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Профессиональный Документы
Культура Документы
ISBN 978-85-5697-925-4
EVANDRO DOS SANTOS
HELDER ALEXANDRE MEDEIROS DE MACEDO
JAILMA MARIA DE LIMA
MARIA ALDA JANA DANTAS DE MEDEIROS
MATHEUS BARBOSA SANTOS
(organizadores)
ISBN 978-85-5697-925-4
CAICÓ
2019
SUMÁRIO
O EVENTO
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................................................................... 4
EQUIPE ORGANIZADORA DO EVENTO ..................................................................................................................................... 5
PROGRAMAÇÃO............................................................................................................................................................................................. 7
MESAS REDONDAS .................................................................................................................................................................................. 10
SIMPÓSIOS TEMÁTICOS ....................................................................................................................................................................... 17
MINI CURSOS .................................................................................................................................................................................................27
APRESENTAÇÃO
O VIII Encontro Estadual de História da ANPUH-RN teve como tema A História e o
futuro da Educação no Brasil, seguindo a orientação da temática aprovada na última
Assembleia Geral da ANPUH-Brasil, que teve lugar em Brasília, durante o XXIX Simpósio
Nacional de História, realizado no mês de julho do corrente ano.
O evento foi realizado no Campus de Caicó, do Centro de Ensino Superior do Seridó
(CERES), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no período de 03 a 06 de
julho de 2018, conjuntamente com a XIV Semana de Estudos Históricos do CERES, seguindo
a dinâmica de parceria da ANPUH-RN com as instituições de ensino superior que sediam os
encontros estaduais.
A programação, composta de conferências, mesas redondas, minicursos e simpósios
temáticos, ofereceu um panorama de discussões sobre as questões que envolvem a relação
entre História e Educação nos dias de hoje. Os anais aqui publicados condensam os textos
completos dos trabalhos apresentados em simpósios temáticos, cuja responsabilidade pela
ortografia, redação e opinião são de completa responsabilidade dos respectivXs autorXs.
Os organizadores
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COMISSÃO ORGANIZADORA
Prof. Abrahão Sanderson Nunes Fernandes da Silva – CERES-UFRN
Prof. Evandro dos Santos – CERES-UFRN – Diretoria ANPUH 2016-2018
Prof. Helder Alexandre M. de Macedo – CERES-UFRN – Diretoria ANPUH 2016-2018
Prof. Marcílio Lima Falcão – UERN -Mossoró – Diretoria ANPUH 2016-2018
Prof. Mariano de Azevedo Júnior – UnP-Natal – Diretoria ANPUH 2016-2018
Prof. Rosenilson da Silva Santos – UERN-Assu – Diretoria ANPUH 2016-2018
Prof. Thiago Alves Dias – CERES-UFRN
Prof.ª Adriana Cristina da Silva Patrício – SEEC/RN – Diretoria ANPUH 2016-2018
Prof.ª Airan dos Santos Borges – CERES-UFRN
Prof.ª Andreza de Oliveira Andrade – UERN-Assu – Diretoria ANPUH 2016-2018
Prof.ª Carmen Margarida Oliveira Alveal – CCHLA-UFRN – Diretoria ANPUH 2016-2018
Prof.ª Jailma Maria de Lima – CERES-UFRN – Diretoria ANPUH 2016-2018
Prof.ª Juciene Batista Félix Andrade – CERES-UFRN
Prof.ª Lívia Brenda Silva Barbosa – Diretoria ANPUH 2016-2018
Prof.ª Sarah Luna de Oliveira – CERES-UFRN
COMISSÃO CIENTÍFICA
Prof. Almir Félix Batista de Oliveira – PPGTUR/UFRN
Prof. André Victor Cavalcanti Seal da Cunha – UERN
Prof. Arthur Luís de Oliveira Torquato – IFRN
Prof. Arthur Rodrigues Fabrício
Prof. Carlos Eduardo Martins Torcato – UERN
Prof. Evandro dos Santos – UFRN
Prof. Francisco Fabiano de Freitas Mendes – UERN
Prof. Genilson de Azevedo Farias – PPGCS/UFRN
Prof. Haroldo Loguercio Carvalho – UFRN
Prof. Helder Alexandre M. de Macedo – UFRN
Prof. João Fernando Barreto de Brito – PPGH/UFRJ
Prof. Joel Carlos de Souza Andrade – UFRN
Prof. Lemuel Rodrigues da Silva – UERN
Prof. Lígio José de Oliveira Maia – UFRN
Prof. Lindercy Francisco Tomé de Souza Lins – UERN
Prof. Lourival Andrade Junior – UFRN
Prof. Marcílio de Lima Falcão – UERN
Prof. Marcondes Alexandre da Silva
Prof. Mariano de Azevedo Júnior – UnP
Prof. Paulo Rikardo Pereira Fonseca da Cunha – IFRN
Prof. Paulo Vitor Sauerbronn Airaghi
Prof. Rafael Oliveira da Silva – Rede Privada de Ensino Básico – Natal/RN
Prof. Renato Amado Peixoto –UFRN
Prof. Rodrigo Ceballos – UFCG
Prof. Rosenilson da Silva Santos – UERN
Prof. Ruan Kleberson Pereira da Silva
Prof. Thiago Alves Dias –UFRN
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APOIO TÉCNICO
Gabriel Barreto – Secretaria
Joás Jones de Sousa Medeiros – Suporte de Informática
Lucas Thiago Araújo de Medeiros – Secretaria
Maria Alda Jana Dantas de Medeiros – Secretaria
Matheus Barbosa Santos – Secretaria
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PROGRAMAÇÃO
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MESAS REDONDAS
EXPOSITORES
Andre Victor Cavalcanti Seal da Cunha - Professor do DEHIS-UERN – Mossoró
Carlos Eduardo Martins Torcato - Professor do DEHIS-UERN – Mossoró
Adriana Gomes - Professora de História da SEEDU/RJ
MODERAÇÃO
Prof.ª Lívia Brenda Silva Barbosa - UERN
EMENTA
A história da religião e das práticas religiosas tem uma trajetória bastante consolidada no
campo da historiografia brasileira, com Grupo de Trabalho (GT) funcionando em âmbito
nacional, revistas científicas temáticas (Revista Brasileira de História das Religiões) e
eventos internacionais próprios. É no interior desse grande campo que essa Mesa Redonda
se insere, buscando trazer ao público perspectivas diversificadas e inovadoras, em um
contexto de perplexidade com o avanço do fundamentalismo religioso e o desafio que ele
impõe ao estado laico e democrático. O debate inicia com a Profª Drª Adriana Gomes, que
apresentará uma reflexão sobre a relação do judiciário com as religiosidades proibidas no
Código Penal de 1890, particularmente, a praxis espírita. A atuação do juiz Francisco José
Viveiros de Castro, ligado à Escola Positiva do Direito, foi importante na legitimação do
Espiritismo como uma prática religiosa no Brasil. O Profº. Drº André Victor Cavalcanti Seal
da Cunha seguirá debatendo a legitimação do Espiritismo no Brasil, porém através da
exposição da trajetória do médico cearense Adolfo Bezerra de Menezes. As suas doutrinas,
apresentadas na forma de romances, procuraram criar uma configuração religiosa particular
para o Espiritismo kardequiano, um Espiritismo à Brasileira com fortes tonalidades
terapêuticas. A relação do espiritismo com a justiça e sua construção social em busca de
legitimidade social será comparada com outro fenômeno religioso tipicamente brasileiro: as
religiões cristãs ayahusqueiras, também conhecidas como religião do Santo Daime. O Profº
Drº Carlos Eduardo Martins Torcato fará uma comparação com o caso espírita, mostrando
que essa religião passou por um período de perseguição pelo Estado, pois ela era
considerada uma prática religiosa heterodoxa indesejada para a nação. Gradativamente,
entretanto, passou por um processo de legitimação que desafiou a política de guerra às
drogas no seu auge, tornando-se um caso original de culto com uso de enteógenos
legalizado; hoje esse culto se expande para o mundo inteiro, muito devido às suas
potencialidades terapêuticas.
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EXPOSITORES
Raimundo Pereira Alencar Arrais - Professor do DEHIS-CCHLA e PPGH-UFRN
Bruno Balbino Aires da Costa - Professor do IFRN
Durval Muniz de Albuquerque Junior - Professor do DEHIS-CCHLA e PPGH-UFRN
MODERAÇÃO
Prof. Evandro dos Santos - UFRN
EMENTA
Esta mesa se propõe refletir e debater a produção historiográfica do Rio Grande do Norte
nas primeiras décadas do século XX, a partir de três eixos: a produção do Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte (fundado em 1902), as obras de natureza historiográfica
de Luís da Câmara Cascudo e a produção historiográfica local voltada especificamente para
o tema da cidade. Nas primeiras décadas do século XX, as oligarquias estaduais investiram
na formulação de uma memória norte-rio-grandense, associando essa memória à construção
de projetos identitários, procurando definir um lugar para a unidade federativa Rio Grande
do Norte dentro de uma memória histórica nacional. Para tanto, adotaram as estratégias
seguintes, sobre as quais voltaremos nossa análise: a escrita da história, a comemoração e a
biografia. O gênero biográfico foi praticado, entre os anos 1927 e 1938, também por Luís da
Câmara Cascudo, que buscou inspiração no modelo de historiografia estabelecido pelo
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, elegendo como personagens principais algumas
figuras que tiveram proeminência na história do Império brasileiro. Nesse sentido, dois
aspectos das biografias elaboradas por Cascudo requerem uma reflexão: a estratégia que
consistia em explorar o gênero biográfico como caminho para a compreensão de épocas
históricas e a visão saudosista que ele revela ao longo de suas obras. No cruzamento dessas
linhas – as demandas dos grupos dominantes locais, as circunstâncias históricas concretas
dentro das quais os historiadores produziram suas obras, os imperativos de construção da
memória e os modelos teóricos e metodológicos disponíveis para servir ao trabalho do
historiador – pode-se perceber o lugar secundário que a produção historiográfica local
reservou à cidade, os limites e as possibilidades locais para o estudo do passado da cidade,
em perspectiva histórica, sem que a cidade fosse absorvida por uma história política ou por
uma história administrativa.
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EXPOSITORAS
Aryana Lima Costa - Professora do DEHIS-UERN – Mossoró
Juliana Alves de Andrade - Professora do DE/UFRPE
Margarida Maria Dias de Oliveira - Professora do DEHIS-CCHLA e PPGH-UFRN
MODERAÇÃO
Prof. Mariano de Azevedo Júnior - UnP
EMENTA
Diante das atuais circunstâncias sociais e políticas que desafiam a atuação dos historiadores
no país, os debates desta mesa pretendem tomar a formação de professores como pretexto
para pensar os caminhos pelos quais a História atualmente praticada pode responder às
demandas que se colocam diante da categoria de seus profissionais. Isto se traduz em uma
discussão referente a como pensamos a história de nossa própria formação e no valor que a
sala de aula universitária pode agregar à história da historiografia assim como a questões
mais diretas com o tempo presente, como a formulação de políticas públicas que considerem
uma integralidade entre educação básica e superior e a responsabilidade incontornável da
universidade perante a sociedade, o que demanda um cuidado constante com a atualidade e
a relevância das práticas de formação. Abarcando diferentes temporalidades, e passando por
áreas como currículo, relação escola/universidade, novas tecnologias e desafios da
profissão, pretende-se utilizar esse espaço para congregar reflexões – da mesa e do público
em geral – sobre o que se espera e o que é possível de ser feito pelos profissionais de
História.
EXPOSITORES
Lígio José de Oliveira Maia - Professor do DEHIS-CCHLA e PPGH-UFRN
Edson Hely Silva - Professor do DEHIS-UFPE
Prof. José Pereira de Souza Júnior – UFRN
EMENTA
Desde a homologação das Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008, as escolas públicas e privadas
de Educação Básica no Brasil, são obrigadas a implantar e promover o estudo da História e
Cultura afro-brasileira e indígena. Entretanto, o desconhecimento ou mesmo a rejeição
destes dispositivos legais, inclusive, por parte dos docentes, tem dificultado sua efetivação.
Muitos são os desafios apresentados quanto à inclusão dos temas da história e cultura afro-
brasileiras e da história e culturas indígenas nos currículos escolares, ainda mais quando se
constata a pouca produção de material didático específico (livros didático e paradidático,
vídeos, jogos etc.) coerente às diferenças étnico-raciais visíveis na atualidade, como também
a escassez de cursos de formação continuada para professores das redes estadual e
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municipal quanto a essas mesmas demandas. Assim, o objetivo desta Mesa é apresentar
reflexões de experientes professores/pesquisadores que vêm discutindo a relação entre
Ensino e Pesquisa quanto aos temas da história indígena e história afro-brasileira, tanto em
suas pesquisas acadêmicas quanto em distintos materiais didáticos e metodologias de
ensino. Com isso, espera-se a ampliação do debate quanto à efetivação das Leis nº
10.639/2003 e nº 11.645/2008 e os desafios que envolvem a compreensão ética e científica
dessas importantes conquistas dos diversos grupos étnicos no Brasil. Esta Mesa é uma
proposta do GT – Índios na História, criado no último encontro estadual da ANPUH-RN, em
2016.
EXPOSITORES
Almir Félix Batista de Oliveira - Pós-doutorando – PPGTUR/UFRN
Roberto Airon Silva – Professor do DEHIS-CCHLA-UFRN
MODERAÇÃO
Prof. Thiago Alves Dias - UFRN
EMENTA
Essa proposta de mesa redonda tem por objetivo discutir o papel do Patrimônio Cultural
como objeto de pesquisa que interconecta diferentes áreas de pesquisa como a História, a
Geologia e o Turismo. A temática do Patrimônio Cultural ganhou bastante relevância em fins
do século passado e início desse, constituindo se não como um campo consolidado de
pesquisa, em rápido processo de consolidação e para comprovarmos isso basta uma simples
pesquisa nos Bancos de Teses e Dissertação de algumas universidades brasileiras ou o da
própria CAPES para encontrarmos os mais diversos trabalhos abordando a temática. Em
termos da área de História a existência de um Grupo de Trabalho (GT) Nacional tratando
desse assunto e observando as suas diversas singularidades, assim como os diversos STs
participantes dos últimos Simpósios Nacionais da ANPUH-BR demonstram também a
importância do mesmo. Nesse sentido gostaríamos de propor a mesa composta pelo
professor Dr. Almir Félix Batista de Oliveira, pelo Prof. Dr. Marcos Antônio Leite do
Nascimento e pelo Prof. José da Paz Dantas.
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EXPOSITORES
Helder Alexandre Medeiros de Macedo – Professor do DHC-CERES
Ricardo Alexandre Santos de Sousa – Professor do DEHIS-UESB
Evandro dos Santos – Professor do DHC-CERES-UFRN
MODERAÇÃO
Joel Carlos de Souza Andrade – Professor do DHC-CERES-UFRN
EMENTA
A categoria sertão presta-se fundamentalmente ao exame da diferença. Entendido como
lugar (habitado ou não), em sentido espacial ou histórico, o sertão, como visto anteriormente,
foi constantemente algo dito para o Outro. Neste sentido, e por diversos aspectos e
desdobramentos de sua obra, François Hartog é referência preponderante na estruturação
teórica desta área de concentração em especial. Em O espelho de Heródoto, publicado
originalmente em 1980, o historiador francês afirma: “dizer o outro é enuncia-lo como
diferente – é enunciar que há dois termos, a e b, e que a não é b. Por exemplo: existem gregos
e não-gregos. Mas a diferença não se torna interessante senão a partir do momento em que
a e b entram num mesmo sistema” (HARTOG, 1999, p. 229). Em seu estudo sobre a clássica
obra de Heródoto, Hartog constrói uma importante reflexão que leva em conta a
antropologia histórica, o que seguramente permite sua apropriação para outros objetos,
temáticas e áreas. Em diferentes contextos históricos e historiográficos, o sertão foi dito e
visto como o Outro. Na língua do Estado ou dos conquistadores diversos, o não conhecido, o
não verificado, o não dominado era chamado de “sertões”. Não há dúvida de que a partir do
momento em que se radicalizaram as diferenças, sobremaneira, com as grandes navegações
e a conquista política das Américas, da África e da Ásia pelos portugueses, cada vez mais a
categoria “sertões” passou a compor certo sistema, na adaptação moderna, entre o
submetido ao poder dos Estados absolutistas ou, posteriormente, grandes potências, e o que
a eles escapava de alguma forma. A mesa redonda proposta, pois, radica na discussão de
diferentes pontos de vista sobre a categoria sertão, tomando como referência os lugares de
colonização lusófona.
EXPOSITORES
Lourival Andrade Júnior – Professor do DHC-CERES-UFRN
Vanda Fortuna Serafim – Professora do DEHIS-UEM
Ane Luise Silva Mecenas Santos – Doutora em História – UNISINOS
EMENTA
Esta mesa redonda propõe a discussão sobre as religiões e religiosidades que possibilitaram
a formação de um Brasil diverso, em que as manifestações das crenças se tornaram híbridas
e se amalgamaram na cultura brasileira. Mesmo a religião oficial do Estado, o catolicismo
romano, precisou se adaptar as condições humanas que se constituíram no país, com a
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chegada de negros vindos de diversas partes da África, sobretudo sulsaariana, mas também
necessitou entender o panteão de indígenas que aqui já habitavam. É neste turbilhão de
gestos, ritos e liturgias que surgiram religiões brasileiras e/ou afro-brasileiras, entre elas os
Candomblés, as Umbandas e os catolicismos em suas diversas modalidade, tanto oficiais
como não oficiais. É neste contexto que novos paradigmas surgiram e num momento de
tanta intolerância é necessário a discussão da historicidade destas práticas e suas dinâmicas
de ressignificações e resistências.
EXPOSITORES
Thiago Alves Dias – Professor do DHC-CERES-UFRN
Rodrigo Ricupero – Professor do DEHIS-USP
Gustavo Acioli Lopes – Professor do DEHIS-UFRPE
MODERAÇÃO
Carmen Margarida Oliveira Alveal – Professora do DEHIS-CCHLA e PPGH-UFRN
EMENTA
Relevante dimensão da produção historiográfica brasileira, a história econômica do período
colonial têm se renovado nos últimos anos ao ter alargado seu espoco de investigação,
notadamente, no que concerne sua aproximação com a história conectada, a nova história
política e dos poderes, a história cultural, a história atlântica e mais recentemente, com as
perspectivas da história dita global. Em que pese a insistente dicotomização entre modelos
e possíveis ‘escolas’ tão propaladas nos últimos 10 anos na historiografia brasileira, fato é
que os estudos sobre a colonização europeia e seus impactos na formação dos estados
nacionais em nível mundial, sobretudo, nas Américas e em África, continua sendo pauta de
debate e com grande vigor teórico de análise, como vem sendo demonstrando, por exemplo,
nos recentes trabalhos de historiadores econômicos como Kenneth Pomeranz, Sven Beckert
ou Thomas Pikkety. Essa mesa visa apresentar debates atualizados no campo da história
econômica, tendo como foco os fatos e processos concernentes a expansão e as experiências
colonizadoras ibero-americanas, entre o início da Era Moderna e a Era das Revoluções.
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EXPOSITORES
Marcia Severina Vasques – Professora do DEHIS-CCHLA e PPGH-UFRN
Lyvia Vasconcelos Baptista – Professora do DEHIS-CCHLA e PPGH-UFRN
Airan dos Santos Borges – Professora do DHC-CERES-UFRN
Regina Maria da Cunha Bustamante – Professora do Instituto de História da UFRJ
EMENTA
O profissional da área de História Antiga, assim como o de outras áreas do conhecimento
histórico, tem discutido e aprimorado a sua atuação com vistas à melhoria do ensino, em seus
vários níveis, Fundamental, Médio e Superior, levando para a sala de aula as mais recentes
discussões conceituais e novas metodologias de ensino-aprendizagem. Entre a discussão
conceitual podemos citar a valorização do outro, pelo princípio da alteridade, temática em
voga nas Ciências Humanas e também no campo da Antiguidade. Quando estudamos, por
exemplo, categorias como bárbaros e não bárbaros (gregos ou romanos), trazemos o
discurso clássico para debate no mundo contemporâneo, fonte de onde bebeu a elite
intelectual do País (seja na época colonial, imperial ou republicana) e, durante um
considerável período de nossa história, os donos do poder. A percepção da alteridade, no
sentido de reconhecimento da existência de múltiplas experiências humanas que existiram
em várias partes do mundo, serve também para o enriquecimento intelectual dos alunos e
para o conhecimento da natureza e culturas humanas, tão diversas e ricas em seus vários
momentos históricos. Além de gregos e romanos, formadores do pensamento europeu,
dialogamos também com as experiências do Oriente e da África, áreas de intenso contato no
Mediterrâneo Antigo. Hoje sabemos que elementos mesopotâmicos estão presentes nos
poemas de Homero, que dialoga com a Epopeia de Gilgamesh, e que elementos que
encontramos nos escritos judaico-cristãos, base da religião cristã predominante no Brasil, já
estavam presentes também (ou mesmo anteriormente) na cultura suméria. Estes são apenas
alguns exemplos de nossa conexão com o mundo antigo. Em relação ao ensino-
aprendizagem novas formas de abordagem têm sido utilizadas, como a discussão da questão
de patrimônio (brasileiro e internacional), o uso de jogos didáticos em sala de aula e as novas
tecnologias midiáticas e o seu papel na educação do futuro. Estes são alguns dos elementos
que propomos debater e discutir na mesa-redonda.
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SIMPÓSIOS TEMÁTICOS
COORDENADORES
Aliny Dayany Pereira de Medeiros Pranto – SME/Parnamirim e SEEC/RN
Rafael Oliveira da Silva – Professor da rede privada de ensino básico e superior em Natal
RESUMO
Nas últimas décadas a história oral/audiovisual tem se expandido e ajudado a consolidar
pesquisas sobre o tempo presente. O trabalho com entrevistas, relatos de vida, dentre
outros, tem atingido não somente os historiadores, como também profissionais, acadêmicos
ou não, de outras áreas, o que aponta para o caráter interdisciplinar da fonte oral/audiovisual.
Essa tendência possivelmente se tornará cada vez mais evidente, já que estamos inseridos
em uma sociedade marcada pela comunicação imagética e pelas mensagens de áudio através
das redes sociais. Por isso mesmo, as produções de entrevistas com audiovisuais vêm se
tornando mais recorrentes e têm passado a compor importante fonte histórica. Diante disso,
nosso objetivo é reunir pesquisadores que vêm realizando pesquisas acadêmicas com
história oral/audiovisual, a fim de trocar experiências e discutir técnicas e formas de
abordagem diversificadas ao trabalhar a fonte oral/audiovisual.
COORDENADORES
Genilson de Azevedo Farias – Doutorando – PPGCS/UFRN
Maiara Juliana Gonçalves da Silva – Professora da EJA/UFRN
RESUMO
O presente simpósio temático tem como proposta reunir pesquisadoras e pesquisadores
dedicados aos estudos sobre mulheres promovendo um intercâmbio intelectual a partir de
diferentes e múltiplas perspectivas que envolvam a temática em suas mais variadas
temporalidades e fontes. Entendemos como História das Mulheres, não apenas as histórias
delas, mas também aquela da família, da criança, do trabalho, da mídia, da educação, da
imprensa, da literatura, do seu corpo, da sua sexualidade, da violência (que sofreram e que
praticaram), da sua luta, da sua conquista, da sua trajetória de emancipação, do feminismo,
dos seus sentimentos, dos seus amores, de seu cotidiano, de seus múltiplos extratos sociais
e das suas relações com os homens, reafirmando a ideia de que “escrever sobre a história
das mulheres é sair do silêncio em que elas estavam (estão) confinadas” (PERROT, 2015).
Por isso, convidamos todas e todos interessados a compartilharem suas produções sobre o
campo de pesquisa.
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COORDENADORES
Haroldo Loguercio Carvalho – Professor do DEHIS-CCHLA e PPGEH-UFRN
Vanessa Spinosa – Professora do DHC-CERES e PPGEH-UFRN
RESUMO
O PROFHISTÓRIA busca a formação continuada de professores de História voltados para a
inovação na sala de aula, ao mesmo tempo em que, de forma crítica e responsável, possam
refletir acerca de questões relevantes sobre diferentes usos da informação de natureza
histórica presentes contemporaneamente na sociedade. Nesse sentido, a proposta deste
Simpósio Temático é o de recepcionar pesquisas em andamento, dentro da perspectiva de
refletir sobre as práticas docentes no ambiente escolar. O interesse é o de discutir sobre
investigações em diversos níveis (graduação e pós-graduação) que tenham como objetivo
desenvolver estratégias com aplicação direta na Educação Básica, como oficinas, cartilhas,
aplicativos, materiais didáticos, exposições, entre outros.
COORDENADOR
Lígio José de Oliveira Maia – Professor do DEHIS-CCHLA e PPGH-UFRN
RESUMO
Desde a década de 1990, especialmente no Brasil, as pesquisas relacionadas aos povos
indígenas têm priorizado enfoques interdisciplinares, em especial com os campos da
antropologia e ciências sociais, enfatizando a agência ou a perspectiva desses povos na
História. Mais recentemente, a partir de demandas legais (LDB, art. 26-A, Lei nº 11.645/03)
também têm sido exigido dos docentes – de escolas públicas e privadas da Educação Básica
– um conhecimento específico quanto ao ensino da História e da Cultura indígenas. O objetivo
geral deste simpósio é então promover um diálogo aberto tanto com
pesquisadores/professores de universidades quanto com professores das redes estadual e
municipal de Ensino, com relação aos temas da história indígena e do indigenismo ao longo
da história do Brasil, do período colonial aos dias atuais, cujos objetivos específicos são:
tornar conhecida as temáticas e as pesquisas desenvolvidas e/ou em desenvolvimento;
apontar os desafios inerentes à efetivação da Lei n. 11.645/08 e ainda promover uma
discussão coletiva dessas atuais demandas no Ensino e na Pesquisa, no âmago da história
indígena. Este simpósio é uma proposta do GT – Índios na História, criado no último encontro
estadual da ANPUH-RN, em 2016.
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COORDENADORES
Rodrigo Ceballos – Professor da UACS/CFP/UFCG
Thiago Alves Dias – Professor do DHC-CERES-UFRN
RESUMO
Entre os séculos XVI e XVIII, o império português passou por grandes mudanças estruturais
e de consolidação de suas conquistas, alternando períodos de maior e menor centralização,
influenciados pelo direcionamento econômico e político que a Coroa portuguesa e outros
agentes buscavam imprimir. O período de conquista foi marcado por muitas guerras e
alianças com as populações de indígenas, e que culminou no estabelecimento das primeiras
povoações, vilas e cidades, com modelos de construção, arquitetura e ordenamento
transplantados da Europa, porém adaptados à realidade colonial. Os religiosos, por sua vez,
por meio da catequização, buscaram cristianizar essas populações, que possuíam sua própria
lógica religiosa e que acabaram por reconstruir o catolicismo ao seu modo. Para consolidar
o seu controle em regiões distantes e separadas por oceanos, a Coroa portuguesa
transplantou uma série de instituições políticas, econômicas, sociais e religiosas, e de rituais
administrativos, que conferiam um sentido de unidade ao Império. Estas instituições tinham
um campo vasto de atuação dentro da sociedade, identificado como sua área de jurisdição.
Da mesma forma, as festas e celebrações religiosas contribuíam para a afirmação do
catolicismo e de uma uniformidade, desejada deste os primórdios do período de conquista. O
objetivo deste Simpósio Temático, portanto, é discutir temáticas relevantes para o estudo do
período colonial brasileiro, abrangendo diferentes aspectos da sociedade e a variedade de
agentes sociais envolvidos.
COORDENADORES
Evandro dos Santos – Professor do DHC-CERES-UFRN
Renato Amado Peixoto – Professor do DEHIS-CCHLA e PPGH-UFRN
RESUMO
Nosso Simpósio visa proporcionar o debate e a troca de experiências investigativas entre
pesquisadores da História dos Espaços, procurando integrar os recursos humanos de nosso
Grupo de Pesquisa com integrantes e egressos do Programa de Pós-Graduação em História
da UFRN, assim como reunir estudantes e professores que se dediquem a esse enforque nos
demais cursos de história do Rio Grande do Norte. Privilegiam-se os estudos que tenham
como foco as diversas formações espaciais e identitárias na escala do local, regional,
nacional ou internacional; a produção e fabricação dessas formações em instituições,
organizações ou por grupos de intelectuais; a teorização dessas relações e a sua
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COORDENADORES
Arthur Rodrigues Fabrício - Mestre em História – UFRN
Ruan Kleberson Pereira da Silva - Professor de História – SEEC/RN
RESUMO
Os estudos sobre o Mundo Antigo no âmbito da disciplina histórica têm despertado cada vez
mais interesse, tanto em nível nacional, quanto regional. No Rio Grande do Norte há um
crescente número de pesquisas sendo realizadas, nos mais diversos recortes e temáticas.
Neste sentido, compreendendo a importância dos espaços de debate e cooperação
acadêmica, este simpósio temático tem como objetivo reunir jovens pesquisadores e suas
produções, com o intuito de estimular a ampliação dos estudos na área, convidando-os a
refletir acerca das múltiplas relações que se estabelecem entre culturas e espaços de poder
nas sociedades do Mundo Antigo. Busca-se abarcar estudo sem torno da História da Cultura,
História Política, Cultura Material, História & Memória e História & Espaços, entre diversos
outros, que estejam voltados às Sociedades Antigas Orientais e Mediterrâneas, buscando
debater as representações, os valores, os conflitos, as espacialidades e as estruturas de
poder construídas em diferentes espacialidades e temporalidades, que relegaram ao
presente vestígios documentais advindos da Antiguidade que merecem e devem receber um
tratamento teórico-metodológico atento.
COORDENADORES
Lemuel Rodrigues da Silva - Professor do DEHIS-UERN – Mossoró
Marcílio Lima Falcão - Professor do DEHIS-UERN – Mossoró
RESUMO
Nos dias 17 e 18 de dezembro de 2013 foi realizado nas dependências da Universidade
Estadual do Ceará (UECE) em Fortaleza, o I Colóquio de História Política, cujo objetivo foi a
reativação do GT- História Política. Na ocasião foram apresentadas e debatidas pesquisas
relacionadas às novas abordagens e problematizações que colocam a política como um lugar
de gestão do social e do econômico (Rémond, 2010). Além disso, as aproximações com outros
campos do saber têm favorecido profícuas reflexões sobre os movimentos sociais e suas
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temporalidades no que diz respeito às relações de força entre os sujeitos envolvidos, bem
como a análise de permanências e rupturas que estes movimentos propiciaram. Assim, ao
estreitar fronteiras, este simpósio temático tem como finalidade ser um espaço para o
debate em torna da relação entre memória, oralidade e a história política, uma vez em que as
críticas e transformações pelas quais a história política passou desde a primeira metade do
século XX contribuíram para sua renovação teórico-metodológica fato que nos leva a indagar
sobre a importância da memória e da oralidade para os estudos voltados a história política.
Nesse sentido, buscam-se refletir sobre as instituições, intelectuais, trabalhadores, partidos
políticos, líderes políticos, discursos, eleições e revoluções que propiciem o crescimento e
divulgação dos estudos sobre o passado.
COORDENADORES
Andre Victor Cavalcanti Seal da Cunha – Professor do DEHIS-UERN – Mossoró
Carlos Eduardo Martins Torcato – Professor do DEHIS-UERN – Mossoró
RESUMO
Esse Simpósio Temático é um espaço que busca articular interlocuções sobre como as
diversas práticas de cura se apresentam na história do Brasil. Essas práticas podem assumir
diversas facetas, pois dialogam com as representações culturais sobre as doenças e as
enfermidades. O fenômeno da cura se relaciona às formas de percepção sobre os males que
atingem indivíduos e comunidades, podendo evocar desde apropriações da esfera do divino
e do sobrenatural até as explicações científicas. Partimos do pressuposto que a cura envolve
aspectos do mundo da cultura, da sociedade e da institucionalidade. Nesse sentido, é
interesse particular desse simpósio discutir aspectos da cultura que envolvem as
representações e práticas de curar. Teremos assim amplas possibilidades temáticas, tais
como: a cultura popular e sua relação com as formas institucionais e oficiais da medicina
erudita; a trajetória de doentes e de curandeiros; a formação de políticas públicas de saúde e
de saneamento; a formação e atuação das especialidades médicas, desde as que atuam
diretamente no corpo doente (tais como sangradores e cirurgiões), como as que curam a
mente (a exemplo da psiquiatria, da psicologia e da psicanálise); a utilização de remédios
populares; as práticas de cura relacionadas a diferentes matrizes religiosas; a história das
epidemias; dentre outros. O objetivo desse Simpósio Temático é congregar pesquisadores
de diferentes tendências temáticas e epistemológicas de forma a criar um perfil da pesquisa
histórica em saúde na região. Busca-se constituir um espaço coletivo de troca de saberes e
experiências de pesquisa.
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COORDENADORAS
Juliana Alves de Andrade – Professora do DE/UFRPE
Margarida Maria Dias de Oliveira – Professora do DEHIS-CCHLA e PPGH-UFRN
RESUMO
Este ST se propõe a ser um espaço para apresentações de trabalhos que versem sobre a
história do ensino de história e da educação como campos que se alimentam mutuamente;
de reflexões sobre as produções que constituem os campos da história da educação e do
ensino de história, de relatos de experiências no chão da escola que constituem elementos
importantes da formação de professores e de concepções de tecnologias (jogos, vídeos,
sequências didáticas, cartilhas, guias, blogs, sites etc.) que operam com informações e
produção de conhecimentos históricos. Entendemos que as relações entre as várias formas
de produção do conhecimento histórico e a reflexão sobre elas é condição para construirmos
alternativas viáveis, democráticas e acopladas as demandas e realidades brasileiras e dos
locais onde atuamos e que, sem a troca de conhecimentos sobre essas variadas formas,
sujeitos históricos, funções e usos da história, é provável que nos mantenhamos nas
dicotomias ensino x pesquisa; produção x transmissão; história x pedagogia; academia x
sociedade. Daí, entendermos a necessidade de construir este espaço que conclame
professores, pesquisadores, graduandos a envidarem o debate.
COORDENADORES
Paulo Rikardo Pereira Fonseca da Cunha – Professor do IFRN
Paulo Vitor Sauerbronn Airaghi – Mestre em História – UFRN
RESUMO
Este simpósio temático pretende agregar discussões sobre os estudos biográficos sobre
pessoas e/ou instituições. Serão aceitas tanto discussões que problematizem questões
teórico e metodológicas no tocante às biografias, quanto trabalhos centrados em trajetórias
de vida de indivíduos e/ou instituições, em suas interações com o mundo social. A biografia
se estabelece como um campo privilegiado para a análise do historiador, pois ela suscita o
debate sobre antigos e novos problemas do trabalho historiográfico: Qual a o papel do
indivíduo na história? Como se dão as relações entre os indivíduos e a sociedade? Qual a
importância das narrativas na construção do conhecimento histórico? O caráter criativo pode
estar presente no trabalho historiográfico? Quais as implicações metodológicas e teóricas
do uso de relatos memorialísticos e autobiográficos como fontes na produção de estudos
biográficos? A partir desses questionamentos, pode-se pensar que os indivíduos não são
inteiramente produtos, nem somente construtores da sociedade, eles estão em um
constante “vir a ser”, suas identidades se constituem em fluxos dinâmicos. Almeja-se que
esse simpósio se transforme em fórum propício para discussão de trabalhos voltados para
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COORDENADOR
Almir Félix Batista de Oliveira – Pós-doutorando – PPGTUR/UFRN
RESUMO
O presente simpósio temático tem por objetivo discutir o Patrimônio Cultural, tanto na sua
concepção material quanto imaterial, como um campo de pesquisa existente na fronteira ou
interconectando diversas áreas do conhecimento das ciências humanas, sociais e aplicadas.
Por esse motivo o simpósio aceitará trabalhos/pesquisas e experiências de sala de aula que
estejam sendo desenvolvidos em História, na Educação, na Antropologia, na Arquitetura, no
Turismo, na Geografia, nas Ciências Sociais, nas Políticas Públicas, na Biblioteconomia, na
Museologia, entre outras áreas, bem como nos Programas de Pós-Graduação Acadêmicos e
Profissionais das mesmas e que tenham o Patrimônio Cultural (material e imaterial), a
Educação Patrimonial como objeto central dos estudos.
COORDENADOR
Marcondes Alexandre da Silva - Professor de História – SEEC/RN
RESUMO
Este simpósio temático tem como proposta agregar pesquisadores que estudam a História
Política no Nordeste Republicano (1889 – 2018), por meio do estudo do poder, da cultura, da
memória, da imprensa e dos sujeitos sociais locais. Uma vez que, a imprensa vai ser um
sujeito social que irá contribuir para a construção de memórias locais. Almeja-se acrescentar,
além de historiadores, outros estudiosos das ciências humanas e sociais (geógrafos,
sociólogos e cientistas políticos) que tem pesquisas concluídas ou em andamento sobre
essas temáticas. Como também, estudos acerca das lembranças e os esquecimentos das
memórias silenciadas, vencidas, subterrâneas e manipuladas, vistas por meio da Nova
História Política, Social e Cultural. A partir de trabalhos que discutam o papel das famílias,
das parentelas, das oligar quias, das classes dos fazendeiros, dos industriais, dos
comerciantes, dos religiosos e alguns profissionais (médicos, farmacêuticos, advogados,
juízes, delegados), que expressam a força dos chefes políticos locais, ao personalizar o poder
ao assumir um cargo público em função do Estado, como se fosse proprietário do mesmo, no
qual, chega a convergir o público com o privado. Tais homens formam as elites locais,
regionais e até nacionais, a partir do poder econômico, jurídico, militar e simbólico. Assim,
esperam-se trabalhos que apresentem novas contribuições, a partir da criação dos espaços,
territórios e territorialidades, que são construídas e reconstruídas cotidianamente sobre
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essa região, a partir do repensar a história local ou regional, na qual, se faz necessário, para
se aprofundar e ampliar o estudo do político no Nordeste Republicano.
COORDENADORES
Mariano de Azevedo Júnior – Professor de História – UnP
Arthur Luís de Oliveira Torquato – Professor do IFRN
RESUMO
Há décadas que intelectuais das ciências humanas e sociais se preocupam com a veiculação
de conteúdos políticos nos meios de comunicação contemporâneos. Podemos exemplificar
mencionando alguns marcos desse tipo de pensamento: nas décadas de 1960 e 1970 com as
reflexões da teoria crítica da sociedade, da chamada Escola de Frankfurt; na década de 1980,
com os trabalhos de Raymond Williams, que partem da teoria marxista para as
preocupações com as ideologias embutidas, por exemplo, no conteúdo televisivo (“Políticas
do Modernismo”); e a partir dos anos 90 até aqui, as preocupações com as redes de
informações na era digital através da obra de Jurgen Habermas (teoria da ação comunicativa)
e Manuel Castells (“A sociedade em rede” / “O poder da comunicação”). Seguindo esse
importante legado, em uma sociedade que se denomina “da informação” cuja topologia,
digital, se constitui em diversas redes comunicacionais, sentimos a necessidade de
problematizar qual é o papel das diversas mídias na construção do espaço público
conscientemente democrático. Como se dá a relação entre a coisa pública e o capital privado
na gestão da comunicação social? – esse é um dos questionamentos centrais que devemos
fazer para melhor entendimento da contemporaneidade. Nesse sentido, esta proposta de
Simpósio Temático se interessa por uma vasta gama de trabalhos que estudem a relação
entre política e história em meios, de conteúdo fictício ou não, voltados a diversas finalidades,
como: literatura, cinema, televisão, música, noticiários, periódicos; também estão inseridos
nesse campo investigativo os meios computacionais relacionados à rede mundial de
computadores, como endereços eletrônicos, blogs políticos, plataformas audiovisuais
disponíveis na Internet como Youtube e Netflix e jogos eletrônicos.
COORDENADOR
Joel Carlos de Souza Andrade – Professor do DHC-CERES-UFRN
RESUMO
O simpósio temático pretende congregar trabalhos que busquem discutir os sertões como
um espaço construtor de identidades e suas múltiplas composições historiográficas e
histórico-culturais, isto é, que discutam as narrativas construídas em torno do sertão e,
também, as suas fronteiras. É com esta preocupação que aceitaremos trabalhos que tratem
de questões relacionadas aos seguintes temas: conceitos, historiografias, memórias e
biografias, tradição e folclore, cancioneiro, poesia e literatura de cordel, literatura
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regionalista e outras que fogem a este rótulo, seca e água, mitologias e crenças, amores,
espertezas, bandidos, heróis e anti-heróis na tessitura poética (no sentido de gerar, criar,
produzir) do espaço-sertão. Estas artes de nomear, pensar, visualizar, enredar, crer e compor
tornam os sertões um espaço privilegiado para gerar outras sensibilidades e relações
perante o outro.
COORDENADORES
Lourival Andrade Júnior – Professor do DHC-CERES-UFRN
Vanda Fortuna Serafim – Professora do DEHIS-UEM
RESUMO
Este simpósio temático pretende reunir pesquisas que discutam as diversas formas de re
(ligações) entre o homem e o sagrado em suas mais variadas manifestações sensíveis,
gestuais, orais e materiais. Festas, ritos, orações, africanidades, processos mediúnicos,
catolicismo oficial e não oficial, cristianismo ocidental e oriental e manifestações não cristãs
fazem parte do que pretendemos discutir. Este ST está vinculado ao GT História das Religiões
e das Religiosidades (ANPUH). A proposta do Simpósio Temático está articulada à proposta
do GT História das Religiões e das Religiosidades (ANPUH), que tem como objetivos
constituir um espaço de referência nacional nos estudos sobre história das religiões e
religiosidades; analisar as manifestações religiosas inseridas em seu contexto histórico;
aprofundar o conhecimento e qualificar o profissional para a pesquisa e a docência; dar
visibilidade às pesquisas acerca das manifestações religiosas, vinculadas aos cursos de pós-
graduação em História; constituir referencial teórico e metodológico que oportunize a leitura
e a integração crítica e consciente da pluralidade do fenômeno religioso, e fortalecer a área
dos estudos religiosos como disciplinas em cursos de graduação, além do desenvolvimento
de projetos de ensino, pesquisa e extensão. Nesse sentido, o ST está aberto aos
pesquisadores da História e demais áreas do conhecimento que desenvolvam pesquisas
sobre religiões, religiosidades e crenças afro-brasileiras, atentando para as práticas,
representações e hibridismos estabelecidos dessas manifestações; além da produção
discursiva e da elaboração de um saber científico.
COORDENADORES
João Fernando Barreto de Brito – Doutorando em História – UFRJ
Rosenilson da Silva Santos – Professor do DEHIS-UERN – Assú
RESUMO
A I edição desse Simpósio Temático ocorreu no ano de 2014 por ocasião do VI Encontro
Estadual de História da ANPUH/RN, na cidade de Assú. A II edição se deu no VI Colóquio
Nacional História Cultural e Sensibilidades, na cidade de Caicó, no ano 2016. Seu objetivo é
reunir pesquisadores(as) e trabalhos que tratam de temáticas no recorte do oitocentos,
especialmente relacionados com a província do Rio Grande do Norte. Nossa proposta é
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darmos continuidade às discussões iniciadas em 2014, seguidas em 2016 e que agora podem
ser ampliadas no sentido de oxigenar o espaço de debate e divulgação de pesquisas sobre a
história do Brasil Império. Serão bem-vindos trabalhos sobre cultura e poder, relações de
trabalho e cidadania, territórios e fronteiras e cotidiano e família, tendo como baliza o período
supracitado.
COORDENADORES
Lindercy Francisco Tomé de Souza Lins – Professor do DEHIS-UERN – Mossoró
Francisco Fabiano de Freitas Mendes – Professor do DEHIS-UERN – Mossoró e PPGSCH-
UERN
RESUMO
A imprensa, mormente a publicação de jornais, informativos e revistas, seja como fonte, seja
como objeto de investigação, é uma das temáticas mais utilizadas pelos historiadores. Pela
amplitude do material, é possível obter uma leitura do passado de um setor da sociedade de
uma época, sua composição sociopolítica, seus projetos e expectativas. Deste modo, este
Simpósio Temático propõe discutir pesquisas que abordem o estudo de periódicos, tanto da
grande imprensa quanto da segmentada; da atividade profissional de jornalistas, colunistas
e correspondentes; assim como o periódico como fonte documental de outras temáticas
históricas que versem pela produção de saberes e circulação de ideias.
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MINI CURSOS
MINISTRANTES
Mariano de Azevedo Júnior – Professor de História – UnP
Marcella Albaine Farias da Costa – Doutoranda em História – PPGH-UNIRIO
EMENTA
Com a evolução técnica dos meios computacionais nas últimas décadas, se deu também o
desenvolvimento de suas capacidades narrativas. Isso tem possibilitado um fenômeno
semelhante ao que ocorreu em outros meios audiovisuais, como no cinema e na televisão: o
interesse pelos temas históricos, seja de uma forma inteiramente fictícia ou buscando
reproduzir versões do passado produzidas pelos historiadores profissionais. Os meios
computacionais que melhor têm se expressado narrativamente a respeito dos temas
históricos são os videogames, sem dúvidas, pois elaboram enredos e simulam espaços de
experiências, muitas vezes, sob o signo do “passado histórico”. Essas mídias, voltadas ao
entretenimento, não apenas divulgam certas concepções do passado, como também criam
formas particulares de percebê-lo e praticá-lo, no ato de jogar. Como noções centrais das
problematizações previstas para este minicurso estão a de “hipermídia” e “hipertexto”, já
tratadas há algum tempo nos trabalhos de importantes teóricos da comunicação social,
sociólogos, linguistas cognitivos e determinados segmentos do pensamento filosófico.
Desta vez, a intenção é pensar como as propriedades estéticas dos meios computacionais,
através dos videogames que abordam temas históricos em seus mundos fictícios, afetam a
percepção do passado – até mesmo do tempo, de forma mais ampla. Está presente, no nosso
exercício de reflexão, a tarefa de problematizar aquilo que importantes teóricos consideram
fundamental para o nosso tempo, isto é, a relação entre “técnica” e “política”, o que pode ser
feito através de diferentes abordagens do social.
MINISTRANTE
Margarida Maria Dias de Oliveira – Professora do DEHIS-CCHLA e PPGH-UFRN
EMENTA
O presente minicurso tem por objetivo central refletir sobre a produção de materiais
didáticos para o ensino de História realizada no Brasil e, por meio destas reflexões, debater
sobre os saberes necessários a um profissional que se proponha a se dedicar a esta
produção. Parte-se do pressuposto que este é um campo a ser ocupado por profissionais de
História e qualificados para tal, que há uma imbricação com a produção do conhecimento
histórico acadêmico, mas que requer também um diálogo com outros campos de saberes,
dependendo dos suportes e objetivos dos materiais didáticos. Entende-se como um campo
possível de atuação profissional do formado em História e como uma forma de atuação para
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MINISTRANTE
Almir Félix Batista de Oliveira – Pós-doutorando – PPGTUR/UFRN
EMENTA
O presente minicurso tem os seguintes objetivos: 1-Discutir como se conforma o patrimônio
cultural brasileiro; 2-Analisar os últimos 20 anos de preservação do patrimônio cultural
brasileiro; 3-Problematizar formas de apresentação e formas de preservação do patrimônio
cultural brasileiro. E para tais tarefas se utilizará do seguinte programa: 1º Dia (Primeira
Sessão): 1- O patrimônio cultural brasileiro: formas e constituição; 2- História da preservação
do patrimônio cultural brasileiro: os últimos 20 anos; 3- O patrimônio cultural brasileiro e o
ensino de história: formas de apresentação, formas de preservação; e 2º Dia (Segunda
Sessão): 4- O patrimônio cultural brasileiro e o livro didático de história: formas de
apresentação, formas de preservação; 5- O patrimônio cultural brasileiro entre exposições,
fotografias e documentários: formas de apresentação, formas de preservação; 6- O
patrimônio cultural brasileiro e o turismo: formas de apresentação, formas de preservação.
MINISTRANTES
Júlio César Vieira de Alencar – Professor do IFRN
Patrícia de Oliveira Dias – Professora do IFRN
EMENTA
Este minicurso tem como objetivo analisar o processo de territorialização dos sertões das
Capitanias do Norte do Estado do Brasil e discutir as diferentes noções presentes na
sociedade colonial acerca dos sertões da América portuguesa, encarados como espaços
marcados pela selvageria e pela barbárie, mas que possibilitavam a expansão das atividades
econômicas desenvolvidas pelos colonos. Para tanto, serão estudados os conceitos básicos
de territorialização e sertão, a fim de compreender como ocorreram as primeiras incursões
por esses espaços, os objetivos, as demandas dos luso-brasílicos em busca de terras e como
se estabeleceram as novas configurações espaciais. As fontes a serem trabalhadas no
minicurso são as cartas de sesmarias, entendidas como relatos acerca do espaço e como
forma de conversão do mesmo em território colonial; a documentação camarária, sobretudo,
os Livros de Cartas e Provisões e os Termos de Vereação do Senado da Câmara de Natal; a
coleção Documentos Históricos da Biblioteca Nacional; e os documentos do Arquivo
Histórico Ultramarino. Para auxiliar na análise das fontes, será acessada a historiografia
clássica, com o objetivo de compreender como os sertões foram tratados nessas produções;
além da renovação historiográfica que revisitou o tema e as novas acepções sobre a
territorialização dos sertões das Capitanias do Norte.
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MINISTRANTES
Raimundo Pereira Alencar Arrais – Professor do DEHIS-CCHLA e PPGH-UFRN
Renato Marinho – Professor do IFRN
EMENTA
Na formação do historiador, considerando o historiador na perspectiva de sua atuação como
pesquisador e como professor, o trabalho com a documentação se revela essencial para a
elaboração da narrativa histórica. O conhecimento da especificidade das várias linguagens
dos documentos explorados pelo historiador das cidades e o reconhecimento das questões
teóricas implicadas na aproximação entre esse tipo de documento e a narrativa o historiador,
contribuem para que se ampliem as possibilidades de seu uso pelos historiadores. A
proposta do minicurso consiste em abordar, de modo introdutório, as particularidades e as
potencialidades de dois tipos específicos de documentos no uso da história urbana,
especificamente a literatura e a imprensa. Este minicurso propõe explorar dois tipos de
testemunhos na perspectiva do historiador da cidade: a fonte literária e a imprensa. O
objetivo será de promover uma reflexão a respeito de como se explorar cada um desses
documentos e estimular as reflexões que devem ser desenvolvidas pelo historiador ao
incorporá-las à sua narrativa de modo criativo. O minicurso compreenderá exposição da parte
dos proponentes e realização, da parte dos participantes, de atividades orientadas a partir de
fontes literárias, jornais e revistas.
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Simpósio Temático 1
HISTÓRIA ORAL/AUDIOVISUAL:
UMA POSSIBILIDADE DE PROPOSTA
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INTRODUÇÃO
No dado artigo iremos fazer um estudo acerca da discussão presente entre o
conceito de arte engajada, seja como propaganda ou como uma crítica, sendo escolhido
o filme Terra em transe (1967) para se fazer uma análise a partir do cinema como uma
arte engajada de crítica sendo bastante conveniente ao que estava se passando no
contexto politico não apenas a nível Brasil mas também de toda uma América Latina
como um todo.
Essa obra trata de crítica toda uma conjuntura política em crise em toda a
américa latina, desde lideres populistas, até os autoritários, no sentido de aproximar a
realidade dos países latinos, uma crítica hegemônica em busca de uma revolução não
apenas política mas também da arte, passando de algo enfaticamente estético para ser
algo mais próximo a realidade, mais engajado nas vidas das pessoas que assistem, que
admiram e analisam. Servindo da arte como uma forma de militância contra regimes
autoritários, em especial os da América latina.
A análise da obra vai partir de uma rememorada nos conceitos da arte engajada,
e posteriormente uma percorrida no enredo do filme e o que cada fator ali presente irá
representar, desde os personagens em si, até o resultado das relações entre eles.
Finalizando com uma análise na obra em si para o resultado com o seu externo, em
como foi a recepção da obra, até os resultados obtidos a partir daquela “revolução no
cinema”, de qual foi o resultado de nos trazer uma grande mudança no cinema, desde a
abordagem de temas políticos até da estética cinematográfica que foi também
modificada, tornando a película mais densa e psicológica.
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roteiro baseado no artigo “A relação entre arte e política: uma introdução teórico-
metodológica” de Marcos Napolitano de partir de uma análise histórica daquela
produção cultural a qual escolhemos tomar como referencial, e em segundo lugar
discutir o que seria a “arte engajada” dentro do uso que pretendo lhes expor, é
necessário à análise do lugar social do “artista-intelectual” que no caso seria o Glauber
Rocha como uma forma de relacionar a linguagem artística aos valores políticos.
Quando falamos em arte engajada temos a seguinte definição “ – a arte engajada
– de caráter mais amplo e difuso, define-se a partir do empenho do artista em prol de
uma causa ampla, coletiva, ancorada em ‘imperativo moral e ético’ que acaba
desembocando na política, mas não parte dela” (NAPOLITANO, 2011: 25-56). A partir
dessa intenção em produzir uma arte nesses moldes no sentido de engajamento e
também numa vertente revolucionária no que diz respeito a uma busca de uma nova
estética, de uma verdade do povo, uma influência possivelmente soviética ao pensar as
diretrizes políticas dos formadores desse cinema novo brasileiro. A busca partiu de uma
mudança no cinema, em contraponto com o socialismo Leninista de que implicaria
menos em uma “nova cultura” mas sim de socializar aquela cultura burguesa que não
era acessível, o caso brasileiro e latino-americano de influência marxista foi particular
no ponto em que buscava sim uma nova estética, um público que se identificava com
aquela cultura não mais copiando os moldes europeus, uma unidade de arte – mais
especificamente o cinema – no qual o povo se encontraria, onde o nacional seria mais
valorizado, mas na perspectiva democrática de representar um governo do povo.
Porém, porque a ânsia maior de uma unidade cultural nacional e também latino-
americana? Porque isso se diferenciaria de um dos maiores referenciais sobre arte e
cultura vindo da URSS? Exatamente por o Brasil, e a América Latina vinha de um caso
mais geral que atingira também o campo da arte, e consequentemente do cinema, seria
a situação colonial, quando pensamos em uma situação encaixada nos moldes de uma
colônia, pensamos então numa dependência quase total de uma indústria
cinematográfica, então temos a definição a partir de Galvão e Bernadet, trazida no
artigo de Pedro Simonard.
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Percebe-se total relação da sétima arte com a economia, e por ai se faz sua
peculiaridade, que o cinema não é apenas estética, crítica ou propaganda, temos a
preocupação com uma produção e uma distribuição que exige um diálogo com o
mercado, tem-se a preocupação de uma revolução na qual visa uma quebra total com
as raízes coloniais, não falando das raízes ibéricas, mas sim das nossas raízes de
dependência seja europeia, seja norte-americana, pois quando vemos a burguesia
notamos um espelho para o American way of life , e quando encontramos uma
esquerda muito espelhada numa União Soviética, se esquecendo então das
particularidades não apenas do país de dimensões continentais que é o Brasil, mas
também as peculiaridades da América Latina também estavam em falta nas
expressões artísticas. E então quando o próprio Glauber Rocha nos fala que “Não existe
poder cultural sem poder econômico e político. A finalidade dos cineastas
independentes deve ser a de conquistar o poder da produção e da distribuição em todos
os países.” ( ROCHA, 1981: 68). E é aí que nota-se toda essa teia de interligações
provocada intencionalmente por uma revolução no cinema. O tocante a uma noção além
do nacional é a dita a seguir pelo próprio diretor e roteirista do filme em que estamos
fazendo uma breve contextualização para adentrá-lo:
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política posicionada a esquerda, já tendo sido preso durante o regime militar e sofrido
grande repressão e crítica quando lançou o filme “ Terra em transe” críticas essas
vindas de ambas direções políticas, da direita vindo a repressão e a censura e da
esquerda houve críticas desde comparar e alegar elementos da chanchada, talvez por
criticar dentro do enredo a figura de um intelectual da esquerda no qual seus ideais não
correspondiam com suas ações. Então paramos no ponto em que Glauber Rocha foi
uma figura icônica, criticada e perseguida naquele período, e em especial foi uma
personalidade que ansiava por essa revolução, que mandava carta para outros
apaixonados e produtores do cinema brasileiro implorando por uma unificação, como
podemos ver esse fato no pequeno trecho de uma carta direcionada a Paulo César
Saraceni citada no artigo de Pedro Simonard.
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A linearidade pode aparentar não estar em uma linha reta, mas em pontos e
figuras que são trazidas de acordo com sua significância, enquanto se conhece os
personagens daquele enredo fazemos uma viagem histórica comparativa dentro do
contexto da história politica brasileira, que vai de Vargas até João Goulart. Ou seja,
desde um autoritarismo abusivo e golpista até um populismo insuficiente apelativo e
disfarçado de “pai do povo”. O Glauber Rocha inventa um país chamado Eldorado que
se localiza na província fictícia de Alecrim e lá se cria as figuras desta trama, com
lugares fictícios e figuras fictícias também, o que deixa aberto para identificar-se com
diversas realidades, fazendo até referencia com nomes de personagens, a exemplo de
Porfírio Dias, militar e política mexicano, então é a partir dessa trama “inventada” que
se faz os encaixes com a realidade fazendo uma verdadeira alegoria política
acrescentando um ingrediente essencial nem sempre lembrado por alguns, que seria o
próprio povo.
Notamos então a gigantesca alegoria política existente na obra, criticando em
especial as seguintes figuras: Diaz e seu conservadorismo golpista como uma crítica
direta ao autoritarismo bastante vivo no período em que o filme foi lançado (1967), o
Vieira o populista totalmente ineficaz, oportunista e fraco diante da conjuntura política
sabendo apenas fazer promessas e mentir ao povo se aproveitando de uma situação
em que a fome falava mais alto e frases como “estou anotando tudo” seriam suficientes
para uma comunidade pobre e com fome lhe apoiar, temos o personagem principal que
se envolve com a podridão de todos os lados, porém com uma fala bonita, e ideais que
não saem do papel a partir do momento em que se articula com figuras que
representam um poder deplorável, e por fim um papel deixado as margens vindo da
figura feminina como companheira trazida em especial por Sara que nos mostra uma
mulher com uma posição de intelectual e santa dentro das tramas políticas porém com
uma noção alienada da conjuntura, e representada de forma bastante recatada ao longo
do filme, sendo o “ponto fraco sentimental” do Paulo mas estando a par do populismo
covarde do Vieira. Ao longo da película, se tem as memórias sobre acontecimentos em
que Paulo estaria tendo conhecimento no que diz respeito as tramas políticas que estão
por trás dos palanques, desde o momento em que ele decidira se abster da política e se
isolar em um ambiente com muitas mulheres e bebidas, porém não seria tão simples
escapar da política naquele momento de colisão política, que ocorreria dentro da obra,
e também no momento em que a obra estaria sendo construída. Então é a partir de um
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trecho escrito pelo Glauber Rocha se entende bem a questão estética do filme em
questão.
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E partindo dessa ânsia por alcançar os outros setores artísticos se faz críticas
pelos antecedentes desse cinema brasileiro, desde o fracasso da Vera Cruz que investiu
grandemente no cinema, porém com um molde estrangeiro, utilizando um grande
capital para trazer recursos estrangeiros desde os profissionais à estética, claro
transformando em uma cópia estrangeira dando continuidade a “situação colonial”
também presente no cinema e não dando tanto atenção em um fator crucial dentro de
indústria cinematográfica que seria o da distribuição, e também a crítica dirigida a
Chanchada o que poderia chamar-se de uma verdadeira paródia de filmes estrangeiros,
o que poderíamos chamar de uma cópia mal feita dos filmes feitos por Hollywood,
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sendo um dos principais alvos da crítica da proposta do cinema novo brasileiro, no qual
propõe uma cara totalmente diferente ao cinema brasileiro.
Segue a decepção de um dos representantes desse movimento revolucionário
do cinema novo no que diz respeito a estar atrás dos outros setores, enquanto o cinema
só vem tendo experiências ruins uma atrás da outra, e destacando sim a importância e
a peculiaridade que o cinema representa nesse contexto, quando notamos a ligação
totalmente intrínseca a economia e a uma importação ideológica permanentemente
norte-americana, em resumo, hollyoodiana, permanecendo dependências não apenas
econômicas, mas também ideológica dentro de apenas um setor da arte, que como
outros artifícios de qualquer setor seria usado mais para a propaganda norte-
americana do que para uma crítica e formação de um senso crítico brasileiro e latino-
americano.
Então quando lidamos com o cinema, há bastante presente a discussão sobre
mercado, articulação política, e vemos isso a partir desse trecho de Glauber Rocha.
Então é a partir desse trecho, que o baiano Glauber Rocha nos deixa claro a
questão de como funcionaria a revolução desse cinema novo latino-americano na
perspectiva não apenas estética, mas também do mercado e de sua internacionalização,
pois a todo momento vem a tona essa internacionalização no que se refere a América
Latina.
Quando paramos para analisar o enredo do filme em questão “Terra em transe”
notamos uma forte identificação com a conjuntura política brasileira daquele período,
porém por o nome de um dos conservadores o mesmo nome de um líder militar
mexicano, que seria o caso do Porfírio Diaz, não seria mera coincidência , e também não
o é o fato de lidarmos com uma província e personalidades fictícias, no modelo para que
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da mesma forma que nós brasileiros nos vemos ali dentro do filme, outras realidades
da américa latina também possam se enxergar, e um processo de internacionalização
cultural se começa e desenvolve também a partir desses detalhes, seja de um simples
nomes mas também a escolha de não especificar, e tornar uma realidade plural e latina,
a revolução não foi apenas brasileira. Dentro ainda dessa importância dada ao mercado
e internacionalização uma declaração sobre o filme, por Glauber Rocha.
Hoje, 1967, meu último filme, Terra em transe, circulou, com resultado
financeiro excelente, em apenas seis meses. O mercado brasileiro é dos
maiores do mundo e, levando-se em conta as deficiências de
comunicação, de transporte e de controle – já se pode prever que, em
poucos anos, a Difilm conseguirá a revolução que não conseguiu a
Pelmex. E os exemplos frutificam: na Argentina e no Uruguai, graças a
ação de novos produtores – distribuidores como Walter Achugar ou
Edgardo Pallero, surgiu uma distribuidora de caráter latino-americano,
que começa a usar os métodos empregados pelo produtor Luís Carlos
Barreto, criador e estimulador da Difilm. (ROCHA, 1981: 52)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, concluímos que o cinema novo brasileiro representou não somente uma
revolução a nível nacional, mas também uma internacionalização a nível América Latina.
E é de grande importância reconhecer a relevância de um cinema que revoluciona não
apenas economicamente, mas também ideologicamente dentro de um período de
regimes autoritários contaminado pelo referencial artístico totalmente visando o modo
de vida norte-americano, tendo inclusive sido censurado e proibido o filme analisado
neste dado artigo.
Em linhas gerais, a intenção desse artigo foi de explanar sobre a construção e o
contexto da realização desse movimento revolucionário e unificado dentro da realidade
do mundo da cinematografia, escolhendo como uma das formas de argumentação para
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explicar esse processo através do enredo e da produção geral do filme Terra em transe
datado em 1967, concretizado por um dos pensadores do movimento do cinema novo
brasileiro, o baiano Glauber Rocha, que a todo momento justifica sua paixão pelo
cinema mas uma paixão vinda de um militante de esquerda, logo tendo uma visão ampla
de como esse instrumento pode ser utilizado em prol de sua militância política, e como
bem concluímos o que o Glauber Rocha fez parte, foi de fato uma revolução dentro do
cinema brasileiro, e o filme em questão foi também bastante marcado na época em que
fora lançado, e até mesmo nos dias atuais ainda é uma obra bastante crítica e densa, no
sentido que nos trás uma alegoria política fictícia mas que encaixasse em uma realidade
política puramente latina, no sentido também de trazer um elemento muitas vezes
esquecido quando resolve tratar de tramas políticas: o povo. E é nesse limite que dentro
desse contexto vemos um cinema que critica não apenas posições políticas, mas a
crítica nos vem em forma de verdades, só que agora elas estariam expostas e não há
forma de negá-las.
REFERÊNCIAS
ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Alhambra/
EMBRAFILME, 1981.
SIMONARD, Pedro . Origens do Cinema Novo: a cultura política dos anos 50 até 1964.
Achegas.net , Internet, v. 9, p. 4, 2003.
TERRA, em transe. Direção: Glauber Rocha, Rio de Janeiro – RJ, 1967. 109 min.
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Simpósio Temático 2
HISTÓRIA DAS MULHERES:
DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS
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CLARICE E SOLEDADE
A primeira personagem feminina selecionada nesta análise provém da obra de
José Lins do Rego (1932), a Clarice. Ela era típica mulher do lar, dada a função da criação
do filho e descrita através dos olhares dos funcionários. Através da memória do
protagonista conhecemos características dessa personagem, segundo as lembranças
do menino do engenho sua mãe era:
Falava para todos com tom de voz de quem pedisse um favor, mansa e
terna como uma menina de internato. Criada em colégio de freiras, sem
mãe, pois o pai ficara viúvo quando ela ainda não falava. Filha de senhor
de engenho, parecia mais, pelo que me contavam de seus modos, uma
dama nascida para reclusão (REGO, 2017, p. 28).
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[...] Coitado do meu pai! Parece que o vejo quando saía de casa com os
soldados, no dia de seu crime. Que a ar de desespero ele levava, no rosto
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Deste modo a visão de Carlinhos sobre o fato é que o pai teria agido
involuntariamente ao tirar a vida de sua mãe, ou seja, o protagonista compreende a
justificativa criada em torno desse episódio.
Tanto a violência sexual quanto o assassinato de ambas as personagens
femininas conectam significados e reflexos daquela sociedade, no qual a mulher é
colocada em subjugado patamar, mesmo elas repletas de importância (sentido de
importância das personagens e o sentido hermenêutico) naquele contexto histórico.
“Ser mulher” é carregar um leque de simbologias e papeis sócias e culturais. As
violências contra as mulheres ativam discursos e relações de poderes que justificam
esses atos.
Carlinhos é visto como “Homem” quando ele obtém uma doença sexual, pois
para atingir a vida adulta o garoto necessitava passar por uma transição como está. O
papel do masculino era entrelaçado à descoberta sexual através das mulheres negras.
No romance Carlinhos assediava as negras do engenho e iniciou sua vida de homem
quando conquistou um espaço diante destas mulheres.
No caso de Soledade, a vida dessa personagem é marcada pelo sofrimento de
sobrevivência de uma retirante sertaneja. Sua inserção no engenho despertava o
interesse do filho e do proprietário latifundiário açucareiro. Há constantemente na obra
falas sobre o comportamento e a “libertinagem” de Soledade, como se sua
sensualidade atiçasse os desejos masculinos.
Em consequência da obsessão, o poderio, sentimento de posse, a visualização do
corpo feminino para Dagoberto, Soledade é abusada sexualmente. Seu pai pobre
sertanejo tinha a moral como fundamento primordial da vida, a mulher sem
“virgindade” era considerada dessorada, isso cria um imaginário que justificava o crime
de honra, assim o pai de Soledade na narrativa assassina um capataz em defesa da
moral de sua filha.
Ambas as obras nos apresenta a mentalidade do nordestino, transcorrida entre
o público e privado. Conceitos de moral, honra, masculinidade e virgindade. A liberdade
masculina versus a reclusa vida feminina seja na casa (vida doméstica), no cuidado com
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os filhos e sua sexualidade, no meio social etc. – a virgindade relevante nessa cultura,
assim como delimita, Fonseca:
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emoções e vivências femininas são retratadas por meio de uma introdução que entra
no íntimo e nas mentalidades de tais personagens.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para a História e a historiografia a mulher (e outros sujeitos históricos são
preocupações atuais) é descrita por meio do discurso de cientificidade, por isso são
usados documentações e diversos tipos de fontes que podem dificultar a análise das
sensibilidades diferentemente da Literatura que tem a licença poética.
As personagens Soledade e Clarisse são as pontas de um iceberg dentro de
várias particularidades de violências contra as mulheres. Naquele contexto Soledade é
colocada por meio do narrador do romance como uma bela moça que usava sua
”feminilidade” (no sentido conotativo de sensualidade) exacerbada e isso é o retrato
produzido da personagem momentos antes do seu abuso sexual, ou seja, pelo discurso
do narrador a personagem detinha certo grau de culpabilidade é mesma premissa
machista da nossa sociedade atual diante de um crime de abuso ou assédio sexual no
qual a mulher é direcionada da esfera de vítima para “sedutora” e culpada, denotando
os aspectos ainda vigentes na nossa sociedade de mentalidade patriarcal e
paternalistas machista.
As violências contra as mulheres nessas obras regionalistas detalham as
particularidades sociais e culturais que as mulheres eram inseridas no nordeste na
década de 30. Uma sociedade marcada pelo triple: machista, patriarcal e paternalista. A
literatura traça um caminho que possibilita a visualização das sensibilidades e
mentalidades que surgem diante das violências contra o feminino. O mesmo ocorre com
a personagem Clarisse que foi assassinada num crime doméstico e o meio social tenta
criar “falas” que colocam seu algoz como vítima de si (melancólico e desiquilibrado), já
o abuso de Soledade, busca-se uma justiça para a família e não para ela.
Portanto, a História é feita de permanências e o nosso tempo presente
resguarda signos provenientes dessa mentalidade coletiva, imaginário e condutas
provindas dessa época. Um Nordeste, o falo e feminino (re)significado pelo viés
machista. Quantos homens na atualidade assassinam, abusam e assediam mulheres e
boa parte sociedade engendra uma linha tênue entre vítima e culpado, herança dessa
cultura.
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REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 4ª ed.
Recife: FJN; Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2009.
REGO, José Lins. Menino do engenho. Apresentação Ivan Cavalcanti Proença. 108° Ed.
Rio de Janeiro. Olympio, 2017.
SILVA, Javana Garcia da. A (in) visibilidade do Feminino na obra Menino do Engenho,
de José Lins do Rego [Manuscrito]/ Javana Garcia da Silva:/. 2014.
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INTRODUÇÃO
Essa pesquisa cumpre o objetivo de analisar a representação das mulheres
alemãs, no documentário Olympia, onde no decorrer dessa narrativa fílmica, são
representadas as Olimpíadas de Berlim em 1936. Esse é o primeiro momento de
apresentação do poder nazista para o mundo, poder esse, que estava criando seu
espaço, oficialmente, desde 1933 com a ocupação de Hitler no cargo de chanceler.
Os objetivos específicos desse trabalho, buscam, demostrar um panorama da
historicidade alemã nesse recorte, explicar o processo de propaganda do regime
nazista, a partir da representação das mulheres alemãs, e realizar uma análise fílmica
dando conta de trazer parte representativa da fonte documental.
Assim, a problemática que buscamos investigar, questiona quais as
representações das mulheres alemãs no documentário? Agrupando a partir dessa
problemática, as circunstâncias das quais essas mulheres vivem e se socializam.
A metodologia faz um percurso pela pesquisa bibliográfica, com característica
descritiva, classificação a partir do tipo de documentário por Nichols (2010) e análise
fílmica a partir de Jullier e Marie (2009), como forma de uso dessa fonte documentária,
além da escolha de sequências, em cada uma das duas partes. As escolhas, foram
feitas, levando em consideração a representação dessas mulheres e todo o universo
que gira em torno do escopo do documentário, com a sua temática de Olimpíadas e seus
atletas.
Pensando no campo da historiografia, temos as influências decorrentes da
História Cultural, que são incorporadas para que os aparatos culturais mais diversos,
ganhem espaço de análise, levando a esse prisma sobre os usos e as interpretações
6 Graduanda em História – Bacharelado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
graduada em História – Licenciatura pela Universidade Potiguar (UNP) mestranda em Ciência da
Informação, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – costacs.fernanda@gmail.com
7 Orientadora. Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professora
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das práticas que os produzem, tomando a análise dos diversos aparatos culturais
(CHARTIER, 1991).
Nesses diversos usos de fonte documental, já advindo da Nova História8, uma das
fontes que ganham espaço significativo, é o cinema, que para além de representar o
que mostra, contém em si, um instrumento classificatório de formas do jogo de poder
(SANTIAGO JÚNIOR, 2009).
Dessa forma é imprescindível que o trabalho seja norteado em torno dos
conceitos de representação9, poder10 e discurso11, que são necessários para o campo de
compreensão da representação das mulheres, além do discurso e o poder mediante
todo esse contorno do nazismo. A escolha desses conceitos tem sua justificativa
alicerçada na tomada do cinema como representação e instrumento que produz e/ou
modifica uma dada realidade discursiva.
8 Segundo Burke (1992) a Nova História, é produto direto da França, associada a Escola dos Annales, que
trouxe novas abordagens, problemas e objetos para o campo da História.
9 CHARTIER (1991) e (2002).
10 FOUCAULT (1979).
11 FOUCAULT (1996).
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Assim, a representação tanto trata das ausências e dos usos, que podem servir
como objeto de rememoração para essas representações, como também da ausência,
que funcionada junto com a relação simbólica do que é representado. “Uma relação
decifrável é, portanto, postulada entre o signo visível e o referente significado — o que
não quer dizer, é claro, que é necessariamente decifrado tal qual deveria ser.”
(CHARTIER, 1991, p. 184).
Pensando em representação das mulheres nesse meio específico do nazismo, da
posição referente ao arianismo, podemos perceber que as representações estão além
da sua área social de recepção e percepção, pois agem para além das divisões do que é
cristalizado (CHARTIER, 1991). Com isso, “a produção do discurso é ao mesmo tempo
controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos
que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento
aleatório [...]” (FOUCAULT, 1999, p. 8-9).
O poder é um meio disciplinador na sociedade, seja por meio de uma instituição
diretamente, ou pela ordem que ela institucionaliza para outros sujeitos a
representarem. Entender que não se trata de perceber o por que há uma disputa de
dominação, mas sim, como funciona no nível de processo, para perceber como o poder
é ocupado.
O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo
que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui e ali, nunca está
em mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem.
O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas, os indivíduos
não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder,
e de sofrer sua ação; nunca são alvo inerte ou consentido do poder, são
sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se
aplica aos indivíduos, passa por eles. (FOUCAULT, 1979, p. 183-184).
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impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio.”
(CHARTIER, 2002, p. 17).
O discurso dentro disso também, passando pelo processo de representação, tem
a característica da apropriação social, onde segundo Foucault (1996), um dos meios
para essa apropriação é a educação, que permite um sistema montar os poderes, sendo
assim um grande sistema de exclusão.
Dessa forma, pensar a representação, o discurso e o poder, nessa investigação,
implica entender como a partir do regime nazista e de toda sua ideologia discursiva
sobre raça ariana, o documentário em tela dar visibilidade a um dado poder feminino,
que é instituído por meio da disseminação da eugenia, do antissemitismo e, de forma
mais específica, onde a mulher é colocada como parte significativa desse sistema
ideológico.
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Todo esse contexto, advindo dos processos da primeira grande guerra, torna a
Alemanha um país instável e com uma ultradireita que busca através das suas
memórias e vivências, um passado de glória, que por eles, fora vivido em outrora pelos
povos germânicos. Assim, a força de apoio ao nazismo, que transforma a figura do Hitler
em uma liderança, faz com que o espaço de violência criado pelo Terceiro Reich, se torne
um movimento de guerra interno e externo.
Essa arena social e política do país, segundo Lower (2014, p. 28), viu explosão de
movimentos desordenados, grupos de justiceiros e partidos organizados de todo tipo,
dentre esses, o próprio partido nazista, que ganhou força com suas mensagens, no
História de grupos sociais e grandes massas, surgindo sobre a motivação de compreender grupos
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Lower (2014, p. 28) explica que, nesse contexto, entre 1918 com a derrocada do
império e a nova ordem da democracia, houve mais chance de abertura e liberdade
individual para as mulheres. Foi nesse contexto da Primeira Guerra, que entraram para
a esfera pública, em suas relações de trabalho, ainda que não estabelecessem forte
ligação com a política, apesar de seu front ser sempre o espaço doméstico.
Com o desenrolar político da República ao Regime Nazista, as mulheres se
organizam a partir dos diferentes espaços políticos, porém “cerca de oito mil mulheres
comunistas, socialistas, pacifistas e “associais” estavam entre as pessoas
perseguidas” (LOWER, 2014, p. 33), e seguiam todas para os primeiros campos de
concentração. Com isso “o aumento de prisioneiras significava um aumento de guardas
femininas, recrutadas na Organização de Mulheres do Partido Nazista” (LOWER, 2014,
p. 33).
O símbolo da mulher, na tomada do front nazista, passa a ser uma das principais
responsáveis pela difusão do ideal de raça dessa ideologia, a obrigatoriedade de
reprodução, de sair do mercado de trabalho e constituir nichos familiares arianos, com
criação exemplar das ideias de formar um povo superior e preparado para guerra.
Apesar do fomento para o casamento, a criação de processos de fomento para
identificar a possibilidade de se reproduzir com bons filhos, para os casais, acaba sendo
algo que rui em determinado período, já que a mulher volta a ter o poder de trabalhar a
favor do desenvolvimento do regime, que precisava de pessoas para produzir, quanto
mais o tempo se tornava próximo de eclosão da segunda guerra (BESSEL, 2014).
Os lugares que elas podem ocupar no proceder das coisas, não são os mesmos
que os homens, apesar de Hitler proclamar que “[...] o lugar de mulher é tanto no lar
como no movimento” (LOWER, 2014, p. 34), sua carga de chefiar algo, estava quase
sempre ligada ao padrão do papel feminino de cuidar.
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Ela em sua nebulosa produção, que se vincula, a todo momento, ao ideal nazista,
faz também uma revolução na estética do cinema, pois as formas como corta as
imagens, faz sua montagem, utiliza do som e novos recursos, cria maneiras para captar
imagens do esporte, são recursos que repercutem até o presente momento (TEXEIRA,
2008).
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retrato de como esse povo deveria ser: “O mais rápido, quanto mais veloz, melhor, a
superação física do atleta mostrava a rapidez com que o povo alemão queria e estava
conseguindo se reerguer e principalmente impulsionar sua indústria bélica”
(MOSTARO, 2012, p. 105).
O padrão ariano, pensado e imposto pelo nazismo, tinha um foco muito específico
no que nele, era trazido como atributo de uma memória, aos povos antigos e aos jogos
que se desenvolvem desde esse período. Nesse sentido, os homens e mulheres, apesar
de terem de seguir um foco pautado na rapidez, força e velocidade, eram também
divididos de formas diferentes pelo que se espera dos atributos dos mesmos. Assim,
como as mulheres, eram condicionadas por toda a sua educação, ao corpo atlético e
forte (LOWER, 2014).
As mulheres nesse contexto esportivo, ainda eram cercadas de limitações, pelos
tipos de esporte que poderiam participar, pelo pouco tempo que as primeiras mulheres
passam a compor as Olimpíadas. No caso das alemãs, o destaque tem uma ligação de
circunstância de como eram um padrão de beleza e saúde:
A ideologia do volk tinha sua própria estética feminina. Segundo essa ideologia, a
beleza era produto de uma dieta saudável e atletismo, e não de cosméticos. As
mulheres e meninas alemãs não deveriam pintar as unhas, depilar as sobrancelhas,
usar batom, tingir os cabelos ou serem muito magras. (LOWER, 2014, p. 37).
Sobre as mulheres, há também uma forma de construir uma memória acerca do
seu papel social, mesmo que seu lugar seja primordialmente o doméstico, seu espaço
se modela de acordo com as necessidades do poder ideológico de formação de uma
raça pura, dá qual ela, era principal responsável, com isso, tem seu lugar nesse espaço
de atletismo e de formação estética.
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esse capital de poder tem na figura do Hitler seu cunho potencializador, que é colocado
em momentos estratégicos e potenciais para se fazer a problematização. Tudo isso, se
classifica no ponto de hibridismo de leitura dessa obra, que ao mostrar a Olimpíada,
pede uma leitura para além dela.
Assim, sabendo que o documentário tem uma geografia, um caráter ideológico,
um momento político especifico, que dentro disso tudo, faz um recorte de um evento
esportivo, podemos estabelecer as problematizações em torno dele, mostrando como
um momento de jogos que são de conexões mundiais, foi usado dentro do regime
nazista para mostrar o poder que estavam estabelecendo e queriam potencializar de
forma a tomar maior alcance.
Segundo Nichols (2005), o documentário pode ser classificado em gêneros, tais
como, poético, expositivo, participativo, observativo, reflexivo e performático. A partir
dessa classificação e dentro dessas, a análise fílmica pode adotar perspectivas mais
específicas. Assim, o modo de representação de Olympia, se alinha a um documentário
poético (NICHOLS, 2005, p. 138) que enfatiza a transmissão dessa propaganda nazista,
em uma ação persuasiva. Sendo assim, foram usados desse modo, cenas, ângulos,
efeitos visuais, sonoros e de edição que valorizam o corpo e os movimentos dos atletas,
criando uma atmosfera diferente do real para transmitir a ideia de um corpo ideal,
utilizando-se de valores estéticos na propagação de uma ideologia.
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Resumo
No ano de 1936, acontecem na cidade de Berlim, as Olimpíadas de verão, mais
especificamente no mês de agosto. Países de todo o mundo participam do evento,
apesar do clima que circunda do nazismo já instaurado como um regime, que buscava
nesse evento, mostrar ao mundo, seu poder de transformação de uma nação. A
comemoração desse evento tem em si a dualidade das representações, entre os
germânicos e os outros, que são explicitados a partir das vitórias e derrotas. Apesar de
sediar as Olimpíadas, Berlim esconde tudo aquilo que acontece em suas reviravoltas
políticas, que não são explicitadas de forma clara no decorrer dos momentos de euforia
e tristeza das disputas olímpicas.
Em torno do filme
Lançado em 1938, pouco tempo antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial,
Olympia é visto pela crítica como um novo olhar do documentário esportivo, algo novo,
que traz o que nunca antes havia sido visto daquela forma, além do esforço de
Riefenstahl em trazer novas técnicas de filmagem e decupagem. Uma das maiores
polêmicas em torno do documentário, foca na vitória de Jesse Owens, atleta norte-
americano e negro, que vence na modalidade Atletismo e contradiz todo o mito em
torno da inferioridade dos negros, em um período que a eugenia reafirmava padrões de
normalização.
