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Myriam Campello

como esquecer
anotações quase inglesas

2a edição
O que diria woolf disso tudo?
Sempre que o sofrimento me afunda volto a pensar na inglesa
de Rodmell. Ela ameniza um pouco as trevas dessa existência
larvar, onde o tempo desliza para frente uno e sem ossos como
um fantasma. Os dias não produzem ruído. São bojos ocos nos
quais fluem horas iguais – todas mensageiras da catástrofe. Faz
sol, chove, está frio lá fora, esquenta de novo mas não é verão.
O inverno continua firme pela primeira vez em muitos anos.
Um detestável inverno chuvoso que piora tudo. Engulo duas
fatias de pão com algo dentro, tomo líquidos ora quentes ora
gelados sem ver, esqueço copos pela metade sobre os móveis,
saio do banheiro, volto para a cama. Custo a sair da toca quente
das cobertas e arrastar-me até o computador para trabalhar. As
letras põem a língua de fora quando me veem, debocham da
incapacidade atual com que não decifro seus hieróglifos.
Troco a noite pelo dia. Meu tempo é anárquico, fragmen-
tado – um não-tempo na verdade. Às três da manhã posso estar
trabalhando e às duas da tarde, tremendo sob os cobertores, com
a chuva a fustigar uma velha persiana de madeira. Não durmo
mais que três horas. Quando finalmente apago por exaustão,
uma ruptura interna estilhaça meu sono logo a seguir. Talvez
um pesadelo, que tem a decência de não se explicitar. O café da
manhã é tomado num silêncio de emparedado. Os vizinhos dor-
mem, inconscientes de que a vida já começou para os que têm

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uma tragédia nas mãos. Invejo essa ausência de crise aguda nas
pessoas em torno. Só eu estarei vivendo tempos interessantes?
Quando o sol põe a cara de fora, uma pequena flor seca,
tripétala, me invade a casa. Eu a encontro na sala, nos quartos,
no banheiro. O que quer me dizer? Que a natureza não morreu
para mim? Esse pequeno arauto me dói, não quero ouvi-lo. Vem
de uma árvore comprida em frente à janela, de flores que estou-
ram rubras no auge da estação. Desamparada por seu momento
estéril, ela oscila com o vento. Bem-vinda à luta, irmã.
Ser afastado de alguém que se ama é andar perpetuamente
na direção contrária à que se deseja. E continuar andando até o
outro lado da lua. O tempo é a maior distância entre dois luga-
res, murmura Tennesse Williams ao meu ouvido. Onde estarei,
daqui a um ano? Hoje, a primeira vez que saio depois de muitos
dias, pude notar essa estranha subversão. A paisagem da lagoa é
a mesma, com sua água verde-óleo, as algas que ameaçam devo-
rar o espelho do céu, os combativos mergulhões pretos. Intacta.
Mas eu a olho bem. E entre sua beleza ofensiva e eu o divórcio
já começou. Minha nova visão a vê pelo reverso. Ela já não me
engana. A natureza e eu nos preparamos para uma longa viagem
em que cada qual tomará seu rumo. Não há lágrimas. A dor
abriu um rombo grande demais em mim para ser ocupado por
elas. Há somente um impulso marejante logo reabsorvido pela
aridez. O que sobrará de mim depois desse exílio?
Embora ame as palavras, sei muito bem o que valem
quando seu veículo é a boca. Escritas, tornam-se mais seguras.
Têm o status maior que o papel lhe dá. “Ponha isso por escrito.”
“Quero isso preto no branco.” Todo um jargão cultural dobra-se
à sua importância. Não me refiro a letras impressas e muito
menos à literatura. Qualquer palavra rabiscada numa vagabunda
folha de bloco arrasta com ela algo de sagrado, uma tradição
que toca os primórdios mentais do homem. Também podem

