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FACULDADE DE EDUCAÇÃO SÃO BRAZ

ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E RELAÇÔES DE TRABALHO.

CURITIBA/PR
2016
FACULDADE DE EDUCAÇÃO SÃO BRAZ

JANETE CLAIR BECKER

ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E RELAÇÕES DE TRABLHO.

Trabalho entregue à Faculdade de Educação


São Braz, como requisito legal para
convalidação de competências, para obtenção
de certificado de Especialização Lato Sensu,
do curso de Educação de Jovens e Adultos,
conforme Norma Regimental Interna e Art.47,
Inciso2, da LDB9394/96.

Orientador: Profª. Esp. Adriana Kopeginski

CURITIBA/PR
2016
RESUMO
Este artigo tem por objetivo observar e analisar os motivos pelos quais trabalhadores/as de Marechal
Cândido Rondon-PR, com parte de sua trajetória vivida no meio rural, abandonaram as salas de aula
e agora avaliam o retorno, identificar as variadas motivações para permanência em sala de aula, bem
como compreender quais as dificuldades encontradas por eles e a relação com a sociedade,
destacando como constroem suas perspectivas de viver a/na cidade, relacionando, particularmente,
trabalho e escolarização com sua experiência social. Através da reflexão e análise das fontes orais,
observa-se que estes trabalhadores/as partilham certa condição de classe e formulam diversos
sentidos perante as urgências que se apresentam ao longo de sua trajetória, assim como são
diversas as expectativas referentes a viver, morar, trabalhar e estudar na cidade, entendendo que é
necessário sair do analfabetismo para melhorar as condições de vida, assim como, escolarizar-se faz
parte do processo de melhor se adaptar a vida urbana.

Palavras-Chave: Escolarização; Trabalhadores/as; Experiência Social; Relação de


Trabalho.
1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar experiências vivenciadas por


trabalhadores em Marechal Cândido Rondon em relação à escolarização a partir da
análise de entrevista com trabalhadores que frequentam ou frequentaram a
Educação de Jovens e Adultos, (EJA) no Colégio Estadual Paulo Freire.
Levando-se em conta a condição de classe destes trabalhadores/as, focaliza-
se nas expectativas, pressões e dificuldades vivenciadas por estes sujeitos no
século XXI, e ao longo de sua trajetória, partindo das questões que remetem a
avaliar quais são suas perspectivas sobre o acesso, permanência ou abandono da
escolarização formal, percebendo-se que essa modalidade de ensino (EJA),
conforme políticas públicas educacionais visam atender, prioritariamente, à classe
trabalhadora e que, portanto, não deve ser pensada desarticulada do mundo do
trabalho e dos interesses que disputam a organização das escolas públicas do país.
As entrevistas analisadas neste artigo foram realizadas nos períodos de 2014
a 2015, nas residências dos trabalhadores/as e no Colégio Paulo Freire, onde foi
possível um melhor contato com estes estudantes. A presença de trabalhadores/as
com trajetórias ligadas à vida no campo na infância ou em parte da juventude é
comum dentre aqueles que se dirigiram à cidade e compõe parte dos sujeitos dessa
pesquisa. Muitos chegaram em Marechal Cândido Rondon ainda crianças, e logo se
viram diante da necessidade de abandonar a escola, eles trazem em suas trajetórias
experiências marcadas por muita luta (para sobreviver, cuidar de familiares,
problemas de saúde, etc.), cotidianamente estes sujeitos buscam por oportunidades
que lhes possibilite uma inserção e atuação dentro deste espaço social e,
principalmente, que permita alterar a sua condição de vida.
A evidência dessas lutas, dos valores que incorporam ou abandonam ao
longo da vida são apresentados em suas narrativas e permitem observar traços de
sua trajetória e relações sociais.
Acredita-se que é importante observar como esse retorno as salas de aula
dos/as trabalhadores/as pode dialogar com o processo de exploração que atinge na
sua grande maioria, trabalhadores/as com baixo nível de escolaridade. Por isso,
escolarizar-se, opondo-se a isso, traz uma noção carregada de simbolismos,
revelando que os sujeitos ora acreditam encontrar uma forma de ascensão social,
ora isso se mostra irrelevante para as urgências de classe. O objetivo é discutir e
analisar as ações e justificativas de sujeitos, envolvidos no processo de
escolarização, partindo de suas trajetórias, buscando observar os motivos que os
levaram a abandonar as salas de aula e retornarem em determinados momentos,
observando quais eram (ou são) suas perspectivas e anseios sobre este caminho,
assim como refletir sobre as dificuldades enfrentadas no modo de viver e trabalhar
no campo e na cidade.
Para melhor fundamentar esta pesquisa buscou-se por autores com
abordagens sobre o tema, trabalhadores/as e escolarização, assim como
explanações sobre conceitos empregados no trabalho, este esta estruturado em um
único capítulo e considerações finais, onde buscou-se observar como estes
trabalhadores se colocam perante os conflitos enfrentados por sua classe e como
buscam transformar essas relações de poder através da luta diária pelo direito a
pertencer a esta sociedade, utilizando-se da escolarização como um mecanismo
para alcançar melhorias em suas vidas, dentro de suas possibilidades e
expectativas.

