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GIORDANO BRUNO
O PROFETA DO UNIVERSO INFINITO
Giordano Bruno era um pensador genial à frente no tempo, tan- po, porém, perdura igualmente como um aviso, para que uma
to, que se considerava um dos “Mercúrios” enviados à Terra na- infâmia assim, não se repita nunca mais. A intuição subversiva,
queles períodos estabelecidos e inspirados numa visão profética dessa ou da infinitude do universo nasceu nele, através, do conhe-
da humanidade e universo. Como todos os seres dessa estirpe, foi cimento das antigas doutrinas herméticas, egípcias, gregas, que
e será sempre odiado por aqueles homens mesquinhos, invejosos continham desde sempre, o embrião e os princípios geradores da
de tudo aquilo que não conseguem entender, fechados nos seus concepção “infinitista”. Mas, o filósofo infunde em tudo seu ini-
obtusos “particulares”, que temem ver tudo desaparecer na pre- gualável ardor intelectual. No momento em que, “ à luz de Co-
sença da imensidão. Era um homem que conhecia o próprio va- pernico” vem dar sustentação às suas ideias, então se escancarou
lor e respeitava os do outro, o verdadeiro, não aquele estabeleci- diante dos pés do pequeno frade dominicano, a imensidade de
do pela tradição e conveniências. Era um homem que dizia “pão Deus. Assim, como desse universo de Deus no Universo, onde so-
ao pão e vinho ao vinho”. Era um homem que amava a vida em mos a sombra, o negativo que somente por meio de um processo
todos os seus aspectos e em todas as suas manifestações reconhe- de “inversão intelectual”, contemplamos a imagem positiva do
cia a expressão do divino. E era com certeza, o inimigo im- Todo. É o jogo dimensional no tempo e no espaço sempre presen-
placável e convicto de que todos “aqueles homens estúpidos e te em Bruno, é a vicissitude universal: “... Se a mutação é verda-
desprezíveis, aqueles que não reconhecem nobreza, a não ser on- deira, eu que estou na noite espero pelo dia, e aqueles que estão
de reluz o ouro, o tilintar da prata, e o favor de pessoas similares, no dia esperam pela noite, tudo aquilo que é, ou é aqui ou lá, ou
tripudiam e aplaudem” (Oratio Valedictoria). Foram estes os ideais é perto ou longe, ou agora ou depois, ou cedo ou tarde.” (Cande-
que perseguiu por toda a vida, até a extrema consequência: a fo- laio). Frequentemente, acentua-se o fato que as suas ideias repou-
gueira da Piazza Campo de’ Fiori. Este triste epílogo, teria sido sam somente na intuição, certamente genial, mas não com a
até mesmo inevitável, pela forma como tudo andava naquele tem- aprovação do emergente espírito científico, pela falta de qual-
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quer “matematização”. No entanto, é justo aqui a grandeza de cosmos, além de cada instrumentalização. E nesta ótica, procuro
Bruno, tudo que faz dele um verdadeiro profeta, o fascínio da contar a você leitor, a experiência terrena deste gigante do pensa-
sua complexa personalidade, do culto da magia natural e sua mento.
mnemotécnica. Todas atividades evocadoras e precursoras dos
avanços de modernos desenvolvimentos. Quando, em setembro
de 1599, pressionado pelas intimações do Santo Ofício, que bem
havia intuído as devastadoras implicações da sua filosofia, deci-
diu não abjurar às fortalezas dessa. Pois, o seu espírito não era
aquele de um mártir, mas de um pensador iluminado e coerente
até ao extremo. A sua experiência terrena nos dá uma direção,
um método, um ensinamento, que vai além das contradições,
distorções ou obscuridade da sua obra. Uma inestimável herança
que o Nolano deixou a todos os homens de pensamento livre. O
leitor contemporâneo encontra nele o estímulo a iluminar, inces-
santemente, essa realidade, que por ser “sombra profunda”, po-
de ser conhecida por todos, com a aplicação e o estudo, e supera-
da através de um esforço “heroico”, capaz de nos revelar o divi-
no, que temos em nós. Purificado da escória das disputas teológi-
cas, que pouco o interessaram, Bruno espera ainda hoje ser lido, Assinatura próprio punho de Giordano Bruno
julgado e entendido por sua filosofia, a visão da natureza e do
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Capítulo 1
O Nolano
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são compostas de pequenas e as pequenas por pequeníssi-
mas. É o complicado que se explica, Deus que se faz natu-
reza, a luz que se faz sombra e vice-versa.
✦ No sugestivo cenário de Cicala, as experiências e aventu-
ras juvenis estimulavam a sua fantasia, alimentando uma
vocação inata à intuição cósmica, a projeção da faculdade
imaginativa e cognitiva, muito além, das formas e das
aparências.
✦ Quantas vezes sentado sob as muralhas do castelo e à som-
bra de uma castanheira, admirei lá do alto aquele inesque-
cível pôr-do-sol pintar de vermelho o céu, destacando ao
fundo da imensa planície, a negra forma do Vesúvio. Os
raios de sol se irradiando nas brechas, entre as ruínas proje-
tavam nas paredes fantásticas imagens animadas. Contem-
plando aquele espetáculo sentia que não estava sozinho na-
quele instante. Percebi as inumeráveis presenças que povo-
am a imensidade do universo e as correspondentes mágicas
dos elementos, porque também nós somos céu para aqueles
que são céu para nós. Nesse, como em outros mundos infi-
nitos, o espírito flutua de uma matéria a outra, regulado pe-
las mesmas leis, permeado pelo mesmo instinto vital. A face de Giordano Bruno
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“ NA S C I D O S O B O M A I S B E N E VO L E N T E C É U ”
Os anos de formação
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igreja forte e bem organizada. Sobretudo, depois de ter con- construção da minha filosofia passam por uma vida, anos
hecido as outras no decorrer da minha peregrinação, sinto de estudos. Muitos autores, heréticos ou não: pude ler
que essa permanecerá basicamente a melhor. A única por- Erasmo, porém admirei Aquinate. Interessei-me pela here-
tadora de um carisma e uma estrutura capaz de compor sia de Ario e também amei o divino Cusano. A religião nun-
sob o comando de um único líder e guia as diferenças reli- ca foi o meu principal problema e andei por todas as
giosas. Ainda que, o viver dos religiosos não fosse mais co- igrejas, onde encontrei asilo, católico ou protestante, calvini-
mo aquele dos apóstolos, a igreja ainda tinha poder e in- sta ou luterano. O conceito de igreja tinha justificativa para
fluência, capaz de realizar o projeto do irenismo, a paz mim somente sob a ótica da paz, da concórdia entre as pes-
ideológica entre os povos. Bastava abandonar aquele dog- soas. Bastava para mim poder continuar a cultivar as min-
matismo intransigente e deixar que os problemas teológicos has ideias filosóficas. Para isto, resistia até quando aceita-
e filosóficos fossem geridos por uma casta sacerdotal ilumi- vam minha adesão formal às várias religiões e deixavam-
nada. Enquanto, o clero retornasse a pregar a mensagem me difundir o meu pensamento.
evangélica para manter o povo na paz e na concórdia. Nu- ✦ Deve admitir, que a sua intolerância às regras, mal se adap-
ma industriosa tranquilidade, sem o envolvimento com as tava à vida monacal. A diplomacia não era por certo o seu
disputas doutrinárias, que criam somente ódio e divisão. forte.
✦ Isto entendeu, quando em pleno processo afirmou falar co- ✦ Certa vez, num dos raros momentos de relaxamento em S.
mo filósofo e não teólogo? Domenico, em que nos concediam a nós noviços e então,
✦ Não me interessava discutir sobre uma divindade, a qual, jogávamos com o livro da sorte para verificar o nosso desti-
não podemos verdadeiramente conhecer, a não ser como no. Quando foi a minha vez fui abençoado com um verso
sombra ou vestígio. A minha sede de conhecimento e a de Ariosto: “De cada lei inimigo e de cada fé”.
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“ NA S C I D O S O B O M A I S B E N E VO L E N T E C É U ”
Frei Giordano
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na nuca e caminhava ligeiro ao meu lado, pegando minha ✦ Aquele inverno frio de solidão e reflexão foram, desta for-
mão. Como se a tivesse vendo subir entre as altas castanhei- ma, decisivas para as tuas decisões futuras?
ras, pisoteando os ouriços, afundando os tornozelos bran- ✦ Um dia, enquanto sentava na pequena guarita de pedra,
cos em uma cama barulhenta de folhas mortas. Sem fôlego, perto da porta da ponte levadiça e imerso nas leituras do
pelo cansaço e emoção chegava ao topo, naquele que deve- amado Tomaso, senti ouvir uma voz: “Fica entre nós,
ria ser um pátio circundado de muralhas e torres decora- irmão Giordano, fica na tua igreja. Não deve dar ouvidos
das. Parecia mesmo, que estava em cima do Monte Cicala, ao demônio do conhecimento, mas resistir às tentações da
entre as ruínas do castelo. Aqui, porém, a planície lumino- heresia. Humilha o teu orgulho. Faz penitência por estes
sa era mais longe, sobre o desfiladeiro estreito, como se Ge- teus pecados de presunções e renuncias ao insano projeto
rione fugisse carregando-me na garupa, para adentrar na de propagandear as tuas loucas teorias. Os teus grandes do-
escuridão do vale. Um presságio de distanciamento como tes de inteligência, prometem a você um grande futuro e a
um isolamento num exílio sem retorno. possibilidade de alcançar os mais altos cargos eclesiásticos.
