Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
ISSN 2177-6687
1
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
rol dos ideais humanos resultava de sua associação a uma concepção inteiramente
racionalista (GARCÍA GARRIDO, 1969), cuja finalidade era projetar o homem em seu
próprio cotidiano e, por meio de suas palavras, ações e práticas, torná-lo guia e modelo
de seus concidadãos.
Com base nesse orientador geral, a sabedoria “não se limita à compreensão das
leis do universo e à busca do fundamento da realidade” (LI, 1998, p.16), a um simples
exercício especulativo, próprio da teoria, mas deveria ter como “função principal a
formação do homem” (LI, 1998, p.16). A sabedoria era a ciência do bem e do mal e sua
prática positiva criaria as condições para que o homem adentrasse no domínio da
felicidade, mesmo que aquela ainda não estivesse ao seu alcance . Ao se conscientizar
dessa possibilidade e das dificuldades nela implícitas, o homem deveria se preparar para
conquistá-la, assumindo uma postura determinada e constante de busca: o resultado
seria a vitória de seu projeto perfectivo (ARTIGAS, 1952). Neste sentido, para Sêneca,
o conteúdo da sabedoria era amplo, profundo, ambicioso e, por isso mesmo,
transformador.
Para conquistar a sabedoria, em grande medida, o homem deveria estabelecer
um fecundo diálogo com aqueles que o filósofo qualificou como os “melhores espíritos”
da história. Nesse processo comunicativo, o homem encontraria saberes essenciais para
chegar à plenitude da vida.
Dentre todos os homens, somente são ociosos os que estão disponíveis para a
sabedoria; eles são os únicos a viver, pois, não apenas administram bem sua
vida, mas acrescentam-lhe toda a eternidade. Todos os anos que se passaram
antes deles são somados aos seus. A menos que sejamos os maiores dos
ingratos, aqueles fundadores das sublimes filosofias nasceram para nós, e
eles nos preparam o caminho para a vida. Graças aos seus esforços,
conduzem-nos das trevas à luz, aos mais belos conhecimentos. Não nos é
vedado o acesso a nenhum século, somos admitidos a todos; e se desejamos,
pela grandeza da alma, ultrapassar os estreitos limites da fraqueza humana,
há um vasto espaço de tempo a percorrer. Poderemos discutir com Sócrates,
duvidar com Carnéades, encontrar a paz com Epicuro, vencer a natureza
humana com a ajuda dos estóicos, ultrapassá-la com os cínicos (Sobre a
brevidade da vida, XIV, 1-2).
A interação com o que foi produzido em outras épocas, ou seja, o diálogo com
inteligências brilhantes do passado, seria um meio de o homem que buscava a
sabedoria, enfrentar a brevidade da vida. Era, assim, a partir dessa ação, nos domínios
2
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
da sabedoria que o homem encontraria um perfil moldado com base na ratio (razão)
(GARCÍA GARRIDO, 1969).
Sêneca considerava a razão como algo superior, que guardava parentesco com a
divindade:
Em cada ser, portanto, há uma qualidade que predomina, para cujo exercício
nasce, e em virtude da qual é avaliado. Ora qual é a qualidade suprema do
homem? A razão: graças a ela o homem supera os outros animais e
aproxima-se dos deuses. Por conseguinte, o bem específico do homem é a
razão perfeita (Cartas a Lucílio, 76, 8-9).
Para Sêneca, é próprio do homem ser dotado de razão. Esse dom, constituindo-se
como sua melhor parte, poderia levá-lo à beatitude. A razão nada mais é do que a
presença do espírito divino na interioridade do homem: “Um deus morando no corpo
humano” (Cartas a Lucilio, 31,11). Por isso, Sêneca lhe atribuía a condição de
emanação, de faísca divina que agraciava o homem, que fazia do corpo humano, da
interioridade humana, o habitat (MUÑOZ ALONSO, 1966), o espaço privilegiado para
albergar e manar o bem maior.
Apoiado nas operações específicas da razão, o homem ultrapassaria os limites
corporais, espaciais e temporais. Resultante dessa dignidade que é a razão, a
superioridade humana em relação aos outros animais seria também resultado da dádiva
divina: a de ter domínio sobre natureza (RINTELEN, 1965). Isso atribuía ao homem
maior responsabilidade para com a vida, a sociedade e o mundo.
