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MUÇULMANOS1 NOS PROCESSOS DE MODERNIZAÇÃO
BRASILEIRA: A READEQUAÇÃO DOS MAPAS COLONIAIS
* Doutor em sociologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ (Seropédica/RJ/Brasil), pro-
fessor de culturas e historias africanas no Departamento de História da UFRRJ. Coordenador do Núcleo de Pes-
quisas da África Contemporânea (NUPAC). Presidente da ONG VIDA Brasil/Salvador. papa1kaly@yahoo.fr
1. O grosso dos colonizadores do Mundo Ibérico era composto por brancos, judeus, pretos africanos e os
africanos genericamente denominados de berberes convertidos ao Islã.
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no Marrocos, e a do café na Etiópia e suas seus impactos nos processos da moderni-
introduções no mundo ibérico via a África zação e da consolidação do capitalismo,
do Norte inauguraram a agricultura inten- não só do mundo ocidental mas também
siva, e lançaram as bases da produção do das Américas séculos depois.
açúcar e de sua adoção na culinária e na
farmacologia. A agricultura intensiva deu 1. O Mar Mediterrâneo e o mundo ibérico:
assim início à dessacralização dos alimen- a ponte entre três continentes
tos e da terra, como também popularizou o
acesso a novos alimentos, ao mesmo tempo A cultura islâmica, contudo, não participa nes-
em que lançou as bases das grandes pro- ta mudança de percurso apenas em termos de
priedades de terras com necessidades de alteridade negativa, mas ela própria forne-
grande número de trabalhadores. ce uma contribuição decisiva ao novo modelo
A introdução na Europa Ibérica das plan- gastronômico que está sendo elaborado na Eu-
tas da cana-de-açúcar e do café, e sobretudo ropa medieval. Do Oriente Médio e da África
de suas técnicas de plantio e de produção de chegam novas plantas e novas técnicas agrí-
açúcar e do café, constituíram as bases dos colas: a cana-de-açúcar, as frutas cítricas; hor-
processos de colonização (“descobrimento” taliças como as berinjelas e os espinafres; ára-
das Américas, tráfico e escravizações) que bes e sarracenos são “mediadores”, no Ociden-
o mundo ocidental vai iniciar a partir do te, do gosto oriental pelas especiarias e pelo
século XV e, concomitantemente, dos pro- agridoce, relançando modelos que a cultura
cessos da modernização do próprio mundo gastronômica romana já havia experimentado,
ocidental e inclusive do que viria a ser o embora de maneira menos exclusiva. Também
Brasil. Esse contexto permitiu o surgimento trazem para a Europa o cultivo e a cultura do
e a consolidação de uma gramática linguís- arroz, na Sicília, e introduzem o uso da pasta
tica, da colonização territorial e agronômica seca, um gênero de consumo que também os
relacionada ao café e à cana-de-açúcar, que hebreus estavam difundindo na Europa, des-
ia do plantio à produção do açúcar e de seus tinado a um extraordinário sucesso, sobretudo
derivados até o café. no território italiano. (RIERA-MELIS, 2009, p.
Este trabalho discute o papel dos árabes 14, tradução livre do autor).
e muçulmanos (árabes, africanos islamiza-
dos, pérsios, turco-otomanos, mongóis...) O algodão silvestre (a palavra deriva do ára-
nos processos coloniais das Américas e, be al-qoton) foi domesticado no vale do rio
sobretudo, como as técnicas de plantio de Indo no subcontinente indiano, em algum
cana-de-açúcar e de produção do café, e momento entre 2.300 e 1.760 a.C.; a habili-
as transformações das plantas em açúcar dade dos indianos para tecer panos de algo-
– iniciadas no Marrocos –, e dos grãos do dão e tingir o tecido com cores resistentes foi
café em café deram início à modernização logo descoberta pelos vizinhos, que começa-
do Brasil, inaugurando assim as lutas pela ram a enviar barcos e caravanas de came-
possessão de mais terras para atender às los para comprar o tecido em troca de ouro,
exigências da agricultura intensiva inven- prata e pedras preciosas. Com a descoberta
tada pelos árabes-muçulmanos. do vento de monção no século I d.C., navios
O texto trata analiticamente dos com- oceânicos se somaram ao comércio de cara-
plexos e longos processos coloniais e dos vanas existentes com a Índia [...].
2. Lila Abu-Lughod no seu artigo “As mulheres muçulmanas precisam realmente de salvação? Reflexões an-
tropológicas sobre o relativismo cultural e seus outros” tece duras críticas ao mundo ocidental em relação ao
uso do veio e da burka por mulheres muçulmanas. Ao focar analiticamente os debates sobre feminismo, gê-
nero e religião, ela mostra a falta de compreensão e de respeito às práticas culturais no Afeganistão.
3. Não se pode apreender analiticamente o renascimento italiano sem tomar em conta as contribuições
chinesas e árabo-muçulmanas (de árabes e de muçulmanos não árabes).
4. Ralph A. Austen e Woodruff D. Smith sustentam no artigo “Private tooth decay as public economic vi-
tue: The slave-sugar triangle, consumerism, and european industrialization” que o consumo do açúcar e
do café trouxe algumas das maiores desgraças em termo de doenças da modernidade.
5. Esta dominação masculina do branco dentro dos processos coloniais foi brilhantemente sintetizada por
Aminata Dramane Traoré e Boubacar Boris Diop pelo título do livro deles: “La gloire des imposteurs. Let-
tres sur Le Mali et l´Afrique.
6. Até hoje os grandes fazendeiros continuam beneficiando quase das mesmas proteções por parte do s es-
tados da Federação como também da própria Federação.
7. Beatriz Galloti Mamigonian (2005, p. 391)
8. Peter Marks no seu livro “Portuguese” style and luso-african identity. Precolonial Senegambia , sixte-
enth-nineteenth centuries mostra que muitas construções das casas grandes eram técnicas arquitetônicas
das sociedades diolas encontrados hoje no sul do Senegal. Robert Farris Thompson vai à mesma direção
analítica. Ele salienta que as casas redondas encontradas nas Américas seriam técnicas arquitetônicas
trazidas pelos escravizados do mundo Mandé na África Ocidental.
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