✦ Em direção ao norte, além dos negros relevos dos montes A igreja protegerá você e recompensará os seus méritos
Romanella e Ripalta, esperava o desconhecido. Foi a últi- com uma vida de conforto e de glória”. Aquelas palavras,
ma ocasião, que contemplou o mundo do alto e com distan- ouvidas de joelho com o rosto entre as mãos, em sinal de
ciamento. Em seguida, foi lançado por eventos de um lugar reverência com “o divino Aquinate”, não fizeram senão re-
a outro e não conseguiria mais fazê-lo, a não ser em fanta- forçar os meus propósitos. Não era aquele gênero de
sia. Até o dia em que viu teu corpo longe queimar, enquan- honras que me interessavam. Senti dentro de mim, forte, a
to tua alma ascendia com a fumaça ao paraíso. certeza de estar no caminho justo e de não poder renunciar
✦ Avistava embaixo de mim a igrejinha com o pequeno sino, em seguir a estrada da verdade, mesmo que, essa conduzis-
onde recém tinha celebrado a eucaristia e como sempre se à ruína. Mais uma vez, estava envolvido e inebriado pelo
estava fascinado pelo jogo de proporções e a sensação da infinito. Em pé, abri os braços embaixo do amplo manto
relatividade em tudo. Senti ainda, o gosto na boca do vi- branco e abracei com o olhar, pela última vez, aquele
nho e do pão sacrificial, mas não estava satisfeito o meu de- espetáculo. Adeus Cicala! Adeus Gerione! Adeus àquela
sejo de contato com o divino. Uma profunda insatisfação paz, as tranquilas jornadas de estudo e de contemplação. A
me assalta em relação aos correspondentes universais que minha missão de Mercúrio aguarda-me: estou pronto para
percebi lá em cima, na presença da imensidão. enfrentar o meu destino de humilhação e de morte.
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“ NA S C I D O S O B O M A I S B E N E VO L E N T E C É U ”
A fuga
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formalmente ao Calvinismo e foi matriculado como docente o recrudescimento das lutas religiosas entre católicos e hugue-
na Universidade local, em maio de 1579. Em agosto, porém, notes o obrigou a trocar de ares, mas também influencia pro-
publicou um pequeno livro, onde evidencia bem claro, vinte vavelmente na decisão e convicção de estar pronto para ou-
erros cometidos durante o decorrer de uma lição, pelo titular tros palcos mais prestigiosos.
da cátedra de filosofia, Antoine de la Faye, e foi denunciado
pelo mesmo, por difamação. Preso, processado e imposto a
ele “deffence de la cène”, a proibição de participar da Eu-
caristia, que de fato equivalia a uma excomunhão. Para obter
o perdão, Bruno devia admitir a sua culpa e deixar Ginevra.
A sua inquietação e intolerância aos dogmas o fez atingir um
inigualável recorde de excomunhão: da católica à calvinista e
somarão a anglicana em Londres e a luterana em Helmstedt.
Próxima etapa: Tolosa, baluarte da ortodoxia católica na
França meridional, onde obteve o doutorado e foi admitido a
ensinar por cerca de dois anos na Universidade local, comen-
tando o De Anima de Aristóteles. Quase insuperável nas dispu-
tas acadêmicas obteve muito rápido a estima e admiração
dos colegas, que evidentemente não retribuía. Quando o ilus-
ter professor Francisco Sanchez dedicou a Bruno com pala- João Calvino
vras cheias de estima o próprio Quod nihil scitur, o comentário
escrito por Bruno sobre a capa do livro foi implacável: “Mara-
vilhoso que esse burro possa ser chamado doutor”! Em 1581
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Capitulo 2
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M E M Ó R I A N Ã O É S O M E N T E R E C O R DA R …
As imagens “agentes”
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Porém, Giordano não se satisfaz com os artifícios dos grandes dalas que se exprimem nas flores, nas plantas, no movimento
mnemonisti do passado e elabora, experimenta e transforma. dos astros e dos planetas, nas manifestações da natureza. Atra-
Aperfeiçoa e modifica as rotas mnemoniche de Raimundo vés da introjeção desses esquemas, ele associa intuitivamente
Lullo, idealizando novas, cujas às palavras são associadas ima- as semelhanças representadas pelas figuras e desenhos. Cada
gens, como aquelas por ele elaboradas em De Umbris Idearum, representação da rota mnemônica vem, assim associado a
que explorando a esfera emocional (sexo, medo, etc.) e a sim- uma imagem e essa, por sua vez a um astro. É o caso das três
bologia da divindade mitológica se imprimiam na memória, figuras fundamentais da sua geometria, que Bruno nos apre-
ajudando a recordar. Das alegorias de Spaccio aos emblemas senta, a primeira vez, nos 160 Artigos contra os matemáticos
dos Furori, até ao conceito-estátua das impressionantes Lampas e define depois em De Minimo, sob os títulos de “Atrio de Apol-
Triginta Statuarum, as associações palavra-imagens se transfor- lo, Minerva e Venere”, que representam mitologicamente a
mam de uma simples técnica de memória, num mecanismo sua crença filosófica: a trinità hermética da Mente, Intelecto
de pensamento, que consente em elaborar e confrontar os e Amor.
conceitos para reunir à nova verdade. A ideia é aquela de cri-
ar uma máquina mneminica, uma espécie de computador
criativo, que consiga pensar por si mesmo. Se por um lado a
ars memoriae (arte da memória) constitui para Bruno um
instrumento protos científico, a outra face se religa às crenças
das influências astrais, comumente aceitas no renascimento.
Os astros são grandes animais, enquanto dotados de alma e,
portanto, capazes de vincular-se a outras almas. Aos prog-
nósticos astrais acreditavam reis e imperadores, papas oficiali-
zavam ritos astrológicos nas suas capelas privadas, filósofos
como Tomaso Campanella e astrônomos como Tycho Brahe
compilavam prognósticos e previsões. Como nas mandalas in-
dianas, Bruno tenta colher na natureza e reproduzir as man-
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M E M Ó R I A N Ã O É S O M E N T E R E C O R DA R …
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Este conceito de ra reencontrar a unidade a partir da multiplicidade. Ao mes-
emanação do todo, mo tempo, entender a propriedade das coisas, e o seu signifi-
a fonte divina e re- cado na ordem do mundo, quer dizer também apreender
torno da multiplici- agir nele através da magia natural.
dade no Uno, Bru-
no representa isso,
com os seus dese-
nhos constituídos
por círculos concên-
tricos e complica-
dos quadrados, ima-
gens, que resultam
cosmogramas. Isto
é, projeções geomé-
tricas da fórmula do universo. Contemplando este cosmogra-
ma, o indivíduo se identifica com as forças arcanas que ope-
ram no universo, em cujas relações numéricas e figuras
geométricas, que medem a trama interna da realidade e apre-
ende as estruturas que regulam a natureza, até chegar a reali-
zar em si mesmo a coincidência do macrocosmo e micro-cos
mo. Este impulso, em direção à unidade, nas filosofias orien-
tais é capaz de conduzir às iluminações aqueles que contem-
plam as imagens. A mandala é então, um meio, um canal pa-
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Capitulo 3
A TEMPORADA INGLESA
A T E M P O R A DA I N G L E S A
De Sorbone à Oxford
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como em Trabalhos de Amores Perdidos, no personagem de Be- a sua cosmologia e o seu anti-aristotelismo. O episódio da
rowne fica visível no personagem, traços do filósofo Nolano. quarta feira de cinzas, em 1584, fica bem significativo: Bruno
Na mira das insaciáveis ambições de Bruno, até naturalmen- foi convidado a cear na residência do nobre inglês “Sir”
te, Oxford: extremamente ávido pela ocasião de afirmar a infi- Fulke Greville, onde iria expor sua ideia sobre o universo.
nitude do universo na fortaleza da “pedanteria” acadêmica! Dois Doutores de Oxford, que estavam presentes e antes mes-
Havia apenas entrado em contato com a famosa universidade mo, que Giordano Bruno pudesse argumentar ponto por pon-
e, empurrado pela impetuosidade do seu carácter, durante to, provocaram-no com uma ardente rixa, onde usaram ex-
uma disputa coloca em dificuldade e sem consideração, um pressões das quais Bruno considerou ofensivas. Isso o induziu
estimado docente, John Underhill, que logo viria a ser Bispo a demitir-se daquela situação de hospede. Deste fato, nasce o
de Oxford. Com este comportamento desperta, sem dúvida, diálogo Cena de le ceneri, que contém agudas e nem sempre di-
o desdém de uma parcela de seus colegas, que manifestaram plomáticas observações sobre a realidade inglesa contem-
na primeira oportunidade animosidade. Contudo, Bruno ob- porânea. Pelas reações de alguns, que se sentiam injustamen-
teve alguns meses depois, a tarefa de proferir uma série de te envolvidos em tais juízos, abrandou-os na obra seguinte, De
conferências em latim sobre sua cosmologia e defendeu entre la causa, principio et uno. Nos dois diálogos italianos, Bruno con-
outras a teoria de Nicolau Copérnico sobre o movimento da trasta a cosmologia geocêntrica nos moldes aristotélico-ptole-
terra. Porém, tamanha coragem custou o afastamento tam- maico, mas supera também as concepções de Copérnico, inte-
bém de Oxford. A mnemotécnica permitia citar tão fielmente grando a tudo isto às especulações do “divino Nicolau de Cu-
os seus mestres, a ponto de ser acusado de ter plagiado o De sa”. Na esteira desta filosofia cusaniana, de fato, o Nolano
Vita coelitus comparanda de Marsilio Ficino, portanto obrigado a imagina um cosmos animado, infinito, imutável, ao interno
interromper as lições. Mas, além dos ressentimentos pessoais, do qual se agitam infinitos mundos similares ao nosso.
a atmosfera cultural e religiosa inglesa entravam em conflito
com as ideias mais arraigadas de Bruno. Mais precisamente,
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A T E M P O R A DA I N G L E S A
A “Cena de le Ceneri”
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14 de fevereiro de 1584, dia da ceia. Um grande barco rangia BRUNO. Eu não vejo nem pelos olhos de Ptolomeu ou de
deslizando sob rio Tâmisa, em uma tarde nebulosa. A bordo, Copérnico! Sou grato a estes grandes gênios, como a tantos
além de dois velhos barqueiros e briguentos, estavam Giorda- outros sábios, que no passado entenderam o movimento da
no Bruno e seus dois amigos, o senhor Giovanni Florio e o terra. Afirmavam isso os pitagóricos: Niceta Siracusano, Ec-
mestre Matteo Gwynn, que vieram conduzi-lo para acompan- fanto, Filolao. Platão revela isso no Timeo, e cautelosamente
há-lo até a residência de sir Fulke Greville. Esse o convida pa- faziam-no entender o divino Niccolò Cusano. Mas, somente
ra cear, com a intenção de ouvi-lo debater as suas teorias he- eu, como Tiresia, cego, porém inspirado por Deus, fui hábil
liocêntricas e da infinidade. O filósofo está na proa e volta seu em penetrar no significado das suas observações e reconhecer
olhar em direção ao céu lívido, onde reluz uma cândida lua. nessas o que, nem mesmo eles souberam entender.
