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Jornal Catarse

CATARSE
Junho de 2019 Benedito Carvalho Filho

“RELATO DA VIVÊNCIA NA UNIVERSIDADE


PÚBLICA DE QUEM NÃO É IDIOTA”

O jornal Le monde Diplomatique Brasil (de junho de 2019) publicou um


longo artigo assinado pelo professor Elvio Marques, jornalista e mestre em
Comunicação e Sociologia pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). O
título do artigo citado acima diz quase tudo sobre o que se passa nas
universidades públicas nesses tempos sombrios e tenebrosos e
desesperançado em que estamos vivendo.
O Jornal Catarse, resolveu publicar esse longo depoimento do professor,
que revela uma realidade sobre o que acontece (e o que, ainda, pode
acontecer) com as universidades públicas, especialmente aquelas criadas
nessas últimas décadas. Os efeitos podem ser dramáticos, principalmente
naquelas universidades localizadas no “Brasil profundo”.
O cenário é trágico, como nos mostra o professor Elvio Marques neste
longo artigo. Revela e dá visibilidade aos sentimentos de muitos alunos e
professores que, hoje, estão vivenciando a tragédia nesta era bolsonarista,
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não só nas universidades brasileiras, mas em todos os setores da


sociedade.
Qual será o futuro desta (e outras) instituições? Como a sociedade está
reagindo? Será que voltaremos à estaca zero, às arbitrariedades vão
aumentar, assim como a idiotia?
O autor deste artigo nos revela uma realidade sombria para todos. Se ela já
era trágica, como nos mostra, imaginem o que acontecerá se as verbas
públicas forem cortadas, como já estão sendo anunciadas pelas
autoridades.
Reagiremos a esse desmanche das universidades públicas? O que
acontecerá se essa devastação continuar? Será que, no meio desse
vendaval, vai aumentara repressão nas universidades? A prisão violenta e o
suicídio do do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina anos atrás
demonstraram que vem pela frente.

Leia abaixo o texto do professor Elvio Marques:

“Era outubro de 2008. Os pequis, frutos típicos, frutos típicos do Cerrados, já


estavam caindo do pé com sabor marcantes, sol forte (40 graus), como é costume por
aqui. Esse é o Tocantins, o mais novo estado do Brasil, com apenas trinta anos,
localizado no Norte do país, num centro geodésico, antigo norte goiano. Nesse
cenário estava eu, jovem estudante, com sonhos imensos, inclusive de ter uma
formação, inclusive de ter uma formação acadêmica. E via na universidade pública
do estado mais quente da federação a possibilidade de tornar meus sonhos uma
história real de conquistas.
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Antes de continuar essa história, preciso afirmar que há um consenso no


jornalismo e na antropologia de que ninguém melhor para falar sobre determinada
condição sociocultural de que aquele que vive imerso nessa realidade. Por esse
motivo relato aqui minha própria história e as percepções que tive durante a trajetória
acadêmica, da graduação à pós-graduação. Penso que, talvez, eu seria o retrato de
uma parcela representativa de alunos, que perpassaram escolas públicas, vindo do
interior do Brasil, de uma diversidade sociocultural e numa vontade de mudar
determinada realidade por meio da educação. Busco, por fim, refletir os avanços e os
desafios da universidade pública brasileira. E, claro, a triste situação das
universidades federais atualmente.

Volto à história. Em 2008, quando aos 17 anos me preparava para o vestibular


da Universidade Federal do Tocantins (UFT), eu ainda morava na pacata cidade de
Figueirópolis, uma cidade interiorana com poucos mais de 5 mil habitantes no sul do
Tocantins, a cerca de 250 km da capital, Palmas. Eu e a maioria de meus colegas de
escola pública almejávamos dias melhores, o que ia muito além do desejo de apenas
ter uma profissão. Ao mesmo tempo tínhamos de lidar com os medos e as incertezas
da juventude.

Reconheço que o pré-vestibulandos de escolas públicas e particulares têm


algo em comum: estão sempre mergulhadas em inúmeras leituras e releituras. A
diferença é que, enquanto os segundos estão preocupados apenas com os conteúdos
escolares – português, matemática, física e a tal de química, tão complexa -, os
primeiros precisam lidar com estruturas físicas escolares degradadas e professores
desestimulados pelos baixos salários, sem falar nas realidades periféricas. Eu vi
muitos estudarem com fome, outros vivenciaram violência em casa. Meninas
trocavam os livros pela gravidez indesejada, os meninos trocavam a sala de aula pelo
trabalho. Era evidente que o aprendizado delas estava comprometido. Problemáticas
enfrentadas em escolas públicas que dificilmente são vistos em escolas particulares,
isso é fato. O que interfere também no acesso à graduação.