2. JUSTIFICATIVAS DE ABANDONO E RETORNO AS SALAS DE AULA

Para que sejam compreendidas as perspectivas de trabalhadores com a


escolarização e sua relação com ela, é preciso problematizar como esses sujeitos
agem dentro da sua condição e como a partilham socialmente, para isso dialoga-se
com um artigo produzido por Freitas e Santos (2010). Neste trabalho os autores
discutem a relação entre professores/as e história e trabalhadores/as que
frequentam programas públicos de ensino, com o intuito de chamar a atenção para
produção e discussão do conhecimento histórico considerando as expectativas
destes sujeitos sobre a escolarização, visualizando melhorias em suas vidas a partir
de sua condição de classe que a todo o momento os obriga a reavaliar suas
decisões, “Além do mais, a escolarização era apenas uma das expectativas a serem
confrontadas em sua condição de classe” (SANTOS; FREITAS, 2010, p. 98). Nesse
sentido, não é possível pensar o processo de permanência ou abandono da
escolarização formal fora do conjunto de relações vivenciadas pelos
trabalhadores/as.
Diversas situações pressionam trabalhadores/as a rever a permanência nos
bancos escolares, assim como, o retorno nesses últimos quinze anos que pode ser
visto como uma possibilidade incerta de recuperar o que de certa forma foi deixado
para trás. Porém, retornar para a sala de aula pode continuar com as mesmas
implicações de antes, uma vez que a condição de classe exige para grande parte
dos trabalhadores, trabalhar e estudar simultaneamente, pois estudar requer
dedicação e mudanças no dia a dia, assim como as expectativas atribuídas à
escolarização podem não ser atendidas, caso esse estudo não tenha qualidade e o
estudante não tenha possibilidades de dedicação.
Ao problematizar o retorno destes sujeitos para as salas de aula, tendo em
conta os diversos fatores que motivaram a desistência escolar anterior, o motivo
apresentado pela desistência e sua relação com trabalho e condições de vida
desses trabalhadores/as.
A escolarização na vida dos trabalhadores/as pode ter vários sentidos, do
desejo de conseguir um emprego melhor e mesmo, “uma forma de construir uma
determinada imagem perante os filhos”. (LANGARO, 2003, p. 70). Este autor
ressalta em uma pesquisa sobre experiência da classe trabalhadora com
escolarização que uma de suas entrevistadas pretende se escolarizar para poder
melhor realizar suas atividades como dona de casa e ajudar o filho nas tarefas
escolares, pois se sente constrangida em não poder colaborar com seus estudos,
sua fala é um tanto emocionada;

[...] E eu penso assim, eu (quero) estudar mais. Assim, para poder ajudar
meu filho nos estudos dele, ajudar ele um pouco, porque muitas vezes ele
vem pedir: “Mãe, me ajuda aqui em tal coisa”, eu não sei ajudar ele, eu fico
assim, eu não sei ajudar ele, que vergonha, sabe, eu me sinto
envergonhada pelo meu filho. Eu erro até no falar meu, eu erro, eu não sei
falar direito. É, é ruim. Que nem hoje meu filho veio pedir uma tarefa, para
mim fazer uma tarefa para ele e eu não conseguia fazer..eu me senti mal,
sabe, você, não saber ajudar teu filho fazer a tarefa dele. É ruim. [...]
(LANGARO, 2003, p. 26)

Dessa forma sujeitos que não tiveram oportunidade de estudo no passado


procuram melhorar sua qualidade de ensino na “tentativa de compensar uma
espécie de imagem negativa de si” (ibidem, p.70), e ainda garantir que seus/as
filhos/as possam ter oportunidades que não lhes foram possíveis e aponta tentar
“impedi-los de vivenciar as dificuldades” (ibidem, p.70) por qual passou.
O retorno para a sala de aula, para muitos alunos/as da EJA, significa concluir
o ensino básico. Algo que passa pela conquista de um direito, que de certa forma, foi
limitado no passado por vários fatores; estes trabalhadores/as buscam
oportunidades para voltar para sala de aula, por mais complicado que possa ser.
Muitos, ao duvidarem da materialidade que a escolarização pode trazer de
imediato abandonam as salas de aula, pois é o que vive no presente que leva estes
trabalhadores/as a avaliar sua relação com a escolarização. Portanto, grande parte
das dificuldades em seguir na formação escolar está na dedicação e empenho que
não trazem garantias efetivas sobre o que alcançar,assim como, muitos
trabalhadores/as não têm muita disposição em administrar em seu planejamento e
produção de alternativas, a não ser que vislumbrem uma relação direta entre a
escolarização e mudanças em suas vidas.
De outro modo, essa leitura sincera da relação estabelecida com a
escolarização exige que esse processo "formativo" ocorra em consonância com
essas necessidades enfrentadas por estes estudantes trabalhadores/as, Contudo,
ainda não conseguiu-se muito dessa aproximação, uma vez que a política
educacional se distancia muito da realidade em que será vivenciada, dificultando a
positivação de suas propostas e de resultados mais efetivos na vida daqueles que
ocupam as salas de aula, inclusive da EJA.
Os significados atribuídos nas trajetórias narradas se apresentam no diálogo
que foi proposto com esses sujeitos, mas é preciso ter em vista o que os leva a
tomar decisões contraditórias e conflitantes frente aos valores e expectativas de
retomar os estudos. Do mesmo modo, as relações de desigualdade impostas à sua
condição de classe estão expressas nas ações e decisões que tomam, ainda que
possam sofrer alterações frente às urgências enfrentadas no seu cotidiano,
obrigando-os a reavaliar prioridades.
No caso da análise das narrativas dos/as estudantes, a reflexão acerca das
suas prioridades ganha contornos distintos e as pressões exigem tomar decisões
contraditórias frente suas expectativas. Voltar a estudar não pode ser visto como
uma prioridade, apesar de buscarem a escolarização para adquirir melhores
condições de vida, as urgências do dia-dia por vezes impedem estes sujeitos de se
dedicar ao estudo, sendo assim, é evidentemente, que essa decisão é sempre
avaliada no convívio e na legitimidade que ganha frente ao modo de como se vive e
se espera viver.
Para Thompson (1987), as pressões geradas pelas relações de poder é o que
apregoa a desigualdade e a exploração dos trabalhadores/as, levando os sujeitos a
se reconhecerem como pertencentes a uma classe em que “vivem experiências
parecidas” (Ibidem, p. 10). Segundo o autor,

A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências


comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus
interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e
geralmente se opõem) dos seus. (Ibidem, p. 10)