BRUNO. A Lua minha, com meu pesar contínuo, jamais é pa- GWYNN. Pensei que ao menos a respeito de Copernico não
ra sempre imóvel e jamais para sempre cheia. Sempre gostei, tivesse objeções!
em noites como esta, contemplá-la e imaginar estar lá em ci- BRUNO. Grandíssimo astrônomo! Tem o enorme mérito em
ma. Quem sabe um dia poderei encontrar ali, finalmente, um atribuir dignidade e credibilidade às teses dos antigos. Mas,
pouco de paz: fugir da universidade que não gosto, o povo muito mais estudioso da matemática e menos da natureza,
que odeio e a multidão que não me contenta. nem mesmo ele conseguiu libertar-se completamente das vãs
GWYNN. Coragem, está de bom humor Giordano! Desta noi- quimeras dos vulgares filósofos, até derrubar as muralhas dos
te, o que lhe aguarda é uma grande disputa! Eu também mor- primeiros, nonos, oitavos, as décimas e outras esferas para afir-
ro de vontade em escutá-lo defendendo, contra os pedantes de mar a infinitude do universo. Aquela infinitude que eu, desde
Oxonia, a teoria heliocêntrica do excelentíssimo Copérnico, jovem, apreendi a contemplar em minha amada terra natal.
na qual fundamentou tua “nova filosofia”.
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Capitulo 4
INFINITOS MUNDOS
I N F I N I TO S M U N D O S
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rem, melhor dizendo o mundo terrestre. E uma região que a cosmologia do ocidente cristão é apoiada, essencialmente, no
circunda, o mundo sobre lunar, onde se situam, com suas esfe- rastro dos versos bíblicos da criação do mundo, a qual fazia
ras etéreas, Lua, Sol e Planetas: corpos imutáveis, isto é, ja- do giro celeste um firmamento, ou seja, um giro sólido (por
mais dotados de nenhuma transformação. Astros não cria- “firmus”, parado) onde são fixadas as estrelas. No início do
dos, eternos e perfeitos, animados por um tipo de movimento século XIII, quando começaram a circular as primeiras tra-
considerado, também isso, perfeito: o movimento circular uni- duções latinas dos escritos perdidos de Aristóteles, a igreja,
forme. Para explicar este movimento de rotação e suas per- assim como antes dela os teólogos mulçumanos, deu-se conta
feições, Aristóteles avança a hipótese que é devido a inteligên- que o tratado De coelo, também ali se reconhecia a existência
cias motrizes, cujos espíritos estariam a sua volta colocados de um Deus Primeiro Motor, ignorava a ideia da criação do
em movimento por um Primeiro Motor, ao qual dá o nome mundo e da imortalidade da alma. Portanto, em 1210, as au-
de Deus. A cosmologia e a física de Aristóteles divaga assim toridades religiosas interditaram a leitura de Aristóteles. A so-
na metafisica. Apesar, das críticas terem avançado por dife- lução desta crise se deve àquele que Bruno reconhecia como
rentes escolas filosóficas da antiguidade, a cosmologia de um dos seus Mestres, o dominicano Tomaso d’ Aquino.
Aristóteles, enfim se impôs. Todos os astrônomos gregos po- O “Divino Aquinate”, assim chamado pelo Nolano, realizou,
steriores, em particular Tolomeo no século II da nossa era, na Summa Theologica, uma verdadeira e própria cristianização
retomaram os conceitos gerais propostos por Aristóteles. Os da arquitetura do universo descrita no De coelo. O mundo é
debates entre os astrônomos puristas aristotélicos e os par- único e bem limitado, fechado na esfera das fixas estrelas.
tidários de Tolomeo focavam somente em pontos menores: os Adere à ideia avançada do filósofo grego da existência de
números das esferas, a distância que separava a terra das uma quinta essência: os corpos celestes são de natureza diver-
fixas estrelas e mais ainda, o movimento exato dos planetas sa dos quatro elementos e são incorruptíveis pela natureza.
no interior das esferas. Durante os primeiros séculos da Idade Ao mesmo tempo reinterpreta no sentido cristão, a metafisica
Média, o ocidente esqueceu quase totalmente Aristóteles. A do Primeiro Motor, assim, o identifica bem ou mal, no Deus
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les é considerado infalível e, em inumeráveis ramos do saber,
a doutrina aristotélica impõe-se quase sem adversários. Nin-
guém ousa mais contestar que das esferas celestes concêntri-
cas giram incansavelmente em torno da terra. A esfera das
fixas estrelas, este estranho objeto, que jamais nenhum huma-
no pode ver, ganha o estado de uma entidade celeste, cuja
realidade não pode ser colocada em dúvida! A convulsão cul-
tural do renascimento não podia ignorar este aristotelismo in-
tegralista. A recuperação dos pitagóricos, dos platonistas, dos
estoicos, a intensificação pela busca da verdade nos campos
mais discrepantes, da medicina à física, às matemáticas, con-
tagia todos os campos do saber. Exceto nas universidades, na-
San Tomaso d’Aquino entre Aristóteles e Platão quele ambiente, no século XVI, o controle religioso era qua-
se total e passam a representar uma fortaleza inatacável. Ao
longo do século XVI (e outros também) o esquema cosmológi-
criador da Revelação, e assimila aos anjos as inteligências co medieval permanece aquele universalmente aceito e Tom-
que empurram os planetas sobre órbitas e esferas. maso d’Aquino um dos autores mais publicados da época. É
a publicação em 1543, do livro de Copernico, o De revolutioni-
Em 1323, meio século depois da sua morte, Tommaso d’Aqui- bus orbis celestes, que marca a data de ruptura. A Terra expulsa
no é canonizado e a sua filosofia, o tomismo, torna-se a dou- do centro do mundo, gira enfim, em torno de si mesma. Em
trina oficial da igreja. O pensamento Aristotélico torna-se a torno do sol, agora imóvel no centro do sistema, giram as “ór-
única filosofia ensinada nas universidades da Europa, enrije- bitas celestes”, que contém e levam os planetas, entre qual o
cendo-se junto com a filosofia escolástica medieval. Aristóte- nosso, situado hora entre Vênus e Marte. A Terra é um plane-
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ta como os outros: essa é substancialmente a mensagem, que mula suas revolucionárias teorias, o mundo científico em ge-
hoje parece banal, mas foi uma extraordinária novidade para ral, continuava assim a professar concepções imutáveis, na
os contemporâneos de Copernico. Todavia o mundo de Co- essência, por cerca vinte séculos.
pernico não é exatamente o universo que nós conhecemos, Se não foi o primeiro a sustentar e difundir a teoria coperni-
hoje. De uma parte ele mantem um centro, onde Deus, para cana, Giordano Bruno foi certamente o primeiro a tratar
iluminar o mundo, organizou o sol como num trono real e, com coragem e determinação as consequências também mais
de outro lado, conserva um limite externo. Também Coperni- extremas e perigosas pelo tempo em que as vivia, afirmando
co, na realidade, para explicar o movimento aparente das que o mundo não é de modo algum finito, isto é, fechado por
estrelas, no céu noturno, recorre às esferas das fixas estrelas e, uma esfera, que o circunda por todas as suas partes, como os
assim, é obrigado a imobilizar como uma gigantesca casca mesmos Copernico e Kepler continuavam a sustentar. Quan-
das dimensões imensas (por immensus, impossível de mensu- do em 1584 escreve a Cena de le Ceneri, o seu primeiro diálogo
rar), a qual circunda a terra em rotação. Inicialmente, a teo- na língua italiana, Bruno amadureceu a ideia que nos encon-
ria copernicanica foi relegada ao plano de simples hipótese, tramos sob a superfície de um globo lançado, como os outros
cômoda, talvez pelos cálculos, mas por nada semelhante à planetas em uma incessante rotação em torno do sol. Com
estrutura real do mundo. Nada mais que, uma tentativa de isto chega, finalmente o momento de abandonar para sempre
redefinir as posições e os movimentos dos planetas no interior a indefensável doutrina da centralidade da Terra. A cosmolo-
do nosso sistema solar, na visão unificada de um universo de gia bruniana faz uso das fontes que data a filosofia da antigui-
infinitas dimensões. É surpreendente a pouca ressonância dade, como Aristarco di Samo (que já no século III a.C. ha-
que teve a obra de Copernico, não somente quando surgiu, via sustentado a teoria heliocêntrica, segundo a qual, a Terra
mas segue no curso dos séculos precedentes. Precisou vinte e e os planetas giram sob órbitas circulares em torno ao sol
três anos para o De revolutionibus ganhar uma segunda edição. imóvel), Pitágoras e Lucrezio. Portanto, essa teoria é intima-
No início do ano de 1580, quase quarenta anos depois da pu- mente ligada à sua metafisica. No seu terceiro depoimento pe-
blicação da obra, no momento em que Giordano Bruno for- lo processo vêneto ele declara: Eu considero um universo infi-
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a)
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I N F I N I TO S M U N D O S
Mago ou cientista?
