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“Contrastes musicais entre o Brasil e os Estados Unidos”

Versão original do artigo “Hitting a ‘popular’ note: musical contrasts in Brazil and the US”
Carlos Sandroni
Publicado em Portal, 2, 2006-2007, LILLAS, University of Texas at Austin, p.48-49.

Apresentar a música brasileira e suas questões para estudantes americanos de pós-graduação,


como fiz na Universidade do Texas em Austin durante o Semestre de Primavera de 2007, foi
uma tarefa desafiadora por várias razões. A primeira é uma razão de ordem geral: o Brasil é um
país imenso com uma enorme variedade musical. Pior, esta variedade é ainda muito mal
conhecida dos próprios brasileiros. Os estudos sobre nossa música resumem-se, em proporção
esmagadora, a tratar do Rio de Janeiro (que foi a capital de 1763 a 1960, período formador da
nação e da própria idéia de uma música nacional) e da região Nordeste (onde o país de certa
forma “começou” e que guarda, neste campo como noutros, uma aura de pureza original). A
região Sul, a enorme região amazônica, as regiões central e ocidental, possuem tradições e
especificidades musicais, das quais no entanto os pesquisadores universitários sabemos muito
pouco, ou nada.

A segunda razão diz respeito às peculiaridades da maneira como a idéia de “música popular” é
pensada e vivida no Brasil. À primeira vista, esta maneira não difere tanto da que é adotada nos
Estados Unidos. Em ambos os casos, “música popular” é situada numa divisão tri-partite, em
que se diferencia, por um lado, de “música folclórica”, e pelo outro, de “música erudita”. Mas
por trás deste aparente acordo, oculta-se uma significativa diferença de conceptualizações.
Permitam-me discutir estas diferenças através de alguns exemplos.

O choro é um tipo de música instrumental formado no Rio de Janeiro a partir de 1870


aproximadamente. Segundo seus estudiosos, surgiu a partir das interpretações menos
comprometidas com as partituras, e cheias de swing local, que músicos criados no Brasil davam
a polcas, valsas, mazurkas e outros gêneros europeus de música para dançar. Aos poucos, o
choro se dissociou da dança e se transformou numa música de virtuoses, de instrumentistas e
compositores altamente sofisticados e, em certo sentido, aristocráticos. Não por acaso, foi
comparado por muitos ao jazz. Mas o choro é considerado pela maioria da crítica (seja ela
acadêmica ou jornalística) como fazendo parte da música popular brasileira. Por isso, qual não
foi minha surpresa ao descobrir que o jazz, com o qual guarda tantos pontos comuns, não é
geralmente considerado nos Estados Unidos como “música popular”. Apesar da surpresa, não
me foi difícil entender o ponto: nem o jazz nem o choro são populares no sentido em que
Madonna ou o cantor romântico brasileiro Roberto Carlos são populares. Aqueles dois gêneros
– e nisto, brasileiros e americanos certamente concordariam – não fazem parte da “música
pop”. Mas no Brasil, “pop” não é simplesmente uma abreviação de “popular”: ao contrário, as
duas designações são vistas por muitos como, até certo ponto, opostas. Nos Estados Unidos, a
expressão “popular music” - or “pop music” for the sake of abreviation – parece referir-se
sempre a música que vende centenas de milhares de discos, toca nas rádios de grande
audiência, e está de alguma maneira associada ao que o filósofo Theodor Adorno chamou de
“indústria cultural”. (Tanto o jazz como o choro estão, é claro, de alguma maneira relacionados
com a indústria cultural, mas não se pode dizer que seja tal relação o que melhor os
caracteriza.) No Brasil, “música popular” é também, em parte, definida por estes traços, mas
não apenas por eles, e certamente não do mesmo jeito que definem “popular music” nos
Estados Unidos.

O choro, tal como o jazz, é praticado em grande medida numa esfera cultural que independe
das grandes companhias que discos e do grande show-business. Sua inclusão na idéia que
fazemos de “música popular brasileira” liga-se ao fato de que esta é vista não apenas, e talvez
não principalmente, como show-business, mas também como uma das maiores expressões
artísticas da identidade nacional. Nos Estados Unidos, ao contrário, parece que o conceito de
“popular music” não se liga especialmente nem à idéia de elevação artística, nem à de
identidade nacional. Daí da dificuldade da tradução de uma idéia pela outra.

Outro aspecto do tema que nos ocupa liga-se a uma expressão que não é apenas musical.
“Cultura popular”, no Brasil, é usada de maneira quase oposta a “popular culture” nos Estados
Unidos. Estudos sobre ídolos da mídia, sobre programas de rádio e televisão, histórias em
quadrinhos ou publicidade, são mais recentes e menos numerosos em meu país que os estudos
sobre folclore. Talvez por isso, a academia e as instituições culturais brasileiras tendem a usar a
expressão “cultura popular” como sinônimo de folclore.