Ora, se a educação básica não é de qualidade, dificilmente terão o mesmo


acesso daqueles que tiveram bons ensinos. Nesse contexto, a disputa por uma vaga
nos cursos de graduação é, quase sempre, desigual. Por esse e por outros motivos,
são de extrema importância os programas educacionais de inclusão às universidades,
como o sistema de cotas, o ProUni e o Fies, implantados e efetivados a partir da
primeira década de 2000. Falarei mais sobre eles posteriormente. E, que fique claro,
a educação das escolas públicas precisam melhorar, sim! Mas vale refletir: o que
faremos com todos os alunos que não tiveram acesso ao ensino de qualidade, ou
passaram por inúmeras dificuldades sociais? Não podemos simplesmente deixá-los
sem acesso.

Volto à história, ainda em 2008. Vários colegas da pacata Figueirópolis


tentavam uma vaga na universidade pública do Estado, porém uma minoria
conseguia. “Universidade Federal é para quem estudou em escola boa”, dizia a
minha avó materna, à sombra de uma mangueira. Felizmente, a frase de minha vó,
com o passar dos anos já não era mais verdade absoluta. Graças às horas em frente
aos livros, com direito a fazer promessa para Nossa Senhora da Natividade
(padroeira do Tocantins), e especialmente ao programa de inclusão às universidades,
para uma parcela significativa da população iniciou a graduação. Alguns em
faculdades particulares por meio do ProUni e do Fieis. Outros, por meio do sistema
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de cotas para indígenas, quilombolas. Como foi meu caso. Você deve estar se
perguntando se eu sou indígena ou quilombola. Sou Pankararu do Tocantins.

Figueirópolis é também onde vivem os Pankararu do Tocantins. Infelizmente,


sem uma demarcação do território indígena. E, por isso, poucos sabem ou poucos os
reconhecem. O Tocantins possui, em sua totalidade, onze etnias, sendo os Akwe-
Xerente, Apinagé, Kranô, Krano-Kanela, Karajá, Javaé, Xambioá, além dos Ava-
Canoeiros, Atikum, Kanelas do Tocantins e Pankararu, originários de outros estados.
Vale lembrar que cada uma dessas etnias tem suas expressões culturais próprias e
difere uma das outras. Prova de que índio não é tudo igual. E o Tocantins também
possuí indígenas – frase crítica àquele termo preconceituoso “No Tocantins ou Norte
do país não tem só indígenas”, que desconsidera a existência dos povos nativos.

Minha comunidade veio do extremo sertão de Pernambuco, expulsa por


fazendeiros e posseiros de suas terras originárias, além da falta do que comer ou
beber, como os outros milhares de nordestinos. Meu avô, tios e parentes vieram para
Figueirópolis e Gurupi há mais de setenta anos, quando ainda éramos o antigo norte
goiano. Vivemos numa luta e espera constantes por demarcação de nossa terra
indígena e pela sobrevivência nos centros urbanos de Figueirópolis e Gurupi há mais
de setenta anos, quando ainda éramos o antigo norte goiano. Vivemos numa luta de
espera constantes por demarcação de nossas terras indígenas e pela sobrevivência nos
centros urbanos de Figueirópolis e Gurupi, nossas tradições culturais foram sendo
esquecidas pouco a pouco. “Sem-terra, sem nossa cultura”, falava meu avô Manoel
Pankararu. Minha mãe – Pankararu – casou-se com meu pai, que um gaúcho e
agricultor familiar. “Então você não é índio, já que seu pai é gaúcho?”
Equivocadamente me perguntam isso diariamente. Darcy Ribeiro foi sábio e incisivo
ao dizer: “No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é”, reforçando que o
grande problema é provar que não é indígena, visto que a sociedade brasileira foi
formada inicialmente por indígenas que aqui já estavam, sem desmerecer as outras
comunidades importantíssimas na constituição da população brasileira como os
africanos. Entretanto a sociedade brasileira nega, não reconhece e rejeita a ideia de
sermos brasileiros e ao mesmo tempo indígenas. Sou, portanto, a prova desse
hibridismo cultural, de diversidade, de conhecido termo “miscigenação” – prefiro
usá-la a apenas “descendente de indígenas, visto que isso ignora o fato se “ser”.
Indígena é primeiramente auto identificação, valorização, pertencimento e respeito.
Em resposta à segunda pergunta, é preciso entender de uma vez por todas que, além
de ser um direito vivermos na cidade, nas aldeias ou em qualquer lugar, somos ainda
brasileiros. Como já escrito, temos o direito de ir e vir (acrescento morar),
resguardado pela Constituição Federal de 1968. As terras dos indígenas foram e estão
sendo brutalmente invadidas, mas, mesmo assim, não podemos dividir o mesmo
espaço com os não indígenas? Repense, isso pode ser um tanto preconceituoso.