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mentir, mas é uma mentira ponderada, que inspira um certo
respeito. O papel traz consigo um sopro de dignidade e uma
ilusão de permanência.
Já essas voláteis borboletas emitidas em forma de som per-
dem-se no abismo do ar, e o ar é como o mar em sua vastidão
misteriosa de grande estômago. Tem processos e digestões pesa-
das, invisíveis. Mas em que confiar senão na palavra? Na Bolsa
de Valores? Na vida após a morte? Quando alguém diz eu te amo
para sempre, tenha certeza que você só tem uma opção: acredi-
tar, babaca. Eu acredito em amor eterno, Papai Noel, coelhinho
da Páscoa e que todo sofrimento tem fim.
No supermercado, consegui uma proeza (é incrível as varia-
ções que se obtém com pão, queijo, cebola e tomate velhos, mas
até eles acabam): desmaiei no meio das sopas, como uma heroína
vitoriana. Arrancado do bacalhau norueguês acabado de chegar,
o gerente ajuda a me recolher do chão frio.
Traz um café para ela.
Levo a mão ao peito.
Não é nada, meu senhor. Apenas um coração em pedaços.
Mas o que murmuro mesmo é:
Deve ser minha pressão.
Se a verdade é anátema em qualquer lugar, imaginem num
supermercado. Como posso dizer a esse pobre homem batido
pela intempérie que está diante de uma assassina? Tenho duas
pessoas a matar: a que partiu e a mim mesma no momento pre-
sente, exsumando intolerável passado. E essa missão de morte
me humilha, obrigada que sou a dar marcha a ré e demolir com
violência a construção que eu mesma levantei amorosamente,
dinamitar memórias e paisagens talhadas para os séculos. Não
saio para não ver uma cidade retorcida, ainda fumegando. A
chuva voltou. Que eu me lembre, nunca choveu por aqui com
essa pertinácia gélida de país do norte. Bolhas de umidade alei-

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jam a parede do banheiro dos fundos. Tento não estabelecer
comparações desagradáveis entre ela e a minha vida. Encurra-
lada no alto da torre não tenho presente, só passado morto. E
um trêmulo deserto no horizonte calcinando o futuro.
Você precisa viajar, dizem os amigos.
Você precisa viajar, diz o I Ching.
Talvez precise mesmo, digo eu.
Nesses momentos perigosos um pioneiro pode se apossar
de sua alma perdida e plantá-la em qualquer ponto do planeta.
Por que não no límpido Canadá com suas florestas escuras,
neves, ursos e riachos onde abunda o salmão? Acaricio a ideia
como se pensasse em Marte. Não há forças nem dinheiro. E o
que faria uma professora de Literatura na paisagem inóspita?
Caçaria animais selvagens para vender suas peles no povoado?
Afiaria facas junto ao fogo enquanto a neve vai murando lenta-
mente o lado de fora da cabana? Só de pensar começo a tossir.
Algo mais próximo então.
Tomar o barco de madeira é favorável, repete o I Ching
severo, como se me desse a última chance. Com o esforço de um
impaludado, reúno as partes dispersas e arrasto-me doente para
a embarcacão, a proa apontando para a cidade sem um centíme-
tro de mar. Não importa. A metáfora é a nossa mãe e nosso pai.
O primeiro passo no reconhecimento de que há um mundo fora
de nós. Lá vou eu obedecendo à sabedoria chinesa do Duque
Wu, sulcando o grande rio da estrada enquanto a memória me
trucida numa curva. Finjo que não vejo, mas ela me acena ale-
gremente como um velho amigo a quem se quer evitar. Você
já passou por aqui, diz num sorriso que ignora meu naufrágio
recente. Uma lobotomia, por favor. Pela primeira vez me per-
gunto se não houve alguma vantagem para Frances ao lhe obli-
terarem os miolos.
Quando desço no estado vizinho, vamos direto para uma
casa de campo. Ah, meu Deus, não pode dar certo. Basta os

