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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE IDENTIDADE

NACIONAL

Iara Andrade*

O nacionalismo não é o despertar das nações para autoconsciência: ele inventa


nações onde elas não existem.

Ernest Gellner

Resumo

O presente artigo discute o conceito de identidade nacional, analisada aqui, como uma repre-
sentação formulada por intelectuais com interesses diversos. Serão examinadas também sua
importância, conflitos e transformações, tendo como base os estudos de Renato Ortiz, Eric
Hobsbawn, Maria Stella Martins Bresciani e Benedict Anderson.

Palavras-chave: Identidade Nacional, Representação e Intelectuais.

Abstract

This article discusses the concept of national identity, analyzed here as a representation made
by scholars with diverse interests. Its significance, conflicts and transformations will also be
examined, based on studies of Renato Ortiz, Eric Hobsbawm, Maria Stella Martins Bresciani
and Benedict Anderson.

Keywords: National Identity, Representation and Intellectuals.

INTRODUÇÃO

O que nos une? O que cria em nós um sentimento de pertencimento? O que nos faz brasilei-
ros? Por que e para que fazer parte de uma nação? O que nos leva a matar ou morrer por nossa
pátria? Essas são indagações que vários autores que se propuseram a estudar a identidade na-
cional se deparam e discutem até hoje. Apesar do significado do termo Identidade Nacional
apresentar divergências entre diversos autores, tanto Benedict Anderson quanto Maria Stella
Martins Bresciani concordam com as concepções subjetivas do termo, para Bresciani, a iden-
tidade Nacional seria lugares comuns, “ou seja, um fundo compartilhado de idéias, noções
teorias, crenças e preconceitos, permitindo a troca de palavras, argumentos e opiniões sobre
uma comunidade política efetiva”(BRESCIANI, 2007:31). Já para Benedict Anderson as i-
dentidades seriam discursos construídos, imaginados. Dizer que a identidade nacional é uma
construção, uma narrativa inventada, não quer dizer que ela seja irreal. Segundo José Carlos

*
Mestranda em História – USS/Vassouras
2
Reis (2006:17) ela é uma realidade tão profunda que “envolve as mais vicerais paixões de um
indivíduo. Foi essa fraternidade construída, que segundo Anderson, tornou possível nestes
dois séculos, tantos milhões de pessoas tenham-se dado não tanto a matar, mas, sobretudo a
morrer por criações imaginárias limitadas” (ANDERSON, 2008:334).

Admitindo a sua importância para a vida dos cidadãos, a sua utilização com interesses ambí-
guos e a complexidade em se discutir Identidade Nacional, autores como Maria Stella Martins
Bresciani, José Carlos Reis, Renato Ortiz se propuseram a desenvolver pesquisas sobre os
diversos modelos de identidades nacionais criadas no Brasil, identificando os interesses conti-
dos na formulação de cada modelo de identidade, assim como algumas conseqüências que tais
modelos poderiam acarretar.

Segundo José Carlos Reis (2006:10) “[...] é preciso que o povo se conheça, para que se veja
como capaz de realizações grandiosas.” Por isso, para o autor, a construção da identidade na-
cional embasada na figura de um povo vitorioso seria de extrema importância para o futuro da
nação.

Os grupos que conseguem se ver no espelho da cultura, que conseguem construir a


própria figura, em uma linguagem própria, identificam-se isto é, criticam-se, reco-
nhecem o próprio desejo e tornam-se competentes até na ação econômico-social.
[...] aquele que manipula os sinais de uma identidade vencedora para obter vanta-
gens, manipulará a identidade daquele que o reconhece e se deixa manipular.
(REIS, 2006:10).

