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APONTAMENTOS DE ESTUDOS SOBRE  

CIÊNCIA, TECNOLOGIA & SOCIEDADE  

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
                                                                
Pedro & João Editores
Valdemir Miotello & Wanda A. Machado Hoffmann 
(Orgs.) 

 
 
 
 
 
 
APONTAMENTOS DE ESTUDOS SOBRE  

CIÊNCIA, TECNOLOGIA & SOCIEDADE  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
                                                                
Pedro & João Editores  
2010 
Copyright © dos autores 
 
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida ou 
transmitida ou arquivada, desde que levados em conta os direitos dos autores. 
 
 
 
Valdemir Miotello & Wanda A. Machado Hoffmann (Orgs.) 
 
Apontamentos de estudos sobre Ciência, Tecnologia & Sociedade. 
São Carlos: Pedro & João Editores. 2010. 432p. 
 
ISBN 978‐85‐7993‐030‐1 
 
1. Ciência, Tecnologia & Sociedade. 2. Estudos do contemporâneo. 3. 
Estudos interdisciplinares. 4. Autores. I. Título.  
CDD – 020 
 
Capa: Marcos Antonio Bessa‐Oliveira 
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito  
 
 
Conselho Científico da Pedro & João Editores: 
Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi 
(Unicamp/Brasil); Roberto Leiser Baronas (UFSCar/Brasil); Nair 
F. Gurgel do Amaral (UNIR/Brasil) Maria Isabel de Moura 
(UFSCar/Brasil); Dominique Maingueneau (Universidade de 
Paris XII); Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil). 
 
 
 
 
 
 
Pedro & João Editores 
Rua Tadão Kamikado, 296  
Parque Belvedere 
www.pedroejoaoeditores.com.br 
13568‐878 ‐ São Carlos – SP 
2010 
 
SUMÁRIO 

 
APRESENTAÇÃO   
Valdemir Miotello & Wanda A. Machado Hoffmann  
 
ETANOL COMBUSTÍVEL E O ENFOQUE CTS 11 
Adriana Aparecida Puerta  
Leandro Innocentini Lopes de Faria  
 
PRODUÇÃO CIENTÍFICA VERSUS PATENTEAMENTO NA  23 
AMAZÔNIA: ESTUDO SOBRE O CUPUAÇU   
(THEOBROMA GRANDIFLORUM)   
Angela Emi Yanai  
Leandro Innocentini Lopes de Faria  
 
OS ESTUDOS SOCIAIS DA CIÊNCIA: UMA RELAÇÃO COM O  39 
CAMPO CTS  
Bruno Rossi Lorenzi  
 
O TERRITÓRIO COMO PLATAFORMA DE SUPERAÇÃO DA  53 
POBREZA: DO CAPITALISMO   
À SOCIEDADE EM REDE  
Celso Geraldo Tucci  
 
POLÍTICAS PÚBLICAS NA SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM  67 
CIÊNCIA TECNOLOGIA E SOCIEDADE  
Cibele Correia Semeão   
 
A NÃO NEUTRALIDADE DO HOMEM: CIÊNCIA E  77 
TECNOLOGIA NOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO,   
CIÊNCIA E TECNOLOGIA  
Cintia A. S. Santos  
 
ELABORAÇÃO DE INDICADORES DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA  93 
NO CONTEXTO CTS: A SUSTENTABILIDADE EM FOCO  
Claudia de Moraes Barros de Oliveira  
Leandro Innocentini Lopes de Faria   
CARACTERIZAÇÃO E CATEGORIZAÇÃO DE ATRIBUTOS  103 
COMO INSTRUMENTOS PARA MELHORIA DE SERVIÇOS: UMA   
APLICAÇÃO À INICIATIVA CONTRIBUINTE DA CULTURA  
Cristina Nardin Zabotto  
 
PARTICIPAÇÃO PÚBLICA EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA    115 
ATRAVÉS DE MECANISMOS DE GOVERNO ELETRÔNICO:   
UMA PROPOSTA METODOLÓGICA   
DE AVALIAÇÃO  
Danilo Brancalhão Berbel  
 
SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL  129 
SUSTENTÁVEL: ASPECTOS RELEVANTES DA INDÚSTRIA   
SIDERÚRGICA   
Danilo Batista da Cunha  
José Ângelo R. Gregolin  
 
OS DILEMAS VIVIDOS PELO EDUCADOR CONTEMPORÂNEO,  151 
NA CONSTRUÇÃO DE SUA FORMAÇÃO E EM SUAS PRÁTICAS   
DE TRABALHO, DENTRO DA ASSIM CHAMADA SOCIEDADE   
DA INFORMAÇÃO  
Dirceu Marcos Dolce Furlanetto  
 
TRAJETÓRIA E PERSPECTIVAS EM CTS NA EDUCAÇÃO:  159 
DO ENSINO CARTESIANO À INTERDISCIPLINARIDADE  
Francis Lampoglia  
 
MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA E SEU IMPACTO NO  175 
DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DO PAÍS NO   
PERÍODO PÓS‐GUERRA  
 Joana Silva  
 
INICIATIVAS E MECANISMOS DE COOPERAÇÃO PARA A  187 
PROMOÇÃO DO EMPREENDEDORISMO E DE NOVOS   
EMPREENDIMENTOS  
        José Augusto Pereira Ribeiro  
      Wanda A. Machado Hoffmann  
 
UM NOVO CAMINHO ATRAVÉS DAS TECNOLOGIAS SOCIAIS 205 
Lucas Miguel França  
ASPECTOS GERAIS DA NANOTECNOLOGIA E SUAS  215 
APLICAÇÕES PARA A SOCIEDADE  
Lucas Salomão Peres  
Leandro Innocentini Lopes de Faria   
 
O CONSUMO E O LIXO TECNOLÓGICO SOB O OLHAR 227 
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE  
Luciara Cid Gigante  
Maria Cristina Comunian Ferraz   
Camila Carneiro Dias Rigolin  
 
GESTÃO DO CONHECIMENTO E INCUBADORAS  239 
UNIVERSITÁRIAS DE EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA   
SOLIDÁRIA: UMA APROXIMAÇÃO DESEJÁVEL  
Marcia Cristina dos Santos Barbosa de Oliveira  
Maria Zanin  
 
AS PESQUISAS EM GESTÃO DA INOVAÇÃO  257 
E DA TECNOLOGIA: UM PANORAMA   
ATRAVÉS DE ESTUDOS BIBLIOMÉTRICOS  
Maria Fernanda de Oliveira  
 
A CONSTRUÇÃO PARADOXAL DE SENTIDO: O  271 
CONHECIMENTO TRADICIONAL NO CONTEXTO DA   
PROPRIEDADE INTELECTUAL  
Maria Raquel da Cruz Duran  
Camila Carneiro Dias Rigolin  
 
ANÁLISE DA METODOLOGIA ADOTADA NAS PESQUISAS  293 
SOBRE MORTALIDADE DE EMPRESAS  
Meire Ramalho de Oliveira  
Roberto Ferrari Júnior  
 
CIENTISTAS E JORNALISTAS: UMA (PROVÁVEL) SOLUÇÃO  305 
PARA OS EMBATES  
Michel da Silva Coelho Lacombe  
 
COMUNICAÇÃO E GESTÃO TECNOLÓGICA:  317 
O PAPEL DAS AGÊNCIAS DE INOVAÇÃO  
Neylor de Lima Fabiano  
ELABORAÇÃO DE METODOLOGIAS PARA PROSPECÇÃO  335 
TECNOLÓGICA  
Renan Carvalho Ramos  
Leandro Innocentini Lopes de Faria  
 
CTS E AS POTENCIALIDADES DAS CADEIAS PRODUTIVAS  341 
DE BAMBU NO BRASIL  
Samara Pereira Tedeschi  
Wanda Ap. Machado Hoffmann  
 
GESTÃO POR COMPETÊNCIAS NO SETOR PÚBLICO: 357 
 UMA ABORDAGEM SOCIALMENTE CONTEXTUALIZADA  
Silvana Ap. Perseguino  
Wilson José Alves Pedro  
 
AMBIENTE INFORMACIONAL DAS ORGANIZAÇÕES:  371 
RELAÇÃO ENTRE A GESTÃO ESTRATÉGICA E PATENTES  
Tatiane Malvestio Silva  
 
MEMÓRIA E HIPERMÍDIA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E  381 
OS DIZERES HIPERMIDIÁTICOS  
Thaís Harumi Manfré Yado  
Lucília Maria Sousa Romão  
 
BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA E INFORMAÇÃO EM QUÍMICA:  393 
INTEGRAÇÃO ENTRE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE  
Valéria Aparecida Moreira Novelli  
 
COMUNICAÇÃO E APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO  403 
CIENTÍFICO: REFLEXÕES PRELIMINARES SOBRE A   
COMPREENSÃO PÚBLICA DA CIÊNCIA   
Vera A. Lui Guimarães  
Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi  
 
ROUSSEAU E O DISCURSO SOBRE AS CIÊNCIAS E SOBRE AS  419 
ARTES: O PRELÚDIO DE UMA VISÃO CRÍTICA DA   
CENTRALIDADE TECNOCIENTÍFICA  
Vitor Ogiboski  
Cidoval Morais de Sousa 
APRESENTAÇÃO

No  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e 


Sociedade  é  ofertada  uma  disciplina  de  caráter  obrigatório:  Ciência, 
Tecnologia  e  Sociedade.  Nesse  ano  de  2010  coordenamos  essa 
disciplina.  E  o  trabalho  desenvolvido  foi  instigante  e  muito  nos 
provocou a todos, alunos e professores, a ampliarmos nossas leituras e 
aprofundarmos os debates em sala de aula. 
Trabalhamos  com  algumas  questões  que  nos  conduziram  no 
decorrer do semestre: a) Como encarar hoje essa relação intrínseca entre 
ciência,  tecnologia  e  sociedade?  b)  Que  princípios  éticos  são 
fundamentais e imprescindíveis nessa relação? c) Quais leituras devem 
ser  feitas  hoje  pra  se  dar  conta  de  bem  compreender  as  tensões  nesse 
novo  campo?  d)  Metodologicamente  quais  os  caminhos  possíveis  de 
construção  hoje  de  ciência  e  de  tecnologia  que  estejam  envolvidas  e 
comprometidas com o desenvolvimento humano de forma prioritária? 
e) Como é possível discutir e trabalhar nos vários níveis de ensino estas 
questões, pensando CTS como uma parte do currículo escolar? 
A compreensão da ciência e tecnologia tem implicações em diversas 
esferas  da  vida  e  da  sociedade,  tendo  um  valor  do  epistêmico  ao 
político,  conduzindo  sempre  a  novos  desafios,  principalmente 
possibilitando  movimentos  e  propostas  alternativas  no  diálogo  entre 
ciência, tecnologia e sociedade.  
As  mudanças  e  transformações  radicais  e  abrangentes  que 
registraram a passagem do milênio constituíram um emergente padrão 
sócio‐econômico‐político‐cultural,  colaborando  para  o  aumento  das 
incertezas  e  indefinições,  como  também  sofrendo  influência  da 
crescente  intensidade  e  complexidade  dos  conhecimentos 
desenvolvidos;  destacando  a  velocidade,  confiabilidade,  baixo  custo, 
armazenamento  e  processamento  de  grandes  quantidades  desse 
conhecimento  codificado  e  de  vários  tipos  de  informações,  com  isso 
exercendo  papel  central  no  processo  de  compreensão  e  relação  da 
ciência, tecnologia e sociedade.  
Juntamente com novos conhecimentos e competências, com novos 
aparatos e tecnologias é que surgem as reflexões de como devem ser os 
novos  modos  do  ser  humano  aprender,  interagir,  pesquisar,  produzir, 
trabalhar, consumir, se divertir, exercer a cidadania e compartilhar bens 
coletivos.  Assim,  a  capacidade  de  compreender  e  gerar  ciência  e 
tecnologia não é um fenômeno neutro e automático, mas supostamente 
associada a questões complexas (e às vezes invisíveis) e que seu alcance, 
desenho  e  objetivos  são  reformulados  e  dinâmicos,  visando  o 
atendimento  dos  novos  requisitos  do  ensino,  pesquisa  e 
desenvolvimento sustentável.  
O  autor  Paul  Valéry,  em  O  fato  histórico  (1932),  já  mencionava: 
“Todas  as  noções  que  achávamos  serem  sólidas,  todos  os  valores  da 
vida  civilizada,  tudo  o  que  foi  feito  pela  estabilidade  das  relações 
internacionais, tudo o que foi feito para regularização da economia... em 
suma,  tudo  o  que  tendia  auspiciosamente  a  limitar  a  incerteza  quanto 
ao  futuro,  tudo  aquilo  que  dava  às  nações  e  indivíduos  alguma 
confiança  no  futuro...  tudo  isso  parece  drasticamente  comprometido. 
Consultei  todos  os  adivinhos  que  encontrei  pela  frente,  e  apenas  ouvi 
palavras  vagas,  profecias  contraditórias,  assertivas  curiosamente 
frágeis.  Nunca  a  humanidade  combinou  tanto  poder  com  tanta 
desordem,  tanta  ansiedade  com  tanta  diversão,  tanto  conhecimento 
com  tanta  incerteza”.  Nesse  contexto,  a  ciência  e  tecnologia  da 
atualidade  se  defrontam  com  diversos  esforços  empreendidos  para 
estudá‐las em ambientes cada vez mais difusos. 
Segundo  Max  Planck  “A  ciência  não  consegue  decifrar  o  mistério 
da natureza porque nós somos parte dele”. 
Uma articulação benigna entre as diversas questões que envolvem 
a ciência, tecnologia e sociedade é saudável e constituiu uma rota para 
as  contribuições  apresentadas  nesse  livro,  acima  de  tudo,  reforçando 
uma  inserção  mais  autônoma  que  assegure  a  coexistência  entre 
desenvolvimento e competitividade com a inclusão, equidade e coesão 
social e ambiental. 
 
 
Valdemir Miotello 
Wanda A. Machado Hoffmann 
Professores da UFSCar, também no Programa CTS 
Dezembro de 2010 
ETANOL COMBUSTÍVEL E O ENFOQUE CTS 
 
Adriana Aparecida Puerta1 
Leandro Innocentini Lopes de Faria [Orientador] 
 
1 Introdução 
 
O  desenvolvimento  da  Ciência  e  da  Tecnologia  tem  ocasionado 
diversas  transformações  na  sociedade,  refletindo  em  mudanças 
econômicas, políticas e sociais, sendo comum, considerarmos Ciência 
e  Tecnologia  como  motores  do  progresso  que  proporcionam  não  só 
desenvolvimento do saber humano, mas também, uma evolução real 
para o homem. 
 
Ciência  e  Tecnologia  (C&T)  passou  a  ser  considerado  um  binômio, 
tratado  no  singular,  em  virtude  da  forte  interação  e  interdependência 
entre  a  ciência  e  a  tecnologia,  da  crescente  utilização  de  conhecimentos 
científicos  para  a  geração  de  tecnologias,  e  do  necessário  avanço 
tecnológico  para  a  produção  de  novos  instrumentos  que  possibilitassem 
aos cientistas melhor estudarem o universo (LONGO, 2000, p. 2). 
 
As finalidades e interesses sociais, políticos, militares e econômicos 
que  resultam  no  impulso  do  uso  de  novas  tecnologias  implicam  além 
de  benefícios,  enormes  riscos,  visto  que  o  desenvolvimento  científico‐
tecnológico e seus produtos não são independentes de seus interesses, 
sendo que um componente essencial da C&T é a aquisição de pontos de 
vista  adequados  e  informações  sobre  o  que  são  e  como  funcionam  a 
C&T e suas relações com a sociedade.  
A  questão  energética,  nos  dias  atuais,  é  um  tema  central  nas 
relações que envolvem a sociedade e o uso de tecnologias aplicadas na 
obtenção de diversas fontes de energia. O Brasil se destaca no cenário 
internacional  por  apresentar  um  alto  percentual  de  oferta  de  energia 

1  Estudante  de  Pós  Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade  pela 


Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Bibliotecária do Instituto de 
Biociências da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro/SP. 

11
renovável  proveniente  de  biomassa  (álcool  e  biodiesel)  e  hidráulica, 
em relação aos demais países.  
É com o objetivo de averiguar esse cenário que o presente estudo 
é  desenvolvido.  O  trabalho  visa  uma  breve  análise  da  evolução 
histórica  do  uso  do  etanol  e  das  questões  econômicas,  ambientais, 
tecnológicas e sociais relacionadas ao setor.  
O  caso  do  uso  do  etanol  como  combustível  no  Brasil  é 
fundamental para que sejam compreendidas as questões tecnológicas 
e  ambientais  relacionadas  a  fontes  de  energia  e  se  reflita  sobre  a 
contribuição  da  Ciência  e  Tecnologia  para  a  solução  dos  problemas 
sociais do país. 
 
2 Etanol como combustível 
 
O etanol2 (álcool etílico) é uma substância com fórmula molecular 
C2H6O,  cuja  estrutura  é  apresentada  na  Figura  1,  que  pode  ser 
utilizada  como  combustível  em  motores  de  combustão  interna  com 
ignição  por  centelha (ciclo  Otto3)  de duas  maneiras, basicamente: em 
misturas de gasolina e etanol anidro; ou como etanol puro, geralmente 
hidratado  (BIOETANOL...,  2008).  Utilizado  também  como  “solvente 
industrial, anti‐séptico, conservante, componente de diversas bebidas, 
em  desinfetantes  domésticos  e  hospitalares,  e  solventes  de  fármacos 
importantes” (MARTIN, 2001 apud ANDRADE, 2009, p. 23). 
O etanol como combustível pode ser produzido a partir de várias 
matérias‐primas, como milho, trigo, beterraba e cana‐de‐açúcar. Trata‐
se  de  uma  fonte  de  energia  natural,  limpa,  renovável,  sustentável  e 
mais  democrática  do  que  os  combustíveis  fósseis.  No  Brasil,  existe  o 

2 O termo etanol é mais empregado em nível mundial, mas no Brasil utilizam‐
se os termos álcool (etílico) hidratado e álcool (etílico) anidro. 
3  O  motor  é  uma  máquina  que  tem  como  função  transformar  algum  tipo  de 

energia em energia mecânica. No caso de um motor de combustão interna 
(ciclo  Otto),  é  utilizada  a  energia  térmica  gerada  pela  combustão  do 
combustível para gerar a energia mecânica. O movimento das peças de um 
motor  veicular  gera  energia  para  o  movimento  do  próprio  veículo. 
Disponível  em:  http://www.fram.com.br/pdf/leve/modulo02.pdf.  Acesso 
em: 20 jun. 2010. 

12
etanol hidratado, com 5% de água, que abastece os automóveis flex, e 
o  etanol  anidro,  com  0,5%  de  água,  misturado  na  gasolina  numa 
proporção de 20% a 25% (UNIÃO..., 2008, p. 3). 
 

 
    
FIGURA 1: Fórmula estrutural e modelo espacial. 
 
O  etanol  produzido  de  cana‐de‐açúcar  surgiu  no  Brasil  por  duas 
razões:  a  necessidade  de  amenizar  as  sucessivas  crises  do  setor 
açucareiro  e  a  tentativa  de  reduzir  a  dependência  do  petróleo 
importado.  Nesse  sentido,  no  início  do  século  XX,  ocorreram  as 
primeiras  ações  de  introdução  do  etanol  na  matriz  energética 
brasileira.  Em  1925,  surgiu  a  primeira  experiência  brasileira  com 
etanol  combustível.  Em  1933,  o  governo  de  Getúlio  Vargas  criou  o 
Instituto  do  Açúcar  e  do  Álcool  –  IAA  e,  pela  Lei  nº  737,  tornou 
obrigatória a mistura de etanol na gasolina. 
 
2.1 Programa Nacional do Álcool (Proálcool) 
 
Em  1975,  foi  lançado  o  Programa  Nacional  do  Álcool  (Proálcool)4, 
cujo objetivo maior era a redução da dependência nacional em relação 
ao  petróleo  importado.  Naquele  momento,  o  Brasil  importava, 
aproximadamente,  80%  do  petróleo  consumido,  o  que  correspondia  a 
cerca  de  50%  da  balança  comercial.  Àquela  época,  ainda  não  havia  a 
percepção  da  influência  da  emissão  de  CO2  durante  a  queima  de 
combustíveis fósseis no bem‐estar da humanidade. Embora cientistas já 
viessem alertando o público e os governos quanto às conseqüências do 

4 Criado pelo Decreto 76.593/75. 

13
aumento  da  densidade  de  gases  de  efeito  estufa  (GEE)  na  atmosfera, 
nenhum país adotou qualquer medida restritiva (XAVIER, 2007). 
O  Proálcool  é  considerado  o  maior  programa  do  mundo  de 
utilização  comercial  da  biomassa  para  produção  e  uso  de  energia, 
demonstrando  a  viabilidade  técnica  da  produção  em  larga  escala  de 
etanol  a  partir  da  cana‐de‐açúcar  e  do  seu  uso  como  combustível 
automotivo.  De acordo com Mendonça et al. (2008), “sobretudo em seu 
início,  o  Proálcool  foi  fortemente  calcado  em  políticas  públicas  que 
tinham como objetivo fomentar a produção e o uso de etanol no Brasil”. 
 
Durante a segunda metade da década de 1980, no entanto, o programa do 
etanol brasileiro começou a ter problemas. Enormes déficits fiscais e altas 
inflações  levaram  o  Brasil  a  iniciar  reformas  econômicas,  que  incluíram 
um  corte  de  produção  de  subsídios  ao  etanol.  Ao  mesmo  tempo,  os 
preços mundiais do petróleo caíram acentuadamente durante 1985‐1986, 
eliminando o benefício dos consumidores de substituição da gasolina por 
etanol. A economia tornou‐se ainda mais desfavorável em 1988 quando o 
preço  mundial  do  açúcar  aumentou  consideravelmente  e,  ao  mesmo 
tempo, o governo liberalizou o mercado de exportação de açúcar. Como 
resultado,  os  plantadores  das  culturas  de  cana  foram  desviados  para  as 
exportações de açúcar, levando a uma grave escassez de etanol durante o 
segundo  trimestre  de  1989.  Em  resposta,  o  governo  autorizou  a 
importação  de  etanol  e,  ironicamente,  o  Brasil  se  transformou  em  um 
importador  de  etanol  líquido.  Motoristas  pararam  de  comprar  carros 
movidos  a  etanol,  e  os  fabricantes  pararam  de  produzi‐los.  Em  meados 
da  década  de  1990,  apenas  os  táxis  e  alguns  veículos  estavam  sendo 
produzidos para rodar com etanol (XAVIER, 2007, p. 5). 
 
2.2 Inovação tecnológica: veículos flex‐fuel 
 
Se  no  fim  do  século  XX  e  início  do  XXI  havia  pouco  interesse  e 
grande  desconfiança  dos  consumidores  brasileiros  pelos  veículos 
movidos a etanol, principalmente devido à escassez de fornecimento do 
combustível  na  década  anterior,  logo  essa  situação  mudaria  devido  à 
elevação  do  preço  do  petróleo  e  da  gasolina  e  ao  surgimento  de  uma 
nova  tecnologia  que  traria  segurança  aos  compradores  de  veículos 
movidos a etanol. Em 2003 surgiram os veículos bicombustível, também 

14
conhecidos  como  flex‐fuel5,  os  quais  podem  usar  indiscriminadamente 
álcool ou gasolina, sem a necessidade de nenhuma adaptação ou ajuste. 
Esta  inovação  tecnológica  teve  grande  aceitação  por  parte  dos 
consumidores que a partir de então podiam optar pelo etanol enquanto 
este  estivesse  mais  barato  que  a  gasolina  ou  usar  a  gasolina  caso 
houvesse escassez de etanol (FERREIRA; PRADO; SILVEIRA, 2009). 
 
O  forte  aumento  dos  preços  do  petróleo  a  partir  de  2004,  a  tradição  do 
consumidor  brasileiro  que  tinha  pleno  conhecimento  das  qualidades  do 
álcool  etílico  como  combustível  substituto  da  gasolina;  a  vantagem 
econômica  que  a  relação  de  preços  do  álcool  com  aquele  combustível 
fóssil  proporcionava  e  a  aposta  das  montadoras  de  veículos  no  novo 
produto fez o mesmo ganhar a preferência dos consumidores e permitiu 
um surpreendente sucesso de vendas, que resultou, no período de cinco 
anos,  numa  frota  que  já  supera  os  seis  milhões  de  unidades 
comercializadas e cujos níveis atuais de participação no total dos veículos 
novos vendidos no Brasil é de 92,0% (BRESSAN FILHO, 2008, p. 6). 
 
Dos  anos  2002  até  os  dias  atuais,  as  inovações  tecnológicas 
ocorridas na indústria automobilística, como o lançamento dos carros 
flex‐fuel, e a problemática das questões ambientais, levou o governo a 
buscar fontes renováveis de energia.  
Atualmente, o recurso de maior potencial para geração de energia 
elétrica no País é o bagaço de cana de açúcar6. Diante da necessidade 

5  Veículos  com  motores  que  trabalham  com  álcool  ou  gasolina/  ou  qualquer 
mistura  de  gasolina.  No  caso  brasileiro,  os  carros  flex‐fuel  podem  rodar 
tanto com o álcool hidratado como com a gasolina C (que contém a mistura 
de 25% de álcool anidro). 
6 As fibras do bagaço da cana contêm, como principais componentes, cerca de 

40% de celulose, 35% de hemicelulose e 15% de lignina, sendo este último 
responsável  pelo  seu  poder  calórico.  A  celulose  e  a  hemicelulose  são  as 
duas  formas  de  carboidratos  mais  abundantes  da  natureza  e  representam 
um  potencial  de  reserva  para  a  obtenção  de  produtos  de  interessse 
comercial.  Ambas  representam  cerca  de  70%  do  peso  seco  de  todos  os 
resíduos  agrícolas,  como  aqueles  provenientes  da  industrialização  do 
milho,  arroz,  soja,  trigo,  cana‐de‐açúcar,  entre  outros,  e  do  processamento 
de  frutas  como  laranja,  maçã  e  abacaxi.  Disponível  em:  http://revista 
pesquisa.fapesp.br/?art=378&bd=1&pg=1&lg=. Acesso em: 20 jun. 2010. 

15
de  um  mundo  sustentável,  a  procura  por  fontes  de  energia  que 
substituam os derivados de petróleo é cada vez maior. A redução de 
custos,  em  relação  ao  petróleo,  vantagens  ambientais  e  geração  de 
emprego e renda no setor rural – quando se faz uso da agroenergia – 
são  questões  relevantes  na  busca  de  inovação  tecnológica  para  a 
produção de combustíveis.  
 
O  Brasil  é  o  maior  produtor  mundial  de  álcool  combustível  e  possui  os 
menores custos de produção. A matéria‐prima utilizada no país é a cana‐
de‐açúcar  que  após  a  extração  do  caldo,  gera  o  bagaço  que  pode  ser 
queimado gerando calor para o processo e energia elétrica para a usina. 
Isto  contribui  para  que  o  custo  com  energia  seja  próximo  de  zero, 
contribuindo  também  para  o  aumento  da  competitividade  das  unidades 
brasileiras. Somam‐se a isto os anos de experiência da indústria brasileira, 
a busca por técnicas agrícolas e industriais mais produtivas, a inserção de 
novas  tecnologias,  a  existência  de  mão‐de‐obra  qualificada  e  a 
possibilidade  da  mesma  usina  produzir  álcool  e/ou  açúcar.  Todas  essas 
características  aumentam  a  vantagem  comparativa  da  indústria 
sucroalcooleira na produção do álcool combustível (SOUZA, 2006, p. 47). 
 
Com  o  aumento  das  preocupações  ambientais,  o  etanol  reúne 
vantagens  significativas  em  relação  aos  combustíveis  fósseis,  em 
especial à gasolina, nos três pilares que compõem o desenvolvimento 
sustentável,  ou  seja:  ambiental,  social  e  econômico  (STRAPASSON; 
JOB, 2006). 
 
2.3 Etanol: Economia, Ambiente, Tecnologia e Sociedade. 
 
2.3.1 Questão econômica 
   
Destinado  à  substituição  da  gasolina,  o  etanol  combustível  tem 
sua  competitividade  diretamente  influenciada  pela  evolução  dos 
preços do petróleo no mercado internacional.   
 
Na questão econômica, a produção e comercialização do etanol e do óleo 
de soja contribuirão com elevação dos rendimentos de produtores rurais, 
agroindústrias,  arrecadação  de  tributos  pelos  Governos  Municipais, 
Estaduais  e  Federais  em  face  à  produção  de  bens  com  valor  agregado 

16
com  elevada  demanda  interna  e  externa;  desenvolvimento  de  regiões 
produtoras  e  processadoras  com  formação  de  novos  pólos  industriais, 
principalmente,  pela  utilização  como  biocombustíveis  para  substituição 
parcial  de  combustíveis  de  fontes  não  renováveis  ou  incorporação  na 
matriz energética de países e blocos econômicos (SCHVARZ SOBRINHO 
et al., 2007, p. 9). 
 
2.3.2 Questão ambiental 
 
O  etanol  de  cana‐de‐açúcar  é  tido  como  o  mais  benéfico  dos 
combustíveis,  na  redução  de  gases  causadores  do  efeito  estufa7,  com 
melhor balanço energético e menor custo de produção. 
Isso porque a produtividade do etanol de cana‐de‐açúcar é muito 
mais alta quando comparada à produtividade do etanol produzido de 
milho.  Em  média,  são  produzidos  7  mil  litros  de  etanol  por  hectare 
(ha)  de  cana‐de‐açúcar  e  apenas  3  mil  litros  por  ha  de  milho.  Além 
disso, a quantidade de petróleo utilizada no processo é menor, já que 
a  energia  para  o  funcionamento  da  usina  é  retirada  do  bagaço.  No 
etanol  de  cana,  são  geradas  oito  unidades  de  energia  para  cada 
unidade  de  energia  gasta  de  petróleo  na  produção.  No  milho,  essa 
relação  é  de  1,5.  Essa  diferença  tem  forte  impacto  na  redução  das 
emissões de GEE. Ao se substituir o petróleo pelo etanol de cana‐de‐
açúcar, a emissão evitada de CO2  é de 80%. No milho, está em apenas 
35% (LANDIM, 2008). 
 
O  etanol  proveniente  da  cana‐de‐açúcar  se  diferencia  pelo  seu  reduzido 
impacto  ambiental  em  relação  às  fontes  fósseis  de  energia.  Inicialmente, 
cabe  salientar  que  qualquer  forma  de  agricultura  apresenta  algum 
impacto  ambiental,  haja  vista  sua  interferência  na  dinâmica  natural  da 
biodiversidade  local.  Contudo,  isso  não  invalida  seu  uso  estratégico  e 
sustentável. Utilizando‐se práticas adequadas de manejo e respeitando‐se 

7  O  efeito  estufa  é  uma  manifestação  da  Terra  para  manter  sua  temperatura 
estável.  É  constituído  pela  ação  dos  gases  dióxido  de  carbono,  óxidos  de 
azoto,  metano  e  ozônio  presentes  na  atmosfera  que  liberam  raios 
infravermelhos  sobre  a  Terra  onde  65%  deles  ficam  retidos  e  35%  dessa 
radiação  voltam  para  o  espaço.  Disponível  em:  http://www.mundo 
educacao.com.br/geografia/efeito‐estufa.htm.  Acesso em: 20 jun. 2010. 

17
critérios  ambientais  específicos  para  cada  cultura  e  região,  pode‐se 
reduzir  muito  os  possíveis  impactos  ambientais  gerados  e  garantir  a 
sustentabilidade do meio às gerações futuras (STRAPASSON; JOB, 2006, 
p. 53). 
 
Por  outro  lado,  a  produção  do  álcool  ainda  traz,  em  muitas 
regiões,  impactos  ambientais  negativos,  decorrentes  da  queima  dos 
canaviais,  do  despejo  do  vinhoto  e  da  excessiva  utilização  dos 
recursos hídricos disponíveis. 
Quanto  à  questão  ambiental,  no  Estado  de  São  Paulo,  um  passo 
importante  foi  dado  com  a  lei  11.241  de  2002  que  prevê  o  término 
gradativo  das  queimadas.  Para  cumprir  essa  lei,  produtores  têm 
investido  fortemente  em  mecanização  da  colheita  e  inclusive 
assinaram,  por  meio  de  sua  entidade  representante  UNICA  –  União 
da Indústria de Cana‐de‐açúcar, o Protocolo Agroambiental proposto 
pela  Secretaria  do  Meio  Ambiente  do  Estado  de  São  Paulo, 
antecipando  os  prazos  finais  para  término  nas  queimadas  para  2014 
em  área  mecanizáveis  e  2017  para  áreas  não  mecanizáveis.  Com  a 
mecanização  da  colheita,  evita‐se  a  queima  do  canavial,  reduzindo  a 
emissão de CO2 e o impacto ambiental (PINTO, 2010; UNICA, 2008). 
 
2.3.3 Questão social 
 
Por  se  tratar  de  atividade  agro‐industrial,  a  produção  de  álcool 
incorpora benefícios sociais relevantes, relacionados com a geração de 
empregos e com a elevação da renda no meio rural.   
 
A geração de empregos (agrícolas e industriais) tem sido um dos pontos 
fortes  da  indústria  da  cana.  Há  grandes  diferenças  regionais  e  as 
características  do  emprego  têm  mudado  nos  últimos  trinta  anos;  mas  o 
fato  é  que  o  programa  do  álcool  ajudou  a  reverter  a  migração  para  as 
áreas  urbanas  e  melhorar  a  qualidade  de  vida  em  muitas  localidades 
(AVALIAÇÃO..., 2004, p. 28). 
 
A  criação  de  oportunidades  de  trabalho  e  a  perspectiva  de  sua 
distribuição  entre  trabalhadores  do  valor  agregado  na  cadeia  produtiva 
são  duas  das  características  mais  importantes  da  bioenergia  e,  em 
particular,  do  bioetanol  de  cana‐de‐açúcar  constituindo  um  diferencial 

18
relevante  entre  essa  tecnologia  energética  e  suas  congêneres 
(BIOETANOL..., 2008, p. 214). 
   
Nos  últimos  anos,  o  crescimento  da  mecanização  do  cultivo  da 
cana‐de‐açúcar,  em  especial  da  etapa  de  colheita,  tem  levado  a  uma 
diminuição da oferta de emprego no setor. Apesar dessa diminuição, a 
agroindústria  canavieira  deve  continuar  como  uma  das  maiores 
empregadoras  rurais  do  país.  Um  aspecto  positivo  da  mecanização  é 
que os postos de trabalho que estão sendo criados no campo – operador 
de colhedora, por exemplo – além dos postos de trabalho na indústria 
de  equipamentos  para  mecanização  da  cultura,  proporcionam  melhor 
remuneração do trabalhador. Por outro lado, exigem melhor formação 
escolar e capacitação específica, o que pode significar uma barreira de 
acesso aos trabalhadores que estão perdendo seus postos de trabalho – 
cortadores de cana‐de‐açúcar, por exemplo. 
A diminuição do impacto econômico‐social para os trabalhadores 
menos qualificados que perderão seus empregos é um dos principais 
desafios  impostos  pela  mecanização  a  serem  resolvidos.  A  forma 
genérica como esse tema é abordado na Lei 11.241/02 indica ao mesmo 
tempo  sua  importância  como  o  desconhecimento  sobre  como 
enfrentá‐lo (PINTO, 2010). 
 
2.3.4 Questão tecnológica 
   
Durante a evolução do Programa Nacional do Álcool, observou‐se 
um notável desenvolvimento tecnológico relacionado não apenas com 
as  atividades  industriais  e  agrícolas  do  Setor  Sucroalcooleiro,  mas, 
principalmente,  com  a  produção  de  veículos  que  utilizam  o  álcool 
hidratado e a mistura de gasolina e álcool anidro, como é o caso dos 
veículos flex‐fuel. 
 
3 Conclusão 
 
As fontes de energia renováveis apontam para uma nova visão de 
mundo  voltada  para  a  utilização  eficiente  dos  recursos  produtivos 
bem  como  para  ganhos  em  termos  mais  globais.    A  diminuição  de 

19
poluentes  na  atmosfera  e  o  consumo  de  produtos  mais  limpos  e 
renováveis  geram  ganhos  potenciais,  tanto  em  âmbito  ambiental 
quanto econômico.  
O  etanol  de  cana‐de‐açúcar  contribui  significativamente  para  a 
matriz energética nacional e para as metas ambientais globais, sendo 
uma oportunidade energética para o desenvolvimento do Brasil. 
Apesar  de  todas  as  vantagens  e  da  contribuição  ao 
desenvolvimento sustentável do país, além de fatores como incentivos 
à  sua  demanda,  regulações  da  sua  oferta  e  padronização  das  suas 
características  técnicas,  os  aspectos  ambientais  e  sociais  devem  ser 
priorizados  de  modo  que  os  danos  potenciais  associados  à  expansão 
da sua produção sejam minimizados ou evitados, cabendo ao setor e à 
sociedade  brasileira  uma  análise  crítica  das  suas  deficiências 
ambientais e sociais. 
 
 
 
Referências 
 
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Química Universidade de Brasília, Brasília, 2009. 

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de  Gestão  e  Estudos  Estratégicos  (CGEE),  2004.  73  p.  Disponível  em: 
<http://www.cgee.org.br/atividades/consultaProduto.php?f=1&idProduto=183
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estatística  e  projeção  do  consumo  doméstico  e  exportação  de  álcool  etílico 
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20
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UNIÃO  DA  AGROINDÚSTRIA  CANAVIEIRA  DE  SÃO  PAULO  –  ÚNICA. 


Etanol uma atitude inteligente: Como e por que o álcool combustível melhora a 
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XAVIER, M. R. The brazilian sugarcane ethanol experience. Advancing Libert From 
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heartland.org/custom/semod_policybot/pdf/20894.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2010. 

21
 
PRODUÇÃO CIENTÍFICA VERSUS PATENTEAMENTO NA 
AMAZÔNIA: ESTUDO SOBRE O CUPUAÇU  
(THEOBROMA GRANDIFLORUM) 
 
Angela Emi Yanai  1

Leandro Innocentini Lopes de Faria [Orientador] 
 
 
Introdução 
 
Muitos  pesquisadores  dedicaram‐se  a  descoberta  de  novas 
espécies  animais  e  vegetais  na  Amazônia,  entretanto,  extensas  áreas 
continuam inexploradas pelo homem. Segundo Vieira (s.d.), estima‐se 
que a  Amazônia  abriga  50%  das  espécies  de  aves  do  Brasil, 40%  dos 
mamíferos e 30% dos anfíbios anuros (sapos, rãs e pererecas). Somente 
no  estado  do  Acre,  onde  as  pesquisas  e  coletas  de  organismos  estão 
concentradas  em  algumas  áreas  do  território,  calcula‐se  que  as 
espécies  de  algas  microscópicas  cheguem  a  463,  a  vegetação  mais  de 
4.000,  os  peixes  mais  de  270,  os  anfíbios  126,  as  aves  723,  e  os 
mamíferos cerca de 210 espécies. 
Acreditas‐se que de aproximadamente 500 mil espécies de plantas 
do planeta, 16% estão presentes na Amazônia brasileira, desta forma, 
a  biodiversidade  da  região  amazônica  é  considerada  a  maior  fonte 
natural  do  mundo  para  fins  científicos  e  econômicos,  porém,  menos 
de 10% foram estudadas quimicamente (BARBOSA, 2001). 
Instituições  brasileiras  de  pesquisa,  principalmente  aquelas 
locadas  na  Amazônia  vêm  realizando  estudos  fármacos,  químicos, 
dentre  outros;  com  o  intuito  de  descobrir  possíveis  e  viáveis 
aplicações  medicinais,  fitoterápicas  e  cosméticas  de  plantas 
amazônicas.  Alguns  frutos  amazônicos  (açaí,  camu‐camu,  guaraná, 
castanha, cupuaçu, etc) já são produzidos em grande escala e possuem 

                                                            
1  Mestranda  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e 
Sociedade  da  Universidade  Federal  de  São  Carlos.  Bolsista  da  Fundação  de 
Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas ‐ FAPEAM

  23
aplicações  em  diversos  setores  como:  alimentício,  cosmético, 
medicinal, entre outros.  
Neste  contexto,  o  cupuaçu  (Theobroma  grandiflorum),  objeto  de 
estudo  deste  trabalho,  é  um  fruto  de  origem  amazônica,  da  mesma 
família  que  o  cacau  (Theobroma  cacao).  A  polpa  do  cupuaçu  é 
frequentemente  utilizada  em  sorvetes,  sucos,  vitaminas,  geléias, 
cremes,  bombons,  entre  outros.  Do  processamento  das  sementes  do 
cupuaçu obtêm‐se produtos semelhantes ao da semente do cacau, tais 
como: o cupulate, similar ao chocolate, porém, diferencia‐se deste por 
possuir  concentração  menor  de  cafeína;  a  manteiga  de  cupuaçu  que 
pode  ser  obtido  de  forma  mais  econômica  que  a  manteiga  de  cacau, 
além de ser aplicada na produção de cupulate em tabletes e no setor 
cosmético (KAMINSKI, 2006). 
O  cupuaçu  também  foi  alvo  de  muitos  debates  vinculados  a 
propriedade  intelectual,  principalmente,  quando  a  empresa  japonesa 
Asahi  Foods  obteve  o  registro  da  marca  “cupuaçu”  na  União 
Européia,  no  Japão  e  nos  Estados  Unidos,  impedindo  que  qualquer 
outro  produto  que  apresentasse  o  nome  do  fruto  entrasse  nestes 
países.  Todavia,  a  empresa  teve  seu  registro  anulado  pelo  Escritório 
de Marcas e Patentes Japonês (BIOPIRATARIA..., 2003). 
O  cupuaçu  é  apenas  um  caso  entre  muitos  outros,  onde, 
multinacionais  de  diversos  países  obtém  a  concessão  de  patentes  de 
produtos  cosméticos,  alimentícios  entre  outros  oriundos  da  fauna  e 
flora amazônica. Desta maneira, esta pesquisa visa analisar as relações 
entre  a  produção  científica  e  a  propriedade  intelectual  mundial  no 
contexto amazônico, por meio do estudo do cupuaçu. 
 
1. Reflexões acerca das pesquisas e patentes na Amazônia 
 
A  Amazônia  possui  uma  grande  biodiversidade  ainda 
desconhecida  pela  humanidade  e  nos  últimos  anos  tem  sido  foco  de 
grandes debates ambientais, econômicos e políticos. Devido ao grande 
interesse  na  flora  e  fauna  desta  região,  uma  soma  considerável  de 
verba  nacional  e  internacional  vem  sendo  destinada  à  pesquisa  e  o 
desenvolvimento  da  Amazônia.  Porém,  nota‐se  a  preocupação  da 

24  
sociedade  com  questões  como  a  biopirataria,  patenteamento  de 
produtos oriundos da região por grandes organizações, entre outros. 
No  que  diz  respeito  à  cooperação  científica,  Fujiyoshi  (2004) 
afirma  que  os  grandes  projetos  de  pesquisa  na  Amazônia  possuem 
participação  de  algum  órgão  internacional,  tanto  com  pesquisadores 
quanto  como  financiadores,  desta  maneira,  boa  parte  da  produção 
científica sobre a Amazônia é fomentada por agências internacionais. 
Estudo realizado por Schor (2007, p. 363) a respeito do programa 
de  pesquisa  com  cooperação  internacional  denominado  Experimento 
de Grande Escala de Biosfera‐Atmosfera na Amazônia (LBA), que visa 
analisar  a  interação  biosfera‐atmosfera  da  região  amazônica  e  a  sua 
influência  na  mudança  climática  local  e  mundial,  constatou  que  “a 
discussão  acerca  da  influência  estrangeira  na  pesquisa  realizada  na 
região amazônica assume recorrentemente um discurso de proteção à 
soberania  nacional”.  O  mesmo  pode  ser  notado  a  respeito  da 
propriedade intelectual vinculada a fauna e flora amazônica.  
As inquietações relativas à cooperação internacional na Amazônia 
são justificáveis, entretanto, são decorrentes da debilidade financeira e 
de  recursos  humanos  das  instituições  de  ensino  e  pesquisas 
localizadas  na  região,  desta  forma,  dependentes  de  recursos 
internacionais  para  sua  manutenção.  Com  a  criação  da  Fundação  de 
Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM e incentivos 
do governo brasileiro para o desenvolvimento científico e tecnológico 
região Norte este cenário tem se modificado (SCHOR, 2007). 
Apesar  das  preocupações  oriundas  da  pesquisa  realizada  com 
colaboração  internacional,  hoje,  é  impossível  pensar  no 
desenvolvimento  científico  realizado  isoladamente  e  apenas  no 
âmbito nacional. Para José Gomes (apud FUJIYOSHI, 2004, p.10) “[...] 
é ingenuidade achar que o Brasil é auto‐suficiente para fazer pesquisa 
na  Amazônia”,  contudo,  destaca  a  necessidade  das  parcerias 
igualitárias. 
Acerca da propriedade intelectual, vale destacar que, a patente é um 
título de propriedade industrial concedida pelos governos e expedida por 
instituições como o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI 
no  Brasil,  United  States  Patent  and  Trademark  Office  ‐  USPTO  nos 
Estados  Unidos  e  a  European  Patent  Office  ‐  EPO  na  Europa,  cujo 

  25
objetivo é outorgar o direito exclusivo de exploração e monopólio de um 
produto,  dentro  dos  limites  territoriais  de  cada  instituição  por  um 
determinado  período  de  tempo  estabelecido  pela  lei  de  propriedade 
industrial. Segundo Márquez e López López (1997, p. 182): 
 
Cada año se solicitan en el mundo más de medio millón de invenciones 
distintas, y la colección mundial de patentes se estima en 32 millones, por 
lo  que  se  puede  decir  que  la  literatura  patente  ocupa  un  lugar  de  gran 
relevancia al lado de otras fuentes de información […]. 
 
Portanto,  as  patentes  são  importantes  indicadores  de  ciência, 
tecnologia e inovação tanto no contexto nacional quanto internacional, 
ademais, apresentam informações mais recentes, possui uma estrutura 
uniforme que permite extrair eficazmente a informação que se deseja, 
contém  conhecimentos  que  não  são  publicadas  em  outras  fontes  de 
informação,  apresenta  a  tecnologia  aplicada  na  indústria  em  nível 
mundial, entre outros. 
Pode‐se  dizer  que  o  Brasil  valorizou  por  muito  tempo,  apenas,  a 
produção  científica  em  detrimento  das  patentes.  Por  um  lado, 
provenientes  do  desconhecimento  e  preconceitos  da  comunidade 
científica,  por  outro,  derivado  do  excesso  de  burocracia,  recursos 
financeiros escassos e a lentidão na concessão das patentes no país. 
Uma pesquisa realizada por Müller e Carminatti (2003), constatou 
no período que a área brasileira de produtos naturais possuía cerca de 
70 grupos de pesquisa, destes 900 profissionais na área de química de 
produtos  naturais  e  1500  em  fármacos.  Entre  1986  e  1995,  foram 
publicados aproximadamente 1950 resumos sobre plantas medicinais 
em eventos nacionais. Respectivamente, foram analisados os pedidos 
de  patentes  depositados  no  INPI,  e  as  patentes  de  instituições 
nacionais, assim, as autoras chegaram aos seguintes resultados:   
 
Essa  busca  em  documentos  de  patente  identificou  que,  desse  total,  80 
plantas  apresentam  seus  extratos  ou  princípios  ativos  isolados  como 
objeto de pedidos de patente ou patentes concedidas. Foram identificados 
234  documentos  de  patente  que  reivindicavam  extratos  de  plantas, 
princípios  ativos  isolados,  métodos  de  tratamento,  processos  de 
isolamento/purificação  e  composições  farmacêuticas  contendo  ditos 
extratos  e/ou  princípios  ativos  isolados.  Desse  total,  apenas  13  são  de 

26  
titulares  nacionais  o  que  mostra  a  reduzida  habilidade  das  instituições 
nacionais para lidarem com questões relativas à propriedade intelectual e 
transferência de tecnologia. (MÜLLER; CARMINATTI, 2003, p. 4) 
 
Ainda  há  um  longo  caminho  para  o  Brasil,  até  ser  capaz  de 
transformar  o  conhecimento  científico  e  tecnológico  em  patentes, 
entretanto,  hoje  é  possível  notar  o  incentivo  a  inovação  e 
principalmente  a  propriedade  intelectual  por  parte  do  governo2  e 
agências  de  fomento,  e  o  esforço  das  instituições  de  pesquisa  e 
acadêmicas  em  divulgar  e  conscientizar  pesquisadores,  docentes  e 
discentes quanto ao tema. 
A  valorização  de  produtos  naturais  por  parte  da  sociedade 
contribuiu,  significativamente,  para  o  interesse  de  grandes 
companhias  internacionais  por  novos  princípios  ativos  oriundos  da 
natureza,  a  fim  de  atender  as  exigências  do  mercado  e  manterem‐se 
competitivas  em  diversos  setores  comerciais.  Todavia,  é  necessário 
um alto investimento em pesquisa e desenvolvimento, que representa 
uma  grande  debilidade  para  o  Brasil,  por  outro  lado,  os  países 
desenvolvidos  possuem  toda  a  estrutura  para  produção  de  novas 
descobertas  em  biotecnologia,  mas  possuem  uma  escassa 
biodiversidade (MOREIRA; ANTUNES; PEREIRA JÚNIOR, 2004).  
Desta maneira, a Amazônia tem sido alvo de polêmicas ligadas à 
propriedade  intelectual,  principalmente,  decorrentes  de  patentes 
vinculadas  à  fauna  e  flora  amazônica.  Santos  (s.d.)  afirma  que  a 
biodiversidade  amazônica  tornou‐se  foco  da  cobiça  mundial, 
sobretudo a partir da compreensão do valor da biodiversidade para o 
desenvolvimento da biotecnologia, com possibilidade de alto retorno 

                                                            
2“Com  o  objetivo  de  apresentar  alguns  esforços  que  estão  sendo  feitos  pelo 
governo  brasileiro  há  que  se  destacar  o  Projeto  de  Lei  da  Inovação  No. 
7.282/02,  que  dispõe  sobre  diretrizes  gerais  para  o  incentivo  à  pesquisa  e  à 
inovação tecnológica, em conformidade com o disposto nos arts. 218 e219 da 
Constituição  Federal.  A  mesma  apresenta  como  um  de  seus  destaques  a 
obrigatoriedade  de  que  a  instituição  científica  e  tecnológica  disponha  de um 
núcleo de inovação tecnológica para orientar o patenteamento e licenciamento 
da tecnologia” (MÜLLER; CARMINATTI, 2003, p. 2).

  27
econômico  para  as  empresas  através  de  diversos  produtos, 
especialmente os farmacológicos. 
 
2. Metodologia 
 
O  arcabouço  metodológico  deste  trabalho  compõe‐se  do 
delineamento  das  bases  de  dados,  definição  dos  termos  de  busca, 
coleta  e  recuperação  de  dados,  análise  bibliométrica,  representação 
gráfica e análise das informações. 
 Para o estudo da produção científica optou‐se em utilizar a Web of 
Science  por  ser  uma  base  de  dados  multidisciplinar  com  informações 
indexadas desde 1945, reconhecida mundialmente por sua qualidade, 
facilidade  em  recuperação  e  tratamento  de  dados  para  produção  de 
indicadores  bibliométricos  e  possibilitar  a  visão  global  da  ciência  e 
tecnologia.  
No  que  tange  a  pesquisa  de  patentes,  selecionou‐se  a  base  de 
patentes  Derwent  Innovations  Index,  pois,  possui  informações  que 
datam  desde  1963,  apresenta  dados  padronizados,  família  de 
patentes3,  abrangência  internacional  e  facilidade  no  download  de 
referências,  sendo  amplamente  utilizada  para  produção  de 
indicadores de inovação tecnológica. 
Para  a  coleta  e  recuperação  de  dados  relevantes,  é  essencial 
conhecer  as  ferramentas  de  busca  disponíveis  nas  bases  de  dados, 
assim  como,  a  melhor  expressão  de  busca.  Portanto,  observou‐se  na 
literatura  o  nome  científico  do  cupuaçu  e  suas  sinonímias,  nomes 
comuns em português, inglês e espanhol, como pode ser visualizado 
abaixo. 
• Português – cupuaçu, cupu 
• Inglês ‐ Cupuasu, Copoasu, Cupuacu; cupuassu 
• Espanhol ‐ copoazú, cacao blanco 
                                                            
3  “[...]  define‐se  como  compreendendo  todos  os  documentos  possuindo  a 
mesma  prioridade  ou  combinação  de  prioridades.  Isto  inclui  todos  os 
documentos  de  patente  resultando  de  um  primeiro  pedido  apresentado  num 
dado  organismo  de  Propriedade  Industrial  e  do  mesmo  pedido  apresentado, 
dentro do período de prioridade, em organismos de Propriedade Industrial de 
quaisquer outros países.” (ESP@CENET, s. d.)

28  
•Nomes  científicos  ‐  Theobroma  grandiflorum;  Bubroma 
grandiflorum; Theobroma macrantha;  
Assim,  após  algumas  simulações  na  base  Web  of  Science  e 
Derwent Innovations Index, verificou‐se que o termo “cupu” não seria 
um  bom  termo,  uma  vez  que  recupera  artigos  e  patentes  que  não 
possuem  relação  com  o  fruto,  deste  modo,  a  expressão  de  busca 
delimitada para a pesquisa apresenta‐se a seguir.  
 
Topic4=(cacao  Blanco  or  Copoas*  or  Copoazu*  or  Copuaz*  or  Cupuacu* 
or  Cupuassu*  or  Cupuasu*  or  Cupuasu*  or  Pupuacu*  or  Bubroma 
grandiflorum or Theobroma macrantha or Theobroma grandiflorum) 
 
As  pesquisas  nas  bases  de  dados  foram  realizadas  em  junho  de 
2010,  sendo  recuperados  106  trabalhos  científicos  na  Web  of  Science, 
dos quais foram selecionados apenas os artigos, reviews e notas para 
o tratamento bibliométrico, totalizando 96 documentos; e 55 patentes 
relacionados ao cupuaçu na Derwent.  
Para a análise bibliométrica5, ou seja, tratamento e quantificação dos 
dados recuperados nas bases de dados, foi utilizado o software Vantage 
Point, ferramenta que auxilia na contagem, padronização e organização 
de texto ou palavras. Por fim, foram elaboradas as representações gráficas 
por intermédio do Excel e análise das informações.  
 
3. Análise dos dados 
 
As  análises  apresentadas  referem‐se  às  buscas  realizadas  no  mês 
de  junho  de  2010,  desta  forma,  os  dados  referentes  ao  ano  de  2010 
estão incompletos. 
As  pesquisas  realizadas  na  Web  of  Science  (WoS)  e  na  Derwent 
Innovations  Index  não  foram  delimitas  por  um  período  de  tempo, 
                                                            
4 Topic – o termo é pesquisado nos campos título, resumo, palavras‐chave.
5  “Conforme  Rostaing  (1997)  a  bibliometria  se  permite  estabelecer  relações  e 
análises  a  partir  de  contagens  estatísticas  de  publicações  ou  de  elementos 
extraídos destas publicações e tem por objetivo medir as produções (“output”) 
da  pesquisa  científica  e  tecnológica,  através  de  dados  originados  não  somente 
da literatura científica, mas também das patentes” (HAYASHI et. al., 2006, p.24). 

  29
pois,  o  objetivo  era  recuperar  todos  os  documentos  que  estivessem 
relacionados ao cupuaçu. 
 
3.1 Produção científica sobre Cupuaçu (Theobroma grandiflorum) 
 
As  publicações  referentes  ao  cupuaçu  variam  de  um  ano  para  o 
outro,  porém  em  2009  mostrou  maior  número  de  publicações  em 
relação aos outros anos (Gráfico 1). 
 
Gráfico 1‐ Produção científica nos últimos 10 anos sobre o cupuaçu 
 

 
 
As  baixas  publicações  sobre  o  cupuaçu  na  WoS  podem  estar 
ligadas ao fato da produção ser principalmente brasileira (Gráfico 2) e 
a  grande  maioria  dos  pesquisadores  publicarem  apenas  em  revistas 
nacionais,  especialmente  pelas  dificuldades  com  outros  idioma, 
quanto  aos  periódicos  brasileiros,  poucos  estão  indexadas  na  base, 
apesar  deste  número  ter  crescido  no  decorrer  dos  anos.  Conforme 
Targino  e  Garcia  (2002  apud  GUEDES  et.  al.,  2008)  em  1998  haviam 
8.000  revistas  técnico‐científicas  indexadas  na  base,  destes  apenas  17 
títulos eram do Brasil. 
 
 
 
 
 

30  
Gráfico 2‐ Divisão de publicações sobre cupuaçu por país 
 

 
 
Desta forma, dentre os principais periódicos que possuem artigos 
relacionados  ao  cupuaçu  e  estão  indexados  na  Web  of  Science,  3  são 
brasileiras  (Gráfico  3)  a  saber:  Pesquisa  Agropecuária  Brasileira  (8), 
Ciência  e  Tecnologia  de  Alimentos  (6)  e  a  Revista  Brasileira  de 
Fruticultura (4).  
 
Gráfico 3‐ Principais periódicos com publicações sobre o cupuaçu 
 

 
 
Entre as principais instituições que desenvolvem pesquisas com o 
cupuaçu (Gráfico 4), destaca‐se a Embrapa (24%), instituição nacional 

  31
de  referência  que  tem  como  missão  viabilizar  soluções  de  pesquisa, 
desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura a 
fim  de  beneficiar  a  sociedade  brasileira.  Outros  estabelecimentos  de 
ensino  e  pesquisa  no  Brasil  também  se  destacam  no  estudo  sobre  o 
cupuaçu:  USP  (17%),  UNICAMP  (12%)  e  o  INPA  (10%),  que  exerce 
um  papel  muito  importante  nas  pesquisas  e  descobertas  relativas  à 
Amazônia  em  cooperação  com  outras  instituições  brasileiras  e/ou 
internacionais.  Interessante  observa  ainda,  o  interesse  de  uma 
universidade portuguesa e duas alemãs: Universidade de Bayreuth e 
Hamburg. 
 
Gráfico 4 – Principais instituições com publicações sobre o cupuaçu 
 

 
 
Conforme  a  classificação  da  base,  as  principais  áreas  em  que  se 
concentram os estudos sobre o cupuaçu são: Ciência e Tecnologia de 
Alimentos  (34),  Agricultura  –  Multidisciplinar  (20)  e  Química  (17). 
Apesar  de  ter  participação  de  aproximadamente  0,7%  do  total  de 
publicações  de  origem  vegetal  no  mundo  na  última  década,  Palmas 
(s.d., p.1) observou a partir da produção científica brasileira que 
 
Esta  produção  científica  está  distribuída  nas  seguintes  proporções: 
farmacologia  de  produtos  naturais  33%,  botânica  27%, 
fitoquímica/química  medicinal  26%,  genéticas  de  plantas  6%, 

32  
bioquímica/biologia molecular 2%, etnobotância 3% e ecologia 3%. Estas 
proporções  indicam  claramente  que  embora  a  comunidade  científica 
brasileira  apresente  uma  boa  produção  em  áreas  tais  como  botânica, 
farmacologia  de  plantas  e  fitoquímica,  existe  ainda  uma  produção 
científica  muito  pequena  numa  área  fundamental  para  a  geração  de 
resultados  qualitativamente  importantes  e  na  formação  de  recursos 
humanos  especializados,  que  é  a  bioquímica/biologia  molecular  de 
plantas, que é a geradora de processos biotécnológicos neste caso. 
 
Gráfico 5 – Principais áreas com publicações sobre cupuaçu 
 

 
 
Desta forma, o autor afirma ainda que apesar da visibilidade e do 
destaque  que  o  Brasil  vem  ganhando  nos  últimos  anos  em  relação  à 
produção  científica  mundial,  isto  não  sucede  em  relação  às  patentes 
quando  comparado  a  outros  países  que  apresentam  produção 
científica e economia semelhantes ao do Brasil. 
 
3.2 Patentes de Cupuaçu (Theobroma grandiflorum) 
 
O  cupuaçu  foi  alvo  de  vários  debates  referentes  à  propriedade 
intelectual,  principalmente  por  ser  uma  planta  nativa  da  floresta 
amazônica  e  empresas  multinacionais  usufruírem  desta  para  obter 
lucros sem favorecer o Brasil.  
A pesquisa realizada na Derwent mostrou que entre as principais 
empresas  que  possuem  patentes  relacionadas  ao  cupuaçu  (Gráfico  6) 

  33
duas  são  japonesas  (Kuroda  Japan  KK  e  Arimino  KK),  quatro  são 
brasileiras  (PHB  Ind.,  Natura  Cosméticos,  Kehl  Ind.  e  Comércio  e 
Universidade  de  São  Paulo‐USP);  uma  coreana  (AmorePacific  Corp); 
uma alemã (Kuhs GMBH) e uma francesa (Lab Nuxe).  
O  Brasil  possui  muitas  pesquisas  e  publicações  referentes  ao 
cupuaçu frente  a  outros  países,  no  entanto,  nota‐se o  maior interesse 
de  asiáticos  e  europeus  neste  âmbito.  Isto  confirma  a  declaração  de 
Müller e Carminatti (2003), quando estas afirmam que as instituições 
nacionais  possuem  reduzida  habilidade  em  lidar  com  a  propriedade 
intelectual e a transferência tecnológica. 
 
Gráfico 6 – Principais empresas com patentes relacionadas ao cupuaçu 
 

 
 
No  gráfico  7 é  possível  verificar  a  oscilação  das  patentes  a  partir 
do ano de prioridade, ou seja, a data do primeiro depósito da patente 
no país de origem. Desta forma, houve um crescimento acentuado em 
2008 (20) e no ano seguinte este número cai para 5 patentes, conforme 
Martins (2002). 
 
Isto  ocorre  devido  ao  atraso  de  informação  referente  aos  anos  mais 
recentes,  que  é  uma  das  limitações  do  Derwent  Innovations  Index  e 
também  comum  a  todas  as  bases  de  dados  de  patente.  A  publicação  de 
patentes  segue  uma  dinâmica  diferente  da  publicação  de  artigos 
científicos  e  os  países  têm  diferentes  procedimentos  de  publicação  das 

34  
patentes. Na maior parte dos países, as patentes são publicadas 18 meses 
após a sua data de prioridade (data do depósito da patente no primeiro 
país  em  que  ela  foi  depositada),  independentemente  de  terem  sido 
concedidas,  indeferidas  ou  ainda  estarem  em  julgamento.  Os  Estados 
Unidos só publicam patentes após a sua concessão, o que leva cerca de 2 
anos  desde  o  depósito.  Esse  fato  faz  com  que  em  geral,  os  dados  de 
patentes  para  os  2  anos  mais  recentes  estejam  incompletos  e  torna‐se 
recomendável  que  as  patentes  sejam  utilizadas  em  estudos  de  períodos 
mais longos. (MARTINS, 2002, p. 9) 
 
Gráfico 7 – Ano de prioridade das patentes relacionadas ao cupuaçu 
 

 
 
As  principais  áreas  de  patenteamento  classificados  pela  própria 
base  estão  relacionados  no  gráfico  8,  onde,  destaca‐se  a  área  de 
Química  (54),  Ciência  dos  Polímeros  (19),  Farmacologia  e  Farmácia 
(16)  e  Ciência  e  tecnologia  de  alimentos  (15).  Portanto,  algumas 
patentes  são  utilizadas  para  produtos  cosméticos  e  alimentícios, 
composição farmacêutica, entre outros. 
 
 
 

  35
Gráfico 8 – Principais áreas das patentes relacionados ao cupuaçu 
 

 
 
Segundo  Palmas  (s.d.)  ao  analisar  o  perfil  das  patentes  de 
produtos  de  origem  vegetal  em  países  desenvolvidos,  concentram‐se 
principalmente  em  áreas  de  aplicação  como  fármacos,  cosméticos  e 
inseticidas/pesticidas.  
Estudo  realizado  por  Velho  e  Fioravanti  (s.d.)  observou  que  de  28 
moléculas  de  interesse  farmacológico,  promissoras,  descobertas  por 
pesquisadores brasileiros e publicadas em revistas internacionais de alto 
impacto,  não  chegaram  a  ser  produzidas  e  comercializadas  decorrentes 
dos  altos  investimentos  necessários  para  a  realização  de  testes  iniciais. 
Isto  indica  as  grandes  barreiras  que  pesquisadores  de  países  em 
desenvolvimento precisam enfrentar para transformar suas pesquisas em 
produtos, o que não ocorre em países desenvolvidos onde há maior apoio 
financeiro tanto por parte do governo quanto da iniciativa privada.  
  
4. Conclusão 
 
O Brasil possui ainda uma cultura muito forte ligada à produção 
científica  do  que  a  propriedade  intelectual  nas  universidades  e 
instituições de pesquisa. Entretanto, este cenário vem modificando‐se 
lentamente,  uma  vez  que  o  governo  tem  incentivado  a  inovação 
tecnológica no país, além da implantação de agências de inovação em 
instituições  de  pesquisa  e  acadêmicas  a  fim  de  divulgar  e  auxiliar 
pesquisadores e alunos. 
Nota‐se  que  muitas  pesquisas  envolvendo  a  flora  e  fauna 
amazônica  estão  sendo  realizadas  em  conjunto  com  instituições 
estrangeiras,  contudo,  poucas  patentes  são  de  nacionais.  Verifica‐se 

36  
com isso que existe uma dificuldade muito grande em transformar o 
conhecimento  científico  em  patentes,  decorrente  do  excesso  de 
burocracia, falta de know how, escassos recursos financeiros, carência 
de  alianças  ou  parcerias  entre  instituições  e  empresas  que  estejam 
dispostas a investir na produção e viabilidade comercial de produtos, 
principalmente  os  fármacos  e  cosméticos  que  exigem  alto 
investimento para a realização de testes, entre outros. 
Assim,  é  fundamental  o  investimento  e  o  incentivo  a  ciência, 
tecnologia  e  inovação  (CT&I)  no  Brasil,  através  da  interação  entre  as 
instituições  de  pesquisa  e  as  empresas,  a  fim  de  viabilizar  a 
comercialização de novos produtos. Outras ações como o estimulo ao 
empreendedorismo  e  a  inovação  em  pequenas  e  médias  empresas, 
fortalecimento do sistema nacional de propriedade industrial também 
mostram‐se essenciais. 
 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
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38  
OS ESTUDOS SOCIAIS DA CIÊNCIA:  
UMA RELAÇÃO COM O CAMPO CTS 
 
Bruno Rossi Lorenzi 
 
 
(...)  o  público  pode  participar  da  discussão  sem  perturbar 
caminhos existentes para o sucesso (não há tais caminhos). Nos 
casos em que o trabalho do cientista afeta o público, este teria 
obrigação  de  participar:  primeiro  porque  é  parte  interessada; 
segundo,  porque  tal  participação  é  a  melhor  educação 
científica  que  o  público  pode  obter  ‐  uma  democratização 
completa da ciência não está em conflito com a ciência. Está em 
conflito  com  uma  filosofia,  com  frequencia  denominada 
ʺracionalismoʺ,  que  usa  uma  imagem  congelada  da    ciência 
para aterrorizar as pessoas não familiarizadas com sua prática. 
(Feyerabend, Contra o Método). 
 
 
Introdução 
 
Após  a  Segunda  Guerra  Mundial,  o  modelo  que  sustentava  a 
ciência era o que podemos chamar de “linear”. Oficializado no ano de 
1945  através  do  estudo  norte‐americano  intitulado  “Ciência:  a 
fronteira  infinita”,  esse  modelo  previa  que  os  governos  deveriam 
investir  em  ciência  básica,  pois,  através  do  desenvolvimento  desta, 
esta por sua vez automaticamente se converteria em ciência aplicada e 
tecnologia,  gerando  como  conseqüência  óbvia  inovação  e  benefícios 
sociais  frutos  da  tecnologia.  Além  do  mais,  o  ponto  mais  importante 
era  que  os  governos  e  a  sociedade  de  maneira  geral  não  deveriam 
intervir  no  processo  científico,  este  sendo,  na  visão  deste  modelo, 
melhor  gerenciado  pelos  próprios  cientistas,  já  que  estes  é  que 
estavam diretamente ligados à ciência. 
Esse modelo vigorou de maneira quase hegemônica até o fim dos 
anos 60. Nesta época, além de outras visões da economia com relação 
ao processo produtivo e de inovação, surgem movimentos ambientais 
e também os chamados estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade. 

39
Segundo Cerezo (1998), nesta época nascem duas tradições de CTS, 
primeiro  uma  européia,  também  chamada  também  de  “science 
studies”, que nascera com o chamado “Programa Forte” de David Bloor 
através  de  um  leitura  radicalizada  de  Thomas  Kuhn.  Através  do 
Programa  Forte  desenvolveram‐se  outras  teorias,  como  o 
construtivismo social de Harry Collins e Bruno Latour, entre outras. A 
segunda tradição é a americana, mais ativista e voltada aos produtos da 
ciência,  pensando  o  meio  ambiente,  impactos  sociais,  etc,  que  inclue 
autores como Paul Durbin, Ivon Illich, Carl Mitcham, entre outros. 
O campo CTS pode então ser definido como uma abordagem que 
leva em conta que fatores sociais, como a economia, política, cultura, 
tem influência decisiva sobre a mudança científico‐tecnológica, que a 
ciência  e  a  tecnologia  não  é  de  forma  nenhuma  neutra  e  que  seus 
produtos  tem  conseqüências  diretas  para  a  sociedade  e  o  meio 
ambiente,  e  que  a  sociedade  de  maneira  geral  deve,  portanto, 
participar do processo científico. 
   
“Os estudos sociais da ciência e da tecnologia, ou estudos sobre Ciência, 
Tecnologia  e  Sociedade  (CTS),  constituem  hoje  um  vigoroso  campo  de 
trabalho, no qual se busca entender o fenômeno científico‐tecnológico no 
contexto social, tanto na relação com usas condicionantes sociais, quanto 
no  que  se  refere  a  suas  conseqüências  sociais  e  ambientais.  O  enfoque 
geral  é  de  caráter  crítico  com  respeito  à  clássica  visão  essencialista  e 
triunfalista da ciência e tecnologia, e também de caráter interdisciplinar, 
abordando‐se  nele  disciplinas  como  filosofia  e  história  da  ciência  e 
tecnologia,  sociologia  do  conhecimento  científico,  teoria  da  educação  e 
economia da mudança tecnológica” (Cerezo, 1998, p. 41). 
 
Devido à minha pesquisa de mestrado estar baseada na sociologia 
da  ciência,  que  está  inserida  dentro  da  primeira  tradição,  esta  é  que 
será abordada e detalhada a seguir. 
 
Os primórdios da Sociologia da Ciência 
 
Robert K. Merton, sociólogo americano da linha funcionalista, foi 
o  primeiro  sociólogo  a  escrever  sobre  a  relação  entre  a  ciência  e  a 
sociedade.  Inaugura, assim,  na década  de 50,  a  área  de  sociologia  da 

40
ciência,  estudo  que  só  seria  intensificado  posteriormente,  no  fim  da 
década  de  70.  Baseado  nas  concepções  de  Karl  Mannheim  e  nas 
análises  de  Scheler,  Merton  (1970)  descreve  a  respeito  do  papel, 
importância e funcionamento da sociologia do conhecimento. 
Merton  (1970)  é  o  primeiro  a  analisar  a  relação  dinâmica  que  a 
ciência  possui  com  os  outros  setores  sociais.  Apesar  de  defender  a 
autonomia da ciência quanto aos seus métodos e estudos, enfatiza que 
a  ciência  não  está  isolada  do  resto  da  sociedade.  O  autor  demonstra 
isso melhor analisando a relação do desenvolvimento da ciência com 
o  puritanismo,  então  preponderante  na  Inglaterra  no  século  XVII.  A 
Inglaterra  foi  o  primeiro  país  a  fundar  uma  academia  científica  (a 
Royal  Society,  fundada  em  1660)  e  o  puritanismo  foi  essencial  nesse 
processo.  Para  os  puritanos,  a  melhor  maneira  de  se  glorificar  Deus 
era entendendo a sua obra cientificamente. Esse interesse canalizou o 
cultivo  da  ciência  na  Inglaterra,  enquanto  que  nos  outros  países 
católicas da Europa na época, a ciência era algo ainda muito pequeno, 
praticada por poucos e de forma não institucionalizada, quando não, 
inexistente.  
Para Merton, (1970) o que caracteriza a ciência moderna enquanto 
instituição autônoma em relação ao restante da sociedade é o que ele 
chama  de  ethos  científico.  O  autor  defende  que  os  cientistas  possuem 
um complexo de valores e normas que se constituem como obrigação 
moral e orienta as pesquisas científicas. 
 
“O  “ethos”  da  ciência  se  refere  a  um  complexo  de  tom  emocional  de 
regras,  prescrições,  costumes,  crenças,  valores  e  pressupostos,  que 
obrigam moralmente os cientistas. Algumas fases desse complexo poder 
ser  metodologicamente  desejáveis,  mas  a  observância  das  regras  não  é 
dita  somente  por  considerações  metodológicas.  Este  “ethos”,  como  os 
códigos sociais em geral, é apoiado pelos sentimentos daqueles a quem se 
aplica” (Merton, 1970, p. 641 – nota de roda‐pé nº16). 
 
Esse ethos seria o “ingrediente cultural” da ciência, que formaria o 
“super‐ego” do cientista (o qual é assimilado em graus diferentes por 
cada  cientista).  O  autor  define  quatro  características  principais  desse 
ethos: 

41
Ceticismo  organizado:  Não  se  deve  ter  fé  ilimitada.  Muito  pelo 
contrário,  o  cientista  deve  questionar  tudo  e  estar  sempre  aberto  a 
críticas.  Os  cientistas  não  devem  se  deixar  influenciar  pelas  suas 
convicções  pessoais.  A  ciência  não  deve  interferir  em  outras  áreas, 
assim como deve também ter sua autonomia perante as outras esferas 
sociais;  
Comunismo: As descobertas substantivas da ciência são produtos 
da colaboração social e estão destinadas à comunidade científica como 
um todo. As descobertas, revelações e teorias científicas estão abertas 
a qualquer um que esteja interessado em estudá‐las, desde de que se 
cite o cientista responsável por tais descobertas ou teorias;  
Universalismo:  Ciência  se  dá  independente  da  raça  ou 
nacionalidade.  Ela  está  em  contato  e  influência  direta  da  cultura 
maior, porém a ciência se dá como se fosse uma cultura superior, com 
seus  métodos  e  critérios  impessoais  e  de  uso  universal,  o  que 
possibilita cientistas de diversas nacionalidades a dialogarem como se 
fizessem parte de uma mesma cultura;  
Desinteresse:  O  cientista  deve  estar  desinteressado  de  ganhos 
pessoais  ou  extra‐científicos.  O  único  interesse  do  cientista  deve  ser 
com  a  própria  ciência  e  a  busca  da  verdade,  se  vangloriando  apenas 
de sua contribuição científica. Segundo o autor, tentativas de eclipsar 
rivais são problemáticas, porém, raras. 
Segundo  o  autor,  o  ethos  formaria  a  ideologia  científica  que 
distingue a atividade científica do resto das esferas sociais e garantiria 
sua estabilidade e autonomia. Essas categorias serão muito criticadas 
posteriormente, pelos construtivistas e neo‐institucionalistas, por não 
coincidir  exatamente  com  a  prática  dos  cientistas,  principalmente  ao 
que se refere ao desinteresse e ao comunismo científico. 
Merton (1970) também é um dos primeiros a pensar na inovação e 
seus impactos na sociedade. Para ele, pode haver um conflito entre a 
ciência  e  a  sociedade  quando  a  ciência  produz  teorias  que 
contradizem as crenças e valores das pessoas e que, por isso, deve‐se 
tomar  cuidado  para  não  transformar  o  ceticismo  organizado  em 
iconoclastia.  O  autor  também  alerta  que  inovações  tecnológicas 
podem  ocasionalmente  gerar  problemas  psicológicos  nos  indivíduos 
ou conflitos sociais, quando tornam, por exemplo, uma parte da mão‐

42
de‐obra  se  torna  obsoleta.  Merton  (1970)  sugere  então  que  se  faça 
sempre  um  estudo  do  impacto  tecnológico  que  uma  nova  tecnologia 
pode causar antes de se implementá‐la definitivamente. 
Concluindo,  apesar  de  Merton  pressupor  valores  que  não 
necessariamente são seguidos na maioria dos casos na ciência ‐ como 
os estudos de laboratório posteriormente vão demonstrar ‐ e de que a 
maior  parte  dos  autores  (como  veremos  nos  próximos  capítulos) 
apontem  que  a  ciência  está  mais  ligada  à  sociedade  do  que  o  autor 
imaginava,  muitas  das  idéias  de  Merton  foram  importantes  para 
inspirar a crítica e os estudos posteriores, e outras são importantes até 
hoje.  Apesar  do  autor  negligenciar  a  hierarquia  presente  no  campo 
científico, a idéia de que a ciência necessita de relativa autonomia para 
que  o  conhecimento  científico  não  seja  ameaçado  é  algo  muito 
importante  e  será  defendido  por  outros  autores  como  Bourdieu  e  os 
neo‐bourdiesianos (como também veremos mais a frente). Os estudos 
dos  impactos  tecnológicos  e  a  alienação  gerada  pela  intensiva 
tecnologização  da  produção  também  são  assuntos  importantes  que 
merecem maior atenção dos cientistas sociais. 
 
O conceito de Revolução Científica e o Programa Forte 
 
Thomas Kuhn se formou em física na universidade de Harvard e 
trabalhava  como  pesquisador  na  mesma  universidade  quando  foi 
gradualmente abandonando a física e se aprofundando em história da 
ciência,  assumindo  o  cargo  de  professor  de  história  da  ciência  no 
departamento de filosofia em Berkeley.  
Nos anos  60,  o  autor  revoluciona  a  visão  da  ciência.  Baseado  em 
suas experiências como físico e em seus estudos da história da ciência, 
em  1962  publica  “A  estrutura  das  revoluções  científicas”,  onde  traça  o 
que considera os conceitos fundamentais da maneira como considera 
que a ciência funciona e lança as bases do “construtivismo”. 
Thomas Kuhn (2005) discute que, até então, a noção mais comum 
de  ciência  era  de  que  esta  seria  uma  reunião  de  fatos,  teorias  e 
métodos  e  que  seu  progresso  se  daria  por  acumulo  de  descobertas  e 
inovações  individuais.  Entretanto,  Kuhn  argumenta  que  a  partir  do 
estudo  da  história  da  ciência,  desde  as  ciências  aristotélicas  nota‐se 

43
que  a  concepção  de  natureza  mudou  diversas  vezes  no  decorrer  da 
história e nem por isso eram construídas de forma menos “científicas” 
ou  idiossincráticas  que  atualmente.  Teorias  que  atualmente  são 
obsoletas  não  poderiam  ser  consideras  a‐científicas.  Nota,  portanto, 
que  é  impossível  continuar  concebendo  a  ciência  como  um  acúmulo 
de conhecimento. 
A inovação de Kuhn (2005) consiste no abandono da idéia de que 
o progresso científico se dá por acumulação de descobertas; mas sim, 
através de “revoluções paradigmáticas”. O autor insere o conceito de 
paradigma  na  ciência,  que  entende  ser  um  modelo  ou  conjunto  de 
idéias pelo qual os cientistas de uma determinada área baseiam suas 
teorias e orientam seus estudos durante um período de tempo. 
 
“Considero  “paradigmas”  as  realizações  científicas  universalmente 
reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções 
modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (Kuhn, 
2005, p. 13). 
 
Kuhn  (2005)  explica  que  enquanto  esse  modelo  dá  conta  das 
questões  levantadas  pelos  cientistas,  ele  permanece.  O  autor  chama 
esse  período,  em  que  as  questões  são  respondidas  simplesmente 
aplicando‐se  as  teorias  existentes  de  “ciência  normal”.  Esta,  segundo 
ele,  pressupõe  sempre  saber  como  o  mundo  é  e  seria  o  modo  de 
funcionamento que se dá na maior parte do tempo em ciência.  
Kuhn (2005) ainda denuncia que a ciência normal, a partir de seus 
esquemas  conceituais,  sempre  tenta  forçar  a  natureza  a  se  encaixar 
nesses esquemas, relevando algumas características e forçando outras 
se  necessário.  Segundo  ele,  a  ciência  normal  seria  extremamente 
resistente  a  dados  ou  novidades  que  contradigam  o  esquema,  ou 
paradigma.  Apesar  disso,  o  autor  enfatiza  que  a  ciência  normal  é 
ainda  assim  fundamental,  pois,  a  maior  parte  dos  problemas 
levantados  pela  ciência  não  seriam  resolvidos  se  não  fosse  o 
comprometimento com o paradigma.  
Segundo o autor, somente quando a ciência normal não pode mais 
prosseguir  é  que  começam  as  investigações  extraordinárias  que 
tentam  dar  conta  dos  fenômenos  inexplicáveis  que  conduzirão 
determinado setor da ciência normal a novos compromissos. A partir 

44
desse  momento  em  que  as  questões  não  conseguem  mais  ser 
respondidas  ou  mesmo  levantadas  sem  contradizer  o  paradigma, 
começa  o  período  que  o  autor  chama  de  “revolução  científica”. 
Relaxam‐se,  então,  as  restrições  teóricas  e  começa  o  período  de 
revolução,  onde  os  fundamentos  do  paradigma  até  então  em  vigor 
serão modificados, através de disputas teóricas. A partir do momento 
que  um  novo  paradigma  for  adotado,  muda‐se  a  compreensão  dos 
fenômenos até então parcialmente ou inteiramente inexplicados e, por 
conseqüência,  também  o  todo  o  entendimento  dos  fenômenos  já 
explicados até então. “O mundo do cientista é tanto qualitativamente 
transformado  como  quantitativamente  enriquecido  pelas  novidades 
fundamentais de fatos ou teorias”. (Kuhn, 2005, p. 26) 
Portanto,  o  avanço  científico  para  Kuhn  se  dá  não  através  de 
acumulação  (pelo  menos  não  principalmente),  mas  sim,  através  de 
saltos (ou revoluções), quando se mudam os paradigmas. 
Baseado na teoria de Kuhn, David Bloor (1998), nos anos 70, lança 
o  que  denomina  “Programa  Forte  em  Sociologia  da  Ciência”.  Em 
oposição ao que chama de programa fraco, o programa forte deveria 
dar  atenção  aos  processos  internos  da  ciência,  ao  invés  de  analisar 
apenas as influências externas à ciência como se havia feito até então 
em sociologia. 
O  autor  inova  por  atribuir  causas  sociais  tanto  aos  erros  quanto 
aos  acertos  produzidos  pela  ciência.  Para  ele,  tanto  o  erro  quanto  a 
verdade  tinham  origens  no  arranjo  social  científico  (paradigmas, 
teorias,  equipamentos,  experimentos  etc)  e  deviam,  portanto,  serem 
tratados nos mesmos termos. 
Em seu livro Knowledge and Social Imagery, Bloor define o que são 
os quatro princípios do Programa Forte (Bloor, 1998, p.38): 
‐  Causalidade:  devemos  nos  ater  aos  fatores  não  científicos  que 
geram o conhecimento e dão forma à ciência. 
‐ Imparcialidade: Deve‐se ser imparcial com respeito ao êxito e o 
fracasso. 
‐  Simetria:  As  mesmas  causas  devem  explicar  tanto  as  crenças 
falsas quanto as verdadeiras. 
‐  Reflexividade:  Buscar  explicações  gerais  e  aplicar  à  própria 
sociologia. 

45
A  filosofia  da  ciência  compartilhava  até  então  com  a 
epistemologia  a  crença  de  que  os  experimentos  eram  algo  evidentes 
em si mesmo e independentes do contexto. A partir de Thomas Kuhn, 
esse  pressuposto  ficou  fragilizado  devido  ao  conceito  de  paradigma, 
que  já  indicava  o  caráter  consensual  da  verdade.  David  Bloor  (1998) 
reafirma  esse  caráter  e  enfatiza  que  a  experiência  individual  que 
produz o conhecimento se dá dentro de condições sociais específicas. 
O conhecimento, portanto, seria algo mais comparável à cultura que à 
experiência. 
O autor defende a indiferenciação da ciência e das outras esferas 
sociais,  já  que  a  atividade  científica  é  tão  contingente  e  contextual 
quanto  todas  as  outras.  Bloor  (1998)  parte  de  uma  visão 
wittgensteiniana  segundo  a  qual  os  as  “crenças”  da  ciência  e  os 
critérios  de  “verdade”  são  construções  coletivas,  produtos  de  uma 
intensa negociação social. 
Até então, as análises se restringiam a pensar apenas a relação da 
ciência com a sociedade ou de entender seu funcionamento interno de 
maneira  geral.  Bloor  (1998)  é  o  primeiro  a  se  preocupar  com  a 
investigação  do  conteúdo  científico.  Para  ele,  deve‐se  investigar  a 
construção  dos  fatos  científicos  em  si  para  compreender  como  a 
ciência funciona. 
Abriam‐se as portas, a partir de então, para uma nova reflexão da 
construção  do  conhecimento  e  do  conteúdo  científico.  Bloor  irá 
influenciar  muitos  autores,  como  Latour,    Micheal  Lynch,  Karin 
Knorr‐Cetina,  Michel  Callon,  entre  outros,  que  utilizam  suas 
premissas para pensar o conteúdo científico. 
 
Os estudos de laboratório e a Teoria Ator‐Rede 
 
No  início  da  década  de  70,  Bruno  Latour  (1997)  inicia  um  novo 
tipo  de  pesquisa  (ao  mesmo  tempo  em  que  Lynch  e  Knorr‐Cetina 
também fazem estudos semelhantes, sem saberem ainda dos estudos 
um dos outros), a etnografia de laboratório. 
Partindo  do  Programa  Forte  teorizado  por  David  Bloor  (1998), 
Latour  e  Woolgar  (1997)  utilizam‐se  do  método  construtivista  para 
analisar  os  fatos  científicos  dentro  do  seu  meio  de  produção:  o 

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laboratório.  Para  o  construtivismo,  como  a  própria  palavra  diz,  as 
coisas  (sociais,  cognitivas,  naturais)  não  são  fatos  objetivos  que  a 
ciência  ou  o  entendimento  humano  percebe  e  formula,  mas  sim 
construções.  As  coisas,  os  fatos,  os  estados  psicológicos  ou 
pensamentos sociais seriam, portanto, construções coletivas. 
Lamentando‐se da pouca atenção dada às nossas práticas científicas 
pelos  pesquisadores  das  ciências  humanas,  o  autor  pretende  fazer  um 
estudo  da  ciência  e  da  construção  dos  fatos  ao  molde 
etnográfico/etnológico usado há muito tempo pelos antropólogos para 
estudar  as  sociedades  “primitivas”,  mas  pouco  usado  para  estudar  a 
própria  sociedade  ocidental,  principalmente  seu  cerne  ontológico 
central: a ciência. Esta sempre era vista como em um altar, protegida de 
toda  crítica  sobre  suas  práticas  pela  epistemologia  –  que  vê  a  ciência 
como uma forma de conhecimento imune às disputas e práticas micro e 
macro sociais presentes em todas as outras esferas da sociedade. 
 
“Ao  ler  a  literatura  dos  antropólogos  e  ao  falar  com  eles,  percebi  seu 
cientificismo.  Eles  estudavam  outras  culturas  e  outras  práticas  com  um 
respeito meticuloso, mas com um fundo de ciência. Perguntei‐me então o 
que dizer do discurso científico se ele fosse estudado com o cuidado que 
os  etnógrafos  têm  quando  estudam  as  culturas,  as  sociedades  e  os 
discursos  pré,  para  ou  extracientíficos.  A  “dimensão  cognitiva”  não 
estaria, aí também, amplamente exagerada?” (Latour e Woolgar, 1997, p. 
12‐13. grifo no original)   
 
O Programa Forte inova por colocar em relação de simetria tanto 
o erro quanto o sucesso. Os mesmos tipos de causa deveriam explicar 
tanto o sucesso quanto o fracasso. Para Latour (1997), isso deveria ser 
levado  a  sério  na  investigação  da  produção  científica,  trazendo  a 
sociedade  da  margem  para  o  centro  da  produção  científica.  O  autor 
também inova por trazer uma nova simetria não elaborada por Bloor: 
a  simetria  natureza/sociedade.  Para  Latour,  uma  não  determina  a 
outra e ambas devem ser tratadas nos mesmos termos. 
   
“Cumpre  não  somente  tratar  nos  mesmos  termos  os  vencedores  e  os 
vencidos  da  história  das  ciências,  mas  também  tratar  igualmente  e  nos 
mesmos  termos  a  natureza  e  a  sociedade.  Não  podemos  achar  que  a 

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primeira é dura como ferro, de modo a explicar a segunda; não podemos 
acreditar bravamente nas classes sociais para melhor duvidar da física (...) 
O trabalho de campo que aqui apresentamos é, por conseguinte, duas vezes 
simétrico:  aplica‐se  ao  verdadeiro  e  ao  falso,  esforça‐se  por  reelaborar  a 
construção da natureza e da sociedade”. (Latour e Woolgar, 1997, p.24) 
 
Os  autores  aconselham  permanecer  longe  do  discurso  científico, 
por este esconder a prática e a construção dos fatos, dando estes como 
descobertas  e  escondendo  sua  origem  e  história  (a  maior  parte  das 
vezes  controvertidas  e  cheias  de  disputas)  após  o  fato  ter  se 
consolidado (ou estabilizado). Segundo eles, a ignorância, nesse caso, 
seria uma arma à favor do observador na narração e crítica da prática 
científica.  Latour  (1997)  enfatiza  o  caráter  anti‐epistemológico  da 
meta‐linguagem a ser utilizada no trabalho, dando atenção à prática: 
as maneiras, a linguagem, os instrumentos, a estratégia etc utilizados 
pelos  cientistas  para  comprovar  suas  teorias  e  refutar  a  de  seus 
concorrentes.  Enfim,  ver  os  fatos  científicos  como  uma  construção, 
que caminha lentamente a uma estabilização por meio da eliminação 
de  teses  e  cientistas  concorrentes  e  da  aceitação  por  parte  da 
comunidade científica. 
Latour  e  Woolgar  (1997)  ainda  atribuem  à  sua  própria  prática  o 
mesmo valor que atribui a prática dos cientistas estudados. Para eles 
não há diferença: ambos são fatos, ciência, e tão questionáveis quanto. 
Eles enfatizam a necessidade formulado por Bloor (1998) de sempre se 
aplicar essa reflexividade nas ciências humanas, para não se correr o 
risco de se contradizer ao demonstrar uma prática ou modelo, nem de 
ser arrogante atribuindo a si uma natureza ou confiabilidade diferente 
da  do  objeto  estudado,  ainda  mais  quando  o  objeto  a  ser  estudado  é 
própria ciência pela ciência. 
Em  Ciência  em  Ação,  Latour  (2000)  desenvolve  o  conceito  de 
tradução  (ou  mediação)  como  uma  espécie  de  releitura  ou  adaptação 
aos  seus  interesses  dos  atores  humanos  e  não‐humanos1  pelos 

1  Uma  analogia  próxima  para  não‐humanos  seria  “natural”,  em  oposição  às 
pessoas,  ou  humanos.  Porém,  para  Latour  “o  natural”  também  é  uma 
construção,  assim  como  “o  social”.  Ele  evita,  portanto,  utilizar  o  termo 
“natural’ substituindo‐o por “não‐humanos”.

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cientistas.  Para  ele,  um  cientista  na  construção  de  um  fato  científico 
busca  alianças  com  outros  atores  humanos,  traduzindo  o  que  dizem 
para  os  seus  interesses,  e  também  com  atores  não‐humanos, 
traduzindo  o  comportamento  de  elementos  não‐humanos  ao  que  lhe 
interessa  ou  pode  ser  útil.  Para  ele,  os  fatos  científicos  são  como 
caixas‐pretas que o pesquisador da ciência deve tentar abrir. 
 
“A expressão caixa‐preta é usada em cibernética sempre que uma máquina 
ou um conjunto de comandos se revela complexo demais. Em seu lugar, é 
desenhado uma caixinha‐preta, a respeito da qual não é preciso saber nada, 
se não o que nela entra e o que dela sai. (...) Ou seja, por mais controvertida 
que  seja  sua  história,  por  mais  complexo  que  seja  seu  funcionamento 
interno,  por  maior  que  seja  a  rede  comercial,  ou  acadêmica  para  sua 
implementação, a única coisa que se conta é o que se põe nela e o que dela 
se tira” (Latour, 2000: 14). 
 
Para  Latour,  portanto,  toda  a  ciência  se  desenvolve  em  torno  de 
redes.  Um  fato  científico  se  constrói,  portanto,  a  partir  da  intensa 
interação de atores humanos (principalmente cientistas e engenheiros, 
mas também instituições, governo, empresas, etc) e não‐humanos. Os 
nós  dessa  cadeia,  que  unem  as  coisas,  seriam  os  fatos  científicos,  ou 
visto  dessa  forma,  as  caixas‐pretas,  objetivo  da  ciência.  Quando  um 
fato  científico  se  torna  forte  ou  estável  o  suficiente  dentro  dessa 
cadeia, é considerado um “fato” pelos cientistas e pela sociedade em 
geral, ou uma caixa‐preta nessa perspectiva. É ao tornar‐se necessário 
ou indispensável que um arte‐fato transforma‐se num fato. 
 
A sociologia da ciência de Bourdieu 
 
Ainda  há  outra  perspectiva  na  sociologia  da  ciência,  oposta  ao 
construtivismo  e  muito  crítica  em  relação  aos  estudos  de  Latour.  É 
sociologia  de  Pierre  Bourdieu  (2001)  e  neo‐bourdieusiana,  que 
considera a ciência como um campo de forças ou de lutas, em que os 
sujeitos  (no  caso  cientistas)  lutam  entre  si  através  de  seu  capital 
específico  pelo  poder,  em  uma  estrutura  hierárquica  que  tende  a  se 
reproduzir. 

49
Para Bourdieu, o campo científico possui seu capital específico, o 
capital  científico,  e  este  é  dividido  em  dois  tipos  específicos,  puro  e 
institucional. O capital científico “puro” (ou simplesmente “científico” 
para  o  autor)  é,  para  o  autor,  baseado  no  reconhecimento  que  o 
cientista  tem,  através  de  suas  invenções,  descobertas,  publicações, 
citações  etc.  Enfim,  é  um  capital  baseado  no  prestígio  e  no 
reconhecimento pelos pares. 
Já  o  capital  científico  institucional  (ou  temporal)  está  ligado  a 
ocupação de posições importantes dentro das instituições científicas. É 
um  capital  mais  político,  diretamente  ligado  à  estrutura  hierárquica 
do campo. Por isso mesmo, esse capital é para o autor muito mais fácil 
de ser transmitido que o capital científico “puro”. 
Uma das principais diferenças entres esses dois tipos de capitais, 
segundo  o  autor,  é  usa  forma  de  acumulação.  Enquanto  o  capital 
científico  “puro”  se  acumula  mais  através  do  reconhecimento  pelos 
pares  e  pode  ser  medido,  por  exemplo,  pelo  número  de  citações,  o 
capital  científico  institucional  é  mais  político  e  pode  ser  mensurado 
pela  posição  institucional  (ou  cargo)  que  o  agente  possui  dentro  do 
campo. 
 
“Difíceis de acumular praticamente, as duas espécies de capital cientifico 
diferem  também  por  suas  formas  de  transmissão.  O  capital  científico 
“puro”,  que,  fragilmente  objetivado,  tem  qualquer  coisa  de  impreciso  e 
permanece  relativamente  indeterminado,  tem  sempre  alguma  coisa  de 
carismático;  desse  aspecto,  é  extremamente  difícil  de  transmitir  na 
prática. (...) Ao contrário, o capital científico institucionalizado tem quase 
as  mesmas  regras  de  transmissão  que  qualquer  outra  espécie  de  capital 
burocrático,  ainda  que,  em  alguns  casos,  deva  assumir  a  aparência  de 
uma “eleição”. (Bourdieu, 2004, p. 37) 
 
É  devido,  portanto,  à  essa  espécie  de  capitalismo  do  universo 
simbólico  que,  para  o  autor,  a  estrutura  do  campo  tem  um  caráter 
preponderantemente  conservador.  Apesar  de  todo  o  discurso  da 
imparcialidade  do  método  científico,  o  cientista  está,  no  fim  das 
contas,  sempre  em  busca  do  reconhecimento,  e,  para  isso,  necessita 
jogar  com  as  regras  do  campo,  reproduzindo‐o  em  sua  maior  parte 
enquanto participa dele e tenta modificá‐lo em que lhe é interessante. 

50
A  maior  preocupação  de  Bourdieu  (2001)  é  em  relação  à 
autonomia  do  campo  científico.  Para  ele,  a  valorização  do  capital 
institucional  frente  ao  capital  puro  é  um  risco  a  atividade  científica 
básica,  já  que  pode  levar  à  uma  excessiva  politização  em  detrimento 
do  conhecimento  científico  na  hora  de  escolher  o  que  deve  ser 
estudado.  Outro  risco  que  o  autor  levanta  é  a  interferência  das 
demandas  do  mercado  e  do  Estado,  entre  outras  coisas,  na  ciência. 
Estas  são  uma  ameaça  à  autonomia  do  campo  científico  quanto  à 
escolha  de  seus  temas  de  pesquisa,  principalmente  depois  da 
implementação  por  parte  de  muitas  instituições  de  financiamento 
científico  de  métodos  como  a  gestão  tecnológica,  que  muitas  vezes 
resulta  no  estímulo  à  pesquisas  voltadas  ao  mercado  em  detrimento 
da pesquisa básica, além de tornar o campo científico dependente do 
mercado. 
 
Conclusão 
 
Através  deste  breve  resumo  apresentado  sobre  a  sociologia  da 
ciência,  espera‐se  ter  demonstrado  a  sua  fundamentação  e  eficácia 
enquanto  um  instrumento  de  análise  dos  processos  e  produtos 
científicos.  Vimos  que  esta  perspectiva  vê  os  fatos  científicos  como 
construções coletivas, e é exatamente aí que encontra‐se a sua eficácia, 
dado  que  assim  podemos  buscar  desconstruir  os  fatos  científicos  e 
demonstrar  o  processo  social  envolvido  ‐  que  vai  muito  além  do 
âmbito  dos  laboratórios  e  da  universidade,  envolvendo  instituições, 
mercado,  Estado,  política,  etc  ‐  sendo  assim,  portanto,  um  processo 
transversal,  que  atravesse  toda  a  sociedade.  É  nesse  mesmo  sentido 
que  a  sociologia  da  ciência  contribui  para  a  Ciência,  Tecnologia  e 
Sociedade como um todo, já que evidencia que a ciência, por ser um 
processo transversal, é sim uma questão que envolve toda sociedade e 
deve,  portanto,  prestar  contas  à  ela,  sem  contudo  se  deixar  tornar 
dependente ou submetida exclusivamente às demandas do mercado e 
do Estado. 
 
 

51
Referências  
 
BLOOR, D. (1998), Conocimiento e imaginario social. Barcelona: Gedisa. 

BOURDIEU, P. (2001), Para uma Sociologia da Ciência. Lisboa: Edições 70. 

BOURDIEU, P. (2004), Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do 
campo científico. São Paulo: Unesp. 

CEZERO,  J.  (1998),  Ciencia,  Tecnología  y  Sociedad  ante  la  Educación,  Revista 
Iberoamericana de Educación, n.18 –, p.41‐48. 

KUHN, T. (2005), A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo. 

LATOUR,  B.  &  WOOLGAR,  S.  (1997),  A  Vida  de  Laboratório:  a  produção  dos 
fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 

LATOUR,  B.  (2000)  Ciência  em  ação:  como  seguir  cientistas  e  engenheiros 
sociedade afora. São Paulo. Editora Unesp. 

MERTON, R. K. (1970), Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou. 

SANTOS, L. W. [et al. organizadores]. Ciência, tecnologia e sociedade: o desafio 
da interação, Londrina: IAPAR, 2004. ISBN 85‐88184‐19‐2 
 

52
 
O TERRITÓRIO COMO PLATAFORMA DE SUPERAÇÃO DA 
POBREZA: DO CAPITALISMO À SOCIEDADE EM REDE. 
 
Celso Geraldo Tucci1 
 
 
O campo CTS 
 
Com o final da segunda guerra mundial, a pedido do presidente 
americano  Franklin  Delano  Roosevelt,  Vannevar  Bush  escreveu  o 
relatório  “Ciência,  a  fronteira  sem  fim”,  em  que  expunha  a  grande 
importância da ciência para as conquistas militares durante a guerra. 
Do  mesmo  modo,  defendia  que  a  ciência  seria  também  de 
fundamental  importância  na  paz,  se  fosse  permitida  a  existência  de 
uma pesquisa básica para a geração de novos conhecimentos, geração 
de  novos  empregos,  bem  estar,  prosperidade.  Como  podemos  ler  no 
seguinte trecho do informe: 
 
“El progreso en la guerra contra la enfermedad depende de un flujo de 
nuevos  conocimientos  científicos.  Nuevos  productos,  nuevas  industrias 
y más puestos de trabajo requieren constantes adiciones al conocimiento 
de las leyes de la naturaleza, y la aplicación de éste a objetivos prácticos. 
De  manera  similar,  nuestra  defensa  contra  la  agresión  exige  un  nuevo 
conocimiento, a fin de que podamos desarrollar nuevas y perfeccionadas 
armas.  Es  esencial,  sólo  podremos  obtener  nuevos  conocimientos  a 
través de una investigación científica básica. 
La  ciencia  sólo  puede  ser  eficaz  para  el  bienestar  nacional  como 
integrante de un equipo, ya sea en las condiciones de la paz o la guerra. 
Pero  sin  progreso  científico,  ningún  logro  en  otras  direcciones, 
cualquiera  sea  su  magnitud,  podrá  consolidar  nuestra  salud, 
prosperidad  y  seguridad  como  nación  en  el  mundo  moderno.”  (BUSH, 
1945) 
 

1 Administrador.  Mestrando  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência, 


Tecnologia e Sociedade, na Universidade Federal de São Carlos UFSCar. E‐
mail: celso.tucci@gmail.com 

53
A  crença  de  que  a  ciência  poderia,  por  si  só,  ser  o  suporte  dos 
tempos que viriam a partir da guerra cristalizou‐se nas sociedades de 
todo  o  mundo.  O  surgimento  dos  artefatos  tecnológicos  resultantes 
das pesquisas científicas realizadas desde então fizeram crer que todas 
as  necessidades  humanas  poderiam  ser  atendidas  com  os  frutos  da 
ciência e da tecnologia, que passaram a ser identificadas na sigla C&T. 
Foi  a  partir  das  décadas  de  60  e  70,  com  os  movimentos  sociais 
despertados, especialmente na Europa e Estados Unidos, a partir dos 
movimentos estudantis na França e das guerras da Coréia e Vietnan, 
que  surgiram  as  primeiras  reflexões  e  questionamentos  acerca  do 
papel  da  ciência  e  da  tecnologia.  A  desvinculação  dos  estudos  de 
ciência  e  tecnologia  dos  seus  resultados  ambientais  e  sociais,  bem 
como  a  publicação  de  obras  como  A  estrutura  das  revoluções  científicas 
(1962),  de  Thomas  Khun,  e  Silent  spring  (1962),  de  Rachel  Carsons, 
criaram  as  bases  das  relações  acadêmicas  e  sociais,  com  discussões 
que permitiram refletir sobre as dimensões sociais da C&T, levando ao 
surgimento  de  um  novo  movimento,  denominado  Movimento 
Ciência,  Tecnologia  e Sociedade,  ou somente  movimento  CTS. A  este 
respeito argumenta Bazzo, em seu estudo O que são e para que servem os 
estudos CTS: 
 
Os  estudos  sociais  da  ciência  e  da  tecnologia,  ou  estudos  sobre  ciência, 
tecnologia  e  sociedade  (CTS),  constituem  um  campo  de  trabalho  nos 
âmbitos da investigação acadêmica, da educação e das políticas públicas 
dos  países  onde  atualmente  já  estão  implantados.  Estes  estudos  se 
originaram  há  cerca  de  três  décadas,  a  partir  de  novas  correntes  de 
investigação em filosofia e sociologia da ciência e de um incremento da 
sensibilidade social e institucional sobre a necessidade de uma regulação 
democrática das mudanças científico–tecnológicas. 
É  importante,  nesse  campo,  entender  os  aspectos  sociais  do  fenômeno 
científico–tecnológico,  tanto  no  que  diz  respeito  às  suas  condicionantes 
sociais  como  no  que  diz  respeito  às  suas  consequências  sociais  e 
ambientais.  O  enfoque  geral  é  de  caráter  interdisciplinar,  abrangendo 
disciplinas  das  ciências  sociais  e  a  investigação  acadêmica  em 
humanidades  como  a  filosofia  e  a  história  da  ciência  e  da  tecnologia,  a 
sociologia do conhecimento científico, a teoria da educação e a economia 
da mudança tecnológica. (BAZZO, 2000)  
 

54
Nota‐se então que um novo enfoque na maneira de ver ciência e 
tecnologia  surge  com  o  movimento  CTS,  que  passa  “a  aprofundar 
suas análises na imbricada relação entre desenvolvimento tecnológico 
e desenvolvimento humano” (BAZZO, 2000), justamente pelo fato de 
que o século XX aproximava‐se do seu final e, enquanto os problemas 
tecnológicos encontravam suas soluções, as sociedades, pelo seu lado, 
emaranhavam‐se em dificuldades para resolver os problemas relativos 
ao  aprimoramento  da  qualidade  da  vida  humana.  Continuando  com 
Bazzo,  argumenta  ele  sobre  a  preocupação  em  saber  se  a  ciência  e  a 
tecnologia,  por  si  sós,  poderiam  contribuir  para  a  formação  dos 
futuros cidadãos:  
 
Todos  os  grupos  que  hoje  vêm  estudando  tais  preocupações  são 
taxativos  em  apontar  a  evidência  de  que  não  se  poderia  pensar  em 
qualquer  remodelação  ou  melhoria  de  caráter  reflexivo  na  educação 
tecnológica  sem  a  inclusão  de  estudos  que  brindassem  a  análise  da 
relação  entre  ciência,  tecnologia  e  sociedade  como  parâmetro 
fundamental dos futuros cidadãos. (BAZZO, 2000)  
 
Percebe‐se ainda, na leitura de Bazzo, a defesa de estimular, nas 
novas  gerações,  ao  lado  do  interesse  pelos  estudos  científicos,  pelo 
domínio e uso das novas tecnologias, também a consciência crítica dos 
seus resultados no âmbito da sociedade e da qualidade de vida: 
 
Os  estudos  CTS  têm  por  finalidade  promover  a  alfabetização  científica 
mostrando a ciência e a tecnologia como atividades humanas de grande 
importância social, por formarem parte da cultura geral nas sociedades 
modernas.  Trata  também  de  estimular  ou  consolidar  nos  jovens  a 
vocação pelos estudos da ciência e da tecnologia, mostrando com ênfase 
a necessidade de um juízo crítico e uma análise reflexiva bem embasada 
das suas relações sociais. (BAZZO, 2000) 
 
Desse  modo,  o  campo  CTS  pretende,  com  a  alfabetização 
científica,  propiciar  “o  compromisso  a  respeito  da  integração  das 
mulheres  e  minorias,  assim  como  o  estímulo  para  um 
desenvolvimento  socioeconômico  respeitoso  com  o  meio  ambiente  e 
equitativo  com  relação  às  futuras  gerações.”  (BAZZO,  2000).  Com 

55
esses  fundamentos,  o  que  pretendemos  com  este  trabalho  é  procurar 
um caminho que nos permita transitar pela multidisciplinaridade que 
o campo CTS permite, no intuito de, por um lado, entender o enigma 
de  como  uma  sociedade  tão  rica  pode  ser  também  tão  pobre,  e,  de 
outro,  tentar  vislumbrar  algumas  vias  de  escape  para  essa  situação 
paradoxal. 
 
