidade de alguns povos de projetos, fomentados com outros recursos, ficam
é muito distinta da realidade de outros. Por isso, praticamente inviáveis, porque não tem professores
as conferências foram bem importantes. Nelas, as concursados para eles”, lamenta.
comunidades puderam falar e professores indígenas
puderam pautar suas demandas”, relata. O que se espera da nova Secretaria
Questionada sobre o que seria central nos trabalhos
Joziléia também avalia positivamente o fato da da SECADI e que deveria ser mantido pela nova
SECADI ter tido, em seu corpo técnico, vários Secretaria, Jozileia enfatizou a importância da
profissionais indígenas, como Gersem Baniwa, Rosa manutenção dos recursos para a área.
Alva, Rita Potiguara e Lucia Alberta. A presença

“Eu vejo muito discurso, mas a gente não percebe realmente um movimento para efetivar a
ação. Efetivar a ação requer recurso. Acho que a primeira necessidade é manter os recursos
para essas áreas, projetos e programas. Outra coisa é manter os recursos das universidades
federais. Nos governos anteriores, os recursos destinados às universidades federais não
estavam dando conta de sustentar alguns programas como era o caso das licenciaturas
interculturais. Imagine agora, com corte nas universidades. Como a universidade vai fazer
essa mágica de fomentar programas para as Licenciaturas Interculturais Indígenas sendo que vai ter recortes de
verba?” Então acho que a primeira coisa é manter os recursos”, defende.

12.
Além do financiamento dos cursos superiores e da Secretaria era responsável pelo fomento a cursos
produção de materiais didáticos, Jozileia ressalta de licenciatura e pela realização de cursos de
também a necessidade de conservar as bolsas de aperfeiçoamento e especialização de docentes.
permanência das(os) estudantes indígenas.“Muitos
estudantes indígenas só conseguem se deslocar Também para os povos indígenas, a manutenção
das suas terras para a universidade, conseguem dos cursos superior de Educação do Campo é
pagar um lugar para morar, conseguem pagar sua importante. Para Joziléia, o regime de alternância
alimentação através de bolsa-permanência. Como em que funcionam alguns desses cursos permite que
ficam esses estudantes se a bolsa-permanência docentes indígenas que já estão em exercício possam
encerrar?”, questiona. “Tem uma nuvem pairando no estudar sem abandonar seu magistério. “O curso da
ar para os povos indígenas e quilombolas. Nossos educação do campo contempla os povos indígenas
alunos têm medo de não ter mais esse recurso para também. Temos professores que atuam em sala de
poder sobreviver na universidade gente não sabe aula, então o regime de alternância para eles é válido.
ainda qual vai ser o desenho, mas o medo já está Ele consegue abarcar esse professor que dá aula na
instaurado”, completa. aldeia e precisa sair durante um período para fazer
sua formação superior”, explica.
EDUCAÇÃO DO CAMPO
Principais ações O que se espera da nova Secretaria
Para Debora Monteiro do Amaral, coordenadora Debora aponta um clima de incerteza a respeito
do curso de Licenciatura em Educação no campo da continuidade dos trabalhos da Secretaria na
da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), área, principalmente em relação à continuidade do
o principal papel da SECADI na área de educação financiamento das iniciativas.
no campo era a formação de professoras(es). A

“Estamos aguardando ainda para saber como vão ficar os projetos e cursos que estavam à
princípio dentro da SECADI, recebiam apoio financeiro e de avaliação pedagógica. A gente não
teve ainda nenhum retorno MEC a respeito”, relata.
“Nós temos conversado na universidade com estudantes, professores, que agora o momento
é de atenção e resistência, a gente teve uma luta muito grande para ter a conquista, os
movimentos sociais lutaram muito para que esse curso existisse e a gente vai continuar
lutando para a permanência desse curso na universidade, finaliza.

EDUCAÇÃO ESPECIAL que trabalhavam com recursos e tecnologias para


Principais ações pessoas com deficiência visual e com deficiência
Para, Vera Lucia Capellini, docente do departamento auditiva, ações que iam desde a construção de
de educação da Universidade Estadual Paulista material, ao desenvolvimento de softwares e
(UNESP) de Bauru, a atuação da SECADI na área equipamentos como computadores adaptados.
de Educação Especial envolvia várias frentes: de
adaptação de escolas à formação continuada de O que se espera da nova Secretaria
docentes. “Nós não temos agora como avaliar o impacto da
mudança para a área de Educação Especial. Porque
Neste espectro, uma ação de destaque era a Rede de na nova secretaria, essa população da Educação
Formação de Professores Para Educação Continuada Especial, pelo menos nos termos de composição da
na Perspectiva da Educação Inclusiva. “Era uma estrutura da secretaria, está contemplada. Todavia, a
ação bastante importante, porque, os professores, gente fica preocupado, porque a SECADI veio lutando
para trabalhar com pessoas com deficiência, nos últimos anos de maneira muito forte para um
quando não tiveram na sua formação, tinham essa movimento no país de uma escola inclusiva. Ou seja,
possibilidade de formação continuada. Ele estava de ter como matrícula inicial de qualquer aluno, com
muito mais efetivo até a Dilma. Depois, com o Temer, ou sem deficiência, a escola comum. Então a SECADI,
de modo geral, ficou parado. Mas a secretaria em em uma perspectiva de diversidade humana, estava
si continuava, o programa existia e o Temer não muito atuante”, relata Vera.
excluiu”, relata.
Ela chama atenção para a importância de que o
A SECADI contava também com um programa novo órgão mantenha como diretriz a promoção
de metas para a realização de adequações de programas e políticas que tenham em vista
arquitetônicas para escolas que não eram acessíveis uma escola cada vez mais inclusiva, que respeite
(como rampas e banheiros) e oferta de transporte as diferenças e considere a singularidade humana.
adaptado. Outro eixo abrangia a implementação “Porém, se a gente não tiver o fortalecimento – como
de salas de recursos multifuncionais. Além disto, a diretriz – de uma escola inclusiva, nós temos medo,
Secretaria fomentava pesquisas e apoiava projetos como pesquisadores da área, que se possa ter um

.13
retrocesso. O que é um retrocesso? Ter como diretriz muda o foco. Nós pesquisadores estamos temerários
escolas especiais e classes especiais. Não que seja que possa acontecer isso”, alerta. tem. Quando eu
proibido, mas a gente tem que ter como meta classe falo ‘escola especial, classe especial’, muda o foco.
comum, com direito ao suporte que essa população Nós pesquisadores estamos temerários que possa
tem. Quando eu falo ‘escola especial, classe especial’, acontecer isso”, alerta.

“Por outro lado, se a nova secretaria garantir como princípio a inclusão, como princípio
o respeito às diferenças, e como princípio que aluno com deficiência é responsabilidade
pública e não da filantropia, que a porta de entrada é na escola comum, aí a gente pode
avaliar daqui um tempo se o impacto foi positivo ou negativo ou se não teve impacto no
sentido só da modificação do nome. A nossa preocupação maior é que seja preservado
como princípio que a escola é laica, é inclusiva, que ela deve fornecer condições para que
os professores desenvolvam o seu trabalho. Tanto com políticas de formação continuada,
quanto de valorização da carreira. Que esses professores possam aprender cada vez mais a trabalhar com toda a
heterogeneidade que tem dentro de uma sala de aula”, completa.

A avaliação de Maria Teresa Mantoan, professora diferenças. Então o fato de ser suprimida a SECADI
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em si acho que não é tão grave quanto o fato de não
e uma das redatoras da Política Nacional de se levar em conta que a Educação Inclusiva não é
Educação Especial na Perspectiva da Educação uma prerrogativa de um grupo ou de vários grupos”,
Inclusiva, do impacto da dissolução da SECADI e do afirma.
que é importante ser efetuado pelo novo órgão é
próxima da de Debora. “O que importa é o seguinte: Na defesa de Mantoan, o mais importante a se
a educação tem que ser oferecida a todas(os) e não atentar não é que órgão será responsável pela
pode ser categorizada como ‘todas(os) que têm Educação Especial, mas, seja qual for ele, que se
essa característica’, mas todas(os) de fato, em suas mantenha a perspectiva inclusiva nas ações.

“Acentuar um grupo como um grupo que precisa ser tratado à parte não é educação inclusiva!
Veja, existiu uma SECADI que propôs uma Educação Especial excludente – volta de escolas
e classes especiais. A Política Nacional de Educação Especial, a gente não precisa de uma
secretaria específica para ela, mas de alguém que conheça muito bem o teor dessa política
e possa, cada vez mais, fortalecê-la, fazê-la presente, seja na Educação Básica ou no Ensino
Superior”, explica.

Entre as ações da SECADI que deveriam ser mantidas que estão em altos cargos, para que ela não seja
pela nova secretaria, Mantoan destaca as formações confundida apenas com a inserção de pessoas com
de professores, tanto para atuar no Atendimento deficiência na escola comum. E, nesse sentido, tudo
Educacional Especializado (AEE), quanto para o que a gente puder fazer, principalmente para não
compreender o que é inclusão no sentido amplo. fixar identidade em criança nenhuma é o que melhor
“O AEE é direcionado para a Educação Especial, a gente pode fazer para entender o outro segundo o
para que se possa dar atendimento às barreiras que ele é”, completa.
do meio escolar que estão no desenvolvimento da
escolarização desse aluno. Não considerando as
deficiências dele, mas as barreiras que ele encontra EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS
nesse meio, quais são os obstáculos e o que o meio Principais ações
apresenta desfavorecendo o desenvolvimento dessa Para Toni Reis, secretário de Educação da Associação
pessoa”, esclarece. Brasileira de Gays, Lésbicas e Trasgêneros
(ABGLT), a SECADI teve um papel importante no
“Educamos as pessoas para que possam, nas suas estabelecimento do Pacto Universitários pelos
diferenças, serem cidadãos. Se não, não estamos Direitos Humanos, Diversidade e Paz. O Pacto
falando em uma educação democrática. Educação completou dois anos em novembro de 2018 e, desde
democrática não é aquela que a gente ensina e seu lançamento, teve adesão de 343 Instituições
deve prevalecer o interesse da maioria, educação de Educação Superior (IES), entre universidades,
democrática é aquela em que cada indivíduo se centros universitários, institutos federais e
sente parte de um conjunto e trabalha em função faculdades. O Pacto está entre as ações relativas a
de um bem maior e é livre para colocar seu ponto Educação em Direitos Humanos desenvolvidas pela
de vista, sua opinião, e é respeitado naquilo que SECADI em articulação com Ministério de Direitos
propõe. Depende de povoar o espírito de todas(os) Humanos, e visa a superação de preconceitos, a
educadoras(es), especialmente daquelas(es) eliminação de atitudes discriminatórias no ambiente

