Вы находитесь на странице: 1из 15

Caderno Virtual de Turismo

L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
DE

CA

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso


turístico: a dialética da visitação pública em áreas
protegidas - um ensaio teórico

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
Bruno Pereira Bedim (brunobedim@yahoo.com.br)*

Resumo

Considerando a perspectiva teórico-metodológica do materialismo dialético, o artigo


discute as contradições do turismo em Unidades de Conservação, delineando uma
discussão filosófica sobre os avanços e as possibilidades de sua prática enquanto
instrumento mediador de uma possível revisão da relação homem-natureza, a partir de
sua inserção no processo de acumulação. Considera-se o turismo como fenômeno social,
materializando-se no espaço através de um sistema de objetos articulados ao sistema
capitalista de produção. Por conseguinte, tem-se a mercantilização da natureza, donde
o preço do ingresso cobrado para a entrada de visitantes em Parques Nacionais personifica
o seu valor enquanto espaços-mercadoria de consumo temporário. Um convite à reflexão,
este ensaio mobiliza contribuições teóricas da ecologia, da filosofia, da sociologia da
cultura e da geografia humana para subsidiar o debate.

Palavras-chave: Turismo; Unidades de Conservação; Materialismo Dialético; Capitalismo;

Abstract

Considering the theorethical-metodologic of the dialetic materialism, the essay tries to


show the contradictions of tourism in conservation units, drawing a philosophic discussion
www.ivt -rj.net
about the advances and possibilities of its practice while being a mediation tool for a
probable revision of the man-nature relation, from it´s insertion in the cumulation process.
LTDS Considering tourism as a social phenomenon, materializing itself on the space through a
system of objects connected to the capitalist production system. As it is there is the
Laboratório de Tecnologia e
mercantilization of nature where the price charged for the entrance of the visitors on the
Desenvolvimento Social
National Parks personifies its value as spaces of temporary consumption. An invitation to
reflexion, this essay mobilizes teorethical contributions from ecology, philosophy, sociology
of the culture and the human geography to help the debate.

Key-words: Tourism, Conservation Units, Dialetic Materialism, Capitalism;


Bruno Pereira Bedim

75
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
Introdução tais fatores, o processo de realização de uma
DE

CA No curso da história, a condição de necessidade sofisticará cada vez mais a


heterotrofia da espécie humana a levou a relação homem/homem e homem/natureza.
produzir os seus próprios meios de existência, A partir de tais pressupostos, torna-se possível
sua vida material propriamente dita. Essa analisar a capacidade de a espécie humana
concepção se fundamenta na modificação se (re)produzir e se deslocar globalmente.
das bases materiais da natureza pela ação Os desdobramentos dessas relações
do homem, levando-o a se distinguir das criadoras entre homem e natureza e a
outras espécies animais. Tal pressuposto se subseqüente transformação da própria

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
baseia nos escritos de Marx e Engels (1984) e espécie humana nesse processo se dá a partir
é comumente denominado de materialista de um processo dialético, transcriador, já
ou naturalista. A partir dele, tem-se duas que o homem cria o seu meio para si ao
transformações que definem a própria recriar a si mesmo. Essa dialética da espécie
história: i) A transformação da natureza natural traduz-se no reconhecimento, pelo
exterior pelo homem; ii) A transformação do homem, de sua própria essência ao realizar
próprio homem pelo fato de ele criar suas as suas metas e materializá-las no espaço
próprias condições de existência que o cerca e incorpora, produzindo-o e
transformando a natureza1. sendo produzindo por ele. Por conseguinte,

A concepção materialista da história, o fundamento da história é o próprio homem,

por sua vez, é uma lógica abstrata toda relação humana e toda atividade

assentada na observação do real. Não se humana a prosseguir com seus objetivos

trata de uma "regra" que conduz a sociedade sobre a Terra.

em termos ideais, mas de uma constatação A acepção teórica do


do movimento dialético observado por Marx desenvolvimento do capitalismo, assim, se
* Mestre e Doutorando Organização, e Engels (1984) no esforço de construírem uma configura pela lógica contraditória de
Gestão e Produção do Espaço/ Geografia
pela UFMG, onde desenvolve pesquisas ciência da história da sociedade2. Não são, desenvolvimento das forças produtivas, seu
sobre a Intervenção Socioeconômica do
Turismo em Populações Camponesas; pois, leis imutáveis, mas leis que os próprios tempo histórico e seu ritmo na história3. O ser
Especialista em Planejamento e
Ecoturismo (UFLA); Bacharel em Turismo homens constroem na tentativa de suprir as social humano, por sua vez, determina a sua
(UFOP). Pesquisador vinculado ao Núcleo
de Pesquisas Avançadas em Turismo da necessidades primeiras, gerando, por consciência. A explicação dessa consciência
Universidade Federal de Ouro Preto -
NUPETUR. Áreas de atuação: Turismo e conseguinte, novas necessidades. Ocorre se dá a partir das contradições da vida
Economia Política; Conflitos Ambientais
no entorno de Unidades de Conservação; que a complexidade alcançada pela material, dos conflitos que envolvem as
Turismo e expropriação; Lazer e Tempo Social;
Sociologia do Turismo; Geografia Agrária; sociedade capitalista contemporânea
Cultura e resistência camponesa.
relações sociais de produção e as forças
sobrepôs às necessidades elementares outras produtivas. Ao desenvolver as forças
1. Para maiores aprofundamentos, ver
Raymond Aron (2003).
variadas necessidades secundárias, "fictícias". produtivas, o movimento da história
2. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia
alemã. Trad. José Carlos Bruni e Marco Tal contexto pode ser reiterado pela acentua as contradições internas da
Aurélio Nogueira. São Paulo: Hucitec, 1984.
constatação de que as sociedades pós- sociedade atual à medida que cria homens
3. As forças produtivas que envolvem o
turismo não apenas intervém como industriais possuem a capacidade de empiricamente universais que se impõem
recriam modos de organização
socioespacial. O turismo, enquanto esfera produzir necessidades cada vez mais sobre os indivíduos correspondentes a um
produtiva diferenciada, suscita a
coexistência, a (des)integração ou a sofisticadas, bens materiais e imateriais a partir plano local. A compreensão da dialética e
superposição de distintas formas de
relações de produção, engendrando e da "cultura de mercado" que elas próprias da transformação da sociedade capitalista,
acentuando desigualdades a partir dos
diferenciados ritmos de desenvolvimento. assim, demanda a compreensão da história
constroem. Além das necessidades básicas
À articulação produtiva que define a
prestação de serviços diretos ou indiretos e do processo de acumulação e reprodução
Bruno Pereira Bedim

ligados ao turismo, agregam-se processos


de subsistência, produzem-se também
sociais, costumes, espaços, indivíduos e
grupos humanos - os quais possuem ritmos necessidades de ordem cultural, como o do capital no tempo e no espaço.
diferenciados de transformação na história,
assim como a formação econômico-social desejo de viajar, a indústria da moda, o No curso do tempo, o espaço
que os envolve. Neste sentido, ver Bedim
(2007). telefone celular, etc. Como decorrência de socialmente produzido é resultado do

76
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
trabalho humano a transformar a natureza e Ao longo do processo histórico
DE

CA a si próprio, numa contínua interação que ocidental, o homem, pontuadamente, se


pressupõe diversificadas formas de desloca pelo espaço social - seja pelos lastros
apropriação da natureza pelo homem no milenares da movimentação causada por
fluxo do devir, imprimindo aos recursos naturais eventos culturais na antiguidade (como os
formas e conteúdos úteis à sua reprodução jogos olímpicos), seja em virtude das
social. Neste processo, o homem condições de subsistência. Na atualidade,
antropomorfiza a sua natureza externa contudo, verifica-se a reprodução de tal
(ambiente) e, por conseguinte, transforma a fenômeno, agora assumindo novas formas
sua própria 'natureza interna'. sociais - quer seja, as experiências modernas