Peço desculpas por me alongar nesse assunto. Mas vejo como extremamente
relevante para este texto. A UFT foi a primeira entre as universidades públicas
brasileiras a incluir o sistema de cotas. Uma luta que começou com representantes da
União dos Estudantes Indígenas em 2001, mas que se efetivou apenas em 2004, por
uma resolução que reservou 5% das vagas no vestibular para indígenas. Em 2013
destinou mais de 5% das vagas para quilombolas. De lá para cá, o sistema de cotas se
tornou realidade. Além disso, graças ao sistema, os alunos puderam ter uma
oportunidade maior na concretização do sonho de graduação. As barreiras de
desigualdade estavam começando a se quebrar.
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Volto à história agora em 2009, quando efetivamente eu já estava na


graduação e me apresentava como indígena para minha turma de Comunicação
Social – Jornalismo. Naqueles primeiros meses de graduação, os equívocos e
“piadinhas”, os questionamentos preconceituosos surgiam a todo tempo. Ouvi de
outros parentes indígenas: “É melhor não deixar claro que você é índio”. Tínhamos
que viver, muitas vezes, num casulo pela sobrevivência, já que a universidade
pública não estava ou muitas vezes não está preparada para receber essa pluralidade
social. O corpo administrativo e o docente dificilmente sabem nos incluir no
processo de ensino-aprendizagem. E, como a maioria dos ambientes sociais, as
universidades trazem também consigo aqueles que insistem em achar que esses
grupos e suas particularidades não existem e os negam. Depois de uma tamanha luta
pelo acesso, o problema então era a permanência e a sobrevivência na universidade.

Nesse meio-tempo, já me deparava também com as dificuldades de outros


indígenas. A escolarização de muitos era precária, já que as escolas indígenas
sofriam (e ainda sofrem) com o descaso e a falta de investimentos. A educação
indígena grita por mais investimentos. Por isso, muitos tinham dificuldades em
língua portuguesa, matemática e tantas outras disciplinas cobradas no processo de
graduação. Sem falar que estes vinham de difíceis realidades socioeconômicas.
Morar, se alimentar e pagar transporte público eram as principais dificuldades. Em
Palmas, até havia uma casa indígena para abrigar os alunos, mas a situação também
era precária. Por esses fatores, os estudantes indígenas não permaneciam na
universidade. Deixavam os cursos pelo meio. Eu precisava fazer algo.

Em 2010, resolvi colaborar para modificar essa realidade. Com ajuda de outro
programa de inclusão acadêmica, Programa Institucional de Monitoria Indígena
(Pmi), passei a ser monitor e a ajudar no reforço escolar de acadêmicos. No entanto,
isso ajudou apenas em parte, não a totalidade, pois, como escrevi. Não havia apenas
dificuldade no aprender, mas aprender aquelas problemáticas sociais que certamente
influenciam no ensino-aprendizagem. Ou seja, para muitos, viver na cidade, sem
trabalho, sem uma renda, em meio a preconceitos (até mesmo na academia), os
distancia das universidades, da graduação. Portanto, aprendi nesse tempo que de
nada adiantava o acesso à universidade se as políticas públicas universitárias ou
governamentais não ajudassem na permanência e no fim da evasão.