Situação da sequência
As sequências elencadas para análise, são duas da primeira parte e outra da
segunda parte. Na primeira parte, as mulheres, principalmente alemãs, aparecem como
representações mais fortes, é apenas no que é elencado aqui a partir das referências,
temos um corpus que busca trazer uma visão geral desse documentário.
A primeira sequência se passa na abertura, da primeira parte, onde o jogo entre o
homem alemão e grego antigo, é feito para evocar as memórias do mundo antigo,
trazendo a gloria daqueles homens e daquele povo durante os jogos olímpicos.
As evidências principais dessa primeira sequência são as marcas que o regime
busca deixar, promovendo o corpo das mulheres de tal forma, que propague e afirme o
ideal de um corpo atlético e cheio de vitalidade, que no fim, era o corpo propício para
dar continuidade a raça ariana.
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Vemos então, o padrão estético e corpóreo das mulheres, junto com a menção
feita ao regime e como ele usa o corpo para fazer referência as suas ideias e o que busca
construir nesse momento, solidificando e fortificando tudo aquilo que estava sendo
construindo internamente na Alemanha. A partir da força dos homens e mulheres,
sendo essas mulheres aqui, centro da análise, sabemos que o padrão submetido,
mesmo que dentro do esporte, era reflexo do seu principal espaço nesse momento, que
vem de apoio a todas as ações dos homens que eram exclusivos em governar.
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necessário para que se ponha em cheque se no final ela consegue superar as outras 5.
4. O close na atleta, mostra ela sorridente após parte a marcar das outras, sendo a sua
bastante superior, além disso, o close mostra bem o símbolo do partido nazista, que
ganha centralidade na cena deixando mais claro ainda o poder de superação e
supremacia dessa raça 6.
Na parte dois (2) do documentário, as sequências em que as mulheres aparecem
são ainda menores, podemos considerar que são duas delas. Na primeira parte do
documentário elas aparecem hasteando as bandeiras e indo em direção ao que seria o
centro da plataforma de comemorações e cerimonias do estádio. Na transição para o
segundo momento, as mulheres aparecem em uma dança, que faz remeter em muito a
ginástica rítmica, além de aparecerem no salto ornamental, esportes que mostram mais
as mulheres todas juntas, sem focar muito em uma ou um grupo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, temos a representação de uma mulher alemã no padrão estabelecido
pelo arianismo dentro de toda a corrente de pensamento nazista, em um fronte que não
era considerado como tipicamente sendo o seu, já que o espaço a elas destinado estava
sempre relacionado a ajudar, auxiliar e principalmente formar no período entre guerras.
A hipótese colocada, que partia do aparecimento das mulheres alemãs, em menor
grau, se confirma a partir da análise, pois, para além da participação das mulheres ser
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INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é um problema que possui dados alarmantes em
nosso país. Estima-se que, no Brasil, cinco mulheres são agredidas a cada dois minutos,
sendo o parceiro íntimo responsável por até 80% dos casos apontados. A situação de
violência doméstica e familiar que as mulheres enfrentam é muitas vezes,
negligenciada pela sociedade, em razão das categorias históricas e culturais que
alimentam desigualdades entre homens e mulheres e patrocinam o silenciamento e
conivência com estes crimes, como aconteceu durante um longo período histórico do
nosso país em que o argumento da “legítima defesa da honra” encontrava guarida no
julgamento dos parceiros íntimos que matavam suas mulheres, sob a justificativa de
que foram traídos.
Todavia, pressionado pelos grupos de defesa dos direitos humanos,
principalmente dos grupos feministas, e após condenação nas instâncias jurídicas
internacionais, o Estado brasileiro se viu obrigado a interferir de forma direta na
coibição e punição da violência de gênero contra a mulher no âmbito doméstico e
familiar.
Devemos ter cuidado para não cairmos na armadilha de considerar a violência
contra a mulher apenas como algo ocasional. O enfretamento desse tipo de violência
deve ocorrer diariamente, atacando a sua origem patriarcal e machista para não termos
nossas ações obnubiladas em favor dos discursos heroicos de resistência na esfera
individual.
A criação da Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha,
criminaliza e dá um passo para o rompimento da tradição naturalizadora dessa
violência. Destacamos a necessidade de haver o reconhecimento social da gravidade
dessas situações para que haja o estabelecimento de políticas que possibilitem a
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superação das realidades negadoras dos direitos das mulheres e sejam criadas
políticas públicas que ofereçam real proteção e condições dessas pessoas romperem
com a situação de violência a que são submetidas.
16Aqui considerado como todo aquele que tem ou teve um relacionamento afetivo/sexual com a mulher,
seja marido, namorado, companheiro ou ex.
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silenciamento e conivência com estes crimes. De acordo com Alambert, “um exame,
mesmo que superficial, da história da mulher, vai nos indicar que se trata de uma
história de exclusão, invisibilidade, opressão e exploração, que perpassa todos os
séculos, todas as idades e todos os países do mundo” (2004, p. 26).
O patriarcado foi responsável pela transferência das mulheres para o mundo
privado do lar, pois, com ele, surgiu também a necessidade de uma esposa virgem para
gerar herdeiros cujo pai é certo e nominado. Assim, conforme nos aponta Engels, “a
mulher foi convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem, em simples
instrumento de reprodução” (1984, p. 61). Com a exclusão das mulheres da vida social,
a existência delas foi reduzida ao restrito espaço do lar patriarcal, onde o poder do
macho é inconteste.
Assim, ao longo dos anos foi sendo construída a ideia do feminino dócil, gentil e
submisso ao homem. “As mulheres vão se convertendo no feminino que predominou
ao longo de milênios: pessoas dependentes, débeis, frágeis, ignorantes, bonitas para os
homens aos quais devem servir, dóceis, compreensivas” (LESSA, 2012, p.37). Enquanto
isso, o masculino é sinônimo de força, virilidade, riquezas, honra e coragem.
Há uma divisão dos papeis na sociedade de acordo com o sexo, cabendo aos
homens as tarefas que envolvem força e protagonismo social, já às mulheres, restam
as atividades domésticas e os demais papeis de dependência e subordinação. As
diferenças de gênero17 são, portanto, imposições sociais.
Pode parecer ultrapassado trazer à tona o conceito de patriarcado em tempos
em que há regozijo na conquista do mercado de trabalho pelas mulheres, nos avanços
em sua autonomia e na crescente participação na política, no entanto, endossamos as
teorias que afirmam ser o patriarcado um sistema que se transforma para abarcar os
novos modelos sociais, apresentando-se de forma distinta da que fora concebida.
17Há uma série de teorias conflitantes no que tange ao conceito de gênero, todavia, seguindo o
entendimento de Saffioti acreditamos que “cada feminista enfatiza determinado aspecto do gênero,
havendo um campo, ainda que limitado, de consenso: o gênero é a construção social do masculino e do
feminino” (2004, p. 45, grifo nosso). Cabe esclarecer que, seguindo a autora citada, neste trabalho
usamos o conceito de gênero como categoria geral, englobando toda a história, e o de patriarcado como
categoria específica de um período que compreende os seis ou sete últimos milênios até os dias atuais.
Neste sentido, também Aguiar quando afirma que “é perfeitamente possível empregar os dois conceitos,
de gênero e de patriarcado, observando-se, quanto ao primeiro, que ele possui conotações que não estão
presentes no último. Quanto ao patriarcado e o seu lugar na história, observa-se que a diferentes
momentos históricos corresponderiam distintas formas de organização patriarcal, sendo este um
fenômeno variável” (2000, p. 324).
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18 Título de uma canção que foi grande sucesso na voz do cantor Sidney Magal, nos anos 1980.
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19Feminicida é aquele que comete feminicídio. Feminicídio, por sua vez, é o assassinato de uma mulher
por sua condição de mulher. Em uma perfeita definição dada pelo Congresso Nacional no Relatório Final
da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre a Violência contra a Mulher: “O feminicídio é
a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa
como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou
ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual
associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de
seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou
degradante.” (BRASIL, 2013, p. 1003)
20 Os costumes “são as práticas longevas, uniformes e gerais, constantes da repetição geral de
comportamentos, que, pela reiteração, passam a indicar um modo de proceder em determinado meio
social. É a norma criada e afirmada pelo uso social, de maneira espontânea, sem a intervenção legislativa.
Deve ser compreendido por dois diferentes ângulos: (i) objetivo, caracterizado pela repetição ou
reiteração; (ii) subjetivo, percebido pela convicção de sua necessidade
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de livros que tinham como fundamento a discriminação, inclusive, com penas distintas
para um mesmo delito quando praticado por indivíduos de origens diferentes.
No caso do tratamento empregado às mulheres, vale destacar alguns aspectos:
21Art. 250. A mulher casada, que commetter adulterio, será punida com a pena de prisão com trabalho
por um a tres annos.
A mesma pena se imporá neste caso ao adultero.
Art. 251. O homem casado, que tiver concubina, teúda, e manteúda, será punido com as penas do artigo
antecedente. (CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO, 1830. Disponível em: https://goo.gl/mr6k6j.)
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um a seis anos. Mas se fosse “mulher pública” ou “prostituta”, a prisão passaria a ser
de seis meses a dois anos22 (BRASIL, 1890).
No tocante à honra, houve a continuidade, embora implícita, da possibilidade do
marido traído poder assassinar a esposa infiel, tendo em vista que o modo como esse
código trata a legítima defesa, afirmando que ela não se limita à vida, mas compreende
todos os direitos passíveis de lesão, tem a consequência prática de dar licitude à morte
da mulher adúltera ocasionada pelo esposo traído.
A lei foi moldada pelo discurso jurídico, de modo a perpetuar o poder patriarcal
sobre os corpos e acima de tudo, sobre a sexualidade das mulheres, dando azo para a
impunidade no tocante às mortes das esposas infiéis.
Em 1940 a legislação acima referida foi revogada e o código penal que se
sobrepôs permanece vigente até hoje. Apesar da mudança legal, as bases de nossa
sociedade permaneciam intactas e por isso mesmo, não houve transformação radical
no enfrentamento das questões específicas da mulher no que tange à esfera criminal
de nosso país. Mesmo com uma melhor descrição do instituto da legítima defesa23 e
com um capítulo próprio acerca dos crimes contra a honra24, houve um resgate da
teoria da “legítima defesa da honra”.
Para que a legítima defesa seja reconhecida, não se pode ultrapassar a
necessidade de proteção, nem haver a desproporcionalidade entre os meios
empregados na agressão e nos que forem utilizados para impedi-la ou repeli-la. Esses
requisitos são cumulativos e devem necessariamente ser considerados em conjunto.
Porém esse argumento prosperou durante muito tempo, mesmo estando em total
desacordo com a definição legal de “legítima defesa”.
Nunca existiu no Código Penal em vigor qualquer artigo que verse sobre a
“legítima defesa da honra”. A ressuscitação dessa tese só corrobora a ideia de que ao
longo de toda sua existência, a mulher é tida como menos valiosa e menos importante
22 Além disso, permanecia a diferenciação para a configuração do crime de adultério, tal qual o Código
Criminal Imperial. Se a mulher casada cometesse adultério, mesmo que fosse apenas um “deslize”, seria
punida com prisão de um a três anos, já o homem, precisaria de um caso duradouro, ou seja, possuir
“concubina teuda e manteuda”, para se encaixar no tipo penal.
23 De acordo com o artigo 25 do Código Penal em vigor, “entende-se em legítima defesa quem, usando
moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de
outrem”.
24 São considerados crimes contra a honra a injúria, a calúnia e a difamação que corresponde
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que a vida e a honra dos homens. Esse construto social legitimou a morte – pela via do
assassinato – de inúmeras mulheres que tiveram como algozes os seus parceiros
íntimos.
A visão da mulher como propriedade do marido é explorada nos processos
criminais de julgamento desses homicídios. É o que nos conta Eluf, quando traz um
determinado julgamento em que o réu havia matado sua esposa e a defesa reivindicava
a “legítima defesa da honra”. A conduta homicida foi assim explicada: “O réu não podia
suportar a idéia de que outro homem fosse ejacular nas entranhas de onde ele havia
saído” (2007, p. 166).
Colocações como essa eram bastante comuns nesses processos e tinham como
base o machismo e misoginia da sociedade, pois, o ato sexual praticado por uma mulher
fora do casamento era tido como algo “sujo”, “impuro”, passível de condenação moral
e social. Esse recurso à desmoralização da vítima promovia o achincalhe da “adúltera”
e transformava a mulher em culpada por não ter seguido as regras impostas pelo seu
“dono”.
Se, na Roma antiga, o patriarca detinha poder de vida e morte sobre sua
esposa e seus filhos, hoje tal poder não mais existe, no plano de jure.
Entretanto, homens continuam matando suas parceiras, às vezes com
requintes de crueldade, esquartejando-as, ateando-lhes fogo, nelas
atirando e as deixando tetraplégicas etc (SAFFIOTI, 2004, p. 46).
25Maitê Proença tinha apenas 12 anos na época do crime e foi testemunha de defesa do pai. Na época do
ocorrido ela foi uma importante testemunha do processo que culminou na absolvição do pai.
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apenas dois anos de reclusão com sursis26, ou seja, Doca não ficaria preso. Outro fato
marcante desse processo, foi o apoio recebido por Street no dia do julgamento, por
meio de faixas e manifestações em frente ao fórum.
Inconformados com o resultado do julgamento, os movimentos feministas
fizeram um grande alvoroço, a acusação recorreu e foi decidido que Doca passaria por
outro julgamento que ocorreu dois anos depois, em novembro de 1981. Desta segunda
e última vez, a sorte de Doca mudou. Ele foi condenado à pena de quinze anos de
reclusão, por cinco votos a dois, pelo homicídio de Ângela. O Júri compreendeu que
Street não agiu em legítima defesa de nenhum direito, tampouco de sua honra ferida.
A condenação de Doca foi uma verdadeira vitória frente ao machismo imperante
na nossa sociedade. Mas devemos ter cuidado para não cairmos na armadilha de
considerar a violência contra a mulher apenas como algo ocasional. O enfretamento
desse tipo de violência deve ocorrer diariamente, atacando a sua origem patriarcal e
machista para não termos nossas ações obnubiladas em favor dos discursos heroicos
de resistência na esfera individual.
A importância dos movimentos feministas se dá justamente pelo fato de
alertarem para o fato das relações entre homens e mulheres não serem naturais e sim
produto da socialização e da cultura dessas pessoas, sendo então passíveis de
mudanças. No caso brasileiro, as lutas feministas brotaram no contexto da luta em prol
da redemocratização do nosso país, contra a ditadura e contra as desigualdades sociais
sob forte influência das mulheres de esquerda (PEDRO, 2012).
26Sursis significa suspensão condicional da pena. É previsto nos artigos 77 a 82 do Código Penal
Brasileiro. O mencionado Instituto favorece a pessoa que foi condenada à pena que não seja superior a 2
anos, com a suspensão da mesma por até 4 anos, desde que satisfeitas as condições impostas pelo
magistrado. Para ser agraciado com o sursis, a lei estabelece: que o condenado não pode ser reincidente
em crime doloso; que os elementos referentes à prática do crime, tais como a culpabilidade, os
antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente e outros descritos na lei, autorizem a
concessão do benefício; e, por fim, que não seja cabível a substituição por penas alternativas.
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surgiu a Lei 11.340/2006, em homenagem a Maria da Penha Fernandes por sua história
de lutas frente à impunidade dos crimes cometidos por seu ex-marido.
A Lei tipifica os crimes de violência contra mulher no âmbito doméstico e familiar
e a coloca como uma das formas de violação dos direitos humanos, altera os trâmites
judiciais e da autoridade policial; muda o Código Penal e proporciona que agressores
sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada quando
ameaçarem a integridade física da mulher.
Além disso, prevê medidas de proteção para a mulher que corre risco de morte,
como o afastamento do agressor do domicilio e a proibição de sua aproximação física
junto à mulher agredida e aos filhos. Cria os Juizados Especiais de Violência Doméstica
e versa sobre a necessidade de o Estado promover mecanismos de atuação conjunta
para a repressão e responsabilização desses crimes.
Reconhecida como uma das leis mais famosas do país27, a principal fonte
legislativa de coibição à violência de gênero no Brasil, completou, no dia 07 de agosto
de 2016, dez anos e está hoje com quase doze anos de vigência. Nesse período, a Lei
Maria da Penha apresentou avanços no que tange à desnaturalização das violências
sofridas pelas mulheres, mas ainda enfrenta muita resistência em sua perfeita
implementação e aplicação.
Ainda há, perante a sociedade, uma grande desconfiança acerca da real
efetividade desta lei, tendo em vista que os números de violência contra a mulher são
alarmantes em nosso país. Desde sua promulgação, em 2006, até o ano de 2013, houve
um aumento de 600% nas denúncias de abuso doméstico e familiar contra a mulher 28.
Contudo, é justamente nesse processo de denúncia e suas consequências que ainda
residem alguns dos principais obstáculos na efetivação da Lei.
Tem-se observado que ainda há múltiplas resistências para sua aplicação de
forma efetiva. Diuturnamente ganha força a ideia de que o êxito da Lei está ameaçado
pelas inúmeras falhas em sua aplicação. Essas circunstâncias dificultam o acesso à
justiça para as mulheres que acabam, muitas vezes, tendo apenas uma manifestação
27 A pesquisa Percepção da Sociedade sobre Violência e Assassinato de Mulheres (2013) apontou que
apenas 2% da população brasileira nunca ouviu falar na Lei Maria da Penha.
28 A Câmara dos Deputados, nas justificativas do acréscimo do Art.9º-A à Lei n° 11.340/2006, que
determina a reserva de vagas gratuitas nos cursos técnicos de formação inicial e continuada, oferecidos
pelos Serviços Nacionais de aprendizagem, para mulheres em situação de violência doméstica e familiar,
divulga os números ora apresentados.
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formal por parte do Estado, saindo com “um boletim de ocorrência em uma das mãos e
uma medida de proteção na outra” (PASINATO, 2015, p. 535), sem que, realmente haja
políticas públicas que ofereçam real proteção e condições dessas pessoas romperem
com a situação de violência a que são submetidas.
Destacamos a necessidade de haver o reconhecimento social da gravidade
dessas situações para que haja o estabelecimento de políticas que possibilitem a
superação das realidades negadoras dos direitos das mulheres, tendo em vista que
“não é possível fazer emergir uma mulher livre de sua opressão específica sem a
garantia de eqüidade e de liberdade para todos” (SARTI, 2001, p. 48).
Necessitamos também fazer uso de mecanismos jurídicos que consolidem os
direitos necessários para que a dignidade seja exercida de forma plena. Assim, é
pungente a concretização da Lei Maria da Penha como instrumento efetivo de
prevenção e coibição da violência doméstica e familiar contra as mulheres, sem
esquecer as bases sociais fundadas no patriarcado, de modo a combater esse problema
em suas raízes e não por meio da solução de conflitos de maneira isolada.
As políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher devem atuar
constituindo redes de enfrentamento e de atendimento às mulheres em situação de
violência, salientando que a existência de diversos programas e serviços de
atendimento a essas mulheres não necessariamente implica na existência de uma rede
efetiva, tendo em vista que esta consiste em um atendimento qualificado e o diálogo
entre eles, com a finalidade de evitar a rota crítica29 das mulheres que buscam
resolução para a situação de violência sofrida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência contra a mulher não pode ser enfrentada como se fosse algo isolado
que pode ser combatido caso a caso. Para que haja o real enfrentamento dessa questão,
se faz necessário reconhecer a estrutura patriarcal fundante de nossa sociedade. Os
movimentos feministas cumprem seu papel de desnaturalizar as violências de gênero,
pressionando para que haja políticas públicas de enfrentamento e coibição da violência
contra mulheres, inclusive no âmbito doméstico e familiar.
29 A rota crítica consiste nas dificuldades e obstáculos enfrentados pelas pessoas em situação de
vulnerabilidade e violência, caracterizada pelas idas e vindas que fazem o mesmo caminho ser percorrido
em círculos e repetido sem resultar em soluções. Essas repetições resultam nas perdas de energias que
levam a desgaste emocional e revitimização. (CAMARGO e AQUINO, 2003)
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A luta pelos direitos das mulheres não se justifica pela ideia de se fazer justiça
ao lado mais fraco, ao oprimido, do contrário, devemos nos esforçar para não as
enxergar como “sexo frágil”, pois isso não atende às reivindicações relativas à
consolidação dos direitos necessários e urgentes desse grupo humano. A batalha para
que fosse introduzida em nosso ordenamento jurídico uma legislação de proteção à
mulher em situação de violência doméstica se insere num duro processo de análises e
críticas ao sistema normativo brasileiro e à cultura patriarcal.
Traçar a trajetória da Lei 11.340/2006 é voltar ao passado de nosso país,
envergonhar-se da omissão, permissividade e cumplicidade da sociedade brasileira
diante dos milhares de casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, é
enlutar-se pelas que não sobreviveram para endossar a luta pela promulgação da tão
conhecida Lei Maria da Penha. Contudo é também se alegrar diante do êxito dos
movimentos feministas do Brasil em sua aprovação, publicação e por que não dizer,
sobrevivência.
Mas, para que essa lei alcance real efetividade, devemos atentar para a qualidade
do atendimento dado à essas mulheres para não incorrermos no erro de montar uma
estrutura voltada para a satisfação de requisitos formais, mas que na prática não
atendem aos anseios dessas pessoas, do contrário representam mais uma forma de
negação da dignidade delas. Para que essa efetivação seja concretizada, apostamos na
criação de redes de enfrentamento e de atendimento às mulheres em situação de
violência, mas sobretudo no desmonte na sociedade machista e patriarcal em que
estamos inseridas.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, N. Patriarcado, sociedade e patrimonialismo. Sociedade e Estado, Brasília, v.
15, n. 2, p. 303-330, Dezembro 2000. Disponivel em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922000000200006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 14 junho 2018.
BRASIL. Decreto nº 847, DE 11 de out. de 1890. Código Penal dos Estados Unidos do
Brazil, Rio de Janeiro, RJ, out 1890.
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<https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/relatorio-
final-da-comissao-parlamentar-mista-de-inquerito-sobre-a-violencia-contra-as-
mulheres>. Acesso em: 14 junho 2018.
ELUF, L. N. Paixão no banco dos réus: casos passionais célebres: de Pontes Visgueiro
a Pimenta Neves. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
PASINATO, Wânia. Oito Anos de Lei Maria da Penha. Entre Avanços, Obstáculos e
Desafios. Estudos Feministas, Florianópolis, 23(2): 352, maio-agosto/2015. p. 533-
545. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/38874.
Acesso em: 16. jun. 2018.
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SOUZA, J.; BRITO, D.; BARP, W. Violência doméstica: reflexos das ordenações filipinas
na cultura das relações conjugais no Brasil. Teoria e Pesquisa, v. XVIII, n. 01, p. 61 - 82,
jan/jun 2009. ISSN ISSN 0104-0103.
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INTRODUÇÃO
Pesquisas no campo da História da Justiça, prioritariamente, enfocadas em
fontes criminais, passaram a ser incentivadas no âmbito histórico a pouco tempo. Há
quem marque a inovação dessas abordagens, a partir dos trabalhos de autores como
Michel Foucault, com “Vigiar e Punir”, numa delimitação mundial, ou situando para um
contexto brasileiro, Boris Fausto, com “Crime e Cotidiano”, este inclusive, incentivado
pela própria obra de Foucault (FOUCAULT, 1996; FAUSTO, 2001). O incentivo ao estudo
dos ditos agentes silenciados na História acabou crescendo nas últimas décadas, em
fontes Judiciárias sob a ótica de que elas dão vazão a segmentos sociais e recuperam
relações cotidianas (BACELLAR, 2005), sejam de sociabilidade ou intrigas, muito
embora, até mesmo essa premissa já seja refutada (MAUCH, 2013), quando os
depoimentos que ali estão recolhidos resultam de eventos conflituosos.
As fontes selecionadas para a pesquisa provêm dos Fundos da Comarca de Caicó
e Jardim do Seridó, tutoradas pelo Laboratório de Documentação Histórica (Labordoc),
no Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), campus Caicó, cujo acervo dispõe de
diversas tipologias documentais. O laboratório é vinculado ao Departamento de
História, desde sua criação em 1998, que se deu por uma demanda específica ligada à
conservação de documentos da esfera criminal provenientes da Comarca de Caicó.
Dentre o acervo proveniente do âmbito judiciário, a estimativa quantitativa de
documentos custodiados pelo laboratório assenta-se por volta de 30 mil unidades.
Através de um panorama que demonstre o potencial de arquivos judiciários
como fontes de estudo voltadas ao cotidiano, o interesse inicial na pesquisa centrava-
se na investigação de processos onde a figura feminina era colocada em posição de
transgressão, indo em contramão à larga produção já feita sobre violências
empregadas contra a mulher. Dito isso, a discussão vai procurar elaborar uma análise
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minuciosa dos discursos empregados em processos criminais nos quais mulheres são
rés, ensejando o debate em torno das acepções dispostas por estruturas de poder, que
nesse caso, elucida-se pela figura da Justiça. Demarcando também, como essas
interpretações são empregadas no social de agentes construídos e compreendidos
como submissos e passíveis de enquadramentos inferiores.
Subscrita em torno de mulheres que transgridem normas morais e sociais
através de práticas criminosas, a análise se finda dentro de uma ruptura de paradigmas
falocêntricos (BUTLER, 2017), elucidados por estruturas que condicionam construções
ao longo da história, especialmente através dos discursos de poder, cujo viés denota os
variados arquétipos em torno do feminino, transitando por adjetivos de submissa e
inferior. Desse modo, também se demonstram novas perspectivas de entendimento da
mulher enquanto agente histórico, impulsionando essas práticas como instrumentos
velados de resistência. Temos, por exemplo, dentro dessas abordagens de estudos,
Soihet (1997; 2007) e Pedro (2007), das quais extraímos considerações significantes
para a pesquisa.
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femininas, três obras acabaram sendo essenciais para percorrer tais horizontes: a)
Crime e Cotidiano, de Boris Fausto (2001); b) Mulheres que matam, de Rosemary
Almeida (2001); e c) Práticas Proibidas, organizado por Joana Maria Pedro (2003).
A respeito da primeira obra, identificamos a primeira percepção do autor sobre
os “valores, representações e comportamentos sociais através da transgressão da
norma penal” (FAUSTO, 2001, p. 27). Ele traça um período de criminalidade acentuada
em São Paulo, entendida como consequência da presença maciça de estrangeiros na
cidade. Para Fausto, "se apreendida em nível mais profundo, a criminalidade expressa a
um tempo uma relação individual e uma relação social indicativa de padrões de
comportamento, de representações e valores sociais" (FAUSTO, 2001, p. 27).
Em sua obra, ele coloca questões como:
Colocação essa que, corrobora com a ótica de Mauch (2013), que trata o texto
judiciário como fruto de “um produto social, profissional e político, sendo assim, como
tal, deve ser analisado” (MAUCH, 2013, p. 8). Nesse ínterim, deve-se tomar como base
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que os depoimentos que ali constam, não devem ser entendidos, tampouco
incorporados, de modo ingênuo e verossímil. Pois como a própria autora aponta, esses
trâmites processuais acabam compondo um intricado mosaico, a qual cabe ao
pesquisador, um conhecimento prévio das condições específicas de produção, para que
não caia em armadilhas errôneas em suas análises.
Como base para mediar o trato com fontes criminais em geral, podem ser
agregadas a discussão, as contribuições de Barros (2012), entendendo que suas
colocações oferecem subsídios pertinentes à abordagem da pesquisa. Barros dialoga
com um conceito de fontes dialógicas, que segundo definição, trata-se de “um texto
histórico que contém diversas vozes sociais” (BARROS, 2012, p. 9), sejam elas diretas
ou indiretas. O conceito aplica-se especificamente a fontes de cunho criminal ou
inquisitórias, onde diversas vozes emergem, sejam direta ou indiretamente, elencadas
pela figura do escrivão, por exemplo, em fontes criminais. Ou seja, onde envolva um
esforço de compreensão da fala de um outro, mesmo em torno disso, haja uma
manipulação da fala. Para melhor identificar esse tipo de fontes, basta elucidar a ideia
de interposição de mediadores ao longo do texto. Para ele, essa nova fase da História
composta por uma gama extensa de possibilidade de fontes, faz com que,
pesquisadores e especialistas flexionem e reelaborem metodologias diversas para o
tratar adequado do ofício do historiador.
Sobre a obra “Mulheres que matam”, é preciso elucidar sua apresentação sutil e
essencial no entendimento das mentalidades dessas mulheres que matam. A socióloga
Rosemary Almeida constitui essa obra como sua tese de doutorado, cuja estrutura
esmiuça desde as fronteiras dos perfis dessas mulheres transgressoras, traçando por
vezes, discussões que subentendem mecanismos de resistência às estruturas de
repressão (ALMEIDA, 2001).
A respeito da obra “Práticas Proibidas”, mencionada nessa breve revisão
bibliográfica, agregamos a composição organizada por Joana Maria Pedro, proveniente
de um grupo de pesquisas iniciado na década de 1990, na região sul do Brasil, que
investigava essas práticas antigas, de aborto e infanticídio. O seleto conjunto de artigos
reunidos acaba contribuindo de maneira convicta, tanto no entendimento das
construções sociais e históricas em torno dessas práticas, como aponta caminhos que
já foram traçados com o uso de fontes semelhantes, de modo que, demonstram novas
possibilidades de trajetórias a serem exploradas (PEDRO, 2003).
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o feminino agiria sobre jovens que eram desvirginadas e largadas, carregando dentro
de si, um resquício que a marcaria perante aos meios sociais que estava ligada.
O intuito desse estudo não almeja a busca de inocentes ou culpadas. Muito
embora, o peso das sentenças influa diretamente nos resultados das análises, tendo
em vista que, toda a estrutura do processo se concentre num cenário duo, logo, os
discursos modulam-se e ganham rumos característicos, como o uso de adjetivos
pejorativos em relação às rés e apelativos quanto às vítimas, especialmente pela figura
do promotor público, enquanto um sujeito que cumpre seu papel dentro das
engrenagens jurídicas, quanto a busca e condenação das culpadas.
Ao realizar pesquisas tendo como fontes documentos de cunho criminal, o
historiador habitua-se a construir análises profundas no campo das sensibilidades,
entendendo que, cada aproximação com os processos possibilita um novo modo de
interpretação, mesmo que se volte à mesma fonte ao longo do tempo, os filtros críticos
de análise continuam renovando-se sistematicamente.
O trabalho realizado acabou demonstrando como o discurso da Justiça
acompanha e se une à moral social, essa afirmação atesta-se logo na leitura das
páginas finais do processo da ré Elídia, onde a acusação que pesa sobre seus ombros, é
retirada ao se constatar que a criança, se viva, carregaria consigo a vergonha da mãe
perante as relações sociais em que estava inserida. Bem como, os atos de Francisca e
Sebastiana passam a ser relatados de modo menos pejorativo nos processos, quando
ambas passam a aparecer como casadas, com seus respectivos defloradores, sob a
concepção de que, ao entregar sua virgindade enquanto solteira, sua honra só se
reestabeleceria através do matrimônio35.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho de pesquisa com fontes criminais proporciona a construção de um
horizonte de possibilidades de estudo sobre a temática, centradas, em suma, nas
histórias do cotidiano. Favorece ainda, a identificação de fatores sociais latentes nos
arquivos judiciários, seja por meio do discurso marginal feminino, seja pelos espaços
rurais resinificados enquanto cenários propícios a práticas transgressoras, ou ainda,
como esses documentos refletem um tipo de pensamento da sociedade que os produz,
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erigido em questões como: Quem pune? Como pune? Por que pune? Logo, é de se
pensar que, as abordagens nunca se findam, entendendo que, seus entremeios não são
necessariamente fáceis de compreensão, especialmente no encargo interpretativo de
seus conteúdos. Não deve se tratar com leviandade suas estruturas, tampouco ler
ingenuamente o relato transmitido por terceiros, entendendo que discursos de poder
se constroem em todo lugar, inclusive no aparelho jurídico.
As análises se interpuseram levando em consideração as colocações do
aparelho jurídico sobre as práticas transgressoras da moral social e a partir de
desfechos dos processos, identificou-se os subterfúgios discursivos da Justiça.
Atestou-se que, através de fontes criminais, é possível compreender os elementos de
motivação sobre os modos de agir e pensar do ato criminoso. Como também viabilizou
uma delimitação da visão político-social da Justiça sobre esses agentes sociais. Sendo
assim, confirmou a relevância de tais documentos, ligados ao Poder Judiciário, como
importantes fontes para a reconstrução do cotidiano nas Comarcas de Caicó e Jardim
do Seridó, na primeira metade do século XX.
FONTES
LABORDOC/FCJS/PC/Cx. 252. Auto do crime de Infanticídio.1922. Ré: Elídia Maria da
Conceição.
LABORDOC/FCC/PC/Cx. 309. Auto do crime de Envenenamento.1937. Ré: Rosenda
Maria da Conceição
LABORDOC/FCC/PC/Cx. 210. Auto do crime de Infanticídio. 1938. Ré: Francisca Maria
da Conceição.
LABORDOC/FCC/PC/Cx. 230. Auto do crime de Infanticídio. 1942. Ré: Sebastiana Maria
da Conceição.
REFERÊNCIAS
BACELLAR, Carlos. “Uso e mau uso dos arquivos”. In: Fontes Históricas. Carla
Bassanezi Pinsky (org.). 2 e.d., 1° reimpressão. São Paulo: Contexto, 2008. pp. 23-37
CASTRO, Hebe. “História Social” In: CARDOSO, Ciro F. & VAINFAS, Ronaldo (orgs).
Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
pp. 45-59
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MAUCH, Cláudia. O processo crime para além dos crimes. In: XI Mostra de Pesquisa do
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Anais: produzindo História a partir
de fontes primárias. Porto Alegre: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul,
2013. p. 17-31.
SOIHET, Rachel. & PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da História das
Mulheres e das Relações de Gênero. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27,
nº 54, p. 281-300, 2007.
SOIHET, Rachel. “História das Mulheres”. In: CARDOSO, Ciro F. & VAINFAS, Ronaldo
(orgs). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus,
1997. pp. 275-296
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Simpósio Temático 3
PROFHISTÓRIA:
CAMINHOS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTÓRIA
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este trabalho é parte de uma dissertação de Mestrado em Ensino de História –
ProfHistória37 - desenvolvido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
e tem por objetivo discutir a utilização de memes no Ensino de História dentro da
perspectiva do Ensino Híbrido. O intuito é tornar o processo de ensino-aprendizagem do
componente curricular de História atrativo e dinâmico a partir de uma abordagem
didática diferenciada que chame a atenção do alunado, a partir do humor contido nos
memes, para as aulas de História utilizando metodologias ativas de aprendizagem
como o Ensino Híbrido38. Desta forma, o Ensino de Historia tende a tornar-se
significante, uma vez que passa a estabelecer conexões entre os conteúdos escolares
tratados na escola e a vida do aluno.
Partindo do pressuposto que ensinar não é apenas transferir conhecimento39,
mas criar as possibilidades para a sua “produção ou construção”, acreditamos que
educadores e instituições educacionais precisam buscar métodos e caminhos possíveis
para despertar nos alunos o interesse por desenvolver os conhecimentos históricos
dentro e fora de sala de aula, na tentativa de possibilitar que o Ensino de História seja
significativo e significante, considerando os estudantes como sujeitos ativos de
aprendizagem e que trazem para o ambiente escolar, experiências e saberes adquiridos
em suas vidas cotidianas e em ambientes variados de interação.
educador, que deve assumir o lugar de sujeito participativo da produção do saber, é que ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar meios para sua produção. Defende ainda que o processo educativo
constitui-se de uma troca onde quem ensina também aprende e vice e versa.
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OS MEMES
O universo vivenciado pelo jovem do século XXI está inserido no mundo virtual
através das séries, vídeos, jogos, redes sociais, entre outros. O intenso contato com os
meios digitais e de comunicação acabam produzindo impactos sociais que são
refletidos também em sala de aula. Por outro lado, os recursos midiáticos na atualidade
não se limitam ao entretenimento. Nossa sociedade está cada dia mais conectada: no
transporte público, nas agências bancárias, nas informações, comunicações e tantos
outros. Por tanto, a apropriação dos recursos técnicos e virtuais são fundamentais para
o amplo desenvolvimento da vida em sociedade, que neste trabalho, usamos os memes
como ferramenta e elo entre este universo digital e a sala de aula.
Um meme é composto por uma imagem com texto curto, contendo ou não
humor, que apresenta certa carga interpretativa e que possui intencionalidade
relacionada a pessoa ou grupo que o produz. Apesar da temática desse trabalho ser
40 Recursos didáticos midiáticos podem ser entendidos como ferramentas tecnológicas e virtuais que
podem ser utilizadas a favor da educação.
41 As metodologias ativas utilizadas nesse trabalho são: Ensino Híbrido e Sala de Aula Invertida que será
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não possuem finalidades acadêmicas, tendo como principal objetivo extrair risadas de
quem os vê.
Em função do potencial de comunicação deste elemento virtual, alguns estudos
estão sendo desenvolvidos como o intuito de atribuir ao meme caráter pedagógico. Na
Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE, por exemplo, está sendo
desenvolvida uma pesquisa sobre análise de memes históricos de internet em páginas
do facebook pelo professor Silvio Cadena48. Ele conceitua os memes como sendo
“imagens estáticas associadas a textos ou não, ou o texto em formato de imagens (gif,
png, jpeg) que foram produzidas e circuladas em redes sociais [...] sejam eles dotados
ou não de humor”. (CADENA, 2017, p. 7). Também podemos encontrar trabalhos que
envolvem o uso de memes na matemática49 e no estudo da língua portuguesa50 por
exemplo. No campo educacional, de maneira geral, os memes podem ser usados de
forma multidisciplinar, como foi citado no artigo publicado na página do UOL
Educação51 do dia 16 de agosto de 2017, cujo título era: “Está estudando memes? Eles
também podem ser colocados no ENEM”, no qual a autora Ana Carla Bermúdez fala das
possibilidades do aparecimento dos memes no Exame Nacional do Ensino Médio, uma
vez que essa ferramenta midiática possibilita a elaboração de questões que exijam do
aluno o senso crítico além do domínio de conceitos fundamentais da língua portuguesa
como polissemia, homonímia, conjunções e duplo sentido. Esta reportagem aponta
para o uso de elementos do universo virtual, memes e redes sociais, no processo
educativo.
Os memes podem ser produzidos com finalidades diversas, por pessoas ou
grupos. Eles podem ser expressão do contexto social, mas também podem ser uma
forma de influência, que favorecido pela dinâmica do universo virtual, propaga-se
rapidamente pela sociedade. Desta forma, a apropriação e a utilização de memes como
48 Silvio Cadena, mestrando da Universidade Federal Rural de Pernambuco que pesquisa os memes de
internet em páginas do Facebook que envolvem as relações entre História Pública e a Escolar.
49 Memes e educação matemática: um olhar para as redes sócias. Disponível em:
http://www.sbem.com.br/enem2016/anais/pdf/5825_2391_ID.pdf. Acesso em 18 maio. 2018; Um
retrato da matemática segundo os memes: potencialidade para o ensino-aprendizagem. Disponível em:
http://tecedu.pro.br/wp-content/uploads/2015/12/Art14-vol13-dez2015.pdf. Acesso em 18 mai. 2018.
50 O Ensino de Língua Portuguesa por meio de memes. Disponível em:
https://www.editorarealize.com.br/revistas/sinalge/trabalhos/TRABALHO_EV066_MD1_SA16_ID965
_13032017153321.pdf. Acesso em 21 mai. 2018; O Gênero meme nas aulas de Língua Portuguesa.
Disponível em: http://seer.unipampa.edu.br/index.php/siepe/article/view/19446. Acesso em 21 mai.
2018.
51 Disponível em: https://educacao.uol.com.br/noticias/2017/08/16/esta-estudando-memes-eles-
tambem-podem-ser-cobrados-no-enem.htm. Acesso em 18 ago. 2017.
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TECNOLOGIA E ENSINO
Não se pode negar que vivemos em um mundo digital no qual a tecnologia faz
parte do nosso cotidiano, dentro e fora das escolas. Por estar imerso em uma sociedade
digital, o aluno precisa incluir-se nela de maneira autônoma e consciente, devendo a
escola contribuir para esta inserção. Cabe a escola a função de instrumentalizar os
jovens para o uso social e crítico-cidadão das ferramentas digitais e virtuais, as quais já
fazem parte de suas vidas, sem serem dominados por elas, assumindo o protagonismo
de suas ações midiáticas, para que eles não sejam apenas receptores e replicadores de
conteúdos digitais online. Mas também que os alunos possam exercer o senso crítico e
criativo sobre o universo virtual com o auxílio do Ensino Híbrido e do trabalho com
memes. José Moran (2015) defende a importância da busca por modelos educacionais
mais eficientes, superando os modelos conteudistas, para que a educação possa ter
maior relevância para o jovem.
Uma das alternativas para que o Ensino de História seja relevante e significante
para os estudantes do Ensino Básico é a utilização das tecnologias digitais na educação,
uma vez que elas fazem parte do cotidiano deles e têm proporcionado alterações na
escola, na sala de aula e nas relações entre os alunos e o professor. Por outro lado, o
simples uso de dispositivos como projetores de imagem, lousa eletrônica e
computadores nas escolas, não garante que o processo de ensino-aprendizagem tenha
se modificado, esteja dinâmico ou significativo para o aluno. No que se refere ao Ensino
de História, o processo de aprendizagem torna-se significativo quando oportuniza o
desenvolvimento de habilidades que os alunos possam desenvolver durante a vida
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ENSINO HÍBRIDO
As metodologias ativas, como o Ensino Híbrido, de acordo com José Valente, são
propostas de práticas pedagógicas que estão em oposição à educação bancária
(FREIRE, 1987). Enquanto nesta o aluno atuava de forma passiva, recebendo as
informações, nas metodologias ativas ele assume uma postura mais participativa. O
Ensino Híbrido é uma metodologia ativa ou um modelo educacional que prioriza o maior
envolvimento do aluno no processo de ensino-aprendizagem. Nesta metodologia, o uso
de tecnologia se faz indispensável em pelo menos em uma das etapas da
aprendizagem, combinando momentos na escola com os vivenciados nos demais
ambientes sociais frequentados pelos alunos. Os recursos que o professor
52Metodologia ativa é uma concepção educacional que coloca o estudante como principal agente do seu
aprendizado, tendo o professor como um orientador do processo ensino-aprendizagem.
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disponibiliza, através do Ensino Híbrido vão além do quadro, dos livros e dos muros da
escola.
Dentre os significados que se pode encontrar a respeito do termo “Híbrido”, tem-
se o entendimento de que é algo formado por elementos diferentes e que se associam.
Abordando em uma perspectiva educacional, seria pensar o processo de ensino de
forma mais fluida, mesclando ou misturando os elementos da sala de aula formal com
os demais espaços de convivência do aluno, em especial os digitais, tornando a
educação mais flexível. Para um entendimento mais simplificado a respeito desta
metodologia, O Clayton Chistensen Institute53 apresenta uma definição ilustrativa de
Ensino Híbrido, conforme figura abaixo:
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ETAPAS DE DESENVOLVIMENTO
No desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, o uso dos memes se
dá em dois momentos diferentes: análise e produção. Na primeira fase, o professor
apresenta os memes já elaborados para análise da imagem de acordo com as etapas
de ensino, podendo ser usado tanto para levantamento de conhecimentos prévios dos
alunos, quanto no decorrer dos temas trabalhados. O material utilizado pelo professor
nesta fase tanto pode ser produzido por ele, quanto retirado de páginas da internet55.
Mediante questões norteadoras, o professor direciona o processo de análise do
material digital, tendo como base o conteúdo trabalhado em sala de aula e oferecendo
Há fanpages que produzem memes históricos como é o caso da “Memes Históricos” e o Museu de
55
Memes da UFF que podem ser usados como fontes para seleção do material virtual a ser usado em sala.
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No segundo momento
Na segunda fase, após a conclusão das discussões, apresentação de conteúdo,
vídeos, links e demais recursos pedagógicos que serão disponibilizados tanto no livro
didático e aula expositiva, quanto no blog da turma, o aluno elabora o meme com base
no conhecimento adquirido no processo de ensino-aprendizagem, o qual será
compartilhado no blog. Assim, a produção de memes torna-se um feedback do
conhecimento adquirido pelo aluno e ao mesmo tempo uma avaliação de aprendizagem.
Para a produção do meme, o aluno pode utilizar um site gerador de memes, como por
exemplo, o meme Generator, conforme imagem abaixo:
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Imagem do processo de elaboração de memes retirado do site gerador de memes “Meme Generator”.
Disponível em: <https://imgflip.com/memegenerator>. Acesso em 20 jun. 2017.
Outra opção para a criação dos memes é através de aplicativos de celular, nos
quais o aluno poderá trabalhar de forma on-line e off-line com imagens baixadas da
internet ou do seu dispositivo. A sugestão é utilizar o aplicativo PhotoGrid, conforme
imagem a baixo:
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informática ou mídias para elaboração dos memes. Neste trabalho, o processo descrito
está inserido na metodologia de Ensino Híbrido, que é utilizada nas aulas de história e
no ambiente virtual, tendo como produto o blog da turma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho propunha-se a apresentar uma proposta didático-pedagógica que
utiliza memes históricos como ferramenta didática capaz de tornar o Ensino de História
atrativo e dinâmico. Como o desenvolvimento das pesquisas, constatou-se que o
trabalho com este elemento digital possui amplas possibilidades pedagógicas, muito
embora, este trabalho tenha se detido apenas apresentar uma proposta que enfatizou
apenas a sua análise e produção. Em se tratando da prática pedagógica, a utilização de
memes nas aulas de História pode ser um elemento de atração e identificação dos
alunos possibilitando o estabelecimento de relações entre o currículo escolar e a vida
dos alunos.
A utilização de celulares através de aplicativos, mediante metodologia de Ensino
Híbrido, possibilita que o tempo, que antes era dedicado ao uso dos dispositivos móveis
em redes sociais, seja empregado nas aulas com o intuito de obter
elementos/conhecimento necessário para elaboração dos memes. Perceber a
tecnologia como uma aliada e não um empecilho é apenas o primeiro passo para a
busca de uma educação de qualidade na qual o Ensino de História seja atrativo e
dinâmico em sala de aula e que o processo pedagógico possibilite a aprendizagem
significativa.
REFERÊNCIAS
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nativos digitais no Brasil e seus comportamentos diante das telas. Matrizes. São
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p. 1-12. Disponível em:
<https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=10318636025064148224&hl=pt-
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alunos-abracam.html>. Acesso em 30 mar. 2017.
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INTRODUÇÃO
É a partir da Escola Estadual João Henrique Dantas, localizada na cidade de
Carnaúba dos Dantas, que se relata a experiência deste trabalho. Endereçada na rua
José Victor, no Centro da cidade, está sob a superintendência da 9a DIRED. Então, as
linhas escritas a seguir remetem a uma experiência docente, proposta pela atividade de
Estágio Supervisionado III, na turma do 1o ano “B” do ensino médio regular, no
expediente vespertino.
São as disciplinas de Biologia, Química, Física, Matemática, Língua Portuguesa,
Língua Inglesa, Língua Espanhola, Artes, Educação Física, Filosofia, Geografia e História
que compõem o currículo destes estudantes. Sendo programada semanalmente, duas
horas/aula para a disciplina de História, distribuídas no mesmo dia.
O período de observação da turma estava centrado nas discussões do Mundo
Antigo, sendo o momento em que se trata das primeiras formações de civilização desde
o Oriente Médio à África ao norte do Saara, mais especificamente, Antigo Egito. No
cumprimento desses assuntos, o planejamento e a professora-tutora anunciavam o
próximo conteúdo, que seria o da parte de regência, definido pelos regulamentos do
estágio supervisionado. Conteúdo o qual era apresentado como “O mundo grego:
democracia e cultura” (BOULOS JÚNIOR, 2006) no livro didático.
Participaram 28 alunos das atividades. Ocorreram durante um período de
regência de três encontros, somando 2 horas/aula cada encontro semanal. Ocupando
regularmente uma sala de aula, com a disposição de quadro e um projetor multimídia
sempre disponível em seu apoio pedagógico. Todos os estudantes dispõem-se de uma
série de materiais escolares, dentre eles 1 caderno de dez matérias, 1 caderno de
desenho, lápis grafite, canetas, borracha e lapiseira.
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METODOLOGIA
Foi pelas ideias de democracia que o experimento se direcionou. Pelos preceitos
e pela complexidade do modelo antigo ao contemporâneo que inspiraram nossas
atividades. Então, desde o primeiro encontro ocorre uma eleição de um único
presidente, em formato de assembleia de maioria simples, a qual, cada estudante,
levantando a mão, representava a soma de voto ou até mesmo anulação do mesmo.
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Eleito então este presidente na classe, teria ele poder de decisão sobre dilemas,
ainda mais a atribuição de valores classificatórios na entrega de um exercício referente
ao conteúdo, posteriormente proposto. Já no segundo encontro, após a resolução deste
exercício, o primeiro presidente eleito entregaria uma relação dos valores por ele
atribuídos. Classificou assim cada entrega da lista como A, B ou C. Sendo A: a atribuição
da nota mesmo sem ter realizado o exercício por completo; B: atribuição da nota em
questão, somente por ter realizado; C: nota desconsiderada, mesmo realizado o
exercício de maneira desejável.
Após o apontamento do eleito, num segundo momento se define três grupos
baseados nessa classificação, a fim de que o grupo A tenha mais votos em relação ao
B, que por sua vez tem proporcionalmente mais votos para serem distribuídos na
eleição seguinte, como fosse o desenvolvimento aristocrático, no sentido de promover
privilégios a um determinado grupo, que também nos aproxima da nossa democracia
contemporânea, quanto mais indireta, em matéria de legenda.
Agora um processo eleitoral que conta com os cargos de presidente e dois
conselheiros, para que discutam entre si as mesmas atribuições de classe, por fim, até
reformulá-las. Sendo o líder anterior impedido de se candidatar de novo, percebemos
uma rotatividade de poder, e por isso parece ficar mais séria a relação com o
mecanismo.
Ao final do percurso de regência docente, propõe-se uma produção escrita
individual na qual impulsionasse um esforço de correlacionar os conceitos que
envolvem a história antiga ocidental, dentre eles a Democracia, com os caminhos do
experimento em sala de aula, até os sentimentos e expressões de como entendiam
política, antes ou depois do laboratório.
Eram jovens entre 15 e 18 anos que por muito queixavam suas relações com a
urna e a impotência de mudança de cenário político nacional. Porém, escreveram sobre
práticas políticas em sala de aula, e até aproximaram as informações contidas no
assunto com fatos da política de âmbito municipal.
RESULTADOS
Percebemos permanências e alterações na atribuição de classificação, quando
muitos nomes saltaram do conceito C ao A, na transitoriedade de um mandato ao outro,
assim como também ocorreu a inalteração para alguns estudantes.
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Uma temática, ou pelo menos uma palavra, por muito foi o tocante em boa
parte dos trabalhos. A “corrupção” foi retratada em relação a política nacional, mas
também aos meandros do experimento em sala de aula. Expressaram em seus escritos
a notória diferença entre as posturas dos governantes em seus respectivos mandatos
na classe, assim como também consideraram, de forma negativa ou positiva, o voto
nulo.
Houve referências a antiguidade quando percebiam a aproximação e o
distanciamento da Democracia grega com o modelo democrático contemporâneo, se
apropriando da essência dos conceitos que as envolvem, e até as outras contribuições
dos antigos expostas ao decorrer das aulas, como para a matemática e a música. Outra
observação que não pode ser invisível a nossa avaliação, é a de potencial
correlacionadora com alguns fatos da política municipal, como quando escrevem sobre
a participação de minorias de poder às candidaturas, e apontam para o dado das
minorias na Grécia antiga, quase sempre invisibilizadas nos processos democráticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não deixa de ser um esforço crítico um ensino de História pautado na avaliação
da aprendizagem. A abordagem do diagnóstico e pela inclusão, nos aparece como uma
via para a expressão mais subjetiva do estudante, e para a complexidade da crítica ao
Ato de Examinar, quando “Podemos estar utilizando instrumentos inadequados para
coletar dados sore o seu desempenho, fator que nos conduz a enganos a respeito de
nossos educandos” (LUCKESI, 2011, p. 31) e isso pode nos levar ao reducionismo do
aprovado ou reprovado.
Produzimos num espaço curto de tempo, a partir de um princípio de
diagnóstico, um levantamento de dados referentes as relações desses estudantes
quanto a cidadania e seus sentimentos políticos; da autonomia da expressão através de
um pouco do que pensam história e poderiam dissertar; do potencial do conteúdo
previsto no currículo se apresentar como conhecimento que, minimamente, tenha
sentido em seu cotidiano. Uma atividade que por si só demanda um contato mais
profundo e contínuo à plenitude de seus objetivos.
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REFERÊNCIAS
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições.
São Paulo. Cortez, 2011. 22a ed.
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Simpósio Temático 4
ÍNDIOS NA HISTÓRIA:
TEMAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO E PESQUISA
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INTRODUÇÃO
A História das Culturas Indígenas no Brasil precisa ser reescrita, uma vez que
ela sempre foi lembrada como temas de povos existentes apenas na região norte, e o
que é pior, mais precisamente no estado do Rio Grande do Norte, por muito tempo
foram lembrados como povos extintos. Hoje, o seu estudo já é obrigatório em todas as
escolas do ensino fundamental e médio graças a Lei 11. 645/08 e com ela surge os
seguintes desafios, o de como a educação no ensino de história lida ao tratar das
questões étnico/raciais? o de como lecionar sobre estes povos indígenas, se é fácil
constatar que a imensa maioria do professorado na educação básica desconhece a
população indígena em nosso país e nem nunca ouviram falar que atualmente no estado
do Rio Grande do Norte, povos reivindicam o seu reconhecimento indígena? Este
professorado nem ao menos sabe quantos povos brasileiros se autodeclararam índios
no censo IBGE/2010, então, como tratar dos povos indígenas do Rio Grande do Norte,
se no senso comum e no ambiente escolar apenas se conhecem os índios da Região
Norte, quando muito? Considerados portadores de uma suposta ‘cultura pura’esses
índios da região norte, se opõem aos índios da região Nordeste, que sofreram
colonização há mais tempo, sendo que os índios do estado do Rio Grande do Norte não
é uma exceção, assim como os do Nordeste, eles tem suas identidades
sistematicamente negadas e são chamados de ‘caboclos’. Esse termo era bastante
utilizado em meados do século XIX pelos colonizadores e pelas autoridades que
defendiam o fim dos aldeamentos e muito contribuiu para a invisibilização desses
povos indígenas na história. Como se não bastasse, a historiografia local também muito
contribuiu para esse apagamento, com os escritores Câmara Cascudo, Rocha Pombo e
Tavares de Lira, não se tinha dúvida quanto o seu desaparecimento total. Até que
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Figura 1: A falta de um mapa atualizado com as populações indígenas do Rio Grande do norte expressa
o quanto essa temática indígena ainda espera por investimentos em estudos58.
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fim dos anos de 1990 e início da década de 2000, onde estes autores incluem eventos
como a comemoração dos “500 anos” do Brasil, bastante criticada e refutada por povos
indígenas do Nordeste e cientistas sociais. Vale salientar ainda que, a divulgação dos
números dos censos do IBGE de 1991, 2000 e 2010 atestando a presença de índios no
Rio Grande do Norte motivou o surgimento de estudos por pesquisadores da UFRN
visando discutir a presença indígena no estado.
Observemos que o mapa do Rio Grande do Norte (Figura 1) apresenta a presença
de povos indígena, embora o número esperado para esta região pudesse ser maior,
podemos interpretá-lo além dos impactos da colonização europeia, a falta de
conhecimento. O índio Gersem Baniwa (2006, p. 49), conforme citado por SILVA (2012,
p.216), escreveu o seguinte sobre a sociodiversidade dos povos indígenas:
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Desta forma podemos entender que afirmar a sociedade indígena, não só no Rio
Grande do Norte, mas também em qualquer lugar do mundo, é reconhecer os direitos
60Coordenadora do Grupo de Estudos da Questão Indígena no Rio Grande do Norte- Grupo Paraupaba-
MCC/UFRN e integrante da Comissão Pedagógica do Museu Câmara Cascudo-MCC/UFRN. Disponível
em: http://indigenasnorn.blogspot.com.br/ Acesso em 22/10/2016.
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Embora amparado pela Lei, o estudo da cultura indígena jamais pode ser visto
como mera obrigação ou cumprimento de conteúdo, mas graças a ela, passa a existir
no âmbito de todo currículo escolar, em especial na área de educação artística, de
literatura e história brasileira, pois é nos debates em sala de aula que podemos
desconstruir visões preconceituosas e deturpadas relacionados aos índios. O berço dos
conflitos dessa conversação é a escola, proporcionando a troca de experiências, uma
vez que é lá que se inicia a fase que entra em discussão a cultura indígena já integrada
ao currículo escolar. Pereira (2017, p. 15) apud Guedes, Nunes e Andrade (2013, p. 422)
segue dizendo que “nesse cenário, a Escola se torna, inevitavelmente, um lugar
privilegiado que reflete, através de diferentes perspectivas, o rico e desafiador enredo
das relações sociais”. Portanto, a influência que este assunto e lei causam em sala de
aula é de suma importância para estimular os alunos e os professores na discussão do
assunto, e o professor se sentirá seguro ao abordar esse tema já que existe uma lei que
o auxilia nesse processo. É necessário encontrar uma forma correta de abordar essa
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esteja presente, devemos mostrar que a diversidade étnica no Brasil é normal uma vez
que somos um país de diversas expressões socioculturais, étnicas e religiosas,
resultado da junção de complexos e diversos fenômenos. É necessário,
problematizarmos as ideias e afirmações de identidades gerais como a mestiçagem no
Brasil, discurso ainda bastante utilizado para negar, desprezar e suprimir as
sociodiversidades existentes no país. Reconhecer, afirmar e respeitar o direito às
diferenças significa questionar o discurso da mestiçagem como identidade nacional,
usado para esconder a história de índios.
Precisamos de uma sociedade ativa e fortalecida para o enfrentamento desses
negativos fenômenos, requerendo junto à atuação de um Estado efetivo, a articulação
de diversos tipos de intervenção que vão desde o repúdio às práticas preconceituosas
e o incentivo às ações de valorização da população indígena, além da combinação de
políticas afirmativas com as políticas sociais universais.
Agora, nos inclinando um pouco mais para o ensino de História, de acordo com
Monteiro (2017, p. 6) em seu trabalho Lei 10.639 na intervenção dos estagiários do
PIBID de história da UFRN-RN no ano de 2011, hoje esse ensino representa grandes
desafios uma vez que não existe uma fórmula única para se ensinar e as mudanças e
transformações sobre os estudos são constantes e vistos de forma natural uma vez
que a sociedade também está em mutação. Sendo assim, podemos verificar que os
trabalhos sobre como estudar e ensinar história tem crescido de maneira significativa
bem como o aumento dos cursos de graduação nessa área, porém, esse crescimento
nunca será suficiente para dizermos que encontramos a forma certa e devida para esta
tarefa de melhor ensinar o conteúdo de história para o melhor aproveitamento e
aprendizado por parte dos alunos.
Diversos trabalhos reafirmam que o ensino de História no Brasil apresentou
mudanças e permanências ao longo do tempo, mostrando que profissionais e teóricos
tem se dedicado a tratar sobre a metodologia que deveria ser utilizada, porém a forma
de repetição e de memorização embora muito criticada e um tanto quanto ultrapassada
continua sendo utilizada ainda nos dias de hoje, bem como a utilização apenas do livro
didático como guia de transmissão do conhecimento de professor para aluno. Este
método tradicional de lecionar representa um desafio a ser mudado e um limite para as
novas linguagens. Nas aulas Tradicionais, o professor é considerado como agente do
conhecimento, o transmissor da verdade histórica e os alunos são apenas os
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básicas de nosso país ainda sofrem em pleno século XXI, com esses desafios
apresentados pela necessidade de renovação no ensino de História, evidencia que “para
mudanças de maior monta, requer-se solidez teórico- metodológica no planejamento
docente” (2010, p.1). As possibilidades que ela apresenta ainda neste artigo citado são:
A autora parte do princípio que o professor para superar estes desafios tem que
está constantemente se auto avaliando, assumindo o papel de um sujeito cognoscente
diante do seu objeto, ou seja, o professor deverá assumir a postura de um sujeito
pensante e de um profissional intelectual.
A Lei criada em 2008 não diminui os desafios, muito pelo contrário, com a
obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena passou-se a
pensar mais em políticas educacionais, bem como os limites e as possibilidades de uma
educação étnico-raciais. Diante dessas reflexões, questões de como fazer as
abordagens tratando do tema com a devida importância, quais conteúdos devem ser
transmitidos aos alunos, quais temas são de maior relevância no que diz respeito a
História Indígena e sua contribuição para a formação brasileira, e no que se refere ao
suporte necessário, até que ponto a lei dará o respaldo para a implementação
necessária e o apoio das políticas educacionais que regem a educação no Brasil? São
algumas das tantas outras inquietações que assolam os atuais professores que se
veem diante desse desafio.
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Sugestões bibliográficas
• CAVIGNAC, Julie A. A etnicidade encoberta: ‘Índios’ e ‘Negros’ no Rio Grande do
Norte .
• GUERRA, Jussara Galhardo Aguirres. Mendonça do Amarelão: os caminhos e
descaminhos da identidade indígena no Rio Grande do Norte. Dissertação de
Mestrado em Antropologia. Recife, 2007.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Já sabemos a implementação da Lei 11645/08 trouxe muitos benefícios ao
tratamento das questões étnicas, o estudo e as discussões em sala de aula nos dias
atuais sobre a História Indígena é notória, porém, mesmo assim ainda não existe uma
coerência entre a teoria e a prática no que diz respeito a essa lei e muita coisa ainda
precisa ser revista, como por exemplo, o estudo da História do Rio Grande do Norte não
é obrigatória, ficando os alunos tendo que estudar e ver nos seus livros didáticos
apenas os índios de outras regiões contribuindo para as deturpações. Além disso,
infelizmente, ainda encontramos profissionais da educação sem o preparo necessário
para trabalhar as questões relativas à História Indígena no Brasil quanto mais no nosso
estado, coisa que sabemos que falar de índios na contemporaneidade não é uma tarefa
fácil, pois inclusive nós pesquisadores, muitas vezes nos deparamos cometendo erros
que já deveriam ter sido eliminados, no que se refere a tentar explicar uma ideia
referente a esses povos atuais, com uma visão que aprendemos durante toda a nossa
vida escolar. É necessário, fugirmos dessa tendência e para isso vimos que não basta
apenas darmos uma educação sem discriminações, não basta dar apenas “as
ferramentas” para o trabalho é preciso ensinar a usá-las, uma vez que o professor tem
nas mãos uma grande responsabilidade, dar uma educação que sirva para fazer com
que as diferenças sociais sejam respeitadas, onde todas as preocupações devem estar
acompanhadas de um conhecimento a respeito das diversas culturas que formam o
País.
Em muitas escolas a lei 11645/08 ainda não é aplicada de fato, por não terem
professores preparados sobre o assunto, a maioria não teve durante a sua graduação
disciplinas que lhes proporcionassem tal conhecimento, se fazendo necessário um
apoio maior para a formação continuada desses professores, e além disso ainda existe
muitas vezes, desinteresse da própria escola em levar adiante o tema. Encontramos
professores se esforçando para incluírem em suas atividades assuntos que valorizem
o conhecimento indígena, sendo que a própria instituição não apoia, não valoriza, ou não
se engaja para promover esse ensino.
A partir dos referenciais teóricos utilizados e também através de um
conhecimento já existente, percebemos ainda que as mudanças no ensino e nos
métodos de lecionar são muito difíceis, uma vez que para mudar o seu método, não se
pede apenas que o professor mude de técnica, pede-se para que ele próprio mude, e
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ainda foi-se comprovado que não existem métodos mais corretos ou melhores do que
outros, e que a questão não é dizer que devemos abandonar de vez o modo tradicional,
para eliminar as dificuldades existentes no ensino de História, mas sim, provocar e
estimular mudanças nas formas de ensinar de modo gradual e contínuo para que não
acabe trazendo consequências contrárias e indesejadas.
Por fim, devemos reconstruir uma sociedade que embora étnica, plural e
cultural, acima de tudo respeite a diversidade de um povo e que mais trabalhos sobre a
História Indígena do Rio Grande do Norte seja concluído para dar voz e visibilidade a
estes povos que depois de tanto tempo calados pelos discursos hegemônicos de
séculos, agora se mostram proferindo voz própria.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Crislane Barbosa de. A Renovação dos conteúdos e métodos da História
ensinada. In: Revista Percursos- Florianópolis, v.11, n. 02, jul./dez. 2010.
GUEDES, Elocir; NUNES, Pâmela e ANDRADE, Tatiane de. O uso da lei 10.639/03 em
sala de aula. Revista Latino- Americana de História. Vol.2, nº.6- Agosto de 2013 –
Edição Especial. PPGH-UNISINOS.
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. e MEDEIROS NETA, Olívia Morais de. A
questão indígena no Rio Grande do Norte. Aula de nº 4 da disciplina História do Rio
Grande do Norte, preparada para o Curso Técnico de Nível Médio Subseqüente em
Guia de Turismo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do R. G. do
Norte – IFRN.
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SPINELLI, Ana Cristina. (Coord). Marco Conceitual dos Povos Indígenas do RN. UGP.
Projeto Integrado de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte – RN
Sustentável. Aprovação publicada no Diário Oficial do Estado através da Portaria
SEPLAN 011/2013 de 14 de fevereiro de 2013.
Sites:
Diário Oficial da União (2008, Seção 01). Lei 11.645/08. Acesso em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/11645.htm. Despacho do
Ministro, publicado no Diário Oficial da União de 11/03/2008- página 1 (publicação
Original).
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INTRODUÇÃO
Esse trabalho investigou o processo de conquista do litoral norte da Capitania
do Rio Grande no século XVI. A partir da análise da Arqueologia Histórica,
compreendendo como foram estabelecidos as relações entre os grupos indígenas e os
europeus nesse período do contato. Investigando o cruzamento das informações
contidas nas fontes cartográficas, escritas, dos relatórios de prospecções dos sítios
arqueológicos, dos artigos produzidos e das fotografias dos artefatos arqueológicos.
As primeiras produções historiográficas sobre esse litoral, ocorreram nas
primeiras décadas do século XX, intituladas de historiografia clássica63. Teve como um
dos principais expoentes o historiador Francisco José da Rocha Pombo, na sua obra
História do Estado do Rio Grande do Norte (1922) traça todo o perfil da história do
Estado até o ano de 1920, destacando mais da metade de sua obra ao período colonial.
Porém, como era comum nas produções do período64, fez uma narrativa construída sob
a valorização do viés dos conquistadores portugueses, sendo esses, senhores do
território. Tanto ao descrever os primeiros contatos desses com os grupos indígenas
relatados nas viagens de Américo Vespúcio, pelo litoral, em 1501. Como também ao
descrever os embates entre portugueses e holandeses na Capitania do Rio Grande em
1633. Exemplo disso, o título do capítulo 11 é “O Domínio dos Intrusos”, tratando sob o
período da dominação holandesa na dita Capitania.
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65Utilizamos o termo “morador” para todos os habitantes da Capitania, incluindo colonos e indígenas. De
acordo com o Dicionário do Padre Rafael Bluteau, morador seria aquele que “mora, habita” (BLUTEAU,
1789, p. 96). Nessa perspectiva morador seria todos aqueles que habitavam a Capitania do Rio Grande.
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FONTES E METODOLOGIA
Para dar respaldo a essa investigação foram utilizadas diversas tipologias de
fontes, sendo assim, utilizamos 4 fontes cartográficas do século XVI, como cartas, atlas
e livros produzidos em países europeus como: Portugal, França e Espanha. Os
documentos cartográficos são: Atlas de Nicolas Vallard (1547), Mapa de Diogo Homem
(1558), Mapa de Bartolomeu Velho (1564) e o Mapa de Jaqcques de Vaulx de Claye
(1579).
Outra tipologia de fonte analisada são quatro relatórios de diagnóstico e
prospecção arqueológica feitos no litoral norte, entre os anos de 2012 e 2015,
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A CARTOGRAFIA DA CONQUISTA
Entre os séculos XV e XVI dá-se uma verdadeira revolução na ciência e na arte
cartográfica. Na ciência, pela introdução das latitudes observadas, do meridiano
graduado nas cartas e do cálculo do valor do grau terrestre, o que permite uma
representação muito mais exata da superfície do planeta. Na arte, pela formação e
concretos, dos efeitos do mercantilismo e do capitalismo que foi trazido da Europa em fins do século XV
e que continua em ação ainda hoje (ORSER JÚNIOR, 1992, p.23).
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de ciência), “espaço percebido” (resultante dos percursos e deslocamentos cotidianos), “espaço vivido”
(imagens e símbolos espaciais veiculados pelos habitantes, mas também por artistas, viajantes etc.)
(FONSECA, 2011, p.74).
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nos relata que “a cartografia, por mais que não possa ser vista como um discurso
neutro e objetivo, é obra de ficção sobre um espaço imaginado que se torna real apenas
por meio de um discurso persuasivo convincente” (OLIVEIRA, 2014, p.165).
70 Sobre o projeto indicamos a leitura do artigo: ALBUQUERQUE, Paulo Tadeu de Souza; SPENCER,
Walner Barros. Projeto Arqueológico: O Homem das Dunas (RN). Clio Série Arqueológica, n° 10, 1994, p.
175-188.
71 No lugar conhecido como Zumbi[município de Rio do Fogo] localizaram-se nove manchas com cerâmica
Tupiguarani, formando ocas, distribuídas em forma de ferradura, modelo que se repete em mais quinze
sítios entre Muriú e Punaú, nos municípios de Ceará-Mirim e Maxaranguape (MARTIN, 1997, p.148).
72 Os sítios estão registrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos CNSA/SGPA. O sítio
apresenta os sítios arqueológicos brasileiros cadastrados no IPHAN, com todo o detalhamento técnico
e filiação cultural dos Sítios Arqueológicos. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/sgpa/?consulta=cnsa, acessado em: 14 jul.2018.
73 A grande extensão territorial que o Tupi alcançou é realmente impressionante e sua expansão coincide,
também em parte, com a difusão da cerâmica conhecida como da tradição Tupiguarani, facilmente
identificável, especialmente na sub-tradição policromia pintada, que se encontra, praticamente, de norte
a sul do Brasil (MARTIN, 1997, p.193).
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desenhos nas cores branca, vermelhas, preta e cinza. Os desenhos são complexos,
“geométricos” ou abstratos, com fino acabamento, aplicado no interior, no exterior ou
em ambos lados do vasilhame (MARTIN, 1997, p.195-197).
Como nos descreve André Prous, essas cerâmicas são numerosas e são grandes
vasilhas abertas, acreditando serem denominadas de “tenhãe”, termo usado em certos
vocabulários jesuíticos. Como se averigua na Figura 1, o vaso contém a boca e contorno
circular, elíptico ou quadrangular. “Possivelmente eram utilizadas na preparação da
farinha de mandioca, e todas estão pintadas internamente. As gravuras dos cronistas
dos séculos XVI-XVII mostram-nas recebendo os orgãos internos dos sacrificados
durante as festas canibais” (PROUS, 2009, p.12).
Figura 1: Cerâmica do sítio Zumbi. Detalhe, a direita, da imagem ampliada da pintura da tradição
Tupiguarani
Fonte: Artefato cerâmico do sítio Zumbi (Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos - CNSA: RN00050),
cx. 03, etiquetas 40 e 41. Custódia do acervo: IPHAN/RN, em Natal-RN. Foto: Pedro Pinheiro, 27 jun.
2018.
74 Para André Prous esse desenho é tratado com linhas mais espessas e de maneira menos delicada que
os demais. Esse campo decorativo dividido em setores, cada qual com um preenchimento específico de
linhas paralelas entre si, retas ou quebradas ortogonalmente. Essa fórmula parece exclusivamente do
litoral mais setentrional – Rio Grande do Norte e Pernambuco (PROUS, 2005, p.22-28).
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75 As 15 capitanias, que foram divididas por 12 donatários, tinha no extremo oeste a linha fictícia do
Tratado de Tordesilhas, através do qual Portugal e Espanha haviam dividido os territórios da América.
Foi criado a Capitania do Rio Grande, tinha como seu limite sul a Baía da Traição, que ainda hoje conserva
seu nome, atual estado da Paraíba, e como seu limite norte a Angra dos Negros, no atual estado do Ceará.
Somente em 1549 foi estabelecido em Salvador o governo da Coroa. Entretanto, na metade do século
seguinte, o Estado do Brasil permaneceria periférico às atenções reais (MONTEIRO, 2002, p.31; RUSSEL-
WOOD, 1998, p.1).
76 Nas desavenças políticas pelo controle das terras no Atlântico Sul, perpetradas pelas Coroas da
França e de Portugal. O rei de Portugal D. João III, recebeu informações que em 11 de fevereiro de 1526,
dez navios estavam sendo armados em portos franceses, com destino ao Brasil. Assim, D. João III enviou
novas expedições para evitar o domínio dos franceses na colônia lusa (BAIÃO; DIAS, 1924, p.70).
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a costa em direção ao atual Nordeste do Brasil (BAIÃO; DIAS, 1924, p.62; ARARIPE,
1886, p.315-331).
Em 1535 os donatários da Capitania do Rio Grande, Ayres da Cunha e João de
Barros, organizaram uma expedição saindo de Lisboa em novembro para conquistar o
território da Capitania e fundar uma colônia. Desembarcaram no litoral norte, na foz do
rio Ceará-Mirim (Baquipe), ao sul do Cabo de São Roque. Mas foram guerreados pelos
Potiguara e traficantes franceses e desistiram da posse da terra, migrando com as suas
frotas em direção ao Maranhão. Em 1555, ocorreu uma segunda tentativa, encabeçada
pelos filhos de João de Barros, mas novamente foram derrotados pelos Potiguara. O
Rio Grande só seria conquistado pelos lusos nos últimos anos do século XVI Assim, até
os últimos anos do século XVI, a Capitania do Rio Grande não foi apropriada pelos seus
donatários. Era um espaço concebido pelos portugueses através da cartografia
quinhentista, mas não territorializado pelos mesmos. (CASCUCO,1984, p16-19; LYRA,
2012, p.21; LOPES, 1998, p.66-68; MACEDO, 2007, p.64).
Segundo Fátima Martins Lopes, os franceses, após a expulsão definitiva
perpetrada pelos militares portugueses, ocorrida na Baía de Guanabara em 1560.
Migraram para outros espaços longe das áreas ocupadas pelos lusos77 no Estado do
Brasil. Buscaram assim novas bases de apoio para a suas embarcações para supri-las
de pau-brasil. Assim ocuparam com novas feitorias as regiões costeiras acima da
Capitania de Itamaracá (LOPES, 1998, p.70). No Caso, as Capitanias do Rio Grande e
Paraíba.
Esse encontro colonial, entre franceses e Potiguara é verificado em dois mapas
da cartografia francesa do quinhentos. Essas cartas são chamadas por Jaime Cortesão
de “escola luso-normanda de Dieppe”. Para o autor, essas cartas limitavam quase
sempre a copiar as cartas portuguesas, utilizando-se das mesmas legendas na língua
original. Se observa uma nomenclatura de origem portuguesa e espanhola nos
topônimos. Apresentam-se as efígies de soberanos, palácios, animais e legendas
descritivas (CORTESÃO, 1965, p. 91-101).
77 O processo de expansão dos domínios portugueses rumo ao norte de Salvador, foi realizado após a
luta com os franceses na Guanabara. O Governador-Geral, Mem de Sá, dirigiu sua atenção para o litoral
norte da Costa do Pau-brasil[ Capitanias do Rio Grande, Itamaracá e Pernambuco]. Em 1562, em
represália à morte dos naufrágios seis anos antes, declarou “guerra justa” contra os caetés que
ocupavam o litoral, do norte da Bahia até Pernambuco (OLIVEIRA, 2015, p.197).
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78 O Mapa está custodiado e disponível no catálogo da Huntington Library, Califórnia, nos Estados Unidos.
Disponível em:
http://dpg.lib.berkeley.edu/webdb/dsheh/heh_brf?CallNumber=HM+29&Description=&page=1,
acessado em: 16 jul.2018.
79 A escola de Dieppe foi uma série de mapas-múndi produzidos em Dieppe na França entre os anos de
1540 e 1560. Eram patrocinados pelos reis da França e da Inglaterra, e tiveram como principais artífices
Pierre Desceliers, Jean Rotz, Guillaume Le Testu, Guillaume Brouscon e Nicolas Desliens. Disponível em:
http://www.myoldmaps.com/renaissance-maps-1490-1800/3812-vallard.pdf, acessado em: 16 jul.2018.
80 Mais informações sobre o Atlas de Nicolas Vallard, ver os estudos em cartografia do historiador
português Luís Filipe F.R. Thomaz. O mesmo defende que os navegadores portugueses foram os
primeiros a “descobrirem” a Austrália a partir da análise das Cartas de Vallard. Disponível em:
<http://cdn.impresa.pt/fce/0ea/10836150/LuisFernandesThomaz.pdf>. Acesso em: 16 jul.2018; Ver o
artigo: THOMAZ, Filipe F.R. D. Manuel, a Índia e o Brasil. Revista de História, n. 161, 2009, p.13-57.
81 Sobre a colonização francesa no Brasil no século XVI, ler o artigo: FRANÇA, Jean Marce Carvalho.
“Pracel” seria o litoral entre o rio Guamaré e a Ponta dos Três Irmãos. Os termos “Baía de Tartarn’ e “Rio
de Sa Miguel”, correspondem respectivamente às fozes dos rios Assu e Apodi-Mossoró (BRANCO, 1950;
MEDEIROS FILHO, 1996).
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fragmentados como as demais nações indígenas e não podiam ser provocados para
entrar em guerras internas (HEMMING, 2007, p.128-129).
Figura 2: Detalhe do Atlas de Nicolas Vallard (1547): Costa das Capitanias da Paraíba e Rio Grande.
Fonte: BIBLIOTECA DE HUNTINGTON. Portolan Atlas, anonymous Dieppe, 1547. World atlas containing
15 nautical charts, tables of declinations, etc. 1547. Catálogo de imagens Huntington. Códice: HM29.
Toda essa costa do Rio Grande é encimada pela iconografia dos baixios de São
Roque, em formato de um triângulo pontilhado, tal como ocorre nos mapas
portugueses. Como também, são representadas as ilhas próximas a esse litoral, como
a ilha de “Fernão de Loronha” e o Atol das Rocas. Como não existia um reconhecimento
da Coroa Francesa pela repartição do continente americano entre Portugal e Espanha,
praticamente assumiam o domínio da região (LOPES, 1998, p.68), não são visualizadas
a localidade de Olinda83, principal núcleo português na Capitania de Pernambuco, e nem
as divisões e referências toponímicas das Capitanias Hereditárias estabelecidas pela
Coroa Portuguesa em 1534.
Observa-se ainda na Figura 2, que os indígenas estão reunidos em torno de
fogueiras cozinhando84 seus alimentos em pequenas vasilhas. A imagem também é
mais um testemunho da exploração de pau-brasil – se percebe os troncos de árvores
83 Segundo, José Luiz Mota Menezes, não se sabe o dia da fundação de Olinda. O povoado em 1537, já
estava elevado à categoria de vila. Nesse mesmo ano, o Donatário da Capitania de Pernambuco, Duarte
Coelho enviou ao rei de Portugal, D. João III, o Foral, carta de doação que descrevia todos os lugares e
benfeitorias existentes na Vila de Olinda. Nas praias, a vila foi fortificada para a defesa e do alto das
colinas se expandiu em direção ao mar, ao porto e ao interior onde ficavam os engenhos de açúcar.
Disponível em: <https://www.olinda.pe.gov.br/a-cidade/historia/>. Acesso em: 16 jul. 2018.
84 No Mapa de Jacques de Vaulx de Claye de 1579, se descreve o cotidiano dos indígenas ao redor de uma
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cortados – e os usos de utensílios europeus por parte dos indígenas para auxiliar os
corsários nas atividades extrativistas85.
Figura 3: Detalhe do Mapa de Jacques de Vaulx de Claye (1579): Costas das Capitanias da Paraíba e Rio
Grande
Fonte: Carte de la côte du Brésil de Vau de Claye m'a faict en Dieppe l'an 1579. Acervo da Biblioteca
Nacional da França.
85 Os utensílios visualizados na imagem são foices, machadinhas e enxadas. Percebe-se que existe um
certo cesto cheio de ferramentas para o auxílio na extração de pau-brasil.
86 Na análise de Helder Macedo, os corsários franceses mantinham uma política de alianças com os
Potiguara, mediante escambo. Mercadorias trazidas da Europa eram constantemente trocadas por pau-
brasil, essência vegetais, plantas medicinais, algodão, minérios, pedra preciosas, penas de pássaro,
âmbar, peles de onça e animais como saguis, macacos e papagaios (MACEDO, 2007, p. 64).
87 Nas disputas para a conquistar das capitanias ao norte de Pernambuco, uma expedição patrocinada
pela Coroa Portuguesa, destruiu embarcações francesas no rio Paraíba no início da década de 1580. Em
maio de 1584, foi construído um forte chamado São Filipe, a alguns quilômetros rio acima. O novo forte
foi guarnecido com 110 eficientes arcabuzeiros e 50 mamelucos brasileiros, posteriormente foram
emboscados pelos Potiguara (HEMMING, 2007, p.248-249).
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Figura 4: Detalhe do Mapa de Jacques de Vaulx de Claye (1579): Aldeia Potiguara Souasoutin.
Fonte: Carte de la côte du Brésil de Vau de Claye m'a faict en Dieppe l'an 1579. Acervo da Biblioteca
Nacional da França.
88 Olavo de Medeiros Filho fez a tradução das informações do Mapa que nos permitiu entender esse
processo de conquista: “Neste enclave deste meio-círculo do compasso para fornecer dez mil selvagens
para desferir a guerra com os portugueses e são mais ousados que aqueles da jusante do rio”
(MEDEIROS FILHO, 1996, p.33). Se levarmos em conta que no ano de 1500, moravam por essas costas
100.000 Potiguara, segundo estimativas de Frans Moonen e Luciano Mariz Maia, essa quantidade de
guerreiros possa ser plausível (MOONEN; MAIA, 1992, p.93).