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
A relação homem-natureza, assim, se dá do turismo e do lazer (BEDIM; PAULA, 2007)7.

a partir de processos de trabalho, cujo viés O turismo é, em si, um fenômeno social


teleológico4 confere à natureza a condição moderno nascido das contradições da
de objeto e meio de trabalho. A apropriação própria maquinaria produtiva da
e a transformação dos objetos (recursos modernidade. O tempo livre8 a ser gozado

4. A teleologia se refere à qualidade do naturais) visam, pois, à satisfação das pelo turista e personificado nas férias
homem em possuir consciência de seus
atos, o que o difere, pois, das demais necessidades humanas, processo pelo qual remuneradas, só pôde existir enquanto tal a
espécies do reino animal. Neste sentido,
os outros animais realizam atividades, mas são produzidas riquezas. Por sua vez, a partir do tempo de trabalho e seus
só o homem trabalha (ibid.).
perspectiva de compreensão da realidade movimentos ao longo do tempo. Assim, o
5. "El turismo es un fenómeno social que
consiste en el desplazamiento voluntário exposta por Marx e Engels (1984) foca-se num turismo é produto do processo histórico
y temporal de individuos o grupos de
personas que, fundamentalmente por viés antropológico, como decorrência da moderno, se inserindo entre as inúmeras
motivos de recreación, descanso, cultura
o salud, se trasladan de su lugar de nossa condição de espécie natural: o homem concepções da modernidade e suas
residencia habitual a otro, en el que no
ejercen ninguna actividad lucrativa ni enquanto "bicho no mundo", a trajetória do tendências econômicas, políticas, culturais e
remunerada, generando múltiples
interrelaciones de importancia social,
económica y cultural" (LA TORRE, 1980, p.19).
ser humano enquanto espécie animal sobre a ambientais a transformar o mundo. Traz

6. Para se analisar os fenômenos que


Terra. Do ponto de vista científico, tal concepção consigo a importância da era moderna na
envolvem a vida humana, precisamos
antes saber como as sociedades produzem se apresenta altamente saudável. experiência ocidental; signo de um mundo
a sua cultura material e imaterial, sua vida
propriamente dita. O espaço socialmente O materialismo histórico, em última sem fronteiras porém delimitado em si; a
produzido, o turismo e os usos sociais do
tempo não preexistem à ação do homem. instância, é uma forma de compreensão da compressão tempo-espaço a produzir
Eles são transformados a posteriori, num
processo complexo de produção da vida sociedade; uma "autópsia" da história e dos contradições ao reduzir as distâncias
humana que tem no trabalho o motor da
história: através dele os homens processos sociais a ela subjacentes; uma aparentes entre os homens e os últimos
transformam a natureza e a si próprios para
construírem seus meios de sobrevivência.
análise da nossa viagem enquanto espécie "refúgios naturais" da Terra, mas cuja
Trata-se, pois, de uma análise vitalista
focada na trajetória do homem enquanto
biológica no mundo; um método que permite- proximidade não necessariamente significa
bicho no mundo. Esse é o pressuposto
filosófico-metodológico no qual Marx e
nos interpretar o processo de construção da o entendimento entre os mesmos.
Engels se basearam para elaborar a
concepção materialista da história.
história pelos homens na sua relação com A criação de áreas protegidas tem se
7. BEDIM, Bruno P.; PAULA, Heber
Eustáquio. "Relatos Visitados": História Oral outros homens e com a própria natureza. destacado enquanto estratégia de
e Pesquisa em Turismo e Hospitalidade.
Considerações teórico-metodológicas. O turismo5 é uma forma de intercâmbio conservação dos patrimônios naturais, à
Caderno Virtual de Turismo, Rio de Janeiro,
v.7, n.1, mar.2007, p.63-77. material entre homem e natureza6, cuja praxis medida que os principais ecossistemas do
8. Num contexto que subentende a
altera substancialmente a interação homem- planeta encontram-se ameaçados. Há uma
exploração do tempo e da intensidade do
trabalho, contraditoriamente, o lazer e o
natureza, inserindo mudanças qualitativas combinação de fatores que explicam o
turismo assumiram importantes papéis e
ganharam relevância através da
ao nível das relações de trabalho, tendo em aumento da preocupação mundial pelas
apropriação e preenchimento produtivo do
tempo "livre" do cidadão, gerando assim áreas protegidas, como o aumento da
um paradoxo no uso e sentido do tempo vista que a natureza preservada se configura
de não-trabalho, posto que este é utilizado devastação de florestas e a perda da
Bruno Pereira Bedim

para criar novas relações sociais repletas como um importante atrativo turístico. Diante
de valores mercantilizados, e não como um
tempo do indivíduo consigo mesmo. disso, tem-se uma nova forma de biodiversidade - entre outros temas de
Subordinado ao tempo de produção, o
"tempo livre" não apenas se encontra incorporação do trabalho humano aos estudos e debates freqüentemente
subvertido à esfera econômica como
também a complementa. espaços de vivência. evocados no sentido de se configurar novos

77
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
vínculos entre o homem e o meio do qual ele expressam a própria dualidade homem-
DE

CA faz parte. Não obstante, Diegues (2002) natureza, onde a busca por imagens nostálgicas
ressalta que o naturalismo do século XIX relacionadas a esses destinos turísticos
afastou o homem da natureza, reservando representam a busca pelo "paraíso perdido" no
aos parques nacionais a idealização da não imaginário ocidental, em contraposição à
interferência antrópica, desdobrando assim degradação da qualidade de vida nos
no mito de lugares paradisíacos a serem grandes centros urbanos (AOUN, 2003).
apenas reverenciados pelos homens, como Assim, novas demandas sociais
estratégia para proteger a vida selvagem - induzem à procura por "refúgios naturais"
no intuito de salvaguardar fragmentos do