Por esse motivo, Sêneca o exortava a desenvolver o que de melhor ele tinha, ou
seja, exatamente a razão. Por suas potencialidades perfectivas, era esse dote natural do
homem que deveria ser valorizado: "No homem, enalteçamos só aquilo que se lhe não
pode tirar, nem dar, aquilo que é específico do homem. Queres saber o que é? É a alma,
e, na alma, uma razão perfeita" (Cartas a Lucílio, 41, 8).
Entre as qualidades atribuídas por Sêneca à razão - cuja origem seria divina -
encontram-se a de ser imutável e a de ter a firmeza categórica em seu juízo. A razão
torna o homem capaz de estabelecer distinção entre o bem e o mal, ou seja, entre as
ações corretas e as erradas. Não agir de acordo com a razão teria um sentido de
desnaturalização, de aviltamento (MUÑOZ ALONSO, 1966), pois caracterizaria a
negação do que de melhor a Natureza agregou ao homem.
3
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
[...] uma coisa é um campo, outra é ter um campo. O que é óbvio: são de
natureza diferente o possuidor e a coisa possuída, uma vez que esta é uma
porção de terra e aquele é um homem. Mas no caso de que temos estado a
tratar ambos os termos – aquele que possui sabedoria, e a sabedoria em si
mesma – partilham de idêntica natureza. Além disso, no primeiro caso, o
objeto possuído e o possuidor são dois seres distintos; no segundo caso,
coisa possuída e possuidor coexistem no mesmo ser. Um terreno é possuído
à face da Lei, a sabedoria é-o por natureza (Cartas a Lucilio, 117,14-15).
O homem deveria ter como meta o uso adequado dessa força superior com que a
natureza o presenteou, desenvolvendo-a em plenitude por meio da busca da sabedoria.
Assim, o desejo pelo conhecimento é natural no homem e fundamental para o seu
desenvolvimento. Para realizar esse desejo, ele deveria cultivar um espírito investigativo
que o projetasse para a verdade (CRIADO DEL POZO, 1986).
Aquele que desejasse alcançar a condição de sábio precisaria/deveria ter a
consciência de que não poderia se desviar do espírito investigativo como forma de
acesso à verdade (GARCIA GARRIDO, 1969), independentemente de onde ela possa
estar: “[...] pretendes que eu viva com os olhos no chão? Eu sou algo mais, eu nasci para
algo mais do que para ser escravo do meu corpo, a quem não tenho em maior conta do
que a uma cadeia em torno à minha liberdade” (Cartas a Lucílio, 65,21).
Para Sêneca, a investigação seria indispensável para o homem que pretendesse
se tornar sábio, o que requisitaria da alma total dedicação: “En efecto, no puede
encontrarse nada más digno no sólo de dedicarle un tiempo, sino de consagrase a ello”
(Cuestiones Naturalles, VI 4,4). Tal afirmação tinha em vista a responsabilidade do
sábio com a formação do homem bem como sua transformação em exemplo para a
humanidade.
4
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
5
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
então que um dos deveres da vida é morrer?” (Cartas a Lucílio, 77, 18, 19). Apropriar-
se dessa sabedoria significa olhar com tranquilidade para esse evento natural da vida
humana. Desse modo, a sabedoria configura-se como uma prática escatológica
(ARTIGAS, 1952), defendida por Sêneca como fundamental para o homem e essencial
ao processo perfectivo.
Resta agora é saber se são borras os últimos anos de vida, ou se, pelo
contrário, são a fase mais transparente e mais pura. Entenda-se: desde que a
inteligência não sofra diminuição, que os sentidos sirvam o espírito intactos
e que o corpo não esteja diminuído e já meio morto, porquanto é da maior
importância saber se o que se prolonga é a vida ou é a morte (Cartas a
Lucílio, 58, 33).
Em suas reflexões Sobre a brevidade da vida, Sêneca foi incisivo: “Somente são
ociosos os que estão disponíveis para a sabedoria; eles são os únicos a viver, pois, não
apenas administram bem a sua vida, mas acrescentam-lhe toda a eternidade” (XIV, 1).
Isto significa que o sábio era o único que sabia utilizar satisfatoriamente a razão e a
sabedoria, bens maiores que a Natureza colocou ao seu dispor.
Assim, por ser o referencial de uma vida voltada para a moral e para a ética, o
sábio foi convertido por Sêneca no modelo de homem perfeito, no guia/líder a ser
seguido (ARTIGAS, 1952). Nessa configuração, ele deixou de ser um homem
preocupado apenas com a teoria e passou a ser caracterizado como alguém que vivia a
consonância entre o discurso e a prática, optando por viver e morrer em nome do que
acreditava (TARN; GRIFFITH, 1969), ou seja, de modo coerente com aquilo que
afirmava.