89 No Mapa são visualizadas 5 aldeias dentro do território aliado dos franceses. Cada uma delas
forneceria certa quantidade de guerreiros para a guerra contra os portugueses. A aldeia “Random”
forneceria 600 índios, as aldeias “Tarara Ouasou” e “Ouratiaune” teriam 1800 guerreiros (MEDEIROS
FILHO, 1996; LOPES, 1998, p.70).
90 Segundo Olavo de Medeiros Filho seria o equivalente a “Potiú”, ou seja, ao atual Rio Potengi. Logo
após a sua barra, figura uma ilhota, hoje chamada Ilha do Cajueiro, formada pelos esteiros do Jaguaribe
e Manimbu[ nas imediações da Zona Norte de Natal]. Em direção ao interior, no Potengi vê-se o topônimo
“Ourapary”, provavelmente uma aldeia chefiada por um maioral do mesmo nome (MEDEIROS FILHO,
1996, p.33).
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cartografia portuguesa, como “Saint Roc” - São Roque - dando novos sentidos na língua
francesa. Pode-se inferir que era uma mudança no estilo da escrita cartográfica de
Dieppe. O tráfico de pau-brasil era inexistente a oeste do rio Ouyatacas [atual rio de
Touros], segundo o Mapa, “ não existe nada de brasil, mas há peles de papagaios e
outros bichos”. Talvez por ser uma região de transição de Mata Atlântica, para um misto
de cerrado e dunas típicas da paisagem do litoral norte (ARAÚJO JÚNIOR, 2013).
Novamente vemos a iconografia dos baixios de São Roque e a indicação que era uma
região “com água baixa que se estendem por 21 léguas”, sendo perigosas para a
navegação costeira. Nesses baixios e nas praias adjacentes encontravam muito
âmbar91 cinza para comercializar (BRANCO, 1950; MEDEIROS FILHO, 1996; LOPES,
1998; MACEDO, 2007).
O litoral norte era intitulado de “Coste de Merengastes”92, ver Figura 4. Para
Olavo de Medeiros Filho seria uma tradução literal de “Costa de Maxaranguape”,
referência ao rio ao sul do Cabo de São Roque. Nessa faixa de terra estaria uma aldeia
Potiguara intitulada de “Souasoutin”93, que para o autor, pelo idioma tupi, pode-se
interpretar de “Çuaçu Tin, isto é, Focinho de Veado, provavelmente o nome de um chefe
indígena aliado dos franceses” neste litoral (MEDEIROS FILHO, 1996, p.33). Reforçando
assim, que existiam alianças entre franceses e Potiguara no litoral norte da Capitania
do Rio Grande. As aldeias foram desenhadas de formas quadrangular, com um padrão94
semelhante em todo o Mapa. Nelas mostram a organização social desses grupos, como
também indicam uma relação mais amistosas com os corsários franceses.
Buscando alinhar-se com a Arqueologia Histórica para entender o processo de
ocupação dos espaços coloniais no litoral norte da Capitania do Rio Grande, utilizamos
três vertentes para cruzar dados informativos: as imagens e relatórios arqueológicos,
a cartografia e as fontes escritas quinhentistas. Assim conseguiu-se montar no Mapa 1
indícios do encontro colonial entre grupos indígenas Potiguara e piratas franceses.
Como foi observado, a região litorânea em estudo era identificada pelos franceses de
91Betume amarelo ou pálido que se encontra nas praias o mar (BLUTEAU, 1789, p.73).
92 Região litorânea compreendida entre Touros e o Cabo de São Roque (MEDEIROS FILHO, 1996, p.33)
93 Para Castelo Branco, a aldeia estava na costa oeste do Cabo de São Roque a 5° 30’ aproximadamente
lugar alto, ventilado, próximo a água e adequado ás plantações que se faziam ao seu redor. Suas
habitações, feitas com toras de madeira, cobertura de folhas e não tinham divisões internas. Poderiam
ter de duas a três entradas, eram arrumadas formando um terreiro quadrado que ficava vazio. Esse
espaço comportava mais de duas dezenas de indivíduos aparentados entre si (LOPES, 1998, p.50).
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95 Os sítios avaliados nesse Mapa 1, são os localizados nas imediações da Enseada de Pititinga: Sítio
Zumbi, Enseada de Pititinga, Rio do Fogo I e Rio do Fogo II. O sítio Lagoa do Sal não foi utilizado devido a
distância do mesmo em reação aos outros.
96 Nas referências dos relatórios de prospecção são descritos que esses sítios estão no “maior campo
costa norte do Rio Grande, o termo “Rio da Aguada” ou “Rio da Agoadoce”. Ver o Mapa de Albernaz, João
Teixeira: [Atlas] DESCRIPÇÃO DE TODO O MARITIMO DA TERRA DE S. CRVS, CHAMADO
VULGARMENTE, O BRAZIL, [manuscrito colorido], 1640. Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do
Tombo, inv. nº CF 162, fl. 4, [Cota: Coleção Cartográfica, nº 162. TT-CRT-162], Lisboa, Portugal.
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significa: “provisão de água para o navio; lugar que faz essa provisão” (BLUTEAU,1789,
p.44).
Mapa elaborado pelo autor, com auxílio do Google Earth., A partir dos dados cartográficos do Mapa de
Jacques de Vaulx de Claye de 1579 e dos escritos de José Moreira Brandão Castelo Branco (1950), Olavo
de Medeiros Filho (1996), Fátima Martins Lopes (1998) e Helder Alexandre Medeiros de Macedo (2007).
Além dos relatórios dos sítios arqueológicos identificados pelo Projeto Dunas e organizados em quadros,
com as respectivas coordenadas geográficas, na Tese de Doutorado de Iago Henrique Medeiros (2016).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No final da década de 1590, os portugueses conquistam as imediações da foz do
rio Potengi, 10 léguas ao sul do Cabo de São Roque. Intensificaram a colonização na
Capitania do Rio Grande a partir da fundação da Fortaleza dos Reis Magos em 1598 e
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FONTES
Fontes Cartográficas
BIBLIOTECA DE HUNTINGTON. Portolan Atlas, anonymous
Dieppe, 1547. World atlas containing 15 nautical charts, tables of declinations, etc.
1547. Catálogo de imagens Huntington. Códice: HM29. Disponível em:
http://dpg.lib.berkeley.edu/webdb/dsheh/heh_brf?CallNumber=HM+29&Description
=&page=1, acesso em: 21 jul.2018
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Fontes Impressas
IPHAN/APEC. Relatório da primeira etapa do Projeto Dunas. Natal, jan. 1995.
Fontes Imagéticas
IPHAN. Material arqueológico dos sítios: Zumbi; Enseada de Pititinga. Custodiado
pelo IPHAN – RN. Cxs. 01 e 03. (Fotos tiradas pelo autor em: 27 jun.2018).
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Dunas. Natal: IPHAN/APEC, jan.1995.
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INTRODUÇÃO
Desde os anos de 1970, os povos indígenas do nosso país têm se organizado e
lutado por seus direitos. A Constituição Federal de 1988 reconhece a necessidade de
uma legislação que atenda as diversas sociedades indígenas brasileiras, assegurando
o direito ao território, a prática de suas culturas e um ensino escolar diferenciado. Pela
primeira vez no Brasil, os índios deixam de ser tratados como incapazes e passam a ser
os protagonistas. Assim, desde a década de 1980, o Estado e as sociedades indígenas
passam a lutar no mesmo lado.
As leis que antes buscavam a assimilação definitiva dos nativos, agora têm como
intenção assegurar o exercício da diferença. Esse processo de reivindicação de uma
educação que valorize as especificidades de cada povo indígena, atendendo as crianças,
jovens e adultos também refletiu na presença indígena no ensino superior.
A presença de estudantes indígenas no ensino superior leva-nos a pensar sobre
as reais possibilidades da educação proporcionada e da participação efetiva na
sociedade colonizadora. Os desencontros que pretendemos expor no decorrer deste
trabalho que aqui segue, são causas diretamente resultantes de uma educação que
ainda não está pronta para atender todas as demandas específicas: uma educação que
não visa novos caminhos para a compreensão das diferenças existentes.
Acreditamos que a inserção de indígenas no sistema educacional brasileiro
surge não somente como uma provável efetividade de políticas públicas de acesso,
como reflexo de reinvindicações, ou somente como força de vontade de uma minoria,
mas consiste em uma necessidade de entender como vendo sendo construído o
98 Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestrando no
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas-PPGCISH/UERN.
guilhermelpcosta15@gmail.com
99 Licenciatura em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestranda no Programa
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caminho e como tem sido percorrido por aqueles que adentraram aos muros das
instituições.
Desde o título desse trabalho, falamos de “veredas de desafios” para referirmo-
nos a um caminho longo e ao mesmo tempo muito estreito. Veredas essas que estão
levando os índios até as universidades, mas que ainda são repletas de arbustos e outras
plantas espinhosas, causando cansaço e desistência. Muitos não conseguem trilhar a
caminhada até a faixa de chegada. Com isso, pretendo deixar claro que não trata-se de
fraqueza ou desistência por falta de interesse. Existe diversos fatores que obscurecem
o percurso e impedem o êxito dos maratonistas. O pódio parece estar [ainda] muito
distante e saberemos que não depende unicamente dos indígenas para alcançá-lo.
Contudo, percebe-se a existência de um certo nível de contraste e/ou oposição
entre a busca pelo diploma e o uso do cocar. Fazendo com que a escolha seja
constantemente imposta e assim, apareça com ela todo um jogo de identidades e
diversos contratempos em torno da permanência desses representantes étnicos no
ensino superior.
Como metodologia, utilizamos de levantamento e pesquisa bibliográfica sobre a
temática para analisar o trajeto de estudantes indígenas em cursos de graduações em
algumas instituições brasileiras e em cursos diversos. A reflexão consiste no debate
acerca de trabalhos de pesquisadores que relatam experiências de tais estudantes.
Nossa intenção é trazer à tona as impressões e opiniões de estudantes que vivenciaram
(ou que tentaram vivenciar) a academia a partir da análise de bibliografia. Trata-se de
uma discussão a respeito do sucesso ou da ausência de êxito perante um sistema que
historicamente vem representando uma educação integracionista e que não foi
preparado para sequer receber quem tem necessidades específicas, quando o assunto
é conhecimento.
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culturas, também pode ser fruto de conflito ou até mesmo motivo de repulsa por aparte
de algumas comunidades.
Quando se fala de estudantes indígenas nas universidades públicas, logo se
pensa em ações para a inserção dos mesmos nestas instituições de ensino. Por outro
lado, permanência dos ingressantes nas universidades não tem sido proporcionada da
mesma forma que a entrada. Deve pensar na efetivação de um duplo pertencimento
(AMARAL; BAIBICH-FARIA, 2012) dos docentes, considerando as novidades do âmbito
acadêmico e sua identidade étnica.
O ingresso de alunos indígenas nas universidades é um fenômeno recente no
Brasil. Por meio de ingresso específico e diferencial, o Estado tem permitido que
estudantes provenientes de comunidades indígenas cursem uma graduação ou pós-
graduação em instituições públicas. Mas percebe-se que a permanência torna-se pauta
tanto na agenda dos movimentos indígenas quanto de comunidades acadêmicas
interessadas em uma Universidade pública e de qualidade, que respeita as diferenças e
preocupa-se com a inclusão de segmentos sociais historicamente excluídos. Trata-se
de pensar uma educação descolonizada:
O histórico da tentativa de assimilação total dos índios brasileiros não tem fim
com o término do período Brasil colônia. Ainda hoje, por meio de uma educação ofertada
no sistema de ensino nacional, a história dos povos indígenas tem sido desvalorizada e
esquecida. A visão civilizatória ganhou forças com a implantação da escola. Mas é
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ilusório pensar que eles nunca resistiram. É de extrema importância mostrar que os
direitos obtidos são frutos de lutas e reivindicações desses povos.
O protagonismo indígena liberta esses povos da tutela do Estado, tornando-os
atores ativos “[...] agentes, elaboradores, incentivadores, criadores, participantes e
proponentes, com direito de voz e, em algumas situações, de voto, das decisões outrora
tomadas pelo Estado e que os atingia diretamente”. (BICALHO, 2011, p. 06). É uma
questão de autorrespeito e de relação entre as etnias.
Surgia um movimento organizado em meio à política integracionistas e projetos
de um governo ditatorial. Porém, mesmo depois da Constituição de 1988, a luta
permanece na busca de garantir os direitos que foram conquistados. Agora, deixando
de ser considerado como opositor, o Estado passa a dialogar com o Movimento
Indígena.
Estado, sociedade civil e indígenas buscam novos caminhos:
A organização dos povos não pode ser deixada de lado quando nos dispomos a tratar
de uma educação para indígenas. É preciso entender que o direito às cotas é reflexo de
uma história de lutas.
DISCUTINDO A INCLUSÃO
Somente no início do século XXI, pela primeira vez no Brasil, é aprovada uma lei
que assegure o acesso de estudantes indígenas no ensino superior. No paraná, foi
aprovada a Lei Estadual nº 13.134, de 18 de abril de 2001, que garante vagas
suplementares em universidades e faculdades do estado, através de um vestibular
específico para os povos indígenas no ano seguinte. De início, a lei dispõe que deve-se
ser garantidas três vagas por ano em cada uma dessas universidades paranaenses.
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100Edilene Bezerra Pajeú, popular Pretinha Truká, professora indígena empenhada na luta e de uma
educação diferenciada para os povos indígenas. Ela faz parte da Comissão de Professores Indígenas de
Pernambuco da qual tem travado inúmeras batalhas nesse campo de atuação e como representante da
COPIPE garantiu assento na Comissão Nacional de Educação, uma peça importantíssima na organização
interna da Comunidade, concluiu a Licenciatura Intercultural.
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PERCORRENDO AS VEREDAS
O que buscamos discutir são ações que apoiam a permanência de acadêmicos
indígenas nas universidades públicas brasileiras, deixando de focar apenas em políticas
de acesso. De forma geral, considerando a bibliografia utilizada para esse trabalho, as
principais barreiras percebidas nas pesquisas realizadas com alunos indígenas e
instituições que recebem esses alunos, pode-se destacar problemas como:
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CONCLUSÃO
Historicamente, na escola, o preconceito a respeito das sociedades indígenas
tem sido frequentemente propagado, assim como na mídia. A imagem do indígena do
senso comum que tem sido passada nas instituições de ensino e nos veículos de
comunicação representam permite a vergonha e a desvalorização das destes grupos
étnicos perante a sociedade nacional. Por outro lado, nas últimas décadas, esses povos
têm participado mais efetivamente em decisões tomadas pelo Estado nacional que são
relacionadas a eles. Reagindo devido a indignação com a imagem que foi construída e
perpetuada sobre sua existência.
A preocupação maior percebida pelos pesquisadores tem sido a inserção dos
indígenas formados enquanto profissionais na comunidade. Com isso, Bergamaschi,
Doebber e Brito (2018) afirma que os cursos da área de saúde, educação, direito e
ciências da terra são os mais procurados pelos indígenas. O interesse por esses cursos
apresenta-se como reflexo do que já foi citado anteriormente: entender as políticas
indigenistas.
As cotas, especialmente nas universidades, ainda representam persistência e
resistência nas nossas discussões sobre igualdade e o direito a diferença. Por um lado,
podemos considerar que o debate parece estar estagnado no tempo, mas isso não
significa que seja um retrocesso. Pelo contrário! Porém, nos causa a impressão de que
os avanços não acontecem quando estamos falando da realidade brasileira. Podemos
então, dizer que estamos avançando nessas questões a passos de tartaruga.
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REFERÊNCIAS
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indígenas nas universidades estaduais do Paraná: trajetórias e pertencimentos.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 96, n. 235, p.818-835, 2012.
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Superior para os povos indígenas. 2011. 161 f. Monografia (Especialização) - Curso de
Ciências Sociais, Antropologia, Universidade de Brasília, Brasília, 2011.
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COSTA, Ana Maria Morais. Movimentos sociais e Educação Superior: Ação coletiva e
protagonismo na construção do Plano Nacional de Educação (2010-2014). 2014. 250 f.
Tese (Doutorado) - Curso de Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2014.
VIEIRA, Paulo Alberto dos Santos. Para além das cotas: Contribuições sociológicas
para o estudo das ações afirmativas nas universidades brasileiras. Jundiaí: Paco
Editorial, 2016. 292 p.
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Simpósio Temático 5
A COLONIZAÇÃO EM MOVIMENTO:
COLONOS E REINÓIS NA EXPANSÃO DO IMPÉRIO
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Os autos de arrematação dos dízimos reais eram postos como pregão público
com o objetivo de lançar em forma de contratos a arrecadação sobre a produção na
capitania do Rio Grande. Assim, utilizava-se de um mecanismo administrativo para
atribuir a particulares a responsabilidade de arrecadar os tributos régios. Ao arrematar
o contrato o rendeiro pagava à Provedoria da Fazenda Real um valor previamente
estabelecido de acordo com as cláusulas do pregão e a diferença entre o que ele pagava
e o que de fato era arrecadado consistia no seu ganho102.
Mesmo em tempos de poucos lances os autos de arrematação da Provedoria da
Fazenda Real ocorriam103. O processo dos autos de arrematação da Provedoria do Rio
Grande era organizado, seguia um padrão ritualístico bem definido e acontecia mesmo
com algumas dificuldades. Findo o auto, o contratador tomava os ramos verdes em
mãos e outra etapa viria: a arrecadação. O auto de arrematação era apenas o começo de
uma jornada de cobranças e registros burocráticos que tinham o objetivo de garantir
as rendas da capitania.
Ainda que ocorressem de forma padronizada e com determinações bem
definidas, não havia garantia de que os contratos seriam pagos dentro do prazo ou de
101 Graduada em História/Licenciatura (2014) e em História/ Bacharelado (2016) pela UFRN. Mestre em
História (2017) pelo Programa de Pós-graduação em História da mesma instituição (PPGH-UFRN).
Integra o Laboratório de Experimentação em História Social da UFRN (LEHS-UFRN), e faz parte do grupo
de pesquisa Impérios Ibéricos no Antigo Regime: política, sociedade e cultura. Atualmente trabalha no
Núcleo de Documentação e Pesquisa Histórica (NUDOPH) da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN) como técnica especializada do Departamento de História.
102 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p.
340, 341.
103 Os registros dos autos de arrematação da Provedoria da Fazenda Real do Rio Grande narram em
detalhes como ocorria o processo, seus participantes e oficiais envolvidos. Sobre o processo do auto de
arrematação, sua ritualística e procedimentos ver: BARBOSA, Lívia Brenda da Silva Barbosa. Com os
ramos nas mãos, para o lucro dos homens e da Coroa: os autos de arrematação da Provedoria da Fazenda
Real do Rio Grande (1673-1723). Temporalidades, v. 8, p. 392-408, 2016. Thiago Alves Dias tratou sobre
os autos de arrematação no caso da Câmara do Natal. Ver: DIAS, Thiago Alves. O Código Filipino, as
Normas Camarárias e o comércio: mecanismo de vigilância e regulamentação comercial na capitania do
Rio Grande do Norte. Revista Brasileira de História. v. 34, n. 68, p. 215 – 236. 2014. DIAS, Thiago Alves.
Dinâmicas mercantis coloniais: Capitania do Rio Grande do Norte (1760-1821). 2011. 277 f. Dissertação
(Mestrado em História e Espaços) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011
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A História e o futuro da Educação no Brasil - ISBN 978-85-5697-925-4
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OS CONTRATADORES E AS RENDAS
Segundo Stuart Schwartz, em geral, os arrematadores espalhados no reino e
ultramar tinham uma “ideia aproximada da produtividade da região, mas não podiam
prever secas, inundações ou guerras”. O autor destaca que os contratadores possuíam
“provavelmente uma capacidade muito melhor de estimar o preço dos bens
produzidos”. Além disso, tinham conhecimento que “se a produção dobrasse, mas o
preço caísse pela metade, o valor do contrato não seria maior do que fora antes das
104: BARBOSA, Lívia Brenda da Silva Barbosa. Com os ramos nas mãos Op. cit.
105O recorte inicial deste trabalho, 1673, é demarcado pela disponibilidade de fontes, pois é o ano do
primeiro auto de arrematação da Provedoria da Fazenda Real do Rio Grande até agora encontrado, a
principal fonte aqui utilizada. O recorte final, 1723, corresponde a um marco importante no que diz
respeito as dinâmicas fiscais da Provedoria do Rio Grande. Foi nesse ano em que a referida Provedoria
passou a ter competências administrativas apenas sobre a capitania do Rio Grande, pois desde a década
de 1680 era responsável pela arrecadação também da capitania vizinha Siará Grande. A partir de 1723 foi
criada junto com a ouvidoria do Siará Grande sua provedoria, reduzindo-se assim as competências da
Provedoria do Rio Grande em termos territoriais.
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“por isso, era comum que grandes arrematadores, que tinham cabedais
suficientes para tal, se envolvessem em mais de um contrato de ramos
diferentes e em diversas praças do Império Português. Mas o acúmulo
de contratos, sob olhos atentos da Coroa, não era algo prudente, pois
se temia que, em caso de um contrato malsucedido, o resultado fosse o
encadeamento da ruína de arrematadores e fiadores”107.
106 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo:
Companhia das letras, 1998.p. 154 Apud MENEZES, Mozart Vergetti de. Colonialismo em ação:
Fiscalismo, Economia e Sociedade na Capitania da Paraíba (1647-1755). João Pessoa: Editora da UFPB,
2012. p. 120-121.
107 Conforme Mozart Menezes, para a capitania Paraíba, há o caso de Rafael Nunes Paz, que foi
pretendente a arrematador dos dízimos na Paraíba, em 1727, quando, um ano antes, e em conjunto com
Manuel Rodrigues Costa, contratou os dízimos em Pernambuco por cinquenta mil cruzados. AHU-RN,
Papéis Avulsos, Cx. 7, D. 541. É interessante também o caso de Manuel Correia Bandeira, que apareceu
aperreado, em 1725,“com a notícia de um decreto que havia sua majestade baixado ao Conselho de sua
Real Fazenda, para que não pudesse arrematar um contrato a quem já tivesse outro”. Dessa feita, o
arrematador temia perder o contrato do direito real de cobrar os 3$500 réis sobre “os escravos que se
resgatam em toda a Costa da Mina, Cacheu, São Tomé e mais partes para a Paraíba, Pernambuco e
anexas”, pois já acumulava com esse o “direito aplicado para a Guarda-Costa do Rio de Janeiro”. Nesse
caso, o temor da Coroa era de que o acúmulo de contratos levasse o contratador à ruína e, consigo, os
seus fiadores. Contudo, Manuel Bandeira, além de ser homem afortunado, pois dizia possuir uma
propriedade de casas em que vivia e alugava na freguesia de São Miguel em Alfama, apresentava como
seus fiadores: Domingos de Miranda, “Provedor dos Contos da Sereníssima Casa de Bragança e superior
deles e da Casa do Infantado, possui várias fazendas, em que entra sua quinta no termo de Sintra, e duas
no termo dessa cidade, uma no Carnanixe e outra no Lumiar”; João Antunes, ourives rico e que tinha uma
morada de casas em Castel Picão, e outra no Alegrete, na freguesia de São Miguel, e uma outra morada
de casas na rua da Madragoa; e“Antônio Bernardes, ourives rico e reputado”. AHU-RN, Papéis Avulsos,
Cx. 6, D. 431. MENEZES, Mozart Vergetti de. Colonialismo em ação: Fiscalismo, Economia e Sociedade na
Capitania da Paraíba (1647-1755). João Pessoa: Editora da UFPB, 2012. p. 120-121.
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Quadro I– Lançadores e contratadores dos autos de arrematação da Provedoria da Fazenda Real do Rio
Grande (1673-1723)
Ano Capitania Lançadores Contratador Valor do
contrato/ maior
lance
1673/74 Rio Grande Antonio Gonçalves Ferreira Simão da Rocha 530$000 réis
Caminha anuais
Antonio Leite de Oliveira
Juliano Maciel
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Quadro I– Lançadores e contratadores dos autos de arrematação da Provedoria da Fazenda Real do Rio
Grande (1673-1723)
Manuel Gonçalves Branco
João Malheiros
1714 Siará Grande (Alferes tenente) Antonio Lopes Não identificado 1:000$000 réis
de Lisboa anuais
1715/16 Rio Grande Bartolomeu da Costa Jeronimo Cardoso 1:200$000 réis
da Silva
(Sargento-mor) Bento Teixeira
Ribeiro
108 AUTOS de arrematação dos Dízimos Reais da capitania do Siará (1690). Fundo documental do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. S/ n. de caixa. Fls. [?]. AUTO da arrematação dos dízimos
da capitania do Rio Grande (1673-1674). Fundo documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte. Caixa 113. Fls. 75-92v. AUTO da arrematação dos dízimos das capitanias do Rio Grande
e do Siará Grande (1702). Fundo documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
s/nº de caixa. Fls. 81-88. AUTO da arrematação dos dízimos da capitania do Rio Grande e Siará (1704-
1705). Fundo documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. s/nº de caixa. Fls.
88v – 100. AUTO da arrematação dos dízimos da capitania do Rio Grande e Siará (1709). Fundo
documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. s/nº de caixa. Fls. [ilegíveis].
AUTO de Arrematação dos Dízimos Reais da capitania do Siará Grande (1713). Fundo documental do
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Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. s/nº cx. Fls. 69 v- 71. AUTO de Arrematação dos
Dízimos Reais da capitania do Siará Grande (1714). Fundo documental do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte. s/nº cx. Fls 71 v – 76 v. AUTO da arrematação dos dízimos da capitania do Rio
Grande (1715-1716). Fundo documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Caixa
nº 49. Fls 22- 69. AUTO da arrematação dos dízimos da capitania do Siará Grande (1717). Fundo
documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Caixa nº 49. Fls. 169- 176. AUTO
da arrematação dos Dízimos Reais da capitania do Rio Grande (1723). Fundo documental do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. s/nº de caixa. Fls. 1-2.
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1723); Domingos da Silveira (1702, 1715/16), Manuel Gonçalves Branco (1702, 1709) e
Antonio Lopes de Lisboa (1673/1674, 1714). Em uma primeira análise, portanto, não
haviam grupos consolidados de negociantes dos contratos da Provedoria do Rio
Grande. A cada auto de arrematação novos indivíduos surgiam nos pregões.
Por mais que um lançador não reincidisse em contratos posteriores, havia
sempre a possibilidade de que esses homens se associassem a outros indivíduos nos
contratos, e assim não são identificados diretamente nos autos, mas a partir de suas
ligações. Um dos casos mais curiosos dos autos analisados é o do vigário da Matriz,
Simão Rodrigues de Sá, lançador no auto de 1709. Conforme José Rodrigues da Silva, o
padre tinha uma filha, casada com Manuel de Melo Albuquerque, camarário, também
fez seus lances no auto de arrematação de 1715. Desse modo, há um primeiro indício de
que sogro e genro estivessem associados na tentativa de investir em contratos na
capitania109.
Outros dois lançadores que tinham ligação eram Manuel Gonçalves Branco (Juiz
ordinário, em 1716 e Almotacé em 1717) e Carlos de Azevedo do Vale (Vereador em 1724
e 1727 e Juiz ordinário em 1738), o primeiro lançador em 1702 e 1709 e o segundo em
1717. Kleyson Bruno Chaves Barbosa constatou que Carlos Azevedo do Vale tinha uma
filha, Angélica de Azevedo leite, casada com Valentim Tavares de Melo, filho de Manuel
Gonçalves Branco. Inclusive, no mesmo ano em que Carlos do Azevedo do Vale fez
lances, seu filho, Carlos de Azevedo do Leite também estava fazendo lances no auto de
arrematação, em 1717. Observa-se, nesses exemplos, alguns casos de indivíduos com
ligações de parentesco circulando nos autos de arrematação110.
Alguns fatores podem justificar a configuração da dinâmica dos homens que
participavam dos pregões, dentre eles: a) Os contratos da Provedoria do Rio Grande
não davam grandes retornos aos rendeiros, por isso a ausência de uma reincidência nos
pregões seguintes; b) Não existiam grupos consolidados de contratadores que
investiam nesses contratos; c) A circularidade ou reincidência de interessados não pode
ser visualizada nos dados existentes porque ainda não foi possível identificar redes e
ligações entre esses homens e a quem eles poderiam representar. Assim não fica claro
109 SILVA FILHO, José Rodrigues. Padre Simão Rodrigues de Sá, um patriarca de batina. III Encontros
Coloniais, Natal, 14 a 17 de junho de 2016. p. 1-10.
110 BARBOSA, Kleyson Bruno Chaves. A Câmara de Natal e os homens de conhecida nobreza:
governança local na capitania do Rio Grande. 2017. 319 f. Dissertação (Mestrado em História) –
Universidade federal do Rio Grande do Norte, Natal. 2017. p. 108.
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se um homem que investia em um ano estava investindo em outro ano por meio de um
parceiro de negócios.
O primeiro contrato identificado após a retomada da administração da Fazenda
Real do Rio Grande foi o de 1673, arrematado por Simão da Rocha Caminha por um valor
relativamente baixo em relação aos anos seguintes, 530$000 réis anuais. A despeito
disso, a última informação para as rendas da capitania foi a mencionada em 1665, em
carta da Câmara do Natal ao rei D. Afonso IV, ínfimos 200 réis111. Em pouco mais de cinco
anos ocorreu um aumento significativo das rendas da capitania, considerando-se que o
contrato dos dízimos era a fonte de arrecadação da Fazenda do Rio Grande.
Em 1682, os dízimos da capitania não teriam chegado à arrematação de 550$000
réis. Mesmo que não tenham sido encontrados ainda registros de autos de arrematação
entre 1675 e 1690, em documento enviado pelo provedor-mor ao provedor do Rio
Grande, Pedro da Costa Faleiro, além do dado dos rendimentos de 1682 é mencionado
que o valor de 550$000 havia diminuído em relação aos anos anteriores, que variavam
entre 800$000 e 850$000 réis. Assim, a recomendação posta em regimento quanto à
obrigação dos oficiais da Fazenda em não aceitar lanços menores que a arrecadação
anterior, em vista do ganho da Real Fazenda112, era posta de lado devido às condições
de baixos arremates da capitania do Rio Grande.
As primeiras décadas após a retomada do funcionamento da Provedoria do Rio
Grande foram dificultosas no aspecto da arrecadação. A característica prossegue até
pelo menos 1690, ano do registro seguinte dos autos de arrematações. Nesse ano,
diferente dos anos anteriores com diminuição dos valores de arremate, nenhum
lançador sequer compareceu ao pregão para fazer seus lanços.
Os fatores que motivaram essa baixa podem ter sido situações de baixa
produção como secas, das quais não se tem conhecimento para esse período. O que
teria levado falta de interesse dos contratadores é ainda uma incógnita. É certo que
essas primeiras décadas eram de reestruturação da administração fazendária. O
primeiro avanço, já verificado anteriormente, foi a retomada da ação da instituição na
capitania. Os oficiais existiam, eram nomeados, completavam o quadro administrativo
111CARTA dos oficiais da Câmara de Natal ao rei [D. Afonso VI] sobre o estado de ruína da Fortaleza dos
Reis Magos e a falta de soldados, armas e munições. Anexo: carta (treslado). AHU-RN, Papéis Avulsos,
Cx. 1, D. 7.
112 REGIMENTO dos provedores da Fazenda. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação
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Quadro II – Informações dos homens dos contratos da Fazenda do Rio Grande (1673-1723)
Nome Funções camarárias exercidas Outras funções Sesmaria (ano)
na capitania (ano)
Auto de arrematação de 1673/74 – Rio Grande
Antonio Gonçalves Ferreira Juiz ordinário ---- RN 1264 (1682)
(1672,1678,1681,1684,1688)
Antonio Leite de Oliveira ---- ---- ----
Antonio Lopes de Lisboa Procurador (1675); Almotacé ---- RN 0030 (1676);
(1676); Escrivão (1679,1680, CE 0013 (1680);
1681,1682,1683,1684,1685,1686,
RN 0023
CARTA para o provedor da Fazenda do Rio de Janeiro ter prontos os mantimentos para a gente do
113
Terço, para a guerra do Rio Grande, de que é Mestre de Campo Manuel Alvares de Moraes Navarro.
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Volume XI. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1929. p.
259-260.
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Quadro II – Informações dos homens dos contratos da Fazenda do Rio Grande (1673-1723)
1687,1688); Vereador (1693, (1684); RN
1696) 0056 (1706);
Domingos Dias Moura ---- ---- ----
Jorge França Vereador (1673,1675) Alferes (1673) ----
Juliano Maciel ---- ---- ----
Manuel Nunes Nogueira ---- ----- ----
Simão da Rocha Caminha Procurador (1673); Almotacé Capitão (1673) ----
(1673, 1674,1677); Vereador
(1676)
Auto de arrematação de 1702 – Rio Grande/Siará Grande
Antonio Dias Pereira Almotacé (1695,1715); Capitão (1702) CE 0958 (1710);
Procurador (1696,1710); Juiz RN 0336 (1713);
Ordinário (1709,1714,1719)
RN 0348 (1716);
RN 0376 (1717)
Amaro Barbosa ---- Padre (1702) PE 0049 (1708)
Gonçalo de Castro da Rocha ---- Capitão (1702) RN 0338 (1713);
RN 0450
(1737);
Bento Correa da Costa Vereador (1714,1716) Capitão (1702) RN 0072
(1709); RN 0919
(1733)
Domingos da Silveira Procurador (1711); Vereador Alferes (1702) RN 0095 (1711);
(1717); Juiz ordinário (1727)
João Carvalho de Lima Almotacé (1711) ---- ----
Manuel Gonçalves Branco Juiz ordinário (1716); Almotacé ---- ----
(1717)
Manuel Rodrigues Arioza ---- ---- CE 0079 (1703);
CE 0262 (1707);
CE 0263 (1707);
RN 0347 (1710)
Manuel Rodrigues Taborda Almotacé (1697); ----- RN 0347 (1716);
RN 0349 (1716);
RN 0372 (1717);
RN 0982 (1719)
Auto de arrematação de 1704/05 – Rio Grande/Siará Grande
Bento Correa da Costa Op. cit. ---- Op. cit.
Fadrique Correa da Costa Almotacé (1710,1711,1729) ---- ----
José da Silva Vieira ---- ---- ----
Manuel da Silva Queirós ---- ---- ----
Auto de arrematação de 1709 – Rio Grande/Siará Grande
Carlos da Rocha Procurador (1709) ---- ----
Francisco Gomes Vereador ---- CE 0029 (1682);
(1685,1692,1694,1698); Juiz RN 0080 (1705)
Ordinário (1689,1713)
Manuel Gonçalves Branco Op.cit. ---- ----
Maurício Bocaro Ribeiro ---- ---- ----
Simão Rodrigues de Sá ---- Vigário da Matriz PE 0385 (1681);
(1697-1714) RN 0052 (1706);
RN 0948
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Quadro II – Informações dos homens dos contratos da Fazenda do Rio Grande (1673-1723)
(1706); RN
0054 (1706);
Auto de arrematação de 1713 – Siará Grande
Antonio Pereira de Azevedo ---- Comissário geral RN 0097 (1711);
(1713)
João Malheiros Procurador (1710) ---- RN 0543 (1705)
Auto de arrematação de 1714 – Siará Grande
Antonio Lopes de Lisboa Op. cit. Alferes tenente Op. cit.
(1714)
Auto de arrematação de 1715/16 – Rio Grande
Bartolomeu da Costa Almotacé (1691); Vereador ---- RN 0173 (1715);
(1692); Procurador (1719) RN 0397 (1719);
RN 0980 (1719)
Bento Teixeira Ribeiro Juiz ordinário (1715); Sargento-mor RN 0094 (1710);
(1715) RN 0335 (1712)
Domingos da Silveira Op. cit. Capitão (1715) Op. cit.
Faustino da Silveira Almotacé (1725); Vereador Alferes (1715) RN 0377 (1717);
(1728,1738); Juiz ordinário RN 0932
(1747)
(1736);
Francisco Alves Bastos Juiz de órfãos (1724;1725,1731); ---- CE 0068 (1705);
Almotacé (1733,1734,1735) CE 0152 (1706);
CE 0152 (1706);
CE 0231 (1707);
RN 1128 (1731);
RN 1136 (1731)
Jeronimo Cardoso da Silva ---- ---- ----
João Marinho de Carvalho Vereador (1710,1715,1718); ---- RN 0446 (1736)
Almotacé (1716, 1719)
José Morais Navarro ---- Sargento-mor ----
(1715)
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Quadro II – Informações dos homens dos contratos da Fazenda do Rio Grande (1673-1723)
Francisco Pita da Rocha ---- ---- ----
Brandão
Fonte: Quadro elaborado pela autora Lívia Barbosa com base nos autos de arrematação da Provedoria
da Fazenda Real do Rio Grande ocorridos entre 1673 e 1723 114. LOPES, Fátima Martins. Catálogo dos
Livros de Termos de Vereação. Senado da Câmara de Natal. Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte. Banco de dados da Plataforma SILB. Disponível em: http://www.silb.cchla.ufrn.br.
Dos dados levantados, 55% (22) do total dos indivíduos, que apostaram nos
autos de arrematação tabulados, fizeram parte da Câmara do Natal. Como verificado na
tabela, alguns como Antonio Lopes de Lisboa, Francisco Alves Bastos, Francisco
Gomes, Manuel de Melo Albuquerque, exerceram várias funções na Câmara. Grande
parte desses em período aproximado da sua participação nos autos. A grande maioria
desses camarários eram também sesmeiros do Rio Grande. Dos cinco contratadores
levantados, quatro foram camarários do Rio Grande, Simão da Rocha Caminha que
arrematou o contrato de 1723, foi Procurador (1673); Almotacé (1673, 1674,1677);
Vereador (1676); Domingos da Silveira, contratador de 1702, foi Procurador (1711);
Vereador (1717); Juiz ordinário (1727); João Malheiro, contratador de 1713, foi
Procurador (1710), apenas Jeronimo Cardoso da Silva consta sem informações do
levantamento realizado. Desse modo, há a hipótese dos contratos da Provedoria do Rio
Grande estarem inseridos em dinâmicas de investimento de grupos endógenos a
capitania.
114AUTOS de arrematação dos Dízimos Reais da capitania do Siará (1690). Fundo documental do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. S/ n. de caixa. Fls. [?]. AUTO da arrematação dos dízimos
da capitania do Rio Grande (1673-1674). Fundo documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte. Caixa 113. Fls. 75-92v. AUTO da arrematação dos dízimos das capitanias do Rio Grande
e do Siará Grande (1702). Fundo documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
s/nº de caixa. Fls. 81-88. AUTO da arrematação dos dízimos da capitania do Rio Grande e Siará (1704-
1705). Fundo documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. s/nº de caixa. Fls.
88v – 100. AUTO da arrematação dos dízimos da capitania do Rio Grande e Siará (1709). Fundo
documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. s/nº de caixa. Fls. [ilegíveis].
AUTO de Arrematação dos Dízimos Reais da capitania do Siará Grande (1713). Fundo documental do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. s/nº cx. Fls. 69 v- 71. AUTO de Arrematação dos
Dízimos Reais da capitania do Siará Grande (1714). Fundo documental do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte. s/nº cx. Fls 71 v – 76 v. AUTO da arrematação dos dízimos da capitania do Rio
Grande (1715-1716). Fundo documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Caixa
nº 49. Fls 22- 69. AUTO da arrematação dos dízimos da capitania do Siará Grande (1717). Fundo
documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Caixa nº 49. Fls. 169- 176. AUTO
da arrematação dos Dízimos Reais da capitania do Rio Grande (1723). Fundo documental do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. s/nº de caixa. Fls. 1-2.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
As conclusões a respeito desses grupos de contratadores e das dinâmicas de
arrecadação do Rio Grande podem ser aprofundadas. Entretanto, muitas das ressalvas
e possibilidades aqui colocadas orientam para caminhos de pesquisa. No momento,
caracterizar o processo de realização dos autos de arrematação, seu pregão púbico, foi
um avanço para entender uma das partes do cotidiano da Provedoria da Fazenda Real.
Além disso, ainda que em virtude da falta de lançadores, dos valores em baixa, o que se
observa pelas amostragens é que os autos continuaram ocorrendo ao longo de 50 anos.
Essa longa fase em que a instituição se sustentou em plena atividade perdurou com
algumas dificuldades. Novas mudanças e reorientações de caráter administrativo
ocorreram na década de 1720 e integram uma parte da História da Provedoria da
Fazenda Real do Rio Grande. É nesse sentido para o qual a pesquisa deve avançar.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Kleyson Bruno Chaves. A Câmara de Natal e os homens de conhecida
nobreza: governança local na capitania do Rio Grande. 2017. 319 f. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade federal do Rio Grande do Norte, Natal. 2017.
BARBOSA, Lívia Brenda da Silva. Com os ramos nas mãos, para o lucro dos homens e
da Coroa: os autos de arrematação da Provedoria da Fazenda Real do Rio Grande
(1673-1723). Temporalidades, v. 8, p. 392-408, 2016.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011.
Anais do VIII Encontro Estadual de História da ANPUH-RN e XIV Semana de Estudos Históricos do CERES-UFRN:
A História e o futuro da Educação no Brasil - ISBN 978-85-5697-925-4
190
SILVA FILHO, José Rodrigues. Padre Simão Rodrigues de Sá, um patriarca de batina. III
Encontros Coloniais, Natal, 14 a 17 de junho de 2016.
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características particulares que ela adquiriu nas terras da Colônia. Segundo Ronaldo
Vainfas:
116Órgão administrado pelo governo português que disponibiliza uma extensa gama de arquivos
documentais originais, de Portugal e das ex-colônias de além-mar, que incluem também as denúncias
inquisitoriais que eram enviadas para o Tribunal do Santo Ofício.
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colonização, que trouxe consigo o mundo religioso no qual o diabo agia como ser
indispensável à religião cristã119.
Após a migração dos demônios para o Novo Mundo, intensificou-se a luta entre
Deus e o Diabo, sobretudo na colônia luso-brasileira, que recebeu por Cabral, o nome
de Terra de Santa Cruz, em homenagem ao Lenho Sagrado. A preocupação de nomear
a nova terra manifesta o poder que esses seres exerciam sobre os europeus, sobretudo,
o português que via o Diabo não só como grande sábio, mas com suas características
de caluniador, enganador de espíritos fracos e tentador malicioso, cujo poder entre os
homens é limitado pela autoridade divina e cuja índole não é totalmente malévola 120.
Com isso, a nomenclatura estava associada à ideia de crucificação, revelando uma
preocupação na cristianização dos povos. Laura de Mello e Souza ainda comenta: “O
Santo Lenho inscrevia o sacrifício de Cristo na gênese da nova terra, que ficava toda ela
dedicada a Deus, havendo grande esperança na conversão dos gentios” 121.
Os cronistas seiscentistas contribuíram para o fortalecimento desse
pensamento religioso nas colônias americanas, descrevendo os ritos populares como
práticas demoníacas, empregando a terminologia que conheciam, e utilizando-a para
designar os líderes, e responsáveis, religiosos pelo espaço sagrado. Devido a isso,
muitos sacerdotes maias, incas ou astecas, xamãs, caraíbas e pajés tupis, foram quase
sempre chamados de bruxos e feiticeiros.
Antes de adentrar na discussão de como ocorria a relação entre o homem e o
demônio no Brasil colonial, precisamente, na Capitania do Rio Grande no século XVIII, é
fundamental se entender como este relacionamento já era bastante afetuoso entre os
colonizadores portugueses ainda no século XVI. Segundo Francisco Bethencourt, essa
relação é semelhante, em certos pontos, à relação do homem com o santo, devido à
troca de favores entre os envolvidos. O autor ainda escreve:
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Visto que a relação do homem com o Diabo já era uma prática corrente no início
do período colonial, o cenário na Capitania do Rio Grande nos oitocentos mostra como
o poder desse ser ainda ascendia na cultura popular das pessoas. Em 18 de dezembro
de 1756, no Apodi, foi registrado pelo Padre Frei Fidelis de Partana, a confissão do índio
Bento, no qual,
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O documento também revela que o dito Bento reunia-se com seus parentes “nas
primeiras chuvas, (...) levando-os para o mato enganando-os para pedir frutas a gente
de outro mundo, e a maior parte enganados iam (...)”. A historiografia que trata sobre a
idolatria mostra que havia uma tendência em demonizar as práticas religiosas do Novo
Mundo, logo, a maioria dos casos de adoração ao diabo recaia sobre os indígenas.124
Com isso, percebe-se uma possível assimilação dos ritos populares às práticas
demoníacas, visto que o índio Bento e seus parentes foram interpretados como
idólatras. Portanto, fica compreensível o pensamento dos etnodemonólogos da
América, ainda no século XVI, quando o jesuíta José de Acosta, em seus escritos,
percebia o indígena como receptor apto à fé católica, apesar deste se entregar às
idolatrias demoníacas125.
A ideia de que os demônios buscaram refúgio nas almas dos índios já era
difundida desde os primeiros anos da colonização no Novo Mundo, visto que a
concepção de que as práticas religiosas de incas e astecas eram idolatrias fez-se
presente nos escritos dos cronistas que se debruçaram sobre as colônias espanholas.
(SOUZA, 1993). Percebe-se uma construção de um universo etnocêntrico, que se
formou devido à expansão europeia, a partir do século XVI, ocasionando em um choque
de culturas. Essa discussão a respeito do etnocentrismo sobre os índios é bem
trabalhada pela historiadora Norma Telles (1987), que observou:
Uma vez tratado como o Diabo exercia seu poder na cultura popular da colônia
luso-brasileira, precisamente da Capitania do Rio Grande, é pertinente atentar para o
significado do termo feitiçaria, que tem sua origem ainda na Antiguidade, e passou por
uma transformação de significado, até chegar ao pensamento moderno. Carlos Roberto
Figueiredo Nogueira (2004), em seus estudos, estabelece o lugar da feitiçaria, uma vez
124 SOUZA, Laura e Mello e. Inferno Atlântico: demonologia e colonização: séculos XVI-XVIII. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993, p. 34.
125 Ibidem.
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que procura fazer uma divisão entre magia-feitiçaria e bruxaria. Ele escreve que “a
bruxaria é uma qualidade inerente, enquanto a feitiçaria age em certo sentido”, ou seja,
a distinção se coloca entre diferentes meios, mas com fins semelhantes.126 Ainda,
segundo o autor:
A origem da feitiçaria europeia está muito ligada às práticas mágicas para fins
amorosos, nas quais cabiam às feiticeiras essa atividade. O papel da mulher feiticeira
na Antiguidade era visto como uma dádiva passional, visto que “(...) o mundo da feitiçaria
é o mundo do desejo, que a tudo se sobrepõe para conseguir uma resposta para uma
paixão não correspondida ou proibida127”.
Na Idade Média, o discurso religioso dominou o Ocidente cristão, ao passo que a
feitiçaria ficou sujeita ao domínio exclusivo do Mal. Desse modo, “as ideias de feitiçaria
e bruxaria vão ganhando significados diferentes ao passo que a feiticeira seria a pessoa
que invocaria as forças do mal, enquanto a bruxaria seria a personificação do próprio
mal.” (SÁ JUNIOR, 2004).
Se por um lado, em um primeiro momento, a feitiçaria poderia ser vista com bons
olhos, devido ao ofício de cura que, muitas vezes, exercia, posteriormente, a formulação
do pensamento eclesiástico categorizou essas “curandeiras” como adoradoras do
Diabo, associando suas práticas de cura a poderes mágicos conferidos pelo Demônio.
Segundo Jacques Le Goff (1980), na Idade Média essas práticas integraram-se à
concepção do Mal, principalmente com a formulação da demonologia no Ocidente
cristão.
Na Colônia, o papel de feiticeira também recaia sobre a mulher, uma vez que, com
a escassez de médicos, elas tendiam a cuidar de seus próprios corpos para prevenir
doenças, utilizando práticas que já vieram da Europa, como o uso de ervas e benzeduras.
Devido a isso essas mulheres passaram a serem vistas como feiticeiras.
126 NOGUEIRA, C.R. Bruxaria e história: as práticas mágicas no Ocidente Cristão. São Paulo: Ática, 1991, p.
51.
127 Ibidem.
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Com relação às práticas para fins amorosos em Portugal, ocorriam por meio de
alguns elementos considerados sagrados pelos ditos feiticeiros, sendo um desses, os
santos óleos, passados nos lábios das mulheres para se ter a pessoa amada.
No Rio Grande, houve o caso da escrava forra, Luiza Teles, que, em 28 de outubro
de 1691, no bispado de Pernambuco, por descargo de sua consciência, denunciou ao Frei
Bernardino das Andradas, o negro forro, João Temudo, que foi morador do Rio Grande.
Em seu relato, ela afirmou que o dito João a ensinou um feitiço, dizendo-a que bebesse
uma água cozida “com certas ervas, o que ele tudo trazia já feito em uma panela, e lhe
disse abafasse primeiro e bebesse dela para certo homem lhe querer bem128”. Nesse
caso, era necessária a ingestão da água para conseguir o amor desejado,
diferentemente da utilização do santo óleo que era aplicado nos lábios. Nota-se
também que o uso de ervas ainda continuava sendo utilizado entre os ritos de matriz
africana, devido ao conhecimento que foi mantido entre os povos escravizados na
colônia. Mas, afinal, como essas práticas amorosas atravessavam o Atlântico e
conseguiam sobreviver e, até mesmo, se ramificar após longos períodos?
A historiadora Nereida Soares Martins, em sua dissertação de mestrado sobre
crenças e práticas mágicas na América portuguesa, explica o aparecimento dessas
práticas no Brasil colonial quando escreve que “a chegada das ‘feiticeiras’, degredadas
europeias que, com seus encantos, fórmulas mágicas e demônios familiares, vieram
habitar as terras longínquas da Colônia, deixará marcas na religiosidade popular que se
desenvolverá na terra de Santa Cruz”. (2012, p. 51).
O documento ainda revela que o dito João Temudo “(...) lhe tirou, ou rasgou sua
carne com a ponta de uma agulha, (...) no braço esquerdo e no pulso, a lhe meteu entre
a pele e a carne uma coisa negra (...), para que ela, dita denunciante, não fosse nunca
ofendida com feitiços”129. Isso demonstra que essas práticas mágico-religiosas, desde
o início da colonização, ainda circulavam entre as Capitanias do Rio Grande e da Paraíba
no final do século XVII, ao passo que eram utilizadas como forma de proteção.
Observa-se, ainda, que ambos os envolvidos na denúncia, tanto Luiza quanto
João eram escravos forros, logo, pode-se supor que esses ritos de proteção tendiam a
ser utilizados entre os escravos negros daquela época, indicando, assim, uma
sobrevivência da viagem transatlântica da cultura africana. Atenta-se ainda para uma
128 ANTT. Inquisição de Lisboa. Cadernos do Promotor, Livro 263, fl. 261.
129 ANTT. Inquisição de Lisboa. Cadernos do Promotor, Livro 263, fl. 261.
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certa preocupação com relação à saúde, uma vez que os conhecimentos medicinais
eram precários. Portanto, feitiços de proteção eram populares entre esses grupos da
sociedade colonial, mostrando certa eficiência, devido a continuidade desses
conhecimentos.
Com relação às denúncias de feitiçaria apuradas para o desenvolvimento deste
trabalho, todas ocorreram na Capitania do Rio Grande no século XVIII, sendo a maioria,
na década de 1740. Foram contabilizadas ao todo 27 denúncias relativas à feitiçaria,
sendo 23 delas do tipo adivinhação; 3 de bolsa de mandinga; e somente 1 referindo-se
à idolatria.
23
3 1
Década de 1730-1760
Fonte: ANTT. Inquisição de Lisboa. Cadernos do Promotor, Livros: 263, fl. 261; 296, fl. 253; 297, fl. 22;
297, fl. 23; 297, fl. 25; 297, fl. 27; 297, fl. 30-31; 301, fl. 15; 301, fl. 91; 301, fl. 92; 309, fl. 452-453; 310, fl.
55; 310, fl. 60; 310, fl. 64; 315, fl. 386-396.
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SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil
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O termo também aparece nos estudos do historiador Luiz Mott (1999, p. 2), que
relata em seus escritos, que a palavra quimbanda está associada à homossexualidade:
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cultura popular passou a ganhar espaço em um cenário religioso que tinha como
dominante a cultura eclesiástica.
Outro ponto, a ser destacado nestas denúncias, é a visão que os denunciantes
escravos tinham das práticas mágico-religiosas, por meio da perspectiva de influência
europeia deles que baseava estas visões. Como observado no registro feito pelo padre
João Gomes Freire, alguns escravos também viam estas práticas como feitiçaria,
categorizando-as como diabólicas. Daniela Calainho (2004) escreve:
ações representaram uma manifestação de apropriação e resistência diante das transformações que
ocorriam na sociedade colonial. Ver: STERN, Steve J. (compilador). Resistencia, rebelión y conciencia
campesina en los Andes. Siglos XVIII al XX. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1990.
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FONTES
ANTT. Inquisição de Lisboa. Cadernos do Promotor, Livros: 263, fl. 261; 296, fl. 253;
297, fl. 22; 297, fl. 23; 297, fl. 25; 297, fl. 27; 297, fl. 30-31; 301, fl. 15; 301, fl. 91; 301, fl.
92; 309, fl. 452-453; 310, fl. 55; 310, fl. 60; 310, fl. 64; 315, fl. 386-396.
REFERÊNCIAS
BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia: feiticeiras, adivinhos e curandeiros
em Portugal no século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
GINZBURG, Carlos. História Noturna – decifrando o Sabá. 2ª ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1991.
MOTT, Luiz. Sodomia na Bahia: o amor que não ousava dizer o nome. In: Revista
Inquice, no. 0, Julho de 1999.
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137Licenciada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e mestranda do Programa de Pós-
graduação em História e Espaços também pela UFRN, sob a orientação do profº Dr. Helder Alexandre
Medeiros de Macedo.
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Elaborado pelo Laboratório de Experimentação em História Social (LEHS), baseado nos registros
paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação.
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a urgência determinava que qualquer pessoa poderia batizar, tendo a intenção de fazê-
lo. O medo da morte sem o batismo, acometia, principalmente, os pais de crianças
recém-nascidas. Para isso, os párocos deveriam ensinar aos cristãos a boa forma de
administração do ritual, especialmente às parteiras.
Posteriormente, o batizando deveria ser encaminhado até o pároco para
averiguar a sua validade e, se estivesse em boa forma, ele deveria finalizar o ritual
colocando os santos óleos e fazendo os exorcismos; ou repetindo o batismo sub-
conditione. Por fim, cabia somente ao vigário o registro da cerimônia em livro próprio,
onde se registrava o nome do batizando, sua condição social e, caso fosse escravo, o
nome do senhor, padrinhos, data, local e assinatura do vigário, que não seria
questionada. Dessa maneira, encontra-se em várias paróquias a documentação de
nascimentos de crianças livres, forras e escravas e da chegada de escravos adultos. As
atas paroquiais tinham lugar central na continuação da vida comunitária. Era por ela
que se comprovava, oficialmente, a filiação, fundamental em casos de reconhecimentos
de filhos, de demandas relacionadas a heranças e de outras questões judiciais, em que
se exigia a confirmação de ser cristão e poder, assim, receber as bênçãos do matrimônio
e demais sacramentos. Na sociedade escravista, podemos encontrar registradas,
também, alforrias de crianças em pia batismal, valendo como “cartas de alforria e
liberdade”.
Com base nestes registros de batismo, pode-se analisar o processo de
cristianização de almas escravas na freguesia. Assim, foram encontrados 308 registros
de batismo de escravos, de um total de 1089 assentos:
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Elaborado pela autora a partir dos registros paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação
(1749-1770).
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No caso de terem dez anos ou menos idade, deveria cumprir dentro de um mês
após a chegada do cativo. Às crianças nascidas de pais da Guiné1, deveria ser observado
o mesmo tempo determinado para o batizado dos filhos dos cristãos, oito dias,
contados da data de nascimento, sem questionar a anuência dos pais. Nessa ordem,
caso o escravo adulto se recusasse a receber o sacramento, o senhor deveria comunicar
ao pároco, que comprovaria pessoalmente a recusa.
Posteriormente, nas Ordenações Filipinas (1603), vê-se a correção das ordens
anteriores, instituindo que, se os senhores não mandassem seus escravos ao batismo,
haveria a perda para quem os demandar (Ordenações Manuelinas, 1521: livro V, p.300-
301; Ordenações Filipinas, 1603: livro V, p.1247). Fica nítida, então, a relação entre
escravização e evangelização.
O artigo das Ordenações Filipinas dedicado à questão do batismo foi reforçado
pelo arcebispo da Bahia, D. Sebastião Monteiro da Vide, no texto das Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia. O artigo 99, livro V, das Ordenações diz ser
responsabilidade, primeiramente, dos senhores mandar batizar seus escravos. Caso
houvesse denúncia do não cumprimento da ordem, os senhorios perderiam a posse
para aqueles que denunciaram. Além disso, o clero local deveria zelar para que todos
recebessem o sacramento.
Promulgada em 1707 e publicada em 1719, em cinco volumes, nela se encontra
as principais diretrizes para a administração dos sacramentos aos escravos,
particularmente aos adultos, muitos deles “de língua não sabida”. Contribuindo com a
manutenção da ordem social e religiosa, utilizando-se de instrumentos de vigilância e
punição, temos as Constituições a reforçar as hierarquias do Antigo Regime e do direito
senhorial, defendido no bom governo de sua Casa, ao levar os escravizados “rudes e
boçais” ao seio da santa madre Igreja.
Vê-se a ênfase no batismo e no seu poder de “purgar o pecado original" para a
salvação da alma do gentio. É, ainda, reforçado o papel senhorial na educação religiosa
de filhos e escravos, de mandá-los à missa, ensinar-lhes o catecismo e a guardar os dias
santos, além de afastá-los de suas crenças de origem.
Para aprofundar a análise da questão da cristianização dos escravos nos
diferentes espaços da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, também foi
elaborado uma tabela com o local de batismos destes indivíduos:
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Tabela 2: Local de batismo da população escrava na Capitania do Rio Grande do Norte (1749-1770)
Elaborado pela autora a partir dos registros paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora da
Apresentação (1749-1770)
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passada”, e deveriam aprender as orações comuns: Credo, Padre Nosso, Ave Maria e os
artigos da fé e os mandamentos da lei de Deus. E “estando assim instruídos serão
batizados por efusão, deitando água sobre a cabeça, rosto, e corpo e não sobre o
vestido” (Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, 1719: livro I, Título XIV, p.19).
Já as crianças escravas até sete anos não precisariam do consentimento dos pais para
o ritual. A partir dos sete anos, idade em que se possui “algum juízo” e entendimento,
ela próprias deveriam confirmar a vontade de recepção.
Porém, deve-se ressaltar que esses indivíduos não aceitavam essa influência
passivamente. É preciso destacar a forma encontrada por esses cativos, como sujeitos
históricos ativos, de responder a essa normatização imposta pela Igreja, valendo-se do
código social dos brancos para atingir seus interesses e, por meio do batismo, construir
redes de parentesco e solidariedade. Além disso, Sheila Faria ressalta que “a cidadania
católica era requisito básico para a sobrevivência na colônia. Negar o domínio seria
acintoso e representaria um confronto direto” (FARIA, 1998, p. 306). Ou seja, para o
escravizado participar da vida religiosa poderia ser algo facilitador para sua vida
cotidiana.
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contrário, a legislação eclesiástica afirma que esta merece uma atenção especial, pois
“são os mais necessitados desta instrução pela sua rudeza”. Por isto, deveriam ser
mandados por seus “amos e senhores” à Igreja para que obtivessem educação
religiosa. Em outras palavras, isto significava dizer que a população escravizada deveria
participar dos rituais da Igreja.
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, orientavam que os
padrinhos seriam escolhidos na comunidade cristã, tendo o padrinho mais de 14 anos e
a madrinha mais de 12, idades também necessárias para se habilitar ao matrimônio, o
que representaria a entrada na vida adulta. Essas exigências, principalmente a de ser
batizado, eram essenciais para a função religiosa a ser assumida, mas a Igreja não
determinava o estatuto social dos padrinhos. No entanto, a própria definição teológica
do parentesco ritual, laço superior ou mais elevado do que o laço carnal, sugeria que o
convite fosse feito a pessoas importantes para o círculo social da família ou do indivíduo
adulto (GUDEMAN, 1975, p. 234). A autoridade religiosa que procedia ao ritual deveria
reforçar o valor do laço constituído naquele instante e que gerava até mesmo,
interdições, sendo necessária licença especial para casamentos entre padrinhos
afilhados e padrinhos e pais. Portanto, o ato batismal institucionalizava dois sistemas
sociais: o apadrinhamento, a relação entre afilhado e padrinhos; e o compadrio, que
ligava os pais àqueles escolhidos para segurar a criança na celebração do batismo e
serem seus protetores. Em uma sociedade organizada sobre o princípio jurídico da
diferença dos corpos, as relações de compadrio e apadrinhamento reforçavam os
valores de distinção e hierarquia social. Dessa maneira, produziam e reproduziam as
relações hierarquizadas do Antigo Regime: de um lado, o padrinho e, do outro, a família
e o afilhado, hierarquicamente posicionados (HESPANHA & XAVIER, 1998, p. 347).
No que se refere aos laços estabelecidos nesse ritual, Gudeman e Schwartz
(1988) mencionam que não se restringiam ao âmbito social da Igreja, “[...] uma dimensão
peculiar do compadrio é que ele é produzido na Igreja entre indivíduos que o carregam
para fora da instituição formal. O compadrio é projetado para dentro do ambiente
social” (GUDEMAN; SCHWARTZ, 1988, p. 37). Os citados autores chamam atenção que
os laços efetivados no compadrio são produzidos na Igreja, mas não se limitam a este
ambiente. Tais relações são transpostas para o convívio social, isto é, para “fora da
instituição formal”, ou seja, os padrinhos e madrinhas não teriam apenas uma
responsabilidade religiosa, de manter seus afilhados firmes na fé cristã, esse cuidado
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também era transportado para o dia-a-dia. Os pais poderiam contar com essa ajuda dos
padrinhos e madrinhas e não era diferente para os escravizados.
Desta maneira, verificamos que o espaço religioso, através dos seus rituais
também se realizou muito das experiências dos escravizados, especialmente no ritual
do batismo. Uma vez levando seus filhos e filhas para serem batizados, estes pais e
mães escravizados deveriam escolher aqueles que seriam os protetores espirituais de
seus filhos, ou seja, os padrinhos e as madrinhas e tais escolhas deveriam partir dos
pais, conforme indicado na legislação eclesiástica, embora não descartamos a
possibilidade de que muitas escolhas poderiam ter a interferência senhorial. Kátia
Mattoso chama a atenção para isto, sobretudo em relação aos africanos, estes recém-
chegados da África eram desconhecidos, então como escolher padrinhos nesta
situação? Neste caso, talvez seja indubitável a interferência do proprietário na escolha
(MATTOSO, 1982 [2003], p. 132).
A historiografia tem apontado que, em várias regiões do Brasil, sobretudo nas
regiões em que predominaram pequenas e médias posses de cativos, os escravizados
apresentaram a tendência em escolher padrinhos e madrinhas entre a população livre.
Foi o que constatou Stuart Schwartz para a Bahia do século XVIII, “quando crianças
escravas foram batizadas, pessoas livres serviram de padrinhos em cerca de 70% dos
casos, libertos, em 10%, e outros escravos, em 20%” (SCHWARTZ, 1988, p. 332). Sheila
Faria, em um contexto de maiores posses de cativos, fez constatação semelhante para
a Freguesia de São Gonçalo no Rio de Janeiro, no final do século XVII, sendo que foi
entre os filhos de mães solteiras que mais tiveram padrinhos livres (46,6%) enquanto
os filhos legítimos eram apadrinhados por cativos (85,6%) (FARIA, 1998, p. 319, 320).
Para Goiás setecentista, José de Castro verificou que os escravizados firmaram o
compadrio com pessoas cativas, mas preferiram também escolher padrinhos livres
(CASTRO, 2011, 262).
O quadro a seguir apresenta os números e a condição jurídica dos padrinhos
escolhidos para o batismo de crianças e adultos na freguesia:
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Elaborado pela autora a partir dos registros paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação
(1749-1770)
O maior percentual é para os assentos cuja condição jurídica dos padrinhos dos
escravizados eram livres, correspondendo à 230 registros. Ou seja, na maior parte dos
casos eram selecionados padrinhos livres para o batismo dos escravos.
Vejamos o caso dos filhos da escrava Ignácia. No dia trinta de abril de 1754, na
capela de Nossa Senhora do Ó de Mipibú, Ignácia, escrava do Capitão Caetano Barbosa
de Góis, batizou sua filha, Catarina, tendo como padrinhos o Capitão José Monteiro3 e
Brígida Maria, filha de José Barbosa Ribeiro. Dois anos depois, no dia vinte e sete de
agosto de 1756, o segundo filho de Ignácia, Caetano, foi batizado também na capela de
Mipibu; os padrinhos foram o licenciado João Barbosa Marques Ferreira e a viúva
Florinda Francisca Leal de Jesus.
Francisca, escrava de Francisca Antônia, também teve dois filhos: Ana foi
batizada no dia primeiro de maio de 1749, na matriz, e teve como padrinhos o cabo de
esquadra Vicente Rodrigues e Luzia, mulher de Miguel Correa. Seu irmão Luís, batizado
no dia 17 de maio de 1758, também na matriz, e teve como padrinho Francisco Pinheiro
Teixeira4.
Já Ana, filha de Brígida, escrava de João de Souza Nunes, teve como padrinhos o
sargento Vitoriano Rodrigues e Felipa, filha de Agostinho Cardoso Batalha5. Seu irmão,
José, batizado na matriz no dia 14 de maio de 1758, teve como padrinho o capitão
Manuel de Oliveira Miranda. O terceiro filho de Brígida, João, também batizado na
matriz; seus padrinhos foram o capitão-mor Cosme do Rêgo Barros e Dona Quitéria de
Jesus Maria, mulher do alferes José Barbosa Gouveia. Felipa foi novamente escolhida
para ser madrinha, desta vez da quarta filha de Brígida.
Nas experiências citadas constatamos exemplos de pessoas escravizadas que
escolheram como padrinhos e madrinhas de seus filhos pessoas de condição livre.
Estabelecer o parentesco espiritual com indivíduos livres era estratégico para os
escravizados. Um padrinho e uma madrinha livre possuíam mais recursos para com os
cuidados com o seu filho ou filha espiritual. Alguns poderiam escolher padrinhos da
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elite. Isto poderia ser vantajoso para os escravizados, pois estas pessoas estavam
melhor situadas na hierarquia social.
As pessoas escravizadas foram identificadas em 18 assentos. Segundo Kátia
Mattoso (1982), o compadrio firmado entre pessoas de condição escrava servia para
reforçar laços de solidariedade já existente entre os escravizados. Silvia Brügger
(2007), ao pesquisar sobre o compadrio em São João Del Rei (Minas Gerais) entre os
anos de 1736 e 1850, verificou que a população escravizada estabeleceu o compadrio
tanto com pessoas de sua mesma condição, isto é, escravizadas, como pessoas livres.
Para Brügger, esta ação de escolha não era aleatória, existia uma lógica:
FONTES
ARQUIVO da Cúria Metropolitana de Natal. Livros de batismo da Freguesia de Nossa
Senhora da Apresentação – 1749-1761; 1760-1761; 1761-1763; 1763-1766; 1766-
1768;1769-1770.
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REFERÊNCIAS
ALENCASTRO, Luis Felipe. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BLUTEAU, D. Rafael de. Vocabulario portuguez latino. Coimbra: Collegio das Artes da
Companhia de Jesus, 1712.
DAMASCENO, Cláudia. Arraias e vilas del rei: espaço e poder nas Minas setecentistas.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
GUDEMAN, Stephen. Spiritual relationship and selecting a godparent, Man, 10. 1975.
pp. 221-237.
MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2003
[1982].
PAULA, Thiago do Nascimento Torres de. Teias de caridade e o lugar social dos
expostos da Freguesia de Nª Srª da Apresentação: capitania do Rio Grande do Norte,
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PORTELA, Bruna Marina. Gentio da terra, gentio de guiné: a transição da mão de obra
escrava e administrada indígena para a escravidão africana (Capitania de São Paulo,
1697-1780). Curitiba, 2014, p. 165.
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O seguinte trabalho trata-se do início de uma pesquisa maior139 que tem como
objetivo central analisar o processo de territorialização da Freguesia da Gloriosa
Senhora Sant’Ana do Seridó durante o período de 1788-1818. Para tal, partimos do que
Marcelo Lopes Souza140 entende pelo conceito de território, o qual configura-se como
um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder. Seguindo essa
premissa, Souza explica que, para se entender um território, primeiro antes é necessário
identificar os agentes detentores de poder que ali se estabelecem – quem domina ou
influencia em determinado espaço –, logo, a categoria poder torna-se essencial na
análise do nosso recorte espacial.
Em relação à Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó141, a questão
das forças detentoras de poder que atuavam nesse espaço pode ser analisada por
diferentes prismas. Durante o movimento histórico de ocupação das terras do Seridó
existiram muitos processos que motivaram a fixação das pessoas na região. Segundo
Manoel Rodrigues Melo, na introdução que faz da 17ª edição do livro Seridó, escrito por
José Augusto142, à região se caracteriza pelo fato de não existir uma origem comum
para as vilas e cidades que se estabeleceram nesse território. Muitas tiveram seu início
ligado a fazendas de criar gado, outras no espírito religioso da sua população, algumas
se relacionam com o ciclo do algodão. Ou seja, são múltiplas as relações de poder
estabelecidas nesse território e, portanto, para quem deseja estudar a territorialização
138 Graduado em História (Licenciatura) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
campus Caicó-RN e atualmente cursando a especialização em História dos Sertões, pela mesma
instituição e o mestrado em História e Espaço pelo Programa de Pós Graduação em História da UFRN,
campus Natal-RN.
139 Nos referimos a monografia de conclusão de curso da especialização em História dos Sertões que
Iná Elias de; GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (orgs). Geografia: conceitos e temas
– Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1995, p. 78-80.
141 Como o nome do recorte é uma constante em nosso trabalho, por uma questão de convenção,
adotaramos Freguesia do Seridó, de agora em diante, até para melhor fluidez do texto.
142 AUGUSTO, José. Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1980.
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da Freguesia do Seridó, muitos podem ser os caminhos para essa tarefa, os quais
podem variar mediante o tempo e espaço analisados.
Deste modo, a Freguesia do Seridó se apresenta como um espaço produzido
pelas relações e atividades humanas, assim, não se trata de algo natural, dado
gratuitamente ou pré-existente a própria história. Consideramos o espaço como um
conceito carregado de historicidade e, portanto, repleto de discursos e intenções que
refletem na sua construção decorrente do tempo e lugar analisados. Em nosso
trabalho, a Freguesia do Seridó está longe de ser apenas o palco das ações dos homens
no decorrer da história, não se enquadra nesse modelo naturalizado e gratuito. O
território da freguesia se enquadra no próprio objeto de nosso estudo. E, nesse aspecto,
acaba por oferecer caminhos diferentes para se analisar os processos pelo quais se deu
sua territorialização. Para interesse dessa pesquisa, iremos deter a nossa atenção para
o sagrado, aspecto do processo de cristianização desse espaço – mas especificamente,
as desobrigas realizadas pelos padres nos sítios e fazendas.
Durante nossa pesquisa bibliográfica, pudemos observar, a partir de autores um
pouco de como as desobrigas143 tem sido objeto de análise em trabalhos
acadêmicos144. Infelizmente, constatamos que muito pouco tem se produzido acerca do
tema, de modo que nenhuma obra tinha esse objeto como central e só conseguimos
encontrar citações referentes à desobriga em pesquisas que abordam outras
temáticas, como sacramentos, religiosidades, conquistas territoriais e população. A
desobriga apresentou-se como uma tarefa não só ligada ao ato de desobrigar os
143 Em nossa pesquisa entendemos as desobrigas como o ato de sacerdotes da Igreja Católica se
deslocarem pelo território da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó para cristianizar as
populações que viviam nas fazendas, sítios e serras localizadas em torno das povoações existentes na
freguesia.
144 NEVES, Gilberto Pereira das. In: (coord) SILVA, Maria Beatriz Mizza da. Dicionário da história da
colonização portuguesa no Brasil. Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, 2013;
ZANON, Dalila. Os bispos paulistas e a orientação tridentina no século XVIII. História: Questões &
Debates, Curitiba, n. 36, 2002. Editora UFPR; SANTOS, Roberto Sousa. A reestruturação sociorreligiosa
em Sergipe, no final do século XVIII. Dissertação (estrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Natal, RN, 2010; MACEDO, Helder Alexandre Medeiro de. Ocidentalização, territórios
e população indígenas no sertão da capitania do Rio Grande. Dissertação (mestrado em História) –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, RN, 2007; SANTOS, Roberto Sousa. A
reestruturação sociorreligiosa em Sergipe, no final do século XVIII. Dissertação (estrado em Ciências
Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, RN, 2010; SMITH, Roberto. A Presença da
Componente Populacional Indígena na Demografia Histórica da Capitania de Pernambuco e suas Anexas
na Segunda Metade do Século XVIII. In: XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais,
realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002; MACÊDO, Muirakytan
Kennedy de. Estado das almas: população, família e educação escolar no Rio Grande do Norte colonial
(século XVIII). In: Revista Educação em Questão, v. 41, n. 27, Natal, jul./dez. 2011.
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145 Essas questões fazem parte de futuras pesquisas e, portanto, não serão tratadas aqui.
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146 Segundo Dom José Adelino Dantas em seu livro intitulado “Homens e Fatos do Seridó Antigo” os
livros de registros mais antigos se perderam, provavelmente destruídos pelo tempo. Segundo o autor,
esse de óbito, que data a partir de 1788 é no máximo, o segundo mais antigo. Ver DANTAS, Dom José
Adelino. Homens e fatos do Seridó Antigo. Natal, RN: Sebo Vermelho Edições, 2008. [primeira edição:
1959]
147 Essas tarefas vêm sendo realizadas por bolsistas de projetos de pesquisa ligados a Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação dos professores Muirakytan Macêdo e Helder Macedo,
desde o ano de 1999 em diante, até o ano atual em que continua-se dando prosseguimento ao projeto..
148 NEVES, Gilberto Pereira das. In: (coord) SILVA, Maria Beatriz Mizza da. Dicionário da história da
colonização portuguesa no Brasil. Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, 2013;
ZANON, Dalila. Os bispos paulistas e a orientação tridentina no século XVIII. História: Questões &
Debates, Curitiba, n. 36, 2002. Editora UFPR; SANTOS, Roberto Sousa. A reestruturação sociorreligiosa
em Sergipe, no final do século XVIII. Dissertação (estrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do
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Para dar início aos resultados iniciais dessa pesquisa, falemos primeiramente da
Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó. De acordo com autores
tradicionais da historiografia referente à região que abrange, nos dias atuais, o
território do Rio Grande do Norte, a exemplo de Dom José Adelino Dantas e Olavo de
Medeiros Filho, a freguesia foi criada oficialmente no dia 15 de abril de 1748, com
invocação a Sant’Ana e com sede na povoação da Vila do Príncipe. A freguesia era uma
das instâncias administrativas da colonização portuguesa nos trópicos. Tinha cunho
eclesiástico, onde buscava oferecer assistência espiritual as pessoas que residiam
dentro dos seus limites. Ao mesmo tempo ela servia a propósitos religiosos e da Coroa
portuguesa. Era também uma forma de territorializar os espaços conquistados,
demarcando o poder do Império português em sua área de abrangência. Sobre esse
aspecto, em relação à Freguesia do Seridó, Muirakytan Macêdo afirma que:
Rio Grande do Norte. Natal, RN, 2010; SILVA, Francisca das Chagas Marileide Matias da. O processo de
formação territorial de angicos (1760-1836). Dissertação (estrado em História) – Universidade Federal
do Rio Grande do Norte. Natal, RN, 2015.
149 MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Rústicos cabedais: Patrimônio e cotidiano familiar nos sertões da
pecuária. (Seridó - Século. XVIII). Natal, RN: Flor do Sal: EDUFRN, 2015. p. 17.
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150 MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Rústicos cabedais: Patrimônio e cotidiano familiar nos sertões da
pecuária. (Seridó - Século. XVIII). Natal, RN: Flor do Sal: EDUFRN, 2015. p. 22.
151 MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Outras famílias do Seridó: genealogias mestiças no sertão
do Rio Grande do Norte (séculos XVIII-XIX). 2013. 360f. Tese (Doutorado em História) – Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 2013.
152 PARÓQUIA DE SANT‟ANA DE CAICÓ (PSC). Casa Paroquial São Joaquim (CPSJ). Livro de Tombo nº 1.
Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó (FGSSAS), 1748-1906. Copia fiel do Edital do Rmo
Vizor
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Manoel Machado Freire, pelo qual se dividiu esta Freguesia de Santa Ana do Seridó, da, de Nossa Senhora
do
Bom Sucesso do Piancó ou Pombal em 15 de abril de 1748, fl. 1-2. (Manuscrito).
153 O conceito de qualidade é entendido aqui de acordo com Eduardo Paiva. Ver: PAIVA, Eduardo França.
Dar nome ao novo: uma história lexical da Ibero-América, entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de
mestiçagens e o mundo do trabalho). Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
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Tabela 1: Sacerdotes da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó (1788-1818) seguido do
número de registros em que aparecem realizando atos de fé.
SACERDOTE NºREGISTROS
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SACERDOTE NºREGISTROS
Pe João Francisco 1
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231
SACERDOTE NºREGISTROS
Pe Antonio C. R. Barros 1
Pe Manuel Pinto 1
TOTAL 61
Fonte: Elaboração de Isac Medeiros a partir de Paróquia de Sant’Ana de Caicó (PSC). Casa Paroquial São
Joaquim (CPSJ). Livro de Batismo n° 1, Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó (FGSSAS),
1803-1806. (Manuscrito); PSC. CPSJ. Livro de Batismo n° 2, FGSSAS, 1814-1818. (Manuscrito); PSC. CPSJ.
Livro de Matrimônio n° 1, FGSSAS, 1788-1809 (Manuscrito).
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dúvida, o que chama mais atenção, cerca de 24 padres atuaram apenas uma única vez.
O gráfico abaixo traz uma representação dessa ideia que acabamos de citar e nos
ajuda a transmitir de forma efetiva esses dados. Vamos às explicações acerca deste.
Primeiramente dividimos todos os dados da tabela em quatro grupos, cada um
representado por uma cor. Cada grupo representa um número de padres e a quantidade
de cerimônias que realizaram; os números presentes no gráfico referem-se ao padre
daquele grupo que realizou mais cerimônias e o que realizou menos. Por exemplo, no
primeiro grupo, representado pela cor azul, o padre que realizou mais cerimônias
somou um total de 466, enquanto que o que realizou menos somou 118, logo a legenda
que intitula o grupo é 466 a 118. O número em parênteses ao lado refere-se a quantos
padres constituem aquele grupo, no caso deste do exemplo, são 5 padres. Logo, o grupo
azul é constituído por 5 padres, sendo que destes, o que mais atuou em cerimônias de
batismo ou casamento, o fez 466 vezes e que menos atuou o fez 118 vezes. Já os demais
padres do grupo realizaram um número de atuações que ficam entre esses dois valores.
2%
3%
8%
13%
466 a 118 (5)
61 a 11 (10)
10 a 3 (12)
74% 2 a 1 (35)
Não indicados
Fonte: Elaboração de Isac Medeiros a partir de Paróquia de Sant’Ana de Caicó (PSC). Casa Paroquial São
Joaquim (CPSJ). Livro de Batismo n° 1, Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó (FGSSAS),
1803-1806. (Manuscrito); PSC. CPSJ. Livro de Batismo n° 2, FGSSAS, 1814-1818. (Manuscrito); PSC. CPSJ.
Livro de Matrimônio n° 1, FGSSAS, 1788-1809 (Manuscrito).
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período de 1788 a 1818 foram feitas por apenas 5 padres (grupo azul escuro),
responsáveis por 74% das 2028 ocorridas no recorte154. Em seguida, o grupo vermelho
(contendo 10 padres) caracteriza o segundo grupo de sacerdotes mais atuantes, onde
o reverendo que mais atuou somou 61 registros e o que menos atuou somou 11,
convertendo 13% das cerimônias ocorridas na freguesia. Seguindo a mesma lógica dos
grupos anteriores, o grupo verde é constituído por 12 sacerdotes que juntos realizaram
apenas 3% das cerimônias do período. O grupo roxo, formado pelo maior número de
padres (cerca de 35), concebeu apenas 2% das cerimônias ocorridas na Freguesia do
Seridó no período analisado, e, por último, o grupo azul claro, formado pelos registros
que não apresentaram os padres realizadores das cerimônias (não indicados) somaram
8%.
Deste modo, percebe-se um contraste a respeito da cristianização da Freguesia
da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó. O grupo155 composto por menos padres
apresentou o maior número de cerimônias realizadas, em contrapartida o grupo que
tinha mais padres em sua formação apresentou o menor número de cerimônias
realizadas156. Com isso, pode-se ver que as cerimônias de batismo e casamento, quando
se trata da freguesia analisada nesse estudo, ocorriam, em grande parte, feitas por um
pequeno grupo de padres que atuavam tanto em locais fixos – nesse caso, na matriz e
em capelas da região – quanto pelo território da freguesia – sítios e fazendas. Os padres
em questão são: Francisco de Brito Guerra (466)157; Manuel Teixeira da Fonseca (375);
José Antônio Caetano de Mesquita (275); Inácio Gonçalves Melo (261) e André Vieira de
Medeiros (118). São estes, portanto, os padres que mais atuaram no território da
Freguesia do Seridó no período em questão158.
Um fato que poderia justificar essa maior presença desses padres nos registros
paroquiais, seria por exemplo: a região de atuação dos mesmos poderia situar-se nos
maiores centros de povoação da freguesia e, portanto, sendo esses os locais que mais
154 Nesse caso, cada cerimônia é relacionada a um registro paroquial, sendo este o documento que atesta
a realização do ato de fé.