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
como alternativa à fuga do cotidiano das
mundo natural em estado primitivo, portanto metrópoles, sendo que a especificidade do
"livres" de qualquer ação humana. "mundo natural" é definida em oposição à
"A natureza é mágica" - já afirmava imagem da civilização, e suas
Thoreau 9 ao exprimir a incompatibilidade representações construídas a partir de olhares
entre história e natureza, uma vez que, "civilizatórios" sobre o "selvagem". Na
segundo o seu discurso, a civilização amansa contemporaneidade, sob tal perspectiva
e subjuga o mundo natural ao lidar com ele. dicotômica, o turismo em áreas naturais
Essas sensações conflitantes em relação à protegidas recolocaria o indivíduo em
coexistência do "selvagem" e do "social" contato com o paraíso perdido,
(SCHAMA, 1996), associadas ao legado da materializando - e vendendo - a idéia do
9. Henry David Thoreau, considerado um dos
fundadores do ambientalismo moderno. cultura judaico-cristã conferem conotação retorno às origens humanas.
Em seus relatos, encontramos fragmentos
da idealização ocidental do mundo natural sagrada (paraíso) aos espaços considerados Contraditoriamente, busca-se na
no século XIX, em que florestas "inóspitas
e selvagens" e topografias sobrenaturais "inalterados" pelas mãos do homem - o que idealização do "natural" as respostas para
refletiam a natureza primitiva e sua
atmosfera sagrada. Dos arautos da
modernidade, emerge sua visão romântica
explica o fato de, ainda hoje, alguns muitos dos dilemas civilizatórios.
sobre o mundo natural, contexto que,
segundo Schama (1996, p.568), levou
ambientalistas defenderem a proibição da Retomemos aos pressupostos do
Thoreau a exprimir suas sensações
conflitantes em relação à coexistência do visitação pública às Unidades de materialismo histórico-dialético inicialmente
'selvagem' e do 'social', já que a
preservação do mundo estaria na "natureza Conservação, apontando o turismo como expostos neste artigo. Como visto, as
bravia", virgem. Tem-se, na sequência, a
representação idílica de um mundo uma ameaça à vida selvagem e como condições materiais condicionam as demais
preenchido com entes naturais primitivos
e seu apelo paisagístico como um mecanismo indutor de práticas depredatórias. relações sociais e que, para viver, os homem
contraponto à civilização ocidental e sua
crescente industrialização. A relação homem-natureza e seus têm que, a princípio, transformar a natureza.
10. Na acepção marxiana da história,
assim, não há separação entre natureza
significados acompanham a humanidade No contexto turístico, tal composição pode
sociedade. Marx e Engels (1984) entendem
o mundo a partir de uma concepção
desde os seus primórdios. Ao longo da história ser exposta a partir do entendimento de que
naturalista, vitalista e não de uma
metafísica: para se manterem vivos, o ocidental, contudo, o homem, numa ilusão o turismo representa um acréscimo de novas
homens têm que se alimentar, construir
abrigos, roupas, sem os quais não poderiam emancipatória, se aparta da natureza: de formas de racionalidade ao processo
existir. Para tanto, eles se associam a
outros homens, daí o motivo pelo qual negando sua condição animal torna-se produtivo - a inauguração de uma
Marx também não separa o indivíduo da
sociedade. Por conseguinte, a relação sujeito, o 'ser pensante', enquanto que o modalidade de intercâmbio material entre
entre a sociedade e a natureza é um
intercâmbio que se desenvolve mundo envolvente, o seu objeto. O universo homem e natureza.
historicamente por meio do trabalho
humano e que, ao mesmo tempo, cria e do natural, a partir daí, é reordenado à sua Neste sentido, o próprio apelo estético
transforma as relações entre os seres
humanos. A (re)produção da vida material, maneira. Tal viés gera uma estranha da paisagem é entendido enquanto força
por sua vez, se dá pelos processos de
trabalho. dicotomia, posto que o ser humano integra o produtiva, já que a atratividade das formas
11. BEDIM, Bruno P. A questão agrária face próprio mundo natural e com ele coexiste: em
a produção capitalista de espaços naturais e culturais insurge como fator histórico-
turísticos no entorno de Unidades de última instância, o homem é a natureza que
Bruno Pereira Bedim

Conservação: confrontações da "matéria" geográfico de desenvolvimento econômico


subjacente aos Parques Caparaó, Serra da
Canastra e Ibitipoca. Projeto de Pesquisa/
toma consciência de si10. e social11. É o que enfocaremos a seguir, a
Doutorado - Organização, Gestão e
Produção do Espaço/ Geografia (IGC- As demandas das populações urbanas partir do contexto que envolve a experiência
UFMG). Belo Horizonte: Instituto de
Geociências da UFMG, set.2007. 15p. em visitar as áreas naturais protegidas turísticas em áreas naturais protegidas.

78
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
As Unidades de Conservação e a entornos pelo turismo, bem como da noção
E

lógica do espaço-mercadoria
D

CA de "locação" a curto prazo materializada


O patrimônio natural de um Parque tanto no preço dos ingressos cobrados aos
Nacional apropriado pela "indústria do turismo" turistas quanto na terceirização dos
e seus mecanismos econômicos se inserem na programas de visitação pública.
lógica de acumulação - em que coisas que Ao intervir direta ou indiretamente nas
não eram mercadoria passam a ser dinâmicas socioambientais de seu entorno,
mercadoria para alimentar o modo de as Unidades de Conservação representam
produção capitalista. muito mais do que simples categorias jurídicas

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
Assim, o turismo transforma uma de organização espacial - sendo necessário
considerável parcela do espaço 'natural' em olhar para além de suas fronteiras.
mercadoria, submetendo-o ao circuito da Compreender os processos socioculturais
troca e, segundo Carlos (op.cit., p.179), desencadeados pelo turismo em espaços
engendrando "uma nova lógica associada a limítrofes às áreas naturais protegidas
uma nova forma de dominação do espaço que equivale a reconhecê-las como fenômeno
se reproduz ordenando e direcionando a de cultura, fenômeno com espírito social, cujo
ocupação" - condicionando, pois, o seu uso aos viés ambiental e econômico são tão
enquadramentos da apropriação privada e a importantes quanto os demais - e cuja
acessos diferenciados funcionalmente. vertente funcional tende a transformar as

No mundo moderno, as relações entre suas adjacências em territórios de lazer

desenvolvimento das forças produtivas e socialmente construídos.

processos de produção engendram novos Ademais, acreditamos que o fenômeno


mecanismos de se efetivar a acumulação, os turístico em Unidades de Conservação e seus
quais se vinculam, cada vez mais, à desdobramentos se materializam enquanto
produção do espaço-produção. Neste práticas sociais na própria ação dos atores que
processo, atribui-se valor de uso a novos neles estão inseridos.
lugares, à medida que a extensão do Paraíso? Para quem? É na
capitalismo suscita novas contradições do efervescência empírica que permeia o
espaço a partir do processo de reprodução cotidiano do entorno de Parques Nacionais
da própria sociedade (CARLOS, 1999, p.178). - onde as populações locais e os parques
Por conseguinte, assiste-se à fragmentação muitas vezes constituem-se estrangeiros entre
do espaço no contexto de sua globalização; si; em que o turista é o estranho elemento a
à emergência dos espaços-mercadoria, cuja intervir sobre espaços e culturas - é neste
essência está envolta por simulacros, à contexto que devemos buscar subsídio
medida que o seu valor de uso sucumbe aos empírico para o entendimento da
termos da troca 12 . Nesta perspectiva, o transformação do cotidiano social incerto e,
espaço funcional ao turismo pode ser muitas vezes perverso, ao qual estão submetidas
entendido como uma "nova raridade"13, cuja as populações locais impactadas pelo Turismo.
produção e apropriação social estão
12. "...o espaço é produzido e reproduzido O "exagero material", por vezes
enquanto mercadoria reprodutível. No atreladas a fenômenos trans-escalares pois
contexto em que novas áreas adquirem apropriado pelo marxismo vulgar, requer aqui
valor de uso, o processo de apropriação imersos nas esferas mais amplas da sociedade.
passa a ser determinado pelas leis do um novo tratamento, e nele se incluem as
mercado, isto é, definido pela sua No caso específico dos Parques Nacionais, isso
Bruno Pereira Bedim

trocabilidade. Nesse caso, as parcelas do relações sociais como expoentes da


espaço, sob a forma de mercadoria, se pode ser exposto a partir do entendimento
encadeiam ao longo dos circuitos da troca dimensão do uso. É a partir desses
- a partir de uma estratégia e de uma lógica"
das dinâmicas recentes observáveis no
(CARLOS, 1999, p.179). pressupostos que devem ser reconstruídas a
13. Neste sentido, ver Henri Lefebvre (2003).
processo de apropriação de seus respectivos
atmosfera social que envolve os usos e

79
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
apropriações dos territórios no período que formas de uso do tempo de não-trabalho
DE

CA antecedeu a criação dos Parques e Reservas, materializadas no turismo igualmente


recolocando na história o papel do Estado constituem uma variante da forma
como agente a intervir pela violência mercadoria - o tempo do homem moderno
simbólica do processo de criação das como produto reprodutível, posto que o
Unidades de Conservação e do seu indivíduo é induzido a consumi-lo.
subseqüente "uso público" (leia-se, exploração O mundo moderno, para Lefebvre
econômica via turismo). (1975, p.88), destrói o originário e o original, as
Que contexto é esse em que árvores e particularidades e os lugares, saqueando a