14.
escolar e universitário e a construção de uma foram avaliados por especialistas e organizações
cultura de paz e da valorização da diversidade. de defesa de direitos humanos como retrocessos
“Precisamos também trabalhar na formação inicial para a superação de desigualdades historicamente
de professores e professoras para que quando saiam estabelecidas no Brasil.
saiam preparados para trabalhar os assuntos da
diversidade e dos direitos humanos”, defende Toni. Criada em 2004 pelo Decreto 5.159/2004,
durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
Histórico e a gestão de Tarso Genro na educação, a então
Mesmo antes de sua dissolução, a SECADI já vinha, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização
há alguns anos, enfrentando um processo de e Diversidade (SECAD) era responsável por dar
desmonte. Em junho de 2016, quando Michel Temer atenção especializada às modalidades de Educação
(MDB) ocupava interinamente o cargo de Presidente Escolar Indígena, Educação do Campo, Educação
da República, 23 pessoas foram exoneradas do órgão. para as Comunidades Remanescentes de Quilombos,
Entre elas, estavam chefes, coordenadoras(es) de Educação para a População Prisional e Educação de
áreas e técnicas(os). Vale lembrar que no mesmo Jovens e Adultos. Além disso, ela contava também
ano, em maio, havia sido extinto o Ministério das com programas de educação para a diversidade
Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e étnico-racial e valorização da história e cultura
dos Direitos Humanos. Tanto a exoneração em afro-brasileira, educação ambiental e em direitos
massa da SECADI, quanto a extinção do Ministério, humanos.

“A SECAD nasce em 2004 como fruto da pressão dos movimentos sociais, que buscavam
influenciar a política educacional, buscando que ela reconhecesse as discriminações,
desigualdades, racismos, sexismos, que sempre foram bastante silenciados na política
educacional e no debate sobre qualidade educacional. E nasce com o desafio de
transversalizar várias das agendas, justamente agendas não reconhecidas no conjunto da
política educacional”, explica Denise Carreira.

Com o propósito de diminuir as desigualdades em em articular o MEC com outros ministérios. Então a
educação e promover programas a populações SECADI foi a grande porta para a intersetorialidade
historicamente discriminadas, a Secretaria dentro do MEC, no sentido que para a gente avançar
permitiu que se desse maior apoio institucional e na garantia do direito à educação de qualidade, nós
visibilidade política a essas modalidades. Entre suas temos que pensar de forma intersetorial, temos que
atribuições, estava a formação inicial e continuada pensar a articulação com outras políticas sociais”,
de professoras(es) e o apoio ao desenvolvimento finaliza.
de materiais didáticos e pedagógicos adequados às
exigências de cada modalidade. A secretaria também Esta reportagem foi produzida durante o mês de
acompanhava e monitorava a assiduidade e o janeiro de 2019 e atualizada em abril para compor o
desempenho escolar dos beneficiários do Programa especial Educação em Disputa: 100 dias de governo
Bolsa Família, cujo auxílio de renda era condicionado Bolsonaro.
à frequência escolar. Em maio de 2011, via
decreto, acrescentou-se o eixo “inclusão” à SECAD,
introduzindo em seu leque de ações as atribuições
antes alocadas na Secretaria de Educação Especial
(SEESP). Assim, a SECAD torna-se SECADI.

“A SECADI também teve um papel muito importante

.15
Divulgação/Agência Brasil

MEC extingue SASE, secretaria


responsável por articular o PNE
Decreto extinguiu a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE), órgão responsável por
articular Plano Nacional de Educação. Saiba o impacto disso

N
o início de janeiro deste ano, decreto esta conferência que aprovou as bases para a
de reorganização da estrutura de construção do atual Plano Nacional de Educação
funcionamento do Ministério da (PNE).
Educação (MEC) extinguiu a Secretaria de
Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE). Na ocasião, foi solicitada ao Ministério da
À época, o Ministério estava sob o comando Educação (MEC) maior presença na articulação
de Ricardo Vélez Rodríguez, que, depois de de diferentes atores sociais para a construção
três meses marcados por inúmeras polêmicas do SNE e a constituição de um sistema
e problemas, foi afastado. O lugar é hoje que pudesse dar suporte à construção e à
ocupado por Abraham Weintraub. O órgão era implementação dos planos. Em resposta a essa
o principal responsável por prestar assistência demanda, foi criada a SASE.
técnica e dar apoio aos municípios no processo
de monitoramento e avaliação dos planos de Em parceria com o Conselho Nacional de
educação. Secretários de Educação (Consed) e a União
Nacional de Dirigentes Municipais de Educação
Para Claudia Bandeira, mestre em educação e (Undime), o órgão estruturou ao longo de
assessora da iniciativa De Olho nos Planos, a 2014 uma rede de apoio técnico composta por
medida evidencia o descaso do governo federal avaliadores/as educacionais, supervisores/as
com os planos de educação. “Durante o período e coordenadores/as estaduais, divididos por
eleitoral, só 4 candidaturas à presidência polos dentro de cada estado. Nesta primeira
citavam o PNE. A de Jair Bolsonaro não estava fase, o principal objetivo da Rede de Assistência
entre elas. Agora, com o desmonte da SASE, fica Técnica era fomentar a construção dos planos
ainda mais clara a indiferença deste governo e garantir que as metas fossem elaboradas em
ao PNE, principal instrumento da política consonância com o documento nacional. Para
educacional do país”. isso, foram criadas comissões coordenadoras
locais de suporte à elaboração e revisão dos
Histórico planos.

A Secretaria foi criada em 2011 a partir de “Nós iniciamos o trabalho orientando um


uma demanda apontada durante a Conferência conjunto de municípios na elaboração dos
Nacional de Educação (CONAE) 2010. Entre os planos municipais de educação”, conta Rosilene
pontos debatidos no evento, teve destaque a Lagares, avaliadora educacional técnica do
urgência da construção de um Sistema Nacional estado do Tocantins. Ela conta que a maioria
de Educação (SNE) que articulasse os diferentes dos planos municipais que acompanhava foram
entes federativos e níveis de ensino. Foi também aprovados nas casas legislativas em

16.
2015 e, depois disso, iniciou-se o processo dimensão territorial do país, mas ela foi um
de implementação das metas e estratégias. apoio para os municípios nesse processo de
“Passamos do trabalho de assistência ao planejamento, então a continuidade dessa rede
monitoramento e à avaliação desses planos seria essencial para o desenvolvimento da
municipais de educação”, relata. educação”, avalia.

“Nesse processo de assistência nós mantivemos Além do suporte técnico, a SASE era também
contatos remotos, por e-mail, whatsapp, responsável pela manutenção de um portal
telefone, e também por meio de formações junto Site externo: Planejamento a Próxima Década/
a técnicos dos municípios e participantes da PNE em Movimento. Na plataforma, é
sociedade em geral que compunham as equipes possível encontrar documentos orientadores,
técnicas e as comissões coordenadoras. Então acessar um mapa de acompanhamento da
orientávamos sobre a importância dos planos, situação dos planos nos estados e municípios,
como fazer o monitoramento e a avaliação, a fazer download dos planos, consultar uma
necessidade de fazer isso, mas, antes de tudo, de relação com nome, e-mail e telefone das/
implementar os próprios planos”, reforça. os coordenadoras/es estaduais da Rede e ler
notícias sobre a temática dos planos. Apesar
Continuidade incerta do portal seguir no ar, não há notícias ou fotos
relativas ao ano de 2019.
Com a mudança de mandato do governo
federal e a extinção da SASE, o rumo da rede Sistema Nacional de Educação
fica incerto. “Até o presente momento não
recebemos nenhuma comunicação oficial da Pelo estabelecido no Artigo 13 do PNE, o SNE
parte do MEC sobre a nossa saída. Contudo, deveria ter sido instituído até a metade do ano
sabemos que a SASE foi extinta e as pessoas que de 2016. Há três anos em tramitação na Câmara
trabalhavam nessa rede dentro do âmbito do dos Deputados, o projeto de lei que estabelece
MEC foram remanejadas ou foram demitidas”, as diretrizes e o funcionamento do Sistema foi
conta Rosilene. objeto de audiências e debates públicos, mas
ainda aguarda aprovação.
Procurada pela iniciativa De Olho nos Planos,
a assessoria de imprensa do Ministério da Segundo o balanço de quatro anos do Plano
Educação informou que as atividades do órgão elaborado pela Campanha Nacional Pelo Direito
estão em ritmo mais lento que o comum devido à Educação, a anexação de dois projetos de lei,
ao período de transição de gestão, e que, por o PLP 413/2014 de autoria de Ságuas Moraes
isso, o destino dos programas e das ações das (PT/MT), e o PLP15/2011, de Felipe Bornier
secretarias extintas ainda não estão definidos. (PHS/RJ), feita pelo deputado Glauber Braga
(PSOL/RJ) fez com que a articulação do Sistema
Pelo registrado no Decreto que extinguiu avançasse consideravelmente. Entretanto, sua
o órgão, as competências da Secretaria de completa efetivação depende do cumprimento
Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase) das estratégias de financiamento, que, devido ao
foram alocadas na Secretaria de Educação Teto de Gastos (EC95) se encontram em atraso e
Básica (SEB), ficando, portanto, a cargo da SEB a sem previsão de execução.
responsabilidade de monitorar o Plano Nacional
de Educação (PNE) e articular o Sistema (Des)valorização docente
Nacional de Educação (SNE).
Além do monitoramento dos planos e da
A decisão sobre a continuidade de existência articulação do Sistema Nacional de Educação, a
da Rede de Assistência Técnica, bem como de SASE também era responsável pela assistência
seus membros, ainda terá que ser definida pelos técnica para a implementação do Piso Salarial
gestores da SEB e não tem data prevista para Nacional, orientando os estados e municípios
acontecer. sobre como torná-lo viável em seus orçamentos.

Para Rosilene, apesar de alguns desafios Atualmente, a carreira de professor/a encontra-


enfrentados, a rede foi um passo importante na se entre as mais desvalorizadas para pessoas
construção da política educacional e deveria ser com Ensino Superior. Muito inferior ao de
mantida. profissionais de outras áreas com o mesmo
nível de formação, o piso salarial do Magistério
“A rede tem vários problemas por conta a é atualmente de R$2.557,74.