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os pedantes do seu tempo. Tycho Brahe, com feroz desprezo doutrina do nosso conhecido, Edmondo Bruce, que ele tomou
declina sua admiração, chamando-o “Nullanus” (sem valor). emprestado de Bruno”. A estrada de Bruno e Galileo foram
Abbot, futuro arcebispo de Canterbury, condenou o fato que por caminhos bem distintos , mas ao final se entrelaçaram,
“aquele “homemzinho” italiano fez a tentativa de manter de quando o Nolano sentiu-se atraído pela catedra de matemáti-
pé as ideias de Copernico, para quem a terra gira e os céus ca, em Padova. Vaga essa, deixada pelo Siciliano Giusepe Mo-
estão parados. Enquanto, na verdade era bastante a sua ca- leti e que será atribuída ao Pisano. Este fato o joga definitiva-
beça que girava e o seu cérebro que não estava parado”. Mes- mente à armadilha que o esperava em Veneza. É notório o
mo assim, as ideias do Nolano influenciavam diretamente ou quanto todo sucesso mundano agradava Galileo. A paternida-
indiretamente a “Nova Ciência”. William Gilbert, contem- de do compasso geométrico, bem como aquela do mesmo te-
porâneo de Bruno, ao expor suas ideias sobre magnetismo, no lescópio, foram contestadas. De resto, as leis da ótica, as quais
livro De mundo, faz largo uso das teorias cosmológicas expostas explicam tecnicamente o funcionamento, são méritos de Klepe-
pelo filósofo Nolano em De immenso. Galileo mostra bom conhe- ro, que as analisou em sua Diottrica, em 1611, reconhecendo,
cimento dos textos brunianos, também evita sempre de citá-lo. ao seu redor, o débito em relação à De Refractione, de Giovan
Keplero, apesar de expressar o seu desconforto quanto ao uni- Battista Della Porta. Certamente, se por um lado è incorreto
verso infinito preconi- aproximar Bruno ao
zado por Bruno, re- experimentalismo ma-
preende assim o cien- temático de Galileo,
tista pisano: “ Não por outro não se deve
terás, meu Galileo, nem mesmo cair na
inveja dos elogios de- intolerância oposta de
vidos àqueles, que c an c elar a c o n tri-
tanto tempo antes de buição às ideias
você anteciparão tu- científicas, ainda que
do que agora contem- apresentado ao final
plas com teus somente como uma
Tycho Brahe
próprios olhos? A tua Johannes Kepler profecia, ainda que,
glória é que repara a nebulosamente com-
31
preendida e indefini- expor a summa da sua filosofia em forma de poema e não de
da. Bruno não era tratado científico. A “Nolana filosofia” é um efeito não-científi-
astrônomo, segundo co da revolução científica, mas nem por isto deve ser considera-
o significado moder- da de segundo plano, enquanto se propõe a transformar a rela-
no do termo; a sua ção do homem com o mundo. Além disso, o irracional teve e
visão cosmológica de- continua a ter a sua parte no desenvolvimento das ideias
riva em grande parte científicas e a ciência moderna se revelou, em muitos casos,
do seu conhecimento muito mais ilusória, do que aquela do século XV e XVI. Se
humanístico. Embo- Bruno é contestado pelo desconhecimento daquilo que Gali-
ra, tenha elaborado, leo definiu, no famoso Saggiatore, a linguagem matemática, com
Giovan Battista Della Porta acima um binário pa- a qual é escrito o grande livro do universo, ainda assim , ele
ralelo àquele dos conseguiu compreender ou intuir tantos mecanismos, é eviden-
seus contemporâneos te que as línguas que exprimem o funcionamento do universo
“cientistas”, um con- são muito mais que uma. Alexandre Koyré, em seu fundamen-
ceito típico do mundo da revolução científica: aquele de um tal Do mundo fechado ao universo infinito, exprime deste modo seu
universo infinito, sem centro nem prinicípios hierárquicos. Pa- sentimento pelo filósofo: “Giordano Bruno, me perdoe dizer
ra interpretar esta sua grandeza é necessário uma mudança de (...) como cientista é mediocre e não entende a matemática(...)
perspectiva fundamental: do ponto de vista de Bruno, é a práti- a concepção bruniana do mundo é vitalista e mágica(...) De
ca científica que deve ser considerada em função da sua teoria nenhuma maneira Bruno é um espírito moderno. Todavia, a
do universo infinito e não vice-versa. O procedimento brunia- sua concepção é tanto poderosa e profética, tanto sensata e
no é coerente com uma visão essencialmente intuitiva e proféti- poética, que não podemos deixar de admirá-la, juntamente
ca da realidade fenomenal, que a ele consente preconizar, sem com seu autor. Isto influenciou de um modo tão profundo – ao
nenhuma demonstração “científica”, teorias que serão confir- menos nas discussões formais- a ciência e a filosofia moderna,
madas sucessivamente pelo progresso da ciência moderna. que não podemos deixar de atribuir a Bruno um lugar impor-
Este cenário, fica assim por ele, conscientemente declarado e tantíssimo na história do espírito humano”. Enfim, dele pode-
perseguido desde a primeira observação em sua terra natal e mos dizer tudo, mas nunca que não era um pensador de ex-
no monte Cicala, através da mitologização do seu destino traordinária força mental. A admiração não correspondida por
“mercurial”. Não será uma simples coincidência a decisão de Tycho Brahe, assim como o embaraçante entusiasmo pelo com-
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passo diferencial de Fabrizio Mordente, revelam a sua preocu- que regulam o comportamento do universo. Bruno compreen-
pação em obter medidas exatas e a consequente necessidade deu, por inspiração “mercurial”, através de uma comunicação
em desenvolver novos instrumentos de observação. O De tripli- direta com a natureza, a existência dos princípios fundamen-
ci minimo et misura, centra de fato, neste conceito de dimensão, tais, tais como a coincidência dos opostos, o ciclo das vicissitu-
com particular referência às partículas minimas ou átomos, des e o conceito de “umbra divinitatis”, que constituem os pi-
que se encontram na base dos corpos sensíveis. Surpreenden- lares de toda sua especulação filosífica, também incluindo o
temente, Bruno expõe questões muito vivas, hoje, no âmbito inteiro aparato matemático e astronômico, ligado a essa. A re-
da matemática e da física quântica. A consciência do fato que cusa em retratar, ao contrário do pisano, aquelas teorias cos-
“umbra profunda sumus” (somos sombras dos reais), o fazia mológicas, que defendia incansávelmente aos mais altos níveis
sentir, cada vez que procurava entrar de modo “experimen- da cultura europeia, em um período em que se evitava, ainda,
tal” nos problemas matemáticos e geométricos, a relatividade pronunciar o nome de Copernico, constitui na historia da
deste método. Evidenciando, ainda mais, a compreensão dos ciência um notável mérito. Bertolt Brecht conclui assim o seu
problemas ligados, como observa Hilary Gatti, a “teoria atômi- Galileo: “ Não acredi-
ca e cosmológica baseada na entidade de dimensão mínima e to que a prática da
máxima, a tal ponto de excluir por definição as capacidades ciência possa camin-
perceptivas e intelectivas da mente humana”. Suas dúvidas an- har separada da cora-
tecipam surpreendentemente os problemas que, ainda hoje, gem (...) Se os ho-
agitam a física quântica e, em particular ao pricípio de indeter- mens da ciência não
minação de Heisenberg, o qual colocou em relevo, segundo reagem às intimida-
Harold J. Morowitz, que “ as leis da natureza não têm mais o ções das potências e
que fazer com a partícula elementar, mas com o conhecimen- se limitam a acumu-
to que temos desta partícula, isto é, com o conteúdo da nossa lar o saber, a ciência
mente”. Para Bruno a matemática e a geometria são métodos enfraquece para sem-
de valores aplicados a uma realidade fenomenal e, portanto, pre(...) Eu traí minha
“sombra” e não a sua verdadeira essência. Não sendo para profissão.” Nicolau Copérnico
isto, possível contemplar tudo, que está atrás do que chamava
“anima mundi”( alma do mundo), somente a mitologia, a
nível intuitivo-profético, pode penetrar os motivos profundos
33
Declaração de Giordano Bruno aos inquisitores em 21 de dezembro 1599
“ Não devo e nem quero me arrepender, não tenho do que me arrepender e não existe
assunto do qual possa me arrepender , não sei de que coisa deva me arrepender”.
34
Capítulo 5
ADEUS PARIS!
A D E U S PA R I S !
O affaire Mordente
36
A D E U S PA R I S !
