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Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais

ISSN 2177-6687

A SABEDORIA SENEQUIANA E A AUTO-EDUCAÇÃO

PEREIRA MELO, José Joaquim (DFE/PPE/UEM)

Ao adaptar a tradição estoica à praticidade da mentalidade romana do seu tempo,


Sêneca propôs um modelo de homem, cuja exemplaridade de vida, comportamento,
atitudes e ações responderia às necessidades sociopolíticas daquele momento. Por
albergar o conjunto de valores de ordem moral, ética e social, esse modelo de homem,
considerado sábio exatamente por isso, deveria assumir a condição de guia da
sociedade.
Tal modelo, embora tenha sido pensado para determinado setor social – o dos
cidadãos romanos –, alcançou uma dimensão universal: ultrapassando as fronteiras
sociais, tornou-se uma referência para todo homem, até mesmo para aquele posterior ao
tempo de Sêneca O sábio senequiano representou um rompimento com o modelo do
homem mitificado do período helenístico, pois correspondeu a um programa moral de
conteúdo prático. Mesmo reconhecendo que a virtude era pouco exercitada em Roma, o
autor desvendou na história recente da República exemplos dignificantes de homens
que, segundo ele, haviam dedicado a vida às virtudes. Dentre eles, ele mencionava
Catão (243 a.C.-143 a.C) como um referencial de prudência, honra, austeridade e
constância.
Em contraposição à valorização do homem mítico celebrizado pela literatura
legendária e ao conceito de sabedoria prezado pela cultura helênica, em que
predominavam a erudição e a contemplação, Sêneca valorizou os preceitos estoicos,
dando ênfase ao realismo moral, ético e político (MARTINS SÁNCHEZ, 1984) e aos
valores comuns, correntes e aceitos na sociedade romana, à qual se dirigia.

Do conceito senequiano de sabedoria

A carga significativa contida no conceito de sabedoria em Sêneca, mesmo com


os matizes adquiridos nos distintos momentos históricos, garantiu-lhe perenidade. O
saber, em Sêneca, sempre guardou relação com o aspecto cognoscitivo. Seu status no

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rol dos ideais humanos resultava de sua associação a uma concepção inteiramente
racionalista (GARCÍA GARRIDO, 1969), cuja finalidade era projetar o homem em seu
próprio cotidiano e, por meio de suas palavras, ações e práticas, torná-lo guia e modelo
de seus concidadãos.
Com base nesse orientador geral, a sabedoria “não se limita à compreensão das
leis do universo e à busca do fundamento da realidade” (LI, 1998, p.16), a um simples
exercício especulativo, próprio da teoria, mas deveria ter como “função principal a
formação do homem” (LI, 1998, p.16). A sabedoria era a ciência do bem e do mal e sua
prática positiva criaria as condições para que o homem adentrasse no domínio da
felicidade, mesmo que aquela ainda não estivesse ao seu alcance . Ao se conscientizar
dessa possibilidade e das dificuldades nela implícitas, o homem deveria se preparar para
conquistá-la, assumindo uma postura determinada e constante de busca: o resultado
seria a vitória de seu projeto perfectivo (ARTIGAS, 1952). Neste sentido, para Sêneca,
o conteúdo da sabedoria era amplo, profundo, ambicioso e, por isso mesmo,
transformador.
Para conquistar a sabedoria, em grande medida, o homem deveria estabelecer
um fecundo diálogo com aqueles que o filósofo qualificou como os “melhores espíritos”
da história. Nesse processo comunicativo, o homem encontraria saberes essenciais para
chegar à plenitude da vida.

Dentre todos os homens, somente são ociosos os que estão disponíveis para a
sabedoria; eles são os únicos a viver, pois, não apenas administram bem sua
vida, mas acrescentam-lhe toda a eternidade. Todos os anos que se passaram
antes deles são somados aos seus. A menos que sejamos os maiores dos
ingratos, aqueles fundadores das sublimes filosofias nasceram para nós, e
eles nos preparam o caminho para a vida. Graças aos seus esforços,
conduzem-nos das trevas à luz, aos mais belos conhecimentos. Não nos é
vedado o acesso a nenhum século, somos admitidos a todos; e se desejamos,
pela grandeza da alma, ultrapassar os estreitos limites da fraqueza humana,
há um vasto espaço de tempo a percorrer. Poderemos discutir com Sócrates,
duvidar com Carnéades, encontrar a paz com Epicuro, vencer a natureza
humana com a ajuda dos estóicos, ultrapassá-la com os cínicos (Sobre a
brevidade da vida, XIV, 1-2).