.17
Pela Meta 17 do PNE, até 2020, a média salarial na implementação e monitoramento desses
da categoria deveria ser equiparada à de planos”, defende Claudia Bandeira, mestre em
outras/os profissionais com o mesmo nível de educação e assessora da iniciativa De Olho nos
formação. Para que isso aconteça, o reajuste Planos.
deveria ser maior do que tem sido nos últimos
anos (em 2019, foi de 4,17%). Além disto, “Diante desta conjuntura, é cada vez mais
seria necessário haver um esforço em torno do é importante que os municípios sejam a
cumprimento do valor já estipulado. Segundo resistência e não deixem que o plano seja
levantamento do MEC, em 2017, 45% dos esquecido. Publicizar os resultados das
municípios sequer pagavam o piso. Longe de conferências de educação e elaborar um
alcançar a meta, o Brasil espera agora da SEB a plano de cumprimento das próximas metas,
definição do formato da assistência técnica para reforçando a importância e a relevância dessas
a implementação da lei. políticas de Estado, pode ser uma estratégia
para não deixar que os planos viram letra
A importância da rede morta”, sugere.

O acompanhamento de uma política de Estado, Ela ressalta também a importância de se


cuja duração ultrapassa o tempo de um governo, garantir a participação social nesses processos,
não deve ficar restrito às equipes gestoras da que devem ser conduzidos não apenas pela
administração pública, mas ser feito em diálogo Secretaria ou Conselho, mas por toda a
com toda a sociedade. Por isso, a formação de comunidade escolar. “Vamos ampliar a roda
redes de capacitação técnica e a implementação para não deixar o plano morrer”.
de ações de estímulo à participação não pode
ser abandonada pelo Ministério. Esta reportagem foi produzida durante o mês
de janeiro de 2019 e atualizada em abril para
“Além da participação de toda sociedade no compor o especial Educação em Disputa: 100
monitoramento dos Planos de Educação, eles, dias de governo Bolsonaro.
por serem de território, devem levar em conta
todo o atendimento educacional, da Educação
Básica ao Ensino Superior, existente em um
estado ou município. Por isso, ter uma rede
de acompanhamento é importante também
para mobilizar diferentes entes federados

Na educação domiciliar, os familiares


devem prever plano pedagógico
O presidente Bolsonaro assinou o PL que regulamenta a prática da educação domiciliar. Para entrar em
vigor, o projeto passará por tramitação no Congresso
18.
O
presidente Jair Bolsonaro assinou na anualmente pelos familiares, com a publicação
quinta-feira 11 o projeto de lei que do plano pedagógico individual direcionado
regulamenta a prática da educação ao estudante. Também é responsabilidade dos
domiciliar, conhecida como homeschooling. representantes legais da criança e adolescente a
A proposta integra uma lista de documentos inserção de registros periódicos das atividades
assinados em uma cerimônia no Palácio do pedagógicas do estudante na plataforma.
Planalto na tarde da última quarta-feira, quando
se completou 100 dias de governo. Sobre a avaliação dos estudantes, o PL aponta
que o estudante será submetido a uma
O projeto de lei altera o previsto na Lei de avaliação anual sob a gestão do Ministério da
Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394 de 20 de Educação. Caso o desempenho seja considerado
dezembro de 1996), que prevê como dever dos insatisfatório, o texto menciona a oferta de
pais ou responsáveis a matrícula de crianças uma prova de recuperação. Também prevê, no
na educação básica a partir dos quatro anos de artigo 9º, a regulação de taxas pelo MEC para
idade. A mesma lei reconhece a educação básica fins de custeio das avaliações (serão avaliadas
obrigatória e gratuita dos quatro aos 17 anos hipóteses de isenção de pagamento).
de idade, organizada nas modalidades de pré-
escola, ensino fundamental e ensino médio. Também estão previstas condições para que os
pais sigam com o direito à educação domiciliar
Também modifica o previsto no Estatuto da que pode ser suspenso em alguns casos:
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de quando o estudante for reprovado, em dois
julho de 1990) que prevê o direito à educação anos consecutivos, nas avaliações anuais e nas
atrelado ao acesso de crianças e adolescentes à provas de recuperação; quando o estudante for
escolas públicas e gratuitas e próximas de sua reprovado, em três anos não consecutivos, nas
residência. avaliações anuais e nas recuperações; quando
o aluno injustificadamente não comparecer à
Para entrar em vigor, o projeto passará por avaliação anual ou enquanto não for renovado o
tramitação no Congresso. cadastramento anual na plataforma virtual.

O que propõe a lei? Direito à educação em risco?

A educação domiciliar dá a possibilidade a pais A regulação da educação domiciliar foi pauta do


ou responsáveis legais de preverem o regime Supremo Tribunal Federal no ano passado, que
de ensino de crianças e adolescentes, e dá a decidiu por não reconhecê-la como modalidade
eles prioridade de direito na escolha do tipo de de ensino. Para a Corte, a Constituição prevê
instrução que será ministrada a seus filhos. No apenas o modelo de ensino público ou privado,
artigo 205 da Constituição Federal, a educação cuja matrícula é obrigatória, e não há lei que
é entendida como um direito de todos e dever autorize a medida.
do Estado e da família e sua promoção com a
colaboração da sociedade. A equipe do Carta Educação produziu a
reportagem “Quais interesses estão por trás do
O texto do PL diz que a opção pela educação homeschooling?” à época para entender junto
domiciliar será efetuada pelos pais ou pelos a especialistas em educação como eles viam a
responsáveis legais do estudante, formalmente, tramitação do tema.
por meio de plataforma virtual do Ministério da
Educação, onde devem constar: documentação Uma das questões apontadas foi a pouca
de identificação do estudante, na qual conste representatividade da agenda diante dos quase
informação sobre filiação ou responsabilidade 50 milhões de estudantes da educação básica:
legal; documentação comprobatória de um levantamento realizado pela Associação
residência; termo de responsabilização pela Nacional de Ensino Domiciliar (Aned), uma das
opção de educação domiciliar assinado pelos principais influenciadoras do tema, indicavam
pais ou pelos responsáveis legais; certidões 7,5 mil famílias e 15 mil estudantes na
criminais da Justiça Federal e da Justiça modalidade, em 2018.
Estadual ou Distrital; plano pedagógico
individual, proposto pelos pais ou pelos Além disso, os entrevistados apontavam
responsáveis legais; e caderneta de vacinação preocupação com o direito à educação. O
atualizada. coordenador da Campanha Nacional pelo
Direito à Educação, Daniel Cara entende ser
Esse cadastro teria que ser renovado
.19
fundamental a convivência dos estudantes com obrigatória “como um requisito necessário para
os demais jovens e professores nas escolas. a igualdade e democracia, independente da
“O direito à educação vai muito além da mera posição de seus pais”.
instrução”, declarou.
A preocupação dos especialistas mira nos
O professor da Universidade Federal do ABC e interesses que sustentam a agenda e que,
doutor em Direito pela USP, Salomão Ximenes para eles, têm convergência com o Escola sem
Site, também questionou o entendimento que Partido. O presidente da Aned, Ricardo Dias,
é trazido com a lei de que a família está acima traz como um dos motivos para os pais tirarem
do Estado na definição da educação. “Seria seus filhos da escola a “doutrinação ideológica”,
necessário redesenhar não só a concepção de principal reivindicação do movimento,
educação, como a de política educacional e de amplamente acolhida por Bolsonaro e seus
escola pública”, explicou. representantes governamentais, como o atual
ministro da educação Abraham Weintraub,
Ximenes reforça a concepção de educação declarado apoiador do combate a um suposto
pública e republicana que, além da marxismo cultural Site externo nas instituições
complementaridade entre Estado e família de ensino.
no dever de estudar, reconhece a educação

Por que o investimento em estudantes


da educação pública está ameaçado?
Em março, o Conselho Nacional de Educação revogou parecer que implementava custos mínimos para
uma educação de qualidade

“A
mensalidade de uma escola privada Em março, o Conselho Nacional de Educação
de SP corresponde a, no mínimo, (CNE) anulou um parecer que regulamentava
três vezes o que se gasta com um o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e o
aluno da rede estadual paulista” – é o que Custo Aluno-Qualidade (CAQ), mecanismos que
afirma José Marcelino, professor de economia estabelecem padrões mínimos de investimento
da Universidade de São Paulo, para o especial por aluno para promover um ensino de
Educação em Disputa: 100 dias de Bolsonaro. qualidade.

A inversão deste cenário – com um aumento Embora previsto no Plano Nacional de Educação
progressivo do investimento na educação (PNE), o custo aluno ainda não tinha sido
pública – parece ficar cada vez mais distante, regulamentado – o CAQi deveria ter sido
dadas algumas manobras capitaneadas pelo implementado até junho de 2016.
atual governo.

20.
Para avaliar o cenário, e como o não cumprimento de parte do financiamento afeta a
educação pública, o especial “Educação em Disputa: 100 dias de Bolsonaro”, entrevistou o
doutor em Educação e professor de Economia Universidade de São Paulo, José Marcelino de
Rezende Pinto, que tem experiência na área de Política e Gestão Educacional com ênfase em
financiamento da Educação. Confira!