A disputa de Cambrai
37
Capítulo 6
BURROS E PEDANTES
BU R RO S E P E DA N T E S
39
de Bruno é profundamente anti-religioso, anti-cristão, anti-re- boriosidade (e aqui tem muito de Maquiavel), e de uma verda-
formado, anti-aristotelico. Bruno, enfim, é “anti”: mas não de esotérica que levasse em conta a magia natural, a nova co-
somente por seu espírito rebelde, pelo caráter orgulhoso e smologia, o animismo universal.
polêmico. Não se trocam os efeitos com as causas. Bruno é ✦ O que queria dizer aos teus inimigos, a todos que durante
“anti” por ânsia de liberdade de pensamento, por intolerân- a tua existência hostilizaram, chamando de louco, acusan-
cia a qualquer imposição dogmática. Por que a “nova filoso- do de plagio e de ser um pensador pouco original?
fia” pode se instituir somente libertando o campo das supers-
tições e falsos princípios. Ele tem uma visão aristocrática da ✦ Localize para mim somente um deles que fosse um pensa-
sabedoria, em sintonia com os cultos de iniciação egípcia e dor verdadeiramente original. Estas acusações não de-
herméticos, que eram caracterizados por uma precisa separa- monstram, nada além da inveja destes pedantes, de quem
ção entre esotérico (para iniciados) e essoterico (para os não carregou na história do pensamento uma nova atitude e a
iniciados). A busca e a descoberta da verdade são prerrogati- conduziu com convicção e espírito de independência. Ca-
vas do sábio e o consenso do “volgo” (homem comum) não da um de nós necessita comprovar as próprias ideias. A di-
depõe, absolutamente, contra veracidade de uma ideia. Que versidade e a comunicação são os valores fundamentais de
não conseguissem entendê-lo, o fazia experimentar um senti- uma verdadeira cultura.
mento de frustração e derrota, mais por obtusidade dos seus ✦ Acolheu no teu sistema filosófico, por intuição, as ideias de
interlocutores, que por seus próprios insucessos. Por esta muitos grandes pensadores: de Anassagora a Lucrezio, de
razão, pedirá até o último instante, para falar pessoalmente Cusano a Erasmo. Mas, somente soube unificá-las e harmo-
com o Papa: estava convencido que Clemente VIII compartil- nizá-las em um único potentíssimo pensamento, através de
hava desta ideia da “dupla verdade”. De uma verdade de fé, tentativas muitas vezes confusas. Porque essas ideias foram
que mantivesse “o homem bruto e vil” em uma tranquila la- continuamente revisitadas, com a intenção de expressar os
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teus conceitos, além disso e frequentemente, contra a cultu- pararasse e assimilasse todas as ideias que puderam aju-
ra daquele tempo. Desenvolveu suas teorias em uma di- dar-me a sustentar e desenvolver a minha doutrina.
reção, que nem mesmo eles teriam sonhado em conceber, ✦ Em Oxford, os pedantes aproveitaram para acusá-lo de co-
ou não teriam a coragem de empreender. Caminhando ain- piar as obras de Ficino, porque durante as tuas lições citava
da mais longe, onde cada um deles, deteram- se ou estagna- de memória passagens inteiras.
ram- se diante de convenções e dificuldades. Em efeito, tu-
do aquilo que vem como censura, não faz nada mais que ✦ Miseráveis gramáticos, que não ousavam destacar-se uma
aumentar a sua grandiosidade. Ainda assim, continuamen- vírgula das palavras de Aristotele, tiveram a coragem de
te e por séculos modificaram premeditadamente as fontes acusar-me de plágio! Matemáticos e astrônomos, servos da
com os conteúdos, bem como, as sugestões com as substân- corte, incapazes de libertar-se das suas estrelas fixas, das fal-
cias do seu pensamento. sas muralhas, que sozinhos as construiram e que, séculos de-
pois da minha morte avistavam, ainda, a terra imóvel no
✦ Sempre fui comparado, seja com meus modelos, com centro do universo. Estes, arrogam o direito de tratar com
meus mestres, aqueles meus oponentes a começar pelo desprezo o meu pensamento e me pegam para mago,
próprio Aristóteles. A minha coerência é demonstrada pelo bruxo! Diziam que era a minha cabeça que girava, não a
conhecimento que tenho, ao qual me concede o direito em terra, por que temiam a vertigem que o meu pensamento
criticá-los. Por essa razão, meu desejo é de verificar e en- provocava neles.
contrar provas, busquei a confirmação às minhas in-
tuições, às teorias que vinha elaborando, na doutrina dos ✦ Tycho Brahe, o grande astrônomo da época e admirado
filósofos e dos homens da ciência, que conheci e estudei. por você, a tal ponto de dedicá-lo com entusiasmo a cópia
Os meus grandes dotes mnemonicos consentiram que com- do teu Acrotismus. Na ocasião, chamou-o desdenhosamen-
te, “Nullanus”.
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✦ Sempre o reconheci e exaltei-o nas minhas obras, por onde as teorias de Copernico eram consideradas, no máxi-
vezes, confesso que, com entusiasmo exagerado, os méritos mo, um experimento bizarro. Anunciou a necessidade de
e valores das conquistas do pensamento. Assim, queria e de- uma “renovatio mundi” (renovação do mundo) em uma
sejo ainda hoje, que reconheçam as minhas! Este homem época de ferozes lutas religiosas e civis. Sem teoriazá-las da
tinha a disposição os instrumentos mais sofisticados da épo- distante “torre de marfim” como um sábio solitário, mas
ca, uma ilha inteira foi equipada para suas observações. Pa- procurando pessoalmente próximo às cortes e no antro dos
trulhava os céus, testemunhou e estudou o movimento dos luteranos, calvinistas, protestantes, enfim, católicos. Com a
cometas e elaborou muitas felizes teorias. Pensei: terá adi- intenção, em vão, de chegar e discutir diretamente com o
vinhado, mesmo por intuição, as possibilidades abertas por Papa. Um dinamismo verdadeiramente excepcional o teu,
estas revelações. Nada! Como todos os outros. Ele persistiu se considerarmos os meios de comunicação da época.
na sua estúpida, presunçosa visão de mundo, incapazes de ✦ Não basta perder-se com as próprias ideias, como vãos so-
sentir, sem coragem ou intuições para irem além, ou mais, nhadores, isolados com os próprios estudos. O filósofo tem
ter humildade para escutar. Ao filósofo não compete formu- o dever de desafiar, armado somente das próprias ideias, o
lar teoremas ou cálculos matemáticos. Sou aquele, que sem ódio dos pedantes e o desprezo do “volgo”. Para isso, o
precisar dos observatórios astronômicos e experimentos, filósofo é um saltimbanco, um charlatão e serve de espanta-
rompi a esfera das estrelas fixas para sulcar impávido o infi- lho no campo. Eu teria preferido parar e ter tido uma cáte-
nito, descobrindo as verdades, que até agora nenhum foi ca- dra de Professor, fixa e tranquila, onde poderia ensinar e
paz de intuir. difundir o meu pensamento. Nunca concederam isso a
✦ Você foi partidário do heliocentrismo, rompendo cada limi- mim. Em Londres, na casa do embaixador da França, de
te, em Oxford, coração da oficial cultura daquele tempo, Castelnau, seguro e reverenciado, estimado pelas melhores
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mentes e pela rainha Elizabete, pude então, experimentar o ✦ Pegavam-me para louco, mas, como ensina o letrado
quanto é doce e fecundo para o estudioso, a tranquilidade Erasmo, os homens são todos um pouco loucos. O sábio é
e segurança, e naquele período produzi obras importantes. conscio disso e mantém sua âncora na realidade, aceitan-
Todavia, durou pouco também ali: o destino errante me in- do-a com ironia. Os pedantes e o “volgo” não entendem e
citava. Melhor assim! Talvez estaria, também eu, transfor- se tornam personagens da comédia, ridículos na sua alti-
mando-me num pedante! A minha sina era essa: vagar pela vez e cegueira. O que, se não a loucura, empurra os
Europa, afirmando ideias que, naqueles tempos, lugares e gramáticos carrancudos e esbravejadores do alto das suas
costumes, soavam como uma provocação, um desafio. cátedras, sentindo-se assim muito importantes? Ou os teólo-
✦ É o destino, Giordano, de todos “intempestivos”: homens gos com as suas finíssimas sutilezas e a cabeça empanturra-
à frente de seu tempo. Considerando as reações para algu- da de milhares e absurdas velharias poderão, igualmente,
mas das tuas afirmações, sempre nascia em mim uma per- considerarem-se os guardiões da verdade?
gunta: verdade mesmo, que este homem, afirmou estas coi- ✦ Enquanto o fanatismo das guerras religiosas e das cismas
sas na segunda metade do século XVI? Se ainda, séculos ensanguentavam a Europa, não era ainda mais louco, pre-
depois da sua morte, os intelectuais falam de você como tender que as suas ideias fossem aceitas nos centros da pe-
um demônio por ter dito verdades reconhecidas hoje, até danteria e da intolerância religiosa?
mesmo pela ciência moderna, é admirável como não o colo- ✦ Talvez sim, mas se soubesse quanta satisfação vê-los vaci-
caram na fogueira antes! Não sei, por loucura ou heroismo, lar diante da força e as sugestões da verdade, debatendo-se
mas somente uma personalidade indomável, teimosa, into- como pintinhos na estopa, para defender os próprios erros!
lerante ao dogma como a sua, poderia dar voz e naquele
tempo a tais intuições.