Segundo a perspectiva do autor, pode-se entender que a classe não nasceu


pronta, foi se fazendo a partir das experiências e lutas dos sujeitos na constante
busca por mudanças e disputas por espaços. O autor reflete sobre o fazer-se,
tratando da constituição dos sujeitos históricos como classe em um processo
contínuo, no compartilhar de experiências comuns.
Com base nessa indicação é possível avaliar que o recorrente abandono dos
estudos nas famílias de trabalhadores/as ganha justificativas e leituras do social
conhecidas entre eles. Por vezes, essas ações são aceitas e valorizadas, o que não
quer dizer que desconheçam os limites que se acumulam na sua trajetória ao tomar
tais decisões. As motivações e os modos de lidar com a ausência desse estudo
formal se fizeram para muitos trabalhadores/as propondo um campo de
possibilidades perverso que permeia o universo da classe - com baixos salários;
relações de trabalho que consomem força, tempo e saúde etc. Algo que aparece
também nas distinções de escolas, formação e alternativas para lidar com essa
escolarização como valor em disputa.
Em determinados períodos na vida de muitos sujeitos, há um distanciamento
do ensino formal por conta da necessidade de se dedicarem ao trabalho para ajudar
a família, muito destes trabalhadores que viveram parte da infância na roça trazem
consigo esta experiência de ter que largar a escola para trabalhar, a vinda para a
cidade, muitas vezes, está relacionada ao agravamento das dificuldades de
permanência no campo, ou mesmo problemas de saúde, um dos fatores que leva
muitos trabalhadores/as para cidade em busca de melhores condições de vida.
Entretanto, no momento que se estabelecem na cidade percebem que
precisam buscar por alternativas não apenas para que os qualifique para o mercado
de trabalho, mas para que respondam ao aumento de gastos com aluguel,
alimentação, taxas públicas, escolarização e cuidado com filhos. Nesse contexto, o
retorno à escola aparece, muitas vezes, em diálogo com essas questões, ou seja, a
escolarização está vinculada ao desejo de mudança, uma alternativa visualizada por
muitos trabalhadores/as de serem aceitos em um trabalho que também está dentro
de suas expectativas, assim a escolaridade pode ampliar o campo de trabalho que
não só melhore seu orçamento e satisfaça a necessidade criada pela sociedade de
que para ela pertencer é preciso ter estudo, e assim, não precisar mais lidar com os
limites de sua escolarização, levando-se em consideração que estas oportunidades
também estão ligadas à disposição dos trabalhadores/as em decidir se relacionarem
nesse universo educacional novamente.
Trabalhadores/as que deixam de estudar para ajudar no orçamento da família
entendem que estar empregado, por algum momento imediato, é importante para
estes sujeitos, mas a partir do momento em que pretendem melhorar sua condição
de trabalho e disputar por outras vagas a escolarização é reavaliada. A aluna 1
estava com 32 anos no momento da entrevista, ela mudou-se com a família para
Marechal Cândido Rondon em 1992, quando tinha dez anos. Havia iniciado seus
estudos na comunidade rural aonde vivia e quando veio para a cidade continuou
estudando, mas em razão da doença do pai teve que começar a trabalhar para
ajudar nas despesas da família. Sobre esse percurso ela destacou:

Daí eu continuei estudando no Ceretta, só que daí as coisas foram


complicando né? eu tive que começátrabalhá pra ajudá em casa, as coisas
começaram a ficá difíceis né? daí eu estudei mais uns três anos, e eu não
aguentava mais... trabalhá e estudáné?( ALUNA 1, 2014)

