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MARINGÁ
2005
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
Peralta, Francisco José
P426a A Arquitetura art-déco no governo Vargas : a construção
de uma identidade nacional / Francisco José Peralta. --
Maringá, 2005.
137 f. : il. figs.
Orientadora:
Profa. Dra.: SILVINA ROSA
MARINGÁ
2005
FRANCISCO JOSÉ PERALTA
BANCA EXAMINADORA
Data de Aprovação
06/04/2005
3
Para João, João e Nena
4
AGRADECIMENTOS
5
Se adotássemos novamente a rótula, a taipa ou a
estilharia de pedra, deveríamos também voltar para a
soletração, a palmatória e o decurião.
Arquiteto José Maria da Silva Neves
1936
6
PERALTA, Francisco José. A ARQUITETURA ART- DÉCO NO GOVERNO
VARGAS: A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NACIONAL. 137 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá.
Orientador:Silvina Rosa. Maringá, 2005.
RESUMO
Considerado no mundo todo, ora como uma variante do estilo Art Nouveau, ora
como uma mera antecipação ou mesmo uma deterioração do Movimento
Modernista, o Art-Déco não tem merecido, por parte dos estudiosos brasileiros, com
algumas exceções, abordagens mais profundas do que a simples reprodução de
fotografias “pitorescas” ou rápidos comentários reprovadores da “leviandade
estética”. No entanto, esse quase-movimento artístico esteve ligado no Brasil, como,
aliás, em todos os lugares onde vicejou, à ascensão da burguesia industrial, porém
com uma particularidade: teria recebido incentivo oficial do Estado, principalmente
durante o primeiro governo do Presidente Getúlio Vargas. A introdução do estilo no
país acontece concomitantemente com as primeiras manifestações do Movimento
Moderno, também ele reivindicante da personificação espacial da sociedade
industrial e da oposição ao tradicionalismo. A arquitetura Art-Déco, devido à sua
flexibilidade quanto à ornamentação, permite o uso dos elementos nacionais, como
os ornamentos de inspiração Marajoara, sem perder seu vínculo com progresso
industrial e urbano. Assim, pelas possibilidades de se constituir uma arte simples e,
ao mesmo tempo, monumental, é, por um curto espaço de tempo, preferida em
relação às manifestações do movimento moderno, em especial na arquitetura. Esta,
considerada por demais abstrata e internacionalista, somente a partir dos anos 40,
quando se torna Arquitetura Moderna Brasileira, será reconhecida pelo Estado como
estilo oficial. Deste modo, a apropriação do Art-Déco pelo Estado na década de 30
pode ter sido facilitada pelas possibilidades do estilo já mencionadas e, direta ou
indiretamente relacionada ao processo de industrialização e às novas determinações
do mercado mundial. Além disso, parece ter sido objeto de um planejamento político
e educacional do governo de Getúlio Vargas, no sentido de fortalecer a identidade
nacional. Esse raciocínio é desenvolvido através de quatro capítulos, cuja linha de
análise passa por uma discussão teórica sobre o papel social da arte, pela
sistematização de algumas idéias sobre a relação entre industrialização,
nacionalismo, arquitetura e educação e, por fim, por uma exposição sobre a
trajetória do Art-Déco. O objetivo é contribuir para o esclarecimento de mecanismos
geradores de escolhas e mudanças comportamentais, já que o homem se educa
socialmente e não apenas nos bancos escolares.
7
PERALTA, Francisco José. ARCHITECTURE ART-DECO IN VARGAS
GOVERNMENT: BUILDING A NATIONAL IDENTITY. 137 f. Dissertation (Master in
Education) – State Univercity of Maringá. Supervisor: Silvina Rosa. Maringá, 2005.
ABSTRACT
Considerate in the whole world sometimes as a variant of the Art Nouveau style,
sometimes as a mere anticipation or deterioration of Modernist Movement, Art-Déco
has not been object of deeper approaches by Brazilian scholars, with some
exceptions, than the simple reproduction of "picturesque" images or superficial
disapproving comments of an "aesthetic frivolity". However, that artistic “quasi-
movement” was related, in Brazil, to the ascension of the industrial bourgeoisie, as in
fact, in every place it flourished. In this country, with a particularity: it would have
received official encouragement of the State, mainly during President Getulio
Vargas's first government. The introduction of the style in the country takes place
concomitantly with the onset of the Modern Movement. Both were a vindication of the
spatial embodiment of industrial society as also opposite movements to
traditionalism. The Art-Déco architecture, due to its flexibility of ornamentation, allows
the usage of national elements, as the inspired in Marajoara ornaments, without
losing its connection with industrial and urban progress. Therefore, by the
possibilities to constitute both a simple and monumental art, at the same time, it was,
for a short period, preferred in opposition to the manifestations of modern movement,
especially in the architecture. Modern movement was considered too much abstract
and internationalist. Only by the 1940s, when it is born the so called Brazilian Modern
Architecture, it would be recognized by the State as an official style. Thus, the
appropriation of Art-Déco's by the State, in the 1930s, may has been facilitated by
the mentioned possibilities of such style and, direct or indirectly, related to the
industrialization process and the new world market determinations. Moreover, it
seems to have been object of a political and educational planning of Getulio Vargas's
government, to strengthening the national identity. This argument is developed
through four chapters, which analysis line goes by a theoretical discussion on the
social paper of the art, and the systemization of some ideas about the relationship
among industrialization, nationalism, architecture and education and, finally, for a
presentation on Art-Déco’s path. The purpose of this paper is to contribute for the
explanation about mechanisms that generates behavioral choices and changes,
since the individual is educated socially and not only in the school benches.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1. O PAPEL DA ARTE 17
2. INDUSTRIALIZAÇÃO E NACIONALISMO 26
5. CONCLUSÃO 127
REFERÊNCIAS 130
9
INTRODUÇÃO
10
o edifício comum, caracterizado por apliques florais e grades metálicas pré-
fabricadas e baratas, tão queridas do Art Nouveau. Assim, da concepção geral ao
menor detalhe do mobiliário, menos que satisfazer imposições técnicas, os edifícios
Art Déco tinham a preocupação de oferecer uma “moldura” ao estilo de vida da
classe dominante.
A opção pelo Art Déco como objeto desta dissertação deve-se à necessidade
de explicar o papel formativo da arquitetura, tendo em vista a função social e mesmo
pedagógica da arte e seus vínculos com as necessidades sociais dos diferentes
momentos históricos. Neste caso específico, pretende-se relacionar a adoção do
estilo por Getúlio Vargas com as necessidades do nacionalismo. Evidentemente, um
trabalho que procure estabelecer este tipo de relação entre arquitetura, educação e
nacionalismo na década de 30 ressente-se de algumas dificuldades, tanto no que diz
respeito às fontes como ao próprio campo de análise.
11
pressupostos acerca da mudança social são os de quebra de um
equilíbrio a que a sociedade procura retornar (ou refazer em novas
bases) logo que possível. [...]. Há [em suas posições] uma
concepção mecânica da mudança social (o crescimento da demanda
exigindo a criação da indústria mecanizada ou o crescimento
populacional gerando excesso de mão-de-obra e, portanto, a
pobreza dos trabalhadores) e uma concepção em que a vontade
humana tem força para transformar a história (a ética e a razão de
alguns obrigando o Estado a intervir sobre a espontaneidade das leis
de mercado). (SZMRECSANYI, 1994, p.147, grifo do autor).
Uma referência deve ser feita a uma notável exceção, Hugo Segawa, com
seu livro Arquiteturas do Brasil, que não cai na armadilha da mera exaltação do
Movimento Moderno, mas, antes, faz uma leitura histórica, diferencia os diferentes
estilos produzidos nessa época e percebe suas relações com a emergência da
burguesia industrial. Por esta razão, podem-se destacar as contribuições deste autor
para a consecução dos objetivos que se busca alcançar nesta pesquisa.
12
[...] o fato de que um estabelecimento de vida curta, que começou
principalmente como centro de vanguarda política e artística, veio a
dar o tom na arquitetura e nas artes aplicadas de duas gerações. Foi
a Bauhaus, ou a escola de arte e desenho de Weimar e depois
Dessau na Alemanha Central (1919-33), cuja existência coincidiu
com a República de Weimar – acabou dissolvida pelos nacional-
socialistas pouco depois de Hitler tomar o poder (HOBSBAWM,
1998, p.185).
Isso provocou uma verdadeira diáspora dos artistas modernos, como Walter
Gropius, Paul Klee, Marcel Breuer, etc., pelo mundo. Stalin também adotou
oficialmente o Neoclassicismo em oposição ao Modernismo “degenerado”. Mesmo
Mussolini, que tinha Marinetti a seu lado, adota o neoclassicismo como o estilo
fascista. Na verdade, Marinetti já abandonara os princípios do futurismo para
enfileirar-se com a geração mais jovem que “não se reconhece mais, efetivamente,
nessas fórmulas e volta-se para o passado, onde espera encontrar regras
constantes, valores certos e permanentes” (BENÉVOLO, 1976, p.542).
13
constituíram processos educacionais, de maior ou menor explicitação, formais ou
não, em virtude da premência do objetivo a ser alcançado e a construção de prédios
públicos compõe o conjunto destes mecanismos.
E, também:
14
Este, bem como futuros estudos, poderá vir a mostrar como a arquitetura se
inseria no projeto político-ideológico de fortalecimento do Estado no governo de
Getúlio Vargas, como um instrumento de fortalecimento do sentimento nacional. Via
de regra, a monumentalidade própria do estilo tratava de suprir atitudes mais visíveis
na imposição da nova ordem burguesa. Com a ascensão da arquitetura moderna, as
novas construções oficiais passaram a oferecer traços mais simples e ausência de
decoração, mas permaneceu a monumentalidade como forma de assinalar o orgulho
pelo país e a confiança no futuro. Podem vir a mostrar também que havia uma
“profunda necessidade de afirmação por meio de realizações espetaculares,
partilhada por uma clientela ávida de publicidade e por arquitetos felizes em explorar
uma oportunidade dessas para satisfazer sua vocação mais profunda” (BRUAND,
1981, pp.376- 377).
15
Por fim, o quarto capítulo é dedicado ao estudo do estilo Art Déco,
considerado uma “monstruosidade” por muitos historiadores da arquitetura. Procura-
se, em consonância com tudo o que foi afirmado nos capítulos anteriores, traçar sua
trajetória, desde sua origem, passando pelo lugar ocupado após o esvaziamento das
Exposições Universais até suas manifestações no Brasil.
16
1. O PAPEL DA ARTE
1
O Tygre, poema de William Blake, em tradução de Augusto de Campos publicado em :
Poesia – 1949-1979. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
17
como Walter Benjamim, Theodor Adorno e, principalmente, Georg Lukács,
procuraram construir uma estética especificamente marxista, de caráter humanista,
baseada na “idéia de que todo trabalho não alienado é criativo e, portanto,
intrinsecamente igual ao trabalho artístico” (BOTTOMORE, 1988, p.138). Essa
classificação pode ser percebida, por exemplo, “quando Marx fala, em O Capital (I,
cap. V, 1) sobre o caráter essencialmente humano do trabalho, comparando o
arquiteto e a abelha”, sendo “significativo o fato do arquiteto ser lembrado
simplesmente como exemplo de trabalhador humano e não como uma categoria
privilegiada de artista” (Ibid.).
18
A concentração exclusiva do talento artístico em determinados
indivíduos e sua supressão correlata entre a massa do povo é uma
conseqüência da divisão do trabalho [...]. Na sociedade comunista
não há pintores, mas, no máximo, pessoas que, ente outras coisas
também pintam.
E, ainda,
19
Por fim, a tese do trabalho criador pode ser entendida na comparação que
Marx (1989, p. 52) faz, conforme citado na introdução, entre a abelha e o arquiteto:
2
Apud Walter Benjamin, p. 105.
