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O rio Nilo trespassa o Egito do sul ao norte. Da fronteira do pobre Sudão ao delta - nas
proximidades do Cairo,- até a cidade de Alexandria, cujo nome homenageia o invasor e
grande guerreiro grego. A idéia que haurimos da Bíblia e conhecemos na pia batismal de
que a água é fonte de vida tem no Egito sua expressão maior. O Nilo é como uma
serpente no deserto. Suas margens são férteis mas apenas em vinte quilômetros de
largura, mais ou menos. Depois, o deserto, como o Saara.

O país, a despeito de ser um dos sítios mais visitados do planeta e portanto de contar com
recursos do mundo inteiro, tem problemas estruturais, doutrinários e culturais dramáticos.
Comecemos pelos problemas estruturais. Não é fácil nem barato edificar no nada. Dom
Hélder Câmara escreveu um livro intitulado “O deserto é fértil”, muitos anos antes de Israel
e seus projetos agrícolas o demonstrarem. Dom Hélder naturalmente referia-se a outro
tipo de deserto, nas areias da alma. A construção de uma nova represa em Aswan, com a
formação do Lago Nasser, um dos maiores reservatórios de água doce do mundo, foi um
passo libertador. Corria o tempo de Gamal Abdel Nasser, o maior líder moderno do mundo
árabe, o revolucionário que expulsou ingleses e franceses e nacionalizou o Canal de
Suez, cuja construção endividou tremendamente o Egito e significou a morte de mais de
cem mil trabalhadores. Nasser deflagrou o fim do colonialismo mais escancarado, dando
péssimo exemplo, digamos assim, aos olhos dos dominadores. Sua fama ultrapassava as
fronteiras egípcias. Suas visitas a nações irmãs arrastaram multidões, que cercavam o
automóvel que o conduzia, quase impedindo sua marcha. Era o líder que faltava num
mundo árabe explorado e desunido. O ocidente contra-atacou, manchando a biografia de
Nasser com falsas acusações e com a ajuda de Israel o atraíram para uma guerra que
perderia, lançando o país numa crise econômica duradoura, que até hoje repercute. As
guerras custam muito em todos os sentidos e quem as perde ainda paga indenizações.
Quando não perde territórios, como o Egito perdeu o Sinai, que só recuperaria muito
depois nos acordos de Camp David. De qualquer forma, construir uma represa e gerar
energia é apenas a condição inicial básica para que o país possa se desenvolver. Mas não
tira da miséria, por exemplo, os agricultores ao longo do Nilo. Gente muito pobre que vive
em moradias precárias, sob sol escaldante e horizonte com cenho fechado.

Quanto aos problemas doutrinários há que pensar na enorme disruptura entre dois
mundos em um mesmo país. A história do Egito antigo - dos faraós, de que se orgulham
legitimamente os nativos,- tem no seu alicerce um modo de vida pudico mas ambientado
ao calor extremado. Não se vê em estátuas ou pinturas uma indumentária exagerada.
Porque não é fácil suportar as altas temperaturas durante quase todo o ano, sobretudo na
metade sul do país. Mais tarde o Egito teve influência cristã, que se prolonga até hoje pela
minoria copta, respondendo por boa parte da elite intelectual. Há muitos séculos, porém, o
país é dominado por ampla maioria muçulmana, com mesquitas sem fim e práticas
estranhas a um mundo torturado pelo calor. As mulheres andam cobertas dos pés à
cabeça e os homens usam túnicas, como se o passado estivesse congelado. Quando se
vê uma foto qualquer de uma escavação arqueológica do século XIX parece possível que
um cidadão que está ao seu lado, agora, numa rua do Cairo, mais de cem anos depois,
tenha participado daquela foto, tal o atraso que a indumentária exsuda.

O islamismo tem forte influência política e responde em grande parte por esta âncora
conservadora que deixa o país no passado, impedindo que o barco ande nas águas da
modernidade. Mas há uma incoerência dramática. Aparentemente tão devotados ao alto,
os egípcios não fazem nada sem dinheiro. Músicos à entrada de um restaurante, por
exemplo, tocam por trinta segundos, se muito, e estendem a mão. Nos banheiros, então,
pobre daquele que não dispuser pelo menos de uma moeda. Neste ambiente um tanto
bruto, desfrutamos de um prazer impensável três décadas atrás. Voamos entre Aswan e o
Cairo numa aeronave Embraer 170. Correndo algum risco, antes de decolarmos disse aos
europeus que se tratava de avião brasileiro. Não desapontou. Estamos longe do deserto.

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