Para a aluna 1, assim como para a maioria dos trabalhadores/as que


enfrentam os limites da escolarização formal frente às pressões de classe, continuar
estudando depois de começar a trabalhar é uma tarefa ainda mais desgastante, ela
não lembra o ano que ingressou na EJA, nem quando concluiu o ensino médio, mas
foi algo que ocorreu entre 2004 e 2005.
Observa-se que a aluna 1 não confere muita importância para a data da
conclusão do ensino básico, porque para ela o que importa é que terminou. A
trabalhadora apresenta em sua narrativa as condições que antes a afastaram da
escola, sugerindo que a princípio tentou conciliar estudo e trabalho, mas ajudar na
renda familiar para contribuir com os gastos necessários autorizava desistir da
escola e continuar apenas com o trabalho para ajudar a família.
Talvez deixar a escola naquele momento não foi uma decisão apenas sua,
mas percebendo as dificuldades da mãe, que necessitava da sua ajuda para não
deixar faltar o sustento da família assim como os remédios do pai, essa decisão
aparecia como necessária e moralmente difícil de não realizar.
Ela não foi obrigada a deixar a escola, mas a condição imposta aqui a fez
reavaliar as necessidades mais urgentes que envolviam sua família no momento,
além do mais, não suportava a sobrecarga expressa entre trabalhar e estudar, fato
que a fez optar por largar a escola, “eu não aguentava mais trabalha e estuda né”.
Dito de outro modo, a escolarização não é levada a qualquer custo por muitos
trabalhadores, mesmo que essa não tenha sido uma restrição imposta em casa,
muitas vezes ela vem da sobrecarga de afazeres e da avaliação de que descansar
ou auxiliar em casa com mais calma era o melhor a fazer naquele momento.
A aluna 1 se afasta da escola por entender que já estava empregada e não
necessitava de escolarização para trabalhar, pelo menos de imediato,
permanecendo em ocupações que considerava possíveis de realizar. Porém, logo
percebeu que as vagas de trabalho em supermercados e indústrias (postos que foi
ocupar), as quais estavam disponíveis naquele momento, trouxeram por um bom
tempo carga horária exaustiva e baixa remuneração, então começou a avaliar que
para melhorar esta condição precisava voltar para sala de aula. Mais do que
responderem às demandas das vagas do mercado de trabalho, os trabalhadores/as
avaliam o que esse mercado dialoga com as suas expectativas em determinados
momentos seja para sair seja retornar às salas de aula.
Ao ser questionada sobre o porquê do seu retorno à escola, ela responde,
“Na verdade eu quis ‘concluí’, justamente pelo fato de ‘preenchê’ currículo num
emprego né? A maioria pede o segundo grau completo, segundo grau”.(ALUNA 1,
2014) Portanto, para ela o retorno à escolarização tem como função imediata
conseguir uma ocupação menos desgastante e melhor remunerada.
Porém, isso não define todas as questões as quais ela precisa avaliar para
tomar essa decisão pelo retorno. Atualmente ela é costureira em uma fábrica de
lingerie na cidade, mas está afastada do trabalho. O esforço repetitivo dentro da
fábrica lhe causou uma lesão nos pulsos (LER), em função disso está em
tratamento. Portanto, queixa-se de muitas dores e, provavelmente, terá que ir para
Curitiba fazer cirurgia, mas por não ter ajuda de custo da empresa em que trabalha
depende do agendamento e dos serviços vinculados à saúde pública, tornando seu
tratamento mais demorado e complicado.
Para a Aluna 1, voltar para a sala de aula não alterou sua condição. O fato de
ter a sua saúde prejudicada por causa do trabalho é agora mais um problema que
ela precisa enfrentar. Problemas de saúde são comuns entre trabalhadores/as que
exercem funções que exigem rapidez, sobrecarga de peso, excesso de horas de
trabalho, posições prejudiciais à saúde etc. Este é um fator que faz muitos
trabalhadores/as avaliarem o retorno à escolarização vendo-a como uma das formas
de se desvincularem dessas atividades.
A Aluna 1, percebendo que o trabalho que exercia prejudicou sua saúde,
acreditou que ao “preencher currículo” com formação básica isso bastaria para essa
mudança, porém, logo se da conta que é preciso ir além, ”Eu ‘tô’ fazendo curso, eu
‘tô’ fazendo agora auxiliar de veterinária ‘né’? Uma coisa diferente, eu pretendo uma
hora engajar em outra área.” (ALUNA 1, 2014) Ela almeja outras atividades, que
possam ser mais bem remuneradas e sem as marcas do excesso de trabalho em
sua saúde.
Como percebe-se muitos trabalhadores/as ao percorrer o caminho da
escolarização aposta em mudanças, então, a escolaridade básica não passa apenas
por um salário melhor, mas sim em redimir o sujeito de certas marcas de
desigualdade seja por melhor saber se expressar, compreender e, principalmente,
por pertencer a uma classe cuja escolarização faz parte das conquistas que almejam
frente à visibilidade e o convívio classista que enfrentam rotineiramente.
Com a análise da trajetória do aluno 2, 52 anos no momento da entrevista,
verifica-se que seu percurso até Marechal Cândido Rondon começou há muito
tempo atrás e com algumas peculiaridades, pois conseguiu materialmente alterar a
condição de classe que marcou sua infância e juventude. Ele veio de Minas Gerais
aos dez anos de idade, com os pais e irmãos. Chegou ao Paraná em 1975, a
princípio, na cidade de Palotina por um curto período e, em seguida, foram para uma
comunidade rural pertencente à Marechal Cândido Rondon, onde estudou por um
período. Ao ser questionado sobre o motivo que o levou a abandonar a escola ele
diz:
Aí ‘dispois’ de lá [Estrada do Cedro] eu vim aqui pra Rondon. Aí aqui eu
estudei no Eron Domingues, aí parei por dificuldade de trabalho... aí perdi
pai, depois perdi mãe. Aí fui fazer o MOBRAL, estudei no MOBRAL, ai
disisti de novo, porque não dava tempo, tinha que ‘trabalhá’, sozinho na vida
tinha que lutar, tinha que lutar! Não tinha pai, não tinha mãe, então tinha
que lutar! (ALUNO 2, 2014)

O Aluno 2 ficou órfão de pai aos doze anos e de mãe também poucos anos
depois, dependia do trabalho para sua sobrevivência, pois havia três irmãos mais
novos para ajudar a criar, essas pressões são indicadas por ele como "então tinha
que lutar”. Ele dá ênfase ao termo “lutar,” indicando ser este motivo pela sua decisão
de abandonar os estudos, argumentando contra possíveis julgamentos pejorativos
diante desta decisão, pois, mesmo havendo elementos que podem legitimar sua
atitude, estudar era e é visto por muitos no convívio social como atividade
obrigatória.
Ao ser perguntado sobre como era sua jornada na segunda metade da
década de 1970, ele relata:

Eu começava sete horas até o meio dia, vinha em casa almoçava ligeiro,
começava as uma e meia e dai voltava e dai tipo começava no serviço seis
e meia sete horas e dai não dava tempo nem de toma um banho, nem de
toma um café. Ia pro colégio com a barriga roncando de fome. Aí eu falei
não, vou parar. (ALUNO 2, 2014)

Assim como a Aluna 1, o Aluno 2 avaliou que trabalhar e estudar não eram
possíveis naquele momento de suas vidas, pois o trabalho era o modo de levar o
sustento para dentro de casa, assim como a necessidade de procurar por um
emprego e se empenhar o máximo para continuar nele. Porém, ao voltar para sala
de aula anos depois suas expectativas quanto à escolarização se diferenciam em
alguns pontos, pois a realidade de cada um na atualidade se coloca distintamente.
Ela continuou com suas possibilidades de trabalho limitadas, além de estar doente,
enquanto ele, pelo fato de apresentar-se na última década como pequeno
empresário, acredita ter que demonstrar nas novas relações sociais a equivalência
entre sua condição financeira e escolarização e, para isso, a escolarização tardia na
EJA funcionou.
Para ele, essa era uma tentativa de retirar uma marca da exploração de
classe. A falta de estudos, historicamente vem acompanhada de uma trajetória de
trabalhador com dificuldades de escolarizar-se. É isso que ele sabe e tentou alterar
quando durante a entrevista avalia que hoje está em outro momento em sua vida e
só lhe falta o estudo.
Na luta cotidiana destes sujeitos que estão sempre confrontando realidade e
expectativas, estão também procurando formas de enfrentar as suas condições de
classe. Neste caso, a escolarização básica não é vista como mecanismo propulsor
de mudança, mas como parte dessa mudança.
Aluna 3, 37 anos no momento da entrevista, trabalha dezoito anos como
diarista; nascida e criada em uma fazenda, veio para Marechal Cândido Rondon
com doze anos. Ela destacou em sua narrativa que parou de estudar na oitava série,
casou aos dezessete e só conseguiu retomar os estudos depois do falecimento do
marido, em 2013, quando ingressou na EJA. Ela afirma que não voltou a estudar
para melhorar de vida, mas voltou para a sala de aula para “ocupar a cabeça”;