Há muitos professores qualificados em suas áreas técnicas, mas a estrutura da


universidade pública é precária, e a UFT me provou isso. Nos quatros anos de minha
graduação (segundo semestre de 2009) ao segundo semestre de 2013), o que vi foram
laboratórios defasados, uma biblioteca com poucos exemplares, salas de aula sem
estrutura física adequada. A era da informática já estava a todo vapor e poucos
sabíamos, na prática, de jornalismo on-line ou telejornalismo.

Nesse tempo de graduação, passei por três greves que atrasaram a conclusão
do meu curso de quatro anos, greves essas iniciadas por professores, alunos e
técnicos administrativos por melhores condições de ensino em todo país, não apenas
no Tocantins. Antes com greves do que à mercê de descaso sem nenhuma voz.
Precisamos ser ouvidos. “Máquinas a vapor não é computador”. Eu nunca me
esqueço desse grito de guerra dos alunos de Ciências da Computação, durante uma
greve por equipamentos tecnológicos de qualidade. E tantos outros gritos entoados.
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Por outro lado, o baixo investimento na estrutura não era uma realidade para
todos os cursos. Enquanto Comunicação, Ciências da Computação e Arquitetura, por
exemplo, estudavam em “blocos” antigos e degredados, do início da universidade
(em 2001), e com poucos exemplares na biblioteca, nos cursos de Medicina e
Engenharia Civil a realidade era bem diferente. Eram considerados internamente os
mais beneficiados, com laboratórios novos, salas de aulas estruturadas e o acervo
bibliográficos mais completos da universidade. Falta de equipamento sempre foi
notável entre os cursos de graduação.

Formei-me em 2013. A dedicação foi imensa durante os anos. As lutas foram


diárias. A festa do término durou três dias. Era outubro, lá se ia mais uma temporada
de pequi. Deixava para trás os mesmos problemas encontrados em 2009.

Tornei-me jornalista desde então, de sol a sol, da produção ao fechamento de


um jornal, de atendimento a construção de briefing publicitário. Nesse tempo, resolvi
fazer um pós-graduação, em 2015, e novamente por meio de um sistema de cotas
para indígenas. E lá estava eu, retornando para a UFT, vendo as mesmas dificuldades
deixadas em 2013, além de colegas com as mesmas ideias equivocadas sobre os
poucos indígenas. Mudam-se os termos e os lugares, no entanto as problemáticas
permanecem. O coitado do pequi sobrevive em meio às queimadas e ao
desmatamento ilegal do Cerrado.

Em 2016, comecei o mestrado em Comunicação e Sociedade. Advinha, na


mesma universidade, na temporada do pequi – outubro. Os preconceitos estavam
enraizados nos colegas e nos professores. Surgiram novas lutas ou seriam lutas
antigas? Sentia-me lá em 2001, quando meus parentes de diversas etnias lutavam
pela inclusão do sistema de cotas na graduação. Dezesseis anos depois, lá estávamos
nós, discutindo novamente o acesso de indígenas, negros e quilombolas. Havia
doutores e pós-doutores contrários a inclusão, infelizmente. Mas, por fim, o direito
foi respeitado. O sistema de cotas passou a ser uma realidade no Mestrado de
Comunicação e Sociedade da UFT em 2018. Nesse tempo vi outros programas
sociais sendo implementados. Vi concursos. Mais professores. Menos greves. Os
laboratórios de jornalismo ficaram prontos, finalmente. Bolsas de permanência aos
acadêmicos de escolas públicas, quilombolas, indígenas ou baixa renda.

Porém, enquanto tudo parecia ir bem, eis que o caos se instala. Dois mil e
dezenove chega com tantas notícias ruins para a educação. O Ministério da Educação
(MEC) anuncia, em abril, corte nos repasses para todas as universidades federais. E
as obras em andamento? Aquelas necessárias? E o principal, as bolsas que ajudam na
permanência de tantos alunos com vulnerabilidade social? Como ficarão meus
parentes; retornarão às suas casas, aldeias e comunidades? São tantos
questionamentos, medos. Acadêmicos, professores, simpatizantes da educação
superior foram às redes, com protestos em todo o país. E no Tocantins não poderia
ser diferente. “Não somos idiotas úteis, ok, idiotas inúteis!?”, era o principal grito de
guerra.

“É o tempo do pequi? Tudo indica que este ano


deve ter florada bem mais tarde do que o normal e
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o gosto não será o mesmo de tantos anos, mas


amargo, como estamos vivendo nos tempos
difíceis”.