Pobreza 
 
Quando  olhamos  para  o  mundo  hoje,  vemos  que  ele  se 
caracteriza  pela  globalização  do  capital,  fato  que  ocorreu  graças  aos 
enormes  avanços  das  tecnologias  da  informação  e 
desregulamentações  promovidas  pelo  governo  americano  nos  anos 
1990,  permitindo  o  surgimento  dos  extensos  mercados  financeiros 
globais.  Conforme  relata  Castells  sobre  a  ação  daquele  governo,  “ao 
oficializar  a  política  de  não‐intervenção  federal,  os  EUA  deram 
liberdade  às  empresas  privadas  de  administrar  dinheiro  e  títulos 
mobiliários  de  qualquer  maneira  que  o  mercado  suportasse” 
(CASTELLS,  2007,  p.  194);  com  isso,  as  bases  da  crise  econômica  do 
final dos anos 2008 já estavam lançadas. Assim a economia não mais 
funcionou  com  base  na  lucratividade  de  curto  prazo  das  empresas  e 
sim  na  capacidade  da  ciranda  financeira  em  gerar  expectativas  de 
lucros num grande sistema informacional, que, enquanto cria a ilusão 
de que o dinheiro está disponível no mercado financeiro, na realidade 
fortalece  o  poder  dos  detentores  do  capital.  Este  cenário  é 
especialmente  perverso  e  penaliza  fortemente  os  países 
subdesenvolvidos,  que  necessitam  de  financiamento  para  o 
funcionamento  de  suas  economias.  Mais  ainda,  é  uma  situação  que 
favorece  o  capital  especulativo  e  leva  ao  surgimento  de  projetos 
nacionais  excludentes,  pois  o  investimento  público  dá  lugar  a  outro 
tipo  de  investimento,  aquele  que  pode  remunerar  os  interesses  dos 
grandes  investidores  internacionais  em  detrimento  do  progresso 
social. Refletindo sobre essa questão, assim argumenta Dagnino: 
 
 Nesse cenário, é natural que a preocupação com as bases tecnológicas de 
um  processo  que  permita  a  recuperação  da  cidadania  dos  segmentos 
mais penalizados, a interrupção da trajetória de fragmentação social e de 

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estrangulamento econômico interno do País, e a construção de um estilo 
de desenvolvimento humano, se difundisse. (DAGNINO, 2009, p.49) 
 
Na  realidade,  o  dilema  do  mundo  capitalista  é  o  da  escassez  de 
recursos nas extremidades do tecido social e o da abundância de recursos 
em poucas mãos, o que caracteriza o modelo neo‐liberal que se instalou 
no mundo a partir dos anos 1980 e que fica bem ilustrado com o dilema 
de Anapurnna, personagem de uma parábola contada por Amartya:  
 
“Anapurnna  quer  que  alguém  arrume  o  jardim  de  sua  casa,  que  há 
algum tempo  está sem cuidados, e três trabalhadores desempregados – 
Dinu,  Bishano  e  Rogini  –  desejam  muito  esse  trabalho.  Ela  pode 
empregar  qualquer  um  deles,  mas  a  tarefa  é  indivisível,  portanto 
Anapurnna  não  pode  distribuí‐la  entre  os  três.  De  qualquer  um  desses 
indivíduos  ela  obteria  praticamente  o  mesmo  trabalho  feito  por 
praticamente o mesmo pagamento, mas, sendo uma pessoa ponderada, 
ela gostaria de saber para qual dos três seria mais acertado dar o serviço. 
Ela deduz que, embora todos eles sejam pobres, Dinu é o mais pobre dos 
três;  todos  concordam  com  esse  fato.  Isso  faz  com  que  Anapurnna  se 
sinta fortemente inclinada a dar o trabalho a Dinu (“O que pode ser mais 
importante do que ajudar os mais pobres?”, ela se pergunta). 
Contudo, ela também deduz que Bishano empobreceu há pouco tempo e 
se encontra psicologicamente mais deprimido em razão de seus reveses. 
Dinu  e  Rogini,  em  contraste,  tem  uma  longa  experiência  da  pobreza  e 
estão  habituados  a  ela.  Todos  concordam  que  Bishano  é  o  mais  infeliz 
dos três e certamente ganharia mais em felicidade do que os outros dois. 
Isso faz com que a Anapurnna agrade muito a ideia de dar o trabalho a 
Bishano  (“Sem  dúvida,  eliminar  a  infelicidade  deve  ser  a  prioridade 
máxima”, diz a si mesma). 
Mas  Anapurnna  também  fica  sabendo  que  Rogini  está  debilitada  em 
razão de uma doença crônica – suportada estoicamente – e poderia usar 
o  dinheiro  para  livrar‐se  dessa  terrível  moléstia.  Ninguém  nega  que 
Rogini é menos pobre do que os outros dois (ainda que certamente seja 
pobre)  nem  que  não  é  a  mais  infeliz,  pois  suporta  sua  privação  com 
grande ânimo, acostumada – como foi – a sofrer privação a vida inteira 
(pois provém de uma família pobre e foi ensinada a acatar a crença geral 
de  que,  sendo  uma  moça,  não  deve  se  queixar  nem  ter  ambição). 
Anapurnna  fica  pensando  que,  não  obstante,  talvez  fosse  correto  dar  o 

57
trabalho  a  Rogini  (“Faria  a  maior  diferença  para  a  qualidade  de  vida  e 
para a liberdade de não estar doente”, ela infere).” (“Sen”, 2010 p.78,79) 
 
Os argumentos de Anapurnna, são, em primeiro lugar, o argumento 
da renda igualitária, centrado nos conceitos de renda e pobreza e que se 
expressa como “o que pode ser mais importante do que ajudar os mais 
pobres?”;  em  segundo  lugar,  vem  o  argumento  utilitarista,  que  se 
concentra  na  medida  do  prazer  e  da  felicidade  e  é  explicitado  com 
“eliminar  a  infelicidade  deve  ser  a  prioridade  máxima”;  finalmente,  o 
terceiro argumento é o da qualidade de vida e centraliza‐se nos tipos de 
vida  que  os  três  podem  levar,  externalizado  por  Anapurna  como  a 
possibilidade de uma vida melhor, “a liberdade de não estar doente”. A 
parábola  relata  a  história  do  ponto  de  vista  de  quem  detém  o  poder 
econômico e o local de trabalho, que deduz o que julga o melhor para os 
potenciais  trabalhadores,  estabelecendo  os  limites  do  bem  estar,  da 
qualidade de vida e da remuneração. Os programas de governo, em sua 
maioria,  ficam  restritos  ao  dilema  de  Anapurnna,  o  que  vale  dizer:  ou 
distribuem  renda,  ou  procuram  proporcionar  felicidade  ou  o  estilo  de 
vida, sempre de cima para baixo, muito poucas vezes perguntando o que 
deseja  a  população  ou  tentando  descobrir  ou  fomentar  iniciativas 
populares que empoderem as pessoas necessitadas. 
De qualquer forma, as discussões, na maioria das vezes, giram em 
torno de aspectos econômicos, sem levar em consideração que a pobreza 
é,  na  verdade,  a  perda  da  capacidade  de  auferir  renda  (SEN,  2010),  ou 
seja,  não  é  somente  a  falta  de  recursos  materiais  que  caracteriza  a 
pobreza, mas a impossibilidade de gerar oportunidades para escapar do 
circulo vicioso da miséria. Uma outra visão complementar a respeito do 
que seja a pobreza encontramos em Green, quando afirma: 
 
“A Oxfam2 parte da premissa de que a pobreza é um estado de relativa 
impotência  no  qual  pessoas  não  têm  condições  de  controlar  aspectos 
cruciais de suas vidas.  

2 A  Oxfam  International  é  uma  associação  de  organizações  que  trabalham 


pelo  fim  da  pobreza  e  da  desigualdade  em  todo  o  mundo.  Ela  busca 
soluções  para  melhoria  das  condições  de  vida  no  planeta  e  apoia  a 
sociedade  civil  e  movimentos  sociais  locais  e  internacionais  que  lutam  por 

58
A pobreza é um sintoma de desigualdades e relações desiguais de poder 
profundamente  enraizadas,  institucionalizadas  por  meio  de  políticas  e 
práticas  adotadas  pelo  Estado,  pela  sociedade  e  pela  família.  Pessoas 
frequentemente  não  têm  dinheiro,  terra  ou  liberdade  porque  são 
discriminadas  com  base  em  um  ou  mais  aspectos  de  sua  identidade 
pessoal  –  sua  classe,  gênero,  etnicidade,  idade  ou  sexualidade  ‐,  e  essa 
discriminação  restringe  sua  capacidade  de  reivindicar  e  controlar  os 
recursos que lhes permitem fazer opções de vida.” (GREEN, 2009, p.29). 
 
O  que  foi  diagnosticado  pela  Oxfam,  e  por  muitas  outras 
organizações ao redor do mundo, tem gerado movimentos na direção 
de  permitir  que  as  pessoas  se  autodeterminem,  escapando  do 
perverso  ciclo  da  pobreza;  organizam‐se  assim  movimentos 
objetivando  a  uma  economia  mais  solidária,  mais  responsável.  No 
Brasil,  o  movimento  da  chamada  Economia  Solidária  vem  se 
consolidando com apoio especialmente do Governo Federal, por meio 
do Ministério do Trabalho e Emprego. 
Torna‐se  pertinente,  portanto,  discutir  os  Empreendimentos  de 
Economia  Solidária,  que  permitem  às  pessoas  organizarem‐se 
coletivamente,  decidindo  seu  destino  econômico  e  social,  superando 
as  impotências  por  longo  tempo  estabelecidas.  Nesse  sentido,  novos 
modos  de  organizações  coletivas  devem  ser  pensadas,  com  o  intuito 
de  não  reproduzir  o  modelo  de  exploração  do  trabalho  pelo  capital. 
Um  exemplo  desta  nova  forma  de  organização  pode  ser  encontrada 
no  sítio  do  Ministério  do  Trabalho  e  Emprego,  que  estabelece  quatro 
características: 
 
1. “Cooperação:  existência  de  interesses  e  objetivos  comuns,  a  união 
dos  esforços  e  capacidades,  a  propriedade  coletiva  de  bens,  a  partilha 
dos resultados e a responsabilidade solidária. Envolve diversos tipos de 
organização  coletiva:  empresas  autogestionárias  ou  recuperadas 

mudanças de práticas, crenças e atitudes que resultem em mais justiça entre 
os  povos.  A  Oxfam  mantém  um  escritório  em  Brasília,  responsável  pelo 
trabalho em torno de quatro temas: comércio com regras justas e integração 
regional;  fortalecimento  da  agricultura  familiar,  segurança  alimentar  e 
nutricional,  impactos  sociais  das  mudanças  climáticas  e  igualdade  de 
direitos de gênero. 

59
(assumida  por  trabalhadores);  associações  comunitárias  de  produção; 
redes  de  produção,  comercialização  e  consumo;  grupos  informais 
produtivos  de  segmentos  específicos  (mulheres,  jovens  etc.);  clubes  de 
trocas  etc.  Na  maioria  dos  casos,  essas  organizações  coletivas  agregam 
um conjunto grande de atividades individuais e familiares.  
2. Autogestão:  os/as  participantes  das  organizações  exercitam  as 
práticas  participativas  de  autogestão  dos  processos  de  trabalho,  das 
definições  estratégicas  e  cotidianas  dos  empreendimentos,  da  direção  e 
coordenação  das  ações  nos  seus  diversos  graus  e  interesses,  etc.  Os 
apoios  externos,  de  assistência  técnica  e  gerencial,  de  capacitação  e 
assessoria,  não  devem  substituir  nem  impedir  o  protagonismo  dos 
verdadeiros sujeitos da ação.  
3. Dimensão  Econômica:  é  uma  das  bases  de  motivação  da  agregação 
de esforços e recursos pessoais e de outras organizações para produção, 
beneficiamento, crédito, comercialização e consumo. Envolve o conjunto 
de  elementos  de  viabilidade  econômica,  permeados  por  critérios  de 
eficácia  e  efetividade,  ao  lado  dos  aspectos  culturais,  ambientais  e 
sociais.  
4. Solidariedade:  O  caráter  de  solidariedade  nos  empreendimentos  é 
expresso  em  diferentes  dimensões:  na  justa  distribuição  dos  resultados 
alcançados;  nas  oportunidades  que  levam  ao  desenvolvimento  de 
capacidades  e  da  melhoria  das  condições  de  vida  dos  participantes;  no 
compromisso  com  um  meio  ambiente  saudável;  nas  relações  que  se 
estabelecem  com  a  comunidade  local;  na  participação  ativa  nos 
processos de desenvolvimento sustentável de base territorial, regional e 
nacional; nas relações com os outros movimentos sociais e populares de 
caráter  emancipatório;  na  preocupação  com  o  bem  estar  dos 
trabalhadores  e  consumidores;  e  no  respeito  aos  direitos  dos 
trabalhadores e trabalhadoras. “ (MTE, acessado em 25/06/2010) 
 
Como  se  pode  ver,  os  elementos  constitutivos  dos 
Empreendimentos Solidários, definidos pelo Ministério do Trabalho e 
Renda,  são  cooperação,  autogestão,  dimensão  econômica  e 
solidariedade,  princípios  que,  para  o  sucesso  do  empreendimento, 
somente  podem  ocorrer  num  espaço  geográfico  onde  se  instala  o 
empreendimento  –  a  comunidade  ‐,  ou  nos  limites  do  próprio 
empreendimento.  Por  outro  lado,  e  a  partir  das  grandes 
transformações  nos  meios  de  comunicação  permitidos  pelas  novas 
tecnologias  informacionais,  será  importante  entender  o  significado 

60
que  assume  o  espaço  ocupado  pela  população,  o  território  onde  as 
relações se estabelecem com a comunidade local, na participação ativa 
nos  processos  de  desenvolvimento  sustentável  de  base  territorial, 
regional e nacional. 
 
Território  
 
Em consequência, entendemos que para discutir essas questões é 
primordial  explicitar  o  conceito  de  território;  só  então  poderemos 
analisar, com propriedade, os fenômenos sociais que aí se instalam. 
A  própria  definição  de  “cidade”  é  discussão  recente  e  foi  um 
conceito  “construído”  e  “implantado”  pelo  Estado,  sem  levar  em 
conta características locais de espaço, cultura ou outro fator qualquer, 
conforme se depreende de estudos de José Eli da Veiga, onde lemos; 
 
“A vigente definição de “cidade” é obra do Estado Novo. Foi o Decreto‐
Lei 311, de 1938, que transformou em cidades todas as sedes municipais 
existentes,  independentemente  de  suas  características  estruturais  e 
funcionais. Da noite para o dia, ínfimos povoados, ou simples vilarejos, 
viraram  cidades  por  norma  que  continua  em  vigor,  apesar  de  todas  as 
posteriores  evoluções  institucionais.  Não  somente  as  dos  períodos  pós‐
1946, pós‐1964 e pós‐1988, mas também as que estão sendo introduzidas 
pelo novíssimo Estatuto da Cidade. Por exemplo, dispensar da exigência 
de  Plano  Diretor  quase  todas  as  “cidades”  com  menos  de  20  mil 
habitantes.  Será  razoável  que,  no  início  do  século  21,  se  considere 
“cidade” um aglomerado de menos de 20 mil pessoas?”(LEITE, 2001)  
 
A  cidade  surge,  portanto,  dos  interesses  de  políticos  locais  e  de 
outros  interesses  econômicos,  como  a  arrecadação  dos  impostos 
urbanos que surgiriam. Então, se a cidade é uma criação artificial, seus 
bairros também são criações artificiais, pois constituem‐se a partir de 
loteamentos  motivados  pela  especulação  imobiliária,  programas  de 
desfavelamento  e  de  habitações  populares,  que  aglomeram  em 
determinado espaço pessoas com pouca ou nenhuma afinidade social 
ou cultural. Mesmo os significados dos dispositivos sociais que aí são 
instalados  continuam,  em  muitos  casos,  sem  qualquer  sentido  para 
essas pessoas. 

61
Essa  questão  tem  sido  analisada  por  estudiosos,  como 
depreendemos do trecho a seguir: 
 
Pensamos  que  nossa  proposta  atual  de  considerar  o  espaço  geográfico 
como  a  soma  indissolúvel  de  sistemas  de  objetos  e  sistemas  de  ações 
pode ajudar esse projeto. Esses objetos e essas ações são reunidos numa 
lógica que é, ao mesmo tempo, a lógica da história passada (sua datação, 
sua  realidade  material,  sua  causação  original)  e  a  lógica  da  atualidade 
(seu funcionamento e sua significação presentes). Trata‐se de reconhecer 
o  valor  social  dos  objetos,  mediante  um  enfoque  geográfico.  A 
significação  geográfica  e  o  valor  geográfico  dos  objetos  vem  do  papel 
que,  pelo  fato  de  estarem  em  contiguidade,  formando  uma  extensão 
contínua, e sistemicamente interligados, eles desempenham no processo 
social. (SANTOS, 2006, p. 49) 
 
A  leitura  das  proposições  sobre  espaço  expostas  por  Milton 
Santos levam‐nos a sugerir alguns parâmetros para a configuração de 
“território”  como  será  entendido  em  nosso  estudo,  ou  seja,  território 
como  um  “sistema”,  como  se  infere  do  texto  acima:  “a  soma 
indissolúvel  de  sistemas  de  objetos  e  sistemas  de  ações”, 
evidenciando,  entre  suas  categorias  analíticas,  “a  paisagem,  a 
configuração  territorial,  a  divisão  territorial  do  trabalho,  o  espaço 
produzido  ou  produtivo”  (Id,  p.12).  Por  outro  lado,  o  território  será 
entendido como um fenômeno dinâmico, em constante transformação: 
“É  assim  que  os  lugares  se  criam,  e  se  recriam  e  renovam,  a  cada 
movimento da sociedade” (Ibid, p. 14); e mais:  
 
Recursos  são  coisas,  naturais  ou  artificiais,  relações  compulsórias  ou 
espontâneas,  ideias,  sentimentos,  valores.  É  a  partir  da  distribuição 
desses  dados  que  os  homens  vão  mudando  a  si  mesmos  e  ao  seu 
entorno.  Graças  a  essa  ação  transformadora,  sempre  presente,  a  cada 
momento  os  recursos  são  outros,  isto  é,  se  renovam,  criando  outra 
constelação de dados, outra totalidade. (Id 86) 
 
Percebemos,  neste  momento,  território  como  um  fato  social,  um 
produto  cultural,  noção  que  vai  corroborar  e  embasar  os  projetos  e 
empreendimentos  solidários.  Ainda  mais,  ressalta  Santos  a  estreita 
relação  entre  espaço  e  tempo,  ao  afirmar:  “a  essência  da  existência 

62
reside  na  transição  entre  o  já  dado  e  a  nova  solução,  pois  o  presente 
contém  um  apetite  para  um  futuro  não  realizado.  Também  Lukács 
chama  a  atenção  para  esse  momento  de  passagem”  (Ibid.,  p.  78), 
apontando  para  as  possibilidades  de  transformação  do  espaço  que 
estão na raiz das iniciativas solidárias. 
Continuando  a  sua  linha  de  pensamento,  o  autor  estabelece  a 
interdependência entre universal e particular, considerando que: 
 
Assim,  o  espaço,  é,  antes  do  mais,  especificação  do  todo  social,  um 
aspecto  particular  da  sociedade  global.  A  produção  em  geral,  a 
sociedade  em  geral,  não  são  mais  que  um  real  abstrato,  o  real  concreto 
sendo uma ação, relação ou produção específicas, cuja historicidade, isto 
é, cuja realização concreta somente pode dar ‐se no espaço. (Ibid., p.77) 
 
Assim,  sugere‐se  que  o  todo  só  será  plenamente  conhecido  por 
meio do conhecimento das partes, do mesmo passo que as partes, pelo 
seu  lado,  só  se  realizarão  completamente  com  o  conhecimento  do 
todo. É por esse ângulo que se entende o trabalho de relacionamento 
das redes sociais, fazendo a ponte entre a totalidade e o particular: a 
transformação  ideológica  estaria  relacionada  ao  “todo”,  mas  a 
realização  concreta,  o  ‘por  em  prática”,  acontece  com  a  vivência  e  a 
ação das partes, ou seja, o trabalho das comunidades.  
Ressaltamos  ainda  outro  aspecto  do  “território”,  sugerido  por 
Santos: 
   
Então  o  mundo  se  dá  como  latência,  como  um  conjunto  de 
possibilidades  que  ficam  por  aí,  vagando,  até  que,  chamadas  a  se 
realizar, transformam‐se em extenso, isto é, em qualidades e quantidades. 
Tais essências seriam, então, o Real Possível, possibilidades reais, e não 
ideais.  Esse  Real  se  dá  como  configuração  viável  da  natureza  e  do 
espírito,  em  um  dado  momento:  uma  técnica  nova  ainda  não 
historicizada, uma nova ação apenas pensada. (Ibid., p.80) 
 
Dessa maneira, considerando o território como um “conjunto de 
possibilidades”,  os  eventos  seriam  resultantes  das  possibilidades 
oferecidas  pelo  lugar,  e  justamente  esse  seria  o  trabalho  das  redes, 
fazer aflorar a capacidade latente das comunidades, levar à realização 
de  projetos  que  já  existiriam  como  possibilidades,  como  sonhos  e 

63
desejos não verbalizados; seria a perfeita colaboração entre universal e 
particular. Diz ainda o autor, remetendo‐se a Aristóteles: “todo ser em 
ato  tem  a  potência,  mas  o  que  tem  a  potência  nem  sempre  passa  ao  ato. 
Enquanto real‐abstrato, a totalidade é potência: é através das formas que se 
torna  ato,  real‐concreto.”  (Ibid.,  p.79),  palavras  que  provavelmente 
explicitam  o  trabalho  solidário:  “emponderar”  os  indivíduos  do  lugar, 
“dar  a  potência”  para  realizar,  ligando  a  realidade  concreta  à  totalidade; 
por meio da indução ao ato de “sonhar”, capacitar o ser a imaginar uma 
outra realidade, induzi‐lo à ação.  
 
Conclusão 
 
Tudo  o  que  aqui  foi  pensado  e  racionalizado  necessita  ser 
divulgado,  ou  seja,  se  não  estiver  disponível  para  discussões 
populares  e  se  ficar  restrito  apenas  ao  círculo  acadêmico,  toda  essa 
argumentação pouco efeito terá como instrumento de mudanças. Se a 
ciência e a tecnologia forem consideradas a “fronteira sem fim”, como 
assinalado  no  documento  de  Vannevar  Bush,  se  não  tangenciarem  a 
sociedade, o domínio da monoideia capitalista continuará vencendo em 
um  mundo  dominado  pela  miséria.  Como  esse  encontro  poderá  ser 
promovido? Mikhail Bakhtin, filólogo russo do início do século XX, dá 
inúmeras pistas em seu livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, como 
podemos perceber da citação a seguir: 
 
...a compreensão é uma resposta a um signo por meio de signos. E essa 
cadeia  de  criatividade  e  de  compreensão  ideológicas,  deslocando‐se  de 
signo  em  signo  para  um  novo  signo,  é  única  e  contínua:  de  um  elo  de 
natureza semiótica (e, portanto, também de natureza material) passamos 
sem  interrupção  para  um  outro  elo  de  natureza  estritamente  idêntica. 
Em nenhum ponto a cadeia se quebra, em nenhum ponto ela penetra a 
existência  anterior,  de  natureza  não  material  e  não  corporificada  em 
signos. (BAKHTIN, 2002, p.34) 
 
Claramente, uma sociedade menos piramidal já era antevista por 
Bakhtin com a imagem dos elos que se conectavam ininterruptamente. 
Foi  mais  explícito  ao  dizer  que  a  mudança  não  se  daria  na 
superestrutura  mas,  sim,  na  infra‐estrutura,  ao  escrever  sobre  o 

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surgimento  da  consciência,  ou  melhor,  em  suas  palavras:  “a 
consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo 
ideológico  (semiótico)  e,  consequentemente,  somente  no  processo  de 
interação social.” (Id, p. 34). Lançava, deste modo, as ideias que foram 
mais  tarde  mobilizadas  e  rediscutidas  por  Manuel  Castells  em  sua 
trilogia A Sociedade em Rede (1996), O poder da identidade (1997) e Fim do 
Milênio  ‐  tempo  de  mudança  (1998).  Castells  constata  em  seus  estudos 
que as organizações passaram a se estruturar em rede, apontando que 
“as  redes  também  atuam  como  porteiros.  Dentro  delas,  novas 
oportunidades  são  criadas  o  tempo  todo.  Fora  das  redes,  a 
sobrevivência fica cada vez mais difícil” (CASTELLS, 2007, p. 232)  
Efetivamente, o que se busca é a ação e esta certamente realizar‐
se‐á  com  o  intuito  de  descobrir  a  identidade  latente  que  subjaz  nas 
comunidades,  ou  ainda,  conforme  Castells:  “nenhuma  identidade 
pode  constituir  uma  essência,  e  nenhuma  delas  encerra,  per  se,  valor 
progressista  ou  retrógrado  se  estiver  fora  de  seu  contexto  histórico”. 
(CASTELLS, 2007, p. 232) 
Com esse objetivo, entendemos que a ação dos Empreendimentos 
Solidários apresenta‐se, no momento, como o ambiente mais propício 
para  a  circulação  de  novas  ideias,  para  o  surgimento  de  modelos 
inovadores de relações sociais, que obedecerão ao contexto histórico e 
cultural das comunidades.  
Se levarmos em conta a elevação dos aglomerados rurais para o 
status  de  aglomerados  urbanos  promovido  pelo  decreto  varguista, 
além do fato de que, ainda hoje, de acordo com modernas legislações, 
cidades  com  menos  que  vinte  mil  habitantes  estão  desobrigadas  de 
realizarem  seu  plano  diretor,  concluiremos  que  isto  impede  que  as 
populações  destas  localidades  possam,  através  de  articulações, 
construir  uma  identidade  local.  Desse  modo,  novos  estudos  deverão 
ser  encetados  para  se  entender  como  se  dá  o  caminho  do 
empoderamento  da  população,  independentemente  do  seu  poder 
econômico,  para  constituírem  comunidades  autosuficientes  e 
autodeterminadas.  Castells  nos  deixa  uma  reflexão  final:  “Na  minha 
visão,  cada  tipo  de  processo  de  construção  de  identidade  leva  a  um 
resultado  distinto  no  que  tange  à  constituição  da  sociedade.” 
(CASTELLS, 2008 p.24). 

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Referências 
 
BAKHTIN,  Mikhail.  Marxismo  e  Filosofia  da  Linguagem.  São  Paulo:  Hucitec, 
2002. 

BAZZO,  Walter A;  Linsingen  Irlan  von;  Pereira,  L.  T..  V.  O  que  são  e  para  que 
servem  os  estudos  CTS.  Artigo  publicado  no  XXVIII  Congresso  Brasileiro  em 
Educação  em  Engenharia.  Ano  2000  –  Disponível  em 
http://www.nepet.ufsc.br/Documentos/ 310.pdf, acessado em 14/06/2010 

BUSH,  Vannevar.  Ciência,  la  frontera  sem  fin,  in  “En  Redes  14,  revista  de 
estudios  sociales  de  la  ciência,  Universidad  de  Quilmes,  Buenos  Aires, 
novembro 1999. 

CASTELLS,  Manuel.  A  sociedade  em  rede.  Editora  Paz  e  Terra  S/A,  6.  ed.,  São 
Paulo, 2007. 

CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Editora Paz e Terra S/A, 6. ed., São 
Paulo, 2008. 

DAGNINO,  Renato  P.  Tecnologia  Social:  ferramenta  para  construir  outra 


sociedade  /  Renato  Dagnino;  colaboradores  Bagattolli,  Carolina  …  [et  al.]  ‐ 
Campinas, SP.: IG/UNICAMP, 2009 

GREEN,  Duncan.  Da  pobreza  ao  poder:  como  cidadãos  ativos  e  estados  efetivos 
podem mudar o mundo. Editora Cortez; Oxford:Oxfan International, São Paulo, 
2009 

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. ‐ 4. ed. 
2. reimpr. ‐ São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. ‐ (Coleção 
Milton Santos; 1) 

SEN,  Amartya.  Desenvolvimento  como  liberdade.  São  Paulo:  Companhia  das 


Letras, 2010. 

VEIGA, José Eli da. “Desenvolvimento Territorial do Brasil: Do entulho varguista 
ao zoneamento ecológico‐econômico”. Artigo disponível em http://anpec.org. 
br/encontro2001/artigos/200105079.pdf Acessado em 10/06/2010 

Ministério  do  Trabalho  e  Emprego  (MTE)  ‐  O  que  é  Economia  Solidária. 


Disponível  em  http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ecosolidaria_oque.asp, 
Acessado em 25/06/2010. 

66
 
POLÍTICAS PÚBLICAS NA SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM 
CIÊNCIA TECNOLOGIA E SOCIEDADE 
 
Cibele Correia Semeão  
 
 
Introdução: 
 
Com  as  constantes  transformações,  o  surgimento  de  novos 
conhecimentos  e  juntamente  com  eles diferentes  problemas  sociais, a 
busca  de  compromissos  estratégicos  tem  aumentado  objetivando 
alcançar um melhor bem estar social.  
A procura atual é utilizar estudos e políticas públicas que possam 
minimizar  as  maiores  dificuldades  da  sociedade  utilizando 
intervenções com objetivos de uma forma geral positivos. 
Com  os  desafios  sócio‐econômicos,  as  disputas  comerciais  entre 
diferentes  países  e  até  cidades  de  um  mesmo  território,  restrições  de 
comunicação devido a desigualdades sociais que dificultam o acesso a 
esses  meios,  a  própria  falta  de  incentivo  para  esse  tipo  de 
conhecimento,  desafios  educacionais  e  grandes  desafios  assistenciais 
na  área  da  saúde;  a  procura  por  uma  solução  mais  simplória  dos 
problemas é praticamente impossível, assim algumas alternativas tem 
surgido visando amenizar essas problemáticas. 
 
Atualmente  o  movimento  evoluiu  para  um  campo  científico 
multidisciplinar  marcado  pelos  estudos  das  tradições  européia, 
americana e latino‐americana em CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), 
com  três  linhas  principais:  pesquisa,  políticas  públicas  e  educação 
(MIOTELLO, V. HOFFMANN W. A, 2008). 
 
Assim nesse artigo é feita uma breve discussão sobre a construção 
social das políticas públicas, com enfoque na Política de Prioridade de 
Pesquisa  em  Saúde  (2004),  e  da  agenda  pública,  refletindo  nos 
condicionantes sociais existentes nesse processo de elaboração que as 
tornam temas mais relevantes do que outros também estudados.  

  67
Criação de Políticas Públicas e Agenda Pública 
 
Na  década  de  80  com  a  criação  do  Sistema  Único  de  Saúde  no 
Brasil (SUS) surgem princípios como a universalidade, integralidade e 
eqüidade além de leis como a Lei Orgânica 8.080 que declara a saúde 
como direito do cidadão e um dever do Estado. 
A  partir  desse  momento  onde  o  Estado  interfere  diretamente  na 
atenção  a  saúde  do  individuo,  esse  também  adquire  o  compromisso 
de  desenvolver  programas,  planejamentos  e  políticas  que  possam 
melhorar  a  qualidade  de  vida  do  cidadão  e  visem  minimizar  os 
problemas de saúde da população. 
A  política  pública  é  a  ação  intencional  do  Estado  junto  à 
sociedade.  Assim,  por  ser  voltada  para  a  sociedade  e  envolver 
recursos  sociais,  toda  política  pública  deve  ser  sistematicamente 
avaliada  do  ponto  de  vista  de  sua  relevância  e  adequação  às 
necessidades  sociais,  além  de  abordar  os  aspectos  de  eficiência, 
eficácia e efetividade das ações empreendidas. 
O  Brasil  assim  como  diversos  países  em  desenvolvimento 
apresenta  grandes  dificuldades  sociais  como  desigualdades 
econômicas, problemas  educacionais, ausência  de uma  infraestrutura 
que facilite o trabalho e a vida da população além de diversos desafios 
na  área  da  saúde,  como  doenças  crônicas  (hipertensão,  diabetes), 
doenças  tropicais  e  também  doenças  transmissíveis,  além  de  novas 
patologias e reemergência de outras.  
Segundo Brasil (2004), a partir de 1980 cresceu a articulação entre 
os países em torno do fato de que a pesquisa na área da saúde é um 
importante  instrumento  para  a  melhoria  das  condições  de  saúde  das 
populações  e  também  para  a  “tomada  de  decisões  na  definição  das 
políticas  e  no  planejamento  em  saúde”  (BRASIL,  2004,  p.48),  o  que 
tem  contribuído  para  a  melhoria  das  ações  de  promoção,  proteção, 
recuperação  e  reabilitação  da  saúde  e  diminuição  das  desigualdades 
sociais. 
Diante desses desafios, é cada vez mais complexa a delimitação de 
doenças que são  consideradas um  problema  de  saúde  pública, assim 
como delimitar quais são as prioridades de pesquisa em saúde. Nessa 
situação  a  agenda  pública  se  torna  os  compromissos  assumidos  pelo 

68   
governo,  seus  objetivos  ou  interesses  imediatos,  suas  prioridades  ao 
lado de suas restrições.  
Para se formular uma política pública primeiramente é definida a 
agenda  pública,  os  assuntos,  as  políticas  e  no  final  existe  a  etapa 
decisória que é momento onde se decide o que vira política ou não. 
 
A  entrada  de  um  tema  na  agenda  política  ou  pública  ocorre  quando  o 
governo  passa  a  priorizá‐lo  como  um  problema  público  e  o  considera 
passível  de  ser  transformado  numa  política  pública.  Os  problemas  que 
farão  parte  da  agenda  são  escolhidos  por  indivíduos  ou  grupos  que 
possuem  poder  suficiente  para  influenciar  as  decisões  do  governo  na 
configuração da agenda. (LIMA; NEVES; DAGNINO, 2008). 
   
A  construção  de  uma  agenda  pode  ser  sistêmica  ou  não 
governamental, governamental e de decisão. A sistêmica reflete à lista 
de  assuntos  que  são  há  anos,  preocupação  do  país,  sem  merecerem 
atenção  do  governo,  a  governamental  fala  dos  problemas  que 
merecem  atenção  do  governo  e  a  de  decisão  diz  respeito  a  lista  dos 
problemas que estão em processo de decisão.        
A  política  de  saúde  deve  ser  tratada  como  uma  política  social, 
direcionada para o individuo e também para o coletivo, e assim como 
as  demais  políticas  sociais,  a  política  de  saúde  também  sofre 
influencias  de  diversos  fatores  determinantes.  Esses  fatores 
determinantes  podem  ser  sócias,  econômicos  e  também  de  interesses 
particulares.  
Para que uma política seja efetiva ela depende das características 
das agências implementadoras; das condições políticas, econômicas e 
sociais  (opinião  pública,  partidos,  elites)  e  também  de  como  é 
executada as atividades estipuladas. É o instante em que as questões 
públicas  surgem  e  formam  correntes  de  opinião  ao  seu  redor  –  que 
contribuem  para  a  formação  de  agendas  com  questões  que  merecem 
políticas  definidas.  Devido  a  essas  influencias  é  necessário  que  a 
população  possua  um  papel  atuante  nas  decisões  de  pautas  a  serem 
inseridas  nos  projetos  de  políticas  públicas,  isso  porque  é  a  própria 
população que vai posteriormente usufruir dos benefícios gerados por 
esses projetos. 

  69
Para  que  exista  esse  papel  atuante  do  cidadão  é  necessária  uma 
compreensão  maior  sobre  a  ciência  e  seus  benefícios,  sobre  a 
tecnologia e o papel social das pessoas no seu desenvolvimento.  
 
“Assim,  as  perspectivas  de  popularização  da  C  &  T  estariam  ligadas  a 
uma  ampliação  do  entendimento  e  conhecimento  público  sobre  os 
benefícios  trazidos  pela  atividade  científico‐tecnológica.  O  modelo  de 
déficit,  que  predominou  nas  primeiras  políticas  de  popularização  da 
ciência,  privilegia  o  cientista  e  coloca  a  comunicação  da  ciência  como 
tendo uma única direção – do especialista para o publico leigo. É baseado 
na  superioridade  do  conhecimento  cientifico  sobre  o  tradicional  e  na 
limitada  capacidade  de  entendimento  e  interpretação  do  público  em 
questões de C & T.” (LIMA; NEVES; DAGNINO, 2008). 
 
“A cidadania pressupõe a existência de uma comunidade política 
nacional,  na  qual  os  indivíduos  são  incluídos,  compartilhando  um 
sistema  de  crenças  com  relação  aos  poderes  que  se  atribuem  aos 
cidadãos” (GIOVANELA et al, 2008). 
 
Política de Prioridade de Pesquisa em Saúde  
 
O  interesse  pelo  desenvolvimento  científico  e  tecnológico  de 
pesquisas em saúde tem sido crescente no Brasil, buscando estabelecer 
uma  Política  Nacional  de  Ciência  e  Tecnologia  em  Saúde  e 
identificando prioridades em pesquisa e desenvolvimento tecnológico 
pautadas  em  três  princípios  constitucionais  do  Sistema  Único  de 
Saúde  (SUS):  universalidade,  integralidade  e  eqüidade  (BRASIL, 
2004). 
Com  os  constantes  estudos,  pesquisas  e  modificações  em  saúde, 
cada vez mais torna‐se necessário estabelecer um olhar atencioso para 
os  resultados  das  pesquisas  através  de  suas  publicações  nos 
periódicos da área de saúde.          
Atualmente, as políticas de saúde estão atentas para as temáticas 
de  ciência  e  tecnologia,  visando  não  somente  o  incentivo  para 
utilização de novas tecnologias em saúde, como também priorizando 
alguns temas que são julgados como os mais relevantes para a saúde 
no Brasil. 

70   
A Política Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação em Saúde 
deve  também  organizar  os  sistemas  de  informação  em  Ciência  e 
Tecnologia  em  Saúde  que  armazenem  o  conhecimento  sobre  a 
situação  geral  da  produção  científica  e  tecnológica  existente, 
capacidade  institucional  instalada  de  recursos  humanos,  bem  como, 
projetos  em  andamento;  avaliar  as  inovações  tecnológicas  em  saúde 
quanto a sua eficácia, efetividade e custos, antes de sua incorporação 
pelos  serviços  e  definição  de  mecanismos  de  estímulo  à  participação 
do  setor  produtivo  no  desenvolvimento  científico  e  tecnológico  do 
setor saúde (BRASIL, 2004). 
 
Evidências  disponíveis  sugerem  que  se  observou  relativo  afastamento 
entre as prioridades de pesquisa em saúde e as prioridades da política de 
saúde  no  país  durante  a  segunda  metade  do  século  XX.  A  proximidade 
da  política  de  pesquisa  em  saúde  das  políticas  de  saúde  é  acelerada  em 
todo o planeta, principalmente nos países desenvolvidos. Com o âmbito 
do  complexo  industrial  da  saúde,  a  competição  econômica  por  novos 
medicamentos,  a  emergência  de  novas  doenças  e  reemergência  de 
algumas antigas, o aumento exponencial da velocidade da transformação 
de  conhecimento  novo  em  aplicação  com  o  conhecimento  da  pesquisa 
estratégica. Esses fatores estão levando a política de ciência, tecnologia e 
inovação em saúde para o centro das políticas de saúde (GIOVANELLA 
et al, 2008). 
 
É cada vez mais relevante a elaboração de estudos envolvendo as 
tecnologias  na  área  de  saúde.  A  tecnologia  pode  atuar  como  uma 
ferramenta  para  a  construção  e  solidificação  do  conhecimento,  como 
também  um  meio  de  disseminação  desses  novos  saberes.  Investir  no 
desenvolvimento de novas tecnologias na área de saúde é até mesmo 
uma forma de atender as novas políticas públicas.  
Com  as  constantes  transformações,  o  surgimento  de  novos 
conhecimentos  e  juntamente  com  eles diferentes  problemas  sociais, a 
busca  de  compromissos  estratégicos  tem  aumentado  objetivando 
alcançar um melhor bem estar social.  
 
A ampliação do intercâmbio de conhecimentos e a interação de diferentes 
abordagens,  em  espaços  de  articulação  e  diálogo  entre  Ciência, 
Tecnologia  e  a  Sociedade,  se  mostram  fundamentais  por  conta  do 

  71
aumento  da  complexidade  dos  problemas  que  a  sociedade  enfrenta 
atualmente, advindos dos múltiplos desafios de um mundo globalizado, 
sendo  até  difícil  obter  consenso  sobre  quais  seriam  os  prioritários 
(MIOTELLO, V. HOFFMANN W. A, 2008). 
 
Devido  a  essa  problemática  complexa  da  atualidade,  estudos  e 
políticas  devem  contemplar  um  olhar  menos  especialista  e  mais 
interdisciplinar,  para  tentar  minimizar  as  atuais  dificuldades 
enfrentadas  por  um  país  como  o  Brasil.  Assim  tratar  uma  doença 
infectocontagiosa  como  a  Hepatite  A,  somente  com  medicamentos  e 
não  resolver  o  problema  de  saneamento  básico,  de  educação  sobre 
hábitos  de  higiene  da  população  é  fechar  os  olhos  para  o  real 
problema enfrentado. 
Esse  olhar  interdisciplinar,  que  identifica  a  relação  social  da 
ciência, da tecnologia pode contribuir de uma forma mais abrangente 
para  a  elaboração  de  novas  políticas  publicas  e  estudos  sociais  que 
possam oferecer uma melhor condição de saúde para a população. 
A  comunicação  científica  faz  parte  do  próprio  desenvolvimento 
da  ciência,  favorecendo  a  possibilidade  de  contato  entre  os 
pesquisadores  e  seus  feitos.  Crescentes  investimentos  em  Pesquisa  e 
Desenvolvimento  nem  sempre  são  acompanhados  dos  resultados 
esperados  pela  sociedade,  o  que  parece  demonstrar  que  pode  não 
estar  existindo  uma  conexão  entre  o  setor  de  pesquisa  e  o  setor 
produtivo.   
 
Na  sociedade  latino  americana,  o  desenvolvimento  da  ciência  e  da 
tecnologia  está  marcado  por  profundos  desníveis  próprios  de  nossa 
estrutura econômico social, caracterizados pela ausência de um propósito 
nacional  orientado  a  fortalecer  seu  desenvolvimento,  pela 
heterogeneidade  do  desenvolvimento  técnico  científico,  pela  falta  de 
estratégias  locais  para  fortalecer  os  Sistemas  Locais  de  Inovação,  pela 
falta  de  uma  ciência  nacional,  identificada,  comprometida,  ou  seja,  uma 
ciência  para  a  competitividade  e  desenvolvimento”.  (ACEVEDO 
PIÑEDA, 2007, p.258) 
 
Para que ocorra uma atuação efetiva da população nesses setores 
de  decisões  públicas  é  necessário  que  se  construa  mecanismos  de 

72   
acesso,  mecanismos  democráticos  que  facilitem  a  abertura  dos 
processos de tomada de decisão. 
Além do papel do governo em oferecer uma diferente condição ao 
cidadão  do  seu  país  esse  também  é  fundamental  para  optar  pela 
entrada de um tema na agenda política ou publica, pois é o governo 
que  passa  a  priorizar  certo  tema  como  um  problema  público  e  o 
considera importante para gerar uma política pública. 
A condição social adotada por um país influencia diretamente na 
proteção  que  esse  oferece,  gerando  diferentes  condições  políticas, 
assim  o  acesso  a  saúde  pode  ser  uma  caridade,  beneficio  adquirido 
mediante pagamento prévio, ou um direito a cidadania.  
 
Considerações Finais 
 
Pensando  nas  atuais  dificuldades  enfrentadas  pelo  Brasil,  nas 
doenças que mais afetam a população nas atuais condições de vida e 
nos  novos  desafios  se  torna  mais  evidente  a  necessidade  de 
programas que interfiram nessas problemáticas e que sejam relevantes 
para a população que necessita dessas intervenções. 
Contudo  considerando  como  são  elaborados  esses  projetos, 
políticas  e  agenda,  é  fundamental  uma  análise  desse  processo  e  a 
criação  de  mecanismos  que  tornem  acessível  à  participação  da 
população  nessas  decisões,  ou  ao  menos  que  essa  elaboração  seja 
compreendida pela população.  
Refletindo na relevância social existente em uma política pública, 
como  essa  é  formulada,  sua  agenda  política  e  sua  implementação 
podemos  compreender  as  influências  que  essa  sofre,  econômicas, 
sociais  e  até  culturais.  Como  é  real  a  necessidade  em  gerar 
mecanismos  de  maior  participação  social  e  também  compreensão  do 
sistema de saúde, porque certos temas são selecionados. 
É relevante investigar se a Política de Prioridade de Pesquisa em 
Saúde que foi implementada em 2004 está sendo cumprida, ao menos 
em  nível  acadêmico,  já  que  essa  estipula  alguns  temas  de  saúde  que 
devem  ser  pesquisados.  Isso  para  que  se  possa  analisar  parte  da 
implementação da política.  

  73
No  Brasil,  saúde  pública,  ciência  e  tecnologia  ainda  são  temas 
pouco  explorados  pela  maioria  da  população,  ainda  não  existe  uma 
popularização  desses  assuntos,  o  que  acaba  diminuindo  o 
entendimento  do  individuo  sobre  os  benefícios  trazidos  pelas 
atividades cientificas, tecnológicas e sociais. 
 
 
 
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  75
 
 
A NÃO NEUTRALIDADE DO HOMEM: CIÊNCIA E 
TECNOLOGIA NOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, 
CIÊNCIA E TECNOLOGIA 
 
Cintia A. S. Santos  
1

 
Introdução 
 
Ciência  e  tecnologia  são  termos  costumeiramente  utilizados  em 
diversos ambientes, sejam eles empresariais, acadêmicos, institucionais, 
entre outros. Consideradas pela maioria da sociedade como dotadas de 
neutralidade,  dominação,  endeusamento  e  autonomia,  repassam  a 
percepção de que propiciam apenas benefícios, estando estes atrelados, 
em sua maioria, nas áreas da saúde, comunicação e do bem‐estar para a 
qualidade de vida do ser humano. 
Verifica‐se tal consideração da sociedade, conforme destaca Setzer 
(2007), “essa dominação provém de um verdadeiro endeusamento da 
ciência e de sua filha, a tecnologia, um verdadeiro fanatismo por elas”. 
Observam‐se  apontamentos  de  diferentes  autores  com  relação  às 
posições  sociais  que  ciência  e  tecnologia  ocupam  em  diferentes 
contextos,  objetivando  progresso,  amparada  pela  “suposta” 
neutralidade e verdade absoluta. 
 
[...]  ainda  é  bastante  difundida  socialmente  uma  suposta  autonomia  e 
neutralidade das práticas científicas e tecnológicas, assim como, não raro, 
a mídia veicula mensagens que apresentam o desenvolvimento científico‐
tecnológico  como  um  processo  inexorável  e  irreversível  na  “marcha  do 
progresso”,  assim  como  proposições  sobre  “conclusões  científicas 
inquestionáveis” (AULER; BAZZO, 2001 apud FARIA; FREITAS, 2007). 
 
A  mídia  veicula  frequentemente  notícias  abarcando  pesquisas 
científicas  e  tecnológicas,  citam‐se  exemplos  observados 

                                                            
1   Mestranda  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e 
Sociedade da Universidade Federal de São Carlos. Orientadora: Profª. Dra. 
Wanda  Aparecida  Machado  Hoffmann,  Co‐orientadora:  Profª.  Dra.  Vera 
Regina Cassari Boccato. Texto Revisado pela Profa. Patrícia Horta 

  77
 
 
recentemente2:  bactéria  com  genoma  artificial  criado  em  laboratório, 
ônibus movido a hidrogênio com tecnologia nacional, entre outras. 
Conforme  descreve  em  sua  tese,  Alberghini  (2009)  relata  que  a 
ciência, a tecnologia e a inovação (CT&I) deixaram de ser, há algumas 
décadas, de interesse apenas de cientistas, pesquisadores, empresários 
e políticos. Nos dias de hoje, o conhecimento rapidamente se transfere 
dos laboratórios para o cotidiano das pessoas, podendo‐se considerar 
que essa transferência, em sua maioria, é auxiliada pela mídia. 
Essa movimentação e massificação midiática em torno da ciência e 
da tecnologia pode ser entendida como um dos processos da chamada 
divulgação  científica.  Bueno  (1984)  descreve  a  divulgação  científica 
como  o  uso  de  processos  e  recursos  técnicos  para  a  comunicação  da 
informação científica e tecnológica à comunidade em geral. 
Objetiva‐se  expressar  a  formação  de  opinião  da  autora  com 
relação à não neutralidade da ciência, tendo em vista sua participação 
no  primeiro  semestre  do  ano  letivo  de  2010  nas  aulas  de  Ciência, 
Tecnologia  e  Sociedade  (CTS),  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em 
Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade  (PPGCTS),  da  Universidade  Federal 
de  São  Carlos  (UFSCar),  através  das  referências  consultadas  e 
investigadas,  busca  por  filmes  que  abordam,  na  forma  de  ficção 
científica, a temática tratada, a troca de experiência entre os discentes 
e os docentes que ministram a disciplina, assim como as palestras de 
ilustres  docentes  da  casa  e  de  outras  Instituições  parceiras.  Todo  o 
arcabouço de informações servira para o embasamento da autora com 
relação à formação de sua opinião.    
O PPGCTS, programa multidisciplinar, propicia a leitura da CTS 
por diferentes abordagens e desperta em seus discentes a importância 
da  participação  consciente  da  sociedade  com  relação  às  suas 
temáticas. 

                                                            
2   Os  exemplos  citados  foram  veiculados  na  mídia  televisiva  e  poderão  ser 
checados: Bactéria com genoma artificial criado em laboratório, reportagem 
veiculada  pelo  Telejornal  Hoje  de  25  de  maio  de  2010.  Ônibus  movido  a 
hidrogênio  com  tecnologia  nacional,  notícia  disponível  na  pagina  de 
Internet:  http://www.planeta.coppe.ufrj.br/artigo.php?artigo=1201,.  Acesso 
em: 17 jun. 2010.  

78  
 
 
Faz‐se  necessário  pensamento  crítico  sobre  a  sociedade  que  a 
própria sociedade quer. Sabe‐se de fato o que é ciência e tecnologia? A 
sociedade  busca  conhecimento  sobre  a  ciência  e  a  tecnologia?  As 
instituições  dos  diferentes  segmentos  (educacionais,  comerciais, 
industriais) se preocupam com a CTS? O homem possui neutralidade 
com  relação  à  ciência  e  a  tecnologia?  Os  avanços  científicos  e 
tecnológicos  são  oriundos  das  necessidades  básicas  humanas  ou  de 
interesses da minoria?  
O  viés  pelo  qual  percorrerá  o  artigo  será  o  da  percepção  da  não 
neutralidade  do  homem  nos  processos  que  envolvem  ciência  e 
tecnologia,  especificamente  nos  Institutos  Federais  de  Educação, 
Ciência  e  Tecnologia,  ambiente  no  qual  há  vivência  e  experiência 
profissional da autora de apenas quatro anos. 
Será  necessário  discorrer  sobre  a  contextualização  histórica  da 
ciência  e  da  tecnologia,  assim  como  da  trajetória  histórica  dos 
Institutos Federais.  
Ao  final  do  trabalho,  espera‐se  demonstrar  que  o  homem  não 
possui neutralidade alguma em relação à ciência e tecnologia. 
Todo avanço, seja ele científico ou tecnológico, carrega impressões 
e vestígios do homem que o faz, seja para o benefício ou malefício da 
sociedade em que vive. 
 
Contextualização histórica da Ciência, Tecnologia e Sociedade  
 
Buscou‐se  obter  primeiramente  informações  sobre  as  definições 
para ciência e para tecnologia, das diferentes fontes verificadas. Foram 
escolhidas as definições do Dicionário Houaiss. 
A  melhor  definição  de  ciência  para  o  contexto  é:  corpo  de 
conhecimentos  sistematizados  que,  adquiridos  via  observação, 
identificação,  pesquisa  e  explicação  de  determinadas  categorias  de 
fenômenos  e  fatos,  são  formulados  metódica  e  racionalmente 
(HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 714). 
Para tecnologia, tem‐se: teoria geral e/ou estudo sistemático sobre 
técnicas,  processos,  métodos,  meios  e  instrumentos  de  um  ou  mais 
ofícios ou domínios da atividade humana (HOUAISS; VILLAR, 2001, 
p. 2683). 

  79
 
 
Schor contextualiza brilhantemente a proximidade entre ciência e 
tecnologia,  baseada  nas  idéias  dos  autores  Castoriadis,  Castells  e 
Lacey:  
 
A modernidade como período da história ocidental e por ela conceituado, 
define‐se, entre um conjunto possível de características, como o processo 
social,  no  qual  o  desenvolvimento  tecnológico  é  fundante 
(CASTORIADIS,  1997  apud  SCHOR,  2007).  É  na  modernidade  que  se 
estabelece  uma  relação  íntima  entre  a  forma  de  pensamento  e  o 
desenvolvimento tecnológico. A tecnologia não determina ou qualifica a 
sociedade:  é  a  sociedade.  E  a  sociedade  não  pode  ser  entendida  ou 
representada  sem  suas  ferramentas  tecnológicas  (CASTELLS,  2003  apud 
SCHOR,  2007).  A  racionalidade  característica  da  modernidade  ganha 
força e se estabelece como um dos principais determinantes das relações 
sociais,  pelo  fato  de  proporcionar  e,  ao  mesmo  tempo,  fundamentar  o 
desenvolvimento  tecnológico.  A  ciência,  dada  sua  força  de  explicação  e 
transformação  da  tecnologia  e,  conseqüentemente,  da  estrutura  social,  é 
reconhecida como forma privilegiada de entendimento do mundo. Daí a 
proximidade  entre  a  ciência  e  a  tecnologia:  a  ciência  fornece  não  só  a 
possibilidade  de  desenvolvimento  tecnológico,  vital  ao  movimento  da 
modernidade,  mas  também  fornece,  por  meio  de  seu  instrumental 
teórico,  a  possibilidade  racional  do  entendimento  dessa  própria 
característica  fundante  do  nosso  tempo  (CASTORIADIS,  1997;  LACEY, 
1998 apud SCHOR, 2007). 
 
 Antes  de  1500,  a  visão  do  mundo  era  orgânica,  caracterizada 
basicamente  pela  dependência  do  ser  humano  com  a  natureza, 
entrelaçada  esta,  dos  fenômenos  naturais  e  espirituais.  A  estrutura 
científica  da  época  estava  arraigada  apenas  a  Aristóteles  e  à  Igreja. 
(CAPRA, 1981, p. 49). 
A  ciência  medieval  baseava‐se  na  razão  e  na  fé,  objetivando 
apenas descobrir o significado das coisas e não exercer a antecipação 
ou o controle da natureza. (CAPRA, 1981, p. 49). 
A  relação  ciência  e  fé  era  íntima,  não  havia  questionamentos  à 
Igreja  e  nem  sobre  as  influências  que  a  natureza  tinha  sobre  o  ser 
humano,  não  havia  questionamentos  aos  homens  de  fé,  tendo  estes 
total  autonomia  para  decidirem  o  que  era  permitido  investigar  e 
comprovar, dentro dos preceitos científicos e religiosos. 

80  
 
 
Da  era  medieval  até  os  dias  atuais,  ocorreram  muitas 
modificações.  A  ciência  e  a  fé  se  desvincularam,  a  visão  de  mundo 
deixou de ser orgânica, sendo hoje materializada.  
Foram  dadas  grandes  contribuições  históricas  na  trajetória  da 
ciência  e  da  tecnologia,  contribuições  oriundas  de  ilustres  filósofos, 
matemáticos,  físicos,  astrônomos,  tais  como:  Copérnico,  Kepler, 
Bacon,  Galileu,  Descartes,  Newton,  Locke,  Lamarck,  Darwin,  entre 
outros.  
Os  séculos  XVI  e  XVII  foram  conhecidos  como  a  Idade  da 
Revolução  Científica,  iniciada  por  Copérnico,  trazendo  a  oposição  à 
concepção geocêntrica. (CAPRA, 1981, p. 50). 
Foram valiosos estudos e experimentações, baseados muitas vezes 
na  experimentação,  descrição  matemática  da  natureza,  concepção  de 
verdade  absoluta  na  ciência,  método  cartesiano,  teorias  científicas, 
teorias  da  evolução,  mecanização  da  ciência,  avanços  na  física, 
astronomia, biologia e medicina. 
Segundo  Capra,  “a  ciência  moderna  tomou  consciência  de  que 
todas  as  teorias  científicas  são  aproximações  da  verdadeira  natureza 
da realidade; e de que cada teoria é válida em relação a certa gama de 
fenômenos”. (1981, p. 95). 
Hoje, trabalha‐se não mais com a concepção de verdade absoluta 
em ciência e sim com a concepção de repostas temporárias. A verdade 
científica  existe  no  momento  que  se  faz  necessário,  o  que  é 
comprovado cientificamente hoje pode ser contestado amanhã. 
Ainda  para  Capra:  “a  ciência  avança  através  de  respostas 
provisórias, conjeturais, em direção a uma série cada vez mais sutil de 
perguntas  que  penetram  cada  vez  mais  fundo  na  essência  dos 
fenômenos naturais” (1981, p. 95). 
Na  Revolução  Industrial,  constituiu‐se  o  capitalismo,  no  qual  as 
ciências  duras  se  destacaram  fortemente  (ciências  exatas  e 
posteriormente  biológicas),  por  apresentarem  retorno  financeiro, 
geralmente  atrelado  à  produção  de  bens  e  serviços.  Desta  forma,  as 
ciências  humanas  não  tiveram  igual avanço,  pois  os  agentes (Estado, 
empresas,  agências  de  fomento,  entre  outras)  consideravam  as 
ciências  humanas  como  não  produtoras  de  serviços ou  produtos que 
oferecessem retorno financeiro. 

  81
 
 
Tendo  a  ciência  e  a  tecnologia  papéis  fundamentais  para  a 
sociedade,  papéis  oriundos  das  inquietações  e  desejos  humanos,  faz‐
se  necessária  a  participação  e  a  interação  desta.  Surge  no  contexto  a 
imbricação  entre  ciência,  tecnologia  e  sociedade,  na  tentativa  de 
repassar  criticidade  aos  cidadãos,  aproximar  a  sociedade  dos 
discursos e vivência em CTS. 
O capitalismo tem relação direta com a imbricação em CTS: 
 
[...]  é  no  capitalismo  que  a  imbricação  entre  ciência  e  tecnologia  passa  a 
ser  constitutiva  do  auto‐entendimento  da  sociedade.  E  é  na  plena 
consciência  dessa  imbricação  que  áreas  do  conhecimento,  que  lidam 
conjuntamente  com  o  desenvolvimento  teórico  e  tecnológico,  passam  a 
ganhar  força  significativa,  dentre  elas,  as  tecnologias  da  informação 
(sistemas  de  informação  geográfica  ou  bioinformática/  biotecnologia, 
além  dos  desenvolvimentos  farmacêuticos  e  de  nanotecnologia,  por 
exemplo) e a ciência ambiental (no singular ou no plural ou, mesmo, da 
sustentabilidade), para citar duas delas. Essas novas áreas ganham força 
na atualidade, pelo fato de associarem fortemente a ciência e a tecnologia 
aos novos temas de preocupação social. (SCHOR, 2007, p. 340) 
 
As ciências, separadas hoje de um modo geral em ciências exatas, 
humanas e biológicas, realçam um pensar paradoxo com relação a sua 
segregação.  Antigamente,  os  grandes  cientistas  tiveram  influência  e 
relação  com  a  filosofia,  atualmente  a  filosofia  fica  às  margens  dos 
avanços científicos e tecnológicos, participando nos processos quando 
muito, na análise, leitura e interpretação dos diferentes contextos.  
Para  Auler,  a  temática  CTS  “[...]  no  Brasil,  constitui‐se  algo  em 
emergência.  As  iniciativas  ainda  são  incipientes,  muitas  vezes 
isoladas, não traduzidas em programas institucionais.” (2007). 
A  CTS  carrega  consigo  a  responsabilidade  de  chamar, 
primeiramente, a academia, para as discussões em torno da ciência e 
da  tecnologia,  para  que  ocorra  maior  participação  da  sociedade, 
surgimento  de  novos  olhares,  comportamentos  instigadores  e 
questionadores.  
É  esperado  que  gradativamente  a  sociedade  embarque  nessa 
temática,  a  fim  de  trazer  para  si  a  participação  e  a  responsabilidade 

82  
 
 
sobre todos os feitos, sejam eles científicos ou tecnológicos, carregados 
de benefícios ou maléficos. 
Nos termos educacionais, Cerezo apud Farias; Freitas discorre: 
 
[...]  observa  que  o  objetivo  da  educação  CTS  é  abarcar  as  duas  célebres 
culturas  ‐  humanística  e  científico‐tecnológica,  separadas  pela  tradição 
histórica  que  considerou  as  ciências  naturais  o  modelo  para 
instrumentalidade  do  conhecimento.  Outros  objetivos,  ainda  segundo  o 
autor,  compreendem  o  estudo  das  ciências  e  das  tecnologias  com  juízo 
crítico  e  sentido  de  responsabilidade,  bem  como  o  desenvolvimento  de 
atitudes  e  práticas  democráticas  em  questões  de  importância 
socioambiental. (2007). 
 
  A  CTS  objetiva  arrebatar  parcerias,  inserção  na  educação  e 
colaborações  para  um  discurso  e  uma  prática  científica  e  tecnológica 
carregada  de  impressões  humanas  conscientes,  comprometidas,  e 
integradas com as reais necessidades. 
 
Os  Institutos  Federais  de  Educação,  Ciência  e  Tecnologia  de  São 
Paulo no contexto CTS 
 
No  Brasil,  as  primeiras  iniciativas  de  criação  de  ensino 
profissional demonstram a intenção de assistencialismo, com a criação 
de  instituições  que  amparassem  os  órfãos  e  os  desvalidos  da  sorte, 
conforme discorrem Regattieri e Castro (2009). 
Aqui  são  destacadas  rapidamente  as  principais  iniciativas 
relacionadas à educação profissional no Brasil. 
Como  primeira  iniciativa,  teve‐se  a  criação  do  Colégio  das 
Fábricas,  pelo  Príncipe  Regente  D.  João,  em  1809.  Posteriormente 
foram  criados  os  Liceus  de  Artes  e  Ofícios,  ainda  para  amparar 
crianças órfãs e abandonadas, oferecendo‐lhes instrução e iniciando‐as 
em ocupações industriais.  
Em  1906,  fora  consolidada  a  política  de  desenvolvimento  do 
ensino industrial, comercial e agrícola.  
Entre 1909 e 1910, em vários Estados, foram criadas 19 Escolas de 
Aprendizes  e  Artífices,  ainda  destinadas  aos  pobres  e  humildes, 
porém,  também  objetivando  formar  chefes  de  cultura, 

  83
 
 
administradores e capatazes, para atender as necessidades dos setores 
econômicos  da  época,  setores  ferroviários,  agrícolas  e  industriais 
(REGATTIERI; CASTRO, 2009, p. 19). 
Os  Institutos  Federais  de  Educação,  Ciência  e  Tecnologia 
(Institutos  Federais)  são  as  originárias  Escolas  de  Aprendizes  e 
Artífices. 
Regattieri  e  Castro  (2009,  p.  256)  constataram  de  acordo  com 
levantamento  bibliográfico  que  a  educação  profissional  por  muito 
tempo  esteve  reservada  para  aqueles  com  necessidades  de 
incorporação rápida ao mercado de trabalho, de modo que a educação 
geral era reservada para os filhos da elite, que aspiravam a ingressar 
em cursos superiores. Hoje, essa distinção, apesar de menos incisiva, 
ainda existe. 
A educação profissional representou e representa a trajetória e as 
necessidades  econômicas  do  país,  moldando‐se  de  acordo  com  as 
necessidades políticas e econômicas de cada período.  
Hoje,  pode‐se  contar  com  políticas  públicas  que  possibilitaram  a 
expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica3. 
Pelo discorrido, fica claro a não neutralidade do homem nas ações 
com  relação  à  criação  e  toda  trajetória  das  escolas  de  educação 
profissional que inicialmente objetivaram dar ocupação para os menos 
favorecidos,  deixando  o  ensino  regular  para  a  elite  e  tirando  os 
“desvalidos  da  sorte”  da  ociosidade.  Posteriormente,  esses  menos 
favorecidos foram  aqueles  que  ocuparam  os  lugares  nas  fábricas dos 
proprietários da elite, com mão‐de‐obra qualificada.  
De  maneira  alguma  se  faz  incitação  a  não  importância  da 
educação profissional. Pretende‐se no artigo identificar sumariamente 
as  impressões  humanas  nos  chamados  avanços  científicos  e 
tecnológicos, especificamente no contexto da educação profissional. 
A  educação  profissional  recebeu  destaque  no  ano  de  2009. 
Diferentes  atividades  foram  e  estão  sendo  desenvolvidas  para  que  a 
educação profissional seja valorizada e reconhecida. Há por parte do 

                                                            
3   Maiores  informações  sobre  a  Expansão  da  Rede  Federal  de  Educação 
Profissional  poderão  ser  encontradas  através  do  site:  http://redefederal. 
mec.gov.br/  

84  
 
 
Governo Federal iniciativas, tais como a realização de fóruns, eventos, 
e a expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, 
que completou seu centenário no ano de 2009.  
Foi promulgada a Lei nº 11.940, de 19 de maio de 2009 que: 
 
Art. 1º define em todo o território nacional o ano de 2009 como o ano da 
educação profissional e tecnológica; 
Art.  2º  estabelece  o  dia  23  de  setembro  como  o  dia  nacional  dos 
profissionais de nível técnico (BRASIL. Presidência da República, 2009). 
 
A  expansão  da  Rede  Federal  de  Educação  Profissional  e 
Tecnológica pode ser atrelada também à falta de qualificação de mão‐
de‐obra técnica e tecnológica no país4.  
Conforme  histórico  disponível  na  página  de  Internet  do  Instituto 
Federal  de  Educação,  Ciência  e  Tecnologia  de  São Paulo  (IFSP, 2009) 
pode‐se verificar brevemente a trajetória da instituição que compõe a 
Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica.  
Primeiramente, a instituição foi criada como Escola de Aprendizes 
e  Artífices  em  23  de  setembro  de  1909,  com  projeto  inicial  para 
formação de operários e contramestres.  
Dos  anos  60  a  90,  atuou  como  Escola  Técnica  Federal  de  São 
Paulo.  Ministrava,  nesse  período,  cursos  técnicos  de  nível  médio  em 
Mecânica  e  Edificações.  Posteriormente,  passou  a  ministrar  cursos 
técnicos  em  Eletrotécnica,  Telecomunicações,  Processamento  de 
Dados e Informática Industrial.  
Em 1987, foi inaugurada a segunda Escola Técnica Federal de São 
Paulo  no  município  de  Cubatão  (litoral  paulista)  e  em  1996  foi 
inaugurada a terceira escola no município de Sertãozinho (interior do 
Estado de São Paulo). 

                                                            
4   De  acordo  com  dados  da  pesquisa  “Demanda  e  Perfil  dos  Trabalhadores 
Formais  no  Brasil  em  2007”,  produzida  pelo  Instituto  de  Pesquisa 
Econômica  Aplicada  (IPEA),  a  demanda  do  País  não  é  para  cursos  de 
Bacharelado,  mas  para  formação  de  técnicos  e  tecnólogos.  Site  consultado: 
http://www.pnbe.org.br/website/artigo.asp?cod=1856&idi=1&moe=76&id=7
453. Acesso em: 25 jun. 2010.  

  85
 
 
A partir de 2000 a instituição já consolidada, foi transformada em 
CEFET‐SP, acarretando sua reformulação e expansão.    
Em  28  de  dezembro  de  2008,  o  Presidente  da  República,  Luiz 
Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.892: 
 
Art.  1o   Fica  instituída,  no  âmbito  do  sistema  federal  de  ensino,  a  Rede 
Federal  de Educação  Profissional,  Científica  e  Tecnológica,  vinculada  ao 
Ministério da Educação e constituída pelas seguintes instituições: 
I  ‐  Institutos  Federais  de  Educação,  Ciência  e  Tecnologia  ‐  Institutos 
Federais; 
II ‐ Universidade Tecnológica Federal do Paraná ‐ UTFPR; 
III ‐ Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca 
‐ CEFET‐RJ e de Minas Gerais ‐ CEFET‐MG; 
IV ‐ Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais. 
Parágrafo  único.   As  instituições  mencionadas  nos  incisos  I,  II  e  III  do 
caput deste artigo possuem natureza jurídica de autarquia, detentoras de 
autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático‐pedagógica e 
disciplinar. 
Art.  2o   Os  Institutos  Federais  são  instituições  de  educação  superior, 
básica  e  profissional,  pluricurriculares  e  multicampi,  especializados  na 
oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades 
de  ensino,  com  base  na  conjugação  de  conhecimentos  técnicos  e 
tecnológicos  com  as  suas  práticas  pedagógicas,  nos  termos  desta  Lei. 
(BRASIL, 2008). 
 
A  transformação  dos  CEFETs  em  Institutos  Federais,  dez  anos 
depois  que  foram  criados  a  partir  das  Escolas  Técnicas  Federais, 
ocorreu devido à necessidade de adequação à nova realidade da Rede 
Federal  de  Educação  Profissional  e  Tecnológica  e  ao  Estatuto 
atribuído  aos  Institutos  Federais,  que  terão  plena  autonomia 
administrativa,  financeira  e  pedagógica,  equiparando‐se  às 
universidades federais. 
Atualmente,  no  Estado  de  São  Paulo,  existem  21  campi5.  Os 
Institutos Federais são instalados em cidades que sejam consideradas 
polos  tecnológicos  e  que  necessitam  de  qualificação  para  a  mão‐de‐

                                                            
5   Informações  sobre  os  campi  do  Instituto  Federal  no  Estado  de  São  Paulo 
estão disponíveis em: www.ifsp.edu.br 

86  
 
 
obra  local,  disponibilizam  cursos  profissionalizantes  (cursos  técnicos 
integrados  ao  ensino  médio,  cursos  superiores  em  tecnologia)  e 
licenciaturas, para atender a demanda local e regional. 
Cita‐se o campus do Município de Sertãozinho, instalado na cidade 
há  14  anos.  Oferta  cursos  técnicos  integrados  ao  ensino  médio  em 
Administração,  Automação  Industrial,  Mecânica  e  Química;  cursos 
superiores  em  tecnologia  em  Automação  Industrial  e  Fabricação 
Mecânica; e licenciatura em Química.  
A cidade de Sertãozinho6, localizada na região noroeste do Estado 
de São Paulo, é referência na produção de açúcar e álcool. Objetiva a 
qualificação  da  mão‐de‐obra,  assim  como  o  desenvolvimento  das 
indústrias e empresas locais. O empresariado da cidade é articulado e 
trabalha  freneticamente  para  que  a  cidade  obtenha  crescimento 
sucessivo.  Comporta  hoje  550  estabelecimentos  industriais  e  7 usinas 
de açúcar, álcool e destilarias. 
Neste  contexto,  a  CTS  está  embutida  em  diversas  vertentes.  Os 
paradoxos  são  muitos:  ao  mesmo  tempo  em  que  a  cidade  tem 
crescimento  acelerado  e  foi  considerada  em  2010  pelo  índice  da 
Federação  das  Indústrias  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro  (Firjan)  de 
Desenvolvimento  Municipal7  a  sexta  cidade  do  país  com  melhor 
desenvolvimento municipal, problemas de caráter social, ambiental e 
de  infra‐estrutura  surgem  concomitantemente,  tais  como:  os 
malefícios  ambientais  que  trazem  a  queima  desenfreada  da  cana‐de‐
açúcar  que  acarretam  diversos  problemas  bronco‐pulmonares  à 
população; aumento  significativo  no  valor  de imóveis  para  locação  e 
venda;  aumento  considerável  da  quantidade  de  automóveis  na 
cidade;  setor  hoteleiro  insuficiente  para  suprir  a  demanda  local.  É 
manifestada aqui a percepção da autora com relação a esta dualidade.  
Será necessário, em estudos futuros, saber se a população possui a 
percepção da CTS, como enxergam a ciência e a tecnologia e como se 
visualizam neste contexto.   

                                                            
6  Informação extraída do site oficial do município: www.sertaozinhosp.gov.br 
7   Maiores  informações  sobre  o  índice  Firjan  de  Desenvolvimento  Municipal 
poderão ser obtidas através do site: www.firjan.org.br  

  87
 
 
As  autoridades  e  formadores  de  opinião,  de  maneira  geral, 
possuem grande participação e influência com relação à percepção da 
CTS pela população, pois são consideradas os olhos desta. Cita‐se um 
exemplo da relação autoridade e sociedade no contexto CTS:  
 
O  episódio  da  energia  nuclear  é  exemplar  de  uma  relação  problemática 
em  termos  de  interação  CTS  no  Brasil.  Não  só  a  comunidade  científica 
sentia‐se 
marginalizada  em  uma  área  da  pesquisa  que  considerava  de  seu 
essencial. 
Interesse,  como,  também,  historicamente,  a  sociedade  brasileira  em  seu 
conjunto  foi  alijada  das  discussões  sobre  acordos  e  programas  ligados  a 
esta  matéria.  Atendendo  a  estratégias  de  setores  militares  e,  ao  mesmo 
tempo,  a  interesses  das  classes  dominantes,  esta  questão  foi 
decididamente subtraída do processo democrático e, portanto, da política 
e do controle da sociedade civil (ROSA apud FARIAS; FREITAS, 2007). 
 
As autoridades e os formadores de opinião possuem instrumento 
valiosíssimo  sobre  a  sociedade,  a  detenção  do  discurso.  O  mais 
importante na sociedade é ser o “dono do discurso”, de forma que o 
jeito de pensar de quem domina passe e seja transferido para o outro. 
  
Conclusão 
 
Aplica‐se à ciência e à tecnologia atributos, que no entendimento e 
formação  de  opinião  da  autora  não  são  delas,  como  por  exemplo,  a 
neutralidade.  A  neutralidade  da  qual  tanto  se  lê  sobre  a  ciência  e  a 
tecnologia  não  existe.  Há  sim  uma  não  neutralidade  do  homem  com 
relação à ciência e à tecnologia. 
O homem utiliza todo o aparato científico e tecnológico existente 
como  um  arcabouço,  para  cada  vez  mais  se  declarar  auto‐suficiente. 
mas o que se percebe é justamente o efeito contrário: cada vez mais é 
notável  a  falta  de  tempo  entre  as  pessoas,  a  dependência  do  homem 
com relação aos aparatos tecnológicos, a fadiga e a estafa da correria 
cotidiana.  
Na  educação  profissional,  a  situação  não  é  diferente.  Novos 
cursos são desenvolvidos e adaptados à realidade de cada município, 

88  
 
 
para que este seja dotado de formação qualificada, mas a dualidade de 
exclusão  também  aparece,  à  medida  que  nem  toda  população  tem 
acesso às instituições que ofertam esse tipo de educação.  
Faz‐se necessária a iniciativa de levar a discussão sobre a CTS no 
campo  das  idéias,  como  proposta  de  integração,  conscientização  e 
transmissão  de  informações  à  sociedade.  Já  existem  diferentes 
manifestações  de  socialização  da  CTS,  algumas  a  define  como  um 
campo  delimitado,  outras  expressam  a  necessidade  de  incluí‐la  em 
disciplinas nas grades curriculares nas instituições de ensino.  
Deve‐se dar atenção especial aos discursos que os representantes 
educacionais,  políticos  e  sociais  carregam  e  deve‐se  verificar  se  este 
discurso  é  o  mesmo  discurso  que  a  sociedade  quer  defender  e 
carregar, qual a idéia central dele e o que realmente será ofertado para 
a sociedade. 
As decisões políticas e sociais estão nas mãos de poucos e a escola, 
enquanto  agente  educacional,  não  pode  deixar  de  assumir  seu  papel 
frente à realidade econômica, política e social que a cerca (HOMEM & 
TÉCNICA,  1986),  assim  possivelmente  na  escola  possa  se  iniciar  o 
processo  de  desmistificação  da  ciência  e  da  tecnologia  e  de  sua 
suposta neutralidade e verdade absoluta. 
Gurgel  e  Mariano  apontam  um  caminho  para  o  início  desse 
processo: 
 
É  nesta  perspectiva  que  reconhecemos,  nos  resultados  revelados,  que  a 
persistência das distorções e dilemas sobre o controle social, político e a 
objetividade  da  Ciência  e  da  Tecnologia  podem  se  romper  se  forem 
inseridas no processo de ensino e na formação de professores, a História 
e  a  Sociologia  da  Ciência.  Essas  áreas  do  conhecimento,  reconhecidas 
como áreas que buscam focar relações históricas e sócio‐culturais entre o 
homem  e  seu  mundo  natural  e  social,  podem  ajudar  a  repensar  as 
concepções  simplistas  e,  portanto,  contribuir  para  a  superação  de 
explicações  ingênuas  sobre  a  Ciência  e  a  Tecnologia,  revelando‐as  mais 
complexas e comprometidas com os contextos em que foram geradas, em 
especial  seus  diferentes  significados  e  explicações  racionais, 
desenvolvimento  e  rupturas  ocorridas  nos  diferentes  momentos  da 
História (2008, p.68). 
  

  89
 
 
Essa  alternativa,  no  ponto  de  vista  da  autora,  é  considerada 
interessante, embora em longo prazo, trabalhará de maneira gradativa 
e coerente o contexto CTS dentro da educação. 
Os Institutos Federais possuem papel importante nesse processo, 
pois comportam em sua estrutura a pluralidade curricular, abarcando 
diferentes  modalidades  de  ensino,  além  de  formar  cidadãos  aptos  a 
trabalharem  com  as  tecnologias  existentes  no  mercado  de  trabalho, 
frente aos novos avanços científicos.  
A autora pretende, em sua dissertação de mestrado, abarcar qual 
o papel das unidades de informação nesses Institutos Federais e com 
certeza introduzirá o contexto da CTS em sua pesquisa. 
A não neutralidade do homem em relação à ciência e à tecnologia 
existe e também existe a necessidade de discursar sobre o assunto, de 
levar  aos  cidadãos  a  oportunidade  de  enxergar  além  do  que  é 
imposto,  mudar  o  discurso  existente,  que  está  enraizado,  não 
permitindo o pensar diferente e consequentemente o agir consciente. 
 
 
   
Referências 
 
ALBERGUINI, A. C. A ciência nos telejornais brasileiros: o papel educativo e 
a  compreensão  pública  das  matérias  de  CT&I.  In:  FORO  IBERO‐
AMERICANO  DE  COMUNICAÇÃO  E  DIVULGAÇÃO  CIENTÍFICA, 
Campinas, 2009.  

AULER,  D.  Enfoque  ciência‐tecnologia‐sociedade:  pressupostos  para  o 


contexto brasileiro. Ciência & Ensino, v.1, n. especial, 2007. 

BUENO,  W.C.  Jornalismo  científico  no  Brasil:  compromissos  de  uma  prática 
dependente.  (Tese  de  doutorado  apresentada  à  Escola  de  Comunicações  e 
Artes da USP). São Paulo, 1984.  

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.182, de 29 de dezembro de 2008. 
Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria 
os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Brasília, DF, 29 dez. 
2008.  Disponível  em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007‐2010/ 
2008/lei/l11892.htm>. Acesso em: 20 set. 2009. 

90  
 
 
BRASIL.  Presidência  da  República.  Lei  nº  11.940,  de  19  de  maio  de  2009. 
Estabelece 2009 como o Ano da Educação Profissional e Tecnológica e o dia 23 
de setembro como o Dia Nacional dos Profissionais de Nível Técnico. Brasília, 
DF,  19  maio  2009.  Disponível  em:  <http://www.leidireto.com.br/lei‐11940. 
html>. Acesso em: 22 set. 2009. 

CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1981. 

INSTITUTO  FEDERAL  DE  EDUCAÇÃO,  CIÊNCIA  E  TECNOLOGIA  DE 


SÃO  PAULO  (IFSP).  Histórico  da  Instituição,  2009.  Disponível  em:  <http:// 
www.cefetsp.br/lwp/workplace/!ut/p/.cmd/cs/.ce/7_0_A/.s/7_0_AM5/_th/J_0_
9D/_s.7_0_A/7_0_AL5/_s.7_0_A/7_0_AM5>.  Acesso em: 18 jul. 2009. 

FARIAS,  C.  R.  O.;  FREITAS,  D.  Educação  ambiental  e  relações  CTS:  uma 
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GURGEL,  C.  M.  A.;  MARIANO,  G.  E.  A  concepção  de  neutralidade  e 
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argumentação para a inserção da história e sociologia da ciência na construção 
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HOMEM & TÉCNICA. A experiência da Escola Técnica Federal de São Paulo 
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SETZER,  V.  W.  A  missão  da  ciência  e  da  tecnologia.  Disponível  em:  <http:// 
www.ime.usp.br/~vwsetzer/missao‐tecnol.html>. Acesso em: 23 maio. 2010.  

SCHOR, T. Reflexões sobre a imbricação entre ciência, tecnologia e sociedade. 
Scientiæ Zudia, v. 5, n. 3, p. 337‐67, 2007. 

  91
 
ELABORAÇÃO DE INDICADORES DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA 
NO CONTEXTO CTS: A SUSTENTABILIDADE EM FOCO 
 
Claudia de Moraes Barros de Oliveira 
Leandro Innocentini Lopes de Faria [Orientador] 
 
 
1. Introdução 
 
Os últimos anos têm testemunhado o surgimento de uma série de 
iniciativas  no  sentido  de  operacionalizar  o  conceito  de 
desenvolvimento sustentável através de uma ferramenta de avaliação. 
Por  se  tratar de  um  tema relativamente  novo,  a  mensuração  do  grau 
de sustentabilidade do desenvolvimento ainda encontra uma série de 
dificuldades.  Estas  dificuldades  estão  relacionadas  principalmente  a 
falta  de  informações  sobre  as  ferramentas  existentes  e  seu  campo  de 
aplicação  (BOSSEL,  1999;  CONSTANZA,  1991;  MEADOWS,  1988; 
PEARCE, 1993 apud VAN BELLEN, 2005). 
Este  trabalho  procura  discutir  a  importância  da  elaboração  de 
indicadores  de  produção  científica  em  tudo  o  que  se  relaciona  às 
questões  sustentáveis  dentro  da  área  de  Ciência  e  Engenharia  de 
Materiais  e  a  importância  dessas  análises  no  contexto  da  Ciência, 
Tecnologia  e Sociedade.  A  Base de  Dados  Web  of Science  é  sugerida 
neste  estudo  para  auxiliar  na  tarefa  de  recuperar  toda  a  produção 
científica na área de Ciência e Engenharia de Materiais. A opção pela 
apresentação desta base de dados deve‐se a credibilidade que possui 
já que contém a publicação de aproximadamente 9.200 periódicos de 
diversas áreas incluindo a área de Materiais. 
Este  artigo  foi  dividido  em  quatro  partes  principais.  A  primeira 
parte  aborda  alguns  aspectos  relacionados  ao  campo  de  Ciência, 
Tecnologia  e  Sociedade,  a  segunda  parte  aborda  a  importância  das 
questões sustentáveis na área de Ciência e Engenharia de Materiais, a 
terceira  parte  discursa  acerca  do  papel  dos  indicadores  de  produção 
científica  e  a  quarta  parte  aponta  algumas  considerações  gerais  a 
respeito deste estudo. 

  93
2. Referencial Teórico 
 
Este  artigo  apresenta  rapidamente  algumas  definições  propostas 
por importantes autores quanto aos principais assuntos envolvendo o 
tema principal deste estudo.  
 
2.1 Ciência, Tecnologia e Sociedade 
 
Praia  e  Cachapuz  (2005)  discutem  a  trilogia  CTS  (Ciência, 
Tecnologia  e  Sociedade)  como  um  compromisso  ético,  que  obriga  a 
uma intervenção social, marcada por um saber que prepara para uma 
cidadania responsável e para tomada de decisões.  
É  neste  sentido  que  este  estudo  se  pauta,  ou  seja,  no  sentido  de 
conscientizar  a  área  de  Ciência  e  Engenharia  de  Materiais  como  um 
todo  para  as  responsabilidades  dos  cientistas  e  pesquisadores  em  se 
preocupar  com  a  temática  da  sustentabilidade  em  suas  pesquisas 
tanto  do  ponto  de  vista  social,  econômico  e  ambiental  em  que  ela  se 
apresenta  com  vistas  a  nortear  diretrizes  para  políticas  públicas  que 
sejam úteis na tomada de decisão. 
Políticas  Públicas  se  fazem  necessárias  para  posicionar  o  país  no 
cenário  mundial  identificando  as  forças  e  fraquezas  e  assegurando 
oportunidades tecnológicas (ARCHIBUGI, 2009). 
Holdren  (2008)  em  seu  artigo  Ciência  e  tecnologia  para  o  bem  estar 
sustentável  aponta  que  o  avanço  da  ciência  hoje  está  voltado  para 
melhorar a condição humana na busca de ajudar a encontrar soluções 
para déficits como pobreza, fome, doenças, empobrecimento do meio 
ambiente,  opressão  dos  direitos  humanos,  entre  outros.  O  autor 
ressalta  ainda  a  fundamental  importância  em  se  educar  a  sociedade 
em  CTS  e  a  partir  de  uma  sociedade  mais  informada  possibilitar 
avanços  em  tecnologias  que  ajudem  a  dirigir  o  crescimento  da 
economia  através  do  aumento  da  produtividade,  reduzindo  custos, 
reduzindo  o  uso  de  recursos  e  impactos  ambientais  e  fazendo  surgir 
serviços e produtos novos e melhorados. 
Atualmente  em  nosso  país  vemos  que  a  sociedade  contribui 
através do pagamento de impostos e tributos com o financiamento de 
pesquisas  e  de  novas  descobertas  tecnológicas,  porém  não  vemos  a 

94  
participação  em  massa  da  sociedade  na  escolha  daquilo  que  será 
pesquisado,  ou  seja,  a  sociedade  financia,  mas  não  participa  das 
tomadas  de  decisões  que  influenciam  em  sua  própria  vida  desde  as 
pesquisas  para  novos  medicamentos  até  os  alimentos  transgênicos, 
por exemplo. 
Sem  dúvida  é  muito  importante  que  o  país  cresça  em  pesquisa, 
ciência e desenvolvimento de novas tecnologias, mas é primordial que 
concomitante a isto haja uma formação educacional que forneça uma 
base estrutural para que esta sociedade possa decidir por si mesma os 
rumos de seu  país  e que as decisões  quanto ao que  se  pesquisar  não 
fique somente a cargo dos próprios cientistas. 
Na investigação científica contemporânea, a ciência e a tecnologia 
são  indissociáveis,  ou  seja,  caminham  juntas  no  sentido  de  se 
construírem  mutuamente  (LATOUR  apud  PRAIA;  CACHAPUZ, 
2005).  
Cientistas e tecnólogos são grupos de pessoas que aprendem uns 
com  os  outros,  de  formas  mutuamente  benéficas,  quer  os  seus 
trabalhos  se  desenvolvam  sincronicamente  ou  diacronicamente.  É 
essencialmente  da  sua  interação  social  que  se  geram  inovações.  Em 
campos  como  o  da  Ciência  dos  Materiais  é  cada  vez  mais  difícil 
distinguir  as  contribuições  científicas  das  tecnológicas  (PRAIA; 
CACHAPUZ, 2005). 
Uma das principais críticas do campo CTS é justamente pensar se 
toda a produção de Ciência e Tecnologia é realmente necessária para a 
sociedade,  ou  seja,  se  tudo  o  que  se  produz  está  representando  um 
desenvolvimento para a sociedade. 
O campo CTS assim como a proposta de Snow (1995) pensa uma 
nova relação entre a sociedade em que esta se apresenta mais coletiva 
e menos individualista. 
A  linha  de  pesquisa  Gestão  Tecnológica  e  Sociedade  Sustentável  do 
Programa  de  Pós  Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade  da 
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) propõe a compreensão 
das  oportunidades  e  dos  desafios  tecnológicos  presentes  e  futuros, 
enfrentados  por  organizações  empresariais  e  públicas,  para 
formulação  de  estratégias  para  desenvolvimento  sustentável,  social, 
econômico  e  ambiental,  e  para  elaboração  de  políticas  públicas  em 

  95
ciência,  tecnologia  e  inovação.  Como  eixo  central,  são  pesquisadas  e 
aplicadas  metodologias  de  produção  e  gestão  da  informação  e  do 
conhecimento  em  áreas  como:  prospecção  tecnológica;  inteligência 
competitiva  e  monitoramento  tecnológico;  inovação;  análise  histórica 
e  de  tecnologias;  tecnologia  industrial  básica;  desenvolvimento  de 
produtos  e  processos;  produção  e  análise  de  indicadores  de  Ciência, 
Tecnologia  e  Inovação;  gestão  tecnológica;  redes  de  cooperação 
tecnológica;  empreendedorismo  para  o  desenvolvimento  sustentável, 
entre outras (PPGCTS, 2010). 
Uma das conseqüências do avanço da informática e da tecnologia 
em  rede  é  a  facilidade  que  atualmente  se  tem  no  acesso  e  na 
disponibilidade  de  informação.  Castells  (1999)  destaca  que  as 
tecnologias  da  informação  estão  mudando  a  sociedade  de  maneira 
acelerada e podem ser comparadas com uma revolução tecnológica. 
É  necessário que  organizações  e  regiões  industriais desenvolvam 
um ambiente propício à sustentabilidade. A Inteligência Competitiva 
e a Prospecção Tecnológica e Estratégica são instrumentos que podem 
ajudar  nesse  processo  de  construção  de  ambientes  sustentáveis.  A 
participação coletiva na reflexão pode contribuir para o planejamento 
de  ações  apropriadas  no  sentido  de  proporcionar  ao  mesmo  tempo 
um  desenvolvimento  economicamente  viável,  socialmente  justo  e 
ecologicamente correto (RUTHERS, 2007). 
     
2.2  A  Sustentabilidade  para  a  Ciência  e  Engenharia  de  Materiais
   
O padrão de economia capitalista que os países adotaram após a 
Revolução  Industrial  ocasionou,  entre  outras  coisas,  desequilíbrios 
sociais,  exploração  predatória  e  escassez  dos  recursos  naturais.  O 
sistema capitalista contemporâneo baseia‐se no aumento do acúmulo 
de  bens  materiais  como  padrão  de  bem  estar  humano,  deixando  os 
sistemas vivos em detrimento do poder econômico: se há escassez de 
algum  recurso  ele  é  substituído  por  outro.  Porém  observa‐se  que  a 
população  da  Terra  aumenta  e,  uma  vez  que  o  planeta  não  cresce 
junto, há um limite do meio ambiente que sustenta a vida. A solução 
que apresentada é a promoção de uma nova revolução industrial que 
promova  a  economia  sustentável  baseada  no  capitalismo  natural,  no 

96  
qual o ecossistema entra como valor ativo de capital e há um aumento 
radical  da  produtividade  dos  recursos  (HAWKEN,  LOVINS  e 
LOVINS, 1999). 
Com relação ao meio ambiente, Braga et al. (2002) afirmam que o 
modelo  de  desenvolvimento  utilizado  pela  sociedade  é  representado 
por  um  sistema  aberto.  Este  sistema  depende  de  um  suprimento 
contínuo e inesgotável de matéria e energia que, depois de utilizada, é 
devolvida  ao  meio  ambiente.  Assim,  Braga  et  al.  (2002)  propõe  um 
modelo  de  desenvolvimento  sustentável  onde  todos  os  impactos 
oriundos  de  um  processo  de  produção  retornam  ou  são  recuperados 
através  de  ações  restauradoras  que  minimizem  o  impacto  ambiental. 
Este modelo é caracterizado por ser um sistema fechado, onde não há 
saídas  de  resíduos  para  o  meio  ambiente  (BRAGA  apud  RUTHERS, 
2007). 
O  desenvolvimento  de  novas  tecnologias  em  Materiais  tem 
grande  impacto  sobre  a  sustentabilidade  desta  forma  percebemos  a 
importância de pesquisas relacionadas a reciclagem, menor consumo 
de  energia  na  produção  de  Materiais,  uso  de  materiais  naturais  em 
substituição  a  outros  que  degradam  o  meio  ambiente  e  levam  anos 
para se decompor, entre outros. 
A abrangência do campo de Engenharia de Materiais reflete‐se na 
diversificada  produção  científica  encontrada  nos  mais  conhecidos 
periódicos  científicos  disponíveis  em  conceituadas  Bases  de  Dados 
Internacionais. 
Sookap  Hahn  (1994)  em  seu  artigo  Os  papéis  da  Ciência  dos 
Materiais  e  da  Engenharia  para  uma  sociedade  sustentável  enfatiza  os 
hábitos  das  sociedades  avançadas  que  criam,  sem  precedentes, 
materiais  projetados  para  satisfazer  as  necessidades  humanas  ao 
mesmo  tempo  em  que  aponta  que  sem  os  novos  materiais  e  sua 
produção  eficiente,  não  existiria  o  nosso  mundo  de  equipamentos 
modernos, computadores, automóveis, aeronaves, entre outros. 
Na  atual  conjuntura,  onde  as  ameaças  e  oportunidades  são  cada 
vez mais corriqueiras nesse mundo com tantas mudanças, pensar nos 
impactos  que  podem  afetar  o  futuro  próximo  pode  ser  o  diferencial 
que garanta o desenvolvimento sustentável (RUTHERS, 2007). 

  97
É  de  vital  importância  que  os  cientistas  tenham  consciência  ao 
desenvolver  novas  tecnologias  para  que  estas  não  tenham  impacto 
negativo  sobre  o  meio  ambiente  e  conseqüentemente  sobre  a 
sociedade.  
De  acordo  com  Setzer  (2001)  a  tecnologia  não  é  algo  neutro  e 
existe um fanatismo tecnológico que direciona a sociedade a achar que 
tudo o que é científico e tecnológico é ótimo.  
Segundo  o  Relatório  de  Brundtland  (1991),  sustentabilidade  é: 
ʺsuprir  as  necessidades  da  geração  presente  sem  afetar  a  habilidade 
das gerações futuras de suprir as suasʺ.   
Sustentabilidade  é  um  conceito  sistêmico,  relacionado  com  a 
continuidade dos aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais 
da  sociedade  humana.  Propõe‐se  a  ser  um  meio  de  configurar  a 
civilização e atividade humanas, de tal forma que a sociedade, os seus 
membros e as suas economias possam preencher as suas necessidades 
e  expressar  o  seu  maior  potencial  no  presente,  e  ao  mesmo  tempo 
preservar  a  biodiversidade  e  os  ecossistemas  naturais,  planejando  e 
agindo  de  forma  a  atingir  pró‐eficiência  na  manutenção  indefinida 
desses  ideais.  A  sustentabilidade  abrange  vários  níveis  de 
organização,  desde  a  vizinhança  local  até  o  planeta  inteiro 
(WIKIPÉDIA, 2010). 
De acordo com Cabrera (2009) para um empreendimento humano 
ser  sustentável,  tem  de  ter  em  vista  4  requisitos  básicos.  Esse 
empreendimento tem de ser: 
• ecologicamente correto;  
• economicamente viável;  
• socialmente justo; e  
• culturalmente aceito.  
A sustentabilidade deve ser encarada como um conjunto de ações 
sustentáveis que devem partir tanto dos diversos grupos de cientistas 
e  pesquisadores  quanto  de  cada  indivíduo  deste  planeta  que  se 
preocupe  com  sua  própria  sobrevivência  e  dos  seus  (CABRERA, 
2009). 
Antes  de  criar  o  produto  os  cientistas  devem  levar  em  conta  a 
demanda,  ou  seja,  ter  um  olhar  sobre  a  sociedade  e  suas  reais 

98  
necessidades para a partir daí desenvolver um novo produto ou uma 
nova tecnologia que atenda a esta demanda. 
Seja vista toda a discussão a respeito do tema sustentabilidade nos 
dias  de  hoje  e  sendo  a  Ciência  e  Engenharia  de  Materiais  uma  das 
áreas do conhecimento que mais desenvolvem novas tecnologias para 
novos  materiais  a  discussão  das  questões  sustentáveis  neste  campo 
torna‐se  muito  pertinente  e  necessária.  Desta  forma  análises  que 
possam  identificar  o  grau  de  preocupação  dos  pesquisadores  com  o 
tema em suas produções acadêmicas é fundamental. 
 
2.3 Indicadores de Produção Científica 
 
Nas  últimas  décadas,  os  indicadores  de  produção  científica  vêm 
ganhando  importância  crescente  como  instrumentos  para  análise  da 
atividade  científica  e  das  suas  relações  com  o  desenvolvimento 
econômico  e  social.  A  construção  de  indicadores  quantitativos  tem 
sido  incentivada  por  órgãos  internacionais  e  nacionais  de  fomento  à 
pesquisa  como  meio  para  se  obter  compreensão  mais  acurada  da 
orientação  e  da  dinâmica  da  ciência,  de  forma  a  subsidiar  o 
planejamento  de  políticas  científicas  e  avaliar  seus  resultados.  Os 
indicadores de produção científica, somados à família de indicadores 
de insumos para a ciência e tecnologia (C&T) – como os relativos aos 
dispêndios  públicos  e  empresariais  em  pesquisa  e  desenvolvimento 
(P&D),  à  cobertura  e  situação  do  ensino  superior,  aos  recursos 
humanos disponíveis em C&T – têm contribuído de forma definitiva 
para  a  análise  do  desempenho  e  melhoria  da  eficiência  dos  sistemas 
nacionais de ciência, tecnologia e inovação (FAPESP, 2004). 
A  construção  de  indicadores  bibliométricos  elaborados  a  partir 
das  publicações  indexadas  na  Web  of  Science  permite  identificar 
aspectos  importantes  da  evolução  e  situação  atual  da  produção 
científica  e  do  desenvolvimento  de  novas  tecnologias  da  área  de 
Ciência e Engenharia de Materiais.   
Os  indicadores  de  produção  científica  nos  ajudam  a  observar  e 
acompanhar  o  desenvolvimento  das  publicações  acadêmicas  dentro 
de  uma  área  específica  do  conhecimento  podendo  sinalizar  o 

  99
progresso desta área ou do próprio país num determinado período de 
tempo. 
A comparação entre países é baseada na hipótese implícita de que 
o sistema nacional de inovação é de algum modo capaz de distribuir 
conhecimento de uma forma igualitária ao país inteiro. Não é possível 
comparar países como os Estados Unidos e Ghana, por exemplo, neste 
caso  as  diferenças  entre  eles  são  extremamente  discrepantes  e  não 
refletem adequadamente as diferenças nacionais (ARCHIBUGI, 2009). 
Assim  é  preciso  ter  muita  cautela  e  estabelecer  parâmetros  no 
momento de se elaborar os indicadores. 
Sistemas de indicadores, para qualquer esfera, tem se constituído 
importante elemento legitimador na determinação da agenda pública 
e  social  para  o  desenvolvimento.  Cabe  neste  sentido  desenvolver, 
testar  e  aplicar  ferramentas  que  capturem  toda  a  complexidade  do 
desenvolvimento,  sem  reduzir  a  significância  de  cada  um  dos 
elementos  que  fazem  parte  de  qualquer  modelo  de  avaliação  (VAN 
BELLEN, 2005). 
Os  indicadores  de  Produção  Científica  são  muito  úteis  para 
prospecção de novas tecnologias em Materiais que por sua vez podem 
ser  primordiais  para  a  sustentabilidade  além  de  nos  auxiliar  no 
acompanhamento  do  crescimento  da  geração  de  conhecimentos  nos 
usos sustentáveis dos Materiais.  
 
3. Considerações Finais 
   
As  considerações  acerca  deste  estudo  reforçam  a  importância  da 
utilização  de  ferramentas  que  objetivam  medir  a  produção  científica 
de  uma  determinada  área  do  conhecimento.  Este  estudo  procurou 
apresentar  alguns  aspectos  que  revelam  a  importância  de  analisar  o 
desenvolvimento  das  publicações  e  das  novas  tecnologias  na área  de 
Ciência  e  Engenharia  de  Materiais  no  que  diz  respeito  às  questões 
sustentáveis. Entretanto, esta discussão é muito mais ampla do que se 
apresenta neste artigo. 
A  intenção  deste  estudo  foi  fazer  uma  reflexão  para  o  uso  de 
indicadores  de  produção  científica  como  ferramenta  de  análise  com 
um  enfoque  nas  questões  sustentáveis.  Os  indicadores  de  produção 

100  
científica  podem  funcionar  como  elemento  importante  na  elaboração 
de políticas públicas voltadas para a sustentabilidade. 
É  interessante  ressaltar  a  questão  da  compreensão  e  participação 
pública  da  sociedade  na  ciência  e  naquilo  que  é  desenvolvido  pelos 
cientistas de forma que tenhamos uma sociedade mais participativa e 
dinâmica na tomada de decisões. 
É  fundamental  que  os  cientistas  e  pesquisadores  atentem  para  a 
demanda que a sociedade apresenta em relação ao que se pesquisa ao 
mesmo tempo em que devem levar em conta todas as conseqüências 
que aquela nova tecnologia ou aquele novo produto irá trazer para a 
sociedade do ponto de vista sustentável. 
   
 
 
Referências 
 
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ASSOCIAÇÃO  BRASILEIRA  DE  NORMAS  TÉCNICAS.  NBR  6023: 


Informação e documentação ‐ Referências ‐ Elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 
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ASSOCIAÇÃO  BRASILEIRA  DE  NORMAS  TÉCNICAS.  NBR  10520: 


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CASTELLS, M. A sociedade em rede – a era da informação: economia, sociedade e 
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  101
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Paulo: Peirópolis, 2007. 

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SNOW, C. P. As duas culturas e uma segunda leitura: uma versão ampliada das 
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VAN  BELLEN,  Hans  Michael.  Indicadores  de  sustentabilidade:  uma  análise 


comparativa. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005. 256 p. 

WIKIPEDIA,  a  enciclopédia  livre.  Sustentabilidade.  [S.l.]:  [s.n.],  2010. 


Disponível  em:  <  http://pt.wikipedia.org/wiki/Sustentabilidade  >.  Acesso  em: 
21 jun. 2010. 
 

102  
 
CARACTERIZAÇÃO E CATEGORIZAÇÃO DE ATRIBUTOS 
COMO INSTRUMENTOS PARA MELHORIA DE SERVIÇOS: 
UMA APLICAÇÃO À INICIATIVA CONTRIBUINTE DA CULTURA 
 
Cristina Nardin Zabotto 
 
 
 Introdução  
 
Atualmente  o  movimento  CTS  (Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade) 
tem evoluído para um campo multidisciplinar e desde o início segue 
três grandes direções: no campo da pesquisa, das políticas públicas e 
da educação (LOPES CEREZO, 2002):  
‐ Pesquisa: caracteriza um novo olhar na filosofia e sociologia da 
ciência, promovendo uma visão não essencialista e contextualizada da 
atividade científica e dos processos sociais; 
‐  Políticas  públicas:  Defendem  a  regulamentação  pública  da 
ciência  e  tecnologia,  promovendo  a  sua  compreensão,  bem  como 
processos  mais  democráticos  referentes  às  políticas  científico‐
tecnológicas; 
‐ Educação: Trata‐se de refletir uma nova imagem da ciência e da 
tecnologia  na  sociedade  aos  programas  e  materiais  relacionados  ao 
ensino secundário e universitário. 
As concepções de Ciência, Tecnologia e Sociedade são muito úteis 
e  podem  constituir  uma  área  temática  da  extensão.  Segundo  o  plano 
Nacional  de  Extensão  Universitária  (2000/2001),  trata‐se  de  um 
trabalho multidisciplinar que auxilia a visão integrada do social, como 
uma  atividade  acadêmica  que  permite  fixar  um  novo  rumo  à 
universidade brasileira e contribuir para mudanças na sociedade. 
Para  uma  visão  do  trabalho  proposto  torna‐se  necessário  uma 
breve  explicação  referente  à  extensão  universitária  e  em  seguida  um 
detalhamento do projeto de extensão da Universidade Federal de São 
Carlos  com  relação  à  iniciativa  Contribuinte  da  Cultura.  Após  essas 
explanações será apresentado um resumo conceitual das ferramentas 
de  caracterização  e  categorização  de  atributos  para  a  melhoria  de 

  103
serviços:  os  métodos  da  Matriz  Importância  versus  Desempenho  e  o 
Método Kano. Para uma breve ilustração da aplicação dos métodos, é 
utilizado o projeto de extensão Contribuinte da Cultura como estudo 
de caso. 
 
Extensão Universitária 
 
Com  a  industrialização  ocorrida  durante  o  século  XIX,  a 
universidade  deixou  de  ter  o  conhecimento  unitário  e  passou  a 
adquirir  um  caráter  profissionalizante.  Em  função  disso,  essa 
instituição tornou‐se mais voltada a formar profissionais para servir a 
comunidade, bem como despertar a mentalidade científica no sentido 
de  procurar  soluções  aos  problemas  da  modernização  (SANTANA, 
1996). 
Criado em 1931, o Estatuto da Universidade Brasileira, ao permitir 
a  junção  de  três  escolas,  incluiu,  pela  primeira  vez,  a  pesquisa  e 
extensão como função da universidade. No período entre 1960 e 1964, 
houve  a  participação  efetiva  de  professores  e  estudantes  na  extensão 
universitária,  em  decorrência,  principalmente,  da  lei  de  diretrizes  e 
bases  da  Educação,  proposta  em  1961.  Se  por  um  lado  esse 
movimento  propiciou  críticas  sobre  o  elitismo  da  universidade,  por 
outro  lado  acarretou  o  surgimento  de  centros  culturais  e  de 
programas de alfabetização. Não obstante esses avanços, com o início 
do  regime  militar,  em  1964,  esses  programas  foram  suspensos  e 
alguns  dos  responsáveis  por  eles  tiveram  seus  direitos  políticos 
cassados. (SANTANA, 1996). 
Ainda, de acordo com Santana (1996, p.16), em 1968, iniciativas de 
extensão foram retomadas, recebendo, inclusive, grande investimento 
financeiro do governo militar. Nesse sentido, pode‐se mencionar, por 
exemplo, o projeto Rondon. Com esse resgate, a extensão universitária 
tornou‐se importante dentro das universidades. Ao mesmo tempo, as 
instituições de ensino superior eram vistas como empresas modernas 
de  prestação  de  serviços,  enquanto  que  a  extensão  era  tratada 
separadamente. 
 Durante  a  segunda  metade  da  década  de  80,  surgiram  críticas  à 
extensão universitária. O Fórum Nacional de Extensão, por exemplo, 

104  
questionava o caráter assistencialista deste processo. Assim, em 1987, 
surgiu  uma  nova  concepção  da  extensão,  segundo  a  qual,  ele  é  um 
processo  educativo,  cultural  e  científico  que  articula  ensino  e 
pesquisa,  facilitando  a  interação  da  universidade  com  a  sociedade 
(SANTANA, 1996). 
Considerando  que  a  extensão  não  deve  ter  uma  natureza 
assistencialista,  mas  sim  possuir  uma  base  acadêmica,  e  que  a 
instituição tem que ser capaz de produzir conhecimentos relacionados 
à  realidade,  este  trabalho  toma  como  exemplo  de  ligação  entre  a 
comunidade  e  a  Universidade  Federal  de  São  Carlos  o  projeto  de 
extensão  Contribuinte  da  Cultura  e  procura  fazer  uma  abordagem 
analítica,  derivada  de  trabalhos  científicos,  para  aprimoramento 
daquela iniciativa. 
 
Projeto Contribuinte da Cultura 
 
O Projeto Contribuinte da Cultura administrado pela FAI/UFSCar 
(Fundação  de  Apoio  Institucional  ao  Desenvolvimento  Científico  e 
Tecnológico da Universidade Federal de São Carlos) é uma iniciativa 
sem fins lucrativos, cujo objetivo é possibilitar a realização de eventos 
culturais  para  o  público  da  cidade  de  São  Carlos  e  região.  A  sua 
manutenção financeira é realizada por meio de recursos originários de 
pessoas físicas e jurídicas que contribuem mensalmente com pequenas 
parcelas  também  chamadas  de  cotas.  O  valor  de  cada  cota  é  de  dez 
reais, sendo  também  possível  a  cada  colaborador a  contribuição  com 
mais de uma cota. 
O  projeto  de  extensão  Contribuinte  da  Cultura,  dirigido  por  sua 
fundadora Fátima Camargo Catalano, no ano de 2009 completou dez 
anos de existência e durante esse período realizou 500 atividades, com 
aproximadamente  300  mil  frequentadores,  tendo  uma  programação 
constante  em  diferentes  pontos  da  cidade,  contou  também  com  a 
participação estimada de 2500 frequentadores do “Espaço Sete”, local 
onde  são  realizadas  oficinas,  ensaios,  debates,  saraus,  apresentações 
musicais,  apresentações  de  teatro,  cursos  modulares,  entre  outras 
atividades.  O  projeto  também  mantém  em  sua  programação  alguns 
projetos especiais, oferecidos anualmente (FUNDAÇÃO..., 2010). 

  105
De  acordo  com  o  site  da  FAI/UFSCar  (2010),  alguns  desses 
projetos  especiais,  foram,  por  exemplo,  o  espetáculo  musical  “Viva 
Dalva” em homenagem aos 90 anos do nascimento da cantora Dalva 
de  Oliveira;  o  festival  “Chorando  sem  Parar”,  que  reúne  músicos 
locais,  regionais,  músicos  brasileiros  de  renome  internacional  e 
estrangeiros,  com  o  objetivo  de  homenagear  o  “Choro  Brasileiro”; 
produção do documentário “Música Ligeira”, por Fernando Meirelles.  
O  projeto  em  questão  tem  como  um  de  seus  principais 
desdobramentos  o  projeto  “Canal  Aberto  Espaço  7  ‐  Conexão 
Universidade  e  Sociedade  para  a  Disseminação  da  Arte  e  do 
Conhecimento”, habilitado em 2 de setembro de 2009, pela Secretaria 
de  Estado  da  Cultura  conjuntamente  com  o  Ministério  da  Cultura 
como um Ponto de Cultura do Estado de São Paulo no processo SC no 
13/2009,  do  protocolo  679,  tendo  como  proponente  a  Fundação  de 
Apoio  Institucional  ao  Desenvolvimento  Científico  e  Tecnológico 
(MINISTÉRIO...,  2009).  As  atividades  desenvolvidas  têm  como 
público  alvo  crianças  e  adolescentes  do  PROVIM  (Programa  Vida 
Melhor)  da  Rede  Salesianos  de  Ação  Social  de  São  Carlos,  e  contam 
com a parceria do Contribuinte da Cultura, do Departamento de Artes 
da  Universidade  Federal  de  São  Carlos  sob  a  supervisão  da 
Coordenadoria  de  Cultura  da  Pró‐reitoria  de  extensão  da  UFSCar  e 
outros  cursos  de  graduação  da  UFSCar  e  da  USP  São  Carlos 
(FUNDAÇÃO..., 2010). 
O objetivo do projeto tem como premissa criar familiaridade das 
crianças e adolescentes com o ambiente das universidades públicas de 
São Carlos, e assim estabelecer uma ligação entre a vida acadêmica e a 
comunidade  por  meio  de  um  sistema  de  transferência  de 
conhecimento  às  crianças  das  escolas  públicas  e  projetos  sociais.  Os 
temas científicos são abordados não com objetivo de aprofundamento 
teórico, mas ludicamente para despertar a curiosidade e o gosto pelo 
conhecimento através de oficinas projetadas pelo projeto Contribuinte 
da Cultura e ministradas por professores e alunos de diferentes cursos 
de  graduação  das  universidades  envolvidas  no  projeto 
(FUNDAÇÃO..., 2010). 
 

106  
Aplicação  ao  projeto  Contribuinte  da  Cultura  da  caracterização  e 
categorização  de  atributos  como  instrumentos  para  melhoria  de 
serviços 
  
Algumas perguntas a serem respondidas são: o que leva alguém a 
se  associar  a  um  projeto  como  o  Contribuinte  da  Cultura;  quais 
características  do  projeto  Contribuinte  da  Cultura  são  valorizadas  e 
qual o perfil do Contribuinte da Cultura? 
Respostas a essas questões fornecem informações preciosas sobre 
o  desempenho  do  projeto.  Assim,  diante  desses  dados,  é  possível 
avaliar  se  os  seus  objetivos  estão  sendo  atingidos,  bem  como  se  é 
necessário efetuar alguns ajustes para ampliar os resultados. 
 Com  o  intuito  de  reunir  subsídios  para  aprimoramento  ou 
expansão do projeto Contribuinte da Cultura, procurar‐se‐á conhecer 
as  percepções  das  características  observadas  por  seus  participantes  e 
as  das  características  esperadas  por  ainda  não  participantes.    Para 
tanto,  serão  utilizados  dois  métodos  como  uma  abordagem  para  a 
melhoria de produtos ou serviços: a Matriz Importância vs. Desempenho, 
proposta  por  Martilla  e  James  (1977),  para  investigar  e  entender  a 
percepção  e  as  expectativas  dos  consumidores,  e  o  Método  Kano 
(KANO,  1984),  para  categorizar  e  identificar  as  oportunidades  de 
melhoria. 
 
