Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
trapiche
educação, cultura & artes
RESUMO
INTRODUÇÃO
DESENVOLVIMENTO
Essa representação é tão comum no Brasil que uma rápida pesquisa no site
YouTube faz aparecer uma enxurrada de vídeos de Casamentos Matutos em
várias cidades brasileiras. Discutindo o teatro na escola e na comunidade em
resultado de pesquisa sobre formas narrativas, teatro e historiografia, realizada
com adolescentes da Vila Pinto (Viamão/RS), Martini (2005, p. 354) observa que:
Episódios dessa natureza, onde o casal é forçado a casar por conta de uma gra-
videz, ou simplesmente por perda da virgindade feminina, já foi muito fami-
liar aos habitantes de Senhor do Bonfim e certamente aos de outras pequenas
cidades do nordeste. Noutros tempos a recusa por parte do “malfeitor” podia
gerar morte ou uma espécie de exílio, quando o rapaz era mandado embora
pela família para Salvador ou São Paulo. A moça por sua vez, era considerada
“perdida”, uma denominação machista para rotular a mulher que se permitisse
em experiências sexuais antes do casamento. Nos dois casos nós temos simi-
laridades contundentes entre ficção e realidade, é como se o tão representado
Casamento Matuto fosse uma forma de zombar, e às vezes reafirmar a nossa
cultura conservadora. Ele tem tanta penetração nas instituições nordestinas
que chega a acontecer mesmo em igrejas ou acampamentos evangélicos, onde
o padre, não parece exagero comentar, é substituído pelo pastor, embora o con-
flito e desenlace permaneçam os mesmos.
arquitetônico como área de lazer, com grande pátio ao céu aberto para a festa
de São João, terreno para circos e parques de diversões etc. Artistas e fruido-
res apresentaram queixas quanto ao local e o espetáculo voltou a ser apresen-
tado no centro da cidade, num pequeno palco do chamado Forrobodó, onde
as tradições têm mais espaço no contexto da festa. Talvez por isso o cenário
seja sempre muito improvisado, quando há, mas isso é comum a quase todas
as representações do Casamento Matuto. Em geral o mesmo acontece com o
figurino, embora em Senhor do Bonfim esse elemento, especialmente dos noi-
vos, sejam bem cuidados. Em todos os casos a peça tem levado, com pequenas
variações de um ano a outro, mais de três mil pessoas à praça pública com o
objetivo quase que exclusivo de fruí-lo.
culo teatral. E isto não é sinônimo de longos tempos de ensaio, pois esses nun-
ca acontecem em larga medida. A forma quase fixa do enredo facilita a atuação
de bons atores que o desenvolvem e improvisam sobre ele, sem comprometer o
andamento da peça. Resguardadas todas as diferenças conceituais e históricas
essa forma de representação apresenta similaridades com a commedia dell’arte,
entre elas, arrisco afirmar, estão: o fato de serem ambas uma forma de teatro
popular improvisado sobre um roteiro; de terem suas apresentações feitas em
ruas e praças; personagens fixos; a presença de carroças; e palcos improvisa-
dos, para citar as mais importantes.
O Casamento Matuto – contribuição interpretativa
sobre um espetáculo do teatro nordestino
| ISSN 2358.4807
- Reginaldo Carvalho da Silva | pág. 85
trapiche
educação, cultura & artes
Valle, Dona Zaira, Daniel Gomes, teração viva entre artistas e espectadores: senhoras dão conselhos ao noivo,
Alexandre Almeida, Adriana Viel,
Paulinho Machado e jovens ato- marmanjos tentam roubar a noiva, valentões incitam a raiva e violência do pai,
res dos grupos OPA, Urupês, Os
caipiras, etc. Entre outros, nomes
beberrões dão licor ao padre e nos fazem lembrar as tradições da velha Europa
como o de Quelebreu, Fernando medieval e carnavalesca, onde se fazia com o clero o que não era permitido
Dantas, Edmar Dias, Dalvinha,
Tonny Albuquerque, Caco Muricy, noutro período. Um exemplo desses imbricamentos entre fantasia e realidade
Zenáurea Campos, Zumar Sérgio, aconteceu no fim do século XX, quando a atriz Nauvinha Aguiar, noiva “bu-
Roniê Falcão, Alexandrina Carva-
lho e Eugênio Talma, já estiveram chuda” na ficção e grávida de verdade, deu a luz à sua filha Lua Clara, poucas
ligados à dramaturgia ou encena-
ção do Casamento da Maria desde
horas antes do momento em que deveria subir ao palco para mais uma edição
a segunda metade do século XX. do casamento, sendo substituída pela atriz Bruna Mota.
O Casamento Matuto – contribuição interpretativa
sobre um espetáculo do teatro nordestino
| ISSN 2358.4807
- Reginaldo Carvalho da Silva | pág. 86
trapiche
educação, cultura & artes
Em Senhor do Bonfim, o papel do noivo, vivido por mais de uma década pelo
ator Eugênio Talma, o famoso palhaço Xeleléu, ganhou contornos cômicos im-
pagáveis (para usar um termo comum usado nos semanários bonfinenses no
início do século passado ao se referirem aos palhaços) e faz lembrar as altas
https://seer.ufs.br/index.php/trapiche
comédias do chamado circo-teatro, onde o (s) palhaço (s) da (s) companhia (s)
representava (m) de cara limpa. O noivo, o personagem Zeca Pardo, criado
por ele, mistura elementos do palhaço e do bufão, ao passo que a noiva Maria
Futrica, criada no mesmo período pela atriz Nauvinha Aguiar faz lembrar as
personagens espevitadas das nossas chanchadas.