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amigos se distraírem que a infelicidade me abre os braços nos
quais despenco como um bólido. Saio pela pequena estrada
sem que me vejam A tarde está plácida para os felizes. Pego o
galho sem folhas caído no solo e vou descendo o caminho de
terra na cidade estranha, arrastando a madeira seca que sulca
o chão. Sentada num toco à beira da estrada, uma menina lê.
É morena e magra, e levanta os olhos do livro que segura mas
cujo título não consigo ver. Uma menina atormentada apesar
de tão jovem, apesar de seus oitos anos. A expressão séria tem
uma ponta de tristeza, e acompanha meu deslocamento com
atenção. Saiu de uma das casas que as cercas vivas encobrem
fugindo talvez de um adulto a quem sua delicadeza ofende, e vê
passar a estranha mulher puxando o pedaço seco de árvore atrás
de si. No meu corpo morto sobrou apenas um fantasma que se
movimenta, sem saber para onde vai, sem querer coisa alguma.
Três urubus dançam lentamente no alto. Só o ruído do galho na
terra me acompanha. Sou o louco arrastando a caixa de sapato
sem nada dentro. Ao longe, as montanhas negras e azuis fora do
alcance, sinuosas como mentiras. Fim da saison fora de casa.
Volto ao lar como parti, a dor intocada. E onde é o lar? Os
anglo-saxões pelo menos têm o home a que se agarrarem, con-
ceito impossível de traduzir para a nossa cultura. Um lar ideal
para o qual retornam quando engolfados pela escuridão. Uma
promessa de calor e consistência. A origem. Mas para nós, lati-
nos, lar é a pessoa que amamos. Quando esta é tragada pela
escuridão, a orfandade se instala. Para onde ir?
Destrói-se o passado com um peteleco – basta a porta entre
duas pessoas fechar-se com um clique duro. Mas esquecê-lo é
outra história. Vende-se um passado ainda em bom estado de
conservação, recheado de esplêndidas lembranças. É verdade
que suas tripas foram devoradas pela peste, mas ninguém é per-
feito. Quem nunca comprou um carro ferozmente batido pen-

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sando ser um bom negócio? Sempre se pode trocar seu motor se
parar na estrada. Preço módico. Qualquer oferta é aceita.
Os amigos não sabem o que fazer ante um desespero de
longo curso que não dá sinais de melhora. Minha depressão
os esmaga. Estou abúlica, monomaníaca demais para ser boa
companhia. Alguns se cansam. O mundo contemporâneo mos-
tra-se pouco à vontade ante uma dor que excede seus prazos
exíguos. O sofrimento alheio dá enjoo. Pouco importa que se
tenha perdido tudo. E daí? pensam, trincando a torradinha. A
tese de Hugo é a de que a reação dos outros é inveja recalcada:
as pessoas se vingam de tantos anos de felicidade a que tiveram
que assistir do sereno. O ser humano é um poço de rancores
obscuros. Os mais insensiveis perguntam pouco tempo depois,
como se eu estivesse resfriada:
– Mas você não melhorou nem um pouquinho?
Não, meus queridos. Sou um Colombo que não encontrou o
Novo Mundo. Perdeu-se no mar incógnito, oscila de cá para lá ao
sabor de vagalhões espetados de monstros e sabe por experiência
própria que o mundo é quadrado. Apenas Hugo, atingido por
um mal que se assemelha ao meu, alinha-se tenazmente comigo.
A custo me arranca da névoa para andar nas Paineiras, para um
ou outro cinema. Apoiamo-nos mutuamente. Ele dentro de sua
bolha, eu da minha. Feridos de morte. A anos-luz de qualquer
interesse pelo espetáculo da vida.
De vez em quando, preocupado, tenta me animar com uma
receita que ele mesmo não segue:
Você precisa conhecer gente. Onde foi parar esse passado
de sedução, Julia?
Mandou lembranças.
Não viu mais a lixóloga? – Desde minha separação, Hugo
só chama a Antônia, engenheira ambiental com especialização
em refugos urbanos, dessa forma.