Matriz Importância versus Desempenho  
 
A  análise  da  Importância‐Desempenho,  proposta  por  Martilla  e 
James  (1977),  apresenta  algumas  vantagens  para  avaliar  a  aceitação 
dos  clientes  com  relação  a  produtos  ou  serviços.  Esse  método  é  de 
baixo  custo,  fácil  interpretação  e  pode  apontar  aspectos  onde  a 
empresa  deve  dedicar  maior  atenção  na  tomada  de  decisões  de 
estratégias de mercado.  
A  matriz  possibilita  aos  administradores  o  conhecimento  da 
importância de cada uma das características associadas ao produto ou 
serviço  e  o  desempenho  em  cada  uma  delas,  o  que  permite  maior 
conhecimento  sobre  quais  atributos  do  produto  ou  serviço  deveriam 
ser  melhorados  para  ser  mais  competitivos  no  mercado.  Os  dados 

  107
podem ser provenientes de diferentes tipos de pesquisas referentes à 
satisfação  do  consumidor  e  serem  utilizados  para  construir  uma 
matriz  bi‐dimensional  subdividida  em  quatro  quadrantes,  sendo  a 
importância  indicada  pelo  eixo  y  e  o  desempenho  no  atributo  pelo 
eixo x (TONTINI et. all, 2004). 
 
Alta Importância

 Concentrar  Manter o bom trabalho  
Esforços   (vantagem competitiva) 
    Baixo         Alto 
Desempenho  Desempenho 

Baixa prioridade  Possível exagero 

Baixa Importância
 
Fonte: MARTILLA e JAMES, 1977 
Figura 1 – Matriz de Importância versus Desempenho  
 
Na  interpretação  para  o  gráfico  Matriz  Importância  versus 
Desempenho,  proposta  por  MARTILLA  e  JAMES  (1977),  usa‐se  a 
seguinte classificação: 
‐  Concentrar  esforços:  trata  de  características  muito  importantes, 
mas que indicam baixa satisfação do usuário com o desempenho; 
‐  Manter  com  os  clientes  o  bom  trabalho:  refere‐se  às 
características mais importantes do serviço, indicando a satisfação do 
usuário  com  o  desempenho  do  serviço  com  relação  a  essas 
características; 
‐  Baixa  prioridade:  os  clientes  não  percebem  essas  características 
como muito importantes e o baixo desempenho de serviço em relação 
a elas não é relevante. 
‐  Possível  exagero:  os  clientes  atribuem  pouca  importância  para 
essa  característica,  no  entanto,  o  desempenho  apresentado  pelo 
serviço com relação a elas é alto.  Todavia, pode haver outras razões 
para manter esta prática no serviço. 

108  
Matzler  et  al.  (2004)  confirmaram  empiricamente  que  a  relação 
existente  entre  o  desempenho  de  um  atributo  e  a  satisfação  por  ele 
gerada  é  assimétrica  e  não‐linear.  Eles  também  propõem  que  a 
importância  dos  atributos  para  o  consumidor  pode  variar  de  acordo 
com  o  desempenho  do  mesmo.  Por  este  motivo,  se  utilizada 
isoladamente,  a  matriz  de  Importância‐Desempenho  pode  levar  a 
tomadas de decisões equivocadas, sobre quais atributos deveriam ser 
melhorados ou incorporados a um produto ou serviço. 
 
Modelo Kano de Qualidade Atrativa e Obrigatória 
 
O  Modelo  Kano  de  Qualidade  Atrativa  e  Obrigatória  (KANO, 
1984)  faz  a  distinção  entre  três  tipos  de  atributos  de  produtos  ou 
serviços que influenciam a satisfação dos usuários.  
 

Fatores Atraentes

Fatores de Desempenho
Time
Zona de indiferente
Característica  
Característica  
não atendida 
atendida 

Fatores Básicos
Cliente Insatisfeito  
 
Fonte: Adaptado Kano, 1984, apud Matzler, 2004, p.273 
Figura 02 – Três tipos de atributos de produtos ou serviços  
 
De  acordo  com  a  Figura  2,  os  atributos  que  influenciam  a 
satisfação dos usuários, segundo o Modelo Kano, são: 

  109
a)  Atributos  obrigatórios/  básicos:  se  esses  atributos  não  estiverem 
presentes ou se o seu desempenho for insuficiente, os usuários ficarão 
extremamente  insatisfeitos.  Por  outro  lado,  se  esses  atributos 
estiverem  presentes  ou  forem  suficientes  não  trarão  satisfação.  Os 
clientes  veem  esses  atributos  como  pré‐requisitos.  Geralmente,  os 
clientes não mencionam a exigência dos atributos obrigatórios quando 
a  eles  é  perguntado  sobre  o  que  é  importante  em  um  produto  ou 
serviço, pois eles os consideram como inerentes.  
b)  Atributos  unidimensionais/desempenho:  nesses,  a  satisfação  do 
cliente  é  proporcional  ao  nível  de  desempenho,  sendo  que,  quanto 
maior  esse  nível,  maior  será  a  satisfação  do  cliente.  Geralmente  são 
exigidos explicitamente pelos clientes os atributos unidimensionais. 
c) Atributos atrativos/atraentes: o atendimento desses atributos traz 
uma  satisfação  mais  que  proporcional.  Porém,  eles  não  trazem 
insatisfação  se  não  forem  atendidos.  Os  atributos  atrativos  não  são 
expressos explicitamente e nem esperados pelo usuário. 
Juntamente  com  a  classificação  dos  atributos  como  sendo 
obrigatórios  unidimensionais  ou  atrativos,  pode‐se  identificar  mais 
dois outros: neutros e reversos. Os atributos neutros são aqueles cuja 
presença não traz satisfação e cuja ausência não traz insatisfação e os 
atributos reversos são aqueles cuja presença traz insatisfação. 
O artigo publicado pelos autores LEE E HUANG (2009) mostrou 
que  o  método  Kano  modificado  pela  lógica  Fuzzy,  apresenta 
resultados  mais  completos  quando  comparados  ao  método  Kano 
tradicional. Neste estudo o questionário do Método Kano tradicional, 
de  lógica  binária,  não  foi  substituído,  mas  foi  construído  um 
questionário adicional que permite ao entrevistado expressar sua ideia 
real  sobre  a  questão  levantada,  obtendo‐se  informações  mais 
completas dos participantes.  
 
Aplicações de Matriz Importância vs. Desempenho e Método kano  
 
A matriz Importância vs. Desempenho e o método Kano têm sido 
utilizados com resultados significativos em diferentes áreas. TONTINI 
e SANT’ANA (2007) apresentaram aplicações referentes às percepções 
de  clientes  de  uma  vídeo‐locadora;  MATZLER,  (2004)  realizou  um 

110  
estudo empírico sobre a satisfação de clientes com um fornecedor de 
uma  indústria  automotiva;  HUISKNOEN  e  PIRTTILÄ  (1998) 
apresentaram  a  utilização  do  Modelo  Kano  na  melhoria  dos  serviços 
logísticos  ao  cliente,  discutindo  os  benefícios  potenciais  de  sua 
utilização no processo de planejamento desses serviços.  
Para  a  aplicação  dos  dois  métodos  propostos  em  um  futuro 
projeto  foi  realizado  um  levantamento  preliminar  das  características 
de  um  evento  cultural  por  meio  de  um  brainstorming1  com  a 
administração  do  projeto  Contribuinte  da  Cultura.  Neste 
levantamento foram listadas as seguintes características de um projeto 
cultural:  
⇒ Eventos gratuitos; 
⇒ Frequência constante na realização de eventos;  
⇒ Realização  de  eventos  de  pequeno  porte  (para  até  150 
pessoas); 
⇒ Realização de eventos de médio porte (para até 500 pessoas); 
⇒ Realização de eventos para espaço de grande porte; 
⇒ Desconto  ou  benefício  para  os  contribuintes  nos  eventos 
realizados; 
⇒ Divulgação eletrônica e constante; 
⇒ Divulgação impressa e menos frequente;  
⇒ Carteirinha de filiado do projeto para o contribuinte; 
⇒ Diferentes  opções  no  sistema  de  pagamento  (boleto,  débito 
automático, coleta domiciliar, etc.); 
⇒ Divulgação dos nomes dos contribuintes nos impressos; 
⇒ Programação com personalidades consagradas; 
⇒ Programação com artistas de qualidade fora da mídia; 
⇒ Programação com talentos locais e regionais; 

1 “Brainstorming é um método de geração coletiva de novas ideias através da 
contribuição e participação de diversos indivíduos inseridos num grupo. A 
utilização  deste  método  baseia‐se  no  pressuposto  de  que  um  grupo  gera 
mais  ideias  do  que  os  indivíduos  isoladamente  e  constitui,  por  isso,  uma 
importante  fonte  de inovação  através  do  desenvolvimento  de  pensamentos 
criativos  e  promissores”  (KNOOW,  2010).  KNOOW.net.  Conceito  de 
Brainstorming.  Disponível  em:  <http://www.knoow.net/cienceconempr/ 
gestao/brainstorming.htm#vermais>. Acesso em: 15 jun. 2010. 

  111
⇒ Projetos com ligação entre a Universidade e a Comunidade; 
⇒ Projetos direcionados à comunidade carente da cidade. 
As  características  indicadas  podem  ser  utilizadas  para  avaliar  a 
importância  e  o  desempenho  de  cada  uma  delas  com  relação  ao 
projeto  Contribuinte  da  Cultura  e  sua  categorização,  por  meio  do 
Método Kano. 
 
CONCLUSÃO 
 
Este  estudo  apontou  que  os  dois  métodos  propostos  para  a 
avaliação de melhoria de serviços, a Matriz Importância‐Desempenho 
e  o  Método  Kano,  podem  ser  utilizados  como  instrumentos  para 
auxiliar  a  expansão  ou  aprimoramento  do  projeto  Contribuinte  da 
Cultura.  A  Matriz  Importância  vs.  Desempenho  pode  ajudar  a 
investigar e entender a percepção e as expectativas dos consumidores 
e  o  Método  Kano  a  categorizar  e  identificar  as  oportunidades  de 
melhorias. 
 
 
 
Referências 
 
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CIENTÍFICO  E  TECNOLÓGICO  DA  UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE  SÃO 
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KNOOW.net.  Conceito  de  Brainstorming.  Disponível  em:  <http://www. 


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15 jun. 2010. 

112  
LEE, Y.; HUANG, S. A new fuzzy concept approach for Kanoʹs model. Expert 
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MATZLER,  K.  et  al.  The  asymmetric  relationship  between  attribute‐level 


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TONTINI,  G.;  SANTʹANA,  A.  J.  Identificação  de  atributos  críticos  de 
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TONTINI,  G.  et  al.  Análise  de  oportunidades  de  melhoria  em  laboratórios 
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  113
 
PARTICIPAÇÃO PÚBLICA EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA      
ATRAVÉS DE MECANISMOS DE GOVERNO ELETRÔNICO: 
UMA PROPOSTA METODOLÓGICA DE AVALIAÇÃO 
 
Danilo Brancalhão Berbel1 
 
 
1. Introdução 
 
O cenário político‐econômico mundial passava por mudanças no 
final das décadas de 1970 e 1980. Duas crises do petróleo abalaram o 
sistema econômico, a vigência de um modelo burocrático de adminis‐
tração  pública  distanciava  a  interação  com  os  cidadãos,  o  socialismo 
soviético entrava em declínio, chegava ao fim a Guerra Fria e passava 
por reestruturação o sistema produtivo e de mercados, em função da 
globalização. 
Foi neste contexto que o desenvolvimento tecnológico começou a 
abrir  caminhos  na  tentativa  de  minimizar  as  distâncias  emergidas 
entre administração pública e cidadão. Estabelecia‐se como necessária 
uma nova Reforma de Estado, observada em vários países.  
No Brasil, este movimento foi iniciado durante a segunda metade 
dos anos 1980, concretizando‐se a partir da década de 1990. Os sinto‐
mas  da  crise  de  Estado  se  manifestaram  de  três  maneiras,  segundo 
Cunha  (2000,  p.  13):  “1)  uma  crise  fiscal,  com  perda  do  crédito  pelo 
Governo e de poupança pública negativa; 2) o esgotamento da estra‐
tégia estatizante; e 3) a superação da administração pública burocráti‐
ca”. Para Milani (2008, p. 553), a crise de Estado estaria sustentada por 
duas  vertentes:  “de  um  lado,  a  crise  de  governabilidade  refere‐se  à 
capacidade  de  formulação,  gestão,  implementação  e  articulação  das 
políticas públicas”, enquanto por outro lado “a passagem da lógica de 
governo a uma dinâmica de governança associa‐se à legitimidade do 
Estado enquanto ator e arena política do processo decisório”. 

                                                            
1  Mestrando do Programa de Pós‐Graduação em Ciência, Tecnologia e Socie‐
dade da Universidade Federal de São Carlos. 

  115
A  superação  desta  crise,  em  parte,  pautou‐se  na  tentativa  de  in‐
serção da participação pública nos processos decisórios. O estímulo à 
participação  do  cidadão  e  de  organizações  da  sociedade  civil  na  for‐
mulação de políticas públicas figurou como uma busca pela legitima‐
ção das atividades políticas. A partir daí, parte dos projetos de desen‐
volvimento  local  foram  pautados  na  participação  pública.  Os  argu‐
mentos que apoiaram e sustentaram essa posição, contudo, vieram de 
várias  linhas  discursivas,  muitas  delas  de  posicionamentos  sociais  e 
políticos  antagônicos.  Exemplos  são  o  Banco  Mundial,  a  OCDE  (Or‐
ganização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a União 
Europeia,  as  Nações  Unidas  e  organizações  não‐governamentais  e 
integrantes do Fórum Social Mundial (MILANI, 2008). 
A  proposta  de  governo  eletrônico  surgiu  como  uma  tentativa  de 
superar a crise. Apoiados no uso da tecnologia, como a informática e a 
internet,  surgiram  os  portais  eletrônicos  dos  governos,  oferecendo 
informações,  mecanismos  de  interação,  campanhas  e  outros  instru‐
mentos.  
Para entender as mudanças ocorridas nas últimas décadas, este ar‐
tigo pretende revisar, de maneira sucinta, os conceitos de participação 
pública  em  ciência  e  tecnologia  e  governo  eletrônico  e  propor  uma 
agenda de pesquisa em e‐gov.  
 
2. Ciência, tecnologia e participação  
 
Rowe e Frewer (2004, p. 512) definem a participação pública como 
“a  prática  de  consulta  e  envolvimento  de  membros  do  público  em 
atividades de composição de programas, tomada de decisão e forma‐
ção  de  políticas  públicas  de  organizações  e  instituições  responsáveis 
pelo desenvolvimento dessas políticas”2. Os autores afirmam que um 
público não consultado, muitas vezes, pode se tornar um público irri‐
tado. Envolvê‐lo no processo político seria uma maneira de melhorar 
esta relação. 
Da  necessidade  de  reformulação da  conduta  política, a  democra‐
cia deliberativa se encaixou no discurso de participação que ganhava 

                                                            
2 Tradução nossa. 

116  
força através dos diversos atores. Para Dias e Andrade (2005, p. 9), a 
democracia deliberativa está ancorada “na idéia de que a legitimidade 
e  a  transparência  das  decisões  e  ações  políticas  derivam  da  delibera‐
ção pública, ou de processos inclusivos de discussão que precedem à 
decisão,  conferindo  um  reordenamento  na  lógica  do  poder  tradicio‐
nal”.  
O  processo  participativo  está  amparado,  de  acordo  com  Dias  e 
Andrade (op.cit.), em três estágios: informação, consulta e negociação. 
O  primeiro  consiste  em  apresentar  à  opinião  pública  conteúdos  in‐
formativos  que  estimulem  sua  formação  crítica.  O  segundo  se  dá 
quando  os  cidadãos  são  convidados  a  emitir  suas  opiniões  sobre  te‐
mas  preestabelecidos  –  aqui,  não  há  compromisso  de  utilização  das 
ideias apresentadas. Diferente do terceiro estágio, em que, através de 
negociação, as decisões são tomadas em conjunto. 
A  ciência  e  a  tecnologia  também  devem  passar  pelo  escrutínio 
público.  A  discussão  se  dá  porque  a  ciência,  por  produzir  conheci‐
mento rotulado de “puro” e “verdadeiro”, de maneira bastante técni‐
ca e especializada, só poderia se sujeitar ao juízo dos próprios cientis‐
tas, conhecida por avaliação de seus pares. 
Porém, ainda segundo Dias e Andrade (op.cit., p. 4), “se a incerte‐
za  é  reconhecida  pelos  próprios  peritos,  pelo  menos  como  constante 
residual irreprimível, parece incoerente conferir à perícia o estatuto do 
saber incontestável e considerar que ela seria suficiente para permitir 
a elaboração da decisão política”.  
Estabelece‐se  um  distanciamento  entre  dois  dos  grupos  envolvi‐
dos na tomada de decisão: cientistas e políticos, os primeiros respon‐
sáveis pela avaliação técnica das novas tecnologias e os segundos pela 
disseminação  entre  a  sociedade  deste  desenvolvimento.  Os  cidadãos 
não devem ficar à margem desta decisão, pois são, ou deveriam ser, os 
principais  beneficiados  ou  prejudicados  com  o  avanço  científico  e 
tecnológico.  Se  os  próprios  experts  admitem  incertezas  e  os  políticos 
não pertencem necessariamente, a princípio, ao grupo dos cientistas, o 
que  justificaria  o  afastamento  do  escrutínio  público  sobre  ciência  e 
tecnologia? 
A  saída  seria  colocar  em discussão  o avanço  da  ciência  na  esfera 
pública, “incorporando a visão e os interesses dos grupos sociais po‐

  117
tencialmente afetados pela difusão de novas tecnologias, no processo 
de formulação, implementação ou avaliação de políticas públicas, via 
procedimentos participativos” (DIAS e ANDRADE, op.cit., p. 4). 
Estes  procedimentos  participativos  a  que  os  autores  se  referem 
podem tomar formatos de júri de cidadãos, grupos focais, projeção de 
cenários,  consultas  públicas,  mapeamentos  multi‐critério,  construção 
de  consenso,  orçamentos  participativos,  conselhos  de  políticas  públi‐
cas,  fóruns  e  redes  de  desenvolvimento  local,  círculos  de  estudos  e 
pesquisas  deliberativas  (Smith  et  al.;  Torgersen  apud  DIAS  e  AN‐
DRADE, op.cit., p. 10; Font; Ziccardi apud MILANI, 2008, p. 561). 
A Constituição de 1988 do Brasil abre espaço para a participação 
dos  cidadãos  em  alguns  processos  de  tomada  de  decisão,  principal‐
mente nas esferas municipais, surgindo os conselhos municipais e os 
orçamentos participativos. 
Nem  todo  processo  participativo  é  baseado  na  deliberação.  Para 
Pereira et al. (2008, p. 5), a proposta dos exercícios deliberativos é que 
“eles funcionem como uma ferramenta para a criação de espaços pro‐
pícios  à  confrontação  de  diferentes  visões  normativas,  de  pluralismo 
axiológico, e diferentes visões acerca do envolvimento no argumento 
racional”. 
Os  autores  anteriormente  referidos  apontam  para  três  procedi‐
mentos  para  identificação  de  ações  participativas  que  se  propõem 
deliberativas. A primeira se refere à avaliação participativa da tecno‐
logia,  através  de  conferências,  júris  de  cidadão  e  outras  modalidades 
de  fóruns  deliberativos.  A  segunda  está  baseada  em  exercícios  de 
prospecção e workshops de cenários. A terceira se apoia na participa‐
ção da construção de políticas públicas sobre tecnologia, planejamento 
urbano e orçamentário. 
Milani (2008, p. 566), baseado em Joan Subirats3, lembra que “não 
se trata somente de estimular as pessoas a participarem mais do pro‐
cesso  de  formulação  de  políticas  públicas  locais,  mas  de  assegurar  a 

                                                            
3  SUBIRATS,  Joan.  Nuevos  mecanismos  participativos  y  democracia:  promesas  y 
amenazas.  In:  FONT,  Joan  (Org.).  Ciudadanos  y  decisiones  públicas.  Barce‐
lona: Editorial Ariel, 2001. p. 33‐42. 

118  
qualidade  dessa  participação,  sobretudo  em  sua  perspectiva  pedagó‐
gica e deliberativa”. 
Deve‐se  salientar  que  a  proposta  não  é  que  todos  participem  de 
tudo,  apesar  de  existir  essa  possibilidade.  O  desejável  é  que  grupos 
sociais adiram a processos participativos que lhes digam respeito, que 
lhes interessem, que lhes seja da área de conhecimento, trabalho ou de 
rotina de vida.  
Rowe e Frewer (2004, p. 5514) construíram uma agenda de pesqui‐
sa para identificar a eficiência dos mecanismos de participação públi‐
ca.  Segundo  os  autores,  o  primeiro  passo  é  definir  o  que  se  entende 
por  efetividade  no  contexto  em  que  se  está  estudando,  quais  são  os 
resultados  da  participação  que  serão  considerados  positivos.  Depois, 
“a  pesquisa  deve  considerar  quais  potenciais  variáveis  explicativas 
são  responsáveis  pelo  grau  de  efetividade  descoberto”.  O  terceiro  e 
último passo “é identificar qual categoria de mecanismo de participa‐
ção usar em situações específicas para melhorar a chance de uma par‐
ticipação eficaz”. 
Uma das maneiras de se conciliar a participação pública em ciên‐
cia e tecnologia provém das novas tecnologias de informação e comu‐
nicação (TICs).  A internet pode ser usada como ferramenta de apro‐
ximação das esferas governamental e pública.  
Deve‐se levar em consideração que a internet é apenas um recur‐
so,  um  instrumento  de  incentivo  à  participação  e,  como  outros,  tam‐
bém apresenta limitações. As principais são a restrição do uso a pes‐
soas que dominem computadores e softwares de navegação e os cus‐
tos para se ter acesso à internet. 
Inseridas neste contexto estão as iniciativas de governo eletrônico, 
que  pretendem  aproximar  o  cidadão  da  esfera  governamental.  Este 
tema é abordado a seguir. 
 
3. Governo Eletrônico e sua contribuição 
 
A expressão governo eletrônico, ou e‐gov, “começou a ser utiliza‐
da com mais frequência após a disseminação e consolidação da ideia 

                                                            
4 Tradução nossa. 

  119
de  comércio  eletrônico  (e‐commerce),  na  segunda  metade  da  década 
passada”, explicam Diniz et al. (2009, p. 25). 
Pode‐se entender governo eletrônico como uma busca, através da 
utilização das TICs, pela aproximação da administração pública com o 
cidadão.  A  internet  está  entre  os  principais  meios  de  difusão  de  in‐
formações, prestação de serviços e interação com o público. Mas tam‐
bém outras formas de interação ligadas à rede de computadores estão 
envolvidas, como telefonia móvel, televisão digital e call centers. 
O objetivo é aprimorar a qualidade das informações e serviços o‐
ferecidos  pelo  poder  público  e  criar  mecanismos  e  oportunidades  de 
participação do cidadão no processo democrático.  
Roy (2005, p. 405) define e‐gov como “a contínua inovação na dis‐
tribuição de serviços, participação dos cidadãos e governança através 
da transformação dos relacionamentos externos e internos pelo uso da 
tecnologia da informação, especialmente a internet”.  
Para Pinho (2008, p. 475), o governo eletrônico “não deve ser visto 
apenas por meio da disponibilização de serviços online mas, também, 
pela  vasta  gama  de  possibilidades  de  interação  e  participação  entre 
governo  e  sociedade  e  pelo  compromisso  de  transparência  por  parte 
dos governos”.  Para o autor, as TICs têm “enorme potencial democrá‐
tico”  diante  da  possibilidade  de  abertura  política  para  participação  e 
transparência governamental. 
A  possibilidade  de  convergência  midiática  de  várias  plataformas 
(som, imagem e texto) para apenas uma, a digital, foi suficientemente 
atrativa  para  dar  suporte  aos  novos  horizontes  propostos  pelas  mu‐
danças  na  administração  pública.  Estas  tecnologias,  em  potencial, 
poderiam acelerar a execução dos trabalhos e reduzir custos. 
As  TICs  teriam  o  potencial  de  oferecer  para  os  cidadãos  a  facili‐
dade e a comodidade de ter acesso 24 horas por dia, sete dias por se‐
mana, aos órgãos públicos, dispensando a locomoção até espaços físi‐
cos e em horários predeterminados e a espera por atendimento e por 
prazos. Suas contribuições seriam maior autonomia e participação do 
cidadão. 

                                                            
5 Tradução nossa. 

120  
De acordo com Diniz et al. (2009, p. 27), “o governo eletrônico está 
fortemente  apoiado  numa  nova  visão  do  uso  das  tecnologias  para  a 
prestação  de  serviços  públicos,  mudando  a  maneira  pela  qual  o  go‐
verno interage com o cidadão, empresas e outros governos”. 
Parreiras, Cardoso e Parreiras (2004) classificam algumas funções 
do  governo  eletrônico:  prestação  de  informações  e  serviços;  regula‐
mentação das redes de informação, envolvendo governança, certifica‐
ção e tributação; prestação de contas e transparência pública; difusão 
cultural e estímulo aos e‐negócios, através da criação de ambientes de 
transação seguras.  
Inicialmente,  explorou‐se  o  fornecimento  de  informações  e  servi‐
ços eletrônicos. Estas características são encontradas em grande escala 
nos portais governamentais atualmente. As informações referem‐se a 
ações governamentais nos mais variados segmentos da administração 
pública  e  prestação  de  contas.  A  prestação  de  serviços  se  focou,  em 
um primeiro momento, na tributação. 
Em  2001,  criou‐se  a  Rede  Governo,  portal  que  reunia  serviços 
prestados  por  todos  os  ministérios  do  Governo  Federal.  Foram  os 
primeiros  passos  do  governo  brasileiro  para  estabelecer  seu  espaço 
dentro da rede de computadores. A criação de um portal soou como 
uma solução que serviria às necessidades da administração pública. 
A Rede Governo oferecia serviços como entrega de declarações de 
imposto  de renda;  emissão  de  certidões  de  pagamentos  de impostos; 
divulgação de editais de compras governamentais; acompanhamento 
de  processos  judiciais;  acesso  a  indicadores  econômicos  e  sociais  e  a 
dados  dos  censos;  prestação  de  informações  sobre  aposentadorias  e 
benefícios da previdência social, dentre outros. A proposta era reunir 
em um único portal os serviços oferecidos pela administração pública, 
acompanhados  de  informações  e  campanhas  governamentais  (RO‐
DAS, 2009). 
Burity (2002, p. 65) explica que o Portal Rede Governo “forma‐se 
por  16  mil  links  que  conduzem  o  usuário  a  sites  governamentais  na 
Internet,  prestando  900  serviços  na  WEB.  (...)  A  iniciativa  pretende 
integrar as informações e tornar mais eficiente e transparente o aten‐
dimento, estimulando a ‘participação social’”. 

  121
De acordo com Rodas (2009, p. 51), “o marco legal do governo ele‐
trônico  brasileiro  ocorreu  em  setembro  de  2000,  quando  o  Grupo  de 
Trabalho Novas Formas Eletrônicas de Interação apresentou o documento 
Proposta de Política de Governo Eletrônico para o Poder Executivo Federal”. 
O  objetivo  era  oferecer  informações  que  identificassem  as  falhas,  o‐
missões e carências do governo eletrônico.   
Neste  contexto,  estrutura‐se  o  governo  eletrônico  no  Brasil.  Esta 
tecnologia, contudo, será útil se for possível democratizar seu acesso. 
“Depara‐se  o  governo  com  o  desafio  de,  simultaneamente,  ‘alfabeti‐
zar’  digitalmente  todos  os  brasileiros,  qualquer  que  seja  sua  classe  e 
condição  social,  e  por  meio  dos  artefatos  tecnológicos  disponibilizar 
inédita forma  de  prestação  de  serviços públicos”  (BURITY,  op.cit.,  p. 
73). 
Dados os pressupostos sobre o governo eletrônico, cabe conhecer 
ferramentas  de  avaliação  deste  aparato  comunicativo.  Sugerem‐se, 
neste  artigo,  parâmetros  para  avaliar  a  possibilidade  de  participação 
pública através dos portais governamentais. 
 
4. Por uma agenda de pesquisa em e‐gov 
 
Com o objetivo de verificar a estruturação dos sistemas de e‐gov, 
Vilella  (2003)  propôs  um  conjunto  de  parâmetros  e  critérios  para  a 
avaliação de portais governamentais. A averiguação se dá através da 
aplicação de roteiros de perguntas cujas respostas devem ser buscadas 
pela navegação nos portais. A autora propõe três dimensões de análi‐
se: conteúdo, usabilidade e funcionalidade. 
A proposta da autora se baseia na busca de estruturação e utiliza‐
ção  básicas  em  e‐gov,  analisando  a  organização  das  informações,  dis‐
posição  de  títulos,  escopos  e  links,  atualizações,  correções  e  direitos 
autorais. Propõe também a análise da organização de fontes, figuras, 
planos  de  fundo  e  cores,  funcionalidade  de  layouts,  acessibilidade 
através  de  diferentes  navegadores,  interação  com  usuários  e  entre 
usuários  (por  fóruns,  chats  etc),  possibilidade  de  personalização  dos 
conteúdos e segurança de acesso. 
Pinho (2008) organizou metodologia de investigação da estrutura‐
ção  de  portais  governamentais  para  avaliar  a  qualidade  da  interação 

122  
entre governo e sociedade. Sua análise, como a apresentada anterior‐
mente,  é  fundamentada  em  questionários  sobre  a  configuração  do 
portal. 
O autor propõe quatro séries de questões para realizar esta análi‐
se. A primeira tem o objetivo de investigar se é fácil o entendimento e 
a navegação pelo portal, considerando que parte dos usuários não tem 
nível educacional elevado. A segunda se refere ao grau de informação 
disponibilizado e se essas demandas são atendidas. A terceira trata da 
transparência  do  governo  por  meio  do  portal.  A  quarta  está  voltada 
para  a  participação  popular,  “procurando  identificar  como  os  gover‐
nos  constroem  instrumentos  que  oportunizam  essa  participação,  en‐
tendida como apresentação de sugestões, avaliação e acompanhamen‐
to  de  políticas  públicas,  bem  como  de  serviços  públicos”  (PINHO, 
2008, p. 481). O objetivo, nesta última série de questões, é avaliar se o 
governo disponibiliza canais de participação através dos portais. 
O trabalho de Pinho indica que os portais utilizam muitos dos re‐
cursos tecnológicos disponíveis, mas carecem de maior interatividade. 
Segundo  o  autor  (2008,  p.  491),  “as  relações  que  se  estabelecem  são 
fundamentalmente do tipo government‐to‐citizen, sendo o governo o 
emissor e a sociedade, ao que tudo indica, o receptor passivo, estando 
longe  a  inversão  dessa  relação  para  citizen‐to‐government”.  Para  Pi‐
nho (op.cit., p. 490), “não bastam avanços significativos na tecnologia 
se a estrutura política permanece intocável”. 
Conforme  apresentado,  vários foram  os  esforços  para  construção 
de uma metodologia de análise de portais eletrônicos governamentais. 
Reconhece‐se a importância destes trabalhos e suas contribuições para 
o desenvolvimento da pesquisa em e‐gov. Para avaliar a possibilidade 
de  participação  pública  existente  nos  portais  governamentais,  utili‐
zando  como  referências  os  parâmetros  e  critérios  propostos  anterior‐
mente, sugere‐se aqui a revisão de algumas partes do roteiro de per‐
guntas. 
Conforme  a  tabela  a  seguir,  propõe‐se  um  roteiro  ampliado  de 
questões sobre os mecanismos de feedback do portal. 
 
 
 

  123
Tabela 1 – Proposta de Avaliação de Mecanismos de Governo Eletrônico 
 
Mecanismos de feedback 

1. Na página inicial e em outras páginas significativas existe contato da pessoa respon‐
sável ou da entidade (nome, endereço e e‐mail)? 
2. Existem mecanismos de medição da satisfação dos usuários e de avaliação do feedback 
oferecido a eles (a exemplo de formulários, salas de discussão e chats)?  
3.  É  possível  saber  a  quais  setores  foi  encaminhada  uma  solicitação  ou  reclamação  e 
qual a previsão de resposta? 
4.  Em  quanto  tempo  os  mecanismos  de  ouvidoria  do  portal  apresentam  respostas  ao 
usuário?i São satisfatórias? 
i. (Este aspecto analisará o tempo de resposta de acordo com os seguintes parâmetros: a‐ até três 
dias;  b‐  de  quatro  a  sete  dias;  c‐  de  oito  a  14  dias;  e  d‐  acima  de  15  dias.  Sendo  a‐  plenamente 
satisfatório; b‐ satisfatório; c e d‐ insatisfatório. 
5. Estão disponíveis no portal consultas públicas online? 
6.  Em  caso  afirmativo,  é  possível  recuperar  os  resultados  de  consultas  anteriores  e  as 
contribuições dos usuários? 
7.  Os  mecanismos  de  participação  demandam  conhecimentos  prévios  específicos  dos 
usuários? 
8. Em caso de demanda de conhecimentos, o portal oferece conteúdos para subsidiar a 
participação ou indica fontes de conhecimento? 
9. Existe espaço para o usuário postar conteúdos (a exemplo de vídeos‐denúncias, fotos, 
artigos etc)? 
 
Roteiro  com  questões  próprias  de  avaliação,  baseado  na  metodologia  proposta  por 
Vilella (2003), Parreiras (2003), Lemos et al. (2004) e Pinho (2008). 
 
A primeira etapa (questões 1 e 2), de acordo com o roteiro propos‐
to, é a identificação de mecanismos de feedback. O objetivo é investigar 
se existem mecanismos que convidam o usuário à participação, quan‐
tos e quais são. A segunda etapa (questões 3 e 4) verifica o funciona‐
mento  destes  mecanismos:  os  procedimentos  adotados  pelo  órgão 
governamental são claros? Qual é o tempo de resposta? 
A terceira etapa do roteiro (questões de 5 a 8) é específica quanto a 
consultas  públicas  online,  verificando  se  estão  disponíveis  no  portal 
tanto consultas em curso quanto já encerradas – neste segundo caso, se 
estão disponíveis, também, as contribuições dos usuários; bem como a 
indicação de fontes de conhecimento para viabilização da participação. 

124  
A quarta etapa (questão 9) verifica se existem outros mecanismos 
de interação do usuário, a exemplo de espaços reservados para a pos‐
tagem de conteúdos. 
 
5. Considerações finais 
 
Se o objetivo dos mecanismos de governo eletrônico é aproximar 
o  cidadão  da  esfera  governamental,  é  fundamental  que  se  avaliem  a 
qualidade dos serviços oferecidos e os resultados que eles vêm apre‐
sentando.  A  metodologia  oferecida  por  Vilella  (2003)  é  um  caminho 
para se estudar os portais, porém, devem‐se averiguar os mecanismos 
de  participação  pública  de  maneira  criteriosa.  Através  desta  visão,  o 
roteiro proposto neste artigo enfatiza a investigação sobre a oferta de 
consultas públicas online, espaços para reclamações ou solicitação de 
informações  e  acessibilidade  de  participação.  Para  resultados  mais 
aprofundados,  este  roteiro  de  questões  pode  ser  combinado  com  ou‐
tras metodologias, para que a análise seja esmiuçada e completa sobre 
o  site  em  questão.  Na  pesquisa  em  comunicação,  por  exemplo,  pode 
ser  aplicada  a  análise  de  enquadramento6  ou  pelos  parâmetros  de 
comunicação  em  ciência  e  tecnologia7.  É  necessário  que  este  roteiro 
seja aplicado para validar sua funcionalidade. Trata‐se de uma meto‐
dologia em constante construção e novos elementos podem ser acres‐
centados para agregar valor à pesquisa científica. 
 
 
 
 
 
 

                                                            
6  PORTO,  Mauro.  Enquadramentos  da  mídia.  In:  RUBIM,  Antonio  A.  C.  (org.) 
Comunicação e política – conceitos e abordagens. São Paulo: Unesp; Salva‐
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7 LEWENSTEIN, B. V. Models of public communication of science and technology. 

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  127
SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL 
SUSTENTÁVEL: ASPECTOS RELEVANTES  
DA INDÚSTRIA SIDERÚRGICA  
 
Danilo Batista da Cunha1 
José Ângelo R. Gregolin [Orientador]2 
 
 
1. Introdução 
 
Sustentabilidade  e  Desenvolvimento  Sustentável  são  conceitos 
que  ganham  espaço  na  nova  ordem  mundial  e  pauta  específica  em 
conferências globais como as da Organização das Nações Unidas. Esta 
temática abrange não somente a preservação ambiental ou a garantia 
de  continuidade  de  um  negócio,  mas  a  interconexão  entre  estes 
conceitos e também de outros que serão discutidos neste trabalho. 
A  importância  das  grandes  corporações  sobre  a  qualidade  de 
vida  da  humanidade,  bem  como  os  impactos  associados  as  suas 
atividades,  estabelece  a  urgência  de  se  estudá‐las  sob  a  luz  do  tema 
Desenvolvimento  Sustentável.  Assim,  o  presente  trabalho  propõe  o 
estudo do tema utilizando a indústria siderúrgica no papel de grandes 
corporações. 
 Com  abordagem  interdisciplinar  sobre  os  temas,  pretende‐se 
adicionar  novas  e  valorosas  interpretações  sobre  os  assuntos, 
relevantes  sob  a  perspectiva  de  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade.  A 
pesquisa  utiliza  estudo  exploratório,  com  pesquisa  teórica  e 
bibliográfica, de fontes como livros, artigos científicos e pesquisas em 
sites pertinentes ao tema. 
 

                                                            
1  Mestrando  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e 
Sociedade da Universidade Federal de São Carlos. 
E‐mail: danilo.b.cunha@gmail.com 
2  Professor  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e 

Sociedade da Universidade Federal de São Carlos.  
E‐mail: gregolin@nit.ufscar.br 

  129
2. “Sustentabilidade”  e  “Desenvolvimento  Sustentável”:  evolução 
histórica das preocupações da sociedade 
 
O primeiro passo para discussões sobre sustentabilidade foi dado 
em  1968  com  a  Conferência  da  Biosfera,  organizada  pela  UNESCO, 
em  Paris,  demarcando  oficialmente  o  início  da  conscientização  em 
relação  ao  meio  ambiente  nos  países  capitalistas  (Martins,  2005). 
Considera‐se  que,  para  se  chegar  a  isso,  houve  grandes  mudanças 
desde alertas de Malthus no século XIX sobre o descompasso entre o 
crescimento acelerado da população e a dificuldade de se alimentar a 
todos,  passando  pela  grande  revolução  produtiva.  Enquanto  que  no 
período pós‐segunda guerra a principal preocupação das nações era o 
desenvolvimento  econômico  e  os  assuntos  ligados  ao  meio‐ambiente 
eram irrelevantes (MARTINS, 2005), houve mudanças no modo de se 
encarar  a  natureza,  anteriormente  de  um  mero  meio  de  produção. 
Houve também mudança no padrão de essencialidades materiais, na 
capacidade destrutiva dos artefatos bélicos e no ritmo de degradação 
ambiental,  além  da  mudança  no  caráter  da  ciência  como  propulsora 
dos  avanços  tecnológicos  e  do  progresso  da  sociedade  (BURSZTYN, 
2001).  Nos  dias  atuais,  observa‐se  uma  tomada  de  consciência  por 
parte da maioria dos países sobre a necessidade do desenvolvimento 
ser  sustentável  sócio‐economicamente e  ambientalmente  (OLIVEIRA, 
2005). 
Enquanto  foi  baixa  a  repercussão  da  primeira  Conferência  da 
Organização das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente realizada em 
1949,  logo  após  a  segunda  guerra  mundial  (MARTINS,  2005),  vários 
movimentos realizados desde o início da década de 1970 trouxeram o 
meio‐ambiente  para  a  pauta  das  discussões  mundiais.  Por  exemplo, 
foi  importante  a  publicação  do  relatório  “Limites  de  Crescimento” 
pelo Clube de Roma como alerta para a sociedade sobre as limitações 
de  recursos  do  planeta,  do  mesmo  modo  que  a  Conferência  das 
Nações  Unidas  sobre  Meio  Ambiente  Humano  realizada  em 
Estocolmo, em 1972 na qual foi criado o Programa das Nações Unidas 
sobre  Meio  Ambiente  (PNUMA).  Também  foi  marcante  a  utilização 
da  palavra  “Ecodesenvolvimento”  para  caracterizar  o  conceito  de 

130  
desenvolvimento  ecologicamente  orientado,  em  1973,  e  por  Maurice 
Strong e Ignacy Sachs (MARTINS, 2005, OLIVEIRA, 2005).     
Em  1987,  um  novo  avanço  foi  considerado  o  Relatório  de 
Brundtland  denominado  “Nosso  Futuro  Comum”,  por  ampliar  as 
preocupações  com  o  meio‐ambiente,  ao  estabelecer  que 
desenvolvimento sustentável é (MARTINS, 2005 ):  
 
...  “o  desenvolvimento  que  satisfaz  as  necessidades  do  presente  sem 
comprometer  a  habilidade  das  gerações  futuras  de  satisfazerem  suas 
próprias necessidades”  
 
Outro evento marcante foi Conferência das Nações Unidas sobre 
Meio  Ambiente  e  Desenvolvimento  realizada  no  Rio  de  Janeiro 
(Brasil)  em  1992,  a  Rio‐92,  que  adquiriu  uma  relevância  política  e 
social  superior  à  realizada  anteriormente  em  1972.  Mais  tarde,  na 
Conferência  de  1997,  o  conceito  de  desenvolvimento  sustentável  foi 
ampliado (MARTINS, 2005) e (OLIVEIRA, 2005):  
 
“(...)  o  desenvolvimento  sustentável  pretende  combater  a  miséria 
humana  sem  repudiar  a  natureza  ou  desconsiderar  as  especificidades 
locais. Introduz o objetivo global de um crescimento econômico e social 
duradouro,  pensado  com  eqüidade  e  certeza  científica,  e  que  não 
dilapide  o  patrimônio  natural  das  nações  ou  perturbe  desastradamente 
os equilíbrios ecológicos”.  
 
Desse modo, a visão ecológica tomou corpo nos últimos 30 anos e 
culminou  na  atual  noção  de  sustentabilidade.  Há  hoje  maior 
consciência das limitações existentes na Terra e caráter finito dos seus 
recursos,  apesar  de  sua  capacidade  de  vida,  auto‐regulação  e 
renovação  mediante  fluxos  circulares.  Os  riscos  em  grande  parte  são 
devido  aos  fluxos  unidirecionais  impostos  pelo  homem,  que  retiram 
da circulação recursos naturais e devolvem poluição, e pode ocorrer o 
esgotamento  de  ecossistemas  em  prazos  curtos,  quando  a  ação 
humana não contempla a preocupação com o futuro: “O crescimento 
infinito que a humanidade almeja não é possível, visto que a Terra é 
finita”.  (OLIVEIRA,  2005).  Até  então  as  discussões  sobre  o  tema 
estavam delimitadas dentro da dimensão ambiental. 

  131
A  sustentabilidade  começa  a  tomar  corpo  quando  outros 
conceitos  passam  a  ser  incorporados  ao  tema,  a  exemplo  da  própria 
definição da palavra desenvolvimento “Desenvolvimento”, por muito 
tempo,  esteve  relacionado  com  o  crescimento  econômico,  como  um 
processo  de  aumento  de  riqueza  que  pode  ocorrer  sem 
necessariamente  relacionar‐se  com  a  melhoria  das  condições  de  vida 
da maior parte das pessoas envolvidas: “um aumento quantitativo do 
produto  nacional,  regional  ou  local  sem  a  contrapartida  do 
desenvolvimento  sócio  ambiental  destes  espaços”  (HENRIQUES; 
QUELHAS, 2007). 
Atualmente,  o  que  se  almeja  é  um  “Desenvolvimento 
Sustentável”, com base nos aspectos ligados não somente a dimensão 
econômica,  mas  também  com  a  dimensão  ambiental,  presente  nas 
últimas  décadas,  e  também  a  dimensão  social,  mais  recente  como 
preocupação  central  no  que  devem  ser  complementares  e 
indissociáveis  no  processo  de  desenvolvimento  (HENRIQUES; 
QUELHAS,  2007).  Espera‐se  que  o  processo  envolva  o 
desenvolvimento econômico mas também social, de maneira estável e 
equilibrada,  inclusive  com  mecanismos  de  distribuição  de  bens  para 
acesso  a  toda  a  sociedade,  respeitando  a  fragilidade  e  a 
interdependência dos recursos naturais e sistemas ecológicos com sua 
capacidade  de  recuperação  e  recomposição,  nas  escalas  de  tempos 
pertinentes (OLIVEIRA, 2005). 
Deve‐se ressaltar que a “Sustentabilidade” é compreendida por 
diversos autores como não restrita ao desenvolvimento sustentável – 
econômico, social e ambiental – e que permeia interdisciplinarmente 
as atividades humanas de um modo geral (OLIVEIRA, 2005, 
HENRIQUES; QUELHAS, 2007). 
Considera‐se  que  mesmo  o  desenvolvimento  orientado  pela 
sustentabilidade  deve  levar,  não  somente  as  preocupações  a  tríade 
econômico,  social  e  ambiental,  mas  também  levar  em  conta  outros 
aspectos,  como  cultural,  político,  ético  e  mesmo  espiritual,  conforme 
indicado  na  Tabela  1  (OLIVEIRA,  2005,  HENRIQUES,  QUELHAS, 
2007).  
 

132  
Tabela 01 – Resumo das principais dimensões de sustentabilidade 
(OLIVEIRA, 2005, HENRIQUES, QUELHAS, 2007). 
 
Dimensão  Aspectos relacionados 
• Diversificação das atividades produtivas,  
• Desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado,  
• Segurança alimentar,  
• Contínua  atualização  dos  instrumentos  de  produção  e 
Econômica 
acesso à ciência e à tecnologia.  
• Avaliação  macro‐social  da  eficiência  econômica  além  da 
rentabilidade  microeconômica  associada  principalmente  ao 
resultado empresarial. 
• Produção de recursos renováveis e limitação na produção 
de  recursos  não  renováveis  para  preservação  dos  recursos 
naturais,  
• Respeito à capacidade de autodepuração dos ecossistemas 
Ambiental  naturais,  
ou  • Redução do volume de resíduos e de poluição 
Ecológica  • Pesquisa  para  obtenção  de  tecnologias  mais  eficientes  de 
baixo teor de resíduos.  
• Estabelecimento  de  normas  para  uma  proteção  ambiental 
adequada  e  instrumentos  econômicos,  legais  e  administrativos 
para o cumprimento  
• Busca de eqüidade na distribuição de renda e de bens,  
• Redução  da  grande  desigualdade  existente  entre  os 
padrões de vida dos ricos e dos pobres 
Social  • Promoção  da  igualdade  de  acesso  a  recursos  e  serviços 
sociais e ao emprego pleno.  
• Busca  de  configuração  socioespacial  mais  equilibrada  das 
atividades econômicas e dos assentamentos humanos.  
• Respeito  e  afirmação  das  identidades  existentes,  com 
mudanças dentro de um equilíbrio entre tradição e inovação,  
Cultural  • Elaboração  de  um  projeto  nacional  integrado  e  original 
com preservação de autonomia e de acordo com as especificidades 
locais.  
• Obtenção  de  uma  configuração  rural  urbana  mais 
equilibrada 
• Menor distribuição territorial dos assentamentos humanos e 
das atividades econômicas.  
Espacial  • Redução  da  concentração  excessiva  nas  áreas 
metropolitanas e da destruição de ecossistemas frágeis,  
• Promoção  da  agricultura  e  da  exploração  agrícola  das 
florestas mediante técnicas modernas  
• Exploração do potencial da industrialização descentralizada. 

  133
Entretanto,  independentemente  das  dimensões  estudadas, 
considera‐se  como  linha  mestre  para  a  sustentabilidade  os  conceitos 
propostos  pelo  Relatório  de  Brundtland,  abrangendo  a  eficiência 
(combate  ao  desperdício),  escala  (limite  quantitativo  ao  crescimento 
econômico  e  pressões  decorrentes  sobre  o  meio  ambiente),  eqüidade 
(intervenção  articulada  das  atividades  humanas  no  meio  ambiente), 
auto‐suficiência  (fortalecimento  dos  mercados  regionais  e  locais)  e 
ética  (distribuição  dos  bens  materiais  em  um  modelo  de 
desenvolvimento  com  respeito  aos  limites  dos  recursos  naturais) 
(OLIVEIRA, 2005). 
Desse  modo,  a  sustentabilidade  propõe  reflexões  e  ações  que 
transcendem  o  tempo  e  o  espaço,  com  o  intuito  de  prover  o  melhor 
para  as  pessoas  e  para  o  ambiente  tanto  agora  como  para  o  futuro 
indefinido, com ações locais que considerem o planeta como um todo. 
 
3. A complexidade e interdisciplinaridade da Sustentabilidade 
 
Quando  se  aborda  as  questões  ligadas  à  sustentabilidade,  isso 
implica  em  considerar  o  princípio  da  complexidade,  com  a 
necessidade de se associar o objeto ao seu ambiente, conectar o objeto 
ao  seu  observador,  reunir  diferentes  campos  do  conhecimento. 
Implica  em  integrar  a  cultura  das  humanidades  com  a  cultura 
científica,  considerar  inseparáveis  a  ciência  e  a  consciência,  para  a 
busca  de  uma  nova  compreensão.  Por  exemplo,  para  lidar  com  a 
complexidade  da  ecologia,  deve‐se  considerar  o  apoio  mútuo  do 
conhecimento  científico  e  do  movimento  político,  as  inter‐relações 
entre  os  constituintes  geológicos,  físicos,  climáticos,  e  biológicos  de 
um  determinado  ecossistema  (OLIVEIRA,  2005).  A  análise  da 
sustentabilidade  requer  uma  abordagem  holística  e  sistêmica,  que 
complementa  e  vai  além  do  pensamento  analítico  mecanicista, 
originado  na  Revolução  Científica  a  partir  de  pensadores  como 
Descartes  e  Newton,  baseado  apenas  nos  fenômenos  que  podem  ser 
medidos  e  quantificados  e  na  quebra  dos  fenômenos  complexos  em 
partes,  para  compreensão  do  todo  a  partir  das  propriedades  das 
partes.  Considera‐se  que  a  convivência  inadequada  com  o  meio 
ambiente  é  resultado,  em  grande  parte,  de  uma  visão  fortemente 

134  
mecanicista.  É  importante  incorporar  a  visão  holística  ou  sistêmica 
que  considera  ser  necessária  a  organização  do  todo,  inclusive  para  o 
entendimento das propriedades das partes, com o reconhecimento da  
interdependência  de  todos  os  fenômenos,  inseridos  nos  processos 
cíclicos  da  natureza  e  dependentes  dos  mesmos  (MARTINS; 
OLIVEIRA,  2005).  Outro  aspecto  fundamental  para  a  abordagem  da 
sustentabilidade  e  do  desenvolvimento  sustentável  é  a 
interdisciplinaridade,  com  o  aproveitamento  de  vários  tipos  de 
habilidades,  talentos  e  conhecimentos  que  devem  dialogar  entre  si  e 
contribuir  para  uma  visão  global  além  da  especificidade  de  cada 
disciplina  (OLIVEIRA,  2005).  Nesse  sentido,  espera‐se  também  que 
novas  abordagens  científicas,  somadas  a  princípios  éticos,  sociais  e 
econômicos,  contribuam  para  novas  orientações  ao  desenvolvimento 
da sociedade (MARTINS; OLIVEIRA, 2005). 
Uma  das  áreas  de  importância  crescente  na  perspectiva  do 
desenvolvimento  sustentável  é  o  meio  ambiente,  que  permeia  toda  a 
problemática  das  inter‐relações  entre  a  natureza  e  a  sociedade.  A 
temática  do  Meio  Ambiente  se  inseriu  no  meio  universitário  de 
maneira departamentalizada, primeiramente em departamentos como 
os  de  biologia,  química  e  engenharia  sanitária.  Posteriormente, 
disseminou‐se em muitos outros departamentos, setores, inclusive na 
adjetivação  de  áreas  de  conhecimento  e  disciplinas,  tais  como  a 
engenharia  ambiental,  direito  ambiental,  educação  ambiental, 
sociologia  ambiental,  historia  ambiental  além  de  adjetivações 
baseadas na ecologia, tais como a agroecologia.  
Sob o ponto de vista da preocupação com a segurança e com as 
conseqüências  remotas  de  programas  e  projetos  implementados,  ela 
não  deve  restringir‐se  às  agências  governamentais  reguladoras.  O 
profissional  responsável  pela  implementação  deve  também  ter  essa 
preocupação e ser capaz de avaliar criticamente. Nesse sentido, é cada 
vez  mais  presente  a  pertinência  da  formação  acadêmica 
interdisciplinar  do  profissional  cuja  atuação  esteja  voltada  para  o 
desenvolvimento de tecnologias, com a necessidade em sua formação 
da abordagem de áreas como as de ciências sociais, direito, belas‐artes 
e medicina, alem das ciências naturais.  (BURSZTYN, 2001). 

  135
Para  a  construção  da  abordagem  interdisciplinar,  também  é 
necessário  superar,  tanto  as  estruturas  rígidas  do  ensino  e  da 
pesquisa,  como  as  dificuldades  de  cooperação  entre  os  atores,  que 
incluem  os  políticos,  os  intelectuais,  os  empresários,  os  ativistas  dos 
movimentos ambientais, etc. (OLIVEIRA, 2005).  
Desse  modo,  as  novas  propostas  de  desenvolvimento  da 
sociedade devem se inserir na perspectiva de uma visão diferente da 
antropocêntrica  predominante,  na  qual  “a  natureza  pode  e  deve  ser 
dominada  para  atender  aos  interesses  da  humanidade”  (MARTINS, 
OLIVEIRA, 2005). As ações humanas, quando ignoraram os processos 
naturais,  muitas  vezes  foram  agressivas  em  relação  à  natureza,  e 
levaram  tanto  à  degradação  do  meio  ambiente  como  à  sua 
autodestruição. Uma das visões propostas pelo movimento ecologista, 
é  a  substituição  da  visão  antropocêntrica  pela  biocêntrica  (também 
chamada  ecocêntrica),  na  qual,  “a  humanidade  é  tão  importante 
quanto  todos  os  demais  seres  do  planeta”  e  está  integrada  ao 
ecossistema  geral,  sob  as  mesmas  leis  ecológicas,  que  impõem 
limitações,  principalmente  ao  crescimento  da  população  e  da 
economia.  Nessa  abordagem,  é  defendido  o  uso  de  tecnologias 
alternativas  que  possam  ser  consideradas  ambientalmente  menos 
impactantes e que sejam mais acessíveis do que a tecnologia de ponta 
para  as  sociedades  de  baixo  poder  econômico.  (MARTINS; 
OLIVEIRA, 2005). 
 
4. As Indústrias no caminho do desenvolvimento sustentável 
   
O  surgimento  e  fortalecimento  do  movimento  ambientalista  nas 
últimas  décadas  trouxeram  a  discussão  sobre  o  meio  ambiente  nas 
empresas, que passaram a repensar o impacto de seus processos. Mais 
recentemente,  nos  anos  90,  a  globalização  dos  negócios  empresariais 
também  impulsionou  as  preocupações  com  os  aspectos  das  relações 
justas  de  trabalho  e  outras  questões  sociais.  Nos  últimos  anos,  esses 
assuntos  convergiram  para  a  disseminação  do  conceito  da 
sustentabilidade  nas  corporações  (EDITORA  ABRIL,  2006).  Há 
estimativas de que cerca de apenas 10% (em peso) do que é extraído 
do planeta pela indústria torna‐se produto útil e o restante é resíduo, 

136  
tornando  urgente  uma  gestão  sustentável  associada  a  um  consumo 
sustentável,  capazes  de  minimizarem  o  uso  de  recursos  naturais  e 
geração  de  resíduos,  inclusive  de  materiais  tóxicos.  Com  vista  à 
análise  e  transformação  desse  cenário,  tem‐se  evidenciado  o  grande 
esforço  historicamente  necessário  para  o  crescimento  econômico  na 
disponibilização  de  materiais  e  energia,  com  a  alocação, 
desenvolvimento  e  uso  de  novos  materiais  e  fontes  de  energia. 
Também  se  tem  verificado  que  as  melhorias  no  uso  desses  insumos 
(materiais e energia) requer inovações em processo para o aumento da 
eficiência,  com  o  envolvimento  de  políticas  ambientais  e  energéticas, 
atividades  de  pesquisa  e  desenvolvimento  na  indústria,  agências 
governamentais, universidades e institutos de pesquisa. E também são 
reconhecidos os impactos de longo‐prazo das atividades industriais, e 
possivelmente  globais,  sobre  a  qualidade  do  meio‐ambiente  e  a 
influência  no  sentido  contrário,  das  questões  ambientais  sobre 
atividades industriais e econômicas (RUTH, 1995).  
A preocupação das corporações tende a se tornar mais profunda 
e  abrangente,  passando  de  uma  prestação  de  contas  para  uma 
abordagem de conformidade e desta para uma abordagem estratégica. 
Existem corporações que integram propostas de sustentabilidade nas 
estratégias de negócio, com o fomento da tríade do desenvolvimento 
social,  ambiental  e  econômico‐financeiro  na  cultura  organizacional 
(EDITORA  ABRIL,  2006).  No  entanto,  vale  lembrar  que,  segundo 
Henriques  e  Quelhas  (2007)  a  abordagem  estratégica  mais  completa 
deve  também  contemplar  out  ras  dimensões,  tais  como  a  espacial, 
cultural,  além  da  sustentabilidade  social,  ecológica  ‐  ambiental  e 
econômica. 
Fatores  como  escassez  de  água  limpa,  custos  de  energia  não 
renovável  e  demandas  da  sociedade  por  atitude  responsável  tem 
pressionado  as  empresas  e  também  propiciam  novas  oportunidades 
para  a  conciliação  entre  o  impacto  ambiental  com  a  produção  mais 
eficiente, havendo grupo cada vez maior de companhias empenhadas 
em  um  “choque  de  ecoeficiência”  em  sua  gestão  (EDITORA  ABRIL, 
2007)  e  a  implantação  de  Sistemas  de  Gerenciamento  Ambiental 
(SGA)  para  integração  estratégica  do  aspecto  ambiental  nas 
companhias (IISI, 2005). Existem oportunidades no gerenciamento de 

  137
melhoria  ambiental  no  processo  produtivo  que  freqüentemente 
resultam  em  vantagens  econômicas  tangíveis,  com  a  implantação  de 
sistemas, processos e práticas que possibilitam a avaliação e melhoria 
contínua  do  desempenho  ambiental  e  aumento  da  eficiência 
operacional (IISI, 2005).  
Sob  o  ponto  de  vista  social,  é  cada  vez  mais  importante  a 
promoção  da  educação  dos  funcionários  mediante  investimentos  em 
treinamento  e  aperfeiçoamento,  para  o  desenvolvimento  de 
habilidades,  aumento  da  produtividade,  a  qualidade  do  trabalho  e 
melhoria operacional; ao mesmo tempo em que se busca aumentar a 
satisfação  e  retenção  dos  funcionários  no  seu  emprego,  melhorar  as 
condições  de  trabalho  e  promover  a  participação  nas  inovações  em 
estratégias, produtos e processos (IISI, 2005).  
A  sustentabilidade,  sob  o  ponto  de  vista  da  responsabilidade 
social das empresas vem evoluindo de uma discussão sobre ʺo que as 
empresas  não  devem  fazerʺ  para  uma  discussão  sobre  ʺo  que  as 
empresas  devem  fazerʺ(EDITORA  ABRIL,  2006).  Por  exemplo,  O 
professor Michael Porter, da Universidade de Harvard (EUA), um das 
mais  importantes  referências  mundiais  na  área  de  estratégia,  hoje 
participa  ativamente  da  reflexão  e  da  disseminação  de  uma  nova 
temática  cada  vez  mais  relevante  para  as  corporações:  a 
responsabilidade  corporativa,  como  uma  dimensão  da  estratégia  que 
pode  e  deve promover  a reinvenção  de  negócios,  porque  muitos dos 
atuais  ineficientes  não  sobreviverão  por  muito  tempo  (EDITORA 
ABRIL, 2007).  Um dos exemplos apresentados por Porter é a grande 
movimentação mundial de cargas, intensamente e constante, deverão 
tornar‐se  cada  vez  mais  caras,  podendo  inviabilizar o  fluxo.  Por essa 
razão, ele propõe uma mudança drástica na logística das empresas em 
relação  aos  fornecedores,  com  o  retorno  à  compra  local  (EDITORA 
ABRIL, 2007) 
Apesar  da  crescente  discussão  mundial  otimista  sobre  o 
desenvolvimento sustentável, este dependerá de mudanças nas quais 
estão  em  jogo  interesses  internacionais,  políticas  ambientais  e 
dinâmicas  socioeconômicas  difíceis  de  conciliarem  e  darem  resposta 
mais  concreta  às  questões  inclusive  pontuais,  Há  também  a 
necessidade  da    construção  de  indicadores  que  permitam  medir 

138  
adequadamente,  tanto  a  degradação  e  o  esgotamento  dos  recursos 
naturais, como benefícios e custos associados (OLIVEIRA, 2005) 
Deve‐se  também  considerar  a  problemática  da  sustentabilidade 
como  um  todo.  Há  também  fortes  relações  entre  a  pobreza  e  a 
degradação do meio ambiente, e destes com os padrões de consumo e 
produção,  especialmente  excessivos  dos  países  industrializados,  que 
contribuem  para  o  agravamento  da  pobreza  e  dos  desequilíbrios 
(OLIVEIRA, 2005) 
 
5. Características  da  indústria  siderúrgica  no  contexto  da 
sustentabilidade 
 
5.1. A indústria siderúrgica e Desenvolvimento Sustentável 
 
A  indústria  siderúrgica  fabrica  o  aço,  que  possui  um  papel 
fundamental na vida das pessoas e da economia mundial, e soluções 
inovadoras  em  siderurgia  serão  fatores  chave  para  a  melhoria  do 
atendimento  às  necessidades  da  sociedade,  tais  como  o  aumento  da 
disponibilidade de moradias, de transportes sustentáveis, de energias 
renováveis e de água potável (IISI, 2005).  
A indústria siderúrgica é intensiva em capital e em consumo de 
materiais  e  energia,  com  expressiva  geração  de  efluentes  gasosos  e 
resíduos  sólidos  ou  subprodutos  no  processo  de  produção,  que 
atingem  cerca  de  50%  dos  insumos  utilizados,  incluindo  emissões 
expressivas  de  C02  e  outros  gases  impactantes  no  efeito  estufa 
(GERVASIO,  SILVA,  2005).  Estudos  realizados  no  Brasil  indicam  a 
siderurgia como pertencente à classe de atividade econômica com alto 
potencial  poluidor  (MARTINS  et  al.,  2005)  e  de  alto  potencial  de 
consumo  energético  (CARVALHO,  2005).  Segundo  os  estudos  esta 
classe  de  atividade  econômica  é  responsável  por  mais  de  20%  do 
impacto ambiental no País.  
A  crise  de  energia  relativamente  recente  enfatizou  uma  grande 
preocupação  de  curto  prazo  com  as  indústrias  intensivas  em  energia 
elétrica,  inclusive  parte  da  indústria  siderúrgica,  que  tem  alto 
consumo  da  mesma;  enquanto  que,  no  médio  e  longo  prazo,  há 
expectativa  que  as  atenções  se  voltem  para  as  de  alto  potencial 

  139
poluidor, o que inclui todo o parque siderúrgico (CARVALHO, 2005). 
Desse  modo,  sob  o  ponto  de  vista  do  desenvolvimento  sustentável, 
siderurgia é ao mesmo tempo de alto potencial de consumo energético 
e de alto potencial poluidor, e merece o desenvolvimento de estudos 
aprofundados sobre o tema. 
 
5.2. A produção do aço 
 
O  aço  é  atualmente  a  liga  metálica  mais  importante,  sendo 
utilizada  em  larga  escala  na  fabricação  de  bens  produção  e  de 
consumo.  A  figura  1  apresenta  o  histórico  da  produção  mundial  de 
aço nos últimos 50 anos. Assim como em nosso passado, este material 
tem  lugar  garantido  em  nossas  atividades  futuras,  a  projeção  que  se 
faz é de que sua produção deve quase dobrar dentro dos próximos 30 
anos  (HARVEY;  TORRIE;  SKINNER,  1997).  Grande  parte  deste 
aumento  pode  ser  atribuído  ao  rápido  crescimento  da  economia 
Chinesa, pois este país teve sua produção aumentada além dos 10,6% 
em  2005,  comparado  com  os  1,1%  de  aumento  para  o  restante  do 
mundo  (IISI,  2005).  A  Tabela  2  apresenta  dez  regiões  mais 
significativas em termos de produção de aço no mundo, onde a China 
se  destaca  como  maior  produtor.  Este  quadro  coloca  em  xeque 
questões  como  a  reciclagem  do  aço  e  como  o  planeta  vem  se 
articulando  para  reduzir  o  impacto  desta  indústria,  bem  como 
aproveitas  as  oportunidades  deste  material  comparado  a  outros 
ambientalmente menos corretos. 
Com  o  objetivo  de  promover  o  desenvolvimento  sustentável  na 
indústria  siderúrgica,  várias  medidas  no  sentido  da  preservação 
ambiental  tem  sido  implementadas  nos  últimos  anos.  Neste  sentido, 
foram definidos indicadores de sustentabilidade pelo International Iron 
and  Steel  Institute  (IISI)  em  2003,  com  o  propósito  de  medição 
comparável  do  desempenho  da  indústria  mundial  do  aço,  nas 
dimensões econômica, ambiental e social (GERVASIO; SILVA, 2005).  
 
 
 

140  
Tabela 2 – Principais países         
produtores de aço em 2004 
(IISI, 2005) 
Produção 
em 
Posição  Região  Milhões 
de 
toneladas 
China 
União 
1   272,5 
Européia 
2   192,9   
Japão 
3   112,7 
Estados 
4   98,9 
Unidos 
5   65,6 
Rússia 
6   47,5 
Coréia do 
7   38,7 
Sul  Figura 1 – Produção mundial de 1950 até 
8   32,9 
Ucrânia 
9  
Brasil 
32,6  2004, em Milhões de toneladas (IISI, 2005) 
10   20,5 
Índia 
Turquia 
Produção mundial total em 2004:   
1056,7   
 
5.3. Relevância do aço no Desenvolvimento Sustentável: exemplos 
 
O  aço  é  um  material  100%  reciclável  e  por  manter  suas 
propriedades ao longo de sucessivos ciclos de reutilização sem perda 
da  qualidade,  ele  pode  ser  reciclado  ilimitadamente.  É  de  fácil 
manuseio  e  separação  de  outros  materiais  na  cadeia  de  reciclagem 
devido a sua propriedade magnética natural e possui altos índices de 
reciclagem no mundo. De acordo com estatísticas mundiais do setor, 
em  2002  foram  recicladas  383  milhões  de  toneladas,  perfazendo  um 
total  de  42.3%  da  produção  mundial  do  aço  nesse  ano  (GERVASIO; 
SILVA,  2005).  No  setor  automobilístico,  reciclagem  do  aço  também  é 
elevada, com taxas acima de 90% nos últimos 10 anos em países como 
os EUA. Na fabricação e uso de latas de aço, foi verificada uma taxa 
média mundial de reciclagem de 63% e alguns países com até 85%, em 
estudo  realizado  há  poucos  anos.    Desse  modo,  grande  parte  do  aço 
atualmente  em  uso  deverá  ser  recuperado,  processado  e  novamente 
utilizado  por  futuras  gerações,  constituindo‐se  em  um  dos  materiais 
mais reciclados no mundo (IISI, 2005). 

  141
O  aço  reciclado,  também  denominado  sucata  de  aço,  pode  ser 
classificado  como  (IISI,  2005):  sucata  doméstica,  gerado  no  próprio 
processo  interno  da  usina  siderúrgica;  sucata  imediata,  gerado  na 
produção  de  bens  acabados;  e,  sucata  obsoleta,  proveniente  de 
produtos  fabricados  com  aço  descartados  em  seu  final  de  ciclo  de 
vida.  
O ciclo de retorno da sucata para a usina siderúrgica varia desde 
o retorno da sucata doméstica em semanas, passando pelo retorno da 
sucata imediata após alguns meses, e atingindo tempo de retorno em 
geral mais longo, da sucata obsoleta, em função do ciclo de vida dos 
produtos correspondentes (IISI, 2005). 
Embora produtos possam a princípio serem fabricados com 100% 
de  aço  reciclado,  em  geral  a  porcentagem  real  é  menor,  pois  grande 
proporção  dos  produtos  de  aço,  tais  como  como  carros, 
eletrodomésticos,  máquinas,  pontes,  construções,  possuem  ciclos  de 
vida relativamente longos, e não existe sucata suficiente para atender a 
crescente demanda da sociedade por aço. A demanda também cresce ao 
longo  do  tempo,  havendo  por  exemplo  uma  demanda  atual  50% 
superior  à  de  10  anos  atrás.  Por  essa  razão,  o  equilíbrio  da  equação 
produção‐demanda  é  conseguido  mediante  o  uso  combinado  de 
minério  de  ferro  (proveniente  das  reservas  naturais)  e  sucata  como 
matérias  primas  para  a  fabricação  do  aço.  Considera‐se  que  ambas  as 
matérias‐prima são imprescindíveis para a sustentabilidade econômica, 
ambiental e social da indústria de maneira combinada. Vale mencionar 
que  ao  final  dos  ciclos  de  vida  dos  produtos,  todos  ou  a  maioria  dos 
atuais  produtos  de  aço  deverão  ser  reciclados,  independentemente  da 
procedência  da  matéria  prima,  seja  ela  minério  extraído  das  reservas 
minerais, ou da sucata, o que contribui, a princípio, para a redução da 
necessidade futura de matéria‐prima virgem mineral (IISI, 2005). 
 
5.4. Exemplos  de  processos  siderúrgicos  e  seu  impacto  ambiental 
comparativo 
 
As  diferentes  rotas  de  fabricação  do  aço  possuem  diferentes 
capacidades  de  reciclagem.  O  processo  mais  empregado  na  rota  a 
partir  do  minério  de  ferro  se  baseia  principalmente  na  produção  de 

142  
ferro‐gusa  em  alto  forno  a  partir  do  minério  de  ferro,  seguida  da 
transformação  do  ferro‐gusa  em  aço  no  chamado  convertedor  (ou 
forno  básico  a  oxigênio),  com  emprego  de  equipamentos 
complementares  para  posterior  refino  e  conformação.  Nessa  rota, 
usualmente é possível reciclar até cerca de 20% de aço.  
A outra rota de grande relevância parte da própria sucata de aço, 
com  o  emprego  do  forno  a  arco  elétrico  para  a  sua  fusão,  com 
emprego  de  equipamentos  complementares  para  posterior  refino  e 
conformação  (GERVASIO;  SILVA,  2005).  (IISI,  2005).  Nessa  rota, 
pode‐se  atingir  até  100%  de  sucata  reciclada  como  a  matéria  prima 
que fornece o ferro para a fabricação de aço. 
Em  termos  comparativos  de  emissões  de  partículas  e  gases 
poluentes, nos quais se destacam as emissão de CO2 e outros gases com 
efeito de estufa, a produção de aço em alto forno  produz cerca de cinco 
vezes  mais  emissões  de  CO2  quando  comparado  com  a  mesma 
quantidade de aço produzido por forno a arco elétrico, o que pode ser 
verificado  na  Figura  2  juntamente  com  outros  indicadores  de  impacto 
ambiental relativos aos dois processos (GERVASIO; SILVA, 2005). 
 

 
Figura  2  ‐  Impactos  ambientais  correspondentes  aos  processos  de  produção 
de aço em alto forno e forno a arco elétrico (GERVASIO; SILVA, 2005). 

  143
O consumo de energia na produção em alto‐forno também é mais 
elevado,  correspondendo  a  aproximadamente  três  vezes  o  consumo 
por tonelada de aço comparado a produção em forno a arco elétrico. 
As diferentes porcentagens de aço reciclado utilizadas nos diferentes 
processos  de  produção  também  acentuam  a  maior  eficiência 
ambiental  do  forno  a  arco  elétrico,  inclusive  com  a  estimativa  da 
economia  de  1.25  toneladas  de  minério  de  ferro,  além  de  630  kg  de 
carvão  e  54  kg  de  calcário  a  cada  tonelada  de  aço  reciclado 
(GERVASIO; SILVA, 2005). 
  Apesar das vantagens ambientais da rota de fabricação do aço 
via forno elétrico, a demanda total por aço só pode ser atendida pela 
combinação dos processos, tanto pela disponibilidade insuficiente de 
sucata,  como  pela  perda  de  qualidade  e  necessidade  de  controle  de 
composição química do aço produzida por forno a arco elétrico depois 
de  seguidos  ciclos  de  reciclagem  da  sucata  (RUTH,  1995)  além  da 
produtividade  dos  processos  de  acordo  com  o  tipo  e  quantidade  de 
aço  produzido.  Desse  modo,  a  combinação  dos  dois  processos 
normalmente  é  ponderada  de  acordo  com  as  condições  locais  e 
disponibilidade  de  matéria‐prima  que  levam  a  uma  solução  mais 
sustentável (IISI, 2005). 
 
5.5. Exemplo  da  utilização  do  aço  como  solução  sustentável  na 
indústria da construção civil 
 
A comparação do uso do aço com outros materiais substitutos na 
indústria  da  construção  permite  analisar  as  diferenças  que  podem 
ocorrer  de  acordo  com  a  seleção  de  material  adotada.  A  construção 
civil.  desempenha  um  papel  fundamental  no  Desenvolvimento 
Sustentável global,  como um dos principais setores responsáveis pelo 
consumo  de  matérias  primas,  pela  escassez  dos  recursos  naturais  e 
pela  produção  de  resíduos,  e  como  um  dos  maiores  desafios  para  a 
sustentabilidade.  Os  insumos  dessa  indústria  correspondem  a  cerca 
de 50% de todos os materiais extraídos da crosta terrestre e consome 
cerca  de  40%  de  toda  a  energia  utilizada,  quando  se  considera  a 
energia  durante  o  uso  das  construções.  Os  resíduos  sólidos  gerados 
também correspondem a aproximadamente 50% de todos os resíduos 

144  
produzidos  antes  da  reciclagem  ou  reutilização,  o  que  torna 
fundamental a adoção dos princípios do desenvolvimento sustentável 
de maneira holística com vistas ao equilíbrio do ambiente ambiental e 
construído,  envolvendo  todo  o  ciclo  da  construção,  desde  a  extração 
de  matérias  primas  até  a  sua  demolição  e  destino  final  dos  resíduos 
resultantes (GERVASIO; SILVA, 2005).  
Nesse  contexto,  o  aço  pode  contribuir  para  soluções 
ambientalmente  mais  sustentáveis.  Por  exemplo,  os  impactos  da 
utilização  de  diferentes  materiais  em  uma  obra  de  engenharia  civil, 
uma ponte rodoviária, podem ser comparados conforme mostrado na 
Figura 3, mediante 11 índices de desempenho ambiental obtidos com 
emprego  de  metodologia  desenvolvida  pela  Society  for 
Environmental  Toxicology  and  Chemistry  (SETAC).  O  estudo 
envolveu  a  avaliação  de  alternativas  de  soluções  estruturais  para  a 
ponte  rodoviária  e  tornou  evidente  as  diferenças  do  desempenho 
ambiental dos processos de produção do aço, favorável para a rota do 
aço fabricado em arco elétrico, que também se mostra mais favorável 
tanto em relação ao concreto quanto ao aço misto, isto é, mistura com 
50% de aço fabricado em forno elétrico e 50% de aço fabricado em alto 
forno (GERVASIO; SILVA, 2005).  
 

 
 
Figura  3  ‐  Resultados  da  performance  ambiental  considerando  a  construção 
de uma ponte com diferentes tipos de materiais (GERVASIO; SILVA, 2005). 

  145
5.6. Desafios  da  indústria  siderúrgica  nos  caminhos  da 
Sustentabilidade 
 
Apesar  do  alto  potencial  poluidor  e  de  utilização  de  energia,  as 
tecnologias  empregadas  na  indústria  siderúrgica  atualmente 
evoluíram  bastante  desde  que  o  desenvolvimento  sustentável  entrou 
na pauta mundial. Esforços ao longo das últimas décadas propiciaram 
melhorias de eficiência na fabricação de aço, com avaliação de que os 
limites  máximos  foram  atingidos,  como  a  impossibilidade,  por 
exemplo,  da  expressiva  diminuição  direta  de  emissões  de  CO2  (IISI, 
2005).  Apesar  disso,  é  indicada  a  existência  da  determinação  da 
indústria  siderúrgica  na  redução  da  emissão  de  gases  pelo  aumento 
da eficiência dos processos de produção naquilo que é possível. Nesse 
sentido, existem programas de pesquisa em todo o mundo, tais como 
o programa ULCOS (Ultra Low CO2 Steelmaking), pesquisas voltadas 
para  uso  de  percentagens  mínimas  de  carbono  (carbon‐light) 
combinadas  com  a  captação  e  armazenamento  de  CO2,  e  pesquisa 
sobre  uso  de  recurso  a  energias  alternativas  tais  como  gás  natural, 
hidrogênio,  biomassa  e  eletricidade  (GERVASIO;  SILVA,  2005).  A 
expansão da produção do forno a arco elétrico tem sido concomitante 
com  o  aumento  das  taxas  de  reciclagem,  e  há  expectativa  de  que 
outras tecnologias sejam futuramente implementadas, de forma mais 
ágil e abrangente do que a tecnologia atual (RUTH, 1995). 
Desse  modo,  a  inovação  é  parte  essencial  no  futuro 
desenvolvimento  e  sucesso  da  siderurgia,  com  a  necessidade  de 
investimentos  em  novos  processos  para  que  a  produção  de  aço  de 
maneira cada vez mais sustentável (IISI, 2005). 
 
6. Conclusão 
 
Quando  comparado  a  eventos  como  a  revolução  industrial,  a 
discussão  sobre  temas  ligados  a  sustentabilidade  é  ainda  muito 
recente.  Seu  início  se  deu  no  período  pós‐segunda  guerra  com  a 
questão  ambiental  e  desde  então  tem  ganhado  conteúdo  e 
representatividade  no  cenário  mundial.  Atualmente  o  tema  e  tem 

146  
ganhado  relevância  e  tem  sido  pauta  de  encontros  mundiais,  quase 
sempre promovidos pela ONU. 
Enquanto Desenvolvimento Sustentável é um termo que se refere 
à  viabilidade  atual  e  futura  da  nossa  sociedade  sob  o  aspecto 
econômico,  ambiental  e  social,  a  Sustentabilidade  presta  um  papel 
muito  mais  abrangente,  ou  seja,  está  ligado  a  todas  as  atividades 
humanas,  cobrindo  de  forma  interdisciplinar  dimensões  como: 
economia, meio‐ambiente, espaço físico, cultura e sociedade. 
O  pleno  entendimento  de  questões  sob  a  perspectiva  de 
Sustentabilidade  necessita  de  uma  abordagem  mais  interdisciplinar 
ou  holística,  diferente  da  abordagem  tradicionalmente  mecanicista 
predominante  na  ciência  herdada  de  pensadores  como  Descartes  e 
Newton.  Deste  modo,  a  nova  abordagem  propõe  a  mudança  de 
paradigma que nos acena para a cooperação entre as ciências exatas e 
humanas. 
De  modo  geral,  a  preocupação  das  corporações  com  questões 
ligadas  a  sustentabilidade  tem  ocorrido  de  forma  reativa,  isto  é,  a 
indústria  tem  adotado  práticas  mais  sustentáveis  pressionada  por 
legislações e atuação de grupos não governamentais. O que se observa 
atualmente  é  a  mudança  desse  paradigma,  quando  ícones  do 
pensamento  estratégico  corporativo,  como  Michael  Porter,  chama 
atenção  dos  grandes  dirigentes  argumentando  que  adotar  práticas 
mais sustentáveis traduz‐se na sobrevivência da própria indústria. 
O  aço  produzido  pelo  processo  de  forno  a  arco  elétrico  é  um 
material  ambientalmente  amigável  e  pode  nos  ajudar  trilhar  um 
caminho em direção ao desenvolvimento sustentável. Entretanto uma 
análise  mais  ampla  e  interdisciplinar  da  questão  nos  leva  a  entender 
que atualmente a melhor opção para o Desenvolvimento Sustentável 
na  siderurgia  é  o  uso  combinado  deste  processo  com  a  redução  em 
alto‐forno, até que tecnologias mais sustentáveis estejam disponíveis. 
 Melhorias  de  processos  têm  levado  ao  limite  as  tecnologias 
utilizadas  na  siderurgia  atual,  assim,  investimentos  em  pesquisa  e 
desenvolvimento  de  novas  tecnologias  torna‐se  indispensável  para 
que  esta  indústria  continue  seu  caminho  na  direção  do 
desenvolvimento sustentável. 
 

  147
Referências 
 
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  149
 
OS DILEMAS VIVIDOS PELO EDUCADOR CONTEMPORÂNEO, 
NA CONSTRUÇÃO DE SUA FORMAÇÃO E EM SUAS PRÁTICAS 
DE TRABALHO, DENTRO DA ASSIM CHAMADA  
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO 
 
Dirceu Marcos Dolce Furlanetto1 
 
 
Uma  nova  ordem  social  baseada  nas  Tecnologias  de  Informação  e 
Comunicação (TICs). 
 
Há  algum  tempo  a  sociedade  vem  passando  por  reestruturações 
em sua forma de ser e de se organizar. À globalização e ao incremento 
de  sucessivas  novas  tecnologias,  com  destaque  para  as  áreas  de 
informação  e  comunicação,  as  chamadas  TICs,  se  tem  creditado  um 
papel  decisivo  para  o  alcance  do  progresso  técnico,  do 
desenvolvimento  econômico,  da  competitividade  internacional  e  da 
mobilidade  social,  Filho  (2003).  O  resultado  dessa  crença  é  a  difusão 
da  ideia  de  uma  “sociedade  da  informação”  onde  estas  tecnologias 
aparecem como elementos centrais das sociedades contemporâneas.  
 
[...]  a  propaganda  que  se  faz  da  ciência  e  da  tecnologia,  provavelmente 
com  vistas  à  melhores  resultados  econômicos,  é  tão  intensa  que  uma 
parcela  significativa  das  pessoas  acredita  que  elas,  em  quaisquer 
circunstâncias,  podem  sempre  ser  tidas  como  amiga.  (BAZZO,  1998,  p. 
115). 
 
A  proposta  das  novas  TICs  em  causar  impactos  nos  processos 
gerenciais,  na  vida  cotidiana,  com  potencial  transformador  sobre  as 
relações  sociais,  ganha  sustentabilidade  na  medida  em  que  se 
concretizam  o  surgimento  de  novos  e  mais  sofisticados  meios  de 
comunicação,  com  acessos  mais  rápidos,  para  quantidades  cada  vez 

1  Mestrando  do  Programa  de  Pós  –  Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e 


Sociedade (PPGCTS) da Universidade Federal de São Carlos, UFSCar. 

151
maiores  de  informação  e  em  ambientes  mais  seguros,  tornando  o 
vínculo de amizade, citado por Bazzo (1998, p. 1115) ainda mais forte. 
Por tudo isso a ciência e a tecnologia são tidas como construtoras de 
um novo modelo de organização social. Conforme Filho (2003), justifica‐
se  a  atribuição  à  ciência  e  à  tecnologia  a  propriedade  de  produzir 
relações  sociais,  mediante  a  implantação  de  novos  paradigmas  que 
superam os modelos sociais existentes.  
 
O  ambiente  educacional  e  os  novos  paradigmas  da  sociedade  da 
informação. 
 
Como não poderia deixar de ser, o ambiente educacional, por suas 
intensas  relações  sociais,  é  um  dos  setores  da  sociedade  que  mais  tem 
sofrido com os novos paradigmas.  
 
“A  existência  de  uma  escola  está  vinculada  basicamente  às  atividades 
associadas  das  pessoas  que  a  integram,  ou  seja,  professores  e  alunos. 
Qualquer que seja sua forma, bem como sua função específica dentro do 
grupo social, no que se refere à Educação, ela sofre pressões para ajustar‐
se às exigências e à estrutura da sociedade. Esta elabora a concepção de 
vida  que  a  educação  escolar,  um  dos  principais  mecanismos  de 
socialização, deve pôr em prática” Barsa (2001, p. 476).   
 
Essa nova estruturação tem transformado a instituição escolar, bem 
como  seus  atores.  Com  ênfase  aos  professores,  que  em  grande  parte 
ainda não estão preparados para enfrentar tais paradigmas. 
Os  problemas  relacionados  ao  profissional  docente  têm  sido 
objetos  de  incessantes  debates,  tanto  na  esfera  acadêmica  como 
também nos meios de comunicação, já que é cada vez mais unânime a 
necessidade  de  priorizar  o  setor  educacional  frente  à  revolução 
tecnológica presente na sociedade contemporânea.  
É  necessário  se  discutir  sobre  o  educador  contemporâneo:  suas 
perspectivas,  suas  necessidades,  suas  práticas  profissionais,  sua 
formação.  Para  tal,  faz‐se  necessário  recorrer  às  profundas  raízes  do 
pensamento  ocidental  explorando  suas  adversidades  culturais 
intelectivas para melhor compreender as dificuldades hoje existentes, 
ou  seja,  as  contradições  vividas  por  uma  geração  de  professores  que 

152
enfrenta  a  problemática  de  promover,  reformular  e  construir  o 
conhecimento,  dentro  de  uma  sociedade,  que  considera  acesso  à 
informação, aquisição de conhecimento.  
 
Uma nova sociedade para o educador ou um novo educador para a 
sociedade? 
 
Cada  época  planeja  seu  sistema  educacional  visando  formar  um 
tipo  de  pessoa.  Na  antiguidade  clássica  para  que  uma  pessoa  fosse 
considerada plenamente capaz de participar da vida em sociedade era 
necessário  que  ele  fosse  instruído  nas  artes  e  ciências  valorizadas 
naquele momento (ginástica, gramática, retórica, matemática e outras) 
estava formado o conceito da paideia que influenciaria a educação até 
os nossos dias. 
Esse tipo de educação, apresentada por Tarnas (2005), não estava 
voltada  para  a  formação  de  um  conhecimento  dialético  e 
epistemológico  e  sim  para  a  formação  sofista,  dogmática  e 
conservadora,  cujos  educadores  (conhecidos  na  época  como  sofistas‐
pedagogos) acabavam alimentando o tipo de educação voltada para o 
mundo externo. 
Apesar  dessa  educação  ateniense  ter  ocorrido  no  passado,  suas 
características  ainda  estão  presentes  no  nosso  cotidiano, 
demonstrando que a superação dos modelos ainda não ocorreu. 
Para  Tarnas  (2005)  a  mudança  do  conceito  de  sociedade,  não  á 
apenas  mais  uma  mudança  estrutural,  o  pensamento  reflexivo 
ocidental  está  sofrendo  uma  transformação  histórica  ímpar,  cuja 
grandeza  não  se  compara  a  nenhuma  outra  desenvolvida  por  nossa 
sociedade. Entretanto, para se entender tal transformação e fazer parte 
de  sua  mutabilidade,  é  preciso  compreender  e  discutir  as  ideias 
educacionais  e  científicas  desenvolvidas  no  passado;  e  repensar  o 
modelo de educação que se quer construir na atualidade e sobretudo 
do  educador,  que  terá  papel  fundamental  para  a  fundação  dos  seus 
alicerces.  Trata‐se,  portanto,  de  uma  educação  construída,  numa 
perspectiva que leve em consideração seu momento histórico‐social. 
A  inserção  da  tecnologia  nos  meios  educacionais,  sobre  tudo  a 
informática, vem sendo empregada em larga escala sem respeitar essa 

153
discussão,  dando  a  tecnologia  o  caráter  de  ferramenta  mediadora  do 
ensino e da aprendizagem.  
Para  Hegel  (Tarnas,  2005)  é  inerente  e  bastante  proveitoso  ao 
pensamento humano às contradições, é através delas que se atinge um 
estado  superior  de  consciência  e  existência,  o  crescimento  intelectual 
passa necessariamente por embates e influências opostas que tornarão 
o homem mais capaz de alcançar a sabedoria. 
Logo  não  é  plausível  a  ideia  de  facilitar  aos  professores  esses 
recursos  tecnológicos,  sem  que  antes  haja  uma  contraposição  a  sua 
utilização. 
 Se  a  sociedade  passa  por  um  processo  de  mudanças,  o 
profissional  docente  parece  ainda  não  ter  se  inserido  neste  processo, 
logo  se  encontra  em  situação  deficitária  em  relação  ao  seu  momento 
histórico‐social,  e  não  será  somente  através  da  inserção  de  novos 
recursos  que  haverá  a  um  novo  modelo  de  educador.  Essa  situação 
cria um sistema caótico onde a realidade de quem ensina e do que é 
ensinado, não cabem a quem aprende.  
É  preciso  que  as  instituições  formadoras  criem  mecanismos  para 
que  o  professor  possa  confrontar  seus  paradigmas  e  sintetizar  suas 
ideias  e  seus  modelos,  evitando  assim  que  seu  conhecimento  seja 
retórico  e  com  apenas  incrementos  de  novas  tecnologias.  Dessa 
maneira será possível a construção de um novo perfil de professor, e 
não apenas um professor “antenado”. 
 
Sociedade da Informação: conhecimento x adaptação. 
 
Como  já  visto  nas  ideias de  Tarnas  (2005),  os  diferentes  modelos 
ou  paradigmas  para  a  formação  do  educador  neste  universo 
contemporâneo  devem,  antes  de  tudo,  entender  suas  construções 
teóricas  em  seus  momentos  históricos,  não  no  sentido  linear,  mas, 
sobretudo,  dialética,  percebendo  as  importâncias  que  cada  antítese 
oferece para construção do novo. 
Contudo, a escola nova, impulsionada pela filosofia do aprender a 
aprender,  trouxe  consigo  uma  proposta  de  formação  de  professores 
que  atendesse  aos  requisitos  propostos  pela  estrutura  de  sociedade 
atual.  Onde  o  conhecimento  já  produzido  não  tem  relevância,  uma 

154
vez  que  o  conhecimento  não  é  encarado  como  algo  estático  e  sim 
dinâmico, isto quer dizer, que qualquer conhecimento adquirido, não 
pode  ser  validado  como  conhecimento  pois  aquilo  que  se  afirma  de 
algo  pode  ser  refutado  a  qualquer  momento,  logo  não  se  pode 
conhecer  nada,  apenas  informa‐se  de  suas  condições  atuais.  Nesse 
sentido o que realmente importa é a capacidade do individuo, no caso 
o  professor,  de  adequar‐se  as  estruturas,  ou  seja,  do  acesso,  uso  e 
descarte da informação. 
 
[...] A capacidade de adaptação e de aprender a aprender e a reaprender, 
tão  necessária  para  milhares  de  trabalhadores  que  terão  de  ser 
reconvertidos  em  vez  de  despedidos,  a  flexibilidade  e  modificabilidade 
para novos postos de trabalho vão surgir cada vez com mais veemência. 
Com a redução dos trabalhadores agrícolas e dos operários industriais, os 
postos de emprego que restam vão ser mais disputados, e tais postos de 
trabalho  terão  que  ser  conquistados  pelos  trabalhadores  preparados  e 
diferenciados em termos cognitivos. (Fonseca, 1998, p. 307)  
 
Desta  forma  não  há  uma  mediação,  como  propões  Tarnas  (2005) 
nem no campo ontológico e nem no campo epistemológico, uma vez 
que  a  relação  do  ensino  e  do  aprendizado  não  é  feita  com  o 
conhecimento e sim com fenômenos desse conhecimento, e no campo 
fenomênico  não  é  possível  uma  mediação  dialética.  Essa  falsa 
mediação  gera  uma  falsa  ideia  de  ensino  e  de  aprendizagem  que  na 
verdade  não  passa  de  uma  adequação  comportamental,  isto  é,  o 
individuo não recebe o conhecimento, mas é ensinado a conformar‐se 
a estrutura, em outras palavras aprender a aprender.  
A  maneira  como  a  tecnologia  vem  se  pautando  no  processo  de 
aprendizagem visa a atender aos anseios dessa estrutura. Prova disso 
são  os  programas  de  capacitação  tecnológica  oferecidos  pela  maioria 
das instituições formadoras os quais partem do propósito de colocar o 
professor  em  contato  com  a  tecnologia  para  que  o  mesmo  possa 
empregar  as  percepções  imediatas  adquiridas  pela  experimentação 
em suas aulas. Pode‐se examinar o reforço dado a essa proposição na 
citação de Valente (2007, p. 06):  
 

155
“Hoje,  nós  vivemos  num  mundo  dominado  pela  informação  e  por 
processos que ocorrem de maneira muito rápida e imperceptível. Os fatos 
e alguns processos específicos que a escola ensina rapidamente se tornam 
obsoletos  e  inúteis.  Portanto,  ao  invés  de  memorizar  informação,  os 
estudantes  devem  ser  ensinados  a  buscar  e  a  usar  a  informação.  Estas 
mudanças  podem  ser  introduzidas  com  a  presença  do  computador  que 
deve propiciar as condições para os estudantes exercitarem a capacidade 
de  procurar  e  selecionar  informação,  resolver  problemas  e  aprender 
independentemente. Valente (2007, p. 06)” 
 
O  conhecimento,  sob  esta  concepção,  tem  um  caráter  imediato, 
dessa  forma  não  é  conhecimento  e  sim  informação.  Facilitada  ao 
professor  e  consequentemente,  retransmitido  para  seus  alunos,  por 
meio  da  tecnologia.  Assim  como  para  Hegel  o  desenvolvimento  do 
sistema é o próprio fim dele, como é possível estabelecer relações de 
ensino com algo que passa apenas pelo imediato? E o que faz pensar 
que  as  relações  de  ensino  do  professor  sejam  diferentes  das  relações 
de  aprendizagem  propostas  aos  alunos?  Assim  fica  fácil  pensar  que 
não  há  conhecimento  sendo  transmito, pois  é impossível organizar  o 
conhecimento nesse sistema caótico.  
 
O papel das instituições formadoras. 
 
É urgente a necessidade do profissional docente em dar um salto 
qualitativo no que tange a sua relação com a sociedade tecnológica, de 
forma  a  não  se  prender  as  alienações  dessa  tecnologia  e  sim  às 
relações  teleológicas  dessa  tecnologia,  e  as  formas  adequadas  de 
produção de conhecimento. 
Compartilhando das ideias de Santos (2004), é preciso considerar 
que  mudanças  na  formação  docente  têm  como  limite  os  próprios 
interesses e valores que os orientam.  
É  aí  que  o  papel  da  instituição  formadora  se  torna  fundamental, 
estando alerta aos novos elementos que se infiltram com grande vigor 
nos sistemas educacionais no sentido de gerenciá‐los e filtrá‐los, afim 
de proporcionar ao profissional docente uma formação que o ajude a 
encontrar  caminhos  e  dar  soluções  aos  desafios  emergentes  e  que 
realmente atendam as demandas sociais existentes. 

156
Atentando‐se  ainda  aos  pensamentos  de  Silveira  (2007)  essas 
instituições  deverão  encarar  o  profissional  docente  como  agente 
transformador  da  sociedade,  tendo  que  agir,  tentar,  pesquisar,  e 
inventar  sem  medo  de  errar.  Torná‐lo  capaz  de  reconhecer‐se  como 
indivíduo  capaz  de  encaminhar  soluções,  postura  ética  e 
dialogicidade  em  igualdade  com  outros.  Cultivar  valores  que  o 
contraponham  aos  interesses  dessa  proposta  de  sociedade,  onde  o 
intuito de atender as demandas sociais, vão de encontro aos anseios da 
ideologia capitalista. 
Como diz Duarte (2001) “A assim chamada sociedade do conhecimento 
é  uma  ideologia  produzida  pelo  capitalismo,  é  um  fenômeno  no  campo  da 
reprodução ideológica do capitalismo”.  
 
 
 
Referências 
 
BAZZO, W. A. Ciência, tecnologia e sociedade e o contexto da educação tecnológica. 
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HEGEL, G. W. F. Hegel ‐ Os Pensadores. Ed. Nova Cultural, 2005 

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VALENTE,  J. A.  (Org.).  Diferentes  usos  do  computador  na  Educação.  Disponível 
em: www.nied.unicamp.br. Acesso em: 15 mai. 2007. 

 
 

158
 
TRAJETÓRIA E PERSPECTIVAS EM CTS NA EDUCAÇÃO:  
DO ENSINO CARTESIANO À INTERDISCIPLINARIDADE 
 
Francis Lampoglia1 
 
 
Introdução 
 
O  presente  artigo  estuda  o  caminho  percorrido  pela  ciência  a 
partir  do  final  da  Idade  Média  até  os  dias  atuais,  observando  a 
metodologia  cartesiana  e  a  iminência  de  uma  nova  forma  de  se 
estudar a ciência e a tecnologia que envolva um embasamento social. 
Diante da ineficiência do modelo tradicional/linear de progresso, cuja 
promessa  de  condução  ao  desenvolvimento  não  se  cumpriu,  emerge 
os  estudos  em  ciência,  tecnologia  e  sociedade,  que  além  de  propor 
uma visão crítica em relação ao emprego e à criação de C&T, promove 
maior participação social. 
A  ciência  é  mormente  conceituada  como  um  agrupamento  de 
saberes  “organizados  sobre  os  mecanismos  de  causalidade  dos  fatos 
observáveis,  obtidos  através  do  estudo  objetivo  dos  fenômenos 
empíricos.  E  está  intimamente  ligada  ao  conhecimento  dos 
fenômenos,  à  comprovação  de  teorias”  (ROSENBAUM,  1997;  REIS, 
2004  apud  VAZ;  FAGUNDES;  PINHEIRO,  2009,  p.  101).  Em  geral,  a 
noção  de  ciência  encontra‐se  relacionada  à  objetividade,  instigando 
assim um sentido ilusório de neutralidade. 
A  tecnologia  pode  ser  entendida  como  o  “conhecimento  que  nos 
permite  controlar  e  modificar  o  mundo”  (VAZ;  FAGUNDES; 
PINHEIRO,  2009,  p.  103).  Por  vezes  confundida  como  uma  ciência 
aplicada  ‐  por  estar  ligada  ao  conhecimento  científico,  a  tecnologia  é 
aqui  concebida  como  “um  conjunto  de  atividades  humanas, 
associadas a sistemas de símbolos, instrumentos e máquinas, visando 

1  Mestranda  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e 


Sociedade  pela  Universidade  Federal  de  São  Carlos  (PPGCTS/USFCar). 
Bolsista FAPESP (2010/03200‐2). 

  159
à  construção  de  obras  e  à  fabricação  de  produtos  por  meio  de 
conhecimento  sistematizado  (VARGAS,  1994  apud  VAZ; 
FAGUNDES; PINHEIRO, 2009, p.103). 
Já  o  conceito  de  sociedade  implica  num  agrupamento  de 
indivíduos  regidos  sob  um  mesmo  sistema  econômico  e  legislativo, 
em outras palavras, a sociedade é um  
 
corpo  orgânico  estruturado  em  todos  os  níveis  da  vida  social,  com  base 
na reunião de indivíduos que vivem sob determinado sistema econômico 
de  produção,  distribuição  e  consumo,  sob  um  dado  regime  político,  e 
obediente  a  normas,  leis  e  instituições  necessárias  à  reprodução  da 
sociedade  como  um  todo  (SIMON,  1999,  apud,  VAZ;  FAGUNDES; 
PINHEIRO, 2009, p.105).  
 
Diante  desse  quadro,  os  estudos  em  ciência,  tecnologia  e 
sociedade proporcionam a integração de tais conceitos, com o intuito 
de  formar  cidadãos  mais  responsáveis  e  críticos  em  relação  à  C&T, 
além de contribuir para o estudo das questões sociais. 
Com  isto,  iniciaremos  este  artigo  refletindo  sobre  a  história  da 
ciência, com especial enfoque à metodologia cartesiana, que influencia 
os  estudos  científicos  até  os  dias  atuais.  Em  seguida,  abordaremos  o 
emprego  da  CTS  em  diferentes  países  do  mundo  e,  logo  após, 
discutiremos  os  mitos  e  as  propostas  CTS,  inclusive  no  campo  da 
educação.  E,  por  fim,  encerraremos  nossa  discussão  com  as 
considerações finais. 
 
Uma breve história da ciência e da metodologia científica 
   
Na Europa, antes dos anos de 1500, predominava a visão orgânica 
da  ciência,  ou  seja,  a  ciência  era  estudada  como  um  todo,  sem 
divisões. Havia, assim, a submissão das necessidades individuais em 
detrimento  das  da  comunidade  e  a  estrutura  científica  era  embasada 
pelos  postulados  de  Aristóteles  e  dos  dogmas  da  Igreja  católica.  O 
atrelamento  entre  razão  e  fé  permeou  toda  a  Idade  Média,  com  o 
propósito  de  entender  o  significado  das  coisas  e  do  ambiente,  e  não 
controlá‐las. 

160  
Os  séculos  XVI  e  XVII,  no  entanto,  introduziram  um  novo 
posicionamento  do  mundo  frente  à  ciência  e  ao  homem.  Essa  época, 
conhecida  como  a  Idade  da  Revolução  Científica,  promoveu 
mudanças  na  física  e  na  astronomia,  alterando  o  modo  do  homem 
conceber a máquina do mundo. As ideias de Nicolau Copérnico e de 
Galileu Galilei que se opunham ao geocentrismo e as leis de Kepler a 
cerca  do  movimento  planetário  constituíram  em  marcas,  que  não  só 
representaram  uma  afronta  à  Igreja,  mas  marcaram  a  inconsistência 
da concepção de mundo que predominava até então. Segundo Capra 
(1981), 
 
A  perspectiva  medieval  mudou  radicalmente  nos  séculos  XVI  e  XVII.  A 
noção  de  um  universo  orgânico,  vivo  e  espiritual  foi  substituída  pela 
noção do mundo como se ele fosse uma máquina, e a máquina do mundo 
converteu‐se  na  metáfora  dominante  da  era  moderna.  Esse 
desenvolvimento foi ocasionado por mudanças revolucionárias na física e 
na  astronomia,  culminando  nas  realizações  de  Copérnico,  Galileu  e 
Newton (CAPRA, 1981, p. 49). 
 
Francis  Bacon  introduziu  a  descrição  matemática  da  natureza 
aliada ao método analítico de raciocínio. Além de postular o método 
empírico da ciência, Bacon aposta no procedimento indutivo, partindo 
de  casos  específicos  para  obter  conclusões  gerais.  Galileu  foi  o 
primeiro  a  combinar  a  experimentação  científica  com  o  uso  da 
linguagem  matemática  para  formular  leis  da  natureza,  sendo  assim 
considerado  o  pai  da  ciência  moderna.  A  partir  deste  momento,  o 
estudo  da  natureza  passou  a  pautar‐se  na  descrição  matemática  de 
seus elementos, restringindo‐se ao estudo das propriedades essenciais 
como a forma e o movimento, e expulsando a subjetividade do campo 
da ciência.  
Com  isto,  não  somente  a  forma  de  se  compreender  a  ciência 
mudou,  mas  também  seus  objetivos  também  mudaram.  Da 
Antiguidade  até  o  século  XVI  a  ciência  tinha  como  objetivo  a 
sabedoria, a compreensão da ordem natural e a vida em harmonia. Do 
século  XVI  em  diante,  o  escopo  científico  direcionou‐se  ao 
conhecimento  para  dominar  e  controlar  a  natureza.  René  Descartes, 

  161
assim  como  Francis  Bacon,  era  adepto  dessa  nova  concepção  de 
ciência. 
Descartes acreditava que a chave para a compreensão do universo 
era a estrutura matemática e a geometria analítica e que a essência da 
natureza  humana  era  o  pensamento.  Mas,  principalmente,  era  o 
método analítico em que Descartes mais se apoiava para compreender 
o  mundo  à  sua  volta.  Tal  método  baseia‐se  na  decomposição  de 
pensamentos e problemas em suas partes componentes e em dispô‐las 
em  sua  ordem  lógica.  Segundo  Capra  (1981),  o  método  analítico  de 
raciocínio  é  a  maior  contribuição  de  Descartes  à  ciência,  método  que 
tornou‐se 
 
(...)  uma  característica  essencial  ao  moderno  pensamento  científico  e 
provou ser extremamente útil no desenvolvimento de teorias científicas e 
na  concretização  de  complexos  projetos  tecnológicos.  Foi  o  método  de 
Descartes que tornou possível à NASA levar o homem à Lua. Por outro 
lado, a excessiva ênfase dada ao método cartesiano levou à fragmentação 
característica  do  nosso  pensamento  em  geral  e  das  nossas  disciplinas 
acadêmicas, e levou à atitude generalizada de reducionismo na ciência – 
a crença em que todos os aspectos dos fenômenos complexos podem ser 
compreendidos se reduzidos às suas partes constituintes (CAPRA, 1981, 
p. 55). 
 
Esse  modelo  cartesiano  é,  até  os  dias  de  hoje,  o  método  que 
embasa  o  estudo  científico.  A  divisão  da  ciência  em  disciplinas  e  o 
aprofundamento  do  estudo  em  favor  de  uma  determinada 
especialidade desenvolveu a dificuldade de se trabalhar com sistemas 
integrativos.  Ou  seja,  a  fragmentação  da  ciência  em  disciplinas, 
embora  proporcionasse  uma  compreensão  mais  detalhada  de  um 
determinado ponto científico, dificultou a compreensão de fenômenos 
não‐isolados,  que  ocorrem  com  o  entrelaçamento  de  diferentes  áreas 
do estudo científico, dado que as disciplinas operam em conjunto com 
outras  disciplinas.  Os  movimentos  físicos  de  um  ser  humano,  por 
exemplo,  não  ocorrem  separadamente  das  reações  químicas  que 
acontecem  no  interior  de  seu  corpo,  da  mesma  forma  são 
indissociáveis de seu pensamento e da sua inserção na sociedade. 

162  
Com isto, tal paradigma cartesiano, frente às imbricações entre as 
disciplinas,  começa  a  ser  questionado  pela  comunidade  científica  a 
partir  da  pós  Segunda  Guerra  Mundial.  A  ausência  de  respostas  às 
questões que exigiam um conhecimento multidisciplinar impulsionou 
o  surgimento  de  estudos que  abrangessem  diferentes  áreas  do  saber, 
com  o  entrelaçamento  de  campos  como  o  das  humanas,  exatas  e 
biológicas. Segundo Cachapuz et. al. (2008), 
 
O que é seguro, são as idéias de Morin e Le Moigne (1999, p. 33) de que 
hoje  em  dia  a  ciência  está  no  centro  da  sociedade,  o  conhecimento 
científico e o conhecimento técnico se estimulam reciprocamente, de que 
é  preciso  distingui‐los  mas  não  dissociá‐los  e  de  que  o  verdadeiro 
problema  moral  nasce  da  enormidade  de  poderes  vindos  da  ciência. 
Como referem Cachapuz et. al. (2002, p.33), “temos de rever e aprofundar 
o  diálogo  entre  as  várias  ciências  que  o  cartesianismo  separou”  e, 
principalmente,  entre  as  ciências  da  natureza  e  as  ciências  sociais  e 
humanas onde “quase tudo está por fazer”. (CACHAPUZ, 2008, p. 29). 
 
Diante  deste  contexto,  surgiram  diferentes  campos  de  estudos, 
dentre  eles  o  de  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade  (CTS),  que  foi  criada 
entre meados dos anos de 1960 e 1970, em resposta ao agravamento dos 
problemas  ambientais  e  éticos  que  emergiram  no  pós‐guerra,  das 
questões  relativas  à  qualidade  de  vida  da  sociedade  industrial  e  do 
medo  e  frustração  em  relação  à  tecnologia  (SANTOS;  MORTIMER, 
2002).  Para  Auler  (2007),  um  dos  objetivos  principais  do  movimento 
CTS  é  reivindicar  decisões  mais  democráticas,  ou  seja,  com  maior 
participação  dos  atores  sociais,  e  menos  tecnocrática.  Essa  nova  visão 
teria contribuído para o rompimento do modelo tradicional / linear de 
progresso,  em  que  o  desenvolvimento  científico  (DC)  gera 
desenvolvimento  tecnológico  (DT),  que  gera  desenvolvimento 
econômico (DE) que, por sua vez, determina o desenvolvimento social 
(DS), segundo o esquema: DC → DT → DE → DS (AULER, 2007, p. 8). 
Com  isso,  a  ciência  apartada  de  uma  reflexão  social  mostra‐se 
incompleta,  já  que  os  estudos  são  feitos  para  /  pela  sociedade.  Da 
mesma  forma,  não  se  pode  considerar  a  C&T  separada  da  natureza, 
dado que os estudos e as aplicações trazem consequências a natureza 
e ao mundo em que vivemos. A exploração dos recursos naturais e o 

  163
depósito  indiscriminado  de  resíduos  químicos  e  industriais  no 
ambiente mostraram que a natureza é esgotável, não é eterna. Diante 
desta  situação,  o  papel  da  ciência  hoje  está  sofrendo  uma  nova 
mudança, pois o que até então era voltado para o domínio do mundo, 
agora  direciona‐se  ao  caminho  de  protegê‐lo,  a  fim  de  garantir  a 
sustentação da natureza que viabiliza a existência humana. Para Vaz, 
Fagundes e Pinheiro (2009), o 
 
(...) papel da ciência na atualidade não é mais entendido como a busca de 
domínio do mundo, mas sim salvaguardá‐lo, em um contexto em que o 
conhecimento  científico  ainda  representa  uma  forma  de  poder  que  é 
entendido como uma prática social, econômica e política e um fenômeno 
cultural  mais  do  que  um  sistema  teórico‐cognitivo  (VAZ,  FAGUNDES, 
PINHEIRO, 2009, p. 101). 
 