“Mas como assim!?”, perguntavam meus alunos na Universidade do Texas, desnorteados,


quando eu falava destes temas. No Brasil, “música popular” se opõe a “música folclórica”, mas
“cultura popular” é sinônimo de “folclore”?? Este paradoxo talvez possa ser explicado em parte
pela maneira como no país se combinaram as influências da cultura francesa e norte-americana.
As conotações associadas à palavra “povo” em ambas as línguas são diferentes. Em francês, “le
peuple” tem sempre uma conotação política, o que não é o caso do seu similar inglês, “the
people”, ou “people”. O equivalente francês de “people” seria “les gens”. Em português do
Brasil, o francês “le peuple” se traduz como “povo”, e o inglês “people”, do mesmo modo que
o francês “les gens”, se traduz como “pessoas”. O primeiro tem uma carga política, o segundo
é meramente descritivo. Na terra de Rousseau, a palavra vem sempre com o artigo definido (“le
peuple”), como a acentuar sua indivisibilidade. Já em inglês, “the people” pode ter também
sentido político, mas a palavra é usada correntemente, sem artigo, para designar qualquer
conjunto mais ou menos heterogêneo de pessoas.

No Brasil a palavra “povo” tende a ser usada mais no sentido francês. Mas o adjetivo
correspondente, “popular”, é ambíguo, ocorrendo de duas maneiras diferentes. Há um
“popular” quantitativo, aquele que se refere ao número de pessoas atingidas, discos vendidos: é
o popular estatístico, por assim dizer; ou ainda, o “popular por indução”. E há um “popular”
que se refere ao “povo” como sujeito político, que não é apenas, e talvez nem principalmente,
estatístico. Seria o popular referindo-se àquilo que apresenta atributos do povo como sujeito
político: o popular qualitativo, ou ainda, “popular por dedução”.

Quando no Brasil se fala de “música popular”, estas diferentes maneiras de conceber o popular
estão em jogo. Desde o final do século XIX, época da a abolição da escravatura (1888) e da
proclamação da República (1889), até este início do século XXI, quando um ex-líder operário,
representante de um Partido dos Trabalhadores, assume a presidência da República, definições
de “povo brasileiro” estiveram no centro das atenções. Intelectuais como Silvio Romero, Mário
de Andrade, Gilberto Freyre, Florestan Fernandes, Roberto Da Matta e tantos outros ajudaram a
explicitar estas definições. E, como assinalou Bryan McCann em Hello, hello Brazil – popular
music in the making of modern Brazil, os próprios músicos e letristas brasileiros fizeram de
suas canções um laboratório de idéias sobre “povo” e “brasilidade”.

Assim, livros tão diferentes como como Cantos populares do Brasil (Sílvio Romero, 1883),
Música popular brasileira (Oneyda Alvarenga, 1946), Pequena história da música popular
(José Ramos Tinhorão, 1974); e canções tão diferentes como “História do Brasil” (Lamartine
Babo, 1934), “Aquarela do Brasil” (Ary Barroso, 1939) e “Que país é este?” (Renato Russo,
1987), dão testemunhos sobre as mudanças de concepção a respeito do povo brasileiro e suas
expressões musicais.

Através destas mudanças, as personalidades mais expressivas – como Noel Rosa, nos anos
1930, e João Gilberto, nos anos 1960 – e os momentos mais dramáticos – como a explosão
tropicalista nos anos 1960 – sempre associaram a veia nacional-popular e certos critérios de
elevação estética, ao cosmopolitismo e à orientação para o consumo de massas, típicos da
música popular moderna, cujo paradigma é sem dúvida a norte-americana. Acrescente-se a isso
o fato de que a música folclórica brasileira não é revivalista e nem é apenas rural, mantendo em
muitos casos uma dinâmica relação de mão dupla com o mercado fonográfico. O resultado é
que a oposição entre as idéias de “popular” e “folclórico” é em meu país muito mais suave do
que parece ser em outros países, e talvez sobretudo nos Estados Unidos. No Brasil, pelo menos
no campo da música, se “popular” é diferente de “folclórico”, está longe de ser o seu “oposto”;
e também seria diferente, pelo menos na mesma medida, de “música pop”, concebida como
aquela de relação menos crítica com o mercado e o cosmopolitismo.

Esta difícil mediação entre “popular quantitativo”, “popular politizado”, “nacionalismo” e


“cosmopolitismo” contribui muito para as contradições e paradoxos, mas também para a
riqueza e a fecundidade, da música popular brasileira. Este semestre na Universidade do Texas
me ajudou enormemente a pensar sobre estas contradições e riquezas numa perspectiva
comparada. E apesar – ou talvez, até, por causa? - das dificuldades de tradução, de língua como
de cultura, espero ter ajudado meus alunos a entender e a gostar mais de música popular
brasileira.

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