Ninguém tá me ‘obrigano’, é outra coisa eu nem preciso disso na verdade,


que nem dize “ah não ela vai estuda porque ‘qué’ que melhora o salário
dela”, na verdade não, eu não ‘tô’ pensando assim. Na verdade eu num ‘vo’
ganha mais do que eu já ganho eu, na verdade eu ganho mais do que se eu
tivesse estudo e trabalhasse em algum outro lugar, numa prefeitura ou
numa escola, na verdade eu ganho muito mais que isso. Porque de diarista
eu ganho sessenta por meio dia, num dia inteiro dá cento e vinte e ainda
cuido ‘dos prédio’ à tarde, ainda eu ‘so’ pensionista ganho mil e oitocentos
de pensão, num é por causa disso. Entende? (ALUNA 3, 2015)

Na sua narrativa, ela apresenta que a escolarização não é uma necessidade


cotidiana para exercer seu trabalho, mas aponta o desejo de concluir a
escolarização básica e fazer um curso superior, pois apesar de dizer, “Eu nem
preciso disso”, mais adiante fica evidente a contradição da sua fala quando ela
enfatiza;

Você num pode tenta nada. Eu sempre quis faze um concurso público,
‘qualqué’ coisa ‘né’? Você num pode tenta nada. O máximo que você
consegue, que nem, eu sou diarista ‘né’? O máximo que você consegue é
isso. Tipo assim, numa lojinha, uma coisa assim, mas vai ganha muito
pouco ‘né’? Por não te estudo. (ALUNA 3, 2015)
Trabalhar como diarista é uma das poucas opções de trabalho para pessoas
com pouca escolaridade, para a entrevistada a falta de estudo limitava sua chance
de conseguir outra ocupação. “Nem tentei porque sabia que num ia consegui,”
(ALUNA 3, 2015), percebe-se que a escolha da entrevistada por essa atividade foi
determinada pela pouca escolarização e facilidade de se inserir nas relações de
trabalho a partir dessa atividade. Ela avalia as exigências do mercado de trabalho e
seus próprios limites, destacando a leitura que se faz sobre esse trabalho, "eu sou
diarista né", pois ainda que o ganho seja satisfatório, a exposição dessa ocupação,
socialmente, é carregada de desvalorização e da indicação de um não saber fazer
mais nada.
Para melhor compreensão desta análise, observa-se à discussão
desenvolvida por Alessandro Portelli (1996), acerca das possibilidades, a
reformulação dos significados subjetivos atribuídos aos fatos.

A palavra-chave aqui é possibilidade. No plano textual a representatividade


das fontes orais e das memórias se mede pela capacidade de abrir e
delinear o campo das possibilidades expressivas. No plano dos conteúdos,
mede-se não tanto pela reconstrução da experiência concreta, mas pelo
delinear da esfera subjetiva da experiência imaginável: não tanto o que
acontece materialmente com as pessoas, mas o que pessoas sabem ou
imaginam que possa suceder. E é o complexo horizonte das possibilidades
o que constrói o âmbito de uma subjetividade socialmente compartilhada.
(PORTELLI, 1996, p. 70)

Dessa forma constata-se como os/as trabalhadores/as lidam com pressões, e


possibilidades, as necessidades os pressionam a agir, mas ao longo de sua
trajetória constroem, mesmo de forma limitada, novas possibilidades e as
interpretam de formas variadas e então tomam decisões avaliando seus interesses e
que ações podem empreender para realizá-las. Thompson (1981), também nos
ajuda a compreender como estes sujeitos avaliam suas experiências e valores e
assim buscam, dentro de suas possibilidades, tomarem decisões. Segundo o autor;

Os valores, tanto quanto as necessidades materiais, serão sempre um


terreno de contradição, de luta entre valores e visões-de-vida alternativos.
Se dizemos que os valores são aprendidos na experiência vivida e estão
sujeitos as suas determinações, não precisamos, por isso render-nos a um
relativismo moral ou cultural. Nem precisamos supor alguma barreira
intransponível entre valor e razão. Homens e mulheres discutem sobre os
valores, escolhem entre valores, e em sua escolha alegam evidencias
racionais e interrogam seus próprios valores por meios racionais.
(THOMPSON, 1981, p. 194)

Ao pensar na formulação do autor, entende-se que a Aluna 3 avaliou as


possibilidades que tinha, tem, ou que imagina ter, e dentro deste campo se
posiciona, levando em conta suas experiências e valores construídos ao longo de
sua trajetória e, assim, toma a decisão de voltar pra sala de aula nos últimos anos,
questionando a sociedade em que está inserida, assim como critica a visão
pejorativa de parte da sociedade sobre os sujeitos que buscam a instituição EJA.
Portanto, nota-se que além das possibilidades limitadas da classe
trabalhadora em ter acesso à escolarização, esta instituição é vista como
desqualificada por parte significativa da sociedade por entender que este ensino é
buscado em um caráter de urgência apenas para melhorar suas possibilidades de
trabalho. Neste sentido é possível fazer relação com o trabalho de Langaro (2003),
quando analisa o uso da escolarização como meio de luta dos/as trabalhadores/as
contra a exclusão social. O autor considera que os sujeitos com os quais trabalhou
na sua pesquisa por vezes procuraram dissimular a condição de não escolarizado,
compreendendo que a escolarização é um instrumento importante para as práticas
dos sujeitos, “compreendendo que a sociedade em que vive considera, em muitas
ocasiões, mais a aparência das pessoas do que sua personalidade” (LANGARO,
2003, p. 31).
Sendo assim, ter um nível maior de escolarização não lhes proporciona,
apenas, chances de um emprego melhor, junto a isso podem aspirar por distinção
de classe, diferenciação em relação aos sujeitos que permanece à margem da
escolarização, assim como uma segurança para estes indivíduos que com mais
escolarização poderão se defender melhor no dia a dia contra possíveis artifícios
usados por aqueles que se aproveitam da falta de estudo e de compreensão de
contratos e burocracias, algo ainda comum para muitos trabalhadores/as, mesmo
aqueles que frequentaram ou possuem ensino básico.
Aluna 4, com 27 anos no momento da entrevista, diz que saiu da comunidade
rural que vivia com seus pais para trabalhar em Marechal Cândido Rondon, como
auxiliar de produção no frigorífico de frangos, onde já trabalha há oito anos. Em
nossa conversa destacou a grande dificuldade que teve em se adaptar na cidade;