155 Importante deixar claro que esse agrupamento é feito por nós como forma de melhor analisar os
dados.
156 Essas informações dizem respeito aos dados analisados até o momento, afinal, como já foi
metodológico dessa pesquisa, logo, levando em consideração apenas os dados presentes nos registros
de batismo e casamento mencionados.
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ocorreriam essas cerimônias, o que explicaria um número tão maior que os demais. No
entanto, essa é apenas uma hipótese, já que mediante o tempo destinado a essa
pesquisa, ainda não conseguimos cruzar os dados que nos permitiriam afirmar tal
constatação com mais certeza.
Em relação ao grande número de padres que realizaram poucos registros,
obviamente não consideramos que isso seja algo normal para a freguesia. Como o
gráfico apresentou, foram 35 padres que realizaram apenas uma ou duas cerimônias,
só que se aguçarmos o nosso olhar para essa análise e voltarmos nossa atenção
novamente para a Tabela 1 podemos perceber que se somarmos a estes o número de
padres que realizaram até 5 cerimonias, o resultado sobe para 43. Portanto, para um
período de trinta (30) anos, são muitos padres atuando em poucas cerimônias e este é
um dado que merece nossa atenção. Uma hipótese para isso que temos até um
momento pode se referir as festas religiosas que poderiam atrair um maior número de
sacerdotes em algumas épocas específicas do ano, ocorridas nas povoações da
freguesia. Isso talvez explicasse um pouco essa situação. Também, a partir da Tabela 1
podemos perceber que alguns padres não pertenciam à Freguesia do Seridó (são
aqueles destacados de vermelho)159 o que contribui para essa ideia. Porém, como dito
anteriormente é apenas uma hipótese, uma questão a mais para tentarmos responder
futuramente.
O fato é que tanto a tabela quanto o gráfico acima nos permitem pensar um
pouco sobre como ocorria a cristianização referente a batismos e casamentos na
Freguesia do Seridó. A partir dos dados apresentados, durante o período de 1788 a 1818
a freguesia possuiu um grupo principal de sacerdotes dispostos na matriz e capelas da
região160, ao mesmo tempo estes também ofereciam assistência espiritual nas
fazendas e sítios da freguesia. Porém, também se percebe a existência de vários outros
sacerdotes que ofereciam apoio na manutenção da fé. Dentre esses padres, alguns
pertenciam à Freguesia do Seridó e outros estavam apenas de passagem pela região.
159 Estes são casos em que na própria fonte – registros paroquiais – eles estão mencionados como vindos
de outra freguesia e que estariam de passagem. Com o cruzamento com outras fontes acreditamos poder
descobrir mais desses exemplos.
160 Em relação a esse grupo de padres principais que citamos aqui é importante esclarecer que não nos
referimos apenas aos cinco padres mais atuantes citados anteriormente. Se observarmos a tabela,
outros padres tiveram quantidades expressivas de registros. Ainda mais, a quantificação é apenas o
primeiro passo para se perceber essa diferença da norma. Uma pesquisa de cunho mais qualitativo, a
partir do cruzamento com outros documentos será realizada futuramente para termos uma melhor visão
acerca dessa situação.
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Logo, se pode notar, mesmo que minimamente e ainda de forma muito geral, a
existência de uma rede entre esses sacerdotes, onde um substituía o outro em casos
de ausência, ao mesmo tempo em que se organizavam para dar conta da manutenção
da doutrina cristã no vasto território da Freguesia do Seridó. Ao olhar para os registros,
percebe-se que esses padres se movimentavam pelo território durante o ato de
cristianização, iam se dividindo, revezando-se entre a matriz, capelas, sítios e fazendas
da região. Ao mesmo tempo, documentavam nos registros paroquiais os locais que
passavam o que permite que hoje, a partir desses documentos, possamos observar o
que Helder Macedo chama de “cartografias da fé” 161. As desobrigas, objeto de análise
desse estudo, referem-se a esses trajetos que podem nos ajudar a entender melhor a
forma em que se ajustava o território da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana
durante o período temporal aqui analisado.
Neste caso, outro ponto que merece nossa atenção trata-se justamente dos
locais em que ocorriam essas cerimônias de batismos e casamentos. Elas eram mais
comuns nos templos religiosos (matriz e capelas) ou pela freguesia (sítios e fazendas)?
Qual era a realidade nesse aspecto para o nosso recorte? São essas questões que
tentaremos responder agora. Os registros paroquiais também nos dão informações a
esse respeito. O registro oferece, dentre vários dados, o lugar em que ocorreu a
cerimônia, revelando a matriz, capela, sítio ou fazenda específicas em que ocorreram os
atos de fé. No entanto, para essa parte específica de nossa análise, optamos por deixar
de lado – pelo menos por hora – os nomes desses locais e separamos esses dados
apenas em templos religiosos (matriz e capelas), pela freguesia (sítios e fazendas) e
não indicados (casos em que a exemplo do que ocorreu com os padres, não foi
objetivo
de referir-se ao território formado a partir da produção do espaço pela ação da Igreja Católica no período
colonial, resultando na constituição da freguesia enquanto unidade administrativa. Porém voltou a usar
sobre o mesmo significado em sua dissertação de mestrado e tese de doutorado. Ver respectivamente:
MACEDO, Helder
Alexandre Medeiros de. Vivências índias, mundos mestiços: relações interétnicas na Freguesia da
Gloriosa
Senhora Santa Ana do Seridó entre o final do século XVIII e início do século XIX. 2002. 169f. Monografia
(Graduação em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Caicó, 2002. p. 90-5; MACEDO,
Helder Alexandre Medeiro de. Ocidentalização, territórios e população indígenas no sertão da capitania
do Rio Grande. Dissertação (mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal,
RN, 2007; MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Outras famílias do Seridó: genealogias mestiças no
sertão do Rio Grande do Norte (séculos XVIII-XIX). 2013. 360f. Tese (Doutorado em História) –
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.
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11%
Matriz/Capela
27% Pela Freguesia
62% Não Indicados
Fonte: Paróquia de Sant’Ana de Caicó (PSC). Casa Paroquial São Joaquim (CPSJ). Livro de Batismo n° 1,
Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó (FGSSAS), 1803-1806. (Manuscrito); PSC. CPSJ. Livro
de Batismo n° 2, FGSSAS, 1814-1818. (Manuscrito); PSC. CPSJ. Livro de Matrimônio n° 1, FGSSAS, 1788-
1809 (Manuscrito).
O Gráfico 2 nos mostra que a maioria das cerimônias, mais especificamente 62%
– de 2028 ocorridas no período de 1788 a 1818 – foram realizadas em templos
religiosos, enquanto que 27% aconteceram nos sítios e fazendas da freguesia e 11% não
foram registrados os locais de realização desses atos de fé. Deste modo, percebe-se
que, para a realidade de nosso recorte, era mais comum que essas cerimônias
ocorressem na matriz e capelas da região, o que reforça a ideia inicial apresentada
nesse artigo de que esses templos eram construídos em locais de mais acessibilidade
para a população das povoações da freguesia. Porém, os 27% referentes às cerimônias
ocorridas “pela freguesia162” ainda sim é um número importante a se pensar, pois faz
Trata-se de uma categoria nossa que utilizamos para se referir as cerimônias que não ocorreram na
162
Matriz ou em capelas nas povoações, ou seja, todas aquelas realizadas nos sítios, fazendas, serras e
outras espacialidades presentes no território circunscrito à freguesia.
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menção a uma população que dependia das desobrigas para realizar rituais
importantes da doutrina cristã, o batismo e casamento, considerados sacramentos
essenciais para a religião. Os 11% de registros que não ofereciam essa informação aqui
analisada, obviamente aumentam o hiato das nossas pesquisas e certamente criam
lacunas, no entanto não chega a influenciar nos resultados mencionados acima, visto
que hipoteticamente, mesmo que todos esses documentos fossem referentes à “pela
freguesia”, ainda assim, não ultrapassaria o número de cerimônias realizadas em
templos.
* * *
Pudemos analisar, nesse artigo, informações acerca dos padres e suas atuações
ligadas às cerimônias de batismo e casamento realizadas na Freguesia da Gloriosa
Senhora Santa Ana do Seridó, durante o período de 1788 a 1818. Em resumo, discutimos
que a Freguesia do Seridó tratava-se de uma área de características notadamente
rurais, logo, se constituía de um conjunto de povoações que reuniam fazendas e sítios
em seu entorno e que tinha como centro a Vila Nova do Príncipe. Essas povoações
possuíam templos religiosos que eram construídos estrategicamente em locais de
maior acessibilidade para a maioria dos fiéis da região. No caso da Vila Nova do Príncipe,
local sede da freguesia, era lá que localizava-se a Matriz de Sant’Ana. No entanto,
mesmo assim, nem toda a população tinha condições de frequentar esses templos,
como alternativa a isso, os padres realizavam os atos de desobriga ao saírem pelo
território da freguesia realizando os atos de fé.
Deste modo, a realização de cerimônias no território da Freguesia do Seridó
ocorria a partir dessa dualidade, entre os templos religiosos e pela freguesia. O primeiro
caso era o mais comum reunindo 62% do total das cerimônias do período analisado,
visto os fatores apontados, no entanto, o segundo caso (27%) também apresentava
importância em relação à assistência espiritual de uma parcela significativa da
população.
Em relação aos padres, apesar de ser identificado um grande número de
sacerdotes, 61 para ser mais preciso, grande maioria desses agiam como suporte a um
grupo principal de padres que cuidavam do aprisco religioso da freguesia. Esses padres
possivelmente formavam uma rede que se organizava nos revezamentos entre matriz,
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REFERÊNCIAS
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DAMASCENO, Cláudia. Arraias e vilas d’el rei: espaços de poder nas Minas
setecentistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
DANTAS, Dom José Adelino. Homens e fatos do Seridó Antigo. Natal, RN: Sebo
Vermelho Edições, 2008. [primeira edição: 1959]
LIRA, Augusto Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 2.ed. Natal: Fundação
José Augusto; Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1982.
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SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
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agrária. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, p. 4, 1995.
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho incorpora-se ao Projeto de Pesquisa Histórias dos Sertões
do Rio Grande do Norte e Paraíba, aprovado no Edital 01/2016 – PPG/PROPESq – Apoio
a grupos Emergentes para Criação de Programas de Pós-Graduação, cujo objetivo é
explorar, em múltiplas abordagens, as histórias dos sertões norte-rio-grandense e
paraibano, dentro de um vasto recorte temporal, que abarca desde o Holoceno até o
século XXI. Tal projeto desdobra-se em dois eixos de pesquisas: o primeiro eixo reflete
sobre o imaginário e as práticas culturais dos sertões, e o segundo aborda as tramas
sociais das relações sertanejas.
Integrada ao primeiro eixo, esta pesquisa é fruto do Plano de Trabalho Sertões
do Rio Grande do Norte e Paraíba: das sesmarias à territorialização do espaço, o qual
propõe examinar as ideias sobre o “sertão” presentes nos requerimentos para
concessão de sesmarias nos espaços sertanejos das Capitanias do Rio Grande do Norte
e da Paraíba (entre as décadas de 1650 e 1750) e nos inventários post-mortem da
Ribeira do Seridó (de 1737 a 1822).
Enveredamos, aqui, pelas as fontes eclesiásticas, admitidas como favoráveis
veículos para pensarmos sobre as sociedades do passado, especialmente por
possibilitarem um extenso leque de desdobramentos temáticos. Na Europa, o registro
de sacramentos em livros de assentos adquiriu natureza universal e padronizada a
partir das normas estabelecidas no Concílio de Trento (1545-1563), ainda que algumas
paróquias já registrassem matrimônios e batismos antes mesmo do século XVI (LUCA,
PINSKY; 2009). O referido concílio ecumênico foi convocado num quadro de
vulnerabilidade da cristandade, encadeada pela Reforma Protestante, movimento que
163 Discente do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó - Brasil. Bolsista PPG/PROPESq
do Projeto História dos Sertões do Rio Grande do Norte e Paraíba (Edital nº 01/2016-PPG/PROPESq),
sob orientação do Prof. Helder Alexandre Medeiros de Macedo. E-mail: aldajanamedeiros@gmail.com
164 Professor do Departamento de História do CERES-UFRN. E-mail: heldermacedox@gmail.com
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165 Exclusivamente devido aos lapsos que encontramos na documentação sobre as “qualidades” e as
condições, optamos por considerar ambas em um só levantamento, pois, em caso de distinção, os dados
seriam incipientes para a análise, uma vez que poucas atas de batismo apresentam os dois elementos.
166 Desconsideramos os 29 registros que não expressavam nem a “qualidade”, nem a condição.
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Ainda no universo das siglas, oito indivíduos foram descritos como “NC”, o que
supomos poder ser “negro cativo” ou “nação Congo”. O que pudemos observar é que
todos os batizandos que receberam tal definição estavam incorporados ao mundo da
escravidão, em razão de seus progenitores. É o caso de Marcelina, batizada em 1820,
cujos pais João e Luiza eram pretos e escravos, bem como, Domingos, natural de
Angola, já atribuído à condição de escravo quando recebeu os santos óleos em 1821,
filho de Manoel e Mariana, escravos. Os sujeitos que foram designados pela sigla “PC”
(“pardo cativo”; “preto cativo”?) também estavam ligados à escravidão, devido à
condição de suas mães.
Em algumas atas, nos deparamos com uma fartura ainda maior de informações,
como o nome das testemunhas e as “qualidades” e condições dos nubentes. No que
concerne à povoação do Jardim das Piranhas, trabalhamos com 50 uniões
sacramentais realizadas no período de 1790 a 1821, na Capela da povoação.
A primeira linha que seguimos para explorarmos esses registros igualmente
partiu das “qualidades” e condições dos indivíduos que contraíram núpcias na povoação.
Durante o período de 1788 a 1809, dos 537 matrimônios celebrados na Freguesia de
Santa Ana, 91,79% envolviam nubentes do mesmo grupo social, enquanto 8,21% das
uniões eram firmadas entre indivíduos de grupos distintos. Neste mesmo universo, 463
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22
20
18
16
14
12
10
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relaciona com o fato da Povoação do Jardim das Piranhas ter sido, até 1788, termo da
Povoação de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó, Freguesia do Pombal. Da
Capitania da Paraíba do Norte, constam também a Freguesia da Campina Grande, de
Manguape, do Taipu, do Jardim do Rio do Peixe, da Areia, dos Patos, Paraíba (hoje, João
Pessoa), Nossa Senhora do Pilar do Rio Paraíba e Baía de São Miguel, cada uma com
um caso de naturalidade.
Em outras localidades, encontramos a Freguesia de Nossa Senhora do Ó de
Pojuca e a Freguesia do Cabo, ambas da Capitania do Pernambuco; Acaracu, Capitania
do Ceará; e a Freguesia de Antônio Freitas – cada lugar com um caso.
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sua salvação à Virgem Maria, a Jesus Cristo e “a todos os mais santos a quem tenho
devoção que queiram por mim interceder”167.
Outros cuidados que os indivíduos tinham com a passagem da vida para morte
apareciam nos próprios registros de óbitos, que indicavam
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apareceram vestindo os finados foram azul, amarelo, seda, bretanha, borel, algodão,
cassa, linho e carmesim.
O trato empregado para se ter uma boa morte contemplava também a
preocupação com o lugar do sepultura. Ser enterrado em terra profana – ou não morrer
em terra firme – provocava forte pavor, pois implicava em tormentos para a alma. A
sepultura tinha que ser feita num espaço sagrado, por isso que por muito tempo os
corpos eram sepultados no próprio templo religioso. Sendo a igreja a morada do
Senhor, o corpo desfalecido se aproximava fisicamente das entidades divinas, além de
preservar uma conexão com os vivos, garantindo seu espaço na memória e nas orações
dos que permaneceram no mundo terrestre.
Por trás do enterramento dos defuntos, existia uma lógica classificatória sobre
o lugar da sepultura, o que João José Reis concebe como uma “geografia da morte”:
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Fonte: Elaboração da autora a partir de Livros de assentos de óbitos da Freguesia da Gloriosa Senhora
de Santa Ana do Seridó (1788-1821). Universo amostral composto por 110 sepultamentos. Não foram
computados os registros sem indicação de local da sepultura (72).
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Gráfico 3 - Mortalidade por faixa etária, Capela de Nossa Senhora dos Aflitos do
Jardim das Piranhas (1788-1838)
26
24
22
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Menos de 1 a 10 11 a 20 21 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a 60 61 a 70 71 a 80 81 a 90
1 ano anos anos anos anos anos anos anos anos anos
Fonte: Elaboração da autora a partir de Livros de assentos de óbitos da Freguesia da Gloriosa Senhora
de Santa Ana do Seridó (1788-1821). Universo amostral composto por 110 sepultamentos. Não foram
computados os registros sem indicação de idade (13).
168Por vezes, o léxico das doenças nos séculos XVIII e XIX não nos é inteligível. Em função disso,
consultamos as explicações que Olavo de Medeiros Filho fez sobre as moléstias mais presentes no
Seridó antigo (MEDEIROS FILHO, 2002).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vida privada dos cristãos – e daqueles imersos na teia do cristianismo – era
marcada por ritos de passagem que assinalavam as principais fases da vida:
nascimento, casamento e morte. Através dos batismos, matrimônios e sepultamentos
consagrados na Capela de Nossa Senhora dos Aflitos nos séculos XVIII e XIX,
conseguimos refletir sobre a população da povoação do Jardim das Piranhas. A análise
se sobressaiu aos elementos da esfera religiosa e, igualmente, amparou considerações
sobre um perfil demográfico da povoação, por meio dos indicadores sociais, culturais e
econômicos fornecidos pela documentação, o que corroborou, assim, a construção de
uma História Local.
Para além do que brevemente discutimos aqui, o corpo documental que
utilizamos ainda nos possibilita caminhos que podem ser explorados para
contribuirmos com o conhecimento e a historiografia do município de Jardim de
Piranhas. Citamos, como exemplos de desdobramentos, estudos sobre os rituais
envolvidos das cerimônias de matrimônio, os impedimentos e as dispensas que
elucidam o parentesco (consanguíneo ou espiritual) entre alguns nubentes; o balanço
da época em que os matrimônios eram realizados e sua relação entre o calendário
religioso e o agrícola; e, dentre outras possibilidades, a análise sobre os sacramentos
que os falecidos recebiam na cerimônia funerária, cenários estes a serem observados
em trabalhos futuros.
A partir do crivo do historiador, as fontes paroquiais podem se constituir
enquanto trilhos para alcançarmos aspectos do passado e observarmos as sociedades
pretéritas mediante múltiplos ângulos. Seus costumes, comportamentos,
mentalidades, sensibilidades e particularidades aparecem, por vezes, nas entrelinhas,
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mas ainda permanecem sendo frutuosos sustentáculos para análises. São mulheres,
homens, brancos, negros, índios, “mestiços”, ricos e pobres que aparecem no palco
dessas séries documentais, nos possibilitando assistir as tramas do passado de
maneira quase democrática, ouvindo os murmúrios até dos que pouco tiveram voz.
FONTES
1. Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó (1788-1857)
Paróquia de Santana de Caicó, Casa Paroquial São Joaquim, Caicó-RN
Livro de Batismos nº 1, 1803-1806.
Livro de Batismos nº 2, 1814-1818.
Livro de Batismos nº 3, 1818-1822.
Livro de Casamentos nº 1, 1788-1809.
Livro de Casamentos nº 2, 1809-1821.
Livro de Óbitos nº 1, 1788-1811.
Livro de Óbitos nº 2, 1812-1838.
REFERÊNCIAS
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: do ano mil à colonização da América. Ed.
Globo. São Paulo, 2009.
LUCA, Tania Regina; PINSKY, Carla Bassanezi. O historiador e suas fontes. São Paulo:
Contexto, 2009.
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. De como se constrói uma História Local:
aspectos da produção e da utilização no Ensino de História. In: ALVEAL, Carmen
Margarida Oliveira; FAGUNDES, José Evangelista; ROCHA, Raimundo Nonato Araújo
da. (Org.). Reflexões sobre História Local e Produção de Material Didático. Natal:
EDUFRN, 2017. P. 57-81.
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REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do
século XIX. Companhia das Letras, 1991.
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169Discente do curso de Licenciatura Plena em História, Unidade Acadêmica de Ciências Sociais, UFCG,
Cajazeiras, PB. E-mail: ldmonteirolacerda@gmail.com
170 Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Professor Associado da Unidade
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171 SOARES, Maria Simone Morais. Formação da Rede Urbana do Sertão de Piranhas e Piancó da
Capitania da Paraíba Setecentista. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Centro de
Tecnologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa. 2012. p. 15.
172 Sobre a importância do sertão do Piancó para a manutenção do Caminho do Brasil: Cf.: MORAES, Ana
Paula. Entre mobilidades e disputas: O sertão do Rio Piranhas, Capitania da Paraíba do Norte, 1670-1750.
Tese (doutorado) – Programa de Pós-graduação em História Social, Centro de Humanidades da
Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2015. 301 f.
173 Sobre o mercado das carnes: Cf.: MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Rústicos cabedais: patrimônio e
cotidiano familiar nos sertões do Seridó (séc. XVIII). Tese (Doutorado em História). Universidade Federal
do Rio Grande do Norte. Natal, 2007. p.123.
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174 COSTA, Ana Paula Pereira. Organização militar, poder de mando e mobilização de escravos armados
nas conquistas: a atuação dos Corpos de Ordenanças em Minas colonial. Revista de História Regional, n.
2, v. 11, 2006. p. 112.
175 O direito em questão é registrado nas cartas de nomeações aos postos militares de Ordenança, todas
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A imagem indica os limites da Capitania da Paraíba no século XVIII; já a área pontilhada os possíveis
limites do sertão do Piancó; e o circulo vermelho a localização onde se estabeleceu o Arraial de Piranhas,
que, no início do século XVIII, se tornou a Povoação de Nossa Senhora do Bom Sucesso.
Em 1711 criou-se o ofício Juiz Ordinário no sertão do Piancó, como forma de agir
institucionalmente sobre esse espaço. A criação pretendia sanar os problemas
cotidianos de seus moradores, assim como registrar negócios, posses de terras e
cartas de liberdade de escravos. Esta medida foi uma saída à falta de Câmaras nas
localidades mais distantes, e foi justamente a atuação desse sujeito que rendeu ao
Piancó uma centralidade política.177
Até 1772, quando há a instalação do Senado da Câmara, foram os homens de
Ordenança e o Juiz Ordinário, conjuntamente com licenciados, escrivães e tabeliões, os
responsáveis pela organização social e administrativa do Piancó. Funcionando como
centros de poder local, ou seja, espaços de encontro e colaboração entre os interesses
das elites locais e os do poder central, os espaços militares e jurídicas concorriam para
a produção de um ethos aos seus ocupantes.178
176 SOARES, Maria Simone Morais. Formação da Rede Urbana do Sertão de Piranhas e Piancó... Op. cit. p.
119. Adaptado.
177 FONSECA, Claudia Damasceno. Urbs e civitas: a formação dos espaços e territórios urbanos nas Minas
de. Forças Militares no Brasil colonial: Corpos Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século
XVIII. Rio de Janeiro: E-Papers, 2009. 258 p.
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261
179MONTEIRO, Nuno. O 'Ethos' Nobiliárquico no final do Antigo Regime: poder simbólico, império e
imaginário social. Almanack Braziliense, n. 2, 2005. pp. 4-20.
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Gráfico 1
Pais do Alferes Pedro Soares
Pedro Mônica
Soares Rodrigues
da Silva dos Santos
Pedro
Soares
da Silva
Gráfico 2
Esposa e filhas do Alferes
Pedro Maria da
Soares Costa da
da Silva Fonseca
Gráfico 3:
Genros e netos do Alferes Pedro Soares da Silva
Ântonia Manoel Mônica Ântonio José de Vicência João Úrsula Francisco Maria da Tereza Ântonio Ana Soares Ântonio
Nunes Rabelo Pereira Barros Ferreira Correa de Soares da José Costa da de Jesus Duarte do Bom Pereira
G. da Costa Barbosa Silva Queiroga Conceição Ferreira Fonseca Maria Machado Sucesso Nunes
Manoel Mônica
Filho Filha
Apesar de não receber soldo pelas funções que executava, Pedro Soares
acabava por garantir, na posse do título, o direito de gozar de honras, liberdades,
privilégios e isenções. O título produziu para si um espaço de distinção social, que, em
1748 e 1766, foi legitimado na escolha e nomeação do Alferes para o cargo de Juiz
Ordinário, mostrando assim a sua importância social e política conquistada naquela
localidade.
É certo que o Alferes tecera suas próprias redes de sociabilidade entre os
potentados do Piancó, pois na ausência dessas a sua nomeação ao cargo não teria
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alcançado êxito algum, uma vez que, tanto as funções militares quanto as jurídicas,
eram assumidas com base no critério de “qualidade” e reconhecimento social.
Ao assumir funções militares e jurídicas Pedro Soares passou a participar
ativamente do controle do aparelho administrativo, o que lhe proporcionou barganhar
interesses locais e pessoais junto aos moradores do Piancó e as autoridades da Cidade
da Paraíba. Através e como consequência do exercício dessas funções, Pedro Soares e
seus pares partilhavam de um ethos. Detê-lo e legitimá-lo não se fazia possível apenas
pela posse de um cabedal simbólico, como é o caso dos títulos militares e cargos
jurídicos. Pedro Soares também precisou contar com um cabedal material significativo,
formado por terras, gado, escravos, metais e objetos de valor como utensílios
domésticos, ferramentas de trabalho e vestuários.
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GRÁFICO 1: Porcentagem dos valores individuais dos bens arrolados no inventário do Alferes Pedro
Soares da Silva
Gado 37,68%
Imóveis
41,87%
Escravos
16,06%
180Isso não significava dizer que ela teria toda a liberdade diante seus atos civis, pois a própria legislação
lhe impunha certos limites. Cf.: ALENCAR, Ana Cecília Farias de. Declaro que sou “dona”, viúva e cabeça
de casal... Op. cit. p. 43-55.
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181 MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Rústicos cabedais... Op. cit. p. 129.
182 Idem. p. 126.
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são promotores de distinção. O primeiro “era sinal da riqueza ou pobreza de seu dono
[…] um homem abonado punha sobre seu cavalo um sela “bastarda” cujo preço não era
acessível a todos os vaqueiros” Seu preço variava entre 1$000 e 7$000 réis. Já o
segundo, além de exercer sua finalidade (marcar os bens pessoais como forma de
demonstrar posse material) denotava “dignidade social e atributo de virtude
individual”.183 Conforme o historiador, a marca funcionava como assinatura que
figurava como índice de prestígio e signo de poder dos grandes criadores gravados em
quase todo seu cabedal, desde animais aos utensílios domésticos, como forma de fazer
visível aos demais sua quantidade e seu proprietário.184
A posse do ferro estava, somente, para os criadores que possuíam rebanhos
numerosos.185 O Alferes Pedro Soares se enquadrava nessa condição, tanto pelo
número de cabeças de gado quanto pelo total de “ferros de ferrar” que foram arrolados
entre seus bens. No total foram registrados cinco ferros, correspondentes aos valores
de $160 e $240 réis. Dentre os bens arrolados não se fez referência a nenhuma sela,
mas a um par de esporas, avaliadas em 6$850 réis. Este era o valor aproximado ao de
uma sela “bastarda” na Capitania do Rio Grande do Norte, conforme as informações
levantadas por Muirakytan (2007, p.127).
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escrava para o seu sustento.186 Eram esses escravos que trabalhavam na lavoura e
garantiam a produção de alimentos, importante atividade devido ao seu caráter de
subsistência.
Cada fazenda tirava da lavoura seu próprio sustento. As terras destinadas às
atividades dessa natureza eram minoritárias. Sobre elas se cultivavam milho, feijão,
mandioca, algodão.187 Nas terras do Alferes a produção parece ter dado maior espaço
para o cultivo da mandioca. Isso porque dos 29$630 réis em que foram avaliadas as
suas ferramentas de trabalho, 15$000 réis correspondia aos aviamentos de fazer
farinha e $100 réis ao cevador. O cevador era utilizado para triturar a mandioca, um dos
aviamentos utilizados na produção, enquanto os demais poderiam dizer respeito ao
caitituá – roda de ralar –, prensa, cocho, forno e tachos188.
Entre as ferramentas de Pedro encontravam-se ainda machados (5), enxadas
(4), cavador (1), alavanca (1), entre outros. Tais ferramentas devem ter sido utilizadas
pelo próprio Pedro Soares e seus escravos em lavouras estabelecidas às margens do
rio Piranhas, tanto na parte de cima quanto na de baixo, mais precisamente nos sítios
do Genipapo e do Abro, onde Pedro Soares e sua esposa Maria da Costa eram
proprietários de algumas casas.
É importante perceber que a posse das sesmarias em lugares diferentes
poderia, além de denotar a importância de seu proprietário (por tratar-se de um senhor
de terras), funcionar como uma estratégia para que todo o seu gado pudesse ser
remanejado de um pasto a outro quando necessário. Este aspecto talvez se aplique ao
caso de Pedro Soares, já que suas duas sesmarias eram próximas.
Os imóveis do Alferes corresponderam a 42% (1:590$000 réis) do valor total
dos bens. Trata-se de uma parcela que diz respeito à soma de dois sítios e duas casas
localizadas na Vila Nova de Pombal. É interessante perceber a posse de casas na Vila e
associá-las ao fato de que Pedro já havia atuado como Juiz Ordinário em 1766, nesse
mesmo lugar, antes denominada Povoação de Nossa Senhora do Bom Sucesso. Por
isso, é provável que o exercício da função lhe exigisse certo tempo de permanência
nesse lugar sendo mais viável para Pedro Soares o seu estabelecimento na Vila quando
186 ALENCAR, Ana Cecília Farias de. Declaro que sou “dona”, viúva e cabeça de casal... Op. cit. p. 68.
187 MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Rústicos cabedais... Op. cit. p. 93
188 Idem. p. 99.
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189 FURTADO. Júnia Ferreira. A morte como testemunho da vida. In: LUCA, Tânia Regina de. PINSKY, Carla
Bassanezi. O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009. p.107.
190 ALENCAR, Ana Cecília Farias de. Declaro que sou “dona”, viúva e cabeça de casal... Op. cit. p. 65.
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estava, necessariamente, em seu uso cotidiano, mas sim, em seu caráter simbólico. Era
comum possuí-los com a finalidade de ostentá-los às visitas. Talvez isso justifique a
disparidade entre os membros da casa e os talheres possuídos, um número geralmente
incompatível conforme os historiadores citados acima verificaram para suas
localidades de pesquisa.
Ainda entre os artefatos de distinção encontrados no inventário de Pedro
Soares estavam objetos religiosos e referentes ao vestuário. O oratório era um dentre
os objetos raros a serem encontrados nos sertões. Ele representava um pequeno altar
onde ficavam expostas as imagens dos santos aos quais eram devotos seus
proprietários. Segundo Muirakytan Macêdo (2007, p.162-163), sua presença era uma
compensação para o altar das igrejas e capelas, e sua posse com ou sem santos era
algo que não poderia ser adquirido por qualquer pessoa devido seu valor. Para o
inventário em questão, trata-se de um pequeno e velho oratório de cedro avaliado em
1$280 réis, recebido pela esposa no ato da partilha.
No que tange ao vestuário, segundo Silvia Lara (apud ALENCAR, 2014, p.57), é
importante pensar as roupas como artefato de distinção, pois eram elas que revelavam
os jogos hierárquicos no interior dos quais as diferenças eram mostradas. De acordo
com Lara (apud ALENCAR, 2014, p. 57-58), uma série de leis e decretos foi aplicada para
reforçar a distinção presente nas roupas, como em 1696 quando se proibiu o uso de
“vestidos de seda, cambraia, holandas com rendas e brincos de ouro ou prata” por
escravas. Entretanto, não encontramos no inventário de Pedro Soares algum registro
dos tipos de roupas utilizadas, mas apenas colares, fivelas, abotoadeiras e botões, tudo
em ouro e prata.
Todos esses bens foram distribuídos entre as filhas durante a dotação e a
esposa no ato da partilha, assim como os utensílios domésticos vistos anteriormente.
Através da partilha a esposa recebeu em herança uma caixa, mala com fechadura e
arcas. Eram bens avaliados entre 2$000 e 10$000 réis. Estes tipos de utensílio eram
comuns no sertão. Geralmente as malas e caixas eram utilizadas para guardar peças do
vestuário, joias e até alimentos, como farinha e carne salgada.191 Pela facilidade de
transporte esses objetos eram fundamentais à necessidade de fuga em meio às
191 MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Rústicos cabedais... Op. cit. p. 173.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa com base nos inventários do Piancó ainda está em sua fase inicial.
Contamos com uma grande quantidade de informações que requer maior tempo de
pesquisa, por isso optamos analisar, inicialmente, apenas o inventário do Alferes Pedro
Soares da Silva. A partir dessa fonte podemos perceber quais os bens que constituíam
o cabedal de um potentado do Piancó, sem criar generalizações, e seu valor, não só
monetário, mas também simbólico.
Todos os resultados levantados até então nos tem permitido traçar um
possível perfil do Alferes. Por meio deles tomamos ciência sobre quem ele era (qual a
sua naturalidade e suas relações familiares) e a importância de seus bens para a
legitimição do seu ethos social. Ainda é possível realizar o cruzamento de parte dessas
informações com outras dispostas em Livro de Notas, produzidos no sertão do Piancó
durante o século XVIII e as solicitações de sesmarias, criando assim um complexo de
informações sobre o militar.
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho está vinculado ao grupo de pesquisa História dos Sertões,
constituindo parte do Projeto de Pesquisa História das mestiçagens nos sertões do Rio
Grande do Norte por meio de um léxico das “qualidades” (séculos XVIII-XIX), sob
coordenação do Prof. Helder Alexandre Medeiros de Macedo.
O projeto maior atrela-se ao Plano de Trabalho específico: O olhar dos agentes
do Estado e da Justiça, nascendo assim, esta comunicação. Objetivamos examinar as
trajetórias de vida dos agentes da Justiça produtores de documentos, no qual
encontram-se registrados indivíduos frutos das mestiçagens, afim de estabelecer um
perfil acerca de quem nomeava pessoas com as “qualidades” de “mestiço”, mameluco,
pardo, mulato, cabra e curiboca.
Ao longo de dois anos, iniciados em 2016.2 e completados em 2018.2, os
interesses do Plano de Trabalho caminharam em mão dupla, ou seja, fizemos um
rastreamento dos escrivães e/ou tabeliães que exerceram o seu ofício na Ribeira do
Seridó entre os séculos XVIII e XIX, utilizando como principal corpus documental os
inventários post-mortem do Fundo da Comarca de Caicó (FCC) e do Arquivo da Vara
Cível da Comarca de Currais Novos (AVCCCN) (1737 – 1850) – são neles que consistem
o maior número de processos manuscritos pelos escrivães, bem como, o registro dos
sujeitos frutos das “dinâmicas de mestiçagens” (PAIVA, 2015) do Seridó colonial. A
outra via, por sua vez, era acessada na tentativa de compreensão do fenômeno das
“mestiçagens”, utilizando as letras destes indivíduos da Justiça como um meio.
194 Discente do Curso de Bacharelado em História, Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES),
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC-UFRN). E-
mail: matheusx1998@gmail.com.
195 Professor do Departamento de História, CERES, UFRN. E-mail: heldermacedox@gmail.com.
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196 No período de 1777 à 1830, na Ribeira do Seridó, o escrivão e tabelião Antonio Vaz Ferreira Júnior
atuou em 32 processos; João de Sousa e Silva em 27; e Manoel Pereira da Silva Castro em 17.
197 A exemplo de: Por mãos alheais (RACHI, 2016); Um Império de Papel (LIRA, 2018).
198 Ver, a exemplo: Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas (CHATURVEDULA; STUMPF, 2012);
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não letramento, por estar ligado ao aparelho da Justiça, não constituindo-se como uma
esfera impermeável, mas que, por exemplo, estava interseccionada com a esfera
religiosa e, muitas das vezes, com a vontade dos que detinham cabedal político e/ou
econômico, ocupar os ofícios supracitados colocariam as demais pessoas em uma
posição de prestígio e poder no seio da sociedade do Além-mar.
Destacamos que, ocupando a função do tabelião, o agente tem em torno de si
várias normas e leis que norteiam o seu ofício, como é o caso das Ordenações Filipinas
(1870 [1603]) e do Manual do Tabelião (1834), estando na sua responsabilidade a
redação das peças jurídicas cotidianas, os atos formais e administrativos daquelas
instituições. Os agentes detentores dos ofícios de escrivão e/ou tabelião distinguiam-
se dos demais funcionários destes aparelhos da justiça, por serem os principais
responsáveis pela redação da comunicação escrita, e pelo fato de serem ofícios locais,
cujo provimento era efetuado pelo rei (LIRA, 2018).
Pondo o seu ofício em prática, o escrivão e tabelião Antonio Vaz Ferreira Júnior
foi o responsável pela feitura de 5% das cartas de alforria da Vila Nova do Príncipe
(1792-1814), mais precisamente, estamos lidando com um universo amostral de 122
cartas de alforria, no qual ele foi o responsável por registrar 7 delas no Livro de Notas
do Termo Judiciário da Vila Nova do Príncipe. Na realidade espaço-temporal que
estamos lidando, este valor é significativo, inclusive quando o comparamos com os
outros escrivães e/ou tabeliães, como vai ser possível constatar ao longo desta
narrativa.
As pessoas que dominam o conhecimento das letras, além do conhecimento e
reconhecimento de suas estimas sociais, mantêm uma forte conexão com as
instituições religiosas e os grupos predominantes, assim como elucida Rachi (2016). O
escrivão e tabelião aqui trabalhado, por sua vez, está presente em várias das
celebrações católicas da Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó, a exemplo
de como consta no I Livro de Batismo FGSSAS (1803-1806), em que Antonio Vaz
Ferreira Júnior e sua mulher Maria José de Jesus aparecem como padrinhos de uma
criança pela parte – como procuradores – de Francisco Toscano do Rêgo e Dona
Francisca Dorneles.
As CPAB (1853 [1720]) afirmam que a escolha deste “parentesco espiritual” – os
padrinhos – deveria ser feita com zelo, pois não eram todos os indivíduos que estavam
aptos a ocupar tal cargo, sobretudo aos olhos da Igreja, no qual o sujeito a ser escolhido
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teria uma série de prerrogativas que deviam ser atendidas, como, por exemplo, ser
maior de 14 anos e respeitar os princípios da Santa Fé. Isto demonstra o quão
heterogênea era a América Portuguesa, pois não somente a escolha do parentesco
espiritual parte da estima que os indivíduos, tais como os pais de um filho a ser batizado
tinham pela seleção do padrinho/madrinha, como, também, o sujeito devia atender as
exigências de uma das maiores instituições de poder do mundo Ibérico.
Outra celebração católica que Antonio Vaz Ferreira Júnior participou foram os
matrimônios, como aponta o I Livro de Casamento FGSSAS (1788-1809). Em 543
registros de uniões, o escrivão e tabelião aparece como primeira testemunha em 5
casos, como segunda testemunha em 6, cada uma delas representando 5% do total.
Não é “ingênua” a classificação numérica da escolha de testemunhas: o primeiro lugar
“é mais honroso” do que o segundo, o que não quer dizer que ambas não possam ser
vistos como classificadoras sociais. As CPAB (1853 [1720]) resguardam que as pessoas
escolhidas devem ser “dignas de fé”, não ter nenhum impedimento, pois são
asseguradores da “verdade” ao testemunharem o matrimônio.
Uma escrava, chamada Josefa, do gentio de Angola, falecida em 25 de julho de
1800, como demonstra o I Livro de Óbito FGSSAS (1788-1811), tinha como o seu
proprietário o escrivão e tabelião Antonio Vaz Ferreira Júnior. Para a Ribeira do Seridó,
como nos assegura Muirakytan Macêdo (2015), a tríade terra-escravo-gado era a que
se configurava com os elementos preponderantes em cabedal dos inventários post-
mortem (1737-1813). E, por mais que o sujeito aqui tratado tenha somente uma unidade,
isto demonstra um certo grau de poder aquisitivo do mesmo, uma vez que, levando em
consideração Josefa “mostrar ter 45 anos”, e uma escrava, de nome Izabel, criola, de
quarenta anos, constante no inventário post-mortem de Cosme Fernandes Jorge,
datado de 1801, ter o valor de 100$000 réis, podemos inferir que o valor da gentio de
Angola também girasse em torno destes números.
“Na Época Moderna, a escrita configurou-se como instrumento de poder ao
permitir o funcionamento das práticas em distintas esferas: na vida política, na
religiosidade, no âmbito privado” (RACHI, 2016, p.338). E são, a partir destes
microelementos trabalhados acima que, para a realidade da Ribeira do Seridó, podemos
traçar um perfil acerca destes indivíduos que não passaram despercebido nas fontes,
muito menos na sua contemporaneidade.
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Batismo FGSSAS (1818-1822), João de Sousa e sua irmã Ana Maria da Trindade
apadrinharam Manoel, em 29 de setembro de 1822, filho de Gonçalo Álvares de Farias
e Francisca Xavier das Chagas.
Como ora elucidado, o lugar de primeira e segunda testemunha de casamento
detinha subjetividades para além daquelas religiosas, João de Sousa e Silva, por sua
vez, no I Livro de Casamento da FGSSAS (1788-1809), atuou como testemunha de
primeira posição em 8 dos 543 casos, representando 6%; na segunda posição dos
sujeitos “testadores da fé”, ele está presente em 18 ocasiões matrimoniais, o que
representa 14%. Além destes, soma-se à conta o II Livro de Casamento da FGSSAS
(1809-1821), figurando pela última vez, no dia 20 de setembro de 1813, segundo os
registros paroquias, como segunda testemunha de casamento.
A “escrita”, composta de regras intrínsecas e extrínsecas, utilizada como forma
de poder e legitimação do mesmo, das instituições representativas do poderio político,
econômico e social, estendeu-se para os sujeitos encarregados de realizarem os “atos
de escrita” (RACHI, 2016). A ligação, fortemente presente nos dois escrivães e tabeliães
aqui trabalhados, como, por exemplo, com a instituição religiosa, demonstra, entre
tantos flancos, o quanto é característico e particular, para os sujeitos que manejam as
letras, uma distinção social exercida dos “centros de poder” alongando-se até as suas
zonas mais periféricas.
201Não é possível dizermos com clareza qual “qualidade” expressa-se com a letra “B”. Entretanto,
aportando-se em percepções e interpretações pessoais, com base na observação dos dados empíricos
coletados junto às fontes paroquiais, acreditamos que fosse o designativo de “branco”.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível fazermos um levantamento quantitativo, a partir das fontes
judiciais que dispúnhamos – inventários post-mortem e cartas de alforria – dos
escrivães e/ou tabeliães Antonio Vaz Ferreira Júnior, João de Sousa e Silva e Manoel
Pereira da Silva Castro exercendo os seus “atos de escrita” (RACHI, 2016). Lembremo-
nos que, por mais que estes sujeitos estivessem exercendo os seus ofícios cotidianos,
produzindo uma gama de processos com variadas finalidades e intenções, qualquer
modalidade de linguagem representa modos de expressão, crenças e princípios de um
determinado tempo e espaço.
O modelo formal, como é o caso da esfera jurídica, foi encarado como legítimo
por conter regras que conferem fidedignidade ao texto, sendo utilizado pelas instâncias
de poder, segundo Sílvia Rachi (2016). Responsáveis, ademais, por encabeçar uma
realidade de manutenção e dominação das relações entre os indivíduos que
extrapolaram as figuras dos escrivães e/ou tabeliães supracitados.
Na esfera de suas vidas privadas, não desassociadas do ofício que ocupavam, de
tal modo que, o prestígio conferido ao cargo ocupado, neste momento, estava
interseccionado com o sujeito de carne e osso, ou seja, não precisava estar segurando
uma pena/lápis e/ou (re)afirmando o seu lugar no universo jurídico para conferir-lhe o
“prestígio natural”, os escrivães e/ou tabeliães estão presentes em celebrações de
batismo, casamento e óbito da Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó,
apontando para o que Sílvia Rachi elucida nos seus escritos: “[a “escrita”] possibilita,
por um lado, a manutenção do poder nas mãos daqueles que dominam tal
conhecimento, com forte conexão com as instituições religiosas e elites educadas.”
(2016, p.338).
Portanto, não somente era o reconhecimento da entidade para com estes
sujeitos, mas as pessoas, no contexto social em que eles estavam inseridas, tratando-
se da Ribeira do Seridó, também eram reconhecedoras deste lugar social ocupado por
estes oficiais da Justiça, sendo reflexo desta percepção, o “parentesco espiritual” que
estes indivíduos foram convidados a se agregar.
Foi com base nestes dois universos, o jurídico e o religioso, que tentamos traçar
um perfil acerca do lugar social ocupado pelos sujeitos Antonio Vaz Ferreira Júnior,
João de Sousa e Silva e Manoel Pereira da Silva Castro. Elucidando a “escrita” (RACHI,
2016) como um instrumento intrínseco aos jogos de poderes, caracterizando
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FONTES
ARQUIVO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE CURRAIS NOVOS (AVCCCN). Fundo da Comarca
de Currais Novos (FCCN), 3º Cartório Judiciário (3ºCJ), Inventários post-mortem, Caixas 01 a 03
(1788-1854). Fórum Municipal Desembargador Tomaz Salustino, Currais Novos, RN.
COMARCA DE CAICÓ (CC). Cidade Judiciária de Caicó. Cartas de Alforria – Livro de Notas. Vila
Nova do Príncipe, 1792-1814.
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FGSSAS. Livro de registro de óbito nº 01 (1788-1811). Acervo da Casa Paroquial São Joaquim,
Paróquia de Santa Ana, Caicó, RN.
REFERÊNCIAS
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AGUIAR, Júlia Ribeiro; GUEDES, Roberto. Pardos e pardos forros: agentes da escravidão e da
mestiçagem (São Gonçalo do Amarante, Rio de Janeiro, século XVIII. In: GUEDES, Roberto;
FRAGOSO, João (Org.). História Social em Registros Paroquiais (Sul-Sudeste do Brasil,
séculos XVIII-XIX). Rio de Janeiro: Mauad X, 2016. p. 87-120.
CHATURVEDULA, Nandini & STUMPF, Roberta (Orgs). Cargos e ofícios nas monarquias
ibéricas: provimento, controlo e venalidade (séculos XVII-XVIII). Lisboa: CHAM – Centro de
História do Além-Mar, 2012.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
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GINZBURG, Carlo; PONI, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico.
In:_____. A micro-história e outros ensaios. Tradução de António Narino. Lisboa: Difel; Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 169-178.
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Outras famílias do Seridó: genealogias mestiças no
sertão do Rio Grande do Norte (séculos XVIII-XIX). 2013. 360f. Tese (Doutorado em História) –
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Outras famílias do Seridó: genealogias mestiças no
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Este trabalho tem como objetivo analisar o perfil dos indivíduos que infringiam
as posturas camarárias e quais eram essas infrações, tendo como foco a espacialidade
da região do aldeamento do Guaraíras e do povoamento de Goianinha, no período de
1707 a 1717. Para isso utilizou-se do Livro de Cartas e Provisões do Senado da Câmara
(onde se encontram os Editais de Postura) e a principal fonte utilizada para essa
pesquisa é o Livro de Correições do Senado a Câmara de Natal. Foi feito também o
cruzamento de fontes, com os registros paróquias, os Termos de Vereação e Livros de
Cartas e Provisões e sesmarias. Levando em consideração que o Senado da Câmara de
Natal era a única municipalidade na capitania até o ano de 1759, e para compreender
melhor essa instituição é necessário saber um pouco sobre o código geral que a regia.
O código Filipino, criado no período da União das Coroas, feito pelo rei Felipe II,
passou a viger no reinado do seu filho Felipe III, sendo esse código de lei impresso e
promulgado em 1603. Esse código é dividido em cinco livros. Pode-se destacar que no
primeiro livro aborda questões sobre o Senado da Câmara e suas atribuições, além dos
cargos e suas funções, como estar responsável pelos pesos e medidas, taxações e
impostos (DIAS, 2011).
De acordo com Lívia B. da Silva Barbosa, uma das práticas recorrentes da Coroa
portuguesa, no período da conquista, era a instalação de instituições administrativas,
como a Provedoria da Fazenda e a Câmara (BARBOSA, 2017- a, p. 23). Em relação à
Capitania do Rio Grande, com a retomada do domínio português, em 1659, após a
expulsão dos holandeses, um dos primeiros órgãos administrativos instituídos foi o
Senado da Câmara. Segundo o professor Rubenilson Brazão Teixeira, que identificou
202 De acordo com Luís de Câmara Cascudo, o nome Guaraíras vem de “guaraí”, que tem o significado de
uma espécie de peixe e mais “ira”, “(...) que tem o significado o diminutivo de animais, ou seja, filhotes de
guaíras”(CASCUDO, 1968).
203 O local foi chamado primeiro de Goiana, que em tupi significa abundância de caranguejo. No século
XVIII mudou o nome para Goianinha, para se diferenciar de Goiana de Pernambuco (CASCUDO,1968).
*Universidade Federal do Rio Grande do Norte, aluna de graduação.
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uma doação de chão de terra para o Conselho da Câmara da Cidade do Natal no ano de
1605, este leva a inferir que a capitania do Rio Grande teve sua primeira câmara fundada
possivelmente entre 1599 e 1605204 no termo da cidade de Natal, único local a ter foro
de municipalidade na capitania até 1759, quando as reformas pombalinas
transformaram os aldeamentos em vilas (TEIXEIRA, 2014). Natal era a única localidade
com foro de município, e por isso sua área administrativa compreendia também a outras
povoações da capitania (BARBOSA, 2017-b).
No tocante às funções da câmara, estas seriam legislar, fiscalizar, elaborar,
cumprir as ordens reais, além de fazer os bandos, editais de posturas, acórdãos,
regulamento de feriados públicos, procissões e pressionar a população a cumprir essas
ordens (BARBOSA, 2015-b). O não cumprimento dessas resultava em multas e penas,
as quais eram executadas pelos camarários. Em relação à arrecadação da câmara, essa
provinha das propriedades municipais e dos impostos e, no início, as provisões básicas
estavam isentas, como pão, sal e vinho. Outra fonte de renda eram as multas cobradas
pelos almotacés. A denúncia era incentivada pela coroa, pois o denunciante receberia
uma parte da multa e a Coroa outra (BARBOSA, 2015-b).
Em relação às posturas camarárias, segundo Thiago Dias, essas eram feitas no
início do ano, e eram colocadas em lugares públicos das cidades e das ribeiras (DIAS,
2011). E nessas regras sociais havia o que não seria permitido e o valor da multa (como
não pesar com “pesos de pedra”), além de deveres, como aqueles que possuíssem
escravos deveriam cultivar obrigatoriamente certa quantidade de gênero, para garantir
o abastecimento. Para fiscalizar as posturas, a câmara nomeava os almotacés, os quais
geralmente eram pessoas que já haviam ocupado cargos camarários anteriormente
como juízes ou vereadores (BARBOSA, 2015-b). Em se tratando da função do almotacé,
destaca-se fiscalizar os pesos e medidas, “a sanidade pública”, “controle do mercado”,
a configuração do traçado urbano, dentre outras atribuições (PEREIRA, 2001; SOUSA,
2003). O tempo de prestação de serviço desse cargo, geralmente, era curto para não
prejudicar o bem comum e evitar subornos. Em média, o tempo de serviço do almotacé
204 Por muito tempo acreditava-se que o Senado da Câmara da Cidade de Natal tinha sido fundado em
1611, mas o professor Rubenilson Brazão Teixeira questionou essa afirmação. Com base num documento
de chão de terra que foi doado à câmara de Natal, em 1605, Teixeira levanta a hipótese de que a câmara
teria sido fundada junto com a cidade em 1599, ou em 1605. O autor ainda afirma que a fundação poderia
ter sido entre essas duas datas.
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era um mês. No caso da capitania do Rio Grande poderia chegar a dois meses
(BARBOSA, 2015-b).
De acordo com Thiago Dias, as correições seriam um meio de “vigilância do
comércio” e também poderiam ser entendidas como o ato de “[...] correr os lugares,
povoados, vilas e caminhos em busca de corrigir, censurar, repreender e punir” (DIAS,
2011, p. 155). Segundo este, essas correições ocorriam duas vezes por ano. Segundo
Kleyson Bruno Chaves Barbosa, a questão do almotacé era de grande importância,
sendo 27,41% das discussões na Câmara sobre a nomeação para esse cargo,
principalmente no mês de janeiro e abril, (BARBOSA, 2015-b, p. 10-16).
Além disso, é importante enfatizar que, no período estudado, a Capitania do Rio
Grande era subordinada à administração do Governo de Pernambuco e judicialmente à
comarca da Paraíba (DIAS, 2011).
Com o objetivo de compreender a ação camarária e como ocorria essa
fiscalização, identificando quais as regras que foram estabelecidas nos editais de 1709
a 1717205, na capitania, delimitou-se o espaço geográfico de estudo do aldeamento de
Guaraíras e a povoação de Goianinha. A primeira localidade foi escolhida devido à
recorrência da citação da lagoa de Guaraíras nos editais de posturas, o que poderia
indicar uma importância dessa região para a pesca; e a segunda localidade pela relação
entre as pessoas que pescavam na lagoa acima citada e foram moradores de Goianinha.
Ademais, pretende-se analisar quais as infrações foram infringidas nessa região e se
havia diferença na aplicação das multas, e, por fim, construir o perfil de alguns
infratores. O período analisado é de 1707 a 1717206.
205 Apesar do recorte cronológico deste trabalho começar já em 1707, foram encontrados somente os
editais de posturas para o ano de 1705 e 1709 a 1760, possivelmente os anteriores foram perdidos, pois
se tem nomeação para o cargo de almotacé para anos anteriores, como correições também.
206 Esse recorte temporal é devido à própria limitação das fontes de correições, que após essa data tem
posturas a partir de 1709. Possivelmente os editais anteriores existiram já que havia correições em
períodos anteriores a 1709.
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Tabela das posturas que não aparecem nas correições de Guaraíras e Goianinha no período estudado.
O registrador tem que vir dar conta ao Senado e ter currais e ranchos cobertos 0
suficiente
Todos os moradores que tiverem escravos deveriam plantar cada cerca de 2 mil covas 0
de mandioca, e ao redor dessas plantar, carrapateiros, mamoeiros e bananeiras.
Os índios deveriam trabalhar nas lavouras e não nas salinas, por causa da falta de 0
alimento (1710)
Nenhuma pessoa poderá levar farinha dessa capitania para negociar (1710) 0
Limpar as testadas 0
Toda pessoa que pescar por negócio será obrigado a vender peixe ao povo dessa 0
capitania com o preço do edital (1712)
Fonte: IHGRN-Livros de Correições do Senado da Câmara de Natal- 1707-1717 e Editais de posturas 1709-
1710-1711-1712-1713-1715-1716-1717.
Com isso, pode-se percebe que não houve registro de infração de todas as
posturas ao longo do período estudado. Todavia outras posturas foram descumpridas
diversas vezes nesse mesmo espaço de tempo, como mostra a tabela a seguir:
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Não se pode tampar os rios, nem bater 208, nem impedir o curso dos peixes 4
Ter as medidas afiladas de acordo com a câmara, e sendo proibido pesar com pedras 11
e cuias
Fonte: IHGRN- Livros de Correições do Senado da Câmara de Natal- 1707-1717 e Editais de posturas 1709-
1710-1711-1712-1713-1715-1716-1717.
2005).
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gênero alimentício para outras capitanias. Todavia, esse comércio de farinha para fora
da capitania existia, pois tem um edital de 1710211, que proíbe levar farinha para negociar
fora da capitania.
Segundo Ana Lunara S. Morais, a pesca, assim como a agricultura, também era
um meio de subsistência para os moradores da capitania do Rio Grande e de outras
regiões da América Portuguesa. Segundo esta, em 1607, os padres da Companhia de
Jesus, afirmaram que, próximo ao rio Jacu, havia três lagoas (Guaraíras, Papeba e
Papari) de grandes dimensões e abundância de peixe (MORAIS, 2014). Nos editais
analisados de 1709 a 1717, o nome da lagoa do Guaraíras foi citado em todos, e algumas
vezes o de Papari. Essa recorrência dessa região nos Editais de Posturas mostra a
relevância dessa lagoa como local pesqueiro. A lagoa do Guaraíras foi diversas vezes
alvo de tentativas do controle camarário, cuja preocupação não era somente com os
impostos, mas também com o abastecimento (ALENCAR, 2017, p. 56). Ademais, a
maioria das infrações, fosse na região da lagoa do Guaraíras, fosse no povoamento de
Goianinha estava relacionada a peixe, fosse por vender por mais que o preço
estabelecido pela câmara, por não querer vender ao povo, ou ainda vender para fora da
capitania sem licença camarária, podendo-se perceber que esse comércio de peixe
ocorria tanto no interior da capitania, como também com outras capitanias. Foi possível
identificar, por meio das correições, que alguns moradores da capitania do Rio Grande
vendiam peixe para habitantes da Paraíba, e algumas vezes por preços maiores do que
os estabelecidos nos editais da câmara de Natal. Além do comércio, é possível inferir a
preocupação da câmara em manter o curso dos peixes nos rios, possivelmente para
evitar a falta desse alimento, e uma maneira de tentar manter o abastecimento da
capitania (BARBOSA, 2017-b).
Dessa forma, mesmo que nem todas as infrações não tenham sido cometidas ou
denunciadas não significa que essas outras situações não existiram nessas localidades,
mas que algumas foram mais proeminentes ou menos encobertas.
211 De acordo com Alencar uma proibição de vender farinha para fora tinha ocorrido em 1690, e o problema
com abastecimento, continuou até por volta meados do século XVIII. (ALENCAR, 2017).
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pode-se identificar três justificativas utilizadas para manter ou diminuir o valor das
condenações, como mostra o gráfico a seguir:
1
1
Fonte: FUNDO documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Senado da Câmara
do Natal. CORREIÇÃO- Câmara do Natal – Ano – 1709-1715-1727.
Dessa forma, pode-se constatar que a justificativa para a diminuição das multas
era a situação financeira do indivíduo, que possivelmente tinha sua pena diminuída para
que pudesse pagá-las. Segundo Kleyson Barbosa, a situação de pobreza do indivíduo
poderia fazer com que sua condenação pudesse ser diminuída (BARBOSA, 2017-b).
Todavia, não era sempre que se conseguia ou se tinha essa alegação para a mesma
pessoa, como, por exemplo, João Gonçalves de Ataíde, o qual foi condenado quatro
vezes (1709, 1711, 1712, 1716), e dessas apenas em duas teve alegação de ser muito
pobre (1709 e 1716), e as outras duas foi condenado a pagar a multa estabelecida pelo
edital. Sobre Ataíde foi possível notar, pelas correições, que ele vendia peixe, já os
outros três casos em que também aparece a alegação de pobreza para a diminuição da
pena estava o crioulo forro Lourenço Dias (que pescava e vendia peixe); o outro se sabe
que também estava envolvido na venda de peixe e corte de carne, e os quarto que
recebeu essa alegação tinha cometido a infração de “bater no rio”.
Em relação à justificativa “por ser falto de bens e ser preto” para Pedro da
Cunha, foi a única que se utilizou da qualidade como meio de argumentar para reduzir a
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pena. Em primeiro lugar, a afirmação de Pedro ser preto212 e não aparecer sua condição
jurídica indicaria que ele era livre, e que nasceu nessa condição, possivelmente filho de
mãe forra, pois numa sociedade extremamente hierarquizada e escravista a qualidade
e seu status jurídico era um fato de distinção social (PAIVA, 2015). Mas essa justificativa
de qualidade ter sido só para Pedro e não para o crioulo forro Lourenço, não ter sua
qualidade como justificativa pode indicar que essa distinção fosse mais do olhar do
outro, fosse do escrivão, fosse dos camarários sobre a situação dessas pessoas, pois
no mesmo ano dessa argumentação aparece a justificativa oposta para outro indivíduo
ter sua pena mantida. Com a justificação de “ter posses de bens” o sargento-mor
Domingo Dias da Penha foi condenado a pagar a pena prevista. Mesmo com o
cruzamento de fontes não foi possível identificar esses bens. Entretanto, o Capitão
Cipriano Lopes que possuía sesmaria e que havia ocupado cargos camarários, tinha
cabedal, escravos, vendas, possuía ouro, prata, cobre, gado vacum, e cavalar, além de
bens móveis, não aparece em sua justificativa de “ter posses de bens”(GALVÃO, 2012).
Possivelmente essa justificativa como a utilizada para Pedro da Cunha seja mais
uma interpretação do escrivão (já que essas duas justificativas que só apareceram uma
vez foram no mesmo ano), do que uma justificativa recorrente para a diminuição das
penas.
212 Segundo Eduardo França Paiva, uma das qualidades que foram mais usualmente atribuídas as
pessoas nascidas na África ou seus descendentes direitos nascidos na América, foi “negro”, “preto” e
“crioulo”. (PAIVA, 2015, p. 205).
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Possuía escravos 5
Tipo de alimentos citados Peixe (16), carne (2) e carne seca (1), farinha
(3), aguardente e mel (1), fumo (1).
Fonte: FUNDO documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Senado da Câmara
do Natal. CORREIÇÃO- Câmara do Natal – Ano – 1709-1715-1727; IHGRN – Livro de Cartas e Provisões
do Senado da Câmara do Natal; LOPES, Fátima Martins (org.) Catálogo dos Livros dos Termos de
Vereação do Senado da Câmara do Natal (1674-1823). No prelo. ASSENTO DE BATISMO, Freguesia de
Nossa Senhora da Apresentação-1688-1710; ASSENTO DE MATRIMÔNIO, Freguesia de Nossa Senhora
da Apresentação-1727-1740; 1740-1752.
Por meio dos dados, pode-se perceber que pessoas que tinham ocupado cargos
na câmara, que eram “homens bons”, que conheciam os editais de posturas também as
infringiam. Apesar de as infrações não terem sido cometidas no ano que essas pessoas
estavam ocupando os cargos camarários, mas na maioria das vezes posteriormente, e
213 O universo total dessa tabela são 22 indivíduos, porém não foi possível identificar a informações para
preencher cada quesito para todos. A mesma pessoa pode esta em mais de uma linha se essa possuía o
item informado.
214 Plataforma SILB, RN 0064 e RN 1261 (uma das justificativas pedidas na carta de sesmaria conjunta
entre os solicitantes estava Cipriano Lopes Pimentel). E nas correições foi possível identificar os
escravos desses dois descumprindo os editais.
215 De acordo a Plataforma SILB, nas cartas RN 0049 e RN 0064, Estevão de Bezerril alegou ter a
ocupação de coronel.
216 O cargo de capitão de ordenação geralmente é atribuído a uma localidade, como por exemplo,
freguesias, o que parece estranho essa generalidade a ser referir a todo a capitania. (Anais da Biblioteca
Nacional- Vol. 75.)
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217 Ignês foi madrinha em Goianinha, e ao invés de seu sobrenome é citado o nome de seu pai Estevão de
Bezerril, mostrando a importância dele (ASSENTO DE BATISMO, Freguesia de Nossa Senhora da
Apresentação-1688-1710). Segundo Thiago Dias, o batismo criaria uma ligação entre o batizado e
padrinho que iriam até o quarto grau, também seria um modo de criar redes com pessoas de diferentes
camadas sociais. (PAULA)
218 Plataforma SILB.
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219 O juiz ordinário era o presidente da câmara, geralmente membro da elite local, eleito pelos por meio
da eleição de pelouro. (BICALHO, 2001; NOGUEIRA, 2017).
220 Segundo Paiva, uma das fórmulas utilizadas nas documentações do século XV era “nome+ qualidade
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se concluir que posturas eram infringidas por pessoas de status menos
elevados ou de qualidades consideradas inferiores podiam ter suas penas diminuídas,
sob alegação de serem muito pobres. Todavia, alguns infratores tiveram suas penas
diminuídas, outros não.
Os produtos identificados no comércio eram alimentos básicos para alimentação
da capitania, o peixe e a farinha de mandioca, que estavam vinculados tanto à pesca e à
agricultura, atividades bastante presentes na vida dos moradores da capitania.
Em relação ao perfil dos infratores, menos da metade tinham terras e patentes
militares, podendo-se inferir que a maioria dos infratores viviam da pesca ou/e do
comércio. Em relação a esse último, como já foi citado ao longo do trabalho e por outros
historiadores, era mais dinâmico em Goianinha do que no aldeamento do Guaraíras.
FONTES
FUNDO documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Senado da Câmara do Natal. CORREIÇÃO- Câmara do Natal – Ano – 1709-1715-1727.
LOPES, Fátima Martins (org.) Catálogo dos Livros dos Termos de Vereação do
Senado da Câmara do Natal (1674-1823). No prelo.
Anais da Biblioteca Nacional- Vol. 75. Inventário dos documentos relativos ao Brasil,
existentes na biblioteca Nacional de Lisboa.
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de Natal e a Guerra dos Bárbaros (1681-1722). 2017.244 f. Dissertação (Mestrado em
História)- Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em História, 2017.
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222 Mestranda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Campus de Natal
– Brasil. E-mail: maiarasa@yahoo.com.br.
223 Docente do Departamento de História do CERES, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó – Brasil. E-mail:
heldermacedox@gmail.com.
224 Sobre o conceito de ocidentalização ver os estudos do historiador francês Serge Gruzinski:
(GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das letras, 2001).
225 Essa documentação avulsa é referente a cartas enviadas tanto pelos oficiais da Câmara do Natal
quanto pelos Capitães-mores do Rio Grande à Coroa Portuguesa, na segunda metade do século XVII e na
primeira metade do século XVIII.
226 Para o historiador francês François Furet, a História quantitativa pretende observar a realidade a
partir da noção de números, de valores que podem ser representados graficamente, por meio de recursos
matemáticos. Dessa forma, trata-se de um meio de observação do fenômeno histórico que tem a
quantificação como instrumento de análise. Nessa perspectiva, fizemos uso desse recurso metodológico
para examinarmos o perfil social dos soldados e oficiais que atuaram na Capitania do Rio Grande ao longo
do recorte temporal estudado. Em consonância com esse exercício quantitativo, evidentemente,
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que atuou no espaço em exame. Por fim, esta pesquisa parte de lacunas presentes na
historiografia produzida acerca do contexto colonial da Capitania do Rio Grande, no que
concerne ao estudo específico da instância militar da burocracia colonial instaurada no
ultramar. Portanto, pretende-se com o mesmo, preencher algumas dessas lacunas e,
dessa forma, salientar o papel dessa instância administrativa no processo de conquista
e territorialização do espaço em estudo.
No entanto, antes de abordamos esse processo de institucionalização da
administração militar na Capitania do Rio Grande, consideramos pertinente tecer
considerações acerca da organização da administração militar instaurada na América
Portuguesa. Nessa perspectiva, o serviço militar na América era constituído por três
corpos militares: ordenanças, milícias e tropas pagas. Esses corpos militares possuíam
um conjunto de especificidades que os diferenciavam, no que se refere à composição
dos mesmos (gente de guerra) e, dentre outros elementos, ao modo como funcionavam.
Todavia, apesar dessas peculiaridades que os caracterizavam e os tornavam
autônomos, os mesmos atuavam de forma integrada em meio a situações emergenciais
e que ameaçavam a integridade dos espaços administrados pela Coroa. Essa atuação
conjunta das forças militares existentes na América foi caracterizada pelo historiador
Francis Cotta como sendo um sistema militar coorporativo, que mesmo implicando em
integração não resultava na eliminação das especificidades de cada corpo militar que
constituía a instância militar da burocracia colonial instaurada no Ultramar227.
Os corpos militares supracitados, em linhas gerais, organizavam-se da seguinte
forma: as milícias e as ordenanças eram consideradas tropas auxiliares, ou seja, tropas
não burocráticas, permanentes e estáveis. As mesmas, em detrimento das tropas de
linha, eram corpos militares institucionais, regidos pelo Estado português, mas sem o
auxílio financeiro do mesmo228. Dessa maneira, apenas as tropas de linha eram
oficialmente financiadas pelas Câmaras municipais das territorialidades coloniais em
que atuavam.
realizamos também uma análise qualitativa da gente de guerra que constituiu os corpos militares
existentes na Capitania. FURET, François. A História quantitativa e a construção do fato histórico. In:
SILVA, Maria Beatriz Nizza (org.). Teoria da História. Editora Cultrix, 1976. p. 76.
227 COTTA, Francis. Negros e Mestiços nas milícias da América Portuguesa. Belo Horizonte: Crisálida,
2010. p.35
228 SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da. O Miserável soldo e a boa ordem da sociedade colonial: História de
homens, militarização e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII. Recife:
Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2001. p. 79.
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229 O Regimento Geral das Ordenanças foi complementado pela provisão de 15 de maio de 1574. Sobre
esse aspecto da administração militar ver SALGADO, Graça, coord. Fiscais e meirinhos - a administração
no Brasil colonial. Rio de Janeiro, Nova Fronteira/Pró-Memória/ Instituto Nacional do Livro, 1985, p. 97.
230 Assim como nas milícias e nas tropas de linha, existia uma hierarquia entre os ofícios existentes nas
ordenanças. Dessa forma, mesmo sendo obrigatória a matrícula no serviço militar de todo colono
residente em um território sob a jurisdição de Portugal, existiam ofícios nas companhias de ordenanças
que deveriam ser exercidos, preferencialmente, pelos “principais da terra”, que tivessem “partes e
qualidades para os ditos cargos”, como era o caso do ofício de capitão-mor. Em linhas gerais, nesse
contexto, ser considerado como principal da terra remetia a um colono que fosse de qualidade branca,
cristão e que possuísse cabedal. Assim, é evidente que, em meio a uma situação emergencial, todo colono
era um “homem de guerra”, mas nem todos recebiam o mesmo prestígio e ocupavam postos militares
privilegiados. Por fim, além de um capitão-mor, as companhias de ordenanças possuíam um alferes, um
sargento, um meirinho, um escrivão, dez cabos de esquadra e um tambor. Todavia, conforme Graça
Salgado, segundo a ordem de 12 de dezembro de 1739 nas vilas que possuíam até 100 moradores deveria
ser extinto o ofício de Capitão-mor e cada companhia deveria ter apenas o capitão-de-companhia, um
capitão, um alferes, um sargento do número e outro supra e os cabos de esquadra que fossem
necessários, “extinguindo-se todos os demais cargos, ficando reformados os que atualmente tem
exercício, para irem entrando nos postos que vagarem em seus distritos” Ibid. p.107; Regimento dos
Capitães-Mores e mais Capitães e Oficiais das Companhias da gente de cavalo e de pé e da ordem que
terão em se exercitarem, 1570. Disponível em:
<http://www.arqnet.pt/exercito/1570capitaesmores.html>. Acesso em: 11 jan. 2018.
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231SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da O Miserável soldo e a boa ordem da sociedade colonial: História de
homens, militarização e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII. p.77.
232 SILVA, Luiz Geraldo. Gênese das milícias de pardos e pretos na América Portuguesa: Pernambuco e
Minas Gerais, séculos XVII e XVIII. Revista de História, São Paulo, v, n. 169. p. 111-144, jul/dez. 2013.
233 As milícias estruturavam-se hierarquicamente da seguinte forma: um mestres-de-campo, coronéis,
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dos praças não foi uma particularidade da Capitania do Rio Grande, mas também de
outras realidades coloniais, como as Capitanias de Pernambuco e da Bahia235.
Por fim, os corpos militares coloniais, em linhas gerais, tinham como principal
finalidade assegurar a defesa dos territórios que estavam sob a tutela lusitana. Em
consonância com isso, deveriam garantir que o processo de ocidentalização se
expandisse e se consolidasse não apenas no litoral, mas também nos sertões. Dessa
forma, isso explica, por exemplo, a utilização de tropas coloniais em ocasiões de
resistências indígenas ao processo de expansão da colonização e, consequentemente,
de territorialização dos sertões, como foi o caso da Guerra dos Bárbaros nas Capitanias
do Norte do Estado do Brasil, em fins do setecentos e nas primeiras décadas do
oitocentos236.
235 SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da. O Miserável soldo e a boa ordem da sociedade colonial: História de
homens, militarização e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII.
236 Guerra dos Bárbaros foi a definição atribuída ao conjunto de embates envolvendo colonos e indígenas
de diversas etnias residentes nos sertões das Capitanias do Norte do Estado do Brasil. A principal causa
desses conflitos, conforme a historiografia clássica, foi o processo de ocupação e territorialização dos
sertões empreendido pelos agentes da Coroa Portuguesa, que compreenderam os nativos como sendo
um empecilho para a expansão da empresa colonial. Segundo Pedro Puntoni, dois grandes conflitos
constituíram essa guerra, o do Recôncavo, ocorrido na Capitania da Bahia (1651-1679) e do Assú, ocorrido
na Capitania do Rio Grande (1687-1725). No entanto, os efeitos desses embates descontínuos e
sangrentos, envolvendo colonos e nativos, foram sentidos nos sertões das Capitanias do Ceará,
Pernambuco e Paraíba. PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do
sertão nordeste do Brasil. Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em História Social,
FFLCH/USP, São Paulo, 1998. p. 13. Dessa maneira, sempre que nos remetermos aos praças que atuaram
na Guerra dos Bárbaros estamos fazendo referência à gente de guerra que atuou apenas nos conflitos
que se desenrolaram na Capitania do Rio Grande e que se encerraram na década de 1720.
237 Após a edificação da Cidade do Natal, próxima à Fortaleza dos Reis Magos, teve início o lento processo
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também, o certificado de que aquele espaço estava a partir de então sob a tutela de
Portugal e que, assim, poderia ser territorializado em prol dos interesses da Coroa.
Quanto à Fortaleza dos Reis Magos, após ser concluída sua construção238,
Manuel Mascarenhas Homem, Capitão-mor de Pernambuco que havia conduzido as
investidas para a ocupação da Capitania do Rio Grande e auxiliado na construção dessa
fortificação, entregou-a a Jerônimo de Albuquerque, deixando-a “muito bem fornecido
de gente, artilharia, munições, mantimentos, e tudo o mais necessário [...]239”.
Possivelmente, a gente de guerra que permaneceu na Fortaleza logo após a sua
construção era constituída de homens vindos das Capitanias de Pernambuco e/ou da
Paraíba e que haviam atuado contra os nativos que residiam no litoral do Rio Grande
para garantir a ocupação desse espaço pelo colonizador240.
Infelizmente, para os anos iniciais do século XVII não dispomos de
documentação que nos possibilite estabelecer o perfil social dos praças que
guarneceram nesse cenário na Fortaleza dos Reis Magos. No entanto, sabemos que no
ano de 1612 essa Fortaleza possuía cerca de 80 praças, além dos oficiais 241”. De forma
específica, o quadro da gente de guerra nesse contexto era o seguinte: um capitão, um
alferes, um tambor, 4 cabos-de-esquadra, um sargento e oitenta soldados. Todavia, não
podemos inferir, conforme já afirmamos, o perfil desses militares, ou seja, suas
qualidades. Entretanto, um aspecto que conseguimos constatar acerca do cotidiano
desses praças e que, na verdade, fez-se presente também na segunda metade do século
essa discussão ver: LYRA, Augusto Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 3. ed. Natal: EDUFRN,
2008.
238 Na verdade, a construção da Fortaleza só esteve de fato concluída em 1628. Segundo Hélio Galvão, o
que estava finalizado em 1598 “era uma fortificação provisória, com o mínimo de segurança para abrigar
a gente da expedição, protegendo-a contra inesperado ataque do gentio”. (GALVÃO, Hélio. op cit. p.22).
Assim, a construção dessa estrutura de caráter militar se deu processualmente, ao longo de quase três
décadas. Em 1612, por exemplo, a Fortaleza ainda estava por acabar e em decorrência disso “os soldados
fogem dela como da morte”. (Ibid. 36). Em 1618, ainda faltava nessa fortificação, dentre outros aspectos
físicos, uma cisterna e alojamentos para os soldados. Apenas em 1628 a Fortaleza dos Reis Magos foi
descrita como finalizada. Nesse contexto, a mesma possuía 40 soldados, nove canhões de ferro e, desde
1622, contava com uma casa da pólvora e uma capela. (Ibid. 38-39). Portanto, a construção provisória de
1598 foi, na verdade, um marco inicial da instauração da administração militar no Rio Grande, que deveria
garantir que as terras pertencentes à Capitania do Rio Grande ficassem sob tutela portuguesa e
pudessem ter territorializadas.
239 SALVADOR, Frei Vicente do apud LYRA. História do Rio Grande do Norte. p. 34.
240 A prática de envio de praças de Pernambuco para guarnecerem na Fortaleza dos Reis Magos
prevaleceu na segunda metade do século XVII. No entanto, nesse contexto, deparamo-nos com objeções
a esta prática tanto da Câmara de Natal quanto do Capitão-mor do Rio Grande. As justificativas para tais
objeções eram decorrentes das fugas praticadas por estes militares que, para Manuel Muniz, Capitão-
mor do Rio Grande, para se revolver esse “o problema da fuga” “os soldados” deveriam ser “recrutados
entre os naturais da terra”. GALVÃO, Hélio. Op cit. p. 126.
241 LYRA, Tavares. História do Rio Grande do Norte. p.52.
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já referenciada nesse texto. DIAS, Patrícia de Oliveira. Onde fica o sertão rompem-se as águas: processo
de territorialização da ribeira do Apodi-Mossoró. 2015, 187 f. Dissertação (Mestrado em História).
Universidade Federal do rio Grande do Norte, Natal. p. 43.
246 Em detrimento, no pós guerra, a Câmara Municipal de Olinda sofria com a obrigatoriedade de ter que
dispender recursos para manter uma tropa burocrática grande e ociosa, constituída por três terços com
um total de 1.913 soldados, em um contexto em que seus serviços já não eram mais precisos. Na verdade,
a presença da gente de guerra em Pernambuco, especificamente das tropas pagas, foi tema de um
conjunto de discussões entre a Capitania de Pernambuco e a Coroa, onde a Câmara de Olinda buscava
ficar isenta do ônus de ter que sustentar as tropas burocráticas existentes em Pernambuco. E, por fim,
as tropas pagas de Pernambuco foram, nesse contexto, objeto de uma reforma militar conduzida por
Brito Freyre no governo de Mendonça Furtado. Portanto, enquanto no Rio Grande o problema era a falta
de homens para o serviço militar, a falta de munições e armas e uma busca para sistematizar o serviço
militar nesse espaço e armar todos os colonos que tivessem aptidão para as armas, Pernambuco
experienciava o oposto. SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da. O Miserável soldo e a boa ordem da sociedade
colonial: História de homens, militarização e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos séculos XVII
e XVIII p.153.
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Quadro 1 – Espaços da Capitania do Rio Grande que possuíam Companhias de Ordenanças na segunda
metade do seiscentos
Cidade do Natal
Distrito de Cunhahú
Distrito Guarahiras
Distrito de Goyana
Ribeira de Mopobú
Ribeira de Putigy
Ribeira do Siará Mirim
Distrito do Syará debaixo
Ribeira de Paguçara
Distrito de Goyana
Distrito de Gorayras
Fonte: Elaborado pela autora com base no v. XII da série X
dos Documentos Históricos da Biblioteca Nacional
247 Regimento do Conde Vice-rei com que veio o Capitão-mor Valentim Tavares Cabral, a entrar no
governo desta Capitania. In: LEMOS, Vicente de. Capitães-mores e governadores do Rio Grande do Norte.
Rio de Janeiro: Typografia do Jornal do Commercio, 1912. v. 1. p. 85-7.
248 Coleção de Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. V. XII, p. 75-76.
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Que a Fortaleza dos Reis Magos, sendo uma das primeiras do Brasil,
não possuía guarnição suficiente, e faltava-lhe material de guerra.
Constava apenas a guarnição de quinze a dezesseis praças que vinham
de Pernambuco, quando outrora dispunha de sessenta e setenta.
Acontecia muitas que, pela mudança, ficava reduzida a cinco ou seis
infantes. A munição existente compunha-se de dois barris de pólvora
grossa e muito velha, setenta balas que haviam deixado os holandeses,
seis cunhetes de balas mosquete, doze peças de bronze e nove de ferro,
imprestáveis. Os quartéis estavam arruinados [...]. O Rio Grande podia
contar com trezentos homens brancos para as armas, sendo, dentre
estes, cem solteiros, que desapareceriam dada qualquer eventualidade
ofensiva, e os duzentos eram pouco para a defesa de suas famílias. A
fortaleza podia dispor, em momento dado, de oitenta homens das
249Carta dos oficiais da Câmara de Natal ao rei [Dom Afonso VI] sobre o estado de ruína da Fortaleza
dos Reis Magos e a falta de soldados, armas e munições, 1665. Papéis avulsos, Cx. 1, doc. 5.
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Portanto, é evidente que apesar da administração militar ter sido instituída na Capitania
com a construção da Fortaleza dos Reis Magos, no ano de 1598, a sua consolidação se
deu processualmente, assim como a própria expansão da presença lusitana no Rio
Grande. A “pausa” de trinta anos, devido à presença holandesa, deixou sequelas na
administração militar do espaço em estudo que foram sentidas durante toda a segunda
metade do século XVII. No Rio Grande, em detrimento da Capitania de Pernambuco,
onde percebemos um processo de militarização da sociedade e das tentativas de
institucionalização dos terços de gente parda e preta, o que constatamos na
historiografia examinada e nas fontes compulsadas é uma tentativa de sistematização
da administração militar, que ocorrerá pari passu com a retomada da distribuição de
sesmarias e consequentemente com a territorialização desse espaço. Portanto, o que
temos até então, é apenas a gente de guerra pertencente às companhias de
ordenanças. As tropas regulares251 se constituíram somente no século seguinte.