A interação com o que foi produzido em outras épocas, ou seja, o diálogo com
inteligências brilhantes do passado, seria um meio de o homem que buscava a
sabedoria, enfrentar a brevidade da vida. Era, assim, a partir dessa ação, nos domínios

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da sabedoria que o homem encontraria um perfil moldado com base na ratio (razão)
(GARCÍA GARRIDO, 1969).
Sêneca considerava a razão como algo superior, que guardava parentesco com a
divindade:

Em cada ser, portanto, há uma qualidade que predomina, para cujo exercício
nasce, e em virtude da qual é avaliado. Ora qual é a qualidade suprema do
homem? A razão: graças a ela o homem supera os outros animais e
aproxima-se dos deuses. Por conseguinte, o bem específico do homem é a
razão perfeita (Cartas a Lucílio, 76, 8-9).

Para Sêneca, é próprio do homem ser dotado de razão. Esse dom, constituindo-se
como sua melhor parte, poderia levá-lo à beatitude. A razão nada mais é do que a
presença do espírito divino na interioridade do homem: “Um deus morando no corpo
humano” (Cartas a Lucilio, 31,11). Por isso, Sêneca lhe atribuía a condição de
emanação, de faísca divina que agraciava o homem, que fazia do corpo humano, da
interioridade humana, o habitat (MUÑOZ ALONSO, 1966), o espaço privilegiado para
albergar e manar o bem maior.
Apoiado nas operações específicas da razão, o homem ultrapassaria os limites
corporais, espaciais e temporais. Resultante dessa dignidade que é a razão, a
superioridade humana em relação aos outros animais seria também resultado da dádiva
divina: a de ter domínio sobre natureza (RINTELEN, 1965). Isso atribuía ao homem
maior responsabilidade para com a vida, a sociedade e o mundo.
Por esse motivo, Sêneca o exortava a desenvolver o que de melhor ele tinha, ou
seja, exatamente a razão. Por suas potencialidades perfectivas, era esse dote natural do
homem que deveria ser valorizado: "No homem, enalteçamos só aquilo que se lhe não
pode tirar, nem dar, aquilo que é específico do homem. Queres saber o que é? É a alma,
e, na alma, uma razão perfeita" (Cartas a Lucílio, 41, 8).
Entre as qualidades atribuídas por Sêneca à razão - cuja origem seria divina -
encontram-se a de ser imutável e a de ter a firmeza categórica em seu juízo. A razão
torna o homem capaz de estabelecer distinção entre o bem e o mal, ou seja, entre as
ações corretas e as erradas. Não agir de acordo com a razão teria um sentido de
desnaturalização, de aviltamento (MUÑOZ ALONSO, 1966), pois caracterizaria a
negação do que de melhor a Natureza agregou ao homem.

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A ação, nesse sentido, possibilita ao homem ser digno e respeitado em sociedade


e mesmo diante do mundo (CRIADO DEL POZO, 1986). Por isso a conquista do
estágio de perfeição passa, necessariamente, por esse dote superior, que leva à
transcendência (ARTIGAS, 1952), o que explica a afirmação senequiana de que a
“sabedoria consiste no estado do espírito próprio de um espírito perfeito” (Cartas a
Lucílio, 117,16). Com essa orientação, a sabedoria é alçada à condição de formadora do
espírito (ARTIGAS, 1952).
Para exemplificar sua reflexão, o autor lançou mão de uma alegoria:

[...] uma coisa é um campo, outra é ter um campo. O que é óbvio: são de
natureza diferente o possuidor e a coisa possuída, uma vez que esta é uma
porção de terra e aquele é um homem. Mas no caso de que temos estado a
tratar ambos os termos – aquele que possui sabedoria, e a sabedoria em si
mesma – partilham de idêntica natureza. Além disso, no primeiro caso, o
objeto possuído e o possuidor são dois seres distintos; no segundo caso,
coisa possuída e possuidor coexistem no mesmo ser. Um terreno é possuído
à face da Lei, a sabedoria é-o por natureza (Cartas a Lucilio, 117,14-15).