1. O que é o Custo Aluno Qualidade? aportados por estados e municípios, mesmo


O CAQ é um conceito relativamente simples, sendo a União o ente mais ricos dos três.
significa definir quanto custa por aluno
uma educação de qualidade, considerando O efeito imediato é tentar livrar o Governo
como elementos centrais da qualidade: Bolsonaro das cobranças judiciais a respeito
a infraestrutura da escola (salas de aula, do CAQi. Só que persiste a exigência legal de
laboratórios, biblioteca, refeitório, quadra implementação imediata do CAQi com Base
desportiva, sala de grêmio etc) e equipamentos no PNE. O curioso desse processo é que seus
adequados; uma remuneração e carreira dois principais atores, Binho Marques e Maria
atrativa para todos os profissionais que Helena Guimarães de Castro (que alegam a
trabalham na escola; e uma quantidade necessidade de estudos técnicos e financeiros
de alunos por turma que torne eficaz os por parte do MEC para a definição do CAQi)
processos de ensino e aprendizagem. foram membros destacados do Executivo: ela
Sempre considerando a etapa (creche, pré- presidente do Instituto Nacional de Estudos
escola, Ensino Fundamental, Ensino Médio) e Pesquisas Educacionais (INEP) na gestão
e modalidade ensino (Educação de Jovens FHC – lembrando que o CAQi já estava previsto
e Adultos, Ed. Especial, Ed. do Campo, Ed. no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
Quilombola, Ed. Indígena, Ed. Profissional). do Ensino Fundamental (FUNDEF) em 1998 -,
e ele Diretor da SASE nas gestões do PT que,
Já o CAQi é a definição da quantidade dos entre outras atribuições, tinha exatamente a
insumos anteriormente listados que devem implantação do CAQi!
ser assegurados em todas as escolas do país.
É o padrão básico de insumos que toda escola Ou seja, eles declaram a incompetência do CNE
deve possuir, como determina o art. 211 da de fazer uma tarefa que o conselho realizou
Constituição Federal. Ou seja, é como o salário- em 2010, e dizem que é encargo do Executivo,
mínimo, ninguém pode receber menos que seu sendo que os mesmos tiveram mais de uma
valor. década no MEC e não a realizaram! É muito
desrespeito com a educação pública brasileira,
2. No mês passado, em uma reunião para não dizer cinismo.
chamada às pressas, o Conselho Nacional de
Educação (CNE) revogou um parecer sobre 3. E há formas de reverter essa revogação?
o CAQ e o CAQi. Como avalia a medida? A Se sim, quais?
revogação impacta a implementação dos Sim, todos os atores envolvidos na elaboração
mecanismos? Como? do CAQi, capitaneados pela Campanha Nacional
Foi uma atitude covarde do atual CNE. Isso da Educação já estão a campo e em breve
aconteceu porque a Justiça passou a exigir a teremos novidades. Não é a auto-assumida
implementação do CAQi, com base no Plano incompetência do CNE que vai inviabilizar o
Nacional de Educação (PNE), tendo p referência CAQi. Ele é como fênix, porque está previsto
o que estava estabelecido em um parecer feito na Constituição e é fundamental para garantir
em gestões anteriores do CNE (com outro a todo estudante brasileiro uma escola com
conselheiros, claro), com base em consultoria um padrão aceitável de qualidade, o que não
de Binho Marques, ex-dirigente do MEC nas acontece hoje.
gestões Lula e Dilma. Ou seja, o CNE revogou
um parecer feito por ele mesmo e se declarou 4. Quanto o Brasil gasta com educação
incompetente para definir o CAQi. atualmente? Isto é suficiente?
O melhor levantamento sobre gasto foi feito pela
Tudo isso para que o Governo Federal não equipe do INEP que monitora o cumprimento
fosse obrigado a ampliar a parcela de sua das metas do PNE e aponta para 5% do PIB.
contribuição ao Fundo de Manutenção e O PNE, lei aprovada pelo Congresso Nacional,
Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), determina atingir 7% do PIB este ano e 10% do
que atualmente é de apenas 10% dos recursos PIB em 2024. Ou seja, temos que avançar muito

.21
em três frentes: ampliar vagas nas etapas mecanismo concreto de aferição se o dinheiro,
e modalidade sub-atendidas, melhorar a de fato, está chegando na escola.
qualidade geral (do CAQi para o CAQ) e
pagar a conta dos anos de subfinanciamento, Histórico
envolvendo especialmente a Educação de
Jovens e Adultos. Para se ter um exemplo: No mês de março, a Câmara de Educação Básica
a mensalidade de uma escola privada de do Conselho Nacional de Educação (CNB/CNE)
qualidade de São Paulo corresponde a, no realizou uma reunião extraordinária com o
mínimo, três vezes o que se gasta com um aluno Ministério da Educação e revogou um parecer
da rede estadual paulista. sobre dois mecanismos de financiamento da
educação: o Custo-Aluno-Qualidade-Inicial
5. Qual é o valor atual previsto nestes (CAQi) e o Custo-Aluno-Qualidade (CAQ).
mecanismos? Ele cabe em nosso orçamento?
Quanto falta para que o alcancemos? No dia anterior à reunião, quando seu chamado
As estimativas de implantação do CAQi, com veio à tona, dois apelos ao órgão foram
base na matrícula atual, indicam que o governo divulgados. Um deles, de autoria da Campanha
federal deveria ampliar a sua participação no Nacional pelo Direito à Educação, formuladora
Fundeb(complementação da União) de 0,2% dos mecanismos, narrava o processo de
do PIB para cerca de 1,1%. Para um governo escanteio da sociedade civil e das(os)
que mais gasta mais de 7% do PIB pagando trabalhadoras(es) da educação das decisões
juros para os amigos de Paulo Guedes (as 10 sobre financiamento e reafirmava a importância
mil famílias mais ricas do país), como indica o de garantir a implementação dos mecanismos
estudo Austeridade e Retrocesso, é plenamente para a efetivação do direito à educação no país.
suficiente. Outra, de autoria de cinco ex-presidentes da
União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Já os valores do CAQ variam de acordo com a Educação (Undime), pedia que o assunto fosse
etapa e podem ser consultados no site do Custo analisado com atenção e alertava o Conselho
Aluno-Qualidade. sobre o risco de revogação dos mecanismos.

6. Pensando na gestão democrática, você Findo o encontro, quando foi noticiada a


acredita que o CAQi pode influenciar revogação do parecer, o professor de Políticas
no controle social e no planejamento Públicas da Universidade Federal do ABC,
participativo das políticas públicas Salomão Ximenes, e a procuradora do Ministério
municipais de educação? Como? Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida
Sim, pois ele resolve a grande questão: não Graziane Pinto, se posicionaram contrariamente
basta mais dinheiro; é preciso que ele chegue à revogação. Ambos avaliaram a revogação do
à escola. Ao vincular o gasto aluno com os parecer como uma fraude que tinha como fim
insumos que devem estar presentes nas escolas esquivar o Ministério da Educação (MEC) da
(bibliotecas, laboratórios, razão alunos/turma responsabilidade de garantir um financiamento
etc) ele propicia à comunidade escolar um adequado para a área.

22.
Rovena Rosa/Agência Brasil

danIel caRa: “a cOMpOSIçãO dO Mec


SInalIza UM pROJetO de pRIvatIzaçãO”
Para Daniel Cara, a estratégia da política ultraliberal é precarizar a oferta de serviços públicos para
argumentar incompetência do Estado

A
nomeação mais recente do Ministério da política ultraliberal”.
Educação alçou ao cargo de presidente
do Inep o delegado de Polícia Federal Cara explica que a tática para justificar o projeto
Elmer Coelho Vicenzi. Mais um na equipe de não de privatização é a de precarizar o Estado e a
educadores designada para a pasta, capitaneada oferta de serviços públicos para então atribuir
pelo economista Abraham Weintraub, nome incompetência à máquina. “É uma radicalização
anteriormente ligado à Casa Civil onde atuou do projeto neoliberal, que já prevê a redução do
como secretário executivo, e às figuras de Ônix Estado”, atesta o especialista.
Lorenzoni e Paulo Guedes. A linha de atuação preocupa o educador, que
vê a nova composição do MEC mais nociva
Longe de ser ao acaso, o arranjo dá corpo a às políticas educacionais do que a anterior,
uma das principais estratégias governamentais, protagonizada pelo colombiano Vélez
segundo análise do coordenador da Campanha Rodríguez.
Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara:
“A privatização da educação como parte de uma

“Embora eu discordasse 100% de sua visão de política educacional e, sem dúvida, Vélez era
incompetente em termos de gestão, existia uma possibilidade de saber o que ele pensava, pois
ele sistematizou meia dúzia de ideias em novembro de 2018. Já Weintraub pensa em seguir
Olavo de Carvalho na pauta da propaganda de governo e implementar a política ultraliberal
de Paulo Guedes, que sofre oposição até de figuras neoliberais que o consideram exagerado”,
avalia.

1. Como você avalia os 100 primeiros dias do Pedro Bial, o Olavo falou que ele conhecia o
governo Bolsonaro na educação? trabalho do Vélez, mas que Vélez não conhecia
Foi um período caótico. Primeiro, tivemos o o seu trabalho e que, agora, existe um ministro
ministro Vélez Rodríguez que atuou na linha [Weintraub] que de fato conhece as suas ideias.
da guerra cultural e que, claramente, não foi Esse é um fator importante na consolidação do
capaz de administrar as forças que subsidiaram governo.
a sua gestão, os militares e os olavetes, como
o próprio Olavo de Carvalho denomina seus Vejo que, de um lado, o Ministério da Educação
seguidores. O resultado foi que, no primeiro está entregue como um instrumento de
revés dos militares dentro do governo, o Olavo propaganda pela guerra cultural bolsonarista.
de Carvalho conseguiu emplacar um segundo Do outro, dada a diminuição da força dos
ministro. Em uma entrevista recente dada ao militares e a menor ênfase na agenda da

.23
militarização das escolas, o que vai imergir é a para os padrões do Guedes, e reduzir ainda mais
privatização da educação. as vinculações constitucionais, radicalizando a
agenda da Emenda Constitucional 95, de Michel
2. Há uma concepção de educação em Temer e Henrique Meirelles.
disputa?
Não se tem uma concepção de educação. Há Esse é o caminho que ele quer trilhar. Quando
uma concepção de política educacional, o que você tem um processo de precarização
é diferente. A política educacional que eles do serviço público, você constrói a ideia
planejam é, em primeiro lugar, reduzir a área na sociedade de que o poder público não
a uma esfera de propaganda da ultradireita. é competente para dar conta do que é a
Quando o Olavo de Carvalho diz que é preciso necessidade das pessoas. Qual o resultado
fazer uma guerra cultural, ele quer dominar as disso? A argumentação de que o caminho é
universidades e as escolas como um espaço de a privatização, com a defesa de que o setor
convencimento da sociedade para agregar novos privado é mais dinâmico, faz mais com menos.
militantes para a causa da ultradireita, que é No começo, vai parecer que a privatização
ultrareacionária. Não tem preocupação sobre da educação vai gerar economia, mas na
a política educacional pautada nos ditames da renovação dos contratos ela vai custar muito
Constituição Federal de 1988. mais. Ademais, a razão dos serviços públicos
responsáveis pela consagração de direitos,
Outra questão que vejo na forma como o especialmente a razão pedagógica, se opõe à
governo Bolsonaro enxerga a educação é razão mercantil. Ou seja, a educação privada é
que a militarização das escolas era uma de pior qualidade.
proposta pedagógica, ou antipedagógica, mas
educacional, eles acreditavam que a disciplina A Emenda Constitucional 95 e o fim das
autoritária era o melhor substituto para a vinculações constitucionais são estratégias de
Pedagogia, não importando o processo de precarização onde o Estado deixa de crescer
ensino-aprendizagem, a formação integral de para depois dizer que é incompetente. É
seres humanos. uma estratégia discursiva que mata o serviço
público, o torna extremamente ineficaz pelo
Agora, com essa nova composição do Ministério pouco financiamento, para então justificar
da Educação, eles vão tentar pautar a guerra a privatização. Isso aconteceu em todos os
cultural, até para chamar a atenção da militância lugares do mundo que viveram o processo
bolsonarista. A nomeação de um delegado de de privatização, passando por países
polícia para o Inep diz sobre isso, mas reforço extremamente desenvolvidos como EUA,
que a grande aposta em termos de política Reino Unido, Suécia. No mundo escandinavo,
educacional vai ser a privatização. Esse é o a Suécia, que foi a única a mergulhar em certo
objetivo estratégico de Weintraub, o desserviço ultraliberalismo já retrocedeu, com pressão da
que ele vai prestar. própria Coroa que determinou que era preciso
rever essa perspectiva.
3. Como se constrói essa narrativa pela
privatização? 4. Você fala em uma radicalização do projeto
São três etapas para chegarmos ao cenário. neoliberal. O que isso significa?
A Emenda Constitucional 95 que determina Sim, estamos diante de uma radicalização
um teto de gastos foi a primeira delas. Ela foi da agenda neoliberal que, embora preveja a
apoiada pelo mercado, mas é insuficiente para redução do Estado em todas as suas funções,
as preocupações do mercado financeiro, para os não assume que a condição de vida das pessoas
patamares de dívida pública aceitáveis para um não importa. No ultraliberalismo esse tipo de
investimento especulativo no Brasil. preocupação não existe. É a radicalização do
que o George Soros disse, de maneira crítica,
Então, a segunda estratégia é reduzir ainda que a democracia é o sistema que governa quem
mais a ação do Estado e, por fim, acabar com o mercado permite.
as vinculações constitucionais. O padrão ouro
do projeto do Paulo Guedes é acabar com as 5. A pauta de alfabetização é uma das
vinculações constitucionais e aprovar a reforma prioridades do governo. Como tem visto a
da Previdência que ele quer. O padrão prata é condução dessa agenda?
aprovar uma reforma mais ou menos e aprovar O Brasil precisa olhar para a agenda da
as desvinculações constitucionais e o padrão Alfabetização, mas a partir da perspectiva
bronze é aprovar uma reforma mais ou menos, correta que é a científica, que toma como base