20
desenvolvimento da consciência humana, como apontado no item anterior, e da
melhoria da vida social ou se toma a arte pela arte. Defensores da primeira teoria
conceberiam a arte como parte da superestrutura, “reproduzindo e explicando a vida
e, a miúdo, com um sentido de juízo sobre as manifestações da vida” (PLEKANOV,
1945, p.10), conferindo-lhe, então um caráter utilitário. Para Nikolai Bukharin, por
exemplo, “a arte seria um produto da vida social tanto quanto a ciência ou qualquer
outro reflexo da produção material” só podendo “desenvolver-se quando as forças
de produção alcançam certo nível” (Ibid. p.12).
Mesmo que se aceite a teoria da arte pela arte, é preciso verificar, antes de
tudo, em que condições sociais se fortalece nos artistas tal tendência, assim
expressa por Pushkin, poeta russo do século XIX, a respeito do trabalho de poeta e
em resposta ao povo que exige do artista que melhore com seus cantos os
costumes sociais, citado por Plekanov (Ibid., p. 27):
Não, imbecis; não, cretinos e ignorantes; não se faz com livros sopa
de geléia. Uma novela não é um par de sapatos sem costura, nem
um soneto, uma seringa; um drama não é uma estrada de ferro,
coisas todas civilizadas e que fazem a humanidade trilhar a senda do
progresso. Pelas barrigas de todos os papas passados, presentes e
futuros, não, e duzentas mil vezes não... Eu, ainda que não agrade a
esses senhores, sou dos que acham o supérfluo necessário e
apreciam melhor as coisas e pessoas, na razão inversa dos serviços
que me prestam.
Para ele, a poesia não demonstraria nem relataria nada dependendo a beleza
do verso apenas de sua musicalidade e do ritmo (Ibid, p.49). Portanto, em oposição
à capacidade e mesmo o dever de emitir um juízo sobre os fenômenos da vida,
existiria uma aparentemente confortável posição de neutralidade e autonomia. Mas
talvez não se deva vislumbrar nesta posição um alheamento às questões da
21
sociedade que rodeia o artista: mais adiante Plekanov (Ibid, p.39) de certa forma
suscita a crença na firmeza de caráter de Gautier, quando descreve e interpreta o
grupo de artistas que o cercava:
22
socialista” como cânone oficial, baseado na idéia de que o proletariado necessitaria
de uma arte realmente dirigida a ele, rejeitando a existente. Essa posição enfrentou
forte resistência de intelectuais como Brecht, Benjamim e Adorno que defendiam o
“modernismo”, em oposição ao que consideravam uma simples transposição do
“realismo burguês” do século XIX, apenas com um novo conteúdo (BOTTOMORE,
p.19). Hobsbawm (1998, p.178) destaca que, por volta dessa época, “praticamente
tudo que se pode chamar de ‘modernismo’ já se achava a postos: cubismo;
expressionismo; abstracionismo puro na pintura; funcionalismo e ausência de
ornamentos na arquitetura; o abandono da tonalidade na música; o rompimento com
a tradição na literatura”. O fato de Hitler ter chegado a fechar a Bauhaus, centro de
vanguarda política e artística de Weimar, acusada de subversiva, convida à reflexão
sobre o papel da arte, não só como representação mas, também, de motor da
transformação social.
23
Assim, é preciso ultrapassar o puro objeto arquitetônico e reconhecer “os
valores e o mundo que o edifício torna visível” e do qual é devedor. Quando Le
Corbusier propunha a casa como uma “máquina de morar” expressava a admiração
pela era industrial e a sociedade moderna:
E também:
A indústria, exuberante como um rio que rola para seu destino, nos
traz os novos instrumentos adaptados a esta época nova animada de
espírito novo.
[...]
24
Mercadorias destinadas a encantar a humanidade, símbolos do
progresso técnico dos “novos tempos”, não eram simples produtos
postos à venda, mas corporificavam idéias que buscavam impor-se
com a força das certezas: o sistema capitalista trouxera o progresso
à humanidade, a máquina era voltada para a satisfação das
necessidades humanas, a ordem burguesa instaurava a sociedade
do bem-estar, o futuro era previsível, o trabalho disciplinado tinha
possibilidades redentoras, a propriedade não era apenas desejável e
justa, como era uma meta a ser alcançada por todos, etc., etc.
(PENSAVENTO, 1997, p.21).
25
2. INDUSTRIALIZAÇÃO E NACIONALISMO
3
A entrevista, em que elogia o vanguardismo, o nacionalismo e o “bandeirismo intelectual e
artístico” de Tarsila do Amaral e dos modernistas brasileiros, foi concedida ao Correio Paulistano de
São Paulo e publicada em 28/11/1929. Está transcrita no Livro de Aracy A. Amaral, Tarsila – Sua
Obra e seu Tempo. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 460 - 463.
4
2º. Verso do poema O Occidente de Fernando Pessoa, publicado em O Eu Profundo e os
Outros Eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p.56.
26
O segundo quarto do século XX e mesmo o primeiro, tem recebido dos
historiadores e intelectuais em geral os mais diversos adjetivos: trágico, terrível,
catastrófico, violento. Nunca tranqüilo. O período entre as duas grandes guerras foi
agitado não só pela maior crise que o capital vivera até então, mas também pela
articulação da classe operária e por uma intensa agitação revolucionária, em
especial na Europa Central, lutas sindicais, a fundação da Terceira Internacional
Socialista (1919), etc. Na realidade, é impossível compartimentar nossa história,
toda ela marcada pela necessidade de produzir para o mercado, ou seja, produzir
valor de troca. Assim, as bases deste cenário já estavam lançadas muito antes deste
período, quando as “atividades econômicas de uma parcela crescente da
humanidade passaram a comportar-se como elementos interdependentes de um
conjunto articulado” com o fortalecimento do sistema de economia mundial baseado
na divisão internacional do trabalho, sob a hegemonia de países em avançado
estágio de capitalização. Além da
27
ambiente adequado para o surgimento de uma burguesia industrial, pois “enquanto a
burguesia de cada nação conserva ainda interesses nacionais particulares, a grande
indústria criou uma classe cujos interesses são os mesmos em todas as nações e
em que toda a nacionalidade está já destruída” (MARX; ENGELS, 1989, p. 95).
28
intento, ao nível mundial não era pioneiro. Muito antes, Adam Smith em seu A
Riqueza das Nações, publicado já em 1776, considerava que, se
29
é evidente que a grande indústria não alcança o mesmo grau de
desenvolvimento [em todos os países e nem] em todas as
localidades de um mesmo país. [...]. Do mesmo modo, os países em
que se desenvolve uma grande indústria influem sobre os países
mais ou menos não industriais, na medida em que estes últimos são
compelidos pelo comércio mundial à luta universal da concorrência
(MARX e ENGELS, 1989, p. 95 e 96).5
Para José Veríssimo (1985, p.36-37) “no fundo das idéias morais há um
elemento social e histórico” e a atividade intelectual teria “um poder superior para
dirigir e transformar os outros gêneros de atividade”, abrindo caminhos à ação,
dirigindo as demais funções sociais. A força do indivíduo seria então determinante
na transformação social:
5
O texto entre parênteses foi suprimido no manuscrito.
30
as necessidades dessa sociedade. Fernando de Azevedo (1964, pp.470-472) chama
a atenção para o declínio que as artes no Brasil sofreram durante o fim do Império
graças, em parte, ao “sistema de proteção individual e de subvenções aos artistas”
que substituiu o antigo costume de contratar missões artísticas e culturais. Dom
Pedro II preferiu mandar, às suas expensas, os artistas aperfeiçoarem seus estudos
“no estrangeiro”, criando
Para ele, tanto a instrução geral da nação, “que em última análise não
depende senão de sua civilização e de sua riqueza”, quanto a artístico-profissional
não constituíam ainda, e Azevedo escreve no início dos anos quarenta do século
XX, um sistema suficientemente desenvolvido “em altura e extensão para produzir
grandes resultados”. Para o desenvolvimento das artes em geral observava que o
que faltava era o ensino técnico e profissional que se reduzia, no início da
República, a “dois liceus de artes e ofícios, o do Rio de Janeiro, fundado em 1856
por Bethencourt da Silva e o de São Paulo” (Ibid., p.472).
31
exuberante como um rio que rola para seu destino, nos traz os novos instrumentos
adaptados a esta época nova animada de espírito novo” e suas expressões “é
preciso criar o estado de espírito da série”, referindo à necessidade da
estandardização fabril (LE CORBUSIER, 1981). Apesar da ênfase nas “forças de
organização modernas”, o arquiteto não estava alheio ao mercado em si e,
claramente, tentava formar a mentalidade do consumidor. Ademais, como é possível
depreender do discurso pronunciado por Bethencourt perante os membros
fundadores da Sociedade Propagadora da Bellas-Artes do Rio de Janeiro,
instituições semelhantes espalhavam-se pela Europa, em especial na França,
Inglaterra e Alemanha.
32
e também em virtude de o Estado ainda estar mais comprometido com a economia
agrícola6, não logrou pleno êxito em seu objetivo. No Brasil, seu pioneirismo ainda
não havia sido plenamente incorporado ao pensamento nacional, a despeito de já
carregar “a enorme força de expansão das forças produtivas e de implantação do
mercado mundial” que marcaria a virada do século XIX para o XX, com “formulações
de cunho liberal, acirrados debates em torno do progresso nacional, movimentos em
favor da República, críticas à escravidão, proposições em torno da educação
nacional [...]” (TULLIO, p.12). Assim, apesar da acolhida que obteve junto ao
restante dos intelectuais da época, o mesmo não aconteceu junto à nascente classe
burguesa e, assim, as oficinas que seriam imprescindíveis para treinar o estudante-
operário simultaneamente com as aulas teóricas para que, além de adquirir o
conhecimento e destreza manual possibilitassem o conhecimento dos materiais e
dos processos de fabricação, requeridos pela nova organização do trabalho, e que
deveriam funcionar em integração com as indústrias, só viriam a ser criadas em
1911, portanto mais de meio século depois da fundação do liceu de artes e ofícios
vinculado à Sociedade Propagadora das Belas Artes7. Pior era a situação de vários
outros liceus em outras províncias que fecharam por falta de alunos.
6
É interessante notar como havia uma maior preocupação do Estado para com o setor que
julgava – e até então não se enganava – ser preponderante. Mesmo os trabalhadores de cada setor
recebiam tratamento diferenciado, como acentua Ricardo Antunes (1988, p.65-66). Embora aqui se
refira aos anos imediatamente anteriores à revolução de 1930, a prática já era comum antes; apenas
não se apresentava de forma tão nítida: “Tratando de forma diferenciada os vários segmentos da
classe trabalhadora, o Estado tinha, perante os trabalhadores vinculados às atividades fundamentais
para a exportação do café, como ferroviários e portuários, um tipo de relacionamento bastante distinto
daquele dispensado aos operários industriais vinculados à burguesia industrial que como se sabe,
não constituía uma fração politicamente dominante. Se com relação aos marítimos e portuários havia
uma relação integradora e conciliadora, a atenção dispensada aos trabalhadores fabris não foi muito
além da conhecida repressão.”
7
É digno de nota que um sistema análogo, se bem que muito mais organizado e
fundamentado, que se estabeleceria na Alemanha, em 1919, iria revolucionar completamente a
relação arte-técnica. Era a Bauhaus, criada visando superar o método empírico, incapaz de responder
às exigências da racionalização industrial. Contava com 12 oficinas que estabeleciam o elo entre a
escola e a indústria, integrando “os conhecimentos teóricos dos materiais e do processo produtivo
com os conhecimentos técnico-operacionais. [...] Embora sendo uma instituição estatal, jamais
recebeu grande apoio financeiro e político e freqüentemente completava o orçamento fornecendo
para a indústria, que era seu desaguadouro natural, modelos projetados por docentes e alunos em
estreita colaboração” (CARISTI, 2000, p. 229-233).