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
bichos são exaltados enquanto ícones de natureza e substituindo a obra pelo produto.
fetichização do espaço como mercadoria Num contexto da mundialidade do mundo,
reprodutível, ao passo que as populações o domínio sobre a natureza revela
locais são expropriadas de suas terras como dialeticamente (e diabolicamente, segundo
se fossem bichos? Conforme lembra Martins o autor) o seu contrário: uma "destruição total
(1996), se quisermos produzir conhecimento que leva à exigência de uma reprodução
sobre o espaço, não poderemos fazê-lo sem (recreação) igualmente total". O advento
incorporar a análise dos mecanismos perversos industrial e sua racionalidade conotam, pois,
e excludentes do capitalismo e suas a centralidade política, a concentração das
respectivas contradições, tendo-se a forma decisões implicando a homogeneização do
mercadoria como metáfora dessa "racionalidade espaço e a centralidade da informação -
sem nenhum compromisso que não seja o da conferindo ao urbano um tempo-espaço
valorização das coisas pela desumanização do diferencial e diferenciado - a saber,
homem" (MARTINS, 1996, p.44)14. dominante. Tal centralidade urbana do

Sendo assim, o estudo que se propuser modo de produção capitalista conferem à

a analisar o uso público de um Parque cidade um caráter cumulativo do tempo e

Nacional não deve prescindir da análise dos dos objetos, congregando pessoas, riquezas,

processos que envolvem a expropriacão de mão-de-obra, processos produtivos, coisas,

terras do entorno da Unidade a partir de sua capital, etc. Diante disso, a organização

incorporação enquanto espaço-mercadoria capitalista do consumo e a respectiva

a ser consumido na lógica de reprodução do conformação do tempo-mercadoria como

capital. Fetichizado, despedaçado e símbolo e metáfora do espaço moderno -

vendido, esses "paraísos do capital" (BEDIM, tempo de compra e venda, tempo

2007) expõe as chagas de um sistema que se comprado e vendido:

apropria das desigualdades do O tempo, bem supremo, mercadoria


desenvolvimento para se reproduzir, suprema, se vende e se compra:
submetendo o uso dos recursos naturais aos tempo de trabalho, tempo de
consumo, de lazer, de percurso, etc.
termos da troca - o "paraíso" como um privilégio
Ele se organiza em função do trabalho
para quem pode pagar por ele . Mas e o custo produtivo e da reprodução das
social desse processo? Quem paga? relações de produção na
cotidianidade. O tempo 'perdido'
Conforme lembra Seabra (1996, p.82), a
não o é para todo mundo, pois é
forma mercadoria não se limita apenas ao preciso pagar caro por ele. O
Bruno Pereira Bedim

produto que sai das fábricas, incorporando pretenso 'tempo livre' é apenas o
ainda "fragmentos e momentos da existência tempo separado e mantido como tal
14. MARTINS, S. M. A cidade sem infância: nos quadros gerais (LEFEBVRE, 2003,
a produção do espaço no mundo da social que também se realizam nos circuitos
mercadoria. Boletim Paulista de p.23).
Geografia, São Paulo, n.74, p.23-46, 1996. de valorização do capital". Neste sentido, as

80
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
O turismo em Parques Nacionais, por sua
E

ao mundo da mercadoria, os mesmos se


D

CA vez, está imerso neste mercado de bens


transformam em objeto de especulação - não
simbólicos, alterando o uso e o sentido do
se desvinculando, pois, dos processos produtivos:
tempo e do espaço "natural" à medida que
as inovações nos mecanismos de Esses espaços separados da
produção, como se fosse possível aí
comunicação e transporte reduziram as
ignorar o trabalho produtivo, são os
distâncias globais, sob signos de modernidade lugares da recuperação. Tais lugares,
a imprimir velocidade ao tempo. A compressão aos quais se procura dar um ar de
tempo-espaço, consequentemente, liberdade e de festa, que se povoa
de signos que não têm a produção e
possibilitara a interligação dos lugares e

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
o trabalho por significados, estão
culturas, expandido o contato com o outro estreitamente ligados ao trabalho
sem necessariamente facilitar a compreensão produtivo. [...] São precisamente
deste outro. lugares nos quais se reproduzem as
relações de produção, o que não
Não obstante, Lefebvre (2003) destaca exclui, ao contrário, inclui, a
que a produção dos espaços se vincula aos reprodução pura e simples da força
tempos (tempo livre, tempo de trabalho, de trabalho (LEFEBVRE, 2003, p.22).

tempo das obrigações sociais, etc.), espaços- Por conseguinte, tem-se a conjugação
tempos que permanecem atrelados às entre a ordem do espaço e a ordem do
relações sociais de produção, mesmo que se tempo; as relações de propriedade e a
tratem de esferas produtivas engendradas existência das "contradições naturais do
pelo uso do tempo de não-trabalho, tal qual espaço", submetendo assim a apropriação
é o tempo apropriado pelo turismo e o lazer da natureza aos termos da troca.
na modernidade. Conforme pontua Alfredo Não obstante, Ana Fani Carlos (1999,
(2006, p.53), a modernidade se expressa pela p.174) destaca as transformações das
ampliação do mundo da mercadoria, sendo relações espaço-temporais na modernidade,
que "os processos relativos à reprodução social sublinhando o papel do turismo como uma
são expostos e repostos pelas determinações extensão das atividades produtivas. Numa
da simultaneidade, efetividade do espaço, época de universalização do capital e dos
em detrimento das relações de sucessão, processos a ele subjacentes, haveria a
efetividade do tempo" - uma vez que, de inauguração de novas formas de se consumir
acordo com a perspectiva lefebvriana, o o espaço, isto é, "cada vez mais se compram
tempo de reprodução do capital exige que e se vendem pedaços do espaço para a
diferentes coisas aconteçam ao mesmo reprodução da vida". Por conseguinte, assiste-
tempo. Por conseguinte, tem-se o consumo se a transformações substanciais no que
do tempo e do espaço, donde o valor de uso concerne tanto ao uso do espaço quanto
sucumbe aos termos da troca16. ao acesso a ele. Assim, a mercantilização da
Nesta perspectiva, o tempo do não- natureza emerge como estratégia de
trabalho, assim como os espaços funcionais acumulação capitalista. Por sua vez, o
ao lazer e ao turismo - como as Unidades de espaço-mercadoria denota novas formas de
Conservação abertas à visitação pública -, apropriação voltadas para o lazer e o
16. A partir de uma interpretação do tais espaços podem ser concebidos como um turismo, resultando na produção de espaços
pensamento lefebvriano, Alfredo (2006,
p.67) assim interpreta tal fenômeno: prolongamento das cidades e da fragmentados pois condicionados pelas
Bruno Pereira Bedim

"Tempo e espaço do ócio, constituídos na


sua versão crítica moderna, apresentam-
urbanização ao longo das áreas "naturais", necessidades da acumulação - subvertidos
se como lazer: consumo de tempo e de
espaço, produção espacial para consumo
de tempo e espaço que reproduzam, ainda
seja das regiões montanhosas, seja dos litorais à troca e vulneráveis aos processos
que criticamente, as relações sociais sob
a forma valor". ou até mesmo desertos. Uma vez incorporados especulativos.