Renato Ortiz1 argumenta que o modelo de identidade Nacional criado no final do século XIX,
pela geração de 18702, (embasado na “raça” e no meio geográfico) teria desenvolvido em nós
brasileiros um sentimento de desagrado pela própria identidade, isto porque, enquanto em
outros países a identidade nacional fora construída tendo como referência a superioridade do
povo, o passado esplêndido, ou a língua; no Brasil, um dos modelos de identificação pressu-
punha a “raça” que na época era considerada inferior e o clima que gerava pessoas pouco pro-
pensas ao trabalho e à racionalidade. Ou seja, nossa identidade fora construída em bases con-
sideradas negativas, o que teria gerado em nós, segundo Darcy Ribeiro e Bresciani, o senti-
mento de incompletude, “[...] o povo brasileiro seria ainda um por vir a ser, sempre colocado
no futuro, um projeto [...] homens e mulheres inacabados” (BRESCIANI, 2007:12).

Representações e Intelectuais

Para se entender o termo, os conflitos e interesses gerados pela questão da Identidade Nacio-
nal precisaremos antes analisar o conceito de representações. Segundo Chartier “As represen-
tações não são discursos neutros: produzem estratégias e práticas tendentes a impor uma auto-
ridade, uma deferência, e mesmo a legitimar escolhas”(CHARTIER, 2002:17), ou seja, a iden-
tidade nacional, ao nosso ver, é uma representação, sendo, portanto construída por grupos que
possuem interesses em impor a sua visão ideológica.

1
Ver Renato Ortiz. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.21.
2
A Geração de 1870 preocupou-se, fundamentalmente, com a formulação de projetos capazes de tornar o Brasil
um país moderno, possuía vários representantes entre eles: Nina Rodrigues, Euclides Cunha e Sílvio Romero.
3
As representações são variáveis segundo as disposições dos grupos ou classes soci-
ais; aspiram à universalidade, mas são sempre determinadas pelos interesses dos
grupos que as forjam. O poder e a dominação estão sempre presentes. (CARVA-
LHO, 2009:149).

Uma das características de identidade nacional analisada aqui como representações seriam os
interesses presentes nos modelos de identidades propostos. No Brasil, o Estado foi um dos
grandes formuladores da identidade, e para isso cooptou vários intelectuais para que estes
desenvolvessem propostas que unissem o povo, tendo como base, por conseguinte, os interes-
ses da elite governamental.

Outra característica da representação é seu nível de abrangência, ao contrário do folclore que


se apresenta vivo em determinada comunidade, com costumes e hábitos restritos, a identidade
nacional, sendo uma representação tende a ser universalista, expandindo-se por toda popula-
ção, para que seja legitimada pelo povo em geral. Se as propostas de identidade não forem
assimiladas pela população, não exercerá influência sobre os seus sentimentos e atos, invali-
da-se, portanto, uma das funções da representação que é a legitimação de uma ordem pelo
consentimento e não pela violência3:

As citações de Bourdieu permitem enfatizar as funções políticas das representações,


ou seja, a legitimação de uma ordem arbitrária, a sanção de um regime de domina-
ção fundado no reconhecimento (incluso na representação).(CARVALHO,
2009:152).

O termo identidade Nacional tem gerado várias divergências entre os estudiosos da área, al-
guns advogarão a sua objetividade, ou seja, para eles, identidade nacional seria um elemento
imutável, integrador, para outros, identidade nacional seria algo subjetivo, sendo assim, cons-
truído, transformado, podendo um mesmo indivíduo se sentir fazendo parte de diversas iden-
tidades e a qualquer momento se desvincular de uma delas; é por esta concepção subjetiva de
identidade, que podemos situá-la como uma representação.

A concepção objetiva da identidade mostra-se demasiadamente fechada, primeiro porque vá-


rios foram os modelos de identidades presentes em um mesmo país, isso demonstra transfor-
mação de idéias e não imutabilidade, segundo porque não existe nada que nos tornem iguais,
por isso mesmo, tal homogeneização tem que ser construída. Estes são alguns dos problemas
que encontramos ao conceituar Identidade Nacional de modo restrito, a identidade nacional
seria então uma comunidade imaginada4, uma representação, um discurso construído.