As flores do Pequi florescem; “aparece apesar


da escuridão”. Como afirma Elvio
Marques: “Que fique claro, na terra dos
pequis florescem, seja em qualquer
outra região do país. E que fique claro:
não irão nos calar”.

Os problemas nas universidades públicas sempre foram frequentes, “como se fosse


a temporada do pequi (que acontece anualmente entre outubro e fevereiro). No
entanto, neste ano de 2019, estamos vendo nossos direitos a uma educação superior, de
acesso a todos e de qualidade, serem devastados. É como não ver a florada do pequi
(sem flor, sem fruto). Estamos diante de um governo que não está preocupado em
solucionar problemáticas recorrentes; estamos vendo um descaso com as
universidades, com enormes cortes que podem paralisar o ensino, como já anunciado
por instituição como UFT, que prevê a ausência de água e energia nos próximos
meses, nos campi de todo o estado.
As manifestações continuarão. Resistiremos, como os povos indígenas de todo o
país, desde a invasão dos europeus.
Por aqui, 40º C no Cerrado tocantinense. Volto para minha história em construção,
para meus sonhos. Sou jornalista, especialista e mestre em Comunicação, tudo graças
a uma universidade publica do Norte do Brasil. Pertenço à comunidade Pankararu do
Tocantins. E, como tantos outros indígenas estudantes, tive uma oportunidade única,
que não pode ser silenciada, tudo isso pelo nosso povo, nossas comunidades, por nosso
país. Que o respeito, a solidariedade e a empatia prevaleçam, seja na terra dos pequis,
seja em qualquer outra região do país. E que fique claro: não irão nos calar.” Por que
não nos calarão, como afirma o professor Elvio Marques neste belo artigo?
A resposta foi dada décadas atrás pelo amazonense e poeta desta forma:
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“FAZ ESCURO, MAS EU CANTO”

Faz escuro mas eu canto,


porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.

Thiago de Mello, 1966


O poema acima foi extraído do livro "Faz escuro mas
eu canto", Bertrand Brasil - 1999, Rio de Janeiro, pág.
60.

Para quem não sabe. Amadeu Thiago de


Mello (Barreirinha - AM, 30 de março de 1926) é um
poeta brasileiro. Natural do Estado do Amazonas, é um
dos poetas mais influentes e respeitados no país,
reconhecido como um ícone da literatura regional.
Tem obras traduzidas para mais de trinta idiomas. Preso
durante a ditadura (1964-1985), exilou-se no Chile,
encontrando em Pablo Neruda um amigo e colaborador.
Um traduziu a obra do outro e Neruda escreve
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Neste momento de “transe” (o que nos faz lembrar do filme


Glauber Rocha, Terra em Transe, lançado em abril de 1967 e
proibido de ser exibido em todo território nacional por ser
considerado pelos censores da época como subversivo), é muito
oportuno uma reflexão sobre o passado de nosso país, pois toda a
tragédia que estamos atravessando neste momento faz parte de
um passado histórico que determinou o que vivemos hoje e que é
fundamental conhecer.
É verdade, como aponta Yascha Mounik no seu instigante
livro publicado no Brasil recentemente (2019) chamado O Povo
Contra a Democracia (Editora Cia das Letras), vivemos numa crise,
onde “populistas autoritários tomaram o poder. Fazendo com os
cidadãos percam a consciência em seu sistema político. A últimas
eleições no Brasil mostram isso claramente. Não é por acaso que a
idiotia de uma parcela grande da população está se alastrando
pelo mundo inteiro.
É visível o aumento dessa essa fascista, autoritária pelo mundo.
A pergunta que faço diz respeito ao Brasil, que, desde a sua
fundação (ou, como se diz, de seu “descobrimento”) se manifestou
como um país autoritário, escravista e elitista. Ou seja, a
democracia no Brasil sempre se apresentou muito frágil, para não
dizer inexistente.
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O depoimento do professor da Universidade Federal do