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Capítulo 7
A casa do saber
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cípulos por tentar das se cruzaram novamente, porém lhe bastou pouco para
a carta Praga, na dar-se conta que o papel de mago da corte não era para ele.
corte de Rodolfo Bruno nunca teve simpatia pela alquimia e, em seus escritos,
II a quem dedicou refere-se a esta somente fazendo paródias. Começando por
os Articuli adversos uma de suas primeiras obras, Il Candelaio (O Castiçal), em que
mathematicos, rece- o alquimista Bonifacio representa o protótipo do crédulo, igno-
bendo uma recom- rante e presunçoso, que regularmente é enganado e zombado
pensa una tantum pelos vilões do vulgo napoletano, muito bem efetivamente des-
(somente uma vez) critos na comédia. De resto, não teria nada de estranho em
de trezentos talle- Bruno lidar com a
ri, em dinheiro alquimia: naquele
Rodolfo II germânico. O No- tempo a alquimia
lano não estava a era praticada um
vontade na atmos- pouco por todos:
fera astrológico-al- humanistas,
química, ainda, predominante na corte de Rodolfo II, que se astrônomos, papas.
transformou no paraíso dos charlatões e pretensos magos do Até mesmo, San
calibre de Jonh Dee e Edward Kelley. Bruno já havia encontra- Tomaso d’ Aquino
do Dee na Inglaterra, em junho de 1583, quando esteve em mostrou um tal inte-
Oxford a reboque do conde Laski e havia desafiado a famosa resse na "Grande
disputa com os pedantes oxonienses. Dee, naquela época esta- Obra", para com-
va na sua propriedade, em Mortlake e foi o amigo em comum por alguns tratados John Dee
Philip Sidney, quem organizou o encontro. Agora, as suas estra- alquimistas. Até
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mesmo, uma lenda medieval sustentava que ele tivesse recebi- triplici minimo, De monade e De immenso). Exatamente em 2 de
do, através do seu mestre Alberto Magno, o “secretum secreto- junho de 1590, Bruno chega a Frankfurt, onde solicitou, mas
rum”(a pedra filosofal), a qual teria sido descoberta por um ou- não obteve permissão, para ficar na residência de Andreas We-
tro Doutor da Igreja: S. Domenico! Quando se deu conta que chel, o editor de suas obras. Sem esmoirecer, resolve ficar pre-
não era a matemática que interessava ao soberano, entretanto cariamente hospedado no convento das Carmelitani. A estadia
a busca da pedra filosofal, o Nolano prefiriu mudar de ares. foi interrompida somente por seis meses na Suíça, primeiro
Em Tubinga foi pior, ainda: desta vez concederam uma esmola em Zurigo e depois hospede de patrício Heirich Hainzel, em
de apenas quatro fiorini, desde que, saísse dali rapidamente. seu castelo de Elgg, onde lecionou para um grupo de alqui-
Até o fim de 1588 chegou a Helmstedt, onde permaneceu cer- mistas paracelsianos e proto-rosacroses.
ca de um ano e meio, confortado pela presença do seu aluno
predileto de Wittemberg, Hieronimus Besler, que o ajudou na
elaboração de uma série de obras num argumento mágico e
esotérico que compreende: De Magia, Theses de magia e Magia
matematica, incluindo o esboço do De rerum principiis et elementis et
causis e de Medicina lulliana, todos reunidos no Código intitula-
do à Abraham Norov, que o encontrou num antiquário, em Pa-
ris. Mas, apesar da proteção do Duca Heinrich Julius de Braun-
schweig, em seguida da sua enésima excomunhão, infligida
desta vez pelo pastor luterano Heinrich Boethius, por motivos
não muito claros e inclusive, (Bruno sustenta que eram de natu-
reza privada), desse modo foi forçado a deixar Helmstedt. Fez,
portanto, a rota por Frankfurt,com o objetivo de curar a publi- Academia “Julia” de Helmstedt
cação da suma de seu pensamento: os três poemas latinos ( De
47
NA T E R R A D O S H E R E G E S
O que havia em comum entre Bruno e Egli, a não ser Summa ter-
minorum metaphysicorum, que o Nolano ditou-lhe? Egli era um ati-
Raphael Egli vo promotor de Paracelso, cujos ensinamentos se inspirava na
alquimia. Bruno no Oratio Valedictoria declamado em 1588, quan-
do abandonou a universidade de Wittenberg, tinha tecido um
O personagem principal dos eventos relativos aos contatos elogio à “ casa do saber” alemã, contendo um solene louvor ao
entre Bruno e os Rosacruzes é o teólogo zuriguese Paracelso, definido, considerado ou conhecido “médico que faz
Raphael Egli. Personagem discutido e discutível, até milagre”. As simpatias paracelsianas constituem, para tanto,
trabalhou com a teologia, poesia, alquimia e muito mais, um dos principais pontos de contacto entre Bruno e o ambiente
ainda. No período sucessivo àquele em que acolheu rosacruziano. Além disso, muitas das posições da confraternida-
Giordano Bruno em Elgg, no castelo do seu mecenas de de Elgg, sejam essas políticas, ligadas a um projeto irênico de
Heinrich Hainzel, próprio pela sua paixão pela paz universal, até mesmo de ascenção hermética, em termos de
alquimia, foi também protagonista de um terrível crack
micro e macrocosmo, eram em larga escala compartidas pelo
financeiro. Obrigado a fugir de Zurigo e remediar à corte
de Langravio Maurizio di Hesse, onde concederam-lhe filósofo. O Nolano se reconhecia, até um certo ponto, nas supo-
uma cátedra de teologia, embora, continuasse a estudar sições naturalísticas, à base das teorias de Paracelso. Inclusive, se
alquimia a vida toda. Mas Egli, sobretudo, foi um endurecia de fronte ao uso “mágico” da alquimia, como de-
fervoroso rosacruz e um dos primeiros a difundir os monstrou em Praga, nos confrontos de Jonh Dee e da sua Monas
famosos manifestos: a “Fama” e a “Confessio Hyeroglifica. Bruno permanece firmemente ancorado aos clássi-
fraternitais” e, muito provavelmente, o autor de a cos cânones da “prisca theologia”(antiga teologia) e à sabedoria
“Consideratio brevis”, publicada em 1616, o ano oriental dos Magos do tipo caldaico-egizio, muito longe do
sucessivo àquele do segundo manifesto. cristianismo “milenarista” nos molde rosacruziano.
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Capítulo 8
HERMETISMO E MAGIA
H E R M E T I S M O E M AG I A
Macrocosmo e microcosmo
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H E R M E T I S M O E M AG I A
A magia natural
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sente a Giordano Bruno de discriminar nitidamente o campo mo-máximo, minuzzaria (minudências)-infinito, ingrediente
do fidele teologo (fiel teólogo) e do vero filosofo (verdadeiro inseparável daquela “alquimia natural”, que permeia magica-
filósofo), e refutar a tendência cristã em anular a experiência mente o senso das coisas do oriente ao ocidente. Como em
humana por um doloroso caminho de suportações, na espera Krishna, assim em Cristo, em Buda como em Pitágoras, em
de uma “vida após a morte”, que por suas mesmas admissão, Roma, como no Egito. Giordano Bruno nasceu com aquele
é incognoscível. O sistema filosófico bruniano constitui a talento, uma virtude peculiar, um faro especial para a pesqui-
mais poderosa tentativa possível, para um intelecto educado sa e o reconhecimento desses ingredientes fundamentais, que
no ventre da igreja católica, e ainda submerso nessa, em afir- compõem o real. A sua vida e obra são um contínuo pesqui-
mar a supremacia da razão, relegando a divindade a um sar estes genes no DNA das diversas filosofias e teologias,
“além mundo” inatíngivel e portanto, irrelevante numa reali- com as quais, direta ou indiretamente, tivesse alcançado con-
dade que é somente sombra. Na sua “peregrinação” pelas tato. E nisto, é um verdadeiro homo novus (homem novo),
igrejas e universidades, seja fisicamente ou através de “excur- aberto, tolerante, curioso, ávido por conhecer e confrontar,
sus” (digressões) imaginários nos territórios herméticos, orien- sem preconceitos nem limitações de nenhum tipo. Pronto a
tais e consultações com os filósofos da antiguidade, Bruno pe- reconhecer os próprios erros e evidenciar àqueles dos outros,
squisou as estruturas transcedentais do pensamento e da reli- assim como, reformular as próprias teorias e novamente di-
gião. E em todos desenterra a comum inspiração monista, o fundí-las, para verificação e colocá-las à prova, generosamen-
ordenamento cíclico de uma realidade baseada na coincidên- te e sem inibições ou censuras de gênero algum.
cia dos contrários, entre os quais, predomina os pares míni-
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✦ A doutrina hermética teve uma profunda influência no seu O homem havia, neste momento, adquirido consciência
pensamento. das próprias possibilidades e avistou abrir, diante de si, cam-
✦ Encontrei correspondências com a minha instintiva visão pos exterminados por especulações e investigações, mas
do mundo e do divino. Concedeu-me a consciência da pos- não conseguia ainda, remover a visão de um universo fini-
sibilidade do homem, apesar da incapacidade de contem- to, cujo centro era a Terra, e uma necessidade tranquili-
plar na sua vida a não ser a sombra da divindade, de che- zadora de ter intermediários com o mundo extra-terreno.
gar ao indiarsi”(identificar-se com Deus). “Faça grande a ti ✦ O único instrumento, do qual adverti uma necessidade, foi
mesmo, até tornar-se sem medida, libertando-se de cada o meio para comunicar estas ideias novas e procurei conti-
corpo - recitava o Corpus Hermeticum- eleva-te acima de cada nuamente naquilo que tinha a disposição naquela época
tempo, torna-te a eternidade: então compreenderás Deus”. em que vivia. A minha admiração pela tradição egípcia na-
✦ Estas palavras parecem antecipar a tendência renascimen- sceu, precisamente, da pesquisa de uma língua originária
tal do espírito à elevar-se, num esforço “vertical” de colo- “divina”, que através dos hieróglifos, pudesse ser com-
car-se em contato com Deus. A partir da consciência sobre prensível a todos.
uma dignidade do homem, que pensadores como Pico del- ✦ De resto a magia fazia parte, ainda naqueles tempos, do
la Mirandola e Marsilio Ficino tinham confirmado, nascia patrimônio de conhecimento do filósofo. As doutrinas mági-
uma extraordinária ânsia de alcançar a divindade, canali- cas, herméticas, eram difundidísimas nos ambientes cultu-
zando o espírito através dos astros, das estátuas e talismãs. rais e eram apreciadas dos reis aos imperadores. Até mes-
53
mo, os Papas foram atraídos, assim como Urbano VIII, en-
tertia-se com Campanella em rituais mágicos e fazia afre-
scos nas salas do vaticano com imagens planetárias herméti-
cas, as quais, acreditava serem capazes de influenciar os hu-
mores e a saúde. Na atmosfera da época, em um ambiente
cultural permeado pelo hermetismo e pela magia, é com-
preensível que te sentisse profeta ou mágico como Cristo e
Moisés!
