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A (im)penhorabilidade do salário na atual visão do Superior Tribunal de Justiça: É proibido, mas se

quiser pode.

Circula na internet a imagem de uma placa, provavelmente instalada em um salão de


festas, com os seguintes dizeres: “É proibido dançar agarrado, mas se quiser pode”. À parte da
aparente anedota que integra a frase e a circunstância na qual foi utilizada, me permiti imaginar
situações, de modo a contextualizar o leitor com o tema adiante abordado.

Será que a proibição de dançar agarrado seria afastada pela simples vontade das partes
envolvidas? Ou esta vontade deveria estar atrelada a uma justificativa plausível, como, por exemplo,
“só pode dançar agarrado se estiver apaixonado”, ou, ainda, “só é possível dançar agarrado se o
salão estiver lotado”?

Afinal, como interpretar uma norma jurídica? O que pode e o que não pode ser
mitigado ou relativizado?

Sobre o tema impenhorabilidade salarial, embora seja possível encontrar decisões em


sentido contrário (AgRg no AREsp 792.337/MS - DJe 6/3/2017; AgRg no AREsp 143.850/RJ - DJe
25/4/2016; REsp 1.608.738/MS - DJe 7/3/2017; REsp 1.721.084 – DJe 17/04/2018), o entendimento
mais recente da Quarta Turma do STJ, firmado no julgamento do Agravo em Recurso Especial nº
1.336.881/DF (julg. em 23/04/2019), assentou que a natureza da dívida e a alta renda do executado
são elementos que autorizam a penhora do salário para quitação de alugueis residenciais. Na
ocasião, foi reconhecida a possibilidade da penhora de 15% da remuneração bruta do devedor de
dívida locatícia, em virtude dos altos rendimentos por ele percebidos.

Na visão do relator, ministro Raul Araújo, o Código de Processo Civil de 2015 deu um
tratamento diferente à regra da impenhorabilidade, por ter suprimido a expressão “absolutamente”
(onde constava, no texto do CPC/1973, o termo “são absolutamente impenhoráveis”, passou a
constar apenas “são impenhoráveis”).
A alteração, para o ministro, abriu margem para a mitigação da regra de
impenhorabilidade do salário e que “então, é para além disso, das próprias relativizações que
expressamente já contempla, que o novo código agora permite, sem descaracterização essencial da
regra protetiva, mitigações, pois se estivessem estas restritas às próprias previsões já expressas não
seria necessária a mudança comentada”.

Em caso semelhante, julgado sob a égide do CPC/73, a Corte Especial (STJ) já havia se
manifestado no sentido de que “a regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos,
proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando
for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua
família” (EREsp 1.582.475/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 19/03/2019).

Para o tribunal, não seria razoável que o credor seja impossibilitado de obter a
satisfação de seu crédito, especialmente em situações em que não haja comprometimento da
manutenção digna do executado, motivo pelo qual deve ser prestigiado o princípio da efetividade e
da dignidade humana.

A tese firmada pela Corte Superior, no entanto, destoa completamente da nova


codificação processual, mais precisamente do texto disposto no artigo 833, inciso IV e §2º do
CPC/2015. Vejamos:

“São impenhoráveis:
(…)
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos
de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias
recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua
família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal,
ressalvado o §2º;
(…)
§2º O disposto nos incisos IV e IX do caput não se aplica à hipótese de penhora para
pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às
importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a
constrição observar o disposto no art. 528, §8º, e no art. 529, §3º.”
Ao contrário do afirmado no julgado referenciado acima, de que a supressão do termo
“absolutamente” abriu livre caminho para a relativização da impenhorabilidade, na realidade
apenas sistematizou as normas atinentes ao tema, especificando o que o legislador desejou que
fosse, de fato, “relativizado”.

Como se vê, conquanto o novo diploma tenha mantido a regra da impenhorabilidade do


salário, previu uma maior flexibilização, permitindo a penhora, também, para pagamento de
prestação alimentícia de qualquer origem (art. 833, §2º, primeira parte), bem como em relação às
dívidas de qualquer natureza que excedam 50 (cinquenta) salários-mínimos (art. 833, §2º, segunda
parte).

As hipóteses previstas no art. 833 do CPC/2015 podem, ainda, ser consideradas


hipóteses de impenhorabilidade absoluta, sendo que as restrições estão expressamente descritas
no próprio texto legal, seja de impenhorabilidade relativa (dívidas decorrentes de prestação
alimentícia ou relativas ao próprio bem e dívidas da pequena propriedade rural utilizada pelo
trabalho da família, por exemplo), seja de impenhorabilidade parcial (dívidas que superem
cinquenta salários-mínimos) (Hermes Zanetti Jr, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. XIV.
2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018).

Especificamente em relação à possibilidade de penhora do salário, houve uma sensível


evolução no ordenamento jurídico brasileiro, à guisa da legislação de outros países que também
permitem a penhora de parte da remuneração do devedor, como, por exemplo, na Europa:
Portugal, Espanha, Alemanha e Itália e; na América do Sul: Chile, Argentina e Uruguai.

