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Este estudo pretende ser uma primeira abordagem aos sonetos de Bocage, que
movimento romântico na literatura portuguesa, assim como dar a conhecer o poeta, mais
será através deste filtro que chegarão a Portugal muitas traduções da nova
forma de poetar. Oriundos das Arcádias, os poetas misturam a veia clássica com
numa lenta evolução entre as leis de composição, ambas abraçadas por alguns
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Afirma Vitorino Nemésio (Bocage, 1961:27): «(…) a poesia é arte e vivência.».
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Esta mudança não é só artística e intelectual; ela marca, também, a alteração da estrutura sócio-cultural,
dada a recepção das ideias políticas e sociais das Luzes e a difusão da lei universal da Razão, pelo que o
Romantismo português está intimamente ligado à implantação do Liberalismo, coincidindo com a
introdução das ideias liberais ligadas à Maçonaria e semeadas pela Revolução Francesa.
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temas como confessionalismo, revolta e independência pessoal, solidão,
temática dos árcades, preferindo os poetas buscar no seu mundo interior a fonte
sujeito poético e associado à morte, por sua vez associada à noite, visão de uma
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Os poetas pré-românticos, como Filinto Elísio, José Anastácio da Cunha, Tomás António Gonzaga, a
Marquesa de Alorna e Bocage, entre outros, não constituem um movimento literário organizado e
sistematizado – afirma Jacinto do Prado Coelho (1989:866): «(...) rigorosamente, não há Pré-
Romantismo, pois não se trata de um movimento uno e de directrizes conscientes, mas sim pré-
românticos, cada um com a sua feição individual e combinando de modo sui generis ingredientes
neoclássicos e pré-românticos.». Estamos perante o desencontro entre a experiência humana e a procura
da definição da sua expressão.
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nova natureza mórbida. O poeta cria uma paisagem identificada com os seus
1790, foi convidado a fazer parte da Academia das Belas-Artes (ou Nova
pelos Oratorianos e, liberto dois anos mais tarde, assiste-se a uma alteração no
seu carácter, uma mudança na voz, um grito que se cala: há a crença em Deus,
seus poemas.
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Alexandre Herculano (1986:115) considerou que Bocage «(…) trouxe a poesia dos corrilhos e salões
aristocráticos para a praça pública (…).».
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dado verter num esquema clássico uma expressão romântica.5 No classicismo
Ferreira e Camões) descera a segundo plano, mas será com ele que Bocage tenta
artifício da linguagem.
Bocage foi cantá-los. A sua história é transposta para o território da ficção e, aí,
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Álvaro Manuel Machado (1982:15) considera que «(...) o soneto é nele um compromisso por vezes
penoso, compromisso entre esse passado de rigidez formal e o improviso de cariz romântico abertamente
confessional.».
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sujeito do poema ficciona emoções, sendo o poema «uma sensação para os
outros».6
Egotismo e Confidência
sendo, desde muito cedo, dominado pela ideia de uma missão de poeta e de uma
teatralizada.8
Considerava o amor como uma lei universal, um «fado» a que o homem não se
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«A arte, na sua definição plena, é a expressão harmónica da nossa consciência das sensações, ou seja, as
nossas sensações devem ser expressas de tal modo que criem um objecto que seja uma sensação para os
outros.» (Pessoa, s.d.:138).
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Cf. «Apenas vi do dia a luz brilhante» e «Do tempo sobre as asas volve o dia» (1969a:76 e 158).
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«Para Bocage, a poesia foi desabafo, autoconsolação, libertação de angústias pelo ritmo da confidência
(…).» (Coelho, 1996:45).
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pode esquivar; vê no amor o seu destino, superior a si mesmo e à sua vida: «Não
casada com o seu irmão. «Vim, só por me fazer de ti mais digno,/A climas do
seu amor, acende um fogo no peito do poeta: o Ciúme, que nasce da frustração
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«Importuna Razão, não me persigas» (1969a:27) seria a consciencialização do seu drama, uma espécie
de punição quer por amar, quer por não poder alcançar a sua concretização. O conflito Razão/sentimento,
expressão do sujeito dividido entre duas estéticas, revela a insuficiência daquela contra o poder do Amor.
