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Difusionismo: correntes
antropológicas do século XIX
Correntes teóricas predominantes no final do século XIX, lançaram bases para o desenvolvimento da antropologia como uma
disciplina acadêmica autônoma.
Em um ambiente teórico confuso com as ideias de poligenia, racismo científico e criminologia determinista, o
evolucionismo e o difusionismo apresentaram os primeiros discursos coerentes sobre a humanidade e sobre uma
explanação para cultura.
PARTE II – DIFUSIONISMO
O difusionismo — similarmente ao evolucionismo cultural — foi uma abordagem diacrônica para explicar a
diversidade da cultura. Os dados sobre as diferenças entre os povos acumulados exponencialmente desde as grandes
navegações não possuíam coerência. Enquanto o evolucionismo tentava explicar essas variações pelos diferentes
estágios que supostamente a humanidade passaria (mas sem esclarecer como passava de um estágio a outro), o
difusionismo pressupunha uma falta de inventividade. As grandes invenções teriam local de origem certa e se
propagariam por difusão, migração, apropriação, aculturação ou assimilação, depois adquirindo conotações locais.
Essas teorias ganharam corpo no final do século XIX entre antropólogos de língua alemã, mas teve seu auge entre
1910 e 1925. Apesar da cronologia, seus temas, métodos e pressupostos pertencem mais ao século XIX que ao século
XX. Logo, abordagens sincrônicas a substituiriam como paradigmas na antropologia.
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In uências
Conceitos de Volkskunde (ciência da nação) e Völkerkund (ciência das nações): essa distinção entre
povos de língua alemã delineou o interesse para estudar sistematicamente outros povos além do folclore
local.
Lendas e especulações de contatos transoceânicos: quando os europeus encontraram civilizações com
tecnologias complexas nas Américas, Ásia e África sub-sahariana foi dificultoso admitirem a igualdade
entre eles e esses “bárbaros”. Logo surgiram explicações mirabolantes: continentes submersos, fenícios
viajantes, cidades desparecidas e tribos perdidas de Israel. Embora povos como os malaio-polinésios e os
vikings fizeram longas viagens transoceânicas, foram exceções. A semelhança entre estruturas, como as
pirâmides, ao redor do mundo, resultaram de invenção independente. Todavia, no século XIX essas
teorias reacenderam-se, contribuindo para alimentar o difusionismo.
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Análise difusionista
Fontes de dados:
Métodos:
Temas:
Conceitos:
Traços culturais: unidade de análise. Pode ser um fonema que possua variações geográficas, formas de
remos, parâmetros narrativos de mitos, dentre outros.
Círculo de Cultura: ou Kulturkreis, são modelos de propagação concêntricas (como as ondas formadas ao
lançar uma pedra em um lago) de difusão cultural.
Área de cultura: são grandes áreas dotadas de traços culturais comuns,
Transmissão cultural: por contato entre diferentes por povos devido a migração ou aculturação
(assimilação ou integração); e por trocas de traços culturais por contato ou difusão (um telefone sem fio,
sem deslocamento populacional) empréstimo e apropriação cultural.
Escolas e Autores
O difusionismo não foi uma tendência monolítica. As diferentes escolas possuíam métodos e teorias explicativas
distintas:
Difusionismo Germânico
Decorrente da linhagem de eruditos em contato com Adolf Bastian e Ratzel. Essa escola admitia a origem múltipla
de vários traços culturais que se propagavam por mecanismos diversos. Todavia, há elementos etnocentristas, como
a teoria de Frobenius que deveria ter existido uma civilização branca na África austral, pois a organização militar
era muito avançada entre povos como os zulus.
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Leo Frobenius (1873—1938): propôs o conceito de Kulturkreis e de morfologia cultural. Esse africanista
utilizava o conceito de paideuma, uma interpretação totalizante (Gestalt) para criação de significados
culturais.
Fritz Gräbner (1877—1934): autor do Methode der Ethnologie (1911) que serviu por anos como guia para a
pesquisa de campo dos antropólogos difusionistas.
Bernhard Ankermann (1859-1943): foi um dos principais opositores do evolucionismo unilinear.
Paul Kirchhoff (1900—1972): americanista que aplicou os conceitos de círculos culturais na
Mesoamérica.
Adolf Ellegard Jensen (1899—1965): investigador da formação de cosmovisões (Weltbild) com
fundamentos difusionistas.