Nesse sentido, acreditamos que os percalços enfrentados pelos
administradores da Capitania do Rio Grande na tentativa de resolver os embates
envolvendo colonos e nativos, em fins da década de 1680, se deu em decorrência das
próprias fragilidades do serviço militar existente nesse território, que ainda estava se
consolidando. Essa situação militar que estava posta implicou, inicialmente, na vinda de
auxílio militar tanto da Capitania de Pernambuco quanto da Paraíba, como verificamos
nos assentos de praça. Nesse contexto, membros do Terço dos Paulistas252 também
assentaram praça no Rio Grande e buscaram solucionar os conflitos envolvendo
nativos e colonos, que se estenderam, de forma descontínua, até o século seguinte.
naturalidade dos colonos oriundos da Vila de São Paulo de Piratininga, “empenhado em percorrer
sertões” e “se embrenhar pelo mato”. JESUS, Mirian Silva de. Abrindo espaços: os “paulistas” na
formação da Capitania do Rio Grande. 2007, 120 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN. p. 15.
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Segundo Júlio César Vieira de Alencar, foi com o auxílio dos Paulistas que as tropas
coloniais obtiveram as primeiras vitórias contra os índios que resistiam às investidas
da empresa colonial253.
Nesse cenário de guerra, entre os anos de 1698 a 1725254, período para o qual
temos assentamentos de praça, constatamos para a Capitania do Rio Grande a
presença da atuação de tropas auxiliares (ordenanças e milícias) e pagas 255. Sendo
assim, além das companhias de ordenanças, percebemos a forte presença de
companhias administradas por capitães pertencentes ao Terço dos Paulistas. É sabido
que, membros do Terço de Henrique Dias também auxiliaram as companhias locais nos
conflitos com os nativos. Entretanto, na documentação que compulsamos, localizamos
apenas a referência de seis soldados que haviam feito parte desse Terço. Acreditamos
que nesse contexto, os homens pertencentes a essa milícia não estavam mais sendo
enviados de forma efetiva para o Rio Grande e por isso não os localizamos nos assentos
examinados. Em detrimento, colonos que fizeram parte do Terço dos Paulistas
assentaram praça em fins de todo século XVII e ao longo dos primeiros anos do século
XVIII256.
253 ALENCAR, Júlio César Vieira de. Para que enfim se colonizem estes sertões: A Câmara de Natal e a
Guerra dos Bárbaros (1681-1722). 2017, 244 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN. p.71.
254 Antonio de Albuquerque Câmara (1687) e Manuel de Abreu Soares (1688) foram responsáveis por
comandar as primeiras expedições organizadas pelo Governo Geral contra os índios sublevados dos
sertões. Essas expedições eram constituídas com o auxílio militar vindo, sobretudo, das Capitanias de
Pernambuco e Paraíba, onde duas companhias dos Terços do Camarão e dos Henriques atuaram em
conjunto com os infantes do presídio de Pernambuco e com os homens das ordenanças da Capitania do
Rio Grande. Nesse sentido, salientamos que, apesar de não termos os assentos de praça dos anos iniciais
da Guerra dos Bárbaros, especificamente da Guerra do Açu, desde o início dos embates envolvendo
tropas coloniais e os índios dos sertões não houve homogeneidade, unidade no perfil social dos soldados
que formaram as tropas coloniais. PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros, p. 133.
255 O Terço dos Paulistas se institucionalizou e passou a ser pago a partir da Ordem Régia de 1695. Ibid.
p.201.
256 Além do Terço dos Paulistas, outros terços combateram no Rio Grande, como foi o caso do terço do
Mestre Campo Cristóvão de Mendonça, do qual era capitão Simão Cordeiro. Acreditamos que esse terço
pertencia à Capitania de Pernambuco, visto que todos os seus membros foram identificados como sendo
naturais desse território. Possivelmente, era um terço socialmente misto, uma vez que possuía tanto
colonos identificados como brancos quanto colonos identificados como sendo de cor, mais
especificamente, de “cor morena”. O ingresso de homens de cor, em se tratando de um terço de colonos
brancos, pode ter se dado pela falta de homens dessa qualidade para atuarem como soldados, já que a
qualidade era um fator que diferenciava os terços e, nem sempre, a presença de colonos de cor era
tolerada em terços que congregavam pessoas de qualidade branca. Dessa forma, na documentação
examinada, um caso que exemplifica nossa assertiva é do soldado José de Lima. Este foi membro do
Terço de Henrique Dias e atuou na Capitania do Rio Grande no contexto da Guerra dos Bárbaros. O mesmo
ficou agregado na Companhia do Capitão Manoel Mata Coutinho e assentou praça na mesma. Porém,
recebeu baixa por ser “gente incapaz pela cor” para as “companhias da gente branca”. Assentos de praça
e Baixas entre os anos de 1698 a 1820 – Arquivo Histórico do IHGRN.
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257 O Terço dos Paulistas, ao longo da Guerra dos Bárbaros, foi sofrendo alterações em sua composição
social. Á medida que o conflito se prolongava, o mesmo foi recrutando homens que eram naturais do Rio
Grande e das Capitanias vizinhas. Em detrimento, nos anos iniciais da Guerra, o Terço era composto,
principalmente, por colonos vindos das Capitanias de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Além
disso, no início da atuação deste Terço no Rio Grande, precisamente no 1698, segundo Miriam Silva de
Jesus, o mesmo era constituído por dez Companhias, que foram gradativamente sendo reduzidas. Em
1701, por exemplo, existiam sete Companhias e, em 1712, apenas duas. Conforme a autora citada, a
explicação para esta redução reside no processo de profissionalização desse corpo militar, que era
facilitado se o mesmo possuísse menos homens. JESUS, Miriam Silva de. JESUS, Mirian Silva de. Abrindo
espaços: os “paulistas” na formação da Capitania do Rio Grande. p. 78.
258 Os assentos de praça apresentam índios identificados de diferentes formas: “tapuya forro da nação
dos chamados Canide do certão”, “tapuia forro da Nação dos Chamados da Silva” e, dentre outros, “tapuia
forro da Nação Cararis”. Portanto, o termo índio utilizado nesse gráfico reúne diferentes tipologias
presentes na documentação para identificar essa população e que foram homogeneizadas para termos
mais clareza da presença quantitativa de índios no serviço militar da Capitania.
259 O termo “mestiço” não consta na documentação examinada e por isso o utilizaremos sempre entre
aspas. Nos assentos de praça constam apenas os seguintes termos: pardo, trigueiro, mulato e, dentre
outros, mameluco. Dessa forma, estamos fazendo uso do conceito “mestiço” fundamentados na análise
de Eduardo França Paiva, para quem “mestiço” é um termo que aglutina indivíduos que foram
qualificados como sendo resultados do intercurso biológico ocorrido entre grupos sociais distintos e que
foram definidos nos registros do Estado e da Igreja como pardos, mulatos, mamelucos e, dentre outros,
cabras. PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo: uma história lexical das Américas portuguesa e
espanhola, entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagem e o mundo do trabalho). 2012. 286f.
Tese. (Concurso para Professor Titular em História de Brasil – Departamento de História) - Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012.
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Gráfico 1 - Qualidade dos soldados e oficiais que assentaram praça e receberam baixa na Capitania do
Rio Grande, 1698-1725
Cor pálida Preto
0% 5%
Crioulo
0% Branco
8%
Índio…
Mestiços
19%
Sem
Identificação
35%
Bando que mandou botar nesta Capitania do Rio Grande o Capitão Major Pachoal Glz. de Carvalho. In:
260
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Olavo de. Índios do Açu e Seridó. p. 127.
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261 Com relação especificamente aos soldados identificados como indígenas e descritos no gráfico 2, a
utilização da força nativa como gente de guerra e o estabelecimento de alianças com populações
indígenas foi uma estratégia colonial comum no processo de territorialização da América. Na Capitania
de Pernambuco, por exemplo, segundo Maria do Socorro Ferraz, o estabelecimento de alianças dos
colonizadores com indígenas foi uma prática necessária e que possibilitou a ocupação desse espaço, bem
como, posteriormente, a expansão da presença lusitana para os sertões de dentro e os sertões de fora.
Portanto, não foi uma particularidade da Capitania do Rio Grande o uso militar de pessoas de qualidade
indígena. FERRAZ, Maria do Socorro. A sociedade colonial em Pernambuco. A conquista dos sertões de
dentro e de fora. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). O Brasil Colonial, 1580-1720. V.2.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 171-226.
262 GALVÃO, Hélio. História da Fortaleza da Barra do Rio Grande. p.144.
263 CARTA do capitão-mor do Rio Grande do Norte Francisco Xavier de Miranda Henriques ao rei [D. João
V] enviando mapas do Regimento de Cavalaria e do Terço dos Auxiliares, 1744. AHU-RN, Papéis Avulsos,
Cx. 6, doc. 288.
264 As Companhias de Cavalaria que atuavam na Cidade do Natal eram constituídas cada uma por 40
Companhias presentes na Ribeira do Seridó eram constituídas cada uma por 40 soldados. Idem.
266 102 soldados constituíam as Companhias de Cavalaria presentes na Ribeira do Assú, sendo cada uma
Gomes de Amorim, sendo estas compostas por 134 soldados. AHU-RN, Papéis Avulsos, Cx. 6, doc. 288.
268 Cada Companhia de Milícia era formada por 43 soldados. Os Capitães responsáveis por estes corpos
de guerra foram os seguintes: Bonifácio da Rocha, Antonio de Paiva, Manoel Gomes da Silveira, Gaspar
de Paiva, Sebastião Cardoso, Manoel das Neves Silveira, Manoel de Mello, Sebastião Dantas, Antonio
Gomes Torres. AHU-RN, Papéis Avulsos, Cx. 6, doc. 288.
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[...] que toda esta capitannia he cercada de mar; e em varias partes, com
dezembardouros largos: como hé na Barra de Cunhaú, Pirangi, Potengi,
Pititinga, por cujo motivo na formatura que fis do Regimento da
Cavalaria e nomeação de Auxiliares (...) da providencia depor os corpos
dispersos, com esta distinção, adonde há Cavalaria ouvesse Auxiliares;
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A disposição militar arquitetada pelo Capitão-mor do Rio Grande tinha clareza quanto a
sua funcionalidade militar em caso de invasões estrangeiras. No entanto, o não envio
de um mapa das ordenanças existentes no Rio Grande ao Conselho Ultramarino
resultou na destituição das Companhias Auxiliares existentes nesse espaço, mesmo
que o Capitão-mor tenha evidenciado sua pertinência ao lado da Cavalaria.
Sendo assim, no ano de 1746, o Governador de Pernambuco, D. Marcos de
Noronha, “ordenou ao Provedor da fazenda da Capitania do Rio Grande mandasse dar
bacha a todos os oficias e soldados Auxiliares da mesma Capitania272”. Após dar baixa,
segundo o Governador de Pernambuco, o Capitão-mor do Rio Grande deveria “formar
uma Companhia de oitenta ate cem soldados [...] procurando q sejão dos mais ricos,
moços, robustos [...]273.” A justificativa da Coroa para essa mudança na estrutura militar
do Rio Grande não estava restrita somente ao caráter militar dessa instância
administrativa, mas também ao social, visto que a mesma estava preocupada com a
multiplicação de militares que atuavam de forma privilegiada, na Cavalaria e nas
Milícias. Segundo a ordem dada ao Governador de Pernambuco e repassada ao Capitão-
mor do Rio Grande pelo mesmo, era importante que não se “multipliquem os
privilegiados de sorte q não haja quem sirva na República; e apenas a quarta parte das
ordenanças se podem privilegiar”. Além disso, na prática, na concepção do Reino, as
Companhias de Cavalaria e Auxiliares não eram suficientes para os encargos que a
República impunha, ou seja, era preciso que houvesse homens para formar companhias
de pé, homens que estivessem prontos para defender os territórios coloniais, tanto os
litorâneos quanto os “certões”, mas sem que houvesse multiplicação desmedida de
privilégios que modificassem a estrutura social da colônia, onde a desigualdade entre
homens era parte mantenedora da ordem social que estava posta.
Infelizmente, não possuímos documentação acerca da estrutura militar do Rio
Grande nos anos seguintes, após a destituição das Companhias Auxiliares e a
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Branco
26%
Sem
Identificação
44% Mestiços
30%
Fonte: Elaborado pela autora com base em Assentos de praça e Baixas entre os anos de 1726 a
1795
O gráfico acima, quando comparado com o gráfico 1, demonstra que a presença indígena
e negra nos corpos militares da Capitania do Rio Grande esteve diretamente associada
ao contexto da Guerra dos Bárbaros, que transformou todo e qualquer colono em um
homem de guerra. Nos anos posteriores a esse conflito, o que se percebe é a ausência
de colonos indígenas e a redução significativa de colonos negros, que entre 1726 a 1795
não ultrapassava de um indivíduo. Em detrimento, constatamos a presença significativa
de colonos “mestiços” e brancos, o que demonstra maior receptividade para esses
indivíduos na instituição militar da Capitania. Dessa maneira, precisamos nos estudos
seguintes investigar o lugar destinado aos colonos “mestiços” nos corpos militares
existentes no Rio Grande, visto que, no que concerne aos indígenas, percebemos que
mesmo esses constituindo 33% do efetivo militar da Capitania no contexto da Guerra
dos Bárbaros, os mesmos, em detrimento dos colonos brancos, ocupavam apenas os
postos de soldados, que não constituíam uma patente e nem implicava em ganhos
simbólicos (prestígio) para os seus ocupantes.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso estudo demonstra que a sistematização da administração militar na
Capitania do Rio Grande foi um processo lento, descontínuo e que esteve diretamente
associado ao processo de territorialização da Capitania. Dessa forma, a presença
holandesa nesse território, entre os anos de 1633 a 1654, retardou o processo de
expansão dos empreendimentos coloniais de Portugal no Rio Grande e,
consequentemente, a expansão de seus sistemas administrativos. Em consonância com
isso, apesar da Guerra dos Bárbaros, ter reunido homens de diferentes qualidades
(“mestiços”, índios, negros e brancos), bem como a atuação de diferentes corpos
militares (ordenanças, tropas pagas e milícias), apenas posterior a esse evento
constatamos uma expansão da administração militar na Capitania do Rio Grande para
os sertões, como, a exemplo, para a Ribeira do Seridó, que a partir de 1726 passou a
possuir companhias de ordenanças.
Em síntese, muitos dos dados presentes nesse texto precisam ser examinados
de forma mais minuciosa, como, dentre outros, o ingresso de “mestiços” na instituição
militar da Capitania. Portanto, nos estudos seguintes esperamos discutir de forma mais
sistematizada esses elementos qualitativos da administração militar instaurada na
Capitania do Rio Grande.
FONTES
1.1 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO
AHU – Lisboa, Portugal
Documentos manuscritos microfilmados, digitalizados e integrando CD-ROM do
Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco
CARTA dos oficiais da Câmara de Natal ao rei [Dom Afonso VI] sobre o estado de
ruína da Fortaleza dos Reis Magos e a falta de soldados, armas e munições, 1665.
Papéis avulsos, Cx. 1, doc. 5.
CARTA do capitão-mor do Rio Grande do Norte, Valentim Tavares Cabral, ao rei [D.
Afonso VI] sobre o estado de ruína da Fortaleza dos Reis Magos e a falta de soldados,
armas e munições. AHU-RIO GRANDE DO NORTE. 1665. Cx. 1; doc. 5.
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a lista do número dos moradores e mapa das ordenanças. Anexo: carta do governador
de Pernambuco, D. Marcos de Noronha, 1746. Papéis avulsos, Cx. 5, doc. 303.
REFERÊNCIAS
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do Natal e a Guerra dos Bárbaros (1681-1722). 2017. 244f. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN.
GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das letras, 2001.
LYRA, Augusto Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 3. ed. Natal: EDUFRN,
2008.
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado
1984.
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portuguesa e espanhola, entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagem e
o mundo do trabalho). Tese. (Concurso para Professor Titular em História de Brasil –
Departamento de História). UFMG, 2012.
SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da. O Miserável soldo e a boa ordem da sociedade
colonial: História de homens, militarização e marginalidade na Capitania de
Pernambuco dos séculos XVII e XVIII. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife,
2001.
SILVA, Luiz Geraldo. Gênese das milícias de pardos e pretos na América Portuguesa:
Pernambuco e Minas Gerais, séculos XVII e XVIII. Revista de História, São Paulo, v, n.
169. p. 111-144, jul\dez.
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Simpósio Temático 6
HISTÓRIA DOS ESPAÇOS,
PRÁTICAS, TEORIAS E HISTORIOGRAFIA
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Professor do Programa de Pós-graduação e do Departamento de História da UFRN. Doutor em História
pela UFRJ.
274 O Projeto de Pesquisa em tela é ‘Padre J. Cabral, do ativismo ao misticismo: um caso de estudo da
colusão entre o catolicismo e o fascismo na década de 1930’, desenvolvido na UFRN sob minha
coordenação.
275 O conceito de ‘colusão’ foi explicitado por Griffin no texto ‘The Holy Storm’ como “a confluência e
síntese de posições antitéticas, com a transformação das crenças religiosas cristãs para que estas se
adaptassem ao fascismo” (GRIFFIN, 2008: 1-3).
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276Esteé o caso das obras de síntese mais significativas sobre o Movimento de Natal tais como as de
Ferraro (1968) e de Camargo (1971).
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277 Os fundamentos desta ideia do deslocamento e de sua adequação à História dos Espaços encontra os
seus fundamentos ao trabalho de Edward Shils acerca das relações entre Centro e Periferia e às suas
colocações a respeito dos fenômenos da atribuição do Carisma e da integração cultural na sociedade
(SHILS, 1992).
278 Estas questões devem ser entendidas enquanto trabalhadas pelo referencial das impressões de
Jacques Derrida acerca do espaço e de sua compreensão (PEIXOTO, 2015) assim como pelas ideias acerca
da Nação e da tradução esboçadas por Homi Bhabha no conceito de Entre-Lugar (BHABHA, 2010).
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O viajante fora sozinho ou acompanhado; e, se foi acompanhado, quem era essa pessoa
e o porquê de acompanhá-lo.
O navio permitia juntar uma quantidade maior de integrantes de um mesmo
grupo, mas o deslocamento era mais lento, e, na maioria das vezes, suas acomodações
mais espaçosas permitiam o desenvolvimento de uma sociabilidade duradoura.
Inclusive, na época de Maritain, o uso do telégrafo sem fio à bordos dos navios
possibilitava articulações e respostas daqueles que aguardavam a chegada ou a
passagem da embarcação.
Por conseguinte, o termo ‘viagem’ não deveria se referir apenas ao tempo em
que se permanecesse em terra, mas incluir as articulações potencialmente muito
próximas com aqueles que conviviam estreitamente no meio de transporte. Esses
contatos não se estabeleciam apenas no transporte, mas também em paradas pré-
estabelecidas e aguardadas, às quais se juntava o sentido da oportunidade não apenas
para aqueles que os esperavam no destino, mas também para aqueles que tinham
notícia da passagem dos navios nas escalas. E, as notícias acerca do viajante precediam
a sua partida e também se sucediam com as suas paradas nos portos de escala, assim
como as notícias dos resultados obtidos precediam a sua volta e, novamente
impressionavam aqueles que estavam postados nas escalas da volta.
Em nosso caso: Maritain viajou de navio, mas por que não de avião ou de
Dirigível? A Air France dispunha de voos de que integravam Paris a maioria das capitais
europeias, desde Estocolmo até Madri e, de Londres à Istambul. Além do roteiro
europeu, a Air France operava a partir de Paris um caminho aéreo que passava por
Marselha para daí integrar boa parte do território colonial francês, chegando a Saigon
numa de suas extremas e a Dacar. Desta última cidade saia uma linha regular de correio
da Air France para a América do Sul que passava pelo Brasil, desde Marselha até
Santiago, no Chile, mas que não fazia o transporte de passageiros.
Isto se dava em razão de dois problemas: o primeiro era que o Brasil, como muito
países, havia reservado as rotas internas de passageiros para as companhias nacionais;
o segundo, que a travessia transatlântica ainda era problemática e, por conta disso,
fazia mesmo parte da propaganda das grandes potências e do jogo de poder e
influência global. A primeira metade da década de 1930 foi justamente o período dos
grandes “raides” aéreos do regime fascista italiano e num dos mais famosos, o
comemorativo da ‘Decennale’ (os dez anos da chegada de Benito Mussolini ao
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Governo), Italo Balbi, o segundo da hierarquia fascista chegou ao Brasil com a sua
esquadrilha de hidroaviões, em 1931. Compreendido então como um movimento heroico
e capaz de demonstrar a fibra do revolucionarismo de direita, o raide impressionou boa
parte do mundo e, inclusive aqueles católicos que na Diocese de Natal haviam se
aproximado do fascismo através da Legião do Trabalho de Severino Sombra (PEIXOTO,
2016).
Maritain viajou de navio, mas o que era esta embarcação? Como acabamos de
ver, designar o meio de transporte muitas vezes não informa todas as circunstâncias
do deslocamento pois os navios, como os aviões e dirigíveis, podiam fazer parte de
redes e estratégias de deslocamento que se integravam ao jogo político e econômico
das nações, projetando ou refletindo investimentos e influências.
A embarcação em que Maritain se deslocou pertencia à Société Générale de
Transport Maritime à Vapeur (SGTM), a qual operava quatro rotas em 1936: a que ligava
a França à Itália; aos territórios coloniais da Argélia; à Espanha e Argélia; e a que
rumava de Marselha ao Brasil, Argentina e Uruguai. Esta última rota era designada pela
SGTM tanto pelo título de “Brasil-Prata” quanto “América do Sul via Marselha”, ligando
a França à Buenos Aires com escala no Rio de Janeiro e, dependendo do dia da saída,
estava incluída uma outra parada, em Santos ou Montevidéu.
A partir da análise do itinerário da rota Marselha-Buenos Aires da SGTM
podemos perceber que a depender das estratégias dos grupos católicos situados no
Brasil e Uruguai e, dos interesses de Jacques Maritain, ele seria aguardado
obrigatoriamente no Rio de Janeiro, escala de todas as rotas e, a depender das
circunstâncias, esse itinerário poderia ser estendido a Montevidéu e a Santos.
Sabemos que Maritain cumpriu uma agenda intensa no Rio de Janeiro e em
Montevidéu durante a sua viagem, mas como poderia qualificar esses esforços? É certo
que fazemos aqui uma leitura a partir do viés do catolicismo, mas o deslocamento e o
esforço de Maritain teriam originalmente a ver com isto? Nossa aproximação a partir
da História do Espaços e a digressão em torno do conceito ‘deslocamento’ nos ajudaria
à compreensão dessa agenda e a nos permitir a continuar no trabalho de evidenciar a
recepção diferenciada da Arquidiocese de Natal?
Sabemos pelos periódicos de época e pela consulta às obras de Zanca e
Compagnon que originalmente o deslocamento de Maritain não estava ligado às
demandas do catolicismo, mas do Pen Club que organizava então o Congresso
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à direita por vários expoentes e jovens talentos do catolicismo, como Otto Guerra, no
Rio Grande do Norte e, padre Hélder Câmara, no Ceará (PEIXOTO, 2017b).
“Qual deve ser a atitude de todos os católicos face do comunismo e do
capitalismo?”, perguntava o repórter de O Jornal – “Combatei-os!”, respondia, sem
hesitação, Maritain - o católico deveria ser anticapitalista e lutar ao mesmo tempo
contra o comunismo, mas sem armas e ameaças, agindo contra o comunismo,
“purificando-se internamente com o fogo da caridade e da penitência regenerando sua
alma, seu espírito, seu coração, vivendo intensamente sua fé”. Contudo, acrescentava o
jornalista, seria “de prima importância”, “aliar-se a forças que já existem ou hão de
existir, e resistir ao espírito do mal. Lembremo-nos que nem os Cruzados, por não serem
bastante purificados, conseguiram obter o túmulo do Cristo” (CORREA, 1936).
Maritain era apresentado como o “Mensageiro da fé católica” o qual pregava a
pureza, a caridade e a penitência para que os católicos pudessem enfrentar “o espírito
do mal” o grande perigo político, cultural e ideológico colocado simultaneamente pelo
capitalismo e pelo comunismo, e, por essa leitura justificava-se a aliança com o
Integralismo, mesmo que fosse uma junção de cordeiro com lobos
Dado a imensa importância dessas ideias para as posições daqueles que se
juntavam no Centro Dom Vital do Rio de Janeiro e que emprestavam apoio ao Cardeal
Dom Sebastião Leme, na volta de Buenos Aires, e Montevidéu, Jacques Maritain
cumpriria no dia 21 de outubro de 1936 uma extensa agenda, palestrando na Coligação
Católica, no Palácio do Itamaraty (sede do Ministério das Relações Exteriores) e na
Academia Brasileira de Letras, sempre acompanhado de Alceu Amoroso Lima,
repetindo e estendendo temas de palestras e conteúdos já apresentados em Buenos
Aires e Montevidéu.
Se esta seleção de temas e ideias atendia às questões mais importantes para
Maritain, a seleção de audiências e a importância dos locais de reunião obedecia à
estratégia de adensar política e culturalmente a presença de Maritain, tudo isto
possibilitado pela inteligência de marcá-las num percurso pequeno e de fácil
locomoção, no centro da cidade do Rio de Janeiro e, próximo ao ancoradouro do navio
que o trouxera.
Tudo isto nos leva a poder aventar duas outras questões a serem apontadas por
meio do conceito de ‘deslocamento’: primeiro, se o deslocamento é a variação de um
corpo em um certo intervalo de tempo, todos os intervalos teriam a mesma importância
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que rivalizava com a liderança do Cardeal D. Sebastião Leme, nucleada no Estado do Rio
de Janeiro e amparada pelas Dioceses do Sul e Centro-Oeste.
Em 1937 o embate entre Maritain e padre Fernandes tomaria a sua maior
dimensão com a publicação em diversos periódicos da 'Boa Imprensa' – inclusive em O
Jornal, o mesmo diário que cognominou Maritain de “mensageiro da fé católica”, a carta
com que Jacques Maritain expôs as suas posições e, com a subsequente necessidade
de tomada de partido em nível local.
No caso da Arquidiocese de Natal isto se daria a partir da expressão da liderança
de Otto Guerra nas sua função de editor do jornal ‘A Ordem’ e líder da refundação da
‘Ação Católica’, do seu afastamento da Ação Integralista Brasileira e, do seu
rompimento com as posições do padre Antônio Paulo Ciríaco Fernandes, seu primeiro
mentor religioso e líder do reacionarismo na região.
Este desfecho nos permite juntar à ‘Espacialidade’ às colocações de Edward
Shils em torno da relação centro/periferia bem como frisar a pertinência do ‘Entre-
lugar’ de Homi Bhabha para se pensar a questão da Nação e, de todas, para situar nossa
ideia da História dos Espaços.
REFERÊNCIAS
BHABHA, H. O Local da Cultura. Editora UFMG: Belo Horizonte, 2010.
GRIFFIN, R. “The Holy Storm”: Clerical Fascism’ through the lens of Modernism. In:
FELDMAN, M.; TURDA. M; GEORGESCU, T. Clerical Fascism in Interwar Europe.
London: Routledge, 2008, p. 1-16.
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A QUESTÃO BANDEIRANTE
A QUERELA HISTORIOGRÁFICA ENTRE CORTESÃO E
HOLANDA (DE ABRIL À AGOSTO DE 1952)279
INTRODUÇÃO
Entre abril e agosto de 1952 os leitores dos suplementos literários de tiragens
dominicais, Diário Carioca e Diário de Notícias, presenciaram um aprofundado debate
historiográfico entre Sérgio Buarque de Holanda e Jaime Cortesão. Em textos
tangenciados por colunas escritas por Raquel de Queiroz, Tristão de Athayde e poesias
de Homero Homem – no caso do Diário de Notícias – e, crítica literária de Otto Maria
Carpeaux, textos de José Lins do Rego e poesia de Manuel Bandeira –do Diário Carioca,
demonstra um caráter distinto do jornalismo do início do século XX: a maior influência
francesa marcava o aspecto de textos opinativos sob a maneira da escrita informativa
e objetiva ao estilo norte-americano281.
No entanto, apesar do público acostumado com as múltiplas temáticas
abordadas pelos cadernos literários, essa questão indigesta se apresentou de forma
insólita aos leitores. Devido ao grau de complexidade e extensão, a querela foi
comentada pelo escritor Otto Lara Resende, imortal da academia brasileira de letras,
como uma polêmica monótona que poderia ser solucionada com uma mera ligação
telefônica. Contudo, a querela historiográfica é importante por ser capaz de relevar
diversos procedimentos do modus operandi sobre o ofício do historiador. A distinção
interpretativa entre Sérgio Buarque de Holanda e Jaime Cortesão sobre a função dos
279 A pesquisa é resultado da investigação de iniciação científica de 01 de agosto de 2017 até 31 de julho
de 2018 sob a orientação do professor Dr. Renato Amado Peixoto, inserido no projeto: “As fabricações
de Jaime Cortesão: a formulação e construção da História da Cartografia, da Formação Territorial do
Brasil e das figuras de Alexandre de Gusmão e do Barão do Rio Branco entre 1930 e 1960”.
280 Possui licenciatura plena em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2010) e
mestrado em Filosofia, na área de Metafísica, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2014).
Atualmente é professor de filosofia da Secretaria Estadual de Educação e Cultura do Rio Grande do
Norte. Também é graduando de História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e, bolsista
de Iniciação Científica PIBIC/CNPq da base de pesquisa Cartografia Imaginária (2015). Contato do e-mail:
douglas.cavalheiro@gmail.com
281 A imprensa carioca passou por transformações ao longo da década de 1950. Entre esses pioneiros
estava o Diário Carioca (1928) que protagonizou uma modernização na gestão empresarial e na maneira
de escrita objetiva e na forma de tipografia das tiragens. Cf. Ribeiro, Ana Paula Goulart. Imprensa História.
Imprensa do Rio de Janeiro de 1950. Rio de Janeiro: ECO-UFRJ, 2000. Tese de Doutorado.
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282 O professor napolitano Pedro de Angelis (1784 – 1859) era secretário das Relações Exteriores em
Paris após as guerras napoleônicas. Em 1927 foi convidado por Bernardino Rivadávia, presidente da
Argentina, para se estabelecer em Buenos Aires. Durante esse período reuniu uma coleção de livros,
documentos, cerca de 90 mapas. De Angelis catalogou numa coleção de obras impressas sobre a região
do Rio da Plata. Posteriormente, esse material foi adquirido por D. Pedro II, em 1853 e passou a integrar
o acervo da Biblioteca Pública da Corte, atualmente conhecida como Biblioteca Nacional.
283 Cf. Manuscritos da Coleção De Angelis. 1. Jesuítas e Bandeirantes no Guairá. Biblioteca Nacional.
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E que dez anos mais tarde, sem terem licenças para isso, utilizavam nas
contra os bandeirantes, embora acentuado, em documentos oficiais,
que continuavam indefesos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Questão dos Bandeirantes retrata duas possibilidades de visão sobre o
sentimento paulista diante da formação espacial territorial do Brasil. De um lado, a
perspectiva de Cortesão que compreende os bandeirantes como fruto da ação
expansionista e cosmopolita lusitana. As ações foram planejadas através da concepção
de que a croa lusitana concebia o território brasileiro como uma ilha circunscrita no
continente americano. Por outro lado, uma posição crítica dessa perspectiva será a de
Holanda, o qual advoga que os bandeirantes são resultado espontâneo da
miscigenação entre portugueses e indígenas, e apenas buscavam metais preciosos e
lutavam como mercenários em conflitos. Para Cortesão o expansionismo do território
brasileiro seria resultado de um cosmopolitismo lusitano, por outro lado, Holanda
compreende que essa cordialidade dos bandeirantes foi resultado de atividades
violentas.
Repensar a concepção das bandeirantes à luz da historiografia permite
compreender a função do paulista diante do cenário de crise nacional. A concepção
otimista sobre os bandeirantes de Cortesão serviu como unidade discursiva durante a
comemoração do IV Centenário de São Paulo, que foi usado pela elite paulista, todos
desgostosos com a administração federal de Getúlio Vargas. No entanto, a crítica de
Holanda visava destituir o entusiasmo do discurso paulista, no qual, apresentava um
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REFERÊNCIAS
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Estado de São Paulo (OESP). In: Anais do XXVII Simpósio Nacional de História
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PRESTES, Luís Carlos. Por um 1 de Maio de Luta e de Unidade. In: Problemas - Revista
Mensal de Cultura Política. nº57, maio de 1954. Disponível em:
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de julho de 2017.
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Janeiro, 15 de junho de 1952c, p. 4 e p. 6 (Hemeroteca Digital).
HOLANDA, Sérgio Buarque de. A Ilha Brasil - (Parte I): Diário Carioca. Rio de Janeiro,
22 de junho de 1952d, p.3 e p.6 (Hemeroteca Digital).
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HOLANDA, Sérgio Buarque de. Ilha Brasil - (Conclusão): Diário Carioca. Rio de Janeiro,
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CORTEÃO, Jaime. Introdução ao debate sobre a Ilha-Brasil. In: Diário de Notícias, Rio
de Janeiro, 13 de julho de 1952c, (Hemeroteca Digital).
CORTESÃO, Jaime. Obedeceu a um plano a expansão do Brasil? In: Acervo Histórico d'
O Estado de São Paulo, Estadão, São Paulo, 27 de julho de 1952e, p.7.
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Ledson Silva284
Orientador: Evandro dos Santos285
INTRODUÇÃO
No início do século XX, a desilusão com o progresso aconteceu de várias formas.
As principais expressões dessa ruptura aconteceram mediante as duas guerras
mundiais. O âmbito científico que levava o humano a pensar em sociedades pujantes,
de abundância econômica e prosperidade social, acabou mostrando o potencial de
destruição que dele poderia surgir. A razão não estava redimindo a humanidade. Talvez
a razão a matasse. Dessa forma, pretendemos entender como tal desencanto atinge a
escrita da história em suas formas mais variadas, ou mesmo se essa desilusão chega a
acontecer e aparecer.
Nosso recorte temporal abrange a Primeira República brasileira.
Especificamente indo de 1891 até 1924. Dentro deste momento abordamos excertos de
textos de alguns letrados, onde estão inseridos pensamentos pertencentes a um tipo
de orientação, ao qual tentamos problematizar. Para tal averiguação, retomamos nesta
introdução uma breve contextualização do período.
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)286 foi criado a partir dos
meandros políticos do Império, em 1838. Havia a necessidade, no século XIX, de se criar
uma identidade nacional para a Pátria.287 O Instituto se encarregaria de trabalhar neste
ponto e trazer, mediante os sócios, trabalhos para sanar tal lacuna. No processo de
consolidação dos Estados-Nacionais, surge, portanto, a ideia de pensar a história
do Seridó da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CERES-UFRN). Doutor em História pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: evansantos.hist@gmail.com
286 Cuja Revista é nossa principal fonte. Os tomos podem ser acessados facilmente através do link:
com Istvan Jancsó e Pimenta, Nação e Pátria remetiam ao território agora recém-emancipado, do país
que tinha cortado os laços com a metrópole de Portugal em 1822. Enquanto pátria indicava a região de
nascimento, ou mesmo vilas e províncias. Cf: JANCSÓ, Istvan; PIMENTA, João Paulo G. Peças de um
mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA,
Carlos Guilherme (org.). Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000). São Paulo: Editora
SENAC, 2000, p. 129-175.
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288 GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos: caminhos da
historiografia, Rio de Janeiro, n. 1, 1988.
289 ARAÚJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional
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293Cf. BARBOSA, Januário da Cunha. Op. Cit.; MATTOS, Raimundo José da Cunha. Dissertação acerca do
sistema de escrever a história antiga e moderna do império do Brasil. In: RIHGB, 1863, p. 121-143.
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294AZEVEDO, Moreira. Amador Bueno – Memória. In: RIHGB. Tomo 50 - 3°folheto, 1887, p. 1.
295 TURIN, Rodrigo. Uma nobre, difícil e útil empresa: o ethos do historiador oitocentista. História da
Historiografia, n° 2, março, 2009.
296 Para esta discussão, sugiro KOSELLECK, Reinhardt. Futuro passado: contribuição à semântica dos
tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006, p. 161-186; REIS, José Carlos. História
da "consciência histórica" ocidental contemporânea: Hegel, Nietzsche, Ricoeur. - 2° reimp. - Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2013, p. 257-277; RÜSEN, JÖRN. Pode-se melhorar o ontem? Sobre a
transformação do passado em história. In: Salomon, Marlon (Org.). História, verdade e tempo. Chapecó,
SC: Argos, 2011, p. 259-290
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297 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
(1870-19320). São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 42-81.
298 Para mais um exemplo, Nietzsche ao criticar Sócrates, em O Crepúsculo dos Ídolos, faz do mesmo
modo utilizando essa argumentação da aparência. Repudia a estrutura de pensamento religiosa socrática
criticando sua aparência: “Sócrates é um monstro na face e na alma”. Cf. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm.
Crepúsculo dos Ídolos, ou como se filosofa com o martelo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2017.
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desorientação de pesquisa. François Simiand traz à luz fortes questões para o nosso
ofício. Dizia ele, dentro do contexto europeu, mas podemos enxergar tais
apontamentos de forma universal, que o historiador possui ídolos (cronologia, política
e biografia), e sem dúvida alguma, foram colocadas de forma pertinente. Mas, talvez, o
principal motivo de confusão e desestabilidade no IHGB, fora a transição conturbada de
um regime monárquico para o republicano. O que dá margem para eventuais conflitos
dentro do instituto. Ao mesmo tempo quando a República ganha suas raízes nos planos
intelectuais, o federalismo impulsiona o discurso regionalista, sendo que este nascera
em meados do XIX a partir dos estudos provinciais. Questões relacionadas à revoltas e
movimentos (por que não “guerras civis”?) ganham novo enfoque, novas perspectivas.
Sendo tudo isso visto como uma “República que não foi”. Narrativas estas que possuem
determinado vigor até 1920.299
A biografia, por exemplo, procurou cientificar a História. Ao longo do século XIX,
aos poucos surgem os primeiros tijolos da pesquisa historiográfica: fundamentar-se
mediante fontes. Sem elas, o trabalho do historiador não prossegue. Abrindo
parênteses, de certo modo, são as fontes que impedem o total relativismo da
perspectiva histórica. Assunto sempre atual, o relativismo é uma chave-mestra que se
encaixa em todo lugar, todavia não garante a solução para lacunas que enxergamos na
disputa social e política do nosso dia a dia. Esse tipo de ferramenta é essencial para nos
relacionarmos com o outro, em sociedades que não estamos ainda inseridos. Mas, para
o trabalho histórico, o relativismo não sana muitas lacunas, principalmente no plano
ético. Voltando a questão, assim, o letrado com base nas biografias exercia a tarefa de
espalhar exemplos morais para a sociedade.300
De acordo com Sérgio da Mata, a normatização foi comum à historiografia antiga
e moderna. Servindo, assim, para construção de identidades, normatizações como a
criação de um passado comum a todos, ou de heróis que simbolizem o tempo
construído pelos historiadores.301 Para a escrita da história do IHGB, enquanto coligado
299 GOMES, Ângela de Castro. A República, a História e o IHGB. Belo Horizonte – MG. Argumentum, 2009,
p. 27; COSTA, Bruno Balbino Aires da. “A CASA DA MEMÓRIA NORTE-RIO-GRANDENSE”: O Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e a construção do lugar do Rio Grande do Norte na
memória nacional (1902-1927). Porto Alegre, Tese de Doutorado, 589 f., 2017, p. 14-16.
300 OLIVEIRA, Maria da Glória de. Escrever vidas, narrar a história: a biografia como problema
histórico. In: NICOLAZZI, Fernando; MOLLO, Helena Miranda; ARAUJO, Valdei Lopes de (orgs.). Aprender
com a história? o passado e o futuro de uma questão. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011, p. 59-77.
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Mais uma vez, com base em Araripe, encontramos famosa ligação constante
entre a República e o progresso. Articulações como estas apontam para
questionamentos. Por exemplo: onde entra o povo no arcabouço narrativo aos quais
letrados do IHGB projetavam?305 De certa forma, práticas historiográficas foram
mantidas para costurar essa ligação. A história foi uma grande ferramenta para
estruturar as teleologias filosóficas. Complementando isto, a veracidade da vida dos
biografados, a verossimilhança com que se relatava a vida dos “ilustres homens da
302 HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2014, p. 22.
303 HRUBY, Hugo. O século XIX e a escrita da história do Brasil: diálogos na obra de Tristão de Alencar
358.
305 De acordo com Rodrigo Turin, tendo o indianismo ou o nativismo não obtendo sucesso como fórmula
simbólica do passado nacional, a historiografia voltou-se para o singular-coletivo povo. Este agora
tornar-se-ia nova referência para a produção histórica. Cf. TURIN, Rodrigo. Uma nobre, difícil e útil
empresa: o ethos do historiador oitocentista. História da Historiografia, n° 2, março, 2009.
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IHGB. Inúmeros problemas surgem mediante tal cenário. Para citar apenas dois
exemplos, vejamos o naipe de debates que surgem na própria instituição e como se
apresenta a crise da sociedade em suas páginas.
De forma clara, um debate surge através de falas um pouco distantes, mas com
foco no mesmo objeto, precisamente. Exemplo para isto: Araripe e Pedro Lessa, dois
grandes nomes no IHGB, na Primeira República, trazem a discussão da história em
relação aos heróis e a sociedade. Afinal de contas, quem vem primeiro? Como podemos
tratar o progresso, a ordem e a dita civilização sem entender o passo a passo da
caminhada do país? Araripe traz uma argumentação corriqueira e firme da virada do
século, fundamentada por Thomas Carlyle (1785 – 1881), escocês, que tinha em sua
concepção e filosofia da história, o indivíduo, o herói, como peça central no caminhar e
desenvolvimento da sociedade. A história universal seria remontada através das
biografias.310 Por outro lado, Pedro Lessa, em seu texto Reflexões sobre o conceito da
história, vai de contramão a este ponto, colocando, antes de tudo, o meio social
precedendo o herói, o individual. A máxima do povo estava fortalecida na argumentação
de Lessa.311
Dessa forma, percebe-se o quanto o IHGB focou na discussão da cientificidade
da história. Todavia, uma margem enorme de assuntos ficavam isolados,
principalmente no que diz respeito à atualidade da sociedade brasileira.
A operação historiográfica onde o tempo é uma das principais referências, tal
trabalho de certa maneira encaminha a escrita da história a encontrar um momento
futuro para encaixar a ordem e a civilização, tanto prometida e visada pela ótica do
progresso. E é exatamente isso que tentamos problematizar neste artigo. Pois ao
mesmo tempo em que a ordem é jogada ao futuro mediante o presente, o IHGB se
esforça para concretizar as bases para que este futuro aconteça, certamente na
perspectiva temporal, o futuro justifica o trabalho dos historiadores. Ora, de maneira
complicada, podemos entender que essa civilização estável só chega ao futuro porque
a República passava em um momento conturbado em seu âmbito político-social,
exatamente no interior da nação. Em razão que são perceptíveis uma série de casos, que
podemos chama-los de rupturas, entre esse discurso do progresso e o que de fato
310 ANDRADE, Débora El-Jaick. Escrita da história e política no século XIX: Thomas Carlyle e o culto aos
heróis. História e Perspectivas, Uberlândia (35): Jul.Dez.2006, p. 211-246.
311 LESSA, P. A. Reflexões sobre o conceito da História. RIHGB, t. 69, parte 2, 1908, p. 263.
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312 Cf. MILTON, Aristides A. A campanha de Canudos. Memória lida no Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. In: RIHGB, tomo 63, parte 2, Rio de Janeiro, 1902.
313 MILTON, Aristides A. A campanha de Canudos. Memória lida no Instituto Histórico e Geográfico
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Mas o fato é que a seletividade ocorre. E como toda escolha, uma série de
personagens, acontecimentos e eventos são descartadas.316 O IHGB preferiu focar na
questão da ordem e estabilidade, ou mesmo no caráter científico da história. A crise
política relacionada ao thelos de uma sociedade estável pode ser averiguada um século
antes, de acordo com Koselleck, já no século XVIII. O autor alemão deixa bem claro:
315 Discurso proferido na sessão aniversaria de 15 de dezembro de 1897 pelo vice-presidente. In RIHGB,
tomo 55, parte 2, Rio de Janeiro, 1897, p. 417.
316 TURIN, Rodrigo. Narrar o passado, projetar o futuro: Silvio Romero e a experiência historiográfica
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cenário de ódio e caos na Primeira República. Em razão que essas utopias eximiam a
responsabilidade, isentando os atores históricos pelos acontecimentos.
Certamente, o horizonte que abrimos aqui dá margem para mais uma pequena
reflexão. Se a violência exacerbada na Primeira República, ou mesmo em boa parte da
história brasileira, é vista com certa naturalidade, ao ponto de não falarmos em “guerra
civil”, por exemplo, isto é, apaziguar, até mesmo, através dos conceitos o caráter de ódio
e violência em nossa história, quer dizer que nossa relação com este tipo de
acontecimento passou por um processo de simplificação e suavização. O centro de tudo
está na crítica que Hannah Arendt faz sobre a política e o pensamento ético. Se nosso
entendimento sobre estas dimensões no contexto de disputas refere-se apenas a
“coação” e “ser-coagido”, ou mesmo de “vitorioso” e “derrotado”, isto pode implicar
numa simplicidade que Arendt enxerga como grande perigo na sociedade. É possível
realizar uma aproximação entre Koselleck e Arendt no que diz respeito a tentar
entender a modernidade e o complexo de violência inscrito dentro dela. 318
De todo modo, o que há de se destacar então é o desencontro entre toda
violência estrutural e sistemática da sociedade brasileira com a escrita da história, com
a produção textual do IHGB, na Primeira República, especificamente entre 1891-1924.
Isto pode ser um sintoma das raízes do ofício do historiador. Pelo menos é um retrato
de como esses letrados levantaram a historiografia brasileira. Este cenário desenhado
leva-nos para mais questões: tornou-se tradição do historiador brasileiro não focar nos
extremos da violência cotidiana da sociedade? Em um plano minimamente ético, como
devemos reagir a momentos de crise política, social, etc.? São perguntas para nos guiar
em outro momento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O progresso, tão visado na modernidade, ocultava uma série problemas
arraigado na sociedade. A crise se confundia com os problemas temporais, embrolhos
estes desenvolvidos por rupturas no modo de ver a sociedade. A política é uma esfera
318MAGALHÃES, Teresa Calvet. Ação, Linguagem e Poder: uma releitura do Capítulo V [Action] da obra
The Human Condition. In: CORREIA, Adriano (org.). Hannah Arendt e a condição humana. Salvador-Bahia,
Quarteto Editora, 2006, pp. 35-74; DIAS DUARTE, João de Azevedo e. Tempo e crise na teoria da
modernidade de Reinhart Koselleck. História da historiografia. Ouro Preto, número 8, abril, 2012, p. 70-
90.
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REFERÊNCIAS
ANDRADE, Débora El-Jaick. Escrita da história e política no século XIX: Thomas
Carlyle e o culto aos heróis. História e Perspectivas, Uberlândia (35):, Jul.Dez.2006., p.
211-246.
ARARIPE, Tristão de A. Três cidadãos beneméritos na Republica. In: RIHGB. Tomo 60,
parte 1, Rio de Janeiro, 1897, p. 385-396.
_____. Indicações sobre a História Nacional. In: RIHGB. Tomo 57-2, Rio de Janeiro,
1894, p. 259-290
AZEVEDO, Moreira. Amador Bueno – Memória. In: RIHGB. Tomo 50 - 3°folheto, Rio de
Janeiro, 1887.
BARBOSA, Januário da Cunha. Discurso. In: RIHGB. Tomo 1, Rio de Janeiro, 1839.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 3° Ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2011.
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OLIVEIRA, Maria da Glória de. Escrever vidas, narrar a história: a biografia como
problema historiográfico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.
_____. Uma nobre, difícil e útil empresa: o ethos do historiador oitocentista. História
da Historiografia, n° 2, março, 2009.
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INTRODUÇÃO
A implantação de um novo modelo ou sistema de transporte em uma cidade, seja
na atualidade ou no passado, tem impacto nas formas e usos do solo (MEDEIROS, 2011.
VILLAÇA, 1998), bem como em sua valorização ou desvalorização (DUARTE; ESTRADA,
2005). Isso se dá, pois, segundo Flávio Villaça, o espaço urbano
319 Graduado e licenciado em História pela UFRN. Mestrando em Arquitetura e Urbanismo pelo
PPGAU/UFRN.
320 Redes técnicas são compreendidas pelo autor citado como “[...] aquelas que dão suporte ao fluxo de
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Este mesmo pesquisador conclui, em sua análise sobre as linhas férreas, que as
redes, estações e caminhos produzidos, não só deram novos usos, funções e valores
para o espaço intra-urbano321, como foram fruto de disputa da atuação de agentes
privados e trouxeram como consequência a segmentação do espaço da cidade.
No século XX, com a implementação dos ônibus como transporte coletivo na
cidade, – De início, segundo os estudos e documentações até então analisadas,
implantação feita sem interferência ou regulação do Estado, mas que não demoram a
começar a surgir – as relações entre sociedade e espaço também aparentam seguir
este mesmo processo, visto que, com o desgaste e posteriormente com o fim do
sistema de bondes, os ônibus irão ter um papel importante de permitir os fluxos em
uma cidade que não mais se organiza em curtas distâncias.
Neste sentido, este trabalho tem por objetivo analisar a implantação dos ônibus
na cidade de Natal a partir de revisão bibliográfica e análise documental para que seja
possível desenvolver uma análise sobre a relação entre a expansão das linhas de
ônibus em Natal e a valorização da terra. Para este fim, o trabalho se dividirá em dois
tópicos. No primeiro, analisando e revisando a implantação e o desenvolvimento do
ônibus e de seus itinerários na cidade de Natal para o período de 1950 a 1960, e o
segundo conectando estes itinerários com o processo de loteamento e valorização do
solo na cidade de Natal para o mesmo período. O período de análise se justifica por se
tratar de um momento em que o sistema de transporte estava regulamentado pelo
Estado, o que permite considerar e analisar as disputas pelo poder de decidir os
caminhos das vias e das conexões. Para esta análise, por fim, se fez uso das
documentações legislativas e jornalísticas disponíveis no Arquivo público municipal, no
arquivo público Estadual, no Arquivo da Câmara Municipal de Natal e na hemeroteca da
biblioteca nacional.
321Considera-se por espaço intra-urbano a configuração do espaço da cidade que tem influências em
escalas para além dela, mas também reside neste espaço uma lógica própria de produção e
desenvolvimento e disputas sociais.
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No entanto, tais agentes públicos, por mais que delimitassem por vias de leis e
decretos, os caminhos dos itinerários, é possível constatar que não controlavam por
completo a prática destes serviços, visto que havia denúncias sobre a atuação irregular
de empresários, seguindo por percursos que fossem mais vantajosos
Este documento, datado de 1958, nos permite inferir não só que havia disputa
pelo poder de definir os caminhos de conexão na cidade, mas também que os ônibus
estariam passando gradativamente por um processo de concentração de propriedade.
Além desses casos de pequenas alterações, havia linhas circulando para além dos
itinerários até então encontrados entre decretos e anúncios de jornais, como neste
exemplo, de 1959:
A Empresa Auto Transporte Ltda inaugurou hoje, às 9 horas uma linha
de ônibus desta feita ligando Natal à Praia de Ponta Negra, o que sem
dúvida constituirá velho anseio dos natalenses [...]324
322 NOTA. Inspetoria Estadual de transito em natal. O Poti, Natal, 3 de abril de 1957. Hemeroteca digital.
Disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso em 16 de julho de 2018
323 AZEVEDO, Benivaldo. Flash da manhã: Coletivos. O Poti. 14 de outubro de 1958. Hemeroteca digital.
em 16 de julho de 2018
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325 EDITORIAIS Transporte. O Poti. 5 de janeiro de 1957. Hemeroteca digital. Disponível em:
<http://memoria.bn.br>. Acesso em 16 de julho de 2018
326 O Poti. 11 de setembro de 1955. Hemeroteca digital. Disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso em
16 de julho de 1997)), “Terrenos excelentes e lotes a 5 minutos de ônibus. [...]” (O Poti, 15 de março de
1957. Hemeroteca digital. Disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso em 16 de julho de 1997>.
327 O Poti. 7 de fevereiro de 1958. Hemeroteca digital. Disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso em
16 de julho de 2018.
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de ônibus para o período. Como não se tem disponível um documento com os itinerários,
foi preciso catalogar as diversas fontes que apresentavam localizações de linhas de
ônibus para a cidade de Natal no período citado.
A análise documental revelou que, mesmo com a expansão urbana, mesmo com
as demandas sociais por mais transporte, os itinerários de ônibus, no geral, mantiveram
o mesmo padrão das antigas linhas de bonde, concentrando-se em torno das antigas
linhas de bonde e em torno das vias regionais e nas proximidades dos loteamentos
feitos na década anterior e na década de 1950. Com tal catalogação, alcançou-se o
seguinte resultado:
Mapa de elaboração própria. Desenvolvido a partir de tabulação dos itinerários retirados de diversos
fragmentos de jornais disponíveis na hemeroteca nacional
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Circular Tirol-Petrópolis
Durante a década de 1950 a linha circular Tirol-Petrópolis teve três grandes
alterações. Em 1954 tem-se a informação que a linha Circular-Tirol deixou de andar pela
Jundiaí e passou a andar pela Apodí "[...] sem motivo algum" (1954). Após isso, uma
matéria sobre alteração de preços, anuncia que a linha circulava no seguinte itinerário,
Neste caso, destaca-se que a linha foi expandida cada vez mais durante a década, mas
em 1957 ela recebe uma alteração peculiar, sem razão explicitada, mas dando maior
acessibilidade, e consequentemente, maior valor, aos novos loteamentos surgindo na avenida
Hermes da Fonseca.
A linha Quintas-Rocas
A linha Quintas-Rocas é outra linha que também recebeu alterações durante a
década. Em 1955 a linha quintas-rocas, linha nº 1, atravessava toda a cidade, das quintas
em direção às rocas e vice-versa. O itinerário desta linha, no entanto, permanece
impreciso. Sabe-se que sofreu alterações durante a década, e novamente, se
aproximando de loteamentos, mas não é certo o seu trajeto do início ao fim.
328 O Poti. Sabado, 16 de abril de 1955. Hemeroteca digital. Disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso
em 16 de julho de 2018.
329 DEPARTAMENTO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Inspetor Estadual de Transito. Nota. Inspetoria
Estadual de transito em natal, 2 de abril de 1957. Arcyrio alyrio trigueiro. Major inspetor estadual de
transito. O poti, 3 de abril de 1957. Hemeroteca digital. Disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso em
16 de julho de 2018
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É importante destacar que este trajeto foi usado como retórica pelos próprios
proprietários de ônibus desta linha para justificar reajustes de preço, pois, segundo os
proprietários da linha, representados por Rivaldo Pacheco, a linha nº é “[...] a de
percurso mais longo da cidade [...]”330,. Em 1958, a partir de lei aprovada pela câmara,
o que novamente revela o caráter regulado do sistema, os itinerários de lotações são
estendidos e os ônibus devem seguir os mesmos itinerários, bem como os preços da
linha 01 foram padronizados.
330 PACHECO, Rivaldo. Esclarecimentos dos proprietários de ônibus da linha Rocas-Quintas. 6 de abril de
1956. Hemeroteca digital. Disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso em 16 de julho de 2018)
331 (ITINERARIOS do transporte coletivo para as quintas. o poti. 10 de janeiro de 1958. Hemeroteca digital.
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MAPA 02: Elaboração de Medeiros. MEDEIROS, Gabriel Leopoldino Paulo de. A cidade interligada:
legislação urbanística, sistema viário, transportes urbanos e a posse da terra em Natal (1892-1930).
2017.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise realizada, foi possível esquematizar os itinerários de ônibus
para a década de 1950, bem como foi possível compara-los com os estudos realizados
sobre os loteamentos na cidade de Natal, contribuindo assim, para o aprofundamento
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REFERÊNCIAS
CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. Natal: RN Econômico, 1999.
Estrada, Johann Dilak Julio, and Fábio Duarte. "Transporte e mercado imobiliário:
uma lógica urbana sustentável? Estudo sobre o Transmilênio, Bogotá."
TRANSPORTES 13.2 (2005).
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332 Graduando em História Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Integrante da
base de pesquisa Teoria da História, Historiografia e História dos Espaços dentro da linha História do
Catolicismo. E-mail: geraldo.q.dasilva@gmail.com.
333 É interessante frisarmos o anticlericalismo como uma das tônicas que nortearam a instituição da
república. Relevando o fato de que “A sociedade brasileira não se destacava por um espírito clerical.
Muito ao contrário, o que se verificava nos meios mais ilustrados era uma afetação de indiferença e certo
anticlericalismo.” (COSTA, 1999, p. 456).
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Leme publica sua famosa carta pastoral que conclamava uma reação católica frente a
sintomática descristianização da sociedade vivenciada no regime republicano. Scott
Mainwaring denominou esse período de efervescência, compreendido entre 1916 e
1955, de Neocristandade334. Esse movimento de retomada do espaço social, nos
ditames da Igreja recristianização, inaugura de forma consistente uma nova fase de
atuação que estimula a constituição de movimentos laicos na promoção da influência
do catolicismo. Além disso, cumpre salientar o processo de expansão organizacional da
Igreja, com a estadualização por meio da disseminação de dioceses que culminaram na
consolidação do Rio de Janeiro como centro administrativo da Igreja à nível nacional
(MICELI, 1988). De modo mais específico, Riolando Azzi denomina o período entre 1920
e 1930 como a Restauração Católica335. De acordo com o autor, este período, pautado
na intensificação da atuação da Igreja na sociedade, está diretamente vinculado a
necessidade de cooptação do laicato para a causa cristã.
Essas observações se fazem necessárias conforme relevamos o intuito do
presente trabalho em estabelecer uma análise do processo de conversão de Alceu
Amoroso Lima (1893-1983) ao catolicismo a partir de sua atuação como crítico literário
sob o pseudônimo de Tristão de Athayde no periódico O Jornal, sediado no Rio de
Janeiro, entre 1919, momento em que se inicia sua carreira, e 1928, quando após a
publicação do artigo Adeus à Disponibilidade, pela revista A Ordem, ingressa na
militância em prol das pautas católicas.
Desse modo, o que se procura é dimensionar a questão da conversão dentro do
universo político e, portanto, concebe-la como uma resultante desse processo de
cooptação da intelectualidade para a militância católica. Se nesse intuito observamos o
esforço da Igreja na eleição da intelectualidade, atentamos para o fato de que Alceu de
Amoroso Lima compunha uma figura de notoriedade nacional no campo da crítica
literária. É precisamente pelo fato de tomarmos os questionamentos anteriormente
lançados por Aline Coutrot ao pensar as formas de ingresso do religioso no campo
político. Cumpre-se também com o trabalho o intuito de sanar lacunas reiteradas pela
própria historiografia, conforme nos aponta Cândido Rodrigues ao se referir a
334 MAINWARING, Scott. A Igreja de 1916 a 1964. In.:_______. Igreja Católica e Política no Brasil (1916-
1985). São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 41-100.
335 AZZI, Riolando. O início da Restauração Católica no Brasil: 1920-1930. Síntese, Revista de Filosofia, v.
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centralidade que os estudos conferem as cartas trocadas por Alceu Amoroso Lima na
apreciação histórica do legado amorosiano:
CONSIDERAÇÕES HISTORIOGRÁFICAS
Alceu Amoroso Lima nasceu no Rio de Janeiro em 11 de dezembro de 1893.
Formado em direito em 1913, mesmo ano em que, numa viagem para França, assiste o
curso do filósofo francês Henry Bergson. Em 1919 tem início sua troca de missivas com
Jackson Figueiredo, este que funda em 1922 o Centro Dom Vital, lócus que servia como
reduto para intelligentsia católica, e a revista A Ordem. Por meio da correspondência
com Jackson de Figueiredo, Alceu paulatinamente inicia sua aproximação com a Igreja
de maneira a se converter em 15 de agosto de 1928. A troca de missivas tem seu fim em
1928, data da morte de Jackson de Figueiredo, ficando sob o encargo de Alceu Amoroso
Lima assumir o legado jacksoniano, com a direção do Centro Dom Vital e a redação da
revista A Ordem336.
A composição historiográfica clivou a trajetória amorosiana em fases que
demarcam a natureza de suas convicções políticas acerca daquilo que deveria ser a ação
336Dados biográficos de Alceu Amoroso Lima retirados a partir de: RODRIGUES, Cândido Moreira. Alceu
Amoroso Lima: matrizes e posições de um intelectual católico militante em perspectiva histórica - 1928-
1946. Tese (Doutorado em História), Faculdade de Ciências e Letras de ASSIS - UNESP, 2006, f. 319.
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que o espaço construído por Alceu entre o meio literário o introduziu em círculos de
sociabilidade que pela definição de aproximações e distanciamentos, o encaminharam
seu despertar para a militância católica.337
É considerável a centralidade que o Centro Dom Vital e a revista A Ordem
encarnam para ação dos intelectuais católicos na tentativa de recristianização da
sociedade, de modo que a ação de Jackson de Figueiredo
337 Acerca dos contributos da História Política sobre os intelectuais e, especialmente o estudo da prática
empreendida na imprensa e periodismo, considero a seguinte assertiva: “Em suma, uma revista é antes
de tudo um lugar de fermentação intelectual e de relação afetiva, ao mesmo tempo viveiro e espaço de
sociabilidade, e pode ser, entre outras abordagens, estudada nesta dupla dimensão." (SIRINELLI, 2003,
p. 249).
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cristandade. Ainda sobre a palestra, Alceu publica outro artigo no dia 21 de setembro
que reincide sobre a figura de Jackson de Figueiredo, conforme afirma que:
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Realista. Se, inicialmente, deveria ser feita a discussão do livro Jackson de Figueiredo:
o doutrinario catholico de Hamilton Nogueira, como se pretendia a função da coluna
literária, ditas poucas palavras o artigo se transformou num encômio a Jackson de
Figueiredo. Ainda assim, é possível entrever elementos que circunscrevem a dinâmica
do ser um intelectual em militância católica, como afirma Tristão de Athayde:
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho compõe um esforço inicial na compreensão da questão da
conversão enquanto um objeto passível de discussão historiográfica, relevando
aspectos que demarcam a trajetória intelectual e a História do Catolicismo. O complexo
percurso trilhado pela Igreja foi acompanhado por aqueles que estavam engajados em
prol da causa missionária, como Alceu Amoroso Lima. O diálogo travado com Jackson
de Figueiredo dentro da crítica literária corrobora uma leitura da conversão enquanto
um processo paulatino, cheio de percalços e angústias. Resta, portanto, assumir que as
primícias da conversão assinalam a dinâmica complexa que perpassa o “Adeus à
Disponibilidade” e a ocupação literária de Tristão de Athayde.
REFERÊNCIAS
ARDUINI, Guilherme Ramalho. Em busca da Idade Nova: Alceu Amoroso Lima e os
projetos católicos de organização social. (1928-1945). Dissertação (Mestrado em
História) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Campinas, 2009, f. 145.
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COUTROT, Aline. Religião e Política. In: Por uma nova história política. RÉMOND, René
(org.). Trad. Dora Rocha. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p. 331-364.
RODRIGUES, Leandro Garcia. Alceu Amoroso Lima: cultura, religião e vida literária.
Tese (Doutorado em Letras) – Departamento de Letras, PUC-RIO, Rio de Janeiro,
2009, f. 206.
MICELI, Sergio. A elite eclesiástica brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil S.A.,
1988.
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INTRODUÇÃO
A Igreja Potiguar na segunda metade do século XX passa por uma experiência
sui generis que modifica todo o pensamento católico (FERRARO,1968). Tal mudança
estava alinhada com as ideias progressistas da Santa Sé como um todo no plano
internacional. A produção historiográfica que estuda a Igreja desse momento histórico
afirma que durante o período há a consolidação e amadurecimento da Igreja Popular
(MAINWARING,1989). Neste recorte temporal a Igreja Brasileira é apontada como uma
das mais progressistas (MAINWARING,1989). É nesse contexto sócio históricos que
Natal, no Rio Grande do Norte, vira protagonista com o Movimento de Natal (1943-
1964), que é a primeira iniciativa da igreja no enfrentamento prático as desigualdade
socais (FERRARO,1968; CAMARGO,1971). Um novo modelo de igreja estava sendo
teorizado e praticado. Uma cosmovisão que está atrelada ao espaço que foi gerado e
que orienta as ações dos sujeitos, incluindo as de cunho político. Ação do Movimento
de Natal modifica o espaço rural: construindo cisternas, poços, currais, casas para
pequenos agricultores, praças e outras obras que auxiliam no combate à desigualdade
social e na conscientização política.
Dentro dos estudos sobre a igreja popular e seus impactos nas comunidades
onde ela estava presente nosso interesse é naqueles que privilegiam a relação entre
política, religião e espaço. As pesquisas com este enfoque foram produzidas
largamente no período de 1970-1980. Elas desejavam analisar a mudança da igreja na
maneira como se relacionava com os problemas sociais brasileiros, especialmente na
região Nordeste.
Os principais pesquisadores que trabalharam o assunto foram Scott
Mainwaring, Luis Eduardo W. Wanderley, Cândido Procópio Ferreira de Camargo e
Alceu Ferraro. As abordagens mais recorrentes na literatura produzidas pelos
supracitados estudiosos são as que enfatizavam as relações sociais, o relacionamento
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349 A bibliografia sobre a biografia do autor é escassa se resumindo as informações que constam em seu
currículo lattes e poucas entrevistas que ele deu.
350 Sônia Elizabeth Reyes Herrera em sua tese rastreia a produção e biografia do autor para historicizar
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vida. Logo após se formar em Direito (1945) ingressou no Noviciado dos Dominicanos,
ficando por 6 meses como frei Clemente. Fez especialização em Filosofia na Sorbone
entre 1946-1947. Formou-se em filosofia bacharel pela Pontifícia Universidade Católica
(1949). Fez o doutorado (1954) em filosofia pela Universidade de Columbia Nova Iorque.
Lá entrou em contato com as ideias de Jonh Dewey, que o influenciou na concepção do
conceito de internalização, desenvolvido quando Camargo enfrentou a questão da ética
diante da mudança social (HERRERA,2004:87).
Camargo foi um dos percursores do estudos da religião nas ciências sociais
brasileiras. A excentricidade da religiosidade brasileira une os cientistas sociais que
pesquisam religião nos anos 1960. O percurso formativo diferenciado o destaca dos
demais. De início seus estudos se centram na religiosidade urbana emergente
(protestantismos, espiritismo e umbandismo). A sua grande colaboração ao campo da
sociologia das religiões foi promover um estudo da religião em relação a sociedade
global (HERRERA,2004:104). Sua pretensão inicial era delimitar uma clara fronteira
entre os estudos filosófico, teológicos e sociológico. Ele constrói sua produção sobre
um perfil bem analítico, que tem sua fragilidade central na concepção do processo de
modernização como fatalidade inevitável.
Ferraro e Camargo são alvos de perseguição política no período pós-golpe de
1964. Ferraro era uma figura muito visada pelos militares por causa de sua ligação com
a Teologia da Libertação. Ganhou a fama de subversivo justamente pelo período que
ficou no nordeste brasileiro investigando o Movimento de Natal, ganhando a alcunha
de padre comunista. Em 1969 uma das freiras de sua paroquia no Rio Grande do Sul foi
obrigada pelos militares a entregar os catecismos que Ferraro dava para distribuir. No
momento em que soube ele foi tirar satisfação com o militar, que por sua vez tentou
prendê-lo, mas graças ao apoio popular e do prefeito ele não foi preso (PEIXOTO,
2017:8). Mas acabou fichado o que impediu de renovar seu contrato com a Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, só retornando a academia após conseguir
o cargo de professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Com a publicação do Ato Institucional número 5 (AI-5) (1968) vários professores
das Universidade de São Paulo acabaram tendo que se aposentar compulsoriamente, e
alguns outros se desligaram da instituição, entre eles Camargo. Ele e outros ilustres
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A pedido da Igreja
Mediante a abertura do Concílio do Vaticano II (1962-1965), na década de 1970, a
Igreja Católica, em especial no Brasil, abre a porta para as ciências humanas e sociais.
Isto ocorre devido à compreensão da Igreja de que tais ciências poderiam municia-la de
instrumental teórico-metodológico que a possibilitasse compreender a sociedade
moderna em processo de mudança, o que levaria a uma melhora das suas práticas
pastorais (CALDEIRA,2017:1). Este contexto foi fecundo para uma produção
historiográfica caracterizada por ter sido elaborada por agentes pastorais imersos nas
concepções teológicas da Igreja.
As obras que retratem a questão da igreja e política neste período no Brasil são
intimamente ligadas à perseguição sofrida pelos autores durante o Regime Militar
brasileiro, que escamoteou os avanços progressistas, levando a um verdadeiro
retrocesso e dificultando a produção intelectual sobre o período. Livros foram
queimados em sua maioria, os poucos exemplares restantes foram salvos
clandestinamente. Há relatos sobre documentações que foram quase que
completamente destruída. Produções que só estão sendo publicados agora, graças aos
esforços da Comissão da Verdade, que entre seus objetivos tem o de resgatar a
memória do período da Ditadura Militar no Brasil. Todas as obras aqui discutidas são
tentativas e resistência ao esquecimento das transformações sociais que o Brasil
passou na década 1960 impulsionado pela Igreja Popular que estava surgindo.
Compreender como o Movimento de Natal transformou fisicamente as comunidades se
351 Entre os renomados que iram compor o CEBRAP está o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
que faz a orelha do livro “Igreja e Desenvolvimento” (1971).
352 Herrera relata que um militar comenta que a verdadeira bomba foi a obra São Paulo 1975: crescimento
e pobreza.
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construir uma metodologia ligada a ela, as discussões da última parte da obra entrega
sua intenção de enquanto homem da igreja pensar a espiritualidade emergente no
Movimento de Natal. Interesse este que também é partilhado por D. Eugênio que
ressalta o caráter pastoral da ação da arquidiocese de Natal e compreende que a luta
por mudança social se enquadra na missão evangelizadora da própria igreja.
Como ambos os autores bebem de uma sociologia de raízes americanas ligadas
a demografia e a estatística, muito mais próximos das ciências naturais, a metodologia
adotada por eles se assemelha. Eles optam por fazer um estudo comparado entre as
comunidades trabalhadas pelo Movimento e as não trabalhadas. Para tanto os dois se
esforçam em procurar localidades que possuam características sociais e geográficas
em comum que partilhem apenas como diferença a participação ou não nas ações
arquidiocesanas. A escala das comparações também defere uma vez que Camargo
compara sedes municipais (São Paulo do Potengi e Lajes), comunidade rural (Serrote),
município (Gameleiras – que segundo o autor ainda possuía estrutura de comunidade
rural) e Ferraro investe nas comunidades (duas por municípios, sendo exceção o 3º par
que são de municipalidades distintas mas que guardam semelhanças). A opção pela
escala comunidade se deu principalmente devido a presença de outros agentes de
mudança que atuam na municipalidade, o que dificultaria precisar o impacto do SAR. O
golpe de 1964 também influencia a metodologia adotada pelo padre, como o mesmo
explica neste trecho:
353 Neste trecho indicado o autor trabalha as divergências entre o poder local e o Movimento de Natal
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Fica assim claro que a tese formulada por Camargo é a mais próxima da
concebida por D. Eugênio. Os Sindicatos Rurais católicos mesmo de forma indireta se
relacionam com as Ligas Camponesas enquanto concorrentes.
Os autores em seus livros trabalham muito com a perspectiva do espaço em
escala numa relação centro-periferia bem complexa. Ferraro se esforça pra mostrar
que a experiência de Natal está sintonizada com a influência que esta recebe da Santa
Sé que durante o período que vai de 1930-1960 começa a se voltar progressivamente
para o social. Camargo de maneira mais engenhosa mostra que esta relação do centro-
periferia é mais reflexiva e ativa, ao demostrar que o Movimento de Natal influencia o
poder local e nacional, por exemplo, com a criação do Movimento de Educação de Base
(MEB) e outras políticas públicas. Mas também que o mesmo é resultado direto do
influxo da doutrina social da igreja católica e dos conhecimentos científicos gerados
pelas pesquisas na área social.
Alceu Ferraro formula três hipóteses a serem testadas:
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Para checar esta nova hipótese ele faz uso de análise documental do jornal “A
Ordem”, do arquivo privado de D. Eugênio que lhe dá livre acesso, da documentação do
Secretariado Arquidiocesano de Pastoral e do Secretariado Regional dos Bispos do
Nordeste. Além de usar a própria experiência de 2 anos acompanhado em lócus o
desenvolvimento do trabalho do Movimento de Natal. Daí o maior nível de
detalhamento que ele faz se comparado a Camargo.
A hipótese formulada por Camargo é que o Movimento de Natal é uma
expressão de Catolicismo de tipo internalizado em uma área de subdesenvolvimento. O
conceito de internalização é fulcral para a análise deste autor. O catolicismo
internalizado se trata da adesão consciente ao catolicismo de maneira a dá sentido e
organizar as transformações sociais (CAMARGO,1971:23). Esta tendência está
intimamente ligada as situações sociais e fases históricas do desenvolvimento que
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do Movimento estavam sendo vigiados e/ou perseguidos, quando não presos. Camargo
por outro lado estava apoiado em organismos internacionais e D. Arns que enfrentava
vigorosamente a Ditadura. O contexto sócio histórico e o lugar social de produção de
Camargo o permitiu liberdade para tratar do tema. O cientista social localiza o
Movimento de Natal no quadro ideológico brasileiro como centro reformista, que critica
tanto o comunismo ateu quanto o capitalismo liberal e o anticomunismo que barre a
mudança social (CAMARGO,1971: 97). O Movimento de Natal é inovador no local e
conservador no nacional, não radical e consciente de seu centrismo. D. Eugênio em
entrevista concedida ao sociólogo americano e amigo Michael Murphy, quando
interpelado sobre a posição da igreja na luta ideológica assim responde:
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implementar uma internalização do catolicismo não logrou êxito, tendo em vista que o
seu público alvo só o compreendia enquanto instrução clerical e não de maneira
autônoma e consciente. Já Ferraro diante dos resultados obtidos, de maneira animada,
conclui que o a ação pastoral da Diocese de Natal conseguiu nas áreas atingidas de
maneira funcional fomentar o desenvolvimento de espaços subdesenvolvidos.
As conclusões são guiadas não apenas pelos dados empíricos adquiridos com a
pesquisa, mas também pelos interesses pessoais dos autores. Ferraro buscava uma
nova forma de vivenciar a espiritualidade que se adequasse as necessidades modernas
de transformação social, o que encontra no Movimento de Natal, por isso uma
conclusão tão empolgada e o estimula a formular uma nova hipótese que permita
discutir a pastorialidade da ação social a partir da experiência potiguar.
Camargo por sua vez em uma conclusão mais comedida, porém esperançosa,
assim a ela chega pois buscava caminhos mais eficazes de promover uma ruptura com
as estruturas sociais tradicionais. Contudo ele apenas encontra na Igreja potiguar uma
inspiração para pensar uma ação transformadora mais profunda. “Igreja e
desenvolvimento” marca a reaproximação dele com o catolicismo que frutificará em
duas de suas obras mais significativas “Católicos, protestantes, espíritas” (1973) e São
Paulo 1975: crescimento e pobreza (1975), resultado da parceria de Camargo com D.
Arns.
Ao comparar as bibliografias das obras um fato chama atenção, a Camargo não
cita o trabalho de Ferraro, que é a primeira produção acadêmica de folego sobre o
Movimento. Isto pode ser explicado pela própria conjuntura da época como mostra
Peixoto:
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[...]
E, passados mais de cinquenta anos da sua publicação, poucas pessoas
leram ou mesmo pousaram suas mãos sobre um exemplar de Igreja e
Desenvolvimento – O Movimento de Natal, mas, ainda assim, este livro
permanece sendo lembrado e citado (PEIXOTO, 2017:4)
CONCLUSÕES
Ao fazer a análise comparativa das obras de Alceu Ferraro e Cândido Camargo
sobre o Movimento de Natal, evidenciar seus contextos de produção e interesses é
possível concluir que:
1. A historiografia sobre o Movimento de Natal está
circunscrita num conjunto de interesses da Igreja Católica e de
organismo internacionais laicos preocupados em compreender a
efervescência das mudanças sociais em curso no período;
2. Os produtos analisados são marcados pelos contextos
pessoais e sociais dos autores que incidem diretamente na obra e
em suas conclusões.
REFERÊNCIAS
AMMANN, S.B. el al. Dom Eugênio Sales em Natal: Fé e Política. Natal: EDUFRN, 2015
Anais do VIII Encontro Estadual de História da ANPUH-RN e XIV Semana de Estudos Históricos do CERES-UFRN:
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CRUZ, Dalcy da Silva. Igreja Católica no RN – Participação Política e Social nos anos
60. In: ANDRADE, Ilza Araújo Leão de. (Org.). Igreja e Política no RN. Natal: Sebo
Vermelho, 2010. 41-91p.
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Eduardo K. de Medeiros354
Orientador: Prof. Dr. Evandro Santos
INTRODUÇÃO
Esta apresentação é um resultado parcial da pesquisa bibliográfica vinculada à
bolsa de Iniciação Científica oferecida pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PROPESQ) da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) sobre histórias dos sertões do
Seridó voltados para estudos historiográficos da memória.
Interessados em entender percepções e reflexos de obras dos memorialistas
potiguares que escreveram e repercutiram com maior alcance os sertões do Seridó no
século XX – em termos geográficos, pela classificação do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), Mesorregião central do Rio Grande do Norte (MACÊDO,
2012, p. 20) –, escolhemos a obra do escritor sertanista Oswaldo Lamartine de Faria
por sua expressividade nos ambientes intelectuais e literários. Apesar do
reconhecimento público de seus trabalhos, trata-se ainda de um autor pouco estudado
pela academia, o que motiva a elaboração e exploração de problematizações em
diferentes frentes de pesquisa. No presente esforço, voltamos nossa atenção à
temporalidade experimentada nas narrativas oswaldianas, buscando identificar as
características que marcam as dimensões de tempo: passado/presente/futuro.
Por se tratar de uma obra diversa, construída ao longo de quase sessenta anos
de produções, composta por uma grande diversidade de textos – livros, discursos,
artigos periódicos, correspondências publicadas, apresentação e organização de livros
de outros autores, entrevistas, ensaios fotográficos, vídeos documentários –, ainda não
nos foi possível acessar todo o conjunto da obra. A pesquisa explorou alguns textos
bibliográficos e audiovisuais do e sobre o autor aos quais se fez possível o acesso até
o momento da elaboração desta apresentação e que aparecem referenciados ao final
deste texto. Porém, decidi concentrar-me na coletânea de ensaios Sertões do Seridó
(1980), cuja composição acredito ser representativa das características principais de
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suas narrativas sobre o Seridó no que diz respeito aos temas, fontes e estilo, servindo,
portanto, aos interesses da pesquisa. Apesar dessa preferência, não foi descartada a
consulta a outros textos.
Partiremos da noção de regimes de historicidade, proposta por François Hartog,
para colocar em foco os modos de relação do autor com o tempo (2014, p. 29);
consultaremos ainda Enzo Traverso (2012) para pensarmos os usos do passado
efetuados pela memória.
APRESENTAÇÃO DO AUTOR
Oswaldo Lamartine de Faria nasceu em Natal, capital do Rio Grande do Norte
(RN), a 15 de novembro de 1919 – coincidindo com o aniversário de trinta anos da ainda
jovem República brasileira. Filho de uma tradicional família cujas raízes genealógicas
remetem à colonização e povoamento dos sertões do Seridó – recorte espacial
específico dos sertões do Rio Grande do Norte, na concepção oswaldiana –, sua mãe,
Silvina Bezerra de Faria, foi a filha caçula do Cel. Silvino Bezerra de Araújo Galvão, chefe
político de Acari/RN. Seu pai, Juvenal Lamartine, foi ex-governador do RN nos anos de
1928 a 1930, destituído em consequência do golpe de estado liderado por Getúlio
Vargas. Sua família se constitui como uma oligarquia que construiu poder e riquezas
ligadas à grande propriedade rural algodoeira-pecuária, cujas memórias são, ainda
hoje, referência nos espaços públicos e escritos potiguares.
Viveu sua infância na capital, cidade litorânea, que avançava em sua urbanização.
Despede-se do RN em 1931 (tinha então 12 anos de idade), para residir e estudar nos
estados de Pernambuco (PE), Rio de Janeiro (RJ), e Minas Gerais (MG), onde forma-se
na Escola Superior de Agricultura de Lavras,355 em 1940. Trabalhou e administrou
grandes fazendas e colônias agrícolas no RN, RJ e Maranhão (MA). Em 1955, Oswaldo
Lamartine ingressa no Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e vai para Fortaleza/CE,
sendo transferido para o BNB no Rio de Janeiro, em 1957 – no qual se aposentará em
1979. Viverá no Rio de Janeiro até 1996, quando volta em definitivo para o RN, à Fazenda
Acauã, situada na região Agreste. Em 2001 toma posse na Academia Norte-Rio-
Grandense de Letras (ANRL), e em 2005 recebe o título de doutor honoris causa pela
355 “Para essa escola iriam vários filhos de cotonicultores mais afortunados” (MACÊDO, 2012, p. 202).
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SERTÕES DO SERIDÓ
A obra principal sobre a qual realizo minha leitura é a coletânea Sertões do
Seridó, impresso pelo então Centro Gráfico do Senado Federal (1980), reúne cinco
ensaios da autoria de Oswaldo Lamartine de Faria. Sertanista condecorado com o título
de pesquisador emérito pelo Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS),
consagrado com o título de doutor honoris causa pela UFRN, imortalizado na literatura
potiguar pela ANRL, o livro, pode-se dizer, é representativo dos caracteres que marcam
a obra de Oswaldo Lamartine por seus métodos e fontes de pesquisa, estilo narrativo
e saberes orquestrados.