EUA, Europa e Brasil 
 
Os  estudos  CTS  surgiram  inicialmente  na  Europa,  Estados 
Unidos, Canadá e Austrália, aportando em terras brasileiras somente 
em tempos depois. Entretanto, o direcionamento dado à esses estudos 
no  contexto  norte‐americano  difere  da  orientação  europeia 
(LINSINGEN, 2007). 
A  perspectiva  CTS  norte‐americana  enfatiza  as  consequências 
sociais  e  ambientais  das  inovações  tecnológicas,  observando  as 
influências que a ciência e a tecnologia (C&T) podem ter na vida dos 
cidadãos  e  das  instituições  (CACHAPUZ,  et.  al.,  2008).  Segundo 
Linsingen  (2007),  a  tradição  norte‐americana  é  mais  pragmática,  se 
preocupando  “mais  com  as  consequências  sociais  e  ambientais  da 
mudança  científico‐tecnológica  e  com  os  problemas  éticos  e 
reguladores suscitados por tais consequências” (LINSINGEN, 2007, p. 
5).  Já  a  tradição  europeia  enfoca  os  antecedentes  sociais  da  mudança 
científico‐tecnológica,  tratando  “o  desenvolvimento  científico  e 
tecnológico  como  um  processo  conformado  por  fatores  culturais, 
políticos e econômicos, além de epistêmicos” (LINSINGEN, 2007). 
No Brasil, no que se refere aos estudos em ciência e tecnologia, o 
passado  colonial  foi  determinante  para  o  destino  do  país.  As 
pesquisas  em  C&T  não  evoluiram  por  aproximadamente  trezentos 

164  
anos  após  a  presença  europeia  na  terra  brasilis.  Segundo  Farias  e 
Freitas (2007), 
 
(...) o modelo da economia brasileira apoiado na agricultura e no regime 
escravocrata  até  1888,  não  favorecia  o  desenvolvimento  científico  e 
tecnológico  do  país.  Somente  na  virada  do  século  houve  iniciativas  de 
significativo  investimento  na  área,  como  o  programa  de  saúde  pública 
sob a direção de Oswaldo Cruz, que figura na história como um exemplo 
sem paralelo no período (FARIAS; FREITAS, 2007, p. 2) 
 
Após a Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro mostrou‐se 
interessado em incentivar a pesquisa nacional, em especial no campo 
da  energia  nuclear.  Em  1951  foi  criado  o  Conselho  Nacional  de 
Pesquisa,  com  particular  apoio  às  pesquisas  em  Física  Nuclear. 
Entretanto,  devido  à  pressão  dos  Estados  Unidos  para  que  o  Brasil 
adquirisse  a  tecnologia  norte‐americana,  alguns  programas  de 
pesquisa  que  estavam  em  desenvolvimento  tiveram  que  ser 
interrompidos. Em fins dos anos de 1960, sob o comando da ditadura 
militar, várias instituições científicas sofreram diversas investidas dos 
militares,  obrigando  também  renomados  cientistas  brasileiros  a  se 
exilarem em outros países (FARIAS; FREITAS, 2007).  
Mas foi a partir da década de 1970 que a comunidade científica se 
engaja  por  uma  política  científica  congruente  com  a  afirmação  da 
atividade  científica  no  país  (op.  cit.,  2007).  Nessa  mesma  época,  os 
currículos  educacionais  de  ciências  no  Brasil  passaram  a  incorporar 
uma concepção de ciência como fruto do contexto econômico, político 
e social. Na década de 1980, o ensino de ciências no Brasil começou a 
analisar  as  implicações  sociais  do  desenvolvimento  tecnológico  e 
científico (SANTOS; MORTIMER, 2002). 
A ausência de políticas públicas de desenvolvimento em C&T na 
maior parte da história do Brasil refletiu‐se em uma política científico‐
tecnológica  afastada  dos  objetivos  sociais,  ocasionando  pesquisas 
científicas desvinculadas dos problemas sociais locais. Farias e Freitas 
(2007) afirmam que  
 
(...)  a  ausência  de  um  projeto  nacional  de  desenvolvimento  da  C&T  no 
país se perpetuou na maior parte da história brasileira e que, no presente, 

  165
reflete‐se  em  políticas  e  práticas  de  gestão  apartadas  e,  muitas  vezes, 
contraditórias  às  premências  e  demandas  da  sociedade  (FARIAS, 
FREITAS, 2007, p. 4). 
 
Segundo  Vaccarezza  (1998)  citado  por  Farias  e  Freitas  (2007),  as 
políticas de C&T na década de 1990, diferentemente das dos anos 70, 
são  representadas  pela  competição  internacional  das  unidades 
produtivas  e  pela  exclusão  social,  marcas  essas  que  as  autoras 
aproximam ao contexto do pensamento atual. Nas palavras de Farias 
e Freitas (2007) 
 
(...) Segundo ele [VACCAREZZA, 1998], diferentemente do que o ocorreu 
nos anos 70, o pensamento atual se limita a promover a competitividade 
internacional  das  unidades  produtivas;  as  empresas  individualmente 
passam  a  ser  os  principais  atores;  o  critério  de  competitividade 
internacional  exclui  o  social  como  núcleo  da  racionalidade  política, 
diminuindo  o  potencial  das  propostas  de  C&T  para  o  atendimento  das 
reais necessidades da sociedade e da região.(FARIAS; FREITAS, 2007, p. 4) 
 
Diante  disso,  verifica‐se  a  necessidade  da  contribuição  dos 
estudos sociais sobre a ciência e a tecnologia, dado que estas últimas 
não  são  neutras  e  nem  constituem  fenômenos  que  possam  ser 
estudados  isoladamente  do  fator  humano,  sem  se  considerar  as 
consequências da C&T na sociedade. 
 
Ciência, Tecnologia e Sociedade 
 
Os  estereótipos  que  envolvem  a  ciência  e  a  tecnologia  arrolam 
mitos que, por vezes, prejudicam o desenvolvimento social e técnico‐
científico.  Mitos  como  a  neutralidade  da  ciência,  o  determinismo 
tecnológico  e  a  ciência  e  a  tecnologia  como  salvadoras  da  civilização 
constituem  obstáculos  que  impedem  uma  reflexão  crítica  a  respeito 
dos efeitos que a C&T causam na sociedade. 
A  questão  da  neutralidade  científica  teve  origem  a  partir  do 
século  XV,  em  oposição  ao  conhecimento  religioso.  Embora  ambos 
buscassem  a  verdade,  diferiam  na  forma  como  avaliavam  essa 
verdade  e  a  falsidade.  Enquanto  o  conhecimento  religioso  era 
concebido como não‐neutro e intervinha na realidade social através de 

166  
seus  seguidores,  indissociável  de  sua  gênese  e  das  práticas  sociais;  a 
ciência  teria  argumentos  racionais  e  empíricos,  com  lógica  própria, 
interna  e  autônoma  em  relação  ao  social.  Diante  disso,  o  Iluminismo 
questionou  o  pensamento  religioso  e  potencializou  a  ideia  de 
neutralidade, noção esta reforçada pelo Positivismo, a partir do século 
XVIII,  que  postulava  a  contenção  da  subjetividade  em  favor  da 
objetividade.  O  Positivismo  também  pregava  a  reprodução  da 
realidade tal qual ela é, como meio de estudá‐la, o que colaborou para 
a  crença  da  ciência  como  verdade  (DAGNINO,  2007).  Embora  a 
história da ciência aponte para a neutralidade, tal noção não existe no 
âmbito  científico,  já  que  o  cientista  está  imerso  na  sociedade  e  é 
atingido  por  seus  valores.  Santos  e  Mortimer  (2002),  resgatando  as 
ideias  de  Fourez  (1995)  e  Japiassu  (1999),  afirma  que  “não  existe  a 
neutralidade científica nem a ciência é eficaz para resolver as grandes 
questões  éticas  e  sócio‐políticas  da  humanidade”  (SANTOS; 
MORTIMER, 2002, p. 2).  
Outro mito é o do determinismo tecnológico, em que é creditada à 
tecnologia o rumo e o ritmo do progresso da civilização. Segundo essa 
corrente,  a  tecnologia  surge  como  fator  determinante  para  mudança 
social,  pois  a  alteração  tecnológica acarreta  na  mudança  social.  Além 
disso,  a  tecnologia  também  é  concebida  como  autônoma  e  é 
independente  das  influências  sociais.  Contudo,  tal  postulado  nega  o 
agir  humano,  podando  sua  potencialidade  de  escolha.  Para  Auler 
(2007), 
 
A  defesa  do  determinismo  tecnológico  consiste  numa  forma  sutil  de 
negar  as  potencialidades  e  a  relevância  da  ação  humana,  exercendo  o 
efeito de um mito paralisante. Com a aceitação passiva dos “milagres” da 
tecnologia, com a adesão ao sonho consumista, a humanidade, como um 
todo,  está  perdendo  a  chance  de  moldar  o  futuro.  Em  outros  termos,  as 
visões  utópicas,  desencadeadas  pelas  novas  tecnologias,  impedem  a 
compreensão  da  tecnologia  como  processo  social,  no  qual  estão 
embutidos  interesses,  na  maioria  das  vezes,  de  grupos  econômicos 
hegemônicos (AULER, 2007, p. 11). 
 
Há ainda a perspectiva salvacionista atribuída à C&T, que postula 
que na ciência e na tecnologia encontram‐se respostas aos problemas 

  167
atuais  e  futuros,  assim  como  o  desenvolvimento  da  C&T 
proporcionará  um  desfecho  feliz  para  o  homem.  Esta  perspectiva  é 
uma das bases do modelo tradicional / linear de progresso (DC → DT 
→ DE → DS), que entende que o desenvolvimento da C&T implicam, 
inevitavelmente,  ao  desenvolvimento  econômico  e  social  (AULER, 
2007).  Como  visto  anteriormente,  tal  modelo  descarta  a  participação 
social  do  curso  do  progresso,  colocando  o  social  como  consequência 
do  desenvolvimento  científico‐tecnológico  e  econômico,  ignorando, 
dessa forma, as diferenças de classes sociais. 
Essas  posturas  não  permitem  uma  leitura  mais  aprofundada  da 
ciência  e  nem  possibilitam  questionamentos,  impedindo  que  a  C&T 
alcance  a  plenitude  de  seu  desenvolvimento,  abarcando  também  as 
questões  sociais.  Com  isso,  verifica‐se  que  o  imbricamento  entre 
ciência, tecnologia e sociedade se faz necessário dado que, além de se 
considerar  o  social,  as  pessoas  envolvidas  no  processo,  também 
contribui para uma tomada de decisão mais consciente e responsável 
no que tange às questões que envolvem C&T.  
Contudo,  enquanto  os  estudos  em  CTS  não  se  consolida,  a  C&T 
configura‐se  como  privilégio  de  uma  elite  que  a  domina  e  pode 
economicamente custeá‐la. Para Farias e Freitas (2007),  
 
(...)  nesse  processo,  os  efeitos  do  progresso  gerado  pela  ciência  ainda  é 
prerrogativa  de  poucos  e  as  conquistas  da  civilização  são  colocadas  em 
xeque:  os  problemas  gerados  pela  clivagem  entre  norte  e  sul  (países 
desenvolvidos  e  em  desenvolvimento)  contribuem  para  a  acentuar  a 
miséria,  a  violência,  a  competição  feroz,  a  automação  do  trabalho  e 
homogeneização  de  práticas  sociais  e  culturais  (FREITAS  et.  al.,  2007 
apud FREITAS, FARIAS, 2007, p. 4).  
 
Outros  problemas  podem  ser  detectados  nas  relações  entre  CTS, 
dado que, na maioria das vezes, tais problemas são resultados de uma 
política de C&T apartada da sociedade, tais como as dificuldades em 
conciliar  os  anseios  da  comunidade  científica  com  os  interesses  e 
posterior  aplicação  na  sociedade  e  a  falta  de  estímulos  financeiros 
para  promover  pesquisas de  âmbito local.  Entretanto,  tais  problemas 
devem  ser  estudados  e  debatidos  com  a  sociedade,  e  não  serem 

168  
decididos  por  um  grupo  restrito  de  pessoas  cuja  classe  econômica  e 
social não condiz com a maioria da população.  
Farias  e  Freitas  ampliam  a  discussão  ao  considerarem  os  fatores 
culturais  e  ambientais  aos  estudos  de  C&T.  Segundo  as  autoras,  os 
estudos  em  ciência,  tecnologia,  cultura  e  ambiente  (CTCA) 
proporcionam  uma  visão  do  conjunto  de  problemas  e  conflitos  que 
“além de expor mazelas sociais e econômicas ligadas ao nosso modelo 
de desenvolvimento, põe à vista dimensões ambientais, éticas, culturais 
e políticas de modo explícito” (FREITAS, FARIAS, 2007, p. 4). 
 
CTS na educação 
 
Em  meados  do  século  XX,  uma  sensação  de  que  o  modelo 
tradicional/linear  do  progresso  não  estava  alcançando  seu  objetivo 
começou  a  se  instaurar.  Notou‐se  que  o  desenvolvimento  científico, 
tecnológico  e  econômico  não  produziam  automaticamente  o 
desenvolvimento  social.  A  degradação  ambiental,  bem  como  as 
mazelas  geradas  pela  guerra  tornaram  visível  a  necessidade  de  uma 
reflexão  crítica  sobre  a  ciência  e  a  tecnologia,  críticas  essas  levadas 
para  a  sala  de  aula,  integrando  o  currículo  escolar.  Tal  debate, 
incorporado  nas  escolas  secundárias  e  superior  de  vários  países,  não 
revelou‐se  consensual  no  que  tange  aos  objetivos,  conteúdos, 
abrangência  e  modalidades  de  implantação  (AULER,  2007;  AULER; 
DELIZOICOV, 2006). 
Embora  não  haja  um  consenso  sobre  os  objetivos  deste 
movimento no campo educacional, Auler (2007) destaca alguns deles, 
como promover o interesse dos alunos em relacionar a ciência com a 
tecnologia  e  a  sociedade,  discutir  as  questões  sociais  e  éticas 
relacionadas ao uso da C&T, compreender a natureza da ciência e do 
trabalho  científico,  formar  cidadãos  alfabetizados  científica‐
tecnologicamente  capazes  de  tomar  decisões  conscientes  e 
desenvolver  uma  postura  crítica  e  a  independência  intelectual 
(AULER, 2007, p. 1). 
Para  Garcia  et.  al.  (1996  apud  AULER,  DELIZOICOV,  2006),  um 
dos  objetivos  principais  desse  movimento  consistiu  em  colocar  a 
tomada de decisões em relação a C&T em um plano mais democrático 

  169
e  menos  tecnocrático,  o  que  teria  contribuído  para  a  ruptura  do 
modelo linear de progresso. Para Linsingen (2007),  
 
Educar,  numa  perspectiva  CTS  é,  fundamentalmente,  possibilitar  uma 
formação  para  maior  inserção  social  das  pessoas  no  sentido  de  se 
tornarem  aptas  a  participar  dos  processos  de  tomadas  de  decisões 
conscientes e negociadas em assuntos que envolvam ciência e tecnologia 
(LINSINGEN, 2007, p. 13). 
 
Tal  democratização  das  tomadas  de  decisão  que  envolve  C&T 
aproxima,  segundo  Auler  e  Delizoicov  (2006),  à  matriz  teórica  de 
Freire  (1987  apud  AULER;  DELIZOICOV,  2006),  que  aposta  em 
pressupostos educacionais que ultrapassam os limites de treinamento 
de competências e habilidades. 
Para Freire (1987), alfabetizar é muito mais que repetir palavras, é 
produzir  sua  palavra,  possuir  uma  leitura  crítica  do  mundo. 
Promover  o  pensamento  crítico  em  relação  aos  impactos  da  C&T  no 
meio  social  é  formar  cidadãos  conscientes  e  comprometidos  com  o 
futuro.  Para  tanto,  não  convém  transformar  o  aluno  em  um 
repositório  de  informações,  sem  estimular  a  curiosidade 
epistemológica  necessária  para  o  processo  do  conhecer  (AULER, 
2007). É necessário que o aluno, ao se relacionar com a C&T, assuma 
uma posição curiosa e reflexiva, a fim de conhecer todos seus aspectos 
e implicações sociais. 
 
Em outras palavras, o querer conhecer e a curiosidade epistemológica são 
fundamentais  no  processo  de  conhecer.  (...)  O  erro  está  em  querer 
alimentar  –  Tratamento  de  engorda  (FREIRE,  1987)  –  os  alunos  com 
conhecimentos  considerados  prontos,  acabados,  verdades 
inquestionáveis,  transformando‐os  em  pacientes  e  recipientes  deste 
conhecimento.(...)  O  querer  conhecer  antecede  o  conhecer.  Estimular  os 
alunos a assumir o papel de sujeitos, de participantes do ato de conhecer, 
aguça a curiosidade epistemológica. (AULER, 2007, p. 15). 
 
Além  disso,  é  preciso  que  o  professor,  juntamente  com  a 
comunidade  escolar,  participe  da  construção  do  currículo  de  ensino, 
de  forma  a  aproximar  a  escola  ao  contexto  social  e  à  C&T.  Mais  que 
enquadrar a ciência e a tecnologia no plano metodológico, como uma 

170  
técnica,  um  recurso  que  auxilia  no  cumprimento  de  programas 
escolares,  é  necessário  incorporar  no  currículo  escolar  uma  postura 
reflexiva  frente  à  C&T,  criticamente  construída  pelo  professor  e  pela 
comunidade.  A  tecnologia  e  a  ciência  são  fatores  que  interferem  na 
vida  das  pessoas  e  provocam  mudanças  sociais,  com  consequências 
que podem afetar o ambiente e a própria humanidade, e não podem 
se  restringir  a  apenas  melhorar  a  metodologia  do  ensino  de  um 
currículo escolar definido à priori, sem a participação da comunidade 
e  do  professor.  Para  Auler  (2007),  em  alguns  contextos,  “utiliza‐se  o 
enfoque CTS apenas como fator de motivação, para “dourar a pílula” 
no processo de “cumprir programas”, de “vencer conteúdos”” (p. 16). 
No  âmbito  do  ensino  superior,  vários  programas  educativos  têm 
sido  implantados  em  numerosas  universidades  da  Europa  e  dos 
Estados Unidos desde finais da década de 1960. Em geral, pretende‐se 
que os programas CTS sejam oferecidos como especialização de pós‐
graduação ou como complemento curricular para alunos de diferentes 
procedências (LINSINGEN, 2007). 
Para  os  estudantes  do  curso  de  exatas  e  biológicas,  tais  como  a 
engenharia e as ciências naturais, instigar uma formação humanística 
básica  proporcionaria  o  desenvolvimento  de  estudantes  com 
capacidade  crítica  e  avaliativa  a  cerca  dos  impactos  sociais  e 
ambientais  provindos  da  tecnologia,  “formando  por  sua  vez  uma 
imagem  mais  realista  da  natureza  social  da  ciência  e  da  tecnologia, 
assim  como  do  papel  político  dos  especialistas  na  sociedade 
contemporânea” (LINSINGEN, 2007, p. 8). 
Já  para  os  estudantes  dos  cursos  de  humanas,  o  conhecimento 
básico  sobre  C&T  poderia  proporcionar  uma  visão  crítica  sobre  as 
tecnologias  que  os  afetarão  como  profissionais  ou  como  cidadãos 
(LINSINGEN, 2007).Um legislador, por exemplo, ao ter uma formação 
com  um  conhecimento  básico  em  informática,  poderia  visualizar 
mecanismos legais para coibir determinada conduta que cause dano à 
sociedade. 
Com  isto,  ao  fornecer  uma  base  humanística  aos  estudantes  de 
exatas e biológicas e oferecer um embasamento científico‐tecnológico 
à  turma  de  humanas,  a  formação  em  CTS  proporcionaria  mais  que 
uma  postura  crítica  acerca  da  C&T,  pois  aproximaria  duas  esferas, 

  171
dois  universos  do  saber,  separados  por  anos  de  história,  com  o 
objetivo comum do progresso social. 
 
Considerações finais 
 
Os  objetivos  da  ciência  sofreram  mudanças  significativas  com  o 
desenrolar dos tempos. Da Antiguidade aos anos de 1500, os estudos 
científicos eram voltados para a compreensão da natureza. A partir de 
então, passou‐se a conceber a ciência como uma forma de dominar os 
recursos  naturais  e  o  mundo,  sem  considerar  as  implicações  sócio‐
ambientais  que  tal  domínio  acarreta.  Atualmente,  o  papel  científico 
sofre nova mudança, em direção ao estudo da ciência que considera as 
consequências  ambientais  e  sociais  que  o  uso  e  aplicação  da  C&T 
podem causar. 
O método analítico científico trabalhado por Descartes, reflexo do 
pensamento  de  domínio  sobre  a  natureza,  constituiu  a  base  dos 
estudos  da  ciência  até  os  dias  de  hoje.  Contudo,  a  fragmentação  das 
disciplinas  resultantes  desse  método  não  soluciona  todos  os 
problemas  da  sociedade  tal  como  se  previa  no  positivismo,  mas 
mostrou‐se ineficiente quando da solução de dificuldades relativas às 
questões  que  envolviam  o  entrelaçamento  de  diferentes  disciplinas. 
Embora  a  divisão  das  disciplinas  tenha  contribuído  para  o 
desenvolvimento  científico,  tal  separação  não  consegue  responder  à 
todas as questões. O modelo tradicional/linear de progresso, em que o 
desenvolvimento  científico  (DC)  gera  o  desenvolvimento  tecnológico 
(DT)  e  o  econômico  (DE)  resultando  na  produção  automática  do 
desenvolvimento social (DS) (DC → DT → DE → DS), não soluciona 
os problemas ambientais e sociais produzidos pelo uso e aplicação da 
ciência e tecnologia motivados pela ausência de uma base humanística 
nos estudos de C&T . 
Em  vista  disso,  os  estudos  em  ciência,  tecnologia  e  sociedade  se 
constituem  necessárias  para  a  compreensão  dos  efeitos  que  a  C&T 
acarreta  no  ambiente  e  na  sociedade  e,  dessa  forma,  poder  prevenir 
(ou  amenizar)  as  mazelas  e  potencializar  (ou  gerar)  benefícios  que  a 
inserção científico‐tecnológica possa vir a produzir. 
   

172  
Referências 
 
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174  
 
MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA E SEU IMPACTO NO 
DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DO PAÍS NO 
PERÍODO PÓS‐GUERRA 
 
 Joana Silva 
 
 
Introdução 
 
Já data de cerca de 12 mil anos as primeiras formas de agricultura, 
quando se registrou a formação inicial das aldeias agrícolas, nas quais 
o uso do fogo e de algumas ferramentas começaram a fazer parte do 
cotidiano desses aglomerados. No Brasil, a alimentação da população 
indígena  que  vivia  no  litoral  era  feita  basicamente  de  peixes  e 
crustáceos,  abundantes  na  costa  do  país,  de  raízes,  entre  elas,  a 
mandioca  e  o  cará,  e  da  caça  de  pequenos  animais.  Isso  antes  da 
chegada  dos portugueses. A  partir do  Século  XVI,  o Brasil  passa por 
uma série de ciclos e transformações profundas, de grandes impactos 
diretos  e  indiretos,  no  desenvolvimento  socioeconômico  brasileiro, 
tanto  no  campo  quanto  na  cidade.  O  homem  passa  de  coletor  e 
caçador  a  produtor  de  alimentos  e  matéria‐prima  para  a  indústria 
têxtil  (CHILDE,  1981).  A  economia  brasileira,  dos  séculos  XVI  a  XIX 
era  voltada  quase  que  totalmente  à  exportação  do  pau‐brasil,  do 
açúcar, do ouro e do café.  
Desde, então, a agricultura, envolvendo aqui a pecuária e sistemas 
agroflorestais, vem se desenvolvendo de forma contínua, aumentando 
a produtividade e qualidade de seus produtos, graças ao emprego de 
novos conhecimentos, como novas técnicas de manejo, equipamentos 
e  materiais  genéticos  de  alta  qualidade.    Mas  se  por  um  lado  a 
modernização  da  agricultura  trouxe  avanços  na  forma  de  plantar  e 
colher  também  trouxe  consigo  uma  carga  grande  de  passivo  social, 
provocando  a  saída  do  homem  do  campo  em  busca  de  emprego  nas 
cidades, formação de latifúndios e problemas ambientais.  
No decorrer de toda a história do desenvolvimento da agricultura 
brasileira  fica  claro  o  processo  de  dominação  do  uso  da  ciência  e  da 

175
tecnologia  entre  os  detentores  do  poder  econômico,  político  e  social, 
em  detrimento  da  classe  proletária,  diferentemente  da  proposta  de 
Latour (2001) que é pensar a ciência, a técnica e a sociedade, de forma 
articulada,  sem  a  qual  se  tornará  tão  absurda  quanto  à  ideia  de  um 
sistema arterial desconectado do sistema venoso.  
Assim, a proposta deste trabalho é resgatar a memória agrícola e 
seu impacto no desenvolvimento socioeconômico do Brasil, por meio 
da representação de equipamentos, tendo como marco do processo de 
mecanização da agricultura ocorrida no país a partir de 1960, quando 
teve  início  um  novo  modelo  econômico  brasileiro  e  a  chamada 
Revolução  Verde.  O  processo  de  mecanização  nesse  trabalho  será 
representado  pelo  trator,  força  motriz  do  desenvolvimento  do 
agronegócio  brasileiro,  por  ser  um  dos  principais  equipamentos  do 
desenvolvimento  econômico  e  também    por  incidir  diretamente  na 
redução  da  necessidade  de  mão‐de‐obra  braçal  rural  (CARNACIALI 
et ali, 1987a). 
O levantamento da história socioeconômica desses equipamentos, 
sua  inserção nas  relações de  trabalho, o  desenvolvimento  científico  e 
tecnológico  atrelado  ao  processo  de  geração,  adaptação  ou 
transformação  poderá  se  constituir  futuramente  numa  grande 
contribuição  à  criação  de  espaços  de  memória  sobre  a  evolução  e  o 
papel da agricultura, impactos, contribuições que levaram o país a se 
tornar a potência mundial de alimentos e ser a promessa do planeta, 
capaz  de  ajudar  a  matar  a  fome  dos  10  bilhões  de  habitantes  que  os 
estudos futuristas dizem que haverá em 2050. 
Antes,  porém,  é  preciso  se  debruçar  nas  definições  de  dois 
conceitos, o de agricultura e o de modernização. 
René  Dumont  propõe  uma  definição  sintética  e  expressiva  do 
termo  agricultura,  baseada  em    Barros  (1975).  Para  este  autor  a 
agricultura  é  ʺa  artificialização  pelo  homem  do  meio  natural,  com  o 
fim de torná‐lo mais apto ao desenvolvimento de espécies vegetais e 
animais,  elas  próprias  melhoradasʺ.  O  conceito  de  artificialização  do 
meio engloba as técnicas culturais, independentemente do seu grau de 
aplicação. 
Já  o  conceito  de  modernização  da  agricultura  não  encontra 
consenso  entre  autores  que  abordam  o  tema.  Para  alguns,  a 

176
modernização  se  restringe  apenas  às  modificações  na  base  técnica, 
enquanto outros levam em conta todo o processo de produção. 
No primeiro caso, considera‐se modernizada a produção agrícola 
que faz uso intensivo de equipamentos e técnicas, tais como máquinas 
e insumos modernos, que lhe permite maior rendimento no processo 
produtivo.  Assim,  modernização  da  agricultura  seria  sinônimo  de 
mecanização  e  tecnificação  da  lavoura.  No  segundo  caso,  considera 
que  o  conceito  de  modernização  não  pode  se  restringir  aos 
equipamentos usados e sim, deve levar em conta todo o processo de 
modificações  ocorrido  nas  relações  sociais  de  produção.  (TEIXEIRA, 
2005). 
 
Fatores da Modernização da agricultura 
 
O  Brasil  da  era  da  enxada  e  da  atração  animal  levou  mais  de 
quatro  séculos  para  dar  início  ao  processo  de  modernização  de  sua 
agricultura e conquistar mercados internacionais com a exportação de 
grãos,  carnes,  frutas,  produzidos  antes  apenas  para  o  consumo 
interno.  Ainda  assim,  Martine  (1987a)  afirma  que  numa  comparação 
internacional,  o  Brasil  se  destaca  como  um  dos  países  onde  a 
modernização agrícola ocorreu de forma mais acelerada e profunda e, 
que  dependendo  da  visão  de  quem  o  analisa,  o  Brasil  é  apontado 
como um modelo a seguir ou um exemplo a ser evitado. As máquinas 
motorizadas no país antes e após a II Guerra Mundial eram de origem 
americana e europeia e causavam grandes transtornos aos produtores, 
que  não  conheciam  adequadamente  a  operação  do  equipamento, 
produzido  de  forma  precária  e  sem  levar  em  consideração  as 
características  brasileiras.  Em  1959,  por  exemplo,  existiam  150 
modelos  de  tratores  estrangeiros  no  país,  de  diversas  marcas.  Os 
agricultores  enfrentavam  grandes  dificuldades  para  fazer  adaptações 
nos  poucos  implementos  que  existiam  e  driblar  a  falta  de  peças  de 
reposição  importadas  e  cara,  aliadas  a  longa  demora  do  transporte 
que, às vezes, levava até quatro meses para entregar a mercadoria. O 
agricultor  recorria,  então,  ao  velho  método  tradicional  usado  nas 
lavouras, a atração animal. (NORI, 2009). 

177
Dos primeiros ensaios até a fabricação do primeiro trator no país 
foram  quatro  anos  de  muitas  discussões,  normas,  decretos, 
dificuldades técnicas e econômicas para, em 1960 ser lançada no dia 9 
de  dezembro  a  máquina  nacional,  o  Ford  Motor  Brasil  S.A.  O 
desenvolvimento do produto nacional só ocorreu devido à instalação 
de empresas estrangeiras e ao alto custo do equipamento importado.  
 
Política de financiamento 
 
A  década  de  1960  marca  profundas  transformações 
socioeconômicas  no  modelo  agrícola  do  país,  embalado  por  políticas 
internacionais  favoráveis,  pelo  pacote  tecnológico  conhecido  como 
“Revolução Verde” e pelo processo de fabricação e industrialização de 
máquinas  agrícolas  que  começam  a  ser  produzidos  em  território 
nacional.  Para  apoiar  e  acelerar  a  modernização  agrícola  o  governo 
lança  mão,  então,  de  alguns  instrumentos,  como  o  crédito  agrícola 
subsidiado,  que  vai  multiplicar  o  montante  de  recursos  na  segunda 
metade da década de 60. Os  beneficiados preferenciais eram grandes 
produtores  e  os  recursos  eram  destinados  à  compra  de  máquinas, 
sementes  e  insumos  modernos  e  culturas  de  exportação,  que  logo  se 
expandiram rapidamente (MARTINE, 1987b). 
 
(...)  a  modernização  da  agricultura  brasileira  teve  seu  inicio  fortemente 
direcionado  e  estimulado  pelo  Estado,  através  de  medidas  de  políticas 
econômicas.  As  ideias  oriundas  da  Revolução  Verde  criaram  a 
expectativa  de  superação  do  subdesenvolvimento  através  de 
transformações  no  setor  agropecuário.  Com  isso  o  setor  agrícola  se 
dinamizaria e geraria um aumento de produção através do qual acabaria 
com  a  fome  da  população  e,  com  excedente,  poderia  incrementar  suas 
exportações  e  gerar  divisas  promovendo  um  progresso  generalizado  e 
autosuficiente. (FLEISCHFRESSER, p. 12, 1998) 
 
O crédito rural foi sem dúvida a principal ferramenta que fez com 
que  o  novo  modelo  agrícola  decolasse  rumo  a  tecnificação,  a 
exportação  de  produtos  agrícolas,  utilização  em  larga  escala  de 
insumos  industriais,  que  levou  a  transformação  da  sociedade  rural, 
mesmo  onde  não  foram  observados  significativos  avanços 

178
tecnológicos.  Martine  (1987c)  o  credencia  como  peça  essencial  do 
projeto  de  modernização  tecnológica  e  do  processo  de  consolidação 
do complexo agroindustrial. Assim, o crédito rural que era composto 
de  três  linhas,  o  custeio,  investimento  e  comercialização,  passa  a  ser 
um  interlocutor  entre  os  vários  personagens,  dos  grandes  detentores 
de  terra,  o  capital,  interesses  do  setor  produtivo,  financiadores  e  o 
próprio Estado.  As regiões Sul e Sudeste foram as mais privilegiadas 
com  o  crédito  rural,  devido  a  uma  série  de  fatores  burocráticos, 
agravando as desigualdades regionais. Porém, não foi só a política de 
crédito  a  incentivada  na  década  de  60.  Destacaram‐se  também  as 
políticas de preços mínimos, o seguro rural e as políticas de subsídio 
fiscais.  
Com  o  incentivo  do  crédito  agrícola,  ocorreu  na  década  de  70  o 
maior boom na adoção de tratores, atingindo um aumento de 220% no 
período  de  70  a  80  e,  se  concentrando  a  aquisição  de  máquinas 
novamente  na    região  Centro‐Sul  do  país.  O  Sul  registrou  aquisição 
acelerada de máquinas e  liderou  o  processo  de  mecanização  agrícola 
regional  a  partir  de  1975.  São  Paulo,  em  1970,  absorvia  33,4%  dos 
recursos do crédito rural oficial. 
 
Importação 
  
O  Brasil  até  1960  vivia  uma  dependência  tecnológica  expressiva 
com  a  importação  de    soluções  técnicas  de  outros  países,  o  que 
acarretou aumento crescente dos custos de produção e o agravamento 
da  dependência  econômica,  exemplificada  pela  dívida  externa  que  o 
país  carregou  durante  décadas.  Apesar  de  toda  ideologia 
desenvolvimentista dos anos 50, Auler e Bazzo (2001) comentam que a 
política  científica  e  tecnológica  não  foi  favorecida  no  país,  porque  a 
industrialização se baseava muito mais na importação de tecnologias e 
técnicos  do  que  na  produção  nacional.  O  passado  colonial  
determinou  o  destino  do  país  em  termos  de  ciência  e  tecnologia, 
comparado com os países capitalistas, forçando‐o a buscar fora quase 
tudo. Só após a II Guerra Mundial, é que o governo brasileiro mostrou 
interesse  em  incentivar  a  pesquisa  nacional,  mas  especialmente  no 
campo nuclear. (FARIAS, C. R.O., FREITAS, D. 2007). 

179
Em  1951,  a  importação  de  máquinas  tratorizadas  no  Brasil  era 
acentuada e desordenada, tendo como origem a Europa e os Estados 
Unidos,  que  passaram  de  fabricantes  de  equipamentos  bélicos  para 
produtores  de  máquinas  agrícolas.  A  política  do  governo  JK  não 
incentivou a produção nacional, forçando a importação. Entre 1952 e 
1955,  as  dificuldades  técnicas  e  econômicas  levaram  o  Governo 
Federal a fazer empréstimo de US$18 milhões de um banco americano 
para a importação de 30 mil tratores. 
 
Mecanização agropecuária 
 
O  processo  de  modernização  da  agropecuária  brasileira  iniciado 
na  década  de  60  ocorre  de  forma  parcial  e  concentrada.  Para  se  ter 
uma ideia, em 1980, 72% de todos os estabelecimentos ainda não eram 
contemplados  sequer  com  um  arado,  de  tração  mecânica  ou  animal. 
De acordo com Martine (1987d), dos 2,6 milhões de estabelecimentos 
com 10 hectares ou menos, apenas 13% tinham  o implemento; apenas 
4%    tinham  máquinas  para  fazer  o  plantio  e  2%  às  tinham  para  a 
colheita.  Em  1980,  7%  dos  estabelecimentos  tinham  algum  tipo  de 
trator;  9%  contavam  com  algum  veículo  de  tração  mecânica  para 
transporte.  Mesmo uma grande parte não tendo adotado o emprego 
de máquinas em suas lavouras, na década de 70 a ocupação das terras 
passou por mudanças significativas e a estrutura até então conhecida, 
estável  e  permanente,  cede  lugar  aos  grandes  produtores,  produção 
em escala, uso intensivo de máquinas em substituição a mão‐de‐obra 
tradicional. 
Na região Sudeste, São Paulo é o Estado que mais se destacou em 
relação  ao  restante  do  país  na  utilização  de  máquinas  no  período  de 
1960 a 1980.  A oferta de tratores, por unidade de área explorada com 
culturas,  pastagem  e  matas  e  por  pessoa  ocupada  é  de  quatro  vezes 
maior  na região. (KAGEIAMA, 1987). Em 1980, São Paulo e região Sul 
detinham  quase  70%  do  total  de  tratores  utilizados  na  agricultura 
brasileira.  
No Paraná, o processo de tecnificação da agricultura foi centrado 
basicamente  na  mecanização,  transformando  a  base  técnica  das 
atividades agrícolas e as relações de trabalho. Carnaciali et ali (1987b), 

180
aponta estagnação no uso da força de trabalho animal em detrimento 
do  aumento  do  uso  da  força    mecânica,  durante  os  anos  70  na 
agricultura  paranaense.  Os  números  mostram  uma  disparidade 
grande  entre  o  uso  de  um  e  de  outro.  Enquanto  os  estabelecimentos 
que  passaram  a  adotar algum  tipo  de  máquina  na atividade agrícola 
somavam  quase  185  mil,  os  que  empregavam  a  tração  animal  eram 
apenas  cinco  mil.  Um  dos  motivos  que  levou  a  incorporação  da 
mecanização  foi  à  política  de  estímulo  ao  setor  agrícola  durante  o 
período  do  “milagre  brasileiro”.  Os  produtores  donos  de  terra 
respondiam  por  mais  de  92%  da  aquisição  de  máquinas,  que  entre 
1970  e  1980  chegaram  a  cerca  de  63  mil  tratores  no  Paraná.  Os 
arrendatários  participavam  com  apenas  4,2%  na  aquisição  de 
máquinas.  Observa‐se  com  isso,  que  houve  um  aumento  na 
concentração  no  uso  de  tratores  entre  os  proprietários  de  terra, 
favorecendo‐os  na  concessão  de  crédito  para  investimento.  Pode‐se 
considerar que o processo de modernização no Paraná teve um ritmo 
acelerado, uma vez que os produtores passaram a adotar rapidamente 
as novas técnicas.  
 
Uso de Tratores no Brasil (1950‐1985) 
 
Ano  Tratores 
1950  8.372 
1960  61.338 
1970  165.870 
1975  323.113 
1980  527.906 
1985  665.280 
Fonte: Teixeira, J. C. 
 
Impactos econômicos e sociais 
 
O  desenvolvimento  da  agricultura  brasileira  foi  baseado  em 
profundas  transformações  que  alteraram  a  forma  de  produção  das 
culturas, as relações de trabalho e os padrões tecnológicos vigentes no 
país,  antes  de  ter  início  o  processo  de  modernização  agrícola, 
desencadeado  por  diversos  fatores,  entre  eles,  as  condições 
econômicas  favoráveis  à  expansão  de  algumas  culturas,  que 

181
receberam  dois  apoios  importantes:  o  aparato  tecnológico 
desenvolvido  especialmente  para  beneficiá‐las,  e  o  incentivo  de  
políticas  dirigidas  ao  setor  agrícola.  O  processo  de  mudança 
tecnológico  caracterizado  fundamentalmente  na  mecanização,  na 
aplicação  de  insumos  químicos  e  biológicos,  desenvolvimento  de 
novas variedades de plantas e animais,  fez aumentar a produtividade 
do  trabalho  e  afetar  as  relações  sociais,  imprimindo  novos  rumos  à 
modernização  da  agricultura  brasileira.  Se  por  um  lado  à 
modernização via incorporação tecnológica intensificou o processo de 
diferenciação socioeconômica entre os produtores, por outro, permitiu 
rápida  e  significativa  expansão  produtiva.  Os  donos  de  terra  não  só 
retomaram  as  áreas  arrendadas  como  também  agregaram  outras  as 
suas  propriedades.  Esse  contexto  confirma  o  pensamento  de  Latour 
(2001),  de  que  as  rupturas  criadas  pelo  processo  de  modernização 
entre  os  mundos  da  vida  humana  e  natural,  e  suas  esferas  foram 
produzidas  para  “separar”  e  “manter” quotas  de  poder  de  grupos,  e 
que  estas  esferas  e  suas  praticas  de  legitimação  devem  ser  olhadas 
como  praticas  de  manutenção  do  poder.  Foucault  (1995)  chama  esse 
poder de poder disciplinar, que caracteriza a época capitalista e uma 
forma  específica  de  dominação,  e  que  tem  como  principal  objetivo  a 
fabricação  de  um  tipo  específico  de  sujeito  para  dele  extrair  seu 
potencial  produtivo  e  neutralizar  sua  capacidade  de  mobilização 
política.  Viver  em  sociedade,  segundo  ele,  é  de  qualquer  maneira, 
viver  de  modo  que  seja  possível  alguns  agirem  sobre  a  ação  dos 
outros. 
Porém,  Miranda  (1987),  atribui  à  agricultura  brasileira  uma 
eficiência muito baixa e competitividade limitada, ainda que a adoção 
de  tecnologias  modernas  empregadas  pelos  agricultores  venha 
garantindo  ganhos  de  produtividade  da  mão‐de‐obra  e  das  áreas 
utilizadas. E o fato, segundo ele, se deve ao modo como se processou 
a  modernização  da  agricultura  no  país,  definido  em  função  de 
interesses industriais e urbanos, com implicações sociais, econômicas 
e ecológicas. 
Martine (1987) afirma que a política de modernização teve fortes 
impactos sociais, devido ao fortalecimento e penetração do complexo 
agroindustrial    ou  via  majoração  do  preço  da  terra.  Os  números 

182
revelam  que  o  processo  de  modernização  na  agricultura  se,  por  um 
lado trouxe avanços com a expansão da fronteira agrícola, aumento de 
produtividade, também trouxe um passivo social grande com o êxodo 
rural que, durante a década de 1970 registrou cerca de 16 milhões de 
pessoas deixando o campo rumo à cidade.  
Mudaram‐se  as  relações  de  trabalho.  O  tipo  assalariado, 
principalmente os temporários, foi à categoria que mais cresceu entre 
a  população  rural  da  década  de  70.  Mas  impressionantemente, 
enquanto    o  Censo  Demográfico  mostrou  a  redução  de  400  mil 
empregos,  o Censo Agropecuário acusou aumento de 3,6 milhões de 
trabalhadores  ocupados  em  atividades  agropecuárias  no  período  de 
1970  a  1980.    O  número  passou  de  17,6  milhões  para  21,2  milhões. 
(MARTINE,  G;  ARIAS,  A.  R.  1987).  Não  há  consenso  entre  os 
estudiosos  sobre  os  motivos  para  a  discrepância  dos  dados.  Para 
alguns,  a  força  de  trabalho  volante,  de  bóias‐frias,  que  aumentou 
consideravelmente  em  1970  pode  ter  sido  a  causa,  enquanto  outros 
preferem  acreditar  em  metodologias  diferentes  para  análise  dos 
dados. Os dois censos, no entanto, concordam que na década de 70 foi 
à  pecuária  o  setor  que  mais  registrou  crescimento  do  emprego 
agrícola. Pelo Censo Demográfico, o aumento de pessoal ocupado na 
pecuária  era  de  461  mil  trabalhadores,  enquanto  pelo  Censo 
Agropecuário era de 2,7 milhões.   
O  desencadeamento  do  processo  de  produção  agrícola  levou 
também à geração de empregos em outros setores industriais ligados 
a  agricultura,  devido  à  fabricação  de  insumos  e  beneficiamento  de 
produtos agrícolas. Entre 1970 e 1975, conforme os números do Censo 
Industrial apontado em Martine (1987), o emprego cresceu a um ritmo 
anual  de  5,4%,  e  de  3,4%  entre  1975  e  1980,  não  sendo,  porém, 
superior a outros setores industriais.  
Mas não se pode afirmar que o fenômeno da emigração do campo 
seja um fato novo. Na década de 30, portanto, 30 anos antes ter início 
o  processo  de  modernização  da  agricultura  brasileira,  a  população 
rural  já  se  dispersava  em  virtude  da  crise  econômica  mundial  e  a 
deterioração  dos  preços  dos  produtos  agrícolas.  Com  isso,  os 
trabalhadores rurais procuraram novas fronteiras pelo interior do país 
ou  se  mudaram  para  as  cidades.  As  melhorias  a  qualidade  de  vida, 

183
como  saneamento  básico,  controle  de  doenças  endêmicas  também 
influenciaram o êxodo rural. Martine (1987) estima que na década de 
40  o  êxodo  rural  tenha  sido  de  cerca  de  três  milhões,  enquanto  na 
década de 50 esse número tenha registrado sete milhões de pessoas. Já 
nas  décadas  de  60  e  70,  a  estimativa  é  de  que  cerca  de  30  milhões 
tenham  deixado  o  campo,  sendo  que  na  região  Sudeste, 
particularmente  nos  estados  de  São  Paulo,  Minas  Gerais  e  Rio  de 
Janeiro, o êxodo rural teve início precocemente comparado às demais 
regiões  do  país.  Essa  região  foi  responsável  por  mais  da  metade  do 
êxodo  rural    registrado  na  década  de  60,  continuando  na  década 
seguinte  de  forma  intensa.  Assim,  o  êxodo  rural  ocorreu 
significativamente em regiões do país mais desenvolvida, nas quais o 
processo de modernização da agricultura se iniciou primeiro.  
No entanto, os impactos mais relevantes da inserção da ciência e da 
tecnologia nas atividades agrícolas mudaram a paisagem da agricultura 
brasileira,  com  a  incorporação  da  região  de  Cerrados  no  sistema 
produtivo.  As  inovações  introduzidas  tornaram  a  região  responsável 
por 40% da produção brasileira de grãos e, com isso, fez com que o país 
se  transformasse  no  segundo  maior  produtor  mundial  de  soja.  Outros 
campos também foram influenciados pelas inovações, como a produção 
de milho, trigo, arroz e feijão,  além da pecuária de corte e a leiteira. 
 
Conclusão 
 
Miranda  (1987),  afirma  que  nos  próximos  20  anos,  os  ganhos  de 
produção  e  produtividade  da  agricultura  brasileira  continuarão  a  ser 
conquistados nas regiões Centro, Sul e Sudeste do Brasil. Mas, cada vez 
mais  as  propostas  tecnológicas  terão  de  ser  integradas  às  condições 
ambientais da propriedade rural, evitando os impactos decorrentes do 
emprego da tecnificação agrícola e não mais confiando na ciência e na 
tecnologia como a salvação de todos os problemas, de todos os males da 
humanidade.  Ao  longo  do  processo  de  modernização  da  agricultura 
brasileira a ciência não se mostrou neutra e sim como forma ideológica 
de  dominação.  Para  Habermas  (1983),  com  o  desenvolvimento  do 
modelo de produção capitalista, houve uma cientificização da técnica e, 
nesse  processo,  o  desenvolvimento  tecnológico  passou  a  depender  de 

184
um  sistema  institucional  no  qual  conhecimentos  técnicos  e  científicos 
são  interdependentes.  Se  a  modernização  é  inegável  como  mote 
deflagrador  do  processo  econômico,  a  tecnologia  não  poderá  mais 
simplesmente  ser  compreendida  como  o  conhecimento  que  permite 
controlar  e  modificar  o  mundo.  Associadas  diretamente  ao 
conhecimento  científico,  ambas  precisam  estar  intrinsecamente 
debruçadas sobre as necessidades da sociedade. Não podem existir por 
acaso,  como  bem  lembra  Setzer  (2007),  ao  afirmar  que  a  missão  da 
tecnologia  é  de  dar  liberdade  ao  ser  humano,  livrando‐o  de  forças  e 
capacidades restritivas internas ou externas a ele. Deve servir ao bem‐
estar  social  de  todos,  independente  de  classe,  trazer  melhorias  que 
reduzam  a  equidade  social  e  ser  aplicada  de  forma  a  não  criar  outro 
problema. É certo que na agricultura cada vez mais serão empregadas 
inovações  científicas  e  tecnológicas  para  melhorar  a  produtividade  e 
qualidade em menor espaço de terra, a fim de tornar o país ainda mais 
competitivo no mercado nacional e internacional, mas também é certo 
que  a  gestão  dessas  ferramentas  não  deve  ser  desenvolvida  em 
detrimento dos impactos no meio ambiente, no aumento do fosso que 
separa  famintos  dos  bem  alimentados  e  da  acirrada  dominação  do 
capital.  A  educação  é  a  grande  arma  da  sociedade  para  monitorar  e 
exigir do homem ética na criação e emprego da tecnologia. 
 
 
 
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186
INICIATIVAS E MECANISMOS DE COOPERAÇÃO PARA A 
PROMOÇÃO DO EMPREENDEDORISMO E DE NOVOS 
EMPREENDIMENTOS 
 
          José Augusto Pereira Ribeiro1 
      Wanda A. Machado Hoffmann [Orientadora]2 
 
 
Introdução 
 
A segunda metade do Século XX trouxe mudanças importantes na 
organização do emprego e na economia como um todo. O incremento 
do uso de tecnologias tais como: a robótica, automação e informática, 
fez com que as grandes empresas industriais e de serviços, setores que 
mais  empregavam  na  economia  mundial,  passassem  a  obter  mais 
produtividade  com  o  uso  de  ferramentas  tecnológicas,  entretanto 
esses  setores  passaram  a  empregar  menos,  e  em  alguns  casos  a 
demitir. Fenômeno fortemente sentido no Brasil no início dos anos 80, 
quando  alguns  setores  importantes  da  economia  passaram  a  reduzir 
seus  quadros  de  empregados,  como  no  caso  dos  metalúrgicos  do 
grande ABC de São Paulo (municípios de Santo André, São Bernardo 
e  São  Caetano)  e  no  caso  dos  bancários,  os  bancos  comerciais 
reduziram  fortemente  o  número  de  empregados,  em  parte  explicado 
pela  crescente  utilização  de  novas  tecnologias.  Uma  das  opções  para 
as  economias  foi,  e  continua,  sendo  a  geração  de  Micro  e  Pequenas 
Empresas  (MPEs),  caracterizadas,  em  muitos  casos,  pela  entrada  de 
ex‐empregados no cenário empresarial, que passaram a empreender.  
Segundo  Drucker,  (1991)  o  empreendedorismo  e  a  economia 
empreendedora foram uma das formas que os EUA encontraram para 
romper  a  perspectiva  de  estagnação  nos  anos  70.  Nas  décadas  entre 
1965  e  1985,  em  função  do  “baby  boom”  do  pós  segunda  guerra,  o 

1 Formação, Mestrando na Universidade Federal de São Carlos no Programa 
de Pós‐Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade.  
2 Professora da Universidade Federal de São Carlos, Doutorado em Ciências e 

Engenharia  de  Materiais  e  Pós‐Doutorado  em  Prospecção  de  Informação 


Tecnológica pela Universidade Federal de São Carlos. 

187
número de americanos com mais de dezesseis anos cresceu mais que 
40  por  cento,  ou seja,  nesse  período  houve  um  incremento  de  40 por 
cento  no  número  de  jovens  na  população  economicamente  ativa  e 
surpreendentemente, o número de empregados americanos cresceu 50 
por  cento,  contrariando  todas  as  previsões.  Segundo  dados 
apresentados  por  Drucker,  (1991)  foram  criadas  600.000  (seiscentas 
mil) novas empresas por ano, e de acordo com as previsões as grandes 
empresas  americanas  de  fato  estagnaram  nesse  período.  A  formação 
de  novos  negócios  parece  ter  sido  uma  resposta  muito  eficiente  às 
previsões pessimistas naquele momento. 
Não  só  nos  EUA,  mas  a  economia  empreendedora  assume  vital 
importância  na  economia  mundial  e  na  brasileira  em  função  da 
incapacidade  do  presente  modelo  industrial  (segunda  metade  do 
século  XX)  de  atender  as  necessidades  de  emprego  e  renda  da 
população.  Nessa  situação  foram  criados  vários  programas,  políticas 
públicas, e projetos que visam o desenvolvimento regional, a geração 
de  emprego  e  renda.  Inicialmente  foram  criados  com  o  intuito  de 
promover  empreendimentos  inovadores,  produtos  inovadores  com  o 
apoio de universidades, centros de pesquisa, órgãos governamentais e 
entidades privadas. 
Atualmente as Incubadoras de empresas, os parques tecnológicos 
e  arranjos  produtivos  locais  estão  disseminados  em  vários  países  e 
tem a responsabilidade de promover o desenvolvimento e a inserção 
de  forma  competitiva  de  novos  empreendimentos  na  competição 
global. No Brasil os projetos estão sendo estimulados pelo Ministério 
de Ciência e Tecnologia e existem projetos pelo país todo. Através de 
metodologias  específicas  para  a  implantação,  de  acordo  com  os 
programas  e  orientações  das  entidades  públicas  e  privadas  que  os 
norteiam,  houve  um  crescimento  acelerado  no  número  de  Arranjos 
Produtivos Locais, Incubadoras de Empresas e Parques Tecnológicos.  
Este  capítulo  pretende  mostrar  a  definição  dessas  iniciativas,  as 
suas  diferenças  e  os  métodos  de  cooperação  entre  as  entidades 
públicas  e  privadas  com  a  finalidade  de  potencializar  a  geração  de 
emprego  e  renda  com  empreendimentos  inovadores  e  competitivos 
como forma de divulgá‐los e fortalecê‐los.    
 

188
Projetos inovadores e parcerias estratégicas 
 
No  contexto  da  competição  globalizada,  os  países  buscam  uma 
inserção  neste  mercado  global  com  eficiência  e  capacidade 
competitiva  como  uma  alternativa  eficaz  para  promoção  do  seu 
desenvolvimento  interno.  As  empresas  buscam  cada  vez  mais 
produtos  e  serviços  inovadores  com  diferencial  competitivo  e  como 
fonte  de  lucratividade.  Nessa  visão  a  interação  entre  o  setor  público, 
as  entidades  de  pesquisas  e  inovações  científicas,  e  as  empresas 
passou  a  ser  um  caminho  para  o  desenvolvimento  e  para  a 
competitividade no mercado empresarial.  
 
Incubadoras de Empresas 
 
Dentre as várias iniciativas de impulsionar o empreendedorismo e 
a  criação  de  novos  empreendimentos  surgem  as  Incubadoras  de 
Empresas. Segundo a definição de Smilor, 1987 (apud Furtado 1998) 
 
“Uma  incubadora  de  novos  negócios  é  uma  instalação  planejada  para 
apoiar o desenvolvimento de novas empresas. Ela provê uma variedade 
de  serviços  e  apoio  ao  start‐up  de  empresas,  com  uma  clara  preferência 
para  aquelas  da  alta  tecnologia  e  indústrias  manufatureiras  leves.  A 
incubadora  procura  unir  efetivamente  talento,  tecnologia,  capital  e 
conhecimento  para  alavancar  o  talento  empreendedor,  acelerar  a 
comercialização  de  tecnologia  e  encorajar  o  desenvolvimento  de  novas 
empresas.  Isto  se  dá  sob  uma  variedade  de  nomes  incluindo  centros  de 
inovação, centro comercial e centro tecnológico e empresarial.”   
 
A  National  Business  Incubation  Association  ‐  NBIA3,  associação 
americana de incubadoras define incubadoras de empresas como: 
 
“instalações  que  provêm  a  pequenos  negócios  e  empreendedores 
recursos  de  espaço,  serviços  de  apoio  compartilhado  e  serviços  de 
desenvolvimento  de  negócios,  como  financeiro,  marketing  e 
administração.”  
 

3 http://www.nbia.org 

189
Nesse  contexto  histórico  consideraremos  a  importância  das 
Incubadoras  de  Empresas4  do  Estado  de  São  Paulo  na  disseminação 
de  Tecnologia  e  na  promoção  empreendimentos  inovadores  e 
competitivos.  Considerando  disseminação  de  tecnologia  como: 
desenvolvimento  de  inovação  tecnológica,  de  empreendimentos 
inovadores,  disseminação  de  ferramentas  de  gestão  empresarial  e  da 
cultura empreendedora.  
As  incubadoras  começaram  a  ser  implantadas  no  Estado  de  São 
Paulo  em  1984,  chegando  a  80  incubadoras  em  2009.  A  primeira 
Incubadora de base tecnológica do Estado de São Paulo foi localizada 
no  município  de  São  Carlos  em  meados  de  1984.  A  partir  deste 
momento foram surgindo mais incubadoras e foram se consolidando 
e  estão  distribuídas  de  acordo  com  o  seu  perfil:  tecnológicas 
(Incubadoras  de  Empresas  de  Base  Tecnológicas),  tradicionais 
(Incubadoras  de  Empresas  de  negócios  tradicionais)  e  mistas  (Base 
Tecnológica e ou tradicional).  
O  processo  de  viabilização  das  incubadoras  de  Empresas  no 
Estado  de  São  Paulo  foi  através  da  parceria  do  Serviço  brasileiro  de 
apoio  às  micro  e  pequenas  empresas  ‐  SEBRAE,  considerado  como 
principal  articulador  e  financiador  do  programa  Incubadora  de 
Empresas.  O  SEBRAE‐SP,  para  o  Estado  de  São  Paulo,  disponibiliza 
através  de  edital  de  seleção  pública  específico  para  Incubadora  de 
Empresas5, recursos financeiros e econômicos para serem aplicados no 
funcionamento  da  estrutura  (gerenciamento)  e  para  ações  de  apoio 
técnico  administrativo  para  as  empresas  assistidas  (ações  de 
consultorias,  treinamentos,  acesso  ao  mercado,  comunicação,  entre 
outras).  
O  convênio  que  viabiliza  o  funcionamento  de  uma  incubadora 
geralmente  conta  com  o  contrato  de  participação  de  uma  entidade 

4Nas  Incubadoras  existem  Empresas  Pré‐residentes  (em  formatação  do 


seu plano de negócios e em fase de pesquisa), Incubadas (residentes em 
funcionamento, Associadas (recebem apoio, mas estão fisicamente fora 
da  incubadora)  e  as  empresas  Graduadas  (que  já  saíram  da 
incubadora). 
5 Como exemplo o Edital Programa SEBRAE‐SP de Incubadoras de Empresas, 

convênio 2009/2010. 

190
pública, no caso o SEBRAE‐SP e uma entidade jurídica reconhecida no 
município  (sindicato,  associação,  fundação,  entre  outras)  que  tem  o 
papel  de  gestão  do  projeto  na  localidade.  O  convênio  é  celebrado 
pelas partes por prazo determinado com igual aporte de recursos, de 
acordo com um cronograma de execução econômico e financeiro, com 
comprometimento  e  responsabilização  de  aporte  dos  recursos  e 
aplicação  destes  que  é  submetida  à  prestação  de  contas  e  auditoria 
interna.  
No Brasil, em princípio, assim como nos demais países o motivo 
principal  do  programa  incubadora  de  empresas  é  estimular  o 
surgimento  de  empreendimentos  inovadores.  É  notório  que  em  cada 
iniciativa  existe  também  inúmeras  motivações  ligadas  à  própria 
localidade, à atuação dos atores políticos, econômicos e de instituições 
de  pesquisa.  Assim,  no  caso  brasileiro,  o  crescimento  do  número  de 
incubadoras  nos  últimos  anos,  além  de  contribuir  para  a  criação  de 
empreendimentos  inovadores,  pode  também  em  princípio,  se 
configurar como uma forma de fortalecimento das MPEs. Configura‐
se  também  por  ser  um  programa  de  combate  ao  alto  índice  de 
mortalidade  das  MPEs  brasileiras.  Segundo  SEBRAE  (2005)  a 
mortalidade de micros e pequenas empresas com até 05 anos de vida é 
de 56 % o que já justifica a existência de programas de fortalecimento 
a esses empreendimentos, visto a importância das MPEs na economia 
brasileira.  
Neste  contexto  a  incubadora  de  empresas  seria  um  ambiente  em 
que  as  empresas  começam  da  maneira  certa,  ou  seja,  com  planos  de 
negócios,  acompanhamento  e  monitoramento  dos  resultados  no 
primeiro  estágio  do  seu  desenvolvimento.  O  que  possibilitaria  a 
capacitação do empresário e com as intervenções (consultorias, apoio 
técnico  e  administrativo,  entre  outras  ações)  fortalecendo  as  MPEs 
assistidas.  
Conceitualmente  as  incubadoras  de  empresas  são  consideradas 
organizações nas quais há um ambiente propício para o surgimento e 
desenvolvimento  de  novos  empreendimentos  (ANPROTEC,  2004). 
Existe  o  propósito  de  que  as  empresas  assistidas  aproveitem  as 
condições  favoráveis  do  ambiente  empresarial  privilegiado.  As 
incubadoras  de  base  tecnológica  se  aproveitem  da  proximidade  com 

191
as universidades e parques tecnológicos e as pesquisas universitárias 
que  estas  estão  desenvolvendo  para  transformá‐las  em  negócios 
inovadores  e  competitivos.  No  caso  das  Incubadoras  de  base 
tradicional, geralmente, ligadas aos Arranjos Produtivos Locais e ou à 
vocação  do  município  buscam  estimular  o  surgimento  de  MPEs 
também inovadoras e competitivas. 
 
Parques Tecnológicos 
 
Entre  outros  programas  de  fomento  aos  empreendimentos 
inovadores  e  competitivos  estão  os  parques  tecnológicos.  Segundo 
Furtado (1998), ambientes amplos que podem abrigar incubadoras de 
empresas e no Brasil a expressão vem de experiências estrangeiras.  
 
“Na  Inglaterra,  por  exemplo,  parque  tecnológico  é  sinônimo  de  science 
park  e,  na  França,  a  expressão  mais  corrente  é  tecnópolis.  A  origem  do 
parque tecnológico está vinculada principalmente as experiências do Vale 
do Silício e da Rodovia 128, nos EUA que propiciaram grande poder de 
inovação  e  tiveram  elevada  concentração  de  empresas  de  base 
tecnológica. A partir desse êxito , outros locais e atores tentaram o que lá 
aconteceu de forma planejada.” (FURTADO, 1998) 
 
Outras definições:  
 
“Os  parques  tecnológicos  são  iniciativas  planejadas  que  visam  criar 
condições  favoráveis  para  que  as  tecnologias  desenvolvidas  nas 
universidades  e  instituições  de  pesquisas  e  desenvolvimento  sejam 
transferidas  para  o  setor  produtivo,  via  pesquisadores  que  criam  ou 
participam  da  criação  de  empresas  com  o  emprego  de  tecnologias 
geradas.” (SANTOS, 1989:68) 
 
“Parques  Tecnológicos  são  ambientes  de  inovação.  Como  tal, 
instrumentos  implantados  em  países  desenvolvidos  e  em 
desenvolvimento  para  dinamizar  economias  regionais  e  nacionais, 
agregando‐lhes  conteúdo  de  conhecimento.  Com  isso  essas  economias 
tornam‐se mais competitivas no cenário internacional e geram empregos 
de qualidade, bem‐estar social, além de impostos.” (STEINER, s. d.) 
 

192
Algumas  experiências  serviram  de  exemplo  para  que  diversos 
países  criassem  algumas  políticas  de  incentivo  à  criação  de  Parques 
Tecnológicos.  Nos  Estados  Unidos  a  região  chamada  Vale  do  silício 
passou  a  ser  uma  referência  para  iniciativas  no  mundo  todo.  Essa 
iniciativa nos Estados Unidos o ponto de partida, na qual o parque foi 
apoiado foi a proximidade da Universidade de Stanford. Até o início 
da década de 1950 a região era conhecida pelos seus vinhedos e o bom 
clima,  com  a  criação  do  Stanford  Industrial  Park  com  o  objetivo  de 
transferir tecnologias da universidade para as empresas participantes 
do  projeto,  foi  a  importante  iniciativa  para  atrair  as  indústrias  para 
junto da universidade e da região.  É notório o sucesso dessa iniciativa 
em  1955,  pois  eram  07  empresas  e  chegou‐se  a  90  empresas  em  1991 
com mais de 25.000 trabalhadores. Nessa iniciativa o estado não teve 
participação  e  a  Universidade  de  Stanford  dessa  forma  criou  o 
chamado  Vale  do  Silício.  Segundo  Furtado  (1998),  embora 
formalmente  não  tenha  existido  um  planejamento  estratégico  para  a 
sua criação, existem alguns elementos que foram fundamentais para o 
desenvolvimento  dessa  iniciativa.  Ocorreu  uma  industrialização  da 
região  a  partir  da  criação  do  parque  tecnológico.  Mas  a  inovação 
residiu na atração de empresas para junto da universidade.   
No Brasil, em especial, no Estado de São Paulo o Sistema Paulista 
de  Parques  Tecnológicos  foi  instituído  pelo  governo  paulista  com  o 
objetivo  de  estruturar  uma  política  que  incentive  a  criação  e  a 
articulação de parques tecnológicos no Estado de São Paulo. Para isso 
é  necessário  articular  os  três  níveis  do  poder  público  (municipal, 
estadual e federal), os diversos setores da academia e o setor privado, 
tanto o industrial como o de serviços e o imobiliário.  A relação com as 
Universidades  se  constitui  tanto  para  o  suporte  de  pesquisadores, 
desenvolvimento  e  aplicação  de  pesquisas  científicas  nas  empresas 
dos  parques,  bem  como,  na  geração  de  novos  empreendimentos  a 
partir das pesquisas desenvolvidas na universidade. Assim como em 
outros  países  essa  iniciativa  integra  objetivamente  a  geração  de 
conhecimento  a  sua  aplicação  às  empresas.    De  acordo  com  Steiner 
(s.d.)  os  parques  tecnológicos  são  empreendimentos  implantados  em 
grandes áreas públicas ou privadas, tendo em sua área de abrangência 
entidades  científicas  e  tecnológicas,  universidades  e  institutos  de 

193
pesquisas,  tornando‐se  sede  de  unidades  de  P&D&I  (Pesquisa, 
Desenvolvimento  e  Inovação)  de  empresas  privadas.  Segundo  o 
mesmo  autor,  os  parques  tecnológicos  são  iniciativas  criadas  para 
intensificar  a  integração  das  pesquisas  científicas  desenvolvidas  nas 
Universidades  e  Centros  de  pesquisas  capazes  de  reverter  a  atual 
situação  brasileira.  O  Brasil  conseguiu  criar  uma  política  bem 
sucedida  de  gerador  de  conhecimento,  mas  de  outro  lado  não 
conseguiu de forma ampla aplicar esse conhecimento gerado, ou seja, 
são  produzidos  atualmente  pesquisa  científica  em  escala  mundial  e 
com qualidade, mas ainda não conseguimos aplicá‐las com amplitude 
nas  empresas  privadas.  Tem‐se  um  descompasso  entre  a  produção 
científica  e  a  aplicação  nas  empresas  privadas  em  relação  aos  países 
desenvolvidos  e  em  desenvolvimento,  pois  a  maioria  dos  países 
desenvolvidos  consegue  aplicar  muitas  pesquisas,  e  inserir  muitos 
pesquisadores  no  ambiente  empresarial  através  de  pesquisas  e 
desenvolvimentos.  Em  países  desenvolvidos,  de  cada  quatro 
pesquisadores,  três  estão em  empresas e  um  na  academia. No Brasil, 
ao  contrário, de  cada quatro  pesquisadores,  três  estão  na  academia  e 
um  na  empresa.  O  Sistema  paulista  de  Parques  Tecnológicos  atua 
como indutor do desenvolvimento da integração público e privado na 
aplicação das pesquisas científicas nas empresas. A proximidade entre 
os  ambientes  de  pesquisa  e  as  empresas  privadas  nos  parques 
tecnológicos  devem  provocar  uma  sinergia  viabilizando  o 
compartilhamento  de  serviços,  infra‐estrutura  e  recursos  humanos  e 
por consequência o desenvolvimento e a transferência de tecnologia.   
O  parque  tecnológico  deve  ser  uma  entidade  com  personalidade 
jurídica e objeto social específico, com modelo de gestão que apresente 
viabilidade  econômica  e  que  não  seja  dependente  do  poder  público. 
Embora  não  deva  ser  dependente  do  poder  público,  as  experiências 
internacionais e aqui no Brasil apontam que o comprometimento dos 
governos  municipal,  estadual  e  federal,  do  setor  empresarial,  das 
Universidades  e  dos  Institutos  ou  Centros  de  pesquisa  são 
fundamentais  para  o  sucesso  dessas  iniciativas,  e  com  tal 
comprometimento  desses  atores  os  parques  tecnológicos  podem  se 
inserir  no  âmbito  de  programas  e  ações  estratégicas  de 

194
desenvolvimento  regional  e  local  com  segmentos  tecnológicos 
definidos para a busca de competitividade e inovação. 
 
Arranjos Produtivos Locais 
 
Os  arranjos  produtivos  locais  (APLs)  são  iniciativas  que  surgem 
para  estimular  o  desenvolvimento  local  e  regional  com  base  no 
estímulo  e  organização  de  aglomerados  de  empresas  de uma  mesma 
cadeia produtiva. 
Conforme a definição proposta pela RedeSist6, Sistemas Produtivos 
e  Inovativos  Locais  (Spils)  designa:  conjuntos  de  atores  econômicos, 
políticos  e  sociais,  localizados  em  um  mesmo  território,  com  foco  em 
um  conjunto  específico  de  atividades  econômicas  e  que  apresentam 
interação, cooperação e aprendizagem, os quais são fundamentais para 
a geração e mobilização de capacitações produtivas e inovativas. Esses 
arranjos  ou  aglomerados  de  empresas  geralmente  incluem  empresas 
produtoras de bens e serviços finais, fornecedores de matérias‐primas, 
equipamentos e outros insumos. Além de empresas de serviços existem 
também  organizações  voltadas  ao  atendimento  das  necessidades  das 
empresas da cadeia produtiva com relação à qualificação e treinamento 
de  mão  de  obra,  capacitação  gerencial,  informação,  pesquisa, 
desenvolvimento  e  engenharia,  promoção  e  financiamento, 
cooperativas, associações e representações. 
Os APLs espalhados pelo país tem uma atuação mais próxima das 
“vocações  locais”,  ou  seja,  dos  aglomerados  de  empresas  de 
determinada  localidade  e  ou  região.  Chamamos  de  vocação  o  fato  de 
certas  localidades  apresentarem  características  que  propiciam  um 
aumento  do  número  de  empresas  do  mesmo  setor  econômico,  ou  da 
mesma cadeia produtiva. Geralmente, nesses APLs, a atuação de atores 
econômicos e de organizações de apoio ao desenvolvimento, tais como 
Universidades,  centros  de  pesquisas,  o  Serviço  de  Apoio  às  Micro  e 
Pequenas  Empresas  (Sebrae),  Serviço  Nacional  da  Indústria  (Senai), 
Serviço  Nacional  do  Comércio  (Senac),  tem  a  finalidade  de  organizar, 

6 Ver www.sinal.redesist.ie.ufrj.br. 

195
capacitar,  e  trabalhar  no  planejamento  estratégico  das  empresas  da 
localidade e do conjunto de empresas do arranjo produtivo local. 
De  acordo  com  Lastres  (2006)  o  conceito  de  sistema  produtivo 
local envolve a ideia de território, na medida em que se constitui um 
tecido articulado e coordenado de empresas da mesma especialidade 
econômica,  aglomerado  no  espaço  localizado  e  apropriado  por  essas 
relações  de  proximidade,  com  apoio  de  instituições  (públicas  e 
privadas)  e  de  outros  parceiros  da  sociedade  civil.  Essas  relações 
econômicas  de  proximidade  contribuem  para  ampliar  as  conexões 
com outros lugares e cria externalidades positivas.  
 
Impactos  dessas  iniciativas  na  promoção  de  empreendimentos 
inovadores e no desenvolvimento local e regional 
 
Os  impactos  dessas  iniciativas  de  fomento  e  estímulo  ao 
desenvolvimento local e regional e na promoção de empreendimentos 
inovadores  podem  ser  medidos  sob  diversas  formas.  Uma  dessas 
formas  será  verificando  o  alcance  desses  projetos  pelos  números  de 
iniciativas  em  atividade  por  todo  o  Brasil,  assim  poderemos 
vislumbrar  a  dimensão  dessa  parceria  entre  entidades  públicas  e 
privadas  com  o  objetivo  de  promover  em  última  instância  uma 
melhor  inserção  das  empresas  brasileiras  no  cenário  mundial.  Seja 
trabalhando em áreas específicas para a aceleração da integração entre 
a  produção  acadêmica  e  as  empresas  privadas,  fator  ainda  de 
descompasso  com  relação  a  potencialidade  de  interação  entre  esses 
agentes.  Seja  através  dos  impactos  gerados  pela  introdução  de 
pesquisas científicas em MPEs e empresas agrícolas de base familiar, 
além  da  capacitação  gerencial  através  de  treinamentos  e  consultorias 
entre tantas outras áreas e formas de cooperação e projetos.  
 
Crescimento  do  número  das  Incubadoras  de  Empresas,  Parques 
Tecnológicos e Arranjos Produtivos Locais no Brasil 
 
O  Brasil  dispõe  de  uma  política  de  fomento  ao  desenvolvimento 
do conhecimento e a aplicação dessas pesquisas nas empresas; dispõe 
também  instrumentos  de  apoio  ao  setor  produtivo,  estimulados 

196
através de programas, como por exemplo, do Ministério de Ciência e 
Tecnologia  (MCT).  As  Incubadoras  de  Empresas,  Parques 
Tecnológicos e APLs são iniciativas que utilizam dessas políticas e dos 
recursos  existentes  nesses  instrumentos  para  o  fomento  de 
empreendimentos  inovadores  e  competitivos.  Desde  o  início  do 
processo de consolidação dessas iniciativas até os dias atuais no Brasil, 
verifica‐se  o  crescente  aumento  do  número  dessas  iniciativas,  o  que 
pode sugerir a eficiência destes nos objetivos propostos.   
 
O resultado das Incubadoras de Empresas 
 
Segundo dados da Anprotec (2006) o número de Incubadoras de 
Empresas  em  operação  era  de  377  em  todo  o  território  nacional  em 
2006. A Figura 1 apresenta a quantidade de incubadoras de empresas 
em  operação  em  2006  distribuídas  pelas  regiões  brasileiras,  sendo  as 
regiões sul e sudeste as detentoras do maior número de incubadoras 
de empresas. 
  

140
127 127

120

100

80
63
60

40
28

20 14

0
Norte Nordeste 1
Centro-oeste Sul Sudeste

 
Figura  1.  –  Número  de  Incubadoras  de  Empresas,  por  Região,  no  Brasil  em 
2006. 
Fonte: Anprotec, 2006 

197
Os  principais  resultados  apontados  pelo  relatório  da  Anprotec 
(2006),  foi  o  crescimento  de  20%,  entre  2005  e  2006,  no  número  de 
Incubadoras  de  Empresas  no  país.  Outro  resultado  importante  foi  a 
taxa  de  mortalidade  de  20%  nas  empresas  geradas  nas  incubadoras. 
Comparando  estes  dados  com  os  do  Sebrae  em  que  a  taxa  de 
mortalidade  em  05  anos  das  MPEs  foi  de  56%,  mostrando  a 
mortalidade gerada nas empresas incubadas como inferior aos índices 
das MPEs. Em 05 anos, entre 2000 e 2005, o número de Incubadoras de 
Empresas  cresceu  mais  de  300%.    O  faturamento  das  Empresas 
graduadas em 2004 foi de R$ 1,2 bilhão, em 2005 passou para R$ 1,5 
bilhão.  Entre  2004  e  2005  foram  incubadas  mais  213  empresas  no 
Brasil, sendo que 70% dos negócios gerados pelas empresas incubadas 
são de bases tecnológicas.   
Esses  dados  demonstram  que  as  Incubadoras  de  Empresas  são 
iniciativas que foram disseminadas até 2006, como forma de estimular 
o  desenvolvimento  de  empresas  competitivas.  A  partir  de  2007  à 
despeito  da  falta  de  dados  oficiais,  o  programa  Incubadora  de 
Empresas entrou em uma fase de reflexão e amadurecimento sobre o 
seu  papel.  O  Sebrae  tem  medido  o  desempenho  das  incubadoras  e 
projetado  o  cenário  para  os  próximos  anos  para  fortalecimento  do 
programa  com  resultados  voltados  para  a  promoção  de  empresas 
inovadoras, criativas com foco no aumento da competitividade. 
 
O resultado dos Parques Tecnológicos 
 
No  documento  elaborado  pela  Anprotec  (2008)  sobre  os  Parques 
Tecnológicos  Brasileiros  estão  incluídos,  o  Estudo,  a  Análise  e  as 
Proposições e foi executado em parceria com a Agência Brasileira de 
Desenvolvimento  Industrial  (ABDI),  com  apoio  do  Ministério  da 
Ciência e Tecnologia (MCT), Ministério do Desenvolvimento Indústria 
e  Comércio  Exterior  (MDIC),  Financiadora  de  Estudos  e  Projetos 
(FINEP),  Banco  Nacional  de  Desenvolvimento  Econômico  e  Social 
(BNDES),  Centro  de  Gestão  e  Estudos  Estratégicos  (CGEE)  e  o 
SEBRAE,  que  indicaram  a  existência  de  74  Parques  Tecnológicos 
espalhados  por  todas  as  regiões  brasileiras.  Sendo  que  47%  desses 
estão  na região  sudeste, 5%  na  região norte,  10%  no  nordeste, 7%  na 

198
região  centro  oeste  e  31%  na  região  sul.  Outro  aspecto  importante 
descrito  pela  Anprotec  (2008),  foi  que  os  parques  tecnológicos  são 
iniciativas recentes no Brasil, do total dos 74 Parques Tecnológicos: 25 
estão  em  operação,  17  estão  em  fase  de  implantação  e  32  na  fase  de 
projeto.  Outro aspecto demonstrado nesse estudo cita a situação dos 
parques tecnológicos com relação à potencialidade de espaço físico e a 
regularização  fundiária  e  ambiental.  Também  existe  uma  grande 
potencialidade de área a ser ocupada com edificações, fator que pode 
gerar  atratividade  para  as  empresas  que  estejam  interessadas  em 
ingressar  nesses  projetos.  Com  relação  a  regularização  fundiária  e 
ambiental os parques em implantação e em projeto estão trabalhando 
para tais regularizações pois são fundamentais para o estabelecimento 
de  convênios  de  cooperação  e  financiamentos  via  projetos  junto  as 
agências de fomento e entidades públicas.   
Quanto aos resultados operacionais demonstram que cerca de 520 
empresas geraram receita de R$ 1,68 bilhão em 2008, com impostos da 
ordem  de  R$  119  milhões.  Sendo  que  em  2008  cerca  de  70%  das 
empresas  estavam  com  faturamento  anual  de  até R$  1  milhão,  o que 
pode denotar uma potencialidade considerável de expansão da receita 
dessas empresas. 
 
O resultado dos Arranjos Produtivos Locais 
 
Não  menos  importante  os  APLs  tem  sido  disseminado  pelos 
Estados brasileiros como instrumento de aceleração e organização do 
desenvolvimento local e regional.  
De  acordo  com  o  Ministério  de  Desenvolvimento,  Indústria  e 
Comércio  (MDIC)  foi  instituído  o  Grupo  de  Trabalho  Permanente 
para  Arranjos  Produtivos  Locais  (GTP  APL),  criado  pela  Portaria 
Interministerial  nº  200  de  03/08/2004.  Este  grupo  tem  foco  na 
implantação  da  estratégia  integrada  do  Governo  Federal  e  das 
instituições parceiras no apoio ao desenvolvimento de APLs em todo 
o  território  nacional,  tornando‐os  mais  competitivos  e  sustentados, 
quanto  às  suas dinâmicas  econômica,  tecnológica,  social  e ambiental. 
Nesse  contexto,  em  2004,  o  GTP  APL  consolidou  a  identificação  dos 
APLs existentes no País, registrando o total de 460 diferentes APLs em 

199
todo  o  País.  Novo  levantamento,  desenvolvido  em  2005,  identificou 
957  APLs.  Em  2007,  iniciou‐se  a  atualização  do  levantamento 
institucional  dos  APLs  no  País,  com  o  objetivo  de  construir  um 
conjunto  de  dados  sociais  e  econômicos  padronizados  dos  APLs,  a 
partir  das  informações  encaminhadas  pelos  27  Núcleos  Estaduais  de 
Apoio  aos  APLs.  O  levantamento  contemplou  os  seguintes  dados: 
população, IDH, PIB, número de estabelecimentos por porte, número 
de  empregos  e  volume  de  produção,  desenvolveu  em  02  etapas.  A 
primeira  etapa  abrangeu  os  261  APLs  priorizados  em  todo  o  país 
pelos 27 Núcleos Estaduais de Apoio aos APLs para o período 2005‐
2010.  Até  o  final  da  segunda  etapa,  serão  envolvidos  todos  os  APLs 
existentes no País. 
Os  dados  dos  APLs  acabam  por  reproduzir  os  indicadores  da 
maioria  da  atividade  econômica  da  região,  por  exemplo,  no  caso 
específico  do  município  de  Jaú  –  SP,  onde  a  produção  das  empresas 
do  arranjo  produtivo  local  do  calçado  feminino  respondem  por  mais 
de  60%  do  total  da  produção  do  município  (dados  do  Sindicato  da 
Indústria de Calçados de Jaú7), e através das atividades desenvolvidas 
no  projeto  do  arranjo  produtivo  local,  nos  últimos  anos,  pode  ser 
verificado  um  incremento  do  número  de  empresas  produtivas  nesse 
setor,  bem  como  do  número  de  empregados  (dados  Caged)8,  apesar 
da  crise  financeira  de  2008,  pode‐se  inferir  que  o  investimento 
realizado através dos convênios e parcerias tem estimulado o setor e 
contribuído para o desenvolvimento local e regional. 
 
Políticas de incentivo e instrumentos de apoio ao setor produtivo 
 
O  Governo  Brasileiro  no  âmbito  dos  ministérios  MDIC,  MCT,  das 
Relações  Exteriores,  do  Trabalho  e  Emprego,  da  Integração  Nacional, 
do  Turismo,  da  Agricultura,  Pecuária  e  Abastecimento,  da  Secretaria 
Especial  de  Aquicultura  e  Pesca,  na  atuação  de  suas  unidades  e 
secretarias vêem desenvolvendo ao longo dos anos atividades que são 
elaboradas  e  implementadas  no  âmbito  desses  órgãos  para  auxiliar 

7 Ver www.sindicaljau.com.br. 
8  Caged:  Cadastro  Geral  de  Empregados  e  Desempregados  do  Ministério  do 
Trabalho e Emprego. 

200
empresários  e  empreendedores  a  gerirem  suas  empresas  de  forma 
eficiente  e  duradoura.  Além  disso,  políticas  públicas  de  incentivo  ao 
desenvolvimento  tecnológico,  a  inovação,  ao  desenvolvimento  local  e 
regional inseridas nos projetos de política industrial e desenvolvimento. 
A  política  industrial,  tecnológica  e  de  comércio  exterior  (PITCE) 
tem  como  prioridade  a  Inovação  tecnológica,  inserção  externa  e 
exportação, modernização industrial. Os bancos oficiais, como o Banco 
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) trabalham 
com linhas especiais para atender empresas e iniciativas de fomento ao 
desenvolvimento  e  inovação.  A  Agência  de  Promoção  de  Exportações 
(Apex Brasil) trabalha junto às iniciativas das Incubadoras de Empresas, 
Parques  Tecnológicos  e  APLs  para  impulsionar  projetos  exportadores. 
Agências de fomento junto aos ministérios, por exemplo, a FINEP, junto 
ao  MCT  desenvolvem  programas  com  recursos  desse  ministério  para 
pesquisa,  capacitação  e  integração  de  Universidades  e  empresas.  O 
Sebrae atua disponibilizando treinamentos e capacitação, e recursos que 
possibilitem  o  fortalecimento  desses  processos  nos  mais  diversos 
setores produtivos. O Sebrae tem mais de 100 programas de assistência 
voltados as MPEs. Podemos falar dos aparatos dos governos estaduais, 
fundações e centros de pesquisa que tem como objetivo a promoção e o 
estimulo  de  ações  de  desenvolvimento  e  inovação.    Além  de  grandes 
Associações, Confederações e Federações que exercem papel central na 
definição de políticas e na assistência aos seus associados. 
Atualmente o Brasil conta com um grande aparato de agentes de 
desenvolvimento  e  inovação,  com  uma  estruturação  modelada  para 
de fato promover uma aceleração no processo de inserção global das 
empresas, principalmente as MPEs.  
 
Considerações finais 
 
As iniciativas apresentadas têm características próprias e distintas 
o  que  dificulta  uma  análise  efetiva  sobre  a  sua  capacidade  para 
promoção  do  desenvolvimento  local  e  regional  e  de  empresas 
inovadoras  e  competitivas.  Entretanto,  podemos  inferir  a  partir  do 
exposto  que  tanto  as  Incubadoras  de  Empresas,  os  Parques 
Tecnológicos  e  os  APLs  têm  uma  dinâmica  que  pode  permitir  que 

201
sejam  agentes  potenciais  de  apoio  ao  desenvolvimento  e  inovação. 
Cada  iniciativa  com  as  suas  propriedades  podem  gerar  estímulos  e 
atratividade para empreendedores e seus negócios.  
As Incubadoras de Empresas podem de fato significar um primeiro 
estágio empresarial com condições favoráveis em um ambiente propício 
ao crescimento, à medida que possam ter uma boa estrutura, parcerias 
estratégicas  fortes  com  o  poder  público,  com  o  Sebrae  e  outras 
entidades. É fundamental que os projetos possam se tornar inovadores, 
na concepção da inovação como algo diferenciado e competitivo. 
Os  Parques  Tecnológicos  com  a  sua  proximidade  e  similaridade 
com os desenvolvimentos científicos, em muitos casos as incubadoras 
de empresas também tem essa proximidade, são grandes projetos que 
geram  alta  atratividade  para  as  empresas.  Geralmente,  essas 
iniciativas  têm  e  continuarão,  a  dar  à  tônica  do  desenvolvimento 
industrial  brasileiro,  mas  ainda  existe  uma  desvantagem  competitiva 
com  os  países  desenvolvidos  e  alguns  em  desenvolvimento.    É 
importante  para  o  Brasil  reduzir  o  descompasso  entre  a  produção 
cientifica  e  a  implementação  das  pesquisas  nas  empresas.  Assim, 
também  através  dos  parques  tecnológicos  deve‐se  disseminar  a 
prática de P&D&I nas empresas brasileiras, algo até então mais sob a 
tutela das Universidades e Centros de Pesquisas.  
Os  APLs  têm  uma  característica  de  trabalho  em  cadeias 
produtivas  que  podem  moldar  e  melhorar  o  desempenho  médio  das 
empresas  da  localidade  e  da  região.  Como  foi  observado  existe 
atualmente  no  Brasil  mais  de  957  APLs  nos  mais  diversos  setores 
econômicos,  industriais,  de  serviços,  comunitários,  de  artesanato  e 
pesca,  etc.  As  ações  realizadas  pelos  arranjos  devem  e  têm  como 
objetivo  fortalecer  o  pólo  produtivo  frente  aos  grandes  concorrentes. 
Provocando  uma  mudança  de  mentalidade  e  de  cooperação  para  o 
desenvolvimento  podendo  se  constituir  em  uma  eficaz  ferramenta 
para o progresso e crescimento coletivo das empresas e da população 
da  localidade.  Trata‐se,  portanto  de  iniciativas  ou  instrumentos  de 
grande  alcance  e  de  massificação  de  gestão  empresarial, 
fortalecimento  das  técnicas  produtivas  e  de  qualificação  de  mão  de 
obra  e  gestão  da  qualidade,  fatores  fundamentais  para  a 
competitividade e uma melhor inserção das empresas no mercado. 

202
Referências 
 
ANPROTEC,  Panorama  Nacional  Anprotec  2004,  Pesquisa  Nacional 
http://www.anprotec.org.br/ArquivosDin/Graficos_Evolucao_2004_Locus_pd
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ANPROTEC,  Panorama  Nacional  Anprotec  2006,  Pesquisa  Nacional 


http://www.anprotec.org.br/ArquivosDin/Graficos_Evolucao_2006_Locus_pd
f_59.pdf 

ANPROTEC,  Portfolio  de  Parques  Tecnológicos  do  Brasil.  Brasília,  dezembro 


2008.  Disponível  em  http://www.anprotec.org.br/ArquivosDin/protfolio_ 
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Copyright  1985.  2ª.  Edição.  Tradução  de  Carlos  Malferrari.  São  Paulo: 
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MINISTÉRIO  DO  DESENVOLVIMENTO,  INDÚSTRIA  E  COMÉRCIO 


EXTERIOR.  Arranjos  Produtivos  Locais  (APLs).  Levantamento  Institucional  de 
APLs.  Disponível  em  http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area 
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SANTOS, S. A. Aglomerado de empresas de alta tecnologia: uma experiência 
de  “entrepreneurship”.  Revista  de  Administração,  v.24,  n.1,  p.67‐70, 
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SEBRAE,  2005.  Sobrevivência  e  Mortalidade  das  Empresas  Paulistas  de  01  a  05 
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STEINER,  J.  E.,  CASSIM,  M.  B.,  ROBAZZI,  A.  C.,  Parques  Tecnológicos: 
Ambientes de Inovação (s. d.). Disponível em www.iea.usp.br/artigos. 

203
UM NOVO CAMINHO ATRAVÉS DAS TECNOLOGIAS SOCIAIS 
 
Lucas Miguel França  1

 
 
Introdução 
 
Em  decorrência  da  atual  crise  econômica  e  de  problemas 
enfrentados  por  muitos  governos  no  que  se  refere  à  geração  de 
emprego  e  renda  e  na  diminuição  das  disparidades  sociais  e 
econômicas, tem sido adotada e desenvolvida como forma de solução 
por  muitas  prefeituras  e  universidades  no  Brasil,  a  utilização  das 
Tecnologias  Sociais.  Através  de  parcerias  e  da  adoção  de  tecnologias 
simples  e  baratas,  os  gestores  públicos  municipais  e  universidades 
tem  buscado  promover  a  inclusão  social  de  uma  parcela  excluída  da 
população.  Uma  solução  simples,  de  fácil  aplicabilidade  e  que  pode 
gerar a melhoria na qualidade de vida da população. 
Atualmente, adotamos um modelo capitalista de produção, que se 
caracteriza  por  ser  extremamente  excludente,  que  não  oferece 
condições  adequadas  de  vida  a  todos,  e  que  tem  gerado  uma 
desigualdade  social  preocupante  ao  longo  das  últimas  décadas. 
Apenas  uma  parte  da  sociedade  consegue  ter  acesso  aos  meios  de 
produção,  trabalho  e  ensino.  Faz‐se  necessária  uma  mudança  de 
atitude,  de  pensamentos,  de  busca  de  novos  paradigmas,  pois  se 
caminharmos  com  estes  mesmos  passos,  e  percorrermos  os  mesmos 
caminhos,  não  teremos  reservado  um  futuro  socialmente  mais  justo 
para a nossa sociedade: 
 
“As  tendências  empíricas  indicam,  com  absoluta  certeza,  que  não 
podemos esperar que o dinamismo do próprio capital venha nos integrar: 
sob o domínio da atual ordem de coisas não haverá pleno emprego, nem 

                                                            

1  Mestrando  do  programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e 


Sociedade  pela  Universidade  Federal  de  São  Carlos.  São  Carlos,  SP. 
Bacharel  e  Licenciatura  em  Geografia  pela  Universidade  Federal 
Fluminense. Niterói, RJ. 

  205
a proposta do liberalismo – que acena com a possibilidade de melhora na 
qualidade  de  vida  –  voltará,  sequer,  a  ser  colocada,  ainda  que  com 
igualdade crescente.” (CORAGGIO 2002, p.16) 
 
Através  do  questionamento  destes  valores,  traremos  discussões 
que  envolvam  uma  mudança  de  pensamento  e  postura  de  nossa 
sociedade,  com  o  intuito  de  alcançar  um  verdadeiro  equilíbrio  entre 
homem  e  natureza,  entre  o  trabalho  e  o  capital,  disseminando  ainda 
mais  o  conceito  de  Tecnologias  Sociais.  Acreditamos  que  através  da 
mudança de postura e de uma maior integração entre todos os setores 
de  nossa  sociedade,  possamos  alcançar  um  maior  equilíbrio  social. 
Vemos  na  aplicação  e  na  disseminação  do  conceito  de  Tecnologias 
Sociais o primeiro passo para uma verdadeira mudança em caminho 
de uma planeta mais sustentável e uma sociedade mais justa. 
 
O alerta vermelho da crise  
 
A  crise  econômica  atual  não  passa  somente  por  mercados, 
precatórios,  relações  comerciais,  ela  passa  também  por  uma  crise  de 
valores, de consciência e de questionamentos quanto aos modelos de 
desenvolvimento  adotados.  Um  modelo  que  é  alvo  constante  de 
questionamentos  no  que  diz  respeito  as  suas  relações  de  trabalho, 
produção, relações sociais e ambientais. Relações que tem como base 
um  enorme  desequilíbrio  de  forças,  baseadas  na  desigualdade,  onde 
apenas  uma  das  partes  tem  seus  interesses  alcançados.  O  capital 
atrelado  a  tecnologia  irá  fazer  toda  a  diferença,  pois  seus  detentores 
serão os únicos a terem acesso às modernas tecnologias de produção, 
ocasionando um individualismo e monopólio crescente.  
Essa  conjuntura  de  fatores  contribuiu  para  a  atual  crise 
econômica, social e ambiental que vivenciamos nestas últimas décadas 
e  principalmente  agora  no  começo  do  século  XXI.  Como  já  previa 
Capra, um período de reflexões:  
 
“É  uma  crise  complexa,  multidimensional,  cujas  facetas  afetam  todos  os 
aspectos de nossa vida — a saúde e o modo de vida, a qualidade do meio 
ambiente e das relações sociais, da economia, tecnologia e política. É uma 
crise de dimensões intelectuais, morais e espirituais; uma crise de escala e 

206  
premência  sem  precedentes  em  toda  a  história  da  humanidade.  Pela 
primeira vez, temos que nos defrontar com a real ameaça de extinção da 
raça humana e de toda a vida no planeta.” (CAPRA 1983, p.11)  
 
Este  atual  modelo  de  desenvolvimento  está  nos  levando  ao 
esgotamento dos recursos naturais, destruindo as relações de trabalho 
e minando qualquer tipo de esperança de um novo pensamento e de 
novas  relações  baseadas  no  principio  da  igualdade  de  direitos.  Não 
vemos  perspectivas  melhores  com  estes  moldes  que  adotamos  e 
reproduzimos:  
 
“(...)  Essa  forma  contemporânea  de  acumulação  de  capital  denominada 
mundialização dos mercados, ou mais cotidianamente, globalização está, 
de forma absoluta, divorciada da reprodução social da vida do povo. Esse 
hiato,  ou  divórcio,  tem  gerado  problemas  de  desemprego,  subocupação, 
de  precarização  do  trabalho,  de  desregulamentação  trabalhista,  de 
crescimento das desigualdades etc., (...)” (SABATÉ 2002, p.34)  
 
A questão ambiental também não fica esquecida neste contexto de 
crise.  A  necessidade  de  mudança  de  postura  é  forçada 
simultaneamente  pelos  mecanismos  reguladores  do  mercado, 
problemas sociais e a escassez dos recursos naturais. A escassez destes 
recursos e a degradação do meio ambiente são um dos fatores que nos 
levam  a  uma  séria  reflexão  sobre  nossas  posturas  perante  o  mundo. 
Atingimos  padrões  elevados  de  consumo,  se  todos  os  padrões  de 
consumo  fossem  igualados  aos  padrões  norte‐americanos, 
precisaríamos  de  três  a  quatro  planetas  para  dar  vazão  a  esta 
demanda. Segundo Cavalcanti:  
 
“Além  dos  problemas  sociais  e  econômicos,  os  problemas  ambientais  se 
impõem  como  fatores  limitantes  do  crescimento.  Em  decorrência  do 
modelo  de  desenvolvimento  vigente,  estabelecem‐se  estilos  de  vida  e 
níveis de produção e consumo, que demandam para sua  manutenção, o 
uso excessivo de recursos naturais, insumos energéticos não‐renováveis e 
intenso  processo  de  urbanização.  O  atendimento  a  essas  demandas  e 
objetivos  tem  sido  acompanhados  por  um  crescente  processo  de 
degradação ambiental, que por sua vez resulta na crescente deterioração 
dos ecossistemas em todo o mundo e portanto, na redução da capacidade 

  207
de  suporte  do  Planeta,  produto  do  desmatamento,  expansão  da  erosão 
em  terras  cultiváveis,  poluição  de  rios  e  mares,  exaustão  de  fontes  não 
renováveis de energia e de recursos.” (CAVALCANTI 1996, p. 42)  
 
Portanto,  pensar  em  soluções  alternativas,  renováveis, 
sustentáveis, agregadoras e includentes, é fundamental. Está cada vez 
mais  clara  a  necessidade  de  mudança  de  atitudes,  posturas  e 
principalmente  na  mudança  de  paradigmas.  A  situação  atual  é 
insustentável  economicamente,  socialmente  e  ambientalmente. 
Mercados  e  economias  a  beira  da  falência,  recebendo  injeções  de 
capital  a  todo  o  momento,  incentivando  o  consumo  inescrupuloso  e 
irracional.  Uma  sociedade  separada,  fragmentada,  onde  algumas 
classes  monopolizam  as  riquezas,  enquanto  outras  em  pleno  século 
XXI  são  atingidas  pela  fome.  Por  fim,  um  meio  ambiente  e  uma 
natureza que começa a dar o seu sinal de desgaste, com alterações no 
clima,  intensificação  de  alguns  fenômenos  naturais,  poluição  e  assim 
por diante. Por onde começaria o caminho para a mudança? 
 
A Tecnologia Social como alternativa  
 
Um  dos  caminhos  para  se  combater  ou  pelo  menos  reduzir  os 
efeitos devastadores da atual crise social presente em muitas partes do 
mundo,  seria  a  disseminação  do  conceito  de  Tecnologia  Social.  Um 
conceito surgido no Brasil no inicio do século XXI, que designa todo o 
tipo  de  tecnologia  alternativa  à  convencional  (DAGNINO,  2009).  O 
conceito  de  Tecnologia  Social  tem  sua  origem  apontada  em  duas 
vertentes, sendo a primeira uma adaptação do conceito de Tecnologia 
Apropriada surgida na Índia, através da figura de Gandhi e a segunda 
como uma oposição ao conceito de Tecnologia Convencional.  
No que se refere à primeira preposição, a TS teria se originado do 
caminho percorrido pelo conceito de TA, que havia sido concebido na 
Índia, através da utilização das “rocas de fiar”: 
 
“A Índia do final do século XIX é reconhecida como o berço do que veio a 
se chamar no Ocidente Tecnologia Apropriada (TA). Os pensamentos dos 
reformadores daquela sociedade estavam voltados para a reabilitação e o 
desenvolvimento  das  tecnologias  tradicionais,  praticadas  nas  suas 

208  
aldeias, como estratégia de luta contra o domínio britânico. Entre 1924 e 
1927,  Gandhi  dedicou‐se  a  construir  programas,  tendo  em  vista  a 
popularização  da  fiação  manual  realizada  em  uma  roca  de  fiar 
reconhecida como o primeiro equipamento tecnologicamente apropriado, 
a  Charkha,  como  forma  de  lutar  contra  a  injustiça  social  e  o  sistema  de 
castas que se perpetuava na Índia.” (DIAS; NOVAES 2009, p.20) 
 
Já em uma segunda hipótese, a TS teria surgido como oposição ao 
modelo  atualmente  adotado  das  Tecnologias  Convencionais.  Seria 
uma  alternativa  ao  modelo  capitalista  e  excludente,  utilizado  até  os 
dias atuais: 
 
“(...) defini‐la por oposição ou por negação à Tecnologia Convencional – 
criada pela grande corporação e para a grande corporação capitalista ‐ e 
aos valores que ela traz embutidos. Nesse sentido, o conceito de TS surge 
como  uma  crítica  à  Tecnologia  Convencional  (TC)  e  de  uma  percepção, 
ainda  não  precisamente  formulada,  da  necessidade  de  um  enfoque 
tecnológico  para  a  questão  do  que  vem  sendo  denominada  ―inclusão 
social” (DIAS; NOVAES 2009, p.17) 
 
Porém,  o  principal  interesse  deste  artigo  é  demonstrar  a 
capacidade  de  contribuição  e  mudança  que a  Tecnologia Social  pode 
proporcionar  para  nossa  sociedade,  fazendo  frente  ao  atual  modelo 
capitalista  de  produção.  Um  modelo  extremamente  excludente,  que 
não  oferece  condições  iguais  a  todos,  gerando  uma  desigualdade 
social galopante ao longo das últimas décadas. Apenas uma parte da 
sociedade ganha com este jogo, fato que não o torna interessante, pois 
vivemos  em  uma  democracia  onde  todos  nós  temos  os  mesmos 
direitos. 
A  tecnologia  social  surge  então  como  uma  possibilidade  e  um 
caminho que pode ser percorrido no combate as desigualdades sociais 
e  mazelas  presentes  no  modo  capitalista  de  produção.  Uma 
ferramenta  de  inclusão  social,  uma  nova  maneira  de  se  enxergar  as 
relações  de  trabalho,  uma  forma  mais  humana,  sustentável  e 
socialmente  justa.  Uma  nova  forma  de  ação  no  combate  as  injustiças 
sociais, desde que haja uma conscientização da população e do estado 
em relação aos seus mecanismos de produção. 
 

  209
O papel da Tecnologia Social  
 
A  utilização  e  aplicação  das  TS  vão  depender  primeiramente  da 
conscientização da população perante os problemas ocasionados pela 
desigualdade social. A iniciativa da mudança tem que partir de todas 
as  camadas  da  população.  A  interação  entre  pesquisadores,  estado  e 
as  camadas  mais  atingidas  pelas  injustiças,  é  de  fundamental 
importância.  A  investigação  das  necessidades  das  populações  –  que 
sofrem  com  este  processo  de  exclusão  social  crescente  ‐  precisa  ser 
feita  com  uma  grande  aproximação  entre  os  setores  de  pesquisa, 
governo e a sociedade. Elas precisam ser ouvidas, para então em um 
processo conjunto, terem suas necessidades atendidas.  
Entre  uma  das  definições  a  cerca  das  Tecnologias  Sociais, 
podemos  destacar  a  do  Instituto  de  Tecnologia  Social  (ITS).  O  ITS 
compreende  uma  organização  da  sociedade  civil  que  assume  como 
compromisso a disseminação do conceito de TS, definindo‐a como: 
 
“Conjunto  de  técnicas  e  metodologias  transformadoras,  desenvolvidas 
e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que 
representam  soluções  para  inclusão  social  e  melhoria  das  condições  de 
vida.” (In: www.itsbrasil.org.br) 
 
A  organização  ainda  lista  alguns  princípios  básicos  e 
fundamentais  para  a  existência  e  construção  do  conceito  de 
Tecnologias Sociais: 
 
1. compromisso com a transformação social 
2.  criação  de  um  espaço  de  descoberta  e  escuta  de  demandas  e 
necessidades sociais 
3. relevância e eficácia social 
4. sustentabilidade socioambiental e econômica 
5. inovação 
6. organização e sistematização dos conhecimentos 
7. acessibilidade e apropriação das tecnologias 
8. um processo pedagógico para todos os envolvidos 
9. o diálogo entre diferentes saberes 
10. difusão e ação educativa 

210  
11. processos participativos de planejamento, acompanhamento e 
avaliação 
12. a construção cidadã do processo democrático 
 
Podemos  perceber  que  a  produção  de  TS  vai  depender  de  uma 
interação  entre  todas  as  esferas  da  sociedade.  Tendo  que  haver  um 
investimento  na  produção  do  conhecimento  de  novas  ciências  e 
tecnologias,  mais  ao  mesmo  tempo  acompanhando  as  necessidades 
das  camadas  excluídas  da  sociedade,  envolvendo‐as  no  processo  de 
criação, que deverá ser feito com elas e para elas. Uma produção onde 
o  principio  da  igualdade  durante  o  processo  é  primordial.  Não 
havendo  discriminação  e  diferenciação  entre  os  envolvidos.  Criação 
de  tecnologias  que  contribuam  para  a  melhoria  na  condição  de  vida 
da  população,  que  proporcionem  uma  inclusão  da  mesma  em  um 
contexto de igualdade perante todos.  
Segundo DAGNINO (2004), uma tecnologia adaptada a pequenos 
espaços  físicos  e  financeiros,  não  discriminatória,  orientada  para  o 
mercado interno de massa, libertadora do potencial e da criatividade 
do  produtor  direto  e  ainda  capaz  de  viabilizar  economicamente  os 
empreendimentos. Um movimento de busca por alternativas que vem 
ganhando força no Brasil e no mundo: 
 
“O  movimento  da  tecnologia  social  (TS)  no  Brasil,  a  exemplo  de  outros 
processos  correlatos  que  vêm  ocorrendo  em  outras  partes  do  mundo  (e 
ainda  que  não  identificados  sob  o  “rótulo  TS”),  vem  ganhando 
considerável  vulto,  reunindo  uma  série  de  esforços  provenientes  do 
âmbito  acadêmico,  das  políticas  públicas,  dos  movimentos  sociais  e  das 
organizações não‐governamentais (ONGs).” (DIAS; NOVAES, 2009, p.55) 
 
A relação sustentável, harmoniosa e consciente entre a tecnologia 
social e o meio ambiente, também faz parte desta mudança. Além de 
promover  a  inclusão  social  a  um  baixo  custo,  envolver  os  maiores 
interessados na construção destes mecanismos de integração e criação 
das  tecnologias,  a  TS  ainda  procura  formas  de  não  atingir  ou 
prejudicar o meio ambiente. Considera‐se fundamental a manutenção 
da natureza como forma de garantir uma qualidade ainda maior nos 
resultados  finais.  O  equilíbrio  de  nossa  sociedade  precisa  ser 

  211
alcançado  juntamente  com  a  noção  de  preservação  ambiental.  São 
processos que  precisam  trabalhar  de  forma  conjunta  para  atingirmos 
resultados  ainda  mais  eficazes.  Portanto,  o  conjunto  dessas  atitudes 
articuladas, vai caracterizar o conceito de Tecnologias Sociais. 
 
Exemplos de Tecnologias Sociais  
 
Como  etapa  importante  deste  artigo,  tentaremos  trazer  a  seguir 
algumas  aplicações  do  conceito  de  TS.  Em  território  brasileiro 
contamos com muitos exemplos desta tecnologia de inclusão que vem 
melhorando a qualidade de vida de milhares de cidadãos brasileiros. 
Através  sempre  da  associação  entre  poder  público,  setores  de 
pesquisa e a população que precisa ser atendida.  
Um dos exemplos bem sucedidos são as “barraginhas” realizadas 
na região do cerrado e do semi‐árido brasileiro. Elas funcionam como 
pequenas  barragens,  construídas  em  sequência,  para  conter  as  águas 
da  chuva,  evitando  a  erosão  dos  solos  da  região.  Por  ser  uma 
tecnologia  barata,  ela  já  esta  sendo  disseminada  por  toda  esta  região 
do cerrado e semi‐árido brasileiro.  
Outro  exemplo  ainda  mais  conhecido  são  as  cisternas  de  placas 
que são instaladas em lugares de secas prolongadas. Elas são de fácil 
instalação,  baixo  custo  e  fazem  parte  de  uma  parceria  com  o  poder 
publico.  Através  destas  cisternas,  a  população  pode  armazenar  as 
águas  das  chuvas  que  são  levadas  até  as  cisternas  através  de  calhas 
instaladas  nos  telhados  das  casas.  Com  a  capacidade  em  torno  de  16 
mil litros, a população pode ficar abastecida por um longo período de 
tempo,  usando  a  água  nas  atividades  domésticas  diárias,  como 
cozinhar, lavar, tomar banho e beber.  
A  barragem  subterrânea  também  pode  ser  destacada  como  um 
exemplo  bem  sucedido  de  TS.  Com  a  construção  de  barragens  nos 
subsolos  de  áreas  de  vale  e  leitos  de  rios,  estas  retêm  as  águas  da 
chuva  naquela  localidade,  deixando  os  solos  úmidos  durante  quase 
todo o ano, favorecendo o plantio de cultura nestas áreas. Portanto, a 
população  pode  realizar  suas  culturas  durante  o  ano  todo  sem  se 
preocupar com os grandes períodos das secas. 
 

212  
Considerações Finais  
 
Percebemos, através deste processo de reflexão proposto por este 
artigo,  que  o  momento  é  propício  para  reflexões  mais  profundas  a 
respeito  do  modelo  desenvolvimentista  exercido  atualmente.  Não 
podemos  adotar  as  mesmas  posturas  e  posicionamentos  que  viemos 
adotando  ao  longo  destas  últimas  décadas,  a  maneira  como  estamos 
nos  relacionando  com  o  nosso  planeta  e  com  a  nossa  sociedade  por 
meio  deste  modelo  de  produção  econômica  vai  em  direção  a  um 
caminho nada sustentável e duradouro. 
A  partir  da  reflexão  de  cada  um,  da  cobrança  de  atitudes  mais 
sustentáveis de nossos governos e economia, podemos dar um passo 
em  direção  ao  mundo  socialmente  e  ambientalmente  mais  justo. 
Iniciativas  como  as  da  Tecnologia  Social  estão  a  nossa  disposição 
como  ferramentas  que  auxiliarão  nesta  mudança  de  atitudes  e  neste 
novo  direcionamento  que  está  sendo  demandado.  São  ferramentas 
importantes  nesse  processo  de  mudança  de  posturas  e  preocupação 
com  o  bem  estar  do  outro  e  o  equilíbrio  de  forças  com  o  meio 
ambiente.  Porém,  para  que  tudo  funcione,  é  necessária  a 
conscientização  da  nossa  sociedade  e  dos  poderes  públicos,  caso 
contrário, a mudança não poderá ocorrer.  
Por meio do diálogo entre todas as esferas de poder, sociedade e 
academia, poderemos chegar a um ponto comum e atender de forma 
cada  vez  melhor  as  demandas  específicas  de  nossa  sociedade. 
Participação  coletiva  no  processo  de  construção  de  uma  nova 
sociedade mais consciente e sustentável, busca por novos paradigmas 
e quebra de antigos tabus, além da inclusão e melhoria da qualidade 
de  vida  de  nossa  população.  Seguindo  estes  passos,  poderemos 
amenizar  os  efeitos  destrutivos  e  devastadores  de  um  modelo 
econômico  e de  desenvolvimento  que  ocupou  e  ainda  ocupa  o  papel 
principal  em  nosso  cenário  político.  Um  processo  conjunto  que 
depende  fundamentalmente  da  participação  de  todos,  ainda  que 
lentamente  e  paralelamente  ao  modelo  vigente,  este  deve  ser  um 
processo contínuo de transformação e disseminação de novos valores.  
 
 

  213
Referências 
 
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214  
ASPECTOS GERAIS DA NANOTECNOLOGIA E SUAS 
APLICAÇÕES PARA A SOCIEDADE 
 
Lucas Salomão Peres 
Leandro Innocentini Lopes de Faria [Orientador] 
 
Introdução 
 
Nanotecnologia  engloba  equipamentos  e  métodos  de  controle, 
análise,  manipulação,  processamento,  fabricação  ou  mensuração  de 
precisão  que  possuem  controle  geométrico  de  tamanho  de  ao  menos 
um  de  seus  componentes  abaixo  de  100  nm  (10‐7  metros)  em  uma  ou 
mais dimensões sucessivamente, o qual poderá ser físico, químico ou de 
efeito biológico (SCHEU et al., 2006). Na Figura 1 é possível visualizar 
um exemplo que ilustra as dimensões comparativas aproximadas entre 
o  planeta,  o  homem  e  a  molécula.  Constata‐se  que  o  homem  possui 
dimensão  de  10‐7  vezes  o  tamanho  do  planeta  enquanto  que  para  a 
molécula a dimensão é de 10‐7 vezes o tamanho do homem. 
 