O homem deveria ter como meta o uso adequado dessa força superior com que a
natureza o presenteou, desenvolvendo-a em plenitude por meio da busca da sabedoria.
Assim, o desejo pelo conhecimento é natural no homem e fundamental para o seu
desenvolvimento. Para realizar esse desejo, ele deveria cultivar um espírito investigativo
que o projetasse para a verdade (CRIADO DEL POZO, 1986).
Aquele que desejasse alcançar a condição de sábio precisaria/deveria ter a
consciência de que não poderia se desviar do espírito investigativo como forma de
acesso à verdade (GARCIA GARRIDO, 1969), independentemente de onde ela possa
estar: “[...] pretendes que eu viva com os olhos no chão? Eu sou algo mais, eu nasci para
algo mais do que para ser escravo do meu corpo, a quem não tenho em maior conta do
que a uma cadeia em torno à minha liberdade” (Cartas a Lucílio, 65,21).
Para Sêneca, a investigação seria indispensável para o homem que pretendesse
se tornar sábio, o que requisitaria da alma total dedicação: “En efecto, no puede
encontrarse nada más digno no sólo de dedicarle un tiempo, sino de consagrase a ello”
(Cuestiones Naturalles, VI 4,4). Tal afirmação tinha em vista a responsabilidade do
sábio com a formação do homem bem como sua transformação em exemplo para a
humanidade.

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Por meio da investigação, as realidades superiores, uma vez compreendidas,


dariam segurança e sentido ao caminho empreendido, favorecendo o acesso da razão à
verdade. Esse seria o único meio para que os que conseguissem romper com a
submissão dos males do mundo exterior encontrassem descanso e tranquilidade
(GARCÍA GARRIDO, 1969).
Com base na orientação salvífica é que o homem poderia assumir a investigação
da verdade: “Como poderás tu saber quais os costumes que devemos adoptar se não
averiguares primeiro qual o bem supremo do homem nem perscrutares a sua natureza?”
(Cartas a Lucílio, 121,3). Isso explica a preocupação senequiana em mostrar a
necessidade dos “princípios” orientadores da vida e em valorizar a investigação das
coisas significativas para a promoção do homem.
Para esse pensador, o homem devia conquistar o domínio da verdade universal,
porém, antes de tudo, precisava adquirir um saber sobre si mesmo (GARCIA
GARRIDO, 1969), desvendar o papel que lhe estava reservado no projeto da Natureza.
É na interioridade que o homem deveria buscar esse conhecimento, o que
implicava um combate constante entre as forças antagônicas da racionalidade e da
irracionalidade. A sabedoria e a virtude aparecem como fruto da luta da razão e da
inteligência contra os impulsos afetivos relacionados aos sentidos (USCATESCU,
1965), os quais, por sua efemeridade, levam o homem a um vazio existencial.
Por isso, o pensador afirmava que a gênese da indigência humana é a ignorância,
a qual se constitui como um dos mais nocivos males que o homem pode vivenciar. “Em
que consiste o bem? Na ciência. Em que consiste o mal? Na ignorância” (Cartas a
Lucílio, 31, 6). Assim, no entendimento senequiano, a sabedoria tinha a propriedade de
levar à perfeição, pois a epistemologia, o conhecimento, tornava-se um processo
racional beatificante. Para Sêneca, o acúmulo de conhecimentos só teria sentido se
estivesse direcionado a uma investigação voltada para à compreensão da condição
humana, o que implicaria entender o agir do homem na vida, na sociedade e no mundo
e, principalmente, saber enfrentar a vida como tal e a vida em seu estágio final, pois
morrer seria a parte definitiva da vida. Isto explica por que ele entendia que viver tem
como pressuposto saber morrer (ARTIGAS, 1952). “Deve-se aprender a viver por toda
a vida, e, por mais que tu, talvez, te espantes, a vida toda é um aprender a morrer”
(Sobre a brevidade da vida, VII, 4). “Tens medo da morte: e por quê? Ora essa! Ignoras

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então que um dos deveres da vida é morrer?” (Cartas a Lucílio, 77, 18, 19). Apropriar-
se dessa sabedoria significa olhar com tranquilidade para esse evento natural da vida
humana. Desse modo, a sabedoria configura-se como uma prática escatológica
(ARTIGAS, 1952), defendida por Sêneca como fundamental para o homem e essencial
ao processo perfectivo.