24.
o trabalho da psicologia, da sociologia e da por trás não é da educação.
filosofia da educação que já desenvolveu uma
série de análises e vem aperfeiçoando métodos. A estratégia utilizada pelo governo foi de
Isso está sendo totalmente abandonado por esperar que o desgaste acerca da pauta
esse debate medíocre do método fônico. passasse e isso não aconteceu, então
o lançam como projeto de lei. Eles já
Vale lembrar que o método fônico já vinha perceberam que não vai ser tão fácil passar
sendo defendido em círculos da ultradireita as pautas ultraconservadoras. Acho que o
desde o governo Fernando Henrique Cardoso, a ultraconservadorismo vai ter ações muito
partir do João Batista, dono do Instituto Alfa e pontuais, uma intervenção no Enem, em
Beto. Como ele [João Batista] nunca teve espaço políticas específicas. Isso vai ser muito mais
real em um conjunto de gestões que eram pautado pelo twitter dos Bolsonaros como
dominadas por pensamentos de centro direita um discurso de propaganda e, por baixo, o
e centro esquerda, que era o que representava que se tem é a tentativa de consolidar uma
PSDB e PT, ele começa a fazer alianças com política ultraliberal na educação, privatizar
setores ultrareacionários e agora tem muito radicalmente, tanto que as fundações e
espaço dentro do governo. institutos empresariais já estão com agenda
marcada com o novo ministro.
Eles semearam e agora estão colhendo. Mas é
extremamente pobre imaginar que o método 7. O sentimento diante à educação pública é
fônico é a salvação da lavoura, ele é arcaico de pessimismo?
em termos pedagógico e seu resultado vai Eu não tenho pessimismo porque a educação
ser medíocre. É um caminho anti-científico, brasileira tem uma grande vantagem
mercadológico, de tentar retomar uma comparativa. Enquanto para as outras
experiência metodológica do passado numa áreas resistência é uma palavra de ordem,
época em que as escolas públicas eram na educação é cotidiana, desde a época do
muito mais produtoras de fracasso do que de Império. O professor resiste, precisa resistir
formação e acham que essa perspectiva será porque nunca teve condições de trabalho
válida no século XXI, que deveria ser o século do adequadas, nunca teve boa remuneração e essa
conhecimento. capacidade de resistência nesses momentos de
enorme crise consegue fazer com que a área se
6. E o encaminhamento da proposta da mantenha pelo esforço profissional.
educação domiciliar, como a avalia?
É mais uma agenda de honra para a bancada O que precisamos, com certa urgência, é
evangélica e para a católica ultraconservadora. reivindicar a área para os educadores, de fato.
Mas vale destacar a mudança que houve no Não dá pra ter um delegado de polícia no Inep,
encaminhamento desta pauta. O governo queria nenhum demérito quanto à função, mas não é
tramitar com uma medida provisória [embora o lugar dele. Não dá pra ter mais um Ministro
o instrumento tenha força de lei, precisa passar da Educação que nunca pisou em uma escola
por aprovação do Congresso] e recuou porque pública, que não sabe o que é o calor de um
percebeu que perdeu apoio. Pode passar, mas intervalo de uma escola pública, a sua realidade.
essa aprovação não será fácil.
Mas eu não tenho pessimismo com a área de
Outro ponto que vale considerar na mudança educação porque a crise não é uma novidade, é
da pauta é o fato do projeto ter começado a cotidiana. Como dizia Darcy Ribeiro: a crise da
tramitar pelo Ministério da Mulher, da Família educação não é uma crise, é um projeto.
e dos Direitos Humanos. Não faz sentido
algum tramitar por ali um assunto claramente
educacional, o que deixa claro que o problema

.25
“Pensar que se resolve a
alfabetização com o método fônico é
uma ignorância”
A professora emérita da UFMG, Magda Soares, rebate as críticas feitas pelo secretário de Alfabetização,
Carlos Nadalim

U
m dia após o governo completar 100 O secretário também critica a atuação da
dias, o presidente Jair Bolsonaro assinou professora emérita da Faculdade de Educação
o decreto da Nova Política Nacional de (FAE) da Universidade Federal de Minas Gerais
Alfabetização, que já tinha sido anunciada entre (UFMG), Magda Soares, também pesquisadora
as metas prioritárias da gestão. do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
(Ceale), que tem mais de 60 anos dedicados à
Segundo apuração da Folha de S. Paulo, o texto área da alfabetização, entre pesquisas, formação
do decreto mantém o foco no método fônico, de professores e atuação direta em redes de
que prevê a alfabetização através da associação ensino.
entre um símbolo (a letra, ou grafema) e seu
som (o fonema). Seu acúmulo de conhecimento deu origem
a várias publicações e livros, três dos quais
A diretriz vem causando polêmica entre publicados pela Editora Contexto: Alfabetização
educadores, que consideram o método e Letramento (2017); Alfabetização, a questão
ultrapassado e ineficaz para a aprendizagem dos métodos (2016) e Linguagem e Escola, uma
das crianças. A defesa é que o método fônico perspectiva social (2017).
faça parte do processo de alfabetização, mas
não seja o único método. Entre os especialistas é Em entrevista, Magda Soares rebate as
defendida a dimensão do letramento que prevê, críticas feitas pelo novo secretário, fala
além da associação de grafemas e fonemas, o sobre os desafios do País frente à agenda da
uso social da leitura e escrita. alfabetização e afirma que defender o método
fônico como alternativa para a agenda é uma
Um dos grandes entusiastas do método atitude “simplista e ignorante”.
fônico é o novo secretário de alfabetização
do MEC, Carlos Nadalim, que, em suas redes “O que ocorre nesse País inteiro é a
sociais, condena o letramento como o vilão predominância de escolas públicas com
da alfabetização e o classifica como “uma infraestrutura muito insatisfatória, com
reinvenção construtivista da alfabetização, professores mal formados, salários miseráveis.
fruto de uma preocupação exagerada com Pensar que se resolve a alfabetização com
a construção de uma sociedade igualitária, o método fônico, é um simplismo, uma
democrática e pluralista em formar leitores ingenuidade, uma ignorância, que me deixa
críticos, engajados e conscientes”. indignada”. Confira a entrevista.
26.
Um dia após o governo completar 100 dias, o infraestrutura muito insatisfatória, com
presidente Jair Bolsonaro assinou o decreto da professores mal formados, salários miseráveis.
Nova Política Nacional de Alfabetização, que já Pensar que se resolve a alfabetização com
tinha sido anunciada entre as metas prioritárias o método fônico, é um simplismo, uma
da gestão. ingenuidade, uma ignorância, que me deixa
indignada”. Confira a entrevista.
Segundo apuração da Folha de S. Paulo, o texto
do decreto mantém o foco no método fônico, 1. O que é alfabetizar?
que prevê a alfabetização através da associação É ensinar a criança o sistema alfabético de
entre um símbolo (a letra, ou grafema) e seu escrita, a ler e a escrever, que significa levá-la a
som (o fonema). se apropriar de um sistema de representação
dos sons da língua, da fala, em grafemas, sinais
A diretriz vem causando polêmica entre e símbolos. É aprender uma tecnologia, fruto
educadores, que consideram o método de uma invenção cultural que, ao contrário da
ultrapassado e ineficaz para a aprendizagem fala, que a criança adquire naturalmente, tem
das crianças. A defesa é que o método fônico que ser aprendida porque é um sistema de
faça parte do processo de alfabetização, mas representação de sons da fala em sinais.
não seja o único método. Entre os especialistas é
defendida a dimensão do letramento que prevê, 2. O que é letrar?
além da associação de grafemas e fonemas, o O letramento tem relação com a alfabetização,
uso social da leitura e escrita. mas é diferente. Não basta a pessoa só aprender
a ler e a escrever. Quando ouvimos que uma
Um dos grandes entusiastas do método criança sabe ler e escrever, precisamos saber:
fônico é o novo secretário de alfabetização ela sabe tirar consequências, escrever um texto
do MEC, Carlos Nadalim, que, em suas redes que tenha coesão, coerência, que seja adequado
sociais, condena o letramento como o vilão ao destinatário? Para aprender isso, não é só
da alfabetização e o classifica como “uma com a alfabetização, mas em contato com outros
reinvenção construtivista da alfabetização, procedimentos e métodos que receberam o
fruto de uma preocupação exagerada com nome de letramento, conceito incorporado
a construção de uma sociedade igualitária, nos anos 1980 exatamente para destacar a
democrática e pluralista em formar leitores importância não só da criança aprender a ler e
críticos, engajados e conscientes”. a escrever, mas também aprender a fazer uso da
O secretário também critica a atuação da leitura e da escrita nas demandas sociais.
professora emérita da Faculdade de Educação
(FAE) da Universidade Federal de Minas Gerais 3. O secretário de Alfabetização do MEC,
(UFMG), Magda Soares, também pesquisadora Carlos Nadalim, declarou em um vídeo que o
do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita letramento é o grande vilão da alfabetização.
(Ceale), que tem mais de 60 anos dedicados à Como você avalia essa colocação?
área da alfabetização, entre pesquisas, formação Ele se mostra completamente ignorante na
de professores e atuação direta em redes de questão da alfabetização e letramento, faz uma
ensino. grande confusão, não distingue como acabei
de fazer o que é uma coisa e outra. Ele diz que
Seu acúmulo de conhecimento deu origem o letramento é o vilão como se você só tivesse
a várias publicações e livros, três dos quais que ensinar a criança a ler e a escrever e não
publicados pela Editora Contexto: Alfabetização tivesse que, contemporaneamente, fazer isso
e Letramento (2017); Alfabetização, a questão vivenciando o seu uso social. Isso foi uma reação
dos métodos (2016) e Linguagem e Escola, uma aos métodos artificiais criados para alfabetizar
perspectiva social (2017). as crianças, como as cartilhas do “Eva viu a
uva”. O letramento não é vilão, é um parceiro da
Em entrevista, Magda Soares rebate as alfabetização, são componentes indissociáveis
críticas feitas pelo novo secretário, fala da aprendizagem da língua escrita pela criança.
sobre os desafios do País frente à agenda da
alfabetização e afirma que defender o método 4. O secretário também afirma que o
fônico como alternativa para a agenda é uma letramento “é uma reinvenção construtivista
atitude “simplista e ignorante”. da alfabetização” e o atrela a uma
“preocupação exagerada com a construção
“O que ocorre nesse País inteiro é a
predominância de escolas públicas com

