Вы находитесь на странице: 1из 2

ARTE, COISA INACABADA

A arte, transfiguração da experiência humana, pode nos ser tomada como uma constante,
uma prática que traz suas múltiplas definições e formas do real e aceitável num determinado espaço
e tempo. Coisa esplêndida que, através dela, podemos tangenciar nossa existência ao cume das
sensações, uma obra artística tem a capacidade de explicitar a carnalidade existente entre imagem e
objeto, entre as palavras e as coisas; algo que é expresso e pode ser sentido, corporificado por quem
a experiencia. A arte só pode evocar seu calor humano devido sua característica inacabada: não há
um elo muito bem explicito entre a linguagem e o visível.
Assim, chegando a nós como uma coisa inacabada, ela nos permite pensar não apenas seus
trâmites cabíveis a confecção artística, mas também toda uma “história da verdade” e o papel de seu
autor em sua significação. Foi partindo daí que Michel Foucault pôde assinalar em “As palavras e
as coisas” suas considerações acerca das modernas ciências humanas e sua compatibilidade com as
análises de Immanuel Kant acerca da representação e de Friedrich Nietzsche ao “fim do homem”.
Porém, o que nos interessa aqui é demonstrar a obra de arte como algo sempre inacabado. A questão
que nos indaga aqui é recente e permeia as polêmicas em torno da expressão artística.
Ao evocar carnalidade, calor humano, a arte já ocupa seu duplo espaço: o do real, do visível
(das coisas); e o da linguagem, da imagem (das palavras). A partir daí, vemos que uma obra não
caminha solta e esporádicamente em seus significantes, e seu duplo não age de forma espasmódica,
antes devemos nos atentar que, além da premissa de linguagem que a arte possui, ela, localizada
geográfica e historicamente, nos traz o elemento do olhar, do ponto de vista, da perspectiva, do
princípio ou discurso que uma sociedade utiliza para sistematizar e ordenar a relação das palavras e
as coisas. Nisto, a arte já demonstra sua face como experiência e como algo inacabado.
Michel Foucault, ao se referir a esta ordem, em “A ordem do discurso”, conclui que o
discurso não é apenas aquilo que caminha nas entrelinhas, que engana e governa, mas também
aquilo pelo qual brigamos e intentamos deter através das relações de poder na sociedade. Ou seja, o
discurso é “fruto” de uma totalidade dessas relações; uma totalidade inserida num campo
epistemológico. A arte é composta por essa complexa e sintética ordem em seu percurso
significante.
Através da análise do discurso podemos constatar uma divisão binária na sociedade: a do
normal e anormal; do louco e não-louco; do doente e do sadio. O discurso é normativo, ele abrange
tanto a esfera regulamentadora quanto a disciplinar. Através dessas normativas sociais vemos o
surgimento de diversos espaços que o refletem: a escola, a prisão, o manicômio. A relação social
com esses “espaços do outro” (heterotopias), que se fazem presentes até mesmo nas camadas mais
corriqueiras através das relações de poder, aludem a um discurso totalizador que engloba as
palavras e as coisas, a realidade e a linguagem, abrindo um leque para que a arte possa vir a ser
carne.
Sobre esse espaço do outro, e por via de uma breve reflexão, talvez seja esse o intento em
que tem se empenhado alguns grupos dos chamados “setores tradicionais”, em transpor a “atual
arte” a um espaço anormal e negligenciado. Pois, segundo as intenções mais visíveis da arte
contemporânea, seu empenho atem-se em demonstrar à sociedade o choque, o diferente, o anormal,
o discrepante; por vezes expondo críticas metalinguísticas que buscam desafiar o próprio conceito
de linguagem artística. Um dos acontecimentos marcantes dessa nova forma de expressão alude à
exposição que homenageava o fotógrafo Robert Mapplethorpe, organizada pelo Centro de Artes
Contemporânea de Cincinnati, em Ohio (EUA). A mostra, organizada em abril 1990, um ano após a
morte do artista, trazia uma vasta coleção de fotografias de cunho sexual ao público. A polêmica
gerada não se diferencia em grande escala dos atuais casos brasileiros. Não há lógica plausível em
impor um significado sobre-humano à arte, ela somente vem à luz como carne quando significada
(ou ressignificada) pela experiência. Sem carnalidade a arte é mero objeto.
Por fim, a arte nos vem como 'coisa inacabada', como algo a ser postulado e que causa o que
não é legitimo do objeto, mas sim da relação traçada entre imagem e objeto à corporificação pelo
ser humano, pela experimentação. Se causa repulsas ou ressalvas não é pelo significado legítimo
que seu autor se empenhou em transparecer: sua linguagem não nos é mais tão legível. Ela causa
reações por expor o discurso e seus trâmites, por possuir a carnalidade necessária para trazer à tona
o próprio ser humano e seu meio em maior escala.

Вам также может понравиться