33
Mas a mobilização de forças da elite intelectual do país para consolidar a
educação formal como elemento preponderante no processo de formação do
cidadão trabalhador para a indústria não arrefeceu. Segundo Guaraciaba Aparecida
Tullio (Ano ?), José Veríssimo é um exemplo representativo da consciência que os
homens produzem no início do século XX a respeito daquele período e assim se
expressa acerca do atraso em que se encontrava o país, principalmente em relação
à Europa, que atribuía à educação cívica “pervertida” que recebíamos:
Aos poucos começam a aparecer por todo o país escolas que pretendem se
encarregar da educação artística profissionalizante. São empreendimentos da
iniciativa privada, quase sempre visando suprir as deficiências causadas pela
omissão oficial e fornecer a mão de obra necessária à indústria cada vez mais
necessitada de operários especializados:
34
A fase mais brilhante e fecunda no domínio da educação profissional,
em seus diversos graus e em todas as formas. Os discursos do
Presidente Getúlio Vargas mostram com lucidez, em vários trechos
incisivos e de um alcance que não é preciso encarecer, essas
tendências como a sua própria orientação pessoal, dirigida
francamente para a educação técnica e profissional do país. (Ibid.,
p.739).
8
Como parte do plano de incentivo ao ensino industrial, “já haviam sido contratados em 1941,
na Suíça, 44 especialistas a que se reunirão para completarem o quadro de técnicos estrangeiros, 25
engenheiros ou técnicos, contratados nos Estados Unidos para o fim especial de orientar o ensino
industrial, nas próprias indústrias, e dirigir seções ou reger cursos na primeira escoa técnica a ser
instalada na capital do país” (AZEVEDO, 1964, pp.740-741).
35
preocupações o setor primário, com ênfase na defesa da cafeicultura cuja produção
representaria 70% das exportações brasileiras, não esqueceu a indústria, que
aparece citada de forma diluída em três tópicos diferentes do documento.
Conquanto o autor defenda por isso, que os “aliancistas” não possuíam uma
ideologia industrializante por não atenderem as reivindicações imediatas da
burguesia industrial, admite que a plataforma inclua pontos de longo prazo que a
beneficiariam como classe, como a siderurgia e a educação profissionalizante.
36
suas locomotivas a vapor”. Diante do desemprego em massa que se alastrou pelo
mundo inteiro e do colapso dos preços agrícolas, sem que houvesse qualquer
possibilidade aparente de solução “dentro do esquema da velha política liberal que
tornou tão dramática a situação dos tomadores de decisões econômicas” ficou
evidente que a Grande Depressão havia conseguido destruir as estruturas do
liberalismo econômico mundialmente, impelindo as políticas de Estado dos governos
ocidentais a priorizar as considerações sociais em detrimento das econômicas,
engendrando mecanismos de abrandamento das pressões sociais, como concessão
de subsídios agrícolas, políticas de pleno emprego, sistemas previdenciários, etc.,
tentando-se evitar com isso os perigos “demasiado ameaçadores” da radicalização –
da esquerda e da direita.
37
No início da década de 30 foram implementadas conquistas sociais dos
operários, como a redução da jornada de trabalho e direitos trabalhistas, e embora
enfrentassem a resistência dos industriais individualmente, De Decca (1981, p. 176)
argumenta que a posição contrária que o CIESP adotava em relação a essas leis
parece ser o que chama de “medida de ocasião”, pois a grande indústria precisava
contemplar em seu discurso a maioria das pequenas e médias indústrias que
poderiam ter suas taxas de lucro comprometidas por medidas como a Lei de Férias
e o Código de Menores. O objetivo era o de unificar a burguesia industrial, formando
um bloco único nas disputas com o proletariado.
38
Segundo [Ortega y Gasset], assistimos nos últimos tempos, nos
meios europeus, o espetáculo de uma transbordante maré de
multidões, que tudo invade, desde os estabelecimentos de diversões
até os recintos sociaes, por sua natureza, reservados a uma minoria
da elite. O grande crescimento da população da Europa [...], a
democracia liberal, a experimentação scientifica e o industrialismo,
produziram o surto extraordinario que teve a civilização no século
XIX. [...] O ensino foi se especialisando e tomando um caracter de
pratica para se vencer facilmente na vida, com um certo abandono
da formação e do aperfeiçoamento da sensibilidade espiritual. Surgiu
um typo que Gasset chama de “homem massa” (SIMONSEN, 1933,
p. 36).
39
Não vedes que pouco a pouco se propagem em seu seio opiniões,
idéias, que de modo nenhum irão apenas derrubar tal lei, tal ministro,
mesmo tal governo, mas a sociedade, a abalá-la sobre as bases nas
quais hoje repousa? Não ouvis que entre elas se repete
constantemente que tudo o que se acha acima delas é indigno de
governá-las? (TOCQUEVILLE, 1977, P. 582)
40
forma de resposta do Estado é criada, em 1935, a Lei de Segurança Nacional, um
instrumento legal com o objetivo de abafar principalmente as intensas manifestações
do proletariado. “É o Partido Comunista clandestino, são os trotskistas em uma
forma de fração bolchevique, são os anarquistas individualmente ou em sindicatos
que denunciam todo o regime existente” (CARONE, 1978, p. 58). Alguns de seus
artigos manifestam claramente o seu escopo:
41
O conceito de nação é relativamente novo. Surge na era moderna, quando da
formação dos primeiros Estados, que passam a se chamar Estados Nacionais,
nascidos da reunião de pessoas de diversas origens, “tendo ou não religião comum,
pertencendo ou não a diferentes etnias” que passam a se sentir identificadas com
uma determinada região, sendo que a homogeneidade do povo de cada país
somente depois é construída. É a existência do Estado que agrupa esses indivíduos
“em um povo que se sente um unificado por origens comuns”, passa a falar a
mesma língua e aprender uma história comum, sentindo-se dono de uma herança
comum. Passa a haver uma homogeneização e padronização dos habitantes de
uma nação cujas fronteiras verdadeiras passam a ser a língua nacional, escrita ou
falada, compreensível para a massa. Ao longo do tempo, uma memória nacional é
criada: a bandeira, o hino e os feriados nacionais organizam esses indivíduos
dando-lhes um sentido de pertencimento, de identificação e familiaridade diante de
uma imagem representada (OLIVEIRA, 1998, pp.185-186).
42
Segundo Max Weber (1999, p.517), o moderno Estado industrial pressupõe o
nacionalismo e a legitimação do poder desse Estado. “Da aliança forçada entre o
Estado nacional e o capital nasceu a classe burguesa nacional – a burguesia no
sentido moderno da palavra. É, portanto, o Estado nacional que garante ao
capitalismo as possibilidades de sua subsistência e, enquanto não cede lugar a um
império universal, subsistirá também o capitalismo”.
Essa centralização política viria, segundo Marx e Engels (1985, p.25), como
conseqüência da supressão cada vez maior pela burguesia da dispersão dos meios
de produção, agora centralizados, da propriedade, que passa a se concentrar em
poucas mãos e da população, que precisa ser aglomerada:
44
ou industrial. Uma terceira visão nacionalista, talvez apenas uma exacerbação das
anteriores, seria a ufanista que, “em suas formas de ver e interpretar a nação deitou
raízes na cultura brasileira e se fez presente em inúmeras construções simbólicas
que pretenderam marcar a identidade nacional”, e para a qual
45
todos os povos que marcham à frente da civilização, como lembra
Jean Finot, possuem o sangue mais rico em elementos
heterogêneos, e todos cujas origens foram estudadas, fazem ver a
mesma riqueza de elementos étnicos que, entrecruzados,
contribuíram para formar a sua unidade nacional”. E, a ser verdadeira
a hipótese de Schneider, é sempre 500 a 600 anos depois de um
intenso mestiçamento que se produzem os principais surtos culturais
[...]. Assim, no Brasil, país novo, em plena fase de crescimento e, por
isto mesmo, pelas riquezas e imensidade de seu território, grande
foco de atração de imigrantes, esse caldeamento e mistura de raças,
desde os albores de sua vida, pode estar preparando o humo
biológico para florir uma nova civilização. Por outro lado, [...] se nos
faltou a integridade racial dos tipos formadores e nos sobraram as
mestiçagens dissolventes (branco e negro), outros elementos físicos
e sociais, como os fatores mesológicos, a vitalidade do primitivo
núcleo ibérico, a rápida fusão de raças, a comunidade de língua, de
costumes e de tradições constituíram, no Brasil, para criar um tipo
nacional, essa fôrça empolgante que nos Estados Unidos [...]
plasmou e absorveu as correntes adventícias, transformando-as
ràpidamente no tipo sui-generis e inconfundível do americano (Ibid.,
p.73).
46
O fato da mudança de forma de governo, maiormente por causas
onde não sei se o futuro historiador descobrirá alguma insigne
inspiração desinteressadamente patriótica, não é, entretanto, de per
si mesmo bastante para facultar-nos uma nova era de regeneração.
As formas de governo têm um valor relativo, mesmo porque,
conforme o demonstra a História e o ensinam os mais alumiados
pensadores, a força progressista das nações atua de baixo para cima
e não de cima para baixo. É no povo que reside e é a soma de seus
esforços, em qualquer ordem de fenômenos, que produz a
Civilização e o Progresso (VERÍSSIMO, 1970, pp.41-42).
Para grande parte dos intelectuais, o Brasil não preparado para se incorporar
à nova ordem econômica mundial passa a ser identificado como o país do atraso, o
Brasil arcaico. Esse questionamento da ordem traduz-se em um movimento de perfil
difuso, o Modernismo, com instâncias ora nacionalistas, ora cosmopolitas. Por um
lado promovia uma ruptura com a rotina acadêmica que isolara o país das
discussões mundiais acerca da arte, e abria o país ao mundo contemporâneo,
reiterando sua condição de país periférico, semicolonial, que buscava na Europa as
chaves para a interpretação de sua própria realidade, do mesmo modo que fizera
antes o Romantismo (BOSI, 1970, pp.232-233). Por outro lado expressava seu amor
pelas “soluções folclóricas, neo-indianistas, neo-românticas” e buscava uma nova
linguagem, pesquisando o folclore e a linguagem do interior.
[...] a mesma corrente que fôra aprender junto à arte ocidental modos
novos de expressão refluiu para um conhecimento mais livre e direto
do Brasil: o nacionalismo seria o outro lado da práxis modernista.[...]
Na sua vontade de acertar o passo com a Europa, sem deixar de ser
brasileiro, o intelectual modernista criou como pôde uma nova
poesia, um nôvo romance, uma nova arte plástica, uma nova música,
uma nova crítica; e a seu tempo se verá o quanto ainda lhe devemos
(Ibid., p.233).
47
Assim os conflitos deram-se em tempos e lugares diferentes, não
raro parecendo exprimir tensões meramente locais. Sé para
exemplificar, o núcleo jagunço de Canudos, matéria de Os Sertões
de Euclides da Cunha [refletiu] a situação crítica de um Nordeste
marginalizado e. portanto, aderente a soluções arcaicas. Os
movimentos operários em São Paulo, durante a guerra de 1914-18 e
logo depois, eram sintoma de uma classe nova que já se debatia em
angustiantes problemas de sobrevivência numa cidade em fase de
industrialização. [...] Estudados em si, êsses movimentos têm uma
história de todo independente; mas, no conjunto, testemunham o
estado geral de uma nação que se desenvolvia à custa de graves
problemas (ibid., pp.340-341).
9
O arquiteto Nestor Goulart Reis Filho (1998, pp. 154-155) lembra que o termo tem origem no
francês e significa buzina, e o automóvel, nessa fase era realmente apresentado como um símbolo de
modernidade, enfatizando “certas formas de modernização, características da sociedade industrial e
do desenvolvimento tecnológico, enfatizados pelo cinema, pela arquitetura e pelas diferentes
atividades artísticas”.
48
Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras,
idealismos, motores, chaminés de fábricas, sangue, velocidade,
sonho, na nossa Arte. E que o rufo de um automóvel, nos trilhos de
dois versos, espante da poesia o último deus homérico, que ficou
anacronicamente, a dormir e a sonhar, na era do jazz-band e do
cinema, com a frauta dos pastores da Arcádia e os seios divinos de
Helena! (PICCHIA, 1922 apud BOSI, pp.380-381).