.27
de uma sociedade igualitária, democrática e de entender essas relações.
pluralista em formar leitores críticos”…
Aí ele faz outra confusão de letramento com Aí é que entra o processo de construção
construtivismo. Não tem a menor lógica. O do conceito de língua escrita pela criança.
construtivismo não é um método de ensino, Ela demora a perceber, por exemplo, que
é uma teoria de aprendizagem da área da quando escreve, está escrevendo o som, e não
psicologia cognitiva que se aplica não só à representando o objeto. Tanto que é comum
língua, mas a qualquer outro conteúdo. A que, ao pedir para uma criança de três anos
origem está em Piaget, que desenvolveu uma escrever a palavra casa, ela desenhe a casa. Esse
pesquisa para entender como a criança vai salto é fundamental, mas um tanto abstrato para
formando conceitos, tomando como base fatos as crianças.
matemáticos e científicos. A Emília Ferreiro
resolveu fazer uma pesquisa nessa mesma O grande erro do chamado método fônico é
linha, mas tomando como objeto de estudo a que ele parte de um princípio linguisticamente
língua escrita. Piaget mostrou que a criança vai equivocado, porque o fonema não se pronuncia,
construindo progressivamente o seu conceito de os consonantais, você não pronuncia um t, d, m
objetos e processos culturais, a isso foi dado o sem se apoiar numa vogal ou semivogal. Então
nome construtivismo. Isso se aplica a qualquer essa é questão do método fônico, ele parte com
disciplina, não é um método de alfabetização, é a criança de um momento em que ela não está
um processo de aprendizagem que a Psicologia suficientemente desenvolvida cognitivamente
estuda. e linguisticamente para conseguir entender as
relações entre fonemas e grafemas. É preciso
O construtivismo chegou ao Brasil, sobretudo, que ela chegue nesse momento, e aí temos uma
pela obra e pela ação da Emília Ferreiro e questão de interação entre desenvolvimento
entendeu-se que ela estava sugerindo um e aprendizagem, até que a criança consiga
método construtivista de alfabetização, coisa identificar que, numa sílaba, você tem mais de
que ela mesma rejeitava com firmeza. Ela não um som e que cada um deles é representado por
propunha um método, mostrava como a criança uma letra.
ia construindo o conceito do que é a língua
escrita. A questão não é ser contra o método fônico, mas
O que o construtivismo trouxe para nós é que considerar que ele não dá conta do processo
a criança aprende progressivamente conceitos de alfabetização. Trata-se de um procedimento
culturais e isso acontece em todas as áreas, até necessário, indispensável, usado no momento
para amarrar o sapato há essa construção. E em que a criança está pronta cognitivamente
aprender a ler e a escrever é mais ou menos e linguisticamente para fazer as relações do
isso, a professora orienta a criança a como fonema com a letra.
construir. Resumindo, são coisas diferentes,
letramento, alfabetização e construtivismo. 6. Existe um único método para alfabetizar?
Nadalim faz uma verdadeira salada disso, que No livro “Alfabetização, a questão dos métodos”
mostra a sua falta de clareza entre teorias, que eu escrevi o ano passado [a obra ganhou o
aprendizagem do princípio alfabético e uso primeiro lugar na categoria Educação do prêmio
social da língua escrita. Jabuti, concedido pela Câmara Brasileira do
Livro], eu exponho as facetas do processo de
5. O secretário também defende o método aprendizagem da língua escrita pela criança,
fônico como uma metodologia capaz de linguística, socio-linguística, psicológicas, para
superar o analfabetismo funcional. Como que se entenda que alfabetização não é uma
avalia essa afirmação? questão de método., não se trata de escolher um
A questão é que, para a criança aprender a método.
língua escrita, ela precisa aprender as relações
entre os fonemas e as letras. Se a língua escrita A questão é alfabetizar o método, que implica
é a representação da língua oral, você tem que em conhecer o processo de desenvolvimento
aprender como ocorre essa representação, cognitivo-linguístico da criança, orientando-o
como os sons são representados por letras e até que ela compreenda o princípio alfabético.
grafemas. O processo de alfabetização inclui e
tem que incluir forçosamente a aprendizagem 7. No livro Linguagem e escola, uma
pela criança das relações fonemas e grafemas, perspectiva social, você relaciona linguagem,
mas não é só isso. Tem muita coisa que antecede escola e sociedade. Do que se trata?
esse momento em que a criança se sente capaz Eu explico que o processo de alfabetização

28.
e letramento depende muito do contexto social 9. Quais são as políticas fundamentais para
e cultural da criança. Nesse país terrivelmente reverter o quadro?
desigual, temos que levar em consideração que A política fundamental e indispensável é a
as crianças das camadas populares, que estão formação de professores. Nós não temos
nas escolas públicas. Com elas, o trabalho tem professores formados para alfabetizar.
que ser ainda mais amplo e significativo, porque O curso de pedagogia, que forma para a
muitas vezes as escolas têm que fazer por elas o educação infantil e séries iniciais, não ensina
que as famílias não têm condições de fazer, por praticamente nada sobre como alfabetizar,
também não terem recebido o que precisavam. qual é o processo da criança para aprender a
ler e a escrever. Não há nenhum elemento de
O Nadalim, por exemplo, tem experiência em linguística ou psicolinguísticas nos cursos de
escola particular, certamente para a classe pedagogia. São professores que saem sem saber
média, média alta. É diferente você pegar uma o que fazer em sala de aula, sobretudo com as
criança para alfabetizar que, em geral, já fez crianças das camadas populares.
pré-escola, tem livros em casa, ou pais que já
começaram a ensinar a letra do nome. É muito A primeira providência seria mudar o formato
diferente das crianças das camadas populares, a dos cursos de Pedagogia ou criar um curso de
enorme maioria desse País. formação para professores das séries iniciais.
Apesar de ser esse o objetivo dos cursos de
O que ocorre nesse país inteiro é a Pedagogia, não é isso que eles têm feito. É
predominância de escolas públicas, com necessário aprender sobre a psicogênese
infraestrutura muito insatisfatória, com da língua escrita, ou seja, como a criança vai
professores mal formados, com salários evoluindo no seu conceito de língua escrita e
miseráveis, e ele pensando que resolve a que intervenções podem ou devem ser feitas
alfabetização com o método fônico…É um para que ela avance mais rapidamente e com
simplismo, uma ingenuidade, uma ignorância, mais eficiência.
que me deixa indignada.
Na alfabetização estão envolvidos processos
8. Qual o cenário brasileiro frente à agenda cognitivos de compreensão de objetos culturais,
do analfabetismo funcional? a linguística, ou seja hoje se ensina um objeto,
O Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf) no caso o sistema alfabético, que os próprios
mostra que há uma parcela da população professores desconhecem.
que, embora alfabetizada, ou seja, saiba ler
e escrever, não se letrou, não aprendeu a Esta reportagem foi atualizada para integrar
interpretar o que lê, a inferir sobre o que lê, a o Especial Educação em Disputa: 100 dias de
fazer avaliação crítica e nem a escrever. [dados Bolsonaro, uma iniciativa do Carta Educação,
do Inaf apontam que, em 2018, 3 em cada 10 em parceria com a Carta Capital, Ação
brasileiros eram analfabetos funcionais.] Isso Educativa e De Olhos nos Planos.
deve piorar se insistirmos na ideia de que o
letramento é o vilão da alfabetização.

.29
Valter Campanato/Agência Brasil

Militarizar as escolas é a solução


para a educação?
O governo Bolsonaro incentiva a militarização das escolas, mas o modelo está longe de ser a solução para
a educação no País

T
ão logo aconteceu o ataque à escola Raul Com a nova composição do Ministério da
Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, Educação, agora chefiado pelo economista
o governo apresentou a “solução” para Abraham Weintraub, especialistas em educação
o ocorrido, que deixou um saldo de 10 mortos: acreditam que o tema da militarização deve
militarizar a escola. A intenção foi sinalizada ter menor ênfase, dada a perda de espaço dos
pouco mais de uma semana depois, no dia 22 de militares no poder, e o crescimento da intenção
março, pelo então ministro da educação Ricardo de privatizar a educação. Ainda assim, fica a
Vélez Rodríguez, afastado do cargo no início do pergunta: militarizar as escolas é um caminho
mês de abril. para melhorar a qualidade da educação
brasileira?
Dias antes, o governo federal havia anunciado a
liberação de 10 milhões de reais para o Distrito Militarizar impacta a qualidade?
Federal militarizar mais 36 estabelecimentos
de ensino até o fim do ano. Desde a posse do Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro
governador Ibaneis Rocha (DEM), em janeiro, o tem citado o bom resultado das escolas
entusiasta do modelo inaugurou quatro escolas militares para defender o modelo. Mas será
do tipo. a transposição para o ambiente escolar da
disciplina dos quartéis a responsável pelo
No início do ano, uma reformulação no “milagre”?
Ministério da Educação (MEC) também deu
origem a um subórgão dedicado exclusivamente Alesandra de Araújo Benevides e Ricardo
à militarização das escolas. Braço da Secretaria Brito Soares, da Universidade Federal do
de Educação Básica (SEB), o órgão tem como Ceará, se debruçaram sobre os números das
atribuição a promoção de parcerias com a PM, unidades existentes no estado e fazem algumas
os bombeiros e o Exército. ponderações. O estudo atesta: em testes de
desempenho, os alunos de escolas militares
A expansão das escolas militares não é alcançam de fato melhores indicadores.
novidade. Entre 2013 e 2018, inclusive sob “No Enem de 2014, a pontuação média em
gestões petistas, houve um aumento de 212% Matemática das escolas militares estaduais
no número de unidades: de 39 para 122 em foi de 514,15 pontos contra 454,13 nas não
todo o País. A tendência é que este número militares”, anota a pesquisa.
cresça ainda mais.