O fato de a identidade nacional ser uma representação não quer dizer que ela seja irreal. Se-
gundo Sandra Jatahy Pesavento representações são:

[...] matizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora


e coesiva[...]Tal pressuposto implica eliminar do campo de análise a tradicional
clivagem entre o real e o não-real, uma vez que a representação tem a capacidade

3
Entende-se aqui, a violência física, visto que a violência simbólica também é uma forma de representação,
utilizada com o intuito de manter a ordem. Chartier chama a atenção para o recuo da violência física direta;
quando há a ampliação da chamada violência simbólica, ou seja, da violência consentida por quem a sofre.
4
Termo criado por Benedict Anderson e exposto no livro Comunidades Imaginadas: Reflexões sobre a origem e
a expansão do nacionalismo.
4
de substituir a realidade que representa, construindo um mundo paralelo de sinais
no qual as pessoas vivem (PESAVENTO, 2003: 39-41).

Benedict Anderson dissertando sobre o caráter real ou irreal das comunidades imaginadas
afirma: “As comunidades se distinguem não por sua falsidade/autenticidade, mas pelo estilo
em que são imaginadas” (ANDERSON, 2008:33) Portanto, em certos lugares a identidade
nacional poderá ter como base a língua, o passado, em outros a “raça”, os hábitos ou o tempe-
ramento do povo, ou seja, cada país, grupo ou classe imaginou uma proposta de identidade
que se transformou no tempo e no espaço.

Já Renato Ortiz analisando as várias divergências entre os autores causadas pela idéia da fal-
sidade ou autenticidade da identidade nacional afirma:

[...] a procura de uma “identidade brasileira” ou de uma “memória” brasileira que


seja sua essência verdadeira é um falso problema. [...] a pergunta fundamental se-
ria: quem é o artífice desta identidade e desta memória que se querem nacionais? A
que grupos sociais ela se vinculam e a que interesses elas servem? (ORTIZ,
1997:139).

Para Ortiz, o termo Identidade Nacional apesar de gerar várias divergências entre estudiosos5,
oferece um caminho para entender aquilo que o autor afirmou estar em primeiro plano: os
agentes que constroem a interpretações sobre a realidade, são eles, os intelectuais que desem-
penharão o papel de mediadores simbólicos entre o nacional e o popular.

Os intelectuais serão os responsáveis pela formulação de modelos de identidade, e esta, vista


agora como uma representação, expressa por meio de discursos de imposições de visões e
interesses destes intelectuais, gerará também vários conflitos ideológicos, ou seja, lutas de
representações, no qual cada intelectual buscará legitimar a sua concepção de identidade na-
cional.

As representações não são discursos neutros: produzem estratégias e práticas ten-


dentes a impor uma autoridade, uma deferência, e mesmo a legitimar escolhas. Ora,
é certo que elas colocam-se no campo da concorrência e da luta. Nas lutas de re-
presentações tenta-se impor a outro ou ao mesmo grupo sua concepção de mundo
social: conflitos que são tão importantes quanto às lutas econômicas; são tão deci-
sivos quanto menos imediatamente materiais. (CHARTIER, 2002:17).

Para melhor explicar e exemplificar a discussão sobre as lutas de representações, citaremos


sucintamente os alinhamentos ideológicos ocorridos na década de 20, entre dois autores que
se preocuparam com a formação da identidade brasileira, um deles é Oliveira Vianna e o ou-
tro Gilberto Freyre, tais divergências entre as concepções formuladas por estes autores gera-
rão conflitos simbólicos.

Segundo Bresciani (2007:155) “[...] a década de 20 fora o período dos manifestos, se vivia o
momento propicio para propor e executar modificações radicais na sociedade”, os conflitos
ideológicos, expressos nos projetos políticos até então se intensificavam.

5
Bresciani, por exemplo, afirma que os “autores brasileiros, assim como Ortiz, teriam se mantidos prisioneiros
da já indicada dualidade interna e externa da diferença”.
5
Os projetos formulados por Oliveira Vianna - intelectual, membro do IHGB e do governo de
Vargas - entravam em conflito com novas concepções que surgiam na década de 20, dentre
elas, as propostas formuladas por Gilberto Freyre –escritor e sociólogo – que também se preo-
cupou com a identidade Nacional. Apesar de as teorias destes dois autores convergirem em
alguns aspectos, - caráter autoritário das concepções formuladas e a importância dada à mis-
cigenação - em muitos outros aspectos eles divergiam.