A disposição dos ensaios na coletânea é organizada em ordem cronológica
decrescente – entenda-se do mais atual ao mais antigo. O primeiro, Açudes dos sertões
do Seridó, foi publicado inicialmente em Natal, no ano de 1978, pela Fundação José
Augusto, descreve evolução das práticas de açudagem e como ela aponta para uma vida
de fertilidade. O segundo ensaio, Conservação de alimentos nos sertões do Seridó, foi
publicado pela primeira vez em 1965, na cidade do Recife, editado pelo IJNPS, descreve
técnicas de conservação das culturas alimentares características no Seridó. No terceiro
ensaio, Algumas abelhas dos sertões do Seridó, publicado pela primeira vez em 1964,
editado pelo Instituto de Antropologia da UFRN, escrito em parceria com o sobrinho
Hypérides Lamartine, cataloga a apifauna e descreve usos da apicultura local, além de
denunciar a quase extinção das abelhas no Seridó. Intitulado ABC da pescaria de açudes
no Seridó (IJNPS, 1961), o quarto ensaio explica técnicas e tecnologias da pescaria
empregadas nas ribeiras do Seridó, escrito no gênero abecedário, em prosa. O quinto e
último ensaio é A caça nos sertões do Seridó, inicialmente publicado no ano de 1961,
pelo Serviço de Informação Agrícola do Rio de Janeiro – escrito pelo menos desde o ano
de 1958. Ressalta a caça nos sertões do Seridó como necessária aos fazendeiros em
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espaço sertanejo, pois este é pensado como lugar de tradição: é a sifilização de que
falava Gilberto Freyre. É que os valores são outros (OSWALDO, 2015, 27 min).
Em Cartas e cartões de Oswaldo Lamartine, Veríssimo de Melo apresenta um
texto lido por Oswaldo Lamartine pelo telefone, em 1977, para o prefeito de Acari,
Silvino Bezerra (Bigodão), quando da inauguração do DDD para aquela cidade. Neste
texto o autor deseja que os acarienses “falem com os 4 aceiros do mundo, mas
guardem, religiosamente, o mundo de todos vocês” (MELO, 1995, p. 69), e ao descrever
esse mundo que seria de todos os acarienses cita um par de ‘homens de outrora’ que,
não por acaso, são seus parentes e representantes daquela oligarquia decaída da qual
faz parte. Dentre eles estão:
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Porém, essas permanências, por si só, surtem pouco efeito, elas precisam ser
subjetivadas. O sertão de nunca mais, o velho sertão, o sertão primitivo, todos aqueles
distantes sertões, são apropriados na memória dos mais velhos, nos versos de um
folheto de cordel, na aproximação afetiva com a ‘literatura regionalista’, nos
provérbios, enfim, pelo agenciamento de recursos textuais, afetos e sensibilidades
reelaborados pela narrativa do autor e fixados em seu próprio presente.
356Para as distâncias mais pequenas, de poucas braças – arremates ou carreto de pedras – de comum
se valiam e ainda se valem da padiola (FARIA, 1980, p. 30).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta leitura de Sertões do Seridó, com a atenção voltada às singularidades das
temporalidades experimentadas na obra de Oswaldo Lamartine de Faria, pretende-se
ter colocado em discussão um tema que, pelo próprio volume de produções acadêmicas
realizadas até o momento, ainda não encontra-se definido.
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357 O Pe. João Medeiros Filho escreveu “Seridó – séc. XIX: fazendas & livros” (1987) em co-autoria com
Oswaldo Lamartine de Faria.
358 Bebida refrigerante, feita no NE com farinha de arroz ou milho torrado fermentada com açúcar em
potes de barro, e na BA e MG com cascas de abacaxi, pelo mesmo processo (FERREIRA, 1986, p. 94).
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REFERÊNCIAS
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São Paulo: Cortez, 2011.
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145–151, 1995.
CARDOSO, Irene. O passado que não passa: lugares históricos dos testemunhos. In:
VARELLA, Flávia [et al.] (orgs). Tempo presente & usos do passado. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2012. p. 125 – 141.
CASTRO, Marize Lima de. Areia sob os pés da alma: uma leitura da vida e obra de Oswaldo
Lamartine de Faria. 172 fl. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Linguagem, 2015.
FARIA, Oswaldo Lamartine de. Sertões do Seridó. Brasília: Senado Federal [Centro Gráfico],
1980.
______. E adonde era sombra se fez sol E adonde era solo se fez chão...: Notas de
carregação para uma aula na ESAM em 1969, desengavetada em 1974. Mossoró: Coleção
Mossoroense, 1987.
______. Ferro de Ribeiras do Rio Grande do Norte. Natal: Sebo Vermelho, 2009.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1986.
LAMARTINE, Juvenal. Velhos costumes do meu sertão. Natal: Fundação José Augusto,
1965.
MEDEIROS FILHO, João; FARIA, Oswaldo Lamartine de. Seridó – séc. XIX: fazendas & livros.
Rio de Janeiro: FOMAPE Editora, 1987.
MEDEIROS NETA, Olivia Morais de. Ser(Tão) Seridó: em suas cartografias espaciais. 120 fl.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em História, 2007.
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MELO, Veríssimo de. Cartas e cartões de Oswaldo Lamartine. Natal: Fundação José
Augusto, 1995.
MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à História do Rio Grande do Norte. 3.ed. Natal:
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SCHAMA, Simon. Introdução. In: ______. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das
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359Graduada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Ceres Caicó.
Estudante do Programa de pós - graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.
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quantidades essa atração pelo meio natural. Uma amostra disso se encontra em
Sertões do Seridó (1980) onde ele fala:
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no ambiente cultural de sua época. Ele faz parte de uma família tradicional seu pai
Juvenal Lamartine (1874-1956) foi um político oriundo de Serra Negra do Norte um dos
municípios da microrregião do Seridó que desenvolveu carreira nas primeiras décadas
do século XX durante o final da República Velha em um contexto de grandes
modificações políticas e sociais. Ocupando vários cargos políticos, desde 1906 em 1930
Lamartine se põe do lado de Washington Luís e quando tem início a revolução ele é
retirado do posto de governador e forçado a se exilar na Europa360 de onde só retorna
em 1944.
Sendo um dos dez filhos do governador deposto, Lamartine se vê sem o pai. A
partir de 1929 estuda em colégios internos primeiro no Recife e posteriormente no Rio
de Janeiro. Sua formação superior inclui o curso na Escola Superior de agronomia de
Lavras em Minas Gerais, de onde retorna em 1941, após a conclusão do curso e vai
ajudar o pai, que retornou do exilio, na administração da fazenda Lagoa Nova em São
Paulo do Potengi permanecendo nesse lugar até 1948. Durante sua vida profissional
trabalhará como administrador no Núcleo Agrícola de Pium, de 1954 até 1955, e no
Serviço de Colonização do Ministério da Agricultura em Barra da Corda Maranhão de
1951 a 1952. Deve-se acrescentar ainda que durante muitos anos foi funcionário do
Banco do Nordeste sediado no Rio de Janeiro, período que dura de 1957 a 1978. Mesmo
estando tanto tempo afastado ele frequentemente visitava sua terra natal fazendo isso
em seus períodos de férias, tanto na sua faze escolar quanto na de trabalho.
Lamartine nasceu no início do século XX e presenciou uma série de modificações
no Brasil e sobretudo no Nordeste. Albuquerque Junior (2009) analisando o próprio
processo de invenção discursiva dessa territorialidade discute que o Sertão nordestino
por ter a característica de interior de afastado da civilização surge como o espaço da
essência ou da alma nacional bem como do verdadeiro brasileiro. Temos ai um processo
de construção em que o Sertão é colocado, por suas elites econômicas, como um
contraponto a identidade cosmopolita ou moderna identificada com o litoral.
O clima intelectual em que Lamartine cresceu fui muito marcado pelo
movimento folclorista que, conforme mostra Albuquerque Junior (2013), teve um
360 Os relatos da
fuga de Juvenal Lamartine podem ser encontrados tanto no livro Do sindicato ao Catete:
Memorias políticas e confissões humanas (1966) de João Café Filho, quanto no livro Em alpendres d’
Acauã: Conversa com Oswaldo Lamartine de Faria (2001). Encontramos nestes livros visões distintas
sobre o acontecimento, sendo o primeiro escrito por um inimigo político de Juvenal Lamartine e o outro
por seu filho.
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361 Luís da Câmara Cascudo foi um grande amigo de Oswaldo Lamartine. No livro De Cascudo para
Oswaldo publicado 2005 foram reunidas correspondências endereçadas por Cascudo a Lamartine nas
quais podemos observar uma constante troca de informações e referências sobre o folclore e a história
potiguar.
362 No livro Em Alpendres de Acauã: Uma conversa com Oswaldo Lamartine de Faria quando ele cita os
livros mais significativos de sua vida aparecem entre eles, Terra do Sol de Gustavo Barroso, Paisagens
da Seca de Mauro Mota e Vaqueiros e cantadores de Luís da Camara Câscudo.
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Lamartine. Farias (2007) define a saudade como uma das principais características do
romantismo e muito mais presente em Cassimiro a quem define como o poeta da
saudade.
Essa saudade lhe acompanhará durante todo o seu percurso como escritor,
podemos dizer inclusive que, a saudade é o grande motivador de sua escrita já que é no
período no qual se encontra mais distanciado do Sertão que ele começa a escrever e
pesquisar sobre ele363. Assim como Cassimiro que vivendo em Portugal escreve seu
livro As primaveras (1859) tendo em mente o Brasil, Oswaldo se via como uma espécie
de exilado no Rio de Janeiro que escreveu seus livros com o pensamento focado no
Sertão.
Por falar em Sertão é interessante notar como ele constrói esse espaço. Ao
contrário das descrições convencionais que definem a paisagem sertaneja com
pinceladas de sofrimento e dor, a abordagem de Lamartine é a de um Seridó leitoso e
hídrico. Suas brincadeiras são quase todas na água. Água boa e limpa dos açudes que
vai venerar em seu ensaio Os Açudes dos Sertões do Seridó (1978). Isso se deve talvez
pela posição ocupada por seu pai dentro da hierarquia social daquela época uma vez
que além de político, Juvenal Lamartine também era proprietário rural e pecuarista. A
visão sobre o Seridó seco, pedregoso vai aparecer posteriormente em suas obras.
Com relação a sua infância urbana vivida no número 431 da avenida Rodrigues
Alves esquina com a rua Trairi Lamartine esboça o cenário da seguinte forma:
363Lamartine publica seu primeiro estudo sobre o Sertão intitulado Notas sobre a pescaria de açudes no
Seridó (1950).
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Essa infância urbana narrada por Lamartine apresenta uma cidade que ainda
apresenta traços do mundo rural entre eles os sítios onde se pode recolher frutas. Era
uma época em que não existiam tantos muros, onde as crianças tinham plena liberdade
de vivenciar vários espaços desbravando os bairros em diversos tipos de brincadeiras
coletivas que ele cita em múltiplos exemplos.
Ao analisarmos essas duas passagens podemos perceber claramente como se
dá a perspectiva espacial da criança. Sobre isto Yi – fu Tuan (1980) salienta que ao
contrário do adulto a criança tem uma capacidade de percepção dos espaços muito mais
aguçada. Ela não se preocupa tanto com a estética dos lugares mas com as sensações
que estes podem lhe proporcionar através dos sentidos do tato, olfato e paladar. Além
do mais, a criança não está tão ligada as regras e postulados sociais tendo uma maior
liberdade para explorar. Mesmo que a medida que cresce ela seja moldada pelo
imperativo dos pais a se conter.
Na experiência de Lamartine estas atitudes se revelam com bastante clareza.
Tanto no Seridó quanto em Natal suas memorias revelam uma infância a céu aberto em
que o interior da casa não é recordado. Outro ponto notável é como o movimento é
frequentemente mencionado nessas lembranças, são meninos que estão sempre
correndo, andando ou nadando. O ato de apanhar frutas direto do pé nos mostra
também essa forte relação com o meio, nela participam o tato no contato com a planta,
o cheiro da fruta fresca e o paladar do seu gosto. Ao empinar pipas eles também tomam
consciência da amplitude do espaço acima de suas cabeças. Foi dessa maneira,
explorando a terra, a água e o ar que Lamartine passou sua infância, um bicho solto
como gostava de se denominar.
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convive com Pedro Ourives, Zé Lourenço, Chico Julião, Bonato Liberato Dantas e Olinto
Ignácio todos eles grandes mestres de ofício que serviram de professores para o jovem
Lamartine nas artes da pesca, caça, encouramento, entre outras. Para ilustrar essa
relação citemos Lamartine:
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burocráticos pode parecer um tanto estranho, entretanto nesta época ele já havia
constituído família e precisava da estabilidade que uma carreira poderia proporcionar.
Os anos que passa como bancário serão muito importantes para definir em
muitos aspectos a sua personalidade saudosista. Vejamos o que Lamartine fala sobre
esse período.
E uma forma de orar para quem não sabe rezar com palavras. Veja que
a gente fica de joelhos para plantar. Em Itaipava/ RJ, onde tive um lenço
de chão, plantei árvores em homenagem aos meus mortos. E ainda hoje
daqui dessas lonjuras, sou capaz de identificar cada uma. Sei onde está
o pé – de – sibipiruna de meu pai, os angicos de minha mãe e Terezinha
(minha babá), o ipê amarelo de Hélio Galvão. Arsênio Pimentel e Erica
filha dele, Isadora e Lucy em araucária. Zila Mamede, Luís Tavares,
Leonardo, Zé Gonçalves e Armando Viana, pinus elioti e thaeda.
Guilherme Azevedo em bordão – de – velho, José Braz em piquiá o Cego
Lula (Luiz Maranhão Filho) em pinho de Riga além dos irmãos e tantos
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Sabemos que as arvores tem sido símbolos muito fecundos ao longo do tempo
em variadas culturas. Shama (1996) salienta seu uso como representantes de uma
identidade nacional e cita o caso das sequoias americanas que através de sua
longevidade e grande porte estariam ali desde muito antes do Mayflower a anunciar o
destino manifesto do povo estadunidense, tais plantas serviram de tema para muitos
de seus grandes paisagistas. Mais além de identidades nacionais, arvores tem sido
usada em muitas religiões como no Cristianismo com sua arvore da vida e arvore do
conhecimento. Dentro da iconografia cristã abundam imagens de arvores significando
a ressurreição de cristo como a oliveira.
As arvores plantadas pelas mãos de Lamartine podem ser neste caso símbolos
de memória daqueles que se foram ou até mesmo uma forma de unir essa memória a
terra e torna-la fisicamente permanente, literalmente enraizada na terra.
Certa vez Tacito Costa disse em reportagem da revista Preá:
E de fato tudo o que vimos até agora nos mostra isso, a força dessa ligação com
a terra natal e o poder das lembranças. Tuan salienta isto como um dos estados mais
avançados da topofilia quando homem personifica seu lugar especial tanto pela força
das lembranças quanto pelas marcas deixadas em seu corpo.
O retorno ao Rio Grande do Norte se dá em circunstancias dolorosas após a
morte de sua segunda esposa Maria de Lourdes Leão Veloso (1917 – 1995). Depois de
tamanha perda sua volta é inevitável. O lugar escolhido foi a fazenda Acauã município
de Riachuelo no sopé da Serra dos Macacos. Lá ele pode novamente desfrutar de uma
vida simples e em suas palavras “lamber suas feridas”. Será o começo de uma vida
ascética quase monacal na solidão quase total quebrada apenas pela presença de seu
fiel cachorro Parrudo e por visitas de amigos e familiares. Lá ele permanecerá como
descreve Vivente Serejo:
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CONCLUSÃO
Neste trabalho procuramos explorar aspectos da relação entre o escritor
Oswaldo Lamartine de Faria e alguns dos espaços onde viveu no decorrer de sua vida.
Com intuito seguimos o conceito de topofilia apresentado por Yi – fu Tuan como as
relações afetivas entre o homem e o meio ambiente que o rodeia sendo estas
escalonadas da simples apreciação visual até a noção de formar com a natureza um
todo indivisível.
Tomando esta premissa seguimos para a infância de Lamartine metade urbana
metade rural e vislumbramos como as relações espaciais que ele teve quando pequeno
lhes proporcionou um forte apego ao espaço do Seridó enquanto terra de suas origens
familiares.
Posteriormente mostramos sua vivencia como administrador rural e de que
forma a convivência com homens de oficio das mais variadas artes manuais e técnicas
tradicionais lhe fascinou. Foram anos de muita experiência que depois pode ser
transformada em livros.
Por fim tivemos sua longa estada no Rio de Janeiro, anos de muita saudade da
terra natal que ajudaram a moldar sua personalidade e estilo. Tempo também de
muitas leituras em horas e horas passadas entre os livros dos sebos cariocas reunindo
se alimentando das palavras de grandes escritores. E no final o retorno ao chão natal
machucado pela perda.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 4ª ed.
Recife: FJN; Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2009.
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A feira dos mitos: A fabricação do folclore
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Simpósio Temático 7
CULTURA E ESPAÇOS
DE PODER NO MUNDO ANTIGO
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INTRODUÇÃO
Quando se tem em mente a pesquisa ou até mesmo a história propriamente dita
sobre Roma, a primeira imagem que nos vem à mente é o ideal arquetípico de seu
império. Tal qual semeou sua influência sobre os governos imperiais que seguiram após
a Antiguidade Clássica – um modelo de governo baseado no discurso de dominação;
regado à concessão de títulos e cidadania, símbolos legitimando a autoridade do
governador e a expansão territorial. Então, essa noção do império avançou pela história
europeia, permeando as discussões contemporâneas sobre o fenômeno do
imperialismo através do tempo, associando-se aos modelos da contemporaneidade365.
Não obstante, pensar o nosso enfoque temático, sendo este a instauração do
Principado Augustano (27 a.C – 14 d.C) e a estruturação sociopolítica e econômica de
formação do Imperium 366, apresenta uma necessidade de se discorrer criticamente as
principais questões-problemáticas que culminaram na derradeira queda do sistema
republicano, a Res publica. Um modelo de governo baseado no bem público, regido por
uma legislação muito bem articulada, sendo assim, a soberania das leis (o comando
divino) sobre os homens. No qual, em teoria, certificaria que nenhum indivíduo estaria
acima dos outros. Porém, a legislação estava a comando dos magistrados, conclui-se
então que esta seria o domínio das oligarquias senatoriais perante a sociedade romana.
A decadência do modelo republicano estaria imbricada diretamente a nova
realidade do domínio espacial do Império Romano no Mediterrâneo. A expansão,
juntamente com as integrações provinciais, resultou em um novo contingente de
relações sociais, econômicas e culturais; levando Roma, assim como aponta Norma
Musco Mendes (2006), a se transformar “(...) numa Cosmópolis ultrapassando os
364 Graduando em História (Licenciatura) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
campus Caicó – CERES.
365 Uma discussão muito válida sobre a nova ordem mundial e os fenômenos imperialistas no mundo
contemporâneo pode ser vista nas obras de Paulo G. Fagundes & Cristina Soreanu Pacequilo (2009); Shu
Changsheng (2009); Francisco Carlos Teixeira da Silva (2009); e Maurício Parada (2009).
366 Sendo que este no governo imperial de Augusto, de acordo com Greg Woolf (2017), adquiriu o
significado de “território total dominado por Roma”, ou seja, o termo “(...) proclamava a hegemonia
mundial e deixava claro que os Estados aliados e os inimigos derrotados estavam totalmente sujeitos ao
comando de Roma.” (WOOLF, 2017, p. 43).
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de reformas agrárias dos irmãos Tibério e Caio Graco (132 – 123 a.C), intensificando-se com a eclosão das
Guerras Civis do século I a.C.
369 Vide os trabalhos de Norma Musco Mendes (1998).
370 Este seria então o marido de Cleópatra, e sua aniquilação representaria simbolicamente a erradicação
da ameaça oriental ao poderio romano. Concretizando Augusto como defensor da soberania da sociedade
romana ocidental.
371 Construindo a imagem de restaurador do mos maiorum, o costume dos ancestrais.
372 Claudia Beltrão, ao trabalhar os principais aspectos envolvendo a religião romana, afirma que:
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claros, mas o significado geral é: uma vez que detentor do poder religioso é o mesmo indivíduo que
mantem o controle político do novo regime do Império (...)” (BELTRÃO, 2006, p. 147).
373 O presente trabalho trabalhará o desenvolvimento destes conceitos, entretanto, adiantando uma
discussão acadêmica – para aqueles que querem aprofundar-se ainda mais – entre especialistas no
assunto, os “progressistas” do pensamento pós-colonial aplicado a História Antiga, temos a Norma
Musco Mendes (2007); Norberto Luiz Guarinello (2010); e Rafael Scopacasa (2015).
374 Classificado por Regina Maria da Cunha Bustamante (2006), ao abordar os contatos étnicos entre
romanos e norte-africanos, como conceito representando uma ideologia elitista. Colocando Roma ao
centro de todo o processo de expansão colonial e os povos anexados apenas a serviço do império. Mas a
autora discutirá a expansão como um “diálogo entre os poderes imperiais e locais das províncias
africanas”, visando o benefício mútuo entre ambas as partes através de acordos burocráticos e políticos.
(BUSTAMANTE, 2006).
375 Essa data marca uma ruptura no pensamento das ciências centradas nas humanidades, teremos a
partir daí o início dos processos de descolonização da África e Ásia, colocando-os como motores de sua
própria produção historiográfica e mais uma quebra ao temido eurocentrismo. Assim como o
recenseamento destas enquanto áreas de contato com Roma. (GUARINELLO, 2010).
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376Pensado na cultura romana como um assentamento intrinsecamente ligado ao meio urbano (URNS)
e rural (AGER), na qual era independente e soberana em relação aos seus indivíduos e bens, além de ser
cunhada na religião e nas leis. Em suma, pode ser classificava como uma união de um determinado
número de homens associados por consenso, no direito e na concordância dos interesses coletivos.
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377 Este apesar de não apresentar uma grande fama como chefe militar, assim como aponta Norma
Musco Mendes (2006), impulsionou sua fama estrategicamente como vingador da morte de seu pai
adotivo Júlio César, aliando-se a figuras influentes dentro da corte senatorial – cita-se Cícero –, para
ganho de apoio ao seu mandato.
378 O mais proeminente cidadão do Estado. A ele caberia à liderança e o status de exemplo perante a
as manobras políticas de Augusto, que o mesmo “(...) buscou no controle da religião formas de expressar
poder e interconectar-se com todas as camadas sociais, como vemos nas moedas, inscrições epigráficas
e literatura (...)” (CAMPOS, 2017, p. 13).
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381 Na presente análise aqui contida, serão analisados alguns dos feitos de Augusto para validação e
popularização de seu governo por meio da prerrogativa das produções artísticas e literárias de seu
governo.
382 O engrandecimento de Augusto era visto como necessário para retorno da ordem e estabilidade do
novo sistema.
383 Trabalho o conceito de mundo Greco-romano pensando a formação mesclada entre os povos gregos
e romanos, estando estes conectados pelo Mediterrâneo. Pensando a forte presença helênica na
formação de Roma.
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384ALFOLDY, Géza. História Social de Roma. Lisboa: Editorial Presença, 2009, p.116.
385Os principais cultos no Império Romano eram destinados a Tríade capitolina (Júpiter, Juno e Minerva).
E na Eneida, o próprio Júpiter estabelece a relação entre Enéias e a família do Príncipe Augusto.
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Ramo arqueológico que utiliza de diferentes opções de fontes para além das escritas, as encarando
387
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388 Nesse sentido, acima de tudo teremos os Deuses, depois os mais velhos e, em fim, a família.
389 Não obstante, “Os summi viri eram representações dos homens valorosos que contribuíram para a
grandiosidade de Roma no passado. As séries de estátuas dos summi viri formavam uma espécie de hall
da fama dos valores nacionais, um monumento que visava ensinar aos visitantes os memoráveis feitos
dos grandes romanos do passado” (BORGES & PIRES, 2016, p. 54).
390 Alguns autores responsáveis pela exposição crítica da fundamental importância do ensino e pesquisa
da Antiguidade Clássica no Brasil são, especialmente, Norberto Luiz Guarinello (2006); e Pedro Paulo A.
Funari (1990/1).
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“Tito Lívio, nos livros que chegaram até nós, narra – e louva - a história
da formação de um povo, de contínuos momentos em que a atuação em
prol da comunidade suplanta os mesquinhos interesses particulares,
refletindo-se em última instância em uma força militar irresistível.”
(BASTOS, 2015, p. [2]).
392 A primeira destas renovações seria então a fundação mítica da cidade por Rômulo (753 a.C.), seguida
crise de Roma após a guerra com os gauleses no tempo de Camilo (fins do século IV), e por fim, a sua
refundação por Augusto no Principado.
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Manipulando o passado mítico de Roma para que tivesse lições para o presente,
convergindo com as novas políticas e mudanças395 propostas pelo imperador,
legitimando os atos constitucionais.
Outra formação de Rômulo como ligada a constituição de Roma, é que ele
conquista sua legitimidade através da própria auctoritas. Usada como mais uma forma
por Lívio para estabelecer pontes de conexão com Augusto. Sendo um fator-chave
utilizado pelo imperador dentre suas políticas de governo, principalmente em conexão
com a pietas, valorizando a base familiar que a sociedade romana estava sustentada.
Augusto é visto como um segundo Rômulo396 por refundar os pilares religiosos
identitários da sociedade romana. Paralelamente, como reforço aos fatores citados,
393 As associações entre Rômulo e a família imperial de Augusto estão presentes no Livro I da História
de Roma. (ANTIQUERA, 2014, p. 137).
394 Os elementos descritivos do personagem mítico de Rômulo frisam sua luta em reconstruir um reino
novo enquanto sobrevivente da destruição de Tróia, mas também, como apoiado por Júpiter,
impulsionando divinização.
395 Expressivamente relacionando-se com as relações entre o monarca e os senadores.
396 Juliana Bastos Marques, ao abordar a narrativa de Tito Lívio apresenta que “(...) alguns senadores
tinham mesmo sugerido a Otaviano a adoção oficial de "Rômulo" como título, mas o nome "Augusto" foi
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coube ao Principado augustano o reforço aos cultos de deuses que antes caíram em
desuso e a reconstrução de templos para diversas divindades.
Marco Furio Camilo, senador romano que viveu em meados do século IV,
também é fortemente associado a Augusto. Na regência de Camilo, segundo relatos
presentes nas produções de Tito Lívio, ele foi responsável pela restituição de Roma
após o saque dos gauleses no IV século. O mesmo tem uma presença fortemente
enaltecida na História de Roma, ao realizar um discurso calcado na pietas e fides sobre
a importância simbólica e espacial da cidade-Estado romana, impedindo seu povo de
abandona-la para emigração destinada a Veios397.
Roma não deveria ser abandonada por ser a localidade de moradia dos
Deuses398, sendo a manutenção e retomada do culto aos deuses pagãos que fez com
que os romanos obtivessem a vitória contra os gauleses399. Estar presente e viver
fisicamente em Roma, na presença dos Deuses que lá moravam são encarados como
uma condição sine qua non para a identidade romana.
Camilo realizou seu discurso resgatando a herança troiana como um modelo
abstrato, quebrando o ciclo de destruição das cidades, não fazendo com que Roma
transformasse-se na nova Tróia caída. Não obstante, Roma seria metaforicamente a
Tróia que triunfou sobre os gregos.
Adentro minha análise citando que Augusto também é muitas vezes associado a
Camilo em Ab urbe condita por ambos serem considerados refundadores de Roma. Em
suma, Otaviano pode ser visto na documentação ligada a Camilo porque sua conquista
também se deu frente a um contexto de invasões das Guerras Civis. Então, Bastos
(2004), apresenta que “Se Camilo derrotou os gauleses, Augusto derrota na guerra civil
as forças de Marco Antônio e Cleópatra, que tinham uma forte tendência
orientalizante.” (BASTOS, 2004, p. 9).
Por fim, percebemos com Laurence Bardin (1997) como a estruturação desse
discurso paralelamente a arte da retórica se deu como fator crucial utilizado por
escolhido pelo seu aspecto religioso e de dignidade em relação a santuários e locais consagrados pelos
áugures. Mas os dois nomes ainda estão interligados, quando vemos que Augusto aparece como um
segundo Rômulo no sentido de refundar os pilares religiosos que definiam a identidade própria dos
romanos.” (BASTOS, 2004, p. 435).
397 Importante mencionar que Camilo também liderou expedições militares para a conquista de Veios.
398 Presença dos templos do Capitólio.
399 Podemos concluir então que, a destituição que os romanos sofreram com o ataque gaulês a pólis
seria uma punição divina pelo descaso da tradição e dos costumes perante o culto dos deuses.
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400Vemos aqui como um mito fundador constitui a imagem de um povo. A grandiosidade da fundação da
etnia aqui discutida manterá um discurso de legitimação e construção ideológica de uma cultura.
Augusto apega-se as crenças da sociedade romana, juntamente a seu discurso ufanista para concretizar-
se como continuador do destino glorioso a qual Roma teria sido criada.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo das especialidades relacionadas ao Império Romano põe em prática
discussões cunhadas em perspectivas ligadas a identidade, cultura e poder. A expansão
401Mendes cita que “Os senado consultas continuavam sendo as fontes essenciais do direito, porém era
decisiva a intervenção imperial. Entretanto, na medida em que o poder imperial se fortalecia, a fonte
primordial de direito passou a ser representada pelo príncipe. Ou melhor, passou a ser relacionada à
vontade do imperador” (MENDES, 2006, p. 35).
402 A base de estruturação do discurso seria então: O modo [demonstrar como a proposição concorda
com a natureza das coisas]; e os caminhos [ser direto em suas proposições, com argumentações válidas].
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403Claude Lepelley (2016) apresenta fortes argumentos para explicar as empreitadas de exploração da
África do Norte por ações imperialistas, legitimadas pela máscara de “retomada das descendências
romanas” que as potências citadas alegavam possuir.
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404Conceito criado no final do século XIX, a início do século XX que classifica o processo de contato entre
romanos e os povos do mediterrâneo.
405 Estudos sobre a temática em questão, dita esta barbárie versus civilização, são feitos pelo
pesquisador Tvetan Todorov (2010), dita essa distinção sempre pelo dominador; o qual sempre alega que
é superior ao dominado. Temos que pensar o norteamento dessa dicotomia a partir do sentido
etnocêntrico da cultura dominadora, que recenseia tudo aquilo que o outro é a partir do que não tem em
comum com o explorador.
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Finalizando, não podemos ter uma “visão geral” do imperialismo romano, porque
mesmo que o Tito Lívio tenha se predisposto a contar a História geral de Roma e tenha
apresentado as discussões entre as elites no poder e controle da expansão romana,
ainda é pelo local de fala e realidade do mesmo. Com fins muito bem recortados.
Podendo assim, nos fornecer uma visão da “Roma de Tito Lívio” e o porquê de sua
construção.
Pensando a realidade do Mediterrâneo como uma confluência de realidades
distintas que formaram a diversidade espacial, sendo assim,
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INTRODUÇÃO
Este trabalho é resultado do desenvolvimento do projeto de pesquisa intitulado
"Pedras, Letras e Memórias: a cultura material e o estudo das elites provinciais
romanas", coordenado pela professora Drª Airan dos Santos Borges de Oliveira do DHC
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, campus Ceres – Caicó e está
vinculado ao Laboratório de História e Práticas de Pesquisa (LHCP).
O objetivo central do projeto de pesquisa supracitado consistiu em analisar o
fenômeno imperialista romano a partir da perspectiva provincial, isto é, enfatizando as
relações entre as áreas anexadas ao Império, transformadas em províncias, e o centro
imperial, a cidade de Roma. Nesse sentido, optamos por centrar nossos estudos na
província de Lusitânia, localizada na Península Ibérica, entre os séculos I e II d.C., período
em que, de acordo com os dados arqueológicos, formou-se a chamada ‘sociedade
provincial’ – fruto das interações entre as populações locais e os colonos italianos.
Para isso, catalogamos e inventariamos epígrafes funerárias encontradas na cidade de
Mérida (atual território espanhol e que foi a cidade de Augusta Emérita no período
augustano) a partir do catálogo virtual Hispânia Epigraphica Online Database408 e
desenvolvemos um catálogo específico para onde as epígrafes foram destinadas.
Em relação à documentação, escolhemos a cultura material produzida nos
espaços provinciais, sobretudo, a Epigrafia. De acordo com José d’Encarnação (2010, p.
17) “epigrafia é a escrita (grafia) sobre (epi) determinado suporte”. Os textos
epigráficos poderiam ter as seguintes tipologias: funerárias, honoríficas, votivas,
administrativas e jurídicas. Assim, a escrita poderia indicar informações que deveriam
ser perenizadas (dados biográficos dos mortos, acordos políticos, dados
administrativos, dedicações aos deuses, etc.).
406 Aluno de graduação em História e bolsista de Iniciação científica (PIBIC), Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Ceres – campus Caicó. E-mail: mxtheux@gmail.com.
407 Professora de História no Departamento de História do Ceres (DHC), UFRN, Ceres, campus Caicó. E-
mail: borgesairan@gmail.com
408 Disponível em: http://eda-bea.es/ acesso em 08/08/18, às 18h25min
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409Imagem retirada da obra de WATTEL, O. Petit atlas historique de I’Antiquité. Paris: Armand Colin,
1998, p. 61.
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Depois dessa reorganização, a província da Lusitânia passou a ser uma das três
áreas centrais para a administração da Península Ibérica, recebendo a fundação de
várias cidades e a ressignificação de cidades que já existiam (e que passaram a ser
administradas de acordo com as leis romanas). Devido a sua localização estratégica
(mantinha contato com o mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico), constitui-se em uma
área de intenso comércio e foi palco de relações políticas, religiosas e sociais entre as
cidades que a conformaram, conjuntamente com as demais províncias e entre Roma.
Nesse contexto, a cidade de Augusta Emérita foi fundada em 25 a.C. por Otávio
Augusto para ser a capital administrativa da província da Lusitânia e para centralizar as
relações entre os povos locais e os romanos daquela região. Isso ocorreu dentro da
reorganização administrativa e urbana feita pelo Princeps na tentativa de unificar a
administração local, uma vez que a diversidade cultural e social estava fortemente
presente neste território e Augusto queria consolidar a dominação romana nessa
também nessa localidade.
Tendo em vista este contexto, nos dedicaremos ao estudo da sociedade
provincial através das epígrafes funerárias encontradas na cidade de Augusta Emérita,
com a finalidade de examinarmos a formação desta sociedade provincial. Em linhas
gerais, as epígrafes funerárias se caracterizam pela forma jurídica Hic Situs Est Siti Tibi
Terra Levis que significa “Aqui jaz, que a terra te seja leve” e tinham como o objetivo
identificar o morto, localizando-o em suas relações familiares, além de apresentar toda
a trajetória que percorreram em vida (tais como os cargos políticos desempenhados, as
atividades econômicas e profissionais, as relações pessoais e religiosas).
Sobre isso, Helena de Carvalho (1992, p. 28 – 35), ressalta que as inscrições
serviam como pequenas bibliografias dos mortos nas quais eram representadas as
suas relações nos diversos meios da sociedade seja ele religioso, jurídico ou político.
Além disso, também localizavam o local em que o morto estava enterrado para que este
recebesse as cerimônias religiosas ligadas ao culto à memória dos mortos.
A partir dos dados apresentados pelos monumentos fúnebres e suas epígrafes,
podemos identificar detalhes sobre a composição social das cidades provinciais, como
aconteciam as diversas relações entre os grupos sociais locais e suas interações com
grupos de outras regiões do Império. Assim, a cultura material nos auxiliará a mapear
as relações entre os diversos agentes envolvidos na dinâmica cotidiana local e
provincial. Dessa maneira, os estudos de Helena de Carvalho (1992, p. 39 – 44) e de José
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Remesal Rodríguez (2016, p. 27 – 31) demonstram que a cultura material tem grande
importância na construção de novas teorias que valorizam a atuação ativa desses povos
na construção de sua sociedade e apontam como a epigrafia funerária contribui para
que possamos entender, de certa maneira, como aconteciam as relações entre os
indivíduos.Dessa maneira, com a discussão feita por Remesal (2016) podemos
identificar que as práticas funerárias romanas foram disseminadas, na medida em que
Roma entrava em contato com as diversas áreas.
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Gráfico 1 – Disposição gráfica das epígrafes funerárias na província da Lusitânia. Gráfico elaborado por Airan
dos Santos Borges de Oliveira em maio de 2018.
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410 Gráfico gerado a partir do catálogo do Access elaborado por Airan dos Santos Borges.
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Material: Mármore.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em vias de conclusão, de acordo com o que já foi apresentado anteriormente,
podemos identificar que as diversas etapas da conquista romana na Península Ibérica
foram caracterizadas pelas divisões deste território em províncias, a saber: Hispânia
Ulterior e Hispânia Citerior até o século I a. C. e, após a instituição do principado de
Otávio Augusto em 27 a.C., Tarraconense, Bética e Lusitânia.
O maior objetivo da reorganização das províncias por Otávio foi a tentativa de
unificação administrativa, política e jurídica para a consolidação do domínio romano nas
novas áreas em contato com o Império. Entretanto, como Airan Borges (2014, p. 79) e
Vasco Gil Mantas (2004, p. 75), essa reorganização administrativa tinha caráter único,
mas não compreendia toda a diversidade existente na província, pois, os povos
autóctones da península possuíam as suas organizações estabelecidas antes dos
contatos com Roma. Desse modo, a diversidade local mesmo sendo negligenciada pelo
centro imperial, que queria consolidar o seu domínio também nesta área da Lusitânia,
conseguiu resistir a completa dominação romana. Assim, Mantas (2004, p. 75) e Borges
(2014, p. 78) consideram que a consolidação administrativa feita por Augusto
caracterizou-se como uma construção artificial, pois não compreendia toda a
diversidade e a realidade das populações locais.
O que podemos concluir, a partir das discussões de Mantas (2004, p. 75 – 77) e
Borges (2014, p. 79) é que a reorganização provincial por Augusto em 27 a.C. levou para
Península Ibérica novas culturas e isso intensificou o contato entre traços identitários
romanos, mediterrânicos, locais e indígenas. É por isso que podemos compreender a
formação da sociedade provincial a partir dessas interações entre as populações locais
e os romanos, mas não podemos desconsiderar o fato de que os povos da província da
Lusitânia já possuíam as suas próprias maneiras de viver com administração, política e
organizações próprias.
REFERÊNCIAS
Catálogos Epigráficos
Hispânia Epigraphica Online Database.
Bibliografia Consultada
BORGES, Airan dos Santos. Espaço e poder no principado augustano: a criação da
província da Lusitânia em perspectiva. In: CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa;
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MENDES, N. Romanização: cultura imperial In. Revista Phoînix, Rio de Janeiro, 5: 307-
324, 1999.
WATTEL, O. Petit atlas historique de I’Antiquité. Paris: Armand Colin, 1998, p. 61.
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Simpósio Temático 8
MEMÓRIA, ORALIDADE E HISTÓRIA POLÍTICA
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413 Professor adjunto do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
414 Professor adjunto do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
415 Sobre o conceito de estratégia ver: CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. 1 As artes de fazer.
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417 O termo mandonismo é usado tendo como referência as relações de poder entre as famílias
tradicionais, representado pelo coronel, que atua na sua região com poder de Estado, criando uma
dependência do homem do campo ou da cidade com a sua pessoa. Dessa ação do Coronel nasce o
Mandonismo, o Paternalismo, o Filhotismo. Esses conceitos são trabalhados em obras como
Coronelismo, Enxada e Voto de Victor Nunes Leal, página 41, 3ª edição, 1997 e O Mandonismo na Política
Brasileira e outros Ensaios de Maria Isaura Pereira de Queiró, Rio de Janeiro: Difel, [s.d.p.]. t. III, v. 1, p. 155-
190 e CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão conceitual.
Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n.2, 1997. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000200003#*. Acesso em:
07/ago/2000
418 FERREIRA. Brasília Carlos. O Sindicato do Garrancho – 2 ed. Mossoró-RN: Departamento Estadual de
Imprensa, p. 138-140. (Coleção Mossoroense, Série C; v. 1014); COSTA, Homero. A Insurreição Comunista
de 35: Natal – O primeiro Ato da Tragédia. São Paulo: Editora Ensaio, 1995, p. 69-77; SPINELLI, José
Antônio. Getúlio Vargas e a Oligarquia Potiguar (1930-1935). Natal: Editora da UFRN, 2010, p. 203;
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 1935: sonho e realidade. São Paulo: Expressão
Popular, 2011, p. 247-252.
419 FERREIRA. Brasília Carlos., op. cit, p. 88.
420 Idem, p. 140.
421 FELIPE, José Lacerda Alves. Memória e imaginário político na (re) invenção do lugar: os Rosados e o
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422 Sobre a importância e a função da dimensão ideológica nos partidos políticos ver: BERSTEIN, Serge.
Os partidos. In: REMOND, René (org.). Por uma História Política. 2 ed. trad. Dora Rocha. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2003, p. 57-60.
423 LIRA, Carlos (Org.). Memória Viva de Dix-Huit Rosado. Natal: Editora Universitária da UFRN, 1986. p.
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quanto por ver em Eduardo Gomes uma figura exponencial no cenário político
brasileiro.424
As mudanças de Dix-Huit e, portanto da família, mostram uma postura
reacionária e conservadora, tipicamente dos grupos que buscam os caminhos mais
adequados para ascender ou permanecer no poder. A expectativa da vitória de Eduardo
Gomes para Presidente da República nas eleições de 1945, dava ao grupo uma certa
segurança, quanto ao seu projeto de assumir o controle político da cidade.
O resultado das urnas adia tal projeto, e a oligarquia assiste a ascensão do PSD
local sob a liderança de a liderança de Vicente da Mota Neto, sobrinho do Padre Mota,
que a exemplo das famílias Rosados e Fernandes, havia se filiado a UDN, mas que
aceitara a proposta de liderar o partido situacionista na cidade. Portanto, rompe com
seus aliados tradicionais e passa a apoiar a candidatura do General Eurico Gaspar Dutra
a Presidência da República. Mesmo não conseguindo eleger seu candidato à presidente,
o grupo saiu fortalecido, pois elegeu Dix-Huit Rosado para a Assembleia Legislativa
Estadual e no ano seguinte Vingt Rosado para a Câmara de Vereadores.
Em 1948 começaria o processo que levaria à consolidação do mando rosadista
na política de Mossoró. A campanha de 1948 é marcada por uma grande disputa entre
as elites mossoroenses ligadas à UDN e ao PSD. A candidatura de Jerônimo Dix-Sept
Rosado é apresentada ao povo como a redenção dos problemas da cidade, o
memorialista Hélio Galvão apresentou Dix-Sept como um “jovem empresário, homem
de negócios” que carrega na ancestralidade a dedicação às causas do povo e que foi
convocado do ambiente de sua jazida de gesso para a atividade política.425
A produção do discurso de que os Rosados eram chamados para assumirem as
causas sociais dos mossoroenses se configurou como estratégia política à medida que
os distinguia dos adversários e os eximia da inconstância de seu lugar no jogo político-
partidário do período. Durante a campanha de 1948, a estratégia foi reproduzir o
discurso de mudanças iniciado em 1945 e, da mesma forma como o Brigadeiro Eduardo
Gomes em 1945, Dix-Sept em 1948 surge como o grande nome para salvar Mossoró do
atraso, do conservadorismo, do provincianismo e do isolamento.426
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A boa relação de Dix-Sept com a classe trabalhadora lhe renderá muitos votos,
era hábil, “fez ambiente lá no sindicato, penetrou, político novo, mais experiente, e
conseguiu dominar a classe”.427
Postos na ilegalidade durante o governo Dutra, os comunistas tiveram que se
adaptar às novas circunstâncias.428 Em Mossoró vários militantes do Partido
Comunista lançariam candidaturas a cargos eletivos usando outras siglas, o que
contribuiu para acordos com os partidos mais fortes e com boa estrutura econômica. É
neste contexto que os comunistas seriam cooptados para votarem no candidato da
UDN, não pelo partido, mas pelo candidato.
Assim, como em 1948, na campanha de 1950, na qual se elegeu Governador, Dix-
Sept Rosado usaria a mesma estratégia: discurso de mudanças, populismo, cooptação
e a velha prática do assistencialismo. Dix-Sept Rosado, segundo o sindicalista
Francisco Guilherme, “foi um elemento que se prontificou muito, e disse se o Ministério
do Trabalho fechasse a sede ele arranjaria um local para os trabalhadores se reunirem,
nem que fosse debaixo das árvores”.429
A vitória no pleito municipal, portanto, foi justificada como o triunfo das
“mudanças”, que dentro da prática costumeira das oligarquias significava renovar os
discursos para se adaptar as novas situações. Dessa forma os herdeiros de Jerônimo
Rosado atingem mais um degrau na escalada pelo poder local. Dix-Sept Rosado,
Prefeito; Dix-Huit Rosado, Deputado Estadual e Dix-Sept Rosado e Vingt Rosado
eleitos, respectivamente, prefeito e vereador em 1948.
427 Francisco Guilherme de Souza. Ex-sindicalista e um dos fundadores do Sindicato Salineiros da região
de Mossoró, Grossos e Areia Branca no Estado do Rio Grande do Norte e ex-militante do PCB. Entrevista
concedida no dia 18.10.2000, em sua residência, cito: Av. 13 de maio, s/n, centro, Mossoró/RN.
428 FRANCHETTI, Claudinéa Justino. Propaganda comunista e anticomunista no governo Dutra, entre os
anos de 1948 e 1950. In: Anais do XXVII Simpósio Nacional de História: conhecimento histórico e diálogo
social. Natal, 2013, p. 03.
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1370800534_ARQUIVO_ANPUH-TEXTOANAIS-
ENVIADO.pdf. Acesso em 03 de agosto de 2018; SILVA, Heber Ricardo da. Democracia Ameaçada:
repressão política e a cassação do PCB na transição democrática brasileira (1945-1948). In: Histórica –
Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, n. 39, 2009, p. 01-11.
429 Francisco Guilherme de Souza. Id., 2000.
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430 COSTA, Bruno Balbino Aires da. Mossoró não cabe num livro: Luís da Câmara Cascudo – Historiador
da cidade. João Pessoa: Ideia, 2012, p. 53.
431 COSTA, Bruno Balbino Aires da. O seu incentivador e colaborador maior: Luís da Câmara Cascudo e a
batalha da cultura em Mossoró. In: BALBINO, Bruno; ESTEVAM, Saul (org.). História do Rio Grande do
Norte: novos temas. Natal, RN: EDUFRN, 2014, p. 159; FERNANDES, Paula Rejane. A escrita de si do
intelectual Jerônimo Vingt-un Rosado Maia. Arquivos pessoais e relações de poder na cidade de
Mossoró-RN 1920-2005. Vitória, 2014. 210 f. Tese (Doutorado)- Universidade Federal do Espírito Santo –
Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas, 2014, p. 89-90.
432 FALCÃO, Marcílio Lima. No Labirinto da Memória: fabricação e uso político do passado de Mossoró
pelas famílias Escóssia e Rosado (1902-2002). 2017, 320f. Tese (Doutorado em História Social) –
Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo – USP, 2017.
433 PAIVA NETO, Francisco Fagundes de. Mitologias do “País de Mossoró”. Mossoró: Fundação Vingt-
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434 FELIPE. José Lacerda Alves. A (Re)Invenção do Lugar: Os Rosados e o País de Mossoró. 1 ed. João
Pessoa: Grafset, 2001, p. 84
435 O FUTURO governador do estado. O Mossoroense, Mossoró, 26 jun. 1950, p. 01.
436 Entrevista de Café Filho, então Deputado Federal ao Jornal O Mossoroense em 08 de janeiro de 1950.
437 ALVES apud Revista Dix-Sept Rosado – 90 Anos – 1911-2001 – Suplemento histórico – Jornal de Fato
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O comando ficaria nas mãos de Dix-Huit ou Vingt Rosado, era preciso urgência
na “fabricação” do novo líder que tivesse as características de Dix-Sept, ou seja
representar os interesses da elite local ao mesmo tempo manter uma boa relação com
a classe operária. Foi nessa direção que a campanha para prefeito em 1952, levou mais
uma vez à prefeitura um Rosado, desta vez o vereador Vingt Rosado pela coligação
Aliança Democrática (PR e PSD), o que consolidou a nova reorganização dos Rosado
diante do poder municipal em Mossoró.442
Apresentado como uma referência, tal qual seu irmão Dix-Sept, Vingt Rosado foi
adjetivado por Luís da Câmara Cascudo como um administrador “incansável, fulminante
nas decisões do esforço em que é o primeiro a dar exemplo, olhando com os olhos
limpos e atuais os problemas que devem ser solucionados”.443 No entanto, alguns
depoimentos contrariam a visão de Câmara Cascudo, uma vez que a gestão de Vingt
Rosado foi considerada verdadeiro “fracasso” e a sua política assistencialista
“terminou comprometendo a administração”.444 Para garantir o controle sobre o poder,
comprometia-se a estabilidade financeira da prefeitura, através do empreguismo, como
afirma Antônio Rodrigues de Carvalho, prefeito de Mossoró em duas gestões, 1954 a
1964 e 1969 a 1973. Vingt, por exemplo gostava muito de fazer favor, empregando os
filhos dos correligionários nas repartições públicas que ele exercia influência. E
segundo o Sindicalista José Canário, “como Prefeito Vingt abandona a prefeitura (...) os
funcionários ficaram abandonados, passando fome, porque a prefeitura não tinha
dinheiro para pagar”.445
Essa política assistencialista se contrasta com atitudes repressivas de Vingt
Rosado para conseguir apoio dos trabalhadores. Se Dix-Sept os cooptou através do
financiamento das campanhas de líderes sindicais e práticas assistencialistas, Vingt
usaria outras estratégias para conquistar a direção dos sindicatos, como foi o caso dos
salineiros.
O sindicato dos salineiros sempre se destacou pela crítica às condições vida e
trabalho nas salinas, controlá-lo seria uma estratégia de dominação dos trabalhadores
442 VINGT fala aos mossoroenses. O Mossoroense, Mossoró, 19 out. 1952, p. 01.
443 BRITO, Raimundo Soares de. Legislativo e executivo de Mossoró numa viagem mais que centenária.
Mossoró: ESAM, 1985. (Mossoroense, v. CCLXXXVII).
444 Francisco Guilherme de Souza. Ibid, 2000.
445 Antônio Rodrigues de Carvalho. Prefeito de Mossoró nos períodos de 1958-1964 e 1969-1973
Militante do PTB. Entrevista concedida no dia 10.01.2001 em sua residência à rua Dionizio Filgueira, sn,
Centro, Mossoró/RN
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pelos patrões. As visões sobre a marcante atuação de Vingt na história deste sindicato
são díspares. Para Antônio Rodrigues, “Vingt era muito hábil, sempre teve sua
influência dentro do sindicato, na salina, por exemplo, ele tinha aquele grupo e esse
grupo às vezes brigava até à bala dentro do sindicato, disputando o controle do
sindicato”.446
José Canário – líder sindical e integrante do Partido Comunista -, não
compartilha desse posicionamento sobre Vingt Rosado, uma vez que sua atuação nas
disputas pelo controle do sindicato era marcado por truculências que ia desde à coerção
de sindicalizados a tiroteio na sede do sindicato, como ocorreu durante a disputa no ano
de 1962 entre seu apoiante “José Barbalho e o candidato dos trabalhadores, Joel
Martins”.447
Essa prática política é negada pelos Rosados, que sempre apresentam seus
líderes como verdadeiros democratas e defensores dos interesses de Mossoró e,
justificam que a consolidação do poder da família não teria sido às custas de cooptação,
coerção, muito menos pressão sobre o eleitorado e sim, fruto de uma dedicação da
família à Mossoró, obedecendo às ordens do líder Jerônimo Rosado. Por isso é preciso
o cumprimento do vaticínio e, para que isso ocorra, cada mossoroense tem que se sentir
um Rosado, estar ao lado dos Rosados, numa típica política de parentela. Confirmando-
se assim uma dominação tradicional, através de uma política de clientela. Portanto, a
relação existente entre a oligarquia e o povo, e o que caracteriza este domínio é a troca
de favores e, do povo vem o principal rendimento para a oligarquia que é o eleitoral.
Além destas práticas, os Rosados agiam em conformidade com o governo
federal, buscando estar ao lado dos grupos que estivem no poder, mesmo que para isso
fosse preciso mudar de partido, como já havia ocorrido em outras ocasiões. A relação
entre os Rosados e o poder central pode ser vista através da apropriação das
repartições públicas federais no município, onde exercem total influência na nomeação
dos cargos nos diversos escalões, fortalecendo assim, a prática do empreguismo.
Dessa forma o emprego público vira mercadoria valiosa em época de eleição e coloca
nas mãos da família uma poderosa arma contra àqueles que pretendem um dia chegar
ao comando do município.
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REFERÊNCIAS
BERSTEIN, Serge. Os partidos. In: REMOND, René (org.). Por uma História Política. 2
ed. trad. Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
BRITO, Raimundo Soares de. Legislativo e executivo de Mossoró numa viagem mais
que centenária. Mossoró: ESAM, 1985. (Mossoroense, v. CCLXXXVII).
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. 1 As artes de fazer. 13 ed. trad. Ephraim
Ferreira, Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
COSTA, Bruno Balbino Aires da. Mossoró não cabe num livro: Luís da Câmara Cascudo
– Historiador da cidade. João Pessoa: Ideia, 2012.
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ESTEVAM, Saul (org.). História do Rio Grande do Norte: novos temas. Natal, RN:
EDUFRN, 2014.
FELIPE, José Lacerda Alves. Memória e imaginário político na (re) invenção do lugar:
os Rosados e o “País de Mossoró”. Tese (Doutorado) – UFRJ, Rio de Janeiro, 2000.
GALVÃO, Hélio. Dix-Sept Rosado. Mossoró: Fundação Guimarães Duque, ESAM, 1982.
p. 12. (Coleção Mossoroense, v. CLXXXIX).
MOTTA, Rodrigo Patto Sá (org.). Culturas Políticas na História: novos estudos. 2 ed.
Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2014.
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FONTES
DIÁRIO DO CONRESSO NACIONAL. Pronunciamento do Senador Jerônimo Dix-Huit
Rosado no Senado Federal. 01 set. 1961: Pub. DCN Seção II 02 set. 1961. p. 1901.
ENTREVISTAS
Francisco Guilherme de Souza. Ex-sindicalista e um dos fundadores do Sindicato
Salineiros da região de Mossoró, Grossos e Areia Branca no Estado do Rio Grande do
Norte e ex-militante do PCB. Entrevista concedida no dia 18.10.2000, em sua
residência, cito: Av. 13 de maio, s/n, centro, Mossoró/RN.
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INTRODUÇÃO
Um dos traços que permeiam à identidade indígena na Comunidade do Amarelão
é a relação entre memória e oralidade. A comunidade indígena do Amarelão encontra-
se na cidade de João Câmara, especificamente na zona rural, distante aproximadamente
72,45 km da capital do estado do Rio Grande do Norte. Dentro do Amarelão vivem 280
famílias e ao todo, somam-se 1100 habitantes, um número bastante significativo.
O Amarelão aos poucos foi se ampliando, se estendeu dando origem a outras
comunidades, o Serrote de São Bento e o Assentamento Santa Terezinha, ficam nas
proximidades do Amarelão e também se assumem indígenas. É importante salientar
que o movimento sem terra (MST) esteve presente dentro destes processos, auxiliando
na construção destas outras comunidades e os dando suporte.
O Assentamento Santa Terezinha recebeu esse nome como forma de uma
singela homenagem a Irmã Terezinha Tessele Galles, uma senhora simples que
dedicou boa parte da sua vida a realizar evangelismos no Amarelão e auxiliou os
indígenas a reaverem os seus direitos e lutarem bravamente por eles. Por meio dos
relatos orais de alguns membros da comunidade, compreende-se que a irmã Terezinha
desempenhou um grande papel no Amarelão, se fez presente no campo religioso,
educacional e também no que diz respeito à economia. Sua atuação na comunidade foi
de suma importância, marcou positivamente a vida de muitos “Mendonças”.
Tayse Michele Campos, uma das grandes lideranças do Amarelão e graduanda
no curso de História, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Núcleo
avançado de João Câmara, afirma que o nome “Amarelão surge por causa de um ritual
onde o sol é cultuado. Os Mendonças, eles adoravam ao sol, o deus do nosso povo é o
sol. Eles chamavam de yjuasu que quer dizer amarelo grande, ficou Amarelão”, desta
449 Ambas são Graduandas do curso de Licenciatura em História pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte.
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identitária (Os Mendonça) que remete o grupo a seus antecessores indígenas. (2003,P.
194). Pode-se afirmar que a Comunidade do Amarelão preza bastante pela união em
torno da família.
Diante das pesquisas realizadas dentro do Amarelão e pela História Oral da
comunidade, é notório o fato de que os moradores da comunidade tentam viver
harmonicamente, nutrindo uma relação familiar entre boa parte daqueles que residem
na mesma. Mostram-se dispostos e aptos a lutarem para garantirem os seus direitos
indígenas e na defesa da preservação dos seus traços culturais.
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que, em sua maioria, são típicas da cultura indígena e o grupo de artesanato “Motyrum
Caaçu” que representa a materialização da cultura indígena através da confecção de
utensílios domésticos e de assessórios de uso pessoal.
Vale ressaltar o fato de que mesmo em meio a uma sociedade machista e que
ainda mantem traços de uma imagem negativada em torno da figura feminina, existem
mulheres dispostas a romperem com paradigmas impostos pelo senso comum,
desfazendo-se de ideias cobertas de preconceito e mostraram que o papel da mulher
não se limita somente na função de mãe ou dona de casa. É necessário pensar o “sexo
frágil” na contemporaneidade como símbolo de resistência e identidade. Algo que vai
contrapor ao convencional:
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relatou que a associação existente é liderada por uma mulher e, a pequena cozinha
comunitária é formada somente por senhoras.
Os papeis desempenhados pelas mulheres são bastante significativos dentro do
espaço comunitário, muitas delas lutam para garantirem o direito de todos, também se
fazem presentes dentro do campo educacional, vão possuir cargos de liderança e
promovem diversos movimentos sociais voltados as reinvindicações indígenas. Mesmo
não tendo como cacique uma figura feminina, percebe-se que as mulheres se mantem
presentes no campo político. Possuem voz e a liberdade de opinarem nas decisões
relacionadas a questões do Amarelão, vale ressaltar o fato de que historicamente estes
papeis só eram desempenhados por homens.
Quando se faz uma análise olhando para o passado, fica claro que as mulheres
indígenas e não indígenas para obterem a sua independência, necessitavam passar por
uma infinidade de obstáculos. Essa independência tão desejada era rompida por conta
do casamento, elas tinham que casar precocemente e logo eram mães, algo que foi
visto por muitos e muitos séculos. Questões como estas vão sendo descontruídas ao
longo do tempo e a figura feminina vai ganhando mais autonomia.
O discurso construído que vai retratar que as mulheres são mais engajadas nos
projetos relacionados ao Amarelão, surge no momento em que os homens passam a se
dedicar mais ao trabalho e as mulheres sentem a necessidade de adentrar-se no campo
político. Indo buscar meios que pudessem trazer melhorias para dentro da comunidade,
atualmente, os próprios homens assumem que as mulheres são mais ativas no
Amarelão e que elas são fundamentais para a comunidade. Além de serem as maiores
lideranças, ainda ajudam na organização da comunidade e cuidam de suas famílias.
A maior parte dos homens que se consideram indígenas e residem no Amarelão,
preferem se manter afastados da administração da mesma e optam por se dedicarem
a produção da castanha, a caça ou a qualquer outra atividade. É importante esclarecer
que se trata de homens que reconhecem e acreditam que as mulheres são, assim como
qualquer figura masculina altamente capacitadas a assumirem tais cargos. Apoiando
as decisões das mesmas.
Ser mulher representa motivo de discriminação pelo fato da condição social que
é designada ao gênero. A mulher indígena sofre opressão não somente por ser mulher,
mas é submetida à exclusão pela questão da etnia. Mesmo em meio a preconceitos e
constantemente sendo oprimidas, desde o ponto de vista sexual e político, as mulheres
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continuidade as heranças deixadas pelos seus antepassados. O Toré também pode ser
considerado como um grande fortalecedor da cultura indígena do Amarelão, o uso dos
rituais possibilita a manutenção deste passado indígena.
O grupo de artesanato, a escola de ensino indígena, a Associação Comunitária do
Amarelão, os rituais, o Festival da Castanha e vários outros grandes projetos que vão
revigorar e fortificar o processo identitário do grupo. O uso do passado indígena implica
na (re)construção da identidade do Amarelão.
A finalidade destes projetos é trazer a valorização da história e memória dos
Mendonça do Amarelão, os diversos projetos existentes na comunidade indígena visam
à preservação da cultura dos seus antepassados e trazê-la para o presente. Por meio
disto, haverá um agregamento histórico concernente aos seus costumes e vai
configurar a cultura local deste grupo. Estes projetos são importantes para que a
memória dos seus antepassados continue viva, um meio de poder garantir que esta
herança cultural permaneça e seja repassada a cada nova geração. A memória coletiva
tem a função de dar continuidade ao que foi vivenciado em tempos passados.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos que seja essencial uma reflexão acerca da construção da
identidade indígena por meio dos projetos sociais que englobam o Amarelão,
principalmente pelo fato de que estes projetos são idealizados e reproduzidos por
mulheres. É de suma importância tratar do “sexo frágil” na contemporaneidade como
um grande símbolo de identidade e resistência. São estas mulheres que se identificam
enquanto indígena que vão trabalhar na preservação material e cultural do grupo.
Os projetos tem a função de trazer uma reeducação étnica aos mesmos,
mostrando a importância das práticas culturais dos seus antecessores, não deixando a
cultura indígena se extinguir. O etnocídio existe desde a formação inicial do Brasil, os
poucos índios que sobraram, vão sentindo na pele o preconceito por assumirem sua
identidade. Buscar meios de resgate da cultura é uma forma de preservar e manter a
memória destes povos que tanto contribuíram com a construção do país. Sabe-se que a
história indígena vem sendo apagada e que boa parte das suas bases foram esquecidas
ao longo da história, quando esta diversidade cultural é preservada, a trajetória deste
povo passa a se fortalecer.
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REFERÊNCIAS
GUERRA, Jussara Galhardo. Os Mendonça do Amarelão: identidade, memória e história
oral. Mneme: Revista de humanidades, Caicó, v. 4, n. 8, p.182-197, set. 2013.
LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: O que você precisa saber sobre os
povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Coleção educação para todos, 2006.
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FABRICANDO A MEMÓRIA
Apesar da história e memória apresentar semelhanças, como insistem em dizer,
realmente há algo que as fazem ser igual: o passado. Apresentamos então o passado
como temporalidade, pois ajuda na construção da memória ou na operação histórica. É
possível perceber que existe um grande controle para que possa existir um contato
entre o passado e o presente, pois a memória histórica nasce da narrativa histórica,
para que a lembrança possa ser vivida. A memória apresenta-se diferente da história
pela forma de mostrar as manifestações sobreviventes de um passado que da maioria
das vezes é sepultado, ou seja, separado do presente por muitas transformações e pela
maneira que é fragmentada no tempo. As marcas que o presente ou o passado não
apagam são mostrados como subjetividade, para que no decorrer do tempo o passado
não se possa perde-se com o caos da história acelerada do presente.
A memória ajuda a recuperar a história vivida como uma temporalidade, pois na
operação histórica o passado é baseado no racional, no conhecimento, na
representação. “A memória migra para além da história, assumindo dimensões
psicológicas, intimas e subjetivas”453. A aceleração da história partiu a história-
memória, como a memória é subjetiva apresenta como resposta possível frente à
ameaça de dissipação do passado. Não é mais a história problematizada ou crítica, mas
a memória que faz a conexão com o homem contemporâneo, ligado à modernidade,
enquanto o passado é fonte de origem e de identidade. A memória reconstrói a
discussão sobre a importância da narrativa, pois serve de referência para a história. A
história e memória conciliam-se para fazer historiografia, mas não se perdem na
distinção de origem, em que a história da historiografia clássica ajuda nas
investigações selecionadas aos fatos.
451Graduanda do curso de Licenciatura em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
– UERN
452 Graduanda do curso de Licenciatura em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
– UERN
453 Pinto, Júlio Pimentel. Proj. História, São Paulo, (17), Nov. 1998. p.209.
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pessoais sem uma relação com o lugar social onde estamos inseridos.
O registro da história e da memória, atualmente e em grande parte, por meio dos
documentos gerados pelas atividades desenvolvidas por determinada organização,
família, ou pessoa. Esses registros passam a ser de extrema importância e rica fonte de
informação, as construções historiográfica muitas vezes precisa e necessita de
informação primária, ou seja, precisa se retirada de suas fontes originais. Compreende-
se que a memória é representada por meio de registros de informação, qualquer que
fosse o suporte em que esta contida e que seja passível de recuperação. Assim, a
história acontece nas ações diárias independente do sujeito da execução. A história
conhecida produzida pelos historiadores em suas pesquisas é operação que trabalha
análise e discurso, não é nosso instrumento para ação e trabalho critico, a história
liberta, mas pode oprimir também. A memória pode aprisionar, mas, às vezes torna-se
o lugar das possibilidades de resistências. Quando referimos à história estamos
concebendo-a numa perspectiva de movimento, de ordem que organiza de modo
contingente a própria realidade, a partir daí surge à questão da memória, pois o que
trazida à lembrança decorre de uma memória que se atualiza e se ressignifica a cada
retomada. Nesse sentido, podemos pensar a memória nos seus efeitos silenciadores,
ou seja, aquilo que é trazido à lembrança faz com que outras versões de um mesmo
acontecimento histórico sejam silenciadas.
A história e a memória entrelaçam-se nas memórias históricas para preencher
uma função importante, quando a memória viva de determinados acontecimentos e
processos começam a se desaparecer pelo sentido natural das gerações que os
vivenciaram, começa a se tomar ainda mais necessário um movimento de registro
destas memórias. Ainda entre os pequenos objetos de memória, existe um movimento
que realiza função das práticas comemorativas.
A prática do historiador se concentraria em transformar um objeto em histórico,
para que pudesse historicizar um elemento. Certeau fala que a pratica do historiador se
assemelha a de um operário, dessa forma ele informa que o historiador trabalha sobre
um material, o que teria como objetivo transformar ele em história, a escrita da história
faz parte de uma prática social, pois existe diversos interesses do lugar social. “A maior
parte das sociedades considera o passado como modelo do presente. Nesta devoção
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pelo passado há, no entanto fendas através das quais se insinuam a inovação e a
mudança.” 454 Mudanças que até hoje se compara com os dias atuais.
Foi na Escola dos Annales que ocorreu a mudanças de alto a baixo relacionados
aos métodos de trabalho do historiador, ou seja, um especialista escrevendo para
outros especialistas, pois o que deveria ser uma ciência, não deixa o espaço para a arte,
em que impõe menos espaço para uma nova orientação que excluísse a biografia, que
é mostrado como narrativa por excelência. Mas a reabilitação da biografia histórica
juntou-se as aquisições da história social e cultural, ofertando aos diferentes atores
históricos uma importância diferente, individual, como não se tratava de realizar
simplesmente a história dos grandes nomes. É possível mostrar que a biografia na
história é um instrumento útil, para que possa haver um crescimento no sentido de
“fazer história”. Pois ela auxilia e ajuda a resolver alguns problemas práticos dos
historiadores.
Então o historiador refaz as coisas do passado, mas faz o trabalho de imaginar
como se tivesse visto. O fato é que as biografias continuam a mostrar referências
básicas do historiador, mas que no decorrer ganha público leigo leitor. Mas a biografia
e história entrar em um conjunto de várias contradições opõe indivíduo a sociedades,
social a particular, estrutura a contexto, ação individual a ação coletiva. Uma outra
perspectiva que vem sendo utilizados é os estudos voltados a confecção de biografias
em que vocaciona não grandes nomes, ou seja, personagens menores, subalternos,
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mais obscuros, pois ajuda a iluminar experiências sociais de época. É bem possível que
existam dificuldades do gênero da biografia às vezes seja no próprio pesquisar, pois no
decorrer do tempo acaba criando um vínculo ou amigo íntimo de seu biografado, porém
muitos historiadores sentiam-se insatisfeitos com os limites impostas pelas correntes
historiográficas que eram tradicionais que acabaram excluindo barreiras, mostrando
novas maneiras de explicar e expressa o passado e seus sujeitos, define-se a biografia
como a história de indivíduo redigida por outro, com o objetivo e a preocupação de
revelar não apenas a vida do sujeito biografado, mas também baseado nas suas ações
com fatos históricos. Pois a biografia é auxiliada pela presença do pesquisador e com o
escrito que é feito a partir de arquivos, documentos e relatos das pessoas próximas do
sujeito pesquisado. É feita a concretização através de um texto narrativo onde irá
possuir montagens, recortes, depoimentos. Porém, isso não exclui os problemas do
historiador na escrita de biografias, pois bate de frente com a complexidade da
identidade dos sujeitos, e a sua formação progressiva com as suas contradições.
O nosso trabalho do Padre Mota é de história e memória, que aparece na
biografia, que existir o lembrar e o esquecer que vai estar dentro da biografia, pois a
construção da memória é através da biografia.
Luiz Ferreira Cunha da Mota nasceu no dia 16 de abril de 1897, na cidade de
Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte. É o filho mais novo de Vicente Ferreira da
Mota e Filomena Ferreira Cunha da Mota. Começou os seus estudos muito cedo, onde
passou a estudar em um dos colégios mais importantes da cidade de Mossoró, o
Colégio Diocesano Santa Luzia nos anos de 1906 a 1908, logo após passou a estuda no
Grupo Escolar Trinta de Setembro, pois o Diocesano fechou o seu estabelecimento, no
Trinta de Setembro foi nos de 1909 e 1910. No ano seguinte foi morar em Natal a capital
do estado, e em 1912 foi estudar no Recife, a capital de Pernambuco. Mas em abril do
mesmo ano abandona o colégio, ele escreve para o pai se justificando: “Ontem, sai do
colégio por estar perdendo tempo, isto é, estudando aquilo que estudei. Se eu
continuasse lá, ainda passaria três anos para matricular-me em qualquer
estabelecimento superior. Cousa que faço neste ano, assim o senhor conceda estudar
particular. Estou definitivamente resolvido a seguir agronomia”. O seu irmão mais velho
Vicente Ferreira Filho (o Ferreirinha) iria residir em Natal, então o Luiz Mota argumenta
na carta ao seu pai: “Pois se ele for morar em Natal, eu posso ir para casa dele, e lá
continuarei os estudos, contando que, no princípio do ano viradouro eu faça exame de
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“Meu Pai, Saúde e Paz no Senhor. Até que enfim chegou o grande
dia esperado de tanto tempo. Ontem, 15, como já foi dito, recebi a
ordenação de Presbiterado e, portanto, já sou sacerdote para todo
sempre. Oh! Como devemos todos da família dar infinitas graças a
Nosso Senhor, que se dignou elevar-me a tanta dignidade, não merecida
de minha parte e só graça de sua infinita bondade, misericórdia e
generosidade! ... Que honra para a nossa família; que prazer para Você
e Mamãe, terem um filho padre ministro do Senhor, dispensador das
suas graças, as quais recairão, em grande parte, sobre vocês que lhe
consagraram um filho. Estou tão contente; sinto-me tão feliz, que não
sei como manifestar o que vai n’ alma nestes momentos de tanta
ventura.
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456 Cardeal Basílio Pompili era presidente da “Obra Romana para a preservação da Fé”.
457A Basílica de São João de Latrão, localizada na praça de mesmo nome em Roma, é a catedral do Bispo
da Cidade Santa, o Papa. Seu nome oficial é Archibasilica Sanctissimi Salvatoris (Arquibasilica do Santo
Salvador) e é considerada a “mãe” de todas as igrejas do mundo. Como catedral da diocese, contém o
trono papal, que coloca acima de todas as igrejas do mundo, inclusive da Basílica de São Pedro.
458 Cidade de Macedônia onde foi escrita a Epístola de Apóstolo S. Paulo a Tito.
459 Gilberto Fuenzalida Guzmán.
460 Cidade localizada ao Norte do Egito.
461 O monte Quirinal é uma das legendárias sete colinas de Roma, que durante séculos protegeu a capital
do Império Romano. Como este nome é também indicada a residência oficial do Presidente da República
Italiana e o Palácio do mesmo nome.
462 Jesuíta e Professor da Universidade Gregoriana de Roma, nomeado cardeal em 1911. Era simpatizante
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A carta nos mostra o prazer que ele tinha em apresentar a sua maior realização
da sua vida, que é a de ser padre. Foi a partir dai que começa a surgir o grande homem
que iremos biografar nesse trabalho.
A escrita biográfica esta sempre preocupada com as continuidades e
descontinuidades de sua experiência de vida, a preocupação constante desses autores
em perceber seus personagens como sujeitos múltiplos, entrecortados por decisões
muitas vezes incertas. Mas existe uma perspectiva dos biógrafos do nosso tempo, ou
seja, o trabalho de reconstruir uma história de vida, em que o sujeito a ser biografado
também tem uma interação social. Analisar e identificar as relações sociais oriundas de
um indivíduo em seu mundo é colocado como de extrema importância em seu trabalho
biográfico. O trabalho de escrever uma história de vida é estar atento a relação no qual
o sujeito biografado esteve envolvido, pois também depende da realização ou não de
projetos individuais ou coletivos, porque narrar uma vida é sempre lembrar.
E é no lembrar que o Padre Mota se faz presente na sociedade de Mossoró, um
homem que esteve presente no cotidiano da cidade deixando sempre as suas marcas
de sabedoria. Marcas essas que foram iniciadas com as suas ações paroquiais
principalmente catequizando a população, pois na época estava havendo um
desequilíbrio de fiéis da igreja católica, na cidade estava começando a aparecer igrejas
evangélicas e isso preocupava tanto os padres da diocese como o bispo. Realizando
batizados, missas em vários bairros e construindo capelas, para que pudesse ter um
grande número de fiéis, mas o seu grande desenvolvimento começou quando ele
assume a Prefeitura de Mossoró em que foi dívida em três etapas.
O Padre Mota assume a prefeitura no dia 19 de janeiro de 1936 a setembro de
1397, assumindo o cargo de prefeito provisório, a segunda etapa, a de prefeito eleito
pelo voto popular é de 07 de setembro até 30 de dezembro de 1937, ele foi candidato a
prefeito nas eleições que foram realizadas em 16 de março daquele mesmo ano, onde
saiu vitorioso nas urnas, recebendo 1.486 votos, foi prefeito constitucional apenas por
três meses e onze dias, pois foi interrompido pelo golpe de Getúlio Vargas que criou o
Estado Novo. A terceira etapa, o de prefeito nomeado foi de 30 de dezembro de 1937 a
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03 de abril de 1945, voltou a prefeitura por decisão do Interventor da época que era o
Rafael Fernandes Gurjão, e só saiu da prefeitura quando pediu demissão. Quando
prefeito o padre Mota acaba dividindo o seu tempo entre as funções de vigário da Igreja
de Santa Luzia e de prefeito, dando expedientes com horários estabelecidos entre a
prefeitura e a matriz, coisa que ele cumpria rigorosamente.
O Padre Mota era conhecido pelo seu humor fino e pela veia
satírica, como se evidencia na última frase dessa sua declaração
sobre as coisas públicas. Ainda hoje, ele é considerado por todos
o melhor prefeito da história de Santa Luzia de Mossoró. Isso sem
considerar os demais e nem desmerecer os seus méritos. É
preciso compreender que a análise das administrações públicas
deve ser efetuada considerando-se vários fatores, entre eles o
contexto político, social e econômico, a ambivalência histórica e
as condições concretas para a efetivação dos atos
administrativos. Nesse sentido, a administração de Luiz Ferreira
da Cunha Mota teve que enfrentar dificuldades em cada um
desses aspectos. Havia, na época, uma grave crise institucional no
país que se estendia por todas as unidades da Federação que, por
sua vez, atingia todos os Municípios. A crise política se juntou a
instabilidade econômica da depressão econômica mundial, com
seus efeitos perversos sobre a sociedade como um todo, porém,
especialmente sobre os mais pobres. Desse modo, o seu governo
se iniciou sob o espectro de desequilíbrio político e
socioeconômico. 464
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mostra meios que possa identificar o Padre Mota não só na posição de padre mas
também como qualquer outro cidadão.
O DESENVOLVIMENTO BIOGRÁFICO
Pode-se afirmar que não existem vidas coadjuvantes, pois cada uma delas
apresentam um papel importante na sua configuração relacional mais ampla. É possível
identificar a posição do biógrafo-fonte em relação ao seu biografado é o trabalho
importantíssimo para o historiador. Para-se construir uma biografia existe a
necessidade de construir um diálogo entre o indivíduo e a sociedade de sua época, pois
esse indivíduo biografado acaba sendo o ponto de encontro de muitos imaginários, de
representações e práticas.
O Femenick apresenta a morte do Padre Mota como uma figura do homem-
herói, ele tinha uma saúde delicada, sempre obeso, hipertenso, diabético, glaucoma,
levava uma vida sedentária e com o passar dos anos isso foi se agravando, e em meados
de 1966, as complicações de saúde do Padre Mota já eram preocupantes, e foi em uma
grande crise que o fez se hospitalizar e a falecer, o próprio Femenick presenciou, pois
é sobrinho do Padre Mota.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A biografia tem o objetivo de facilitar o futuro, satisfazer no presente, a tarefa
do historiador, e que existe uma consideração que a biografia é um produto fabricado.
O biografo acaba se entregando ao processo de construção e desconstrução, de seu
ícone. O historiador filtra os momentos vividos como diretrizes da temática biográfica,
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mas a absorção feita pelo historiador é metodológica e não deixa de ser notável, para
que possa abrir um campo de possibilidades de análise, pois a tarefa de construção de
biografias coloca em questão direcionamentos a serem observados desde a escolha do
personagem, tal constatação não implica o uso exclusivo do método discursivo
relacionado na existência individual.
Porém, a questão da ética é essencial, independentemente das ameaças no
âmbito da justiça, é necessário ser levadas em conta, pois o historiador acaba se
apropriando da memória do biografado, expondo suas mazelas, seus segredos, suas
contradições.
REFERÊNCIAS
Le Goff, Jacques, 1924- História e memória/ Jacques Le Goff; tradução Bernardo Leitão.
4 ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996.
Pinto, Júlio Pimentel. Proj. História, São Paulo, (17), Nov. 1998.
468Chaia, Miguel. “Biografia: método de reescrita da vida”. In: Fani Hisgal (org) Biografia: sintoma de uma
cultura. São Paulo: Hacker/ Cespuc, 1996, p.76.
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Del Priore, Mary. Biografia: Quando o individuo encontra a história. Topoi, V. 10, n. 19,
jul.- dez. 2009.
Chaia, Miguel. “Biografia: método de reescrita da vida”. In: Fani Hisgal (org) Biografia:
sintoma de uma cultura. São Paulo: Hacker/ Cespuc, 1996.
Femenik, Tosmilav R. 1939- Padre Mota/ Tosmilav R. Femenik. Natal: Fundação José
Augusto, 2007.
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Conhecer para negar. Esse foi, sem dúvida, o ponto nevrálgico do discurso
anticomunista veiculado pelos intelectuais católicos que gravitaram no jornal A Ordem.
Dizer o outro, como sugeriu Hartog (1999), seria enunciá-lo como diferente e encontrar
nessa diferença a forma de reafirmar a perspectiva de quem a enuncia. Nesse sentido,
os dois verbos exigem, antes de qualquer coisa, a confecção de fronteiras nítidas entre
o que propunham os lados em oposição, na medida em que a representação de si
tornava-se um exercício de contrapor-se.
Essa retórica da alteridade (HARTOG, 1999, p. 229) mobilizada pela relação
fundamental que a diferença entre as duas perspectivas instaura serviria como um dos
principais subsídios a constituição do imaginário anticomunista nas páginas do jornal.
O cerne da distinção – comunismo/ anticomunismo – seria encontrado, sobretudo, na
diferença evidente entre as visões do social oferecidas pelas duas perspectivas. Diante
da (contra) posição quanto a temas delicados em relação ordenamento social
(revolução, luta de classes, expropriação, emancipação da mulher, divórcio, ensino laico,
etc.), o comunismo ganhou contornos ameaçadores para a hierarquia católica, na
medida em que colocava em cheque valores e práticas convencionados como
naturalmente estabelecidos nas hostes católicas.
A elaboração do inimigo e a mobilização de todas as forças para seu combate
exigiu a composição de uma gama variada de construções imagéticas que investiram
na representação do comunismo como uma ameaça que congregaria grande parcela
dos males que acometiam a sociedade.
No espaço discursivo da imprensa, os intelectuais católicos se dedicaram a dar
feições ao inimigo, torná-lo legível em suas fraquezas e contradições e, sobretudo, a
frisar sua incompatibilidade com o mundo cristão. Sob essa perspectiva, alertar os
leitores contra a astúcia do inimigo, expor didaticamente seu programa e meios de ação,
469 Mestre em Ciências Sociais e Humanas pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
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católica no Rio Grande do Norte. A obra de difusão da Boa Imprensa nas terras norte-
rio-grandenses foi confiada aos jesuítas a partir do acordo firmado entre D. Marcolino,
então Bispo de Natal, e o Centro de Imprensa da Congregação Mariana dos Moços, em
19 de março de 1933.
Como representante da Boa Imprensa nas terras potiguares e, portanto, porta-
voz do catolicismo oficial, o A Ordem vai se colocar como referencial seguro aos
leitores, buscando legitimar seu lugar enquanto promotor do “bom combate”. A partir
desse papel, o jornal se constituiu num dos principais canais de atuação da
intelectualidade católica potiguar, tendo em seu quadro intelectuais como Otto de Brito
Guerra, redator-chefe do jornal e uma das principais lideranças do Integralismo no
estado, Ulisses de Gois, presidente da Congregação Mariana dos Moços, principal
reduto do laicato católico norte-rio-grandense, bem como colaboradores como Pe.
Herôncio e P. J. Cabral, principais responsáveis pela confecção do discurso
anticomunista no estado. O jornal contou também com a colaboração de articulistas
dos principais centros do laicato católico nacional, como Alceu do Amoroso Lima,
Jônatas Serrano e Perillo Gomes.
A partir da prática escriturária de seus intelectuais, o jornal A Ordem cimentou
em suas páginas o discurso institucional dos documentos oficiais, integrando e
envolvendo “a sociedade dentro de uma abordagem totalizante do catolicismo”
(GONÇALVES, 2008, p.108).
Disposto a travar os combates pela fé, esses intelectuais fazem parte do grupo
que Pinheiro (2007) classificou como aquele que converte o catolicismo no princípio
gerador de seus trabalhos, em nome do qual intervêm nas disputas estéticas e políticas.