“Mas a dado trecho, salienta que o grupo quer fazer nascer ‘uma arte
genuinamente brasileira, filha do céu e da terra, do Homem e do Mistério’” (BOSI,
p.381). Embora o movimento modernista tenha, então, na questão da brasilidade
seu eixo principal, difundindo “a necessidade de identificar a substância do SER
brasileiro”, as estratégias diferem entre os diversos artistas do movimento
(OLIVEIRA, p.191). O Movimento Verde-Amarelo, por exemplo, do qual faz parte
Menotti del Picchia,
49
aceitação, entre os intelectuais, da institucionalização corporativa implantada com o
Estado Novo (1937-45), não é obra do acaso e tampouco fruto de cooptação.
Mesmo apresentando uma face repressiva10, oferecia aos intelectuais uma
perspectiva de realização de suas demandas, “inclusive as éticas, acolhendo-os e
procurando dar sentido à sua atividade, engajando-os na construção de um Estado
ético” e modernizador, dessa forma tirando-os do isolamento e integrando-os à vida
nacional. Além disso, estar sob a tutela do Estado permitiria ao artista, como fez
Lucio Costa, por exemplo, a experimentação, impensável nos limites da iniciativa
privada. É através da mediação do Estado que se consolida, então,
10
O DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda –, por exemplo, não visava apenas
censurar, “mas também organizar a produção cultual, imprimindo um sentido moderno e nacionalista”.
(LAHUERTA, 1998, p.101)
50
A este aspecto integrado é preciso juntar outro, igualmente
importante: o surgimento de condições para realizar, difundir e
“normalizar” uma série de aspirações, inovações, pressentimentos
gerados no decênio de 1920, que tinha sido uma sementeira de
grandes e inúmeras mudanças. [...] Isto ocorreu em diversos setores:
instrução pública, vida artística e literária, estudos históricos e
sociais, meios de difusão cultural como o livro e o rádio (que teve
desenvolvimento espetacular). Tudo ligado a uma nova correlação
entre, de um lado o intelectual e o artista; do outro, a sociedade e o
Estado – devido às novas condições econômico-sociais (Ibid., p.27).
51
3. SAMBA CAFÉ E ARQUITETURA
11
Antônio Cândido crê mesmo que houve “na arquitetura uma espécie de sanção oficial do
modernismo, que correspondia à aceitação progressiva pelo gosto médio [...]. O ‘estilo futurista’ não
apenas se difundiria, mas receberia a consagração do mau gosto nas inumeráveis casas quadradas,
brilhantes de mica, que se espalharam por todo o país” (1984, p.29, grifo nosso). Por sua descrição,
as tais construções mais se identificam com o estilo Art Déco que com uma arquitetura racionalista,
em que pese as “formas quadradas”.
53
concedidos12, que não possibilitaram ao movimento se afirmar definitivamente.
Mesmo a superestimada Semana de Arte Moderna de 1922, se trouxe algumas
contribuições positivas para a literatura e a pintura, foi inócua quanto à arquitetura:
12
Bruand refere-se à rápida passagem do arquiteto Luis Nunes pela chefia de um serviço de
arquitetura encarregado dos edifícios públicos do Estado de Pernambuco e dos privados
subvencionados, a “Diretoria de Arquitetura e Construção”, criada em Novembro 1934 com o apoio do
governador Carlos de Lima Cavalcanti e fechada em Novembro 1935, sob suspeita de atividades
subversivas. Reorganizado em 1936, foi novamente fechado em 1937. Enquanto funcionou, Luis
Nunes conseguiu montar “uma equipe de técnicos, artistas e artesãos, cuja colaboração iria
possibilitar importantes estudos, especialmente no campo da padronização da construção e uma
execução de alto nível dos projetos elaborados” (1981, 77).
54
escolhe um projeto modernista, num aparente paradoxo em que homens de um
Estado autoritário elegem a arquitetura moderna como sua face oficial. Na verdade,
como se verá (item 4.3, Capítulo 4), quando Capanema instituiu o concurso para o
anteprojeto do edifico do Ministério da Educação e Saúde Pública, as normas
pediam um edifício em estilo marajoara, nome pelo qual ficou conhecido o estilo Art
Déco no Brasil. Isso era uma maneira de afirmar uma nacionalidade ou tradição,
recorrendo a uma linguagem “nacional” em oposição ao “universal”, segundo afirma
Carlos Coutinho (1979, p.22-23), ou o “autêntico” contrastando com o “alienígena”, já
que, conforme mostrado a seguir, não existia uma significativa cultura autóctone
anterior à colonização. Mesmo tentando adotar então uma linguagem indígena que
pudesse conferir uma fisionomia especificamente brasileira ela era pouco mais do
que um amálgama com as matrizes européias.
Por isso, muito mais que determinar fontes e influências é preciso apontar a
maneira como se “articulou a evolução das formações econômico-sociais brasileiras,
de cuja reprodução e transformação a nossa cultura é momento determinado e
determinante, com o desenvolvimento do capitalismo em nível mundial”
(COUTINHO, 1979, p. 19-21).
55
[as velhas indústrias nacionais] são suplantadas por novas indústrias,
cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações
civilizadas, indústrias que não empregam mais matérias-primas
autóctones, mas sim matérias primas vindas das regiões mais
distantes, e cujos produtos se consomem não somente no próprio
país, mas em todas as partes do globo. Em lugar das antigas
necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, nascem novas
necessidades que reclamam para sua satisfação os produtos das
regiões mais longínquas e dos climas mais diversos. Em lugar do
antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si
próprias, desenvolvem-se um intercâmbio universal, uma universal
interdependência das nações. E isso se refere tanto à produção
material como a produção intelectual. As criações intelectuais de
uma nação tornam-se propriedade comum de todas (MARX;
ENGELS, [1985?], pp. 24-25, grifo nosso).
56
modelo cultural nacionalista, os ideólogos de Getúlio Vargas lançaram mão do estilo
exposto no capítulo seguinte. Mas antes, essa peculiaridade da arquitetura moderna
ainda obrigaria a adoção de outros modelos, tanto no Brasil como na Europa.
57
No ímpeto das construções que se multiplicavam, reclamando por
toda parte operários e arquitetos, a falta de mão de obra e de
profissionais especializados abre um domínio cada vez mais vasto à
improvisação e a toda espécie de aventuras. “Empreiteiros
promovidos a arquitetos, na justa expressão de Nereu Sampaio,
simples construtores quase analfabetos que se fizeram arquitetos e
estrangeiros sem escrúpulos” encontraram o campo livre para uma
intensa atividade, sem os freios da opinião pública, num meio
social a que faltava educação artística e sem elites profissionais com
idéias bastante claras e definidas para orientarem o movimento
extraordinário de construções urbanas (AZEVEDO, 1964, p. 479,
grifo nosso).
58
Com efeito, para criar uma arte que seja nossa e do nosso tempo,
cumprirá, qualquer que seja a orientação, que não se pesquisem
motivos, origens, fontes de inspiração, para muito longe de nós
próprios, do meio em que decorreu nosso passado e no qual terá que
prosseguir nosso futuro. Ficará bem explícito que não se intima ao
artista de hoje a postura inerte da esfinge, voltada em adoração
estática para os mitos do passado, mas sim a atitude viva do
caminhante que, olhando o futuro, tem de seguir um caminho
demarcado pela experiência e pelo estudo do passado, e cuja única
diretriz é o progresso e a glória das artes nacionais (SEVERO, apud
SEGAWA, 1998, p.35)
59
discurso oficial era o de desvinculação com o passado e o arremessar-se rumo ao
futuro, identificado com o arrojo da máquina, da automação, como nos manifestos
futuristas.
60
fundamento a idéia do moderno contra o tradicional e o antigo”, surgiu entre 1900 e
1914 na Europa um estilo historicista que se aspirava “modernizado” fazendo com
que os antigos Neobarroco e Neogótico começassem a perder sua definição e
surgisse o que se convencionou chamar de Nova Tradição, cuja luta com o
Movimento Moderno foi travada até na União Soviética, por ocasião do concurso
para o Palácio dos Sovietes (FRAMPTON, 2000, pp.255-256).
61
O que com êle se pretendia era que estudássemos a fundo os
modelos antigos, não para reproduzi-los, mas “para retomar o fio da
tradição e confrontarmos com o novo quadro social o que nossos
antepassados, por intuição, acomodaram maravilhosamente à
diversa natureza de clima e de materiais”13. Êsse movimento tornou-
se tanto mais útil quanto mais, na volta ao tipo brasileiro de
habitação, os arquitetos haviam perdido a noção da arquitetura
funcional, racional, ou a consciência do valor utilitário dos elementos
principais que entravam na sua composição arquitetônica, e que
eram empregados, na observação de José Mariano Filho, a título de
“meros ornamentos”, quando tinham uma “função” – a de defesa
contra o clima – na casa colonial [...] (Ibid., pp.479-480).
José Mariano Filho, a quem Azevedo se referia, foi o historiador da arte que
cunhou o termo neocolonial e com cuja adesão o movimento de valorização da arte
tradicional brasileira ganhou força e cujo ativismo abriu espaço para que uma série
de obras públicas de porte fosse executada seguindo essa concepção. Chegou a
interferir junto ao governo para que, nos editais de concurso para os pavilhões do
Brasil nas Exposições de Filadélfia (1926) e Sevilha (1928) e do projeto para o novo
edifício da Escola Normal (1928), que se tornou a mais importante obra pública no
estilo, constasse a obrigatoriedade do neocolonial como estilo, considerado pelos
seus defensores como portador de um caráter de “progresso” (SEGAWA, 1998,
p.36-37).
13
Trecho da conclusão do inquérito de Azevedo publicado em O Estado de São Paulo, em 29
de abril de 1926, intitulado Arquitetura Colonial VIII.
62
Figura 1 Ângelo Bruhns e José Cortez: Escola Normal. Rio de Janeiro, 1926.
(Fonte: BRUAND, 1981)
63
percebeu que a adoção de um “estilo” não bastaria para resolver os problemas da
arquitetura e, portanto, não se devia limitar a uma interpretação literal, mas procurar
encontrar o espírito que presidira o nascimento dessa arquitetura colonial.
64
4. ART DÉCO: O QUASIMODERNO ECLETISMO
65
Nenhuma outra geração antes desta teria sido capaz de conceber a
idéia de organizar uma exposição de matérias primas e produtos
técnicos de nações de todo o mundo. O plano, que foi tão
gloriosamente realizado em 1851, devia-se em larga medida à
energia do príncipe Alberto, que, ao delineá-lo e executá-lo, foi
arrastado pela mesma onda de otimismo expansivo que os seus
contemporâneos (PEVSNER, 2003, p.27).
66
acomodar um grupo de árvores adultas14 no local da exposição15 (FRAMPTON,
2000, pp.31-32). O sucesso foi tão grande que um edifício semelhante – também
projeto de Paxton – foi construído para a Exposição de Nova York, em 1853.
14
Havia uma persistente oposição da opinião pública à realização da Grande Exposição de
1851 e o motivo principal parece ter sido o problema da preservação desse grupo de árvores no Hyde
Park, o local escolhido. Essa grande resistência da população parece justificar a maneira elogiosa
com que os manuais de história da arquitetura se referem ao Príncipe Alberto, como o grande
responsável pela organização daquele primeiro grande espetáculo tecnológico e, como
conseqüência, pela criação das condições favoráveis para o surgimento de uma nova arquitetura. No
mínimo, dele foi o papel de um dos mediadores dos “acontecimento necessários” – nas palavras de
Pleckanov – para a plena expansão da burguesia.
15
.Paxton resolveu o problema introduzindo um transepto central com um altíssimo teto curvo
com estrutura em madeira laminada para que as árvores pudessem ser acomodadas, surgindo assim
a dupla simetria que caracterizou a forma final. Segundo Bruna (1983, p.42), na verdade, o visitante,
quando da inauguração, apreciou muito mais o espaço formado pelo transepto em forma arco do que
a longa nave central porque o primeiro apresentava ao grande público uma linguagem familiar.