Um desses aspectos diz respeito ao próprio conteúdo discordante contido nos projetos formu-
lados pelos mesmos. Oliveira Vianna tinha uma proposta para o desenvolvimento nacional e
político baseada nos estudos das “raças” e na ação do Estado forte sobre esse povo mestiço,
população esta, que segundo Vianna, seria incapaz de se articular se não houvesse um grupo
de intelectuais os governando, sobre isso Vianna afirma: “A realização de um grande ideal
nunca é obra coletiva da massa, mas sim de uma elite, de um grupo, de uma classe, que com
ele se identifica, que por ele peleja” (PÉCAUT, 1990:29).

Bresciani analisando a proposta ideológica de Oliveira Vianna sobre a identidade nacional


afirma:
[...] (Oliveira Vianna) em seu manifesto político de 1922, O idealismo na evolução
política do Império e da República, desenvolve uma concepção voluntarista de inte-
gração nacional na proposta de ser mediante conhecimento do povo, sua estrutura,
sua economia íntima e sua psique que se projetaria o modelo político adequado a
forjar essa unidade pela ação centralizada no estado autoritário (BRESCIANI,
2007:45).

Tal concepção de cunho autoritário já era criticada, na década de 20 por homens como Sérgio
Buarque de Holanda; e Gilberto Freyre posteriormente já apresentava outras propostas. Fre-
yre, contrariando Vianna, postulou a integração nacional mantendo a diferença regional, exal-
tava, portanto, a qualidade das “raças” e o bom relacionamento entre elas. Segundo Maria
Yeda Linhares, (1990:29) “Casa Grande e Senzala6, [...] foi um passo decisivo para o reco-
nhecimento do país como plurirracial. A mestiçagem até então escondida e disfarçada, passou
a ser parte integrante de uma brasilidade orgulhosa de suas origens”. Já Vianna apesar de re-
conhecer a diversidade regional, propunha apagar as diferenças para se atingir a unidade, que
se daria através da mestiçagem com “raças” pré-selecionadas. “O processo civilizatório, por
seu turno, era um atributo da raça branca que mesmo quando se misturava com os negros e
outras “raças” inferiores arianizava-os”.(MOURA, 1990:198).

Outro aspecto divergente passava pela escolha de uma região brasileira que realmente repre-
sentasse o povo brasileiro, e por isso Bresciani afirma (2007:45) “[...] há também nesses anos
de 1920 uma disputa declarada pela primazia de determinadas partes do Brasil no que diz res-
peito à força formadora da “identidade nacional”. Gilberto Freyre, no Manifesto regionalista
de 1926, reivindicava esta posição ao Nordeste, se opondo à Vianna que reivindicava a posi-
ção aos habitantes do centro-sul, segundo Bresciani a reivindicação pela hegemonia Nacional,

6
De acordo com Maria Yeda Linhares é inegável as contribuições que a obra de Freyre trouxe à nação, é a partir
de Casa Grande e Senzala que ocorre a valorização das culturas africanas e da miscigenação, porém devemos ter
em mente também que Casa Grande e Senzala contribui para difundir o mito da democracia racial, pois levou
muitos leitores a ter uma visão errônea de uma sociedade escravocrata fundamentada no paternalismo do senhor
e na vida pacífica do escravo.
6
através do padrão cultural, expressava também um conteúdo político que asseguraria os inte-
resses administrativos de cada região.