81
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
Um Parque Nacional aberto à visitação novas alternativas de reprodução social. O
DE

CA pública, assim, é um espaço produzido e autor destaca ainda que a apropriação do


apropriado a partir de demandas externas a entorno do Parque pelo turismo resulta em
ele, articulando a si a lógica da simulação, dois processos similares, embora suas
um espaço diferenciadamente produzido dimensões sejam diferentes: 1) no entorno
para ser consumido sazonalmente pelo turista: oeste e sudoeste, tem-se uma tendência de
"o espaço do turismo e do lazer são espaços parcelamento das unidades fundiárias, com
visuais, presos ao mundo das imagens que destaque para o estabelecimento de
impõem a redução e o simulacro. E que empreendimentos turísticos e para a
reduzem a apropriação enquanto 'mercadoria construção de casas de veraneio; 2) no

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
de uso temporário' definida pelo tempo de entorno sul, leste e norte assiste-se à
não-trabalho" (CARLOS, op.cit., p.176). monopolização do território via formação de

A racionalidade do uso destes recursos um latifúndio, processo pelo qual uma única

naturais por populações urbanas, subjugadas empresa de construção já adquiriu

ao modo de produção e às ideologias e aproximadamente 3000 hectares, chegando

aparatos políticos dominantes, engendram a inclusive a comprar uma parcela

transformação das práticas sociais de considerável de um dos arraiais do entorno

apropriação e uso da natureza. Para a análise (Mogol) - conferindo-lhe um aspecto de "vila

de tais processos, Leff (2000) propõe a fantasma", já que restaram apenas 22

conjugação entre os aparatos teóricos do moradores na localidade.

materialismo e suas interfaces dialógicas com Bedim (2007) sublinha ainda o cerco
diferentes ciências sociais, articulando, por da legislação e dos órgãos ambientais ao
exemplo, elementos da antropologia e modo de vida camponês e às práticas
ecologia para se atingir a 'racionalidade agrícolas tradicionalmente praticadas no
econômica' de apropriação dos recursos entorno do Parque do Ibitipoca, impondo
naturais de um dado território17. restrições no uso do solo e dos demais recursos

O que se assiste, a partir da criação de naturais (BEDIM, op.cit.). Tais mecanismos se

parques e reservas, é uma ressignificação de apresentam como formas de expropriação

suas paisagens e de suas áreas limítrofes, em direta ou indireta, criando condições

que novos valores estéticos insurgem em favoráveis à separação do trabalhador rural

detrimento dos usos agrícolas e/ou extrativistas dos meios de que dispõe para produzir:

até então dominantes. Na seqüência, não O que se verifica em Ibitipoca é a


raro assiste-se à crescente valorização de expropriação de uma terra de uso
terras e aos emergentes mecanismos de camponês, a intervenção na
trajetória de um grupo social que viu
especulação fundiária que circundam tais
as bases materiais de sua existência
áreas, submetendo assim o valor de uso aos ameaçadas por agentes externos ao
termos da troca. seu mundo; a privação do uso, a
17. "Com a conformação do Modo de negação do signo, a apropriação
Neste sentido, os processos
Produção Capitalista, as tendências dos econômica de um território por eles
processos ecológicos e culturais
articulam-se, são assimiladas ou
desencadeados no entorno do Parque considerado sagrado; a violência
transformadas pela sobre-determinação
que lhes impõe a racionalidade Estadual do Ibitipoca (MG) podem aqui nos simbólica do Estado que preencheu
econômica de uso dos recursos. Neste com turistas o lugar do cidadão
sentido, é necessário articular o servir de subsídio empírico. Segundo Bedim
Materialismo Histórico com a camponês. Para a população local,
Bruno Pereira Bedim

Antropologia e a Ecologia, para estudar os (2007) a criação do parque e seu subseqüente


processos de transformação dos sistemas essas são as marcas de um passado
ecológicos e culturais, através das práticas uso público podem ser entendidos como uma a refletir e se atualizar no presente,
produtivas que induziu a exploração
capitalista dos recursos naturais e da força forma de intervenção direta sobre o modo nas lutas do presente, nas
de trabalho das diferentes formações
sociais" (LEFF, 2000, p.107-8). de vida camponês, sem oferecer a tais atores dificuldades do presente, nas

82
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
estratégias atuais dos atingidos pela espaço social de trocas simbólicas, cuja
DE

expansão capitalista e suas


CA diversidade provém da reprodução de suas
contradições (BEDIM, 2007, p.124).
próprias bases culturais.
Dessa forma, áreas montanhosas
A atual noção de conservação da
historicamente ocupadas por populações
natureza, por sua vez, destaca a importância
camponesas se tornam, subitamente,
das populações locais18 e seus respectivos
vulneráveis a variados fatores de ação
meios de manifestação cultural, expressos nas
antrópica face a mercantilização da
variadas formas e processos espaciais. Uma
natureza. Não obstante, Henri Lefebvre
leitura ambiental consistente, portanto, deve
sinaliza que

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
abranger as interações entre os diferentes
Outrora, o ar e a água, a luz e o calor elementos que organizam e definem o
eram dons da natureza, direta ou
entorno de áreas naturais protegidas,
indiretamente. Esses valores de uso
entraram nos valores de troca; seu uso incluindo a própria sociedade que o produz,
e seu valor de uso, com os prazeres as condições do meio físico, suas áreas de
naturais ligados ao uso, se esfumam; produção agrícola, modos de vida,
ao mesmo tempo em que eles se
paisagem rural e sistemas de cultivo, entre
compram e se vendem, tornam-se
rarefeitos. A natureza, como o espaço, outros. Neste sentido, Abramovay (2000)
com o espaço, é simultaneamente propõe a incorporação dos temas de
feita em pedaços, fragmentada, natureza ambiental às estratégias de
vendida por fragmentos e ocupada
desenvolvimento rural: "à medida que a
globalmente. É destruída como tal e
remanejada segundo as exigências da noção de ruralidade incorpora o meio
sociedade neocapitalista. As natural como um valor a ser preservado - e
exigências da recondução das não como um obstáculo que o progresso
relações sociais envolvem, assim, a
agrícola deve fatalmente remover - vão
venalidade generalizada da própria
natureza. Em contrapartida, a ganhando força as políticas e as práticas
raridade do espaço, nas zonas produtivas voltadas para a exploração
industrializadas e urbanizadas, sustentável da biodiversidade" (ibid., p.9).
contrasta com o vazio dos espaços
ainda desocupados, os desertos Já Morsello (2001, p.343) lembra que o
terrestres e os espaços elemento econômico está entre os critérios
interplanetários; a carestia do espaço de seleção e delimitação de Unidades de
assim ocupado e rarefeito é um
Conservação no Brasil, destacando que "a
fenômeno recente, com conseqüência
cada vez mais graves. Esse espaço, localização dessas unidades foi determinada
sendo lugar e meio da prática social pelos custos diretos, especialmente o preço
na sociedade capitalista (isto é, da da terra", sendo que os custos indiretos - como
reprodução das relações de
18. Não obstante, Irving (2002) ressalta a o ressarcimento das populações afetadas -
importância de se incorporar a ótica social produção), assinala os seus limites
nos projetos turísticos, apontando a (LEFEBVRE, 2003, p.25). nem sempre integraram as pautas de
indissociabilidade entre estes e o
contexto do desenvolvimento regional, discussão. Morsello destaca também que um
como forma de assegurar a dimensão Nas últimas décadas, inúmeras
humana e a sustentabilidade do processo: dos grandes problemas que envolve a
"É necessário criarmos projetos que pesquisas se propuseram a apreender e
respondam aos interesses das minorias. E criação de áreas protegidas está
aqui estamos nos referindo a diversas interpretar os significados econômicos das
minorias étnicas, minorias em termos de relacionado à não incorporação de uma
renda, gênero e assim por diante. [...] È múltiplas funções que o espaço rural vem
necessário que o projeto turístico perspectiva regional na escolha e
estimule o melhoramento da qualidade de apresentando na contemporaneidade. O
vida na região onde se realiza. Os projetos delimitação de tais áreas, e que, a nível
Bruno Pereira Bedim

devem contribuir também para satisfazer fato é que pouca atenção tem sido
outras necessidades regionais. [...] O
nacional, a melhoria do manejo e da seleção
projeto turístico tem que ser absorvido despendida para se analisar a importância
também sob a ótica social. O que é que,
de fato, traz para o bem-estar, para
dessas Unidades "depende do ordenamento
das áreas rurais do entorno de Unidades de
qualidade de vida daquele lugar?" (IRVING,
2002, p.12). territorial, do estabelecimento de critérios
Conservação, concebendo-as enquanto