Uma vez nessa ceara ainda podemos lembrar que o circo nos apresentou uma
forma de casamento muito popular: o casamento do palhaço. Geralmente
apresentado em sessão especial, esses espetáculo não falta em muitos dos cir-
O Casamento Matuto – contribuição interpretativa
sobre um espetáculo do teatro nordestino
| ISSN 2358.4807
- Reginaldo Carvalho da Silva | pág. 87
trapiche
educação, cultura & artes
quer casar e tudo acontece para atrapalhar a cerimônia, mas surgem estórias
paralelas e personagens que atravessam o enredo principal inserindo novas
situações, traduzindo diversas demandas sugeridas pelo dia-a-dia marginal das
comunidades carentes do Recife, expondo inquietações e desejos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalmente, outros trabalhos sobre as Artes Cênicas desta região do país vêm sen-
do produzidos paulatinamente, como demonstram as pesquisas de Faria (2013),
Silva (2008; 2010a; 2010b; 2014a; 2014b), Reis e Silva (2013), Diniz (2013) e
Oliveira (2012). Em médio prazo produções desta natureza poderão a impac-
tar, inclusive, a Educação Básica, através do componente curricular Arte, que na
perspectiva teatral é tão carente de contextualização regional (SILVA, 2012).
Referências
CHIANCA, Luciana de Oliveira. Quando o campo está na cidade: migração, identidade e festa. Sociedade
e Cultura, v. 10, n. 1, jan./jun. 2007, p. 45-59.
DINIZ, Lúcia Taíza Teixeira. Xeleléu cara de pastel. 2013. 61 f. Memorial (Graduação em Jornalismo) –
Centro Acadêmico de Comunicação Social, Faculdade 2 de Julho, Salvador, 2013.
O Casamento Matuto – contribuição interpretativa
sobre um espetáculo do teatro nordestino
| ISSN 2358.4807
- Reginaldo Carvalho da Silva | pág. 90
trapiche
educação, cultura & artes
FARIA, K. A. da S. O sucesso e o sustento: a trajetória da atriz bonfinense Celina Ferreira (1902-2001). 2013.
318 f. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) – UFBA (Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas), Salvador.
MARTINI, Maria Luiza. Criatividade e história, entre a ação e o discurso. Anos 90, Porto Alegre, v. 12, n.
21/22, p.333-367, jan./dez. 2005.
MENEZES NETO, Hugo. “Damas e Cavalheiros”: O Estudo de Caso das Quadrilhas Juninas do Recife. Dis-
ponível em: http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/H/Hugo_Menezes_Neto_56.pdf. Acesso em:
18/07/2010.
MORIGI, Valdir Jose. Mídia, identidade cultural nordestina: festa junina como Expressão. Intexto, Porto
Alegre: UFRGS, v. 1, n. 12, p. 1-13, janeiro/junho 2005.
OLIVEIRA, José Benedito Andrade de. Memórias de Picadeiro: Histórias de Vida de Circenses do Semi-
-Árido Baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina. 2012. 71 f: il. Monografia (Especialização em Histó-
ria) – Universidade do Estado da Bahia (UNEB)/Campus IV, Jacobina, 2012.
TRIGUEIRO, Osvaldo Meira. Apropriações do folclore pelos meios de comunicação de massa e pelo
turismo: O caso concreto do São João de Campina Grande – Paraíba. Disponível em: http://www.bocc.
ubi.pt/pag/trigueiro-osvaldo-apropriacao-folclore.pdf Acesso em: 18/07/2010.
REIS, Angela de Castro; SILVA, Reginaldo Carvalho da. A carteira fatal – (Sobre)vivência do melodrama
no interior do Brasil. Pitágoras 500, Campinas, v. 5, p 68-76, 2013.
SILVA, Reginaldo Carvalho da. (Org.). Arte/Educação: Sugestões para o ensino do componente curricular
Arte. Pintadas-BA: RHELUZ, 2012.
__________. Circo-teatro no semiárido baiano (1911-1942). Repertório: teatro & dança, Salvador, n.
15, ano 13, p. 40-51, 2010a.
__________. Dionísio pelos trilhos do trem: circo e teatro no interior da Bahia, Brasil, na primeira me-
tade do século XX - 2014. 841 f. il. Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Escola de Teatro;
Ècole Doctorale Lettres, Langues, Spectacles, Université Paris Ouest La Défense, 2014a.
__________. Um rio de lágrimas banha o sertão baiano: o melodrama na cidade de Senhor do Bonfim-
https://seer.ufs.br/index.php/trapiche
-BA (1913-1953). Repertório: teatro & dança, Salvador, nº 23, p.116-131, 2014b.