‘Óia’ eu demorei pra acostuma porque na verdade eu nunca morei em


cidade sabe? (risos) sempre morei no sítio. Assim que nem, pensando
bem... que nem hoje, no sítio num é aquela coisa mais, eu vejo assim, bem
assim... a cidade de Marechal, assim bem capacitada ‘pa’ quem gosta de
cidade ‘né’? Eu na verdade, não sô muito acostumada a cidade, apesar de
morar oito anos aqui quase, mais pra mim, que fui criada no sítio, num tem
tanto valor na cidade. (ALUNA 4, 2015)

Importante analisar que ela mesma esta apontando suas dificuldades em


adaptação com o ritmo de vida na cidade evidencia que precisa continuar e lutar por
uma condição de vida diferente da que possuía na roça e condiciona essa
possibilidade à escolarização para manter essa nova aposta e viver na cidade:

Você qué um calçado bão, você qué te uma roupa boa, se um dia se quisé
te um carro, uma casa, uma moto, a gente tem que estuda pra isso, você
vai te que batalha pra isso. Se a gente num estuda a gente consegue um
emprego sim, com certeza, você pode te estudo e num tê, só que num é
aquela coisa que a gente sempre quéné?(ALUNA 4, 2015)

A aluna 4, então, aponta que seu objetivo é buscar outros caminhos que lhe
proporcionem uma renda melhor, assim como uma alteração nos limites de classe
experimentados na comunidade rural, escassez de alimentação, vestuário, dinheiro.
Para tanto, a escolarização apareceu como um mecanismo de integração, de tentar
alterar caminhos, mas fazer algo que pudesse corresponder à sua trajetória e uma
profissão.

Como eu sempre fui criada na roça né? Eu quis ser agrônoma né? Mas aqui
na nossa região é muito difícil ‘né’? Aí eu se tive aquela oportunidade sair
do Estado ‘né’? Procura ‘outros emprego’ pra fora... mas acredito que
administração também seria bom pra mim. Tinha vontade de faze
administração também. Aí agora um curso, eu queria faze um curso técnico
de segurança, segurança de trabalho. Que nem lá na empresa precisa
bastante ‘né’? É bem cobrado. Gostaria muito de fazer também. (ALUNA 4,
2015)

A entrevistada traz um conjunto de curso, a se ver do mais concorrido ao que


poderia estar mais próxima de alcançar, o curso técnico de segurança, uma vez que
esse tem mercado, é mais bem remunerado do que a ocupação que tem no
momento e traria uma melhor qualidade de vida, pela renda e pelas condições de
trabalho que propicia. Com isso a escolarização foi gradativamente sendo alterada
nas expectativas da aluna, por avaliar a dificuldade em competir com outros
estudantes que querem formar-se agrônomos, mas que partiram de uma formação
melhor que a sua. Desse modo ela não avalia apenas suas expectativas, mas em
que campo de possibilidades elas podem se realizar.
Sobre esta questão Langaro (2003) traz o apontamento de Enguita (1989),
sobre o fato de a escolarização ser “compreendida como uma forma de tornar aptos
os trabalhadores para assumirem cargos considerados superiores. É considerada,
portanto, como meio para a ascensão social.” (ENGUITA, 1989, apud LANGARO,
2003, p. 64). Langaro (2003) prossegue,

A escola exerce aqui um duplo papel. Por um lado abre uma via, embora
para a maioria seja mais aparente que real, através da qual é possível
melhorar a posição de indivíduos e grupos dentro dos cursos de ação
estabelecidos e aceitos e sem riscos de desembocar em um conflito aberto.
Fundamentalmente, permite aos grupos ocupacionais reforçar sua posição
controlando a possibilidade de acessos aos mesmos, as quais são
restringidas através de elevação das exigências em termos educacionais; e,
sobretudo, permite aos indivíduos lutar pessoalmente para mudar de grupo,
para acender a outro situando em uma posição mais desejável. Na
realidade, a escola é hoje o principal mecanismo de legitimação
meritocrática de nossa sociedade, pois supõe-se que através dela tem lugar
um seleção objetiva dos mais capazes para o desempenho das funções
mais relevante, às quais s associam também recompensas mais elevadas.
(Ibidem)