83
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
específicos em nível regional, da incorporação estimuladas, poderiam contribuir
DE

positivamente para a conservação das


CA de aspectos econômicos e da redução de
áreas protegidas (DIEGUES, 2002, p.21).
conflitos com os habitantes" (op.cit., p.333).
Em relação às expectativas geradas
Contudo, nem sempre a viabilidade
quanto ao "desenvolvimento turístico" dessas
social, ambiental e econômica do turismo é
áreas, vale lembrar que muitas delas surgem
devidamente equacionada na escolha das
a partir das próprias populações locais;
categorias de manejo das Unidades de
outras, porém, são incitadas pela
Conservação, no Brasil. Antes de se abrir um
administração dos parques, no intuito de
parque à visitação pública, por exemplo, seria
mitigar eventuais conflitos - criando-se a

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
prudente que os órgãos responsáveis pela sua
perspectiva de que a longo prazo a
gestão olhassem além das fronteiras da
implantação das Unidades de Conservação
Unidade, a partir de estudos preditivos que
compensará as populações afetadas, em
antevejam a viabilidade da implantação
termos econômicos. Entretanto, a lógica de
(ou não) do turismo na região, tendo em vista
acumulação do "capital turístico" é espacial
os desdobramentos que tal atividade projeta
e socialmente excludente, já que, a princípio,
em suas adjacências. O não planejamento
as populações locais raramente detém
territorial do entorno rural dessas áreas é o
capital de giro e maõ-de-obra qualificada,
motivo pelo qual as populações locais são
além de desconhecerem os mecanismos
duplamente afetadas, atualmente. De
econômicos da "indústria turística". Via de
pronto, sofrem os processos diretos decorrentes
regra, os ganhos econômicos do turismo se
da implantação dos parques e reservas
concentram nas mãos de grandes
(desapropriação, restrições no uso do solo,
investidores intimamente articulados aos
etc). Num segundo momento, são vítimas de
mercados de capitais. Neste sentido,
processos indiretos - como a chegada de
Lindberg e Huber (1995) estimam que menos
novos atores sociais e a subseqüente
de 10% dos gastos do turista permanecem
especulação imobiliária deflagrada no
nas comunidades dos destinos visitados.
entorno dessas áreas, a qual envolve
Ao discorrer sobre eventuais impactos
inclusive a expropriação de muitos agricultores
negativos do turismo via degradação
que não vêem outra alternativa senão
ambiental dos destinos, Coriolano (2006,
vender suas terras e viver da prestação de
p.335) aponta o turismo como elemento
serviços em turismo (BEDIM; TUBALDINI, 2006)19.
motivador de conflitos diversos, uma vez
Não obstante, Diegues ressalta que:
que, em sua relação com os fatores
19. BEDIM, Bruno P.; TUBALDINI, M. A. S. Para essas populações é ambientais, "evidencia uma das
Turismo e populações rurais do entorno de
Unidades de Conservação: dilemas incompreensível que suas atividades
socioambientais entre diferentes formas
contradições da produção social do espaço
de apropriação do território. Ciência &
tradicionais, em grande parte
Tecnologia - OLAM, Rio Claro (SP), v.6, n.2, vinculadas à agricultura de e das formas de apropriação da natureza".
dez.2006, p.356-376.
20. "O turismo, para se reproduzir, segue a subsistência, pesca e extrativismo, No sentido de sua crítica20, a autora assinala
lógica do capital, que consiste em colocar
grandes extensões da natureza a
sejam consideradas prejudiciais à o turismo como um possível elo de retorno da
disposição de poucos visitantes, natureza quando se permite a
apresentando-a como atrativos naturais relação homem-natureza, muito embora
e culturais transformados em negócios, implantação de hotéis e facilidades
expropriando da terra aquele grupo da
turísticas para usuários de fora da sejam comuns, no turismo, a recomposição
população que subsistia de atividades
nãocapitalistas. [...] Ambientes área. Paradoxalmente, grande parte dos traços de dominação do 'social' sobre o
agredidos, valores locais depreciados,
atividades tradicionais abandonadas, do orçamento das Unidades de 'natural'.
natureza agredida são impactos
Bruno Pereira Bedim

acarretados com o advento do turismo.


Conservação é usada para a
As ocupações tradicionais como a pesca, fiscalização e repressão [...] e muito
a agricultura familiar são abandonados por
ocupações em serviços turísticos, pouco para melhorar as condições de
pescadoras e rendeiras passam a ser
garçons, camareiras, jardineiros, vigias"
vida e a manutenção das populações
(CORIOLANO, 2006, p.341-348, passim). tradicionais que, se organizadas e

84
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
Sinopse teórica da experiência
E

tem-se é o simulacro da aventura; o


turística em áreas naturais
D

CA empacotamento das emoções sob a luz da


protegidas
indústria cultural e seu apelo imagético;
Ao chegar ao "paraíso", o turista se lança
atividades "de aventura" racionalmente
na "busca pela excitação" como forma de
pensadas onde os riscos tendem a zero; o
procurar alívio das repressões sociais que
fácil acesso à experiência turística
envolvem suas obrigações cotidianas como
radicalmente segura, confortável e
escola, trabalho, religião ou casamento. Ao
amparada por recursos tecnológicos; a falsa
visitar um Parque Nacional, o indivíduo tende
aproximação do sentimento morte-vida que
ao relaxamento das tensões às quais é

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
as telas de cinema e os jogos eletrônicos tanto
submetido no processo de evolução social,
espelham; a radicalização do simulacro de
liberando-se. Operários, mães, avôs,
um produto turístico; a catarse pré-fabricada
empresários, estudantes, advogados, maridos
e paga a prestação22.
e esposas momentaneamente se abstêm dos
Tendo em vista que o materialismo
papéis que comumente representam em
dialético sustenta, dialeticamente, que o
sociedade. Atualmente, contudo, as
material e o ideal são diferentes, na realidade
Unidades de Conservação estão cada vez
opostos, mas existem dentro de uma unidade
mais atentas em estabelecer normas de
na qual o material é primordial, levanta-se a
conduta aos visitantes, impondo regras e
seguinte questão: Que tipo de conseqüência
restrições de uso dos seus espaços. Para o
uma intervenção material, via turismo, terá
turista, tais regras, de certa, conformam o
na maneira como o homem pensa sua
retalhamento das formas de expressão do seu
relação com o meio natural? Para tanto
tempo livre.
distingue-se, neste trabalho, os seguintes
Tipologias como "turismo de aventura"
elementos: (1) a interação entre o homem e
têm nas áreas naturais protegidas os seus
a natureza, representada pela prática do
espaços por excelência, muito embora
turismo em áreas protegidas, significando o
releguem ao ambiente natural a condição
universo material; (2) a necessidade de
de componente secundário. Uma
conservação destas áreas e da própria
interpretação possível das teorizações de
espécie humana, por sua vez, o universo ideal.
Norbert Elias e Dunning (1992a) revela que a
O turismo é concebido, aqui, como fenômeno
"busca pela excitação" transcende às
social materializando-se no espaço através
paisagens cênicas; a natureza sucumbe à
de um sistema de objetos articulados.
emoção 21 ; o paraíso vira palco da
Considera-se a possibilidade de infinitas
adrenalina. A alegria e os perigos miméticos
permutas e interações entre o homem e o
moram na beira do abismo, na escuridão da
meio (interação ativa: os visitantes vão trazer
gruta, no rapel pela rocha, ou na prática do
alguma coisa, mas levarão algo consigo
nudismo em cachoeiras. O apelo idílico da
também, e vice-versa). Necessariamente,
natureza já não basta. É preciso pecar no
cada interação possível gera um impacto,
paraíso; desafiá-lo.
negativo ou positivo. Argumenta-se que o
Ao turista, enquanto indivíduo em uso
homem, através de condições materiais
de seu tempo livre, são permitidas sensações
21. Neste sentido, ver também Elias e (viagem ao meio, paisagens cênicas, belezas
Dunning (1992b). que o mundo das obrigações não aceita, por
Bruno Pereira Bedim