67
relação entre a arquitetura e a indústria16 (BRUNA, 1983). Uma nova era precisava
de uma nova arquitetura. O grande sucesso de público motivou os realizadores e
nações convidadas das exposições posteriores a investir ainda mais na construção
dos pavilhões nacionais, sempre entregues a profissionais de renome nos seus
respectivos países, o que aumentou a importância que tiveram em relação à nova
arquitetura, cuja máxima expressão no uso da tecnologia específica do uso de ferro,
vidro e luz foi a Galeria das Máquinas. Sobre este projeto (Figura 2) do arquiteto
Ferdinand Dutert para a exposição mundial de Paris em 1889, considerada o ápice
da onda de construções de grandes pavilhões e da arquitetura em ferro e vidro
ocorrido na Europa naquela época, a mesma que apresentaria ao mundo a Torre
Eiffel (
16
A seguir, exemplos de obras que fizeram uso dessas novas tecnologias: entre 1800 e 1840:
criação, em quase todas as grandes cidades européias, de centenas de passagens cobertas ou
galerias, construídas com estruturas metálicas e fechamentos de vidro, alcançando no interior desses
ambientes um micro-clima controlado (Galeria Panoramas, Galeria D’Olrleans, Galeria Lafayette);
1811: estrutura de ferro para o Mercado de Trigo de Paris (arquiteto Bellange e engenheiro Brunet);
1818-1821: Pavilhão Real de Brighton (Jonh Nash), cuja coluna de ferro fica à vista pela primeira vez;
1824: a nave do mercado de la Madeleine em Paris, toda construída em ferro; 1833: hibernáculo do
Museu de História Natural de Paris (Charles Rahault de Fleury) (DELGADO, 2003).
68
Figura 2 - Galeria das Máquinas. Exposição de Paris, 1889.
(Fonte: BENÉVOLO, 1976)
Primeira estrutura arquitetônica a utilizar o arco triarticulado para vencer grandes vãos (107 metros). Segundo Frampton (2000,
p. 32), ela não se limitava a expor as máquinas, mas era ela mesma uma “máquina de exposição” em que plataformas móveis,
correndo por trilhos elevados, passavam sobre o espaço da exposição em ambos os lados do eixo central, transportando os
visitantes, permitindo assim que eles tivessem um panorama rápido e abrangente de toda a mostra.
69
Foram as novas exigências por melhores transportes, pontes e
canais, por edifícios industriais maiores e mais resistentes, por
edifícios não combustíveis, por edifícios públicos, como as estações
da estradas de ferro, portos e armazéns e os edifícios para as
exposições universais, que caracterizaram o fim do século XIX, a
solicitar os novos materiais como o ferro fundido e o vidro [...]
(BRUNA, 1983, p.32).
70
(Ibid, p.32). Foram necessárias diversas inovações na metalurgia para que
finalmente o uso do ferro se tornasse habitual:
Em 1713 Abraham Darby fez ferro fundido com carvão (em vez de
lenha); cerca de 1740 Benjamin Huntsman inventou o mprocesso de
fundir o aço em cadinho; em 1783 Cort introduziu a pudlagem17;
fizeram-se em 1810 os aperfeiçoamentos decisivos no alto-forno
(Albertot); em 1839 Nasmyth inventou o martelo pilão; e em 1856
Bessemer inventou um método para produzir aço isento de carbono
(PEVSNER, 2002, p.32).
17
Processo para a diminuição do teor de carbono do ferro, mediante a ação de escória ou
óxidos, transformando a gusa em ferro doce, menos quebradiço.
18
Não por coincidência, com raras exceções, as Exposições Universais eram inauguradas no
dia 1º de Maio, dia do trabalho. E, segundo Benévolo (1976, p. 134), a segunda Exposição Universal
de Paris, em 1867, organizada no Campo de Marte, foi abrigada em um edifício oval composto por
sete galerias concêntricas: a mais externa e maior, para as máquinas, as demais, destinadas às
matérias primas, ao vestuário, à mobília, às artes liberais, às belas-artes, a história do trabalho; no
centro encontra-se um jardim descoberto, contendo um pavilhão para as moedas, os pesos e as
medidas”.
71
preparatórios à Exposição de 1851, quando após chamar a atenção para as
características especiais de sua época, um “período de maravilhosa transição, que
tende para a rápida realização da grande finalidade que a história certamente indica,
e que é a unidade do gênero humano”, prossegue celebrando “o grande princípio da
divisão do trabalho, que pode ser considerado a força que faz progredir a civilização”
(PEVSNER, 2002, pp.27-28). Ainda o volume de introdução da The Great Exhibition
of the Works of Industry of All Nations, logo em sua primeira página trazia,
vaidosamente, a afirmação de que “um acontecimento como esta exposição não
poderia ter-se dado em nenhuma outra época, e talvez mesmo em nenhuma outra
nação a não ser a nossa”:
72
O sucesso das Exposições Universais que se multiplicam por todo o mundo
após 187819, porém, associado a diversas outras iniciativas (ver item 2.1 do Capítulo
2) de mediadores das necessidades da burguesia industrial cuidou de educar, por
um lado, o operário, dando-lhe as habilidades necessárias para a nova organização
da produção e, por outro lado, o consumidor, que aos poucos ia se familiarizando,
com a nova “estética da máquina” (Walter Benjamin definiu as ExposiÇões
Universais como locais de peregrinação para o culto da mercadoria). Em ambos os
casos a participação dos arquitetos que pretendiam a renovação da arquitetura foi
fundamental. Depois de exploradas as possibilidades da construção em ferro, nas
duas últimas décadas do século XIX, ganha força rapidamente um novo sistema de
edificação, o concreto armado, que invade o campo da edificação comum, tanto por
sua conveniência econômica, quanto por ter normas oficiais que regulamentavam
seu uso, facilitando a acesso a mais profissionais.
19
O Brasil também teve o papel de nação anfitriã, conforme visto no Capítulo 3. De acordo
com Martins (1997, p.4): “A Exposição Internacional de 1922 foi um marco em sua época. Seu
objetivo foi o de comemorar os cem anos de independência do Brasil, mostrar ao mundo e ao próprio
país toda a nossa potencialidade, promover o intercâmbio cultural e comercial, valorizar os produtos
da terra e trazer as novidades do ramo industrial de outros países para o conhecimento de nossos
cidadãos.” Quanto à participação em Exposições em outros países, o Brasil se inseria entre as
nações exóticas: as Exposições apareciam também como mostruários antropológicos, cujas atrações
eram “povos desconhecidos, matas virgens a serem descobertas” tidos como a visão do paraíso.
Ainda segundo Martins, eram eventos que refletiam a lógica da divisão internacional do trabalho com
os “colonizadores” demonstrando sua supremacia sobre os “colonizados”. “Estes, como no caso do
Brasil, se esforçavam ao máximo para impressionar com suas características exóticas e seus
esforços no campo industrial, promovendo seu próprio desenvolvimento”.
73
Nos pavilhões franceses [...] a cultura eclética esforça-se de várias
maneiras em conferir dignidade e respeitabilidade às estruturas dos
engenheiros, sem uma forte convicção e com um crescente senso de
estranheza. Não é de maravilhar que a Exposição de 1889 e as
discussões levantadas tenham produzido, como reação uma onda
extrema de intransigente classicismo [...]. Retorna às revistas a
antiga polêmica sobre o uso dos materiais novos e sobre as relações
entre arte e ciência (Ibid., p.148).
74
4.2 – A EXPOSITION DES ARTS DÉCORATIFS ET INDUSTRIELS
MODERNES DE PARIS: O DÉBUT DO ART DÉCO
75
É a partir desse evento que medra uma derivação do Modernismo –
conhecido pelo nome de Art Déco20, derivado da Exposição que o divulgou
mundialmente, mas cunhado apenas na década de 60 do século passado –
desenvolvendo-se paralela à obra dos “verdadeiros” representantes do movimento.
Segundo Dennis Sharp (1972) essa produção, embora refletisse certas
características próprias do International Style, mantinha pouca relação com o
trabalho de seus arquitetos mais radicais.
Aqui será útil abrir parêntese para uma definição de estilo. É preciso
considerar que os produtos da arte sejam edifícios, objetos industrializados, ou obras
de arte, considerados como artefatos, ou seja, obras humanas, são condicionados
pelos conhecimentos e inspiração de seu autor, orientado pelas forças estéticas
dominantes e respaldado no conhecimento das técnicas de sua época, técnicas
construtivas no caso específico da arquitetura – daí não se produzir, por exemplo, o
gótico no século XIX, mas neogótico. Mesmo que o artista prefira se esquivar do
problema da estética dificilmente conseguirá fugir às exigências técnicas da
construção ou, em nossos dias e no caso de objetos utilitários, da industrialização.
20
Na época, numa demonstração da confusão que o público fazia com outros estilos e
movimentos ou, simplesmente, de personalidades e fenômenos coexistentes, ficou também
conhecido “como Stile Poiret (do modista Paul Poiret), Style Chanel (de Coco Chanel), Bauhaus (de
Gropius), Esprit Nouveau (de Ozenfant e Le Corbusier), Arte Holandesa (de Theo Van Doesburg,
J.J.P.Oud e Mondrian), Style Puiforcat (de Jean Puiforcat, prateiro e designer), Jazz Modern Style,
Paris 25, Style 1925, La mode 1925 e Arte Funcional, Futurista, Cubista ou Cúbica (no Brasil)”. A
exemplo do termo Art Déco, outras denominações só foram criadas recentemente, para identificar o
estilo regionalmente, como o Tropical Déco (Miami), Pueblo Déco, (sudoeste dos EUA) e Marajoara
Déco (Brasil) (CONDE; ALMADA, 2000, p.11).
76
Por tanto, el historiador de la arquitectura, al valorar un edificio por
sus méritos, lo relacionará en el tiempo con los edificios precedentes
y posteriores, y en el espacio con el contexto cultural del lugar en que
ha sido construido. Entonces es posible un análisis amplio que,
atravesando las fronteras nacionales, tenga en cuenta el intercambio
y la propagación de las ideas. Normalmente recibe el nombre de
“estilo” el conjunto de aquellas cualidades más obviamente
reconocibles de las obras de arte, de la obra de arquitectos o de un
grupo de edificios (SHARP, 1972, p.14).
21
Na realidade um e outro tinham em comum a intenção de renegar a herança do repertório
decorativo do passado, e procuravam “resolver valores plásticos através de elementos lineares e
cromáticos, acentuando a estruturação da forma e fundindo ornamento e objeto”. O Art Nouveau, por
seu empenho em criar um vocabulário totalmente novo e defendendo o uso do vidro e do ferro, foi
considerado um estilo de transição para o modernismo. E, por significar inovação em todos os lugares
onde se manifestou, recebeu nomes que sugerem mesmo essa associação: Modern Style na França,
Jugendstil na Alemanha, Stile Liberty, na Itália e Estilo Joven na Espanha. (CASTELNOU, 2002,
pp.27-28).
77
O estilo presente nos pavilhões, portanto, refletia as influências relacionadas
acima tanto na arquitetura –desta vez com construções muito menores, mas nem
por isso menos monumentais que nas Exposições Universais, pois seu objetivo
ainda era chamar a atenção – quanto nos objetos expostos pelas grandes lojas de
departamentos parisienses presentes na mostra, como a Bon Marché.
Diferentemente das feiras anteriores, estava também representado o trabalho do
artesão, não como curiosidade, mas como produto. A exposição, mais comercial que
industrial, mostrou uma maneira diferente de pensar a arte, não propondo uma volta
ao academicismo, o qual se propunha a superar, mas, o que foi considerado bizarro
pelos modernistas, “vestir” as estruturas da arte moderna com uma ornamentação
de padrões geométricos simples, não comprometida com os estilos históricos.
22
Na verdade, nem tão isolada assim, já que, segundo Aracy Amaral (1975, p.303), para essa
mesma exposição, Konstantin Melnikov projetara o avançadíssimo pavilhão da União Soviética, o
maior edifício construído do movimento construtivista russo.
78
Permitir que Le Corbusier mobiliasse o pavilhão segundo o cânone purista
23
dos objets-types – poltronas inglesas do tipo “club”, móveis Thonet (de Michel
Thonet, que se tornaria famoso como representante da cadeira Chaise Longue,
desenho de Le Corbusier) de madeira curvada, estantes de aço em substituição aos
armários com portas, deixando à mostra ainda outros objetos industriais, etc. –
parece ter sido um gesto deliberadamente polêmico por parte do Ministro das Artes
Charles de Monzie de combate ao movimento Art Déco:
23
Le Corbusier se considerava ele próprio um homem em consonância com o seu tempo.