Intelectuais que não tem localização difusa no tempo e no espaço, e se constituem
propriamente como grupo, ou seja, um conjunto de indivíduos dotados de um carisma
coletivo que permite o reconhecimento recíproco, “e que atua programaticamente a
partir de um conjunto de crenças e valores que se firmam como consenso” (PINHEIRO,
2007, p. 01).
Nesse sentido, a partir da análise da prática escriturária desses intelectuais
católicos tornou-se possível compreender os matizes da produção discursiva do
pensamento católico nas páginas impressas a partir da constituição de um imaginário
anticomunista que agregou e mobilizou as forças católicas.
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470 A respeito da recepção das ideias de Marx, no Brasil, ver Konder (2009).
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“incautos” e de “boa fé” que acham que “o diabo não é tão feio quanto se pinta”
(CABRAL, 1933, p.7-8).
Em sua introdução, a obra do sacerdote norte-rio-grandense fornece um
exemplo valioso dos matizes que a elaboração do imaginário anticomunista vai se valer,
no jornal:
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Era, de fato, como uma “miragem” que os intelectuais católicos pretendiam que
a realidade russa fosse encarada pelos leitores. Para isso, os articulistas do jornal se
dedicaram, quase que diariamente, a exposição das características do regime soviético
em um encadeamento associativo de imagens pejorativas, que envolviam desde as
“impossibilidades práticas” do modelo comunista à chamada “propaganda deslavada”
dos revolucionários. Houve, sob esse intuito, uma minuciosa seleção de notícias que
pudessem destratar a revolução, seus líderes e o regime por eles estabelecido. Nessa
seleção, a imagem depreciada de Moscou expõe o regime soviético como um
antimodelo, “incompatível”, “alheio” e “absurdo” aos olhos da civilização-cristã-
ocidental.
Em artigo, de 09 de outubro, intitulado Communismo é aquilo?, assinado por Pe.
Herôncio, o jornal lançou mão de um recurso persuasivo bastante enfático para
demonstrar ser o regime bolchevista “absurdo”. O título em forma de interrogação
demonstra o questionamento constante a realidade soviética, na mesma medida em
que o pronome demonstrativo “aquilo” vem carregado de uma conotação depreciativa.
A explicação para o questionamento e o suporte semântico de desprezo a ele
emprestado aparecerá na divulgação das chamadas “páginas de sangue” do regime
soviético, cujo cenário de caos e barbárie descrito explicariam a incredulidade presente
no questionamento.
O sacerdote norte-rio-grandense investiu na imagem de uma “infeliz Rússia”
tomada pelo derramamento de sangue de inocentes, como a expressão do horror
vivenciado no regime bolchevista. A exposição dos supostos fuzilamentos em massa,
com a explanação de números expressivos de assassinatos praticados pelos sovietes
são expostos como forma de reafirmar o “instinto sanguinário” dos comunistas,
expresso através do caráter repressivo do “extremismo soviético” que promoveria
verdadeiros massacres. Bastante ilustrativo nesse sentido, a composição da imagem
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471 Ao trabalhar com o processo de construção da notícia, Charaudeau (2015, p. 129) expõe o que
denomina de “estratégias de encenação” da informação enquanto desdobramentos do modo de
organização do discurso em virtude da inteligibilidade do conteúdo veiculado pela mídia. Desse modo, o
sujeito informante “procederá a uma determinada construção da notícia e tratará a informação de acordo
com certos modos discursivos em função dos dispositivos pelos quais ele passa”. “Ou seja, ele pode usar
estratégias em função dos desafios de credibilidade e de captação que escolhe para si”.
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A Ordem uma prova de que o ‘Paraizo Russo’ é tão bom (?) que os operarios estão
fugindo delle...” (COMBATE..., 1935, p. 02).
As promessas em torno de uma ordem social suprimida de desigualdades,
funcionavam como o epicentro do poder de atração do comunismo, sobretudo, nas
camadas proletárias, o que segundo o jornal, facilitava a infiltração dos “emissários de
Moscou”. Tornava-se premente demonstrar as contradições do proselitismo
comunista, investindo, para isso, na imagem de que a tão propagada igualdade coletiva
seria uma ilusão. Valia, nesse intuito, negar a “irremediavel hostilidade aos habitos
burguezes” por parte dos comunistas, afirmando, ao contrário, a sua “extraordinaria
capacidade de se aburguezar”:
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mais ácido: “é bom reter que esse Stalin, tyrano soviético que arranca do pobre povo
russo o pão e o faz morrer à fome em massa, tem em lugar seguro um capital pessoal
de 10 milhões de dólares. É essa a abnegação, o desinteresse, a sinceridade comunista”
(HERONCIO, 1935e, p.06). A figura de linguagem, nesse caso, foi utilizada para
demonstrar as incoerências da propaganda comunista e para ratificar sua
impossibilidade prática.
Neste aspecto, o imaginário anticomunista tocava num ponto sensível da
propaganda revolucionária que negava veementemente a noção de propriedade privada
e investia na estratégia de minar a propaganda comunista pela ilustração das
discrepâncias entre as promessas pré-revolucionárias e a realidade pós-revolucionária.
Investe-se, portanto, na imagem do “credo vermelho” como uma doutrina
falaciosa, fundada em falsas promessas. Ilustrativo, nesse sentido, o artigo Cordeiros
Vermelhos, publicado em 2 de agosto, investindo em um forte tom de deboche,
demonstra a intenção de ridicularizar o comunismo, expondo sua propaganda como
uma “anedota”. As expressões como “histórias de trancoso”, “conversa fiada”, “leseira
terrivel”, “trapalhada” confluem para o argumento de ser o comunismo, com suas
“promessas absolutamente irrealizáveis”, uma grande ilusão:
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472 Referência ao Decreto Lei n. 3/598, de 07 de abril de 1935, “Sobre os meios de luta contra a
criminalidade entre os menores”, que previa a pena capital as crianças maiores de 12 anos.
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473Traduzido do original francês Moscou sans voilles e publicado, em 1931, pela Editora Globo, o livro é
um dos mais conhecidos na série de livros dedicados a descrição da “Rússia Vermelha”. Como parte da
Coleção Inquérito sobre a Rússia, da mesma editora, o livro escrito por Joseph Doullet, ex- Cônsul da
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Bélgica em Rostov, possui uma versão marcadamente anticomunista e um tom inquisidor em relação ao
Regime Soviético.
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Mais uma vez não é difícil imaginar o quanto seria impactante, sobretudo, ao
leitor católico, criado em uma atmosfera imbuída pela religião, depara-se com tal
prática. Por conseguinte, esses recursos persuasivos ajudariam a fixar a imagem do
comunismo como um desafio a sobrevivência da religião, que seria alvo de uma
perseguição atroz por parte dos comunistas e deveriam, portanto, promover a
resistência considerável dos cristãos a essa “militância ateia”. Diante do argumento de
autoridade, presente nas afirmações, já não caberia mais aos católicos ou aos “homens
de boa fé”, concessões, indiferença e neutralidade diante do avanço das ideias
comunistas.
O imaginário antissoviético será também um dos principais subsídios à defesa
do corpus social católico, encarada como um dos pontos mais sensíveis ao discurso
anticomunista de matriz católica. Segundo Motta (2002, p. 20), o “despertar da
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como “objeto e lugar dos conflitos sociais”, o imaginário social se coaduna com
os interesses e as reivindicações de segmentos sociais rivais, “uma vez que as
condutas, ações, discursos, imagens, disputas desses agentes sociais estão
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FONTES
CABRAL, Padre J. Communismo e atheismo. A Ordem. Natal, v. 01, n. 65, p. 01, 01 out.
1935.
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HERÔNCIO, P. Estultos e blasphemos. A Ordem. Natal, v. 01, n. 45, p. 01, 06 set. 1935b.
HERÔNCIO, P. Juventude Sacrificada. A Ordem. Natal, v. 01, n. 10, p. 01, 26 jul. 1935c.
No paraizo russo. A Ordem. Natal, v. 01, n. 01, p. 04, 14 jul. 1935.Os soviets por dentro.
A Ordem. Natal, v. 01, n. 01, p. 05, 14 jul. 1935.
REFERÊNCIAS
BAZCKO, Bronnislaw. Imaginação social. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Lisboa: Imprensa
Nacional; Casa da Moeda, 1985.
DUTRA, Eliana de Freitas. O Ardil totalitário: imaginário político no Brasil dos anos de
1930. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2012.
KONDER, Leandro. A Derrota da dialética: a recepção das ideias de Marx no Brasil, até
o começo dos anos 30. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
PEIXOTO, Renato Amado. Por Deus, pela pátria e pelo rei: os holandeses no Rio
Grande e a fabricação dos conceitos acerca do espaço na década de 1930. Revista de
História Regional. Ponta Grossa, v. 2, n. 20, nov. 2015.
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INTRODUÇÃO
O termo saudade, expressão de origem latina, oriunda de ‘solitate’ ou ‘soledade’,
que é uma derivação da palavra solidão. Embora, no senso comum o termo saudade só
exista na língua portuguesa e, por isso, podendo ser um dos vocábulos mais bonitos e
expressivos de nossa língua, sabe-se que o sentimento é universal e que é percebido e
expressado mundialmente de forma diferente.
Como narra Lourenço (1999, p. 15) “sob outros nomes ou sem nomes, a saudade
é universal, não apenas como desejo de eternidade, mas como sensação e sentimento
vividos de eternidade”. Sendo assim, todo ser humano sente falta de algo ou alguém,
ou até mesmo de reviver determinado momento de nossa vida, que indubitavelmente
não volta mais.
Esse tempo tão cheio de recordações também está retratado em inúmeras
manifestações sociais em várias categorias da cultura brasileira (como por exemplo: a
música), sugerindo que estamos diante de um tema que marca profundamente a
construção das nossas biografias a partir da memória individual e paulatinamente
coletiva.
A saudade expressa, portanto, uma categoria sociológica que pode ser
historicamente estudada. Estão relacionadas às vivências e as mudanças, e são
apreendidas e construídas socialmente ou historicamente, a partir de várias fontes e
experiências, pois a existência social da saudade como foco ideológico e cultural vai nos
permitir a percepção aguda do sentimento. Desse modo, a saudade é uma construção
individual, coletiva e fragmentada de um povo que está presente na memória individual
e/ou coletiva dos que sentem falta de algo, ou seja, estão incompletos.
474 Professor
de História do Ensino Fundamental no município de Araruna-PB, e mestrando do Programa
de Pós-Graduação em História da UFPB. Email: jscunhalima@hotmail.com
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Segundo Halbwachs (1990) A história não é todo o passado, mas também não é
tudo aquilo que resta do passado. Ou, se o quisermos, ao lado de uma história escrita,
há uma história viva que se perpetua ou se renova através do tempo e onde é possível
encontrar um grande número dessas correntes antigas que haviam desaparecido
somente na aparência.
Sendo que a memória se auxilie em conjunto com a dos outros, não basta que
ele (o entrevistado) nos traga seu depoimento (memória individual) é necessário ainda
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que o declarado concorde com as lembranças de outros (memória coletiva), e que haja
bastante pontos de contato entre uma e as outras para que a lembrança que nos
recordam possa ser reconstruída sobre um fundamento comum. “A memória, como
propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um
conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou
informações passadas, ou que ele representa como passadas”. (LE GOFF, 2003, p. 423).
Sobre o tema Le Goff nos diz:
Sendo interessante para essa (re) construção da memória tem que se processar
a partir de dados (baseados em documentos) ou de conhecimento em comum, que se
ratifica tanto no depoimento de um como no dos outros, e a memória precisa de algo
que a oficialize ou a legitime. Para Nora (1993) esse lugar é a história ou a literatura.
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A memória coletiva se distingue da história pelo menos sob dois aspectos. É uma
corrente de pensamento contínuo, de uma continuidade que nada tem de artificial, já
que retém do passado somente, aquilo que ainda está vivo ou capaz de viver na
consciência do grupo que a mantém. (HALBWACHS, 1990, p. 81-82).
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a desfrutá-lo no presente ou futuro. São lugares, com efeito nos três sentidos da
palavra, material, simbólico e funcional, simultaneamente, somente em graus diversos.
(NORA, 1993, p. 21).
Observar-se que o estar saudoso exprime psicologicamente um estado em que
a consciência, presente na memória ou no espírito, sendo ratificada pelo sentimento.
Contrapondo-se a experiência presente no vivido e no ausente. Com isso, o passado e
presente são representados em conexão cuja dimensão afetiva está inserido.
E é a memória individual e/ou coletiva que faz esses sentimentos serem
revividos. “Nas manipulações conscientes ou inconscientes que o interesse, a
afetividade, o desejo, a inibição, a censura exercem sobre a memória individual” (LE
GOFF, 2003, p. 426). A saudade não basta ser sentida para existir, ela deve ser, antes
de tudo, conceituada como tal, deve ser nomeada, chamada de saudade e materializada
em gestos, ações, reações, performances.
Aliás, como esse conceito é específico da língua portuguesa, é um sentimento
específico dos povos que falam essa língua, sem ignorar que o sentir falta, o sentir
tristeza ou melancolia pela falta, pela ausência de algo ou alguém, seja um sentimento
partilhado por todos os humanos; mas, ao serem nomeados com outros conceitos,
outros sentidos adquirem (ALBUQUERQUE JR; 2013, p. 156).
A história da saudade começa em Portugal. Segundo Lourenço (1999, p. 31): “da
saudade fizeram uma espécie de enigma, essência do seu sentimento, a ponto de a
transformarem num mito”.
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É a saudade uma mimos paixão da alma, e por isso tão sutil, que
equivocamente se experimenta, deixando – nos indistinta a dor da
satisfação. É um mal, de que se gosta, e um bem, que se padece: quando
fenece, troca-se a outro maior contentamento, mas não que
formalmente se extingue: porque se sem melhoria se acaba a saudade,
é certo que o amor e o desejo se acabarão primeiro. Não é assim com a
pena; porque quanto é maior a pena maior a saudade, e nunca se passa
ao maior mal, antes rompe pelos males; conforme sucede aos rios
impetuosos, conservarem o sabor das águas, muito espaço de
misturar-se com as ondas do mar, mais opulento. Pelo que diremos que
ela é um suave fumo do fogo do amor, e que do próprio modo que a
lenha odorífera lança um vapor leve, alvo e cheiroso, assim a saudade,
modesta e regulada, dá indícios de um amor fino, casto e puro. Não
necessita de larga ausência; qualquer desvio lhe bata, para que se
conheça. Assim prova ser parte do natural apetite da união de todas as
coisas amáveis e semelhantes; ou ser aquilo falta, que da divisão
dessas tais coisas procede. Compete por esta causa aos racionais, pela
mais nobre porção que há em nós; e é legítimo argumento da
imortalidade de nosso espírito, por aquela muda ilação, que sempre nos
está fazendo interiormente, de que fora de nós há outra coisa melhor
que nós mesmos, com que nos desejamos unir; sendo esta tal a mais
subida das saudades humanas, como se disséssemos: um desejo vivo,
uma reminiscência forçosa, com que apetecemos espiritualmente o que
não havemos visto jamais, nem ainda ouvido, e temporalmente, o que
está de nós remoto e incerto; mas um e outro fim, sempre debaixo das
premissas de bom e deleitável. Esta é em meu juízo a teórica das
saudades, pelos modos que, sem as conhecer, as padecemos, agora
humana, agora divina. (BOTELHO e TEIXEIRA, 1986, p. 20).
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Com o passar dos anos as ondas migratórias não cessaram, pois era necessário
ir em busca de “novos horizontes” ou oportunidades, procurando sustento para suas
famílias. Entretanto, a saudade estava presente, em versos tristes, em olhares que não
conseguiam disfarçar o sentimento gerador de angústia, repleto de ausências: onde
emerge a saudade, a partir da memória do que deixou-se no lugar de origem. Para
Oliveira (1991, p. 68): “a saudade é o sentimento que não falta nas canções de Luiz
Gonzaga”.
Halbwachs (1990) descreve a importância da música para a memória.
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Por isso, as canções ‘gonzagueanas’ são sempre um elo entre esse “espaço
afetivo” que ficou no passado, que só a saudade faz reviver. Um espaço em que o ser
humano e a natureza se entrelaçam até no sofrimento. “Tristeza, alegria, amor,
projetos, esperança, qualquer que seja nossa disposição interior, parece que toda
música, em certos momentos, pode mantê-la, aprofundá-la, aumentando sua
intensidade” (HALBWACHS, 1990, p. 181-182).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa propor-se a inserir a afetividade como um objeto historiográfico e
passível de ser estudado a partir dos conceitos de memória. E a saudade pode ser um
sentimento individual ou coletivo, e “pode afetar toda uma comunidade que perde suas
referências espaciais ou temporais, toda uma classe social que perdeu historicamente
a sua posição, que viu os símbolos de seu poder, esculpido no espaço, serem tragados
pelas forças tectônicas da História” (ALBUQUERQUE JR, 2008, p. 127). A música de Luiz
Gonzaga emerge como uma representante de uma região produtora de cultura, ligada
a questões humanas, sociais e políticas.
O povo nordestino foi sempre afetado pela saudade que está presente em sua
memória coletiva e individual, e que foi muito bem expresso em toda produção musical
de Luiz Gonzaga, o qual teve que migrar, ou seja, mudar de lugar para ser invadido pelo
sentimento da ausência, para então, de forma afetiva produzir o seu trabalho musical.
E ao analisar as musicas do Rei do Baião, observa-se que “a saudade é um tema
renitente e presente na vida do migrante e do sertanejo que fica esperando a notícia do
parente que se foi em busca de “melhores” condições de vida, ou esperando pelo
retorno” (LIMA, 2016).
Portanto, “a saudade é um sentimento pessoal de quem se percebe perdendo
espaços queridos de seu ser, dos territórios que construiu para si” Albuquerque Jr.
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(2001, p. 65), ou dos territórios que foram criados para o ser humano. Como é o exemplo
da instituição da Região Nordeste, enquanto espaço de memória e saudade. Sendo
assim, Luiz Gonzaga, demarcou uma das fronteiras afetivas, a partir da memória de um
povo, do território nordestino.
Segundo Pollak (1989, p. 10) “o que está em jogo na memória é também o sentido
da identidade individual e do grupo”. E “é através desse trabalho de reconstrução de si
mesmo o indivíduo tende a definir seu lugar social e suas relações com os outros”.
(POLLAK, 1989, p. 13).
Em síntese, o Nordeste brasileiro é a região em que a saudade e a memória se
manifestam há muito tempo, é um espaço em que essa afetividade é um delimitador do
regional, sendo um símbolo onde a história – memória - serve para conectar
temporalidades e espacialidades múltiplas, interpretando representações culturais e
sociais a partir dos discursos presentes na música e no sentimento de saudade.
Nesse contexto, Luiz Gonzaga com sua produção musical ajudou a construir
esse Nordeste mítico, no imaginário dos nordestinos que têm as marcas da saudade
arraigadas em seu ser e construídas por intermédio da memória coletiva e/ou individual.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE JR. Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e Outras Artes. 2ª ed.
São Paulo: Cortez, 2001.
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CHAGAS, Luiz. Luiz Gonzaga. São Paulo: Martin Claret, 1990. (Coleção Vozes do Brasil).
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. 2ª Ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
DREYFUS, Dominique. Vida do Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga. 3ª ed. São Paulo:
Editora 34, 2012.
FERREIRA, José de Jesus. Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, sua vida, seus Amigos, suas
Canções. São Paulo: Ática, 1986.
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NORA, Pierre. Entre História e Memória: a problemática dos lugares. Revista Projeto
História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, 1993.
WALTON, Stuart. Uma História das Emoções. Tradução Ryta Vinagre. Rio de Janeiro:
Record, 2007.
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Simpósio Temático 9
HISTÓRIA DAS PRÁTICAS DE CURA NO BRASIL
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DA EDUCAÇÃO POPULAR
Ligada às novas práticas educativas em saúde, a educação popular se caracteriza
pela educação de massas/educação coletiva como também se destaca a participação e
a luta do indivíduo pelo direito à saúde. A cultura e o saber popular estão inteiramente
ligados a educação popular em saúde, pois promove o pensamento no sujeito de que
por meio da sua rotina, do dia-a-dia, podem-se construir aprendizados que forcem a
descoberta de ações para a promoção da saúde, como por exemplo a prevenção de
doenças comuns. Portanto as experiências adquiridas em saúde, principalmente a
coletiva, estão intrínsecas à cultura popular, ao trabalho profissional e à própria
educação.
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DA CONSCIÊNCIA SANITÁRIA
A noção do conceito de consciência sanitária no Brasil surge com a participação
efetiva do italiano Giovanni Berlinguer (1924-2014) na construção de uma saúde
coletiva. Berlinguer era médico, socialista, sanitarista e humanista e nele havia grande
preocupação com a saúde de qualidade que não chegava até certa parte da população
italiana. Militou no PCI (Partido Comunista Italiano) e a partir de então teve grande
influência na política nacional, que o possibilitou escrever inúmeros livros sobre saúde
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478FLEURY, Sonia. Giovanni Berlinguer: socialista, sanitarista, humanista! In: Revista Ciência e Saúde
Coletiva, vol. 20, nº11, 2015, p. 3557
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DO MEB
O MEB ou Movimento de Educação de Base, surgiu a partir de um convênio do
Governo Federal brasileiro juntamente com a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil) em 1961, com o objetivo de desenvolver uma educação de base por meio de
escolas radiofônicas atuando diretamente nas regiões do Centro-Oeste, Norte e
Nordeste, pois eram áreas em que o índice de analfabetismo superava o das outras
regiões, além do que a carência educacional nos mais diversos âmbitos, inclusive na
saúde também eram grandes entraves ao crescimento da região. O MEB também
objetivava conscientizar a população do meio rural por meio da educação, e seu ideal
era que a educação fosse considerada com comunicação capaz de transformar o mundo
e no Brasil era necessária essa transformação que viesse para conscientizar.
Dos principais feitos do MEB, a cartilha Viver é Lutar tem grande importância,
pois surge em 1962 como leitura de conscientização para os recém-alfabetizados que
os fazem questionar o meio social em que vive, tomar consciência e consequentemente
ter atitude de mudar a sua realidade. Bem aceita e difundida até então, a cartilha é
GÓES, Moacyr. De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler (1961-64): uma escola democrática. O
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DA PESQUISA PRÁTICA
Considerando os critérios expostos no título e a programação da Rádio Rural,
foram encontradas descrições da programação “Caminho da libertação” com o assunto
“Saúde Popular”, “Aprenda em sua casa” que em tese ia ao ar todas as sextas-feiras. O
Saúde Popular, o aprenda em sua casa tinha como objetivo conscientizar à população
rural das mais variadas formas de prevenção de doenças comuns, da importância da
vacina e uso de determinados medicamentos, do atentar para cuidados com
lavoura/agricultura, problemas que causam a desnutrição brasileira e suas causas
sempre relacionadas as diferenças de classes sociais. Portanto, é sempre muito variado
e abundante os conteúdos em Saúde Popular ou Aprenda em sua casa.
Abaixo, no programa, “Aprenda em sua casa”, no tema Higiene e saúde, tem-se a
discussão do “assunto” verminose:
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diálogo entre o locutor, a proposta do MEB que era levar uma educação de consciência
para a população do interior. Nesse caso, a discussão é sobre duas
doenças/verminoses, o Amarelão e solitária, suas consequências e formas preventivas.
Em mais um texto que segue, o exercício de educar para saúde ou a educação
sanitária, segue no “Aprenda em sua Casa” do dia 03 de novembro de 1973:
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A maioria das doenças que ameaçam a nossa saúde nos dias de hoje, é
resultado do modelo de sociedade em que vivemos. Isto porque a
sociedade atual é uma sociedade capitalista, uma sociedade dividida
entre ricos e pobres; em poderosos e fracos. Nesta sociedade se pensa
somente em lucrar; em tirar proveito, em concorrer e ter mais (...) E
assim, nessa sociedade capitalista em que vivemos, os trabalhadores
passam a vida produzindo enormes riquezas, e recebendo baixos
salários. Se falta terra para o trabalhador plantar e dela tirar o seu
alimento e de sua família. E se falta também um salário justo, vai faltar
alimentação, vem os aperreios da vida e a FOME. E da fome nascem as
doenças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a pesquisa, os objetivos foram atingidos ao buscar diagnosticar como a
educação popular participou diretamente da vida das pessoas do meio rural. A
conscientização da saúde sanitária investe principalmente em meios sociais, e portanto,
percebe-se que novas descobertas para a abordagem do processo saúde-doença foram
feitas: a programação do MEB investe em uma leitura marxista para conscientizar à
população do seu lugar social e como isso está inteiramente ligado à propagação de
doença mais nas pessoas pobres (aquelas que produzem, mas não têm acesso ao que
é produzido) do que nas ricas (que têm acesso aos meios de produção e ao que é
produzido com abundância).
FONTES CONSULTADAS:
Movimento de Educação de Base – MEB/ Sistema de Caicó. Programa “Aprenda em sua
Casa”, Higiene e Saúde, 03 de novembro de 1973, Doenças provocadas pelo leite mal
cuidado, Setor de promoção Humana. 8º programa.
REFERÊNCIAS
BAGNATO, Maria Helena Salgado; BASSINELO, Greicelene Aparecida Hespanhol;
MISSIO, Lourdes; RENOVATO, Rogério Dias. Práticas educativas em saúde: da
fundamentação à construção de uma disciplina curricular. In: Escola Anna Nery
Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 13, n 3, p. 651-656, 2009.
GUEDES, Heloisa Helena da Silva; GUEDES, Ronaldo Franco; GUEDES, Raquel Franco.
Conteúdos formadores da prática educativa em saúde no Brasil: o papel da Educação
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GÓES, Moacyr de. De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler (1961-64): uma escola
democrática. O Movimento de Educação de Base (MEB). In:______. Vol. 3. Civilização
Brasileira, 1980.
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Boa tarde. Gostaria de agradecer a presença de todos que fizeram esse simpósio
acontecer, principalmente ao colega de Departamento Professor André Victor
Cavalcanti Seal da Cunha. Nós dois olhamos no tema da cura e das terapias uma
possibilidade de diálogo entre nossas pesquisas; a cura é uma especificidade do
espiritismo brasileiro. Ele falou da difusão de romances escritos por Bezerra de
Menezes, ou seja, da propagação do ideário espírita através de um vigoroso mercado
editorial. A presente exposição, intitulada "Os formulários médicos e a automedicação
no Brasil em perspectiva histórica" vai discutir os efeitos de um outro tipo de mercado
editorial.
No século XVI ocorre o nascimento do mercado editorial moderno. Desde seus
primórdios a principal obra e maior sucesso comercial foi a Bíblia, traduzida em vários
idiomas depois de muito derramamento de sangue. Marca inalcançável até hoje. Mas o
mercado editorial não se resumia a esse gênero. Os jornais, por exemplo, mudaram o
alcance do debate público; lembremos da importância deles para a formação do
sentimento nacional. Além dessas de grande impacto, muitas outras iniciativas
editoriais procuravam afetar diferentes públicos, difundindo informação. Um dos
estudos pioneiros sobre as drogas no Brasil foi a análise sobre o gênero literário
herbários, produzidos com forte viés iluminista. A Tese Afrodisíacos e alucinógenos nos
herbários modernos: a história moral da botânica e da farmácia dos séculos XVI ao
XVIII, defendida em 1997 na USP e depois tornada livro em 2002 (com o título Amores
e sonhos da flora: afrodisíacos e alucinógenos na botânica e na farmácia) mostra a
difusão, a circulação e a apropriação do saber botânico produzido no mundo colonial
ibérico. Os compêndios agregavam informações de todos os continentes, enriquecendo
o repertório psicoativo da modernidade.
Ouvimos na fala do Professor André Victor Cavalcanti Seal da Cunha a grande
aceitação e o desafio que o espiritismo representava para as práticas médicas
480 UERN.
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Erário Mineral do cirurgião Gomes Ferreira a partir de suas experiências nas Minas
Gerais, publicado em 1735. Esse livro traz vários elementos da farmacopeia e da
terapêutica colonial.
Os dois tratados citados foram importantes como fonte, pois são capazes de nos
mostrar vários tipos de práticas terapêuticas e concepções de cura e doença que
circulavam na época. Como sucesso editorial, entretanto, não podemos dizer o mesmo.
É provável que este livro tenha ficado restrito a poucos especialistas e diletantes. Ao
contrário deles circulava na época, e também na América portuguesa, alguns manuais
que eram verdadeiros sucessos editoriais, traduzidos para mais de 40 idiomas e
vendido em vários países. Tratava-se das obras de William Buchan, intitulada Medicina
Doméstica, e de William Cullen, intitulada Aviso ao povo a respeito de sua saúde. Esses
livros eram comprados por donas de casa, por fazendeiros, por industriais, ou por
quaisquer indivíduos que tinham necessidade de lidar com as doenças de seus
dependentes. Esses livros são fontes valiosas para conhecer as diferentes concepções
de doenças e as soluções curativas desta época.
Esses livros são fontes muito relevantes, sem dúvidas. Eu acabei chegando a
eles porque procurei entender, ao longo da minha pesquisa de doutorado, a origem de
uma forma específica de difundir conhecimento farmacêutico: os formulários médicos.
A grande maioria dos livros citados acima possui, na sua parte final, uma parte
intitulada "Formulário". O que é isso? É nesta parte do livro que são divulgadas as
receitas de remédios que deveriam ser usados para amenizar os infortúnios produzidos
pelas diversas enfermidades.
Todos esses tratados, sendo populares ou não, tinham uma limitação bastante
importante no que se refere ao seu grau de difusão durante o período colonial: a
tipografia era proibida na América portuguesa. Essa restrição fazia parte do conhecido
Pacto Colonial. Com a chegada da Corte portuguesa, em 1808, esse cenário se
modificou. Até meados do século XIX inicia-se aquilo que podemos chamar de mercado
editorial no Brasil. Jornais, revistas, romances, manuais, livros de todo o gênero passam
a circular e serem produzidos nas tipografias locais.
Entre os vários gêneros que passaram a circular no Brasil oitocentista, quero
fazer um destaque para as revistas voltadas para os interessados nos temas da
medicina. Nestes veículos eram travados vários debates entre o público leigo
interessado e os doutores das Faculdades de Medicina criadas naquele período. Toda
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essa literatura está disponível na Hemeroteca Digital Brasileira mantida pela Fundação
Biblioteca Nacional. Sabe-se, pela leitura dos editoriais, que estas revistas passavam
por dificuldades financeiras e eram de pouca regularidade. Existem algumas
especulações para explicar esse fracasso na obtenção de assinantes – uma delas é
apontar o baixo número de escolarizados capazes de ler as revistas.
Contrariamente a estas revistas, outro empreendimento editorial dentro da
mesma linha temática (saúde e higiene) acaba tendo um sucesso de público maior se
considerarmos as sucessivas edições e atualizações que estas obras sofreram. Muitos
professores médicos, vindos da Europa para construir a ciência médica no Brasil, se
lançaram como empreendedores editoriais. Obras foram publicadas objetivando
alcançar aquilo que era considerado os rincões ignorantes do país, mantendo o mesmo
espírito iluminista da tradição europeia. Eram, nas palavras de Jean-Baptiste A. Imbert
– fundador da Academia Imperial de Medicina (AIM) e autor de Manual do fazendeiro
ou tratado doméstico sobre a enfermidade dos negros (1839) – associar "a filantropia
leiga dos reformadores europeus aos interesses bem entendidos dos escravocratas
brasileiros". Ele também foi responsável por outras duas obras: o Ensaio Higiênico
sobre o clima do Rio de Janeiro, de 1837, e Guia Médico das Mães de Família, de 1843.
Outro autor, bastante polêmico por se posicionar em discussões médicas da época, foi
Luiz Francisco Bonjean – também fundador da AIM. Ele lançou o Médico e cirurgião da
roça e Primeiros Socorros ambas em 1866.
Dessa lista dos pioneiros gostaria de destacar ainda Theodoro Langaard, outro
membro da AIM. Ele escreveu vários livros, um deles, intitulado Formulário Médico, se
tornou obrigatório nas farmácias na segunda metade do século XIX enquanto o
governo não lançava a farmacopeia oficinal. Além desses, traduziu o Atlas de Anatomia,
publicou o Dicionário de Medicina Popular e Doméstica e Sucintos conselhos a jovens
mães para o tratamento racional de seus filhos.
O mais conhecido desses médicos autores, sem sombra de dúvidas, foi o Pedro
Luiz Napoleão Chernoviz, que escreveu o Formulário e Guia Médico e o Dicionário de
Medicina Popular. O primeiro, voltado para o público acadêmico; o segundo, para os
leigos. O Drummond escreveu posteriormente sobre Chernoviz, o tal "Doutor Pedro
Luiz Napoleão Chernoviz/ Não atende a domicílio/ Ninguém lhe vê a cara/ Misterioso
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doutor da capa preta".481 Ele é polonês, veio para o Brasil e fez parte da AIM, morando
na América alguns anos. Depois voltou para a Europa e se estabeleceu em Paris,
trabalhando nas novas edições de seu livro a partir da capital da França. É importante
destacar que seus livros, a cada edição, passavam por atualizações de acordo com as
últimas descobertas científicas. Suas obras seguiram sendo editadas até o início do
século XX, alcançando mais de vinte edições – incluindo três em espanhol.
Todos esses livros destacados tinham como característica comum o forte
sentido iluminista; visavam o público carente de assistência médica oficial, ensinando
alguns preceitos que deveriam ser adotados na ausência de um profissional. Apesar do
constante apelo para a necessidade de procurar um profissional habilitado, na prática
eles ensinavam até as operações mais complexas da época – cirurgia de amputação.
Esses manuais eram vistos com grande apreço pelos membros da comunidade
acadêmica ne primeira metade do século XIX, pois a disputa com os terapeutas práticos
e populares era ainda muito desfavorável. Eles eram necessários, porque a população
era inculta e acabava refém dos curandeiros, aproveitadores e charlatões de todo o
gênero.
Com o passar das décadas e o aumento do número de formados, assim como o
relevante papel que essa impressa exercia na formação de práticos autodidatas, tais
livros passaram a ser desprestigiados pelos profissionais formados, porém adotados
pelos leigos. Nesse ponto é preciso termos um cuidado. É muito fácil cairmos na
tentação de visões dicotômicas que colocam, de um lado, as práticas populares
difundidas e amadas pela população, de outro lado a ciência dos doutores alheia à
cultura da maioria da população. O que a análise desses manuais mostra, pelo contrário,
é a preocupação dos médicos com a difusão de técnicas oficiais para práticos que não
foram legalmente instituídos para praticar as artes médicas. Não existe uma oposição
e sim diferentes formas de circulação e intercâmbio entre os dois campos. Muitos
terapeutas populares, criticados pela medicina, andavam com seus manuais debaixo do
Brasil, os consultando sempre que necessário. As fórmulas, portanto, alimentavam um
caldo cultural que se expandia além da restrita comunidade dos terapeutas oficiais. É
interessante percebermos a prática de itinerâncias de muitos desses curandeiros, indo
481MOREIRA, Paulo. Os clowns de Machado de Assis, Lima Barreto e Monteiro Lobato. Machado Assis
Linha v.7, n.14, 2014, p.119.
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Para finalizar é preciso salientar que não cabe à História apenas identificar
tradições e apontar as suas permanências ao longo do tempo. É preciso apontar como
isso foi se transformando ao longo do tempo. Desde o século XVI até o XX, são várias
as tradições terapêuticas que disputavam hegemonia. Na lista de tendências e escolas
que vou apresentar agora não incluirei algumas correntes heterodoxas, como a
homeopatia. Vejam, a magia e o sobrenatural, o hipocratismo em suas diferentes
formas, o vitalismo, a geografia médica, a anatomopatologia (descrita brilhantemente
por Foucault no Nascimento de Clínica), o experimentalismo, as bactérias, o ceticismo
terapêutico (que apresentei no comentário que fiz na fala do Professor André) e, por
fim, a consolidação das especialidades. A pediatria, a cirurgia são exemplos de
especialidades que se consolidaram no começo do século XX. A Anestesiologia, falada
anteriormente, se consolidou na segunda metade do século XX. Ou seja, as formas de
pensar a doença e a cura mudaram muito ao longo do tempo.
Nesta história dos manuais apresentada é possível perceber que, apesar de
mudar as concepções de doenças, as possibilidades de tratamento e os contextos
sociais, econômicos e culturais, o receituário popular permaneceu durante todo esse
período. E essas receitas permitem aos indivíduos terem seu próprio repertório
terapêutico, independente da classe médica. Essa tradição é a base de uma cultura de
automedicação. A questão que coloco, para finalizar e lançar ideias para o debate, é
como devo denominar essa tradição. Já pensei em mentalidade, por ser algo que
atravessa diversos segmentos sociais, além de ser algo que pode ser inscrito na longa
duração; porém, não me parece adequado porque não se trata de uma linguagem
dominada por todos. Pelo contrário, alguns especialistas, diletantes e práticos
dominavam essa técnica. Eu acabei optando por denominar 'cultura farmacológica', um
termo que pretende nomear essa rede de compartilhamento de receitas, essa
linguagem comum que transpassava diversos tipos de terapeutas. Meu tempo já
encerrou. Eu agradeço a oportunidade e estou aberto para o debate. Obrigado.
REFERÊNCIAS:
ABREU, Jean Luiz Neves. O corpo, a doença e a saúde: O saber médico luso-brasileiro
no século XVIII. Tese. (PPG - História/Universidade Federal de Minas Gerais), 2006.
ALVES, Mariana Da Hora. Junta Central de Higiene Pública: ações, estigmas e conflitos
sociais (1850-1889). XV Encontro Regional de História - Ofício do Historiador: Ensino e
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Pesquisa. Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) - São Gonçalo (RJ). 2012.
Anais. 01-10 p.
BENCHIMOL, Jaime Larry. Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e revolução
pasteuriana no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz,1999.
______. Boticas & Pharmacias: uma história ilustrada da farmácia no Brasil. Rio de
Janeiro: Casa da Palavra,2006.
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SAMPAIO, Gabriela Dos Reis. Nas trincheiras da cura: As diferentes medicinas no Rio
de Janeiro Imperial. Campinas: EdUNICAMP,2001.
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Simpósio Temático 10
A HISTÓRIA E EDUCAÇÃO NO BRASIL:
HISTÓRIA, HISTORIOGRAFIA E EXPERIÊNCIAS DE
PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO
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INTRODUÇÃO
A elaboração do Plano Nacional de Educação brasileiro foi um processo iniciado
com a promulgação da Constituição de 1934 e previsto também pela Constituição
vigente desde o ano de 1988. Entretanto, o primeiro PNE só foi efetivamente
homologado através da Lei nº 10.172/2001, este vigorou de 2001 a 2010. Hoje, a
educação é regida pelo segundo PNE, Lei nº 13.005/2014, que propõe ações para o
período que compreende os anos de 2014 a 2024.
Neste estudo, tem-se por objetivo analisar a influência direta que o PNE exerce
sobre o Ensino de História. O PNE é uma Lei e será analisada com base nas concepções
de Lei fornecidas por Thompson (1987) e Stamatto (2012). Para entender o ensino de
história, foi de fundamental importância o entendimento de disciplina fornecido por
Chervel (1990) e a concepção de ensino de história de Bittencourt (2008).
Na relação do PNE com o Ensino de História foram identificados dois pontos
diretos de intersecção, o primeiro refere-se ao fomento do ensino da história e das
culturas afro-brasileira, africana e indígenas, e, o segundo, à elaboração da Base
Nacional Curricular Comum - BNCC. Para tanto, foram analisadas a produção
legiferante, a bibliografia correlata as temáticas e as manifestações institucionais
vinculadas no âmbito digital.
482Historiadora, Mestra em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – PPGH / UFRN,
(2010-2012). É doutoranda em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte PPGED / UFRN.
Tendo como áreas de interesse: História da Educação, Ensino de História, Fundamentos da Educação,
Educação Brasileira, História Urbana, Patrimônio, História Social do Brasil, Historiografia, Teoria da
História, História Econômica, História das Ciências e Arquitetura. Trabalhou no mestrado com o
movimento de degradação social, econômica e física do Bairro Histórico da Ribeira em Natal. Faz parte
do grupo de estudo "A educação e a Lei", coordenado pela Profª Drª Maria Inês Sucupira Stamatto. É
colaboradora externa (convidada/voluntária) do Laboratório de Estudos da Cidade, Urbanismo e
Território LaUrbe - UFERSA. No doutorado pesquisa a atuação do Estado na construção do imaginário
da cultura escolar durante a Primeira República.
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entende que “[...] não é possível conceber nenhuma sociedade complexa sem lei”
(THOMPSON, 1987, p.351). A Lei pode ser interpretada como sendo um instrumento que
media e reforça as relações entre as classes sociais, dos dominantes e dos dominados.
Para tanto, a Lei também atua, ideologicamente, na legitimação da dominação.
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Deste modo, Stamatto relaciona a legislação com a cultura que a produziu. Este
pressuposto fomenta uma interpretação, que busca na legislação, os elementos que
consolidam a cultura escolar e que incidem diretamente na maneira que é ofertado o
ensino, tanto de modo geral quanto no tocante específico de cada disciplina.
No decurso da história brasileira, principalmente a partir da independência,
observa-se a busca pela organização do ensino no país. Destarte, a primeira tentativa
de criação de um Conselho Educacional, na estrutura da administração pública,
aconteceu na Bahia, no ano de 1842. Já em 1846, a Comissão de Instrução Pública da
Câmara dos Deputados propôs a criação do Conselho Geral de Instrução Pública. A ideia
de um Conselho Superior somente seria objetivada em 1911 (Decreto nº 8.659, de
05/04/1911) com a criação do Conselho Superior de Ensino. A ele seguiram-se o
Conselho Nacional de Ensino (Decreto nº 16.782-A, de 13/01/1925), o Conselho Nacional
de Educação (Decreto nº 19.850, de 11/04/1931).
A grande repercussão do Manifesto de 1932 influenciou a Constituição de 1934,
que, em seu art. 150, dispunha que era competência da União “fixar o Plano Nacional de
Educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e
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político que expressa diferentes concepções e não por acaso as políticas educacionais,
na qualidade de políticas públicas, traduzem tais disputas” (DOURADO, 2010, p. 680).
De acordo com Dourado, o primeiro PNE apresentou um descompasso entre o
proposto e o efetivado, tendo em vista que as políticas educacionais adotadas pelos
governos não consideraram o PNE enquanto a principal diretriz das ações político-
pedagógicas realizadas no âmbito educacional. Ressaltando-se as diferenças
estruturais das políticas de Estado implantadas pelos presidentes Fernando Henrique
Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, durante a vigência do primeiro PNE, o que contribuiu,
mormente, para o não cumprimento de suas proposições. Dito isto, é destacado o
grande desafio, incumbido à sociedade civil e política no tocante a elaboração do novo
PNE, no qual deve ser considerada a necessidade do novo documento superar os limites
e entraves vivenciados pelo primeiro.
A construção do novo PNE contou com a participação ampla da sociedade,
especificamente dos agentes envolvidos na educação através da criação do Fórum
Nacional de Educação, da realização de duas Conferências Nacionais de Educação
(CONAE 2010 e 2014), sendo estas precedidas por amplos debates municipais,
estaduais e distritais, coordenados pelos respectivos Fóruns.
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que enfatiza ser dever do Estado proteger as “manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional” (CF, 1988, art. 215, §1º).
Desta maneira, é perceptível que as questões relacionadas ao ensino da história
e cultura afro-brasileira, africana e indígena, assim como a educação para as relações
étnico-raciais aparecem como estratégias operativas para o cumprimento de metas
consideradas prioritárias. No entanto, outras estratégias do PNE 2014-2024 referem-
se ao combate às desigualdades étnico-raciais (Estratégias: 11.13; 12.15; 13.4; 14.5),
porém, não se relacionam ao ensino de história.
Para que os conteúdos referentes ao estudo da história e das culturas afro-
brasileiras e indígenas sejam abordados de forma eficiente, esta temática precisa
compreender também a formação dos professores. Esta relação foi exposta no PNE
2001-2010, sendo o único momento em que efetivamente é abordada a questão étnico-
racial de valorização da história e da cultura afro-brasileira e indígena.
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Apesar das críticas tecidas com relação à última versão do BNCC, foi observado
que parte a história da Europa volta a compor o currículo, que mantém também a
antiquada ordem cronológica. Entretanto, o documento figura nos moldes de um
currículo mínimo, o que resulta na limitação da autonomia pedagógica dos educadores
da área de História.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decurso desta pesquisa, buscou-se evidenciar o processo de construção
histórica do PNE e sua relação com o Ensino de História, nesta intercessão foi
observada a valorização da história e da cultura afro-brasileira, africana e indígena, que
incidiu na formação dos professores e resultou na polêmica consolidação do Base
Nacional Comum Curricular. O BNCC figura nos moldes de um currículo mínimo, o que
resulta na limitação da autonomia pedagógica dos educadores da área de História.
Enfim, ao procurar parecer justa, a Lei que pretendeu valorizar a história das
raças subjugadas durante o processo de colonização, escondia em suas entranhas um
forte teor nacionalista/retrógrado, o que confirma a existência de interesses políticos
no momento em questão, considerando que o próprio PNE tem sua efetivação
ameaçada pela Emenda Constitucional nº 95/2016.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de
outubro de 1988. Brasília, 1988.
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ANDRADE, João Maria Valença; STAMATTO, Maria Inês Sucupira (orgs). História
ensinada e a escrita da história. Natal: EDUFRN, 2009.
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INTRODUÇÃO
Considerado como um momento de novas descobertas, desafios, e de até
mesmo para superar seus medos e temores, o Estágio Supervisionado surge nos
cursos da licenciatura como também um dos momentos mais importantes para a
formação e de crescimento para aqueles alunos que pensam em seguir na área de
ensino e se tornarem futuros professores.
Por outro lado há também aqueles que pensam ou consideram a cada entrada
em sala de aula como se fosse à entrada num campo de guerra, mas, o Estágio
Supervisionado, pode ser ou se tornar um divisor de águas, é um momento especial que
deve ser desfrutado com alegria mesmo que para alguns, essa seja a fase e uns dos
momentos principais de vencer seus maiores medos sejam quais eles forem; uma fase
excepcional para a descoberta de seu futuro acadêmico e profissional; uma fase de
desafiar-se a si mesmo e observar até onde vai sua organização, criatividade,
sensibilidade e paciência de escutar e trabalhar lado a lado com pessoas, em sua
maioria de uma faixa etária jovem e das várias camadas sociais da sociedade, que
trazem consigo suas vivências, interesses, saberes e histórias de vida diferentes.
Esse trabalho parte do componente curricular de Estágio Supervisionado II do
Curso de Graduação em História Licenciatura, do Centro de Ensino Superior do Seridó,
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação da professora
Juciene Batista Félix Andrade; através das experiências que foram vivenciadas em sala
de aula do mês de setembro à outubro de 2017, na turma do 9º Ano B, do turno
vespertino, da Escola Estadual Dom José Adelino Dantas, que está localizada no Bairro
Walfredo Gurgel, município de Caicó-RN, feito sob a supervisão do Professor
Veranilson Santos Pereira.
Esse artigo busca mostrar como o estágio supervisionado pode ajudar na
formação dos alunos da licenciatura em História a se reinventar na utilização de vários
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CARACTERIZAÇÃO DA TURMA
Mais especificamente já abordando sobre a turma que foi feita o estágio, o 9º
Ano B, do turno vespertino, com apenas 14 alunos, um número pequeno, se comparado
a outras turmas da escola. Desde o primeiro momento os alunos se mostraram ser bem
receptivos e tranquilos, por outro lado, demonstraram um pouco que apáticos e
envergonhados, sem quererem participar das aulas. Para quebrar um pouco o gelo, foi
realizado no primeiro momento um breve questionário para saber o nome, sua idade,
um pouco dos gostos de cada um e se eles gostavam da disciplina de história.
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Por meio da coleta e análise desses dados foi possível traçar um pequeno
panorama do perfil da turma, que era composta de alunos da faixa etária de 14 a 17
anos, que em sua maioria gostavam estudar e de utilizar o seu celular, e algo
surpreendente é que mais de 70% afirmaram ter começado a gostar de estudar a
disciplina de história após a chegada do novo professor e que havia alguns que lhes
interessavam conhecer os acontecimentos do passado, enquanto que os outros 30%
disseram que não gostavam da disciplina por muitas vezes não entender o que era
ensinado, de ser chata ou por não gostar de coisas antigas. A respeito do livro didático
usado nas aulas percebemos que ele continha muitos conteúdos e temáticas
importantes para serem debatidas, mas que ao mesmo tempo deixava a desejar no
quesito de como eram apresentados esses conteúdos, de maneira bem resumida e sem
fazer grande discussão sobre o assunto, ficando a cargo do professor em utilizar outros
meios e recursos didáticos para tornar o assunto mais fundamentado teoricamente e
de fácil compreensão do aluno.
Pelo que foi possível identificar boa parte dos alunos eram residentes nas
proximidades da escola e o restante morava nos bairros das redondezas. Sobre o
aspecto socioeconômico não foi possível traçar um perfil minucioso a esse respeito,
mas pelo que foi observado em sala de aula e até do público que frequentava a escola,
percebemos que boa parte desses alunos fazia parte das classes sociais
desfavorecidas. E em relação ao nível de aprendizagem e compreensão dos conteúdos
ministrados, percebemos inicialmente a carência que muitos deles tem com a escrita,
leitura e interpretação de textos.
CARACTERIZAÇÃO DO PROFESSOR
Já a respeito do perfil que podemos traçar do professor Veranilson Pereira dos
Santos, ele é Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e tem especialização em
Geopolítica pela FIP com ênfase em História. Com vinte anos em sala de aula, de uma
trajetória exitosa, o professor mostra o quanto está capacitado e comprometido para
seguir realizando um excelente trabalho como professor de história na rede pública e
privada de ensino.
Mesmo sem ter muito o apoio da coordenação da escola para o planejamento
e execução de sua prática como docente, ele por conta própria estuda e prepara as suas
aulas nos momentos livre em sua casa devido o pouco tempo que há disponível quando
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está na escola. Nas suas práticas de ensino, usualmente busca a participação dos
alunos por meio de perguntas e algumas brincadeiras, faz o uso do livro didático,
Datashow, computador, caixa de som, do próprio uso do quadro de escrever e outros
recursos didáticos quando necessário. Quase sempre ministra suas aulas no próprio
espaço da sala de aula, mas em alguns momentos busca usar o espaço do pátio da
escola, da biblioteca e quando necessário para realizar alguma atividade mais
elaborada, utiliza-se do espaço de um estúdio de rádio que existe na instituição. Em
relação às atividades externas ou de campo para análise de questões da história local
ou do espaço que estão inseridos os alunos, pelo que observamos, elas quase não são
feitas devido a fatores econômicos, à distância e a própria segurança dos alunos.
Ainda podemos perceber pelo discurso do professor que ele tem uma postura
mais conservadora e tradicional e não é adepto das novas inovações. No que se diz
respeito à questão de indisciplina em sala de aula ele mostrou-se ser bem impositor
com as regras que estabelece em sala de aula desde o início de cada ano letivo, para
aqueles alunos que fogem à regra, ele faz uso de métodos como o de encaminhar o
aluno para a sala da coordenação, para que lá ele realize alguma atividade preparada
pelo professor com antecedência.
Em relação às dificuldades de aprendizagem, o professor, geralmente no início
de cada ano busca receber das mães desses alunos algum relatório médico para que
esse aluno possa ter um atendimento especializado no horário oposto, ou se não, ao
longo do ano o professor junto com a coordenação buscam identificar os outros alunos
que tenham algum outro tipo de déficit de aprendizagem, para assim tomar as medidas
cabíveis para auxiliar em sua aprendizagem e inclusão.
Um dos pontos que mais nos chamou atenção foi no que se diz respeito ao
processo de avaliação do ensino-aprendizagem e os critérios utilizados pelo professor.
Percebe-se que ao longo do bimestre o professor faz uma diversidade de avaliações,
como por exemplo: “atividade de pasta” (uma espécie de minipesquisa sobre alguns
assuntos trabalhados em sala de aula) que no final do bimestre o professor faz o
sorteio daquelas atividades que serão avaliadas por ele; dependendo do tempo
disponível se realiza apresentação de um seminário ou de uma paródia sobre o assunto
da matéria e para completar a nota quantitativa do bimestre se realiza uma prova
subjetiva e um simulado objetivo.
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Algo que não se pode deixar de citar é que o professor para além do método
quantitativo busca observar aqueles alunos que participam nas aulas, interagem,
aprendem e estão acompanhando bem a matéria; ele faz a dispensa de suas avaliações,
mas que na realidade não é algo que sempre ocorre e são poucos os alunos em toda a
escola que entra dentro desse critério, que mais que tudo serve como um tipo de
incentivo para os demais quererem participar e aprender o que é ensinado em sua
disciplina.
Como critérios básicos para avaliar cada aluno ele não só observa sua
aprendizagem, mas também a responsabilidade de cada aluno em cumprir com os
prazos de entrega de trabalho, e, acima de tudo, observa como é o caráter do aluno (se
ele colou ou fraudou em algum exame), caso o aluno desrespeite esse critério, o
professor dá algumas punições como uma forma de buscar ajudar esse aluno na
construção de seu caráter como um indivíduo consciente de seus atos dentro da escola
e na sociedade.
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e a turma, eles foram essenciais para traçar um breve perfil de ambas as partes e assim
planificar os próximos encontros.
Para se pensar como planificar e preparar as aulas que seriam ministradas no
Estágio Supervisionado de História, ao ler a introdução do livro “História na sala de
aula”, escrito por Leandro Karnal, percebemos que ele aborda sobre a questão de se
pensar a renovação do ensino de História,
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imprevistos acontecem, tentamos ser flexíveis com os planos, caso ocorresse alguma
mudança.
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ensino das aulas de História, o autor Marcos Napolitano, mostra que a música popular
tem sido preferida pelos professores pela sua característica indubitável de ser “a
intérprete de dilemas nacionais e veículos de utopias sociais; canta o futebol, o amor, a
dor, um cantinho e o violão.” (NAPOLITANO, 2002, p.7)
E ao final da atividade cada grupo teve que responder a pergunta “O que é Ser
Brasileiro?”, em uma folha de cartolina, expressando sua opinião livremente sobre o
assunto. Pelos trabalhos que foram entregues, dava-se para perceber o quanto os
alunos estavam atentos e eram críticos ao que tem acontecido na atual crise política
que vive o país, dificultando a eles distinguirem apenas uma coisa que caracterize o “Ser
Brasileiro”. Como se tratou de uma atividade grupal, os alunos foram avaliados de
acordo com sua participação e desempenho na execução da atividade proposta.
Já na semana seguinte por motivo de uma reunião administrativa não foi
possível ministrar aula, mas podemos participar dessa reunião e ao longo dela foram
abordados temas referentes ao desempenho e comportamento dos alunos em cada
turma/ disciplina, como também observaram os desafios que a escola, os funcionários
e os alunos hão sofrido nos últimos tempos com a forte ameaça das drogas e do crime
organizado, muito presente nas redondezas da própria instituição. Nesse encontro foi
possível ter um panorama geral dos vários desafios e problemas que um professor vai
encarar dentro e fora da sala de aula ao longo de sua trajetória como educador.
Na seguinte aula tratamos de debater sobre a “Segunda Guerra Mundial”, sob
um olhar mais social e percebendo as principais vítimas desse conflito. Além da
explanação oral do conteúdo programado, utilizamos o auxílio do Datashow para
mostrar relatos de sobreviventes e vítimas da Segunda Guerra Mundial e algumas
imagens do período da II Guerra Mundial, como também problematizamos e discutimos
a letra da música “A Rosa de Hiroshima” (2000) de Ney Matogrosso, para fazer os
alunos refletirem como esse período da Segunda Guerra Mundial deixou marcas de
destruição e horror que jamais serão apagadas da história da humanidade. Ainda
buscamos evidenciar e dar voz aquelas pessoas que foram as principais vítimas desse
grande conflito, tentando relacionar e debater como muito do que as vítimas do
Holocausto sofreram se assemelha com o que tem acontecido diariamente há milhares
de pessoas que são vítimas de algum tipo de preconceito, perseguição ou massacre,
seja por sua cor, etnia, religião, opção sexual ou ideologias políticas ou filosóficas.
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Ou seja, a autora deixa claro que a formação docente é algo que requer tempo
para se consolidar e o comprometimento do professor em conhecer seu alunado, de
está sempre buscando renovar-se enquanto sua prática educativa através da busca de
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outros referenciais teóricos que lhe ajude a construir e consolidar suas práticas
cotidianas no espaço educacional.
Dando continuidade a nossa discussão, em uma aula posterior, que foi uma das
mais desafiantes e exaustivas, por se tratar sobre “A participação do Brasil na II Guerra
Mundial” e da “Guerra Fria”, buscamos abordar os vários acontecimentos desse período
que o mundo esteve dividido entre um lado Capitalista liderado pelos EUA e um lado
Socialista sob a liderança da ex-URSS, como também buscamos mostrar as várias
mudanças culturais e sociais que estavam ocorrendo nessa época na sociedade.
Por se referir de temas e acontecimentos que estão presentes nos livros
didáticos, mas que quase sempre é difícil o professor da rede básica de ensino chegar a
debatê-los pela falta de tempo, suas próprias escolhas e os atropelos que sempre
existem no calendário escolar. E em nossa prática de ensino, logo depois que
debatemos sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, buscamos inovar
um pouco, de uma maneira não tão casual apresentamos para os alunos um episódio
do “Pica-Pau”484 sobre a corrida espacial para então começar a falar do momento
histórico denominado como a Guerra Fria. Era possível perceber o estranhamento
inicial dos alunos, mas ao propor uma atividade de análise do episódio em questão, eles
começaram ao longo da aula relacionar uma coisa com a outra, possibilitando uma
melhor compreensão e fixação do conteúdo.
Trabalhando nessa mesma perspectiva de utilização de outros recursos
didáticos nas aulas de História, a autora Circe Bittencourt485, mostra que a concepção
de documento abarca uma variedade de marcas e registros produzidos pelas diversas
sociedades ao longo do tempo, e, que o professor na atualidade pode fazer o uso de
uma infinidade de recursos disponíveis, como por exemplo: livros didáticos, filmes,
excertos de jornais e revistas, histórias em quadrinhos, músicas, mapas, pinturas,
cartas e etc. Em relação a escolha de quais materiais o professor deve escolher
Bittencourt, aborda que a escolha dos materiais vai depender das concepções que o
próprio educador tenha sobre o conhecimento e da maneira como os alunos irão
aprender e a formação que lhe está sendo oferecida. (2011, p.333)
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explanação da aula; também levamos para a sala de aula relatos de algumas vítimas de
tortura da Ditadura Militar no Brasil para que eles lessem. A respeito de como os alunos
reagiram e se sentiram no decorrer dessa atividade, percebia-se o quanto eles estavam
assustados e impressionados com tantas torturas e atrocidades que foram aplicadas
nesse período a aquelas pessoas que eram contrárias aos ideais do regime militar.
E, ao final da aula, dividimos a turma em dois grandes grupos para poder
escutar e fazer a análise das letras das canções de protesto, “Pra não dizer que não
falei das flores” (1968) de Geraldo Vandré e da música “É proibido proibir” (1968) de
Caetano Veloso, buscando perceber de que maneira esses cantores e outros
compositores dessa época através do uso de alegorias e metáforas nas letras das
músicas, fizeram críticas contra o governo da Ditadura Militar sem que fossem pegos
pelos censores do Estado. Pelo pouco tempo que eles tiveram para realizar a última
atividade, ainda assim percebemos o quanto os alunos estavam interessados em
compreender e aprender sobre esse período tão sombrio da História brasileira, tendo
em vista que nos últimos tempos se há acirrado muito o debate na mídia e nas redes
sociais pela defesa da volta desse tipo de regime de governo.
A Professora Maria Auxiliadora Schmidt quando escreveu sobre a importância
do ensino da História Local para falar sobre do processo de construção da consciência
histórica fez uso do que o historiador Jörn Rüsen propôs, quando afirmou que a
consciência histórica funciona como um “modo específico de orientação” nas situações
reais da vida presente, tendo como função específica ajudar o aluno e o professor a
compreender a realidade passada para compreender a realidade presente.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, este segundo Estágio Supervisionado de História foi de fundamental
importância para a nossa formação como um futuro docente na área de Ensino de
História. A pesar de todos os desafios que tivemos ao longo dessa maravilhosa
experiência de entrar em sala de aula e se desbravar no mundo de jovens adolescentes
em sua fase de formação; sentimentos de gratidão, felicidade, saudade, realização e
dever cumprido são o que mais sentimos neste momento.
Sabemos que essa foi apenas uma fase curta de aprendizagem e novas
descobertas, se comparado ao longo caminho que ainda a carreira de Professor de
História nos aguarda. Com os avanços tecnológicos e midiáticos, nas últimas décadas,
aumentaram as discussões sobre o Ensino de História, vimos e atestamos o quanto o
professor de História deve-se está reinventando enquanto a sua prática educativa, na
maneira como faz o planejamento de suas aulas, no modo como ele trabalha com as
diferenças sociais e culturais existentes no entorno da comunidade e de seus alunos, e
as formas e métodos que ele utiliza os novos recursos didáticos e metodológicos em
suas aulas de História, com o intuito de gerar o debate e interesse de seus alunos, sua
apropriação dos conteúdos e mais que tudo, sua aprendizagem e reconhecimento como
um sujeito histórico.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Crislane Barbosa. Planejamento docente na aula de história: princípios e
procedimentos teórico-metodológicos. In: Revista Metáfora Educacional, Feira de
Santana, n.17, jun. 2013.p.4-28.
CAIMI, Flávia Eloisa. Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões sobre ensino,
aprendizagem e formação de professores de História. In: Revista Tempo. V. 11, nº 21, 2006.
p. 17-32
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PAU, Pica. Episódio de Pica Pau na lua. Youtube. 6 de fev de 2016. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=2s7Tsp0VRAI&t=4s> Acesso: 9 de out de 2017 .
VANDRÉ, Geraldo (1968). “Pra não dizer que não falei das flores.” Geraldo Vandré.
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INTRODUÇÃO
O processo de formação de alunos nas universidades trás a tona o debate acerca
da construção da identidade deste para com a sua futura profissão e os meios por quais
a graduação contribuirá nesse transcurso durante a vida universitária. São diversos
debates, experiências, questionamentos, exemplos, aprendizagens, etc. ao longo do
curso superior que farão com que o aluno se reconheça e seja reconhecido pelos seus
pares enquanto profissional da sua área específica.
Pensando isto, diferentes espaços vinham refletindo sobre a formação
profissional dos universitários de forma mais qualitativa. Dentre estes, o avanço em
políticas públicas para a formação superior, principalmente no Governo Lula (2002-
2010) trouxeram contribuições de grande relevância para um ensino superior mais
democrático e com a preparação de futuros profissionais qualificados que estejam
inseridos na sociedade brasileira. Programas como o ProUni (Universidade para Todos),
a Universidade Aberta do Brasil (UAB), o Reuni (Programa de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais) e para o caso desta pesquisa, o PIBID (Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), revelam a necessidade de se expandir
os limites da universidade e de se pensar a formação destes recentes graduandos.
Entretanto, a conjuntura do Brasil mudou. O atual Presidente da República,
Michel Temer, tem assumido políticas neoliberais no seu governo, que se apresentam
para a sociedade com privatizações de empresas estatais, afrouxamento das leis
trabalhistas, não diálogo com os movimentos sociais e a PEC do teto dos gastos
públicos que congela por vinte anos os investimentos nas áreas da saúde, segurança e
educação e que já começa a reverberar no dia a dia. Nas universidades, bolsas de
487 Licencianda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN e ex-bolsista de
iniciação à docência - PIBID\UFRN\História.
488 Licenciando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN e ex-bolsista de
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Somadas as respostas “sim” e “na maioria das vezes”, a taxa de alunos que já pensaram em
desistir do curso chega a 67,5%.
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O
Gráfico apresenta dos temas que os alunos sentem falta em sala de aula.
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que compreendam o seu ofício e seu objetivo, que no caso do professor de História na
Educação Básica, reside na formação de cidadãos conscientes do seu tempo.
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futuras vidas profissionais de seus bolsistas, foi o fator “dar sentido ao que se ensina”.
Para se ensinar História a alguém devemos antes conhecer esse alguém, conhecer sua
realidade para assim tornar o estudo dos conteúdos importantes para aqueles que os
realizam.
As vivências no dia a dia escolar se apresentam como uma forte característica do
PIBID. Garantir aos graduandos uma primeira experiência, antes dos estágios, mostra-
se uma excelente oportunidade de descobertas e crescimento dos discentes
possibilitando um grande desenvolvimento, antes de sua inserção na docência.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir deste relato de experiência das nossas vivências enquanto bolsistas do
PIBID, podemos inferir como o programa possui uma importância para a formação dos
licenciandos em História, na medida em que a experiência no projeto permite que os
discentes possam construir sua identidade como profissional da História que tem sua
especificidade para a construção do conhecimento histórico. No PIBID, o graduando
tem a oportunidade de vivenciar a sua prática docente, interagir, refletir, dialogar sobre
e com a comunidade escolar.
É a partir da experiência do PIBID que nós, licenciandos em História, pudemos
construir uma postura investigativa e reflexiva sobre a nossa prática docente,
compreender qual a nossa função social enquanto professores de História e a
importância que temos para a formação de cidadãos conscientes do seu tempo,
condições estas, imprescindíveis para entendermos o sentido na nossa formação
profissional e consequentemente para a nossa permanência universitária.
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REFERÊNCIAS
CERRI, Luis Fernando. A formação de professores de história no Brasil: antecedentes
e panorama atual. História, histórias. Brasília, vol. 1, n. 2, p. 167 - 186, 2013.
PROST, Antoine. As questões do historiador. In: Doze lições sobre a história [tradução
de Guilherme João de Freitas Teixeira]..— Belo Horizonte : Autêntica Editora , 2008.
ANEXOS
Roteiro de questionário aplicado pelo Centro Acadêmico de História da UFRN
(CAHISP)
1. Qual período você está cursando?
2. Qual a sua idade?
3. Qual seu gênero?
4. Qual sua cor\etnia?
5. Qual sua renda familiar?
● Até um salário mínimo
● Até dois salários mínimos
● Até três salários mínimos
● Até quatro salários mínimos
● Mais de cinco salários mínimos
6. Os professores tratam os alunos com educação?
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● Sim
● Não
● Na maioria das vezes
● Nunca
7. Há critérios claros de avaliação das atividades requeridas?
● Sim
● Não
● Na maioria das vezes
● Nunca
8. Você considera que há conexão entre as disciplinas?
● Sim
● Não
● Na maioria das vezes
● Nunca
9. O que mais foi difícil no semestre do curso?
● Entender os textos
● A quantidade de textos
● A quantidade de atividades e avaliações
● A dificuldade em entender os professores
● Outros
10. Você já teve vontade de desistir do curso?
● Sim
● Não
● Na maioria das vezes
● Nunca
11. Se a resposta anterior foi afirmativa, qual o motivo?
● Professores
● Aulas
● Curso
● Demanda fora da academia
● Outros
12. O que você sente falta nas aulas do curso?
● Discussões que dialoguem com a atualidade e a sociedade fora da academia
● Aulas que objetivem a sua formação enquanto profissional de História
● Outras metodologias de aula
● Outros
13. Suas expectativas foram atendidas ao entrar no curso?
● Sim
● Não
14. Se quiser, comente mais sobre:
15. Há diferença em como você se sentia em relação ao curso quando calouro e como se
sente no atual semestre?
● Sim
● Não
16. Se quiser, comente mais sobre:
17. Você acha que uma mesma atividade poderia servir para avaliação de duas ou mais
disciplinas?
● Sim
● Não
● Talvez
18. Você acha que ajudaria a mudança de horário da manhã (Exemplo: as aulas começarem
às 07:50 e se estenderem até as 11:30)?
● Sim
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● Não
● Talvez
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INTRODUÇÃO
Esse texto é fruto direto das experiências e aprendizagens que vivenciamos ao
longo da disciplina Estágio Supervisionado I, do curso de História da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte. Essa Cadeira tem por objetivo fazer os alunos
refletirem sobre os usos possíveis das fontes históricas no ensino e na pesquisa em
História. O seu desenvolvimento, além da carga horária teórica, se dá em um arquivo e
no contato direto com as fontes, por isso, a depender de que maneira e nível de
organização em que esteja o arquivo, os discentes podem ter noções básicas de
manuseio, higienização e conservação de diferentes tipologias documentais.
Essa exitosa experiência de Estágio ocorreu no arquivo da Estadual Juscelino
Kubistchek, localizada no município de Assú, no Estado do Rio Grande do Norte. Através
dela percebemos a importância da preservação e manutenção dos arquivos escolares,
uma vez que esses significam a possibilidade de reapresentar a história da própria
instituição, bem como da sociedade da qual ela é parte. Em contato com seu arquivo
pudemos observar os diversos cursos que já foram oferecidos pela instituição, que
públicos e faixas etárias já foram alvo das práticas educativas desenvolvidas por aquela
escola e, de modo especial, nos interessamos pela história do Curso Normal que a
referida escola ofertou em meados do século XX.
Neste sentido, este texto se deterá em uma reflexão sobre o contexto em que
essa modalidade foi fomentada pelo Estado brasileiro, mas de modo mais específico,
nos concentraremos na reverberação disso no município de Assú através do curso que
aí foi implantado. A fonte privilegiada para esse ensaio foi localizada no Arquivo da
490 Discente do curso de História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, Campus de
Assú. E-mail: saracordeirorn@gmail.com
491 Discente do curso de História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, Campus de
mail: rosenilsonsantos@yahoo.com.br
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Escola, o Livro de Posse do “Curso Normal de Assú, datado do ano de 1952, ano de
ingresso da primeira turma do referido curso.
Para efeito de organização, esse texto se subdivide em três seções. Na primeira
discutiremos o início do processo de formação docente através das primeiras escolas
Normais no Brasil. Na segunda, trataremos do advento da República no Brasil e de suas
ressonâncias sobre a educação Normal no país, destacando as medidas adotadas pelo
Estado e procurando compreender o contexto político-histórico do país durante a
década de 1950 no sentido de pensar um “síntese da evolução do Ensino Normal da
perspectiva da ação do Estado e da política educacional por ele desenvolvida” (TANURI,
2000, p. 61). e, na terceira e última seção, dialogaremos sobre o Curso Normal Regional
do Assú, estabelecendo uma zona de intersecção entre as referências bibliográficas
trabalhadas e as fontes localizadas no processo de Estágio antes referido.
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Savani, relata também, que ao adotar este novo modelo, outras províncias
passaram a seguir por este mesmo caminho ainda no século XIX, na ordem a seguir:
Bahia, 1836; Mato Grosso, 1842; São Paulo, 1846; Piauí, 1864; Rio
Grande do Sul, 1869; Paraná e Sergipe, 1870; Espírito Santo e Rio
Grande do Norte, 1873; Paraíba, 1879; Rio de Janeiro (DF) e Santa
Catarina, 1880; Goiás, 1884; Ceará, 1885; Maranhão, 1890. (2009, p. 144).
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A década de 1950 foi um período “[...] marcado por grandes agitações nos
âmbitos políticos, econômicos e educacional no cenário brasileiro”. (VIEIRA, 2005, p.
42), vivia-se o governo de Getúlio Vargas, contexto no qual o nacionalismo e o
trabalhismo eram fortemente difundidos. Segundo Daniela Vieira, é um momento no
qual também se difunde a ideia de que “Deveria, ainda, fazer-se do Estado o maior
responsável pela distribuição da educação para as classes mais populares.” (2005, p.
43). Nesse sentido, Vargas tentou elevar os investimentos relacionados à educação, no
entanto, sua preocupação maior se deu em direção ao ensino superior no país, deixando
em segundo plano o ensino primário.
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Para compreendermos como Curso Normal foi inserido na região do Vale do Açú,
além de tratar da legislação que possibilitou sua oferta, se faz necessário entendermos
também o contexto político-histórico no qual o Brasil se encontrava na época, ou seja,
durante a década de 1950.
Entendemos que o Curso Normal, consistiu em um grande processo de formulação da
prática docente organizada pelo Estado, de forma regional e no Brasil, de uma forma mais
abrangente, não foi contudo, algo totalmente exitoso. Os Cursos Normais surgiram em uma
época em que o país passava por um momento relativamente instável, quando vivia-se um
período de transição de uma sociedade rural para um modelo mais urbano, na qual exigia-se a
ampliação da educação de uma forma urgente, se fazia necessária, a Lei Orgânica de 1946,
nesse contexto, se tornou um meio para reorganização do ensino normal em todo o país,
tornando-se um parâmetro a ser seguido em todo o Estado.
Nesse sentido os Estados acabaram por aprovar leis próprias que regulamentavam a
oferta desse tipo de formação, tendo por parâmetro a Lei Orgânica n° 8. 530 de 21 de janeiro de
1946:
De acordo com essa referida lei, em seu Art. 2° o Ensino Normal era ministrado
em dois ciclos. O primeiro dará o curso de regentes do ensino primário, em quatro anos,
e o segundo, o curso de formação de professor do ensino primário em três anos. O que
também foi decretado através da Lei Orgânica do Ensino Normal foi a segurança para
os alunos que concluíam o segundo ciclo do curso normal, o que daria a eles o direito
de ingressarem nas faculdades de filosofia, as principais finalidades desta lei orgânica
era:
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493 Disponível em: www.soleis.adv.br – BRASIL. Lei Orgânica do Ensino Normal (Decreto-Lei Nº 8.530,
de 2 de janeiro de 1946). Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-
lei-8530-2-janeiro-1946-458443-publicacaooriginal-1-pe.html
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O Curso Normal Regional do Assú ofertado pelo Estado, segundo Morais e Silva
(2011), apesar de sua criação datar de 1949, através da Lei n. 204 de 1949, só se
concretizou na cidade por meio da Lei Estadual N° 621 de 06 de dezembro de 1951. Essa
lei estadual, por sua vez, atendia aos requisitos impostos pela Lei Orgânica do Ensino
Normal (Decreto-Lei Nº 8.530, de 2 de janeiro de 1946), que normatizou o Ensino
Normal, nacionalmente instituindo três tipos de estabelecimentos, a saber: o instituto
de educação, a escola normal e os cursos normais regionais., com o principal intuito de
formar profissionais docentes do ensino primário e diminuir os números de mestres
leigos nas salas de aula. O “Curso Normal” funcionou com essa nomenclatura até a
promulgação da lei n° 4.024 de 20 de dezembro de 1961, através da qual foi renomeado
para Curso Normal Ginasial.
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Até dezembro de 1951 o Rio Grande do Norte era o único estado do Nordeste que
não possuía uma modalidade do Ensino Normal mantida pelo Estado. Nesse mesmo
ano foram criados 14 Cursos Normais regionais, em cidades que eram consideradas
pontos estratégicos no interior do Estado: Martins, Pau dos Ferros, Santa Cruz, Santana
do Matos, Florânia, Nova Cruz, Angicos, Macau, Currais Novos, Alexandria, Apodi, Ceará-
Mirim, Caraúbas e Assú494.
No que diz respeito ao curso da cidade de Assú, encontramos um documento em
específico no arquivo da Escola Estadual Juscelino Kubistchek, intitulado “Livro de
posse do Curso Normal Regional do Assú”, datado de 04 de março de 1952. O
documento trata-se do termo de posse de oito professores do Curso Normal Regional,
os mesmos atendendo pelos nomes de: Márcia Gilzete Souza, Eurenice da Silva
Rodrigues, Maria José Medeiros, Teresinha de Sá Leitão, José Mariano da Fonsêca, José
Herminegildo de Medeiros, Osvaldo de Oliveira Amorim e Cristovam Thomás Dantas e
Ponto Diário dos professores do curso já mencionado.
Segundo os registros analisados, a primeira turma era contemplada com as
seguintes disciplinas: Trabalhos manuais, economia doméstica, desenho, caligrafia,
português, educação física, canto orfeônico e matemática.
Já retomadas as atividades de formação docente na cidade de Assú, a primeira
turma iniciou suas aulas nas instalações do prédio do Grupo Escolar Tenente José
Correia, no período noturno, tendo em vista que o prédio se mantinha ocupado nos
turnos matutino e vespertino com o ensino primário. Silva relata que, devido aos
inúmeros blecautes que ocorriam durante a noite, estes interrompiam a turma em suas
atividades. Devido a falta de espaço para realização das atividades do grupo de alunas,
se fez necessário a criação de um prédio próprio para o Curso.
A autora cita também, que as obras se iniciaram durante o governo de Sílvio Pizo
Pedroza, no ano de 1952, porém não foram concluídas de imediato por falta de recursos.
494 Antes da criação dos curso oficiais na década de 1950 o governador do RN, Rafael Fernandes, instituiu
a Lei nº 82 de 10 de dezembro de 1936, que em seu Artigo primeiro estabelecia que o curso normal
mantido pelo Colégio N. S. das Vitórias, da cidade de Assú, dirigido por irmãs religiosas da Ordem do Amor
Divino “[...] fica equiparado à Escola Normal de Natal, sujeitando-se à fiscalização necessária e de acordo
com as exigências legais, podendo o referido estabelecimento fazer a expedição dos diplomas.” (RIO
GRANDE DO NORTE, 1936, p. 151). AQUINO, Luciene Chaves de; NETA, Olivia Morais de Medeiros. O Curso
Normal Regional de Pau dos Ferros (RN): a inauguração da formação docente no Alto Oeste Potiguar
(1951-1961). Disponível em: http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe7/pdf/05-
%20HISTORIA%20DA%20PROFISSAO%20DOCENTE/O%20CURSO%20NORMAL%20REGIONAL%20D
E%20PAU%20DOS%20FERROS%20(RN).pdf
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A obra foi retomada somente no ano de 1955, pelo bispo da Diocese de Mossoró, D.
Eliseu Simões Mendes, ao perceber a urgência para conclusão de tais obras.
Silva e Morais (2011) vão detalhar este ponto da História referente ao Curso da
seguinte forma:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos neste artigo, realizar uma breve contextualização acerca do processo
de formação docente no Brasil, através do Ensino Normal, enfatizando a emergência
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das chamadas Escolas Normais, fruto da estratégia adotada pelo Estado brasileiro,
visando a melhoria na formação dos professores do ensino primário, que a princípio foi
deixado a cargo e sob a responsabilidade das províncias.
O surgimento de um novo regime político no Brasil, a República, não é sinônimo
de muitas transformações no âmbito da educação. Uma das únicas modificações
aparente no universo da educação formal no país foi a inserção da mulher na formação
docente. Acabamos por perceber, que mesmo com a instalação destas instituições e
dos cursos Normais o processo de substituição dos mestres sem formação foi muito
lento, por fatores que a pesquisa histórica vem levantando.
No Rio Grande do Norte, por causa da distância das cidades do interior em
relação as duas Escolas Normais existentes no Estado, que estavam situadas em Natal
e Mossoró, durante o governo Vargas criou-se os Cursos Normais Regionais, estes
localizados estrategicamente em cidades do interior do Estado para formar
professores para o ensino primário.
Por fim, ainda podemos considerar a importância do Arquivo da Escola JK para a
ampliação dos nossos conhecimentos sobre o Curso Normal que foi oficializado na
cidade do Assú na década de 1950, lançando luzes sobre seus professores/as,
alunos/nas e as disciplinas que eram ofertadas e cursadas à época.
REFERÊNCIAS
Arquivo Histórico da Escola Estadual Juscelino Kubistchek, Assú/RN. Caixa: 05.
envelope: 01. Livro de posse do Curso Normal Regional de Assú de 04 de março de
1952.
SILVA, Maria da Conceição Farias da. O Curso Normal de 1° Ciclo em Assu/RN (1951 a
1971). 2011. 170 f. Tese (Doutorado em educação) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Natal, 2011.
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INTRODUÇÃO
Essa pesquisa foi realizada na disciplina “Historiografia e Pesquisa do Ensino de
História”, durante o semestre de 2018.1.497. Estudar o ensino de história vem se
constituindo um objeto de pesquisa em crescimento nos pós-graduações de História e
Educação no país, e para isso tivemos como inspiração o trabalho realizado por Flávia
Caimi, “Investigando os caminhos recentes da história escolar: tendências e
perspectivas de ensino e pesquisa”, para fazer um esboço do que vem sendo produzido
na UFRN e que está disponível para acesso no repositório institucional.498. O critério de
seleção foi o de busca no Repositório a partir da palavra-chave “ensino de História”.
Assim, partindo dos títulos dos trabalhos, escolhemos as pesquisas que se encaixavam
nesse filtro. Cabe aqui mostrar as especificidades dos dois programas que
apresentaram trabalhos de pesquisa voltados para a pesquisa em ensino de história.
Primeiramente, o PPGH tem como categoria central a discussão do espaço e
possui três linhas de pesquisa: Linha I: Formação, Institucionalização e Apropriação dos
Espaços; Linha II: Espaços de Memória, Cultura Material e Usos Públicos do Passado e
Linha III: Linguagens, Identidades e Espacialidades. Vale salientar que essas linhas de
pesquisas foram alteradas no edital para ingresso em 2018. No edital de seleção para
2017, as linhas eram: Linha I: Relações Econômico-sociais e Produção dos Espaços e
Linha II: Cultura, Poder e Representações Espaciais. Dado o período em que as
dissertações foram produzidas, os trabalhos sobre ensino de história do repositório
estão especialmente na linha de Cultura, poder e representações espaciais. A grade
curricular vigente no curso é de 2016.2, com carga horária mínima total de 300 horas e
optativa de 120 horas.
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O PPGED, por sua vez, funciona há 39 anos nessa universidade e possui sete
linhas de pesquisa: educação e inclusão social em contextos escolares e não escolares;
educação matemática e ensino de ciências; educação, linguagem e formação do leitor;
estratégias de pensamento e produção de conhecimento; formação e
profissionalização docente; história da educação, práticas socioeducativas e usos da
linguagem; política e práxis da educação e política e práxis da educação. O PPGED
possui um maior banco e opções de linhas de pesquisa, pois oferta doutorado e
mestrado.
Buscamos observar, a partir do resumo e da introdução dos trabalhos, como eles
diferem entre si, dentro dos demais do próprio programa e em relação ao outro
programa. Também identificamos os objetos de investigação, as fontes e metodologias
utilizadas, os recortes temporais e as possíveis linhas de pesquisa para estudo do
ensino de história. Dessa forma, observamos apenas o que os autores quiseram
destacar no próprio trabalho e não sua abordagem e discussão como um todo.
