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Guto Leite
O segundo ponto diz respeito ao que um escritor pode fazer numa terra
sem leitores. Dando números aos bois, segundo pesquisa de 2018, o brasileiro
lê em média 2,43 livros por ano e 30% da população nunca comprou um livro.
Indo mais fundo, uma pesquisa do IBGE do ano anterior indicou a existência de
11,8 milhões de analfabetos, algo como 5% da população brasileira.
Com esses dados, pergunto pelo boca de Bernardo Carvalho, que leitor
deve ser imaginado por um escritor quando escreve seu livro? Essa conjuntura,
que indica sistema formado, mas amorfo, pode provocar distorções perversas e
acarretar uma literatura que, para existir, precisa valer-se de nichos ou dos
grandes mecanismos de distribuição de livros, como o MEC, por exemplo. A
maneira como o sistema literário brasileiro é distorcido excede em muito os
esforços deste texto – há uma série do Arte1, Comtexto, sobretudo em seu
primeiro ano, em que é possível entrever esse sistema –, mas imaginem um
romancista no ato da escritura: ele coloca ou não, ilustrativamente, um palavrão
na boca de seu personagem, correndo o risco de ver seu público e a tiragem de
seu livro severamente reduzidos? Se a lógica interna do texto pedir o palavrão e
a lógica externa, digamos, o desaconselhar, o que faz o escritor? Bernardo
Carvalho, sabemos, segue o que lhe ditar o texto. Qual o impacto de sua escolha
na formação de seu público leitor? Quem lê seus romances? Seria diferente em
sistemas literários menos perversos, como os EUA ou a França (os
estadunidenses leem em média 12 livros por ano; os franceses, 14)?
Não por acaso, em dois meses de cárcere, Lula tinha lido 21 livros. Por
sua vez, Bolsonaro se diz leitor de Churchill, Ustra e Olavo de Carvalho, mas
aposto minhas fichas que não tenha lido livro algum nos últimos anos.