  10.000.000 vezes
 
 
 
O planeta  O homem  A molécula 
 
 
 
  10.000.000 vezes
 
Figura  1:  Comparação  de  escala  dimensional  entre  o  planeta,  o  homem  e  molécula 
(Adaptado de O mundo nanométrico: a dimensão do novo século). 
 
As aplicações de nanotecnologia têm sido atualmente mais expressivas 
em  bens  e  serviços  para  áreas  como  medicina  e  exploração  espacial.  Há 
grande  potencial  de  promoção  e  aumento  da  qualidade  de  vida  da 
população  (DODDOLI,  2007),  As  aplicações  envolvendo  nanomateriais 
podem também auxiliar na prevenção, detecção, redução ou tratamento de 
danos  ambientais  e  poluição,  além  do  desenvolvimento  de  alternativas 
energéticas (ROCO; BAINBRIDGE, 2001).  

  215
No entanto, as experiências sobre a disseminação tecnológica em 
diferentes  áreas  permitem  antever  que  as  reduções  das  incertezas 
técnicas e de produção deverão preparar a maioria dos mercados para 
a  implantação  dessas  tecnologias  (ROCO;  BAINBRIDGE,  2001).  A 
transferência  de  tecnologia  deve  disseminar‐se  a  partir  da  avaliação 
de  resultados  áreas  pioneiras,  incluindo  a  avaliação  de  desempenho 
em  áreas  como  medicina,  corpo  humano  e  exploração  espacial,  e  de 
custos  em  áreas  como  a  agricultura  e  os  recursos  hídricos.  Com  o 
amadurecimento da tecnologia, o seu custo pode diminuir, levando à 
maior  penetração  no  mercado,  mesmo  quando  o  fator  desempenho 
não é decisivo, mas sim, o fator custo (ROCO; BAINBRIDGE, 2001). 
 
Breve histórico da nanotecnologia  
 
A importância crescente das nanotecnologias no cenário tecnológico, 
econômico  e  social  foi  acompanhada  por  um  rápido  crescimento  no 
número  de  patentes  envolvendo  nanotecnologia  a  partir  do  final  dos 
anos 90 (IGAMI; OKAZAKI, 2007). Considera‐se a nanotecnologia como 
multi ou interdisciplinar por afetar várias áreas do conhecimento. Igami 
(2008) mostrou as correlações entre diversas áreas, a fim de revelar que a 
nanotecnologia é uma área que se inter‐relaciona com as demais, porém 
não  está  amalgamada  as  outras  tecnologias.  O  autor  também  mapeou 
com  o  uso  de  patentes  as  principais  áreas  de  nanotecnologias.  Através 
desses  indicadores  foi  possível  mapear  a  evolução  da  nanotecnologia 
através dos anos, além de avaliar o grau de especialização dos países nas 
diversas áreas de nanotecnologias (IGAMI, 2008). 
Muitos  consideram  como  ponto  inicial  da  Nanotecnologia,  a 
palestra  proferida,  em  1959,  por  Richard  Feynman,  Prêmio  Nobel  de 
Física,  na  qual  sugeriu  que  um  dia  seria  possível  manipular  átomos 
individualmente,  uma  idéia  revolucionária  na  época.  Isso  gerou 
diversas  discussões  sobre  o  assunto,  o  que  liberou  a  imaginação  dos 
literários, principalmente os de ficção científica, e foi essencial para o 
desenvolvimento dessa ciência.  
As  descobertas  na  área  de  nanotecnologia  vêm  assustando  e  ao 
mesmo tempo trazendo esperança. As expectativas de possíveis curas 
e  realizações  da  nanotecnologia  vêm  embasadas  nos  resultados 

 216
promissores que se obtem ao longo dos anos. Esses resultados surgem 
cada vez mais rápido e fundamentam a nanociência e nanotecnologia, 
como pode ser observado na Tabela 1 ilustra os principais marcos do 
desenvolvimento da nanotecnologia em nível mundial. 
 
Tabela 1: Cronologia da nanotecnologia 
 

Conferencia  de  Richard  Feynman,  na  Reunião  da  Sociedade  Americana  de 
1954 
Física. 

1966  Viagem Fantástica (Fantastic Voyage), filme baseado no livro de Isaac Asimov. 

1974  Norio Taniguchi cunha o termo nanotecnologia. 

Trabalho  de  Gerd  Binning  e  Heinrich  Rohrer,  Criadores  do  microscópio 


1981 
eletrônico de tunelamento (scanning tunneling microscope). 
1985  Descoberta dos fulerenos, por Robert Curl, Harold Kroto e Richard Smalley 

1986  Publicação do Livro de Eric Drexler, “Engines of Creation”. 

1989  Donald Eigler escreve o nome IBM com átomos de xenônio individuais. 

1989  Descoberta do nanotubos de carbono, por Sumio Iijima, no Japão. 

Administração Clinton lança no California Institute of Technology, a National 
2000 
Nanotechnology Initiative. 

Cees Dekker, biofísico holandês, demonstrou que os nanotubos poderiam ser 
2001 
usados como transistores ou outros dispositivos eletrônicos. 
Equipe  da  IBM  (EUA)  constrói  rede  de  transistores  usando  nanotubos, 
2001 
mostrando mais tarde o primeiro circuito lógico à base de nanotubos. 
Chad  Mirkin,  químico  de  Northwester  University  (EUA),  desenvolve 
2002  plataformas,  baseada  em  nanoparticulas,  para  detecção  de  doenças 
contagiosas. 
 
(Fonte: Alves, 2004) 
 
No  Brasil,  a  partir  de  2001  na  Conferência  Nacional  de  Ciência, 
Tecnologia  e  Inovação,  a  nanotecnologia  passou  a  ser  devidamente 
observada  como  uma  tendência  ganhando  visibilidade  nacional 
(SILVA,  2004).  Ela  pode  ser  considerada  uma  das  principais 
tecnologias  do  século  atual  (HULLMANN;  MEYER,  2003).  Por  isso, 

  217
deve‐se  criar  uma  sociedade  preparada  para  o  desafio  da  mudança 
tecnológica que consiga dominar essa nova tecnologia.  
 
Políticas públicas e redes de colaboração 
 
A  nanotecnologia  e  nanociências  vêm  influenciando  as  políticas 
públicas.  De  acordo  com  o  documento  de  Estudos  Estratégicos  de 
Nanotecnologia  do  Núcleo  de  Assuntos  Estratégicos  da  Presidência 
da  República  observam‐se  que  todos  os  países  inovadores  repassam 
uma  grande  parte  dos  seus  investimentos  para  pesquisa, 
desenvolvimento  e  inovação  em  nanotecnologia  (BRASIL,  2004).  O 
investimento  nessa  área  vem  aumentando  com  o  passar  dos  anos  e 
tem  como  alvo  o  desenvolvimento  econômico  e  aumento  da 
competitividade interna (BRASIL, 2004). 
Dados  do Department  of  Trade  and  Industre  – DTI (2002)  mostram 
um  crescimento  exponencial  da  estimativa  global  de  mercado  em 
nanotecnologia variando entre 31 bilhões de libras (cerca de 45 bilhões 
de  dólares)  no  ano  de  2001  e  excedendo  0,6  trilhões  de  libras  entre 
2011 e 2015 (equivalente a 0,92 trilhões de dólares). 
Estudos  mais  recentes  da  empresa  de  consultoria  Luxresearch 
mostram que o mercado de nanotecnologia deve passar dos 3 trilhões 
de  dólares  até  2015  (TOTH,  2009).  Esses  novos  dados  quando 
comparados  aos  dados  de  2002  estimam  que  o  investimento  em 
nanotecnologia vem crescendo muito acima do esperado. Isso ocorre 
graças  a  incorporação  da  nanotecnologia  em  diversas  tecnologias  já 
existentes (TOTH, 2009).  
No  Brasil  observa‐se  um  reduzido  número  de  empresas  que 
atuam  no  setor  de  nanotecnologia.  Isso  tem  relação  com  o  seu  baixo 
número de patentes na área de nanotecnologia quando comparado a 
outros países como China, Taiwan, Índia e Coréia (ABDI, 2008). 
Observa‐se  que  o  estudo  em  nanotecnologia  no  Brasil  se  iniciou 
oficialmente  em  2001  com  o  Edital  CNPq  Nano  n°  01/2001  no  mesmo 
ano  da  Conferência  Nacional  de  Ciência,  Tecnologia  e  Inovação.  Esse 
edital tinha por objetivo a construção de quatro redes para pesquisa de 
nanotecnologia, com o valor orçado em 3.000.000 de reais. Embora esse 

 218
tenha sido o início oficial encontram‐se publicações de grupos isolados 
que produziam nanotecnologia desde 1992 (MARTINS, 2007). 
Pode‐se  observar  então  que  em  2001  no  Brasil  ocorreu  algo  que 
segundo  Kuhn  (1970)  poderia  ser  chamado  de  mudança  de 
paradigma.  Passou‐se  a  acreditar  que  as  limitações  encontradas  nas 
tecnologias  tradicionais  não  apenas  tinham  soluções  como  poderiam 
ser  soluções  para  outros  paradigmas  encontrados  nas  ciências  e, 
portanto, deveriam ser partilhados por todos. 
Estima‐se  que  o  investimento  do  governo  brasileiro  entre  2000  e 
2007  foi  de  aproximadamente  160  milhões  de  reais  em  centros  de 
pesquisa  em  nanotecnologia.  Quando  somado  a  investimentos  do 
setor privado atinge‐se o montante de 320 milhões de reais no mesmo 
período.  Ainda  que  muito  abaixo  dos  investimentos  realizados  por 
outros países, estes recursos auxiliaram na consolidação das pesquisas 
em nanotecnologia no Brasil (ABDI, 2008).  
De  acordo  com  documento  oficial  produzido  pela  Agência 
Brasileira  de  Desenvolvimento  Industrial  (ABDI,  2008)  existem  3.502 
pesquisadores  de  104  instituições  acadêmicas  e  de  pesquisa  em 
nanotecnologia, formando 469 grupos de pesquisa, espalhados em 24 
estados.  Isso  mostra  o  fortalecimento  em  nanociência  no  Brasil  cujas 
principais áreas de atuação são mostradas na Figura 2. 
 

 
Figura  2:  Gráfico  ilustrativo  do  número  de  pesquisadores  em  cada  área  da 
nanotecnologia 
   

  219
Os  dados  do  documento  produzido  pela  ABDI  (2008)  mostram 
que  51  empresas  receberam  financiamento  público  por  meio  de  72 
projetos, em seis editais no período de 2004 a 2007.  
Adicionalmente,  observaram‐se  iniciativas  supranacionais  em 
nanotecnologia, como o caso da Comunidade Européia que manteve 
o  Framework  Program  6  –  FP6  no  período  entre  2002  e  2006 
considerado  como  o  principal  programa  de  fomento  a  pesquisa  e 
desenvolvimento  da  nanotecnologia  e  nanociência.  Os  recursos 
provenientes  desse  programa  puderam  ser  solicitados  por  diversos 
países,  entretanto  para  cada  país  o  financiamento  foi  desenvolvido 
sob  regras  diferentes.  O  orçamento  total  desse  programa  foi  de  6 
bilhões  de  dólares,  dos  quais  1,6  bilhões  foram  destinos  a 
nanotecnologia (BRASIL, 2004). 
Os  Estados  Unidos,  que  é  hoje  o  principal  produtor  de 
nanotecnologia,  criou  o  The  National  Nanotechnology  Initiative  (USA, 
2007) uma iniciativa para entender e controlar a nanotecnologia e seus 
benefícios  para  sociedade.  Esse  estudo  divide‐se  em  quatro  metas 
sendo  que  a  primeira  trata  do  avanço  mundial  da  pesquisa  em 
nanotecnologia  e  desenvolvimento  de  programas.  A  segunda  etapa 
trata de sustentar a transferências de novas tecnologias em produtos 
para o comercio e benefícios públicos enquanto a terceira implica no 
desenvolvimento  e  sustento  de  recursos  educacionais,  força  de 
trabalho  experimental  e  de  suporte  a  infraestrutura  e  ferramentas 
para  o  avanço  da  nanotecnologia.  A  quarta  e  última  meta  envolve 
suporte  responsável  ao  desenvolvimento  da  nanotecnologia.  Neste 
plano, encontram‐se também as aplicações que se destinara o estudo 
dos principais centros de pesquisa norte americanos. 
 
Ética e Sustentabilidade 
 
Toda  inovação  cientifica  e  tecnológica  carece  de  aspectos  éticos, 
pois pode trazer consequências a toda a sociedade. A nanotecnologia 
como  qualquer  outra  tecnologia  está  recoberta  de  críticas,  dada  sua 
potencial periculosidade, além de potenciais aplicações bélicas. 
A preocupação sobre os possíveis malefícios da nanotecnologia a 
saúde  vem  mobilizando  algumas  organizações  não  governamentais. 

 220
O pequeno conhecimento da introdução da nanotecnologia na cadeia 
alimentar  e  sua  ação  no  organismo  ainda  preocupam  em  muitas 
pessoas. Segundo Toma (2004), nanopartículas de fullereno (molécula 
composta  de  60,  70  ou  80  carbonos)  vem  se  demonstrando 
potencialmente  prejudicial  aos  tecidos  animais,  porém  diversos 
estudos  que  indicam  suas  potencialidades  em  tratamentos 
quimioterápicos (TOMA, 2004). 
O  cientista  e  literário  Eric  Drexler  criador  da  obra  de  ficção 
científica  Engines  of  Creation  (1986)  teve  grande  influência  sobre  o 
pensamento  a  respeito  dos  possíveis  efeitos  nocivos  trazidos  pela 
nanotecnologia.  Na  presente  obra,  Drexler  fala  sobre  nanomáquinas 
que se auto replicam formando uma massa cinzenta a qual ele atribui 
o  nome  de  Grey Goo.  Essa  massa  cinzenta  se  reproduziria  tão rápido 
que em dias recobriria toda a biosfera (SCHUMMER, BAIRD, 2006). 
Em  resposta  aos  movimentos  anti‐nanotecnologia  a  Química 
Verde (Green Chemistry) trouxe uma abordagem sustentável tomando 
doze princípios por meio dos quais a química propiciaria um estado 
auto‐sustentável. Os princípios envolvem a prevenção, a economia de 
átomo,  o  planejamento  de  risco,  reagentes  mais  seguros,  solventes  e 
agentes auxiliares mais seguros, eficiência energética, matérias‐primas 
renováveis,  economia  de  etapas,  catálise,  degradação,  análise  em 
tempo real e minimização de riscos. A nanotecnologia seria o caminho 
direto  para  lidar  com  a  redução  de  escala  de  material  e  energia, 
gerando maior eficiência nos processos (TOMA, 2004). 
Além  disso,  Alvez  (2004)  mostra  diversas  possibilidades  de  uso 
dos  nanomateriais  que  seriam  benéficas  ao  ser  humano.  Cita 
aplicações  em  indústrias  automotiva  e  aeronáutica,  eletrônica  e  de 
comunicação,  química  e  de  materiais,  farmacêutica,  biotecnológica  e 
biomédica;  setores  de  instrumentação  e  de  energia;  exploração 
espacial, meio ambiente e defesa. 
Outro desafio encontrado é o ritmo de crescimento populacional 
no  planeta,  que  se  não  for  controlado  geraria  uma  falta  de  recurso 
generalizada. A forma vislumbrada para resolver tal problemática é o 
uso da nanotecnologia nos processos de tratamento de água, catálise 
de  nitrogênio  para  desenvolvimento  de  fertilizantes,  avanços  na 

  221
produção  de  energia  renovável,  além  de  avanços  na  medicina 
(TOMA, 2004). 
Porém,  para  o  uso  da  nanotecnologia  ainda  é  necessário  uma 
normalização da mesma, o que asseguraria a segurança e a saúde dos 
trabalhadores  envolvidos  com  a  nanotecnologia.  De  acordo  com  a 
Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (2008) há quatro 
trabalhos  de  iniciativa  internacional  que  se  destacam  nessa  área  que 
são  a  normalização  internacional  pelo  Comitê  Técnico  ISO/TC  229  – 
Nanotecnologias,  os  trabalhos  do  Grupo  sobre  Nanomateriais  da 
OECD,  criado  em  2006,  a    proposição  do  código  voluntário 
“Responsible  Nanocode”    pela  Royal  Society,    Insight  Investment  e 
Nanotechnology  Industries  Association  (NIA)  no  Reino  Unido,  em 
2008  e  o  lançamento  do  programa  marco  de    nanoriscos    intitulado 
“Nano  Risk  Framework”,  fruto  de  um  esforço  conjunto  do 
Environmental  Defense  Fund  dos  EUA  e  da  empresa  DuPont  em 
2007. 
No nível nacional, destacam‐se três iniciativas como a criação da 
Comissão  de  Estudo  Especial  em  Nanotecnologia  ABNT/CEE‐89,  a 
formação  da  Rede  Renanosoma  apoiada  pelo  CNPq  e  FAPESP  e  o 
projeto engajamento público em nanotecnologia e a atuação do grupo 
de  pesquisa  “Nanotecnologia,  Sociedade  e  Desenvolvimento”,  da 
UFPR (ABDI, 2008). 
 
Conclusão 
 
A  nanotecnologia  é  uma  nova  proposta  que  tem  trazido 
importantes  frutos  para  a  sociedade.  Embora  para  muitos  pareça 
apenas  uma  redução  de  tecnologias  já  existentes,  a  nanotecnologia 
tem  características  totalmente  diferenciais.  As  pesquisas  estão 
avançando  muito  rápido  nessa  área,  mas  ainda  é  um  campo 
desconhecido. 
Embora a nanotecnologia possa trazer vantagens, é necessário um 
maior  esclarecimento  sobre  suas  causas  e  efeitos.  Em  busca  de  tais 
princípios  é  necessário  maiores  investimentos  de  órgãos  de  fomento 
em  nanotecnologia,  a  fim  de  educar  a  população  e  prepará‐la  para  a 
mudança. Mas para isso é necessário uma real multidisciplinaridade da 

 222
nanotecnologia, contemplando inclusive as áreas de humanas. O edital 
do  CNPq  de  2001  incorporava  o  caráter  de  multidisciplinaridade  da 
nanotecnologia,  embora  nunca  tenha  englobado  a  área  de  ciências 
humanas.  Pelo  contrario  houve  uma  total  exclusão  das  ciências 
humanas (MARTINS, 2007). 
Mesmo  com  tantas  melhorias  a  nanotecnologia  ainda  pode  trazer 
malefícios,  que  ainda  são  pouco  conhecidos.  Para  evitar  isso  é 
fundamental a criação de uma normalização para nanotecnologia, que 
preserve  a  segurança  dos  profissionais  da  área  e  daqueles  que  se 
envolvem direta e indiretamente com os produtos e processos ligados a 
nanotecnologia. Essa normalização depende principalmente dos centros 
de pesquisa e universidades em parceria com o governo federal. 
Outra  preocupação  é  relacionada  ao  usuário  de  produtos  de 
nanotecnologia,  pois  não  se  sabe  ao  certo  os  riscos  de  possível 
contaminação. Cabe a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) 
o  controle  dos  riscos  causados  pelos  produtos  que  contenham 
nanotecnologia  incorporada.  Isso  traz  novamente  a  necessidade  das 
agencias  investirem  mais  em  pesquisa  a  fim  de  detectar  possíveis 
malefícios  que  podem  ser  trazidos,  mapea‐los  e  a  partir  dessa  estrutura 
definir riscos, aprovando ou não os produtos para serem comercializados.  
Esforços devem ser investidos para desmistificar a visão negativa 
sobre  os  impactos  da  nanotecnologia  em  diversos  âmbitos  humanos. 
Teorias  como  do  Grey  Goo  servem  apenas  para  criar  pânico  entre  os 
menos  informados  e  gerar  criticas  infundadas  sobre  novas 
tecnologias.  Em  contrapartida  as  criticas,  a  nanotecnologia  pode  ser 
identificada  como  estratégica  para  criação  de  um  ambiente 
autossustentável, com baixo consumo de recursos.  
 
 
 
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  225
O CONSUMO E O LIXO TECNOLÓGICO SOB O OLHAR 
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE 
 
Luciara Cid Gigante1 
Maria Cristina Comunian Ferraz [Orientadora]2 
Camila Carneiro Dias Rigolin [Co‐orientadora]2 
 
 
Nas  calçadas,  envoltos  em  límpidos  plásticos,  os  restos  de  Leônia 
de ontem aguardam a carroça do lixeiro. Não só de tubos de pasta 
de  dentes,  lâmpadas  queimadas,  jornais,  recipientes,  materiais  de 
embalagens,  mas  também  aquecedores,  enciclopédias,  pianos, 
aparelhos  de  jantar  de  porcelana:  mais  do  que  pelas  coisas  que 
todos  os  dias  são  fabricadas  vendidas  compradas,  a  opulência  de 
Leônia se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para 
dar  lugar  às  novas.  Tanto  que  se  pergunta  se  a  verdadeira  paixão 
de  Leônia  é  de  fato,  como  dizem,  o  prazer  das  coisas  novas  e 
diferentes,  e  não  o  ato  de  expelir,  de  afastar  de  si,  expurgar  uma 
impureza recorrente. (...) Acrescente‐se que, quanto mais Leônia se 
supera na arte de fabricar novos materiais, mais substancioso torna‐
se  o  lixo,  resistindo  ao  tempo,  às  intempéries,  à  fermentação  e  à 
combustão.  É  uma  fortaleza  de  rebotalhos  indestrutíveis  que 
circunda Leônia, domina‐a de todos os lados como uma cadeia de 
montanhas. (CALVINO, 2009).3 
 
Introdução 
 
O problema dos resíduos sólidos tem sido apontado como um dos 
mais graves da atualidade. A escassez cada vez maior de áreas para a 

1  Bacharel  em  Biblioteconomia  e  Ciência  da  Informação  pela  Universidade 


Federal de São Carlos (UFSCar). Mestranda do curso de Pós‐Graduação em 
Ciência, Tecnologia e Sociedade da UFSCar.  
2 Docentes do Departamento de Ciência da Informação e do Programa de Pós‐

Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade, da Universidade Federal de 
São Carlos (UFSCar). 
3  CALVINO,  I.  As  cidades  contínuas  1.  In:  As  cidades  invisíveis.  São  Paulo: 

Companhia das Letras, 2009. p. 105‐107. 

227
implantação  de  novos  aterros,  aliada  às  limitações  existentes  para  a 
recuperação  dos  materiais  não  renováveis,  o  baixo  grau  de 
implantação  de  novas  alternativas  de  tratamento  e  reciclagem, 
representam  hoje,  um  grande  desafio,  sobretudo  aos  países  em 
desenvolvimento,  que,  geralmente,  não  têm  acesso  à  informação, 
tecnologias  e  tampouco  dispõem  de  recursos  financeiros  para  o 
correto  encaminhamento  da  questão.  A  falta  de  informação  implica 
ainda na inexistência ou em políticas públicas de descarte incompletas 
voltadas à sustentabilidade ambiental. 
Como  afirmam  Ferraz  e  Basso  (2003)  “A  geração  de  resíduos  é  um 
dos maiores problemas enfrentados, hoje em dia, pelo sistema produtivo.” Por 
isso,  dada  a  grande  escala  de  produção,  tornou‐se  evidente,  nas 
últimas  décadas,  a  limitação  dos  ecossistemas  naturais  em 
decomporem  os  resíduos  gerados  pelo  homem  em  sua  atividade 
econômica (FERRAZ, BASSO, 2003). 
Ainda  segundo  Ferraz  e  Basso  (2003),  a  legislação  ambiental 
brasileira aponta para a necessidade da formação de uma consciência 
pública  com  relação  às  questões  ambientais.  Trata  a  educação 
ambiental  de  modo  que  esta  atinja  todas  as  modalidades  de  ensino 
formal,  e  responsabiliza  inclusive  as  empresas  pela  capacitação  dos 
trabalhadores. 
Um exemplo disso é a Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que em 
seu Art. 4º, inciso V, afirma que a Política Nacional do Meio Ambiente 
visa “à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de 
dados  e  informações  ambientais  e  à  formação  de  uma  consciência  pública 
sobre  a  necessidade  de  preservação  da  qualidade  ambiental  e  do  equilíbrio 
ecológico”. (BRASIL, 1981). 
A  referida  Lei,  Art.  3º,  inciso  V,  menciona  que  a  Educação 
Ambiental  deverá  ser  desenvolvida  como  uma  prática  educativa 
integrada,  contínua  e  permanente  em  todos  os  níveis  de  ensino 
(educação básica, superior, especial, profissional e de jovens e adultos) 
e delega 
 
[...]  às  empresas,  entidades  de  classe,  instituições  públicas  e  privadas, 
promover  programas  destinados  à  capacitação  dos  trabalhadores, 
visando  à  melhoria  e  ao  controle  efetivo  sobre  o  ambiente  de  trabalho, 

228
bem  como  sobre  as  repercussões  do  processo  produtivo  no  meio 
ambiente. (BRASIL, 1981). 
 
No Brasil, portanto, a questão “resíduos sólidos” representa ainda 
um  sério  problema  a  ser  solucionado,  com  crescentes  volumes 
gerados,  disposição  inadequada,  níveis  de  recuperação  de  materiais 
muito  baixos  devido  à  ineficácia  dos  programas  de  coleta  seletiva 
existentes  e,  principalmente,  devido  à  ausência  de  uma  Política 
Nacional que regule e discipline o setor de resíduos sólidos. (BESEN, 
2006). 
Na  ausência  de  uma  Política  Nacional  de  Resíduos  Sólidos,  o 
Conselho  Nacional  do  Meio  Ambiente  (CONAMA)  legisla  por 
resoluções que, segundo Besen (2006), “definem, respectivamente, regras 
para a coleta, gerenciamento, tratamento e a destinação de pilhas e baterias e 
a responsabilidade pós‐consumo dos produtores e os prazos de coleta de pneus 
inservíveis”,  medidas  estas  apenas  pontuais  e  somente  para  alguns 
tipos  de  resíduos  de  produtos  pós‐consumo,  no  caso  considerados 
especiais por serem mais impactantes. 
Faz‐se  necessária,  portanto,  a  construção  de  uma  legislação  que 
envolva  questões  relacionadas  especificamente  ao  descarte  de 
componentes  e  equipamentos  eletrônicos,  principal  componente  do 
lixo  tecnológico,  seguida  da  implantação  de  mecanismos  voltados  à 
execução dessa lei. 
Na  seção  seguinte,  a  questão  do  lixo  tecnológico  é 
problematizada,  tendo  em  vista  a  complexidade  do  tema  e  a 
multiplicidade  de  definições  possíveis.  Ressalta‐se  o  caráter  situado 
destas  definições,  que  correspondem  a  diferentes  perspectivas, 
interesses  e  representações  socialmente  construídas  da  realidade. 
Neste  sentido,  é  impossível  reivindicar  definições  rigorosamente 
objetivas e universalizantes para o termo. 
 
Sociedade de consumo e lixo tecnológico 
 
Segundo  Ferreira  e  Ferreira  (2008),  os  danos  causados  ao  meio 
ambiente, inclusive ao homem, muitas vezes mostram‐se irreversíveis, 
seja  na  criação  de  lixões  com  milhares  de  aparelhos  eletrônicos 

229
(computadores,  televisores,  telefones  celulares,  etc.)  descartados  com 
uma  velocidade  cada  vez  maior,  seja  na  forma  de  doenças  causadas 
pelo  manejo  e  os  riscos  causados  pelas  substâncias  tóxicas  presentes 
em tais equipamentos. 
O  descarte  de  equipamentos  e  componentes  eletrônicos  e 
tecnológicos é tema que requer estudo aprofundado. Governo e setor 
privado  devem  se  unir  para  promover  um  amplo  debate  sobre  o 
descarte desses resíduos sólidos. Os danos ao meio ambiente aliados à 
perda  de  dinheiro  proveniente  da  má  utilização  desse  lixo  justificam 
plenamente a movimentação de toda a sociedade para a solução desse 
problema. 
A  temática  do  lixo  tecnológico  está  presente  no  dia‐a‐dia  da 
população,  pois  “O  uso  crescente  de  equipamentos  eletrônicos4,  tanto  no 
sistema  produtivo  quanto  nos  bens  de  consumo,  é  fato  inconteste,  e  sua 
reutilização ou reciclagem é praticamente zero.” (FERRAZ, BASSO, 2003). 
Puckett e Smith (2001) adotam o termo “E‐lixo” para os resíduos 
de equipamentos elétricos e eletrônicos (REEE) o qual definem como 
sendo  “desde  grandes  aparelhos  domésticos  como  refrigeradores,  ar 
condicionado,  celulares,  aparelhos  de  som,  eletrônicos  de  consumo  e 
computadores que tenham sido descartados por seus usuários”. 
Por sua vez, a Diretiva 2002/96/EC5 primeiro define os EEE como 
os equipamentos cujo adequado funcionamento depende de correntes 
elétricas  ou  campos  eletromagnéticos,  bem  como  os  equipamentos 
para  geração,  transferência  e  medição  dessas  correntes  e  campos 
concebidos  para  utilização  com  uma  tensão  nominal  não  superior  a 
1000V,  para  corrente  alternada,  e  1500V,  para  corrente  contínua. 
Estabelece  então  que  os  REEE  são  “os  equipamentos  elétricos  ou 
eletrônicos  que  constituem  resíduos,  incluindo  todos  os  componentes, 

4  Entendendo‐se  por  equipamento  eletrônico  qualquer  produto  que  utilize 


componentes  eletrônicos  em  sua  constituição.  (FERRAZ,  BASSO,  2003,  p. 
288). 
5  Diretiva  do  Parlamento  Europeu  e  do  Conselho,  de  27  de  janeiro  de  2003, 

relativa  aos  resíduos  de  equipamentos  elétricos  e  eletrônicos  (REEE). 


Disponível  em:  http://www.aipi.pt/files/1753_Directiva_2002‐96‐CE_%28 
REEE%29_%28Portugues  %29_43d4e5ed9c191.pdf.  Acesso  em:  11  junho 
2010. 

230
subconjuntos  e  materiais  que  fazem  parte  do  produto  no  momento  em  que 
este é descartado”. 
No  Brasil  o  tema  ainda  é  pouco  explorado,  o  que  dificulta  a 
escolha de um termo específico para designar os produtos elétricos e 
eletrônicos  descartados  em  sua  fase  pós‐uso  ou  pós‐consumo 
(RODRIGUES, 2007). 
Sendo  assim,  notamos  que  o  consumo  de  lixo  tecnológico  ou 
elétrico‐eletrônico  vem  crescendo  e  tentamos  entender  quais  os 
motivos  dessa  prática  ter  chegado  a  tal  ponto  de  insustentabilidade 
ambiental e humana. 
Há  dados  que  indicam  que  nos  últimos  quinze  anos  tem  se 
observado  um  incremento  da  geração  de  resíduos  originados  da 
descartabilidade  de  bens  de  consumo  duráveis  e,  em  especial,  de 
produtos eletrônicos e elétricos de consumo, tais como equipamentos 
de  informática,  eletrodomésticos,  vídeo  e  som,  equipamentos  de 
iluminação,  equipamentos  de  telefonia móvel  e fixa (WIDMER  et  al., 
2005)6. 
Apontam‐se como os principais fatores desse incremento, a rápida 
inovação tecnológica, a redução dos tempos de vida útil dos produtos, 
associados à criação de novas tecnologias e desejos (COOPER, 2005)7. 
Para  Rodrigues  (2007),  esta  situação  contribui  para  a 
insustentabilidade  ambiental,  pois  nos  processos  envolvidos  na 
produção  destes  bens,  desde  a  extração  de  matérias‐primas  até  seu 
descarte,  são  consumidos  recursos  naturais  não‐renováveis  e  energia 

6 Isso fica evidente quando vemos tais dados alarmantes na mídia televisiva, 
mais especificamente em reportagem (“Brasileiros têm dificuldade para dar fim 
ao lixo eletrônico”) veiculada em 7 de março de 2010, no Fantástico, dando luz 
à  problemática  que  está  tão  evidente  no  nosso  dia‐a‐dia.  Para  ver  a 
reportagem  completa  acesse  o  link  http://fantastico.globo.com/Jornalismo/ 
FANT/0,,MUL1519279‐15605,00‐BRASILEIROS+TEM+DIFICULDADE+ 
PARA+DAR+FIM+AO+ LIXO+ELETRONICO.html. 
7  Um  exemplo  disso  foi  apresentado  na  reportagem  de  capa  do  caderno 

Informática, “E‐lixo e seus perigos”, do dia 24 de março de 2010, da Folha de 
S.  Paulo,  na  qual  um  estudo  da  Organização  das  Nações  Unidas  (ONU) 
mostrou  o  Brasil  no  topo  do  ranking  de  produção  per  capita  de  lixo 
eletrônico vindo de computadores. 

231
que são perdidos quando de seu descarte prematuro, além de muitos 
outros  impactos  relacionados  a  emissões  de  substâncias  tóxicas  em 
todas as etapas de seu ciclo de vida. 
Manzini  e  Vezzoli  (2008)  introduzem  o  conceito  de  ciclo  de  vida 
ao  qual  se  referem  às  trocas  (input  e  output)  entre  o  ambiente  e  o 
conjunto dos processos que acompanham o “nascimento”, “vida” e a 
“morte” de um produto8. 
Os  autores  supracitados  enfatizam  que  podemos  “contar  toda  a 
vida  de  um  produto  como  um  conjunto  de  atividades  e  processos,  cada  um 
deles  absorvendo  uma  certa  quantidade  de  matéria  e  de  energia,  operando 
uma  série  de  transformações  e  liberando  emissões  de  natureza  diversa” 
(MANZINI, VEZZOLI, 2008). 
Sendo  assim,  Manzini  e  Vezzoli  (2008)  esquematizam  o  ciclo  de 
vida de um produto agrupando tais processos nas seguintes fases: 
 
• Pré‐produção; 
• Produção; 
• Distribuição; 
• Uso; 
• Descarte. 
 
Para Manzini e Vezzoli (2008), “considerar o ciclo de vida quer dizer 
adotar uma visão sistêmica de produto, para analisar o conjunto dos inputs e 
dos  outputs  de  todas  as  suas  fases,  com  a  finalidade  de  avaliar  as 
conseqüências ambientais, econômicas e sociais”. 
Para os autores, “no momento da ‘eliminação’ do produto, abre‐se uma 
série de opções sobre o seu destino final. 
 
• Pode‐se  recuperar  a  funcionalidade  do  produto  ou  de  qualquer 
componente; 
• Pode‐se  valorizar  as  condições  do  material  empregado  ou  o  conteúdo 
energético do produto; 

8  “O  termo  ciclo  de  vida  de  um  produto  é  ambíguo,  sendo  usado  no  âmbito 
administrativo  para  indicar  as  várias  fases  que  diferenciam  a  entrada,  a 
permanência, e a saída de um produto no mercado.” (MANZINI, VEZZOLI, 2008, 
p. 91). 

232
• Enfim, pode‐se optar por não recuperar nada do produto”. (MANZINI, 
VEZZOLI, 2008). 
Por isso, a não incorporação dos custos de gestão de seus resíduos 
ao  preço  final  dos  produtos,  implica  em  que  os  mesmos  se  tornem 
cada  vez  mais  acessíveis  e  descartáveis,  em  função  de  modismos  ou 
de  sua  fragilidade  material  e  da  obsolescência  planejada 
(LINDHQVIST, 2000; COOPER, 2005). 
Neste  sentido,  trazemos  a  cultura  do  lixo,  de  Zygmunt  Bauman 
(2005),  no  qual  nos  coloca  que,  na  infinitude,  nada  pode  ser 
desprovido  de  significado,  mesmo  que  pareça  ilegível  e  inescrutável 
aos  seres  humanos.  Pelo  seu  tempo  de  vida  limitado,  eles  não  têm 
acesso  ao  tipo  de  tempo  necessário  para  decifrá‐lo  ou  para 
testemunhar sua revelação. 
 
Na infinitude, tudo é reciclado sem parar, como na idéia hindu de eterno 
retorno e de reencarnação, ou existente para sempre, como na idéia cristã 
de progresso linear a partir do hábitat terreno da carne mortal até o outro 
mundo em que moram as almas, onde o verdadeiro significado dos feitos 
humanos é esquadrinhado, julgado e, por conseguinte, recompensado ou 
punido. Na infinitude, indivíduos humanos podem desaparecer da vista 
dos  mortais,  mas  ninguém  mergulha  irreversivelmente  no  nada,  e  todo 
julgamento,  com  exceção  do  último,  remoto  ao  infinito,  é  prematuro  e 
testemunha de fraude ou de um conceito pecaminoso, se for proclamado 
o último. (BAUMAN, 2005). [grifo do autor]. 
 
Ou  seja,  para  Bauman  (2005),  nada  no  mundo  se  destina  a 
permanecer,  muito  menos  para  sempre.  Os  objetos  úteis  e 
indispensáveis  de  hoje  são,  com  pouquíssimas  exceções,  o  refugo  de 
amanhã. “Nada é necessário de fato, nada é insubstituível. Tudo nasce com a 
marca da morte iminente, tudo deixa a linha de produção com um ‘prazo de 
validade’ afixado.” (BAUMAN, 2005). 
Segundo  Cooper  (2005),  apesar  de  haver  uma  evidente 
preocupação  pública  com  o  crescente  consumo  e  a  conseqüente 
produção  de  resíduos,  sobretudo  nos  países  industrializados,  o 
conceito  popular  da  “sociedade  descartável”  raramente  tem  sido 
explorado  com  a  profundidade  adequada,  havendo  uma  escassez  de 
pesquisas acadêmicas que relacionam os resíduos ao consumo. 

233
Explicações  para  o  crescimento  e  manutenção  de  nossa  predominante 
cultura  descartável,  têm  sido  menos  adequadamente  investigadas.  Isso 
talvez  reflita  a  falha  das  democracias  liberais  em  associar  o  lixo  com  as 
escolhas  de  consumo.  Até  recentemente,  a  política  pública  tem  parecido 
associar  o  aumento  do  consumo  com  a  felicidade.  A  soberania  do 
consumidor  tem  sido  vista  como  sagrado  e  a  escolha  do  consumidor 
tratada como correta. A defesa da restrição do consumo, em contraste, é 
geralmente marginalizada no debate público. (COOPER, 2005). 
 
Este fato exemplifica bem que o desenvolvimento da ciência e da 
tecnologia  tem  acarretado  diversas  transformações  na  sociedade 
contemporânea, refletindo em mudanças no nível econômico, político 
e  social.  Assim,  é  comum  considerarmos  ciência  e  tecnologia  (C&T), 
como  motores  do  progresso  que  proporcionam  não  só  o 
desenvolvimento  do  saber  humano,  mas  também  uma  evolução  real 
para o homem. (PINHEIRO, 2007). 
Vistas  dessa  forma  subentende‐se  que  ambas  trarão  somente 
benefícios à humanidade. Ledo engano. Pode sim ser perigoso confiar 
excessivamente  na  ciência  e  na  tecnologia,  pois  isso  supõe  um 
distanciamento  de  ambas  em  relação  às  questões  com  as  quais  se 
envolvem,  inclusive  a  ambiental,  no  que  diz  respeito  às  práticas  de 
desenvolvimento sustentável e sustentabilidade. 
 
Sobre a relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade 
 
Para  Pinheiro  (2007),  as  finalidades  e  interesses  sociais,  políticos, 
militares  e  econômicos  que  resultam  no  impulso  dos  usos  de  novas 
tecnologias  implicam  enormes  riscos  enquanto  o  desenvolvimento 
científico‐tecnológico  e  seus  produtos  não  forem  independentes  de 
seus interesses. 
Segundo  López  Cerezo  (1998),  de  modo  geral,  os  estudos  sobre 
Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) constituem um vigoroso campo 
de  trabalho  onde  se  trata  de  entender  o  fenômeno  científico‐
tecnológico  no  contexto  social,  tanto  em  relação  aos  condicionantes 
sociais  como  no  que  diz  respeito  às  suas  conseqüências  sociais  e 
ambientais. 

234
Para  Santos  e  Mortimer  (2002)  os  trabalhos  curriculares  em  CTS 
surgiram como decorrência da necessidade de formar o cidadão em ciência 
e  tecnologia.  Para  isso  seria  necessário  o  desenvolvimento  de  valores 
vinculados aos interesses coletivos, como os de solidariedade, fraternidade, 
consciência de compromisso social, reciprocidade, respeito ao próximo e de 
generosidade.  Tais  valores  são  relacionados  às  necessidades  humanas,  o 
que  significa  um  questionamento  à  ordem  capitalista  na  qual  os  valores 
econômicos  se  impõem  aos  demais.  Formação,  portanto,  de  cidadãos 
críticos comprometidos com a sociedade. 
Para tanto, conforme apontam Auler e Bazzo (2001), os problemas 
ambientais  e  a  vinculação  do  avanço  científico  e  tecnológico  após  a 
Guerra  Fria,  fizeram  refluir  a  euforia  em  relação  aos  resultados  do 
desenvolvimento da ciência. 
Isso  permitiu,  entre  outras  coisas,  segundo  Teixeira  (2003),  que 
alguns setores da sociedade pudessem analisar criticamente a ciência 
e  a  tecnologia,  verificando  que  o  modelo  linear/tradicional  de 
progresso  científico  não  correspondia  necessariamente  a  uma 
interpretação  correta  de  como  o  desenvolvimento  da  ciência  se 
processa, interferindo no desenvolvimento da própria sociedade.9 
Além disso, é preciso compreender o contexto de cada país como 
único,  sendo  que  em  países  desenvolvidos  a  estrutura  social,  a 
organização  política  e  o  desenvolvimento  econômico  são  bastante 
diferentes  daqueles  presentes  nos  países  em  desenvolvimento 
(SANTOS, MORTIMER, 2002). 
 
Conclusões 
 
Ao  longo  da  história  da  humanidade,  a  idéia  de  crescimento  se 
confunde com um crescente domínio e transformação da natureza. Os 

9 Trata‐se da interpretação de Luján e colaboradores (1996) apud Auler e Bazzo 
(2001).  Os  autores  apresentam  o  modelo  como  uma  visão  comum  das 
pessoas para explicar como a ciência se desenvolve linearmente, interferindo 
na sociedade. Neste modelo linear, o desenvolvimento científico (DC) gera o 
desenvolvimento tecnológico (DT); este gera o desenvolvimento econômico 
(DE) que determina, por sua vez, o desenvolvimento social (DS – bem‐estar 
social). DC→DT→DE→DS. 

235
problemas  gerados  pelo  consumismo  desenfreado  e  a  conseqüente 
geração insustentável de resíduos atingem a humanidade há algumas 
décadas.  Porém,  somente  a  partir  da  última  década  do  século  XX  e 
início  do  século  XXI,  o  impacto  do  ser  humano  no  meio  ambiente  se 
torna mais reconhecido e debatido pela sociedade de uma forma geral 
(RIBEIRO, MORELLI, 2009).  
Nesse sentido, segundo Bauman (2005):  
 
Nenhum  passo  e  nenhuma  escolha  é  de  uma  vez  para  sempre, 
irrevogável. Nenhum compromisso dura o bastante para alcançar o ponto 
sem retorno. Todas as coisas, nascidas ou feitas, humanas ou não, são até 
segunda ordem e dispensáveis. Um espectro paira sobre os habitantes do 
mundo líquido‐moderno e todos os seus esforços e criações: o espectro da 
redundância.  A  modernidade  líquida  é  uma  civilização  do  excesso,  da 
superfluidade, do refugo e de sua remoção. (BAUMAN, 2005). 
 
Além  disso,  qualquer  tentativa  de  se  resolver  definitivamente  a 
questão  dos  REEE  requer  mais  do  que  um  mero  exercício  de 
desenvolver  e  melhorar  técnicas  de  reciclagem,  substituição  de 
resíduos perigosos, planejamento da logística dos sistemas de retorno 
dos  produtos,  requer  principalmente  a  redução  na  geração  de 
resíduos. 
Entretanto,  doações,  reciclagem,  substituição  de  materiais  e  a 
disposição  adequada,  são  os  únicos  tipos  de  ações  admitidas  pelas 
forças  do  mercado.  As  necessárias  limitações  do  crescimento  da 
produção  e  consumo  de  bens,  que  implicariam  na  sustentabilidade 
ambiental, nunca são admitidas e fica evidente que essas políticas não 
pretendem avançar nessa direção (RODRIGUES, 2007). 
Neste contexto e do que foi apresentado em todo o artigo, vemos 
que a necessidade de se começar a agir é grande, e de mudar os rumos 
do  desenvolvimento  sócio‐econômico  sustentavelmente  para  o  que 
existe  hoje  esteja  presente  nas  gerações  futuras  é  mais  do  que 
necessário, é uma obrigação. 
 
 
 
 

236
Referências 
 
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238
GESTÃO DO CONHECIMENTO E INCUBADORAS 
UNIVERSITÁRIAS DE EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA 
SOLIDÁRIA: UMA APROXIMAÇÃO DESEJÁVEL 
 
 
Marcia Cristina dos Santos Barbosa de Oliveira1 
Maria Zanin [Orientadora]2 
 
 
Mesmo sabendo que o sol tem dimensões da ordem das 
centenas  de  milhar  de  quilômetros,  podemos 
perfeitamente  à  vontade  continuar  a  vê‐lo  do  tamanho 
do prato em que se come (Josef Dietzgen, 1869). 
 
Introdução 
 
No Brasil, as transformações econômicas e políticas, advindas da 
reestruturação  produtiva  das  empresas  e  do  fortalecimento  e 
consolidação  do  neoliberalismo  na  década  de  1990,  criaram  um 
quadro social instável (GUIMARÃES, 2000). 
O  aumento  do  número  de  desempregados  e  da  precarização  nas 
relações  de  trabalho,  em  um  momento  no  qual  vários  postos  de 
trabalho  são  fechados  e  inúmeros  trabalhadores  perdem  direitos 
sociais  até  então  vinculados  com  a  relação  trabalhista,  impulsiona  o 
surgimento  de  projetos  que  visam  à  diminuição  da  desigualdade 
social e a melhoria da qualidade de vida de pessoas que se encontram 
fora  do  mercado  de  trabalho,  ou  que  estão  inseridas  de  maneira 
precária nele (GUIMARÃES, 2000). 
É  neste  contexto  que  teve  início  o  programa  de  Incubadora 
Tecnológica de  Cooperativas  Populares,  originado  pela Coordenação dos 
Programas de Pós‐Graduação de Engenharia da Universidade Federal do 
Rio  de  Janeiro  (COPPE/UFRJ)  em  1995.  Seu  objetivo  é  a  utilização  de 

1  Mestranda do curso de Pós‐Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade 
da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). 
2    Professora  doutora  do  curso  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e 

Sociedade da Universidade Federal de São Carlos. 

239
recursos  humanos  e  conhecimento  da  universidade  na  formação, 
qualificação e assessoria de trabalhadores para a construção de atividades 
autogestionárias, cujo intuito é incluí‐los no mercado de trabalho, com uma 
proposta que passou a ser disseminada em outras universidades brasileiras 
(GUIMARÃES,  2000).  A  partir  deste  programa,  muitos  outros  foram 
surgindo  no  Brasil,  criando  Incubadoras  Tecnológicas  Universitárias  de 
Cooperativas Populares, comumente denominadas de ITCPs, como forma 
de promover tanto a produção quanto o acesso ao conhecimento por parte 
da população mais excluída (SINGER, 2002). 
Para  Davenport  e  Prusak  (1998,  p.  1)  conhecimento  “não  é  dado 
nem  informação,  embora  esteja  relacionado  com  ambos”;  para  estes 
autores,  os  dados  se  transformam  em  informação  e  a  informação  em 
conhecimento. Para Stair3 (apud SILVA, 2002, p. 143):  
 
Conhecimento  significa  aplicar  um  conjunto  de  regras,  procedimentos  e 
relações a um conjunto de dados para que este atinja valor informacional. 
Uma  informação  idêntica,  da  mesma  forma  que  um  recurso  físico,  terá 
diferente  valor  para  pessoas,  locais  e  tempos  diferentes,  variando  então 
seu valor econômico conforme o contexto existente. 
 
A  estratégia  das  ITCPs  é  de  atuar  junto  à  camada  da  população 
excluída  da  sociedade,  contribuindo  com  um  modelo  de  relações 
econômicas  diferente  daquele  que  predomina  no  modo  de  produção 
capitalista, que prioriza o bem estar das pessoas em oposição à busca 
desenfreada pelo lucro. 
Esta  nova  economia  recebe  o  nome,  no  Brasil,  de  Economia 
Solidária  (ES).  Segundo  a  Secretaria  Nacional  de  Economia  Solidária 
(SENAES),  a  economia  solidária  é  um  conjunto  de  atividades 
econômicas,  envolvendo  a  produção,  distribuição,  consumo, 
poupança e crédito, organizadas sob a forma de autogestão4. 

3  STAIR, R.M. Princípios de sistemas de informação: uma abordagem gerencial. 
Rio de Janeiro: LTC, 1998. 
4  Autogestão entendida como propriedade coletiva, ou o controle dos meios 

de produção de bens ou prestação de serviços, na qual existe a participação 
democrática  dos  membros  nas  decisões  sobre  a  organização  do 
empreendimento e a distribuição equitativa dos resultados obtidos. 

240
Para  Heckert  (2003)  a  proposta  da  incubação  de  cooperativas 
populares é disponibilizar os recursos humanos e o conhecimento da 
universidade  na  formação  e  assessoria  de  trabalhadores,  como 
alternativa  de  organização  econômica,  fundamentada  na  igualdade  e 
na  solidariedade.  Dessa  forma,  a  incubação  organiza‐se 
essencialmente  como  processo  de  vivência  e  capacitação  de 
compartilhamento e criação de conhecimento. 
No  campo  das  relações  entre  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade 
(CTS) é relevante que todo conhecimento desenvolvido nas ITCPs seja 
disseminado  para  a  sociedade  por  meio  dos  atores  que  fazem  parte 
dos  empreendimentos  incubados,  atrelando  desenvolvimento 
econômico e social. 
A  Gestão  do  Conhecimento  (GC),  termo  que  surgiu  e  se 
popularizou  na  década  de  1990,  tem  como  principais  objetivos  a 
criação,  o  registro  e  o  compartilhamento  do  capital  intelectual  das 
organizações  (HOFFMANN,  2009).  Para  Sveiby  (1998,  p.  09)  “todo 
conhecimento  depende  das  pessoas,  em  última  instância,  para 
continuar a existir”. 
Rossato  (2003)  reforça  a  importância  da  implantação  de 
estratégias  de  GC  contribuindo  para  que  não  ocorra  a  falta  ou  o 
excesso  de  informação  e  conhecimento  que  possam  dificultar  a 
localização  da  informação  certa  na  hora  certa,  e  também  para  que  se 
identifiquem rapidamente os especialistas em cada assunto. 
Baseado  nestas  considerações,  este  capítulo  de  livro,  além  de 
apresentar  conceitos  sobre  conhecimento  e  de  GC,  também  elabora 
considerações  sobre  o  conhecimento  produzido  nas  incubadoras, 
mostrando uma realização desejável entre estas temáticas. 
O capítulo está assim apresentado: 
1. Introdução; 
2. Conhecimento e Gestão do Conhecimento; 
3. As  Incubadoras  Universitárias  de  Empreendimentos  de 
Economia Solidária; 
4. As  Incubadoras  Universitárias  de  Empreendimentos  de 
Economia Solidária e a Gestão do Conhecimento; 

241
5. O  campo  da  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade  e  o  papel  das 
Incubadoras  Universitárias  de  Empreendimentos  de 
Economia Solidária; 
6. Considerações finais. 
Espera‐se  com  este  trabalho  contribuir  para  a  importância  da 
disseminação  do  conhecimento  produzido  nas  incubadoras 
universitárias  e  a  implementação  da  gestão  de  conhecimento  neste 
tipo  de  organizações  para  promover  o  acesso  tanto  das  equipes 
quanto dos empreendimentos e da comunidade de maneira geral. 
 
Conhecimento e Gestão do Conhecimento 
 
Na concepção de Davenport e Prusak (1998, p. 6) conhecimento 
significa: 
 
[...]  uma  mistura  fluida  de  experiência  condensada,  valores,  informação 
contextual  e  insight  experimentado,  a  qual  proporciona  uma  estrutura 
para a avaliação e incorporação de novas experiências e informações. Ele 
tem  origem  e  é  aplicado  na  mente  dos  conhecedores.  Nas  organizações, 
ele costuma estar embutido não só em documentos ou repositórios, mas 
também em rotinas, processos, práticas e normas organizacionais. 
 
Nonaka e Takeuchi (1997) observam que o conhecimento refere‐se 
a  crenças  e  compromissos  criados  por  meio  de  um  processo  de 
interação entre dois tipos de conhecimento humano, que classificaram 
como: conhecimento tácito e conhecimento explícito. Sveiby (1998) faz 
referência  às  abordagens  de  Nonaka  e  Takeuchi  para  definir 
conhecimento tácito e explícito: 
• conhecimento tácito: conhecimento do corpo, subjetivo, prático, 
análogo; 
•  conhecimento  explícito:  conhecimento  da  mente,  objetivo, 
teórico, digital. 
Nesse  sentido,  Nonaka  e  Takeuchi  (1997)  destacam  que  a 
construção  do  conhecimento  é  obtida  quando  se  reconhece  o 
relacionamento  sinérgico  entre  o  conhecimento  tácito  e  o 
conhecimento  explícito  dentro  de  uma  determinada  organização,  e 
quando  são  elaborados  processos  sociais  capazes  de  criar  novos 

242
conhecimentos  por  meio  da  conversão  do  conhecimento  tácito  em 
conhecimento  explícito.  Esta  interação  é  chamada,  pelos  autores,  de 
conversão  do  conhecimento  do  processo.  Dessa  forma,  estes  dois 
conhecimentos  se  complementam  e  interagem,  e  é  por  meio  da 
interação  social  de  ambos  que  o  conhecimento  humano  é  criado  e 
expandido, tanto em termos de qualidade, quanto de quantidade. 
Os  autores  ainda  mencionam  que  a  realização  de  um  trabalho 
efetivo com o conhecimento somente é possível em um ambiente em 
que  possa  ocorrer  a  contínua  conversão  entre  esses  dois  formatos. 
Para  que  o  conhecimento  seja  preservado,  as  organizações  devem 
manter o fluxo de atualização de seu conteúdo de forma contínua, de 
modo  a  proporcionar  a  disseminação  e  o  compartilhamento  de 
conhecimentos. 
Estas sucessivas passagens de conhecimento tácito para explícito, 
e  vice‐versa,  proposta  por  Nonaka  e  Takeuchi  (1997),  é  chamada  de 
espiral  do  conhecimento.  Os  autores  detalham  a  conversão  do 
conhecimento  em  quatro  modos,  situados  entre  os  formatos  tácito  e 
explícito,  permitindo  geração  e  troca  para  novos  conhecimentos, 
sendo que, segundo Silva (2004, p. 145) “uma ou mais conversões do 
conhecimento podem ocorrer simultaneamente”. 
Nonaka  e  Takeuchi  (1997)  explicam  que  empresas  japonesas  do 
setor de produção utilizaram, durante a década de 80, os processos de 
socialização, exteriorização, internalização e combinação para projetar 
e  criar  novos  produtos.  Estes  processos  ocorrem,  normalmente,  da 
seguinte maneira: 
• Socialização: conversão de parte do conhecimento tácito de uma 
pessoa no conhecimento tácito de outra pessoa. 
• Externalização:  conversão  de  parte  do  conhecimento  tácito  do 
indivíduo em algum tipo de conhecimento explícito. 
• Combinação:  conversão  de  algum  tipo  de  conhecimento 
explícito  gerado  por  um  indivíduo  para  agregá‐lo  ao  conhecimento 
explícito da organização. 
• Internalização:  conhecimento  explícito  para  o  tácito,  é  o 
processo de incorporação do conhecimento explícito no conhecimento 
tácito. Está mais relacionado ao “aprender fazendo”. 

243
A  partir  daí,  inicia‐se  uma  nova  espiral  de  criação  do 
conhecimento, que socializa este conhecimento tácito acumulado com 
outros indivíduos. 
Por  consequência,  para  o  bom  funcionamento  de  uma  empresa, 
grupo  ou  organização,  como  é  o  caso  dos  Empreendimentos  de 
Economia  Solidária  (EES)  e  das  ITCPs,  torna‐se  necessário  que  as 
informações sejam compartilhadas por todos, não ficando restritas ou 
represadas  em  um  determinado  local,  e  que  a  criação  do 
conhecimento se efetive por meio de interações dinâmicas e contínuas 
entre os dois conhecimentos: tácito e explícito.  
A gestão do conhecimento, como apresentado na introdução, tem 
como  principais  objetivos  a  criação,  o  registro  e  o  compartilhamento 
do  capital  intelectual  das  organizações  (HOFFMANN,  2009).  Para 
Sveiby  (1998,  p.  09)  “todo  conhecimento  depende  das  pessoas,  em 
última instância, para continuar a existir”. 
Para  que  ocorra  a  apreensão  da  totalidade  e  do  papel  de  cada 
participante  no  processo  de  GC,  é  necessário  haver  transparência  de 
dados e informações internamente aos EES e às ITCPs, bem como nas 
organizações  de  maneira  geral,  com  base  em  “ferramentas  de  gestão 
que  facilitem  e  agilizem  os  processos  e  o  entendimento  do  todo” 
(MAIA,  2003,  p.  06).  Estas  ferramentas  são  imprescindíveis  “para  o 
seu  desenvolvimento  e  para  a  disseminação  do  conhecimento 
acumulado”, de tal modo que os participantes possam acessar e rever 
esta  produção  a  qualquer  momento,  colaborando  na  organização  e 
promovendo a aprendizagem (MAIA, 2003, p. 07). 
 
As  Incubadoras  Universitárias  de  Empreendimentos  de  Economia 
Solidária 
 
As Incubadoras Universitárias de Empreendimentos de Economia 
Solidária,  como  mencionado,  mais  conhecidas  como  ITCPs,  têm 
surgido, como forma de promover tanto a produção quanto o acesso 
ao conhecimento por parte da população mais excluída, fomentando a 
economia solidária como forma tanto de geração de renda quanto de 
outra maneira de estabelecer relações entre pessoas e destas com seu 

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ambiente,  no  atendimento  as  suas  necessidades  em  todas  as  esferas: 
econômica, social, ambiental e psicológica (SINGER, 2002). 
Atualmente,  em  mais  de  uma  centena  de  universidades  e 
instituições  de  ensino  superior  brasileiras  estão  implantadas 
incubadoras, organizadas em redes para desenvolver conhecimento e 
processos de intervenção na temática de economia solidária. 
A  Rede  Universitária  de  Incubadoras  Tecnológicas  de 
Cooperativas  Populares  (Rede  de  ITCPs)  foi  iniciada  em  1998  e  é 
constituída  atualmente  por  ITCPs  de  44  universidades  em  cinco 
regiões do Brasil (ITCP‐USP, 2010). A rede Universitária Unitrabalho, 
por  sua  vez,  agrega,  atualmente,  92  universidades  e  instituições  de 
ensino  superior  de  todo  o  Brasil  e  foi  criada  em  1996. 
(UNITRABALHO, 2010) 
De  acordo  com  Guimarães  (2000)  a  universidade,  berço  das 
incubadoras,  oferece  um  ambiente  propício  para  programas  com  o 
intuito  de  gerar  trabalho  e  renda  tomando  como  base  o  trabalho 
coletivo. 
Os  EES  são  modalidades  de  organização  econômica,  que  se 
apresentam  sob  forma  de  grupos  de  produção,  empresas  de 
autogestão,  associações  e  cooperativas  de  modo  que  combinam  suas 
atividades  econômicas  com  ações  de  cunho  educativo  e  cultural, 
“valorizando o sentido da comunidade de trabalho e o compromisso 
com a coletividade social em que se inserem.” (GAIGER, 2003, p. 135). 
Uma  das  formas  mais  conhecidas  de  empreendimento  de 
economia solidária é a cooperativa. No entanto, isto não significa que 
todas  as  cooperativas  sejam  orientadas  pelos  princípios  da  economia 
solidária5,  sendo  que  inúmeras  cooperativas  populares,  aquelas  que 
atuam  sob  os  princípios  cooperativistas  e  sob  a  ótica  da  economia 
solidária, tem sido fomentadas pelas ITCPs. 
Estas  incubadoras  fazem  parte  de  uma  “linha  de  extensão 
universitária,  que  disponibiliza  um  núcleo  básico  interdisciplinar, 

5 Vale destacar como sendo princípios da ES: adesão voluntária e esclarecida 
dos  membros;  participação  democrática  dos  sócios  independente  de 
participação  financeira;  cooperação,  intercooperação,  promoção  do 
desenvolvimento  humano;  preocupação  com  a  natureza  e  com  a 
comunidade; produção e consumo éticos e solidariedade (INCOOP, s/d.). 

245
formado por um quadro docente, discente, técnica e acadêmico”, que 
socializa “o conhecimento da academia para os setores populares” por 
meio  do  assessoramento  de  cooperativas,  oferecendo  apoio  técnico 
necessário  para  o  bom  desempenho  destas  no  mercado  (PEDRINI, 
2002, p. 171). 
Tornar  o  conhecimento  científico  e  tecnológico  acessível  à 
população  historicamente  excluída  é  um  desafio  para  as 
universidades  públicas,  principalmente  se  isto  envolve  questionar  os 
modos  hegemônicos  de  produção,  distribuição  e  consumo  de  bens  e 
serviços,  que  enfatizam  competição,  individualismo,  degradação 
ambiental,  e  implica  buscar  outros  modos  que  privilegiem 
cooperação,  solidariedade  e  autogestão,  princípios  fundamentais  da 
economia solidária. 
O  desafio  torna‐se  mais  complexo  ainda,  ao  produzir 
conhecimento  científico  (compreensão  de  conceitos  e  fenômenos)  e 
tecnológico  (transferência)  simultaneamente  à  atuação  na  realidade 
social  com  população  excluída  e  com  recursos  escassos  (financeiros, 
econômicos,  cognitivos,  etc.),  e  formação  de  diferentes  tipos  de 
pessoas para mudanças de condutas significativas, na perspectiva de 
melhoria  de  condições  de  vida  da  maioria  da  população  (CRUZ‐
SOUZA, 2010). 
Desse  modo, é  possível  observar  a  importância  do  conhecimento 
produzido  nas  ITCPs  ser  disseminado  e  socializado  no  âmbito  da 
equipe técnica destas incubadoras, pois só depois que isto ocorra, ele 
poderá ser socializado para os grupos incubados. 
 
As  Incubadoras  Universitárias  de  Empreendimentos  de  Economia 
Solidária e a Gestão do Conhecimento 
 
Na opinião de Gibson6 (apud SILVA, 2002, p. 143), “compartilhar 
conhecimento  [...]  ocorre  quando  as  pessoas  estão  genuinamente 
interessadas  em  ajudar  umas  às  outras  a  desenvolver  novas 
capacitações  para  a  ação  e  em  criar  processos  de  aprendizagem”, 
portanto, o conhecimento cresce muito quando compartilhado. 

6  GIBSON, R. Repensando o futuro. São Paulo: Makron, 1998. 

246
Nestas  condições  fica  evidenciada  a  importância  de  uma 
adequada gestão do conhecimento em entidades como as incubadoras 
universitárias  de  empreendimentos  de  economia  solidária, 
considerando,  principalmente,  um  contexto  em  que  a  atividade  de 
atendimento  direto  a  segmentos  da  população,  por  sua  própria 
natureza  (extensão),  apresenta  tal  apelo,  que  pode  concorrer 
fortemente  com  dedicação  da  equipe  aos  processos  complementares 
(ensino e, principalmente, de pesquisa). 
Desta  forma,  e  de  modo  inclusive  paradoxal,  a  grande 
necessidade  de  subsídio  da  equipe  para  a  ação,  oriundos  do 
conhecimento  (sistematizado  na literatura  ou  oriundo  da  experiência 
direta derivada da atuação prática) pode (e frequentemente isto pode 
ser observado) co‐existir com uma condição de não compartilhamento 
deste conhecimento na equipe. 
Um  exemplo  bem  sucedido  de  programa  de  Incubadora 
Universitária  que  promove  tanto  a  produção  quanto  o  acesso  ao 
conhecimento  por  parte  da  população  excluída  é  a  Incubadora 
Regional  de  Cooperativas  Populares  (INCOOP)  da  Universidade 
Federal  de  São  Carlos  (UFSCar).  A  INCOOP/UFSCar  iniciou  suas 
atividades  em  abril  de  1999,  por  meio  de  um  projeto  de  extensão  da 
Pró‐Reitoria  de  Extensão  da  UFSCar,  apresentado  pelos  Núcleos  de 
Extensão.  Essa  iniciativa  teve  como  inspiração  a  experiência  da 
incubadora  da  Universidade  Federal  do  Rio  de  Janeiro  (GALLO, 
2003).  Sua  finalidade  é  atuar  junto  à  comunidade,  na  incubação  de 
empreendimentos  coletivos  autogestionários  e  outras  iniciativas,  na 
perspectiva  de  promover  a  economia  solidária,  aliando  produção  de 
conhecimento,  intervenção  e  formação  de  estudantes  e  de 
profissionais. 
A  INCOOP/UFSCar  exerce  suas  atividades  fomentando  o 
cooperativismo, capacitando técnica, política e administrativamente as 
pessoas envolvidas nos EES, visando promover as relações saudáveis 
com o meio ambiente. Ela compõe a rede de ITCPs ao lado de outras 
incubadoras na construção coletiva de formas a viabilizar a economia 
solidária  em  âmbito  nacional,  baseada  na  intercooperação.  Esta  rede 
iniciou‐se em 1998, tendo como objetivo vincular de forma interativa e 

247
dinâmica  as  incubadoras  e,  com  isso,  favorecer  a  transferência  de 
tecnologia e conhecimento entre as mesmas (INCOOP, 2010). 
A  INCOOP/UFSCar  é  um  espaço  interdisciplinar  que  integra 
ensino, pesquisa e extensão, contando com a participação de docentes, 
técnico‐administrativos,  alunos  de  graduação  e  pós‐graduação  de 
diversas  áreas  do  conhecimento  e  de  diferentes  campos  de  atuação 
profissional (ZANIN, 2007). 
A  equipe  desta  incubadora  desenvolve  ou  já  desenvolveu  a 
incubação de empreendimentos em diferentes atividades econômicas: 
limpeza  de  edificações,  confecções,  panificação,  lavanderia, 
componentes  de  madeira  para  habitação,  horticultura  com  transição 
agroecológica,  produção  de  alimentos  orgânicos,  triagem, 
comercialização e beneficiamento de resíduos sólidos. Além disso, são 
desenvolvidos  por  seus  participantes,  pesquisas  e  estudos 
sistemáticos  sobre  aspectos  do  processo  de  incubação,  cadeias 
produtivas, cooperativismo e ES. A equipe também presta assessoria e 
consultoria  no  âmbito  da  ES  para  outros  agentes  sociais.  Seus 
componentes, particularmente os docentes, participam na formação e 
capacitação  para  a  ES  no  ensino  de  graduação  e  pós‐graduação, 
mediante  orientações  de  monografias  e  dissertações  de  mestrado, 
estágios  curriculares,  bem  como  a  oferta  da  disciplina  “Cooperativas 
Populares  e  Economia  Solidária:  Produção  de  Conhecimento, 
Intervenção  Profissional  e  Formação  de  Profissionais”,  como 
Atividade  Curricular  de  Integração  Ensino,  Pesquisa  e  Extensão 
(ACIEPE),  oferecida  para  alunos  de  quaisquer  cursos  da  UFSCar  e 
também a disciplina “Economia Solidária, Ciência e Tecnologia”, para 
o  curso  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade  da 
UFSCar (ZANIN, 2007). 
Essa  incubadora  já  contribuiu  na  formação  de  16 
empreendimentos  solidários,  possibilitando  a  criação  de  trabalho  e 
renda  para  aproximadamente  500  pessoas  em  áreas  como 
alimentação,  lavanderia,  costura,  limpeza,  zeladoria,  reciclagem, 
produção de mudas, marcenaria, produção agropecuária e artesanato. 
Acompanhou, até o ano de 2007, cinco cooperativas ou grupos em São 
Carlos, sendo um grupo de assentamento em Araras e outro grupo de 
assentamento rural e marcenaria em Itapeva. Atualmente, a INCOOP 

248
focaliza  sua  atuação  em  dois  territórios,  sendo  um  em  área  urbana, 
Jardim Gonzaga e Jardim Monte Carlo, ambos em São Carlos, e outro 
na  área  rural,  assentamento  de  Itapeva,  na  perspectiva  de 
desenvolvimento  local  e  na  possibilidade  de  criação  de  uma  maior 
sustentabilidade (ZANIN, 2007). 
Os projetos de incubação e de pesquisa desenvolvidos no âmbito 
da  incubadora  são  viabilizados,  principalmente,  por  financiamentos 
obtidos de vários órgãos de fomento, como CNPq, FINEP, MDS, MEC, 
FAPESP, Fundação Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco 
Real‐Universidade  Solidária,  e  parcerias  com  iniciativa  privada  e 
governos municipais (INCOOP, 2010). 
As intervenções realizadas por esta incubadora dão subsídio para 
que vários trabalhos de conclusão de cursos, dissertações e teses sejam 
desenvolvidos,  assim  como  muitos  artigos  apresentados  em 
congressos  nacionais  e  internacionais  e  em  revistas  relacionadas  à 
temática,  o  que  demonstra  a  preocupação  do  desenvolvimento 
científico em relação à atividade de incubação (ZANIN, 2007). 
A aproximação das ITCPs com populações excluídas, em busca da 
compreensão de suas necessidades e seus saberes, é que transforma o 
conhecimento  produzido  na  universidade  em  comportamentos 
humanos  (CORTEGOSO  et  al,  2008).  Destarte,  boa  parte  de  seu 
conhecimento  é  produzido  diretamente  com  a  população  que  dele 
necessita, pois a atuação profissional se faz no contato direto com esta 
população a partir do qual este conhecimento é sistematizado com os 
demais participantes de redes, “buscando respostas para as dúvidas e 
inseguranças inerentes ao fazer crítico e ao convívio com o sofrimento 
humano  de  populações  desprovidas  de  condições  dignas  de 
alimentação, educação, moradia e trabalho” (CORTEGOSO et al, 2008, 
p. 119).  
Neste  mesmo  sentido,  a  GC  “deve  ser  sempre  esse  processo: 
gerando,  codificando,  disseminando  e  apropriando‐se  do 
conhecimento por meio de uma interação contínua e dinâmica entre o 
conhecimento  tácito  e  explícito”  (BRAGHETTI,  2003,  p.  58‐59).  Por 
outro  lado,  é  necessária  uma  eficiente  gestão  do  conhecimento, 
evidenciada  por  diversos  motivos,  entre  eles:  não  repetir  erros, 
aprender com a experiência, registrar as melhores práticas, registrar o 

249
conhecimento  dos  membros  da  incubadora  e,  finalmente,  disseminar 
o conhecimento gerado. 
 
O  Campo  de  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade  e  o  papel  das 
Incubadoras  Universitárias  de  Empreendimentos  de  Economia 
Solidária 
 
Os acontecimentos ocorridos nas décadas de 60 e 70 ocasionaram 
profundas mudanças nos cenários dos países da América do Norte e 
da  Europa,  contribuindo  com  o  surgimento  do  movimento 
denominado  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade.  Conforme  Hayashi, 
Hayashi e Furnival (2008, p.43): 
 
O  campo  CTS  surge  no  contexto  histórico  das  chamadas  reações 
acadêmica,  administrativa  e  social  em  oposição  a  uma  imagem  ou 
concepção herdada da ciência e da tecnologia e se desenvolve como um 
movimento  crítico  frente  à  concepção  clássica  de  ciência.  Esta  reação  se 
produz  na  etapa  de  mudança  institucional  da  ciência  e  no  contexto  da 
Segunda  Guerra  Mundial  e  se  subdivide  em  três  períodos  que  se 
diferenciam  segundo  a  atitude  da  comunidade  científica  e  da  sociedade 
frente ao problema do desenvolvimento e das conseqüências da ciência e 
tecnologia. 
 
Os  estudos  entre  ciência,  tecnologia  e  sociedade,  não  são  novos, 
mas  a  partir  da  publicação  das  obras  de  Thomas  Kuhn  “A  estrutura 
das  revoluções  científicas”  e  de  Rachel  Carson  “Silent  Spring”  em 
1962, é que se efetivaram as críticas ao papel da ciência e da tecnologia 
na  sociedade.  Dessa  forma,  o  movimento  se  manifesta  a  partir  de 
questionamentos  em  torno  da  ciência  e  da  tecnologia,  em  relação  às 
armas  nucleares  e  químicas,  à  degradação  do  meio  ambiente  e  seus 
impactos  na  qualidade  de  vida  e  também  sua  relação  com  o 
desemprego. 
Sob  as  influências  do  campo  CTS,  as  organizações  passaram  a 
pensar  na  necessidade  de  uma  educação  com  viés  tecnológico  e 
científico.  Segundo  Santos  e  Mortimer  (2002,  p.  04)  “os  trabalhos 
curriculares  em  CTS  surgiram”  com  a  necessidade  “de  formar  o 

250
cidadão  em  ciência  e  tecnologia”  o  que  não  estava  ocorrendo  “pelo 
ensino convencional das ciências”. 
Para  Cerezo  (2004,  p.  11),  o  estudo  CTS  “busca  entender  o 
fenômeno  científico‐tecnológico  no  contexto  social,  tanto  na  relação 
com  suas  condicionantes  sociais,  quanto  no  que  se  refere  a  suas 
consequências sociais e ambientais”. Assim, os estudos CTS possuem 
características multidisciplinares ou interdisciplinares por integrarem 
saberes  de  diversas  áreas  do  conhecimento,  seguindo  três  linhas  de 
atuação: pesquisa, políticas públicas e educação. 
No  campo  das  relações  CTS,  é  relevante  que  todo  conhecimento 
desenvolvido nas ITCPs seja disseminado para a sociedade, atrelando 
desenvolvimento  econômico  e  social.  O  papel  da  universidade  é  a 
produção  do  conhecimento,  propiciando  a  transformação  deste 
conhecimento  em  ferramentas  que  visam  melhorar  as  condições  de 
vida da população por meio da pesquisa, do ensino e da extensão de 
forma integrada. 
Neste  sentido,  as  incubadoras  universitárias,  por  serem  projetos 
de  extensão,  auxiliam  a  universidade  a  alcançar  seus  objetivos.  Para 
ilustrar,  um  exemplo  bastante  claro  é  apresentado  aqui  os  principais 
objetivos da INCOOP/UFSCar (INCOOP, 2010): 
• Produzir,  disseminar  e  transferir  conhecimento  sobre 
cooperativismo, autogestão e economia solidária. 
• Incentivar  a  constituição  de  empreendimentos  de  economia 
solidária e sua integração em rede. 
• Capacitar  formadores  para  atuar  na  incubação  de 
empreendimentos solidários. 
• Promover  educação,  inclusão  social  e  o  desenvolvimento 
humano  de  populações  historicamente  excluídas  por  meio  da 
transferência  do  conhecimento  produzido  na  universidade,  da 
produção  do  conhecimento  voltado  para  esse  público  alvo  e  da 
atuação  direta  no  que  se  refere  à  formação  integral,  necessária  para 
garantir  a  autogestão  de  empreendimentos  econômicos  coletivos  e 
solidários por essas populações. 
Na  concepção  de  Alonso  (2008),  o  termo  apropriação  do 
conhecimento refere‐se ao conhecimento em geral e, particularmente, 
à ciência e à tecnologia; seu uso é amplo e fortemente consolidado nos 

251
âmbitos  acadêmico  e  político.  No  entanto,  seu  significado  deve  ser 
repensado e revisto, pois novos modos de relação entre os geradores 
do  conhecimento  científico  e  tecnológico  e  a  sociedade  surgem  em 
situações como aquelas nas quais participam os membros das ITCPs e 
os EES como as cooperativas que por eles são e serão incubados. 
 
Considerações finais 
 
Retomando os aspectos abordados anteriormente, e considerando 
a importância de uma adequada gestão do conhecimento, é relevante 
investir  esforços  para  verificar  em  que  grau  as  equipes  das  ITCPs 
conhecem, compreendem, utilizam e disseminam o conhecimento que 
está  representado  pela  produção  de  sua  equipe,  principalmente  pelo 
impacto que este conhecimento gera nos grupos incubados. 
Estas  incubadoras  universitárias  estimulam  a  transferência  da 
ciência  e  da  tecnologia  para  a  sociedade  por  meio  dos  EES, 
colaborando  com  a  construção  de  uma  tecnologia  social  que  deverá 
ser  utilizada  no  âmbito  das  ações  de  geração  de  trabalho  e  renda. 
Nestes  espaços  agregam‐se  pessoas  de  diferentes  áreas  do 
conhecimento  e  campos  de  atuação  profissional  por  meio  da 
característica  de  interdisciplinaridade  presente  nestes,  onde  todos 
visam  o  mesmo  objetivo. Neste sentido,  existe a  necessidade de uma 
eficiente  gestão  do  conhecimento,  evidenciada  por  diversos  motivos, 
entre  eles:  não  repetir  erros, aprender  com  a  experiência,  registrar  as 
melhores  práticas,  registrar  o  conhecimento  dos  membros  da 
incubadora e, finalmente, disseminar o conhecimento gerado. 
Sob  o  olhar  CTS,  estas  diversas  áreas  do  conhecimento  que 
possuem os membros das ITCPs “se integram e estabelecem múltiplas 
conexões,  produzindo  vínculos  significativos  que  fortalecem  o 
desenvolvimento da sociedade” (MIOTELLO; HOFFMANN,  2008, p. 
08),  e,  assim,  as  incubadoras  resgatam  o  compromisso  que  uma 
universidade  pública  tem  para  com  a  sociedade,  a  fim  de 
disponibilizar seu saber técnico e científico por meio do conhecimento 
para  uma  camada  da  população  que  não  têm  acesso  ao  ambiente 
acadêmico.  A  gestão  do  conhecimento  indica  ser  uma  temática  que 
deve  estar  próxima  das  atividades  das  incubadoras  universitárias  de 

252
empreendimentos de economia solidária para promover o registro e o 
compartilhamento do capital intelectual dessas organizações. 
 
Agradecimento 
 
  Os autores agradecem a colaboração da Prof. Dra. Ana Lúcia 
Cortegoso  e  o  apoio  da  Universidade  Federal  de  São  Carlos  para  o 
desenvolvimento da pesquisa de mestrado. 
 
 
 
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CORTEGOSO,  A.L.  et  al.  Comportamentos  ao  incubar  empreendimentos 


solidários: a descrição do fazer coletivo como referencial para o fazer de cada 
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CRUZ‐SOUZA, F. et al. Las incubadoras universitarias de economia solidaria 
em Brasil: um estudio de casos. In: CONGRESSO DA REDE UNIVERSITÁRIA 

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255
AS PESQUISAS EM GESTÃO DA INOVAÇÃO  
E DA TECNOLOGIA: UM PANORAMA  
ATRAVÉS DE ESTUDOS BIBLIOMÉTRICOS 
 
Maria Fernanda de Oliveira1 
 
 
1. Introdução 
 
A  história  da  evolução  da  humanidade  está  intrinsecamente 
ligada  a  sua  capacidade  de  adaptação  às  necessidades,  criando  ou 
ajustando  as  ferramentas  de  uso  cotidiano  através  da  aplicação  de 
novas  técnicas.  O  que  nossos  antepassados  realizaram  e/ou  criaram 
nos  afeta  diretamente.  Assim,  estudar  os  antecedentes  e  observar  as 
conseqüências  de  uma  nova  tecnologia  é  tão  importante,  quanto 
conhecer  os  processos  de  gestão  utilizados2.  Rosenberg  (2006) 
corrobora essa linha de pensamento ao afirmar que  
 
“[...] o estudioso bem informado da sociedade pode inferir muitas coisas 
a  respeito  da  natureza  de  uma  sociedade,  suas  realizações  intelectuais, 
sua organização e suas relações sociais dominantes por meio dos estudos 
dos instrumentos do trabalho humano.” 
   
Pesquisas documentais e históricas, exploratórias e descritivas são 
desenvolvidas  na  ânsia  dessa  compreensão,  empreendidos 
especialmente por pesquisadores das áreas sociais e sociais aplicadas, 
que buscam compreender a relação homem x sociedade, no que tange 
aos aspectos culturais, históricos e econômicos.  
Ao  visualizar  o  caminho  percorrido  por  nossa  sociedade  em 
relação  a  seus  sistemas  econômicos,  notamos  uma  fase  de 

1 Mestranda em Ciência, Tecnologia e Sociedade, Linha Gestão Tecnológica e 
Sociedade Sustentável / Universidade Federal de São Carlos. 
2Tais  processos  de  gestão  são  constituídos  de  vários  fatores  que  merecem 

estudos  específicos,  como  as  ações  das  empresas  para  efetuar  


monitoramento do ambiente, gerenciamento da qualidade e posição frente 
aos processos burocráticos. 

257
desenvolvimento onde a característica mais marcante é a importância 
atribuída  à  inovação,  que  para  Shumpeter  (1985),  é  tudo  o  que 
diferencia  e  cria  valor  para  o  negócio,  sendo  considerada  a  mola 
propulsora do capitalismo. 
Se  no  início  de  nossa  história,  as  necessidades  básicas  eram  as 
mandantes  do  processo  de  inovação,  atualmente  um  mercado 
altamente  consumista  e  exigente  é  quem  dita  as  regras.  Com  o 
surgimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e da 
globalização  do  comércio,  a  dinâmica  das  mudanças  tornou‐se  fator 
de  grande  preocupação  para  as  empresas,  impondo‐lhes  uma 
necessidade de inovação constante para manterem‐se ativas.  
No  entanto,  para  que  a  inovação  seja  um  insumo  para  a 
competitividade,  há  que  geri‐la  adequadamente.  Para  Paulo  Tigre 
(2006), a inovação é parte de um processo econômico, sociocultural e 
político,  logo  precisa  de  uma  gestão  transversal,  onde  aconteça  o 
diálogo entre várias áreas do conhecimento. Já a gestão da tecnologia 
pode  ser  compreendida  como  “o  uso  de  técnicas  de  administração 
com a finalidade de assegurar que a variável tecnológica seja utilizada 
no  máximo  de  sua  potencialidade  como  apoio  aos  objetivos  da 
organização” (VASCONCELLOS et al., 1994, p. 235).  
Dessa  forma,  percebe‐se  que  a  gestão  da  tecnologia  e  inovação  é 
uma  tarefa  complexa, que  envolve  a  integração  de  estratégias,  sendo 
melhor  empreendida  quando  acontece  de  forma  compartilhada  e 
embasada  em  conhecimentos  teóricos  e  empíricos  advindos  de 
extremos diferentes. 
 Avançar  no  conhecimento  sobre  a  gestão  da  tecnologia  e 
inovação pode contribuir sobremaneira para a evolução das empresas 
do  ramo  e  conseqüentemente  para  uma  economia  nacional  mais 
estabilizada,  uma  vez  que  a  história  econômica  das  grandes  nações 
desenvolvidas  está  diretamente  ligada  a  sua  produção  científica  e 
tecnológica.  Assim,  pesquisas  que  buscam  focar  o  tema  terão 
aplicações diretas tanto na esfera pública quanto privada. 
Na  pretensão  de  apresentar  o  campo  de  estudos  da  gestão  de 
inovação  e  tecnologia  de  forma  compilada  através  dos  principais 
autores,  instituições,  periódicos,  temas  estudados  dentro  dessas 
gestões,  etc.,  foi  executado  um  exercício  de  técnica  bibliométrica  na 

258
base de dados Web of Science do Institute for Scientific Information (ISI). 
Tal estudo poderá contribuir como direcionador de pesquisadores do 
tema; além de expor como as técnicas de análise bibliométrica podem 
ser  úteis  aos  pesquisadores  no  que  diz  respeito  ao  acompanhamento 
da evolução do conhecimento, em especial quando a área em questão 
já está consolidada e com grande massa de publicações.  
 
2. Bibliometria: um auxílio do pesquisador 
 
Um  dos  marcos  da  produção  científica  e  tecnológica  está 
associado  diretamente  ao  boom  de  desenvolvimento  ocorrido  após  a 
Segunda  Guerra  Mundial.  Todo  o  investimento  em  pesquisa  e 
desenvolvimento  das  grandes  nações  nesse  período  acabou  por 
transformar‐se  em  insumos  para  seu  crescimento  econômico, 
principalmente no caso americano, onde especialistas utilizaram‐se do 
avanço  científico  ocorrido  durante  a  guerra  para  prospectarem  um 
futuro  de  desenvolvimento  do  país  que  fosse  baseado  nas  lições 
aprendidas no conflito3. 
Nota‐se  que  os  esforços  foram  intensos  e  que  a  disseminação  do 
conhecimento  adquirido  em  tempos  de  guerra  foi  fator‐chave  para  o 
aumento  das  publicações  científicas.  Somando‐se  a  ampliação  da 
massa  documental  ocorrida  com  a  invenção  da  imprensa  bem  antes 
desses  acontecimentos  bélicos,  tem‐se  que  a  atividade  de  leitura  e 
acompanhamento  do  desenvolvimento  científico  através  das 
publicações  passava  a  ser  um  problema  para  pesquisadores  e 
profissionais da informação.  
Com isso, afim de não deixar perder‐se no tempo o estado da técnica 
do  conhecimento  produzido,  vários  estudos  foram  empreendidos  para 
solucionar o problema. Dentre eles, a solução atualmente mais utilizada 
são os estudos estatísticos da produção científica, mais conhecidos como 
bibliometria, cientometria e, em alguns casos, infometria.  

3 Para melhor visualização da realidade americana ver relatório de Vannevar 
Bush  em  atendimento  à  solicitação  do  presidente  Roosevelt  sobre  suas 
considerações  para  aproveitar  o  esforço  empreendido  nas  guerras  para 
desenvolver o país a partir da ciência e tecnologia. 

259
A  bibliometria  tem  sua  base  nas  teorias  de  três  pesquisadores  – 
Lotka,  Zipf  e  Bradford  –  que  investigaram  as  possíveis  análises 
estatísticas  a  serem  realizadas  em  materiais  bibliográficos.  Suas 
análises  concluíram  que  através  da  contagem  de  ocorrências  de 
palavras poderiam ser identificados os principais autores, periódicos e 
temas pesquisados (GUEDES; BORSCHIVER, 2005). 
Assim,  a  bibliometria  ganhou  status  ao  fornecer  insumos  para  a 
elaboração  de  indicadores  de  avaliação  da  produção  científica.  Tais 
indicadores  são  utilizados  pelos  setores  públicos  e  privados  para  o 
desenvolvimento  de  políticas  de  incentivo  a  C&T  do  país  e  para  a 
análise  de  mercado  e  prospecções  tecnológicas  que  podem  ser 
considerados insumos para o desenvolvimento econômico nacional. 
No entanto, numa visão mais simplista, a bibliometria também é 
tida como ferramenta de levantamento bibliográfico e identificação do 
estado  da  arte  de  determinadas  áreas  do  conhecimento,  tornando‐se 
ferramenta  de  auxílio  ímpar  aos  pesquisadores.  Com  a  inserção  de 
novas tecnologias vinculadas a bibliometria, a contagem que em seus 
primórdios  era  realizada  manualmente,  passou  a  ser  efetuada  de 
forma automatizada, poupando tempo e propiciando resultados mais 
confiáveis. Alguns softwares já podem ser encontrados na internet para 
a realização de análises bibliométricas. 
Desta  forma,  serão  apresentados  nesse  trabalho,  o  método  e  as 
análises  dos  resultados  adquiridos  a  partir  da  bibliometria  das 
publicações  sobre  gestão  da  tecnologia  e  gestão  da  inovação 
indexadas na Web of Science4. 
 
3. Percurso metodológico 
 
A  pesquisa  quanto  ao  seu  método,  caracterizou‐se  por  ser 
bibliográfica,  quantitativa  e  descritiva.  Assim  sendo,  o  levantamento 
bibliográfico  das  publicações  sobre  gestão  tecnológica  e  gestão  da 

4  Base  multidisciplinar,  reconhecida  internacionalmente  pela  qualidade  na 


avaliação  dos  periódicos  a  serem  incluídos  em  seus  registros.  Além  disso 
fornece  registros  referenciais  estruturados  para  serem  tratados  com  o 
auxilio do software Vantage Point. 

260
inovação na Web of Science foi o ponto de partida para a quantificação 
da  informação,  análise  dos  dados  obtidos  e  posterior  descrição  da 
realidade visualizada. 
Para  fins  de  melhor  desdobramento  do  trabalho  foi  realizado 
planejamento das atividades a serem executadas, a saber: 
1. Identificação  da  base  de  dados  que  se  enquadrasse  nos 
propósitos do estudo. Foram analisadas as variáveis cobertura 
da  base  (áreas  e  período);  qualidade  do  material  indexado  e 
possibilidade  de  trabalhar  seus  registros  com  o  software 
Vantage point; 
2. Elaboração  das  expressões  de  busca.  Como  o  propósito  do 
estudo era identificar publicações que tratassem de gestão da 
inovação  e  gestão  da  tecnologia,  foram  utilizadas  as 
expressões “technology management” e “innovation management” 
na  intenção  de  recuperar  os  artigos  que  tratassem  do  tema, 
ainda que com enfoques diferentes entre si; 
3. Busca  e  recuperação  dos  dados.  O  campo  de  busca  utilizado 
foi  o  Topic  que  percorre  o  registro  nas  áreas  título,  resumo  e 
palavras‐chave  em  busca  da  expressão  definida.  O  processo 
de  recuperação  escolhido  foi  o  download  dos  registros  em 
formato  .txt  que  é  reconhecido  pelo  software  de  tratamento 
bibliométrico utilizado; 
4. Fase  de  tratamento  dos  dados  no  software.  Os  dados  em 
formato .txt foram importados para o software Vantage Point5. 
A  partir  daí  os  dados  passaram  por  várias  fases  de 
padronização  de  termos  (nomes  de  instituições,  de  autores, 
países),  criação  de  listas  –  como  top  15  periódicos  que 
publicam  sobre  os  temas  –  e  grupos  de  dados  semelhantes, 
elaboração  de  matrizes  para  visualização  de  dados  cruzados 
(por exemplo, autor X ano de publicação); 

5  Software  de  mineração  de  texto  que  ajuda  a  navegar  rapidamente  através  de 
grandes volumes de texto estruturado (como os registros bibliográficos da Web 
of  Science  que  possuem  campos  bem  definidos  como  TÍTULO,  RESUMO, 
PALAVRAS‐CHAVE, AUTOR, etc.) para ver padrões e relacionamentos. 

261
5. Transformação  do  material  tratado  em  representações 
gráficas.  As  informações  obtidas  com  o  tratamento 
bibliométrico  foram  exportadas  para  o  Excel  para  serem 
melhor visualizadas e representadas graficamente. 
Assim, têm‐se os resultados e análises que serão apresentados no 
próximo tópico. 
 
4. Resultados e análises 
 
As  expressões  de  busca  utilizadas  –  ʺtechnology  managementʺ  e 
ʺinnovation  managementʺ  –  recuperaram  1139  registros6,  sendo  que 
desses foram excluídos documentos dos tipos denominados pela base 
Letter,  Correction  Addition,  Biographical‐item,  News  item,  por  serem 
considerados  desnecessários  para  o  estudo  pretendido.  Apesar  desse 
refinamento,  o  valor  absoluto  final  não  sofreu  grande  alteração, 
contando com 1133 registros. 
Inicialmente, apresentamos o número de documentos encontrados 
por ano, desde o primeiro registro na Base (1968), até os indexados em 
2009,  uma  vez  que  o  ano  2010  encontra‐se  em  curso,  não  há 
informações consolidadas sobre o mesmo. 
 

 
 
Gráfico 1 – Percurso histórico de publicações sobre Gestão da Tecnologia e Gestão da 
Inovação (Web Of Science, 1968‐2009) 
 

6 Busca realizada em 22 de junho de 2010. 

262
Nota‐se  uma  taxa  de  crescimento  instável  das  publicações 
indexadas nessa base de 1991 a 2003. O crescimento constante a partir 
de  20047  mostra  a  importância  concedida  ao  tema  a  partir  daquele 
ano.  Tal  fato  pode  estar  relacionado  aos  incentivos  de  países  ao 
desenvolvimento tecnológico, como a Lei de Inovação (BRASIL, 2004) 
e o Plano de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento 
Nacional  (BRASIL,  2007)  que  trouxe  a  necessidade  de  desenvolver 
gestão  mais  eficiente  da  ciência,  tecnologia  e  inovação  para  que  seus 
objetivos  fossem  alcançados.  Logo,  justifica‐se  um  maior  número  de 
pesquisas  para  tomar  conhecimento  sobre  as  práticas  e  teorias  de 
gestão,  bem  como  as  ferramentas  utilizadas  para  uma  administração 
mais  eficiente  desses  segmentos.  Além  dessa  característica  forte  na 
década de 2000, pode‐se atribuir esse crescimento ao avanço de áreas 
que  estudam  o  tema  como  Engenharias,  ciências  do  campo  da 
administração e computação, etc. que propiciaram avanço nos estudos 
relacionados a essa modalidade de gestão. 
O  número  de  enfoques  encontrados  nos  artigos  e  demais 
documentos  analisados,  ilustra  as  principais  preocupações  dos 
pesquisadores  frente  às  práticas  de  gestão  em  questão,  como 
enumerados  na  tabela  1  onde  se  encontra  as  palavras‐chave  (ou 
expressões‐chave)  mais  utilizadas  nos  documentos,  o  que  representa 
os assuntos tratados nos mesmos.  
 
    TOP 15 PALAVRAS‐CHAVE  
Ordem  Registros  Palavras‐chave 
1  227  Gestão tecnológica 
2  89  Gestão da inovação 
3  71  Inovação 
4  25  Gestão do conhecimento 
5  20  Tecnologia da informação 
6  37  Desenvolvimento de produtos 
 

7 Taxa de crescimento 2000‐2009 = 57,58% [fórmula = (Valor 2009‐Valor 2000 / 
Valor 2000) * 100]. 

263
Continuação 
    TOP 15 PALAVRAS‐CHAVE  
7  20  Estratégia tecnológica 
8  18  Transferência de tecnologia 
10  17  Gestão de projetos 
11  15  Gestão da tecnologia da informação 
12  14  Tecnologia da informação 
13  13  Gestão 
14  12  Gestão de P&D 
15  10  Indústria 
15  10  Estratégia operacional 
15  10  P&D 
 
Tabela 1 – Top 15 palavras‐chave utilizadas nos documentos sobre Gestão Tecnológica 
e Gestão da Inovação indexados na WOS. 
 
Percebe‐se,  com  a  Gestão  do  Conhecimento  e  Tecnologia  da 
Informação  figurando  entre  os  cinco  maiores  resultados,  que  uma 
atenção  maior  vem  sendo  dada  aos  aspectos  informacionais  que 
circundam o processo de gestão das organizações. 
Autores  renomados  na  área  de  administração  defendem  que 
conhecer o capital intelectual da organização é fundamental para que 
as atividades sejam executadas com o máximo de eficiência e eficácia. 
Da mesma forma, monitorar o ambiente competitivo é imprescindível 
para  sobreviver  no  mercado  globalizado  (PORTER,  1998; 
TARAPANOFF, 2001, FULD, 1995). Nas duas vertentes a utilização da 
tecnologia  da  informação  é  ferramenta  de  destaque,  uma  vez  que 
auxilia  na  execução  das  atividades  relacionadas  à  gestão  da 
informação e do conhecimento. 
Os  países  que  mais  tem  publicações  indexadas  na  WOS  sobre  o 
tema estão representados no gráfico 2. 
Os Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha destacam‐se dentre 
os  demais  pelo  fato  das  principais  universidades  que  pesquisam 
temas  ligados  à  gestão  da  tecnologia  e  inovação  estarem  situadas 
nesses países, a saber, por ordem de publicações recuperadas: 

264
1°. University of Cambridge – UK  
2°. Rensselaer Polytechnic Institute – EUA  
3°. University of North Carolina – EUA  
4°. Monash University – Austrália  
5°8. Politecnico di Milano – Itália  
5°. University of Brighton – UK  
5°. University of Texas – EUA  
 
Participação dos países nas publicações sobre GT e/ou GI
Top 15
% publicações

40,0

30,0
20,0
10,0
0,0 an
a
da

a
a
ça
a

lia
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A

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ra

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Ch

Su

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Ja
pa

Ta
st
l

Fr
Ca
em

Ho

nl
Au

Es

Fi
Al

Países

 
 
Gráfico 2 – Participação dos países nas publicações sobre Gestão Tecnológica (GT) e/ou 
Gestão da Inovação (GT) indexadas na WOS (Top 15). 
 
Os  Estados  Unidos  possuem  mais  de  30%  de  toda  a  publicação 
sobre  o  tema  na  base;  tal  fato  pode  estar  atrelado  ao  histórico  de 
investimentos em P&D do país, desde as grandes guerras.  
Vale  notar  que  não  há  nenhuma  representante  da  Alemanha 
dentre  essas  instituições,  o  que  retrata  a  existência  de  várias 
instituições  no  país  pesquisando  sobre  o  tema  e  não  a  concentração 
numa grande universidade ou instituto. 
O  Brasil  figura  apenas  em  décimo  oitavo  lugar,  com  oito  artigos 
isolados  publicados  pela  Universidade  de  Brasília  (UnB), 
Universidade  de  São  Paulo  (USP),  Universidade  Federal  do  Rio  de 
Janeiro  (UFRJ)  e  autores  sem  afiliação.  Ressalta‐se  a  importância  de 

8 As três instituições que aparecem em 5° lugar, possuem o mesmo número de 
publicações. 

265
fazer  análises  da  base  Scielo  para  conhecer  a  realidade  dos  países 
latino‐americanos  e  Caribe,  uma  vez  que  em  bases  como  a  WOS  a 
barreira da língua somado ao alto grau de qualidade exigido, impede 
a indexação de periódicos importantes dessa região. 
Quanto aos autores mais interessados nesse segmento de estudos, 
destacam‐se  os  apresentados  no  quadro  1,  com  suas  respectivas 
nacionalidade e temas de pesquisa.  
 
Top 10 autores em GT e GI 
N◦ de registros  Autor  Origem  Temas de pesquisa9 
16  Probert, D  UK  Gestão da tecnologia e Gestão do 
Conhecimento 
11  Phaal, R  UK  Gestão da tecnologia e Gestão do 
Conhecimento 
7  Brent, A C  África do Sul  Gestão da tecnologia e 
Transferência de tecnologia 
6  Bessant, J  UK  Inovação 
6  Jones, O  UK  Gestão da tecnologia 
6  OʹSullivan, D  Irlanda  Gestão de projetos e Gestão do 
conhecimento 
6  Tuominen, M  Finlândia  Gestão da inovação e 
Desenvolvimento de produtos 
5  Farrukh, C J P  UK  Gestão da tecnologia 
5  Hobday, M  UK  Inovação 
5  Hu, P J H  EUA  Gestão da tecnologia 
5  Karkkainen, H  Finlândia  Desenvolvimento de produtos 
5  Nambisan, S  EUA  Inovação e Gestão da tecnologia 
5  Piippo, P  Finlândia  Desenvolvimento de produtos e 
Gestão da inovação 
5  Porter, A L  EUA  Gestão da tecnologia e gestão da 
inovação  
5  Reger, G  Alemanha  Gestão de Pesquisa e 
Desenvolvimento 
5  Tatikonda, M V  EUA  Gestão de projetos e 
Desenvolvimento de produtos 
Quadro 1 – Top 10 autores em GT e GI. 
 
O  quadro  evidencia  uma  concentração  dos  principais 
pesquisadores  nos  Estados  Unidos,  Reino  Unido  e  Finlândia,  sendo 

9 Conforme as palavras‐chave apresentadas em seus registros. 

266
que  os  mesmos  enfocam  os  temas  de  GT  e  GI  de  uma  forma  ampla, 
porém  ha  uma  tendência  para  pesquisas  envolvendo 
desenvolvimento  de  novos  produtos  e  de  projetos.  É  importante 
destacar  que  essa  área  não  possui  redes  consolidadas  de 
pesquisadores.  Desses  apresentados  no  quadro  acima,  apenas  os 
pesquisadores da Finlândia e Reino Unido trabalham em conjunto, de 
forma endógena. 
Os periódicos que se destacam em publicações sobre essa temática 
(gráfico 3) tem escopo ligado a administração, gestão da tecnologia e 
inovação,  engenharia  e  P&D.  É  notável  nesse  resultado  a  lei  de 
Bradford, que permite estimar o grau de relevância de periódicos em 
dada  área  do  conhecimento:  os  periódicos  que  produzem  o  maior 
número  de  artigos  sobre  GT  e  GI  formam  um  núcleo  de  periódicos, 
supostamente  de  maior  qualidade  ou  relevância  para  a  área 
(GUEDES; BORSCHIVER, 2005). 
 

 
 
Gráfico 3 – Periódicos com maior número de publicações sobre GT e GI: top 15. 
 
Há uma relação direta dos principais periódicos em GT e GI e os 
países  que  mais  publicam  sobre  o  tema.  Desses  quinze  periódicos,  o 
Research  Policy  é  o  que  apresenta  o  registro  mais  antigo  datado  de 
1979, retratando que a preocupação com a inovação e a tecnologia não 
é assunto tão recente como se poderia inferir. 

267
5. Conclusão 
 
A  afirmação  sobre  a  relação  das  grandes  nações  desenvolvidas  e 
suas atividades de incentivo a Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, 
fica  ilustrada  com  este  estudo.  Nota‐se  que  os  principais  países, 
instituições e autores com publicações em gestão tecnológica e gestão 
da  inovação,  estão  presentes  em  regiões  desenvolvidas,  do  chamado 
primeiro mundo.  
Estes  resultados  servem  para  mostrar  que  há  uma  preocupação 
crescente  das  grandes  nações  em  melhorar  suas  práticas  e  incentivar 
as pesquisas sobre a área. No entanto este não é um fato recente, uma 
vez  que  foram  encontrados  registros  de  1968  com  foco  nessa  gestão 
específica. 
Apesar de ser importante para o avanço das economias mundiais, 
há  que  se  preocupar  também  com  o  lado  social  e  ambiental  desse 
desenvolvimento.  Um  mercado  altamente  globalizado  e  exigente 
busca por novos produtos, novas tecnologias e os países – em especial 
os  desenvolvidos  –  buscam  atender  a  essa  demanda.  A  questão  que 
surge em meio a esse cenário é: há uma preocupação dos gestores de 
Tecnologia  e  Inovação  para  com  o  desenvolvimento  sustentável  da 
sociedade? Nota‐se que poucos registros (9) apresentados tratavam de 
temas relacionados exclusivamente a essa visão.  
Uma  vez  que  os  resultados  apresentados  se  referem  à  visão  de 
mundo da WOS, sugere‐se que novas pesquisas sejam realizadas para 
tratarem  do  mesmo  enfoque  deste  trabalho,  mas  com  um  olhar  mais 
regionalizado  (Brasil,  ou  América  Latina  e  Caribe)  para  posteriores 
comparações.  Igualmente,  é  de  suma  importância  que  investigações 
sobre  a  ligação  dessas  formas  de  gestão  e  um  desenvolvimento 
sustentável  sejam  incentivadas,  haja  vista  que  as  mudanças  oriundas 
da  tecnologia  e  inovação  no  mundo  atual  terão  suas  conseqüências 
percebidas, mais que agora, nas próximas gerações. 
Assim, espera‐se que esse exercício sirva de direcionamento para 
novas pesquisas no tema abordado e sirva também para incentivar a 
reflexão sobre o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico e 
suas conseqüências na vida das futuras gerações. 
 

268
Referências  
 
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269
OS SIGNIFICADOS DO TERMO CONHECIMENTO 
TRADICIONAL NO QUADRO REGULATÓRIO INTERNACIONAL 
 
Maria Raquel da Cruz Duran1 
Camila Carneiro Dias Rigolin [Orientadora]2 
 
 
Introdução 
 
“Todas essas criaturas – todas – a que chamas animadas, 
como aquelas a que negas a vida, sem razão melhor do 
que a de não as veres em ação – todas essas criaturas 
têm, em grau maior ou menor, capacidade para o prazer 
e a dor; mas a soma geral de suas sensações é, 
precisamente aquele total de felicidade que pertence de 
direito ao ser divino, quando concentrado em si mesmo”  
E. A. Poe 
 
Falar  acerca  do  sentido  do  termo  conhecimento  tradicional  na 
esfera  da  regulação  internacional  propicia  inúmeras  escolhas  de 
tratamento da análise, ou seja, de como abordar este conceito amplo e 
ainda  em  construção,  tendo  em  vista  a  sua  colocação  na  pauta 
regulatória  internacional.  O  tema  nos  coloca  um  leque  de  opções 
principalmente  pela  sua  essência  abrangente,  e  controversa.  Desta 
forma, nos propomos a traçar um panorama, em caráter exploratório, 
das  diferentes  abordagens,  tratamentos  e  proposta  de  regulação  do 
acesso e proteção do conhecimento tradicional no quadro regulatório 
mundial. 
Para tal, desenvolveremos o seguinte caminho: na segunda seção 
discutiremos  o  que  é  conhecimento  tradicional  –  e  dentro  disso  as 
implicações  que  as  palavras  que  lhe  são  associadas  envolvem,  por 

                                                            

1  Mestranda  no  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e 


Sociedade (PPGCTS) – UFSCar/SP. E‐mail: clavedera@yahoo.com.br 
2 Professora Doutora no Programa de Pós‐Graduação em Ciência, Tecnologia 

e Sociedade (PPGCTS) – UFSCar/SP. E‐mail:camilacarneiro.dias@gmail.com 

  271
exemplo:  local,  alternativo,  sustentável  ‐,  qual  a  diferença  entre  (a) 
conhecimento  tradicional  e  conhecimento  tradicional  associado  à 
biodiversidade,  e  (b)  conhecimento  tradicional  e  conhecimento 
científico, e as controvérsias e disputas de interesses que permeiam a 
construção de tais significados. 
Na  terceira  seção,  discutiremos  a  relação  entre  conhecimento 
tradicional e meio ambiente, mais especificamente a biodiversidade e a 
manipulação  de  recursos  genéticos,  setor  no  qual  as  querelas  têm 
agregado significados outros à este termo, como por exemplo a relação 
entre  conhecimento  tradicional    de  desenvolvimento  sustentável  e  as 
possibilidades  de  proteção  desta  forma  de  conhecimento  através  dos 
dispositivos de propriedade intelectual. Na quarta parte, abordaremos 
os  diálogos  estabelecidos  entre  o  conhecimento  tradicional  e  as 
legislações,  focando  os  posicionamentos  do  Brasil,  enquanto  país 
megabiodiverso,  em  contato  com  as  legislações  tanto  de  um  grupo  de 
países  em  situação  semelhante,  como  é  o  caso  da  Índia,  quanto  de 
grupos de países com divergências significativas, tendo como exemplo 
mais representativo os Estados Unidos.  
Além  disso,  nos  propomos  a  refletir  acerca  das  alternativas  ao 
atual quadro regulatório , atentando principalmente para as propostas 
de  uma  regulação  pautada  no  direito  coletivo,  sui  generis,  em 
proximidade  com  a  cosmovisão  das  populações  produtoras  e 
portadoras  do  conhecimento  tradicional.  Na  quinta  e  última  seção, 
associaremos o conhecimento tradicional aos principais atores que têm 
ventilado  o  tema  na  atualidade,  entre  eles  as  organizações  não 
governamentais, os institutos de pesquisa e universidades brasileiras, a 
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 
(UNESCO), a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), 
o  Instituto  Nacional  da  Propriedade  Industrial  (INPI),  o  Instituto  do 
Patrimônio  Histórico  e  Artístico  Nacional  (IPHAN),  os  Ministérios  da 
Cultura, do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia, entre outros.  
 
Conhecimento Tradicional: construindo e desconstruindo sentidos  
 
O que é conhecimento tradicional? Por que o ligamos, por vezes, 
às palavras local, alternativo, sustentável e quais as implicações disso? 

272  
Qual  a  diferença  entre  o  que  entendemos  por  conhecimento 
tradicional  e  conhecimento  tradicional  associado?  Ou  entre 
conhecimento  tradicional  e  conhecimento  científico?  Estas  são 
algumas  das  perguntas  correntes  sobre  o  termo  em  discussão  aqui 
disposto. Este tópico apresenta um mapeamento destas questões.  
Antes  de  chegarmos  à  análise  do  conhecimento  tradicional, 
devemos  observar  por  que  é  tratado  como  conhecimento.  Foucault, 
em concordância com Nietzsche, dizia que o conhecimento enquanto 
conceito  é  fruto  de  uma  construção  histórica,  algo  fabricado  num 
contexto  temporal  e  espacial  específico  e  que,  portanto,  seria  uma 
invenção  do  homem  (FOUCAULT,  2003  apud  AMANAJÁS,  2006, 
p.195).  
 Na  civilização  ocidental,  no  período  das  grandes  descobertas 
(por volta dos séculos XV e XVI) o contato com outras formas sociais e 
culturais  expandiu‐se.  Em  comparação  com  outras  formas  de 
conhecimento,  ao  longo  de  séculos  de  relações  entre  culturas  e 
sociedades diversas, a criação de uma separação conceitual entre dois 
padrões  centrais  de  conhecimento  foi  promovida:  o  científico  e  o 
tradicional.   
De  forma  que  “[...]  Para  os  conhecimentos  científicos,  o  modelo  é 
linear, ou seja, estabelece que toda causa tem um efeito e assim se consuma. Já 
no  caso  dos  conhecimentos  tradicionais,  o modelo  é  caracterizado por  ciclos, 
ou seja, a causa é simultaneamente o efeito e vice‐versa e, além disso, é preciso 
que no efeito haja uma autoprodução para que a circularidade se mantenha” 
(PINHEIRO; BARROS; BARBOSA & SOUZA, 2006, p.222) 
Observado  de  outra  forma,  poderíamos  dizer  que  o 
conhecimento  científico  visualiza  o  mundo  como  um  todo  mecânico, 
em  que  a  análise  das  partes  deste  todo  possibilita  a  compreensão  do 
conjunto que as integra, tendo como intenção dominar e transformar o 
mundo  por  meio  do  entendimento  dele  (SANTOS,  1996).  Por  outro 
lado,  no  conhecimento  tradicional  não  há  separação  entre  parte  e 
todo,  enfim,  a  lógica  formadora  deste  sistema  de  saber  é  totalmente 
diferente, pois tudo está integrado. 
 