Não era apenas um simples desacordo entre dois autores que divergiam quanto a escolha de
uma região, os conflitos ocasionados pela eleição da região formadora de nossa identidade
ocultava algo de muito maior relevância: a região eleita representava o núcleo de suas inter-
pretações para a integração Nacional. O projeto de Vianna tinha como base a eugenia, portan-
to ao eleger o Sudeste como região formadora de nossa identidade, se preocupou com a mis-
cigenação e branqueamento da sociedade, fato que ocorria com maior intensidade no centro-
sul com a imigração européia. Já Freyre via tudo isso como mau cosmopolitismo e falso mo-
dernismo, para ele o Nordeste seduzia moralmente e fascinava esteticamente as outras regi-
ões, era o “Nordeste que representava a essência do que considerava autenticamente e tradi-
cionalmente verdadeiro: o mocambo, a construção vernacular de extensa área nordestina, o
traçado sinuoso das velhas e estreitas ruas coloniais, as cozinhas de quitutes finos [...]”
(BRESCIANI, 2007:158) Por fim Freyre diz, “bem antes do café de São Paulo, o açúcar do
Nordeste criara uma “doce aristocracia de maneiras”, dera à cultura ou a civilização brasileira
autenticidade e originalidade”. (BRESCIANI, 2007:158)

Apesar de Vianna e Freyre elegerem a mestiçagem como fator de integração nacional, os dois
tinham visões diferentes sobre a mesma. Para Vianna, a mestiçagem era importante à nação,
pois a branquearia, já para Freyre a mestiçagem representava a união de “raças” diferentes,
ricas culturalmente e irmanadas.

Este fora um exemplo de lutas de representação ocorrida no Brasil, especificamente


na década de 20, muitos e constantes, porém serão os conflitos que acontecerão em diversos
lugares e tempos, nos quais vários intelectuais desenvolverão as suas propostas de Identidade
Nacional, que estarão, por conseguinte, fundamentadas em visões de mundo e em interesses
ideológicos dos grupos envolvidos.

Identidade Nacional e o Estado

Como representação de algo ausente, ou até mesmo como representação de algo que perpassa
a realidade, a identidade nacional foi construída tendo como pano de fundo interesses dos
mais diversos. De acordo com Pesavento (2003:137) “Aquele que tem o poder simbólico de
dizer e fazer crê sobre o mundo tem o controle da vida social e expressa a supremacia con-
quistada em uma relação histórica de forças”

O Estado será um daqueles que monopolizará este poder simbólico, para isso cooptará intelec-
tuais para que criem modelos de identificação nacional, muitas vezes apelando para o senti-
mentalismo, patriotismo, preconceitos, xenofobias...

Segundo Hobsbawn, (2008:110-111) “[...] o nacionalismo poderia se tornar um instrumento


enormemente poderoso para o governo, caso conseguisse ser integrado no patriotismo estatal,
para torna-se seu componente emocional central”.

De acordo com Hobsbawn era necessário criar no povo um sentimento de lealdade em relação
ao Estado e ao sistema dirigente. Se anteriormente a lealdade ao Estado não era exigida aos
7
homens comuns, (seja porque era assegurada pelos dogmas religiosos que pregavam obediên-
cia à hierarquia, seja porque o povo tinha seus direitos muito limitados e por isso não ofereci-
am perigo aos governantes), no último terço do século XIX, com a democratização, essa situ-
ação se modificou muito.

[...] os interesses estatais dependiam agora da participação dos cidadãos, em um


grau não considerado antes. Onde os exércitos eram compostos de voluntários ou
de serviço militar obrigatório, a boa vontade dos homens em servir era agora uma
variável essencial nos cálculos do governo [...].(HOBSBAWN, 2008:104).

Criar um componente emocional era muito importante para atingir as metas propostas pelo
Estado. Segundo Hobsbawn ao longo do século XIX as intervenções estatais se tornaram uni-
versais e rotinizadas, todos os cidadãos passaram a ser acessíveis ao Estado.

Através dos profissionais do Estado, censores, policiais, professores, o Estado detinha cada
vez mais informações sobre os cidadãos e desenvolvia mecanismos para criar um sentimento
de pertencimento na população. A educação primária foi utilizada para esse fim, assim como
os meios de comunicação.
Por esses meios (imprensa, cinema e rádio) as ideologias populistas podiam ser
tanto padronizadas, homogenizadas e transformadas quanto, obviamente podiam
ser exploradas com propósitos deliberados de propaganda por Estados ou interes-
ses privados (HOBSBAWN, 2008:170).