Tocantins (como vimos acima) revela algumas mazelas dessa
sociedade desigual, escravista e autoritária e excludente.
Quase no mesmo momento em que o professor da Universidade
Federal do Tocantins fez seu desabafo, a historiadora Lilia Moritz já
tinha publicado neste ano o seu livro chamado Sobre o
autoritarismo, , editado pela Cia das Letras (veja acima a imagem
da capa).
Esta obra nos faz pensar e refletir sobre esta conjuntura
dramática que estamos atravessando no nosso país, pois estamos
aí, de novo, repetindo o passado, como diz a psicanálise, pois,
quando não resolvemos o nosso passado os nossos fantasmas
retornam, ora como tragédia, ora como comédia, já nos advertia
Marx.
A autora, juntamente com Heloisa M. Starling, já havia
publicado, pela mesma editora citada, o fenomenal livro chamado
“Brasil Uma Biografia” (2015, Editora Cia das Letras)), contendo
694 páginas. Trata-se de umas das obras importantíssimas para
conhecer essa tragédia que estamos vivendo nesse momento em
nosso país.
Nas páginas 11 a 207, a autora nos apresenta, de forma sintética
as tragédias que marcam a sociedade brasileira, onde afirma que a
“História não é bula de remédio”. Em seguida descreve e analisa
fenômenos que marcam (e continuam marcando) a sociedade
brasileira, como “a escravidão e o racismo”; o “mandonismo”, o
“patrimonialismo”, a “corrupção”, “a desigualdade social”.
Também, a “violência”, “raça e gênero”, a “intolerância”. São,
portanto, as oito marcas que continuam persistindo na sociedade
em que hoje vivemos e que se manifesta do artigo do professor da
Universidade Federal do Tocantins.
Na página 223 sintetiza o que marca a realidade brasileira,
quando a nossa tragédia se manifesta, ou seja, “quando o fim é
também o começo: Nossos fantasmas do presente”.
Não foi sem razão que ela cita um pequeno trecho do escritor
Lima Barreto, onde ele dizia: “Nós, os brasileiros, somos como
Robinson: estamos sempre à espera do navio que nos venha
buscar da ilha a que um naufrágio nos atirou”. E continuamos a
esperar..., como Godot.
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Na mesma página frontal, a autora insere outra citação: “Um


povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la”
(cita a frase de George Santayana, The Life of Reason).
Na introdução Schuwarcz mostra sinteticamente as origens do nosso país.
Escolho algumas reflexões:
“O Brasil tem uma história muito particular, ao menos quando comparada
à de seus vizinhos latino-americanos. Para cá veio quase a metade dos
africanos e africanas escravizados e obrigados a deixar suas terras de origem
na base da força e da violência; depois da independência, e cercados por
repúblicas, formamos uma monarquia bastante popular por mais de sessenta
anos, e, com ela, conseguimos manter intatas as fronteiras do país, cujo
tamanho agigantado mais se assemelha ao de um continente.”(p.27)
Afirma a autora:
“Somos um país, também, muito original e jovem em matéria institucional.
Boa parte dos estabelecimentos nacionais foram criados no contexto da vinda
da Família Real, em 1808. As nossas universidades foram criadas no Brasil
muito depois.” Ou como dizia Darcy Ribeiro, tivemos no Brasil uma
“universidade temporã”, ou seja, retardarias, uma universidade “temporã”.
E afirma:
“Nas colônias espanholas (...) a criação das universidades é bem mais
antiga, datando, algumas delas, dos séculos XVI, XVII e XVIII. Universidade de
Santos Domingo (1538), Lima (1551), Cidade do México (1551), Bogotá (1580),
Quito (1556), Santiago (1621), Guatemala (1676). No século XVIII: Havana
(1721), Caracas (1721) e Assunção (1733).”
E na sociedade brasileira?
Leia o livro da autora nas páginas 12 a 14 e saberão como foram criadas as
nossas universidades.
Grande número de pessoas desconhece a nossa história e, por isso,
“naturalizam as desigualdades, evadindo-se do passado, o que é a
característica dos governos autoritários que, não raro, lançam mão de
narrativas edulcoradas como forma do Estado e de manutenção do poder.
Mas é também fórmula aplicada, com relativo sucesso, entre nós brasileiros.
Além da metáfora falaciosa das três raças, estamos acostumados a desfazer a
imensa desigualdade existente no país e a transformar, sem muita
dificuldade, um cotidiano condicionado por grandes poderes centralizados nas
figuras dos senhores de terra em provas de um passado aristocrático.”
Ou seja, há uma forte negação da verdade histórica no nosso país, e não foi
sem razão que foi criado um imaginário (ou um delírio?) sobre o povo
brasileira pela classe dominante. Claro, para defender e ocultar os seus
interesses econômicos e políticos, que permanecem até os dias de hoje.
Na página 25 a autora mostra como a negação da realidade (criada pela
classe dominante) nos impede de analisar o tempo presente em que vivemos:
“Portanto, a quem não entende por que vivemos, nos dias de hoje, um
período tão intolerante e violento; a quem recebe com surpresa tantas
manifestações autoritárias ou divulgadas, sem peias, de discursos que
desfazem abertamente de um catálogo de direitos civis que parecia
consolidado; a quem assiste da arquibancada ao crescimento de uma política
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de ódios e que transforma adversários em inimigos, convido para uma viagem