De manera opuesta a la construcción moderna de la naturaleza com sus 
estrictas  separaciones  entre  lo  biofísico  y  los  mundos  humanos  y 

  273
supranaturales, comúnmente se aprecia – como muchos antropólogos lo 
han mostrado – que los modelos locales em contextos no occidentales a 
menudo  establecen  vínculos  de  continuidad  entre  estos  três  âmbitos. 
Talvez  uno  de  los  aspectos  mejor  establecidos  actualmente  em  los 
modelos culturales de la naturaleza de muchas sociedades es que no se 
basan en uma dícotomia naturaleza‐sociedad (o cultura). 
Los modelos particulares en las culturas amazônicas incluyen a los seres 
humanos y seres de La naturaleza em uma misma dimensión em donde 
mantienen relaciones de intercambio y reciprocidad. Como há mostrado 
Descola (2002), los seres que nosotros llamamos naturales como plantas 
y  animales  están  dotados  de  atributos  idênticos  a  los  de  los  humanos, 
“poseen  un  alma”,  se  lês  atribuyen  comportamientos  morales,  son 
capaces  de  experimentar  emociones  y  pueden  intercambiar  mensajes 
com sus pares, es decir, el hombre y las otras espécies. La naturaleza es 
El objeto de uma relación social que a menudo es expresada a través del 
lenguaje del parentesco [...] (BOLÍVAR, 2006, p. 90/1) 
 
Sendo o conhecimento parte do patrimônio de uma sociedade, à 
medida  que  organiza  as  bases  da  sociedade  da  qual  emerge, 
percebemos  uma  desvalorização  do  conhecimento  tradicional  e  uma 
valorização do conhecimento científico. Percebemos com isso, que não 
é o conhecimento o foco das críticas ou elogios “[...] e sim o detentor, a 
comunidade local que é desvalorizada no processo de apropriação desse saber 
em  sua  sistematização  pelo  método  científico  (...).  Desqualificá‐lo  desta 
maneira é, também, desqualificar a fonte e não o conhecimento em si, para que 
este  ganhe  o  ar  de  senso  comum  e  com  isso  possibilite  a  apropriação  e  a 
espoliação das sociedades tradicionais” (PINHEIRO; BARROS; BARBOSA 
& SOUZA, 2006, p. 245) 
No entanto, há quem diga que os conhecimentos tradicionais e os 
conhecimentos científicos não correspondem a lógicas diferentes, mas 
sim  níveis  de  aplicação  distintos,  premissas  diferentes  sobre  o  que 
existe no mundo: 
 
Em  O  pensamento  selvagem  (1962)  Lévi‐Strauss  defende  que  saber 
tradicional  e  conhecimento  científico  repousam  ambos  sobre  as  mesmas 
operações  lógicas  e,  mais,  respondem  ao  mesmo  apetite  de  saber.  Onde 
residem  então  as  diferenças  patentes  em  seus  resultados?  As  diferenças, 
afirma  Lévi‐Strauss,  provêm  dos  níveis  estratégicos  distintos  a  que  se 

274  
aplicam.  O  conhecimento  tradicional  opera  com  unidades  perceptuais,  o 
que  Goethe  defendia  contra  o  iluminismo  vitorioso.  Opera  com  as  assim 
chamadas qualidades segundas, coisas como cheiros, cores, sabores... No 
conhecimento  científico,  em  contraste,  acabaram  por  imperar 
definitivamente unidades conceituais. A ciência moderna hegemônica usa 
conceitos, a ciência tradicional usa percepções (CUNHA, 2009, p. 303)  
 
Após  esta  breve  contextualização  do  conhecimento  visto  como 
uma  invenção  histórica  construída  num  tempo  e  espaço  específicos, 
sendo ele tradicional ou científico, e da caracterização de ambos pela 
comparação, podemos afirmar que: 
 
[...] os conhecimentos tradicionais estão para o cientifico como religiões 
locais  para  as  universais.  O  conhecimento  científico  se  afirma,  por 
definição,  como  verdade  absoluta,  até  que  outro  paradigma  o  venha  a 
sobrepujar,  como  mostrou  Thomas  Kuhn.  Essa  universalidade  do 
conhecimento  científico  não  se  aplica  aos  saberes  tradicionais  –  muito 
mais  tolerantes  ‐,  que  acolhem  freqüentemente  com  igual  confiança  ou 
ceticismo  explicações  divergentes,  cuja  validade  entendem  seja 
puramente local. “Pode ser que, na sua terra, as pedras não tenham vida. 
Aqui elas crescem e estão portanto vivas” (CUNHA, 2009, p. 301)  
 
Destarte, o conhecimento tradicional é entendido como um “[...] 
conhecimento  desenvolvido  e  acumulado  por  diversos  povos  e 
comunidades,  tanto  indígenas,  como  quilombolas,  seringueiros, 
ribeirinhos,  pescadores  [...]”  (WANDSCHEER,  2004,  p.  19),  ou  como 
“[...] o conhecimento, inovações e práticas das populações indígenas e 
comunidades  locais  contidos  em  estilos  de  vida  tradicional”,  assim 
como “as tecnologias pertencentes a estas comunidades” (CDB, 1992).  
É  considerado  tradicional  pela  forma  como  é  transmitido  e 
utilizado pelos povos que o produzem, e que lhe injetam significado, é 
assim chamado também por sua particularidade de ser construído na 
estreita relação tanto entre homens e natureza, quanto entre gerações 
e, portanto, dessemelhante à forma como é produzido o conhecimento 
científico.  
 
Dentro deste enfoque socioambiental, é fundamental ressaltar que povos 
tradicionais  não  são  sinônimos  de  populações  atrasadas.  Esses  povos, 

  275
por  desenvolverem  uma  relação  de  conservadorismo  com  a  natureza, 
são  vistos  por  muitos  como  uma  antecipação  da  sociedade  do  próximo 
século, pois se o homem não se tornar um conservacionista, colocará em 
risco  a  sua  própria  vida.  (PINHEIRO;  BARROS;  BARBOSA  & 
SOUZA, 2006, p. 213)  
 
Em meio aos diversos sentidos que alimentam a constituição do 
conhecimento  tradicional,  destacam‐se  dois  esquemas  principais  de 
interpretação.  No  primeiro,  o  conhecimento  tradicional  é  entendido 
como uma forma de saber que se presta à mercantilização e ao manejo 
técnico  sustentável  da  natureza.  No  segundo,  é  identificado  como 
manifestação de um sistema de conhecimento e de formação política e 
identitária  de  um  povo.  Para  cada  interpretação,  vincula‐se  um 
diferente entendimento a respeito das formas ideais de proteção legal 
desta  forma  de  conhecimento.  Pode‐se  dizer,  grosso  modo,  que  a 
primeira  interpretação  corresponde  aos  dispositivos  de  proteção  da 
propriedade  intelectual,  enquanto  a  segunda  relaciona‐se  à  noção  de 
salvaguarda  do  patrimônio  cultural.  Ambas  são  utilizadas  de  forma 
adaptativa,  conforme  os  interesses  dos  atores  que  compõe  o  tema 
(Dias Rigolin, 2009). 
De  acordo  com  a  Medida  Provisória  Nº  2.186  –  16,  de  23  de 
agosto de 2001, o conhecimento tradicional pode ser entendido como 
algo associado à genética, desenvolvido por comunidade indígena ou 
local. Já para CUNHA (2002) é a junção entre a cultura e a distribuição 
geográfica de um povo que propiciam a produção do que chamamos 
conhecimento  tradicional.  Na  concepção  do  Instituto  Indígena 
Brasileiro  para  Propriedade  Intelectual  (INBRAPI),  conhecimento 
tradicional  é  um  conhecimento  holístico,  coletivo,  cosmológico  e 
inventivo,  e para  o  Instituto  Brasileiro de  Meio  Ambiente  e Recursos 
Naturais  Renováveis  (IBAMA),  população  tradicional  é  uma 
comunidade  cuja  subsistência  está  pautada  no  extrativismo  de  bens 
naturais  renováveis,  prática  culturalmente  constituída  (PINHEIRO; 
BARROS; BARBOSA & SOUZA, 2006, p. 212/3) 
Na Convenção 169, que tem como finalidade versar sobre povos 
indígenas e tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a 
utilização  da  palavra  povos  contribui  para  outro  campo  de  batalha 

276  
envolvendo o conhecimento tradicional, o dos direitos dos povos: por 
seu reconhecimento e por justiça social (Idem, p. 213). 
Todavia,  as  visões  do  conhecimento  tradicional  anteriormente 
referidas,  atestam  não  apenas  a  polaridade  entre  dois  discursos 
diferentes  –  o  utilitarista  e  o  não‐utilitarista  –  bem  como  para  a 
distorção  de  um  pelo  outro  ou  a  imprecisão  que  um  demonstra  no 
outro. Assim sendo: 
 
Vale  salientar  que  quando  se  fala  em  Proteção  aos  Conhecimentos 
Tradicionais  busca‐se  sempre  compartimentalizá‐lo,  por  exemplo,  em 
relação  à  discussão  sobre  Proteção  e  Acesso  aos  Conhecimentos 
Tradicionais  Associados.  O  que  existe  subentendido  nesta  iniciativa,  é 
um  fator  de  intenção  excludente,  pois  esta  proteção  não  abrange  os 
demais conhecimentos tradicionais, mas somente aqueles associados aos 
recursos  genéticos.  Então,  permanece  a  pergunta:  a  quem  interessa  os 
recursos genéticos? Às feirantes do Ver‐o‐Peso, às mulheres andirobeiras 
do  Marajó  ou  à  bioindústria  farmacêutica?  (PINHEIRO;  BARROS; 
BARBOSA & SOUZA, 2006, p. 41)  
 
O  conhecimento  desenvolvido  pelos  povos  tradicionais  engloba 
inúmeros  setores:  músicas,  danças,  lendas,  pinturas,  artesanato  em 
geral,  formas  de  lidar  com  a  natureza  que  ultrapassam  àquelas 
referentes  apenas  aos  saberes  genéticos,  aproveitados  pelo  discurso 
utilitarista  (SANTILLI,  2005).  Nesta  lógica  de  apropriação 
mercadológica do conhecimento tradicional, este está limitado ao que 
chamamos  de  conhecimento  tradicional  associado  à  biodiversidade. 
De  maneira  que  ao  abrir‐se  mão  da  biodiversidade  em  prol  do  lucro 
de  exportação  da  matéria  prima,  este  lucro  não  é  grande,  mas  sim 
pequeno,  por  conta  da  baixa  tecnologia  presente  no  produto.  Então, 
por que continuar, sendo que por vezes o recurso natural fica escasso 
até  mesmo  para  a  própria  comunidade  tradicional  que  o  utilizou  há 
anos? 
 
O  emprego  do  termo  “populações  tradicionais”  é  propositalmente 
abrangente.  Contudo,  essa  abrangência  não  deve  ser  tomada  por 
confusão conceitual. 
Definir  as  populações  tradicionais  pela  adesão  à  tradição  seria 
contraditório  com  os  conhecimentos  antropológicos  atuais.  Defini‐las 

  277
como populações que têm baixo impacto sobre o ambiente, para depois 
afirmar que são ecologicamente sustentáveis, seria mera tautologia. Se as 
definirmos  como  populações  que  estão  fora  da  esfera  do mercado, será 
difícil encontrá‐las hoje em dia. (CUNHA, 2009, p. 278) 
 
Além dos variados problemas que algumas palavras trazem, nas 
ligações  entre  elas  e  o  conhecimento  tradicional,  há  também  a 
dificuldade de colocá‐lo m um lugar de atuação: 
 
La  difícil  decisión  de  reconocer  el  saber  tradicional,  bien  como 
medicinas,  bien  como  sistemas  médicos  o  bien  como  ciências,  há  sido 
mediada  em  los  últimos  años  por  um  término  más  amplio  y  em 
principio  menos  comprometedor:  conocimientos  tradicionales.  Supone 
que  lãs  sociedades  tradicionales  han  adquirido  conocimientos 
relacionados  con  la  supervivência,  los  modos  de  producción,  las 
expresiones  artísticas  y  técnicas  que  se  utilice  em  la  vida  cotidiana; 
Sánchez y cols.(2001) sugieren uma primeira aproximación:  
Uma  aproximación  conceptual  al  conocimiento  tradicional  constituye 
um  reto  difícil,  abarca  um  extenso  campo,  a  veces  ambíguo...  En  la 
literatura  antropológica  como  conocimiento  tradicional  se  há  asignado 
secularmente el correspondiente a las sociedades ágrafas, em las que los 
conocimientos  se  transmitem  de  maneira  oral,  en  oposición  a  las 
sociedades  que  poseen  la  escritura  (SANCHEZ;  PARDO;  FLORES; 
FERREIRA, 2001) (VIEIRA, 2006, p. 167)  
 
Os  equívocos  partem  de  dúvidas  em  relação  à  aproximação 
verdadeira  do  “bom  selvagem  ecológico”  com  as  preocupações 
ocidentais com o meio ambiente, ou seja, seu grau de compromisso com 
a  conservação  da  natureza.  Outro  engano  é  afirmar  que  as  “[...] 
organizações  não  governamentais  e  as  ideologias  “estrangeiras”  são 
responsáveis pela nova conexão entre a conservação da biodiversidade 
e os povos tradicionais” (ALMEIDA; CUNHA, 2009, p. 277). 
O  assunto  está  posto  inclusive  na  forma  de  lidar  com  os  povos 
onde  estes  conhecimentos  tradicionais  são  produzidos.  Iniciativas  de 
resgate  dos  patrimônios  imateriais  indígenas,  questionamento  da 
autenticidade  destes  saberes  coletivos  perante  o  seu  comportamento 
de  produção  de  objetos  culturais  para  o  mercado  (CUNHA,  2009,  p. 
260),  tudo  isso  está  presente  na  conceituação  deste  termo,  que  “[...] 

278  
marca  muito  mais  uma  posição  política  do  que,  de  fato,  uma  disposição  de 
separação na prática, como se tem comprovado no cotidiano dos inventários”. 
(BELAS, 2006, p. 271)  
Portanto,  podemos  concluir  que,  no  contorno  das  definições 
acerca  do  conhecimento  tradicional  há  mais  indefinições  do  que 
definições, e que estas não são meramente problemas conceituais. No 
confronto entre atores de diferentes lados e atores de um mesmo lado, 
–  entre  os  quais  poderíamos  citar  os  países  megabiodiversos3,  os 
países do G84, as populações tradicionais, a UNESCO, a CDB, diversas 
organizações  não  governamentais  como,  por  exemplo,  o  Instituto 
Socioambiental  e  a  Amazonlink,  as  indústrias  farmacêuticas, 
agropecuárias etc – o que é preponderante, na manutenção, criação e 
efetivação  de  legislações,  é  o  voto  da  maioria,  e  sendo  seus 
componentes dissonantes, as definições não chegam a ser consensuais. 
Para finalizar esta seção, ressaltamos que o Brasil se encontra na 
dubiedade  de  posicionamento,  entre  relações  amigáveis  com  as 
potências  comerciais  e  a  busca  pelos  direitos  de  seu  patrimônio 
material  e  imaterial,  enquanto  nação  soberana.  O  Artigo  9º,  inciso  II 
do Anteprojeto de lei de Acesso ao material genético e seus produtos 
marca  bem  esta  dubiedade  em  sua  definição  de  conhecimentos 
tradicionais associados: 
 
Conhecimentos tradicionais associados: Todo o conhecimento, inovação 
ou prática individual coletiva dos povos indígenas, comunidades locais 
e  quilombolas  associados  às  propriedades,  usos  e  características  da 
diversidade  biológica,  dentro  de  contextos  culturais  que  podem  ser 
identificados  como  indígenas,  locais  ou  quilombolas,  ainda  que 
disponibilizados  fora  desses  contextos,  tais  como  em  banco  de  dados, 
inventários culturais, publicações e no comércio (BELAS, 2006, p. 273)  
 

                                                            
3  “A  saber,  Brasil,  China,  Cuba,  Índia,  Paquistão,  Peru,  Tailândia,  Tanzânia, 
Equador, África do Sul e, desde junho de 2007, Venezuela, o grupo africano 
e o grupo dos países menos desenvolvidos” (CUNHA, 2009, p.308) 
4 O G8 é composto pelos seguintes países: Estados Unidos, Japão, Alemanha, 

Canadá, França, Itália, Reino Unido e Rússia. 

  279
Esta  definição  encerra  as  discussões  apresentadas  sobre  os 
sentidos que o termo conhecimento tradicional abarca, bem como suas 
incongruências.  Nela  podemos  observar  não  apenas  o  tratamento 
generalizante  dos  saberes  em  foco,  como  também  a  polaridade  entre 
tratar  os  conhecimentos  tradicionais  como  uma  noção  de 
complementaridade  entre  o  material  e  o  imaterial,  ao  mesmo  tempo 
em  que  a  diferencia.  O  fato  é  que,  ao  possibilitar  interpretações 
abrangentes causa uma imprecisão e indefinição não apenas do termo, 
mas também dos sujeitos políticos que a integram. 
 
Do que vimos, já podemos dar alguns passos nessa direção e afirmar que 
populações  tradicionais  são  grupos  que  conquistaram  ou  estão  lutando 
para  conquista  (prática  e  simbolicamente)  uma  identidade  pública 
conservacionista que inclui algumas das seguintes características: uso de 
técnicas ambientais de baixo impacto, formas equitativas de organização 
social, presença de instituições com legitimidade para fazer cumprir suas 
leis,  liderança  local  e,  por  fim,  traços  culturais  que  são  seletivamente 
reafirmados  e  reelaborados.  [...]  Deve  estar  claro  agora  que  a  categoria 
de “populações tradicionais” é ocupada por sujeitos políticos que estão 
dispostos  a  conferir‐lhe  substância,  isto  é,  que  estão  dispostos  a 
constituir  um  pacto:  comprometer‐se  a  uma  série  de  práticas 
conservacionistas,  em  troca  de  algum  tipo  de  benefício  e  sobretudo  de 
direitos  territoriais.  Nessa  perspectiva,  mesmo  aquelas  sociedades  que 
são  culturalmente  conservacionistas  são,  não  obstante  e  em  certo 
sentido, neotradicionais e neoconservacionistas” (CUNHA, 2009, p. 300) 
 
Conhecimento Tradicional e Biodiversidade: perspectivas  
 
Nesta  seção  discutiremos  a  relação  entre  conhecimento 
tradicional e meio ambiente, mais especificamente a biodiversidade e 
a  manipulação  de  recursos  genéticos,  setor  no  qual  as  querelas  têm 
agregado  significados  outros  à  este  termo,  como  por  exemplo  o  de 
desenvolvimento sustentável e de propriedade intelectual. 
Quando  se  fala  em  biodiversidade,  um  dos  principais  eixos  de 
discussão  é  a  Floresta  Amazônica.  É  uma  floresta  tropical situada  na 
região  norte  da América  do  Sul  nos  seguintes  países  Brasil,  Bolívia, 
Peru,  Equador,  Colômbia,  Venezuela,  Guiana,  Suriname  e  Guiana 

280  
Francesa.  Possui  cinco  milhões  de  quilômetros  quadrados,  dos  quais 
42% deles no território brasileiro5.  
A  floresta  Amazônia  também  concentra  99%  da  área  total  das 
terras  indígenas,  –  o  que  significa  aproximadamente  30%  de  sua 
extensão  ‐  população  que  está  prevista  entre  450  e  700  mil  pessoas, 
divididas  em  230  sociedades  e  195  línguas.  “Os  índios  têm  direito 
constitucional  a  quase  12%  do  território  brasileiro,  com  terras  distribuídas 
em  574  áreas  diferentes  e  abrangendo  20%  da  Amazônia  brasileira.  As 
unidades  de  conservação  ambiental  de  uso  direto,  ou  seja,  aquelas  onde  é 
permitida  a  presença  humana,  cobrem  outros  8,4%  da  região.  Somadas,  as 
áreas indígenas e as áreas de conservação de uso direto, chegam a 28,4% da 
Amazônia” (CUNHA, 2009, p. 286). 
Isto  posto,  podemos  asseverar  que  a  diversidade  biológica  e 
sociocultural  estão  presentes  na  fundamentação  do  conhecimento 
tradicional,  bem  como  nas  discussões  que  o  contextualizam  como 
conceito‐chave  apropriado  por  alguns  discursos  ocidentais 
contemporâneos, entre eles o de desenvolvimento sustentável. 
 
O  Desenvolvimento  Sustentável  não  visa,  como  é  corrente  no 
pensamento  ambientalista,  “negar  fenômenos  antagônicos  dentro  de 
uma síntese hegeliana, mas fazer o desenvolvimento econômico aparecer 
como  necessário,  por  meio  da  sua  combinação  com  o  supremo  valor 
reconhecido  do  meio  ambiente.  Desse  ângulo,  o  desenvolvimento 
sustentável aparece como uma operação de encobrimento. Ele acalma os 
medos  provocados  pelos  efeitos  indesejáveis  do  desenvolvimento 
econômico”. Segundo a idéia de sustentabilidade produzida “o que deve 
ser  sustentado  é  o  desenvolvimento,  e  não  a  capacidade  (de  tolerância) 
dos  ecossistemas  das  sociedades  humanas  (RIST,  1997)  (FERNADES; 
MARÍN, 2006, p. 143) 
 
Neste  ínterim,  concluímos  que  este  rumo  traçado  pela 
“mercadoria verde” pode não ser o mesmo desejado pelas sociedades 
tradicionais.  Tal  caráter  ambivalente  está  situado  tanto  em 

                                                            
5   Disponível  em:  <http://pt.wikipedia.org/wiki/Floresta_Amazonica> 
Acessado em 20 de outubro de 2010. 

  281
documentos  “a  favor”  da  biodiversidade,  quanto  “contra”  ela.  A 
Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) demonstra bem esta 
dualidade: por um lado defende o trabalho desenvolvido pelos povos 
tradicionais  de  conservação  da  biodiversidade,  contudo  reafirma  a 
propriedade  intelectual  como  sistema  regulador  da  repartição  de 
benefícios  e  valorização  do  conhecimento  tradicional,  mesmo  tendo 
consciência do quão dispares são os direitos coletivos dos individuais 
e as normas que os representam.  Destarte, 
 
As  populações  indígenas  e  tradicionais  em  geral  (entendam‐se 
ribeirinhos,  caiçaras,  seringueiros  e  extrativistas,  por  exemplo)  estão 
para  o  Brasil  como  o  Brasil  está  para  os  países  do  G8,  os  países  mais 
completamente  industrializados.  Ou  seja,  enquanto  o  Brasil  protesta, 
com razão contra a biopirataria – acesso indevido a recursos genéticos e 
ao  conhecimento  tradicional  ‐,  enquanto  ele  arregimenta  as  populações 
tradicionais  para  serem  vigilantes  contra  os  biopiratas,  estas,  por  sua 
vez,  depois  de  serem  por  cinco  séculos  desfavorecidas,  não  percebem 
grande  diferença  entre  a  biopirataria  por  estrangeiros  e  o  que 
consideram  biopirataria  genuinamente  nacional.  Estamos  (mal‐
)habituados  em  nosso  colonialismo  interno  a  tratar  os  índios  e 
seringueiros no Brasil como “nossos índios”, “nossos seringueiros”, sem 
nos darmos conta de que isso é um indício de que os consideramos como 
um patrimônio interno, comum a todos os brasileiros (exatamente aquilo 
contra  o  que  protestávamos  quando  nossos  recursos  eram  ventilados 
como “patrimônio da humanidade”) (CUNHA, 2009, p. 308/9)  
 
Na  Carta  de  São  Luís  do  Maranhão,  escrita  em  2001  por  alguns 
representantes  indígenas,  há  um  protesto  onde  se  afirma  que  o 
conhecimento  coletivo  não  é  mercadoria,  e  que,  portanto,  não  estão 
separados  de  suas  identidades,  valores  e  atitudes.  A  valorização  ou 
não  do  conhecimento  tradicional  dispõe  não  apenas  da  utilização 
deste  conhecimento  para  produção  de  mercadorias,  mas  também 
constitui  o  próprio  local  onde  habita  a  cosmovisão  destes  povos 
(SANTOS, 1996). Portanto, em tais pretensões é recomendado que   
 
[...] as populações indígenas e as comunidades tradicionais reconheçam‐
se como capital humano, que ressignifiquem seu patrimônio de recursos 
naturais  e  culturais  (sua  biodiversidade)  como  um  capital  natural  e 

282  
aceitem  uma  compensação  negociada  pelo  dano  ou  pela  cessão  de  seu 
patrimônio  de recursos  naturais  e  genéticos  às empresas  transnacionais 
de biotecnologia. Estas seriam as instâncias encarregadas de administrar 
racionalmente  os  bens  comuns  da  humanidade  em  benefício  do 
equilíbrio  ecológico  e  de  garantir  a  distribuição  equitativa  de  seus 
benefícios,  de  lograr  o  bem‐estar  da  sociedade  atual  e  o  das  gerações 
futuras. Da desvalorização dos custos ambientais passa‐se à legitimação 
da  capitalização  do  mundo  como  forma  abstrata  e  generalizada  das 
relações sociais” (Grifos da autora, CUNHA, 2009, p. 48)  
 
Então  qual  seria  a  melhor  forma  de  solucionar  este  impasse?  A 
resposta a esta questão ainda não foi construída e as diferentes visões 
dos  distintos  atores  que  compõem  os  quadros  nacionais  e 
internacionais  de  proteção  aos  conhecimentos  tradicionais  são 
apresentadas e discutidas, na sessão seguinte. 
 
Conhecimento  tradicional  e  atores  políticos:  os  quadros  nacional  e 
internacional 
 
Nesta  parte,  como  já  foi  dito,  abordaremos  os  diálogos 
estabelecidos  entre  o  conhecimento  tradicional  e  as  legislações, 
focando os posicionamentos do Brasil, enquanto país megabiodiverso, 
em  contato  com  as  legislações  tanto  de  um  grupo  de  países  em 
situação  semelhante,  como  é  o  caso  da  Índia,  quanto  de  grupos  de 
países com divergências significativas, tendo como exemplo maior os 
Estados  Unidos.  Além  disso,  nos  propomos  a  refletir  acerca  das 
alternativas  à  este  modelo  de  sistema  regulatório  imperante, 
atentando  principalmente  para  as  propostas  de  uma  regulação 
pautada  no  direito  coletivo,  sui  generis,  em  proximidade  com  a 
cosmovisão das populações possuidoras do conhecimento tradicional. 
Traçando  um  panorama  acerca  das  legislações  referentes  aos 
povos indígenas no Brasil pode‐se assegurar que, os direitos indígenas 
nunca  ganharam  a  atenção  que  mereciam  até  o  final  da  década  de 
1970.  Nas  Constituições  de  1934,  1937,  1946,  1967  e  1969,  as  terras 
indígenas eram de propriedade da União, não podendo ser vendidas 
nem  alienadas,  sendo  que  seu  usufruto  era  exclusivo  dos  povos 
indígenas que a habitavam. 

  283
Entretanto, em 1916 os povos indígenas e os indivíduos entre 16 e 
21  anos  foram  definidos  como  “relativamente  capazes”,  passíveis  de 
tutela  e  proteção  especial  jurídica,  não  podendo  responder  por  seus 
atos.  Tal  iniciativa,  embora  degradante,  foi  importante  para  a 
manutenção  das  terras  indígenas,  pois  a  justiça  poderia  questionar 
qualquer  negócio  feito  em  prejuízo  de  indígenas  e  sem  assistência 
jurídica devida.   
Com  a  emancipação  dos  índios  aculturados,  efetuada  por  um 
ministro em 1978, a distribuição de títulos individuais de propriedade 
a eles, tornaram as terras indígenas comerciáveis, o que ocasionou três 
décadas  de  liquidação  de  suas  terras  –  bem  como  nas  leis  de  1850  e 
1854,  evidenciando  o  longo  processo  histórico  brasileiro  de 
desrespeito aos povos indígenas e suas terras (CUNHA, 2009, p. 280) 
Finalmente,  no  Código  Civil  de  1988  a  terra  indígena  recebe 
definição,  abrangendo  tanto  os  espaços  de  habitação  e  as  áreas 
cultivadas quanto o território de preservação dos recursos ambientais 
necessários  a  seu  bem‐estar,  reprodução  física  e  cultural.  Além  deste 
tratamento  inédito  dos  direitos  indígenas,  o  artigo  236  tem  a  virtude 
de  reconhecer  seus  direitos  pelas  suas  raízes  históricas,  e  não  como 
passíveis  de  tutela  ou  em  estágios  culturais  inferiores,  há  uma 
personalidade indígena sendo comprovada legalmente. (Idem, p. 283)  
No artigo 7º, inciso III, da Medida Provisória nº 2.186‐16/2001, a 
utilização  do  conhecimento  tradicional  associado  aos  recursos 
genéticos  está  regulamentada,  com  destaque  para  a  necessidade  de 
anuência da comunidade tradicional para que uma possível pesquisa 
em suas terras ou de seus saberes, com a autorização do Conselho de 
gestão  do  Patrimônio  Genético  (Ministério  do  Meio  Ambiente),  e 
também  a  igual  e  justa  repartição  de  benefícios.  (PINHEIRO; 
BARROS; BARBOSA & SOUZA, 2006, p. 216)  
Em relação aos atos internacionais que o Brasil possa promover, é 
necessária  a  colaboração  dos  três  poderes6.  Vem  sendo  discutida  em 
                                                            

6   “Segundo a vigente constituição brasileira, celebrar tratados, convenções e 
atos internacionais é competência privativa do Presidente da República (art. 
84,  inciso  VIII),  embora  estejam  sujeitos  aos  referendo  do  Congresso 
Nacional,  a  quem  cabe,  ademais,  resolver  definitivamente  sobre  tratados, 

284  
âmbito  internacional,  a  inserção  dos  conhecimentos  tradicionais  via 
um  sistema  sui  generis  em  que  “[...]  para  se  chegar  a  um  consenso  sobre 
proteção de conhecimentos tradicionais no âmbito internacional é necessário 
um movimento gradual que deve convergir em conceitos e termos, prezar pela 
participação da sociedade nas decisões dos Estados, até a discussão e, porque 
não,  a  supressão  de  outros  acordos  internacionais  como  o  TRIPS”. 
(PANTOJA, 2006, p.42) 
Tendo  em  vista  que  o  modo  como  o  conhecimento  tradicional  é 
processado  e  transmitido  com  uma  circulação  livre  de  informações, 
transformá‐lo  em  propriedade  é  engessar  a  forma  pela  qual  ele  se 
produz e reproduz. O domínio público seria uma alternativa para esta 
tendência,  em  que  os  conhecimentos  receberiam  benefícios  da  sua 
utilização  comercial  apenas  (VIERA,  2006,  p.  158)  Outra  maneira  de 
mudança  do  entendimento  legal  acerca  do  tema  seria  a  idéia  de 
pluralismo jurídico:  
 
Este conceito foi definido por Celso Campilongo na palestra Pluralismo 
Jurídico e Movimentos Sociais, proferida na Semana Inaugural de 2000, 
da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e 
Territórios  (MPDFT).  Campilongo  considera  que,  embora  o  pluralismo 
jurídico  trabalhe  com  uma  hipótese  muito  interessante  –  a  de  que  a 
fragmentação  social  provoca  a  fragmentação  do  modo  de  produção  do 
direito  ‐,  ele  precisa  ganhar  consistência  teórica.  Ele  aponta  que  o 
pluralismo jurídico não oferece solução para a variabilidade das normas, 
para  a  normatividade  especificamente  jurídica  e  para  o  controle 
democrático da produção das normas” (SANTILLI, 2006, p. 125/6) 
 
A  CDB  representa,  até  o  presente  momento,  o  único  constructo 
legal  que  visa  atender  à  estas  necessidades  de  conservação  apoiadas 
no  conhecimento  tradicional,  ou  seja,  utilização  racional  dos  bens 
                                                                                                                                

acordos  e  atos  internacionais  que  acarretem  encargos  ou  compromissos 


gravosos  ao  patrimônio  nacional  (art.  49,  inciso  I).  Portanto,  embora  o 
Presidente  da  República  seja  o  titular  da  dinâmica  das  relações 
internacionais,  cabendo‐lhe  decidir  tanto  sobre  a  conveniência  de  iniciar 
negociações, Poder Legislativo, sob a forma de aprovação congressual, é, via 
de regra, necessária (SOARES, 2004)” (Idem, p. 295/6) 

  285
naturais, e não de preservação pautada no conhecimento científico. A 
criação  de  uma  lei  de  direitos  intelectuais  comunitários  e  o 
reconhecimento  da  inadequação  do  sistema  proposto  pela  OMPI  é  a 
tentativa  de  ONGs  como  a  “Rede  do  Terceiro  Mundo”,  Convenções 
como a CDB e suas conferências das partes (GARCÉS, 2006, p. 74). 
Embora saibamos que alguns tratados de livre comércio bilaterais 
têm sido usados “[...] como estratégia para fugir dos acordos multilaterais e 
para  impor  aos  países  pobres  legislações  draconianas  que  liberalizam  ao 
máximo  o  acesso  aos  recursos  genéticos  e  aos  conhecimentos  de  suas 
populações tradicionais” (MILEO; COSTA & MOREIRA, 2006, p. 304), é 
cada  vez  mais  complicado  a  inexistência  de  um  regime  jurídico  que 
considere os atores sociais que envolvem tal problemática. Afinal, 
 
Pretender  atribuir  a  titularidade  dos  direitos  sobre  determinado 
conhecimento,  inovação  ou  prática  a  um  único  indivíduo,  ou  mesmo  a 
um grupo de indivíduos é subverter a forma como estes conhecimentos 
são  gerados  e  solapar  as  suas  próprias  bases.  Além  disso,  pode‐se 
provocar competições e rivalidades altamente prejudiciais aos processos 
inventivos  coletivos  que  pretende  salvaguardar.  (SANTILLI,  2006,  p. 
126/7) 
 
Considerações finais 
 
O  conhecimento  tradicional  com  os  principais  atores  que  têm 
ventilado  o  tema  na  atualidade,  entre  eles  as  organizações  não 
governamentais,  os  institutos  de  pesquisa  nas  universidades 
brasileiras, a UNESCO, a OMPI,  o  INPI,  o  IPHAN, os  ministérios  da 
cultura, do meio ambiente e da ciência e tecnologia, entre outros. 
Percebemos  que  os  direitos  que  englobam  o  conhecimento 
tradicional,  no  embate  internacional  e  nacional,  têm  dupla  natureza: 
direitos  patrimoniais  e  morais.  Os  direitos  patrimoniais  dizem 
respeito  à  direitos  de  propriedade  intelectual,  já  os  direitos  morais 
envolvem  àqueles  referentes  a  integridade  cultural  e  identitária  dos 
povos  tradicionais.  Porém,  embora  distinguidos,  ambos  são 
confluentes  nas  suas  delimitações,  em  relação  ao  conhecimento 
tradicional: 
 

286  
A  distinção  entre  direitos  morais  e  patrimoniais  se  inspira  na  Lei  de 
Direitos  Autorais  (9.610/98)  [...]  Os  direitos  intelectuais  coletivos 
assegurados  aos  detentores  de  conhecimentos  tradicionais  têm  ainda 
conteúdo  patrimonial  podendo‐se  falar  em  direitos  patrimoniais.  Os 
detentores  podem  autorizar  a  utilização  de  seus  conhecimentos 
tradicionais,  exercendo,  assim,  os  seus  direitos  patrimoniais  relativos  a 
eles. O exercício de direitos morais e patrimoniais por um ou mais povos 
indígenas, quilombolas e populações tradicionais, não pode, entretanto, 
impedir  o  exercício  dos  direitos  de  outros  povos  e  comunidades  co‐
detentores  dos  mesmos  conhecimentos,  devendo  ser  vedada  a 
autorização  de  utilização  exclusiva  ou  a  concessão  de  monopólios  de 
exploração  ou,  ainda,  a  autorização  por  prazo  indeterminado 
(SANTILLI, 2006, p.130/132) 
 
Em  2004,  no  I  Encontro  Nacional  de  Escritores  Indígenas,  foi 
aprovada  a  “Carta  da  Kari‐oca”.  As  lideranças  indígenas  buscaram 
ressaltar  que  o  conhecimento  tradicional  “abrange  o  material,  mas 
principalmente  o  espiritual  de  nossa  gente  e  não  pode  ser  considerado 
domínio  público,  pois  o  uso  indevido  pode  empobrecer  seu  verdadeiro  valor 
moral e social e denegrir seu sentido poético e simbólico” (Idem, p. 330).  
Desta  forma,  observamos  que  o  tratamento  do  tema  gera  um 
conflito  grande  nos  sistemas  jurídicos  e  econômicos  que  estamos 
habituados, contudo, suscita maior impacto ainda nestas sociedades e 
povos “tradicionais”. 
 
 
 
Referências 
 
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  287
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CASTELLI, Pierina Germán. Governança internacional do acesso aos recursos 
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do  patrimônio  à  bioindústria.  (p.139‐157)  In:  SILVA  BARROS,  Benedita  da; 
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conhecimentos das sociedades tradicionais. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi: 
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tradicionais: tendências e perspectivas. (p.71‐85) In: SILVA BARROS, Benedita 
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288  
conhecimentos das sociedades tradicionais. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi: 
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KRUCKEN,  Lia.  Valorização  de  produtos  da  biodiversidade:  integrando 


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MILEO,  Bruno  Alberto  Paracampo;  COSTA,  Cíntia  Reis;  MOREIRA,  Eliane. 


Convenção  da  diversidade  biológica  e  Acordo  TRIPS:  uma  análise 
conciliadora.  (p.281‐309)  In:  SILVA  BARROS,  Benedita  da;  LÓPEZ‐GARCÉS, 
Cláudia Leonor; PINTO MOREIRA, Eliane Cristina e FERREIRA PINHEIRO, 
Antônio  do  Socorro.  (Organizadores)  Proteção  aos  conhecimentos  das  sociedades 
tradicionais.  Belém:  Museu  Paraense  Emílio  Goeldi:  Centro  Universitário  do 
Pará, 2006 (342p.) 

MOREIRA, Eliane. O direito dos povos tradicionais sobre seus conhecimentos 
associados  à  biodiversidade:  as  distintas  dimensões  destes  direitos  e  seus 
cenários  de  disputa.  (p.309‐333)  In:  SILVA  BARROS,  Benedita  da;  LÓPEZ‐
GARCÉS,  Cláudia  Leonor;  PINTO  MOREIRA,  Eliane  Cristina  e  FERREIRA 
PINHEIRO,  Antônio  do  Socorro.  (Organizadores)  Proteção  aos  conhecimentos 
das  sociedades  tradicionais.  Belém:  Museu  Paraense  Emílio  Goeldi:  Centro 
Universitário do Pará, 2006 (342p.) 

PANTOJA,  Eugênio.  Regime  internacional  de  proteção  dos  conhecimentos 


tradicionais: é possível chegar a um consenso? (p. 39‐43) In: SILVA BARROS, 
Benedita  da;  LÓPEZ‐GARCÉS,  Cláudia  Leonor;  PINTO  MOREIRA,  Eliane 
Cristina  e  FERREIRA  PINHEIRO,  Antônio  do  Socorro.  (Organizadores) 
Proteção  aos  conhecimentos  das  sociedades  tradicionais.  Belém:  Museu  Paraense 
Emílio Goeldi: Centro Universitário do Pará, 2006 (342p.) 

PINHEIRO,  Antônio  do  Socorro  Ferreira;  BARROS,  Benedita  da  Silva; 


BARBOSA,  Neila  Cristina  dos  Santos;  SOUZA,  Alyne  Marcely  Fernandes.  A 
proteção  aos  conhecimentos  das  sociedades  tradicionais  na  Amazônia; 
Pesquisa,  Inovação  e  Desenvolvimento:  Há  parceria  possível?  (p.241‐259)  In: 
SILVA  BARROS,  Benedita  da;  LÓPEZ‐GARCÉS,  Cláudia  Leonor;  PINTO 
MOREIRA,  Eliane  Cristina  e  FERREIRA  PINHEIRO,  Antônio  do  Socorro. 
(Organizadores)  Proteção  aos  conhecimentos  das  sociedades  tradicionais.  Belém: 
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  289
POE,  Edgar  Allan.  Histórias  Extraordinárias.  (Seleção  e  Tradução  de  Clarice 
Lispector) Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. 

SANTILLI,  Juliana.  Patrimônio  Imaterial  e  direitos  intelectuais  coletivos. 


(p.119‐139)  In:  SILVA  BARROS,  Benedita  da;  LÓPEZ‐GARCÉS,  Cláudia 
Leonor; PINTO MOREIRA, Eliane Cristina e FERREIRA PINHEIRO, Antônio 
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Petrópolis, 2005. 

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Afrontamento, 1996. 

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Cristina  Pinto;  SOARES,  Gysele  Amanajás.  Incentivo  à  proteção  dos 
conhecimentos  tradicionais  associados  à  biodiversidade:  uma  proposta  de 
educa’  ao  ambiental.  (p.209‐241)  In:  SILVA  BARROS,  Benedita  da;  LÓPEZ‐
GARCÉS,  Cláudia  Leonor;  PINTO  MOREIRA,  Eliane  Cristina  e  FERREIRA 
PINHEIRO,  Antônio  do  Socorro.  (Organizadores)  Proteção  aos  conhecimentos 
das  sociedades  tradicionais.  Belém:  Museu  Paraense  Emílio  Goeldi:  Centro 
Universitário do Pará, 2006 (342p.) 

SOUZA,  Marcela  Stockler  Coelho  de.  A  dádiva  indígena  e  a  dívida 


antropológica:  direitos  universais  e  relações  particulares.  (p.101‐119)  In: 
SILVA  BARROS,  Benedita  da;  LÓPEZ‐GARCÉS,  Cláudia  Leonor;  PINTO 
MOREIRA,  Eliane  Cristina  e  FERREIRA  PINHEIRO,  Antônio  do  Socorro. 
(Organizadores)  Proteção  aos  conhecimentos  das  sociedades  tradicionais.  Belém: 
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TILKIN‐GALLOIS,  Dominique.  Culturas  indígenas  e  processos  de 


patrimonialização.  (p.259‐265)  In:  SILVA  BARROS,  Benedita  da;  LÓPEZ‐
GARCÉS,  Cláudia  Leonor;  PINTO  MOREIRA,  Eliane  Cristina  e  FERREIRA 
PINHEIRO,  Antônio  do  Socorro.  (Organizadores)  Proteção  aos  conhecimentos 
das  sociedades  tradicionais.  Belém:  Museu  Paraense  Emílio  Goeldi:  Centro 
Universitário do Pará, 2006 (342p.) 

VIEIRA,  Ima  Célia  Guimarães.  Os  institutos  de  pesquisa  e  a  proteção  do 
conhecimento  das  sociedades  tradicionais.  (p.157‐168)  In:  SILVA  BARROS, 
Benedita  da;  LÓPEZ‐GARCÉS,  Cláudia  Leonor;  PINTO  MOREIRA,  Eliane 
Cristina  e  FERREIRA  PINHEIRO,  Antônio  do  Socorro.  (Organizadores) 

290  
Proteção  aos  conhecimentos  das  sociedades  tradicionais.  Belém:  Museu  Paraense 
Emílio Goeldi: Centro Universitário do Pará, 2006 (342p.) 

ZAMUDIO,  Teodora.  Conocimento  tradicional  em  el  âmbito  internacional. 


(p.9‐23)  In:  SILVA  BARROS, Benedita  da;  LÓPEZ‐GARCÉS,  Cláudia  Leonor; 
PINTO  MOREIRA,  Eliane  Cristina  e  FERREIRA  PINHEIRO,  Antônio  do 
Socorro.  (Organizadores)  Proteção  aos  conhecimentos  das  sociedades  tradicionais. 
Belém:  Museu  Paraense  Emílio  Goeldi:  Centro  Universitário  do  Pará,  2006 
(342p.) 

 
 
 
 
 

  291
ANÁLISE DA METODOLOGIA ADOTADA NAS PESQUISAS 
SOBRE MORTALIDADE DE EMPRESAS 
 
Meire Ramalho de Oliveira 
Roberto Ferrari Júnior [Orientador] 
 
 
1. Introdução 
 
A  mortalidade  de  empresas  pode  ser  considerada  como  a 
interrupção  de  sua  operação,  motivada  por  dificuldades  financeiras 
ou  por  qualquer  outro  problema  de  ordem  comercial,  técnica  ou 
pessoal.  Há  diversas  pesquisas  sobre  mortalidade  empresarial, 
principalmente  nos  Estados  Unidos.  No  Brasil  esse  monitoramento  é 
costumeiramente realizado pelo SEBRAE. 
Este tipo de pesquisa pode ser muito útil tanto para a formação e 
amadurecimento  de  empreendedores,  quanto  para  a  elaboração  de 
políticas públicas que os auxiliem. 
A morte de uma organização pode ser caracterizada pela simples 
interrupção das atividades, pelo fechamento legal da empresa, através 
de  um  processo  formal  de  falência.  O  processo  formal  de  falência  é 
um  critério  objetivo  e  fácil  de  ser  mensurado.  No entanto,  de  acordo 
com o SEBRAE, 2008, muitas empresas não finalizam suas atividades 
formalmente  por  acreditarem  poder  retornar  as  atividades,  ou  pelos 
elevados custos do processo. 
O fracasso empresarial no Brasil é coletado por meio de diversas 
fontes:  as  Juntas  Comerciais  dos  Estados,  que  podem  fornecer 
elementos  das  empresas  em  operação  e  as  encerradas,  os  Cadastros 
das Prefeituras, e o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. 
O  objetivo  deste  artigo  é  analisar  a  metodologia  utilizada  nas 
pesquisas sobre a mortalidade das empresas, entender e comparar os 
diversos  estudos  conduzidos  no  Brasil  e  no  exterior,  em  relação  aos 
tipos  de  resultados  produzidos,  forma  como  a  mortalidade  foi 
caracterizada, fontes de dados, forma de coleta de informações, tipos 
de empresas analisadas, local e amplitude das pesquisas. 
 

293
2. Metodologia e Seleção de Literatura 
 
A  pesquisa  se  baseou  em  uma  revisão  bibliográfica,  procurando 
evidenciar as maneiras que os estudos sobre mortalidade empresarial 
foram conduzidos.  
A coleta de dados ocorreu por meio das bases ISI Web of Science, 
Portal  de  Periódicos  da  Capes,  Proquest,  Google  Acadêmico  e 
referências bibliográficas dos artigos selecionados.  
A  expressão  de  busca  utilizada  na  Web  of  Science  utilizou  os 
radicais: business*, compan*, enterprise*, organization* e firm* para se 
referir as empresas e fail*, bankrupt*, discontinuance*, insolvenc* para 
tratar  o  termo  mortalidade.  As  buscas  foram  elaboradas  de  forma 
truncada, ou seja, utilizando o sinal (*), com o propósito de recuperar 
documentos com os prefixos desejados. 
A  expressão  de  busca  para  a  o  Portal  de  Periódicos  da  Capes  e 
para  a  base  de  dados  Proquest,  também  foi  elaborada  de  forma 
truncada,  mas  com  menor  quantidade  de  termos:  apenas  business*  e 
fail*, pela necessidade de limitar a quantidade de caracteres. 
Os  documentos  referentes  a  pesquisas  realizadas  no  Brasil 
também  foram  obtidos  no  banco  de  teses  e  dissertações  da  USP,  no 
portal Domínio Público e na ferramenta de busca Google Acadêmico. 
A  expressão  de  busca  elaborada  nestes  casos  empregou  os  termos 
mortalidade* empresa*. 
As  buscas  recuperaram  documentos  que  continham  a  expressão 
no título, abstract e palavras‐chave.  
Após a etapa de recuperação dos dados, estes passaram por uma 
seleção  e  por  uma  análise,  de  forma  a  se  escolher  os  principais 
documentos abordados. 
 
3. Resultados  e  Discussão:  Metodologias  Adotadas  nas  Pesquisas 
sobre Mortalidade de Empresas 
 
As  pesquisas  sobre  mortalidade  de  empresas  envolvem  estudos 
que  avaliam  a  saúde  financeira  por  meio  de  índices  financeiros, 
contábeis  e  estatísticos;  levantamento  de  causas  e  taxas  de 
mortalidade;  abordagens  sobre  a  Lei  de  Falência  e  finalmente  as 

294
conseqüências  do  processo  de  fracasso,  tais  como  liquidação  ou 
reorganização da empresa. 
As previsões que envolvem os índices financeiros são significativas 
ante a possibilidade de levantar indícios que podem resultar na morte 
de  uma  organização.  O  levantamento  de  taxas  contribui  para  se 
dimensionar  as  empresas  em  crise,  e  as  causas  indicam  os  fatores  que 
determinam o crescimento, o sucesso ou o fracasso das corporações. As 
análises  sobre  a  Lei  de  Falência  são  expressivas  porquanto  podem 
resultar em melhorias no escopo da lei e benefícios para as companhias. 
As  pesquisas  sobre  os  processos  de  liquidação  ou  reorganização  são 
relevantes visto que indicam a melhor maneira de se proceder quando 
uma  empresa  entra  em  dificuldades  financeiras.  Mesmo  havendo  essa 
diversidade  de  enfoques  a  maior  parte  destes  levantamentos  está 
centrada nas causas e taxas de mortalidade. 
 
3.1. Definição de Mortalidade 
 
A mortalidade foi caracterizada de uma das seguintes formas: 
• Encerramento:  encerramento  formal  das  atividades  da 
empresa, ou fechamento legal da empresa (liquidação); 
• Interrupção:  interrupção  das  atividades,  embora  a  empresa 
possa permanecer formalmente aberta; 
• Falência: ação judicial resultante da incapacidade da empresa 
para cumprir com suas obrigações financeiras;  
• Venda: aquisição ou fusão da empresa. 
Outros  termos  utilizados  nas  pesquisas  foram:  inadimplência,ou 
seja,    incapacidade  de  honrar  uma  obrigação  por  um  determinado 
período;  insolvência  que  é  a  incapacidade  de  honrar  uma  obrigação 
por falta de recursos e liquidação, ou seja,  venda dos ativos pelo valor 
residual para pagamento dos credores. 
.A  falência  e  o  encerramento  total  da  empresa  através  da 
liquidação  é  facilmente  mensurado  por  haver  órgãos  onde  estes 
procedimentos  estão  registrados  e  portanto  estas  informações  são 
objetivas e facilmente coletadas. 
Os levantamentos brasileiros apresentam principalmente critérios 
de falência e encerramento, como pode ser observado na Tabela 1. Os 

295
levantamentos  estrangeiros  adotam  como  critério  de  mortalidade, 
fundamentalmente, a interrupção das atividades, adotado em Bates e 
Nucci, 1990; Honjo, 2000 e outros (veja na Tabela 2).   
 
Tabela 1: Metodologia utilizada nos estudos desenvolvidos no Brasil 
 
Autor  Definiçao de  País  Tipo de  Fonte de Dados  Coleta de 
Mortalidade  (Amplitude)  Empresa  Dados 
Dutra,  Encerramento  Brasil  Micro e  Base de Dados Eletrônica do  Questionário 
2002  (Londrina/PR)  Pequenas  Sistema de Informações da 
Empresas  Prefeitura Municipal de 
Londrina 
Ercolin,  Falência  Brasil  Micro e  Associação Nacional dos  Questionários 
2007  (São Paulo/SP)  Pequenas  Executivos de Finanças,  enviados por 
Empresas  Administração e Contabilidade  e‐mail 
de São Paulo 
Felippe,  Encerramento  Brasil  Pequenas  Cadastro da Prefeitura  Entrevista 
2003  (São José dos  e Médias  Municipal de São José dos  utilizando 
Campos/SP)  Empresas  Campos  formulário 
Filardi,  Encerramento  Brasil  Micro e  Junta Comercial de São Paulo  Entrevista 
2006  (São Paulo/SP)  Pequenas 
Empresas 
Roggia,  Falência  Brasil  Pequenas  Associação Comercial e  Questionários 
2008  (Novo  e Médias  Industrial de Novo Hamburgo,  enviados por 
Hamburgo/RS)  Empresas  Campo Bom e Estância Velha  e‐mail 
(empresas em 
operação) 
        Vara Federal de Falências do   
Município de Novo Hamburgo 
SEBRAE,  Falência  Brasil  Micro e  Base de Dados da Relação  Entrevista 
2007  Pequenas  Anual de Informações Sociais 
Empresas  (RAIS) 
        Cadastro Central de Empresas   
do IBGE (Cempre) 
        Departamento Nacional de   
Registro do Comércio (DNRC) 
        Juntas Comerciais dos Estados   
        Secretaria da Receita Federal:   
Cadastro Nacional de Pessoas 
Jurídicas (CNPJ) 
SEBRAE,  Falência  Brasil  Micro e  Cadastro CNPJ  Entrevista 
2008  Pequenas 
Empresas 
        Cadastro de Estabelecimentos   
Empregadores – CEE do 
Ministério de Trabalho e 
Emprego – TEM 
        Cadastro do Sistema de   
Atendimento do SEBRAE‐SP 
        Cadastro do Sistema de Gestão   
de Incubadoras – SGI, do 
SEBRAE‐SP 
        Dados cadastrais na Telefônica   
        Ficha de Breve Relato da   
JUCESP 

296
Tabela 2: Metodologia utilizada nos estudos desenvolvidos no Exterior 
 
Autor  Definiçao  País  Tipo de  Fonte de Dados  Coleta de 
de  (Amplitude)  Empresa  Dados 
Mortalidade 
Bates e  Interrupção  Estados  Pequenas  Base de Dados da CBO                Questionário 
Nucci, 1990  Unidos       Empresas  (Characteristics of Business 
(Iowa)  Owners) 
Bruno e  Falência  Estados  Empresas de  Fundadores  Entrevistas 
Leidecker,  Unidos         Base 
1988  (São  Tecnológica 
Francisco) 
        Contatos Profissionais   
        Fontes Publicadas   
        Jornais   
        Tribunal de Falências   
Carter e  Falência  Estados  Pequenas  Tribunal de Registros de   
Van  Unidos            Empresas  Pedidos de Falência 
Auken,  (Iowa) 
2006 
        Small Business Development  Questionário 
Center (SBDC) 
Duncan,  Interrupção  Estados  Pequenas  Dun & Bradstreet  Questionário 
Handler,  Unidos  Empresas 
1994 
Everett e  Falência  Austrália          Pequenas  Centros Comerciais  Questionário 
Watson,  (Western)  Empresas 
1996  Varejistas 
  Interrupção         
Everett e  Falência  Austrália          Pequenas  Centros Comerciais  Questionário 
Watson,  (Western)  Empresas 
1998  Varejistas 
  Interrupção         
  Venda         
Gaskill,  Falência  Estados  Pequenas  Iowa Department of  Questionário 
Van  Unidos  Empresas  Revenue Sales Tax 
Auken, 
Manning, 
1993 
        Standard Industrial   
Classification (SIC) 
        World Chamber of   
Commerce Directory 
 
Honjo,2000  Interrupção  Japão             Empresas  Census of Manufactures  Questionário 
(Tóquio)  Industriais  (Ministry of International 
Trade and Industry) 
        Establishment Census of   
Japan (Statistics Bureau of 
the Management and 
Coordination) 
        Establishment Directory   
Maintenance Survey of 
Japan (EDMS) 
        TSR Data Bank   
 
 
 
 

297
Autor  Definiçao  País  Tipo de  Fonte de Dados  Coleta de 
de  (Amplitude)  Empresa  Dados 
Mortalidade 
Lussier,  Interrupção  Estados  Pequenas  Dun & Bradstreet  Questionário 
1996  Unidos  Empresas 
(Connecticut, 
Maine, 
Massachusetts, 
New 
Hampshire, 
Rhode Island, 

Vermont) 
        Bankruptcy Court Records   
Marwa e  Interrupção  Estados  Empresas  Pesquisa da Web  Questionário 
Zairi, 2008  Unidos,  em geral 
Irlanda e 
Reino Unido 
Perry, 2001  Falência  Estados  Pequenas  National Bankruptcy  Questionário 
Unidos  Empresas  Bulletin 
        Relatorio de Crédito da Base   
de Dados da Dun & 
Bradstreet 
Salazar,  Insolvência  Estados  Empresas de  Funcionário  Anáise de 
2006  Unidos  Tecnologia  documento e 
(Silicon  registros 
Valley and 
Route 128 in 
Massachusett) 
          Entrevistas 
Smith, 2006  Insolvência  África do Sul  Empresas  Intensive Care Unit  Entrevistas 
beneficiária 
de 
empréstimos 
          Análise de 
Casos 
(documentos e 
registros) 
Theng e  Interrupção  Singapura  Pequenas  Singapore Manufacturersʹ  Questionário 
Boon, 1996  Empresas  Association Directory 

 
3.2. Local e Amplitude das Pesquisas 
 
Os  estudos  estrangeiros,  reportados  nas  Tabelas  2,  ocorreram 
principalmente  nos  Estados  Unidos,  alguns  abrangendo  o  país  por 
completo, como por exemplo, Duncan e Handler, 1994 e Gaskill, Van 
Auken  e  Manning,  1993.  Outros  estudos  também  foram 
desenvolvidos  nos  Estados  Unidos,  porém  com  amplitude  local, 
abrangendo  apenas  Estados  e  cidades,  como  Bates  e  Nucci,  1990  e 
Carter e Van Auken, 2006 em Iowa e Bruno e Leidecker,1988 em São 
Francisco. 

298
Embora  a  maioria  das  pesquisas  sobre  mortalidade  tenham 
ocorrido nos Estados Unidos, também foram desenvolvidas em locais 
como Austrália (Everett e Watson, 1996); Tóquio / Japão (Honjo, 2000) 
e África do Sul (Smith, 2006).  
No  Brasil,  ao  se  observar  a  Tabela  1  é  possível  verificar  que  há 
apenas dois estudos que abrangeram o país por completo, realizados 
pelo  SEBRAE,  enquanto  que  os  demais  estudos  foram  realizados  em 
cidades específicas como São Paulo, Londrina, São José dos Campos e 
Novo  Hamburgo  (FILARDI,  2006;  ERCOLIN,  2007;  DUTRA,2002; 
ROGGIA,2008).  
 
3.3. Tipo de Empresas Estudadas 
 
Todas  as  pesquisas  realizadas  no  Brasil  tiveram  como  alvo  de 
observação  as  micros  e  pequenas  empresas.  Não  há  estudos  que 
abranjam empresas em geral (independente do porte), ou empresas de 
um  determinado  setor,  como,  por  exemplo,  empresas  de  base 
tecnológica  (Tabela  1).  Em  sondagens  realizadas  em  outros  países, 
como mostram as Tabelas 2, encontramos algumas pesquisas com foco 
em  pequenas  empresas  relatados  por  Lussier,  2006  e  Perry,  2001, 
outras  pesquisas  com  foco  especificamente  em  empresas  de 
tecnologia,  por  Bruno  e  Leidecker,  1988,  empresas  industriais,  por 
Honjo, 2000 e empresas em geral  por Marwa e Zairi, 2008.  
 
3.4. Fonte de Dados para Detecção de Mortalidade 
 
As fontes de dados mais utilizadas pelas pesquisas realizadas no 
Brasil  para  coleta  de  informações  acerca  da  mortalidade  empresarial 
foram  as  Juntas  Comerciais  dos  Estados,  o  Cadastro  Nacional  de 
Pessoa  Jurídica  e  os  cadastros  do  SEBRAE.  Também  foram  citados 
como  fontes  de  dados  as  varas  de  falências,  IBGE,  o  Ministério  do 
Trabalho, os cadastros das Prefeituras, entre outros (Tabela 1). 
As  Juntas  Comerciais  são  órgãos  pertencentes  aos  diversos 
Estados  brasileiros  e  subordinados  a  Secretaria  da  Fazenda.  Estes 
órgãos  podem  fornecer  os  registros  de  constituição,  alteração  e 
encerramento  das  empresas.  Podem  providenciar  endereços,  nomes 

299
de  sócios,  e  alterações  no  contrato  social  da  empresa,  além  de 
informações sobre a pessoa responsável pela documentação e guarda 
de livros referentes ao encerramento da empresa. 
O  Cadastro  Nacional  de  Pessoas  Jurídicas  é  gerido  pela  Receita 
Federal  do  Brasil  e  inscreve  informações  cadastrais  das  pessoas 
jurídicas. O CNPJ é obrigatório para todas as pessoas jurídicas. Assim 
os dados cadastrais podem ser úteis para listar as empresas que foram 
abertas em determinado ano.  
O SEBRAE dispõe de um cadastro com dados referentes à micro e 
pequenas empresas que já contaram com algum sistema de ajuda ou 
consultoria para melhoria de suas práticas.  
Como  pode  ser  observado  na  Tabela  2,  as  pesquisas  em  outros 
países  utilizaram  principalmente  as  informações  pertencentes  a  base 
de dados da Dun & Bradstreet, os registros do Tribunal de Registros 
de  Falência  e  cadastros  de  centros  comerciais.  A  Dun  &  Bradstreet 
oferece  informações  sobre  empresas  e  corporações  que  podem  ser 
utilizadas em decisões de crédito, marketing e gestão, através do seu 
amplo banco de dados (DUN&BRADSTREEST, 2010).  
 
3.5. Fonte de Dados para Causas de Mortalidade 
 
A  mortalidade  das  empresas  podem  ser  levantadas  através  de 
juntas  comerciais,  tribunais  de  falência,  cadastros  de  prefeituras  e 
centros  comerciais.  Estas  fontes  podem  fornecer  as  taxas,  no  entanto 
as causas, só podem ser obtidas junto aos proprietários ou principais 
gestores das empresas que encerraram as atividades. 
Os principais instrumentos de coleta de dados para identificar as 
causas  de  mortalidade,  para  os  estudos  brasileiros  junto  aos  seus 
proprietários  foram  os  questionários  e  as  entrevistas  (Tabela  1).  Os 
questionários têm por vantagem não ser necessário a presença de um 
entrevistador,  pois  o  próprio  respondente  o  preenche  e  o  envia  para 
os  pesquisadores,  por  meio  do  correio  eletrônico,  formulário 
eletrônico ou carta. 
As entrevistas necessitam de maiores recursos e tempo, uma vez que 
ocorrem pessoalmente ou por telefone. A vantagem da entrevista está no 

300
fato  de  ela  poder  fornecer  indícios  adicionais,  embora  subjetivos,  ao 
entrevistador, como por exemplo comportamentos e reações. 
As  pesquisas  ocorridas  no  exterior,  de  acordo  com  a  Tabela  2, 
também  utilizaram  questionários  e  entrevistas  com  proprietários  das 
empresas que morreram, para identificação das causas de mortalidade 
(BRUNO  e  LEIDECKER,  1988;  HONJO,  2000).  Algumas  pesquisas 
Salazar,2006 e Smith,2006 realizaram análise documental, mas sempre 
em  paralelo  a  uma  entrevista.  As  análises  de  documentos  são 
eficientes para comprovação das condições reais da empresa.  
   
4. Conclusão 
 
Esta  análise  da  metodologia  adotada  nas  pesquisas  sobre 
mortalidade  de  empresas  indicou  que  os  estudos  realizados  até  o 
momento abordam especialmente as causas e as taxas de fracasso.  
A  mortandade  foi  caracterizada  principalmente  pela  interrupção 
das atividades, pela falência e pelo encerramento formal (fechamento) 
da  empresa.  A  interrupção  das  atividades  é  um  critério 
frequentemente utilizado, porém difícil de ser medido. A falência e o 
encerramento  são  critérios  objetivos,  que  podem  ser  facilmente 
obtidos nas juntas comerciais, nos fóruns de falência no Brasil ou nas 
cortes de falência em outros países.  
As  pesquisas  a  respeito  do  fracasso  empresarial  no  Brasil 
englobam  exclusivamente  as  micro  e  pequenas  empresas.  Estudos 
realizados  no  exterior  tiveram  como  objeto,  além  das  pequenas 
empresas,  as  empresas  em  geral,  e  também  empresas  de  segmentos 
específicos,  como  por  exemplo,  empresas  de  base  tecnológica, 
empresas  que  receberam  recursos  governamentais  e  empresas  que 
receberam  empréstimos.  Observar  estes  segmentos  específicos  pode 
contribuir para a observar a eficácia das de políticas públicas adotadas 
para fomento, ou para concessão de empréstimos. 
As  principais  fontes  de  dados  brasileiras  para  detecção  da 
mortalidade  empresarial  são  as  Juntas  Comerciais  dos  Estados,  o 
Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) e o SEBRAE. As Juntas 
Comerciais  podem  fornecer  registros  sobre  a  constituição  e 
encerramento  das  empresas.  O  CNPJ  fornece  informações  cadastrais 

301
sobre as pessoas jurídicas. O SEBRAE concede informações cadastrais 
sobre  empresas  previamente  cadastradas  no  sistema de  consultoria  e 
apoio ao empresário.  
Para  a  identificação  de  causas,  os  métodos  de  coleta  de  dados 
utilizados são os questionários e as entrevistas.  
 
 
 
Referências  
 
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303
 
CIENTISTAS E JORNALISTAS: UMA (PROVÁVEL) SOLUÇÃO 
PARA OS EMBATES 
   
Michel da Silva Coelho Lacombe1 
 
 
Introdução 
   
Termos  pejorativos  como,  por  exemplo,  “torre  de  marfim”,  são 
comumente  usados  para  identificar  as  comunidades  científicas, 
restritas  ao  convívio  e  ao  diálogo  entre  seus  pares.  Através  de  uma 
perspectiva  mais  colaborativa,  como  é  exigida  pelas  instituições 
fomentadoras  de  pesquisa,  a  designação,  ao  mesmo  tempo  em  que 
amplia,  limita  sua  atuação.  Se  outrora,  cada  centro  de  pesquisa 
estabelecia  contato  entre  seus  integrantes,  hoje  a  “conversa”  é 
diferente: cada um, em sua área, trabalha com a participação de outros 
pesquisadores,  através  de  intercâmbios,  cada  vez  mais  incentivados, 
ou,  graças  à  internet,  de  modo  virtual,  sem  necessariamente  contar 
com a presença física dos envolvidos. 
Outro  grupo  também  é  definido  com  nomenclaturas 
desabonadoras  são  os  jornalistas.  Diariamente  crucificados  ou 
elogiados  (quando  não  são  os  dois  simultaneamente,  variando  de 
acordo  com  a  visão  e  os  interesses  das  partes  envolvidas),  a  eles 
cabem  a  tarefa  de  informar  e  reportar  sobre  os  fatos  ocorridos, 
valendo‐se,  através  de  um  método,  de  critérios  abstratos  como  a 
objetividade e a parcialidade. 
Quando há o encontro dessas duas correntes forma‐se uma zona 
de confronto. De um lado, os cientistas que não querem divulgar seus 
trabalhos aos jornalistas, por considerarem que há uma deturpação do 
                                                            
1  Licenciado  em  Letras  pela  Universidade  Federal  de  São  Carlos  (UFSCar), 
graduado  em  Comunicação  Social  –  Jornalismo  pelo  Centro  Universitário 
de  Araraquara  (Uniara)  e  mestrando  do  Programa  de  Pós  Graduação  em 
Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade  pela  Universidade  Federal  de  São  Carlos 
(UFSCar). 

  305
que  foi  passado;  do  outro,  os  profissionais  da  comunicação  que,  por 
não serem especialistas nas pesquisas de seus entrevistados, traduzem 
a um vocabulário mais comum toda a cientificidade de um trabalho.  
Esse artigo tem como objetivo apresentar os dois pontos de vista e 
apontar  uma  solução  viável  para  que  esse  embate  não  seja  mais 
constituído à base de desconfiança: utilizar os conhecimentos da área 
da Ciência, Tecnologia e Sociedade como um mediador entre os dois 
polos. Mas, desde o início, o aviso de abaixar as armas, para ambos os 
lados, deve se fazer presente. 
 
Os cientistas e as ciências 
 
Em  1959,  C.P.  Snow  proferiu  uma  palestra  em  Cambridge  que 
resultou  em  discussões  por  apresentar  dois  grupos:  “Num  pólo  os 
literatos;  no  outro  os  cientistas  (...).  Entre  os  dois,  um  abismo  de 
incompreensão  mútua”  (1995,  p.21).  Após  mais  de  meio  século,  com 
os  avanços  científicos,  tecnológicos  e,  por  que  não  ousar  dizer, 
humanos,  essa  perspectiva  é  mais  ampla.  Hoje,  de  um  lado  estão  os 
cientistas,  todos,  sejam  das  áreas  das  exatas,  biológicas  ou  humanas; 
do  outro,  a  sociedade.  No  abismo,  uma  ponte,  construída  como  a 
mortalha de Ulisses, o herói de “A Odisséia”, feita às claras e desfeita 
às  escuras  por  Penélopes  existentes  nos  dos  dois  lados.  Ainda 
segundo o autor: 
 
“É perigoso ter duas culturas que não podem ou não querem comunicar‐
se  entre  si.  Numa  época  em  que  a  ciência  determina  grande  parte  do 
nosso  destino,  ou  seja,  se  vivemos  ou  morremos,  essa  falta  de 
comunicação é perigosa nos termos mais práticos”. (1995, p.126). 
 
Latour (2000, p. 21) apresenta duas faces da ciência: a que sabe e a 
que  não  sabe.  Invariavelmente,  a  figura  do  cientista  é  apresentada 
como  a  primeira,  ainda  que  ele  tenha  mais  convicções  sobre  a 
segunda.  A  imagem,  também,  não  é  muito  diferente  da  idealizada 
pela  maioria  da  sociedade:  a  mesma  figura  taciturna  e  sombria, 
trancafiada em seu laboratório, realizando suas experiências. Saber se 
essa  ideia  é  a  que  os  integrantes  desse  grupo  querem  não  cabe  ser 
discutido nesse artigo. Todavia, não há como separar o estereótipo do 

306  
senso  comum.  Com  as  descrições  acima,  não  há  outra  conclusão 
possível a se chegar do que, após serem apresentadas, estamos frente 
a um grupo de cientistas. 
Moirand  (2007),  por  sua  vez,  fala  que  a  comunidade  científica  é 
um exemplo de “‘formação social’, que implica a presença de posições 
ideológicas” (2007, p. 184). Ainda segundo ela, apud Pêcheux, cada um 
constitui: 
 
“um  conjunto  complexo  de  atitudes  e  de  representações sociais  que  não 
são  nem  ‘individuais’  nem  ‘universais’  e  comportam  ‘necessariamente, 
como  um  de  seus  componentes  uma  ou  mais  formações  discursivas 
interligadas, que determinam o que pode e deve ser dito (...) a partir de uma 
posição dada em uma conjuntura dada” (2007, p. 184). 
   
Ao determinar o que pode e deve ser dito, os cientistas levam em 
consideração apenas o que é relevante dentro de sua área de atuação. 
Certamente, esse é um pressuposto falso. Caso contrário, as pesquisas 
seriam  sobre  assuntos  diversos,  voltados  apenas  para  interesses 
subjetivos,  determinados  pelo  gosto  de  quem  as  desenvolve. 
Entretanto, seja qual for a situação, a manutenção das instituições de 
ensino e dos centros de pesquisa passam pela sociedade que, de certa 
forma,  colabora  com  as  instituições  fomentadoras,  responsáveis  pela 
gestão  e  injeção  de  recursos  nos  trabalhos.  Assim,  pesquisas 
importantes  dentro  de  todas  as  áreas  de  conhecimento  humano  são 
possíveis de serem realizadas. 
Desde  os  gregos,  passando  Descartes,  Newton  e  Einstein,  o  que 
move  o  conhecimento  científico  é  a  procura  pelo  saber.  Atualmente, 
causado,  sobretudo,  pelo  surgimento  de  novas  doenças  e  o 
desenvolvimento de novas ferramentas e utilitários, que tanto podem 
colaborar com a sociedade como servirem de elementos para a criação 
de  armas  bélicas  mais  destrutivas,  o  conhecimento  científico  chega  a 
uma nova fronteira.  
E, dessa vez, uma nova quebra de paradigma só se torna possível 
através  de  uma  relação  entre  áreas  diferentes,  ou  seja,  a 
interdisciplinaridade.  As  próprias  denominações  das  novas  áreas 
emergentes  e,  consequentemente,  apostas  para  o  presente  e  futuro, 
mostram  que,  se  antes  a  ideia  do  fazer  da  ciência  se  dividia  por 

  307
rótulos, determinando o que poderia um especialista realizar ou não, 
agora todos estão aptos para colaborar e atuar em áreas diferentes. A 
“torre  de  marfim”,  valendo‐se  do  termo  pejorativo  utilizado  para 
definir  as  instituições  de  pesquisa  e  universidades,  não  é  mais 
múltipla,  representando  o  encerramento  de  cada  pesquisador,  mas 
una, embarcando todos. 
Isso  gera  uma  divisão  entre  os  cientistas.  Há  aqueles  que 
interagem  com  outros  participantes  de  pesquisa,  em  qualquer  parte 
do mundo. As pesquisas não estão mais fechadas aos laboratórios e às 
consciências de seus realizadores e seu grupo de bolsistas de iniciação 
científica,  mestrandos  e  doutorandos.  Todos  participam  em  prol  de 
uma  realização  comum.  É  certo,  no  entanto,  que  os  índices  de 
colaboração  servem  como  uma  base  da  produtividade,  que 
condicionam  ou  não  os  cientistas  à  obtenção  de  recursos  das 
instituições  fomentadoras  de  pesquisa  e  até  a  possibilidade  de 
realizarem  a  interação  de  forma  presencial,  através  de  um  pós‐
doutorado  em  um  centro  de  referência  mundial  na  área  ou,  para  os 
alunos de pós‐graduação, através do Programa de Doutorado no País 
com Estágio no Exterior (PDEE), do Conselho de Aperfeiçoamento de 
Pessoal  de  Nível  Superior  (Capes),  comumente  conhecida  como 
sandwich. 
Para  a  sociedade  em  geral,  que  não  participa  desse  processo, 
porém,  isso  não  significa  muito.  O  círculo  apenas  aumentou,  mas 
continua  impenetrável.  O  ponto  de  fechamento,  quando  não  é  físico, 
delimitado  por  cercas  e  cancelas,  é  determinado  pela  linguagem.  As 
comunidades  continuam  se  comunicando,  mas  apenas  entre  si,  com 
léxicos  especializados,  decifrados  por  aqueles  que  pertencem  à 
“confraria”.  Reuniões,  eventos,  comunicações,  artigos,  enfim,  tudo  o 
que se constitui nesses termos, é voltado aos que dela participam. Ao 
não‐participante,  resta  a  ignorância  e  a  alienação.  Mesmo  o  acesso  à 
educação  (e  oxalá  fosse  mais  ainda)  e  ao  conhecimento,  sendo 
democrático,  “a  torre  de  marfim”  remete  à  Idade  Média:  o  feudo  é 
fechado  aos  que  não  pertencem  àquela  classe  e  a  eles  cabe  apenas  o 
trabalho  para  gerar  dividendos  e  torcer  para  que  as  melhorias  sejam 
feitas, conforme a boa vontade dos integrantes de uma classe superior. 

308  
O trabalho de aproximação (ou diminuição do estranhamento) já é 
feito  e  não  é  fato  recente.  Os  responsáveis  pela  mediação  entre 
cientistas e sociedade é feito por outra classe, tão desconhecida como 
criticada que os primeiros: os jornalistas. São eles os responsáveis por 
transformar,  ou,  ainda  melhor,  traduzir  o  que  é  dito  na  “torre  de 
marfim”  para  as  demais  pessoas  e,  dessa  forma,  permitir  que  a 
barreira  física,  se  não  ainda  transponível,  seja  pelo  menos 
compreendida pela maioria. 
 
Os jornalistas e a ciência: difundir e questionar 
 
Quatro anos depois da primeira leitura de sua conferência, agora 
em 1963, Snow fez uma releitura de seu pensamento e apontou para o 
nascimento  de  uma  terceira  cultura,  além  da  dos  cientistas  e 
humanistas.  Segundo  ele,  à  época,  talvez  fosse  cedo  falar  que  ela 
estivesse  consolidada,  porém  estava  seguro  de  que  isso  aconteceria 
porque:  
 
“... essa cultura deve, exatamente para cumprir sua tarefa, estar em boas 
relações  com  a  cultura  científica.  Então,  como  disse,  haverá  uma 
mudança  no  foco  desse  debate  para  uma  direção  que  será  mais 
proveitosa para todos nós” (2007, p.95). 
   
Uma das vias de estabelecer as boas relações entre o agora oposto 
grupo  de  cientistas  e  não‐cientistas  é  através  da  imprensa.  E  essa 
comunicação  só  se  dá,  ironicamente,  através  de  outra  ciência:  o 
Jornalismo. Segundo Rossi (1994, p.8): 
 
“Jornalismo,  independentemente  de  qualquer  definição  acadêmica,  é 
uma  fascinante  batalha  pela  conquistas  das  mentes  e  corações  de  seus 
alvos: leitores, telespectadores ou ouvintes. Uma batalha geralmente sutil 
e  que  usa  uma  arma  de  aparência  extremamente  inofensiva:  a  palavra, 
acrescida, no caso da televisão, de imagens”.  
 
Já Marques de Melo (2009) vai mais além ao afirmar que “o direito 
de  informar  e  de  receber  informação  constitui  o  fermento  da 
cidadania” (p.57). Dessa forma, cabe ao jornalista a função de mediar 

  309
a  informação  passada  aos  leitores.  Em  um  primeiro  momento,  ainda 
segundo  o  autor,  ela  era  somente  de  tons  políticos,  “mas,  à  medida 
que  a  sociedade  adquire  maior  complexidade,  o  jornalismo  deixa  de 
gravitar exclusivamente em torno da órbita política, correspondendo a 
outras demandas sociais” (2009, p. 58). 
Dentre  elas  está  a  ciência.  Antes,  porém,  é  necessário  fazer  uma 
ressalva.  Há  duas  formas  da  produção  de  conteúdo  jornalístico 
voltado  a  ciência:  a  divulgação  e  o  jornalismo  científico.  Enquanto  a 
primeira  está  relacionada  a  difundir  as  pesquisas  e,  portanto,  é  bem 
vista  entre  os  cientistas.  a  segunda  é  a  que  garante  uma  visão  crítica 
sobre a produção de conhecimento. Wilson da Costa Bueno, em artigo 
publicado no “Portal do Jornalismo Científico”, aponta que: 
 
“... o Jornalismo Científico compreende a veiculação, segundo os padrões 
jornalísticos,  de  informações  sobre  ciência,  tecnologia  e  inovação  e  se 
caracteriza  por  desempenhar  inúmeras  funções.  Em  primeiro  lugar,  ele 
cumpre  o  papel,  absolutamente  indispensável  num  país  onde  o  ensino 
formal  de  ciências  é  precário,  de  contribuir  para  o  processo  de 
alfabetização científica, permitindo aos cidadãos tomar contato com o que 
acontece  no  universo  da  ciência  e  da  tecnologia  (...).  Em  segundo  lugar, 
esta  divulgação  pelos  meios  de  comunicação  de  massa  promove  a 
democratização  do  conhecimento  científico,  ampliando  o  debate  sobre 
temas  relevantes  de  ciência  e  tecnologia.  (...)  Finalmente,  o  Jornalismo 
Científico  abre  oportunidade  para  que  os  centros  produtores  e 
financiadores  de  ciência  e  tecnologia  (e  os  pesquisadores  em  particular) 
possam  prestar  contas  à  sociedade  dos  investimentos  realizados  em 
pesquisa e desenvolvimento, essenciais para a soberania de uma nação”. 
   
Porém,  a  prática  jornalística  é  regida  pela  objetividade  e 
imparcialidade.  Rossi  (1990)  indica  que  o  primeiro  item  é  um  mito, 
pois  cada  jornalista  “carrega  (...)  uma  formação  cultural,  (...)  um 
background pessoal, (...) o que leva a ver o fato de maneira distinta de 
outro  companheiro  com  formação,  background  e  opiniões  diversas” 
(p.10).  Isso,  consequentemente,  significa  que  o  segundo  também  é 
uma ideia equivocada, uma vez que ela não existe.  
Fabiane Gonçalves Cavalcanti, em artigo publicado no “Portal do 
Jornalismo  científico”,  apud  Calvo  Hernando  (1990:63),  situa  o 
jornalismo  científico  nessa  era  pós  galáxia  de  Guttemberg:  ʺA 

310  
divulgação  da  ciência  e  da  tecnologia  parece  imprescindível  no 
mundo de hoje e nos atrevemos a afirmar que ela está fadada a ser a 
estrela  informativa  do  jornalismo  do  século  XXIʺ.    A  razão  pela  qual 
tal  afirmação  foi  feita  demonstra  que  o  avanço  tecnológico  chega, 
nesse período da humanidade, uma fronteira do homem, deixando de 
ser  uma  coadjuvante  de  seu  desenvolvimento  e  ocupando  um 
protagonismo  diante  das  evoluções  que  foram  constituídas  nessa 
época e das que ainda estão por vir. 
Com  o  desenvolvimento  das  novas  tecnologias,  houve  uma 
expansão da mass media, ou seja, da massificação da informação. Com 
uma nova amplitude, as notícias, por si só, não bastam; é necessária a 
ligação  com  algum  fato,  isolado  ou  em  cadeia,  que  redimensionam 
sua relevância para a sociedade. Isso não é diferente dentro da ciência, 
que, por vezes, serve de combustível para alimentar polêmicas, como, 
por  exemplo,  as  pesquisas  envolvidas  com  áreas  intimamente 
relacionadas  com  o  ser  humano  e  que  envolvam  outros  aspectos  de 
sua formação, como a religião.  
É certo que isso desencadeia uma série de notícias cujo conteúdo 
se  assemelha  mais  ao  mundo  das  celebridades  do  que  propriamente 
ao desenvolvimento científico e tecnológico humano. Essa relação está 
mais  ligada  aos  critérios  de  publicação  do  que  a  necessidade  de 
reprodução  jornalística  e,  nessa  discussão,  entra  em  foco  a  gestão  da 
informação de modo a conseguir maior audiência. Nem sempre o que 
é  notícia  é  o  que  interessa  realmente  à  sociedade,  mas  o  que 
certamente  é  mais  vendável  e,  naturalmente,  gera  mais  dividendos 
financeiros  ao  conglomerado  responsável  pela  publicação,  seja  ela 
impressa ou online. 
No meio de todas essas tensões expostas, encontra‐se o jornalista. 
Ao mesmo tempo em que ele deve se preocupar com a fiabilidade do 
trabalho científico, ele tem que demonstrar ao seu editor e à empresa 
que  o  tema  possui  uma  relevância  social  –  ou,  em  outros  termos, 
vendagem garantida – que permitam sua execução. Ele também deve 
considerar  sua  formação  cultural,  ideológica  e  ética,  de  modo  a 
garantir, se não por completo, pelo menos aceitável de desempenhar 
sua  função.  Posto  isso,  encontra‐se  em  mais  um  embate,  que  é  o  de 
ouvir  o  cientista  e  transformar,  com  um  léxico  acessível,  anos  de 

  311
pesquisa em um texto ou em uma imagem capazes de transformarem 
a  sociedade  em  participantes  do  processo  de  conhecimento. 
Participação essa tão relevante quanto aos enclausurados na “torre de 
marfim”. 
 
O confronto se faz presente 
 
Cavalcanti  apud  Hernando  (1990)  discorre  sobre  o  pertencimento 
da ciência a alguém. E, naturalmente, ela não se faz presente através 
de  grupos.  Em  outros  termos:  assim  como  a  ciência  é  coletiva,  o 
conhecimento  também  o  é  e,  por  consequência,  pertence  a  todos  os 
seres  humanos.  O  mesmo  acontece  com  o  jornalismo.  Ela  não  é 
propriedade  dos  donos  dos  grandes  conglomerados,  editores, 
redatores e repórteres. Talvez por esse motivo haja o confronto entre 
os  militantes  de  cada  uma  das  áreas.  Sendo  uma  propriedade  inata, 
ambas  amalgamadas,  logo  não  pode  existir  ciência  sem  a  mediação 
crítica. Para o autor 
 
ʺDesta  visão  da  ciência  como  patrimônio  comum  da  humanidade  se 
origina a missão quase sagrada do jornalismo científico, que consiste em 
pôr ao alcance da maioria os conhecimentos de uma minoria, adquiridos 
ao  largo  da  história  por  pequenos  grupos  de  homens  empenhados  na 
tarefa  fascinante  de  medir,  contar,  descrever  e  explicar  o  universo,  a 
natureza, o homem e a sociedadeʺ (CALVO HERNANDO, 1990, p. 63) 
 
Em  outra  citação,  agora  de  Burkett  (1990),  Cavalcanti  vai  mais 
além  ao  expor  o  denominador  comum  tanto  da  ciência  quanto  do 
jornalismo:  a  verdade.  Essa,  muitas  vezes  difusa,  transpasse  pelo 
interesse de ambos, que nada mais é do que a objetividade, ainda que 
haja uma subjetividade inata à condição humana em ambos os lados. 
Para o autor, o ponto de discordância é o grau de precisão da matéria 
que  relata  uma  pesquisa  científica.  “A  realidade  para  o  redator 
implica o arredondamento e supressão de alguns detalhes porque, do 
contrário, o público não se interessaria em ler”. Para que esse objetivo 
jornalístico  seja  alcançado,  muitas  vezes  é  necessário  traduzir  os 
léxicos  oriundos  da  ciência  para  que  a  pessoa,  independente  de  sua 
formação cultural decifre e tenha acesso ao seu conteúdo. 

312  
Para  Caldas  (2000),  o  ponto  de  confronto  envolve  mais  variáveis 
do  que  a  simples  repulsa  de  lado  a  lado.  Uma  delas  é  o 
desconhecimento, por parte do jornalista, da história da ciência. Isso o 
permitiria  identificar  as  relações  de  poder  da  área  e,  portanto,  os 
capacitariam a discutir as políticas públicas voltadas para a Ciência & 
Tecnologia. Segundo ela: 
 
“Quando  o  fazem,  estão  praticamente  centrados  na  abordagem  do 
volume  e  distribuição  de  recursos,  além  de  programas  de  bolsas  de 
estudos.  Não  se  observa,  cotidianamente,  uma  reflexão  sobre  o  modelo 
brasileiro  de  políticas  públicas  de  C&T,  quais  pesquisas  estão  sendo 
financiadas,  seus  resultados,  distribuição  geográfica,  critérios  de 
financiamento e relevância social”. 
 
Outro  diagnóstico  apontado  pela  pesquisadora  é,  como  já  dito 
antes,  a  espetacularização  das  notícias  que  envolvem  ciência  –  vale 
ressaltar  que  há  exceções  dentro  desse  cenário.  Segundo  ela,    essa 
relação  “vive  em  função  de  espamos”,  ou  seja,  só  há  um  olhar 
científico  sobre  algum  fato  –  e  quase  nunca  uma  abordagem 
jornalística sobre a ciência – quando ela está intimamente relacionada 
ao que é comumente chamado entre os jornalistas de hard news. A falta 
de especialização também é um motivo para o confronto, uma vez que 
no  processo  de  ‘tradução’  da  linguagem  científica  para  a  jornalística, 
pode ocorrer intervenções que desvirtuem o real sentido da pesquisa. 
Nesse  ponto,  Caldas  defende  que  é  necessário  não  apenas  uma 
freqüência  de  publicação,  mas  uma  especialização  por  parte  do 
profissional. Para a autora: 
 
“Relegada  a  segundo  plano  (entregue  a  jornalistas  sem  experiência  ou 
especialização),  a  cobertura  de  C  &  T  acaba  sendo  fragmentada,  não 
contextualizando  as  notícias  e,  sobretudo,  alimentando,  ingenuamente,  a 
sanha dos que se apropriam do conhecimento científico visando unicamente 
auferir lucros”.  
 
Lucro,  falta  de  especialização,  dois  lados  em  busca  de  uma 
verdade, ainda que utópica e, pior, verossímil apenas para jornalistas 
ou cientistas. Dentro desse contexto, as duas áreas de conhecimento – 
e  a  segunda  ainda  mais,  por  ser  aplicada  –  são  gêmeas  que  não  se 

  313
encaram  de  frente  por  três  motivos:  um  discurso  perpetuado  na 
história,  ninguém  parece  disposto  a  ceder,  como  se  as  notícias  de 
ciências  não  fossem  importantes  para  sociedade  ou  os  investimentos 
púbicos  não  precisassem  ser  justificados;  uma  única  verdade,  que,  já 
não  compartilhada,  necessita  ser  inatingível  para,  ironicamente,  não 
ser  colocada  a  prova,  como  prega  a  ciência;  e  um  objetivo, 
desnecessário de ser exposto e pertinente, bastando existir por existir. 
 
A solução para o embate 
 
Levando  em  consideração  os  dois  pontos  de  vista,  tanto  de 
jornalistas, como de cientistas, um caminho se torna possível, mediado 
pela interdisciplinaridade que caracteriza o campo Ciência, Tecnologia 
e  Sociedade  (CTS).  Mais  do  que  justificar  os  recursos  despendidos,  é 
necessário, como aponta Caldas (2000) a participação da população nas 
discussões  que  determinam  os  rumos  das  políticas  científicas.  “Essa 
discussão  não  pode  ficar  restrita  aos  fóruns  acadêmicos, 
governamentais,  empresariais  ou  veículos  especializados.  Nesse 
contexto, o papel da mídia é insubstituível”. Mais que isso: 
 
“Assuntos  científicos  e  tecnológicos  exigem  cuidados  adicionais  na 
re/construção  da  informação.  Face  aos  impasses  e  desafios  provocados 
pela ciência moderna, essa discussão deve ser ampliada e contextualizada 
numa  perspectiva  histórica,  política,  econômica  e  social,  qualificando  a 
opinião pública para que, por meio de suas representações sociais, possa 
tornar‐se sujeito ativo no processo de formulação de políticas públicas de 
C&T para o país”. 
   
Uma  mera  tradução,  como  se  a  linguagem  científica  fosse  uma 
língua  estrangeira,  torna‐se  uma  necessidade.  No  entanto,  para  que  a 
construção  do  saber  seja  feita  de  modo  coerente  e  lúcido,  é  necessário 
que os dois lados se permitam dialogar. Por ser uma área nova, criada 
na fronteira dos conhecimentos, o CTS tem, dentre outras missões, a de 
permitir  que  ambos  se  aproximem  e  se  compreendam,  servindo  como 
um mediador entre produção científica e jornalística. Caso contrário, a 
“torre  de  marfim”  permanecerá  intransponível  física  e  lexicalmente  e 
poderá ser uma outra, muito conhecida: a de Babel. 

314  
Referências 
 
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SNOW, C.P. As duas culturas e uma segunda leitura. São Paulo: Edusp, 1995. 

  315
 
COMUNICAÇÃO E GESTÃO TECNOLÓGICA:  
O PAPEL DAS AGÊNCIAS DE INOVAÇÃO 
 
Neylor de Lima Fabiano 
 
 
Introdução 
 
As  agências  de  inovação  são  ferramentas  recentes  das 
universidades,  estabelecidas  a  partir  das  diretrizes  da  Lei  10.973  de 
2004,  e  com  o  objetivo  de  intermediar  os  processos  de  inovação  e 
transferência da tecnologia gerada na universidade. Elas atuam dentro 
de  um  cenário  de  conflito  de  interesses,  onde  de  um  lado  recursos 
públicos  são  investidos  na  pesquisa  das  universidades;  de  outro, 
grandes  conglomerados  empresariais  lutam  para  sobreviver  em  um 
mercado competitivo, onde o ciclo do produto é cada vez mais curto e 
a  apropriação  do  conhecimento  se  torna  um  diferencial.    Sob  essa 
ótica, a presente pesquisa tem como tema a comunicação no processo 
de gestão tecnológica. 
Brisolla et al. (1997) verificou que na Unicamp, antes da criação de 
sua  agência  de  inovação,  mais  da  metade  dos  contatos  entre  o  setor 
empresarial  e  a  universidade  eram  estabelecidos  por  iniciativa  do 
primeiro  e  marcados  pela  informalidade;  em  apenas  3%  desses 
contatos um intermediário viabilizou a negociação. Concluiu que não 
havia nos mecanismos ligados à transferência de tecnologia uma clara 
definição  de  seu  papel  na  estratégia  de  pesquisa  da  universidade, 
tampouco das tarefas que deveriam desempenhar. 
Garnica (2007) estudou as agências de inovação de universidades 
públicas de São Paulo e constatou que os problemas mais citados no 
processo  de  patenteamento,  tanto  pelos  inventores  com  pelas 
empresas,  são  relacionados  à  demora  decorrente  da  morosidade  nos 
trâmites  administrativos  e  jurídicos  e  à  escassez  de  profissionais 
qualificados.  Averiguou,  no  entanto,  que  a  comunicação  entre 
universidade e empresa, realizada através das agências, é considerada 

317
satisfatória. Concluiu, ainda, que uma alternativa dessas agências para 
prospectar parceiros empresariais é dar visibilidade à tecnologia. 
A inovação tecnológica compreende a introdução de produtos ou 
processos  tecnologicamente  novos  e  melhorias  significativas  que 
tenham  sido  implementadas  em  produtos  e  processos  existentes. 
Considera‐se  uma  inovação  tecnológica  de  produto  ou  processo 
aquela  que  tenha  sido  implementada  e  introduzida  no  mercado  – 
inovação  de  produto  –  ou  utilizada  no  processo  de  produção  – 
inovação  de  processo.  As  inovações  de  produto  e  de  processo 
envolvem  uma  série  de  atividades:  científica,  tecnológica, 
organizacional, financeira e comercial (OCDE, 2003). 
Ao contrário da invenção ou criação pura, a inovação manifesta‐se 
só  nos  casos  em  que  a  invenção  consegue  impor‐se  no  interior  do 
sistema  econômico,  dando  origem  ao  que  o  processo  de  “destruição 
criadora”. Segundo Schumpeter (1985), esse processo ocorre por meio 
da  validação  econômica  no  mercado.  O  que  interessa  não  é  o 
conhecimento, “mas o sucesso da solução, que se traduz na tarefa sui 
generis  de  pôr  em  prática  um  método  não  experimentado”.  A 
repercussão nos  negócios através  da  geração  de  novos  consumos é  o 
traço  característico  da  inovação,  não  havendo  necessidade  de  uma 
novidade científica aplicada.  
Schumpeter  (1985) lista  como  cinco  os  tipos  básicos de  inovação: 
1) desenvolvimento de um novo produto, ou de uma nova tecnologia 
de  um  bem  já  existente;  2)  desenvolvimento  de  um  método  de 
produção, ou de uma nova logística comercial; 3) desenvolvimento de 
um novo mercado; 4) desenvolvimento de novas fontes de suprimento 
das  matérias‐primas  ou  produtos  semi‐industrializados;  5) 
desenvolvimento de uma nova organização industrial, como a criação 
ou a fragmentação de uma posição de monopólio. 
Já  o  conceito  de  propriedade  intelectual  é  definido  por  Terra 
(2001)  como  o  direito  de  propriedade  sobre  um  bem  furto  de 
propriedade  intelectual,  através  da  apropriação  privada  dos 
resultados  econômicos  do  uso  desse  conhecimento.  Para  Pedroso 
Júnior et al. (199), tradicionalmente, os mecanismos legais disponíveis 
para  a  proteção  de  propriedade  intelectual  são  a  patente,  o  direito 
autoral, e o “segredo de negócio” (trade secret). Em um contexto mais 

318
restrito,  existe  também  a  proteção  de  marcas  e  símbolos  de  negócio, 
mediante  seu  registro.  Freqüentemente,  um  único  produto  utiliza 
mais  de  uma  destas  formas  de  proteção,  às  vezes,  até  as  quatro 
simultaneamente.  
 
Contexto histórico internacional e nacional 
 
O  primeiro  registro  na  literatura  sobre  a  concessão  de 
propriedade  intelectual  data  do  século  VI  A.C.,  conforme  descreve 
Garnica  (2007).  Tratava‐se  da  concessão  de  exclusividade  na 
comercialização  de  uma  receita  culinária,  na  colônia  grega  de  Síbar. 
Segundo  VOUGA  (2007),  o  sistema  de  propriedade  intelectual  teria 
sido  introduzido  no  ocidente  a  partir  da  importação  do  sistema  de 
privilégios comerciais e de manufatura do Império Bizantino, na alta 
Idade  Média,  pelas  cidades‐estado  italianas.  Os  primeiros  sistemas 
visavam preservar interesses comerciais e militares de reis e senhores 
feudais. No entanto, como não era exigido o conceito de “novidade”, 
essas  concessões  diferem  muito  do  que  hoje  chamamos  de  patentes. 
Em muitas ocasiões, esses atos eram tomados discricionariamente por 
parte  de  autoridades  e  soberanos,  e  nem  sempre  visavam  tornar 
público o invento à sociedade. 
Florença foi o berço da primeira lei que tratava exclusivamente de 
monopólios  para  inovações,  em  1474,  cujo  objetivo  era  incentivar  a 
transferência de métodos e técnicas de produção. Assim como ocorre 
até hoje, o privilégio era concedido pelo registro, ou seja, ao primeiro 
que  depositava  a  patente,  e  não  necessariamente  ao  inventor.  Outra 
similaridade  com  o  sistema  atual  é  a  temporariedade  do  privilégio, 
que  com  o  tempo  passaria  ao  Estado  (VOUGA,  2007).  Também  no 
século XV, em Veneza, com a invenção da imprensa por Gutemberg, 
consolidou‐se  a  idéia  de  que  o  uso  público  dos  conhecimentos 
contribuía diretamente para a geração de novos inventos. A prática de 
copiar  trabalhos  populares  ou  de  autores  famosos  era  um  meio  de 
disseminar esses conhecimentos e não era só aceita, como desejável na 
sociedade.  Segundo  PEDROSO  JÚNIOR  et  al.,  foi  o  abuso  dessa 
prática o que deu origem ao sistema de proteção ao direito atual como 
entendemos hoje.  

319
Somente no século XVII, com o Estatuto dos Monopólios, a Coroa 
Britânica  difundiu  o  que  viria  a  se  tornar  mais  tarde  a  legislação  de 
patentes de diversos países. Há diversos registros sobre o histórico da 
legislação  de  patentes  na  Inglaterra.  O  Estatuto  da  Rainha  Ana, 
promulgado  em  1710,  foi  promulgado,  era  resultado  de  uma  aliança 
ventre  o  Estado,  a  Igreja  e  os  editores  da  época,  que  viram  seus 
supostos  direitos  serem  ameaçados  com  a  disseminação  das  prensas 
de impressão (PEDROSO JÚNIOR et al., 1998) 
Nos  Estados  Unidos,  a  “Patent  Act”,  promulgada  em  1790, 
transferiu  para  o  âmbito  técnico  questões  que  eram  tratadas 
predominantemente  pelo  âmbito  político  (GARNICA,  2007). 
Atualmente,  o  governo  americano  intervém  no  mercado  tecnológico 
através  da  concessão  de  incentivos  à  acumulação  e  aplicação  de 
capital privado, tendo como instrumento o Buy American Act (uso do 
poder  de  compra  do  Estado  em  favor  de  produtores  locais).  Existe 
também  o  Small  Business  Innovactive  Research,  um  programa  de 
financiamento  a  fundo  perdido  para  o  desenvolvimento  tecnológico 
de pequenos e microempresários. O apoio governamental de estímulo 
ao  P&D  para  facilitar  a  cooperação  entre  empresas,  universidade  e 
laboratórios federais teve início na década de 1960, e se expandiu com 
o Stevenson‐Wydler Tecnology Innovation Act, em 1980. Essa lei facilitou 
o acesso do setor industrial aos laboratórios federais, disponibilizando 
infraestrutura  especializada  e  oportunidades  de  parceria  no 
financiamento de tecnologias desenvolvidas por instituições públicas. 
O  Bayh‐Dole  Act  foi  outra  legislação  direcionada  para  a  questão  de 
propriedade  intelectual  uniforme,  sendo  responsável  pelo  aumento 
significativo  do  nível  de  patenteamento  nas  universidades.  A  lei 
permitiu que essas instituições, em parceria com pequenas empresas, 
retivessem  a  titularidade  de  patentes  derivadas  de  pesquisas 
financiadas  com  recursos  públicos,  e  facultou  a  transferência  dessa 
tecnologia  para  terceiros  (MATIAS‐PEREIRA  e  KRUGLIANSKAS, 
2005).  
No  século  XX,  foram  observados  por Gusmão (2002)  os  casos  do 
Japão,  cujos  programas  de  P&D  foram  voltados  para  a  reconstrução 
do  país  após  a  Segunda  Guerra  Mundial,  e  dos  Estados  Unidos, 
motivados  pela  Guerra  Fria.  A  Coréia  do  Sul,  por  meio  da  Lei  da 

320
Promoção  de  C&T  (Lei  1864/1967)  deflagrou  o  processo  de 
consolidação  do  desenvolvimento  tecnológico  e  à  criação  das  infra‐
estruturas  de  C&T,  com  base  no  modelo  learning  by  doing. 
Posteriormente,  em  1989,  foi  promulgada  a  Lei  da  Promoção  da 
Pesquisa Básica (Lei 4.196/1989), que expressa a visão política de que a 
inovação  depende  essencialmente  da  capacidade  inventiva  do  país 
para  fazer  face  ao  novo  modelo  de  desenvolvimento  industrial 
learning  by  research.  Em  1992,  foi  elaborado  o  programa  nacional  de 
P&D  denominado  Projetos  Nacionais  Altamente  Avançados, 
considerado  um  marco  na  política  de  C&T  coreana.  O  Ministério  de 
Ciência  e  Tecnologia  assumiu  o  papel  de  líder,  com  a  meta  elevar  a 
Coréia  à  categoria  de  economia  desenvolvida,  e  a  análise  de  suas 
práticas  demonstra  que foi  estruturado  naquele  país  um  conjunto  de 
normas e orientações adequadas que estão auxiliando o país a atingir 
os  objetivos  políticos  propostos  (MATIAS‐PEREIRA  e 
KRUGLIANSKAS, 2005). 
Na França, a política industrial apoiada na concessão de subsídios 
e na renúncia fiscal tem concedido fortes estímulos financeiros para a 
montagem  de  grandes  empreendimentos  em  áreas  estratégicas.  Por 
sua vez, as pequenas e médias empresas são contempladas com linhas 
de crédito subsidiado, com suporte tecnológico através de programas 
específicos. Enfim, foi promovida nas últimas décadas uma associação 
de  interesses  entre  o  Estado  e  setores  dinâmicos  da  economia,  com 
estimulo  à  criação  de  capacitação  produtiva  e  tecnológica  da 
indústria. 
O Brasil reconhece desde os tempos de Império a necessidade de 
estimular o progresso por meio da concessão de patentes. Nos tempos 
de  Dom  João  VI,  o  fomento  à  agricultura,  comércio,  navegação  e 
aumento  demográfico  visavam  a  prosperidade  do  Estado,  e  os 
inventores  possuíam  direito  de  exploração  de  seus  inventos  por  14 
anos.  Stal  e  Fujino  (2005)  consideram  que  o  Brasil  está 
aproximadamente  duas  décadas  atrasado  em  relação  aos  países 
desenvolvidos  na  questão  da  gestão  tecnológica.  Com  algumas 
exceções, as universidades brasileiras não se dedicaram a sistematizar 
a  transferência  de  tecnologia  ali  gerada,  e  isso  ocorreu  por  falta  de 
definição  de  procedimentos  e  diretrizes  para  as  atividades 

321
cooperativas. Por ter optado, em um momento anterior, pelo modelo 
linear de inovação, a política de gestão tecnológica brasileira alcançou 
um índice de patentes muito aquém de sua participação na produção 
científica mundial. 
 
Sistema Nacional de Inovação 
 
Segundo o modelo adotado em cada nação, os atuais sistemas de 
propriedade  intelectual  são  compostos  por  um  conjunto  de 
características  que  constituem  arranjos  particulares.  Envolvem 
principalmente  a  relação  entre  a  duração  do  monopólio,  sua 
abrangência  (proteção  contra  produtos  similares),  altura  (tratamento 
de  inovações  subseqüentes),  obrigatoriedades  em  termos  de 
transferência tecnológica e seus custos sociais (VOUGA, 2007). 
Lundvall  (1992)  dá  a  seguinte  definição  para  os  Sistemas 
Nacionais de Inovação: 
 
“(...) são constituídos de elementos e relações que interagem na produção, 
difusão  e  uso  de  conhecimento  novo  e  economicamente  útil.  De  forma 
ampla,  este  processo  envolve  todas  as  partes  e  aspectos  da  estrutura 
econômica e sua configuração que afetam o processo de aprendizado nas 
empresas  e  entidades  tecnológicas,  o  que  inclui  os  subsistemas  de 
produção, de marketing e de finanças.” 
 
O  autor  define  como  principais  elementos  do  sistema:  a)  a 
organização  interna  das  firmas,  englobando  a  maneira  como  se  dá  o 
fluxo  de  trabalho,  as  políticas  promocionais,  interação  da  base 
produtiva  com  departamentos  de  P&D  e  marketing;  b) 
relacionamentos  entre  firmas,  incluindo  relação  produtor‐usuário, 
redes  de  relacionamento  e  distritos  industriais;  c)  a  configuração  do 
setor  financeiro,  envolvendo  a  disponibilidade  de  crédito,  capital  de 
risco  e  programas  de  incentivo  à  inovação;  d)  o  setor  público, 
enquanto  entidade  de  regulação  e  estabelecimento  de  padrões  e 
normas,  orientando,  mediante  políticas  públicas,  a  direção  das 
tendências  de  inovação  de  um  país;  e)  estrutura  de  ensino  e 
organização  de  P&D,  tida  como  um  dos  principais  insumos  do 
processo de inovação (LUNDVALL, 1992). 

322
Já Albuquerque (1996) classificou os sistemas de inovação em três 
tipos: líderes, difusores e fragmentados. Eles se distinguem através da 
prioridade  nacional  conferida  à  P&D  (mensurada  pela  participação 
destes  gastos  no  total  do  PIB),  ao  empreendedorismo  tecnológico  do 
setor privado (medido com a participação de empresas nos gastos de 
P&D  de  um  país)  e  à  escala  de  investimentos  (tamanho  do  PIB  em 
termos  absolutos  e  disponibilidade  de  capital  para  grandes  projetos 
de  pesquisa).  Os  países  considerados  líderes  maximizam  as  três 
variáveis (ex. Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França 
e  Itália);  os  difusores  concentram‐se  nas  duas  primeiras  (ex.  Suécia, 
Dinamarca,  Coréia  do  Sul  e  Taiwan);  já  os  países  fragmentados 
apresentam baixos índices de desenvolvimento nas três categorias (ex. 
Brasil e a Argentina) 
 
O papel da universidade 
 
Nem  sempre  a  pesquisa  foi  papel  da  universidade  que,  por 
séculos,  foi  vista  como  local  alheio  aos  acontecimentos  sociais  e 
econômicos.  Na  Idade  Média,  a  razão  de  existir  da  universidade  era 
apenas a transmissão de conhecimento, ou seja, o ensino. A “Primeira 
Revolução  Acadêmica”,  na  virada  do  século  XIX  para  o  século  XX, 
caracterizou a interconectividade entre ensino e pesquisa, alterando a 
missão  e  o  formato  da  universidade  para  a  construção  de  um  novo 
projeto  de  Estado.  O  interesse  do  setor  produtivo  no  conhecimento 
gerado  na  universidade  se  tornou  mútuo,  pois,  com  a  escassez  de 
recursos  públicos  destinados  à  pesquisa,  a  academia passou  a  contar 
com essa interação de capital.  
A “Segunda Revolução Acadêmica” surgiu dentro desse contexto 
onde, através da propriedade intelectual, a pesquisa poderia culminar 
em um bem comercializável. Isso estimulou a incorporação de novas 
atividades  na  universidade,  como  a  criação  de  incubadoras  e  o 
fomento  ao  empreendedorismo  tecnológico.  As  universidades,  além 
de suas clássicas atividades de ensino e pesquisa, estão, portanto, cada 
vez  mais  incorporando  uma  terceira  atividade:  a  atuação  em 
desenvolvimento econômico local e regional. Um novo contrato social 
entre  universidade  e  sociedade  está  sendo  elaborado,  no  qual  o 

323
financiamento  público  para  a  universidade  está  condicionado  à  sua 
contribuição  direta  para  a  economia.  A  criação  do  Massachusetts 
Institute  of  Technology  (MIT),  em  1862,  é  considerada  um  marco 
inicial dessa Segunda Revolução. Desde então, esse modelo passou a 
ser  transferido  para  outros  centros  universitários.  (ETZKOWTIZ, 
2004).  
Torkomian (1997) afirma que, além de suas funções fundamentais 
(a  formação  de  recursos  humanos  qualificados  e  a  geração  de 
conhecimento),  a  universidade  tem  o  papel  social  de  contribuir  de 
forma efetiva para a discussão, proposição de alternativas e resolução 
de problemas da sociedade onde está inserida. 
 
A relação universidade‐empresa no sistema de inovação 
 
Alguns  autores  propuseram  modelos  para  a  relação  entre 
universidade, governo e mercado dentro da ótica da transferência de 
conhecimento.  O  sociólogo  argentino  Jorge  Sábato  propôs  o  modelo 
“Triângulo  de  Sábato”,  onde  o  Estado  é  o  principal  agente  na 
articulação  da  infraestrutura  de  ciência  e  tecnologia  para  inovação 
(TERRA, 2001).  
O  modelo  mais  citado  na  literatura  é  o  da  Hélice  Tripla,  proposto 
por Etzkowtiz e Leydesdorff (2000) como alternativa ao modelo linear 
de inovação, e que evoluiu naturalmente em suas próprias versões. Na 
primeira,  denominada  Triple  Helix  I,  o  estado‐nação  inclui  o  setor 
produtivo  e  a  academia.  No  Triple  Helix  II,  as  fronteiras  das  esferas 
institucionais  são  mais  bem  definidas,  vinculando  sua  política  ao 
princípio  de  livre  mercado.  Em  sua  terceira  e  última  variação,  a  Triple 
Helix III detalha o surgimento de organizações híbridas, derrubando as 
fronteiras  entre  essas  esferas,  cuja  interação  gera  uma  infraerstrutura 
que  se  sobrepõe  a  elas.  Em  comum  nesses  modelos,  o  fato  de  a 
intensificação  da  interação  entre  governo,  empresa  e  universidade 
potencializar  as  contribuições  de  cada  um  deles  para  o  processo  de 
inovação, através da reformulação de seus arranjos institucionais.  
Gusmão  (2002)  descreve  os  fatores  que  colaboraram  para  o 
crescimento  significativo  da  relação  univesidade‐empresa:  aceleração 
do  ritmo  de  transição  em  direção  a  uma  economia  baseada  no 

324
conhecimento; globalização da economia e concorrência entre firmas; 
restrições  orçamentárias  e  redução  generalizada  dos  financiamentos 
públicos  à  pesquisa;  estreitamento  dos  ciclos  de  vida  dos  produtos; 
processos de externalização das atividades de pesquisa das indústrias, 
em  benefício  dos  institutos  públicos  e  universidades;  e  modificações 
nas  regras  de  propriedade  intelectual  dos  resultados  das  pesquisas 
financiadas com fundos públicos. 
Como fatores motivadores a essa relação, Bonnacorsi e Piccaluga 
(1994)  enxergam,  do  lado  da  universidade:  a  falta  de  fontes 
financiadoras; a carência de recursos; a realização da função social; o 
aumento  do  prestígio  institucional;  a  difusão  do  conhecimento;  o 
contato  com  o  ambiente  industrial.  Já  do  lado  das  empresas, 
identificam  os  seguintes  fatores:  carência  de  recursos;  custos  do 
licenciamento  de  tecnologia  estrangeira;  boas  experiências  em 
cooperações  anteriores;  acesso  às  fronteiras  científicas  do 
conhecimento;  estímulo  à  criatividade;  divisão  de  risco;  acesso  a 
laboratórios  e  equipamentos;  melhoria  da  imagem;  e  diminuição  do 
tempo no desenvolvimento da tecnologia. 
Etzkowitz  (2004)  explicita  a  diferença  na  relação  entre 
universidade  e  empresa  em  diferentes  países.  Em  alguns  deles,  as 
universidades  realizam  grande  parte  da  pesquisa  básica;  em  outros, 
universidades  e  institutos  participam  igualmente  no  processo  de 
inovação.  Já  em  outros,  a  participação  das  empresas  privadas  em 
pesquisa conjunta é expressiva. 
Matias‐Pereira  e  Kruglianskas  (2005)  sintetizam  que  o  Brasil, 
apesar de produzir ciência de fronteira, não consegue interagir em um 
nível  adequado  com  o  setor  produtivo,  pois  o  modelo  de 
desenvolvimento adotado nas últimas décadas não criou condições e 
estímulos para a criação de estruturas de pesquisa e desenvolvimento 
nas empresas.  
 