22. BEDIM, Bruno P. A dialética do turismo naturais) produz um processo mental


em áreas naturais protegidas. Ciência & isso sua importância no processo civilizador.
Tecnologia - OLAM, Rio Claro (SP), v.7, n.1, (abstrações, sensações, aprendizado). Que
maio 2007, p. 1040-1044. Neste artigo, a Porém, ao contrário do que é vinculado nas
discussão sobre "turismo de aventura" e maneira mais eficaz de interagir com os
catarse é desenvolvida com um grau de propagandas das agências de turismo, o que
sofisticação mais detalhado. fundamentos da "cidadania ecológica"

85
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
senão a própria experimentação, onde o natureza haverá. A indevida apropriação
DE

CA sujeito entra diretamente em contato com o da paisagem, por vezes incorporada


meio, percebendo-o e interpretando-o? Assim, indiscriminadamente enquanto mercadoria,
a interação visitantes versus Unidade de a reduz a mero produto a ser consumido na
Conservação ocorrerá até que haja um salto lógica de reprodução capitalista. É o risco
qualitativo, ou 'salto dialético', segundo a lei da eminente da mercantilização exacerbada da
transformação da quantidade em qualidade. natureza, invertendo assim o objetivo "ideal" do
Mas esse novo estado não dura turismo nas áreas naturais protegidas.
permanentemente, já que uma nova luta entre Além de resguardarem a
opostos terá lugar, e assim por diante, ad infinitum.

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
conservação dos ecossistemas em que se
Nesta perspectiva, infere-se que a inserem, os parques são categorias de manejo
presença humana em uma Unidade de cujo viés funcional os transforma em territórios
Conservação versus a necessidade de de lazer historicamente instituídos. Ademais,
preservação da natureza, enquanto um conforme já destacamos recentemente
conflito de contrários, pode viabilizar o (BEDIM; TUBALDINI, 2006), a demarcação
avanço da realidade ambiental num jurídica de porções territoriais enquanto
processo histórico de transformação Unidade de Conservação e seu subseqüente
progressiva: a interação entre homem e uso turístico potencialmente engendram
natureza, nessas áreas - de forma criteriosa e processos pelos quais diferentes atores
racional- incluindo a visitação pública passam a disputar o controle dos recursos
através de atividades de educação e disponíveis em áreas dantes geridas pelas
interpretação ambiental sensibilizadoras - populações locais, onde diferentes
podem possibilitar ao homem perceber-se representações, interesses e valores resultam
enquanto parte do meio e, por conseguinte, em distintas formas sociais de apropriação
preservá-lo. Há ainda a problemática que do território - em torno dos quais orbitam forças
envolve as áreas de preservação intensiva, políticas, simbologias e interesses conflitantes
como as Reservas Biológicas, especialmente -, tendo-se em vista a observância da
resguardadas para proteger um tipo heterogeneidade social dos grupos que dele
específico de vida, nas quais, por lei, não se se apropriam. Nesta perspectiva, torna-se
pode tolerar nenhuma atividade antrópica oportuno discutir a problemática
senão para fins científicos. Neste caso, a socioambiental que envolve as diferentes
própria ausência de interação representa um práticas de apropriação social do território
tipo de interação. Nestes termos, tais pelos grupos envolvidos no processo turístico
categorias de manejo devem priorizar pela em Unidades de Conservação e seu entorno.
garantira da preservação ou conservação i) Para os turistas, por exemplo, as Unidades
de seus recursos naturais, não pela recreação; de Conservação se apresentam enquanto
face ao risco de ameaçar quaisquer desses paisagem de consumo estético a ser visitada
objetivos, o turismo é vetado, para que não e fotografada, espaço de lazer e diversão -
se altere o status quo. representando a fuga do cotidiano das

Por outro lado, neste processo, corre-se grandes cidades e, muitas vezes, local de

o risco de que o turismo aproprie-se exacerbação dos prazeres. ii) Para os

indevidamente do patrimônio natural das moradores de seu entorno, contudo, são


Bruno Pereira Bedim

Unidades de Conservação, condenando-as lugar de moradia, devoção popular e

à destruição: de acordo com esta práticas culturais tradicionais, onde

perspectiva, quanto mais interação, menos determinadas "leis locais" devem ser

86
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
respeitadas. iii) Contudo, há um outro grupo - prática transcende às necessidades
DE

CA os moradores recém-chegados ao entorno elementares dos homens - a incorporação


dessas áreas, muitos dos quais do aspecto subjetivo e criativo da interação
empreendedores - que vêem nesses espaços homem-natureza.
uma oportunidade de exploração
econômica, a partir da implantação de Considerações finais
empreendimentos turísticos diversos. iv) Por Em última instância, um parque é um
outro lado, há ainda os interesses dos órgãos pedaço de terra que subjaz à história recente
ambientais gestores dessas Unidades - que por do Capitalismo sobre o planeta. É a
sua vez tendem a defender a vertente

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
intervenção da espécie humana sobre a sua
"preservacionista", buscando resguardar as natureza externa a construir uma outra
características naturais dos ecossistemas que natureza, pretensamente conservada,
compõem os parques e seus respectivos resguardada dos mecanismos destrutivos do
entornos - muito embora efetivem algum tipo capital. Basta lembrar que foi a exploração
de exploração econômica nessas áreas. econômica dos recursos naturais pelas
A princípio, pode-se afirmar que essas sociedades modernas que suscitou -
são as principais forças que atuam e se mediante a conjuntura capitalista que
confrontam no campo dos conflitos envolve a dominação racional da natureza
ambientais que envolvem a tríade turismo, - o avigoramento das demandas sociais pela
áreas naturais protegidas e as populações criação de áreas protegidas, as quais têm se
locais - onde diferentes representações, destacado enquanto estratégia de
interesses e valores resultam em distintas formas conservação dos patrimônios naturais, à
sociais de apropriação do território. Embora medida que os principais ecossistemas do
essa problemática envolva ainda categorias planeta encontravam-se ameaçados.
mais amplas e elementos diversos, podemos Mas isso não evitou que as próprias
captar, a partir de tais constatações, o sentido Unidades de Conservação se configurassem
das transformações que o turismo confere ao enquanto espaço-mercadoria e se inserissem
uso do espaço, uma vez que tal fenômeno na lógica da acumulação. Um Parque
engendra uma nova significação social dos aberto à visitação pública, em certo sentido,
recursos naturais disponíveis. é um espaço organizado e apropriado a partir
O turismo, por sua vez, traduz de demandas externas a ele, articulando a
ontologicamente a construção prática de um si a lógica da simulação, um espaço
mundo objetivo, com o trabalho do homem diferenciadamente produzido para ser
que se exerce sobre a natureza inorgânica; a consumido sazonalmente pelo visitante. A
confirmação do homem como um ser de racionalidade do "uso" destes recursos naturais
espécie consciente. Como visto anteriormente, por populações urbanas, subjugadas ao modo
Marx encontra a explicação da praxis no de produção e às ideologias e aparatos
confronto entre a produção humana e a dos políticos dominantes, engendram a
animais. Os animais produzem apenas para transformação das práticas sociais de
o seu objetivo imediato, movido por apropriação da natureza. Parques Nacionais,
necessidades físicas, enquanto o homem assim, incorporam o mimetismo inerente às
produz de um modo universal, mesmo sociedades capitalistas; eles são expoentes
Bruno Pereira Bedim

quando está livre das necessidades físicas. O contraditórios de um modo de produção que
turismo, assim, aciona e materializa a noção tem uma capacidade muito grande de resistir
clássica de teleologia, à medida que sua e de se amoldar a diferentes situações.