No Brasil, na década de 20, a população já possuía alguns direitos políticos advindos com as
mudanças proporcionadas pela República, porém esta população composta por um grande
contingente de analfabetos, era considerada incapaz por alguns intelectuais como Oliveira
Vianna. Segundo o autor, eles ainda não estariam preparados para participar, e muito menos
para consentir o que o Estado propunha. Devido à estrutura patriarcal que os acompanhava
desde o período colonial, o povo não desenvolveu a capacidade de cooperar, de viver a demo-
cracia, precisavam ser tutelados, agora não mais por um senhor clânico, que representava o
localismo, o mandonismo e sim por um Estado autoritário que governaria para coletividade,
evitaria a descentralização, seria responsável pela transição democrática e pela construção do
sentimento nacional.

Percebendo a sociedade civil como um corpo conflituoso, indefeso e fragmentado,


os intelectuais corporificam no Estado a idéia de ordem, organização e unidade.
Assim, ele é o cérebro capaz de coordenar e fazer funcionar harmonicamente todo o
organismo social. (FERREIRA, 2007:148).

O Estado foi muito ativo em relação à construção de identidades, porém, isso não quer dizer
que o povo se submeteu a tudo criado pelo governo. Tanto o Estado quanto o povo são impor-
tantes no processo de construção da identidade. A tentativa, no Brasil, de conter a vontade e
ação do povo, através da alegação de que eram incapazes, não foi frutífera. O Estado não é o
manipulador da nação, (mesmo que alguns intelectuais, assim o visse e propusesse políticas
com esse intuito) estar de acordo com isso seria invalidar o sentimento e a racionalidade da
população, o povo é sincero no seu apego nacional. Anderson (2008:14) mostra o “apego que
os povos têm às suas imaginações e são capazes de morrer por suas invenções”.

Segundo M. Mauss, (1969:210) “mesmo as representações coletivas mais elevadas só tem


existência, só são verdadeiramente tais, na medida em que comandam os atos”, e para isso é
8
preciso que haja reconhecimento e legitimidade. E esta legitimidade é consentida pelo povo,
visto que, é sobre ele que os benefícios ou malefícios ocasionados pelos modelos de identida-
des irão recair. Quando Hobsbawn afirma que o nacionalismo nas mãos do Estado poderia
tornar-se um instrumento poderoso, é porque realmente o foi, especialmente em épocas de
crises, como em períodos de guerras e revoltas; no Brasil, o governo de Vargas é um exímio
exemplo. Porém a atuação do Estado influindo na formulação da consciência nacional sobre a
população, não acontece de modo passivo, segundo Hobsbawn os interesses estatais dependi-
am dos cidadãos, assim como um modelo de identidade proposto pelo Estado poderia unir a
população, criando lugares comuns, poderia também ser mal visto pelos habitantes ocasio-
nando revoltas, e separações; era o povo quem escolhia quais idéias deveriam ser comparti-
lhadas. Apesar do Estado em muitos casos oferecer um modelo de identidade nacional, essa
consciência nacional só seria construída se tivesse como base a cultura popular e o seu con-
sentimento.

Crescentemente este Estado era obrigado a ouvir a as opiniões dos indivíduos ou


cidadãos, por que seu arranjo político lhes havia dado voz – geralmente através de
várias espécies de representação eleita – e/ou porque o Estado precisava de seu
consentimento prático ou de sua atividade em outras coisas, como por exemplo,
contribuintes ou soldados potencialmente convocáveis. (HOBSBAWN, 2008:101).

Segundo Hobsbawn quanto mais o governo se apresenta democrático, mais será necessário o
consentimento do povo em relação às suas propostas, ou seja, se o recurso da violência física
não pode ser mais utilizado sobre a população como era antigamente, a violência simbólica,
expressa nos discursos identificatórios devem ser ampliados pelo Estado e legitimados pela
população que submeterá seus sentimentos e ações em prol de solidariedades construídas.