Nesses termos, ele correspondia a um ajustamento afinado entre o pensar e o
querer: “O maior dever — e também o melhor sintoma — da sabedoria é a
concordância entre as palavras e os atos” (Cartas a Lucílio, 20,2).
Sêneca enfatizava a razão prática em detrimento da teorética. Para ele, o saber a
ser buscado não seria nem o universal nem o especulativo, mas sim um saber de si
mesmo. Os conhecimentos deveriam favorecer uma investigação do ser humano,
condição essencial para que a sabedoria transcendesse a esfera intelectual e envolvesse
também a volitiva, impregnando-a de inteligência e vontade.
O conhecimento que o homem deveria procurar e desvendar não poderia ser nem
de caráter plural nem de caráter extraordinário: sua finalidade seria gerar atitudes e
6
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
comportamentos afinados com a vida, dar o sentido dos segredos que a vida traz
consigo.
É nesse aspecto que se encontraria a verdadeira função da sabedoria: possibilitar
ao homem o verdadeiro conhecimento de si mesmo, o que, por seu turno, favoreceria a
orientação da sua própria vida. Ao obter o conhecimento da sua essência, o homem
estaria pronto para agir contra o que não estivesse comprometido com a perfeição
(CRIADO DEL POZO, 1986).
Para mostrar a essência da sabedoria, Sêneca argumenta:
7
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
[...] com o passar do tempo essa taciturnidade dará bons frutos, desde que ele
continue a praticar a virtude, a embeber-se nos estudos liberais, não aqueles
estudos de que um conhecimento superficial nos basta, mas aqueles outros
com os quais devemos mesmo impregnar a nossa alma” (Cartas a
Lucílio,36, 3-4).
8
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
Em Sêneca, a sabedoria identifica-se com a própria filosofia, por ser ela a sua
efetivação. Por meio dela se encontraria o Bem, pois o exercício da razão levaria à
condição de homem. Seguindo-se a filosofia, seguir-se-ia a natureza humana e, por
extensão, se realizaria o bem no homem (ALMEIDA PRADO, 1946-47) e a
tranquilidade da alma.
Por isso, na ótica senequiana, a filosofia seria o único conhecimento capaz de
proporcionar ao homem o domínio da liberdade, levando-o a se desvencilhar
progressivamente das cadeias que o aprisionam (GARCIA GARRIDO, 1969) - como a
fama, a riqueza, os prazeres, a honra, etc.
De todas as realidades equivocadamente assumidas como boas, Sêneca exorta o
homem a dar atenção particular à fortuna, a qual age negativamente sobre aquele que
busca o desenvolvimento rumo à perfeição. Ao se submeter à fortuna, o homem perde o
controle sobre sua vida e sobre seu comportamento, pois, passando a valorizar e a viver
o que lhe é exterior, ele se atém às coisas vãs (vícios, paixões).
A fortuna seria um obstáculo para o homem dedicado a buscar segurança,
estabilidade e tranquilidade. Por isso, ao buscar o domínio do bem maior, ele deveria se
voltar para o seu próprio interior. A alma que conquistou a virtude permaneceria firme e
inabalável, porquanto não estaria sujeita à ação da fortuna, pois teria se tornado senhora
de si mesma, tendo acesso ao honestum (LEON SANZ, 1988), ao bem absoluto, que
sempre está à disposição do homem: basta-lhe ter liberdade e vontade para buscá-lo.
Com esse raciocínio, Sêneca destacou os vários estágios que, na escalada para a
perfeição, o homem deveria cumprir para superar os encantos da fortuna:
9
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
Eu sou algo mais, eu nasci para algo mais do que para ser escravo do meu
corpo, a quem não tenho em maior conta do que uma cadeia entorno à minha
liberdade. Este corpo, oponho-o como barreira aos golpes da fortuna, e não
consinto que através dele algum golpe chegue até mim. Se algo em mim
pode sofrer ataques é o corpo; mas nesse desconfortável domicílio, habita
um espírito livre (Cartas Lucílio, 61,21) (p.235)
Para Sêneca, na relação estabelecida entre liberdade e sabedoria, esta era a fonte
geradora daquela e seu pressuposto era a condição de homem virtuoso.