Com isso, o autor afirma que grande parte dos sujeitos busca melhorar
individualmente suas posições e a escolarização é uma das alternativas para isso.
Deste modo, a escolarização pode ser vista como um mecanismo de distinção,
assumindo, como aponta Langaro (2003) um caráter meritocrático não levando em
conta o contexto social vivido por muitos trabalhadores que não possuem acesso a
um ensino de qualidade, o que torna necessário compreender a conjuntura na qual o
sujeito está inserido, a trajetória de cada um e as relações sociais que interferem a
todo o momento nos caminhos escolhidos por eles.
Para a classe trabalhadora, ter e manter um emprego são à base da
sobrevivência da família, pois precisam “lutar”, estudar pode ser algo almejado,
porém não encontram condições ideais para isto, ou não é tão impressionante como
outros elementos de seu modo de viver. Como diz o Aluno 2, “A maioria das pessoa
hoje que num são formada, que num ‘estudô’ e num ‘terminô’ o ensino médio é
devido o trabalho, não é porque é vagabundo. Tinha vontade de estuda mas num
tinha condição; “num posso, tenho que ‘trabaiá’, amanhã cedo”(ALUNO 2, 2016).
Essa é uma justificativa para os valores atribuídos à educação hoje, não se remetem
ao que foi vivenciado nas décadas de 1960, 1970, 1980, 1990.
Ele demonstra preocupação em justificar o fato de não ter estudado, “não é
porque é vagabundo.” Procurando se explicar à pesquisadora por um abandono que
é suscetível a julgamentos. Dentre os diversos motivos que forçaram a desistência
destes trabalhadores da escola quando jovens ou ainda crianças é o fato de
pertencerem a comunidades rurais, onde deixam a escolarização para um segundo
plano, ou mesmo não reconhecem essa a formação importante para o trabalho que
se exigia para sobrevivência e manutenção familiar.
A necessidade de aprender, logo cedo, a trabalhar na roça, ou cuidar da casa
e dos irmãos, para que os pais pudessem trabalhar, concorria e de certo modo
justificava os poucos anos que frequentaram a escola na infância, ou a pouca
importância dada à qualidade desse ensino. Nesse sentido Langaro (2003) também
aponta sobre o que nas primeiras décadas da segunda metade do século XX se
almejava das crianças e adolescentes em casa:

Nesses locais, ao que parece, o principal aprendizado se dava de maneira


prática, sobre as técnicas de trabalho agrícola. Entretanto, a frequência à
escola, na infância, existiu, embora muitos entrevistados apontem falhas na
aprendizagem. (LANGARO, 2003. p. 71).

Embora tendo possibilidades de frequentar a escola as pressões vividas pelos


pais e a própria condição das escolas rurais, deve-se levar em conta os custos para
manter um filho na escola e a necessidade dos pais, em grande medida, do trabalho
dos filhos para a dinâmica de produção rural nas décadas de 1960, 1970 e até em
1980. Afinal, a valorização da permanência na escola não ganhava os mesmo
sentidos dos dias atuais (inclusive, atualmente, temos órgãos para denúncias e
fiscalização da manutenção de crianças e adolescentes na escola, o que demonstra
que ainda há certas recusas no entendimento do quão faz parte o ensino regular da
rotina de expectativas e possibilidades de certos sujeitos). Essa questão era
fundamentalmente problemática para trabalhadores, pois não podiam abrir mão da
ajuda do filho nas tarefas, muito menos arcar com materiais escolares ou subsidiar a
escola/professor, além da sazonalidade de muitos. Algo que na segunda metade do
século XX indicava elementos importantes sobre a descontinuidade na formação
escolar formal.
Langer (2012) analisa essa questão da dificuldade em se manter as escolas
rurais em seu trabalho e contribui para essa pesquisa. A autora enfatiza que os
problemas enfrentados por pais de alunos em manter seus filhos na escola
transcorriam em função da necessidade da ajuda do filho em casa ou na roça e a
distância em que se localizava a escola. Havia os problemas com a instalação e
manutenção das mesmas e, ainda, a questão dos pais precisarem incentivar os
professores a ficarem nas localidades, pois entre os vários problemas enfrentados
pelos professores estavam os baixos salários e a dificuldade em se deslocar para a
cidade em busca de materiais e melhor qualificação de seu trabalho.
Langer entrevistou alguns professores deste período, dentre eles destaco
parte de uma entrevista concedida à autora de Seu Dorvalino, professor de uma
escola rural no período pesquisado, onde ela questiona sobre os materiais
disponibilizados para a atividade docente, diante do que, o professor afirmou:

[...] Não, não o único material que a prefeitura fornecia era o giz só, só, só,
só. Os professores, nós tínhamos que providenciar os nossos próprios
cadernos, os nossos próprios materiais, caneta, tudo, cada aluno tinha que
providenciar o material, todo o material né inclusive. Quando nós íamos
limpar a escola, nos tínhamos que levar panos de casa, os alunos traziam
vassoura. [...] (LANGER, 2012, p.52)

Levando-se em conta que para manter um filho na escola era necessário ter
gastos, não só com os materiais que ele necessitava para estudar, mas também
com a manutenção da escola, fatores que contribuíram, também, para a desistência
da escolarização e se dedicar ao trabalho, cuidado com a casa e construir novas
expectativas e pressões, incluindo casamentos e filhos.
Estes fatores faziam com que estes sujeitos agregassem mais valor ao
aprendizado prático na lavoura, pois o trabalho na roça exige o esforço de toda
família, assim como a falta de estabilidade no emprego de trabalhadores/as rurais
nas décadas de 1970 e 1980, dificultou o acesso ou a permanência de muitas
crianças na escola nos anos iniciais, hoje, estes sujeitos procuram se estabilizar na
cidade e a escolarização é um dos aspectos que compõem o viver nela, é dentro
das escolas que muitos elaboram suas experiências sobre as relações vividas no
espaço urbano, ou seja, para muitos/as trabalhadores/as ir para escola está
vinculado ao viver a/na cidade.
Assim, entende-se que a decisão de buscar a escolarização é diversa e que
as perspectivas e valores depositados nesse caminho também são variados, sendo
assim é preciso analisar de forma minuciosa todas as relações que se fazem
presente para compreender quais sentidos eles atribuem a esta decisão. De todo
modo é possível afirmar que a escolarização é de fato mais um mecanismo
importante para a classe trabalhadora intervir e alterar sua inserção social.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para a classe trabalhadora a conquista de diretos é sempre marcada por