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Não. E como vai você hoje?
Acordei, fui para a cozinha e fiz o chá animado com a
minha fome, com o cheiro forte do pão na torradeira, medindo
o ponto exato que o Pedro gostava. De repente mais uma vez me
dei conta que ele não estava ali nem nunca mais vai estar.
Pausa. Ele luta com as lágrimas por um bom momento em
silêncio. Finalmente diz:
Andar é pôr um pé na frente do outro, você sabe. Se eu esti-
vesse trabalhando seria melhor. Mas a peça acabou e não sei se a
televisão vai me chamar. Se eu pudesse, sumia daqui.
Se eu pudesse, iria com ele. Hugo perdeu Pedro para o cân-
cer há três meses, depois de uma luta agônica que acompanhei
aterrada. Nossas duas mortes foram quase paralelas no tempo.
Mesmo assim sinto uma espécie de inveja dele, que sofreu um
abandono involuntário. A velha morte tem agenda própria e ceifa
suas vítimas com um sinuoso critério fora do nosso alcance. Se
Pedro pudesse, ainda estaria junto de Hugo, com seu calor, suas
implicâncias, o riso engraçado. Meu caso é outro. Tento puxar
da vala comum uma autoestima sobressalente para enfrentar
as marés que se quebram contra minha nau afundando. Nem
um bote inflável, madame? Nem um colete à prova de punhais,
sua idiota imprevidente? Roxa de equimoses como uma ameixa
madura, coberta de esparadrapo da cabeça aos pés, lá vai a anã-
zinha patética que provou do cogumelo errado e não para de
diminuir. Por que bueiro descerei na próxima enchente?
No entanto nem sempre foi assim. Se há um cheiro de maçã
no ar, se um fiapo de memória flutua excitante e quase indis-
cernível, se a brisa chega fresca como se soprada dos Alpes,
lembro que já fui o que sempre quis ser: Aventureira. Com sua
conotação mais nobre do século dezoito. Diz o Random House,
rei dos dicionários, que aventureiro é “aquele que tem, apre-
cia ou busca a aventura”, sendo esta “uma experiência excitante

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e muito pouco usual”. Explica também que aventura vem do
latim advenire, acontecer.
Numa verdadeira vida aventureira, a protagonista persegue
um escopo secreto caro a seu coração: as aventuras são as pedras
que lhe pavimentam o caminho. A imagem de minha melhor
amiga na adolescência chega no ar vinda do passado distante.
Ao me ouvir confessar o desejo de ser escritora, Clara – de uma
magreza bonita de estatueta – é categórica:
Pois meu nível de exigência não me permite escrever nada.
Já há coisas tão maravilhosas escritas. Se é para não ser melhor –
A vergonha incendeia meu rosto jovem.
Escritor tem que se sacrificar, continua ela implacável. Tra-
balhar no Natal, no Ano Novo. No dia do aniversário – Deixar
para trás amor, filhos, família, passar os dias sozinho. Trocar
tudo pela experiência no papel. Você consegue?
Clara, a pitonisa, adivinhou que meu destino era outro.
Depois do doutorado na Inglaterra, a aventureira mudou de
rumo. Pegou a capa de cetim com que fazia verônicas diversas e
tornou-se professora universitária no Rio, onde reclama reclama
mas gosta do que faz. Entre teses e aulas, cuida agora de uma ou
outra violeta. No momento presente, melhor dizendo, as vio-
letas cuidam de mim. Pouso meio embriagada em suas pétalas
roxas como uma joaninha que perdeu o rumo.
Perder o rumo tem seu lado bom. Não há mais motivo para
assaltos. Alguém já disse que casamento é uma vidraça pedindo
tijolo. Bem, agora pelo menos estou do lado de fora da janela.
A nostalgia de liberdade que acomete o indivíduo acasalado e o
faz sentir da própria jaula o cheiro da savana já não existe para
mim. Não há mais fronteiras entre mim e a vegetação ondu-
lante, o bote mortal, o sangue quente pingando de bocas que
estraçalham. Eu sou a savana. Arrasto-me nesse mundo de sur-
presas, com seus leões escondidos e a morte à espera. Atenta ao
mínimo estalo da vegetação.