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incertezas, que origina o seu «inferno de amar», provocado por um amor
(1969a:70).
carinho materno, uma primeira ausência, um roubo dos primeiros amores, não
saída para uma outra vida nova: «(…) a vertigem da sombra e do abismo, da
Fatalismo
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infeliz, vítima do Destino adverso, cujo modelo espiritual é Camões.10 A
Antiguidade, a Morte era tida como uma divindade mitológica formada pelo
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Cf. «Camões, grande Camões, quão semelhante» (id.:85).
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«Sou vate, e, sobranceiro à Natureza,/Nos arcanos do Céu leio o que digo.» (id.:109).
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Cf. «Ó retrato da Morte! Ó Noite amiga» (id.:23).
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Cf. «Já sobre o coche de évano estrelado» (id.:7), soneto que apresenta uma paisagem silenciosa onde,
num tom confessional, com um pensamento lúgubre, o sujeito transmite o desejo da morte, traduzido no
corte do fio que o liga à vida, comprazendo-se com a dor.
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exorcismo, constitui a eufemização da vertigem e da queda, em demanda de um
apresenta ao poeta como ponto final da existência, não é a última viagem, mas
uma viagem inicial que permite a ascensão e a libertação para um espaço etéreo,
continua para além – é na morte que o amor viverá a sua última ambição de
ideia da morte, da sua morte. Ele é, antes de Antero, o nosso primeiro niilista,
oratória, a frase, a Morte como tema central, passam de Bocage a Antero, como
Álvaro Manuel Machado, vêem, entre Bocage e Antero, uma ligação temática e
viver. Ao permitir uma libertação, por um lado, e uma participação cósmica, por
outro, esta leitura remete para uma experiência de natureza mística, para a ideia
de uma noite divina e materna, para cujos braços acolhedores o sujeito apela
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«Por isso, na paixão que me devora, /Invoco a muda paz da sepultura,/Da suspirada morte a feliz hora.»
(1969b:122).
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«Senhor, que estás no Céu, que vês na Terra/Meu frágil coração desfeito em pranto,/ Pelas ânsias
mortais, o ardor, o encanto/Com que lhe move Amor terrível guerra;//Já que poder imenso em Ti se
encerra,/Já que aos ingénuos ais atendes tanto,/Socorre-me, entre os santos Sacrossanto,/Criminosas
paixões de mim desterra!» (1969a:145).
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Cf. «Deixar, amado bem, teu rosto lindo» (1969a:74).
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Vd., também, os seis sonetos sob o título «Elogio da Morte» (pp. 141-146) e as alegorias (em) «Mors –
Amor» (p. 118).
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pela tranquilidade que ela transmite e a protecção que dá. Daí, se lê o desabafo:
Romântico
infortúnio progressivo numa forma poética que lhe permitiu a expressão de uma
nova sensibilidade.
Fado e a sua perseguição, gosto pela solidão, túmulos, morte, inter-acção entre o
sujeito e a Natureza, temas que encontramos nos sonetos de Bocage. Esta nova
paisagem que lhe serve, cenário que conota o estado psicológico do sujeito
arrependido regresso a Deus, amargurado pelo desconcerto que foi a sua vida:
«Meu ser evaporei na lida insana» e «Já Bocage não sou!...» (1969a:168 e 202)
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Dirigindo-se a Deus, suplica: «Lava-me as nódoas do pecado imundo,/Que as almas cega, as almas
contamina;/.../Estende o braço, a lágrimas propício,/Solta-me os ferros, em que choro e gemo,/Na
extremidade já do precipício.//De mim próprio me livra, ó Deus supremo,/Porque o meu coração,
propenso ao vício,/É, Senhor, o contrário que mais temo!» (1969a:143).
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constituem um duro exame de consciência e resgatam uma vida que decorreu
espera angustiante pelo fim da vida e ansiando por uma elevação espiritual, que
expressão poética, uma forma de sublimar essa dor que sempre o atravessou,
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BIBLIOGRAFIA
edição.
Bertrand, volume I.
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MOURÃO-FERREIRA, David (1981). «O drama de Bocage» in Hospital das
Letras. Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2.ª edição, pp. 41-44.
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