lutas, a escolarização se caracteriza como uma possibilidade de obter conquistas,
mas também não se realiza sem luta, sem perdas e com limitações. Este trabalho
teve como objetivo refletir acerca da atuação dos trabalhadores enquanto sujeitos
históricos, dentre as várias formas de luta destes sujeitos, a escolarização foi vista
como mais um instrumento usado em busca de mudanças e consequentemente uma
vida melhor.
A escolarização não coloca ponto final nos problemas enfrentados pela classe
trabalhadora, mas de certa forma, é um caminho para possíveis realizações,
trabalhadores/as buscam pela escolarização almejando produzir estas mudanças de
acordo com suas perspectivas. Essa escolarização é marcada por muita
complexidade por ser experimentada por sujeitos que atribuem a ela sentidos de
acordo com questões vividas, na maior parte das vezes, atrelada ao trabalho, mas
também ligada a outros significados que envolvem questões sociais, sendo assim,
as salas de aula da EJA, significam um espaço ocupado, na sua grande maioria,
pela classe trabalhadora como um mecanismo de contestação do sistema
dominante.
O objetivo deste trabalho não foi contar a história de alguns sujeitos, mas
refletir sobre a constante luta deles, inclusive envolvendo sua escolarização formal.
Os problemas enfrentados por esses trabalhadores/as em conciliar estudo e trabalho
são imensos, a falta de motivação dentro do ambiente de trabalho e até mesmo em
casa, ou dentro da instituição em que estudam. Tudo isso aumenta as dificuldades
em permanecer nas salas de aula. Contudo, encontra-se pessoas dispostas a
enfrentar essas barreiras em defesa de seus interesses.
Essas experiências permitem um debate sobre a realidade de muitos outros
envolvidos nesse programa educacional (EJA) ou que poderiam participar dele. Nas
entrevistas, foram retomadas ações e expectativas, percebendo que a maioria dos
entrevistados ressalta a importância do estudo, como ocorre em outros níveis de
escolarização que também enfrentam o abandono e a frágil permanência nas séries
ofertadas. Acredita-se que isso ocorre por levar em conta a integralidade do que
vivem ou esperam viver, não sendo apenas uma rejeição à proposta de ensino
regular.
4. REFERÊNCIAS

BISPO, M. Entrevista concedida a Janete Clair Becker. Marechal Cândido Rondon,


24 mar. 2015.

FREITAS, Sheille S; SANTOS, Carlos M. S. Trabalhadores nas salas da


escolarização: o ensino de história como enredo possível para a discussão da
identificação de classe. Trabalho & educação, Belo Horizonte, v. 19, n.2, p. 93-105,
mai./ago. 2010.

GEHLEN, C. Entrevista concedida a Janete Clair Becker. Marechal Cândido


Rondon, 24 mar. 2015.

LANGARO, Jiani Fernando. Peregrinos e Calejados: experiências de escolarização


entre classes trabalhadoras em Marechal Cândido Rondon (PR). 2003. 126. F.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História). Centro de Ciências
Humanas, Educação e Letras, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 2003.

LANGER, Denise. Entre a Cartilha e o Roçado: A escolarização como pauta na


vida de trabalhadores e proprietários. (Marechal Cândido Rondon-PR, 1960-1980)
2012. 67f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História). Centro de
Ciências Humanas, Educação e Letras, Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
2012.

MARECHAL Cândido Rondon. Colégio Estadual Paulo Freire. Disponível em:


<http://www.mrhpaulofreire.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteud
o=16> Acesso em: 07 Fev. 2016
PEREIRA, A.C. Entrevista concedida a Janete Clair Becker. Marechal Cândido
Rondon, 23 abr. 2014.

PORTELLI, A. A filosofia e os fatos. Narração, interpretação e significado nas


memórias e nas fontes orais. Tempo, Rio de Janeiro: v. 1, nº. 2, 1996.

______. O que faz a história oral diferente. Projeto História. São Paulo, n. 14, p. 25-
39, fev.1997.

THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma critica ao


pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

______. A formação da classe operária inglesa I – A árvore da liberdade. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1987.

WINTER, E. Entrevista concedida a Janete Clair Becker. Marechal Cândido Rondon,


01 mai. 2014.
ANEXO 1

ROTEIRO DE QUESTÕES

Data da entrevista:
Local:

1. Dados pessoais do/a entrevistado/a:


- Nome completo:
- Idade:
- Profissão:
- Estado Civil:

1. Você é de Rondon?

(Se sim): como era sua infância, que época era essa, como era a cidade - ou o
campo, Já mudou de Rondon, por quê? Por que voltou? - como é viver aqui e
trabalhar aqui. Bairros que morou, dificuldades que enfrentou mudanças que
observa na cidade e na sua vida em relação à sua infância, vida com os pais, e hoje
com os filhos, caso tenha.

(Se não): Como era quando chegou aqui? Por que deixaram a antiga cidade ou
comunidade? Razões pelas quais morou em tal lugar ou deixou essa cidade.

2. Tem lembrança de quando começou a trabalhar? Qual foi o seu primeiro


emprego? (qual foi à experiência mais difícil para procurar, realizar entrevista, passar
dificuldades sem o trabalho, ou a realização que teve ao conseguir determinada
vaga?

3. Por que parou de estudar quando criança? Qual a relação do abandono da sala
de aula com o trabalho?

4. O que o levou a tomar a decisão de voltar estudar?

5. A experiência De voltar pra sala de aula, quais eram suas expectativas quando a
volta. Houve mudanças? O que mudou?

6. Quais são as maiores dificuldades enfrentas por sujeitos sem ou com pouco
estudo?

7. Como é estudar na EJA?Por que consideram que muitos trabalhadores/as voltam


para as salas de aula, mas abandonam novamente? O que pesa para tomar essa
decisão

8. As relações de exploração fazer parte das relações de trabalho, assim como os


conflitos. Como você avalia isso nas relações de trabalho com trabalhadores/as com
pouco ou sem estudo?
9. Conhece ou se recorda de algum caso (não precisa mencionar nomes), mesmo
que não seja em Rondon, que seja significativo sobre as dificuldades de
sobrevivência de determinados trabalhadores/as por falta de estudo, seja no campo
ou na cidade.

10. Gostaria de expor algo mais que não conversamos durante a entrevista e
considera que seria importante ou que você queira destacar?

11. Se fosse me indicar uma questão importante para eu discutir no meu trabalho
sobre as condições de vida dos trabalhadores/as que buscam por escolarização,
qual seria?

12. Quais são seus planos para os próximos anos?

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