30.
Tudo resolvido, então? Longe disso. As/os A rigidez extrema preocupa os educadores.
pesquisadoras/es buscaram as causas dessa Segundo o pesquisador da Faculdade Latino-
diferença. Uma delas está no fato de que as Americana de Ciências Sociais (Flacso), André
unidades militares recebem mais investimentos Lázaro, “a escola não é ambiente de obediência
do que as escolas regulares. e hierarquia cega, mas de diálogo. No sistema
militarizado, não se discute, se obedece. Não se
“As escolas do Ceará contam com alguma constitui cidadania se os alunos não pensam.
autonomia financeira, uma vez que recebem Alimenta-se uma ditadura”.
recursos não só da Secretaria da Educação
Básica, mas também da Secretaria da Segurança Andressa Pellanda, coordenadora executiva da
Pública e Defesa Social”, explica Alesandra Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
Benevides. Além disso, as famílias dos alunos estudou em uma escola militar federal por
são obrigadas a pagar uma taxa anual, o que sete anos e afirma que estes colégios têm uma
amplia as receitas. Pergunta: com mais recursos, estrutura pedagógica – quadro de profissionais
as escolas não militarizadas não alcançariam e estrutura física – melhor que a dos colégios
índices semelhantes de aprendizado? militarizados e passados para a PM. Ainda
assim, pondera questões importantes sobre sua
Há ainda outro fator importante: o acesso vivência:
às escolas militares não é tão fácil. Uma
espécie de vestibular seleciona os melhores “O colégio militar federal tem estrutura física
estudantes, processo inexistente nos demais e de quadros profissionais excelente. Mas
estabelecimentos públicos. vivemos lá dentro, de forma estrutural, uma
educação que não ensina a ter voz e a debater as
Para testar o impacto da seleção dos alunos estruturas. O que salvava eram os professores
no resultado do modelo, os pesquisadores que, dentro da sala de aula, tornavam o
compararam o desempenho dos estudantes ambiente mais crítico e democrático”.
com o mesmo nível de proficiência em escolas
militares e não militares. A desvantagem, Ela acrescenta: “só fui aprender o que é ter
neste caso, despenca: “No Spaece [Sistema a prerrogativa de fazer reivindicação na
Permanente de Avaliação da Educação Básica universidade. E isso diz muito sobre o que se
do Ceará], a distância cai de 50 para 18 pontos”, ensina para esses jovens de colégios militares
afirma Benevides. a respeito da democracia. Não somos nós que
construímos e refundamos as instituições, elas
Como funciona? são como são e, como nos falavam no colégio
quando estávamos fora da regra ou quando
Quando as redes públicas aderem à proposta, as questionávamos algumas ‘ordens’, ‘aqui é assim,
escolas passam a ter uma gestão compartilhada se não gosta, vai pra outro colégio’. Aceite ou
entre as secretarias de Educação e as Polícias deixe. Não tente mudar ou dialogar. E isso é
Militares ou o Exército. A parte administrativa fundamentalmente antidemocrático.”
fica nas mãos dos PM ou de oficiais das Forças
Armadas, que assumem postos na diretoria, Também não convence a comunidade
administração e inspeção disciplinar. A educacional o discurso de que as escolas
pedagogia, ao menos por enquanto, continua militares seriam capazes de conter a violência.
sob responsabilidade de especialistas em A educadora social e doutora em educação pela
educação. Faculdade de Educação da USP, Irandi Pereira,
entende ser necessário levar em conta não só o
A melhora tão pouco significativa no contexto escolar. “A violência é estrutural e está
desempenho escolar não parece compensar ligada a diferentes demandas da sociedade que
os danos colaterais. No sistema militarizado, muitas vezes não são cumpridas.”
os alunos convivem com regras rígidas:
apresentam-se diariamente em ordem-unida Irandi acrescenta: “Precisamos discutir a
(formação de tropa). As meninas são obrigadas segurança da população, da comunidade, do
a usar coque e os meninos, cabelos curtos. Os entorno onde estão não só as escolas, mas os
PM ou militares fardados atuam como bedéis e centros de saúde, de cultura, lazer. A violência
costumam transformar os intervalos de aulas está em todos os lugares por ausência de
e o recreio em uma imitação dos banhos de sol políticas públicas. O que quero dizer é que
em penitenciárias. discutir o ocorrido em Suzano é avaliar o que se
passa em uma sociedade refém da

.31
ausência do Estado e o que de fato são ações e sua turma, a fórmula para a melhoria da
públicas qualificadas que cuidem do cidadão, o qualidade da educação brasileira resume-se a
considere, pense na evolução de uma sociedade bater continência, hastear a bandeira e cantar
que reduza as desigualdades sociais.” o Hino Nacional. A tendência é o País continuar
a produzir analfabetos funcionais, mas
Esse tipo de preocupação passa longe dos disciplinados.
gabinetes de Brasília. Segundo Bolsonaro

EBC

“A EJA não tem lugar no MEC


atualmente”, afirma Sonia Couto

O
s primeiros meses de governo Bolsonaro de Alfabetização. Meta dos 100 dias de governo
registraram várias incertezas para a assinada em 11 de abril, o documento tem uma
Educação de Jovens e Adultos (EJA). única menção à Educação de Jovens e Adultos:
Já no dia 2 de janeiro, ao nomear a equipe o desenvolvimento de materiais didático-
do Ministério da Educação, o presidente pedagógicos.
dissolveu a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). O Programa Nacional do Livro Didático (EJA),
entretanto, teve sua última distribuição de
O órgão era responsável não apenas pela livros em 2016: é o que afirma Luiz Alves
modalidade de EJA em específico, como Junior, diretor presidente da Global Editora,
também por outras modalidades cujos sujeitos, única editora no Brasil que atende estudantes
frequentemente, são também estudantes da EJA, de EJA no Ensino Médio.
como a Educação do Campo e a Educação nas
Prisões. “Temos um universo grande, de milhões de
Em seu lugar, foram criadas duas novas estudantes que estão marginalizados pelo
secretarias: a Secretaria de Alfabetização e governo. De jovens e adultos que não têm
a Secretaria de Modalidades Especializadas material para dar continuidade aos estudos,
da Educação. No decreto que as instituiu, não têm acesso ao material didático há 3 anos.
entretanto, não há nenhuma diretoria específica Este é o maior crime com estas pessoas. Eu
dedicada à modalidade. considero isso uma tremenda traição a este
povo. A preocupação da editora é colher neste
As estratégias e princípios da EJA tampouco momento alguma informação do governo sobre
aparecem no desenho atual da Política Nacional a continuidade da atenção à EJA. O próprio MEC

32.
não tem ninguém respondendo até o momento MIGUEL CAETANO: O Brasil tem uma
como coordenação de EJA”, relata. população em torno 25 milhões de jovens
entre 15 e 29 anos ou mais de idade que
Ainda agravando a conjuntura, a Comissão não frequentam a escola e que não têm o
Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens Ensino Fundamental completo. O número
e Adultos (CNAEJA), que reunia representantes de estudantes matriculados na modalidade
de movimentos sociais e da sociedade civil para EJA é mais de 3,7 milhões de pessoas. (INEP/
assessorar a política de EJA no MEC, foi extinta MEC,2017). Da população com 15 anos ou mais
no início de abril por um decreto federal que de idade, há uma estimativa de 11,5 milhões
modificou o Sistema Nacional de Participação de analfabetas [7,%]. (PNAD/IBGE,2017). Dito
Social. isto, é óbvio que o ideal seria fomentar polÍticas
públicas para superar o analfabetismo no Brasil,
Diante deste cenário de incertezas, o especial compreendendo que a ação alfabetizadora deve
Educação em Disputa: 100 dias de Bolsonaro oportunizar a continuidade dos estudos em
ouviu três especialistas no assunto: turmas de Educação de Jovens e Adultos. Pois,
Roberto Catelli Jr., pesquisador da EJA, doutor do contrário, todo esforço feito a partir de 2003
em educação pela Universidade de São Paulo com o PBA –Programa Brasil Alfabetizado seria
(USP) e coordenador executivo da Ação inócuo.
Educativa.
2. E o que é imprescindível para uma boa
Sonia Couto Feitosa, doutora em educação pela política de EJA?
Universidade de São Paulo (USP), professora ROBERTO CATELLI: É importante levar em
aposentada da Rede Municipal de Educação de conta a diversidade de seus sujeitos, propondo
São Paulo e diretora do Instituto Paulo Freire. modelos educativos que contemplem a
heterogeneidade e não simplesmente um
Miguel Arcanjo Caetano, representante padrão homogêneo que não atende aos
do Fórum EJA na Comissão Nacional de diversos sujeitos: idosos, jovens, trabalhadores
Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos urbanos e rurais, jovens em liberdade assistida,
(CNAEJA/SECADI/MEC). encarcerados e um grande conjunto de pessoas
que. por diversas razões, foram excluídas da
1. Para começar, você poderia fazer um breve escola.
panorama sobre a escolaridade de jovens e
adultos no Brasil atual? Além disso, é necessário investir em currículos
ROBERTO CATELLI: Sabemos que cerca da adequados, criação de espaços educativos de
metade dos brasileiros com 15 anos ou mais não fácil acesso para estes jovens e adultos e lançar
concluiu o Ensino Fundamental no Brasil. É uma mão de um conjunto de políticas intersetoriais
dívida social enorme. Temos cerca de 3 milhões que possam promover a permanência desses
de matrículas e cerca de somente metade dessas sujeitos nesse espaço educativo.
pessoas concluindo um período letivo. Falta
investimento do Estado na modalidade, que é SONIA COUTO: Primeiro, vontade política
marginal no país. Tem o menor orçamento e de conhecer a EJA como direito, não favor ou
pouco se investe na formação de educadores, caridade. Pensar que essas pessoas tiveram
metodologias e criação de escolas apropriadas esse direito negado, há uma dívida social com
para jovens e adultos. elas. É imprescindível o reconhecimento de que
SONIA COUTO: A maioria é composta por essas pessoas têm direito de ler e escrever, de
pessoas que não conseguiram se alfabetizar na ter acesso à tecnologia, de ter conhecimentos
infância. Algumas tiveram uma passagem pela matemáticos, de conhecer seu território, de
escola, mas não conseguiram dar continuidade saber as questões sociais que permeiam sua
por questões financeiras. É um público bastante vida. Segundo, o financiamento. São duas coisas
diverso na sua faixa etária. É também diverso que andam juntas. Por mais que se tenha boa
na questão étnica, tem indígenas e quilombolas. vontade, não se faz política sem recurso. E a EJA
Temos, principalmente, pessoas de origem sempre foi privada disso. Teve menor índice de
pobre. Pessoas do campo. Muitas mulheres. investimento. Às vezes, os políticos entendem a
Adultos que não conseguiram terminar sua educação como gasto. Mas ela tem que ter uma
escolaridade. Alguns nunca chegaram a iniciar, centralidade e, por isto, precisa de recursos
outros começaram, mas tiveram que largar. São adequados. Aliado a tudo isto tem uma questão
mais de 12 milhões de brasileiros. social de que muitas escolas não querem ofertar
a EJA. Estados e municípios