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A Wanderlust é o meu meio de vida. Nós, os vagabundos,
temos os nossos próprios códigos e nenhuma explicação a dar.
Sem a bagagem, você flutua leve leve, bolha translúcida a cami-
nho do infinito. Que tal dar um pulo na Antártida, na Mongólia
Exterior, que tal uma voltinha de balão sobre o oceano? Ótimo,
é pra já. A perda põe asinhas nos seus pés, você vira um jovem
Mercúrio inquieto pronto para ascender na primeira corrente
de ar. Adeus, pessoal. Lembranças à bola de ferro e às algemas.
Mas eis que num jardim qualquer a cambaxirra solta seu
trinado de fonte ao amanhecer. Exquisite tenderness é o jargão
americano para o estágio máximo da dor. O leque antigo da
tarde se fecha aos poucos, escondendo uma paisagem imóvel.
O rádio anuncia outra frente fria: em breve, uma vertigem de
água e vento convulsionará essa placidez. Quase imperceptivel,
a temperatura começa a cair.

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A casa é ensolarada, repito.
Já disse isso três vezes. O que não falta nessa terra é sol.
Quem é você afinal, uma escandinava?
De repente descubro que o apartamento frio e meu estado
miserável pedem luz e calor.
Também é grande, perto do mar, prossigo como um corre-
tor ansioso. Tem três quartos ótimos, duas salas, dependências,
mil coisas. A cinquenta minutos do Rio. Fui lá há muitos anos
mas me lembro. Simpática, espaçosa –
Ensolarada.
É, rio sem graça. Silêncio. O que foi, Hugo? Pensei que esti-
vesse interessado.
Precisamos de outra pessoa para dividir o aluguel. Lisa
também quer sair do Rio, ele olha para o horizonte.
Mal conheço Lisa. Como posso morar com ela?
Você conhecia bem a lixóloga. – Espera a frase completar
seu périplo cruel. – Às vezes vale mais um tiro no escuro.
Morar com alguém é a coisa mais complicada –
É complicada quando se pode bancar o aluguel sozinho e
sobra dinheiro. Descomplica bastante quando não se pode.
Pondero o pragmatismo da frase. Hugo tem o dom de me
deixar sóbria quando me desgarro.
E se ela quiser escutar rock às três da manhã?
Do jeito que estou, eu é que posso querer escutar rock às
três da manhã. Ou você.

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Olho pela janela, amaldiçoando o salário dos professores.
Morar com uma estranha me assusta. Apesar de aventureira,
nem sempre reajo bem ao desconhecido-desconhecido. Só ao
desconhecido no singular, buscado por mim mesma.
Lisa é altamente confiável. Sua vida também não está
nenhum mar de rosas. – Sou informada que ela acaba de ter-
minar o namoro com um sujeito por quem era apaixonada, mas
que considerou sua gravidez um golpe do baú porque é rico, de
família tradicional.
Logo a Lisa, coitada. Mais desligada dessas coisas impossível.
Recebo a informação em total silêncio. Hugo insiste:
Não estamos querendo passar tudo a limpo, Julia, recomeçar
do zero? Troque os medos antigos por novos.

Fácil de falar. A impressão é que aos medos antigos juntei


uma multidão de outros acabados de sair do forno, espiral que
atinge o céu. As madrugadas me assaltam de perguntas sem res-
postas. Nos atropelamentos, a dor não é a primeira a chegar.
Quem logo se apresenta ao local do sinistro é a perplexidade.
Por que aconteceu? Como?
Sei que a curiosidade matou o gato mas sempre quis saber
a duração da paixão. Quanto tempo depois de seu início as
pessoas levantam da cama e vão dar comida ao cachorro, arru-
mar as velhas gavetas e descobrir se pagaram o plano de saúde?
Minha experiência indicava um padrão. Não creio que a pai-
xão-paixão dure mais de seis meses, ou um pouquinho mais por
efeito da inércia. Falo por experiência própria: nunca fui muito
boa na corrida de longo curso. Após algum tempo de flechada
por Cupido, meu olhar se alongava inevitavelmente por cima da
cerca e eu cantarolava baixinho:
“Je suis fidèle, mais de temps en temps,
J’ai des idées qui cha-ann-gent”

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