A legislação brasileira e a Lei da Inovação 
     
A  legislação  sobre  propriedade  intelectual  no  Brasil  é  objeto  de 
constante  atualização,  que  visa  atingir  um  equilíbrio  entre  os 
interesses do inventor e da sociedade.  

325
Os principais dispositivos legais, segundo Garnica (2007), são: Lei 
9.279/1996:  regula  direitos  e  obrigações  relativos  à  propriedade 
industrial;  Lei  9.456/1997:  institui  a  lei  de  proteção  de  cultivares;  Lei 
9609/1998:  dispõe  sobre  a  propriedade  intelectual  de  programas  de 
computador; Lei 9610/1998: altera e atualiza a legislação sobre direitos 
autorais;  Lei  10.196/2001:  regula  direitos  e  obrigações  relativos  à 
propriedade  industrial;  Lei  10.603/2002:  dispõe  sobre  a  proteção  de 
informação  não  divulgada  para  a  comercialização  de  produtos 
farmacêuticos  e  afins;  Lei  10.973/2004:  dispõe  sobre  incentivos  à 
inovação  e  pesquisa  científica  e  tecnológica  no  ambiente  produtivo. 
As  legislações  citadas  acima,  que  não  são  o  objeto  principal  deste 
estudo,  vieram  em  substituição  ao  antigo  Código  de  Propriedade 
Industrial (Lei 5.772/1971).  
Segundo  Pedroso  Júnior  et  al.  (1998),  a  Lei  9610/1998,  que  trata 
sobre direito autoral em geral, e a Lei 9609/1998, que regula os direitos 
autorais  de  programas  de  computador,  surgiram  após  anos  de 
pressões internacionais para que o tema propriedade intelectual fosse 
incluído  na  pauta  de  negociações  da  Rodada  Uruguai  do  GATT  ‐ 
General Agreement on Tariffs and Trade.  
Um anteprojeto apresentado em 2001 na Conferência Nacional de 
Ciência  e  Tecnologia,  organizada  pelo  Ministério  de  Ciência  e 
Tecnologia, deu os primeiros passos para a criação da nova legislação 
brasileira  de  propriedade  intelectual.  A  Lei  10.973/2004  (Lei  da 
Inovação) foi regulamentada em 2005, com o propósito de formalizar 
e  concretizar  a  posição  do  governo  com  relação  à  gestão  da  política 
tecnológica  nas  instituições.  Visou  também  estimular  a  cooperação 
universidade‐empresa  e  criar  ambientes  propícios  à  inovação, 
regulamentando  a  distribuição  de  royalties,  a  participação  de 
pesquisadores  públicos  na  iniciativa  privada,  utilização  de 
laboratórios,  entre  outros.  A  lei  prevê  que  essas  instituições, 
denominadas  de  ICT’s  (Instituições  Científicas  e  Tecnológicas) 
disponham  de  núcleos  responsáveis  pela  gestão  de  sua  política 
científico‐tecnológica  e  pela  operacionalização  dos  processos  de 
patenteamento e licenciamento.  
Dentre as novidades da Lei da Inovação, destacam‐se: a permissão 
para  afastamento  de  pesquisadores  para  criação  de  empresas;  a 

326
permissão de uso de laboratórios para atividades inventivas; a criação 
de  núcleos  de  inovação  tecnológica  (ETT’s);  a  possibilidade  de 
parcerias com o setor público e privado; a regulamentação da divisão 
de ganhos econômicos decorrentes do licenciamento; dentre outras. O 
aumento do interesse e da participação de universidades e instituições 
de  pesquisa  pelo  patenteamento  é  um  efeito  da  evolução  dessa 
legislação,  que  privilegiou  também  o  intercâmbio  entre  essas 
instituições (STAL E FUJINO, 2005). 
Stal e Fujino (2005) também buscaram identificar o impacto da Lei 
da  Inovação  sobre  as  universidades  e  empresas  brasileiras.  A 
conclusão do estudo foi de que 65% dos empresários acreditavam que 
a  lei  contribuiria  apenas  parcialmente  para  solucionar  os  problemas 
existentes,  enquanto  35%  alegaram  que  as  disposições  contêm 
omissões  que  não  deveriam  ocorrer.  E  ainda  dois  terços  dos 
entrevistados  consideram  que  as  universidades  foram  as  mais 
beneficiadas pela nova legislação, e 73% declararam ser fundamental 
para a empresa a exclusividade no licenciamento. 
Analisando  o  Sistema  de  Ciência  e  Tecnologia  do  Brasil  (SCTB) 
sob  uma  abordagem  funcionalista  e  sistêmica,  Matias‐Pereira  e 
Kruglianskas  (2005)  concluem  a  que  a  Lei  de  Inovação  Tecnológica 
surgiu  como  instrumento  institucional  relevante  para  apoiar  as 
políticas industrial e tecnológica no Brasil. Segundo os autores, Lei de 
Inovação  Tecnológica  está  orientada  para:  a  criação  de  um  ambiente 
propício  a  parcerias  estratégicas  entre  universidades,  institutos 
tecnológicos  e  empresas;  o  estímulo  à  participação  de  instituições  de 
ciência e tecnologia no processo de inovação; e o incentivo à inovação 
na empresa.  
 
Os ETT’s – Escritórios de Transferência de Tecnologia 
 
A  Segunda  Revolução  Acadêmica  mudou  o  papel  da 
universidade, que incorporou novas funções para contribuir de forma 
direta  com  o  desenvolvimento  social  e  econômico  do  Estado.  Sua 
estrutura  sofreu  adequações  para  funcionar  como  canal  de 
transferência,  através  de  licenciamento  da  tecnologia  e  atividades  de 
extensão (ETZKOWITZ, 2004). 

327
Terra (2001) alega que a criação de organizações de interface para 
assistir,  apoiar  e  administrar  o  processo  de  transferência  tecnológica 
(genericamente  denominadas  Escritórios  de  Transferência  de 
Tecnologia – ETT’s) foi uma resposta para as dificuldades notadas na 
cooperação  universidade‐empresa.  Segundo  a  Organização  para  a 
Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2003), ETT’s são 
“organizações  ou  parte  de  uma  organização  que  ajudam,  nas 
organizações  públicas  de  pesquisa,  a  identificar  a  administrar  seus 
ativos  intelectuais,  incluindo  a  proteção  da  propriedade  intelectual  e 
transferindo  ou  licenciando  os  direitos  a  terceiros  visando  a  um 
desenvolvimento  complementar”.  Diferentes  estruturas  com  outros 
nomes cumpriam essas finalidades nas universidades antes da Lei de 
Inovação.  Atualmente,  os  nomes  mais  utilizados  são  “Agência  de 
Inovação” ou “Núcleo de Inovação Tecnológica” tal como proposto na 
Lei. (TERRA, 2001) 
Segundo  Siegel,  Valdman  e  Link  (2003),  os  ETT’s  são  stakeholders 
que atuam com o papel de intermediador no processo de transferência 
tecnológica.  Dentro  de  sua  a  cultura  organizacional  burocrática, 
organiza  as  informações,  protege  as  tecnologias  e  facilita  sua 
comercialização. De um lado, apóiam os cientistas responsáveis pelas 
descobertas,  cuja  preocupação  se  concentra  no  reconhecimento  da 
academia  e  no  financiamento  de  sua  pesquisa.  Do  outro,  se 
relacionam  com  o  mercado,  ávido  pelos  ganhos  financeiros  oriundos 
dessas inovações.  
Para  Torkomian  (1997),  o  objetivo  dessas  estruturas  internas  da 
universidade é facilitar o transbordamento do conhecimento científico 
para  o  segmento  empresarial,  mediante  o  desenvolvimento  de 
pesquisas  conjuntas,  a  geração  de  spinoffs  acadêmicos  e  o 
licenciamento  de  patentes depositadas pelas  universidades. A  autora 
considera a existência dessas estruturas um sinal de amadurecimento 
das universidades no desempenho de suas atividades direcionadas ao 
desenvolvimento econômico. 
As  atividades  básicas  desenvolvidas  pelos  ETT’s  são,  segundo 
Santos  e  Solleiro  (2004):  a  busca  e  recebimento  de  relatórios  de 
invenções  de  pesquisadores;  decisão  sobre  o  patenteamento  de 
invenções  com  recursos  externos;  depósito  e  comercialização  de 

328
patentes;  negociação  e  administração  de  acordos  de  licenciamento; 
monitoramento  do  trâmite  legal  dos  processos;  a  busca  de  empresas 
que se interessem pelas tecnologias protegidas.  
Os  primeiros  ETT’s  foram  estabelecidos  nos  Estados  Unidos,  na 
década  de  1920.  Segundo  Rogers,  Takegami  e  Yin  (2001),  as 
Universidades de Winsconsin at Madison, de Iowa e o Massachusetts 
Institute  of  Technology  (MIT)  foram  as  primeiras  a  adotar  essas 
estruturas. A maioria das universidades só foi criar seus ETT’s a partir 
da década de 1970. Mas só na década seguinte, com o Bayh‐Dole Patent 
and  Trademark  Amendments  Act,  o  intenso  volume  de  recursos 
arrecadados pelas Universidades de Michigan e Standford favoreceu a 
multiplicação desses escritórios, que saltaram de 25 em 1980 para mais 
de 200 na década seguinte.  
No  Brasil,  os  ETT’s  foram  criados  por  determinação  da  Lei  da 
Inovação  (Lei  10.973/2004),  cujo  artigo  16  exige  que  esses  núcleos 
existam e sejam consultados nos casos de pesquisa passíveis de serem 
patenteadas.  Com  foco  na  estrutura,  a  legislação  indicou  a 
necessidade  de  que  as  instituições  científicas  e  tecnológicas 
disponham de Núcleo de Inovação Tecnológica, porém a terminologia 
“escritório  de  transferência  de  tecnologia”  (ETT)  é  mais  comum  na 
literatura  internacional.  Terra  (2001)  verifica  que  os  ETT’s  brasileiros 
são  vistos  como  parte  de  um  sistema  local  de  inovação,  cujo 
funcionamento  se  dá  dentro  de  uma  estrutura  acadêmica.  A 
formulação  de  políticas  de  C&T  e  a  interação  universidade‐empresa‐
governo se intensificaram com a atuação desses escritórios. 
 
A comunicação como ferramenta das agências de inovação 
 
A  literatura  revela  duas  perspectivas  filosóficas  ao  mapear  o 
processo de transferência de tecnologia. A primeira vê o processo de 
maneira linear, onde o conhecimento se move sempre de instituições 
de pesquisa para a empresa, mediado por um agente de transferência, 
reforçando  o  papel  dessas  “estruturas  de  apoio”.  Na  segunda 
perspectiva,  o  foco  é  na  comunicação  ente  as  instituições,  através  de 
seus  profissionais  ligados  ao  processo  de  transferência  tecnológica. 
Com  frequência,  analisa  problemas  de  comunicação,  tendo  como 

329
objeto  a  construção  de  alianças  entre  os  facilitadores  do  processo. 
(HARMON, 1997). 
Para  Terra  (2001),  o  modelo  dinâmico  da  Hélice  Tripla  expressa 
grande  densidade  de  fluxos  de  comunicação,  formação  de  redes  e 
organizações  entre  academia,  indústria  e  Estado.  Isso  mostra  uma 
grande  capacidade  de  adaptação  a  um  cenário  em  constantes 
mudanças.  
A  transferência  e  utilização  de  qualquer  tecnologia  envolvem, 
com  frequência,  um  conjunto  de  conhecimentos  tácitos  e  implícitos 
que  necessitam  ser  transferidos  simultaneamente.  São,  portanto, 
processos  de  comunicação  interpessoal,  compostos  de  percepções 
residentes na mente humana (CYSNE, 2005). 
 Os  mecanismos  para  transferência  de  tecnologia  se  tratam, 
portanto,  de  canais  de  comunicação.  Rogers,  Takegami  e  Yin  (2001) 
destacam  cinco  desses  mecanismos: a) spin‐offs:  transferência  de uma 
inovação tecnológica para um novo empreendimento constituído por 
um  indivíduo  oriundo  de  uma  organização‐mãe;  b)  licenciamento: 
garantias de permissão ou uso de direitos de certo produto, desenho 
industrial  ou  processo;  c)  publicações:  artigos  publicados  em 
periódicos  acadêmicos;  d)  encontros:  interação  face  a  face,  na  qual 
uma  informação  técnica  é  trocada;  e)  projetos  de  P&D  cooperativos: 
acordos para compartilhamento de pessoas, equipamentos, direitos de 
propriedade  intelectual,  geralmente,  entre  institutos  públicos  de 
pesquisa e empresas privadas em uma pesquisa. 
Garnica  (2007)  averiguou  em  seu  estudo  que,  em  geral,  a 
comunicação  entre  universidade  e  empresa,  realizada  através  dos 
ETT’s, é considerada satisfatória. Araújo (1981) discorre que enquanto 
canais  de  comunicação  e  recursos  técnicos  internos  altamente 
desenvolvidos são vitais para o sucesso na resolução de problemas, o 
fluxo de informação do meio ambiente externo é também crítico para 
soluções técnicas eficazes. 
Santos  e  Solleiro  (2004)  realizaram  estudo  acerca  das  práticas  de 
gestão  utilizadas  nos  ETT’s  brasileiros,  comparando  seus  websites 
com  ETT’s  de  países  como  a  França,  Estados  Unidos  e  Espanha.  O 
estudo  empírico  concluiu  que  os  serviços  prestados  por  essas 
organizações  não  se  diferem  muito  entre  os  países.  Dentre  os 

330
principais, destacam‐se o atendimento de demandas tecnológicas e de 
gestão  empresariais,  a  gestão  de  serviços  tecnológicos  e  a  elaboração 
de convênios e contratos. Entre as variáveis para um modelo de ETT 
baseado em boas práticas de gestão, destaca‐se a questão da estrutura 
organizacional,  que  deve  refletir  a  política  e  a  missão  institucional, 
não  deixando  de  se  basear  em  procedimentos  típicos  do  setor 
empresarial, como agilidade, flexibilidade, qualidade e capacidade de 
sensibilização. 
 
Considerações finais 
 
Considerando  que  o  processo  de  transferência  tecnológica 
acontece através de fluxos e canais de comunicação interpessoal, fica 
evidente que um ambiente propício às boas práticas de gestão e com 
uma  estrutura  flexível  favorece  a  inovação.  Novas  iniciativas,  que 
visem  reduzir  a  morosidade  burocrática  ligada  ao  desenvolvimento 
de novos canais de comunicação e sistemas de informação, devem ser 
fomentadas  pelo  Poder  Público.  Entretanto,  os  canais  informais  e 
contatos pessoais face‐a‐face ainda são meios importantes. 
A  legislação  brasileira,  assim  como  a  dos  demais  países,  está  em 
constante  atualização,  evoluindo  na  busca  um  equilíbrio  entre  os 
interesses  do  inventor  e  da  sociedade. O  recente  aumento  recente  no 
número de patentes depositadas pelas universidades brasileiras pode 
estar relacionado à criação das agências de inovação, consequência da 
Lei  10.973/2004.  Esse  dispositivo  deixou  mais  clara  a  definição  do 
papel  e  as  tarefas  a  serem  desempenhadas  pelos  mecanismos  de 
transferência de tecnologia.  
Os  estudos  já  realizados  nas  Agências  de  Inovação  levam  a 
concluir  que  elas  tem  conseguido  cumprir  seu  papel,  ajudando  a 
universidade a realizar sua missão institucional. No entanto, práticas 
como  dar  maior  visibilidade  às  tecnologias  ali  desenvolvidas  são 
essenciais  para  seu  desenvolvimento.  A  atenção  também  deve  ser 
focada  na  gestão,  na  estrutura  organizacional,  na  política  e  a  missão 
institucional,  utilizando  os  princípios  do  setor  empresarial,  como 
agilidade, flexibilidade, qualidade e capacidade de sensibilização. 

331
O  Brasil  deve  seguir  o  exemplo  dos  países  desenvolvidos  para 
tornar sua participação mundial no registro de patentes proporcional 
à sua produção científica. Como consequência, deve optar pelo desuso 
do modelo linear de inovação, buscando maior interação com o setor 
produtivo através de novos arranjos institucionais. É aí que entram as 
agências  de  inovação,  atuando  como  novos  atores  que  podem 
aperfeiçoar esse processo. 
 
 
 
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333
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334
ELABORAÇÃO DE METODOLOGIAS PARA  
PROSPECÇÃO TECNOLÓGICA 
 
Renan Carvalho Ramos 
Leandro Innocentini Lopes de Faria 
 
 
 
 
A tecnologia e o desenvolvimento sustentável 
 
A tecnologia sempre fez parte da atividade humana, todavia houve 
um  período  que  ela  era  considerada  unicamente  como  resultado  do 
desenvolvimento  científico.  Durante  o  século  XX,  novas  maneiras  de 
abordar as práticas científicas e tecnológicas e de vê‐las como parte da 
sociedade  afloraram‐se.  Essa  corrente  de  pesquisa,  que  busca 
compreender  como  funciona  o  fazer  científico  e  como  ele  se  relaciona 
com a tecnologia e a sociedade, ganhou força principalmente a partir da 
década de 40. 
 
A  concepção  clássica  das  relações  entre  ciência,  tecnologia  e  sociedade, 
embora  presente  em  boa  medida  em  diversos  âmbitos  do  mundo 
acadêmico  e  em  meios  de  divulgação,  é  uma  concepção  essencialista  e 
triunfalista.  Pode‐se  resumir  em  uma  equação  simples:  +  ciência  =  + 
tecnologia = + riqueza =  + bem‐estar social (LÓPEZ CEREZO, 2004, p. 12. 
grifo do autor). 
 
Até a década de 50 os estudos sobre tecnologia eram marcados por 
uma  estrutura  linear,  de  que  com  mais  ciência  é  possível  mais 
tecnologia  em  consequência  mais  riqueza  e  mais  bem  estar  social. 
Porém  no  pós‐guerra  os  estudiosos  sociais  da  ciência  como  Robert  K. 
Merton,  Bruno  Latour  e  David  Bloor  demonstram  que  a  ciência  e  a 
tecnologia  não  são  neutras,  mas  sim  estão  sob  constante  interferência 
dos atores sociais como o governo, a economia e a própria ciência. 
 
[...]  a  seleção  de  temas  de  pesquisa,  os  métodos,  os  tempos  e  as 
oportunidades não são fixados de forma autônoma pelos cientistas, senão, 

  335
cada  vez  mais,  por  redes  de  atores  que  perseguem  os  mais  variados 
interesses  em  relação  aos  conhecimentos  possíveis,  entre  os  quais  os 
empresários,  os  engenheiros  das  fábricas  e  os  financistas,  tem  papel  mais 
relevante.  (VACCAREZZA, 2004. p. 55). 
   
Encara‐se  a  tecnologia,  mesmo  que  sob  interferência  de  diversos 
atores,  como  elemento  chave  para  a  construção  de  uma  sociedade 
ambientalmente  sadia,  socialmente  justa  e  economicamente  lucrativa, 
ou  seja,  uma  sociedade  sustentável.    E  o  rápido  desenvolvimento 
tecnológico  que  vivenciamos,  pode  catalisar  o  processo  de  construção 
desta sociedade. 
Há  pelo  menos  dois  fatores  que  propiciaram  a  mudança  da 
dinâmica de inovação tecnológica no mundo:  
• no  contexto  político‐econômico,  houve  uma  diminuição  da 
participação  do  Estado  na  economia  e  com  isso  as  empresas 
ganharam força e intensificou‐se a competição.  
• o  desenvolvimento  científico,  que  é  uma  das  bases  da  inovação, 
passou a ser originado e justificado cada vez mais no contexto da 
aplicação, além disso, a interação com as empresas, apesar de ser 
pequena, aumentou. 
Neste  cenário,  a  obtenção  de  vantagem  competitiva  tornou‐se 
essencial e estratégico para as empresas, que precisaram modificar sua 
filosofia de gestão e passaram a apostar na inovação. 
 
A importância da prospecção tecnológica 
 
A  temática  inovação  tecnológica  vem  ganhando  cada  vez  mais 
destaque na economia capitalista, globalizada e competitiva deste final 
de século XX e começo do século XXI. Imersos em um mercado baseado 
na  inovação,  as  grandes  empresas  precisam  lançar  novos  produtos  e 
serviços  constantemente  para  obter  vantagem  competitiva.  Nesse 
contexto,  a  obtenção  de  informação  tecnológica  torna‐se  estratégico 
para  sobrevivência  delas.  É  necessário  analisar  informações  sobre 
produtos e serviços inovadores anteriormente inventados pela própria 
empresa e pelos seus concorrentes, a fim de verificar qual o estado da 
técnica  de  um  dado  produto,  as  ameaças  e  oportunidades,  mapear 
forçar  e  fraquezas  dos  concorrentes.  Além  disso,  é  de  extrema 

336  
relevância  verificar  o  que  vem  sendo  pesquisado  e  elaborado  pelos 
concorrentes.  
A  prospecção  tecnológica  pode  ser  considerada  como  uma 
atividade  de  apoio  à  tomada  de  decisão,  realizada  principalmente  no 
ambiente empresarial de inovação. Essa atividade pode promover uma 
previsão do ambiente tecnológico do futuro e direcionar os tomadores 
de decisão a seguirem determinadas estratégias.  
A  primeira  atividade  de  que  se  tem  notícia  sobre  prospecção 
tecnológica  é  de  1935,  quando  New  Deal’s  National  Resource 
Commission  encarregou  uma  comissão  para  analisar  o  futuro  de  13 
invenções,  prevendo  quais  seriam  os  impactos  econômicos  e  sociais 
dessas novas tecnologias (COATES, 2001). 
“A  prospecção  tecnológica  baseia‐se  tanto  em  informação 
proveniente  de  bases  de  dados  como  da  experiência  pessoal  de 
especialista,  para  sugerir  quais  serão  os  desenvolvimentos  futuros.” 
(FARIA, 2001, p. 7). 
Então  é  possível  dizer  que  a  prospecção  tecnológica  auxilia  na 
elaboração de um plano de ação para o futuro, ou seja, de um caminho 
que  organização  deve  seguir  para  atingir  determinados  objetivos. 
Dessa  forma,  as  decisões  tomadas  no  presente  também  devem  visar  o 
aproveitamento de oportunidades no futuro. 
Dentro das organizações há outra atividade vinculada à prospecção 
tecnológica,  trata‐se  da  inteligência  competitiva  (IC),  atividade  “[...] 
cuja  preocupação  é  identificar  quem  detém  ou  desenvolve  que 
tecnologias,  conhecimentos,  processos,  produtos  e  mercados,  para 
antencipar  desenvolvimentos  futuros  em  curto  e  médio  prazos.” 
(FARIA, 2001, p.7).  
 
Patentes como fonte de informação tecnólogica 
 
Informação  e  conhecimento  são  matérias‐primas  para  a  realização 
dessas  atividades,  que  precisam  ser  tratadas  e  analisadas  para  a 
geração  de  indicadores  uteis  e  compreensíveis.  As  patentes  são  fontes 
de  informação  que  de  forma  geral  contêm  dados  sobre  uma 
determinada  tecnologia  que  nenhuma  outra  fonte  de  informação 
possui.  

  337
Se  se  considerar  que  pelo  menos  de  10%  da  informação  contida  em 
documentos  de  patentes  é  publicada  em  relatórios  técnicos  e  periódicos, 
compreender‐se‐á  a  importância  desta  forma  de  literatura  técnica. 
(CAMPELLO; CAMPOS, 1993, p. 90) 
 
 Para  citar  um  exemplo,  as  patentes  contêm  o  método  de 
manufatura  de  um  dado  produto.  Além  disso,  as  patentes  podem 
apresentar uma série de informações relevantes para as empresas com 
economia baseada na inovação. “A patente é o direito que se concede a 
uma pessoa, através de um documento oficial chamado ‘Carta‐Patente’, 
do  uso  exclusivo,  durante  certo  período  de  tempo,  de  algo  que  tenha 
inventado,  criado  ou  aperfeiçoado.”  (ARAÚJO,  1981,  p.  27).  Para  que 
esse  direito  seja  concedido  é  necessário  seguir  algumas  normas  e 
procedimentos como afirma Araújo (1981): 
 
Para que uma patente possa ser concedida, dentro das normas nacionais e 
internacionais  é  necessária  a  apresentação,  ao  órgão  competente,  de  um 
relatório  que  contenha  a  descrição  pormenorizada  do  objeto  da  patente  e 
sua  aplicação  industrial;  das  reivindicações  —  que  definem  e  limitam  o 
objeto; dos desenhos — quando couber; e de um resumo. Além de conter a 
tecnologia  de  forma  bastante  detalhada,  a  documentação  incluí  também 
dados bibliográficos altamente significativos — nome do(s) inventores, do 
requerente da patente (que podem ser diferentes), área do conhecimento e 
vinculações com outras patentes a cuja família pertença —, quando couber. 
Após sua concessão, a patente é publicada sob a forma de um documento.  
(ARAÚJO, 1981, p. 27) 
 
Observa‐se  o  conteúdo  de  uma  patente  possui  informações 
relevantes e estratégicas para o desenvolvimento tecnológico. Todavia, 
é necessário levar em consideração que nem todas as patentes contêm 
informação  útil  ou  interessante.  Muitas  vezes  a  patente  apresenta 
descrições  ligeiras  e  de  difícil  compreensão  para  os  leitores. 
(CAMPELLO; CAMPOS, 1993).  
Analisar um documento de patente é algo difícil e laborioso. Uma 
vez  que,  esses  documentos  descrevem  um  invento  ou  uma  melhoria 
funcional  de  um  objeto  de  forma  técnica  e  a  utilizar  termos 
demasiadamente  específicos.  Em  geral  as  patentes  não  são 
compreensíveis para o público leigo, mesmo os especialistas dessa área 

338  
têm dificuldade em entender minuciosamente o que foi descrito. Diante 
disso,  levanta‐se  a  hipótese  de  que  a  elaboração  de  um  método  que 
categorize  os  dados  textuais  de  um  documento  de  patente 
automaticamente  de  tal  forma  que  possibilite  identificar  termos  e 
documentos  relevantes  para  o  desenvolvimento  tecnológico  seja  uma 
ferramenta  útil  no  processo  de  seleção  e  análise  desses  documentos, 
servindo  assim  como  recurso  catalisador  do  processo  de  obtenção  de 
informação tecnológica.  
Dentro  dos  estudos  sobre  análise  de  informação  há  o  estudo  de 
BRISTMAN  (2000),  que  utilizou  e  elaborou  um  método  para  analisar 
documentos  de  patentes,  a  partir  do  Microsoft  Access  ‐  software  que 
cria  e  gerencia  informações  em  banco  de  dados,  possibilitando,  por 
meio  da  identificação  das  reivindicações  (claims)  das  patentes,  a 
obtenção,  relevante  e  sintética  de  informações  sobre:  o  estado  da 
técnica, oportunidade e ameaças tecnológicas e grau de dificuldade de 
fabricação de um dado produto. 
  
Metódos de análise de patentes 
 
Dentro  das  empresas  o  desenvolvimento  de  metodologia  que 
analisem  documentos  de  patentes  é  essencial  para  obtenção  de 
informação  tecnológica  e  vantagem  competitiva,  por  isso  é  dada 
atenção a metodologias que catalisem esse processo.  
A elaboração métodos de análise do texto integral de documentos 
de  patentes  pode  colaborar  no  processo  de  seleção  e  análise  de 
documentos que contenham informação tecnológica, além de: 
• facilitar a análise de patentes; 
• facilitar a seleção de patentes; e 
• contribuir  para  a  compreensão    das  características  de  um 
documento de patente. 
As  grandes  empresas  que  contam  com  o  setor  de  pesquisa  e 
desenvolvimento, atualmente, já dispõem de acesso às bases de dados 
de  patentes  e  de  softwares  de  análise  e  tratamento  de  dados  que 
possibilitem  a  elaboração  de  indicadores  úteis  para  a  prospecção 
tecnológica.  

  339
O desenvolvimento de metodologias que possibilitem o tratamento 
automatizado da informação tecnológica, podem servir para a obtenção 
de indicadores e informação sintética de alto valor agregado, que pode 
ser  mais  facilmente  analisada  para  a  tomada  de  decisão  em 
organizações  que  necessitam  adquirir  vantagem  competitiva  (FARIA, 
2001). 
 
 
 
Referências 
 
ARAÚJO,  V.  M.  R.  H.  D.  A  patente  como  ferramenta  da  informação.  Ci.  Inf., 
Brasília. v. 10, p. 27‐32, 1981. 

BRITZMAN, A. F. Assessing an industryʹs R&D focus rapidly: a case of study 
data‐driven categorization in a cousumer products area. Competitive Intelligence 
Review, [S.l]. v. 11(1), p. 58‐64, 2000. 

CAMPELLO,  B.  S.;  CAMPOS,  C.  M.  Fontes  de  informação  especializada.  Belo 
Horizonte: Editora UFMG, 1993. 

COATES,  V.  et  al.  On  the  future  of  technological  forecasting.  Technological 
Forecasting and Social Change, New York, n. 67, p.1‐17, 2001. 

FARIA, L. I. L. de. Prospecção tecnológica em materiais: aumento da eficiência do 
tratamento  bibliométrico.  Aplicação  na  análise  de  tratamentos  de  superfície 
resistentes ao desgaste. 2001. 187 f. Tese (Doutorado) ‐ Universidade Federal de 
São Carlos, São Carlos, 2001. 

LÓPEZ  CEREZO,  J.  A.  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade:  o  Estado  da  Arte  na 
Europa e nos Estados Unidos. In: SANTOS, L. W. dos et al. Ciência, Tecnologia e 
Sociedade: o desafio da interação. 2. ed. Londrina: IAPAR, 2004. Cap. 1, p. 11‐44. 

VACCAREZZA,  L.  S.  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade:  o  Estado  da  Arte  na 
América  Latina.  In:  SANTOS,  L.  W.  dos  et  al.  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade:  o 
desafio da interação. 2. ed. Londrina: IAPAR, 2004. Cap. 2, p. 47‐81. 

340  
CTS E AS POTENCIALIDADES DAS CADEIAS PRODUTIVAS  
DE BAMBU NO BRASIL 
 
Samara Pereira Tedeschi 
Wanda Ap. Machado Hoffmann [Orientadora] 
 

1. Ciência, tecnologia e sociedade 
 

A  Ciência  e  a  Tecnologia  nasceram  da  inquietude  do  homem  de 


estar  à  mercê  dos  fenômenos  materiais  e  espirituais,  e  através  dos 
séculos  passou  por  algumas  mudanças  em  função  da  conceituação  e 
da contextualização nas quais estão inseridas a sociedade. 
A Ciência aplicada consiste no desenvolvimento do conhecimento 
técnico, visando o bem estar1. O seu principal objetivo, de acordo com 
Bacon  e  Descartes  é  tornar  o  homem  “senhor”  da  natureza, 
dominando‐a  e  controlando‐a,  afinal,  a  mesma  é  regida  por  leis 
matemáticas e exatas (CAPRA, 1981). 
Ciência  e  Tecnologia  encontram‐se  atualmente  em  situação  de 
simbiose  e  interação,  sendo  que  a  atuação  de  uma  é  dependente  da 
outra (PRAIA e CACHAPUZ, 2005). 
A  Tecnologia  pode  ser  entendida  como  o  conjunto  de  métodos 
e/ou  materiais  utilizados  para  atingir  uma  objetivo2.  Não  deve  ser 
vista  somente  como  o  “conhecimento  da  técnica”,  e  sim,  como  um 
artefato.  Um  artefato  nada  mais  é  do  que  a  extensão  do  corpo 
humano, o que lhe permite executar tarefas com menor esforço.  
O  artefato  por  sua  vez  não  é  uma  tecnologia  neutra,  pois  pode 
assumir diferentes funções de acordo com o usuário e seu repertório 
social  (SETZER,  2007),  além  do  dever  da  intencionalidade  de 
proporcionar  a  inclusão  social  e  o  desenvolvimento  sustentável 
(TELLES, et. al.,2010). 
A  princípio  as  tecnologias  têm  o  propósito  de  facilitar  a 
manipulação  da  natureza  pelo  homem,  e  o  que  ocorre  é  que  muitos 

                                                            
1 Notas de aula de Hoffmann (2010). 
2 Notas de aula de Hoffmann (2010). 

  341
são  escravizados  pelas  tecnologias  devido  ao  fato  de  não  saberem 
interpretar qual o melhor contexto para sua utilização (SETZER, 2007). 
A  Tecnologia  pode  interferir  positiva  ou  negativamente  nos 
sistemas  de  produção  e  organizacionais,  implicando  diretamente  na 
sociedade,  onde  ocorrem  os  julgamentos  de  ambivalência  moral  da 
ciência e da tecnologia (PRAIA e CACHAPUZ, 2005) e a definição das 
reais necessidades que podem ou não criar as “falsas necessidades” de 
consumo (SANTOS e MORTIMER, 2002). 
Portanto,  “o  desenvolvimento  científico  gera  desenvolvimento 
tecnológico, que gera o desenvolvimento econômico, que por sua vez, 
determina o desenvolvimento social” (AULER, 2007). 
Atualmente  há  inúmeros  problemas  que  foram  ocasionados  pelo 
desenvolvimento  científico  e  tecnológico  que  culminaram  em 
desastres sociais, ambientais e econômicos. Entretanto, a solução para 
muitos  deles  está  exatamente  no  desenvolvimento  científico  e 
tecnológico,  principalmente  nos  voltados  ao  desenvolvimento 
sustentável. 
 
2. Sustentabilidade ambiental 
 
Nos  últimos  vinte  anos  a  capacidade  de  consumo  da  Terra  foi 
excedida devido ao estilo de vida do homem baseado no consumo em 
ritmo acelerado. 
Segundo  o  relatório  Planeta  Vivo  2006  da  WWF  (World  Wildlife 
Fund),  se  esta  trajetória  continuar  em  termos  de  população,  de 
consumo  de  alimentos  e  fibras  e  das  emissões  de  CO2,  em  2050  a 
humanidade  utilizará  o  equivalente  a  dois  planetas  Terra.  Isto 
significa  destruição  e  riscos  de  perda  dos  ecossistemas  e  suas 
capacidades vitais a sobrevivência humana. 
O  impacto  sobre  o  meio  ambiente  pelas  ações  humanas depende 
da população, da procura pelo bem estar humano e a ecoeficiência das 
tecnologias  aplicadas,  ou  seja,  a  maneira  de  transformar  recursos 
ambientais em bem estar humano (MANZINI e VEZZOLI, 2008). 
Todos  os  materiais  promovem  impacto  ambiental,  que  pode 
ocorrer  na  sua  fase  de  produção,  consumo  ou  descarte.  A  diferença 
está  em  que  alguns  promovem  este  impacto  mais  que  outros. 

342  
Portanto,  é  necessário  projetar  produtos/serviços  que  causem  menos 
impacto possível (MANZINI e VEZZOLI, 2008). 
Muitas  vezes  o  conhecimento  “tradicional”  de  povos  primitivos, 
ou  até  mesmo  o  conhecimento  “popular”  podem  ser  aprimorados 
através  do  conhecimento  científico  e  se  tornar  grandes  soluções 
tecnológicas que beneficiam diretamente a sociedade. 
O procedimento da inclusão do conhecimento popular mostra que 
fazem  parte  de  um  verdadeiro  corpus  de  conhecimento,  pois  estas 
sociedades populares, além de conviverem com as modernidades, têm 
suas experiências através de suas próprias práticas (VELHO, 2010). 
 
3. O bambu 
 
O  bambu  pertence  a  família  Graminae  e  subfamília  Bambusoideae, 
possui aproximadamente 50 gêneros e 1250 espécies que encontram‐se 
distribuídas nas regiões tropicais e subtropicais (entre 9ºC e 36ºC), que 
têm  como  característica  chuvas  abundantes  e  altas  temperaturas 
(LOPEZ, 1974; 2003). Das espécies nativas 65% estão na Ásia, 28% nas 
Américas e 7% na África, não sendo, portanto, encontradas na Europa 
(LOBOVIKOV, 2007). 
Até o ano de 2005 a Índia era o país aonde as florestas de bambu 
chegam  a  aproximadamente  11,4  milhões  de  hectares,  seguido  da 
China,  com  5,4  milhões  e,  Indonésia,  2,1  milhões.  As  florestas  de 
bambu  asiáticas  crescem  em  torno  de  10%  em  15  anos.  Já  o  Brasil 
possuía 9,3 milhões de hectares de floresta de bambu (LOBOVIKOV, 
2007). 
Algumas  espécies  de  bambu  nativos  no  Brasil  são  conhecidas 
como  taquara,  taboca,  jativoca,  taquaruçu  ou  taboca‐açu,  de  acordo 
com  Beraldo  e  Azzini  (2001),  ocorrendo  conforme  Filgueiras  e 
Gonçalves  (2004)  na  Floresta  Atlântica  (65%),  Amazônia  (26%)  e  nos 
Cerrados (9%). 
A  versatilidade  do  bambu  como  matéria  prima,  vai  desde  a 
construção  da  cúpula  do  Taj  Mahal,  à  estrutura  do  Demoiselle,  por 
Santos  Dumont  e  ao  primeiro  filamento  utilizado  em  lâmpadas  por 
Thomas Edison, segundo PEREIRA (2001). 

  343
O bambu pode ser utilizado in natura ou processado, entretanto, 
sua  exploração  econômica  é  realizada  a  partir  do  sexto  ano  após  o 
plantio,  segundo  PEREIRA  (2001),  quando  os  colmos  atingiram  as 
dimensões próprias da espécie. 
O  bambu  como  material  estrutural  vem  sendo  utilizado 
tradicionalmente por países, como China, Filipinas, Índia e alguns da 
América  Latina,  como  Equador  e  Colômbia,  por  milhares  de  anos 
(CHUNG e YU, 2001). 
 
Tabela 1: Vantagens e desvantagens do bambu – adaptado de LOPEZ (1974) 
 
Vantagens  Desvantagens 
Baixo custo  Ao secar seu diâmetro diminui 
Ótimas características físicas e  É altamente combustível quando 
mecânicas  seco 
Material leve, fácil transporte e  Quando envelhecido perde parte da 
armazenamento  resistência 
Sem tratamento prévio pode 
Ideal para construções antisísmicas 
apodrecer ou ser atacado por insetos 
Pode ser cortado em qualquer direção  O diâmetro não é o mesmo em toda 
(longitudinal e transversal)  sua longitude 
Cuidados ao utilizar pregos, 
Superfície lisa e limpa – não requer 
parafusos, pois possui tendência a 
acabamento 
rachar 
Combina com outros materiais   
 
Algumas das desvantagens do material, pode ser vista como uma 
vantagem  para  outra  aplicação,  como  por  exemplo  o  fato  de  ser 
altamente  combustível  quando  seco.  Para  geração  de  energia  é  um 
grande potencial. O tratamento para evitar apodrecimento e ataque de 
insetos pode auxiliar no uso prolongado do material 
 
3.1 Usos e aplicações do bambu 
 
O  bambu  conhecido  como  a  planta  dos  mil  usos,  tem  diversas 
aplicações  que  têm  início  no  conhecimento  milenar  asiático  e  das 
tribos indígenas americanas. Algumas das aplicações são: 

344  
Carvão: A China é o líder mundial em produção de carvão de bambu 
e  os  principais  consumidores  são  Japão,  República  da  Coréia  e 
Taiwan,  além  da  exportação  estar  expandindo  para  a  Europa  e 
América do Norte. Os principais motivos da expansão deste segmento 
é  devido  ao  baixo  custo  do  material,  se  rápido  crescimento  quando 
comparado  a  outras  árvores  e  seu  potencial  calorífico  é  similar  ou 
melhor que o de outras madeiras   (LOBOVIKOV, 2007).  
 
Moradias:  Há  3  tipos  de  moradias  em  bambu:  a  tradicional  com 
colmos (de menor custo), a com estrutura de colmos mais cimento ou 
argila e, as pré‐fabricadas com placas laminadas (LOBOVIKOV, 2007). 
Em  1995  foi  construída  em  Bauru  (SP)  uma  casa  de  bambu,  onde  as 
paredes  foram  pré  moldadas  em  camada  dupla  em  um  quadro  de 
sarrafos  e  receberam  uma  camada  de  reboco  e  posteriormente  foram 
pintadas.  Em  Campinas  (SP),  na  Faculdade  de  Engenharia  Agrícola 
(Feagri)  no  ano  de  1999  foi  construído  um  escritório  e  a  técnica 
utilizada  foi  a  de  esteiras  de  bambu  rachado  e  posteriormente 
revestidas por argamassa (PEREIRA e BERALDO, 2008). 
O  bambu  também  pode  ser  utilizado  para  construir  galpões  e 
quiosques. 
 
Papel:  o  papel  feito  a  partir  do  bambu  tem  as  mesmas  propriedades 
do papel feito de madeira tradicional, além de levar mais tempo para 
deteriorar (LOBOVIKOV, 2007).  
 
Tubulações  de  bambu:  A  espécie  Dendrocalamus  giganteus  possui 
características  físicas,  químicas,  mecânicas  e  hidráulicas  para  ser 
utilizada  como  condutor  de  água  para  irrigação,  pois  pode  suportar 
pressão de até 5 atm. É uma alternativa de baixo custo para pequenos 
agricultores (PEREIRA, 2001). 
 
Concreto: Bambucreto: é uma mistura de taliscas de bambus maduros 
impermeabilizados  e  concreto  (PEREIRA  &  BERALDO,  2008). 
Biokreto®:  ou  cimento  vegetal  é  uma  mistura  do  cimento  Portland, 
casca de arroz, bambu, sisal ou partículas de eucalipto e sua função é 
substituir  a  brita  pelas  partículas  vegetais  (CRUZ,  2002).  Patenteado 

  345
em 25 de abril de 2006, apresenta de 25% a 50% do peso do concreto 
comum,  além  de  garantir  maior  resistência  ao  fogo  e  ao  ataque  de 
fungos  e  insetos,  funciona  como  isolante  térmico  e  acústico  (CRUZ, 
2006).  Pode  ser  utilizado  para  confeccionar  telhas  onduladas,  pisos  e 
contrapisos,  placas  para  calçadas  e  blocos  vazados  (PEREIRA  e 
BERALDO, 2008). 
  
Placas  cerâmicas  armadas  com  bambu:  O  Núcleo  de  Criatividade 
(NUDECRI)  da  Unicamp  em  1980  desenvolveu  um  sistema 
substituindo  as  barras  de  aço  por  bambu  da  espécie  (Phyllostachys 
purpuratta),  também  conhecido  com  “vara  de  pescar”  (PEREIRA  & 
BERALDO, 2008). 
 
Mobiliários:  O  beneficiamento  do  bambu  é  uma  ‘arte’  largamente 
conhecida  e  explorada  na  China  e  Índia,  e  segundo  Lopez  (2003), 
todos  os  tipos  de  painéis  produzidos  com  madeira  podem  ser 
manufaturados  com  bambu,  utilizando  os  mesmos  princípios  e 
equipamentos.  Os  tipos  de  painéis  são:  Bambu  Laminado  Colado 
(BLC), Contraplacados, Compensado (Plyboo) e Aglomerado, Medium 
density fiberboard (MDF) e Oriented Strand Board (OSB). 
 
Alimentação: brotos comestíveis nas culturas chinesa e japonesa, além 
dos fermentados: vinagre e cerveja. 
 
Também  podem  ser  encontradas  aplicações  no  campo  de 
medicamentos  e  cosméticos  a  partir  do  extrato  das  fibras  do  bambu, 
além de tecidos com características antibactericidas. 
 
4. Cadeias produtivas 
 
A  análise  da  cadeia  produtiva  permite  identificar  as  interações 
entre  os  elos,  estabelecendo  relações  de  complementaridade  e  de 
interdependência numa lógica sequencial e dinâmica (FURLANETTO 
e CÂNDIDO, 2006). 
Dentro dos sistemas sociais há a produção e o consumo depende 
de  uma  multiplicidade  de  atores,  onde  cada  uma  segue  a  partir  de 

346  
seus  interesses  próprios  com  base  em  seus  valores  e  qualidade 
(MANZINI e VEZZOLI, 2008). 
Até  o  momento  a  maioria  dos  estudos  de  cadeias  produtivas 
contempla  somente  produtos  agropecuários,  como  café,  banana, 
suínos e feijão, de acordo com GOMES et. al. (2004).  
As  empresas,  enquanto  atores  sociais  que  detêm  os  maiores 
recursos (organizacionais, conhecimento e capacidades de tomadas de 
decisão) têm papel fundamental rumo à sustentabilidade. Entretanto, 
tomar esta decisão depende primordialmente em não comprometer a 
competitividade,  e  sim,  aumentá‐la  no  curto,  médio  ou  longo  prazo 
(MANZINI e VEZZOLI, 2008). 
Na  América  do  Sul  ,  um  dos  países  com  ampla  experiência  na 
utilização  do  bambu,  especialmente  a  espécie  Guadua  angustifólia  é  a 
Colômbia. Embora possuam amplos conhecimentos e pesquisas sobre 
o  material  ainda  encontra  resistências.    As  empresas  do  setor  são 
relativamente  novas  e  não  possuem  muita  experiência  comercial  e 
financeira, fato prejudicado principalmente pela relutância dos bancos 
em fornecer créditos de financiamentos, o que prejudica o crescimento 
da área e a incorporação de novas tecnologias (GALLON, 2004). 
Entretanto  é  necessário  desenvolver  estudos  prospectivos, 
levantando,  identificando  e  mapeando  o  ambiente  no  qual  estão 
inseridas  as  cadeias  produtivas  de  bambu  no  Brasil.  Para  isso,  é 
necessário  compreender  de  que  forma  o  governo  está  atuando  neste 
segmento,  a  disponibilidade  de  certificações  da  madeira  ou  “selos 
verdes” e as patentes registradas utilizando o material (TEDESCHI e 
HOFFMANN, 2010). 
As informações obtidas podem clarificar os motivos do nível do 
desenvolvimento da cultura do bambu no Brasil, e consequentemente, 
com  o  mapeamento  dos  atores  das  cadeias  produtivas  do  bambu, 
alavancar  mais  pesquisas,  capazes  de  difundir  as  aplicações  do 
material  na  sociedade  de  forma  sustentável  (TEDESCHI  e 
HOFFMANN, 2010). 
Com  a  organização  da  cadeia  produtiva  o  intercâmbio  de 
informações entre os atores empresariais e institucionais será possivel 
desenvolver os negócios relacionados ao bambu através de alianças e, 
consequentemente melhorando a competitividade (GALLON, 2004). 

  347
4.1 Organizações Não Governamentais (ONGs) 
 
As  ONGs  vêm  utilizando  técnicas  e  técnicos  chineses  para 
auxiliar  no  conhecimento  e  aprimoramento  da  mão  de  obra  para  a 
composição de produtos mais sofisticados (LUGT, 2005). 
Dentre os atores das Cadeias Produtivas de bambu no Brasil há 
também  as  Organizações  Não  Governamentais  (ONGs)  que  atuam 
nesta linha, as chamadas Bambuzerias. A primeira a ser fundada foi a 
Bambuzeria  Cruzeiro  do  Sul  (Bamcrus)  que  posteriormente  em 
associação  com  o  Serviço  Brasileiro  de  Apoio  às  Micro  e  Pequenas 
Empresas (SEBRAE). 
Através  desta  associação  a  ONG  Bamcrus  já  implantou  80 
bambuzerias em sete estados – Alagoas, Paraná, Mato Grosso do Sul, 
Espirito  Santo,  Rio  Grande  do Sul, Minas  Gerais e Mato  Grosso (Site 
Parceiros do Brasil in Casos de Sucesso ‐ Sebrae). 
Segundo  ALVES  (2007)  os  artesãos  cooperados  da  bambuzeria 
São  Sebastião  na  Chapada  dos  Guimarães  (MT)  “recebem  apoio  do 
Sebrae  em  Mato  Grosso  para  mudarem  a  linha  de  produção, 
tornando‐as mais industriais e, assim, com capacidade para abastecer 
novos mercados estaduais e nacionais. 
Segundo  Vinícius  Mário  da  Costa,  gerente  administrativo  da 
Cooperativa  Santo  Antonio  do  Rio  Abaixo  em  Santo  Antonio  de 
Leverger  (Mato  Grosso)  in  ALVES  (2007)  a  “linha  de  produção  que 
hoje ainda é de 90% artesanal.” 
A  cooperativa  tem  faturamento  médio  mensal  de  R$  1500,00, 
sendo a renda de cada cooperado R$ 80,00. Porém, com o processo de 
industrialização  e  busca  de  novos  clientes,  cada  bambuzeria  tem 
condições de saltar o faturamento médio mensal para R$ 14 mil reais 
(ALVES, 2007) 
As bambuzerias de Santo Antonio do Rio Abaixo e São Sebastião, 
fundadas  em  2002,  por  meio  de  uma  parceria  entre  o  Serviço 
Brasileiro  de  Apoio  às  Micro  e  Pequenas  Empresas  (SEBRAE)  em 
Mato  Grosso,  a  Bambuzeria  Cruzeiro  do  Sul  (Bamcrus)  e  as 
prefeituras  das  respectivas  das  cidades,  empregando  cerca  de  40 
artesãos. 

348  
De acordo com o release no site Parceiros do Brasil disponível no 
site do SEBRAE, a bambuzeria Capricho, no município de Cajueiro, na 
zona  canavieira  de  Alagoas,  juntamente  com  o  SEBRAE  e  o  Instituto 
de  Proteção  à  Mata  Atlântica  (IPMA)  e  apoio  técnico  da  Bamcrus 
(ONG  de  Minas  Gerais),  “os  ex‐cortadores  de  cana‐de‐açúcar,  a 
maioria desempregada e muitos com mutilações” está dando a chance 
de trabalhar com bambu, produzindo móveis, objetos de decoração e 
cabides.  
“A ONG Bamcrus já implantou 80 bambuzerias em sete estados – 
Alagoas,  Paraná,  Mato  Grosso  do  Sul, Espírito  Santo,  Rio  Grande  do 
Sul, Minas Gerais e Mato Grosso” (Site Parceiros do Brasil in Casos de 
Sucesso ‐ SEBRAE). 
 
5. Regulamentações 
 
5.1 Normas 
 
O  desenvolvimento  do  bambu  como  material  de  construção  é 
dificultado  devido  à  falta  de  padronização  nos  estudos  de  suas 
propriedades  (CHUNG  e  YU,  2001).  Entretanto  outra  grande 
dificuldade  para  a  padronização  é  o  grande  número  de  espécies 
existentes. 
Isto  explica  a  grande  dificuldade  no  Brasil  em  se  padronizar 
pesquisas,  pois  possui  aproximadamente  232  espécies  nativas, 
diferentemente  da  Colômbia,  que  investe  suas  pesquisas  na  espécie 
Guadua angustifolia. 
Existem  indagações  a  respeito  da  padronização  dos  corpos  de 
prova de bambu para submetê‐los a testes segundo as normas, como: 
• Idade do colmo; 
• Como seriam feitas as secções (retângulo ou cilíndricos); 
As  normas  e  procedimentos  aplicados  ao  bambu  ainda  são 
baseados nas aplicadas à madeira (LOPEZ, 2003), porém recentemente 
foi criada a norma ISO 313 sobre Projeto estrutural de bambu. 
As  principais  normas  características  da  madeira  aplicadas  em 
bambu pesquisadas até o momento são: 
• ASTM D1037 – Ensaios mecânicos em madeira 

  349
• ABNT NBR 7190 – Projeto de estruturas de madeiras  
• ABNT NBR 6230 e NBR 7190 – Ensaios físico‐químicos 
• ISO 313 – Bamboo Structural Design 
• ISO 314 – Propriedades físicas e mecânicas 
•  ISO 315 – Teste de Material 
Os  ensaios  com  bambu  em  sua  forma  natural  cilíndrica 
recomenda‐se a norma ISO N 313 (Bamboo Structural Design), ISO 314 
(Physical  and  Mechanical  Properties)  e  ISO  315  (Testing  Material) 
(PEREIRA e BERALDO, 2008). 
 
5.2 Patentes 
 
A  busca  de  novas  oportunidades  via  análise  de  patentes  foi 
realizada  a  partir  de  Base  de  dados,  como  Derwent  Innovations  Index, 
Espacenet,  United  States  Patente  and  Trademark  Office  (USPTO)  e 
Instituto  Nacional  de  Propriedade  Intelectual  (INPI),  através  de 
combinações  de  palavras‐chaves  e  Classificação  Internacional  de 
Patentes (CIP). 
Em busca recente nas Bases de Patentes Derwent Inovations Index, 
Espacenet,  USPTO  e  INPI,  utilizando  como  palavras‐chaves:  “bamboo 
board”,  “bamboo  laminated”,  “bamboo  laminated  glued”,  “bamboo  panel”, 
“bamboo  timber”,  “bamboo  wood”  e  as  Classificações  Internacionais  de 
Patentes  (CIP):  A47*  (mobiliário),  B27*  (trabalho  ou  conservação  da 
madeira ou materiais similares), B28* (manipulação de cimento, argila 
ou  pedra),  E04*  (edificação)  e  E06*  (portas,  janelas,  postigos  ou 
persianas  de  enrolar  em  geral;  escadas),  foi  possível  obter  dados 
apresentados na Tabela 2. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

350  
Tabela 2: Resultados de busca em Base de dados Derwent Innovations Index e Espacenet, 
utilizando  as  expressões  “bamboo  board”,  “bamboo  laminated”,  “bamboo  laminated  glued”, 
“bamboo panel”, “bamboo timber”, “bamboo wood” e as CIPs correspondentes. 
 
Classificação  Derwent 
Palavra‐
Internacional de  Innovations  Espacenet  USPTO  INPI 
chave 
Patentes  (CIP)  Index 
Sem CIP  146  51  2  0 
A47*  9  4  0  0 
“Bamboo  B27*  78  33  1  0 
board”  B28*  0  0  0  0 
E04*  23  10  1  0 
E06*  1  1  0  0 
Sem CIP  21  25  2  0 
A47*  2  2  0  0 
“Bamboo  B27*  11  15  1  2 
laminated”  B28*  0  0  0  0 
E04*  4  8  1  0 
E06*  0  0  0  0 
Sem CIP  0  3  0  2 
A47*  0  0  0  0 
“Glued 
B27*  0  3  0  0 
laminated 
B28*  0  0  0  0 
bamboo” 
E04*  0  0  0  0 
E06*  0  0  0  0 
Sem CIP  45  16  0  0 
A47*  0  1  0  0 
“Bamboo  B27*  13  6  0  0 
panel”  B28*  0  0  0  0 
E04*  22  9  0  0 
E06*  0  0  0  0 
Sem CIP  14  8  3  0 
A47*  0  0  0  0 
“Bamboo   B27*  14  6  3  0 
timber”  B28*  0  0  0  0 
E04*  0  0  0  0 
E06*  0  0  0  0 
Sem CIP  456  268  6  10 
A47*  0  36  0  4 
“Bamboo   B27*  126  123  4  1 
wood”  B28*  0  0  0  0 
E04*  65  43  0  1 
E06*  0  5  2  0 

  351
As  CIPs  apresentadas  na  Tabela  2  foram  escolhidas  devido  ao 
enfoque da dissertação de mestrado: aplicações de madeira de bambu, 
e portanto, suas possíveis variações. 
Pode‐se  notar  que  a  maioria  das  patentes  estão  depositadas  na  
Derwent  Innovations  Index,  onde  é  possível  encontrar  patentes 
mundiais, seguida da Espacenet, que engloba a Europa. Em ambas as 
bases a China e o Japão se destacam quando ao depósito e concessão 
de patentes. 
Na base da USPTO os números são menos expressivos, enquanto 
no Brasil o número ainda é muito baixo também pela falta de tradição 
em patentear. 
 
5.3   Certificações 
 
Atualmente  para  as  empresas  a  obtenção  de  certificações  pode 
diferenciá‐la perante o mercado, demonstrando sua qualidade (ISO) e 
comprometimento  ambiental  (Selo  Verde)  (TEDESCHI  e 
HOFFMANN, 2010). 
Atualmente  para  as  indústrias  a  obtenção  de  certificações  pode 
diferenciá‐la perante o mercado, demonstrando sua qualidade (ISO) e 
comprometimento ambiental e sustentável (Selo Verde).  
O  FSC  (Forest  Stewardship  Council)  é  o  selo  verde  de  maior 
reconhecimento  mundial,  sendo  este  representado  no  Brasil  pelo 
Conselho  Brasileiro  de  Manejo  Florestal.  As  certificações  são 
concedidas  pelas  Certificadoras,  que  avaliam  o  cumprimento  de 
questões ambientais, sociais e econômicas. 
No  Brasil  são  certificadas  empresas:  Bureau  Veritas  Certification 
(São Paulo/SP), IMO ‐  Instituto de Mercado Ecológico (São Paulo/SP), 
Programa  Smart  Wood:  Instituto  de  Manejo  e  Certificação  Florestal  e 
Agrícola – Imaflora (Piracicaba/SP), SCS ‐ Scientific Certification System 
Inc.  Programa  Forest  Conservation  (Jaguariaíva‐PR),  SGS  ICS 
Certificadora  Ltda  (São  Paulo/SP),  Control  Union  Certifications  ‐  Skal 
International (São Paulo). 
Segundo o FSC Brasil há dois tipos de certificação: 
• Certificação de Manejo Florestal: todos os produtores podem 
obter  o  certificado,  sejam  pequenas  ou  grandes  operações  ou 

352  
associações  comunitárias.  Essas  florestas  podem  ser  naturais  ou 
plantadas,  públicas  ou  privadas.  A  certificação  de  manejo 
florestal pode ser caracterizada por tipo de produto: madeireiro, 
como  toras  ou  pranchas;  ou  não  madeireiros  como  óleo, 
sementes   e  castanhas.  O  certificado  é  válido  por  05  anos  sendo 
realizado pelo menos um monitoramento a cada ano. 
• Certificação  Cadeia  de  Custódia:  se  aplica  aos  produtores 
que  processam  a  matéria  prima  de  floresta  certificada.  As 
serrarias, os fabricantes e os designers que desejam utilizar o selo 
FSC  n  seu  produto  precisam  obter  o  certificado  para  garantir  a 
rastreabilidade,  que  integra   a  cadeia  produtiva  desde  a  floresta 
até o produto final. 
 
6. Conclusão 
 
O  conhecimento  primitivo  e  o  conhecimento  popular  trazem 
consigo  uma  grande  carga  de  informações  e  técnicas  que  ao  serem 
aprimoradas  tornam‐se  grandes  aparatos  tecnológicos,  além  da 
possibilidade de receber a classificação de inovadores. 
A  sociedade  encontra‐se  às  margens  da  escassez  de  inúmeras 
fontes  vitais  em  função  do  consumo  desenfreado.  Algumas  das 
alternativas encontram‐se nas propostas de sustentabilidade e melhor 
aproveitamento dos recursos naturais. 
As pesquisas em bambu vêm crescendo significativamente tanto 
nos  países  asiáticos,  como  nos  americanos.  Isso  pode  ser  confirmado 
através  da  quantidade  de  artigos  e  patentes  que  vêm  sendo  gerados 
nos últimos anos. 
O  continente  asiático  é  o  grande  detentor  do  conhecimento  em 
bambu, aplicando o material em construções, mobiliário, alimentação, 
energia,  entre  outros.  Entretanto,  os  países  da  América  do  Sul  estão 
aprofundando  seus  conhecimentos  a  respeito  do  material, 
anteriormente utilizado por tribos indígenas. 
O levantamento e mapeamento das cadeias produtivas de bambu 
no  Brasil  e  seus  respectivos  atores  e  gargalos,  podem  ajudar  nas 
pesquisas  e  na  melhor  utilização  deste  material  de  baixo  custo, 

  353
alavancando  o  mercado  consumidor,  e  aproveitando  o  grande 
potencial agrícola que o país possui. 
Há empresas que exploram o material, entretanto, se comparadas 
com  empresas  que  exploram  outras  madeiras  de  reflorestamento 
(eucalipto  e  pinus)  ainda  são  minoria.  Algumas  ONGs  estão 
aproveitando o incentivo de órgãos do governo, como o SEBRAE para 
alavancar mercados regionais, aproveitando mão‐de‐obra que poderia 
encontrar‐se  ociosa  devido  ao  desemprego  ocasionado  pela 
mecanização de lavouras de cana‐de‐açúcar e de grãos. 
Portanto,  o  bambu  é  um  material  de  inúmeras  potencialidades, 
que além de suas ótimas propriedades físicas e mecânicas, possui um 
forte  apelo  sustentável  ambiental,  cultural,  social  e  econômico,  que 
podem contribuir para o bem estar da sociedade.  
  
 
 
Referências 
 
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356  
GESTÃO POR COMPETÊNCIAS NO SETOR PÚBLICO: 
 UMA ABORDAGEM SOCIALMENTE CONTEXTUALIZADA 
 
Silvana Ap. Perseguino1 
Wilson José Alves Pedro [orientador]2 
 
 
Introdução  
 
A  presente  reflexão,  fruto  dos  estudos  iniciados  na  disciplina 
Interfaces do desenvolvimento científico e tecnológico nas políticas 
e práticas de gestão de pessoas e aprofundados na disciplina Ciência, 
tecnologia e sociedade, ambas do Programa de Mestrado em Ciência, 
Tecnologia  e  Sociedade  da  Universidade  Federal  de  São  Carlos,  no 
qual a pesquisa da autora sobre gestão de pessoas no serviço público 
está  inserida,  é  o  início  de  uma  leitura  das  atuais  mudanças  na 
Administração  Pública  brasileira,  notadamente  no  que  se  refere  à 
gestão  de  pessoas,  a  partir  do  enfoque  CTS  (campo  de  estudos 
Ciência, Tecnologia e Sociedade). O objetivo é chamar a atenção para a 
emergência do novo paradigma na gestão de pessoas no setor público, 
representado  pela  abordagem  das  competências,  um  modelo  de 
gestão ou, sob o ponto de vista de Brandão e Guimarães (2001), uma 
tecnologia  gerencial  relacionada  à  gestão  estratégica  de  Recursos 
Humanos, que pode ser um parâmetro interessante para organizações 
estreitamente  relacionadas  com  o  processo  de  desenvolvimento 
científico e inovação, como as universidades públicas. 
 
Ciência, Tecnologia e Sociedade – breve contextualização  
 
A  Segunda  Grande  Guerra  (1939‐1945)  propiciou  à  ciência  uma 
notoriedade  sem  precedentes  e  em  escala  mundial,  sobretudo  pelos 
                                                            
1  Mestranda  do  Programa  de  Pós‐graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e 
Sociedade da UFSCar.  
2 Professor Adjunto do Depto de Enfermagem – Curso de Gerontologia e Pós‐

Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal de 
São Carlos. 

  357
seus efeitos destrutivos3. Como principal marco divisor, é a partir de 
então que a ciência, seus produtos e as consequências derivadas deles 
começaram  a  ser  calorosamente  debatidos,  desembocando,  nas 
décadas  de  1960  e  1970,  no  surgimento  dos  estudos  inseridos  no 
campo  que  se  convencionou  denominar  campo  CTS,  isto  é, a  relação 
existente  entre  a  ciência,  a  tecnologia  e  a  sociedade,  estabelecendo 
definitivamente uma relação de causa e efeito, tanto no que se refere 
aos  propósitos  da  ciência,  na  linha  de  estudos  de  tradição  européia; 
quanto  às  conseqüências  das  descobertas  e  dos  processos  científico‐
tecnológicos,  na  linha  de  estudos  de  tradição  americana  (BAZZO, 
2003).  Com  relação  às  conseqüências,  cabe  destaque,  certamente,  o 
engajamento do movimento ecológico em defesa do futuro do planeta 
e  da  sobrevivência  do  ser  humano,  principalmente  após  o  que 
podemos definir como os “efeitos colaterais” das armas utilizadas nas 
guerras e dos testes nucleares, trazendo para a agenda de discussão o 
tema da sustentabilidade. 
Segundo Von Lisingen (2007, p. 04), desde sua origem, os estudos 
de ciência, tecnologia e sociedade (ECTS) seguiram três direções:  
 
no  campo  da  pesquisa,  como  alternativa  à  reflexão  acadêmica  tradicional 
sobre  a  ciência  e  a  tecnologia,  promovendo  uma  nova  visão  não‐
essencialista  e  socialmente  contextualizada  da  atividade  científica;  no 
campo das políticas públicas, defendendo a regulação social da ciência e da 
tecnologia,  promovendo  a  criação  de  mecanismos  democráticos 
facilitadores  da  abertura  dos  processos  de  tomada  de  decisão  sobre 
questões  de  políticas  científico‐tecnológicas;  e,  no  campo  da  educação, 
promovendo a introdução de programas e disciplinas CTS no ensino médio 
e universitário, referidos à nova imagem da ciência e da tecnologia. 
 

                                                            
3 Segundo Eric Hobsbawm (1995), a Segunda Guerra Mundial, integrante da 
chamada “Era da Catástrofe” no Século XX, revolucionou a adminitração, a 
tecnologia  e  a  produção.  Em  suas  palavras,  a  situação  de  guerra  total 
“adiantou  visivelmente  a  tecnologia,  pois  o  conflito  (...)  era  não  apenas de 
exércitos,  mas  de  tecnologias  em  competição”.  Um  dos  resultados  dessas 
tecnologias em competição foi o uso pela primeira vez das armas nucleares 
em combate, acarretando a morte de milhares de civis. 

358  
De  acordo  com  esse  autor,  a  primeira  direção  está  relacionada 
com  a  tradição  européia,  voltada  para  as  reflexões  dos  antecedentes 
sociais  do  avanço  científico‐tecnológico  como  um  processo 
influenciado por valores culturais, políticos e econômicos. A segunda 
direção  está  voltada  para  a  influência  desse  avanço  científico  e 
tecnológico  na  configuração  da  vida  de  todos  nós,  isto  é,  as 
conseqüências  sociais  e  ambientais  das  descobertas  científicas  e  sua 
aplicação, levantando questões éticas a serem consideradas. A terceira 
direção  está  relacionada,  sobretudo,  com  o  que  Von  Lisingen  (2007) 
descreve  como  o  “compromisso  democrático  básico”  compartilhado 
por  todos  os  seres  humanos.  Portanto,  procura  demonstrar  a 
importância  da  reformulação  dos  currículos  escolares  para  a 
emergência de uma educação transformadora em todos os níveis, que 
possibilite a formação de cidadãos mais críticos e conscientes no que 
se refere à atividade tecnocientífica4. 
Especificamente  com  relação  à  América  Latina,  os  estudos  CTS 
voltam‐se  para  a  constituição  do  chamado  “Pensamento  Latino 
Americano  de  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade”  (PLACTS),  que 
ressalta  a  necessidade  da  reflexão  sobre  a  ciência  e  a  tecnologia 
especificamente  no  nível  das  políticas  públicas.  Muito  interessante 
nessa vertente latina é a busca de ruptura com a visão tradicional de 
ciência  e  tecnologia  (“deseuropização”),  procurando  pensar  a 
atividade científica e suas aplicações no contexto regional, voltando as 
atenções  para  as  estratégias  de  desenvolvimento  social  e  econômico 
do  continente  latino‐americano.  Os  estudos  CTS,  embora  recentes,  já 
se encontram presentes na Argentina, Colômbia, México, Brasil, Cuba 
e Chile (VON LISINGEN, 2007) 
No  Brasil,  várias  instituições  de  pesquisa  já  se  dedicam  aos 
estudos  em  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade,  como,  por  exemplo,  a 
Universidade Estadual de Campinas, a Universidade Federal de Santa 
Catarina, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade 
                                                            
4  Derivado  aqui  do  termo  tecnociência,  reflete  nesse  caso  a  estreita  ligação 
(indissociabilidade)  entre  os  conceitos  ciência  e  tecnologia,  ressaltando  o 
caráter  da  atividade  científica  e  tecnológica  de  não‐neutralidade  e 
resultantes  de  um  processo  contextualizado  social  e  culturalmente,  sem 
esquecer da dimensão política envolvida. 

  359
de  Brasília,  além  da  Universidade  Federal  de  São  Carlos5,  para  citar 
algumas. A característica marcante dos estudos CTS é a possibilidade 
de estabelecer uma visão multidisciplinar, aproximando campos antes 
considerados “incomunicáveis” (VON LISINGEN, 2007). 
Recentemente, Dagnino (2006) levantou a questão da emergência de 
uma nova tendência dentro dos estudos CTS, denominada por ele CTS26, 
que  avança  mais  na  avaliação  da  atividade  tecnocientífica,  chamando  a 
atenção para a  necessidade de atuar diretamente junto à comunidade de 
pesquisa  no  sentido  de  alterar  sua  percepção  da  tecnologia  e,  assim, 
contribuir  para  ajustar  sua  agenda  de  pesquisa  e  da  PCT  (Política  de 
Ciência e Tecnologia) às demandas do novo estilo de desenvolvimento. 
 Não  sendo  o  tema  central  deste  artigo,  esta  breve 
contextualização do campo CTS serve para situar a reflexão de que os 
avanços  científicos  e  tecnológicos  não  são  meros  acasos,  devem  ser 
contextualizados histórica e socialmente, e o modelo linear de ciência 
que  gera  tecnologia  que  gera  bem‐estar  social  não  é  uma  verdade 
absoluta, isto é, a visão essencialista e triunfalista da ciência deve ser 
relativizada. Além disso, não se pode deixar de destacar a importância 
dos  sujeitos  que  agem  no  contexto  da  atividade  tecnocientífica 
defendendo  valores  e  interesses  determinados.  Dessa  forma, 
esperamos  ter  contextualizado  a  visão  crítica  que  se  pretende 
estabelecer  na  análise  da  implantação  de  políticas  públicas 
envolvendo  recursos  humanos,  isto  é,  através  do  olhar  da  não‐
neutralidade essencialmente e da contextualização social. 
 
Os avanços científicos e tecnológicos no mundo do trabalho 
 
Apesar de sua não‐neutralidade, a ciência, indiscutivelmente, faz 
parte do processo de desenvolvimento da sociedade moderna e, com 
                                                            
5 O programa de Ciência, Tecnologia e Sociedade da UFSCar é um dos mais 
recentes,  criado  em  2007,  estabelecendo  parcerias  salutares  entre  áreas  de 
estudos distintos, como a relação entre a área de inovação tecnológica com 
as ciências sociais aplicadas e a ciência da informação. 
6  Dagnino(2006)  estabelece  uma  diferenciação  entre  duas  tendências  CTS:  a 

chamada CTS1, cujo slogan seria a “não‐neutralidade e controle externo”; e 
a chamada CTS2, cujo slogan seria a “não‐neutralidade e re‐projetamento”.  

360  
certeza,  a  tecnologia  facilitou  a  vida  do  homem  contemporâneo, 
apesar  de  sua  interface  negativa,  destacando‐se,  neste  aspecto,  os 
efeitos  de  agentes  químicos  que  fazem  mal  à  saúde  e  degradam  o 
meio ambiente, a guerra bacteriológica, tecnologia que substitui o ser 
humano, ciência e tecnologia de ponta, na maioria dos casos, somente 
disponível  nos  países  desenvolvidos,  aumentando  a  disparidade  em 
relação aos países pobres. 
Não  se  pode  deixar  de  mencionar  que  o  debate  em  torno  da 
ciência,  da  tecnologia  e  de  sua  relação  com  a  sociedade  invadiu  as 
esferas  de  poder  (ALBORNOZ,  2007),  tendo  em  vista  o  engajamento 
dos  movimentos  sociais  nas  discussões  em  torno  das  políticas 
científicas,  e  a  necessidade  estratégica  de  cada  país  de  definir  suas 
políticas  científicas  e  tecnológicas  para  manter‐se  em  ou  alcançar 
posições  de  destaque  no  cenário  mundial,  frente  ao  avanço  das 
descobertas  científicas  e  tecnológicas  e  suas  possibilidades  mais 
amplas de aplicação. 
Paralelamente,  o  mundo do  trabalho  também  sofreu  os  impactos 
do  desenvolvimento  científico  e  tecnológico,  alterando  as  estruturas 
organizacionais e contribuindo, por um lado, para o enxugamento dos 
quadros  de  pessoal  das  grandes  indústrias,  e,  por  outro,  para  o 
desenvolvimento  do  setor  de  serviços,  propiciando  uma  terceira 
revolução no âmbito do mundo do trabalho. 
Recentemente,  o  advento  da  internet,  a  globalização  das 
economias,  o  desenvolvimento  das  tecnologias  de  informação, 
característica  da  chamada  Sociedade  do  Conhecimento,  tornou  mais 
importante  a  influência  da  ciência  e  da  tecnologia  na  vida  de  todos 
nós.  Para  o  homem  moderno,  seria  impossível  pensar  num  mundo 
sem a rapidez do e‐mail, do celular, das transferências de informação 
on  line.  Os  microchips  e,  mais  recentemente,  a  nanotecnologia 
diminuíram  drasticamente  o  volume  dos  equipamentos  necessários 
para  uma  organização  ser  eficiente.  As  redes  de  fibra  ótica,  as  redes 
sem fio, a tecnologia bluetooth tornaram a comunicação mais avançada 
e  muitíssimo  mais  rápida.  Com  isso,  as  organizações  tiveram  que 
adaptar‐se  ao  novo  mundo  e  à  nova  esfera  de  concorrência,  num 
ambiente em constante mutação, imprevisibilidade e inovação. 

  361
Nesse  sentido,  vimos  nascer  dentro  das  organizações, 
principalmente  nas  grandes  corporações,  uma  preocupação  com  a 
adaptação das pessoas aos avanços tecnológicos, para continuar sendo 
competitivas.  Os  modelos  de  gestão  de  pessoas  passaram  por 
reformulações,  acompanharam  tendências,  transferiram  seus 
mentores  das  áreas  de  Engenharia  e  Administração  para  áreas  como 
Ciências Sociais, Pedagogia e Psicologia, entre outras, trazendo óticas 
diferentes para a área de Recursos Humanos. Isso contribuiu para que 
o  ser  humano  adquirisse  destaque  como  mais  um  recurso  a  ser 
valorizado e mantido – o chamado Capital Social. Descobriu‐se que as 
relações  sociais  no  trabalho  são  tão  importantes  quanto  o 
desenvolvimento  tecnológico  da  organização  e  que  a  gestão  do 
conhecimento é uma alavanca para o sucesso. 
Dentro  desse  universo,  é  importante  resgatar  o  conceito  de 
tecnologia,  de  informação  e  de  sistema  de  informação,  para 
entendermos a revolução social em curso no interior das organizações 
que, de certa forma, deu origem à chamada Tecnologia da Informação 
(TI), cujo maior diferencial talvez seja a popularização da internet no 
final dos anos 1990. A tecnologia, produto da ciência, é o instrumental 
utilizado  para  obter,  armazenar,  processar  e  distribuir  a  informação, 
que  nada  mais  é  do  que  o  conteúdo  necessário  e  de  interesse 
estratégico para determinada área ou grupo. A noção de sistema está 
relacionada  aos  vários  aspectos/componentes  de  um  determinado 
grupo trabalhando em conjunto para atingir um objetivo comum. Não 
se  pode  esquecer  que  os  Sistemas  de  Informação  já  existiam  sob 
formas  mais  precárias,  antes  mesmo  da  Informática  e  abrangem  a 
organização e a administração do fluxo de informações, basicamente a 
entrada, a forma de processamento e a saída da informação. 
Aliás, quando se fala em Tecnologia de Informação e Sistemas de 
Informação,  muitas  variáveis  são  consideradas  além  da  Informação 
em si, tais como o software utilizado, hardware, rede de comunicação 
(internet, intranet), segurança da informação, concorrência, legislação, 
poder,  dentre  outros.  Isso  demonstra  que  o  universo  do  trabalho 
tornou‐se  mais  sofisticado  com  os  avanços  tecnológicos  e  isso 
certamente  influenciou  nas  mudanças  observadas  nos  modelos  de 
gestão de pessoas. 

362  
As  organizações  passaram  a  necessitar  de  indivíduos  que 
pudessem  ser  mais  que  reprodutores  de  tarefas,  mesmo  as  tarefas 
especializadas, nos moldes da Administração Científica de Taylor ou 
da  burocracia  de  Webber  (GIDDENS,  2005),  mas  indivíduos  com 
iniciativa,  empreendedores,  flexíveis,  aptos  a  trabalhar  em  equipe. 
Nesse  aspecto,  a  Psicologia  contribuiu  muito  para  as  mudanças  nos 
modelos de gestão de pessoas. 
Fazendo uma análise da situação da gestão de pessoas no Brasil, 
Mascarenhas (2005) chamou a atenção para o fato de que a área de RH 
ainda  está  repleta  de  mitos,  crenças  e  conceitos  distantes  das 
conclusões científicas e existe uma defasagem entre a teoria adotada e 
a teoria efetivamente praticada nas organizações, entre outras coisas, 
pela  resistência  dos  indivíduos  quando  sua  zona  de  conforto  é 
ameaçada  e  as  inovações  lhe  causam  angústia.  Isso  mostra  que  os 
estudos científicos na área de gestão de pessoas, no Brasil, ainda têm 
um caminho a percorrer para possibilitar mudanças concretas na área 
de  RH.  E  isso  não  é  diferente  no  contexto  da  gestão  de  pessoas  na 
Administração Pública Federal. 
 
Gestão de pessoas na Administração Pública Federal  
 
Um dos problemas do contexto da Administração Pública Federal 
é que as políticas públicas de gestão de pessoas foram historicamente 
marcadas  por  grande  descontinuidade  e,  ironicamente,  algumas  das 
iniciativas  de  profissionalização  da  gestão  de  pessoas  foram 
implantadas  em  períodos  autoritários  e  distantes  da  participação 
democrática. Apesar disso, foram iniciativas importantes, certamente, 
conforme  demonstra  o  quadro  abaixo,  principalmente  pela 
profissionalização  do  servidor  (em  oposição  à  característica 
patrimonialista do Estado brasileiro), pela valorização da meritocracia 
no  serviço  público,  mas  não  deixaram  de  ser  iniciativas  do  tipo  top 
down,  com  concepções  que  não  implicavam  na  consideração  dos 
valores  culturais  e  sociais  do  servidor,  mas  numa  maneira  de 
continuar  com  a  concepção  instrumentalista  de  gestão,  calcada  no 
controle e supervisão, sem a possibilidade significativa de inovação e 
criatividade no modelo de gestão. 

  363
Quadro  1  –  Iniciativas  significativas  de  reformas  na  legislação  sobre 
pessoal 
 
Instrumento  Período  Descrição 
Lei  nº  284  ‐  Criação  do  1936  –  ‐ chamada “Lei do Ajustamento” 
Conselho  Federal  do  Serviço  era  ‐ institui o plano de classificação de cargos 
Público   Vargas  e o concurso público 
 
Decreto  nº  579  –  criação  1938  ‐  centralização  da  gestão  de  recursos 
Departamento  humanos 
Administrativo  do  Serviço  ‐ estruturação de quadros de pessoal 
Público/DASP  ‐ sistema de carreiras baseado no mérito 
Decreto‐Lei  nº  1.713  –  1939  ‐ regulamentação das relações entre Estado 
Estatuto  dos  Funcionários  e servidores 
Públicos 
Lei  nº  1711  –  novo  Estatuto  1952  ‐ substituiu o Decreto‐Lei nº 1713 
dos Funcionários Públicos 
Decreto nº 200 – Organização  1967  –  ‐  estabeleceu  diretrizes  para  a  reforma 
da  Administração  Pública  regime  administrativa que realizou a transferência 
Federal   militar  de  atividades  para  autarquias,  fundações, 
empresas  públicas,  e  sociedades  de 
economia mista.  
Lei nº 5.645  1970  ‐ novo sistema de classificação de cargos. 
Decreto  nº  67.326  –  SIPEC  ‐  1970  ‐ em vigor até os dias de hoje, tendo como 
Sistema  de  Pessoal  Civil  da  principais  funções  a  classificação, 
Administração Federal   redistribuição  de  cargos  e  empregos, 
recrutamento e seleção, cadastro e lotação, 
aperfeiçoamento e legislação de pessoal. 
Decreto  nº  93.213  –  CNPC  –  1986  ‐  informações  precisas  e  atualizadas  sobre 
Cadastro  Nacional  do  os  servidores  civis  ativos,  inativos  e 
Pessoal Civil  pensionistas. 
Decreto nº 93.277 ‐ criação da  1986  ‐  iniciativa  de  melhorar  a  capacitação  da 
ENAP  –  Escola  Nacional  de  alta burocracia. 
Administração Pública 
Decreto nº 99.328 ‐ criação do  1988  ‐  instrumentos  de  controle  e 
SIAPE  –  Sistema  Integrado  acompanhamento dos gastos com pessoal. 
de  Administração  de 
Recursos Humanos 
Lei  nº  8.112  –  Regime  1990  ‐  regime  unificado  para  toda  a 
Jurídico Único  administração  direta,  autárquica  e 
fundacional 
 
Fonte: Kalil Pires et al 2005, com adaptações  
 

364  
A década de 1990 tem como marco histórico para a gestão pública 
brasileira  a  criação  do  Ministério  de  Administração  e  Reforma  do 
Estado  –  MARE,  que  instituiu  o  Plano  Diretor  da  Reforma  do 
Aparelho  do  Estado  Brasileiro,  idealizado  pelo  ministro  Bresser‐
Pereira,  e  que  trouxe  alguns  importantes  avanços  para  a 
administração  pública  como,  por  exemplo,  “uma  grande 
reorganização administrativa do governo federal, com destaque para 
a  melhoria  substancial  das  informações  da  administração  pública  – 
antes desorganizadas ou inexistentes – e o fortalecimento das carreiras 
de Estado” (ABRUCIO, 2007, p.71). Mesmo assim, a reforma gerencial 
de  1995  continha  alguns  erros  de  diagnóstico  relacionados  à  errônea 
visão  “etapista”  da  reforma  pelo  enfrentamento  da  administração 
burocrática quando deveria enxergar que a reforma poderia propiciar 
um  diálogo  entre  aspectos  do  modelo  weberiano  ‐  que  possibilita  a 
separação  clara  entre  o  público  e  o  privado  ‐  e  aspectos  dos  novos 
instrumentos  de  gestão,  caracterizados  principalmente  pela  visão  de 
administração  voltada  para  resultados  e  a  possibilidade  de  novos 
modelos  de  gestão,  incorporando  o  que  foi  chamado  de  espaços 
públicos  não‐estatais,  cujo  maior  exemplo  são  hoje  as  chamadas 
parcerias público‐privadas ‐ PPPs (ABRUCIO, 2007). 
De qualquer forma, apesar de não ter conseguido dar seguimento 
à  reforma  ampla  e  contínua,  como  previsto  inicialmente,  sobretudo 
pelos  obstáculos  impostos  pela  equipe  econômica  (que  se  pautava 
mais  pelo  tema  do  ajuste  fiscal  do  que  pelo  tema  da  mudança 
institucional)  e  pela  classe  política,  a  qual  abominava  a 
profissionalização  da  burocracia  por  interferir  diretamente  na 
influência  “política  sobre  a  distribuição  de  cargos  e  verbas  públicas” 
(ABRUCIO, 2007, p.75), o grande legado da iniciativa do MARE foi o 
lançamento de um novo paradigma de gestão para o contexto da área 
pública. Mesmo após sua extinção no segundo mandato do presidente 
Fernando  Henrique  Cardoso,  podem  ser  notados  reflexos  das  idéias 
da  nova  gestão  pública  ainda  hoje  nas  atuações  de  vários  gestores 
públicos  e  nas  inovações  governamentais  atuais  e  talvez  uma  dessas 
iniciativas mais inovadoras na gestão seja a gestão por competências. 
A abordagem das competências na Administração Pública  

  365
A  Escola  Nacional  de  Administração  Pública  –  ENAP,  entre  os 
meses  de  2004  e  março  de  2005,  incentivou  uma  mesa‐redonda  de 
pesquisa‐ação  (processo  de  pesquisa  envolvendo  participantes  de 
diferentes  organizações)  para  discussão  do  tema  gestão  por 
competências,  modelo  já  presente  em  organizações  privadas  e  que 
desperta interesse crescente entre as organizações públicas, resultando 
num  diagnóstico  interessante  das  dimensões  da  competência  e  das 
possibilidades  da  implantação  do  novo  modelo  em  organizações  de 
governo, com alguns exemplos de organizações onde o modelo já está 
presente ou em implantação (KALIL PIRES et al, 2005).  
Em 23 de fevereiro de 2006, o Decreto nº 5.707 instituiu a Política 
Nacional  de  Desenvolvimento  de  Pessoal  –  PNDP,  cujo  texto 
estabelece: 
 
“Art. 2o Para os fins deste Decreto, entende‐se por: 
 I ‐ capacitação: processo permanente e deliberado de aprendizagem, com 
o  propósito  de  contribuir  para  o  desenvolvimento  de  competências 
institucionais por meio do desenvolvimento de competências individuais; 
 II ‐ gestão  por  competência:  gestão  da  capacitação  orientada  para  o 
desenvolvimento  do  conjunto  de  conhecimentos,  habilidades  e  atitudes 
necessárias  ao  desempenho  das  funções  dos  servidores,  visando  ao 
alcance dos objetivos da instituição; e 
 III ‐ eventos  de  capacitação:  cursos  presenciais  e  à  distância, 
aprendizagem  em  serviço,  grupos  formais  de  estudos,  intercâmbios, 
estágios,  seminários  e  congressos,  que  contribuam  para  o 
desenvolvimento  do  servidor  e  que  atendam  aos  interesses  da 
administração pública federal direta, autárquica e fundacional. 
(...) 
Instrumentos 
Art. 5o  São  instrumentos  da  Política  Nacional  de  Desenvolvimento  de 
Pessoal: 
 I ‐ plano anual de capacitação; 
 II ‐ relatório de execução do plano anual de capacitação; e 
 III ‐ sistema de gestão por competência.”  
(BRASIL, 2006, p. 1 e 2)  
 
Observa‐se  que  se  trata  de  uma  política  pública  de 
desenvolvimento  de  pessoal  que  institucionalizou  o  paradigma  da 
gestão  por  competência  para  todo  o  contexto  do  serviço  público, 

366  
possibilitando  um  novo  modelo  de  gestão  na  Administração  Pública 
que considere não só o desenho do cargo, mas outros conceitos mais 
condizentes  com  o  atual  universo  do  mundo  do  trabalho,  sobre  os 
quais faremos algumas considerações. 
A competência pode ser dimensionada no nível do indivíduo e no 
nível  da  organização.  No  nível  individual,  a  competência  envolve 
algumas dimensões que definiremos como “as combinações sinérgicas 
de conhecimentos, habilidades e atitudes, expressas pelo desempenho 
profissional  em  determinado  contexto  ou  em  determinada  estratégia 
organizacional”  (BRANDÃO;  BAHRY,  2005,  p.  180).  Os 
conhecimentos  referem‐se  à  formação  dos  indivíduos  e  a  informação 
acumulada  (saber‐fazer);  as  habilidades  referem‐se  à  técnica  (saber‐
como‐fazer)  e  as  atitudes  estão  relacionadas  ao  comportamento 
(querer‐fazer).  No  nível  organizacional,  a  competência  está 
relacionada com os atributos de uma organização que a tornam eficaz 
e  a  diferenciam  de  outras  organizações.  A  harmonia  entre  esses  dois 
níveis  de  dimensões  de  competências  estabelecem  uma  relação  de 
valor social para o indivíduo e de valor econômico para a organização 
(FLEURY; FLEURY, 2001).  
Considerando  esses  aspectos  da  noção  de  competência,  um 
sistema  de  gestão  por  competências  em  organizações  públicas  abre 
espaço  para  considerar  as  peculiaridades  e  especificidades  de  cada 
organização e possibilita uma maior valorização do fazer do servidor. 
É  importante  destacar  que  esse  fazer  deve  estar  alinhado  com  as 
estratégias institucionais da organização, o que demonstra um grande 
avanço  na  gestão  pública  porque  pressupõe  planejamento  e  visão  de 
futuro  organizacionais.  Trata‐se,  portanto,  de  uma  visão  inédita  no 
contexto  da  área  pública,  se  for  considerado  o  passado  recente  das 
políticas  de  pessoal  que  não  previam  o  ambiente  mutável  e 
imprevisível, nem a participação ativa do servidor na consecução dos 
objetivos estratégicos da organização.  
Em  ambientes  relacionados  com  a  produção  do  conhecimento  e 
da  inovação,  como  as  universidades,  um  sistema  de  gestão  por 
competências  parece  bastante  adequado  por  pressupor  a  construção 
de uma estrutura de aprendizagem organizacional e por pressupor a 
perspectiva  de  conscientização  da  importância  do  papel  do  servidor 

  367
na interface com a produção do conhecimento, na instrumentalização 
da  tecnologia  e  no  processo  de  relacionamento  com  a  sociedade. 
Especificamente  nesse  contexto,  ganha  destaque  a  importância  dos 
programas  de  desenvolvimento  e  capacitação,  considerando  a 
necessidade  de  currículos  mais  abrangentes  e  que  não  contemplem 
somente  a  questão instrumental,  mas  valorizem a  conscientização  no 
servidor  da  importância  do  seu  papel  enquanto  sujeito‐agente  no 
processo  de  construção  do  seu  saber‐fazer  e  querer‐fazer,  para  o 
crescimento tanto individual quanto organizacional. 
 
Considerações finais  
 
A  breve  reflexão  do  presente  trabalho  procurou  demonstrar,  a 
partir  da  contextualização  da  estreita  relação  entre  a  ciência,  a 
tecnologia  e  a  sociedade,  que  o  modelo  de  gestão  por  competências 
em organizações públicas é uma possibilidade de tecnologia de gestão 
que  pode  tornar  as  organizações  mais  ágeis  e  dinâmicas,  sobretudo 
em  ambientes  relacionados  com  processos  de  inovações,  como  é  o 
caso das universidades. Entretanto, como as competências individuais 
devem estar relacionadas com as competências organizacionais, a área 
de  Recursos  Humanos  deve  estar  devidamente  habilitada  para 
incorporar  os  pressupostos  que  envolvem  o  sistema  de  gestão  por 
competência,  isto  é,  uma equipe  capacitada  a  lidar  com  a  construção 
de uma estrutura de aprendizagem mais dinâmica e democrática, que 
possa  auxiliar  no  desafio  de  construir  mecanismos  efetivamente 
motivadores  para  os  servidores  que  o  setor  deverá  captar, 
desenvolver e manter na organização.  
Nesse sentido, enfim, o filtro do campo CTS pode contribuir para 
a  construção  de  currículos  de  treinamento  socialmente 
contextualizados,  que  possam  demonstrar  o  ambiente  complexo  do 
qual  fazem  parte  as  organizações  relacionadas  à  produção  e 
disseminação  de  conhecimento  e  inovação,  que,  paralelamente, 
poderão  contribuir  para  a  mudança  de  práticas  organizacionais  que 
irão,  ao  mesmo  tempo,  atrair  e  manter  os  melhores  profissionais, 
possibilitando, assim, a construção de um novo modelo de gestão e de 
gestão  de  pessoas,  que  contemplem  não  só  a  implantação  das 

368  
inovações científicas e tecnológicas em si, como os sistemas de gestão 
informatizados,  mas  a  interação  das  pessoas  com  essas  inovações, 
para  atuar  de  maneira  mais  adequada  para  o  ambiente  atual  de 
incertezas e constante mutação. 
 
 
 
Referências  
 
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crítico e a renovação da agenda de reformas. Revista de Administração Pública, 
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BRANDÃO, H.P; BAHRY, C.P. Gestão por competências: métodos e técnicas 
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n.  2,  p.179‐194,  abr./jun.  2005.  Disponível  em:  <  http://www.enap.gov.br/ 
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BRANDÃO,  H.P;  GUIMARÃES,  T.A.  Gestão  de  competências  e  gestão  de 


desempenho: tecnologias distintas ou instrumentos de um mesmo constructo? 
Revista de Administração de Empresas, v. 41, n. 1, p. 8‐15, jan./mar. 2001.  

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pública  federal  direta,  autárquica  e  fundacional,  e  regulamenta  dispositivos 
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  369
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HOBSBAWM,  E.  Era  dos  Extremos:  o  breve  século  XX:  1914‐1991.  2ª  ed.  São 
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eensino/article/view/150/108>. Acesso em: 6 maio 2010. 

370  
 
AMBIENTE INFORMACIONAL DAS ORGANIZAÇÕES: 
RELAÇÃO ENTRE A GESTÃO ESTRATÉGICA E PATENTES 
 
Tatiane Malvestio Silva1 
 
 
1. Introdução 
 
A tecnologia tem impacto direto em ações cotidianas, assim como 
influência  atitudes  da  sociedade.  De  maneira  acelerada,  o  avanço 
tecnológico  promove  a  inserção  de  novos  produtos  e  processos 
produtivos,  além  de  aprimorar  aqueles  já  existentes.  E  a  informação 
que  em  algumas  décadas  passadas  ficava,  de  certa  forma,  escondida 
nas  bibliotecas,  em  dias  atuais,  conta  com  a  facilidade  de  ser 
difundida  com  rapidez  e  em  escala  global,  por  meio  das  facilidades 
oferecidas pela Internet e Tecnologias da Informação. 
A  partir  do  século  XX  foi  considerável  a  rapidez  no  avanço 
tecnológico  e  seu  impacto  sócio‐econômico  e  cultural.  O  conceito  de 
empresas  com  ênfase  nas  máquinas  e  no  trabalho  braçal  tem  sido 
substituído  por  organizações  baseadas  no  conhecimento,  ou  seja, 
estamos  vivendo  a  Era  do  Conhecimento,  que  tem  como  principal 
matéria‐prima, a informação. 
 
“Assim, por exemplo, uma empresa antes de decidir aplicar determinada 
soma de recursos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) (...) pode buscar 
apoios externos que lhe forneçam informações sobre o estado‐da‐arte das 
pesquisas de seus concorrentes, (...). Com isto vem surgindo, formando‐
se  e  recompondo‐se  toda  uma  verdadeira  “indústria  de  informações 
sensíveis”  devidamente  especializadas  no  monitoramento  científico  e 
tecnológico,  monitoramento  de  informações  concorrenciais,  e  ainda,  de 
produtos  novos,  de  patentes,  de  mercados,  de  nomes  e  especializações, 
de marcas e de direitos autorais etc., fazendo com que parte dos antigos 

1   Bibliotecária.  Mestranda  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência, 


Tecnologia e Sociedade da UFSCar. Orientada pelo Prof. Dr. Leandro I. L de 
Faria. 

371
atores  setorializados  da  área  de  informações,  documentalistas, 
bibliotecários,  advogados,  tecnólogos,  engenheiros,  cientistas, 
economistas  etc.,  atuantes  nos  diversos  bancos  de  dados,  aproximem‐se 
dos antigos operadores dos serviços de inteligência política e militar, para 
criar  empresas  de  “inteligência  econômica”.  E  definitivamente  não 
estamos  nos  referindo  a  “espionagem  industrial”  (PASSOS,  2004,  p.  75‐
76). 
 
As  organizações  têm  adotado  novos  modelos  de  gestão  mais 
dinâmicos  e  flexíveis  como  forma  de  se  manterem  competitivas  no 
mercado.  Crescentemente,  têm  sido  investido  recursos  das  empresas 
na  gestão  baseada  na  informação  para  que  assim,  possam  elevar  seu 
potencial de desempenho. 
A  elaboração  deste  artigo  é  estimulada  pela  necessidade  de  se 
estabelecer  relação  entre  patentes  pelo  ambiente  informacional  nas 
organizações alinhado à gestão estratégica das organizações. 
 
2. Ambiente informacional 
 
Inicialmente,  é  importante  ressaltar  o  significado  da  informação. 
Conforme diversos autores da área de ciência da informação, é difícil 
definir informação separadamente de conhecimento e dados. 
Os dados são os elementos que vão formar a informação. A partir 
da contextualização dos dados, obtemos a informação. Para McGARRY 
(1999),  a  “informação  é  o  termo  que  designa  o  conteúdo  daquilo  que 
permutamos com o mundo exterior ao ajustar‐nos a ele, e faz com que 
nosso  ajustamento  seja  nele  percebido”.  Já  o  conhecimento  é  a 
informação  processada  e  interpretada  pelos  indivíduos.  A  dificuldade 
encontrada nas organizações é de transformar os dados em informações 
e as informações em conhecimento. 
De  forma  semelhante,  TUOMI  (1999),  citado  por  SILVA  (2002) 
define dado, informação e conhecimento de maneira bem relacionada, 
na qual, dados são fatos que de acordo com uma estrutura se tornam 
informação  e  informação  se  torna  conhecimento  de  acordo  com  o 
contexto. 
E,  de  acordo  com  FALSARELLA  (2003),  quanto  ao  ambiente  de 
origem a informação pode ser interna ou externa. Informação interna 

372
“são as informações produzidas no ambiente interno da empresa. Por 
exemplo: folha de pagamento; controle de estoques no almoxarifado; 
contas a pagar, etc.” (FALSARELLA, 2003). E as informações externas 
são  provenientes  de  fora  da  empresa,  como  por  exemplo,  as 
informações  que  vêm  de  instituições  públicas  e  privadas  que  se 
relacionam com a empresa e aquelas informações obtidas no mercado. 
Complementariamente,  LASTRES  e  FERRAZ  ressaltam  o  sentido 
econômico dos conceitos “informação” e “conhecimento”. 
 
“Ao  contrário  dos  economistas  ortodoxos,  a  escola  neo‐schumpeteriana 
aponta  a  importância  de  esforços  explícitos  para  a  geração  de  novos 
conhecimentos  como  também  para  sua  introdução  e  difusão  no  sistema 
produtivo.  Este  é  o  processo  que  conduz  ao  surgimento  de  inovações, 
considerado  fator‐chave  para  o  processo  de  desenvolvimento.  Esses 
conceitos e visão deram corpo e poder explanatório a argumentos sobre a 
existência de uma complexa e dinâmica interação entre diferentes fontes 
de inovação, assim como lançaram nova luz sobre a dinâmica da geração, 
aquisição  e  difusão  de  inovações  (tanto  tecnológicas,  quanto 
organizacionais)” (LASTRES; FERRAZ, 1999, p.31). 
 
Para  tanto,  considerando  esse  novo  paradigma,  no  qual  a 
informação  passou  a ser  vista  como  uma  vantagem  competitiva  e  de 
caráter  estratégico  pelas  organizações,  o  ambiente  de  informações 
deve  ser  tido  como  um  ambiente  que  faça  parte  da  cultura  da 
empresa,  empenhado  em  coletar,  processar  e  disseminar  informação 
dando  todo  o  tratamento  necessário  para  que  a  informação  seja 
relevante e de fácil acesso quando requisitada. 
Um  ambiente  de  informações  deve  estar  estruturado 
adequadamente  com  informações  atualizadas  e  alinhadas  às 
estratégias da organização para oferecer suporte necessário e também 
agilizar os processos de tomadas de decisão da empresa. 
 
3. Gestão Estratégica 
 
A  gestão  estratégica  é  um  processo  continuo  que  envolve  o 
ambiente  organizacional  para  melhor  direcionar  as  decisões  a  serem 

373
tomadas.  As  empresas  buscam  constantemente  as  estratégias  mais 
adequadas para alcançar vantagem competitiva. 
O planejamento estratégico passou a ser empregado para orientar 
as  empresas  em  suas  tomadas  de  decisões  e  como  uma  forma  de 
enfrentar  as  constantes  transformações  no  cenário  sócio‐econômico 
mundial.  
Dessa  forma,  “o  planejamento  estratégico  deve  possuir  como 
principal  característica  a  flexibilidade,  com  o  intuito  de  permitir  o 
ajuste  necessário  face  às  incertezas  do  mercado”  (TERENCE,  2002). 
Ou seja, deve ser flexível e se compor pelas seguintes variáveis: 
• ambiente interno e externo; 
• estratégia em longo prazo; 
• avaliação e controle; 
• revisões e reposicionamento. 
 
Segundo  FISCHMANN  &  ALMEIDA  (1991),  citado  por 
TERENCE  (2002),  “o  planejamento  estratégico  proporciona  a  análise 
do  ambiente  de  uma  organização,  cria  a  consciência  das  suas 
oportunidades  e  ameaças,  dos  seus  pontos  fortes  e  fracos,  do 
cumprimento da sua missão e, através desta consciência, estabelece o 
propósito de direção que a organização deverá seguir para aproveitar 
as oportunidades e evitar riscos”. 
As  empresas  vivenciam  situações  no  dia‐a‐dia  que  as  levam 
buscar  e  interpretar  as  informações  do  ambiente  para  obter  boas 
oportunidades  de  negócio.  Essa  necessidade  de  conhecer  melhor  o 
ambiente é a estratégia adotada para ganhar vantagem competitiva da 
concorrência. De acordo com DAY e REIBSTEIN,  
 
“a  globalização  e  a  mudança  tecnológica  estão  gerando  novas  fontes  de 
competição; a desregulamentação está alterando as regras da competição 
em  muitos  setores;  os  mercados  estão  se  tornando  cada  vez  mais 
complexos  e  imprevisíveis;  e  os  fluxos  de  informação  em  um  mundo 
altamente  conectado  permitem  que  as  empresas  detectem  e  reajam  aos 
concorrentes em um ritmo mais rápido” (DAY; REIBSTEIN, 1999, p.34). 
 
Isso  mostra  que  vários  fatores  influenciam  na  escolha  da 
estratégia  mais  adequada  para  obter  vantagem  competitiva  na 

374
concorrência.  Assim,  para  ALVES  FILHO  (1999),  a  estratégia 
competitiva  “é  o  conjunto  de  planos,  políticas,  programas  e  ações 
desenvolvidos  por  uma  empresa  ou  unidade  de  negócios  para 
ampliar ou manter, de modo sustentável, suas vantagens competitivas 
frente  aos  concorrentes”,  ou  seja,  é  o  modo  como  a  empresa  vai 
competir. 
  Conforme  PORTER  (1986)  apresenta,  as  empresas  utilizam 
três tipos de vantagem competitiva: 
 
• Estratégia  de  liderança  em  custo:  a  empresa  busca  meios  de  reduzir 
custos  produtivos  através  da  ampliação  da  linha  de  produtos,  da 
existência  de  economias  de  escala,  da  tecnologia  patenteada,  do  acesso 
preferencial  a  matérias‐primas  e  de  outras  variáveis  competitivas 
(PORTER, 1986). 
• Estratégia de diferenciação do produto: a empresa procura ser única em 
uma indústria através da incorporação e seleção de atributos valorizados 
pelos  consumidores.  Dessa  forma,  a  empresa  posiciona‐se  para  melhor 
satisfazer  às  necessidades  de  consumo,  fator  que  lhe  permite  fixar  um 
preço prêmio (PORTER, 1986). 
• Estratégia  de  foco:  é  definida  pela  limitação  da  arena  competitiva.  Há 
uma  seleção  quanto  ao  segmento  a  ser  atendido.  O  procedimento 
seguinte  será  elaborar  uma  estratégia  que  conduza  à  vantagem 
competitiva (PORTER, 1986). 
 
Porém, ao adotar as estratégias genéricas é necessário cautela para 
não  imitar  os  concorrentes,  não  perder  o  diferencial  de  custo,  não 
diminuir os atrativos, dentre outros riscos. 
As  estratégias  genéricas  se  fragmentam  em  estratégias  de 
marketing,  estratégias  de  produção,  estratégias  financeiras  e 
estratégias tecnológicas. PORTER (1986), afirma que: 
 
“a chave para o crescimento – e mesmo para a sobrevivência – é assumir 
uma vigilância para que sejamos menos vulneráveis ao ataque frontal de 
oponentes,  estejam  eles  estabelecidos  ou  não,  e  menos  vulneráveis  à 
erosão provocada por compradores, fornecedores e produtos substitutos. 
Estabelecer  tal  posição  pode  tomar  muitas  formas  –  solidificando 
relacionamentos  com  clientes  favoráveis,  diferenciando  o  produto 
substantivamente ou psicologicamente através do marketing, integrando 

375
para  frente  e  para  trás;  e  estabelecendo  uma  liderança  tecnológica” 
(PORTER, 1986, p. 24). 
 
De  acordo  com  PORTER  (1998),  cabe  à  estratégia  competitiva  da 
empresa  se  antecipar  às  mudanças  e  responder  a  elas,  escolhendo  a 
estratégia apropriada para conseguir o equilíbrio competitivo. 
 
4. Patentes 
 
O  Instituto  Nacional  de  Propriedade  Industrial  ‐  INPI  define 
patente como  
 
“um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de 
utilidade,  outorgados  pelo  Estado  aos  inventores  ou  autores  ou  outras 
pessoas  físicas  ou  jurídicas  detentoras  de  direitos  sobre  a  criação.  Em 
contrapartida,  o  inventor  se  obriga  a  revelar  detalhadamente  todo  o 
conteúdo técnico da matéria protegida pela patente” (INPI, 2010). 
 
As  informações  contidas  em  documentos  de  patentes  são  de 
grande  importância  tanto  para  as  análises  econômicas  sobre  o 
processo inovativo, quanto como fonte de informação para o setor de 
pesquisa  e  desenvolvimento  de  produtos  nas  empresas.  As 
informações  contidas  nos  documentos  de  patentes  são  ricas  em 
detalhes,  possuem  alto  grau  de  confiabilidade,  estão  disponíveis  em 
bases de dados que podem ser consultadas pela Internet, apresentam 
abrangência  em  nível  mundial  e  cobrem  todos  os  campos 
tecnológicos. 
Vale  ressaltar  que  elevado  número  das  invenções  nas  empresas 
pedem  patenteamento  e  porcentagem  significativa  destas  patentes 
vem a ser inovações (OECD, 1994). 
As  principais  informações  que  podem  ser  obtidas  junto  aos 
documentos  de  patentes  são:  ano  de  invenção,  título,  nome  do 
depositante, nome do inventor, Classificação Internacional de Patente, 
Classificação  Nacional  de  Patente,  título  da  invenção,  resumo  do 
conteúdo  do  documento,  lista  de  documentos  citados  pelo 
depositante,  etc.  Ainda,  constam  nos  documentos  de  patentes  o 
relatório descritivo da invenção, as reivindicações e os desenhos. 

376
De  acordo  com  a  ORGANISATION  FOR  ECONOMIC  CO‐
OPERATION  AND  DEVELOPMENT  ‐  OECD  (1994),  com  a 
disponibilidade de bases de dados de patentes on‐line, a utilização de 
informações de documentos de patentes para fins econômicos têm se 
expandido  rapidamente  e  proporcionado  através  de  procedimentos 
estatísticos  (livre  de  erros,  pois  as  informações  contidas  nesses 
documentos  são  rigorosamente  registradas)  a  formulação  de  estudos 
de indicadores sobre o processo de inovação tecnológica.  
Além  disso,  a  análise  de  documentos  de  patentes  serve  de  apoio 
aos  estudos  de  prospecção  tecnológica  de  empresas  e  países.  Alguns 
estudos mostram a importância de patentes como fonte de informação 
tecnológica e segundo o INPI, aproximadamente 80% das informações 
tecnológicas, em nível mundial, estão disponíveis em documentos de 
patentes, e não em publicações científicas. 
 
5. Considerações 
 
Através  da  análise  de  informações  contidas  em  documentos  de 
patentes  é  possível  tanto  a  elaboração  de  indicadores  da  atividade 
tecnológica como também obter informações sobre o estado‐da‐arte, o 
posicionamento  tecnológico  de  outras  empresas  e  países,  ou  seja, 
busca‐se  otimizar  o  processo  decisório,  obtendo  assim,  maior 
vantagem competitiva e aumentar a lucratividade. 
De  acordo  com  FUJINO  (1993),  uma  das  principais  barreiras  em 
relação  ao  serviço  de  informação  nas  grandes  empresas  se  deve  ao 
excesso  de  informações  que  circula  internamente  e  também  à 
dificuldade de localizar a informação mais adequada para solução de 
problemas no momento necessário.  
Assim, é relevante ressaltar a importância que a gestão estratégica 
representa  em  relação  ao  ambiente  de  informações  organizacional. 
Criar  um  sistema  de  informação  empresarial  é  uma  atividade  que 
exige  tempo,  esforço  e  investimento  financeiro.  Além,  de  apresentar 
resultados  à  longo  prazo,  estes,  são  também  difíceis  de  se  mensurar. 
Cabe  as  empresas  analisar  a  relação  custo‐benefício  e  custo‐
efetividade de um ambiente informacional no âmbito da organização. 
 

377
Referências 
 
ALVES  FILHO,  A.  (1999).  Estratégia  competitiva.  Disponível  em:  <http:// 
www.numa.  org.br/conhecimentos/conhecimentos_port/pag_conhec/estrat% 
c3%a9gia.html>. Acesso em: 04 abr. 2005. 

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Janeiro: Campus, 1999. 

FALSARELLA,  O.  M.;  JANNUZZI,  C.  A.  S.  C.;  BERAQUET,  V.  S.  M. 
Informação  empresarial:  dos  sistemas  transacionais  à  latência  zero. 
Transinformação, Campinas, v.15, nesp., p. 141‐156, set./dez. 2003. 