Wilhelm Schmidt (1868 —1954): padre católico investigava a origem e difusão da religião. Transformou
a Sociedade do Verbo Divino, os padres verbitas, em uma rede de padres-etnógrafos. Sua teoria do
monoteísmo primitivo (Urmonotheismus) foi controversa, mesmo assim a qualidade dos trabalhos
mediados por ele e publicados em sua revista Anthropos fez que ganhasse respeito. Publicou em 12
volumes Der Ursprung der Gottesidee (1912-1955).
William James Perry (1868—1949): baseado na University College de Londres, propôs em Os filhos do
sol (1923) que o heliocentrismo, a religiosidade centrada nesse astro, surgiu no Egito e foi o principal
veículo para a propagação da cultura civilizada.
Augustus Henry Lane Fox Pitt Rivers (1827-—1900): militar e arqueólogo, genro do evolucionista John
Lubbock, criou o museu que leva seu nome em Oxford.
William Halse Rivers Rivers (1864—1922): psiquiatra de Cambridge, participou da Expedição ao Estreito
de Torres e fez trabalho de campo entre os Todas na Índia.
Alfred Cort Haddon (1855—1940): biólogo e fundador da escola de antropologia em Cambridge.
Participou da Expedição ao Estreito de Torres.
Grafton Elliot Smith (1871—1937) arqueólogo e anatomista vinculado à Universidade de Cambrigde.
Expoente do hiperdifusionismo egípcio.
FitzRoy Somerset, Lord Raglan (1885—1964) em seu How Came Civilization (1939) propôs um
hiperdifusionismo com gênese na Mesopotâmia.
Mescla de nacionalismo e religiosidade católica. Inspirados na obra de Antonio de León Pinelo (1589–1660) que
argumentava ser a Amazônia boliviana o berço da humanidade.
Emeterio Villamil de Rada (1804–1876) diplomata e filólogo boliviano para quem o paraíso terrestre
seria localizado em Sorata e que o aymará era a língua original do homem.
Florentino Ameghino (1854–1911) paleontólogo argentino monogenista. Dos restos humanos
encontrados em Arroyo de Frías, na Patagônia, postulou a existência do Homo Pampeanus publicada no
La antigüedad del hombre en el Río de La Plata (1880).
Difusionismo Mitigado
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Várias formas de difusionismo que aproveitavam alguns aspectos dessa teoria, mas que negavam ser única ou
principal forma de mudança cultural ou a existência de um único centro difusor da cultura.
Escola das áreas culturais, nos Estados Unidos Franz Boas aproveitou mais os métodos que a teoria do
difusionismo alemão. Treinado em geografia e influenciado por Ratzel, Boas pretendia documentar
traços culturais em uma área circunscrita; entretando, rejeitava os macro-esquemas teóricos do
difusionismo, preferindo interpretar os dados com o particularismo histórico. Dois de seus
discípulos, Clark Wissler e Alfred Kroeber, aprofundaram no conceito de áreas culturais, aplicando-o na
classificação dos povos indígenas norte-americanos. Na falta de categoria melhor, o trabalho do francês
Paul Rivet (1876—1958) talvez caiba aqui. Rivet estudou a difusão linguística indígena na América do Sul
e propôs a origem múltipla (via Oceania e Melanésia, além da hipótese do Estreito de Bering) da
população indígena americana.
Estrutural-Funcionalistas: as obras tardias de E.E. Evans-Pritchard e o trabalho de Arthur Maurice
Hocart (1883—1939) contém alguns elementos de um difusionismo mitigado. Evans-Pritchard a partir dos
anos 1950 passou a ver a antropologia não como uma ciência natural ou biológica, mas como ciências
sociais que explicava as mudanças culturais com base nas trocas entre povos que em leis biológicas.
Hocart combinava o difusionismo, evolucionismo e historiografia conjectural para formular explicações
que se assemelham (e antecedem) ao estruturalismo.
Neo-evolucionistas: nos anos 1930 antropólogos principalmente nos EUA como Leslie White Steward,
Gordon Childe e Alexander Lesser propuseram uma síntese entre evolucionismo, funcionalismo e
difusionismo. Os processos evolutivos seriam multilinear, em contraposição ao evolucionismo unilinear
dos evolucionistas do século XX, e suas transformações decorriam da adaptação ao ambiente e trocas
entre diferentes grupos culturais.