.33
precisam ter incentivo para ofertá-la. Como nos Social. Então a EJA estava deslocada de seu
recursos do FUNDEB os percentuais para outras âmbito, que deveria ser a educação. Depois, com
modalidades são maiores, as escolas acabam Collor, houve o Programa Nacional Alfabetização
valorizando outras modalidades. e Cidadania (PNAC), seguido pelo Alfabetização
Solidária (PAS) do Fernando Henrique. E, desde
MIGUEL CAETANO: A EJA necessita de muitas 2003, temos o Programa Brasil Alfabetizado
ações políticas para que esta modalidade (PBA).
cumpra seu papel social e resgate o direito
à escolarização desta população que foi Todos eles têm caráter de repasse de recursos,
abandonada pelo estado. Isto exigirá, não existe uma definição, um alinhamento
de gestores e gestoras e dos governos, metodológico. Há uma parceria feita com
compressão de que a adoção de uma política instituições que se incumbem de fazer o
pública específica para estes sujeitos não acompanhamento, dar formação, mas cada uma
se constrói de forma solitária, mas com a com sua linha metodológica. Então acontece
participação da sociedade como um todo, de de acordo com os interesses de quem está
modo a superar formas veladas, sutis e/ou desenvolvendo. Não existe política nacional que
explícitas de exploração e exclusão, das quais amarre tudo isso.
a desigualdade se vale. Para isso, será preciso
revisitar os documentos já construídos por MIGUEL CAETANO: 1 – O Programa Brasil
todos os movimentos que orbitam em torno da Alfabetizado – PBA : que possui uma
modalidade. flexibilidade para atender uma diversidade
regional e de público em um país com as
3. Quais ações, programas e políticas dimensões do Brasil. Contempla várias
desenvolvidas para a EJA foram metodologias e práticas. Teve seu início
implementadas nos últimos anos? Como em 2003 sem garantir a continuidade da
funcionavam? escolarização.
ROBERTO CATELLI: Tivemos o Programa 2 – Em 2012, após muita luta dos movimentos
Brasil Alfabetizado no campo da alfabetização, sociais, a Resolução/CD/FNDE nº 48, de 2
programas específicos para a população do de outubro de 2012, editada para garantir a
campo, como o Saberes do Campo, o Projovem e abertura de novas turmas de EJA com auxílio do
também o PROEJA, que aliou a formação escolar governo federal.
com a profissional. Elas conseguiram atingir 3 – Proeja FIC: Associar cursos de qualificação
públicos específicos com diferentes perfis, mas profissional (FIC) a turmas de EJA (Ensino
não chegaram a ter o alcance que poderiam Médio ou Fundamental) novas ou em
para fazer com que o país avance no processo de desenvolvimento
escolarização de jovens e adultos. 4 – Proeja Técnico: Articular EJA e cursos
técnicos, nas formas integrada e concomitante
SONIA COUTO: No começo do século passado, 5 – Pronatec EJA: Matrículas de EJA (ensinos
a preocupação com a EJA era inexistente. Só fundamental e médio) articulada à Educação
a partir de 1947 houve um dos primeiros Profissional.
programas que se dedicaram a jovens, adultos e
adolescentes. Como outros programas, ocorreu 4. E hoje, que ações, programas e políticas
em caráter de campanha. O grande problema têm sido desenvolvidos?
que atinge a EJA é que os programas federais ROBERTO CATELLI: Vivemos hoje uma grande
não são pautados em uma política, e sim em crise, não temos clareza sobre os destinos do
caráter de campanha, de assistencialismo. programa de alfabetização, o Projovem foi
Procuram dar respostas imediatas a um extinto e o programas para o campo vem sendo
problema que é secular e que precisa de uma descontinuados. Nem mesmo material didático
política centrada em sua resolução. para a modalidade está sendo distribuído pelo
governo. Não há programas ou propostas no
Tivemos o sistema Paulo Freire, que foi um nível federal desde, pelo menos, 2016.
divisor de águas nessa questão da educação
para adultos. Com a saída de Paulo Freire, o SONIA COUTO: O PBA ainda está sendo
Mobral perpetuou até 1985. Foi então fundada ofertado, mas com uma redução absurda. Para
a Fundação Educar, gerida pelo governo federal se ter uma ideia, em 2013/2014, o PBA atendeu
para apoiar as Secretarias na EJA. Aqui em São mais de 1 milhão de pessoas. Em 2014, 7961
Paulo, esse trabalho não era desenvolvido pela mil. Hoje, apenas 250. Ou seja, menos de ¼ do
Secretaria de Educação, mas pela de Bem Estar que se atendia.

34.
E a população de pessoas não alfabetizadas prestígio social.
não diminui. Porque além da oferta para
alfabetização ser pequena, não há continuidade. A gente ainda tem alguma coisa de PRONATEC,
As pessoas aprendem a ler e escrever e em parceria com o Sistema S, mais voltado
não conseguem vagas para seguir sua ao Ensino Técnico. Em São Paulo, tem o
escolarização. Então, entram em um processo Movimento de Alfabetização de Adultos
de esquecimento. Chegam a aprender algo, (MOVA). Mas, em nível federal, apenas o PBA.
mas com o tempo esquecem. O processo tem
que ser contínuo. Terminou a alfabetização, Lastimo muito que vários órgãos de
segue ao Fundamental e então ao Médio. Mas, participação popular tenham sido extintos,
infelizmente, as portas se fecham a cada dia. entre eles a Comissão Nacional de Alfabetização
e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA), que
Eu dei aula na rede pública por 31 anos. E vi era uma comissão que eu e o Catelli fazíamos
como a escola acaba criando estratégias para parte, composta por diferentes segmentos, e
não fazer essa oferta. Por exemplo, o aluno que tinha por responsabilidade assessorar o
chegava perguntando se tinha vaga. Se falava Ministro da Educação no estabelecimento de
que não. Mas para a Secretaria se falava que uma política pública para a EJA. Mesmo em
não havia demanda. Então, há uma demanda governos mais progressistas era uma missão
invisibilizada e a falsa ausência de demanda difícil, mas tínhamos um momento de escuta.
justifica o fechamento da EJA. Íamos até o MEC, ouvíamos as propostas,
falávamos das nossas pautas. Construímos
MIGUEL CAETANO: A partir de 2017, o um documento de Política Nacional de EJA,
retrocesso tem acabado com tudo que que delineava quais os pontos e diretrizes
conseguimos construir a duras penas no necessárias para a melhoria da qualidade da
MEC, inclusive permitindo, com sua omissão, EJA no Brasil. Com a extinção desse órgão, nem
o fechamento indiscriminado de turmas de este momento de escuta existe mais. Nem nós
EJA em todo brasil e, agora em 2019, com as sabemos como se está pensando a política,
indefinições no ministério e o fim da SECADI, nem o MEC ouvirá nossas demandas e pautas.
a secretaria que se propunha ao menos ouvir Infelizmente, essa ausência de diálogo vai
os reclames dos movimentos sociais, ficamos comprometer muito a qualidade e a oferta de
órfãos de vez. EJA no Brasil.

5. E quem está cuidando da EJA no MEC hoje? MIGUEL CAETANO: De janeiro para cá fomos
ROBERTO CATELLI: Até 2018 havia jogados no vento, não sabemos nem se ainda
a Secretaria de Educação Continuada, existimos na estrutura do MEC, pois o mesmo
Alfabetização, Diversidade e Inclusão não se pronuncia oficialmente.
(SECADI), uma secretaria dedicada ao tema
da diversidade. Com a posse de Bolsonaro, um Silêncio institucional
dos primeiros atos do governo foi extinguir a O especial tentou contato com o Ministério da
SECADI. Ao que se sabe, decretou-se também Educação e enviou à assessoria de imprensa do
o fim da política de EJA no governo federal. órgão alguns pedidos de esclarecimento sobre a
Embora ela tenha sido alocada formalmente na política para a modalidade. Até hoje, entretanto,
Secretaria de Educação Básica (SEB), não há não houve resposta. As informações solicitadas
diretoria ou coordenação responsável pela EJA. foram:
Ela existe só no papel, não há programa, gestor,
proposta para a modalidade. O programa de Após a dissolução da Secretaria de Educação
alfabetização também só se refere às crianças. Continuada, Alfabetização, Diversidade
É trágico, considerando nossa enorme dívida e Inclusão (SECADI), as atribuições da
social no campo da educação. Educação de Jovens e Adultos (EJA)
migraram, formalmente, para a Secretaria
SONIA COUTO: Com a extinção da SECADI, que de Educação Básica (SEB). No organograma
era a secretaria em que a EJA estava abrigada, do Ministério da Educação (MEC) disponível
foram criadas a SEMESP e a Secretaria de no site do governo federal, entretanto,
Alfabetização. Então a gente percebe que há um não há nenhuma diretoria ou profissional
não lugar da EJA. A EJA não tem lugar dentro do dedicado exclusivamente à modalidade.
MEC atualmente. Se o cenário está complicado Quem é atualmente responsável pela EJA?
para as modalidades que sempre tiveram Em que diretoria a modalidade está alocada?
prestígio, imagina para a EJA, que não tinha

.35
Que ações, programas e políticas serão
realizadas para esta modalidade?

No site do Ministério, não há nenhuma


informação recente sobre o Programa Brasil
Alfabetizado. Qual é a perspectiva para o
programa?

O PNLD EJA desde o ano passado não


distribui livros. Ele será descontinuado?

36.
.37

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