Sua aparência pessoal era motivo de comentários freqüentes, “pois ele se esforçava por apresentar-
se como um homme-type de sua época, com as roupas escuras, chapéu coco, cachimbo e gravata
borboleta de um engenheiro” (BANHAM, 1979, pp.381-382)
24
Tambini (apud Castelnou, 2002, p.37) lembra que em 1922 fora descoberto o túmulo e o
tesouro de Tutankhamon por Howard Carter e pouco depois já se notavam os padrões egípcios na
joalheria e no mobiliário. “Surgiram reproduções de cadeiras, semelhantes a tronos, encontrados no
túmulo, e máscaras passaram a ser usadas para dar um toque exótico à decoração de interiores”.
Logo a moda repercutiria na Europa especialmente em jóias e edifícios para cinemas e em detalhes
como portas de elevadores, além de roupas, mobiliário e design gráfico.
79
culturas exóticas25. Outra fonte perceptível de influência – embora sem seu cuidado
projetual – é a obra do arquiteto norte americano Frank Lloyd Wright, com sua
volumetria limpa e cujo repertório ornamental já apresentava motivos da cultura
maia. O vocabulário estilístico desse amálgama de culturas tão diversas foi
reinterpretado a partir dos conceitos do modernismo e incorporado pelos artistas
Déco a toda sorte de produtos e edificações, com sucesso imediato de público,
talvez porque, conquanto adotasse linhas simples não abandonava inteiramente a
ornamentação, amenizando o choque causado pelos dogmas puristas das obras
modernistas.
Figura 4 - Frank Lloyd Wright: Residência Charles Ennis. Los Angeles –CA,1924.
(Fonte: PFEIFFER, 2004)
Afirma Castelnou (2002, pp.36-39) que “nisso residia, sem dúvida o sucesso
do Art Déco: renovava sem provoca desordem”, pois apesar de simplificar as linhas
25
Aracy Amaral (1975, p.88) relata a conferência proferida por Oswald de Andrade na
Sorbonne em 1923, em que o escritor faz o reconhecimento da atualidade do exótico na França e
declara: “Jamais foi possível sentir-se tão bem, no ambiente de Paris, a presença do tambor negro e
do canto do índio. Estas forças étnicas estão em plena modernidade”.
80
e planos dos objetos e de suprimir a decoração considerada inútil, mantendo-se
assim atualizado com as discussões modernas (como as de Adolf Loos no livro
Ornamento e Crime), permitia, geralmente “um ornato floral de escasso relevo e de
estilização geométrica”26. Além disso, “a elaboração complexa com técnicas
refinadas e ricos materiais” cuidava de evitar “a sensação de pobreza trazida pela
simplificação das formas”. Apesar disso, não permaneceu um estilo voltado à alta
sociedade, pois a indústria exigia a produção de objetos também acessíveis às
camadas populares e passou a utilizar materiais alternativos como o plástico, o
crômio e a baquelite, por exemplo, uma resina sintética muito utilizada em
brinquedos, ou substituindo a madeira, cara por conta da mão-de-obra especializada
e de modelagem limitada, em gabinetes dos rádios e outros aparelhos e objetos
utilitários domésticos.
Um dos ícones Art Déco, aliás, é o clássico cartaz desenhado em 1935 por
Adolphe Mouron Cassandre, premiado artista gráfico conhecido por seus enfoques
26
Os motivos florais, tão caros ao Art Nouveau não desaparecem, como se viu, apenas são
simplificados e transformados freqüentemente em cactos e palmeiras ou em “buquês compactos de
rosas”. “Outros temas recorrentes na iconografia Art Déco são os cachorros, lebres e cervos, sempre
em movimento veloz, os repuxos d’água, trampolins e banhistas, [...] as linhas onduladas e
aerodinâmicas, os cabelos ao vento, o sol nascente e os motivos geométricos (círculos, retas,
quadrados), todos banhados em luz branca, filtrada por vidros foscos” (CONDE; ALMADA, 2000,
p.11).
81
em maquinário e velocidade sempre enfatizados pela perspectiva e pela composição
inusitada, para o a luxuosa linha de transatlântico Normandie. Outro nome
conhecido nas artes gráficas n é o de Robert Bonfils que, além de ser um dos
organizadores, desenhou o cartaz para a Exposição de 1925, com formas simples e
cores poucas e chapadas contrapunham-se ao academicismo das Beaux Arts.
82
Figura 6 - Robert Bonfils: Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes
. 1925.
(Fonte: http://www.rom.on.ca/exhibits/artdeco/image_ROM2003_794_13.html)
83
silhueta e revolucionando a moda ao libertar o corpo feminino dos espartilhos e
armações que os estrangulavam há quatro séculos”. O estilista era, a exemplo de
seus colegas da Alta Costura, não apenas criador de um estilo, mas um verdadeiro
modelo de um estilo de vida, morando e trabalhando em casas que eram
verdadeiros cenários de um orientalismo indeterminado – depois copiados em filmes
populares – e dando festas deslumbrantes em barcaças (CASTELNOU, 2002, pp.46-
47). A pintora modernista brasileira Tarsila do Amaral se vestia com ele, em uma
atitude de “vanguardismo”, a ponto de Oswald de Andrade, amigo pessoal de Poiret,
defini-la, como a “caipirinha vestida por Poiret”, ressaltando “sua dualidade de moça
de interior altamente civilizada e sofisticada numa personalidade única em sua
suavidade” (AMARAL, 1978, p.29).
Essa imbricação do Art Déco com a arte moderna acompanhou sua trajetória
por muito tempo, sem que isso signifique que era aceita por todos, em especial pelos
modernistas, principalmente por se tratar de um estilo que se limitava,
essencialmente, à superfície dos objetos, sem se preocupar com a estrutura. Em sua
obra Perspectiva da Arquitectura Européia de 1943 Nicolaus Pevsner lastima a
torção que as linhas da arquitetura moderna sofreriam, já por volta de 1925, “para
um expressionismo em alguns aspectos semelhantes à Arte Nova (‘Art Nouveau’)”
(PEVSNER, 1947, pp.351-353) ou, ainda, um “expressionismo cubista”, como
denominou, à falta de melhor classificação na época. Cita, para exemplificar, entre
outros, a Chile Haus, projeto de Fritz Höger para a sede de uma companhia de
navegação em Hamburgo, na Alemanha, cuja esquina apresentava a forma de proa
de barco referida na citação acima, aqui usada como simbolismo evidente (e todas
as características do desenho estão em função desse símbolo). Sua queixa se
assentava na convicção de que o International Style abrigava todos os argumentos
lógicos para se apresentar como legítimo espelho do século XX, “o século das
massas e da Ciência”, porque “em perfeito acordo com a nova situação social e
industrial da arquitectura” e preparado para a árdua tarefa de reconstrução da
Europa do primeiro pós-guerra. Dessa maneira, apenas a Arquitetura Moderna,
através de seus criadores, “homens de grande coragem e determinação e de
admirável imaginação e espírito inventivo”, estava preparada para responder às
novas e urgentes necessidades da produção:
84
O novo estilo, com sua recusa em aceitar o trabalho do artífice e as
extravagâncias do desenho, é de grande conveniência para uma
clientela anônima; e as superfícies lisas e com um mínimo de
molduragens tornam-no indicado para a produção industrial de
peças. O aço, o vidro e o betão armado não ditaram o novo estilo,
mas pertencem-lhe (PEVSNER, 1947, pp. 351-352).
85
Figura 8 - Mies van der Rohe: Monumento a Karl Liëbknecht e Rosa Luxemburgo. Berlin, 1926.
(Fonte: SHARP, 1972)
Pevsner ainda chama a atenção para a obra de Erich Mendelsohn, um
arquiteto com enorme influência em sua época, bastante conhecido inicialmente por
seus esboços de arquitetura fantástica, “de intensa agressividade e um vago caráter
simbolista que se enquadra perfeitamente no movimento expressionista
contemporâneo”, segundo Benévolo (1976, p. 438), que prossegue afirmando que
ao contrário de muitos outros que projetavam uma “arquitetura imaginária, às vezes
em manifesto contraste com as possibilidades de realização”, este tem como
objetivo “preparar uma nova linguagem arquitetônica que tenha validade geral”.
Quando consegue transferir para a realidade as “visões súbitas” que dizia ter nas
trincheiras da frente russa, o resultado é extremamente vigoroso. Pevsner, no
entanto, é implacável:
86
Mais importante para o futuro [do que o capricho de Mies] foi o
expressionismo de Mendelsohn, na sua Torre de Einstein, construída
em 1920, em Potsdam, porque, lado a lado com seus muitos
projectos de 1914-1924 (que parecem ter sido influenciados por
Sant’Elia), deu o tom à corrente que se tornou tão funestamente
omnipotente no desenho industrial americano. Também na
arquitetura, as horizontais de Mendelsohn, passando
impetuosamente por esquinas arredondadas, foram imitadas
inúmeras vezes. [...] O estilo de 1914 [o modernismo],
temporariamente obliterado pelos fumos do expressionismo ganhou
novo impulso e passou em alguns países, a constituir o estilo aceite
[...]. Noutros países evoluiu para uma monumentalidade
semiclássica, mais aceitável para aqueles que eram demasiados
fracos para absorver os aspectos inconformistas ou que se sentiam
demasiado desejosos de agradar às massas ainda não afeiçoadas à
novidade (PEVSNER, 1943, p.353-355).
87
Figura 9 -Esquerda - Harry W. Weedon e Andrew Mather: Cine Odeon, Londres, 1937. Direita –
Andrew Mather: Cine Odeon, Chingford, Essex, 1935.
(Fonte: SHARP, 1972)
88
Já no início dos anos 1920, Le Corbusier, em um panfleto de sua revista
l’Esprit Nouveau, assim se referia ao estilo:
Figura 11 - Pierre Patout. Portão Monumental, Praça da Concórdia, Exposição de Paris de 1925
(Fonte: Guia da Arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro)
89
Figura 13 - Pavilhão da Primavera e o Bon Marché. Exposição de 1925, Paris.
(Fonte: http://www.retropolis.net/exposition/marche.jpg)
27
Conde e Almada (2000, p.9) estabelecem quatro períodos para as manifestações do Art
Déco: até 1925 deu-se sua formação e manifestções embrionárias. Depois, a partir do lançamento ao
público na Exposition des Arts Decoratifs até 1930, a divulgação e expansão mundial. De 1930 a
1940, a consolidação e o apogeu e de 1940 até 1950, as manifestações tardias.
90
continentes propiciada pelo avião, à expansão da imprensa, tanto jornalística como
de entretenimento, e ao cinema. Este pode ser duplamente considerado como um
importante divulgador do estilo seja com suporte físico para suas manifestações,
seja por exibir nas telas a cenografia luxuosa de palácios, transatlânticos, etc. Além
disso, o sucesso do Art Déco nos Estados Unidos, com marcante presença em
Chicago, Miami e Nova Iorque, onde estão seus mais célebres edifícios, pode ser
também atribuído à excursão que parte da mostra da Exposition Internationale des
Arts Décoratifs et Industriels Modernes de Paris fez pelo país durante todo o ano de
1926. A produção arquitetônica nos diferentes países, no entanto, sofreu várias
adaptações ou aclimatações a partir de influências locais, das quais
O edifício sede para a Chrysler em Nova Iorque, projeto de Willian van Allen,
de 1930, é considerado um dos maiores monumentos Art Déco no mundo,
expressando seu glamour na decoração interna e em suas formas. “Os pináculos
semi-circulares foram revestidos com metal Nircosta para criar superfícies brancas
brilhantes, que lembrassem platina, o metal preferido da joalheria contemporânea”
(STRINER apud CASTELNOU, 2002, p.40). Esse arranha-céu, juntamente com o
Empire State Building de 1931, o Rockfeller Center de 1935 e os interiores criados
para o Radio City Music Hall, de 1931, fez de Nova Iorque um dos maiores redutos
Art Déco fora da França (CASTELNOU, 2002, pp.39-40) e ajudou a construir sua
imagem de grande metrópole.