FUJINO,  A.  Serviços  de  informação  tecnológica  para  empresa  industrial:  subsídios 
para  planejamento  a  partir  de  estudo  de  usuários.  1993.  145f.  Dissertação 
(Mestrado) – Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de 
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993. 

INPI.  Patentes.  Disponível  em:  <http://www.inpi.gov.br>.  Acesso  em:  02  jun. 


2010. 

LASTRES,  H.  M.  M.;  FERRAZ,  J.  C.  Economia  da  informação,  do 
conhecimento  e  do  aprendizado.  In:  LASTRES,  H.  M.  M.;  ALBAGLI,  S. 
(Orgs.).  Informação  e  globalização  na  era  do  conhecimento.  Rio  de  Janeiro: 
Campus, 1999. 

McGARRY,  K.  O  contexto  dinâmico  da  informação:  uma  análise  introdutória. 


Brasília, DF: Briquet de Lemos/ Livros, 1999. 

PASSOS,  C.  A.  K.  Novos  modelos de  gestão  e  as  informações.  In:  LASTRES, 
H. M. M.; ALBAGLI, S. (Orgs.). Informação e globalização na era do conhecimento. 
Rio de Janeiro: Campus, 1999. 

ORGANISATION  FOR  ECONOMIC  CO‐OPERATION  AND 


DEVELOPMENT.  Patent  Manual  1994:  the  measurement  of  scientific  and 
technological  activities:  using  patent  data  as  science  and  technology 
indicators. Paris, 1994.  

PORTER,  M.  E.  Como  as  forças  competitivas  moldam  a  estratégia.  In: 
MONTGOMERY,  C.  A.;  PORTER,  M.  E.  (Org.).  Estratégia:  a  busca  da 
vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1998. p. 11‐27. 

PORTER, M. E. Estratégia competitiva: técnicas para a análise de indústrias e da 
concorrência. Rio de Janeiro: Campus, 1986. 362 p. 

378
SILVA,  S.  L.  Proposição  de  um  modelo  para  caracterização  das  conversões  do 
conhecimento  no  processo  de  desenvolvimento  de  produtos.  2002.  231f.  Tese 
(Doutorado)  –  Escola  de  Engenharia  de  São  Carlos,  Universidade  de  São 
Paulo, São Carlos, 2002. 

TERENCE,  A.  C.  F.  Planejamento  estratégico  como  ferramenta  de  competitividade 
na pequena empresa: desenvolvimento e avaliação de um roteiro prático para o 
processo de elaboração do planejamento. 2002. 105 f. Dissertação (Mestrado) – 
Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 
2002. 

379
 
MEMÓRIA E HIPERMÍDIA:  
A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E OS DIZERES 
HIPERMIDIÁTICOS 
 
Thaís Harumi Manfré Yado1 
Lucília Maria Sousa Romão [Orientadora]2 
 
Chego  aos  campos  vastos  de  memória,  onde  estão 
tesouros  de  inumeráveis  imagens  trazidas  por 
percepções  de  toda  espécie...  Ali  repousa  tudo  o  que  a 
ela  foi  entregue,  que  o  esquecimento  ainda  não 
absorveu  nem  sepultou...  Aí  estão  presentes  o  céu,  a 
terra e o mar, com todos os pormenores que neles pude 
perceber pelos sentidos, exceto os que esqueci. É lá que 
me encontro a mim mesmo, e recordo das ações que fiz, 
o  seu  tempo,  lugar,  e  até  os  sentimentos  que  me 
dominavam ao praticá‐las. É lá que estão também todos 
os  conhecimentos  que  recordo,  aprendidos  pela 
experiência  própria  ou  pela  crença  no  testemunho  de 
outrem. (Santo Agostinho) 
 
 
Introdução 
 
Com  o  desenvolvimento  e  solidificação  da  atual  Sociedade  da 
Informação, o acesso às informações passou a acontecer cada vez mais 
rápido e em maior quantidade. Procura‐se então, observar como se dá 

1  Mestranda  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e 


Sociedade  pela  Universidade  Federal  de  São  Carlos  (UFSCar).  Bacharel  em 
Ciências da Informação e da Documentação pela Universidade de São Paulo 
(USP). 
2 Professora Doutora do curso de Ciências da Informação e da Documentação 

e  da  Pós‐Graduação  em  Psicologia  da  Faculdade  de  Filosofia,  Ciências  e 


Letras  de  Ribeirão  Preto,  Universidade  de  São  Paulo.  Professora 
colaboradora  do  Mestrado  em  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade, 
Universidade Federal de São Carlos. Pesquisadora do CNPQ. 

381
a  construção  dos  dizeres  das  novas  mídias,  como  a  mídia  eletrônica 
faz  falar  dentro  desse  espaço  público  e  vasto  –  Internet.  E  assim, 
analisar  o  movimento  que  o  discurso,  a  memória  discursiva  e  o 
arquivo,  conceitos  importantes  no  campo  teórico  da  Análise  do 
Discurso  (AD)  de  matriz  francesa,  se  apresentam  nos  dizeres 
midiáticos.  
 
Revolução tecnológica 
 
Na Grécia Antiga téchne era o conjunto de procedimentos para se 
obter certos resultados, tendo seu sentido ligado a ideia de produção – 
fabricação. Posteriormente, este conceito teve o acréscimo da ideia de 
conhecimento  (CASTELLS, 2000). Os gregos temiam a ocorrência de 
consequências negativas em relação à modificação da essência natural 
das coisas. O desenvolvimento tecnológico era marcado pela relação: 
homem versus natureza (op. cit.).  
Através  dessas  afirmações  de  Castells  (2000),  o  mesmo 
complementa que, com o desenvolvimento do pensamento filosófico e 
científico,  alguns  pensadores  tenderam  a  considerar  o  mundo  como 
uma  máquina;  neste  caso  predomina  a  relação:  homem  versus 
máquina. Atualmente, a velocidade com que as novas informações são 
geradas  cria  a  necessidade  de  permanente  atualização:  predomina  a 
relação – homem versus informação (op. cit.). 
A  história  da  tecnologia  segue  uma  progressão:  do 
desenvolvimento  de  ferramentas  e  técnicas  mais  simples,  para  o 
tratamento  das  fontes  de  energia  simples,  às  ferramentas  e  técnicas 
complexas, para trabalhar com fontes de energia complexas (op. cit.).  
Assim,  a  Revolução  tecnológica  pode  ser  conceituada  como  “as 
invenções,  as  descobertas ou  as  criações  realizadas pelo  homem,  que 
afetam, de forma profunda, ampla e generalizada, os conhecimentos, 
os  costumes  e  as  práticas  cotidianas  do  seu  meio”  (op. cit.);  portanto, 
foram  revoluções  tecnológicas,  entre  outras,  o  domínio  do  fogo  pelo 
homem,  a  invenção  da  escrita  e,  mais  atualmente,  o  advento  da 
Internet. 
A seguir, será abordado, a maneira como o discurso, a memória 
discursiva  e  o  conceito  de  arquivo,  estudados  pela  Análise  do 

382
Discurso  francesa,  se apresentam  na  mídia eletrônica  e  com  todos  os 
seus dizeres movediços. 
 
O jogo discursivo presente na hipermídia 
 
O  campo  de  estudos  que  se  denomina  Análise  do  Discurso  de 
matriz  francesa,  teve  sua  trajetória  iniciada  no  fim  dos  anos de  1960. 
Desenvolvendo  duelos  e  diálogos  teóricos  entre  Michel  Foucault  e 
Michel  Pêcheux,  ao  se  proporem  estudar  o  sentido  e  o  sujeito, 
inseridos  na  História.  Para  a  materialização  desses  novos  sentidos, 
Foucault  e  Pêcheux  estabeleceram  uma  série  de  interlocuções  entre 
vários teóricos, sendo eles: o linguista e filósofo Ferdinand Saussure; o 
fundador  da  psicanálise  Sigmund  Freud;  o  filósofo  revolucionário  e 
fundador  da  doutrina  comunista  Karl  Marx;  o  filósofo  alemão 
Friedrich  Nietzche;  o  psicanalista  francês  Jacques  Lacan;  e  Louis 
Althusser – filósofo francês, que se tornou um importante vértice dos 
estudos discursivos entre Foucault e Pêcheux, levantando um período 
de muita polêmica nos anos de 1970 (GREGOLIN, 2004, p. 13‐14). 
Dessa  forma,  debruçando‐se  sobre  a  AD  francesa,  mais 
especificamente  sobre  os estudos  de Michel  Pêcheux  e suas reflexões 
de como o discurso, a língua, o sujeito e a História podem estabelecer 
articulações. Pêcheux passa por diferentes “épocas” (op. cit., p. 61‐62), 
no  início  de  seus  estudos  sobre  a  linguagem,  Pêcheux  propõe  uma 
releitura  de  Saussure,  de  Marx  e  de  Freud  para  a  concepção  do 
conceito  de  discurso.  Num  segundo  momento,  Pêcheux  passa  a 
dedicar seus estudos à heterogeneidade – o Outro, re‐interpretando o 
conceito de formação discursiva apresentado por Foucault.  
Porém, as tensões entre esses dois grandes teóricos não terminam 
aí;  durante  a  segunda  metade  dos  anos  de  1970,  Pêcheux  e  Foucault 
passam por uma crise teórica e política (op. cit., p. 64), crise esta que se 
reflete  na  AD  e  em  toda  França.  E  por fim,  durante os  anos  de 1980, 
ainda durante a crise política francesa, Pêcheux se afasta dos partidos 
políticos,  gerando  uma  aproximação  novamente  com  as  teses 
foucaultianas. 
Para a AD, a língua não é somente um código, assim, não se pode 
dizer que há uma separação entre emissor, receptor, nem a sequência 

383
de  fala  e  decodificação.  Dessa  forma,  o  conceito  de  discurso  não  é 
apenas  da  transmissão  da  informação  em  seu  sentido  tradicional 
(emissor, receptor, código, referente e mensagem), nem de seu modo 
linear de disposição dos elementos da comunicação.  
 
[...] Desse modo, diremos que não se trata de transmissão de informação 
apenas,  pois,  no  funcionamento  da  linguagem,  que  põe  em  relação 
sujeitos  e  sentido  afetados  pela  língua  e  pela  história,  produção  de 
sentidos e não meramente transmissão de informação. São processos de 
identificação  do  sujeito,  de  argumentação,  de  subjetivação,  de 
construção da realidade etc. Por  outro  lado,  tampouco  assentamos  esse 
esquema  na  idéia  de  comunicação.  A  de  linguagem  serve  para 
comunicar e para não comunicar. As relações de linguagem são relações 
de  sujeitos  e  de  sentidos  e  seus  efeitos  são  múltiplos  e  variados.  Daí  a 
definição  de  discurso:  o  discurso  é  efeito  de  sentidos  entre  locutores 
(ORLANDI, 2005, p. 21). 
 
E  entrelaçadamente  ao  conceito  de  discurso,  encontra‐se  o 
conceito de memória discursiva ‐ a memória social, coletiva, para que 
possa ser observada a sua relação com a linguagem e com a história. 
Porém,  não  se  trata  da  memória  que  faz  referência  às  lembranças  e 
recordações do passado, trata‐se de uma memória em que os sujeitos 
estão  inscritos,  é  uma  condição  para  o  funcionamento  discursivo, 
assim, o discurso exprime uma memória de caráter coletivo, em que o 
sujeito  está  inscrito  –  então,  a  memória  discursiva  se  constitui  de 
acontecimentos  exteriores  e  anteriores  à  constituição  do  discurso, 
dessa  maneira,  reflete  as  interdiscursividades    e  materialidades  em 
seus  dizeres  (FERNANDES,  2005,  p.  56).  Nas  palavras  de  Pêcheux,  a 
memória discursiva se constitui: 
 
[...]  como  estruturação  de  materialidade  discursiva  complexa, 
tensionada  numa  dialética  de  repetição  e  da  regularização:  a  memória 
discursiva  seria  aquilo  que,  frente  a  um  texto  aparecendo  como 
acontecimento a ler, vem reavivar os ‘implícitos’ (ie, mais tecnicamente, 
os pré‐construídos, elementos citados e relatados, discursos‐transversos 
etc.)  necessário  para  sua  leitura:  a  condição  do  lisível  com  relação  ao 
próprio lisível. (PÊCHEUX, 1983, p. 263 apud MARIANI, 1998, p. 40). 
 

384
Porém,  com  o  desenvolvimento  da  multimídia  e  a  mudança  de 
suporte, a Internet proporcionou uma nova forma de escrita – lúdica, 
recuperada, “superior”. A textualidade da rede eletrônica se constitui 
de  outra  forma  que  a  textualidade  impressa  (KUCISNKI,  2009).  A 
escrita  em  meio  eletrônico  não  se  apresenta  tão  regular  quanto  a 
escrita  impressa  –  ou  seja,  a  organização  multilinear  presente  no 
hipertexto  proporciona  que  a  leitura  de  tal  documento  seja  realizada 
de qualquer ponto, causando a quebra do paradigma de início, meio e 
fim presente na leitura de documentos impressos (ROMÃO, 2005). Por 
esses motivos, a nova era da comunicação, chamada por Pierre Lévy e 
Manuel  Castells  de  “Sociedade  da  Informação”  ou  “Sociedade  da 
Comunicação” (op. cit., p. 53). 
Assim, falar do discurso midiático com todas as suas repetições, 
rompimentos  dados  pela  memória  discursiva,  também  reclama  a 
trabalhar com o conceito de arquivo, uma vez que no meio eletrônico, 
pode‐se  observar  uma  justaposição  de  dizeres  (arquivos  sobrepostos 
ou justapostos), presentes em diversas vozes. Para Pêcheux (1994 apud 
FERNANDES,  2009,  p.  118),  o  arquivo  possibilita  duas  formas  de 
leitura: 
 
‐  aquele  que  se  apresenta  como  mera  “apreensão  dos  documentos”, 
como efeito de “pura referência”, do apontar para “as coisas como são”. 
O autor (idem) revela ainda que essa modalidade de leitura é regulada 
pelos aparelhos de poder, que causam o efeito de “leitura literal”; 
‐  a  outra  modalidade  é  a  de  leitura  interpretativa,  enquanto  “espaço 
polêmico das maneiras de ler”, já que dá acesso à polissemia. Para a AD, 
essa  é  a  vertente  que  possibilita  um  modo  de  leitura  discursivo  do 
arquivo.  
 
E  como  o  ciberespaço  proporciona  uma  ilusão  de  um  todo 
delimitado,  formando  agrupamentos  dentro  do  “dilúvio 
informacional”  (LÉVY,  1999,  p.  161),  uma  vez  que  “todos  temos 
necessidade, instituições, comunidades, grupos humanos, indivíduos, 
de  construir  um  sentido,  de  criar  zonas  de  familiaridade,  de 
aprisionar o caos ambiente” (op. cit.). Através desses agrupamentos, é 
que  se  dá  a  regulagem  interna  do  arquivo,  manifestando  e 
delimitando as fronteiras de acesso (MITTMANN, 2008, p. 126). 

385
A (re)construção de sentidos na mídia eletrônica 
 
Busca‐se analisar o discurso jornalístico, bem como suas filiações 
de sentidos, uma vez que este discurso apresenta‐se como uma forma 
de manutenção do poder em uma discursivização do cotidiano – para 
o  leitor  essa  discursivização  é  apagada,  e  levantando  assuntos/temas 
que  possam  interessar  os  leitores  e  estabelecer  uma  ordem  em  suas 
leituras  sobre  esses  assuntos.  Porém,  a  maioria  dos  leitores  não 
conseguem  perceber  as  trajetórias  e  os  descolamentos  feitos  pela 
memória sobre esses discursos. Causa‐se então, um efeito de “ilusão a 
unidade e transparência na relação das multiplicidades do presente e 
das indicações do que pode vir a ser” (MARIANI, 1998, p. 96‐97).  
Observa‐se como a mídia inscreve‐se enunciando de um lugar de 
memória  –  não  basta  um  acontecimento  ter  ocorrido;  para  um 
determinado fato ser relevante é necessário que o fato histórico circule 
na  mídia  (SARGENTINI,  2008).  Assim,  a  voz  da  mídia  apresenta‐se 
com  sentidos  de  autoridade  e  suposta  verdade,  fazendo  falar  uma 
narrativa  sobre  um  acontecimento  já  passado  em  um  tempo  agora 
marcado por outras condições de produção. Dessa forma, investiga‐se 
a  maneira  como  essa  voz  formula  seus  dizeres,  inscreve  posições 
discursivas,  recorta  redes  do  interdiscurso,  atualizando‐as  tanto  para 
manter  alguns  sentidos  quanto  para  rompê‐los.  Com  o  estudo  do 
funcionamento da linguagem nos meios de comunicação social, temos 
como  intuito  investigar  como  a  materialidade  linguística  tenta 
esconder  a  presença  das  diferentes  vozes  e  sentidos,  como  as  mídias 
apresentam  distintos  efeitos  de  poder  e  como  contribuem  para  a 
construção  de  um  imaginário  de  verdade,  neutralidade  e  isenção 
política, que podem gerar um efeito ilusórios. 
E  dentre  todos  os  textos  dispersos  no  ciberespaço,  foram 
selecionados dois recortes, publicados no dia 22 de dezembro de 2008, 
um  de  uma    mídia  nacional  de  grande  circulação  –  O  Estado  de  São 
Paulo  e  outro  de  uma  mídia  internacional  –  o  jornal  britânico  The 
Guardian. 
Em ambas “comemoravam” a morte de vinte anos do seringalista 
Chico Mendes, este é considerado o maior líder sindical que o Brasil já 
teve,  que  conseguiu  reconhecimento  diante  de  organizações 

386
internacionais de grande reconhecimento e que apoiavam a sua causa, 
sendo  premiado  pela  ONU  (Organização  das  Nações  Unidas),  e 
reconhecido  pelo  BIRD  (Banco  Internacional  para  Reconstrução  e 
Desenvolvimento), BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e 
o Congresso americano (VENTURA, 2003, p. 10). 
 

 
Fonte: GUARDIAN.CO.UK, 22 dez. 2008. Disponível em: <http://www.guardian. 
co.uk/world/2008/dec/22/brazil‐activists‐mendes>. Acesso em: 05 abr. 2010. 
 
Nesse  primeiro  recorte,  da  versão  online  do  jornal  britânico  The 
Guardian,  pode‐se  observar  que  o  jornalista,  ao  escrever  uma 
reportagem sobre todos os feitos que Chico Mendes realizou em vida, 
e  quão  importante  foi  a  sua  morte  para  que  as  autoridades  e  a 
sociedade  se  voltassem  para  a  questão  da  preservação  da  floresta 
Amazônica,  que  os  dizeres  presentes  nesse  texto  fazem  uma 
comparação  da  importância  histórica  do  ambientalista  e  sindicalista 
Chico Mendes ao líder pacifista Mahatma Gandhi.  
Mas  para  que  o  leitor  consiga  compreender  o  porquê  dessa 
comparação,  faz‐se  necessário  uma  retomada  a  memória  do  sujeito 
que lê essa reportagem para poder realocar o sentido que “Mahatma 
Gandhi” representa, se o sujeito tiver em sua memória discursiva que 
Gandhi foi  
 
[...]  o  responsável  por  uma  das  mais  impressionantes  expressões  do 
hinduísmo foi Mahatma Gandhi, o líder da luta pela independência da 
Índia,  em  1949.  A  base  de  sua  filosofia  é  o  conceito  de  ahimsa,  o  que 
significa  ʺnão‐violênciaʺ  ou  ʺnão  prejudicarʺ.  Gandhi  mostrou  a 
importância  de  encontrarmos  soluções  pacíficas  para  os  conflitos  e 
trabalharmos  para  diminuir  os  danos  causados  aos  outros.  Outra  lição 
deixada  ele  foi  sobre  a  importância  de  aprendermos  a  suportar  o 

387
sofrimento  para  garantir  que  os  outros  não  sejam  prejudicados.  Ele 
também  nos  ensinou  a  ter  a  coragem  de  amar  nossos  adversários. 
(OLIVER, 1998, p. 31) 
 
Os  sentidos  não  se  perdem,  mas  se  caso  isso  não  aconteça,  o 
sentido  presente  nessa  reportagem  não  causa  nenhum  efeito,  ou  um 
efeito  de  estranhamento  ao  leitor.  O  mesmo  acontecer  no  momento 
em que se construí a comparação de Chico Mendes ao revolucionário 
socialista  Ernesto  Che  Guevara,  se  o  leitor  não  souber  quem  foi  e  o 
que  Che  Guevara  representa  na  História,  tornando‐se  até  um  ícone 
cultural. 
 
[...] (Che Guevara) Ele  foi o emblema supremo da revolta cultural que 
se materializou em um homem cujas idéias políticas eram convencionais, 
mas cuja atitude frente ao poder e à política alcançou dimensões épicas e 
excepcionais. (CASTAÑEDA, 2006, p. 527)  
 
Os  sentidos  se  perdem,  e  o  leitor  não  consegue  estabelecer  uma 
compreensão do que se está enunciando, e o porque dessas referências 
ao se tratar de um líder sindicalista assassinado.  
Em outro momento, agora em uma mídia nacional, foi publicado 
uma reportagem como segundo título presente no recorte abaixo:  
 

 
Fonte: ESTADÃO.COM.BR, 22 dez. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com. 
br/noticias/nacional,chico‐mendes‐e‐che‐guevara‐da‐era‐ambiental‐diz‐guardian, 
297663,0.htm>. Acesso em: 05 abr. 2010. 
   
Dessa forma, pode‐se observar que essa mídia, faz uso de dizeres 
de  mídias  com  uma  maior  hegemonia  –  no  caso  internacional,  para 

388
“apropriar‐se” do discurso produzido em outro lugar. Acredita‐se que 
dessa  forma,  os  dizeres  produzidos  por  esse  deslocamento  é  uma 
forma dessa nova formação discursiva legitimar o seu dizer através do 
que foi dito por outra mídia renomada e reconhecida mundialmente. 
 
Considerações finais 
 
A revolução tecnológica baseada nas tecnologias de informação e 
comunicação  (TICs)  modificou  as  sociedades  ocidentais  em  ritmo 
acelerado.  Economistas  de  todo  o  mundo  mantêm  uma  forma  de 
interdependência  global,  apresentando  uma  nova  forma  de  relações 
entre  economia,  Estado  e  sociedade  (Castells,  2000).  Embora  a 
sociedade  não  determine  a  tecnologia,  ela  pode  sufocar  seu 
desenvolvimento  por  intermédio  do  Estado.  Ou,  pela  intervenção 
estatal,  a  sociedade  pode  entrar  em  processo  acelerado  de 
modernização tecnológica.  
Segundo Castells (2000), a revolução da tecnologia da informação 
foi essencial para a implementação de um processo de reestruturação 
do  sistema  capitalista,  a  partir  de  1980,  que  resultou  no 
“informacionismo”.  No  modo  informacional  de  desenvolvimento,  a 
fonte  de  produtividade  está  na  tecnologia  de  geração  de 
conhecimento, de processamento da informação e de comunicação de 
símbolos;  o  que  é  específico  ao  modo  informacional  de 
desenvolvimento  é  a  ação  de  conhecimentos  sobre  os  próprios 
conhecimentos como fonte de produtividade. O “informacionalismo” 
visa  o  desenvolvimento  tecnológico,  ou  seja,  a  acumulação  de 
conhecimentos  e  maiores  níveis  de  complexidade  do  processamento 
da informação (op. cit.). 
As  novas  tecnologias  permitem  uma  comunicação  mediada  por 
computadores,  gerando  as  comunidades  virtuais  (BURKE;  BRIGGS, 
2004).  Os  positivistas  afirmavam  que  ciência  e  tecnologia  servem  a 
toda  a  humanidade  –  como  os  trabalhos  de  Pasteur,  Koch,  Sabin  e 
tantos  outros  que  salvaram  milhões  de  vidas  humanas  –  porque  o 
progresso técnico ajudaria a impelir o desenvolvimento da sociedade 
humana, vencendo a superstição, ao imprimir maior racionalidade às 
ações humanas (op. cit.).  

389
E ao analisar o discurso produzido pelos instrumentos presentes 
na  Sociedade  da  Informação,  como  no  caso  da  Internet,  pode‐se 
observar  que  se  trata  de  um  discurso  movediço,  muitas  vezes  até 
mesmo  confuso  ao  leitor,  que  apresenta  um  sentido  de  deriva  ao 
“navegar”  dentre  tantas  informações  disponíveis,  e  que  tais 
informações  os  levam  a  mais  tantas  outras  informações  através  dos 
hipertextos.  Dessa  forma,  os  sentidos  vão  se  perdendo  e,  como  foi 
observado  nas  análises,  as  mídias  sentem,  então,  a  necessidade  de 
basearem  os  seus  dizeres  nas  vozes  de  outros  –  outros  que  ocupam 
um  lugar  mais  privilegiado,  hegemônico,  legitimado.  E  mesmo  com 
tantas informações disponíveis, cada sujeito necessita buscar em suas 
rede  de  memória  para  fazer  significar  todos  aqueles  novos  dizeres, 
caso contrário, a tentativa de compreensão, resultará em um ato falho, 
uma  vez  que  os  atos  de  leitura  no  meio  eletrônico  são  variados, 
causando  um  efeito  de  falsa  completude,  tornando‐se  um  espaço 
aberto  à  polissemia,  podendo  se  inscrever  outros  sentidos  para  um 
mesmo dizer. 
 
 
 
Referências 
 
BURKE,  Peter  &  BRIGGS,  Asa.  Uma  história  social  da  mídia:  de  Gutemberg  à 
Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. 

CASTAÑEDA,  Jorde  G.  Che  Guevara  ‐  a  vida  em  vermelho.  São  Paulo: 
Companhia das Letras, 2006. 

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 

FERNANDES,  Cleudemar  Alves.  Análise  do  discurso:  reflexões  introdutórias. 


Goiânia: Trilhas Urbanas, 2005. 

FERNANDES,  Carolina.  O  ciberespaço  no  confronto  de  sentidos:  uma  nova 


leitura  de  arquivo.  In:  INDURSKY,  Freda;  FERREIRA,  Maria  Cristina 
Leandro;  MITTMANN,  Solange  (org.).  O  discurso  na  contemporaneidade: 
materialidades e fronteiras. São Carlos: 2009. p. 117‐124.  

GREGOLIN,  Maria  do  Rosário.  Foucault  e  Pêcheux  na  construção  da  análise  do 
discurso: diálogos e duelos. São Carlos: ClaraLuz, 2004. 

390
KUCINSKI,  Bernardo.  Reflexões  sobre  o  impacto  da  internet  no  campo  do 
jornalismo.  In:  INDURSKY,  Freda;  FERREIRA,  Maria  Cristina  Leandro; 
MITTMANN, Solange (org.). O discurso na contemporaneidade: materialidades e 
fronteiras. São Carlos: 2009. p. 53‐64. 

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. 

MARIANI,  Bethania.  O  PCB  e  a  imprensa:  os  comunistas  no  imaginário  dos 


jornais (1922/1989). Rio de Janeiro: Revan; Capinas: UNICAMP, 1998. 

MITTMANN,  Solange.  Redes  e  ressignificações  no  ciberespaço.  In:  Discurso 


midiático: sentidos de memória e arquivo. Lucília Maria Sousa Romão; Nádea 
Regina Gaspar (org.). São Carlos: Pedro & João Editores, 2008. p. 113‐130. 

OLIVER,  Martyn.  História  ilustrada  da  filosofia  ‐  os  grandes  filósofos  de  2000 
a.C. aos dias de hoje. Barueri‐SP: Manole Interesse Ger, 1998. 

ORLANDI,  Eni  Puccinelli.  Análise  de  discurso:  princípios  e  procedimentos. 


Campinas: Pontes, 6ª ed., 2005. 

PEDRO, Rosa. Ciência, tecnologia e sociedade – pensando as redes, pensando 
com  as  redes.  Liinc  em  Revista,  v.  4,  n.  1.  Rio  de  Janeiro,  mar.  2008.  p.1‐5. 
Disponível  em:  <http://revista.ibict.br/liinc/index.php/liinc/article/view/248/ 
139>.    Acesso em: 16 abr. 2010. 

ROMÃO, Lucília Maria Sousa. De areia e de silício: as tramas do discurso no 
livro  eletrônico.    Revista  de  estudios  literarios.  Universidad  Complutense  de 
Madrid,  2005.  Disponível  em:  <http://www.ucm.es/info/especulo/numero31/ 
silicio.html>. Acesso: 30 maio 2010. 

SARGENTINI, Vanice Maria Oliveira. O arquivo e a construção de memórias: 
o  caso  do  apagão.  In:  Discurso  midiático:  sentidos  de  memória  e  arquivo. 
Lucília Maria Sousa Romão; Nádea Regina Gaspar (org.). São Carlos: Pedro & 
João Editores, 2008. p. 131‐142. 

VENTURA,  Zuenir.  Chico  Mendes:  crime  e  castigo  –  quinze  anos  depois,  o 


autor volta ao Acre para concluir a mais premiada reportagem sobre o herói 
dos Povos da Floresta. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 

391
 
BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA E INFORMAÇÃO EM QUÍMICA: 
INTEGRAÇÃO ENTRE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE 
 
Valéria Aparecida Moreira Novelli1 
 
 
1. Introdução 
 
O  conhecimento  científico  e  tecnológico  possibilita  a  geração  de 
desenvolvimento  sustentável,  ampliando  a  produtividade  e  a 
competitividade do país, contribuindo para uma melhor qualidade de 
vida, por meio do aumento da criação e qualificação de empregos e da 
democratização de oportunidades (MOTA, 2010). 
Diante desse contexto, apresentam‐se apontamentos a respeito de 
informação  e  conhecimento;  química  e  conhecimento;  ciência, 
tecnologia e sociedade; e finalizando, das bibliotecas universitárias e a 
mediação da informação.  
 
2. Informação e conhecimento 
 
A  importância  da  informação  e  do  conhecimento  tem  sido 
discutida  desde  os  primórdios,  a  ênfase  de  seus  papéis  na  sociedade 
pode ser constatada pelo termo sociedade da informação (CASTELLS, 
1999, p. 46 apud MARCELINO, 2009). 
No período pré‐histórico, os homens se comunicavam através de 
desenhos  transmitindo  assim  as  informações.  Posteriormente,  a 
informação  era  transmitida  de  forma  escrita  em  manuscritos,  como 
acontecia nas universidades, no século XII. Em fins da Idade Média, as 
universidades  tornaram‐se  centros  para  transmissão  do 
conhecimento.  No  Renascimento,  inicia‐se  o  surgimento  das 

1  Mestranda  em  Ciência  Tecnologia  e  Sociedade,  na  UFSCar,  orientadora 


Profa.  Dra.  Wanda  Aparecida  Machado  Hoffmann,  co‐orientadora  Profa. 
Dra.  Luciana  de  Souza  Gracioso,  bibliotecária  no  Instituto  de 
Química/UNESP, Araraquara, e‐mail: vnovelli@iq.unesp.br. 

393
academias  para  a  discussão  de  ideias  (BURKE,  2003  apud 
MARCELINO, 2009). 
Com a invenção da imprensa por Gutenberg, em 1450, expandiu‐
se  o  volume  da  produção  escrita  e  o  conhecimento  passou  a  ser 
sistematizado  e  organizado  em  obras  de  referência,  como 
enciclopédias,  resumos,  mapas  e  estatísticas.  Esse  momento  histórico 
foi  extremamente  significativo  para  a  sociedade,  propiciando  uma 
ampliação da circulação de uma mesma informação e o início de um 
processo de comunicação científica, considerando‐se que produção de 
conhecimento  gera  a  necessidade  de  novos  conhecimentos  (FREIRE, 
2006, p. 8 apud MARCELINO, 2009). 
 No  final  do  século  XVII,  em  decorrência  do  grande  volume  de 
livros  publicados,  começou‐se  a  divulgar  as  resenhas  dos  livros 
recém‐lançados  em  publicações  periódicas  e  jornais  como  forma  de 
melhor recuperar a informação (BRIGGS; BURKE, 2006; BURKE, 2003 
apud MARCELINO, 2009). Neste período discutia‐se o gerenciamento 
e  a  classificação  do  conhecimento,  cuja  organização  era  efetuada 
através  de  sistemas  de  currículos,  bibliotecas  e  enciclopédias. 
(MARCELINO, 2009). 
No  século  XVIII,  há  o  surgimento  das  associações  científicas  e 
institutos  de  pesquisa,  e  os  primeiros  periódicos  científicos.  As 
bibliotecas ganham tamanho e importância; transformam‐se em locais 
utilizados  para  troca  de  informação  e  transferência  de  tecnologias, 
aliando  comunicação  oral  e  impressa  (BURKE,  2003  apud 
MARCELINO, 2009). 
No século XIX, destacam‐se a invenção do telefone, do telégrafo e 
o  desenvolvimento  do  computador,  e  como  decorrência  a 
comunicação mediada por computador (MARCELINO, 2009). 
A  partir  do  século  XX  até  os  dias  atuais  sobressaem‐se  as 
tecnologias  da  informação  e  comunicação,  iniciando  um  novo  ciclo 
produtivo,  baseado  na  informação  e  no  conhecimento,  onde  a 
informação  é  valorizada  como  um  bem  econômico,  ou  seja,  o  que  se 
denomina  sociedade  da  informação  (TARAPANOFF;  ARAÚJO 
JÚNIOR; CORMIER, 2000, p. 93 apud MARCELINO, 2009). 
 As  tecnologias  de  informação  e  comunicação  (TICs)  tornam 
possível a ampliação do acesso à informação, o saber procurar, avaliar 

394
e utilizar a informação para a interação na sociedade. Neste contexto, 
as  tecnologias  podem  contribuir  no  processo  de  transformação  da 
informação  em  conhecimento  e  facilitar  a  disseminação  e  troca  de 
informações,  primordiais  para  o  desenvolvimento  da  pesquisa  e 
posterior construção de um novo conhecimento, caracterizado como o 
científico e o tecnológico (MARCELINO, 2009). 
Nas  universidades  brasileiras,  segundo  Plonski  (2001),  a  “[...] 
responsabilidade pelo benefício social do conhecimento, contemplada 
na  dimensão  da  extensão  universitária,  que  integra  a  sua  missão 
tríplice, está expressa no conceito de ‘universidade conectada’ [...]”, a 
exclusão social é explicitada por dirigentes das universidades públicas 
de  pesquisa,  como  o  maior  problema  da  sociedade  moderna, 
especialmente  a  brasileira  e  o  compromisso  existente  é  ao  mesmo 
tempo com a coesão social e a excelência. Conforme Pieruccini (2008, 
p. 49)  
 
Ensinar  a  buscar  informação,  a  pesquisar,  a  desenvolver  o  espírito  e  a 
autonomia  investigativos  são  aspectos  centrais  nos  processos  de 
construção de conhecimento. Sem eles, o sujeito não consegue apropriar‐
se das informações necessárias à construção de saberes, nem desenvolver 
atitudes  de  interesse  em  conhecer,  mesmo  se  exposto  aos  diferentes 
produtos  informacionais,  tais  como  livros,  revistas,  filmes,  sites 
educativos... 
 
Nesse  sentido,  as  bibliotecas  universitárias  podem  atuar  como 
mediadoras  e  facilitadoras  do  processo  de  uso,  geração  e  difusão  do 
conhecimento.  
O  bibliotecário  atuante  nessas  bibliotecas  desempenham  um 
importante  papel  na  capacitação  de  usuários  autônomos  que 
compreendam  os  mecanismos  de  busca  da  informação,  objetivando 
também o aprimoramento da ciência e da tecnologia, obtidos segundo 
Belluzzo  (2001,  p.  3  apud  MARCELINO,  2009)  através  da  fluência 
(capacidade  de  reformular  e  gerar  conhecimentos)  científica  e 
tecnológica  que  deve  estar  presente  em  todas  as  etapas  de  uma 
pesquisa científica. 
Assim,  diante  do  pressuposto  de  que  na  atual  sociedade  a 
informação,  o  conhecimento  e  a  aprendizagem  são  as  bases  para 

395
desenvolvimento  humano,  ter  acesso  a  eles  é  de  fundamental  para  a 
respectiva emancipação e inclusão social. 
 
3. A química e o conhecimento 
 
A Química devido a sua própria natureza é considerada a ciência 
central  (BROWN;  Le  MAY;  BURSTEN,  2005),  fornece  explicações 
importantes  sobre  o  nosso  mundo  e  seu  respectivo  funcionamento  e 
interage  com  outras  áreas  do  conhecimento  exigindo  que  o  químico 
compreenda  a  informação  gerada  pelas  outras  ciências,  bem  como 
precisa  transmitir  a  informação  química  às  outras  áreas  do 
conhecimento (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE QUÍMICA, 1995). 
O  desenvolvimento  da  investigação  na  área  de  Química  tem 
trazido grandes benefícios para o ser humano, em várias áreas, como a 
conservação  de  recursos  naturais,  o  saneamento  ambiental,  a 
desinfecção  de  água,  a  produção  de  produtos  biodegradáveis,  o 
aumento e a diversificação da produtividade agrícola, o vestuário e a 
moradia,  a  bioquímica  para  o  desenvolvimento  de  vacinas  e  novas 
drogas  visando  melhoria  no  tratamento  da  saúde  e  aumento  da 
longevidade, a síntese de novos materiais, a forense e a criminalística. 
Entretanto,  por  outro  lado  impactuam  pela  produção  de  resíduos  e 
produtos  resultantes  de  processos  químicos  que  provocam 
desiquilíbrios ambientais, como por exemplo, poluição, chuvas ácidas, 
aumento  do  efeito  estufa,  diminuição  da  espessura  da  camada  de 
ozônio;  toxicidade  de  novas  moléculas  produzidas,  entre  outros 
(GRUPO ESCOLAR, 2010). 
 Todas  as  Disciplinas  de  estudo  tem  como  função  “promover  a 
qualidade de vida de toda a humanidade, respeitando e preservando 
todas as formas de vida do planeta.” Porém, com todos os avanços da 
Ciência,  ainda  observamos  populações  privadas  de  algumas 
tecnologias  básicas.  E  consequentemente  um  mundo  com 
desigualdades  sociais  e  países  classificados  como  “desenvolvidos”, 
“subdesenvolvidos” ou em “desenvolvimento”. Urge que os químicos 
reflitam  sobre  o  que  devem  fazer,  o  quanto  tem  contribuído  para 
intensificar  essas  desigualdades  e  o  que  podem  fazer  para  reverter 

396
essa  situação,  buscando  olhar  através  da  vidraça  do  laboratório  uma 
população e um ambiente (GRUPO ESCOLAR, 2010). 
Assim,  em  uma  análise  centrada  em  benefícios  e  prejuízos, 
Ciência  e  Sociedade,  a  Química  tem  contribuído  de  forma 
fundamental  para  a  melhoria  da  qualidade  de  vida  no  mundo,  mas 
deverá buscar também novas soluções para os problemas causados. 
De  acordo  com  o  contexto  acima,  é  fundamental  que  o 
bibliotecário  atuante  na  área  de  Química  empenhe‐se  ativamente  na 
capacitação  dos  usuários  nas  competências  de  informação, 
possibilitando‐lhes  a  realização  adequada  de  suas  atividades 
acadêmicas  e  profissionais,  contribuindo  para  a  produção  do 
conhecimento  e  sua  respectiva  transferência,  pois  “a  informação  útil, 
pertinente  e  confiável  é  a  chave  de  todo  planejamento,  previsão, 
estratégia  e  tomada  de  decisão.”  (ASSOCIAÇÃO  BRASILEIRA  DE 
QUÍMICA, 1995, p. 2). 
 
4. Ciência, Tecnologia e Sociedade  
 
As aplicações científicas e tecnológicas podem criar possibilidades 
de desenvolvimento e também causar problemas sociais e ambientais 
para  a  humanidade,  assim  tornou‐se  imprescindível  a  discussão  de 
questões pertinentes ao papel desempenhado pela ciência e tecnologia 
na  sociedade.  Estas  reflexões  emergem,  a  partir  da  segunda  guerra 
mundial,  do  Movimento  CTS  (Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade),  com 
escala internacional que procura discutir criticamente as inter‐relações 
entre ciência, tecnologia e sociedade, baseando‐se na “[...] constatação 
de  que  o  desenvolvimento  da  ciência  e  da  tecnologia  não 
necessariamente  apresenta  uma  relação  linear  e  automática  com  o 
bem‐estar social.” (FIRME; AMARAL, 2008, p. 252) e na reivindicação 
de “[...] decisões mais democráticas (mais atores sociais participando) 
e menos tecnocráticas.” (AULER, 2007, p. 8). 
Portanto, “a ciência e a tecnologia tornaram‐se alvos de um olhar 
mais  crítico”  e  argumenta‐se  (AULER;  BAZZO,  2001  apud  FIRME; 
AMARAL, 2008, p. 252‐253) que  
 

397
[...]  a  ciência  deve  ser  considerada  como  uma  busca  de  conhecimentos 
socialmente  construídos  que  sofre  influência  tanto  da  tecnologia  ‐ 
facilitando ou limitando as pesquisas científicas ‐ como da sociedade, que 
pode  direcionar  os  rumos  dessa  ciência.  A  tecnologia  envolve  diversos 
tipos de conhecimentos e sofre influência tanto da pesquisa científica ‐ a 
produção  de  novos  conhecimentos  científicos  promove  mudanças 
tecnológicas  ‐  como  da  sociedade,  por  meio  das  pressões  públicas  e  a 
partir  das  necessidades  sociais.  A  sociedade  deve  ser  vista  como  uma 
instituição humana que sofre influência da ciência e da tecnologia, já que 
o  desenvolvimento  científico  e  tecnológico  altera  o  modo  de  vida  das 
pessoas. 
 
De  acordo  com  o  contexto  acima,  Vogt  et  al.  (2005)  apontam  a 
necessidade  da  consolidação  de  canais  de  diálogo  e  reflexão  sobre  o 
futuro das atividades de Ciência, Tecnologia e Inovação com os vários 
setores  da  sociedade,  incluindo  as  consultas  públicas  entre  outros, 
como  uma  etapa  importante  na  construção  de  uma  cidadania 
científica  no  país.  Bazzo  (2003)  aponta  a  alfabetização  tecnocientífica 
como  condição  necessária  para  possibilitar  a  participação  pública 
nestes temas. E ainda, que a educação para a cidadania poderia ser o 
suporte  fundamental  “[...]  para  tornar possível  a  democratização  das 
decisões  socialmente  relevantes  em  relação  ao  desenvolvimento  da 
ciência e da tecnologia.” 
 
5. As bibliotecas universitárias e a mediação da informação 
 
As  bibliotecas  universitárias  são  consideradas  um  dos  pilares  da 
vida  acadêmica,  tendo  como  principal  função  “[...]  subsidiar  as 
atividades  de  ensino,  de  pesquisa  e  de  extensão  desenvolvidas  nas 
universidades,  mediante  a  provisão  de  recursos  informacionais 
seletivos, diversificados e organizados.” (SILVEIRA, 2009, p. 127). 
Através  dos  séculos,  de  acordo  com  Cunha  (2000),  as  bibliotecas 
tem sido o ponto focal da universidade, com suas coleções impressas 
preservando  o  conhecimento  da  civilização.  Atualmente  o 
conhecimento está disponível sob variadas formas: texto, gráfico, som, 
algoritmo,  simulação  de  realidade  virtual,  distribuído  nas  redes 

398
computacionais,  representado  digitalmente  e  acessível  a  um  público 
maior, além da academia.  
O  conhecimento  nas  universidades  materializa‐se  através  de 
livros,  dissertações,  teses,  artigos  de  periódicos,  patentes  e  outros 
documentos produzidos pelos seus docentes, alunos e pesquisadores. 
As  bibliotecas  contribuem  para  a  construção  do  conhecimento  ao 
prover acesso, dinamizar, socializar, divulgar esta produção e também 
ao  disponibilizar  instrumentos  que  facilitem  o  acesso  e  uso  da 
informação nas diversas áreas do conhecimento humano. 
Os usuários estão cada vez mais utilizando os recursos e serviços 
virtuais  oferecidos  pelas  bibliotecas,  tornando‐se  independentes  para 
fazer  suas  pesquisas,  muitas  vezes  a  partir  de  seus  próprios 
computadores,  utilizando‐as  localmente  com  menor  freqüência  para 
buscar informação. 
As  Tecnologias  da  Informação  e  Comunicação  (TICs)  oferecem 
possibilidades  para  formas  inovadoras  de  mediação  da  informação, 
conceituada por Almeida Junior (2009, p. 92) como 
 
toda ação de interferência – realizada pelo profissional da informação –, 
direta  ou  indireta;  consciente  ou  inconsciente;  singular  ou  plural; 
individual  ou  coletiva;  que  propicia  a  apropriação  de  informação  que 
satisfaça, plena ou parcialmente, uma necessidade informacional. 
 
Toda mediação pressupõe um diálogo, que possibilita a biblioteca 
“ouvir”  o  usuário,  permitindo‐lhe  explicitar  suas  necessidades  e 
interesses.  Desta  forma,  o  fazer  bibliotecário  pode  basear‐se  nestas 
necessidades  e  interesses  para  construir  mecanismos  que  permitam 
aos  usuários  se  apropriarem  da  informação,  tanto  nas  atividades  de 
interação indireta como nas de interação direta para facilitar o acesso e 
uso  da  informação  (ALMEIDA  JÚNIOR,  2009),  ou  seja  “falar”  ao 
usuário  sobre  a  sua  temática,  suas  publicações,  conteúdo  de  seu 
acervo,  enfim,  sobre  todo  o  potencial  dos  serviços  e  recursos 
disponíveis.  E  também  posicionando‐se  ativamente  perante  sua 
responsabilidade  social  como  educador,  agindo  como  catalisador  e 
difusor  da  informação  na  comunidade  de  sua  atuação  (MORIGI; 
VANZ; GALDINO, 2002; SALASÁRIO, 2000).  

399
O bibliotecário como mediador poderá atuar na orientação do uso 
das TICs, nas atividades de acesso a mecanismos de busca, na seleção, 
análise e síntese de conteúdos de informação, no desenvolvimento de 
sistemas  especialistas  para  responder  questões  de  referência,  na 
capacitação  através  de  instruções  bibliográficas,  entre  outras 
(QUADROS, 2001 apud LOPES; SILVA, 2006). 
 
6. Considerações finais 
 
A  Ciência  é  concebida  como  uma  produção  humana,  portanto 
falível,  podendo  responder  ou  não  aos  anseios  da  sociedade.  E  por 
também  sofrer  influências  externas  é  possível  ser  bem  ou  mal 
utilizada e conseqüentemente trazer benefícios ou malefícios. 
A Tecnologia pode influenciar a forma de vida de uma sociedade, 
contribuindo  para  a  inclusão  ou  exclusão  social,  bem  como  as 
necessidades  dessa  sociedade  propiciam  a  promoção  de  mudanças 
tecnológicas.  E  também  influenciam  a  Ciência  ao  limitar  ou 
possibilitar o desenvolvimento de novas pesquisas científicas. 
A Sociedade pode ser vista não somente como consumidora, mas 
também  como  participante  na  geração  da  Ciência  e  Tecnologia,  cujo 
poder  de  ação  pode  estar  na  esfera  de  grupos  de  maior  influência 
social e do cidadão comum consciente, já que os avanços científicos e 
tecnológicos podem trazer riscos para as pessoas ou ambiente.  
Assim,  a  Ciência  e  a  Tecnologia  são  consideradas 
interdependentes  na  produção  de  conhecimentos,  articulando‐se 
mutuamente  e  interferindo  na  sociedade  pela  necessidade  (real  ou 
criada) do consumo de produtos e incentivo a novas pesquisas. 
A  informação  permeia  muitos  dos  aspectos  envolvidos  na  tríade 
Ciência, Tecnologia e Sociedade. Portanto, torna‐se necessário refletir‐
se  a  respeito  do  uso  inteligente  da  informação,  no  caso  na  área  de 
química,  considerando‐se  o  grande  desafio  da  sociedade 
contemporânea para ser sustentável e de se construir o conhecimento 
para o bem comum. 
As  Bibliotecas  Universitárias  devem  fornecer  suporte 
informacional na área de atuação de seus usuários, exercer sua função 
na  produção  do  conhecimento  e  contribuir  para  o  desenvolvimento 

400
científico  e  tecnológico.  E  quanto  aos  bibliotecários  atuantes  nestas 
instituições  podem  desempenhar  um  importante  papel  na  mediação 
da  informação,  através  de  seu  saber  e  competência,  para  facilitar  o 
acesso e uso da informação, incentivar a aprendizagem e a geração do 
conhecimento. 
 
 
 
Referências 
 
ALMEIDA  JÚNIOR,  O.  Mediação  da  informação  e  múltiplas  linguagens. 
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401
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SILVEIRA, J. G. da. Gestão de recursos humanos em bibliotecas universitárias: 
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Brasília: CGEE, 2005. p. 7‐13. 

402
COMUNICAÇÃO E APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO 
CIENTÍFICO: REFLEXÕES PRELIMINARES SOBRE A 
COMPREENSÃO PÚBLICA DA CIÊNCIA  
 
Vera Ap. Lui Guimarães1 
Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi [Orientadora]2 
 
 
1. Introdução 
 
Em  qualquer  atividade  humana  da  mais  trivial  até  as  mais 
complexas, a ciência e a tecnologia estão sempre presentes. É a ciência 
o  motor  do  desenvolvimento,  que  cria  as  condições  materiais  para  o 
desenvolvimento  humano  e  social,  e  propicia  as  mudanças  de 
comportamentos  das  sociedades.  Segundo  Targino  (2000,  p.2)  a 
relação  da  ciência  com  a  sociedade  é  fundamentalmente  dinâmica, 
contínua, cumulativa e interativa. 
Como  muitos  autores  apontam,  há  uma  relação  estreita  entre 
crescimento  científico  e  desenvolvimento  econômico  dos  países 
(MEADOWS,  1999;  PRICE,  1976b).  Outra  característica  marcante  da 
sociedade  moderna  é  que  nesta  “há  integração  da  ciência  com  o 
sistema de produção. A industrialização passa pela ciência e a ciência 
passa  pela  industrialização.”  (LE  COADIC,  2004  p.  27)  É,  portanto, 
através  da  ciência  que  o  homem  tenta  conhecer  o  mundo  e  buscar 
respostas para as inúmeras situações e fenômenos que se colocam em 
seu  dia‐a‐dia  e,  muitas  vezes,  para  situações  que  poderão  ainda 
ocorrer  no  longo  prazo.  Apenas  como  exemplificação,  são  objeto  de 
inúmeras  pesquisas  e  estudos  as  questões  relativas  ao  aquecimento 
global,  alimentos  transgênicos,  estudos  sobre  células‐tronco  e  tantos 
outros. 

1  Bibliotecária  do  Núcleo  de  Informação  Tecnológica  em  Materiais/DEMa  – 


UFSCar.  
2 Doutora em Educação, docente do Departamento de Ciência da Informação 

e  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade  da 


Universidade Federal de São Carlos (PPGCTS/UFSCar) 

403
O  desenvolvimento  da  ciência  é  engendrado  pela  circulação  e 
disponibilização  da  informação  científica,  ou  mais  comumente 
denominado processo de comunicação científica. É através dela que o 
conhecimento poderá ser apropriado por outros especialistas da área, 
possibilitando  que  teorias  vigentes  sejam  desmontadas  e  que  novas 
“verdades”, ainda que temporárias, sejam pesquisadas e reveladas.  
A comunicação científica pode ser realizada através de inúmeras 
fontes  (primárias,  secundárias  e  terciárias),  tais  como  periódicos, 
relatórios técnicos, patentes, teses e dissertações, projetos de pesquisas 
em  andamento,  eventos  científicos,  dentre  outros.  Ocupa  lugar  de 
destaque  e  privilegiado,  no  entanto,  a  publicação  em  periódicos 
técnico‐científicos,  por  ser  “considerada  a  mais  atualizada  e 
importante nas áreas de ciência e tecnologia” (CUNHA, 2001, p.17). 
A  partir  da  década  de  1990,  com  o  advento  e  posterior  explosão 
das  novas  tecnologias  de  informação  e  comunicação,  um  novo 
paradigma é introduzido para alcançar o pretendido desenvolvimento 
pelos  países,  que  é  a  “sociedade  do  conhecimento”.  Segundo  Velho 
(2008, p. 10): 
 
[…]  existe  um  grau  de  concordância  razoável  entre  os  mais  diferentes 
países  no  sentido  de  que  o  sistema  científico  tem  uma  importância 
crescente na sociedade baseada no conhecimento. Espera‐se deste sistema 
científico,  a  produção  de  conhecimento  (desenvolvimento  e  oferta  de 
novos  conhecimentos);  a  transmissão  de  conhecimento  (treinamento  de 
recursos  humanos  qualificados);  e  a  transferência  de  conhecimento 
(disseminação de conhecimento e informação relevante para a solução de 
problemas). 
 
Este  argumento  apresentado  por  Velho  (2008)  chamou  nossa 
atenção  não  apenas  para  os  aspectos  da  produção  de  conhecimento, 
mas principalmente, para a transmissão desse conhecimento, quer seja 
entre os próprios pares da comunidade científica, como também para 
a sociedade em geral. Tal perspectiva traz implícita a necessidade de 
compreender  o  papel  da  divulgação  cientifica  na  difusão  do 
conhecimento científico para públicos não especializados.  
Assim,  objetivamos  realizar  uma  reflexão  teórica  sobre  a 
comunicação  científica  e  a  compreensão  pública  da  ciência.  O  ponto 

404
de partida foi considerar que neste processo de produção, transmissão 
e  transferência  do  conhecimento  os  agentes  principais  são,  de  um 
lado,  os  cientistas  e  pesquisadores  e  de  outro,  o  público  ‐  ou  numa 
perspectiva  mais  ampla,  a  sociedade,  e  que  a  relação  entre  ambos  é 
mediada pela comunicação científica.  
A perspectiva teórica adotada para refletir sobre estes aspectos da 
comunicação  científica  filia‐se  ao  campo  de  estudos  da  ciência, 
tecnologia  e  sociedade  (CTS).  Entre  outros  aspectos,  as  abordagens 
deste  campo  contribuem  para  compreender  que  a  ciência  e  a 
tecnologia  enquanto  construções  sociais  não  são  neutras  e  que  a 
comunicação entre a ciência e a sociedade é uma via de mão dupla.  
Além  desta  introdução,  dividimos  o  texto  em  três  partes. 
Iniciamos com breves considerações sobre a comunicação cientifica no 
campo  CTS  focalizando  o  processo  de  produção  e  divulgação  do 
conhecimento científico e tecnológico. Em seguida, refletimos sobre os 
modelos de comunicação científica e comunicação pública da ciência. 
Nas  considerações  finais,  questionamos  sobre  a  possibilidade  de 
utilizar os modelos de comunicação pública da ciência para entender 
o processo de comunicação dos pesquisadores com o público. Aliado 
a isto, também perguntamos se a divulgação da produção científica e 
tecnológica  permite  ao  público  a  apropriação  dos  conhecimentos 
produzidos pelos cientistas.  
 
2. Os estudos de comunicação científica e o campo CTS 
 
Estudiosos de diferentes áreas propuseram e discutiram conceitos 
e metodologias sobre os processos de transmissão de informação entre 
cientistas  e  entre  estes  e  a  sociedade.  Tais  estudos  se  tornaram 
referência para a compreensão do processo de comunicação científica 
(MERTON, 1960; PRICE, 1961, 1963; CRANE, 1969; MEADOWS, 1999; 
GARVEY, 1979; ZIMAN, 1979; BOURDIEU, 1983; LIEVROUW, 1988).  
Por sua vez, o campo CTS tem uma larga tradição de estudos que 
se dedicam a estudar a comunicação científica divulgada por meio dos 
canais  formais  e  informais  de  comunicação  científica.  Assim,  a 
produção científica consolidada em artigos publicados em periódicos 
científicos, os livros e capítulos de livros e a literatura cinzenta, isto é, 

405
os  trabalhos apresentados  em  eventos, teses  e  dissertações, relatórios 
de  pesquisa,  representam  as  produções  científicas  típicas  dos  dois 
canais de comunicação. 
Os  canais  informais  de  comunicação  científica,  os  “colégios 
invisíveis” formulados por Price, em 1961 e ampliados por Crane, em 
1972, inauguraram a aproximação do campo CTS com os referenciais 
teóricos  da  comunicação  ao  apontarem  que  há  várias  instâncias  a 
serem  percorridas  no  processo  de  produção  e  divulgação  do 
conhecimento  científico.  Desde  então,  as  análises  do  sistema  de 
comunicação da ciência tem sido realizadas por meio de fertilizações 
cruzadas  entre  a  Sociologia,  a  História  e  a  Filosofia  da  Ciência  e 
estendendo‐se  para  as  áreas  de  Comunicação  e  da  Ciência  da 
Informação. 
Na  área  da  Ciência  da  Informação  inúmeros  estudos  sobre  a 
comunicação  na  ciência  foram  desenvolvidos,  decorrentes  do  fato  de 
que  um  de  seus  principais  objetos  de  estudo  são  a  geração,  o  uso  e  a 
comunicação  da  informação  na  comunidade  científica.  Em  vista  disto, 
vários  pesquisadores  desta  área  se  dedicaram  a  estudar  a 
comunicação  cientifica  a  partir  do  olhar  da  Ciência  da  Informação, 
focalizando  tanto  os  “produtos”  e  “veículos”  da  comunicação 
cientifica – os artigos e periódicos científicos, por exemplo – quanto os 
processos  de  comunicação  formal  e  informal  entre  os  pesquisadores. 
No Brasil, os estudos de Población (1992), Mueller (1994, 2007); Ramos 
(1994);  Targino  (2000,  2006);  Stumpf  (1996);  Población,  Witter  e  Silva 
(2006)  constituem‐se  em  referência  obrigatória  da  área.  Outros 
autores, como Leta & Meis (1996) e mais recentemente Biojone (2003) 
também refletiram sobre a comunicação científica ao traçar o perfil da 
ciência brasileira. 
No  entanto,  a  aproximação  do  campo  CTS  com  os  referenciais 
teóricos  da  comunicação  pública  da  ciência,  apesar  de  terem  trazido 
importantes  contribuições  para  explicar  a  relação  entre  ciência, 
tecnologia  e  sociedade,  ainda  pode  ser  explorada  sob  outras 
perspectivas.  
Uma  delas  é  a  utilização  dos  modelos  de  comunicação  pública  do 
conhecimento  científico  para  enfocar  a  divulgação  e  apropriação  do 
conhecimento científico.  

406
Fares,  Navas  e  Marandino  (2007,  p.1)  mencionam  estes  modelos 
de  comunicação  pública  da  ciência  que  buscam  explicar  as  relações 
entre  a  ciência  e  a  sociedade  e  podem  ser  caracterizados  em  duas 
grandes tendências: 
 
[...]  os  modelos  que  propõem  processos  de  comunicação  em  uma  única 
via, desde os cientistas até a sociedade, nos quais a chave é a disseminação 
da informação, e aqueles que propõem processos dialógicos de comunicação, 
nos  quais  a  participação  e  a  postura  ativa  do  público  são  o  foco  de 
atenção. (grifos nossos) 
 
Lievrouw  (1992)  identifica  três  estágios  no  ciclo  de  comunicação 
científica, sendo o primeiro da concepção e criação do conhecimento, 
o segundo o da documentação e o terceiro estágio o da popularização 
desses  conhecimentos  gerados.    Resumidamente,  no  estágio  da 
concepção  ocorre  o  contato  entre  colegas  da  academia,  a  troca 
compartilhada  de  informações  por  emails,  dentre  outros  meios,  que 
permitem  o  aprofundamento  de  idéias  dos  projetos  embrionários.  É 
no segundo estágio, da documentação, que os papers, os capítulos de 
livros,  os  artigos  são  produzidos,  portanto,  redigidos.  O  fechamento 
do ciclo com o terceiro estágio é o da popularização dos conhecimentos 
gerados, sendo que a pretensão é torná‐lo acessível ao grande público, 
através  da  mediação  de  jornalistas  e  outros  agentes  da  área  de 
comunicação.  Reconhece,  no  entanto  a  autora  que  apenas  alguns 
assuntos  de  grande  apelo  midiático  alcançam  esse  terceiro  estágio. 
Tradicionalmente,  o  cientista  não  valoriza  a  comunicação  com  a 
sociedade.  Segundo  Mueller  (2002)  a  mudança  que  ocorreu  no 
comportamento  dos  cientistas  havendo  um  empenho  na  divulgação 
para o público, está atrelada à necessidade de garantir o apoio às suas 
pesquisas,  sensibilizando,  principalmente,  as  agências  oficiais  de 
fomento. Por outro lado, segundo Ramos (1994, p.346‐347) é também 
uma forma de reconhecimento dos mais “notórios”, com maior capital 
simbólico,  desejosos  de  angariar  também  o  reconhecimento  da 
sociedade. 
Buscando  uma  aproximação  com  estes  estudos  apresentamos 
alguns  destes  modelos  de  comunicação  científica  e  de  comunicação 
pública da ciência. 

407
3. Os modelos de comunicação científica e comunicação pública da 
ciência  
 
Diversos  conceitos  e  metodologias  já  foram  utilizados  para  a 
construção  de  modelos  explicativos  sobre  o  processo  de  transmissão 
da  informação  no  interior  da  comunidade  científica  e  desta  para  a 
sociedade.  
Ramos  (1994)  baseou‐se  na  literatura  do  campo  CTS  para 
sintetizar  algumas  destas  abordagens  e  propôs  quatro  modelos  de 
comunicação  científica  para  explicar  o  processo  de  comunicação 
científica: difusionista, paradigmático, dialético e culturalista.  
O modelo difusionista prioriza a difusão do conhecimento por meio 
da  divulgação  científica  e  para  isto  utiliza  vários  veículos  de 
comunicação.  Caracteriza‐se  pelo  seu  trâmite  entre  a  comunicação 
informal  –  os  colégios  invisíveis  ‐  e  a  formal,  sendo  que  esta  última 
está  consolidada  em  produtos  como  livros,  artigos  de  periódicos, 
trabalhos apresentados em eventos, os quais integram o conjunto que 
se convencionou chamar de literatura científica. Ramos (1994) apoiado 
na  visão  de  Ziman  (1979)  comenta  que  esta  literatura  possui  três 
características  fundamentais  que  podem  ser  aplicadas  ao  modelo 
difusionista:  
 
[...] fragmentária ‐ devido à veiculação de artigos em periódicos que são, 
na  maioria  das  vezes,  fragmentos  de  trabalhos  científicos  ainda  em 
andamento;  derivativa  ‐  por  se  apoiar  em  trabalhos  realizados 
anteriormente,  o  que  é  evidenciado  pela  utilização  de  referência  e 
citações;  editada  ‐  ou  seja,  avaliado  pelos  referees  (avaliadores). 
(RAMOS, 1994, p.341) 
 
Este  modelo  difusionista  encontra  semelhança  com  outros 
modelos, como por exemplo, o modelo “epidêmico de transmissão de 
idéias”  
 
[...]  formulado  por  Goffman,  a  partir  da  idéia  de  que  a  transmissão  de 
idéias  dentro  de  uma  comunidade  científica  e  a  transmissão  de  doenças 
infecciosas  são  ambas  casos  específicos  de  um  processo  mais  geral,  o 
processo  de  comunicação.  Conseqüentemente,  a  transmissão  de  idéias 

408
pode ser estudada em termos de um processo epidêmico. (RAMOS, 1994, 
p.341) 
 
Os  outros  dois  modelos  de  comunicação  científica  –  o 
paradigmático e o dialético – apresentados por Ramos (1994) originam‐
se  de  teorias  formuladas  por  Kuhn  (1978),  Habermas  (1980)  e 
Bourdieu (1983). O primeiro apresenta além de uma estrutura teórica, 
uma  forma  de  organização  da  estrutura  cognitiva  do  mundo 
científico.  Assim  denominado  por  se  apoiar  em  transformações 
paradigmáticas,  isto  é,  em  revoluções  científicas,  tais  como  foram 
formuladas  por  Kuhn  (1978);  neste  modelo  paradigmático  ocorre  a 
refutação  de  teorias  por  meio  de  um  processo  cognitivo  que  “é 
construído socialmente por cientistas que submetem suas observações 
e teorias a um debate público entre os pares” (RAMOS, 1994, p.341).  
O  modelo  dialético,  por  sua  vez,  constrói  a  ciência  a  partir  de 
hipóteses  e  deduções  vivenciadas  em  uma  determinada  realidade, 
para  formular  prognósticos.  Por  meio  da  observação  e  da 
experimentação  criam‐se  teorias  e  regras  que  podem  ser 
generalizadas,  propiciando  o  estabelecimento  de  teorias  e 
metodologias  independentes  da  construção  formal  da  ciência. 
Bourdieu  (1983,  2004)  utiliza  este  modelo  para  analisar  o  campo 
científico,  considerado  como  o  lugar  de  lutas  entre  grupos  distintos 
que dispõem de um capital científico desigual para se apropriarem do 
produto  do  trabalho  científico  produzido  pelos  concorrentes.  Neste 
campo  de  lutas  as  mais  altas  posições  são  ocupadas  pelos  que 
possuem maior capital científico acumulado. 
Ao  apresentar  o  modelo  culturalista,  inspirado  em  Mulkay  (1979), 
Ramos (1994) explica que este modelo está ligado à produção de saber 
pela própria sociedade, isto é, a análise, elaboração e prova científica 
de uma teoria é fruto das relações sociais que o pesquisador estabelece 
com  o  público  e  a  partir  destas  relações  é  possível  realizar  a 
construção  da  ciência.  Para  descrever  esta  visão  Ramos  (1994,  p.342) 
argumenta que:  
 
Na  modernidade,  talvez  seja  a  ciência  o  instrumento  ideológico  mais 
importante das sociedades industrializadas, porque não apenas oferece o 
conhecimento técnico materializado em bens e formas de controle sócio‐

409
econômicas, mas também é responsável pela manipulação do imaginário 
social:  o  discurso  científico  não  só  abrange  a  produção  bibliográfica 
veiculada  na  comunicação  formal,  mas  também  o  universo  da 
comunicação  informal,  no  qual  os  cientistas  exerceriam  uma  política 
interna  do  campo  por  meio  de  vocabulários  complexos  de  trocas 
simbólicas  e  interpretações,  cujo  uso  depende  tanto  da  estrutura  do 
campo, quanto da posição de cada um dentro do campo. 
 
Existem  duas  tendências  identificadas  na  literatura  sobre  os 
modelos  de  comunicação  pública  do  conhecimento  científico.  Na 
primeira  delas,  encontram‐se  os  modelos  de  déficit  cognitivo  e  o 
modelo  contextual.  Ambos  são  processos  unidirecionais,  em  que  os 
cientistas  são  os  detentores  do  conhecimento  e  devem  divulgá‐lo  à 
sociedade  que  tem  um  déficit  de  conhecimento.  Essa  ausência  de 
conhecimento  é  identificada  como  analfabetismo  científico.  Nesses 
modelos,  a  comunidade  científica  constitui‐se  no  grupo  de  elite 
cultural e político, cabendo a ela a decisão do que divulgar. Conforme 
explicitam  Fares,  Navas  e  Marandino,  no  contexto  dos  modelos 
unidirecionais   
 
[...]  encontramos  o  modelo  de  déficit  o  qual  está  fortemente  associado  à 
visão  dominante  da  popularização  da  ciência  (Myers,  2003;  Levy‐
Leblond,  1992)  e  caracterizado  por  considerar  os  cientistas  como  os 
especialistas  que  “possuem”  o  conhecimento,  e  o  público  (ou  o  resto  da 
sociedade),  carente  (ou  com  um  déficit)  de  conhecimentos  de  fatos 
relevantes de ciência e tecnologia (Durant, 1999; Lewenstein, 2003). Nesse 
modelo,  o  processo  comunicativo  acontece  em  uma  única  via,  sendo  os 
cientistas os emissores, o público os receptores passivos (Sturgis; Allum, 
2004)  no  qual  a  chave  é  a  disseminação  do  conhecimento.  (FARES, 
NAVAS E MARANDINO, 2007, p.1) 
 
A  segunda  tendência  contempla  os  processos  dialógicos  ou 
bidirecionais  de  comunicação,  destacando‐se  os  modelos  de  expertise 
leiga  e  o  de  participação  pública,  onde  o  conhecimento  existente  na 
sociedade  é  considerado  relevante  e  é  valorizado  nas  soluções  de 
problemas científicos e tecnológicos. O compromisso e o exercício da 
democratização  da  ciência  e  tecnologia  ocorrem,  principalmente,  no 
modelo  de  participação  pública,  através  da  realização  de  fóruns, 

410
debates  e  conferências  de  consenso,  onde  ambos  os  “saberes”  ‐  de 
cientistas e não cientistas ‐ são considerados com igual valor.  
Para  Lewenstein  e  Brossard  (2006)  nesta  segunda  tendência  há  o 
“envolvimento” do público nos processos de tomada de decisão sobre 
C&T  e  nos  processos  de  formulação  de  políticas  científico‐
tecnológicas,  seja  por  meio  de  valorização  de  saberes  locais  ou  por 
meio da ativa participação. 
 
4. Considerações finais 
 
O  “fazer  científico”  é  um  processo  contínuo,  cumulativo  e 
interdependente. Para os pesquisadores é uma necessidade inerente e 
fundamental  ao  seu  metier  relatar  todo  o  trabalho  de  pesquisa 
realizado em seus laboratórios, identificando os métodos utilizados e 
os  resultados  alcançados.  Vigora  entre  os  cientistas  a  máxima 
“publicar  ou  morrer”  (publish  or  perish)  e,  essa  valorização  por 
produzir  cada  vez  mais  os  artigos  científicos,  capítulos  de  livros  e 
mesmo  livros,  acaba  por  gerar  uma  competitividade  exagerada  no 
meio  acadêmico  e,  daí,  inúmeras  distorções.  Como  uma  dessas 
distorções,  pode‐se  citar  a  publicação  de  mesmos  “resultados”  de 
pesquisas  em  diferentes  publicações,  apenas  com  alterações  não 
significativas. 
Os atuais critérios de avaliação da produção científica, postos em 
prática pelas agências de fomento nacionais, privilegiam a divulgação 
em  canais  formais  em  detrimento  dos  canais  informais  e  diversos 
estudos  têm  sido  realizados  para  avaliar  o  impacto  da  produção 
científica disseminada nestes canais.  
No  Brasil,  assim  como  em  outros  países,  o  desenvolvimento  da 
ciência  acontece,  fundamentalmente  dentro  das  universidades 
públicas e nas instituições de pesquisa. São, portanto essas instituições 
públicas  que  despendem  mais  recursos  e  que  recebem  grandes 
aportes financeiros das agências de fomento para o desenvolvimento 
de  pesquisas.  Os  recursos  financeiros  investidos  são  oriundos  da 
sociedade.  Segundo  o  art.  218  da  Constituição  “compete  ao  Estado 
promover  e  incentivar  o  desenvolvimento  científico,  a  pesquisa  e  a 

411
capacitação  tecnológica  tendo  em  vista  o  bem  público  e  o  progresso 
das ciências.” (BRASIL, 1988, p.168). 
Ademais, como argumentam Targino e Neyra (2006b, p.13): 
 
[...]  se  a  ciência  está  a  serviço  da  sociedade,  a  divulgação  de  resultados 
das  pesquisas  empreendidas  constitui  etapa  fundamental  e  não 
complementar  às  suas  ações,  tanto  para  permitir  que  a  população  tire 
proveito dos avanços, como para legitimá‐los. Ao contrário do que ocorre 
em  outras  áreas  da  vida  social,  na  atividade  científica  prevalece  a 
desconfiança  e  /  ou  a  suspeição  do  julgamento,  até  que  as  evidências 
sejam devidamente comprovadas. Tal cepticismo sistemático, segundo o 
qual  a  ciência  não  legitima  novos  conhecimentos  de  forma  dogmática, 
concorre para o estabelecimento de disciplina intelectual rígida e padrões 
críticos  elevados  para  os  cientistas,  diante  dos  próprios  resultados.  O 
sistema  de  avaliação  a  que  os  originais  propostos  à  publicação  na 
literatura  científica  são  invariavelmente  submetidos,  o  julgamento  de 
solicitações  junto  às  agências  de  financiamento,  a  formação  de  bancas 
para  análise  de  trabalhos  acadêmicos,  sobretudo,  de  pós‐graduação 
stricto sensu, e a forma de condução dos debates nos eventos científicos 
têm nítida vinculação com essa prescrição. 
 
Desta perspectiva, é válida a reflexão sobre a comunicação pública 
da  ciência  realizada,  uma  vez  que  poderá  lançar  luzes  sobre  futuras 
pesquisas  que  se  dediquem  a  investigar,  por  exemplo,  como  os 
pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento, são afetados pelos 
atuais critérios de avaliação da produção científica.  
Retomamos  aqui  os  referenciais  teóricos  que  fundamentaram  o 
texto  para  questionar  a  aplicabilidade  dos  modelos  de  comunicação 
pública  da  ciência  visando  entender  o  processo  de  comunicação  dos 
pesquisadores com o público. Bem como nos perguntamos se a atual 
forma  de  divulgação  da  produção  científica  e  tecnológica  (canais 
formais  e  informais)  e  também  a  oriunda  do  jornalismo  científico 
permitem  ao  público  a  apropriação  dos  conhecimentos  produzidos 
pelos pesquisadores. 
Quanto  ao  primeiro  questionamento,  a  literatura  científica  que 
fundamentou  o  texto  permite  inferir  que  pelos  canais  formais  e 
informais  os  cientistas  se  comunicam  com  o  público  por  meio  do 
processo  unidirecional.  Ou  seja,  a  comunicação  pública  da  ciência 

412
ocorre  com  base  nos  modelos  de  déficit  cognitivo  e  no  modelo 
contextual.  Como  já  exposto  anteriormente,  nestes  modelos  emerge  a 
preocupação do cientista em disseminar a informação para alfabetizar 
cientificamente  o  público,  ou  seja,  a  finalidade  é  a  aquisição  e  não  a 
compreensão da informação científica. As críticas a estes modelos são 
dirigidas  principalmente  as  suas  características  de  via  de  mão  única, 
ou  seja,  dos  cientistas  para  o  público  em  geral,  e  com  isto  excluem  a 
possibilidade de respostas por parte deste público. 
Em  consequência  e  como  resposta  ao  segundo  questionamento, 
pode‐se  dizer  que  a  forma  atual  como  ocorre  a  divulgação  da 
produção  científica  não  permite  a  apropriação  pelo  público  desses 
conhecimentos.  Na  melhor  das  hipóteses,  o  público  apenas  recebe 
informações “traduzidas” sobre assuntos específicos.  
Com  isto,  fica  evidente  que  o  público  não  se  apropria  do 
conhecimento  produzido  pelos  cientistas,  com  exceção  do  público 
especializado  que  são  os  próprios  pares  dos  cientistas.  Percebe‐se, 
portanto, a necessidade de superação dos modelos de déficit cognitivo 
e  contextual  da  comunicação  da  ciência  em  direção  a  modelos  de 
participação  pública  da  ciência,  que  permitam  a  apropriação  e  uso  do 
conhecimento  a  partir  de  uma  visão  dialógica  entre  cientistas  e 
público.  
No  contexto  da  sociedade  atual  espaços  propícios  para 
participação  pública  deveriam  ser  promovidos  de  forma  a  permitir 
um  vetor  de  ida  e  volta  nas  relações  dos  cientistas  com  o  público. 
Estes  espaços  podem  ser  materializados  em  fóruns  e  conferências  de 
consenso,  a  exemplo  do  que  já  ocorre  em  outros  países  em  que  o 
modelo de déficit foi superado, dando lugar a modelos dialógicos.  
Um  exemplo  desta  iniciativa  é  apresentado  por  Muriello  (2007, 
p.51), que descreve como as possibilidades de participação pública na 
ciência  e  na  tecnologia,  para  os  cidadãos  da  União  Europeia,  foi 
incrementada  por  meio  de  mecanismos  que  permitem  recolher  e 
sistematizar  a  informação  sobre  essas  experiências  e  promover  uma 
cultura de participação pública em C&T. A autora relata a criação do 
projeto  Citizen  Participation  in  Science  and  Technology,  que  é  composto 
por  gabinetes  parlamentares,  museus  e  centros  de  ciência,  institutos 

413
de pesquisa e universidades, com experiência no uso de metodologias 
participativas com a sociedade civil em temas de ciência e tecnologia. 
Outra  iniciativa  bem  sucedida  no  âmbito  das  práticas 
democráticas de participação cidadã são as Conferências de Consenso 
realizadas em países como Holanda, Alemanha, Canadá, Dinamarca e 
Estados  Unidos.  Iniciativa  conjunta  de  órgãos  como  ministérios, 
institutos de pesquisa e museus de ciências criam espaços de diálogo, 
debate  e  deliberação  entre  especialistas  e  não  especialistas,  conforme 
relata  Navas  (2009).  Apesar  de  extensa,  é  válido  apresentar  a  citação 
em que esta autora descreve o funcionamento destas conferências: 
 
A  conferência  de  consenso  se  inicia  com  a  seleção  de  um  assunto 
controverso  e  atual  de  ciência  e  tecnologia,  passando  por  biotecnologia, 
organismos geneticamente modificados, sistemas de saúde pública, entre 
outros.  A  etapa  seguinte  envolve  a  distribuição  aleatória  de  convites  a 
cidadãos  ‐  que  não  podem  ser  especialistas  no  assunto  ‐  para  participar 
desta  iniciativa.  Essa  etapa  leva  à  seleção  de  um  grupo  de  15  a  20 
cidadãos, junto aos quais é realizado um trabalho prévio de discussão do 
tema  selecionado  para  a  Conferência.  O  período  de  preparação  envolve 
três  finais  de  semana,  durante  os  quais  os  participantes  expressam  as 
dúvidas,  certezas  e  incertezas  sobre  o  tema  e  os  seus  possíveis 
desdobramentos. O resultado deste processo preparatório é a elaboração 
de um documento contendo as perguntas dos participantes e os perfis de 
cientistas com os quais os cidadãos gostariam de conversar para resolver 
as  dúvidas  elencadas.  Os  órgãos  envolvidos  na  organização  do  evento 
(ministérios,  institutos  de  pesquisa,  secretarias,  museus,  centros  de 
ciências...)  são  responsáveis  por  garantir  a  participação  de  especialistas 
nas áreas requisitadas pelos cidadãos. Na etapa final, a conferência entre 
os  cidadãos  e  os  cientistas  é  realizada  e  ela  acontece  como  uma  grande 
ʺmesa  redondaʺ,  um  evento  aberto  ao  público  geral  e  à  mídia.  Neste 
espaço,  e  durante  2  ou  3  dias,  se  estabelece  um  diálogo  entre  os 
especialistas  e  os  não  especialistas,  originado  a  partir  das  perguntas 
formuladas  pelo  grupo  de  cidadãos.  O  resultado  final  é  uma  série  e  de 
considerações e recomendações para a a formulação de políticas públicas 
de C&T nessa área. (NAVAS, 2009, p.web). 
 
Pellegrini  Filho  (2005)  relata  que  o  Chile  foi  o  primeiro  país  da 
América  Latina  a  utilizar  este  tipo  de  mecanismo  de  participação 

414
pública  na  ciência,  por  meio  da  realização  da  Conferência  de 
Consenso do Cidadão promovida pela Organização Panamericana de 
Saúde (OPAS). O motivo da escolha deste tipo de mecanismo deveu‐
se, segundo o autor, ao fato de que se buscava um método 
 
[...]  adequado  para  discussões  de  assuntos  relacionados  à  ciência  e  à 
tecnologia  que  permitisse  um  debate simétrico  entre  especialistas  e  não‐
especialistas  e  que  contribuísse  para  a  elaboração  de  políticas  públicas, 
através  de  documentos  elaborados  com  base  no  consenso  dos 
participantes.  Esse  método  também  deveria  ser  deliberativo.  Entre  os 
mecanismos de participação pública mais difundidos, as conferências de 
consenso eram as que melhor preenchiam esses quesitos. 
 
Estas  e  outras  iniciativas,  como  talvez  a  criação  de  conselhos  de 
C&T no âmbito das prefeituras, nos moldes dos Conselhos de Saúde, 
possam se constituir em um caminho inicial para o início dessa efetiva 
e desejada participação pública na ciência.  
Na perspectiva de utilização das TICs (Tecnologias de Informação 
e Comunicação) devem ser considerados os esforços na introdução de 
uma agenda de pesquisa em democracia eletrônica (Rotheberg, 2008) 
tendo  por  base  a  inclusão  ativa  e  sistemática  da  participação  dos 
cidadãos  nas  diversas  instâncias  da  sociedade,  garantindo  cada  vez 
mais  espaço  de  participação,  oportunidade  de  defesa  de  seus 
interesses,  assegurando,  portanto,  a  cidadania.  Exemplos  iniciais  de 
democracia  eletrônica  ou  digital  no  governo,  realizadas  através  de 
consultas  públicas,  já  estão  em  curso  na  ANVISA  (Agência  Nacional 
de Vigilância Sanitária), no Ministério da Saúde e na ANEEL (Agência 
Nacional  de  Energia  Elétrica),  em  órgãos  estaduais  e  também  no 
âmbito municipal.   
Nesta direção, o público pode ser empoderado por meio de uma 
comunicação  de  mão  dupla,  em  que  um  “saber”  não  seja  “mais 
importante que o outro” (PELEGRINI, 2005, p.493). Nos dias atuais, e 
na  perspectiva  CTS,  não  há  mais  espaço  para  uma  comunicação 
unidirecional,  que  desconsidera  preceitos  básicos  de  democracia  e 
cidadania.  Para encerrar: outras vozes precisam ser ouvidas... 
 
 

415
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418
ROUSSEAU E O DISCURSO SOBRE AS CIÊNCIAS E SOBRE AS 
ARTES: O PRELÚDIO DE UMA VISÃO CRÍTICA DA 
CENTRALIDADE TECNOCIENTÍFICA 
 
Vitor Ogiboski1 
Cidoval Morais de Sousa2  
 
 
Há  260  anos  atrás,  Jean  Jacques  Rousseau,  um  dos  maiores 
pensadores  da  modernidade  deu  um  alerta:  o  desenvolvimento  das 
ciências  poderia  corromper  a  dignidade  do  homem,  o  afastando  de 
sua humanidade. Essa linha de pensamento foi desenvolvida em sua 
primeira  obra  filosófica:  Discurso  sobre  as  Ciências  e  sobre  as  Artes,  de 
1749.  Na  época,  o  autor  inaugurava  uma  visão  controversa  do 
desenvolvimento  científico,  batendo  de  frente  com  a  validade  dos 
preceitos  epistemológicos  que  constituíam  o  movimento  iluminista. 
Por isso, é oportuno recorrer a tal obra para construir uma crítica da 
centralidade  tecnocientífica  da  sociedade  atual.  O  que  procura‐se 
investigar  é  o  sentido  e  o  valor  da  evolução  sócio‐técnica  para  a 
modernidade,  refletindo,  assim  como  Rousseau,  se  elas  tem  algum 
tipo de relacionamento com a virtude humana. A preocupação com os 
efeitos  negativos  gerados  pelo  desenvolvimento  científico  passou  a 
ocupar  as  agendas  de  pesquisas  depois  de  eventos  como  as  guerras 
biológicas,  bombas  nucleares  e  devastação  ambiental,  ocorridos 
principalmente  depois  da  segunda  grande  guerra.  O  perigo  da 
tecnociência existe e está cada vez mais evidente, porém, como afirma 
Bazzo,  Pinheiro  e  Silveira  (2009),  muitos  cidadãos  ainda  tem 
dificuldades  de  compreender  seus  reais  efeitos,  que  por  detrás  de 
grandes promessas de avanços tecnológicos, esconde lucros, interesses 
das classes dominantes e perigos devastadores.  

                                                            
1  Mestrando  do  curso  de  Ciência,  Tecnologia  e  sociedade  (CTS)  da 
Universidade Federal de São Carlos. (vitorogbk@hotmail.com) 
2  Professor  da  Universidade  Estadual  da  Paraíba.  Colaborador  do  Programa 

de  Pós  Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade  da  Universidade 


Federal de São Carlos. (cidoval@gmail.com) 

  419
As  controvérsias  sociotécnicas  são  objetos  de  estudo  de  vários 
autores contemporâneos, como por exemplo, Ulrich Beck, que afirma 
vivermos  numa  sociedade  de  risco,  onde  o  crescente  estágio  da 
industrialização e da tecnologização tem culminado em uma série de 
ameaças,  pois  as  instituições  modernas  não  dão  conta  de  gerir  sua 
produção  de  “males”,  ou  seja,  seus  riscos.  O  filósofo  alemão  Hans 
Jonas, em  sua principal obra: O Princípio da Responsabilidade – Ensaio 
de  uma  ética  para  a  civilização  tecnológica,  publicada  em  1979,  faz  um 
alerta  sobre  os  perigos  que  o  desenvolvimento  tecnocientífico 
desenfreado pode causar.  Jonas acredita que somente através de uma 
ética que considere os efeitos da técnica moderna, pode‐se garantir o 
futuro  das  próximas  gerações,  que  se  encontram  ameaçadas  pela 
escassez  dos  recursos  básicos  de  sobrevivência.  Outro  autor 
contemporâneo brasileiro que aborda a questão é o brasileiro Gilberto 
Dupas, que no ano de 2000 lançou a obra: Ética e Poder na Sociedade da 
Informação.  Na obra, ele afirma que devido a alguns êxitos das novas 
tecnologias,  elas  adquirem  uma  “auréola  mágica  e  determinista”, 
colocando‐as  acima  da  razão  e  da  moral.  A  tecnociência  acabou 
tornando‐se autônoma em relação aos valores éticos. O que ocasionou 
essa independência foi o fato de que o saber científico atual encontra‐
se  a  serviço  do  capital.  Newton  Aquiles  Von  Zuben,  outro  estudioso 
brasileiro dos efeitos da tecnociência, publicou em 2006 a obra: Bioética 
e  Tecnociências:  a  Saga  de  Prometeu  e  a  Esperança  Paradoxal,  que 
concentrou seus estudos, publicações, diálogos e conferências sobre o 
assunto.    Em  linhas  gerais,  o  autor  compreende  que  a  tecnociência  é 
ambivalente,  pois  confere  novos  domínios  e  novos  temores  à 
sociedade, que geram esperanças e incertezas, resultando em atitudes 
extremas, batizadas por ele de tecnofobia e tecnofilia. 
O estado de inquietação sobre os riscos do avanço tecnocientífico 
citado acima acaba evidenciando a importância do primeiro escrito de 
Rousseau.  Quando  o  autor  genebrino  exprime  que  a  ciência  esconde 
falsas estradas que levam a caminhos mil vezes mais perigosos que a 
verdade  que  se  busca,  (ROUSSEAU,  [1749],  2005),  mostra  que  o  teor 
de  suas  críticas  ganha  sentido  e  aplicabilidade  atual.  De  acordo  com 
Santos  (1988),  é  hora  de  retomarmos  os  questionamentos  sobre  as 
relações entre a ciência e a virtude, nos perguntando se o acúmulo do 

420  
conhecimento  científico  tem  gerado  o  enriquecimento  ou  o 
empobrecimento  prático  das  nossas  vidas,  mas  efetivamente,  se  a 
ciência e a tecnologia promovem a felicidade humana.  
 
O contexto de Rousseau: a ascendência da ciência moderna 
 
Foi no século XVII que o homem avançou da era medieval para a 
era  moderna,  e  o  que  caracterizou  essa  mudança  foi  uma  nova 
maneira  de  interpretar  o  mundo  a  sua  volta,  não  mais  mediado  por 
crenças religiosas, característica da idade medieval, mas sim por fatos 
concretos  e  universais  obtidos  por  um  novo  tipo  de  ser‐humano, 
dotado  de  razão  prática  e  instrumental:  o  cientista.  De  acordo  com 
Heilbron  (2003),  a  primeira  revolução  cientifica  é  caracterizada  pela 
criação  de  sistemas  elaborados  de  filosofia  natural,  exploração 
instrumental da natureza e fundação de instituições que encorajaram 
a  busca  do  conhecimento  da  natureza.  O  autor  explica  que  essa 
revolução  pode  ser  dividida  em  vários  períodos.  Em  um  período 
preliminar  (1500  –  1600),  o  cosmos  renascentista  começou  a  ser 
refutado  através  de  novas  descobertas  européias,  pela  retomada  de 
filosofias contrárias à de Aristóteles e a criação de novas necessidades 
tecnológicas. De 1600 a 1660, novos instrumentos como o telescópio e 
o  microscópio  influenciaram  impulsos  heliocentristas,  atomistas, 
matemáticos  e  metodológicos.  De  1640  a  1750,  novos  desafios  foram 
impostos  pela  fundação  de  academias,  observatórios  bibliotecas, 
jardins e revistas de conhecimento natural. 
As  grandes  navegações,  a  Reforma  Religiosa,  a  formação  do 
estado Nacional e a expansão do comércio fizeram com que a Europa 
passasse  por  múltiplas  transformações  desde  o  século  XVI,  por  isso 
não  é  de  se  estranhar  que  o  século  em  que  viveu  Rousseau  tenha  se 
notabilizado  como  um  dos  séculos  mais  importantes  da  cultura 
ocidental.  Nesse  período  o  homem  consegue  libertar‐se  das  amarras 
do  pensamento  medieval,  mostrando‐se  racionalmente  preparado 
para  realizar  muitas  mudanças  sociais,  políticas,  religiosas  e 
científicas.  A  era  das  trevas  dava  lugar  ao  século  da  luz.  Segundo 
Reale  e  Antiseri  (1990),  o  iluminismo  é  marcado  pela  valorização  da 
ciência  e  da  técnica  como  meios  de  melhorar  a  condição  material  e 

  421
espiritual  da  humanidade;  a  crítica  das  superstições  e  a  defesa  da 
tolerância ético‐religiosa; a defesa dos direitos naturais e inalienáveis 
dos  homens;  a  rejeição  dos  sistemas  metafísicos  dogmáticos  e  sua 
substituição  por  um  uso  da  razão  submetido  ao  crivo  crítico  da 
experiência e a luta contra privilégios e tiranias.   
 
O contexto de Rousseau: a ciência institucionalizada  
 
Esse  novo  ideário  prático  reflexivo  encontrou  nas  várias 
academias  Européias  um  ambiente  ideal  para  desenvolver‐se. 
Segundo Janeira (1988), só em Portugal, desde meados do século XVII, 
foram criadas várias academias influenciadas fortemente pela ciência 
moderna. Entre elas a Academia dos Generosos (1647), Academia das 
Conferências  Discretas  ou  Eruditas  (1696),  Academia  dos  Generosos 
renovada  (1717),  Academia  Portuguesa  (1717),  Academia  Real  da 
História  Portuguesa  (1720)  Academia  dos  Escondidos  da  Cidade  do 
Porto  (1749),  Academia  Real  Médico‐Portopolitana  (1749),  e 
finalmente aquela que é considerada a primeira a assumir totalmente 
o ideário moderno, a Academia Real das Ciências de Lisboa (1779). Já 
na  França,  em  1635  foi  fundada  a  Académie  Française,  em  1663  a 
Académie  dês  Incripyions  et  Belles‐Lettres,  1666  a  Académie  dés 
Sciences,  em  1716  a  Académie  dês  Beaux‐Arts,  em  1759  a  Académie 
dês Sciences Morales et Politiques, e finalmente em 1795 o Institut de 
France,  que  promoviam  o  desenvolvimento  científico  do  país, 
notabilizando‐se na vanguarda dos estudos científicos da Europa. Em 
Genebra,  cidade  natal  de  Rousseau,  João  Calvino  criou  a  primeira 
academia no ano de 1559.  
Além  de  todos  esses  centros  intelectuais,  a  ciência  aplicada  e 
instrumentalizada  também  estava  em  ascendência  na  época.  O 
interesse era tão grande que além dos especialistas, outros segmentos 
da sociedade começaram a se interessar pelo assunto. Segundo Soares 
(1997),  cavalheiros  e  damas  procuravam  compreender  a  ciência 
instrumentalizada  por  refinamento  social,  além  de  proprietários 
manufatureiros,  engenheiros  e  mecânicos  que  tinham  o  intento  de 
aplicar  esse  novo  conhecimento  na  produção  industrial.  Para  isso, 
professores  itinerantes  de  filosofia  e  mecânica  experimental 

422  
newtoniana lucravam divulgando esse conhecimento através de aulas, 
roteiros  de  cursos  e  livros,  e  com  isso  foram  responsáveis  por  um 
grande  impacto  no  sentido  de  fomentar  um  crescente  interesse  pela 
Ciência  Aplicada.  Além  disso,  para  Soares  (1997),  esses  professores 
constituíram  numa  base  de  apoio  para  os  experimentos  que 
industriais,  engenheiros  e  mecânicos  faziam  para  criar  novas 
máquinas e aperfeiçoar as já existentes. 
As  academias  de  ciência  e  os  professores  itinerantes  de  filosofia 
mecânica são exemplos que ilustram o grau de penetração e influência 
social  que  a  ciência  possuía  no  século  XVIII  na  Europa.  Toda  essa 
efervescência  acabou  culminando  na  Revolução  Industrial  e 
surgimento do capitalismo. Rousseau fez parte dessa nova geração de 
intelectuais  modernos,  mas  diferente  da  maioria  dos  iluministas,  fez 
uma  leitura  crítica  de  seu  tempo,  questionando  se  toda  aquela 
revolução  gerada  pela  ciência  poderia  realmente  ser  positiva  para  o 
homem. De acordo com sua concepção, a sociedade podia corromper 
o  homem,  que  em  sua  essência  natural  era  bom.  Foi  essa  a 
preocupação  de  Rousseau  ao  escrever  o  Discurso  sobre  as  ciências  e  as 
artes. Analisaremos a seguir a representatividade dessa obra. 
 
Rousseau e o Discurso sobre as Ciências e as Artes: uma luz reveladora  
 
Rousseau,  na  ocasião  com  37  anos,  estava  a  caminho  de 
Vincennes,  nos  arredores  de  Paris  para  visitar  seu  amigo  Diderot  na 
prisão,  que  havia  sido  detido  por  conta  de  algumas  publicações 
consideradas  “progressistas”  pelas  autoridades  civis.    No  caminho, 
leu  no  Mercure  de  France,  jornal  que  circulava  na  França  em  sua 
época,  um  anúncio  da  Academia  de  Dijon  oferecendo  um  prêmio 
àquele que fizesse o melhor ensaio sobre o tema: Tem o progresso das 
artes e das ciências contribuído para a purificação ou para a corrupção 
da  moralidade?  Nesse  exato  momento,  foi  tomado  por  uma  luz 
reveladora.  “Rousseau  ficou  petrificado;  foi  tamanha  torrente  de 
novas  idéias  e  visões  que  o  acometeram  que  desmaiou  e  viu‐se 
incapaz  por  algum  tempo  de  prosseguir  sua  viagem”  (Dent,  1996, 
p.17).  Decidiu  participar,  ganhando  o  prêmio  de  destaque  nesse 
concurso  acadêmico,  que  como  afirma  o  próprio  autor  genebrino  na 

  423
Advertência  que  antecede  sua  primeira  obra  filosófica,  “tornou 
conhecido  meu  nome”.  Através  de  um  discurso  que  lembra  a 
maiêutica  socrática,  a  dúvida  suscitada  no  ensaio  convida  o  leitor  a 
refletir  sobre  a  corrupção  moral  gerada  pelas  artes  e  ciências.  Como 
explica  Garcia  (2005)  na  apresentação  da  obra  de  Rousseau,  é 
apresentando  dúvidas  e  formulando  questões  que  o  filosofo 
iluminista  vai  extraindo,  como  num  parto,  a  experiência  vivida  de 
seus leitores para que cheguem a uma conclusão sobre o assunto. 
O  Dircurso  sobre  as  ciências  e  as  artes  é  dividido  em  duas  partes, 
onde Rousseau estabelece um ponto de partida no seu embate sobre a 
inserção  do  homem  na  sociedade.  Representa  o  início  de  suas 
reflexões  sobre  a  corrupção  do  homem  inserido  no  ambiente  social, 
que foi mais bem trabalhada em obras posteriores. Para Freitas (2006), 
em  seu  primeiro  discurso,  Rousseau  arma  o  cenário  ideal  de 
questionamento e de crítica aos homens de sua própria realidade em 
sua forma mais degenerada. A pergunta feita pela academia de Dijon: 
se  o  restabelecimento  das  ciências  e  das  artes  contribui  para  aperfeiçoar  os 
costumes,  foi  rebatida  por  Rousseau  com  uma  segunda  pergunta:  há 
alguma relação entre a ciência e a virtude? Dessa maneira, segundo Roger 
(2005)  ele  deixa  deliberadamente  o  contexto  histórico  imposto  pela 
questão e volta à oposição clássica entre a ciência e a virtude. Santos 
(1988) interpreta a intenção de Rousseau: 
 
Para  lhe  dar  resposta  do  modo  eloqüente  que  lhe  mereceu  o  primeiro 
prêmio e algumas inimizades ‐ Rousseau fez as seguintes perguntas não 
menos  elementares:  há  alguma  relação  entre  a  ciência  e  a  virtude?  Há 
alguma  razão  de  peso  para  substituirmos  o  conhecimento  vulgar  que 
temos  da  natureza  e  da  vida  e  que  partilhamos  com  os  homens  e 
mulheres de nossa sociedade pelo conhecimento científico produzido por 
poucos  e  inacessível  à  maioria?  Contribuirá  a  ciência  para  diminuir  o 
fosso  crescente  na  nossa  sociedade  entre  o  que  se  é  e  o  que  se  aparenta 
ser,  o  saber  dizer  e  o  saber  fazer,  entre  a  teoria  e  a  prática?  (SANTOS, 
1988, p.47) 
 
Em  um  tom  irônico,  Rousseau  começa  seu  discurso  tecendo  um 
elogio  à  cultura  iluminista,  o  que  parece  cair  em  contradição  ao  seu 
objetivo, mas algumas páginas depois, ele promove uma sábia inversão 

424  
de  valores,  mostrando  que  as  artes  e  ciências  promovem  a  corrupção 
humana. De acordo com Freitas (2006), ele passa de adorador a crítico e 
se  propõe  um  contumaz  opositor  da  sociedade  letrada  que,  por  meio 
das luzes da sabedoria, promoveu a degeneração dos costumes morais 
que  os  homens  desenvolveram  continuamente  na  ingenuidade  da 
convivência  cotidiana.  Tamanha  era  a  má  impressão  que  Rousseau 
tinha  das  ciências,  que  no  início  da  segunda  parte  do  discurso  diz  o 
seguinte:  “A  astronomia  nasceu  da  superstição;  a  eloqüência  da 
ambição,  do  ódio,  da  lisonja,  da  mentira;  a  geometria,  da  avareza;  a 
física,  de  uma  vã  curiosidade;  todas,  até  mesmo  a  moral,  do  orgulho 
humano”. (ROUSSEAU, 2005, [1749], p. 25) 
 
Rousseau  e  o  Discurso  sobre  as  Ciências  e  as  Artes:  uma  leitura 
contemporânea  
 
Para  que  se  possa  apontar  a  pertinência  das  ideias  de  Rousseau 
para  o  contexto  da  sociedade  tecnológica  atual,  serão  utilizados 
fragmentos das obras de dois autores contemporâneos: Boaventura de 
Souza  Santos,  representando  a  sociologia  da  ciência,  e  Andrew 
Feenberg,  representando  a  filosofia  da  ciência.  Tais  autores  foram 
escolhidos, porque assim como Rousseau, acreditam que a ciência e a 
tecnologia possuem características capazes de corromper a dignidade 
humana.  A  pretensão aqui  não  é  fazer  um  estudo aprofundado, mas 
somente demonstrar que o discurso de Rousseau pode ser comparado 
com a visão pós‐moderna crítica da tecnologia.  
Boaventura  de  Souza  Santos,  em  seu  ensaio  Um  discurso  sobre  as 
Ciências na transição para uma ciência pós‐moderna, faz referência direta a 
obra  de  Rousseau,  questionando  a  validade  da  sociedade 
tecnocientífica.  
 
“Estamos  de  novo  regressados  à  necessidade  de  perguntar  pelas  relações 
entre  a  ciência  e  a  virtude,  pelo  valor  do  conhecimento  dito  ordinário  ou 
vulgar  que  nós,  sujeitos  individuais  ou  coletivos,  criamos  e  usamos  para 
dar  sentido  às  nossas  práticas  e  que  a  ciência  teima  em  considerar 
irrelevante, ilusório e falso; e temos finalmente de perguntar pelo papel de 
todo  o  conhecimento  científico  acumulado  no  enriquecimento  ou  no 

  425
empobrecimento prático das nossas vidas, ou seja, pelo contributo positivo 
ou negativo da ciência para a nossa felicidade”. (SANTOS, 1988, p.47).  
 
O  motivo  da  retomada  ao  texto  iluminista  se  caracteriza  pelo 
medo confesso de Santos, que no ano de 1988 afirmava que “através 
de uma reflexão mais rigorosa dos limites científicos combinada com 
os perigos cada vez mais verossímeis de catástrofes ecológicas ou de 
guerras  nucleares,  provocam  o  temor  de  que  o  século  XXI  termine 
antes mesmo de começar” (SANTOS, 1988, p.46). Essa visão de temor 
sobre o desenvolvimento da ciência também fica claro no discurso de 
Rousseau,  que  afirma  metaforicamente  que  “a  natureza  nos  quis 
preservar  da  ciência,  assim  como  a  mãe  que  arrebata  uma  arma 
perigosa  das  mãos  do  seu  filho;  que  todos  os  segredos  que  ela  vos 
esconde são tantos males dos quais vos preserva e que a dificuldade 
que  encontrais  em  vos  instruir  não  é  o  menor  de  seus  benefícios” 
(ROUSSEAU, 2005, [1749], p. 22).  
Frente  a  esses  perigos  gerados  pela  tecnociência,  Feenberg  (2003) 
coloca  outro  ponto  na  discussão,  que  é  exatamente  o  questionamento 
sobre  o  sentido  da  evolução  tecnológica.  De  acordo  com  o  autor, 
atualmente vive‐se numa crise da qual parece não existir fuga: a ciência 
e a tecnologia dotaram o homem de grande poder instrumental que o 
faz acreditar que pode alcançar o desenvolvimento, mesmo sem saber o 
porquê,  a  direção  e  o  significado  desse  “desenvolvimento.  “Mas 
quando  o  século  XX  avança  das  guerras  mundiais  para  os  campos  de 
concentração   e   para  catástrofes  ambientais,  fica  mais  difícil  ignorar  a 
estranha falta de sentido da modernidade” (FEENBERG, 2003, p. 145). 
Tal  falta  de  sentido  entra  em  consonância  com  o  sentimento  de 
Rousseau. A corrupção dos valores morais gerados pela ascendência do 
iluminismo  era  vista  pelo  autor  como  a  principal  causa  da  perda  da 
essência do ser‐humano. Nesse sentido o autor genebrino descreveu um 
ideal  humano,  que  era  justamente  aquele  homem  inserido  no  meio 
natural,  livre  de  qualquer  influência  do  mundo  das  letras.  Feenberg 
(2003) caracteriza essa perda da essência cultural ao afirmar que, “uma 
vez  que  uma  sociedade  assuma  o  caminho  do  desenvolvimento 
tecnológico   será  transformada  inexoravelmente  em  uma  sociedade 
tecnológica,  um  tipo  específico  de  sociedade  dedicada  a  valores  tais 

426  
como  a  eficiência  e  o  poder.  Os  valores  tradicionais  não  podem 
sobreviver ao desafio da tecnologia”. (FEENBERG, 2003, p.151). 
Na  segunda  parte  do  discurso  de  Rousseau,  encontramos  uma 
referência  muito  importante  no  que  concerne  aos  perigos  da 
investigação  e  aplicação  científica  desenfreada.  Rousseau  questiona: 
“Quantos perigos! quantas falsas estradas, na investigação das ciências? 
Por quantos erros, mil vezes mais perigosos do que a verdade, não será 
útil,  não  será  preciso  passar  para  alcançá‐la?”  Mais  adiante  o  autor 
completa: “Se nossas ciências são vãs no objetivo a que se propõem, são 
mais perigosas ainda pelos efeitos que produzem” (ROUSSEAU, 2005, 
p.26)  Nessa  linha  de  pensamento,  Feenberg  (2003)  conclui:  “O  efeito 
geral  desse  processo  é  a  destruição  do  homem  e  da  natureza.  Um 
mundo “estruturado” pela tecnologia é radicalmente alienado e hostil”. 
O  autor  contemporâneo  vai  ainda  mais  longe,  ao  afirmar  que  a  razão 
tecnocientífica  só  demonstra  compromisso  com  o  desenvolvimento 
técnico. “Nenhuma finalidade está implícita na tecnologia moderna. A 
razão técnica moderna visa à classificação, a quantificação e o controle. 
Ela reconhece apenas a experiência empírica como real. A tensão entre a 
verdade e a mentira levada para além do empírico não tem significado 
algum para ela”. (FEENBERG, 2003, p.289) 
A  sociedade  do  consumo  desenfreado,  típica  do  modelo 
capitalista  desencadeado  pelo  desenvolvimento  tecnológico  da 
revolução industrial também foi retratada por Rousseau, mesmo antes 
dela se constituir genuinamente. Ou se referir à corrupção da virtude, 
o autor afirma: “O que será da virtude, quando for preciso enriquecer 
a  qualquer  custo?  Os  antigos  políticos  falavam  incessantemente  de 
costumes e de virtude; os nossos só falam de comércio e de dinheiro”. 
(ROUSSEAU,  [1749],  2005,  p.28)  Feenberg  afirma:  “O  “maestro” 
moderno  exemplar  da  tecnologia  é  o  empreiteiro  que  focaliza  com 
ideia  fixa  apenas  a  produção  e  o  lucro.  O  empreiteiro  é  uma 
plataforma  radicalmente  descontextualizada  para  a  ação,  sem  as 
responsabilidades  tradicionais  para  com  as  pessoas  e  lugares 
envolvidos com a força técnica no passado” (FEENBERG, 2003, p.94). 
Assim  como  Rousseau,  que  acreditava  no  valor  intrínseco  dos 
costumes rústicos e naturais, Santos (1988) defende que o senso comum, 
ou  seja,  o  conhecimento  resultante  da  utilização  espontânea  da  razão, 

  427
consegue  contemplar  a  causa  e  a  intenção  do  agir  humano,  ao  passo 
que  na  ciência,  “a  determinação  da  causa  formal  obtém‐se  com  a 
expulsão  da  intenção”.  Nesse  caso  compreende‐se  uma  crítica  ao 
formalismo da ciência moderna, que se coloca acima de qualquer outro 
tipo  de  conhecimento.  Para  Santos  (2008)  a  ciência  moderna  conhece 
mal  os  limites  do  que  é  permitido  se  conhecer  da  experiência  do 
mundo, e conhece ainda menos os outros tipos de saberes.  Ao elaborar 
seu conceito de ecologia dos saberes, Santos propõe uma aproximação do 
conhecimento  científico/acadêmico,  com  o  conhecimento  popular, 
muito  valorizado  por  Rousseau.  Santos  (2005,  p.76)  afirma  que,  “a 
ecologia  de  saberes  é,  por  assim  dizer,  uma  forma  de  extensão  ao 
contrário,  de  fora  da  universidade  para  dentro  da  universidade. 
Consiste  na  promoção  de  diálogos  entre  o  saber  científico  ou 
humanístico,  que  a  universidade  produz  e,  saberes  leigos,  populares, 
tradicionais, urbanos, camponeses [...] que circulam na sociedade”. 
Finalmente,  um  ponto  onde  podemos  encontrar  referências  de 
Rousseau  no  pensamento  da  filosofia  moderna  é  sobre  a  postura 
arrogante  do  cientista,  que  se  coloca  em  posição  elevada  diante 
daqueles  que  não  tiveram  chance  de  contemplar  suas  verdades.  Nas 
palavras  de  Rousseau,  “esses  declamadores  vãos  e  fúteis  andam  por 
toda  a  parte,  armados  com  seus  funestos  paradoxos;  solapam  os 
fundamentos  da  lei  e  aniquilam  a  virtude.  Sorriem  com  desdém  das 
antigas  palavras  pátria  e  religião  e  consagram  seus  talentos  e  sua 
filosofia  a  destruir  e  aviltar  tudo  quanto  há  de  sagrado  entre  os 
homens”  (ROUSSEAU,  [1749],  2005,  p.27).  Santos  evidencia  esse 
pensamento:  “Esta  preocupação  em  testemunhar  uma  ruptura 
fundante  que  possibilita  uma  e  só  uma  forma  de  conhecimento 
verdadeiro está bem patente na atitude mental dos protagonistas, no 
seu espanto perante as próprias descobertas e a extrema e ao mesmo 
tempo  serena  arrogância  com  que  se  medem  com  os  seus 
contemporâneos” (SANTOS, 1988, p. 48).  
 
Considerações finais 
 
O primeiro discurso de Rousseau foi recebido com surpresa pelos 
intelectuais  de  sua  época,  em  especial,  aqueles  que  integravam  a 

428  
academia de Dijon. Sua visão crítica da sociedade repercutiu ao ponto 
de  deixá‐lo  famoso,  o  que  foi  fundamental  para  que  continuasse  a 
escrever  sua  notória  obra  sobre  política  e  filosofia,  sagrando‐se  um 
dos  principais  pensadores  da  modernidade.  Sua  contribuição  para  a 
crítica  do  atual  modelo  de  sociedade  tecnológica  é  evidente  e 
contundente,  mostrando  o  quão  atento  estava  sobre  os  rumos  do 
iluminismo,  movimento  que  era  considerado  pelo  autor  como 
hipócrita e degenerador dos costumes humanos. Mais de 260 anos se 
passaram  depois  da  apresentação  de  seu  discurso,  e  suas  idéias 
continuam  ecoando  nas  teses  de  vários  autores  contemporâneos  que 
preocupam‐se com as controvérsias tecnocientíficas, como é o caso de 
Boaventura de Sousa Santos e Andrew Feenberg. O que ficou evidente 
é que existem perigos no desenvolvimento cientifico, que na época de 
Rousseau  eram  tão  somente  de  caráter  moral,  mas  que  atualmente 
podem  corromper  não  somente  a  dignidade  humana,  mas  também 
sua  existência  plena  e  segura.  Ao  que  parece  o  alerta  foi  dado,  mas 
soou baixo aos ouvidos dos homens ávidos por progresso e riqueza.  
 
 
 
Referências 
 
 
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  429
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  431
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Livro: 
Tamanho: 14,8 x 21 
Fonte: Palotino Linotype 
Tamanho da Fonte: 10 e 9 
Quantidade de livros: 300 
 
 
 
Impresso no Departamento Gráfico da UFSCar 
Para os alunos do CTS 
Dezembro de 2010 

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