✦ Magia é para mim, e sempre foi, aquela natural. A bruxa-
ria, as pedras filosofais deixo a Cencio e Bonifacio, os perso-
nagens de o Candelaio. A verdadeira magia é aquela que
nasce de nós mesmos, da natureza que está em nós e que
pode ser capturada, aperfeiçoada com técnicas para vincu-
lar, “orientar” o fluxo divino através das nossas próprias fa-
culdades.
54
Capítulo 9
O SÁBIO E O FURIOSO
O SÁBIO E O FURIOSO
56
Natura est Deus in rebus (Natureza é Deus nas coisas), neste a ponto de realizar uma perfeita harmonia. As longas séries re-
esforço em colher o invisível no visível, a unidade na multiplici- correntes dos contrários, que encontramos nos escritos de Bru-
dade. As tradições orientais se referem constantemente a uma no, testemunham a sua concepção da realidade como “coinci-
realidade última, indivisível, que se manifesta em todas as coi- dentia oppositorum”, a necessidade de ir além do samsara
sas e das quais as coisas fazem parte. Essa chamada “Brah- magmático da aparência para recuperar na unidade dos opos-
man” no induismo, “Dharmakaya” no Budismo, “Tao” no tos, a substancial unidade do Todo: Profunda magia é saber de-
Taoismo: “Isto que a mente percebe como essência absoluta é senhar o contrário depois de ter encontrado o ponto de união.
a unicidade da totalidade de todas as coisas, o grande tudo que Somente no cosmo infinito as hierarquias se esmigalham; o
tudo compreende”. Alcançar essa compreensão, que todos os máximo é o mínimo, como todos os contrários convergem so-
opostos são polares e portanto constituem uma unidade, é con- mente em um único ser, a múltiplicidade se reduz na divina
siderada, na tradição espiritualista do oriente, uma das mais al- unidade: então, podem elevar ao conceito, não digo do topo e ótimo
tas metas alcançadas pelo homem. Princípio, excluindo das nossas considerações, mas da alma do mundo, co-
mo é ação de tudo e potência de tudo, e é toda em tudo: onde ao fim (uma
Esta nunca será uma identidade estática, mas sempre uma in-
vez admitindo que sejam inumeráveis indivíduos) cada coisa é uno; e o co-
teração dinâmica entre dois extremos como no simbolismo
nhecimento desta unidade é a finalidade última de todas filosofias e natu-
chinês dos polos arquétipos “yin e yang”. Das doutrinas pitagó-
rais contemplações: deixando a seus termos as mais altas contemplações,
ricas, ressalta a teoria que, os contrários não somente jamais
que supera a natureza, a qual a quem não acredita, é impossível e nada.
serão concebidos como irredutíveis e absolutamente separados,
(De la Causa).
mas estão destinados ao invés, transformando-se um no outro
57
O SÁBIO E O FURIOSO
Fisiognomia e metempsicose
58
ta a nobreza de va ou negativa da sua precedente encarnação. Por isto, confe-
espírito, em relação re à matéria que irá “informar” as características da espécie,
à fase do seu ciclo de acordo com as inclinações amadurecidas na sua vida pre-
de vicissitude. O va- gressa. A escala dos afetos humanos possui, de fato, graus tão
lor individual, sem diversos e numerosos, quanto as diversas formas que a alma
preconceitos de assume em corpos diversos, e a alma especifica cumpre os
qualquer tipo, de- dois avanços do ascenso (progressos de elevação) e descenso (de-
pende da qualidade scida), em base ao fato, ao cuidado que dispõe de si mesma e
dessa alma, que ope- à própria inclinação ao bem. A respeito do precedente com-
ra nesse corpo. E em cada caso, por hábito de temperança, dos portamento durante a permanência no corpo, nas sucessivas
estudos, das contemplações e outras virtudes é sempre possível elevar mutações, algumas al-
o próprio nível de consciência, até a contemplação do divino. mas encarnam em
Efetivamente é próprio nisto tudo, que se substancia a supre- comuns seres huma-
macia do homem: na capacidade de ir além da humanidade, nos, outras em
sempre além daquilo que possui, vencendo aquele instinto animal heróis e outras ain-
de apego à própria espécie, por isso, o porco não deseja morrer pa- da, assumem for-
ra continuar sendo porco, o cavalo tem medo de abandonar a forma de mas degradantes.
cavalo, Júpiter teme não ser Júpiter. A correspondência que Bruno As eventuais pu-
identifica entre os traços fisionômicos e o comportamento nições são desconta-
dos seres humanos explica muito bem a convicção de que a das pela alma ime-
alma carrega consigo, no ciclo das mutações, a herança positi- diatamente, porque
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a alta justiça, que governa todas as coisas, estabelece: não de- ✦ Estúpido povo, é aquele que, embaixo da aparência huma-
verá esperar de um governo e uma administração da mais alta estância, na, esconde almas bestiais! Para qual motivo, se pouquíssi-
quando na precedente será mal gerenciada. Por ter vivido, por mas almas dos homens foram modeladas, tantos corpos fo-
exemplo, aos modos um porco ou um cavalo, a estes será des- ram modelados em forma de homens? A benevolente Cir-
ignado “um cárcere conviniente a tal delito”: um corpo com ce, ajuda-me a desmascarar a sua verdadeira natureza!
órgãos e instrumentos próprios de tais espécies. Assim, para o ✦Portanto, nem todos temos a possibilidade de conhecer o
fato da mutação incorrerá eternamente em outras, piores ou verdadeiro?
melhores espécies de vida e sorte, em base ao melhor ou pior
comportamento obtido na precedente condição e fatalidade.
Não existe quem não vislumbre a surpreendente afinidade
com a doutrina budista da reencarnação que, semelhante ao
induísmo, interpreta a vida do homem na terra como uma
emigração de uma existência a outra. Cada ser vivente é re-
duzido a uma cadeia de fenômenos passageiros em continua
mutação e sucessões. O corpo, a vida, os prazeres e as dores
são, de qualquer modo efeitos do “Karma”, por esta razão
quando se semeou na vida anterior, na posterior ocorre a co-
lheita.
✦ Com frequência maltrataste o rude e desprezível povo. Por
que tanto desprezo?
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✦ Somente os homens autênticos, aqueles dotados das almas ✦ Refere-se à Igreja?
realmente humanas, podem chegar a contemplar a verda- ✦ Cego é o povo, como cego é o temor da morte alimentado
de! Se estudo, contemplação e prática de virtude não os ele- pelo cristianismo. Ele aproveita da ignorância, da incapaci-
va, vejam? Eles tem os traços do rosto, face, voz, gestos, afe- dade de levantar-se da sombra à luz, mas se retrai na pre-
tos e inclinações, já escrita a sua passada ou futura muta- sença da filosofia. A filosofia é a verdadeira via de acesso à
ção: alguns burros... outros porcos... águias... bois...”. divindade: o homem que pensa não necessita de interme-
✦ A quem se destina, então, a tua mensagem? diários: ascende verticalmente em direção ao infinito e em
✦ A qualquer pessoa, sem distinção das vestes, condição ou direção a Deus.
estado social, que consiga demonstrar a respectiva natureza
humana, para afirmar a consciência ou entendimento da
própria dignidade. Aos que usam as mãos para deixar suas
digitais em todos os campos do agir humano e não somente
para os simples impulsos materiais, para criar e não para
destruir. Isso requer aplicação, esforço: os homens raros,
heróicos e divinos passam pelo caminho da dificuldade. As
coisas comuns e fáceis, ao invés, são para o povo e a gente
comum. Para os indivíduos que não pensam, que não vivifi-
cam os presentes da língua e da mão com o fôlego do inte-
lecto, ficando por isso presa por quem abusa da sua creduli-
dade, da sua estupidez, aterrorizando-os com suas vãs fábu-
las.
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O SÁBIO E O FURIOSO
Heróico furor
Bruno confia na tentativa de romper o limite entre “absoluto” e
“comunicado”, na experiência do heróico furor. Isso representa
um verdadeiro e próprio salto de nível energético, que consente
romper o ciclo dos renascimentos, como na tradição oriental,
com um ato extraordinário, o qual chama “disquarto di sè
(esquartejamento de si mesmo)”. A parábola do “furioso” é uma
Tiziano Vecellio, “A morte de Acteon” parábola, essencialmente autobiografica, de um caminho em
busca do conhecimento. Bruno descreve no furioso ele mesmo
O mito de Diana e Acteon representa para Bruno a como aquele que busca a divindade, não confiante que essa lhe
síntese perfeita da sua gnoseologia. Ao cume da sua permeie como l’ asina (a burra de Balaam), porém procurando-
pesquisa, em “De gli eroici furori”, ele exclama: “Esta é a com estudo e empenho. Acteon - é Bruno que fala - representa
a Diana, aquele Uno que é o mesmo ente, aquele ente que o intelecto com o propósito à caça da divina sabedoria, pela
é a mesma realidade, aquela realidade que é a natureza apreensão da beleza divina. Raríssimos digo, são os Acteon aos
compreensível, em que se atua o sol e o explendor da quais sejam concedidos pelo destino o poder de contemplar a
natureza superior, na maneira que a unidade está Diana ignuda (despida). Acteon representa, então, o filósofo em
distinguida em concebidor e concebido, produtore e busca da Diana “ignuda (despida)”, que é não outra que a natu-
produzido”. Assim, ele exprime a dupla presença de uma reza revelada na sua verdadeira essência. Uma vez atingido, atra-
divindade inatingível e inefável, e de uma divindade que vés da compreensão dessa polaridade dos contrários e do aspec-
se manifesta, ao contrário, na natureza como sombra e to cíclico e sombrio do real, no limite da selva, além da qual po-
que é a única, a qual o homem pode em virtude do estudo
der contemplar a Anfitrite, ao Nolano não restava mais que en-
e empenho, chegar a contemplar. Sob o plano conceitual,
a fé neste duplo aspecto, de imanência e transcendência frentar a experiência final, aquela do “esquartejamento”. Portan-
do princípio divino está próximo ao Brahman-Atman, da to, a fogueira, a qual ele foi ao encontro, o impávido filósofo,
sabedoria indiana. não marcou o fim do mártir do livre pensamento, mas a sublima-
ção do furioso heróico.