rumo à nossa própria história, nosso passado e nosso presente.”(p.25)
A negação (e denegação) do passado gera sintomas, além do ódio. Quando
não se tem argumentos capazes de compreender passado do seu país, a
tendência é ser colonizado pelas ficções narrativas que a classe dominante
cria sobre o seu país. Não é por menos que os que estão no poder no
momento estão querendo proibir os livros de história e sociologia que
produzem versões mais críticas sobre a sociedade em que vivemos,
principalmente nesse momento histórico, nessa era de neoliberalismo
desenfreado, num país que se diz liberal, mas que nunca foi na verdade.
Como reconhece a autora (página 25):
“Atualmente, uma onda conservadora atinge países como a Hungria,
Polônia, Estados Unidos, Rússia, Itália, Israel, mudando o cenário internacional
e trazendo consigo novas batalhas pela “verdadeira” história. A estratégia não
é inédita. Na antiga URSS, o jornal do Partido Comunista, o Pravda, termo cuja
tradução é “verdade”, não titubeou: defendeu o autoritarismo como a única
narrativa possível. Até mesmo países de reconhecida tradição liberal
costumam patinar quando precisam “lembrar” de um passado que preferem
“esquecer”. Esse é o caso do regime de Vichy, na França (1940-44), onde as
elites locais colaboraram com o nazismo na Espanha, que não consegue
acertar suas contas com o período violento da Guerra Civil (1936-39), o qual
dividiu e ainda divide sua população.” (p. 25).
Sobre o Brasil, afirma a autora:

“No Brasil também andamos “surfando” numa maré conservadora. Afinal,


uma certa demonização das questões de gênero, o ataque às minorias sociais,
a descrença nas instituições e partidos, a conformação da dualidade com
“nós” (os justos) e “eles” (os corruptos), a investida contra intelectuais e
imprensa, a justificativa da ordem e da violência, seja ela produto do regime
que for, o ataque à Constituição e, finalmente, o apego a uma história mítica,
fazendo parte de uma narrativa de mais longo curso, a qual, no entanto, tem
grande impacto no nosso contexto nacional contemporâneo”.(p. 26)

Em seguida a autora conclui afirmando:

“O patriarcalismo, o mandonismo, a violência, a desigualdade, o


patrimonialismo, a intolerância social, são elementos teimosamente presente
em nossa história pregressa e que encontram grande ressonância na
atualidade.”

E concluí:

“História não é bula de remédio nem produz efeitos rápidos de curta ou


longa duração. Ajuda, porém, a tirar o véu do espanto e a produzir uma
discussão mais crítica sobre nosso passado, nosso presente e sonho futuro.”

Os cidadãos brasileiros que desejam mudar o país precisam ler “as oito
tragédias” que marcam a nossa história.
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Lilia Moritz Schwarz analise da página 27 a 207 essas tragédias e todos os


fantasmas que nos rodeiam, como: 1) Escravidão e racismo (p. 27 a 26); O
Mandonismo (p. 41 a 63); O patrimonialismo (p.64 a 87); A Corrupção (p.88 a
151); A Desigualdade social (p. 126 a 151); a violência (152 a 173); Raça e
Gênero (174 a 206); A intolerância (páginas 207 a 222).

Sem estudar a gênese do autoritarismo brasileiro não compreenderemos o


que somos hoje e terminamos como um cego, repetindo o passado.

Elvio Marques no seu texto acima abriu muitos caminhos para


compreender o nosso país. A “terra dos Pequis” ( e tantas outras) não será
compreendida se não compreendermos a nossa história, principalmente a
tragédia em que estamos vivendo hoje. Marx já nos advertia sobre o perigo de
nossa ignorância.

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