Identidade Nacional e transformações

Vários foram os modelos utilizados para criar no povo um sentimento de pertencimento. Se-
gundo Renato Ortiz a Identidade pressupõe um componente que homogeneíza a população e
outro que os difere dos demais povos:
Toda identidade se define em relação a algo que lhe é exterior, ela é uma diferença
[...] Porém a identidade possui uma outra dimensão, que é interna. Dizer que somos
diferentes não basta, é necessário mostrar em que nos identificamos (ORTIZ,
1994:8-9).

Se os fatores que nos diferenciam dos demais povos são visíveis, as semelhanças que nos u-
nem não são tão explícitas, por isso tais semelhanças foram imaginadas, construídas, fato que
gerará conflitos entre os estudiosos do termo identidade sobre sua existência.

Pressupondo que as identidades são imagens construídas, cada nação criará seus modelos de
identidade buscando homogeneizar culturas, línguas e passado histórico, muita vezes diferen-
tes. Criar esse sentimento de união no povo era necessário, e foi utilizado como recurso im-
portantíssimo durante a formação das nações. Segundo Hobsbawn não foram as nações que
precederam o nacionalismo e sim o contrário, fora o nacionalismo que precedera as nações,
visto que era preciso criar um sentimento de pertencimento no povo que os homogeneizas-
sem, que os fizessem amar e lutar por algo que considerassem importante, mesmo que muitas
9
vezes esse sentimento gerasse pelo outro, considerado agora diferente, ódio, xenofobia e pre-
conceitos.

Segundo Hobsbawn são nos períodos mais conturbados que os diversos modelos de identida-
de nacional reaparecem. Fora assim no Brasil, pós abolição, no qual a proposta de Identidade
Nacional focada na miscigenação7, buscava embranquecer a população, por considerar o ne-
gro fator de atraso social. Fora também assim, em períodos de guerras, no qual um país era
inflamado para que lutasse contra o outro. Segundo José Carlos Reis, o surgimento do capita-
lismo, também representa um desses momentos, visto que interessados na prosperidade eco-
nômica, as nações se lançaram em disputas internacionais.

As identidades nacionais são modeladas, adaptadas e transformadas. Traçando uma linha de


transformação mais geral das propostas identificatórias, Hobsbawn aponta algumas
modificações ocorridas no nacionalismo ao longo dos séculos. Para ele, no “mundo
desenvolvido” do século XIX várias nações combinavam Estado-nacional e economia
nacional e viam o outro como um concorrente e/ou inimigo incômodo. No “mundo
dependente” do início do século XX, os movimentos por indepêndecia e liberatação se
tornaram movimentos tipicamente unificadores, já no final do século XX, os movimentos
nacionalistas foram essencialmente separatistas, baseados nas difernças étnicas, linguísticas e
até religiosas.

Hoje em dia vários autores entre eles, José Carlos Reis, advogam o fim da identidade
nacional, devido a globalização que universaliza os sentimentos, costumes e atos,
expandindo-se para além das fronteiras das nações, tal fato é fortemente negado por Benedic
Anderson, visto que para ele o nacionalismo ainda continua latente entre as nações, as lutas de
sub-nacionalidades que tentam incansavelmente se desvincilhar de muitas “nações antigas”
comprovam o seu ponto de vista.
A realidade é muito simples, não se enxerga nem remotamente, o “fim da era do
nacionalismo”, que por tanto tempo foi profetizado. Na verdade, a condição
nacional [nation-ness] é o valor de maior legitimidade universal na vida política
dos nossos tempos. (ANDERSON, 2008:28).

Já no Brasil ao final do século XIX uma das propostas de identidade nacional estava baseada
na “raça” e no meio, na década de 20 do século XX, irão surgir outras propostas que entrarão
em conflito com as concepções formuladas anteriormente.