Sem descuidar de posicionamentos divergentes, ao delimitar o teto de cinquenta


salários-mínimos, a lei quis fixar um parâmetro objetivo a ser observado para excepcionar a regra da
impenhorabilidade, justamente para eliminar a carga de subjetividade que vinha sendo utilizada
recorrentemente pelo STJ no processo de relativização da regra.

Se assim não o quisesse o legislador (fixar critério objetivo), teria apenas estabelecido
que “o salário é impenhorável, exceto quando não comprometer a dignidade e subsistência do
devedor” ou “o salário é impenhorável, salvo se de elevado valor” (este último exemplo foi utilizado
como exceção da impenhorabilidade dos vestuários e pertences de uso pessoal – art. 833, III do
CPC/2015), hipótese em que ficaria a cargo do juiz avaliar, casuisticamente, definir o que é e o que
não é de “elevado valor” e quando a subsistência do devedor não restaria ameaçada.

Não restam dúvidas que a lei processual determinou um valor mínimo considerado
impenhorável, o qual, para o legislador, é o que corresponde à integração do princípio do
patrimônio mínimo e dignidade humana do devedor.

Certa ou errada, é a lei.

Não concordo que o valor seja justo e razoável, mas entre o que é justo e o que é direito
há uma certa diferença, assim como há uma larga diferença entre discutir a questão e propor novas
alterações na lei e corrigir judicialmente qualquer desacerto do legislador. Fugir do direito para
buscar a justiça pode ser perigoso e ocasionar graves traumas ao Estado Democrático de Direito.

É perfeitamente compreensível a preocupação do STJ em garantir a efetividade material


do direito da parte que vê a demanda judicial como a única forma de obter a sua pretensão. Isso
porque a delimitação do valor de cinquenta salários-mínimos para garantir a impenhorabilidade do
salário não corresponde à realidade econômico-social brasileira, considerando que uma diminuta
parcela da sociedade possui rendimentos mensais superiores ao referido valor.

Não se pode esquecer, todavia, que não cabe ao Poder Judiciário reescrever a norma,
mas interpretá-la. E o esforço interpretativo requer cuidados, para que o subjetivismo não seja
utilizado como a panaceia de todos os males, mesmo daqueles nascidos das péssimas escolhas
legislativas, sob pena de o juiz ultrapassar o papel de intérprete e aplicador da lei para o de judge
made law (juiz que cria o direito) (https://emporiododireito.com.br/leitura/juizes-de-todo-o-pais-
fundamentem-as-vossas-decisoes).

Conforme bem pontuado por Rodrigo Becker, o legislador fez a opção de trazer a regra
de impenhorabilidade do salário e especificar a suas exceções (impenhorabilidade relativa e
impenhorabilidade parcial), sendo que “interpretar não pode ter por função modificar, mas sim,
extrair o melhor significado dentro do âmbito de possibilidade oferecida pela norma legal. Se não é
a melhor norma, cabe perseguir uma forma de corrigir o problema, dentro das opções democráticas
oferecidas pela Constituição” (https://emporiododireito.com.br/leitura/pode-haver-penhora-de-
salario-para-pagamento-de-dividas-nao-alimentares ).

Não pode o mero desejo do juiz substituir a lei, sem uma justificativa jurídica - e
hermeneuticamente – válida. Aliás, Becker ressalta que “se é ou não constitucional, é questão de
inconstitucionalidade, e não de interpretação a partir de princípio”. É esta a crítica que faz Lênio
Streck ao destacar que há limites interpretativos e que “uma decisão judicial que afasta a exceção
do artigo 833, IV, fora das exceções previstas no próprio dispositivo, seria/é casuística e ativista”
(https://www.conjur.com.br/2018-jan-04/senso-incomum-stj-erra-permitir-penhora-salario-expressa-
vedacao-legal)

De todo modo, é claramente perceptível que o STJ seguirá trilhando esse caminho,
avaliando a possibilidade de penhora do salário de acordo com o caso concreto, à luz do princípio
da dignidade da pessoa humana.

Mas de que maneira isso será parametrizado? De acordo com os rendimentos do


executado, a recalcitrância do devedor, a duração do processo, o montante e a natureza da dívida, a
condição socioeconômica do credor? Difícil dizer, já que a análise sempre buscará resguardo no
princípio da dignidade humana e a infinitude de situações possíveis permitirá a criativa produção de
critérios particulares.

Por fim, ouso afirmar que o temperamento, para não dizer sepultamento, da regra da
impenhorabilidade (parcial) do salário, abre margem para o tão criticado voluntarismo judicial e,
reitero, com todo o respeito às opiniões que seguem direção oposta, o senso de querer fazer justiça
produzirá um contingente cada vez mais numeroso de verdades incontornáveis, alérgicas ao firme
sentido da lei.

Thomas Ubirajara Caldas de Arruda. Advogado licenciado. Assessor Jurídico na


Procuradoria-Geral de Justiça (MP/MT). Especialista em Direito Processual Civil (UFMT).

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