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Capítulo 10
O PROCESSO E A FOGUEIRA
O P RO C E S S O E A F O G U E I R A
A prisão
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O P RO C E S S O E A F O G U E I R A
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riam era uma que o mastim não haveria de abandonar mais a presa. Ali
completa e autên- dentro, fiquei consciente da impossibilidade que alguém
tica renuncia à to- pudesse me escutar: a censura impossibilitava o ato de
das às minhas escrever e nem mesmo a palavra tinha algum sentido sem
ideias. ouvintes. Entendi que sobrava um último instrumento de
✦ Se iludiam em comunicação, nesse momento. Que podia expressar-me so-
poder aprisionar, mente de um modo: com as minhas escolhas, o testemunho
também, sua ex- das minhas últimas ações, na esperança, que ao menos es-
traordinária imagi- sas, ganhariam o esquecimento do tempo e a fúria dos
nação entre as sóli- meus perseguidores. Amarrado com a cabeça baixa, com
das muralhas das as articulações destroçadas, o meu corpo tornou-se um sím-
Roberto Bellarmino esferas celestes. bolo mágico na rota da memória e a morte para mim pare-
cia uma sublimação extrema do meu pensamento. Uma ex-
✦ Não pensem, trema tentativa de transmitir no decorrer do tempo e espa-
que os sete anos ço a minha mensagem, como a mais perfeita magia que
na prisão fiquei ocupado todo esse tempo, dedicando-me um homem pudesse lograr.
na elaboração das minhas estratégias de defesa. O meu cor-
po era prisioneiro, entretanto, minha mente continuava ✦ Sempre sentiu pender sobre você este destino fatal e res-
impávida a percorrer com as asas a imensidade do espaço. soar nos seus ouvidos a profecia hermética: “ ...ainda será de-
Iludido de poder lidar com eles, mas quando no campo de finida pena capital àqueles que se dedicarem a religião da mente”. É
batalha entrou seu paladino, o Cardeal Bellarmin, entendi um amor e ódio pela vida, praticamente o medo de ligar-se
muito a essa, pelo pressentimento da mutação: uma melan-
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colia lacerante, suportada e redimida somente pelo entendi- vida inteira, entendi que o ciclo da minha vicissitude estava
mento da missão de um Mercúrio enviado dos céus à terra a ponto de uma virada. Agora basta! Não tenho nada para
para socorrer os mortais na sua fadiga e ignorância: isto co- arrepender-me! Somente Clemente VIII em pessoa pode-
mo cidadão e domiciliado no mundo, filho do pai sol e da ria compreender e talvez aceitar a existência desta “dupla
mãe terra, porque ama demais o mundo, vemos como de- verdade”, filosófica e teológica, mas não queriam me escu-
via ser odiado, criticado, perseguido e rejeitado por esse. tar, até o último instante.
Mas nesse, enquanto, não esteja ocioso e nem mal ocupado ✦E assim formularam a sentença deles.
a esperar pela morte....pela sua reencarnação e transmuta-
ção. ✦ A minha já havia pronunciado sete anos antes, diante dos
inquisidores venezianos: “Eu sustento um infinito universo,
✦ A “nova filosofia” é entendimento da vicissitude da vida tudo efeito da infinita, divina potência, porque julgava in-
humana, é alegria em sentir-se imerso na divindade da na- digno da bondade divina e potência, que podendo produzir
tureza, é uma pitada de heróico furor por reuní-la e con- além deste mundo, um outro e outros infinitos, produzisse
templá-la, é ausência de renúncia, porque tudo muda e à um mundo finito. É esta a sentença pela qual tinham me-
noite segue infalivelmente o dia, é ausência de exaltação do, mais do que eu poderia temê-los.
porque acontece o oposto. É plenitude de vida, de ânimo e
intelecto, é confiança nas capacidades físicas e intelectuais ✦ Não tinha então, nenhum medo de morrer?
de um verdadeiro homem, “animado” e não bestial, é ✦ O que é a morte senão um dissolvimento de laços, portan-
ausência de coerções, das barreiras ao conhecimento, é se- to, o sábio não deve temê-la. A única morte verdadeira é
de de infinito. Por tudo isso, não podia abjurar. Quando não pensar mais ou ter o teu pensamento cancelado, como
me dei conta que era nisto, o qual miravam, a essência do procuraram fazer com o meu. Em nada significa, que não
meu pensamento, pelo qual lutei pelo mundo a fora, uma me desagradasse interromper aquele vínculo de amor que
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existe entre corpo e alma, porque se enquanto esperamos outra vi- rioso disquarto final. Como o mito de Acteon, quando per-
da ou modo de sermos nós, não será aquela nossa, como quem somos ceberam que consegui contemplar a verdade, os galgos da
no presente, por isto que esta, sem esperar nenhum retorno, eternamente intolerância e da obtusidade lançaram com violência sobre
passa. mim para me rasgar em pedaços.
✦ “Agradável companheiro, epicuro pela vida”, assim te ✦ Assassinaram você, porém, também concederam sublima-
descreve o teu amigo Jacopo Corbinelli. Você gostava de be- ção a sua filosofia, além dos limites impostos pelo corpo,
ber um copo acompanhado e sempre considerou o pecado das coerções.
da carne irrisório e desculpável, por ser uma coisa natural ✦ Trismegito disse uma vez: “Imagina de estar igualmente
e de grande mérito observar os mandamentos de Deus. em cada lugar, na terra, no mar, no céu, imagina de nem
✦ É verdade, amei com toda força do coração, com todo ím- ter nascido ainda, de estar no ventre da tua mãe, de estar
peto do qual é capaz um homem do sul: amores intensos jovem, velho, de estar morto, de ser aquilo que serás depois
como as minhas emoções. Mas, como filósofo não podia da sua morte. Se você compreende todas essas coisas jun-
esquecer que cada coisa muda, nada se aniquila e no ciclo tas, poderás entender Deus”. Preso nu àquela estaca na
da vicissitude, uma é a alma imortal, eterna que vive e se fresca manhã de fevereiro, consegui finalmente voar com o
congratula de comunicar-se em cada coisa. Nenhum espíri- espírito de um lugar a outro num instante. Como se não
to e nenhum corpo perece: consiste somente uma contínua precisasse mais viajar, para estar em Paris na corte de Enri-
mudança de combinações. Como a serpente, não seria ou- co III ou a Londres na presença da rainha Elisabete ou a
tra senão homem, caso do seu corpo brotassem braços, ca- Wittenberg, a Hemstedt, a Napoles, a Nola, o sul mais lon-
beça e pernas, assim sentia brotar de meu corpo novas for- ge dos corpos celestes e além dos confins do mesmo univer-
mas e meu intelecto unir-se ao divino em um instante de fu- so, mas estivesse já alí.
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O P RO C E S S O E A F O G U E I R A
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O B R A S D E G I O R DA N O B RU N O
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BIBLIOGRAFIA
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1969 Articoli contro i matematici, a cura di Guido del Giudice, Di Renzo, Ro-
ma, 2014
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O AUTOR
Guido del Giudice é considerado um dos mais profundos
conhecedores da vida e obra de Giordano Bruno. Dedicou ao
filósofo Nolano dezenas de estudos profundos e apaixonados,
percorrendo o intinerário da sua “peregrinação”, visitando
todos os lugares, no quais ele ficava hospedado. Sempre na
procura de traços e informações inéditos. Este método de
pesquisa o consentiu, entre tantas outras descobertas,
encontrar em um exemplar de Camoeracensis Acrotismus, que
estava no acervo da biblioteca de Klementium, em Praga, uma
inedita assinatura autografada pelo filósofo. Identificou, além Obras do autor::
disso em Oratio Valedictoria, uma citação de Gargantua et ✦ WWW. Giordano Bruno, 2001
Pantagruel, que permite considerar Francois Rabelais, uma das ✦ La coincidenza degli opposti. Giordano Bruno tra Oriente e Occidente,
fontes preferidas de Bruno. As suas pesquisas na Suiça, para a 2005
realização da primeira tradução italiana de Summa
✦ Due Orazioni. Oratio Valedictoria – Oratio Consolatoria, 2006.
terminorum metaphysicorum, iluminau em detalhes um
período, até agora, desconhecido na vida do filósofo, provando ✦ La disputa di Cambrai. Camoeracensis Acrotismus, 2008
importantes relações, mantidas com o movimento Rosacruz. ✦ Il Dio dei Geometri. Quattro dialoghi. 2009
Em 2008 venceu a primeira edição do Prêmio Internacional ✦ Somma dei termini metafisici con il saggio Bruno in Svizzera tra alchimisti
Giordano Bruno com o livro La disputa di Cambrai. Desde 1998 e Rosacroce, 2010
é o curador do site www.giordanobruno.com, que hoje é um ✦ Io dirò la verità. Intervista a Giordano Bruno, 2012.
ponto de referência para apaixonados e estudiosos de todo
✦ Contro i matematici, 2014.
mundo.
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Tradução Flavia Wass
Para mais informações:
www.giordanobruno.com
www.giordanobruno.info
www.iodirolaverita.it
Canal Youtube
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