Resta agora é saber se são borras os últimos anos de vida, ou se, pelo
contrário, são a fase mais transparente e mais pura. Entenda-se: desde que a
inteligência não sofra diminuição, que os sentidos sirvam o espírito intactos
e que o corpo não esteja diminuído e já meio morto, porquanto é da maior
importância saber se o que se prolonga é a vida ou é a morte (Cartas a
Lucílio, 58, 33).

Em suas reflexões Sobre a brevidade da vida, Sêneca foi incisivo: “Somente são
ociosos os que estão disponíveis para a sabedoria; eles são os únicos a viver, pois, não
apenas administram bem a sua vida, mas acrescentam-lhe toda a eternidade” (XIV, 1).
Isto significa que o sábio era o único que sabia utilizar satisfatoriamente a razão e a
sabedoria, bens maiores que a Natureza colocou ao seu dispor.
Assim, por ser o referencial de uma vida voltada para a moral e para a ética, o
sábio foi convertido por Sêneca no modelo de homem perfeito, no guia/líder a ser
seguido (ARTIGAS, 1952). Nessa configuração, ele deixou de ser um homem
preocupado apenas com a teoria e passou a ser caracterizado como alguém que vivia a
consonância entre o discurso e a prática, optando por viver e morrer em nome do que
acreditava (TARN; GRIFFITH, 1969), ou seja, de modo coerente com aquilo que
afirmava.
Nesses termos, ele correspondia a um ajustamento afinado entre o pensar e o
querer: “O maior dever — e também o melhor sintoma — da sabedoria é a
concordância entre as palavras e os atos” (Cartas a Lucílio, 20,2).
Sêneca enfatizava a razão prática em detrimento da teorética. Para ele, o saber a
ser buscado não seria nem o universal nem o especulativo, mas sim um saber de si
mesmo. Os conhecimentos deveriam favorecer uma investigação do ser humano,
condição essencial para que a sabedoria transcendesse a esfera intelectual e envolvesse
também a volitiva, impregnando-a de inteligência e vontade.
O conhecimento que o homem deveria procurar e desvendar não poderia ser nem
de caráter plural nem de caráter extraordinário: sua finalidade seria gerar atitudes e

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comportamentos afinados com a vida, dar o sentido dos segredos que a vida traz
consigo.
É nesse aspecto que se encontraria a verdadeira função da sabedoria: possibilitar
ao homem o verdadeiro conhecimento de si mesmo, o que, por seu turno, favoreceria a
orientação da sua própria vida. Ao obter o conhecimento da sua essência, o homem
estaria pronto para agir contra o que não estivesse comprometido com a perfeição
(CRIADO DEL POZO, 1986).
Para mostrar a essência da sabedoria, Sêneca argumenta:

A “sabedoria” consiste no estado próprio de um espírito perfeito; ora, como


é possível não considerar um bem aquilo que, sem aplicação prática, não é
um bem? Devemos tentar alcançar a “sabedoria”? A resposta é sim. Tu não
admitirias alcançar a sabedoria se te fosse proibido pô-la em prática [...]
Aquilo que devemos tentar obter é um bem. O ser “sábio” consiste na
aplicação prática da sabedoria (Cartas a Lucílio, 117,16-17).

O aperfeiçoamento da alma passaria por duas situações que se relacionam: a


primeira consiste no buscar a arte do saber viver; a segunda, em aplicá-la em sua vida.
A sabedoria deveria ser a meta do homem que se pretendesse sábio, o que implicava
reconhecer que o caminho seria longo e que exigiria vontade, dedicação, esforço,
persistência, entre outros quesitos (CRIADO DEL POZO, 1986).
Assim, Sêneca atribuía pouco valor à erudição e à cultura que não estivessem
comprometidas com a prática da virtude. Por isso, o filósofo não tinha apreço pelo
homem preocupado com a erudição ou cujas ideias não possibilitassem o acesso à
virtude, tendo em vista que esta prática aperfeiçoa e transforma o homem. Nas palavras
do pensador, “A teoria ensina-nos o caráter efêmero e adverso de muitas coisas, agora a
experiência confirma esse ensinamento” (Cartas a Lucílio, 68,12). Então, o que
verdadeiramente interessava era oferecer ao homem aquilo que fosse fundamental para
que ele buscasse a formação plena, ou seja, a perfeição e a vida feliz (PEREIRA MELO,
2004). Isso seria uma conquista própria daqueles que chegaram a essa compreensão e
que viabilizaram sua realização.
Reiteradamente Sêneca destacava o que, para ele, era fundamental no
conhecimento: de nada serviria acumulá-lo se a finalidade não fosse a de transformar a
vida humana em uma realidade fértil. Isto o sábio sabia fazer: viver no pleno sentido do