91
Figura 15 - Willian van Allen: Crhysler Building, Nova Iorque, 1930.
(Fonte: MATTHEWS. 1999)
92
de a população considerar que a intervenção “deixou os edifícios melhores que
nunca” (Ibid., p.55) talvez seja mais uma demonstração da flexibilidade do estilo.
93
mesmo sem que se pudesse esclarecer o que isso significava ou como se chegava à
condição de moderno”.
94
manifesto, International Style28, lhe impunha. Assim, quando “o estilo Art Déco [...]
domesticou a angularidade e abstração modernistas” (HOBSBAWM, 1998, p.185) e
serviu, num primeiro momento, de ponte entre o modernismo desejado e o
necessário nacionalismo, já que os enfeites de estilo egípcio e grego e as imensas
estátuas de homens musculosos montando guarda às portas dos edifícios-
monumentos, que caracterizavam o estilo na Europa e Estados Unidos, eram
facilmente cambiáveis em ziguezagues Marajoaras e estátuas de índios à entrada
dos prédios. Conde e Almada (2000, pp.10-14) interpretam esse intercâmbio com os
motivos marajoara, no Brasil, como o uma espécie de “aclimatação” do estilo ao
debate cultural em que estava mergulhado o país: ao encontrar a forte corrente
nacionalista dos grupos Nativistas, que se manifestavam em todos os campos da
arte, o Art Déco logo é adaptado a uma linha, com a qual facilmente se identifica, de
inspiração indigenista inventada por Edgar Vianna29, baseada nos motivos
decorativos geométricos e labirínticos da cerâmica dos índios da Ilha de Marajó, no
Pará, cuja cultura era anterior à chegada dos portugueses. Também incorpora
motivos em alto e baixo relevo e, embora mais raramente, estátuas representando o
índio, a flora e a fauna amazônica. Importante também foi o costume de hábito de
batizar os edifícios Déco com nomes indígenas.
28
Segundo Sharp (1972) o termo, bastante significativo, amplo e específico ao mesmo tempo,
ganhou repercussão ao ser escolhido como título do livro publicado em 1932 por Henry-Russel
Hitchcock e Philip Johnson. Por sua vez, fora tomado da exposição do ano anterior realizada no
então recentemente inaugurado Museu de Arte Moderna de New York e denominada “International
Style: Architecture from 1922.
29
Segawa (1998, p.61) atribui essa “invenção” ao pintor Theodoro Braga, estudioso dos
motivos da cerâmica da Ilha de Marajó, onde nasceu e que, no início da década de 30 do século XX
considerava que a saída para a arte brasileira seria mirar-se na experiência de nossos vizinhos latino-
americanos que adotavam desenhos pré-hispânicos como ornamentação.
95
nacional, expressa na adoção do Marajoara, por exemplo, permitindo que a
modernidade fosse construída pela continuidade e não pela ruptura, pode explicar
seu sucesso num país onde Estado e intelectuais estavam engajados na construção
da identidade nacional.
O caminho que une o Art Déco europeu com as primeiras obras do estilo no
Brasil, no entanto, é de difícil reconstituição. Conde e Almada (2000, p.15-17)
consideram a possibilidade de uma amálgama de influências entre os muitos
arquitetos estrangeiros que imigraram para cá imigraram, principalmente após a
Primeira Guerra Mundial, os profissionais que voltaram ao país após estudar na
Europa e, ainda, as influências indiretas proporcionadas pelo intercâmbio cultural
precário através de revistas de arte e arquitetura que divulgavam as novas idéias
artísticas. Outro componente importante foram as visitas para palestras e
conferências ou a trabalho, de importantes profissionais como os modernistas Le
Corbusier em 1929 e 1936, Frank Lloyd Wright, em 1931, e o urbanista pré-moderno
Alfredo Agache, que esteve no Brasil em 1928 a convite do governo do Distrito
Federal para elaborar um plano para a então capital do país. Embora o plano não
tenha sido executado de imediato, em função da eclosão da Revolução de 1930,
Agache foi o primeiro a introduzir no Brasil as discussões a respeito da cidade
industrial. Esse quadro ocorre justamente no período mais ativo de construções Art
Déco, começando no início dos anos 30, o que pode fazer pensar nas influências
mútuas entre os estilos.
96
Brasil toda produção que ocorre entre o fim do período barroco até a consolidação
do Modernismo. Segundo o raciocínio destes autores, o Art Déco estaria
classificado, juntamente com o Art Nouveau, tanto entre os estilos ecléticos como
entre o movimento moderno que visava superas as limitações do historicismo. Em
vez de um divisor de águas, o Art Déco se classificaria entre as últimas
manifestações do Ecletismo ao mesmo tempo que se enquadraria entre as primeiras
expressões do Movimento Moderno, o que explicaria seu caráter ambíguo. Seriam
ecléticas:
97
Obras Art Déco e sua variante Marajoara;
98
Figura 16 - Roberto Lacombe e Flávio Barbosa. Projeto de Residência Marajoara, 1939.
(Fonte: Guia da Arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro)
30
Ainda anterior seria a construção, em 1921 do Moinho Chaves, em Porto Alegre, projeto do
alemão Theo Wiedersphan. Era, porém um edifício industrial em que a sobriedade do programa
refletia-se no tratamento externo, com sua fachada marcada por pilastras que acentuavam sua
verticalidade, uma seqüência de janelas repetidas e apenas uma discreta linha de cimalha e desenho
de platibanda (SEGAWA, 1998, p.57).
99
Lembrando-se que naquele mesmo ano repercutia o sucesso de nosso
neocolonial na exposição internacional do centenário da independência, o fato
ganha mais importância e pode ser atribuído à iniciativa de um homem, bastante
polêmico à época (Ver Capítulo 2). Trata-se do engenheiro civil Roberto Simonsen, à
frente da Companhia Construtora de Santos, a maior empresa de construção civil do
país e cujas obras, a exemplo do cassino, apresentavam formas mais limpas, era um
dos onze brasileiros assinantes da revista L’Esprit Nouveau, publicada por Le
Corbusier entre os anos de 1920 e 1925. Mas se o fazia, parece claro que não era
por diletantismo. Defensor de primeira hora da industrialização e da entrada do
Brasil na Era da Máquina, via na racionalização a forma de conseguir o aumento da
produtividade e essa, por sua vez, a única maneira, de aumentar a renda do
operário brasileiro evitando assim os perigos da rebelião das massas.
100
Figura 17- Companhia Construtora de Santos: Cassino e Teatro Parque Balneário de Santos, S
P, 1922.
(Fonte: SEGAWA, 1998)
A Companhia Construtora de Santos foi a responsável pela imigração para o
Brasil, em 1923, do arquiteto Gregori Warchavchik, um dos outros onze brasileiros a
assinar a revista L’Esprit Nouveau, também ele um defensor da racionalização e da
tecnologia moderna na construção, no mesmo ano da construção do Cassino. O
russo nascido em Odessa, em 1896, e formado em arquitetura pelo Instituto Superior
de Belas Artes de Roma deixou a Itália já contratado pela empresa, onde viria a
trabalhar por cerca de dois anos31 (BRUAND, 1981, p.64).
31
Simonsen também empregou em sua construtora, na mesma época, outros dois pioneiros
da arquitetura moderna brasileira: Rino Levi e Jayme da Silva Telles. Para Segawa (1998, p.56), se
essa evidências pontuais não são suficientes para comprovar uma coerência de perspectiva
arquitetônica, a perspectiva industrialista do empresário dá indícios de “uma possível aliança entre a
apologia da indústria na arquitetura racionalista européia e a introdução de elementos inovadores na
arquitetura mediante a modernização da construção civil no Brasil das primeiras décadas do século
20”.
101
iniciativa, encaminha o artigo para tradução para o português e o envia para o jornal
carioca Correio da Manhã que o publica em 01 de novembro de 1925 “entre uma
coluna sobre moda feminina de Paris e propaganda de automóveis, sapatos e
produtos farmacêuticos” (BRUAND, 1981, p.64), tendo pouca repercussão a mais
que a tentativa anterior. Quando da primeira publicação, os editores do jornal Il
Piccolo, os editores precederam o manifesto Intorno All’Architettura Moderna com
uma pequena introdução intitulada Futurismo?, talvez tendo em vista a maior
familiaridade da população de imigrantes italianos com as idéia do movimento
lançado em 1909, por Marinetti, e também pela proximidade de seus conceitos com
os emitidos pelo jovem arquiteto russo. Após saudar a inteligência do autor e chamar
a atenção para a universalidade das questões colocadas tanto por envolverem a
habitação quanto a cidade, destacando a necessidade de maior racionalismo
construtivo e da limpeza formal das construções, a nota justifica:
102
‘exótica’ que pairava no ambiente cultural de então” e parecem ser “a mais antiga
proposição conhecida dessa tendência de tomar emprestado motivos pré-
colombianos no Brasil”. Antecederam mesmo o projeto de Flávio de Carvalho para o
concurso do Farol de Colombo em 1928 e parecem ter sido precursores de “um
formalismo que se seguiu ao esgotamento da voga neocolonial” (Ibid., pp. 60-61).
103
Figura 19 - Frank Lloyd Wright: Residência Alice Millard. Los Angeles –CA,1924.
(Fonte: PFEIFFER, 2004)
104
Aparentemente, Warchavchik tinha então as condições pessoais necessárias
para iniciar o que seria a nova arquitetura brasileira e, eventualmente, o fez. Nesse
primeiro momento, porém diversos problemas surgidos quando da construção de
sua primeira casa moderna, em 1927, um ano após deixar a Companhia Construtora
de Santos, não permitiram que ele expressasse na obra seu próprio discurso
modernizador, impedido pela falta de materiais industrializados e de mão-de-obra
especializada.
32
Certamente, Warchavchik pretendia se utilizar dos “cinco pontos da arquitetura
moderna”enunciados por Le Corbusier e publicados em 1926. Todos seriam possibilitados pela
técnica do concreto armado: os pilotis, que liberariam o terreno sob a construção; os tetos-jardim,
cuidariam de manter a temperatura e umidade constante sobre as lajes impedindo trincas e, ao
mesmo tempo, tornariam a cobertura mais um local agradável de permanência; a planta livre, que
libertaria um andar em relação ao outro com o fim das paredes de sustentação; a “fenetre en
longeueur”, com as janelas correndo de um lado a outro da fachada; a fachada livre, que seria
apenas uma membrana de paredes isoladas ou janelas, com o afastamento dos pilares na direção da
parte interna da casa (BENÉVOLO, 1976, pp. 431-434).
105
acima, renunciar ao teto-jardim, escondendo o telhado com uma platibanda, outras
soluções foram adotadas de forma contraditória com seus princípios:
106
Em pouco tempo era possível perceber na paisagem urbana brasileira um
sem número de edifícios que pareciam empenhados em refletir uma imagem otimista
dos novos tempos e traziam características em comum que os identificavam com a
estética Déco, muitos deles exclusivos de sua manifestação no Brasil. Abaixo,
alguns detalhes que permitem essa identificação:
107
Entre as obras precursoras, destaca-se o edifício projetado em 1928, na
Avenida Angélica em São Paulo, por Júlio de Abreu Júnior. O prédio residencial de
seis pavimentos caracterizava-se por não apresentar nenhuma decoração tradicional
– exceto por um ramo floral estilizado encimando o destacado volume vertical que
marcava duas fileiras de janelas – e pela composição assimétrica, com a fachada
“composta apenas pelos vazios dos terraços da sala e pelas paredes lisas de
fechamento dos banheiros, mais alguns vãos de ventilação e iluminação” (SEGAWA,
1998, p.57).
108
fachada entre o décimo-quarto e o décimo-sétimo pavimentos. O Déco se prestava
perfeitamente a uma arquitetura integrada à estrutura e, durante as décadas de
1930 e 40, ele predominaria na verticalização das cidades. De fato,
109
imaginário, revela a estilização no tratamento dos cabelos e do planejamento que a
recobre parcialmente (Ibid., 27-78).