87
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
Uma Parque Nacional, na lógica do funcionalmente requer, ironicamente, o seu
DE

CA capital, se apresenta como território de lazer (contra)uso econômico via turismo.


cuja apropriação, via de regra, orienta seu
uso no sentido do lucro e do econômico, tal Referências bibliográficas
qual o fazem outras tantas instituições sociais ABRAMOVAY, Ricardo. O capital social dos
das sociedades modernas. Dessa forma, territórios: repensando o desenvolvimento
transformam-se os paraísos em mercadoria - rural. Economia Aplicada, [s.l.], v. 4, n. 2,
'produto turístico' - a ser oferecido ao usufruto p.1-19, março/2000a.
das populações urbanas que o visitam. Diante ________. Funções e Medidas da Ruralidade
dessa concepção emergente de exploração

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
no Desenvolvimento Contemporâneo. Rio
econômica da natureza, os órgãos gestores de Janeiro: IPEA, 2000b. (Texto para
dos parques permitem que estes paraísos do Discussão nº 702).
imaginário ocidental estejam ALFREDO, A. O mundo moderno e o espaço:
temporariamente "contaminados" por alguns apreciações sobre a contribuição de Henri
atores sociais (turistas), desde que os mesmos Lefebvre. GEOUSP - Espaço e Tempo, São
paguem por isso. Resta saber qual ethos Paulo, n.19, p.53-79, 2006.
orienta tal concepção: uma nova AOUN, Sabáh. Paraíso à vista - os jardins do
configuração da relação homem-natureza éden oferecidos pelo turismo. In:
ou a reles concepção dos Parques e Reservas RODRIGUES, A.B. (org.). Ecoturismo no Brasil:
como espaço-mercadoria cuja importância possibilidades e limites. São Paulo:
transcende à "conservação da natureza" - Contexto, 2003. p.15-27.
materializando sua funcionalidade atual no ARON, Raymond. O Marxismo de Marx. Trad.
preço do ingresso cobrado aos turistas? Jorge Bastos. São Paulo: Arx, 2003.
Não obstante, a lógica do capital BEDIM, Bruno P. O processo de intervenção
incorpora, dialeticamente, a noção de social do turismo na Serra de Ibitipoca
"ecologia', "conservação", "desenvolvimento (MG): simultâneo e desigual, dilema
sustentável", "ecoturismo", "educação camponês no "Paraíso do Capital". 330 f.
ambiental", etc. A apropriação difusa de tais Dissertação (Mestrado em Organização,
termos e seus significados multiplicam-se no Gestão e Produção do Espaço -
cenário contemporâneo, em que o discurso Geografia/ IGC-UFMG). Versão prévia
ambientalista e o pensamento ecológico apresentada no Seminário de Dissertação
reconfiguram-se; onde a educação em jul.2007. Defesa prevista para dez.2007.
ambiental firma-se como pré-requisito de uma Belo Horizonte: Instituto de Geociências da
era revolucionária na história da vida no UFMG, 2007.
planeta, na qual o homem não pode mais BEDIM, Bruno P. A dialética do turismo em
negligenciar o futuro e destruir a natureza áreas naturais protegidas. Ciência &
como se não fizesse parte dela. Neste início Tecnologia - OLAM, Rio Claro (SP), v.7, n.1,
de século, ainda que as sociedades estejam maio 2007, p. 1040-1044.
crescentemente se tecnificando, a BEDIM, Bruno P. A questão agrária face a
problemática envolvendo o turismo e as produção capitalista de espaços turísticos
Unidades de Conservação expõe as no entorno de Unidades de Conservação:
desigualdades e contradições do modo de confrontações da "matéria" subjacente
Bruno Pereira Bedim

produção capitalista e seus mecanismos de aos Parques Caparaó, Serra da Canastra


expansão. O espaço capitalista da natureza, e Ibitipoca. Projeto de Pesquisa/
para continuar existindo enquanto tal, Doutorado - Organização, Gestão e

88
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT
ISSN: 1677-6976 Vol. 7, N° 3 (2007)

RI
SMO
Produção do Espaço/ Geografia (IGC- LEFF, Enrique. Ecologia, Capital e Cultura:
DE

CA UFMG). Belo Horizonte: Instituto de racionalidade ambiental, democracia


Geociências da UFMG, set.2007. 15p. participativa e desenvolvimento
BEDIM, Bruno P.; PAULA, Heber Eustáquio. "Relatos sustentável. Trad. Jorge Esteves da Silva.
Visitados": História Oral e Pesquisa em Turismo e Blumenau: Editora da FURB, 2000.
Hospitalidade. Considerações teórico- ________. Epistemologia Ambiental. 3.ed. São
metodológicas. Caderno Virtual de Turismo, Rio Paulo: Cortez, 2002.
de Janeiro, v.7, n.1, mar.2007, p.63-77. MARTINS, Sérgio. A cidade sem infância: a
BEDIM, Bruno P.; TUBALDINI, M. A. S. Turismo e produção do espaço no mundo da
populações rurais do entorno de Unidades mercadoria. Boletim Paulista de Geografia,

O espaço capitalista da natureza e seu (contra)uso turístico: a dialética da visitação pública em áreas protegidas - um ensaio teórico
de Conservação: dilemas socioambientais São Paulo, n.74, p.23-46, 1996.
entre diferentes formas de apropriação do MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia
território. Ciência & Tecnologia - OLAM, Rio alemã. Trad. José Carlos Bruni e Marco
Claro (SP), v.6, n.2, dez.2006, p.356-376. Aurélio Nogueira. São Paulo: Hucitec, 1984.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O consumo do MORSELLO, C. Unidades de Conservação
espaço. In: __________ (Org.). Novos Públicas e Privadas: Seleção e Manejo no
caminhos da geografia. São Paulo: Brasil e Pantanal Mato-Grossense. In:
Contexto, 1999. p.173-186. JACOBI, P. R. (Org.). Ciência Ambiental: os
CORIOLANO, Luzia Neide. Turismo e meio desafios da interdisciplinaridade. São
ambiente: interfaces e perspectivas. Paulo: Annablume/Fapesp, 2000. p.333-
Ciência & Tecnologia - OLAM, Rio Claro (SP), 358.
v.6, n.2, dez.2006(a), p.335-355. SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. Trad.
DIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da Hildegard Feist. São Paulo: Companhia
natureza intocada. 4.ed. São Paulo: das Letras, 1996.
Annablume: Hucitec: Núcleo de Apoio a SEABRA, Odette Carvalho de Lima. A
Pesquisas sobre Populações Humanas e insurreição do uso. In: MARTINS, José de
Áreas Úmidas Brasileiras, USP, 2002. Souza (Org.). Henri Lefebvre e o retorno à
ELIAS, Norbert; DUNNING, E. Deporte y ocio en dialética. São Paulo: Hucitec, 1996. p.71-86.
el proceso de la civilización. Trad.
Purificacion Jimenez. México: Fondo de
Cultura Económica, 1992(a). Cronologia do processo editorial:
__________. A busca da excitação. Trad. Recebimento do artigo: 12-jul-2007
Envio ao parecerista: 05-nov-2007
Maria Almeida e Silva. Lisboa: Difel, 1992(b). Recebimento do parecer: 02-dez-2007
IRVING, Marta de Azevedo. Palestra com Envio para revisão do autor: 02-dez-2007
Recebimento do artigo revisado: 05-dez-2007
Marta Irving. Caderno Virtual de Turismo, Aceite: 06-dez-2007

Rio de Janeiro, p.1-13, IVT-UFRJ, 2002.


LA TORRE. Oscar de la. El turismo: fenómeno
social. México: FCE, 1980.
LEFEBVRE, Henri. El Manifiesto Diferencialista.
Trad. Julio Moguel e Saúl Escobar. 2.ed.
México: Siglo Veintiuno Editores, 1975.
__________. Espaço e Política. Trad. Margarida
Bruno Pereira Bedim

Maria de Andrade e Sergio Martins. [s.l.:s.n],


2003. Inédito. (Do original: Espace et
Politique. Paris: Éditions Anthropos, 1972).

89

Вам также может понравиться