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termo (GARCIA GARRIDO, 1969), a ponto de se converter em modelo a ser seguido


pela sociedade.
A sabedoria não se restringia a uma perfeita apropriação de uma ciência da vida,
mas implicava também a apropriação de uma arte para a vida, o que aponta a
necessidade de esforço, de luta pessoal e do exercício rotineiro e incessante para buscar
o que se escolheu. Isso porque a sabedoria poderia ser afetada pela má orientação e sua
recuperação demandaria sacrifícios e grandes esforços. Nesse sentido, Sêneca
asseverou: “O nosso mal não vem do exterior, está dentro de nós, enraizado nas nossas
vísceras, e, como ignoramos o mal de que sofremos, só com dificuldade recuperamos a
saúde” (Cartas a Lucílio, 50,4).
Para Sêneca, era necessário privilegiar efetivamente os estudos que criassem
condições para o que espírito se elevasse para além das efemeridades humanas, embora
a sabedoria conferisse ao sábio um semblante que não era apreciado pelo vulgo. No
entendimento de nosso pensador,

[...] com o passar do tempo essa taciturnidade dará bons frutos, desde que ele
continue a praticar a virtude, a embeber-se nos estudos liberais, não aqueles
estudos de que um conhecimento superficial nos basta, mas aqueles outros
com os quais devemos mesmo impregnar a nossa alma” (Cartas a
Lucílio,36, 3-4).

A perfeição senequiana, então, corresponderia à sabedoria de todo um conteúdo


intelectivo e vital (GARCIA GARRIDO, 1969), caso contrário se perderia no vazio de
uma erudição não comprometida com a prática social.

Sabedoria: a educação para a liberdade

Sêneca estabelece uma íntima relação entre o conceito de liberdade e o de


sabedoria. Ele considera característico da razão humana buscar o conhecimento das
realidades últimas, pois, sem isso, o homem ficaria submetido à escravidão do corpo e à
do mundo exterior. Por isso, o exercício da sabedoria seria uma maneira de se contrapor
a essas formas de escravidão, ou seja, poderia levar o homem à liberdade:

A ignorância é uma coisa vil, abjecta, indigna, servil, sujeita a inúmeras e


violentíssimas paixões. Destes insuportáveis tiranos, que são as paixões – e

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que ora nos governam alternadamente, ora em conjunto – te libertará a


sabedoria, a única liberdade autêntica. Para chegar à sabedoria, um só
caminho em linha reta; não há que errar; avança em passo firme e constante.
Se queres que tudo te esteja sujeito, sujeita-te tu à razão, dirigirás muitos
outros, se a ti te dirigir a razão. Ela te dirá o que deves empreender, e de que
maneira; assim, não serás surpreendido pelos acontecimentos (Cartas a
Lucílio, 37,4).

Em Sêneca, a sabedoria identifica-se com a própria filosofia, por ser ela a sua
efetivação. Por meio dela se encontraria o Bem, pois o exercício da razão levaria à
condição de homem. Seguindo-se a filosofia, seguir-se-ia a natureza humana e, por
extensão, se realizaria o bem no homem (ALMEIDA PRADO, 1946-47) e a
tranquilidade da alma.
Por isso, na ótica senequiana, a filosofia seria o único conhecimento capaz de
proporcionar ao homem o domínio da liberdade, levando-o a se desvencilhar
progressivamente das cadeias que o aprisionam (GARCIA GARRIDO, 1969) - como a
fama, a riqueza, os prazeres, a honra, etc.
De todas as realidades equivocadamente assumidas como boas, Sêneca exorta o
homem a dar atenção particular à fortuna, a qual age negativamente sobre aquele que
busca o desenvolvimento rumo à perfeição. Ao se submeter à fortuna, o homem perde o
controle sobre sua vida e sobre seu comportamento, pois, passando a valorizar e a viver
o que lhe é exterior, ele se atém às coisas vãs (vícios, paixões).
A fortuna seria um obstáculo para o homem dedicado a buscar segurança,
estabilidade e tranquilidade. Por isso, ao buscar o domínio do bem maior, ele deveria se
voltar para o seu próprio interior. A alma que conquistou a virtude permaneceria firme e
inabalável, porquanto não estaria sujeita à ação da fortuna, pois teria se tornado senhora
de si mesma, tendo acesso ao honestum (LEON SANZ, 1988), ao bem absoluto, que
sempre está à disposição do homem: basta-lhe ter liberdade e vontade para buscá-lo.
Com esse raciocínio, Sêneca destacou os vários estágios que, na escalada para a
perfeição, o homem deveria cumprir para superar os encantos da fortuna:

Entre os próprios praticantes da filosofia, devemos, necessariamente, admitir


que existem fortes diferenças: este, por exemplo, já progrediu tanto que se
atreve a erguer os olhos para a fortuna, embora sem constância aparente,
(pois os olhos ficam como cegos perante o excessivo brilho); aquele já
avançou tanto que, se não chegou ainda à meta e ganhou plena confiança em

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si mesmo, já pode, pelo menos, encarar de frente a fortuna (Cartas a Lucílio,


71, 34).

Com essa argumentação, ele elucida a relação entre os últimos estágios do


processo de busca da sabedoria e os da liberdade, deixando claro que ele não estava se
referindo a uma simples postura de resistência ao estado de submissão: a liberdade pode
ser usada para transformar cadeias em instrumento efetivo no combate ao destino.

Eu sou algo mais, eu nasci para algo mais do que para ser escravo do meu
corpo, a quem não tenho em maior conta do que uma cadeia entorno à minha
liberdade. Este corpo, oponho-o como barreira aos golpes da fortuna, e não
consinto que através dele algum golpe chegue até mim. Se algo em mim
pode sofrer ataques é o corpo; mas nesse desconfortável domicílio, habita
um espírito livre (Cartas Lucílio, 61,21) (p.235)

Ou seja, a sabedoria, ao se constituir como ciência das coisas, criaria as


condições propícias para o desenvolvimento da liberdade (GARCIA GARRIDO, 1969).
Sem o conhecimento não existiria liberdade e sem liberdade não haveria virtude. Cabia
ao homem lutar constantemente para se libertar das limitações a que estava submetido, e
a educação poderia ajudá-lo a atingir esse objetivo (PEREIRA MELO, 2004). Ele
poderia se contatar com os princípios consagrados pela sabedoria e se respaldar neles
para descobertas que o colocariam na rota da libertação das influências exteriores.
Segundo nosso pensador,

Teremos de nos aplicar ao estudo, de frequentar os mestres da filosofia, a


fim de assimilarmos os princípios já estabelecidos e investigar o que ainda
está por descobrir, só assim a alma se pode arrancar à mais dura servidão e
alcançar a verdadeira liberdade (Cartas a Lucílio, 104,16).

Para Sêneca, na relação estabelecida entre liberdade e sabedoria, esta era a fonte
geradora daquela e seu pressuposto era a condição de homem virtuoso.
Na concepção senequiana, virtude significava disposição para chegar ao
aperfeiçoamento da racionalidade da alma. A razão levaria ao aperfeiçoamento das
ações livres, de forma que, por meio da virtude, o homem assumiria seu espaço na
Natureza (PEREIRA MELO, 2007), tornando-se apto a cumprir o papel a ele destinado.
Nos dizeres de Sêneca: “Um espírito virtuoso não é coisa que se peça
emprestado ou se possa comprar. E mesmo que existisse à venda, receio bem que não