Verbitas: após W. Schmitt, vários padres verbitas continuaram a pesquisa sobre a Urkultur, com
variáveis níveis de aceitação de teorias do Urmonotheismus, dentre eles os padres Wilhelm Koppers
(1886—1961), Paul Joachim Schebesta (1887—1967) e Martin Gusinde (1886—1969).
Difusionismo marginal
Com exceção das formas mitigadas de difusionismo, desde os anos 1930 essa macro teoria caiu em desfavor da
academia estabelecida. Todavia, sobrevive em modalidades marginais, às vezes tidas como pseudo-ciência, como as
teorias dos fenícios, gregos ou romanos nas Américas, continentes perdidos da Atlântida e Lemúria ou as viagens de
circunavegação de Zheng He. Essa arqueologia popular ganhou um momento durante os anos 1970, sendo hoje
relevada aos compartimentos de teorias da conspiração e forteana. Os principais expoentes foram:
Cyrus H. Gordon (1908—2001): proponente de uma difusão civilizatória dos semitas, especialmente
através dos fenícios que chegaram até ao Brasil e que havia monumentos em hebraico no Oeste
americano.
Bernardo de Azevedo da Silva Ramos (1858 — 1931): polímata amazonense que em seu livro Inscrições e
tradições da América Pré-Histórica (1939) argumentava que a Pedra da Gávea no Rio continha uma inscrição
fenícia.
Ludwig Schwennhagen (fl.1900—1928): professor austríaco radicado em Teresina e via na formação
geológica das Sete Cidades uma cidade perdida dos colonizadores do velho mundo.
Apollinaire Frot (fl.1920—1930?): um engenheiro francês estabelecido na Bahia para quem os egípcios
vieram à América do Sul, onde formaram um império da Bolívia à Bahia.
Thor Heyerdahl (1914—2002): aventureiro norueguês que fez a expedição Kon-Tiki (1947) para
demonstrar a possibilidade de contato entre os incas e os polinésios.
Críticas
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Embora seja aceitável que traços culturais se difundam, o difusionismo falha em explicar por que alguns traços se
propagam enquanto outros não.
A antropóloga Hortense Powdemaker fazia seu doutorado na London School of Economics nos anos 1920 quando
dois professores do vizinho University College London, Grafton Elliot Smith e W. J. Perry, a convidaram para
discutir sua tese sobre a natureza da liderança nas sociedades ágrafas. Depois de explicar sua pesquisa, Grafton
Elliot Smith teria perguntado:
Powdemaker disse que não estava interessada em investigar a origem da liderança, para horror de Smith e Perry.
Essa anedota retrata a transição teórica quando os paradigmas diacrônicos do evolucionismos e difusionismo
deixaram de ter sentido. A falta de provas históricas, arqueológicas e etnográficas desacreditava as especulações
das teorias de evolucionismo cultural e difusionismo. Desde então, a busca pelo momento exato da origem das
instituições e os caminhos certos de sua propagação — temas que não são falseáveis — deixaram de ser objeto da
antropologia.
Legado
O difusionismo deu suas contribuições nas teorias de mecanismos de alterações culturais, além de etnografias
detalhadas, especialmente feita por investigadores ligados à revista e instituto Anthropos. Entretanto, enquanto
teoria, sua validade permanece mais como uma curiosidade histórica na antropologia.
SAIBA MAIS
BARNARD, Alan. History and Theory in Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
BARTH, Fredrik (ed.). One Discipline, Four Ways: British, German, French, and American Anthropology. Chicago: University
of Chicago Press, 2005.
GUIMARAES, Lucia Maria Paschoal. ; HOLTEN, Birgitte. “Desfazendo as ilusoes: O Dr. Lund e a suposta presenca
escandinava na Terra de Santa Cruz”. Locus, Juiz de Fora, v. 3, n.1, p. 32-44, 1997.
LANGER, Johnni. A Cidade Perdida da Bahia: mito e arqueologia no Brasil Império. Rev. bras. Hist. 2002, vol.22, n.43,
pp.126-152. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882002000100008
HARRIS, Marvin. The Rise of Anthropological Theory. A History of Theories of Culture. Crowell, New York, 1968.
POWDERMAKER, Hortense. Stranger and Friend: The Way of an Anthropologist. New York: W. W. Norton, 1966.
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TRIGGER, Bruce. Time and Traditions: Essays in Archaeological Interpretation. Edinburgh: Edinburgh University Press,
1978.
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