110
Impulsionado pela meta de levar a escola elementar gratuita para
todos, Anísio Teixeira criou 5 programas básicos de escola de baixo
custo que deveriam servir de base às novas construções. Os
programas iam da "escola mínima" (com apenas duas salas, para
atender a pequenas comunidades) até o "programa completo" (com
espaços para serem utilizados por toda a comunidade) e sua
principal preocupação era, além do custo, o conforto térmico.
111
Para desgraça do Brasil, as grandes oportunidades arquitetônicas
surgiram como que por epidemia, depois da revolução. O momento
teria sido propício para se erguerem monumentos de arte,
condicionados às nossas peculiares exigências mesológico-sociais.
Estabeleceu-se um padrão ínfimo, miserável, a caixa d’água
envidraçada que se implantou em cada bairro a guisa de escola
municipal. O mesmo padrão pesteou a cidade, infiltrando-se nos
ministérios. Sob o argumento muito sedutor de que esse gênero de
arquitetura de baixa classe é baratíssimo, os homens do governo não
hesitaram em adotá-la. Quando tiver passada essa onda de
estupidez, olhando para os mastodontes de cimento onde se alojam
a preços de quitanda os nobres edifícios públicos, as gerações
futuras poderão em justiça julgar a vulgaridade da época em que
estamos vivendo (JOSÉ MARIANO FILHO apud SEGAWA, 1998,
p.66).
112
As profundas mudanças provocadas pela Revolução de 30 no país também
se fizeram sentir na esfera da administração pública como parte do esforço de
“reconstrução do país”, com o “reajustamento social e econômico de todos os rumos
até então seguidos”, conforme se podia perceber já no discurso de posse de Vargas,
no qual figurava,
113
Talvez primeira e mais importante tenha sido a adoção de uma lógica
de funcionamento claramente “industrial”, pautada na rigorosa
hierarquização das regiões e municípios, que definia o perfil, as
dimensões e a categoria de cada agência num sistema operacional
mais amplo. [...] A tradução dessa diretriz política de prestação de
um serviço e, ao mesmo tempo, de equipamento de cidades e
regiões de maneira sistêmica e hierarquizada, gerou, em termos
espaciais, arquitetônicos e urbanos, a consolidação de uma
verdadeira “arquitetura postal” (Ibid., p.101).
114
Figura 22 - Agência Postal dos Correios e Telégrafos. Quixeramobim, CE, 1932.
(Fonte: PEREIRA, 1999)
115
Figura 23 - Diretoria Regional dos Correios e Telégrafos. Curitiba, 1934.
(Fonte: PEREIRA, 1999)
Essa incorporação de caracteres tipográficos à arquitetura era pouco usual
antes da introdução do Art Déco. Conde e Almada (2000, p.106) referem que os
nomes e números de identificação dos prédios passaram a ser aplicados em posição
de destaque nas fachadas, geralmente sobre as portarias dos edifícios. Usualmente
utilizavam-se tipos sem serifa e podiam ser mesclados a motivos da flora e fauna a
que os nomes aludiam. Configuravam-se como um importante elemento de
caracterização, a exemplo da serralheria artística presente em portas e gradis, de
grande parte das edificações no estilo.
116
do centro para o ângulo do edifício, que passava a ser valorizado, recebendo
“torreões, cúpulas, pequenas marquises envidraçadas e escadas cuidadosamente
ornamentadas”.
Figura 24 - Rafael Galvão, Diretoria Regional da ECT (antigo DCT), São Luis - MA, 1932.
(Fonte: PEREIRA, 1999)
117
A autora salienta que essa arquitetura padronizada com características das
“tendências em voga no campo arquitetônico” tinha a intenção de criar um
paralelismo com a nova estrutura da DCT: “a modernização do país tornava-se
concreta e se confundia com a presença do poder público e com o perfil de cada
agência dos Correios e Telégrafos que ia sendo construída”.
Figura 25 - Christiano Stockler das Neves: Ministério da Guerra, Rio de Janeiro, 1935.
(Fonte: SEGAWA, 1998)
33
Lucio Costa foi convidado a dirigir a reforma em 1930 por Francisco Campos, à frente do
então recém criado Ministério da Educação e Saúde, por indicação de Rodrigo Mello Franco de
Andrade, também responsável pela criação em 1937 do S.P.H.A.N (Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional) (BRUAND, 1981, p.72).
120
Todo governo forte demanda pintura histórica: Tiradentes, 1ª. Missa,
Chegada de D. João VI. Portinari assumia o posto de pintor oficial.
Indiscutivelmente, no Ministério da Educação e na Pampulha, em sua
melhor fase, bastou ao artista a primeira colaboração com os jovens
arquitetos modernos para ser situado como o artista que melhor
expressava o seu tempo – no caso, monumentalmente (AMARAL,
1975, pp.315-317).
Figura 26 - Le Corbusier: Esboço para o Ministério da Educação e Saúde. Rio de Janeiro, 1936.
(Fonte: MINDLIN, 1999)
34
O próprio Bruand admite, no entanto, que Mina (Klabin) Warchavichik havia associado o
jardim tropical à arquitetura moderna já em 1928 na casa construída pelo marido.
122
contemporânea no Brasil, tenha sido a idéia de incorporar o emprego dos azulejos,
típicos da arquitetura colonial. Retomado com o movimento neocolonial, seu uso
havia sido recusado pelos arquitetos modernistas brasileiros que o encaravam como
um mero recurso decorativo comprometido com o passado, esquecendo seu caráter
funcional como proteção às paredes contra a excessiva umidade tropical. A
“genialidade” de Le Corbusier teria mostrado aos arquitetos nacionais essas
vantagens, além das possibilidades de expressão plástica, fazendo-os compreender
que a nova arquitetura não precisava necessariamente ser voltada para a
austeridade e que, quando os recursos do passado conservavam sua razão de ser
adaptavam-se perfeitamente ao espírito das construções modernas.
123
Graças ao resultado plástico e funcional do novo edifício, criava-se um novo
repertório formal na arquitetura brasileira. Com os mesmos recursos sendo adotados
posteriormente por outros arquitetos brasileiros, a valorização dos elementos
nacionais na arquitetura tornou-se uma prática usual, sendo inclusive reconhecida
internacionalmente. Segawa (1998, p.92) considera que aquela obra é o ponto inicial
de “uma arquitetura moderna de feitio brasileiro”, baseado nos desdobramentos
posteriores que confirmariam a afirmação, sobretudo no plano internacional, com
publicação em revistas da área e a organização de uma exposição fotográfica pelo
Museum of Modern Art (MoMA)de Nova Iorque em 194335 denominada Brazil Builds,
mostrando a nova e a tradicional arquiteturas brasileiras. O edifício sede do M.E.S.
foi fotografado com sua construção completada apenas externamente, mas o vice-
presidente do MoMA, Philip Goodwin já o usava como exemplo ao citar o país como
dono “dos mais belos edifícios do continente americano”(GOODWIN, 1943 apud
SEGAWA, 1998, p.101).
Segawa prossegue informando que a mostra parece ter sido motivada, além
dos motivos de interesse geopolíticos, pelo sucesso do pavilhão brasileiro na Feira
Mundial (título que sucedeu às Exposições Universais) de Nova Iorque de 1939,
projeto de Lucio Costa escolhido em concurso no ano anterior, e executado em
parceria com o concorrente que ficou em segundo lugar, Oscar Niemeyer. A obra de
uso efêmero (seria desmontada logo após a exposição) e que foi considerada um
dos pontos altos da feira, apresentava “alguns dos arquétipos que iriam doravante
povoar a arquitetura brasileira”, com destaque para a curva de inspiração barroca,
presente ostensivamente nas plantas do térreo e do andar superior. (SEGAWA,
1998, pp.95-96).
35
Ainda segundo Segawa (1998, pp.100-101), a mostra fazia parte da “política de boa
vizinhança” do presidente americano Franklin Roosevelt, a mesma que trouxe recursos para o Brasil
construir a Siderúrgica de Volta Redonda, que fez Walt Disney criar o Zé Carioca e que “exportou”
Carmem Miranda para os EUA, com o objetivo de angariar alianças para a Segunda Guerra Mundial.
Até então, o presidente Getúlio Vargas flertava alternadamente com os nazistas e os norte-
americanos. O prefácio do catálogo referia-se ao Brasil como “nosso futuro aliado”.
124
corresponder ao próprio tema da Exposição de Nova Iorque, que pretendia oferecer
“uma visão do mundo de amanhã”. Assim, ainda que tanto a forma como a técnica
necessariamente devessem se adequar aos princípios modernos, continuava a
permanecer como prioridade a conformidade com o caráter nacional sem que isso
significasse, dessa vez, uma imitação do passado. Bruand (1981, p.105) esclarece
que o próprio programa do concurso recomendava que essa conformidade fosse
obtida através da “pesquisa de ‘uma forma arquitetônica que pudesse traduzir a
expressão do meio brasileiro’”, mas que, preferencialmente, estivesse baseada nas
preocupações atuais para adequar-se ao tema da exposição.
126
5. CONCLUSÃO
Seu papel como agente transformador pôde ser avaliado, neste trabalho, pela
exposição das ações desenvolvidas por homens como Francisco Joaquim
Bethencourt da Silva, ao estabelecer no Rio de Janeiro a Sociedade Propagadora
das Bellas Artes, não só com o objetivo de preparar mão-de-obra capaz de atender
as necessidades da produção, mas também de formar o consumidor de suas
mercadorias. O texto deixa claro, porém, que as ações desses homens não devem
ser vistas como obras de “gênios iluminados”, mas, antes, como atos de indivíduos
que agiram como mediadores das necessidades da classe burguesa.
127
expressar espacialmente essa discussão que passou pela eleição, num primeiro
momento, do estilo neocolonial como o mais apropriado para realizar as expectativas
da sociedade. Ora, ainda que a arquitetura neocolonial conseguisse refletir uma
idéia de Brasil, o fazia ecoando o domínio lusitano, além de não ser adequada aos
novos materiais e processos construtivos. A modernização do país exigia uma
arquitetura moderna, de sua época, mas a que assim se denominava era por demais
abstrata para expressar uma identidade nacional. Nesse caso não pode ser
descartada a importância da arquitetura Art Déco, que toma para si o papel de
modernizadora sem descartar as preocupações nacionalistas, respondendo,
portanto, a uma necessidade específica. Mesmo que o Art Déco não tenha se
firmado como uma solução definitiva para os novos programas, materiais e métodos
construtivos ou mesmo que se opte por aceitá-lo como uma “moda passageira” ou
leitura equivocada das discussões presentes no movimento moderno, não se pode
negar o espaço que ocupou na história da arquitetura e mesmo da sociedade
brasileira. Isso foi demonstrado durante todo este trabalho, numa interpretação
diferente da encontrada na maior parte da bibliografia consultada, que considera o
estilo estudado apenas como um “estilo de fachada”, vazio de conteúdo ideológico e
de propósitos.
Quando o artista plástico suíço Max Bill esteve no Brasil em 1953 fez
violentas críticas ao edifício do Ministério da Educação e Saúde, em especial ao uso
do azulejo como elemento decorativo, declarando que “a pintura mural jamais tivera
outro sentido que o de educar as massas, tarefa que, em nossa época, havia se
transformando em apanágio dos jornais, das revistas e do cinema” (BRUAND, 1981,
p.93). A falta de conhecimento acerca das discussões internas relativas à construção
da identidade nacional, pode atenuar a impressão causada por uma tal declaração,
mas é incontestável que faltou ao crítico, em primeiro lugar, uma melhor formulação
quanto ao conceito de educação e, em segundo lugar, a consciência do papel que a
arquitetura e a arte em geral desempenham nesse processo. A força da arquitetura
como veículo de transformação social é inegável, até por sua inevitabilidade.
Parafraseando Bruno Zevi, você pode desligar o rádio e abandonar os concertos,
não gostar do cinema e do teatro, não ler um livro e se recusar a freqüentar os
bancos escolares, mas não pode ficar indiferente ao edifício que se ergue à sua
frente, pleno dos valores da sociedade em que se manifesta.
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