Na concepção senequiana, virtude significava disposição para chegar ao
aperfeiçoamento da racionalidade da alma. A razão levaria ao aperfeiçoamento das
ações livres, de forma que, por meio da virtude, o homem assumiria seu espaço na
Natureza (PEREIRA MELO, 2007), tornando-se apto a cumprir o papel a ele destinado.
Nos dizeres de Sêneca: “Um espírito virtuoso não é coisa que se peça
emprestado ou se possa comprar. E mesmo que existisse à venda, receio bem que não
10
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
encontrasse comprador. O vício, esse todos os dias tem quem o adquira” (Cartas a
Lucílio, 94,8).
Acima destas situações levantadas por Sêneca encontra-se o sábio, que bastaria a
si mesmo e estaria sempre isento das contingências; ele não poderia sustentar sua
condição se não tivesse acesso à virtude no seu grau mais elevado (GARCIA
GARRIDO, 1969).
Isso levou Sêneca a questionar: “Em que pode um sábio ser útil a outro sábio?”
(Cartas a Lucílio, 109,1). Sua resposta a esse questionamento foi incisiva: “Pode servir-
lhe de incitamento, pode sugerir-lhe oportunidades para a prática de acções virtuosas”
(Cartas a Lucílio, 109,3). Assim, para o nosso pensador, a condição de sábio trazia
como exigência praticar “[...] a virtude e manter a sabedoria num estado de perfeito
equilíbrio” (Cartas a Lucílio, 109,1). Não obstante, para Sêneca isso não era suficiente
no magistério do seu homem ideal: “O sábio necessitava igualmente de manter as suas
virtudes em atividade” (Cartas a Lucílio, 109,2).
A constância nas ações, nos atos e nos propósitos, no caso do sábio, poderia ser
percebida em qualquer circunstância, boa ou má. Sábio era aquele que, por ser senhor
de si mesmo, da sua vida e do seu destino, não perderia tempo com as futilidades do
mundo, nem se deixaria envolver pelos apelos materiais e pelas distinções passageiras
(SCHOPKE, 2002).
O sábio pensado por Sêneca é um autêntico educador, um promotor do progresso
da humanidade. A prática educativa lhe é imprescindível, é sua vocação natural. Por
isso, o sábio senequiano deveria promover a educação na melhor de suas expressões,
conforme o projetado pela Natureza.
Em suma, ele teria as condições objetivas para despertar no homem, por meio do
seu exemplo, o prazer pela virtude e pela perfeição porque ele assim se fez em seu
processo de autoformação. Em conseqüência, nessas condições, ele poderia ser o
modelo e o guia do processo autoformativo concebido por Sêneca.
A condição de sábio viabilizaria novas perspectivas apara a condição humana e
por isso nosso pensador o identificava como o pedagogo do gênero humano (PEREIRA
MELO, 2004), o agente transformador de si mesmo, dos demais homens em seu raio de
influência e da sociedade que está a servir.
11
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
E nada, por muito elevado e proveitoso que seja, alguma vez me deleitará se
guardar apenas para mim o seu conhecimento. Se a sabedoria só me for
concedida na condição de guardar para mim, sem compartilhar, então rejeitá-
la-ei: nenhum bem há cuja posse não partilhada dê satisfação (Cartas a
Lucílio, 4,4).
12
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
REFERÊNCIAS
ALMEIDA PRADO, Anna Lia Amaral de. Apontamentos para um estudo sobre a
moral de Sêneca nas epistolae ad Lucilium. Annuário de 1946-1947. São Paulo:
Faculdade de Filosofia do Instituto “Sedes Sapienta” da Universidade Católica de São
Paulo, 1946-47, p.159-170.
ARTIGAS, José. Séneca: La filosofía como forjación del hombre. Madrid: Consejo
Superior de Investigaciones Cientificas, Insituto “San José de Calasanz” de Pedagogía,
1952.
CRIADO DEL POZO, Maria José. El ideal de perfección del hombre en Séneca.
(Tese de Doutorado). Universidad Complutense de Madrid, Faculdad de Filosofía y
ciencias de la educación: Madrid, 1986.
LEÓN SANZ, Isabel Maria. Séneca (h. 4 a.C.-65 d.C.). Madrid: Ediciones del Oro,
1997.
LI, Willian. Introdução. In: SÊNECA, Lúcio Aneu. Sobre a brevidade da vida. São
Paulo: Nova Alexandria, 1998.
MARTIN SÁNCHEZ, M.A. Fátima. El ideal del sabio en Seneca. Cordoba: Monte de
Piedad y Caja de Ahorros de Cordoba y Excma. 1984.
13
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
14