Fábio Tadeu Vighy Hanna se apoiando em Octavio Ianni, aponta três períodos em que a iden-
tidade Nacional foi mais discutida pela elite de intelectuais brasileiros: a independência, a
abolição e a proclamação da República, e a Revolução de 1930. Se no primeiro momento é

7
No final do século XIX, homens como Silvio Romero, Euclides Cunha e Nina Rodrigues se dispuseram à de-
senvolver algumas propostas sobre a identidade brasileira focada em dados geográficos e raciais. Segundo Ortiz,
para estes autores o desenvolvimento das civilizações estava ligado à fatores como o clima, umidade, fertilidade
da terra e sistema fluvial, Silvio Romero, entretanto não negando a importância do meio situará a problemática
racial como a mais importante, para isso traçará uma pirâmide hierárquica entre as “raças” que se encontravam
no Brasil, apontando o negro como o elemento inferior e fator principal da degeneração nacional, advoga portan-
to uma preocupação maior com a imigração e com a mestiçagem que passou a ser vista no Brasil como solução
para os problemas nacionais. Se para alguns países estrangeiros a mestiçagem encerrava os defeitos transmitidos
pela herança biológica, para a Geração de 1870, a mestiçagem seria a responsável pelo branqueamento da nação.
10
no romantismo que os literatos se inspirarão, no final do século XIX ao cientificismo será
reservada mais importância. Já o inicio da década de XX, se caracterizará pelas mais diversas
propostas ideológicas resultantes do período conturbado representado pelos anos 20/30.

(Os anos 20 e 30 foi um período) [...] marcado por disputas entre nacionalistas, li-
berais, comunistas, anarquistas, autoritários, industriais, agro-exportadores, tenen-
tistas, católicos, positivistas, operários, setores médios, enfim na luta que arregi-
mentava quase todos setores da sociedade e as mais diversas correntes político-
ideológicas em busca do poder decisório que orientaria e promoveria as desejadas
alterações estruturais ( mentais, sociais, econômicas, culturais e políticas) na soci-
edade brasileira [...] O que era atrasado arcaico, impedindo o Brasil de ser moder-
no – passa a ser exorcizado [...]. (HANNA, 2003).

Em um mesmo lugar, e até mesmo em um mesmo momento, vários modelos de


identidades coexistiram, isso porque esses modelos de identidade nacional não são únicos,
não se tornaram leis, eles são dinâmicos, e se modificam de acordo com o espaço, momento e
interesses.

CONCLUSÃO

A discussão em questão buscou desenvolver uma breve análise sobre Identidade Nacional,
enfatizando a concepção subjetiva do termo, analisada aqui como uma representação, ou seja,
um discurso que intenta homogeneizar hábitos, costumes e povos diferentes conferindo-lhes
semelhanças construídas. Dizer que essas semelhanças são construídas ou imaginadas, não
quer dizer que são irreais, visto que essas imagens criam sentimentos e práticas sociais que
realmente despertam na população um sentimento de pertencimento.

Tais imagens carregam consigo uma gama de interesses, expressos nos projetos de identida-
des formulados por intelectuais, cooptados pelo Estado. Estes modelos de identidade satura-
dos com sentimentalismo levarão muitos países a desenvolverem patriotismos, preconceitos e
xenofobias.

O Estado foi certamente um dos integrantes mais ativos na formulação de identidades, porém
isso não significa que o povo se submeteu a tudo o que a elite governamental propunha. Toda
representação pressupõe, consentimento, ou seja, era o povo quem legitimaria ou não os pro-
jetos de identidade nacional.

Em síntese, apesar das divergências entre autores quanto aos interesses, conceitos, importân-
cia e existência da Identidade Nacional, ela ainda está presente nos dias de hoje, seja ela utili-
zada como um instrumento de exaltação da nação ou como um recurso do poder simbólico, no
qual se tornou um mecanismo para unir os ditos iguais e excluir ou submeter o outro, conside-
rado diferente, o inimigo incômodo, estando ele em território alheio ou não.

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