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encontrasse comprador. O vício, esse todos os dias tem quem o adquira” (Cartas a
Lucílio, 94,8).
Acima destas situações levantadas por Sêneca encontra-se o sábio, que bastaria a
si mesmo e estaria sempre isento das contingências; ele não poderia sustentar sua
condição se não tivesse acesso à virtude no seu grau mais elevado (GARCIA
GARRIDO, 1969).
Isso levou Sêneca a questionar: “Em que pode um sábio ser útil a outro sábio?”
(Cartas a Lucílio, 109,1). Sua resposta a esse questionamento foi incisiva: “Pode servir-
lhe de incitamento, pode sugerir-lhe oportunidades para a prática de acções virtuosas”
(Cartas a Lucílio, 109,3). Assim, para o nosso pensador, a condição de sábio trazia
como exigência praticar “[...] a virtude e manter a sabedoria num estado de perfeito
equilíbrio” (Cartas a Lucílio, 109,1). Não obstante, para Sêneca isso não era suficiente
no magistério do seu homem ideal: “O sábio necessitava igualmente de manter as suas
virtudes em atividade” (Cartas a Lucílio, 109,2).
A constância nas ações, nos atos e nos propósitos, no caso do sábio, poderia ser
percebida em qualquer circunstância, boa ou má. Sábio era aquele que, por ser senhor
de si mesmo, da sua vida e do seu destino, não perderia tempo com as futilidades do
mundo, nem se deixaria envolver pelos apelos materiais e pelas distinções passageiras
(SCHOPKE, 2002).
O sábio pensado por Sêneca é um autêntico educador, um promotor do progresso
da humanidade. A prática educativa lhe é imprescindível, é sua vocação natural. Por
isso, o sábio senequiano deveria promover a educação na melhor de suas expressões,
conforme o projetado pela Natureza.
Em suma, ele teria as condições objetivas para despertar no homem, por meio do
seu exemplo, o prazer pela virtude e pela perfeição porque ele assim se fez em seu
processo de autoformação. Em conseqüência, nessas condições, ele poderia ser o
modelo e o guia do processo autoformativo concebido por Sêneca.
A condição de sábio viabilizaria novas perspectivas apara a condição humana e
por isso nosso pensador o identificava como o pedagogo do gênero humano (PEREIRA
MELO, 2004), o agente transformador de si mesmo, dos demais homens em seu raio de
influência e da sociedade que está a servir.

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O sábio não poderia buscar a sabedoria e a perfeição de forma egoísta, ou seja,


apenas para si; sua missão precípua seria compartilhar com a humanidade o bem maior
que conquistou. Para Sêneca, o domínio da sabedoria impõe compartilhar com os
demais o que se conquistou e de acordo com as possibilidades de cada um: seja com
quem a tivesse obtido por mérito natural seja com aqueles que detinham a autoridade na
sociedade e estariam em melhores condições para exercitá-la. Desse modo, para Sêneca,
era isto o que a sabedoria tinha de melhor para oferecer à humanidade: colocar-se a
favor do bem comum (GARCIA GARRIDO, 1969), ter como único objetivo a
promoção do homem, encaminhá-lo para a perfeição:

E nada, por muito elevado e proveitoso que seja, alguma vez me deleitará se
guardar apenas para mim o seu conhecimento. Se a sabedoria só me for
concedida na condição de guardar para mim, sem compartilhar, então rejeitá-
la-ei: nenhum bem há cuja posse não partilhada dê satisfação (Cartas a
Lucílio, 4,4).

Ao assumir o caráter de transformadora do homem e da sociedade, a sabedoria


não produziria outro resultado a não ser a perfeição tanto desse homem quanto dessa
sociedade.
Em síntese, uma visita à obra senequiana leva a uma constatação: ele estava
convencido de que Deus estava próximo do homem, estava com ele, estava nele, e que o
homem não seria verdadeiramente bom se não estabelecesse uma interação com a
divindade. Fundamentado nesta certeza, ele entendeu a filosofia moral como o
conhecimento capaz de conduzir o homem a se fazer melhor e feliz. Por isso ele se
remetia constantemente a ela em suas reflexões, convidando o homem a contemplar os
exemplos consagrados pela história ou até mesmo aqueles menos expressivos, desde
que dignos de admiração. Para ele, o bem e o mal poderiam ser identificados na conduta
do homem, e não era nas muitas palavras ou em longos discursos que o supremo bem
seria encontrado.
Não obstante, vale lembrar, o conhecimento originário e natural do bem não
tinha um caráter de unanimidade, por isso o conhecimento moral não seria apenas
teórico, mas consistiria principalmente na ação (PEREIRA MELO, 2007), ou seja, na
ação transformadora e aperfeiçoadora do homem, cujo resultado seria a felicidade.

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Finalmente, refutando uma formação apenas teórica e acadêmica corrente e aceita na


Antiguidade, Sêneca defendia a adequação do homem a um modelo formativo simples,
sem requinte. Na forma como ele discutiu essas questões fica patente, de um lado, a
urgência de um programa educativo no contexto de enfermidade que ele observava na
humanidade e, de outro, a necessidade de garantir que os cidadãos fossem beneficiados
por esse programa, já que estes deveriam se converter em multiplicadores e em
exemplos de homens que correspondessem às necessidades da sua sociedade e do seu
tempo.

REFERÊNCIAS

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