Definimos aqui como pesquisas de ensino de história as que buscaram
compreender como o ensino e o conteúdo de história se desenvolvem como processo
de aprendizagem, formação e espaço escolar, tanto para o professor quanto para os
alunos.
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da História Curriculares
(RÜSEN, Estaduais para o
2010). Ensino de Cultura do
RN, e o livro
Introdução à Cultura
do Rio Grande do
Norte (GURGEL;
VITORIANO;
GURGEL, 2003).
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Os resultados apresentados por Antônia Batista nos mostra um novo olhar para
o livro didático e a formação do professor, já que ela coloca o discurso do docente como
responsável pela formação e explicação do conceito não de forma epistemológica, mas
sim significativa aos alunos, e coloca o livro como um importante auxiliar no processo
de entendimento e aprendizagem. No entanto, temos mais uma vez um estudo que se
volta ao “ensinar história” com o olhar didático, metodológico, distante da reflexão de
historicidade.
O quadro seguinte contém os aspectos principais das pesquisas, possibilitando
uma observação comparativa. Podendo notar que a metodologia das pesquisas parte
da mesma proposta, e a diferenciação dos trabalhos está nas questões de aprendizado:
Como se aprende? - tempo, revolução social, história local, conhecimento de mundo,
conteúdo histórico – E essa especificação é que passa a nortear os quadros teóricos e
suas conclusões.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas análises dos diversos trabalhos, é possível notar que no PPGH
prioriza-se trabalhar com o saber histórico escolar, tanto no PNLD como nos livros
didáticos de História. Também é presente a relação com a Didática da História, ao tratar
da formação do conhecimento histórico, da aprendizagem histórica e da função social
da história. Além disso, observamos a influência de cada trabalho sobre o outro,
inclusive ao mencionar a contribuição dos demais no Programa. Dada a área do
Programa ser de História e Espaços, as três dissertações partem da compreensão do
espaço escolar, partindo das contribuições de Margarida Dias, Antônio Frago e
Augustín Escolano.
Já no PPED podemos notar um padrão de metodologia de pesquisa, tanto os
trabalhos de mestrado como os de doutoramento, já que tinham como fonte e acervo
o espaço escolar e consequentemente se utilizava do método qualitativo, se valendo de
entrevistas, cadernos de campo, questionários. Sendo importante notar também que o
olhar para o ensino de história em todos os trabalhos partiu da questão metodológica,
de como se aprende, como se ensina, o processo de explicar, como se fazer gostar do
conteúdo de história. Se voltando para pedagogia do ensino de história e se
distanciando da historicidade do ensino de história, da compreensão do saber histórico
e sua função.
Dessa forma, de maneira comparativa, podemos afirmar a partir dos trabalhos
aqui observados que ambos trabalham com o espaço escolar, mas enquanto no PPGED
é priorizado as entrevistas e a ida à campo, no PPGH, o espaço é pensado enquanto uma
dimensão física, além dos muros da escola.
Vale destacar que está ocorrendo na UFRN o desenvolvimento de outras linhas
de observação do ensino de história, a partir do programa nacional de Mestrado
Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA), coordenado pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na UFRN, é chamado de Programa de Pós-graduação
em Ensino De História (PPGEH) e contém três linhas de pesquisa: Saberes históricos
no espaço escolar; Linguagens e narrativas históricas: produção e difusão e Saberes
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REFERÊNCIAS
CAIMI, Flávia Eloisa. “Investigando os caminhos recentes da história escolar:
tendências e perspectivas de ensino e pesquisa”. In: ROCHA, Helenice. MAGALHÃES,
Marcelo. GONTIJO, Rebeca. (org.). O ensino de história em questão: Cultura histórica,
usos do passado. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2015.
POTIER, Leda Virginia Belarmino Campelo. História para "ver" e entender o passado:
cinema e livro didático no espaço escolar (2000-2008). 2014. 151f. Dissertação
(Mestrado em História) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2014.
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SILVA, Katiane Martins Barbosa da. Os usos e funções do ensino de História a partir
da disciplina “Cultura do RN” (2007 a 2013). 2015. 153 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, 2015.
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Pressionada pela luta do Movimento Negro no Brasil, a LDB foi alterada pela Lei
nº 10.639 de 2003, tornando obrigatório no ensino de história o estudo da História e
Cultura Africana e Afro-brasileira, e posteriormente substituída pela Lei nº 11.645 de
2008, inclui a História e Cultura Indígena. Por meio da educação e valorização da história
e cultura dos povos afro-brasileiros e indígenas, objetiva-se transformar as relações
étnico-raciais e assim combater o racismo, bem como qualquer outra forma de
discriminação.
A escola, nesse sentido, “constitui-se como um espaço garantidor dos desejos e
direitos que a sociedade considera como fundamentais” (SILVA, 2015, p. 22). E o ensino
de história deve estar, portanto, voltado
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Apesar das significativas mudanças ainda persiste nas práticas escolares e nos
livros didáticos uma abordagem predominantemente etnocêntrica, visão esta marcada
“pelos pressupostos de uma ideia de História universalizante, cronológica e
eurocentrada” (CONCEIÇÃO, 2015, p. 24).
No caso da história do Rio Grande do Norte, grupos indígenas e afro-
descendentes sofrem, historicamente, com um processo de silenciamento de suas
memórias. É uma constante nas narrativas históricas a afirmação de que negros
tiveram uma presença irrelevante na composição e construção da sociedade potiguar.
No entanto, “quando examinamos de perto a tradição oral, verificamos a existência de
elementos recorrentes que, apreendidos conjuntamente, terminam por informar sobre
um passado que não foi registrado nos livros de história” (CAVIGNAC, 2003, p.2).
Diante deste aspecto da historiografia sobre o Rio Grande do Norte e com base
nessas concepções do ensino de história e sua função na educação básica, o grupo de
bolsistas do PIBID de História da UFRN realizou com os alunos da Escola Estadual Zila
Mamede a produção de uma sala temática, intitulada “Comunidade Quilombola de
Capoeiras”501. Concordamos, nesse sentido, com a historiadora Maria Telvira Conceição
(2015) ao defender que não basta inserir no currículo escolar conteúdos que façam
alusão aos povos africanos, é preciso antes que se tenha uma nova visão sobre como
se escrevem (e foram escritas) essas narrativas, posto que a omissão historiográfica
também interfere diretamente no processo de construção de identidades.
Por meio da atividade proposta (e aqui relatada) tínhamos como objetivo
principal incentivar o questionamento sobre os elementos que integram a identidade
étnica e cultural no Rio Grande do Norte. Ao possibilitar às alunas e alunos conhecerem
outras narrativas possíveis sobre a experiência histórica potiguar, pretendíamos fazê-
los perceber que existem discursos sobre a história e cultura do Rio Grande do Norte
que silenciaram (e silenciam) a contribuição de diferentes grupos para a formação do
Estado.
501A sala temática foi apresentada a comunidade escolar durante a Semana da Cidadania, evento
igualmente pensado e organizado pelos bolsistas do PIBID História/Natal da UFRN. Com duração de três
dias, a Semana da Cidadania consistiu na apresentação de trabalhos, bem como rodas de conversas, cujos
temas eram inclusão social, gênero e consciência negra.
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502 Um zine consiste num meio de comunicação independente não profissional e não oficial, que
funciona como divulgação de conteúdos e materiais diversos, tratando especialmente de temas que a
imprensa oficial não aborda com profundidade.
503 Conforme Oliveira (2010, p. 11), para que a pesquisa histórica seja produzida: 1) elege-se uma
problemática (tema, período histórico); 2) tem-se o tempo como categoria principal (como o assunto em
estudo foi enfrentado por outras sociedades); 3) dialoga-se com o tempo por meio das fontes (utiliza-se
o livro didático, mapas, imagens, músicas, documentos); 4) utilizam-se instrumentos teóricos e
metodológicos (conceitos, formas de proceder); 5) constrói-se uma narrativa/interpretação/análise
(pede- se um texto, um debate, uma peça teatral, uma redação, uma prova).
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Primeira fase
A primeira fase da atividade consistiu nas reuniões do PIBID de História,
realizadas uma vez por semana junto aos demais bolsistas – atuantes em outras
escolas do Estado - e as coordenadoras do subprojeto, responsáveis por nos orientar
nas nossas atividades, priorizando a formação de professores compromissados em
formar cidadãos e não meros reprodutores dos conteúdos curriculares. Durante as
reuniões, debatíamos sobre o contexto da escola e nossas expectativas quanto a
realização da atividade aqui relatada.
Nosso projeto era desafiador. Tínhamos um grupo de 20 alunos de diferentes
turmas. Diante de nós surgiam questionamentos: como definir objetivos em comum?
Como alcançá-los? Foram a partir desses encontros que tivemos a possibilidade de nos
reinventar sempre que necessário. Foram nessas reuniões que colegas e
coordenadoras nos sugeriam ideias, referências bibliográficas mas, sobretudo, nos
encorajavam a seguir adiante.
Semanalmente, os bolsistas que atuavam na Escola Estadual Zila Mamede
também se reuniam. Era preciso estabelecer nossos objetivos, bem como determinar
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Segunda fase
Para que a atividade fosse bem sucedida, os alunos foram orientados e acompanhados
antes, durante e após a visita. Inicialmente, nos reunimos com o grupo de alunos para
discutir seus conhecimentos prévios acerca da temática que seria abordada.
Debatemos questões sobre identidade, perguntamos o que sabiam sobre a
participação do negro na formação do Estado potiguar, se conheciam ou se tinham
conhecimento do que era uma comunidade quilombola e qual a sua importância na
história da população afrodescendente no Brasil.
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Terceira fase
Após a visita e com bastante material coletado, o grupo deu início ao
desenvolvimento dos produtos. Para tanto, realizamos na escola reuniões semanais
com a finalidade de acompanhá-los nesse processo, desde a seleção das fotos ao
processo de edição do vídeo, e escrita dos relatos apresentados no ZineZila.
A exposição fotográfica objetivava lançar um olhar sobre outras realidades a fim
de valorizar a diversidade a partir da experiência, percebendo a existência de múltiplas
experiências históricas e reconhecendo as diversas identidades que compõem a
sociedade brasileira (OLIVEIRA, 2010, p. 64).
O mini documentário, por sua vez, procurou mostrar como se dá o processo de
resistência de uma comunidade quilombola, apresentando as entrevistas com as
lideranças e cenas registradas, como as apresentações de danças e a roda de capoeira.
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Quarta fase
Com todo o material devidamente sistematizado, era hora de apresentar para a
escola a Sala Temática “Comunidade Quilombola de Capoeiras”. Os alunos decidiram a
organização do espaço da sala, assim como determinaram os componentes de cada
grupo, responsável por expor o material produzido. Durante a exposição, deveriam
explicar o processo de produção do material, além de relatar suas impressões sobre a
comunidade e a atividade em si.
Cabe ressaltar que a sala temática, apresentada na “Semana da Cidadania”,
estava atrelada as discussões sobre consciência negra. Nesse sentido, os alunos foram
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consituicao/constituicao.html>.
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GATTI JÚNIOR, Décio. Demandas sociais, formação de cidadãos e ensino de História. In:
OLIVEIRA, Margarida Marias Dias de (coord.) História: Ensino Fundamental. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. (Coleção Explorando o
Ensino; v. 21)
MANCHUR, Josiane; SURIANI, Ana Lucia Affonso; CUNHA, Márcia Cristina da. A
contribuição de projetos de extensão na formação profissional de graduandos de
licenciaturas. Revista Conexão. Ponta Grossa, v. 9, n. 2, p. 334-341, 2013.
NADAI, Elza. apud. Lagoa, Ana. História. O bonde que a escola perdeu. In:Revista Nova
Escola. (São Paulo: Abril, n. 53, nov. 1991, p. 16).
PIMENTA, Selma Garrido. (Org.). Saberes pedagógicas e atividade docente. 4ed. São
Paulo: Cortez, 2005.
SILVA, Katiane Martins Barbosa da.Os usos e funções do ensino de História a partir
da disciplina “Cultura do RN” (2007 a 2013). 2015. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.
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QUEM SOMOS
Além de estudantes do curso de Licenciatura plena em História pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fomos bolsistas do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) durante o ano de 2016 no qual
foi concluído essa experiência. Tendo em vista que o PIBID atua em algumas escolas da
rede Estadual de ensino, nós, supervisionados pela Professora Verbena Nidiane de
Moura Ribeiro, estávamos inseridos na Escola Estadual Professor José Fernandes
Machado onde acompanhamos e intervimos nas aulas da turma do 8 ano A nas sextas-
feiras no horário a partir das 13:35 às 14:45.
NOSSO PÚBLICO
A turma na qual atuamos pelo PIBID era composta por 27 alunos na qual 14 são
meninas e 13 são meninos. Partindo do pressuposto que planejamos nossa prática
escolar a partir da realidade dos alunos, listaremos agora os motivos responsáveis por
nossas seleções de conteúdo, de metodologias, de avaliações e de discussões
problematizadoras. 1º). Tendo em vista que Natal é uma cidade praieira e que o
Machadão (nome pelo qual chamaremos a partir de agora a Escola Estadual Professor
José Fernandes Machado) está localizado no bairro de Ponta Negra, e que fica
aproximadamente quatro quilómetros da praia de ponta negra. A praia é uma fonte de
renda complementar para muitas famílias da região, e muitas delas são compostas
pelos nossos alunos, dessa maneira quando o período de alta estação começa, nos
meses de junho e julho, e final de ano, sem contar as festas, feriados prolongados etc.,
há uma grande evasão por parte dos alunos que deixam a escola por algum tempo para
ajudar os pais nas atividades comerciais. 2º) A desmotivação dos alunos para com aulas
tradicionais expositivas. 3º) A não participação de boa parte dos alunos ás atividades,
mesmo quando estipulam nota avaliativa no bimestre.
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NOSSO DESEJO
Partilhamos do pensamento que o ensino de História deve encontrar sentido no
cotidiano de nossos alunos, não podemos problematizar o conteúdo pelo conteúdo,
sonegando assim, a realidade dos sujeitos participantes do processo ensino-
aprendizagem e não levando em consideração o contexto social no qual então inseridos.
Queremos que os alunos a partir do debate sobre o conceito de liberdade, de como ele
está posto em nosso cotidiano e como funcionou em outra temporalidade, possa
enxergar a possibilidade da existência de outra realidade. Não queremos construir
“experts” em iluminismo ou antigo regime, mas usaremos esse recorte do passado
para que eles percebam que em uma outra época o conceito de liberdade foi importante
para a mudança de uma sociedade, e que tal como aconteceu nesse passado não muito
distante, pode também acontecer agora.
Na busca para alcançarmos nosso objetivo junto aos alunos, usaremos como
parâmetros norteadores, um pequeno recorte das Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Básica, alguns recortes dos Parâmetros Curriculares Nacionais, o livro
Fundamentos Teórico Metodológicos para o Ensino de História (anos iniciais) do Prof.
Dr. Itamar Freitas de Oliveira e a participação da Profa. Dr. Maria Margarida Dias de
Oliveira na coordenação da coleção explorando o ensino de 2010.
Sobre as DCN, escolhemos um pequeno recorte que define nossa escolha de
partir primeiramente da realidade social a qual o aluno está inserido para planejar
nossa prática, escolher os conceitos e valores que serão problematizados e por fim, que
conteúdos trabalharemos em sala de aula.
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ANTECEDENTES IMPORTANTES
Vale salientar ainda, que tivemos uma experiência anterior com a turma, a qual
teve importância direta para intervenção que embasou este artigo. Nesta experiência
anterior, buscamos trabalhar com os alunos a permanência de práticas escravocratas
em nossa sociedade, principalmente em relação ao trabalho análogo à escravidão. A
maneira como escolhemos para problematizar esse tema, foi a partir da definição do
conceito de Escravidão, como a lei da sociedade brasileira atual se relaciona com o
trabalho análogo a escravidão, e apresentando aos alunos as causas e consequências
da escravidão contemporânea. Em seguida, abordamos como a lei brasileira no período
colonial e imperial se relacionava com a escravidão, as formas de resistência dos
escravos e como se configurou a abolição da escravatura.
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DA TEORIA À PRÁTICA
É preciso ressaltar ainda, o quanto a LDB de 1996, mais precisamente o artigo
27º, foi importante para a nossa prática metodológica:
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horário de 50 minutos, dividimos a turma em dois grupos de cinco e de seis alunos, com
o propósito de gerenciar melhor o material, e em seguida distribuímos revistas, cola,
papeis A4 e tesoura. Feita a divisão e entregue os materiais, pedimos que cada um
recortassem uma imagem que expressasse o que significava para eles a ação de
liberdade e de não liberdade. Para a escrita deste artigo decidimos mostrar apenas três
das onze respostas.
Figura 1. Emilly Sabrina escreveu a seguinte legenda: “Liberdade de poder estudar sem depender de
ninguém. Liberdade para ser alguém na vida e se esforçar para no futuro ter muitas conquistas”
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Figura 2. A aluna Amanda da Costa Silva escreveu a seguinte legenda: “Liberdade para o trabalhador,
sendo negro ou sendo branco, sendo homem ou sendo mulher, o importante é ter estudo, não importa a
cor, raça e sexo”
Figura 3. A resposta do aluno Fabricio de Souza Junior: “Muitas pessoas não podem expressar suas
opiniões, ou serem o que gostam de ser, na foto abaixo, mostram duas pessoas serem mortas no Irã,
porque eles não são homens.”
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INTRODUÇÃO
Buscando discutir acerca de novas metodologias usadas em sala de aula para o
ensino de História, pensamos na elaboração de um jogo que servisse como uma
ferramenta que buscasse autonomia, a formação cidadã e estimulasse o pensamento
crítico do aluno, relacionando com a sua realidade. Como destacou Maria Fermiano,
alguns objetivos de se trabalhar com jogos no ensino de história são de
506 Estudante do curso de Licenciatura plena em História pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. E-mail: brito.bruna@live.com
507 Estudante do curso de Licenciatura plena em História pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. ericaricellty@hotmail.com
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O que passa a ser importante mostra o que foi esse momento histórico na esfera
política. Nesse sentido as cartas relacionada à classe política trouxe o conteúdo de
quem eram esses políticos, quais ações eles tomaram, qual o projeto eles queriam
implementar. Partido dessa ideia, tivemos como personagem principal o prefeito
Barata Ribeiro, 1892 a 1893, que foi responsável pelo decreto de demolição do cortiço
Cabeça de Porco, Pereira Passos engenheiro e prefeito do Rio de Janeiro entre 1902 e
1906, que buscou “ fazer da cidade suja, pobre e caótica réplica tropical da Paris
reformada por Haussmann” (CARVALHO, p. 95).
Como também as ideias de higienização social sustentada nesse processo,
Carvalho trás um projeto do vereador Pereira Rego para demonstrar como se
constituiu a ideologia higienista:
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Podendo ser observado como essa população pobre era tratada, as exigências
que eram impostas a ela diante a um precarização habitacional que era
responsabilidade do estado. O rigor para o pobre permeia nas relação estado e
sociedade, e a rejeição das politicas sanitárias pela classe pobre se deu principalmente
pelo modo que as políticas publicas chegam nesse espaço, do rigor, da intimação, da
violência gratuita. Sendo um tema bastante fértil no espaço da sala de aula.
E para a manutenção da ordem e imposição do rigor, a polícia passa a ser
utilizada. Dessa forma, termos como ultima classe a das forças de segurança. Como
essas forças foram utilizadas pelo estado para a manutenção dos seus projetos.
Destacamos para essa classe as ações que elas tiveram nas intervenções sanitaristas,
como já relatado no trecho a cima de José Murilo de Carvalho, mas também tratamos
de mostrar como ela foi utilizada no processo do bota abaixo, como no momento já
comentado que foi a destruição do cortiço Cabeça de Porco:
Tendo como exemplo também a revolta da vacina, no qual foi instituído estado
de sítio e houve conflitos e prisões deliberadas. E mesmo quando as tensão estavam se
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normalizando as intervenções policiais mantiveram seu alvo nas regiões pobres, como
no seguinte trecho de Carvalho:
Como ato final, no dia 23, a polícia fez grande batida no morro da Favela,
mobilizando 180 soldados. Os 100 casebres do morro foram varejados,
sem que fosse encontrada uma só pessoa. Para não perder a viagem,
na volta a tropa revistou casas de cômodos e prendeu várias pessoas.
(CARVALHO, p. 113).
APLICAÇÃO DO JOGO
Após a produção do material didático na disciplina de História do Brasil
República II e apresentação na disciplina, nós tivemos a oportunidade de aplicar o jogo
no contexto de uma turma de Ensino Médio na Escola Estadual Professor Antônio Pinto
de Medeiros, campo de atuação escolhido para a disciplina de Estágio Supervisionado
para Formação de Professores II.
No dia 22 de maio de 2017, na turma do terceiro ano “A” de Ensino Médio
regular, no turno noturno, levamos o jogo Ludo para aplicação como forma de
intervenção do Estágio. A turma possuía um perfil bastante adulto, em que a maior
parte possuía empregos formais durante o dia e utilizavam o turno noturno para
concluir os estudos.
Levamos dois tabuleiros para separar a turma em dois grandes grupos. A
execução das atividades foi realizada pela dupla de estagiárias Bruna Gonçalves de
Brito Dias e Erica Ricelle Costa e Silva, em que cada uma das estagiárias ficou
responsável por um tabuleiro. Após a separação da turma em dois grandes grupos,
solicitamos que fossem formados quatro grupos menores, de modo que cada grupo
seria responsável por um personagem do jogo (médicos, políticos, agentes de
segurança e população pobre), a cor e os pinos dos respectivos personagens.
Eles foram bastante competitivos e participativos. Nos preocupamos em
explicar o contexto de cada carta e questionávamos sempre a eles se aquele discurso
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era distante deles ou não. Eles perceberam por conta própria que o jogo colocou a
população pobre em desvantagem, observando que apesar dos esforços da população
pobre naquele contexto, a força da elite unida em prol da demolição dos cortiços e da
associação das classes pobres ao perigo e à marginalidade era algo presente no
cotidiano daquela população. Ao perceber a desvantagem da população pobre causada
pelos movimentos nas cartas que sempre indicavam que eles deveriam voltar casas ao
invés de avançar, eles se sentiram injustiçados, mas a reação não foi desistir do jogo. A
reação foi de propor união para lutar contra as classes dominantes que estavam
ganhando por possuir privilégios. Isso demonstra que eles tiveram um sentimento de
empatia com os grupos atuaram naquele contexto e, como cidadãos ativos, desejaram
transformar a sua realidade.
A maior dificuldade para a execução do jogo na turma foi o barulho, já que os
dois tabuleiros foram colocados na mesma sala de aula e a medida que os alunos
torciam e vibravam, aumentava a dificuldade na leitura das cartas e promoção do
debate. Apesar disso, os estudantes entenderam o conceito de higienização e o jogo de
forças de poder, isto é, o discurso utilizado pela elite e de que forma este discurso
influenciava a vida da população mais pobre. Também compreenderam o contexto
histórico vivenciado pelas populações urbanas por meio do jogo e percebem que os
problemas daquele momento ainda são problemas atuais no RN. Além disso,
enxergaram-se como sujeitos históricos e exercitaram empatia, colocando-se no lugar
dos personagens do jogo e atuando como se estivessem vivendo naquele contexto,
inclusive planejando revoltas populares ao perceber as injustiças impostas à
população pobre.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho pretendeu explicitar a experiência de produção e utilização um
jogo como recurso didático. Percebemos que o uso dessa metodologia, associada aos
objetivos de ensino estabelecidos desde o início contribuíram fortemente para a
motivação e interesse dos alunos para o ensino de História, além de perceberem-se
enquanto sujeitos históricos ativos no processo de ensino e aprendizagem. Também foi
uma experiência essencial para a formação das graduandas, que tiveram a
oportunidade de produzir novos materiais didáticos e com novas abordagens que,
apesar do recorte temporal e relato de experiência da produção para uma temática
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específica, pode ser utilizados por qualquer profissional de História sobre qualquer
temporalidade. Desta forma, a divulgação de nossas experiências também pretende
contribuir para o campo do ensino da História.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Débora El-Jaick. O lúdico e o sério: experiências com jogos no ensino de
história. História e Ensino, Londrina, 2007, v.13, p.91-106.
CARVALHO, José Murilo. Os bestializados. São Paulo: Companhia das Letras, 1983.
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
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INTRODUÇÃO
A história agrária brasileira é marcada por um processo de grilagem, conflito e
violência. Nos rincões da expansão fundiária do nosso país, emergem sujeitos que se
fazem ver e ouvir não apenas na História, mas no chão das salas de aula da rede pública
do Brasil. Nesse sentido, a escola, ao pensar a formação cidadã, deve contribuir para a
construção de uma narrativa na qual os alunos remanescentes desse passado histórico
enxerguem a si próprios e os indivíduos em situação de conflito por terras como
sujeitos capazes de agenciar seus próprios interesses e justificarem suas ações por
meio de suas próprias visões de mundo.
Itamar Freitas (2010) defende que a presença da temática indígena na sala de
aula, é um compromisso que deve ser assumido para além das questões legais, sendo
também um dever ético. Entendemos aqui que estas proposições se alargam também
para a experiência das populações sem terras e dos pobres do campo, haja vista que,
assim como os grupos indígenas, estes também sofrem historicamente com a exclusão,
a violência e a perspectiva sempre presente da perda do que, para eles, é um direito. É,
portanto, o dever de um país que se propõe democrático: a tolerância, o respeito e a
convivência com as diversidades que compõem o povo e precisam ser contempladas no
projeto de identidade nacional. A História, nesse sentido, contribui para esse dever ético
ao dar voz a esses grupos através do estudo do seu passado, reconstituído com o fim
de viabilizar uma melhor compreensão das tensões e disputas do tempo presente.
No seu artigo 3º, a Constituição Federal de 1988 define os objetivos que guiam
o projeto da nação brasileira, sendo este fundamentalmente baseado na construção de
uma nação livre, justa, solidária, sem preconceitos de qualquer tipo e que se propõe a
erradicar a pobreza, a marginalização e a desigualdade. A educação, destarte, insere-se
de forma vital nesse contexto a partir do momento no qual está preocupada com uma
educação de qualidade social, focada na formação cidadã dos educandos. As Diretrizes
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“Na zona rural, 7,4% das escolas não possuem energia elétrica, 12,7%
não têm esgoto sanitário e 11,6% não têm abastecimento de água. Na
zona urbana, apenas seis escolas não possuem energia elétrica, 0,2%
não têm esgoto sanitário e 0,2% não têm abastecimento de água”.
(NOTAS ESTATÍSTICAS DO CENSO ESCOLAR DE 2016, 2017, p. 6)
Ainda segundo o mesmo censo, 89,8% das escolas com ensino médio estão na
zona urbana e apenas 10,2% na zona rural e na maioria das escolas do campo a apenas
um docente assumindo a responsabilidade de todas as funções concernentes aos anos
iniciais. A discrepância gritante entre a estrutura escolar das zonas rural e urbana é
reflexo de uma dura realidade na qual as populações do campo são constantemente
negligenciadas em seus direitos pelo governo e sociedade em geral. É espantoso
perceber que cerca de 30% da população do estado do Rio Grande do Norte é rural e
mesmo assim as políticas públicas para promover melhoria de vida para esses grupos
ainda são tão ausentes.
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O CAMPESINATO NO BRASIL
Para José de Souza Martins (1998) a vida privada nas áreas de expansão da
sociedade brasileira é marcada pelo espectro da fuga, da perspectiva sempre constante
de saída ou da expulsão, de modo que “para os pobres, é o movimento de fuga das áreas
que os grandes proprietários e as empresas vêm ocupando progressivamente. Para os
ricos, é um território de conquista.” (MARTINS, 1998, p. 664). Nesse sentido, o autor
ainda defende a persistência de modos de vida que sobrevivem mediados por novas
relações sociais, mas que carregam marcas arraigadas no passado: “paisagens, fugas,
medos, linguagem, lendas, histórias, mentalidades, classificações e diferenciações de
coisas e pessoas” (MARTINS, 1998, p. 664)
Essa população, em constante estado de deslocamento ou na perspectiva de ter
de migrar, são os diretamente atingidos pelo que o autor supracitado chama de “versão
moderna da Conquista”. Não se trata, todavia, de assumir forçosamente que essas
comunidades são completamente subordinadas e despossuídas, relegadas às vontades
dos senhores de suas terras. Na verdade, Hebe Maria Mattos (2001) propõe um visão
de relativa autonomia desses sujeitos frente às elites latifundiárias. Ao estudar as
populações do campo no Brasil Colônia e Império, a autora propõe que as
características idiossincráticas do campesinato brasileiro permitiram certa autonomia
para esses atores sociais no que se refere ao acesso à terra e organização de suas
próprias vidas. Os pobres do campo constituem para si um microcosmo que, social e
culturalmente, escapava do controle dos poderosos.
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O SILÊNCIO DA HISTORIOGRAFIA
Nas obras clássicas da historiografia produzida pelo estado não é diferente.
Seguindo a tendência das produções já publicadas na época, a historiografia norte-rio-
grandense dificilmente dá a devida importância para os homens pobres que habitam o
solo potiguar, priorizando a romantização dos costumes do campo, ao invés de um
estudo sobre sua vulnerabilidade social e a verdadeira origem de sua pobreza. O
violento processo de grilagem na história da expansão da fronteira agrícola no Rio
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Grande do Norte não encontra lugar nas páginas escritas pelos historiadores
renomados do estado.
O esquecimento – deliberado ou não – da história desses indivíduos é um
processo constante, pois os mesmos não são patrocinadores de obras historiográficas
e suas ações e anseios são minimizados com um sistema político e social que parece
pouco preocupar-se com a injustiça e o descaso para com essas populações. Muitas
vezes esses indivíduos destituídos estão longe dos centros, longe das capitais, com
dificuldade de acesso à justiça e com difíceis modos de mobilidade entre as cidades,
permanecendo às periferias que não são visitadas e sequer lembradas pelos donos do
poder.
A população sem-terra sequer é mencionada nos clássicos de Rocha Pombo,
Tavares de Lyra e Câmara Cascudo, o que em parte poderia explicar a visão
estereotipada que permeia a consciência histórica da sociedade urbana e “esclarecida”
quando percebe-se seu repúdio pelas as ações e motivações desses grupos
subalternos. E isso segue a interesses específicos. O apagamento das lutas históricas
das populações pobres rurais e sem-terra, bem como suas conquistas, alinha-se com o
interesse de grandes latifundiários e proprietários de terra em desacreditar os
movimentos – organizados ou não – que lutam intensamente pelo seu direito à terra.
Ao passo que sabemos que Tavares de Lyra era político, proprietário de terras e cheio
de alianças políticas e negociações com grandes latifundiários, torna-se claro que não
seria de seu interesse evidenciar as demandas desses povos. Da mesma forma, Rocha
Pombo atém-se aos evento de grande porte que, em sua opinião, seriam os mais
importantes para forjar uma história do Rio Grande do Norte, inspirado pela
compreensão do “espírito do tempo”. Câmara Cascudo, por sua vez, com suas estreitas
ligações políticas com o prefeito de Natal, também não deu lugar à voz contrária ao
status quo, pois esta voz chocava-se diretamente com os interesses de Sylvio Pedroza,
que estava no final de seu mandato e pretendia eternizar seus feitos numa obra que
agradasse, evidentemente, aos mais poderosos.
Entendemos que o ensino de história, nesse caso, faz-se extremamente
necessário e tem função dupla: promover a empatia e o entendimento tolerante sobre
as exigências e formas de mobilização dos sem-terra. Além disso, funciona para alargar
a experiência temporal desses sujeitos, de modo que se dê voz às suas próprias
reivindicações, situando-as num contexto histórico de demandas, vitórias e lutas.
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Figura 1: Início do processo criminal C12V23, de 1891, disponível no acervo do LABIM - UFRN.
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1 Trecho retirado do processo criminal C12V23, do Laboratório de Imagens da UFRN, Acervo de São José
de Mipibu – Ações Criminais
512 Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do Império. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0601-1850.htm
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MATERIAL DIDÁTICO
A partir das análises e discussões feitas através a partir da fonte supracitada,
elaboramos a charge apresentada a seguir, com a qual pretende-se sugerir uma
sequência didática a ser utilizada em sala de aula, mais especificamente em turmas do
oitavo ano do ensino fundamental ou da segunda série do ensino médio, como forma de
iniciar uma discussão. Serão apresentados, também, objetivos, conteúdos e estratégias
a serem pensados pelo professor com sua turma. Trata-se, portanto, da análise da
charge como fonte, como também uma maneira de acessar o cotidiano das pessoas
pobres do Rio Grande do Norte oitocentista, como também pensar a forma como esses
sujeitos agenciavam a lei conforme achavam justo, realizavam disputas e lutas.
Os objetivos da aula seriam, a priori, três:
a) Entender o terreno da lei como campo de disputa e não apenas como máscara
de dominação de classe;
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Figura 2: Charge elaborada a partir da fonte e com a ajuda do artista Um Antônio, 2017.
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Para tanto, o professor pode iniciar a aula com algumas perguntas norteadoras,
tais como: como se estrutura a distribuição de terras no Brasil? Quais formas foram
usadas pelas pessoas mais pobres para a garantia do direito à terra? Esperamos que a
partir dessas discussões, os alunos percebam o quão desigual é a distribuição de terras
no país e que esse é um processo histórico marcado por muitas lutas e tensões. Em
seguida, o professor pode convidá-los para analisar um caso real, aqui transformado
em charge (Figura 2) no qual dois homens pobres disputaram pelo direito a terra.
Na charge, os elementos visuais auxiliam na discussão: as roupas dos homens
parecem indicar sua classe social, ao que as feições permitem ter uma ideia da diferença
de idade entre eles. A querela parece acontecer por conta do pequeno pedaço de terra
que disputam, um de cada lado. Contudo, a justiça intervém ao fincar sua espada no
meio da confusão. Nas falas encontra-se a grande questão em jogo: a quem pertence a
terra? De um lado, Manoel de Brito defende sua posse por conta do tempo em que vive
no lugar; de outro, Manoel Victor defende seu direito alegando ter comprado o terreno,
tendo nas mãos o que seria um documento comprobatório. Aparentemente impassível,
a lei dá o veredito: a terra não pertence a ninguém.
A essas conclusões os alunos podem chegar ao serem interpelados a
questionarem a charge. Conforme avançarem as discussões, o professor pode ir
revelando detalhes do processo que já foram aqui discutidos, trazendo para o debate a
contextualização dos dois personagens, suas noções de Justiça, o confronto disso com
o discurso oficial e a maneira como Manoel de Brito obteve vitória. Pode-se perceber,
dessa forma, como a lei para essas pessoas é um espaço de disputa onde costumes e
interesses entram em conflito. Apesar de ser quase sempre entendida como máscara
de dominação de classe, a lei também pode ser apropriada pelas classes populares
como forma de obtenção de vitórias cotidianas.
Por fim, o professor pode levantar a discussão acerca da legislação brasileira
atual sobre o uso de terras, levantando, por exemplo, a conquista obtida através da Lei
do Usucapião, que prescreve a legitimidade da posse de uma terra rural a todo aquele
que provar tê-la utilizado, tornado produtiva e nela viver, no período de cinco anos.513
Os alunos podem perceber, dessa forma, que os costumes pelos quais sujeitos como
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Manoel de Brito lutaram e esses valores que compartilhava com sua comunidade
tornaram-se leis, oficialmente reconhecidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, após tudo que foi lido, pesquisado, discutido, debatido e analisado,
entendemos que o papel da história na formação cidadã dos alunos da rede básica de
ensino dá-se a partir do alargamento da experiência temporal desses sujeitos, a medida
em que são estimulados a pensar historicamente sua própria realidade. O uso das
fontes em sala de aula permite explorar janelas históricas para entendermos como os
seres humanos de outrora lidaram com carências e problemas que nós também
lidamos. Faz-se necessário perceber de que forma a luta dessas pessoas modificou e
transformou suas próprias realidades, ajudando a tornar possível a sociedade que
temos hoje.
A discussão sobre a questão de terras no Brasil é um tema que, em grande
medida, é parte das tensões reais encontradas nas lutas de muitos sujeitos dos rincões
do país: crianças, adolescentes e adultos que vivem em lugares onde das disputas em
torno da terra afetam de modo contundente suas vidas. Entendemos que, ao
instrumentalizarmos a partir da história os alunos, eles terão condições de tecer
interpretações mais complexas acerca de sua própria realidade, tornando-se sujeitos
críticos e cidadãos atuantes, conforme estabelecido na legislação brasileira.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal: promulgada em 05 de outubro de 1988. 6. ed.
CASCUDO, Luís da C. História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.
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LYRA, Augusto Tavares de. História do Rio Grande do Norte, 2 ed. Natal: EDUFRN,
2008.
MATTOS, Hebe Maria. Campesinato e Escravidão. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira
da; MATTOS, Hebe Maria; FRAGOSO, João (Org.). Escritos sobre História e Educação.
Rio de Janeiro: Mauad, 2001. p. 331-350.
POMBO, José Francisco da Rocha. História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro:
Annuario do Brasil, 1922.
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OBJETIVOS
Nesse sentido, o objetivo da pesquisa seria investigar as práticas de ensino
desenvolvidas nessas salas de aula para sugerir estratégias que favorecessem a
construção do conhecimento histórico.
Pensando em tornar real o que está posto na Constituição Federal (1988), em
seu art. 205 – a Educação como um direito de todos -, a discussão proposta visava à
solução de algumas dificuldades observadas no processo ensino-aprendizagem da
disciplina, tais como as dificuldades evidenciadas pelas professoras no que diz respeito
à problematização dos conteúdos e/ou a distância entre os alunos e o entendimento
dos conteúdos ministrados – seja pelas pedagogas, seja pelas professoras licenciadas
em História.
Tendo em vista o interesse em colaborar com a promoção da qualidade
educacional no país, o trabalho levou em conta o que está posto na legislação
pertinente a essa dimensão social; as afirmações e pressupostos desses documentos
funcionaram como fio condutor das investigações procedidas a partir da realidade
escolar vivenciada por mim.
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Mediante tais constatações percebi que seria importante discutir sobre o que se
tem feito nas aulas de História para estimular o aluno a fazer suas próprias
descobertas, apreendendo a forma pela qual acontecimentos passados se ligam uns
aos outros e aos dias atuais e, como essa relação pode influenciar nos dias que ainda
estão por vir.
Na verdade, seria necessário saber se esse estímulo vem sendo dado e como
isso vem sendo feito, uma vez que “[...] antes de ser uma disciplina científica, a História
é uma forma de os seres humanos se enxergarem no tempo, de definirem a si mesmos
e aos outros [...]”, conforme o pensamento de Caio Rodrigo Carvalho Lima (2016, p. 12),
e problemas em seu ensino e aprendizagem podem comprometer seriamente o
entendimento das crianças sobre os tempos e espaços onde necessitam desenvolver-
se enquanto sujeitos históricos.
Considerando os variados fatores envolvidos na discussão, sejam aspectos
ligados à formação do profissional que ministra a disciplina (currículos), sejam as
condições (materiais, psicológicas, sociais) nas quais se desenvolvem as ações de
professores e alunos e as minhas próprias experiências com uma turma de 5º Ano, a
hipótese que me pareceu mais viável para solucionar as dificuldades de ambos os
sujeitos – professores e alunos - foi a realização de um trabalho que relacionasse os
conteúdos históricos ao cotidiano vivenciado pelas crianças.
Falar de cotidiano apontava para o trabalho com história local; sendo assim,
concordando com Helder Alexandre Medeiros de Macedo (2017, p. 61) quando afirma
que “conhecer a história local [...] contribui para o fortalecimento das identidades das
pessoas para com os lugares onde nasceram/habitaram” – e porque os alunos e alunas
saberão que o seu lugar se liga a outros contextos bem maiores e que, na maior parte
das vezes, as problemáticas enfrentadas ali também são objeto de preocupação em
outras partes do mundo, imaginei que esse caminho favoreceria a significação dos
conteúdos pelas crianças.
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Dessa forma, vemos que apesar de, já no século XVIII, o estudo da História -
como elemento de formação do caráter humano e não como disciplina escolar
autônoma – ter passado a fazer parte das preocupações da administração
metropolitana do Marquês de Pombal no que dizia respeito aos cursos superiores515
ministrados nas Universidades Portuguesas, a bibliografia consultada dá conta de que
podemos falar sobre a constituição de História como disciplina escolar no Brasil,
apenas, a partir das primeiras décadas do Século XIX.
Antes disso, no período colonial de nosso território, a Educação apresentava
caráter específico, produto dos interesses comuns ao Estado Português e à Igreja
Católica, representada, em território brasileiro, prioritariamente, pela Companhia de
Jesus.
Com a criação do Império Brasileiro, quando passou a ocorrer também a
estruturação de um sistema de ensino, História passou a se constituir como uma
disciplina escolar com objetivos definidos. O ensino de História no Brasil nascia, dessa
forma, atrelado à construção da identidade nacional. Nesse contexto, a Escola já era
vista como o local onde, a priori, se aprendia a ser cidadão, uma vez que, como reflete
Maria Inês Sucupira Stamatto (1997, p. 704), para se atingir tal status, não se dependia
mais apenas “[...] do nascimento e da fortuna [...]”, mas havia a necessidade de ser
alfabetizado.
Mais tarde, a ocorrência da proclamação da República agregou novas
preocupações ao cenário: discutia-se, agora, acerca dos métodos empregados para
ensinar História, porque esse ensino deveria, mais do que nunca, criar e reforçar os
sentimentos patrióticos. Chegamos aos anos 1990 com profundas mudanças nos
paradigmas historiográficos internacionais de História; o Brasil acompanhou esse
panorama, incorporando as novas tendências aos programas curriculares e aos
materiais didáticos e paradidáticos; esses últimos começavam a aparecer no mercado
editorial. As salas de aula se transformaram em laboratórios e os professores
passaram a experimentar diversos modelos metodológicos.
Esse longo percurso revela problemas sempre presentes no ensino de História.
A constatação apareceu nos anos 1970, quando as primeiras gerações de professores
formados pelos cursos superiores recém-abertos na USP (Faculdade de Filosofia,
515Para aprofundamento desse aspecto ver FONSECA, Thais Nívia de Lima e. História & Ensino de
História. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 37-89 (Coleção História & Reflexões).
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PERCURSO METODOLÓGICO
Após essa fase de inferências, chegamos à organização da metodologia para o
desenvolvimento da pesquisa. Foi realizada, inicialmente, uma pesquisa bibliográfica,
com o objetivo de entender a constituição do campo de pesquisa no qual eu estava me
propondo a atuar – o Campo do Ensino de História.
Tendo sido considerado área de formação até a década de 1960, desenvolveu-se
lentamente, pois mesmo com o surgimento de vários Programas de Pós-Graduação a
partir dos anos 1970, pesquisa em Ensino de História era área de especialização das
Ciências da Educação.
Além disso, o campo é muito amplo, acolhendo pesquisas que se dedicam aos
temas da formação de professores, do processo ensino-aprendizagem, dos materiais
didáticos, da memória docente, além da história do ensino e dos cursos de História.
O campo de pesquisa sobre o ensino de História está em expansão no Brasil e
em outros países. Desde os anos 1960 até os dias atuais muito se tem escrito nesta
área, mas Aryana Lima Costa e Margarida Maria Dias de Oliveira (2007, p. 150)
destacam que os estudos mais recentes é que trazem a preocupação de discutir “[...] as
relações entre a produção do conhecimento histórico e a produção do conhecimento
histórico escolar”.
Pensar essas relações se torna relevante, se levarmos em consideração o fato
de que a produção do conhecimento histórico se dá no âmbito acadêmico,
representando um “[...] campo de pesquisa [...] do domínio dos especialistas” (PCN, 1988,
p. 29) e a produção do conhecimento histórico escolar permite que professores e
estudantes:
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Dessa forma, o ensino de História em nossas salas de aula, marcado por uma
trajetória peculiar - na qual a prática simplista da transposição do saber acadêmico para
outro ambiente parece natural - nem sempre apresentou aprendizagem real,
significativa; seus resultados, em geral, apontam mais para uma conformação dos
alunos do que para o envolvimento destes com o que está sendo ministrado pelo
professor, situação que merece ser observada, analisada, discutida e, se possível,
modificada.
Havia, portanto, a necessidade de ouvir outras vozes a respeito do tema . Assim,
busquei o que já se tinha publicado sobre o tema, elaborando uma revisão bibliográfica
no intuito de evitar a repetição de ideias que já estavam postas.
Com o objetivo de perceber o que é relevante para o ensino de História nos anos
iniciais, importantes colaborações foram dadas pela leitura dos trabalhos de Sandra
Regina Ferreira de Oliveira (2006) e Marta Margarida de Andrade Lima (2013), pois ao
refletirem sobre várias facetas do processo de aprendizagem infantil em História,
observando alunos e professores, as mesmas lançam olhares que acabam explicando
a ocorrência de determinadas situações percebidas durante as incursões que realizei
na escola campo de minha pesquisa.
Do ponto de vista de Oliveira (2006, p. 50), “[...] o ensino de História nos anos
iniciais não é a transposição didática dos saberes científicos (re) adaptados para um
novo nível de escolarização”, contudo o que a tradição escolar convencionou foi esta
ideia e as observações que fiz me permitem afirmar que é justamente isso o que as
professoras consideram que deva ser realizado.
Outro aspecto que pede atenção é o que se refere aos saberes dos professores
quanto à História a ser ensinada. Na pesquisa realizada pela autora, a maioria dos
docentes não soube dizer qual a finalidade de ensinar História nos anos iniciais. Em seu
texto ela explica:
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Essa é a realidade que vivencio e que deu origem à problemática desse trabalho;
para complicar ainda mais a situação, é apresentado por Oliveira (2006) um paradoxo
que também faz parte do meu dia-a-dia: as professoras voltam-se prioritariamente para
o processo de alfabetização nos três primeiros anos do Ensino Fundamental, porém
reclamam que os alunos do 4º e 5º Anos não aprendem História porque não sabem ler.
Para consulta e análise das fontes – fase posterior do trabalho – parti do
tratamento oferecido pelo método histórico, que enfoca os dados da pesquisa sob uma
perspectiva histórica, acompanhando a evolução do objeto pesquisado através e/ou ao
longo do tempo.
516O Diário de Campo foi elaborado a partir de observações feitas na turma do 5º Ano, cujas aulas de
História ocorrem nos primeiros horários da manhã de terça feira (02 aulas de 45min cada). Estive
presente nessas aulas no período de 15 de Maio a 05 de Junho de 2018. Fiz anotações em rascunhos e
posteriormente organizei as informações em arquivos digitados e impressos para fins de arquivo
pessoal. O material consta de 04 fichas descritivas das aulas do dia, identificando o tema da aula, os
objetivos e a metodologia utilizada pela professora. Também fazem parte das fichas registros
fotográficos feitos por mim, que mostram os planos de aula de cada dia, páginas do livro didático
utilizadas nas respectivas datas e a sistematização de um trabalho realizado sobre os indígenas. Há,
ainda, nas fichas, o registro da fala de alguns alunos durante a roda de conversa que sistematizou esse
trabalho e algumas observações pessoais da pesquisadora acerca do planejamento das aulas e da
utilização do material didático adotado pela escola.
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resultados esperados em seus textos que pude questionar o que se estava fazendo nas
aulas de História.
É relevante, por exemplo, entender o que está sendo feito no chão da escola –
nas aulas de História dos anos iniciais - para se garantir “[...] o pleno desenvolvimento
do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho” (LDBN 9394/1996, Título II, Art. 2º), pois são aspectos para os quais o cidadão
deve ser orientado desde a mais tenra idade.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de História para o Segundo Ciclo
do Ensino Fundamental - 4º e 5º anos iniciais (1988):
[...] o perfil de formação dos alunos Essencial tem como pedra angular
a inserção social de crianças e jovens como seres atuantes na
construção de seus grupos sociais definidos.
Esta perspectiva requer da instituição o uso de práticas educativas
consonantes com as mudanças percebidas no cenário educacional
contemporâneo; isto significa dizer que o Colégio Essencial se propõe
a trabalhar de forma que o seu corpo funcional se mantenha atualizado
e, prioritariamente, que o professor acolha a realidade do aluno em seu
cotidiano letivo.
As práticas adotadas mediarão a evolução de um educando que saberá
conviver com erros e acertos em todas as situações, abolindo de vez a
“pedagogia da resposta”, na qual o aluno não é estimulado à pergunta,
não desenvolve a curiosidade de aprender.
Contrário a este estado de coisas, o Colégio Essencial pensa na
formação de um aluno que construa seus próprios conceitos e
considere os erros como degraus para os futuros acertos; para isso,
orienta suas práticas de forma que o pensar do aluno seja valorizado e
que ele se sinta desafiado a encontrar respostas diferenciadas.
Essa é a essência da aprendizagem real pela qual a escola se pauta em
suas ações (PPP ESSENCIAL, 2017, p. 12-13).
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Porém, quando se trata de definir a partir de que esse trabalho deve tomar
forma, define uma listagem de conteúdos substantivos que ilustram os livros didáticos
– não só de História, mas de todas as outras componentes curriculares – há décadas.
Não há direcionamentos específicos em relação a práticas problematizadoras
nos variados campos de conhecimento e da realidade em que o aluno circula.
Assim, torna-se relevante para o desenvolvimento da pesquisa verificar essa
dinâmica de funcionamento, no intuito de sugerir alterações significativas na realização
do ensino-aprendizagem, pelo menos em História.
Os questionários realizados com as colegas professoras dos anos iniciais são
fontes que podem indicar a origem de vários dos problemas identificados no âmbito do
ensino de História nesse segmento da educação básica.
Foram entrevistadas cinco professoras, sendo quatro pedagogas e uma
licenciada em História, que atuam nas salas dos anos iniciais do Colégio Essencial.
Desse total, três estão na faixa etária entre 41/45 anos e duas entre 31/35 anos. Três
professoras são licenciadas em Pedagogia, uma ainda está em processo de formação e
uma é licenciada em História, sendo que uma das pedagogas possui especialização em
Psicopedagogia.
As profissionais são graduadas/graduandas em Universidades/Faculdades da
rede particular de ensino na cidade de Natal; com exceção da professora que ainda está
cursando a licenciatura em Pedagogia, as demais concluíram os cursos há menos de
cinco anos, embora duas pedagogas já atuem em sala há mais de dez anos, uma entre
cinco e dez anos. Uma pedagoga e a professora licenciada em História desenvolvem a
docência há menos de cinco anos.
Do universo de quatro pedagogas, apenas uma afirmou ter cursado, durante a
graduação, uma disciplina específica sobre o ensino de História, porém não lembrou o
nome, nem o conteúdo de tal disciplina. A professora licenciada em História afirmou não
ter cursado nenhuma disciplina específica em relação ao aspecto questionado.
Todas afirmaram ser professoras por escolha própria. Quanto às impressões
sobre as aulas de História quando ainda eram alunas da Educação Básica, duas
pedagogas e a professora licenciada em História responderam que se sentiam curiosas
durante essas aulas e duas pedagogas definiram-nas como decorativas e cansativas.
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RESULTADOS INICIAIS
Os resultados iniciais da pesquisa apontam que esse tema parece não despertar
interesse – quer seja por se considerar que não é o campo de atuação do profissional
licenciado em História, quer seja pela visão de “que ensinar crianças é fácil” -, sendo
relevante, nesse sentido, que se proponha um número maior de discussões acerca do
assunto.
Porém, nesse momento, não se pode apresentar um pensamento conclusivo,
uma vez que a fase final do trabalho se encontra em desenvolvimento, podendo-se
apresentar algumas inferências, entre elas a de que o ensino de História nos anos
iniciais – da forma como vem sendo desenvolvido - não concorre para a consecução dos
objetivos elencados nos documentos nacionais de Educação.
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objeto de pesquisa no Brasil: no aniversário de cinquenta anos de uma área de
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Educação.
Site Consultado
www.dicio.com.br/localismo
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Simpósio Temático 11
BIOGRAFIAS E HISTÓRIA:
A CONSTRUÇÃO DE VIDAS
E O TRABALHO DO HISTORIADOR
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das antigas ideias do Luiz Carlos Prestes, da mesma forma que não estavam
convencidos da transformação política do antigo militante tenentista. Porém a sua
aceitação foi imposta pela Internacional Comunista que não fez muita questão para a
preocupação dos dirigentes comunistas brasileiros.
Depois desses longos anos no exílio o último país que o passou antes regressar
ao Brasil foi a União Soviética. Quando retornou para o Brasil já veio como dirigente do
PCB e presidente de honra ANL519 em 1934. A sua fama no antigo movimento de tenente
serviu para promover o seu destaque nessas duas organizações, com elas militou e
lutou contra o governo de Getúlio Vargas, assim como também foi derrotado e posto
na ilegitimidade.
Passaram se anos e o Luiz Carlos Prestes viu sua imagem se cristalizar para os
comunistas assim como tinha sido para os tenentes. Os anos que passou na prisão,
serviram como meios de panfletagem e engajamento para O PCB. Campanhas em prol
de sua liberdade, e a produção cultural e literária diversa contribuíram para a sua
transformação em mito.
As décadas de 1940 e 1950 reservaram para Luiz Carlos Prestes a liberdade, uma
vaga no senado e o retorno da ilegalidade de seu partido. Foram anos de idas e vindas,
sucessos e fracassos, mas o pior quadro de isolamento político do personagem ainda
estava por vir.
Luiz Carlos Prestes, a partir da década de 1960, notaria o declínio de sua atuação
política no cenário brasileiro. Isso se daria primeiro pela eclosão do fechamento e
cerceamento de sua esfera de atuação política, o PCB, proporcionada pela Ditadura
militar que daria seus primeiros passos no ano de 1964. Em um segundo momento pelo
o seu isolamento ao público e cenário brasileiro, os anos do seu segundo exilio na União
soviética o fizeram tornar alheio às realidades vivenciadas no cenário brasileiro em seu
novo governo autoritário, conservador, militar e alinhado aos interesses norte-
americanos dos Estados Unidos. E por último, a própria idade do Luiz Carlos Prestes já
demonstrava um claro e comum desgaste humano em relação a sua atuação política.
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que permeiam o ator histórico. É o autor que narra e tenta dar sentido à vida de um
preciso protagonista biográfico, como ele tem esse poder; acaba se utilizando das
formas mais fácies para narrar e assim tenta fugir das polêmicas e conflitos existentes
na vida do personagem.
Segundo Schwarcz (2013, p.52) “Em primeiro lugar, é fácil cair na tentação de
tentar dar unicidade e ‘inventar’ trajetórias contínuas para nossos objetos de estudo,
os quais, por sinal, insistem em não se comportar como prevíramos ou gostaríamos que
se conduzissem.”. É a tentativa de criar e atribuir um sentido, ordem, lógica e
uniformidade a vida de um personagem, esse também é um dos grandes pecados que
rodeiam a produção biográfica e que muito provavelmente também fizeram parte do
circulo de produção das biografias que aqui analisaremos. Segundo Schmidt (2003,
p.69) é aquela velha “[...] ilusão de que a vida tem um sentido imanente, uma coerência
e um fim.”.
Por isso, levando em conta um determinado ponto da vida Luiz Carlos Prestes
na sua atuação política e social, que corresponde dos princípios da Ditadura Militar até
a sua morte, buscamos mostrar um embate em sua narrativa biográfica existente em
volta de duas especificas obras. Principalmente como essas biografias ajudaram a
construir um determinado protagonismo no biografado, apesar de que, em alguns
momentos, elas estivessem se distanciado narrativamente ou o envolvimento da obra
não estivesse em harmonia em seus tratos, aspectos e personagens.
Dentro da própria historiografia não é surpresa encontramos diversas
divergências em volta do Luiz Carlos Prestes e de sua atuação em eventos históricos.
De certa forma, as biografias atraíram a nossa atenção por tentaram aos escritores os
seus grandes limites na produção biográfica; que é o desafio de construir ou
testemunhar a vida de um ator histórico em um único livro.
Foi a partir desses questionamentos que nos interessamos em buscar e analisar
duas biografias específicas sobre o personagem supracitado. Mas para isso devemos
levar em conta também que a escrita, assim como a narrativa, parte de escolhas e
limites que abrangem todos os campos de escrita; dos livros de ficção aos de história.
Também não seria diferente em relação às biografias, diria que até mais, uma vez que,
não é possível escrever e narrar à vida de um personagem protagonista sem selecionar,
escolher, recortar e editar. “Talvez uma das maiores dificuldades do gênero da biografia
esteja no próprio pesquisador que com o correr do tempo vai virando amigo íntimo de
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seu biografado, parente longínquo ou próximo, amante, fiel confidente, quando não
conselheiro.” (SCHWARC, 2013, p.71).
As duas obras biográficas analisadas, foram construídas por pessoas próximas
ao personagem, mas especificamente ao nível parental. Uma dessas biografias fora
feita pela sua última mulher, na qual passou junto seus últimos 40 anos de vida, a Maria
Prestes, e a outra, pela filha que teve no relacionamento com Olga Benário, a Anita
Leocádia Prestes. A Maria Prestes lançou a biografia do seu marido/companheiro em
1992, tendo o título de Meu companheiro: 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes,
deixando claro no título um caráter mais pessoal e íntimo em volta do protagonista
biografado. Já Anita Leocádia Prestes lançou a biografia sobre seu pai em 2015, com o
título Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro, no título é possível perceber certa
preocupação em destacar o posicionamento político do personagem. Não podemos
deixar de destacar que a primeira autora é madrasta da segunda, então existe
interligação familiar e mútua em todos os sentidos.
Fora esse ponto de parentesco presente na produção dessas obras, devemos
analisar como as autoras descrevem e narram umas às outras em volta de suas
próprias obras. É nesse ponto que começamos a enxergar as divergências e conflitos
em volta da disputa narrativa da vida de Luiz Carlos Prestes. Segundo Levillain (2013,
p.174):
Apesar das obras terem sido escritas depois da morte de Luiz Carlos Prestes,
não se nega o fato de muita coisa sobre a vida do personagem continuar em duvida e/ou
em aberto. Não é por menos que temos no mercado acesso a diversas biografias sobre
o protagonista, inclusive duas escritas por pessoas próximas ao mesmo.
Na biografia construída por Maria Prestes, podemos perceber que a obra é
construída em volta das escolhas que a mesma faz em sua narrativa. A autora se
preocupa muito em traçar o ponto mais íntimo da vida do personagem, algo que Anita
Leocádia Prestes não fez e nem se preocupa em fazer. De certa forma, esse se torna o
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caráter da obra, tendo um foco mais para questões pessoais do Luiz Carlos Prestes do
que política.
Interessante lembrar que na obra, a Maria Prestes cita Anita Leocádia Prestes, e
já deixa um claro certo embate existente entre as duas. Segundo Maria Prestes (1992,
p.102):
A autora deixa claro em sua citação o incomodo que causara na vida de Anita
Leocádia Prestes, principalmente em provocar menor atenção do pai sobre a filha do
relacionamento mitificado com Olga Benário. Porém, a obra não deixa de citar Anita em
nenhum momento oportuno, nem mesmo em suas divergências com a autora.
Maria Prestes também via em Luiz Carlos Prestes certa preocupação em relação
à criação de sua primeira filha, segundo ela Luiz Carlos Prestes “Sabia que a separação
criaria dificuldades no futuro. Entendia o quanto os camaradas do PCB exageravam ao
falar de Prestes, sentia que suas irmãs o cultuavam como a um semideus. Isso mexeria
com a formação da menina.” (PRESTES, M., 1992, p.66).
Interessante que na obra a autora não nega a sua admiração em relação ao
personagem, inclusive relatando que na sua “[...] juventude, na época da legalidade do
PCB, em 1945, eu via Prestes como um deus, uma personalidade que se tinha que
cultuar.” (PRESTES, M., 1992, p.32).
A obra da Maria Prestes tem algumas claras particularidades em relação à de
Anita Leocádia Prestes. Primeiro que ela se volta principalmente para os últimos 40
anos da vida do personagem, anos esses em que esteve ao lado do Luiz Carlos Prestes.
“Muitas vezes, o biógrafo opta por analisar apenas um ou alguns dos períodos para ela
mais significativos, ou ainda as encruzilhadas decisórias.” (BORGES, 2015, p.221).
Segundo que a obra é mais um depoimento de vida da autora sobre a do personagem.
Essa opção por dar seu depoimento sobre a vida do personagem permitiu a Maria
Prestes, por exemplo, criticar, se posicionar e narrar um pouco sobre sua história
dentro da própria obra.
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tempo.”. Já para Schmidt (2003, p.65) “Nesse sentido, uma das críticas mais comuns
dirigidas às biografias é a de que elas seriam meras narrativas cronológicas, fatuais,
sem preocupações explicativas e analíticas.”, ou seja, uma crítica a um suposto limite
que a biografia ficou viciada.
Como vemos aparentemente, esse conflito se perpetuou até mesmo para o
campo da escrita, onde não só as biografias, mas como também o seu envolvimento,
não deixaram de demonstrar os conflitos familiares que passaram da luta pela atenção
do personagem para a luta pela hegemonia da narrativa da vida de Luiz Carlos Prestes.
Claramente Fidel também debochou de Luís Carlos Prestes, já que este também
era um dos dirigentes do PCB. Maria Prestes não foge de apresentar esses momentos
de desprestigio do Velho. Já Anita Leocádia Prestes, por exemplo, cita os depois sempre
em momentos de comparação, como em: “As posições de Prestes, em sua luta contra
o reformismo dominante no Comitê Central do PCB, são semelhantes às defendidas por
Fidel Castro [...]” (PRESTES, A., 2015, p.420), a autora busca essa comparação como
forma de grandeza para o personagem.
Maria Prestes deixa claro que existia uma visão de grandiosidade exagera em
cima do seu companheiro, tanto que ela achava que:
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Anita Leocádia Prestes, por exemplo; descrevia o pai como homem de intuições,
como a que teve segundo ela sobre sua ida ao exílio.
Durante toda a obra ela busca apresentar esse enfoque maior do pai sobre o
Partido Comunista Brasileiro. Com essa escolha ela acaba presa mais na relação Luiz
Carlos Preses, PCB e Brasil na obra. Claro que isso foi uma das escolhas da autora em
ter na biografia esse enfoque mais político da vida do seu pai, porém inegavelmente
apresenta algumas lacunas, como não citar a relação do pai com Maria Prestes no exilio
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e sequer sua segunda família nesse cenário político, porque querendo ou não, eles
também fazem parte da atuação política do Velho.
Para Prestes, mais uma vez, o importante para os comunistas dever ser
o empenho na organização e na mobilização das massas para que a
derrota do fascismo não significasse a volta a um tipo de democracia
liberal-burguesa, como afinal acabou acontecendo, dada a debilidade e
a desorganização do movimento popular no país. (PRESTES, A., 2015,
p.467).
Essa narrativa, que está mais para depoimento, tentar tirar a responsabilidade
do Velho no maior golpe sofrido pelo PCB nos anos que percorreram a Ditadura Militar.
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Como vemos, por mais que a Maria Prestes apresente um Luiz Carlos Prestes mais
humanizado, cometedor de erros e alvos de críticas, ela também tenta defender o legado
do Velho assim como Anita Leocádia Prestes.
Ela não deixou de mostrar o Luiz Carlos Prestes como homem destemido e de
coragem, como na (PRESTES, M., 1992, p.173-174):
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No final das duas obras podemos ver pontos em comum, como do mesmo modo
as divergências. Ambas as narrativas evidentemente colaboram para heroificam o mito
sobre Luís Carlos Prestes, entretanto no final vemos uma clara divergência. Para Anita
Leocádia Prestes (2015, p.541) “Luís Carlos Prestes foi um revolucionário que dedicou a
vida à luta por justiça social e liberdade para o povo brasileiro, um comunista convicto
de o socialismo ser o único caminho para a humanidade [...]”, mas já para Maria Prestes
(1992, p.182) Luiz Carlos Prestes “Nunca se considerava o dono da verdade, sabia que
ainda cometeria muitos erros ao tentar apresentar soluções, mas o importante era não
parar. Como um homem de ação, Prestes queria sempre seguir em frente, não estagnar,
não se acomodar.”, para uma, o personagem era convicto, para outra, o personagem era
um admitido perseverante.
Anita Leocádia Prestes (2015, p.541) diz que “Da mesma maneira que Fidel
Castro e os revolucionários cubanos ao lutarem pela emancipação do seu povo se
apoiaram na herança de José Martí, a revolução brasileira não poderá avançar sem
resgatar o legado de Luiz Carlos Prestes.”. Como podemos notar, a autora volta a fazer
uma comparação, uma clara forma de medir uma suposta importância ao personagem.
Já para Maria Prestes (1992, p.188):
Como a própria autora diz “mito do herói trágico”, contudo, como todo mito ele
foi construído, e em grande parte por sua própria narrativa. Realmente nessa citação o
personagem é construindo como incorruptível e destinado herói.
Durante todo esse processo narrativo, apesar das biografias aqui estudadas
terem divergências e diferenças metodológicas, as duas autoras e suas duas
respectivas obras tiveram uma convergência para construção de um personagem de
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importância, heroísmo, relevância e erro sem culpa. Uma clara forma de perpetuar o
eleito legado mito do Luiz Carlos Prestes.
CONCLUSÃO
Luiz Carlos Prestes teve uma vida bastante complicada e conturbada para ser
entendida de uma forma lógica, dada principalmente as suas escolhas e atuações no
cenário político. Compreendendo esse desafio; as duas autoras tentaram dar sentido de
forma cronológica a sua própria imagem de vida a parti de recortes e escolhas, que em
grande parte, contribuíram para perpetuação de sua imagem de mito.
A biografia como questão teórica também teve grande participação nesse
processo, já que como gênero de escrita está carregada de possibilidades e de limites.
Isso acabou permitindo esses dois autores construírem essas “histórias” ou narrativas,
partindo, como já citado, de escolhas, recortes, pontos de vistas e posicionamentos
sobre o personagem.
Os autores, como apresentado, tem conflitos e divergências internas e externas
no envolvimento que as obras têm, não obstante, isso não bloqueou a possibilidade de
determinadas convergências narrativas que heroificam o protagonista biografado.
Em suma, as duas biografias, e suas duas autoras, construíram em sua narração
um Luiz Carlos Prestes “importante”, “relevante”, “incorruptível” e “nobre”. E por mais
que a Maria Prestes pontuasse características mais humanas do personagem, ela
também acabou fazendo parte do coro que enobrece o personagem. Já a Anita Leocádia
Prestes em nenhum momento deixou de defende o legado do personagem, essa se
manteve constante na construção épica do Luís Carlos Prestes.
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PRESTES, Anita Leocádia. Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro. São Paulo:
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PRESTES, Maria. Meu Companheiro: 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes. Rio de
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SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia e regimes de historicidade. Métis: história & cultura,
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SCHWARC, Lilia Moritz. Biografia como gênero e problema. História Social, Campinas,
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Simpósio Temático 12
O PATRIMÔNIO CULTURAL
EM LUGAR DE FRONTEIRA:
HISTÓRIA, EDUCAÇÃO, ARQUITETURA,
ANTROPOLOGIA, TURISMO, GEOGRAFIA E OUTRAS
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ÁREAS CORRELATAS
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INTRODUÇÃO
Institucionalmente o conceito de patrimônio é definido a partir do estabelecido
na Constituição brasileira de 1988, que abrange e confere as formas de expressão, os
modos de fazer, criar e viver, criações científicas e artísticas, edificações e outros
espaços destinados as manifestações artísticas e culturais além de conjuntos urbanos
e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, ecológico,
paleontológico e cientifico. Esses bens sejam material ou imaterial possui referências
da identidade e memória dos diferentes grupos sociais formadores da sociedade
brasileira (MALTÊZ, 2013). Esse entendimento de patrimônio consiste como
abrangente, se diferenciando de uma concepção que perdurou até o início da década de
1980, na qual colocava como patrimônio apenas monumentos e edificações que
possuíam notabilidade histórico-artística valorizando assim uma noção mais elitizada.
A percepção de patrimônio deve ser conectada diretamente com a identidade
pois é através dela que pode ser possibilitado o desenvolvimento de aspectos como
reconhecimento e valorização, seja individualmente ou em conjunto, nesse sentido, o
patrimônio cultural contribui para a caracterização, diferenciação e definição dos
grupos sociais. Com isso, fomentar processos de conscientização para proporcionar
ações de preservação além de incentivar o indivíduo a se identificar como sujeito
histórico deve ser estimulado. Para isso, como forma de possibilidade de ações
interventivas para sala de aula temos a Educação Patrimonial.
A terminologia educação patrimonial se origina a partir da expressão inglesa
heritage education, sendo caracterizada essencialmente pela alfabetização cultural.
Esse termo adentra ao Brasil através do I Seminário sobre “O Uso Educacional de
abrahaosanderson@hotmail.com
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e reconhecimento bem como a noção de patrimônio como objeto e/ou prática que se
relaciona de forma individual ou coletivamente. Portanto, os alunos foram deixados
todos livres para pintarem aquilo que viessem a suas cabeças e após o desenho está
finalizado expressassem o que tinham representado e o porquê da escolha, todos
foram muito participativos gerando resultados positivos.
Foto 01: Vista geral da Escola Evandro Ayres de Moura. Foto: Willy Edgar, 2018.
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Foto 02: Vista geral da intervenção com a turma do 7º ano ‘A”. Foto: Willy Edgar, 2018.
Foto 03: Vista geral da oficina de pintura e desenho com a turma do 7º ano “A”.
Foto: Willy Edgar, 2018.
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Foto 04: Aluno da turma do 7º ano “A” na oficina de desenho e pintura. Foto: Willy Edgar, 2018.
Foto 05: Aluno da turma do 7º ano “A” na oficina de desenho e pintura. Foto: Willy Edgar, 2018.
A segunda turma onde executou a educação patrimonial foi o 6° Ano "C", uma
turma composta por trinta e dois (32) alunos em faixa etária de 11 a 12 anos. Durante a
exposição do conteúdo eles foram bastante participativos comentando e questionando
sobre o tema demonstrando também curiosidade. Como na turma anterior estavam
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presenciando pela primeira vez uma discussão voltada para o patrimônio cultural de
seu estado. As maiores perguntas vieram sobre o patrimônio arqueológico,
principalmente quanto a dúvida se arqueologia e paleontologia são a mesma coisa.
Após toda explicação do conteúdo e da exibição de um vídeo demonstrando a produção
de cerâmica da aldeia Assurini do Xingu, também foi proposto uma oficina para a turma
em que os alunos deveriam utilizar massa de modelar que foi distribuída tentar recriar
e expressar, através dela, o que seria patrimônio. Como na atividade com a turma
anterior, os alunos ficaram totalmente livres para expressar aquilo que eles
acreditaram que seria patrimônio aquilo que eles acreditavam que possuíam um vínculo
identitário.
Foto 06: Visão geral da intervenção com a turma do 6º ano “C”. Foto: Willy Edgar, 2018.
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Foto 07: Detalhe da oficina com massa modelar na turma do 6º ano “C”. Foto: Willy Edgar, 2018.
Foto 08: Aluno da turma do 6º ano “C” na oficina de massa modelar. Foto: Willy Edgar, 2018.
Algo a ser destacado nessa escola é que em ambas as turmas haviam alunos
com necessidades especiais, mas segundo o corpo docente que acompanhou os alunos
durante a intervenção, ficaram surpresos o quanto eles interagiram durante as aulas
fazendo perguntas ou durante a oficina. Segundo a professora os alunos autistas
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sempre ficam sempre muito quietos não interagindo em suas aulas. Mas como diz Serra
(2004), a educação de uma criança autista portadora de autismo representa um desafio
para todos da escola. A singularidade sobre a síndrome faz os educadores percorrer
caminhos ainda desconhecidos e incertos sobre a melhor forma de educar essas
crianças. Nas palavras do autor, "o autismo é considerado uma condição não
progressiva. Porém, existe dificuldade em estabelecer um prognóstico preciso, devido
às variáveis ambientais, maturacionais e do próprio desenvolvimento do indivíduo"
(SERRA, 2004, p. 13).
Foto 09: Vista geral da Escola Moacir Ferreira da Silva. Foto: Willy Edgar, 2018.
A primeira turma foi o 5°ano "A", turno matutino, composta por trinta e seis
(36) alunos em faixa etária de 10 a 11 anos. Durante a intervenção eles se mostraram
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Foto 10: Visão geral da intervenção com a turma do 5º ano “A”. Foto: Willy Edgar, 2018.
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Foto 11: Visão geral da oficina com massa modelar com a turma do 5º ano “A”. Foto: Willy Edgar, 2018.
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Foto 12: Visão geral da intervenção com as turmas do 5º ano “B” e “C”. Foto: Willy Edgar, 2018.
Foto 13: Detalhe da oficina de desenho e pintura com as turmas do 5º ano “B” e “C”. Foto: Willy Edgar,
2018.
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Foto 14: Detalhe da oficina de desenho e pintura com as turmas do 5º ano “B” e “C”. Foto: Willy Edgar,
2018.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação Patrimonial no Ensino de História permite a formação de indivíduos
capazes de conhecer a sua própria história através do patrimônio cultural. Por
conseguinte, ao se trabalhar questões referentes ao patrimônio no ambiente escolar
construímos subsídios para o conhecimento, valorização, preservação e difusão dos
bens culturais. O não conhecimento acerca do patrimônio cultural, evidentes com
algumas das turmas onde foram realizadas as ações, demonstraram como o tema é
pouco abordado dentro do ensino, seja na história ou em disciplinas correlatas. Essa
ausência pode ser explicada por alguns fatores como, por exemplo, a falta de recursos
para que os alunos realizem aulas de campo e também o fato da escola em conjunto
com o corpo docente priorizar as aulas de disciplinas como português e matemática,
pois são consideradas como mais importantes no processo de alfabetização, esse fato
ficou bem visível nas duas turmas de 5º ano da escola Moacir Ferreira.
Tal situação experienciada na Moacir Ferreira infelizmente é uma realidade que
atinge inúmeras escolas brasileiras que para alcançar números exigidos pelos órgãos
que devem ser responsáveis pelo sistema educacional priorizam uma formação nas
áreas de português e matemática esquecendo a necessidade das reflexões que fazem
parte das ciências humanas. Assim, os profissionais ligados as ciências humanas,
especificamente da história, tendem a adaptar-se e voltar suas ações fomentando a
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REFERÊNCIAS
ABUD, Kátia Maria; SILVA, André Chaves de Melo; ALVES, Ronaldo Cardoso. Ensino de
História. São Paulo: Cegage Learning, 2011.
CASCO, Ana Carmen Amorim Jara. Sociedade e educação patrimonial. Disponível em:
<www. portal. iphan. gov. br>. Acesso em 16 Abril 2018.
FUNARI, Pedro Paulo et al. Os historiadores e a cultura material. In: PINSKY, Carla
Bassanezí et al. Fontes Históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008. Cap. 4. p. 81-110
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SERRA, Dayse Carla Genero. A inclusão de uma criança com autismo na escola
regular: desafios e processos. Programa de pós-graduação em Educação. Centro de
Ciências e Humanidades. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2004.
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INTRODUÇÃO
Despertar no homem a valorização por sua cultura e espaço e fazer com que o
mesmo enxergue a importância e riqueza que um bem histórico, cultural e natural
possui é um dos fatores essenciais para a promoção do desenvolvimento de
determinada localidade, pois o fará desenvolver ações que leve a tal finalidade.
Assim, à luz deste entendimento e a fim de implantar atividades turísticas, as
quais são uma das ferramentas de divulgação dessas riquezas mencionadas, no
município de Serra Negra do Norte/RN, abordaremos aspectos que demonstrem a
carga histórico-cultural-natural que o mesmo detém. Para tanto, voltamos o olhar para
seu contexto histórico, economia, aspectos geográficos e levantamento turístico local,
apresentando também informações pertinentes no que diz respeito a importância
turística, em seu âmbito geral.
Desse modo, esperamos com isso, buscar um novo formato para o
desenvolvimento econômico do município, gerando mais empregos e,
consequentemente, o aumento de sua arrecadação tributária, bem como promover um
maior interesse em todos os envolvidos nesse processo de uma exploração
sustentável. E ainda proporcionar aos moradores locais e demais enxergarem o grande
potencial histórico-cultural-natural que o município carrega e favorecer para o seu
despertar.
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tornando-se a vigésima quinta do Rio Grande do Norte e uma das mais belas e antigas
construções da região.
Portanto, foi a partir dessa edificação que a localidade foi palco de novas
construções, expandindo assim seu espaço territorial. E, consequentemente, graças a
todo esse desenrolar histórico, Serra Negra, através da Lei Provincial nº 688, de 03 de
agosto de 1874, tornou-se município e em 29 de março de 1938, através do Decreto 457,
obteve a predicação de cidade. Porém, neste meio tempo, em 1932, o município teve sua
sede administrativa transferida para São João do Sabugi, cidade que faz limite com a
mesma, por motivo de imposições do movimento revolucionário da época, mas voltou
a sua sede anterior por força do Decreto nº 43, de 13 de dezembro de 1935.
E a partir deste decreto, Serra Negra do Norte segue, definitivamente, seu
percurso como município, com uma sede administrativa própria e mostrando-se como
exemplo de determinação, pois a exemplo de muitos, a partir de uma fazenda de criar,
se expandiu em expansão territorial e populacional.
ASPECTOS GEOGRÁFICOS
O município de Serra Negra do Norte está localizado geograficamente no
paralelo 6º 39’ 56” de latitude Sul e 37º 23’ 50” de longitude Oeste, possuindo o fuso
horário UTC - 3 ( Tempo Universal Coordenado), estando inserido na Mesorregião
Central Potiguar e na Microrregião do Seridó Ocidental, totalizando uma área de cerca
de 518 km² à 167 metros acima do nível do mar. Seus limites são delimitados ao Norte
com o município de Jardim de Piranhas, ao Sul com São João do Sabugi e o estado da
Paraíba, a Leste com Timbaúba dos Batistas e Caicó, e a Oeste mais uma vez com a
Paraíba, estando localizado em uma posição privilegiada para escoamento (pelas BR-
110 e BR-427, e pela RN-118) de suas mercadorias agrícolas e industriais tanto para
Natal, distante 323 km, como também, para Campina Grande na Paraíba, um dos
principais polos comerciais, industriais e tecnológicos da Região Nordeste, distante
222 km de Serra Negra do Norte.
Quanto às características físicas de sua geografia, o município possui um clima
semiárido, com temperaturas anuais máximas de 32º C e mínimas de 18º C. A
precipitação pluviométrica anual é de 744,7 mm, sendo a ocorrência da estação
chuvosa entre os meses de fevereiro a maio. Possui umidade relativa do ar de 59% em
média. O revelo da área territorial encontra-se entre 100 a 200 metros de altura, em
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Turismo Pedagógico, um novo segmento que ganha cada vez mais espaço devido a
grande competitividade das instituições de ensino particular, que realizam a atividades
educativas, de forma a alcançar finalidades pedagógicas, por meio da experiência
turística.
E por fim, concluindo essa seção, não poderíamos deixar de citar uma forma de
turismo que valoriza a cultura e a história de um povo, que neste caso a população
seridoense tem muita bagagem neste contexto. O Turismo Cultural é definido por
Barret (2000, apud, MANZATO, 2007, p. 100), como sendo “todo o turismo em que o
principal atrativo não seja a natureza, mas algum aspecto da cultura humana e esse
aspecto pode ser a história, o cotidiano, o artesanato”. Neste contexto, onde está
incluído o Turismo Arqueológico (anteriormente visto) tem no Seridó um seleiro repleto
de alternativas capazes de viabilizar essa forma de turismo, seja por meio de roteiros
destinados nas antigas fazendas de gado, onde guardam a história das antigas
oligarquias e coronéis seridoense do passado, passiveis de práticas de Turismo Rural
(turismo comprometido com a atividade produtiva, agregando valor a produtos e
serviços e resgatando o patrimônio natural e cultural da comunidade), nas festas
populares das cidades, como festas de padroeiros (Turismo Religioso) e aspectos
ligados as tradições econômicas, como o bordado, carne de sol e a fabricação de queijo.
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Todos esses objetivos demonstram uma grande dependência entre eles, na qual
a Política Nacional do Turismo pretende atender. Notamos que o alvo principal para
arrecadação de capital proveniente dessa política, é o turista nacional que conseguiu,
nos últimos anos, entrar no mercado de consumo. Mas para buscar essa clientela, é
necessário buscar uma forma de que haja uma maior inclusão dessas pessoas ao
turismo. Para isso, essa lei irá proporcionar que os municípios possam desenvolver e
pôr em prática seus próprios projetos de polos turísticos, auxiliando e incentivando a
criação dos produtos turísticos locais, por meio do inventario de seu patrimônio
turístico, dando total infraestrutura de acesso e sinalização, bem como, buscar formas
de entretenimento que possibilite uma maior permanência do turista na cidade,
contribuindo para a descentralização turística nos estados, que em muitas vezes ficam
restritos apenas ao litoral. O auxílio à formação e a capacitação de mão-de-obra
especializada no trabalho turístico, assim como, abertura de linhas de créditos para
empreendimentos ligados ao setor também estão contidas nessa lei, visando a maior
capitação de recursos futuros decorrentes do turismo no local, atingindo assim, o
propósito de realizar uma maior distribuição de renda entre os moradores, por meio do
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mediante ao que foi exposto, entre contextos, aspectos e perspectivas, levar o
município de Serra Negra do Norte ao seu despertar requer conscientização, dedicação
e incentivo. E, através deste trabalho, esperamos incentivar esse desejo de tornar o
município um espaço que seja palco de muitos olhares e que seja valorizado no que
muito oferece, pois detém de uma cultura muito rica, marcada por tradições que ainda
permanecem intrínsecas em seu cenário, detentor de uma extraordinária carga
histórica. Esta, marcada por uma paisagem natural típica do sertão nordestino,
caracterizada por belezas singulares.
Assim, abre caminhos para o turismo e, consequentemente, para o
desenvolvimento local, possibilitando também para um trabalho de ordem sustentável
a fim de sua preservação histórica, cultural e natural, bem como para a geração de
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REFERÊNCIAS
ARACATI NET.COM. Brasil Fatura US$ 5,78 bi com turismo estrangeiro em 2008.
Disponível em: <http://www.aracatinet.com/?p=2125>. Acesso em 20 set. 2009.
FARIA, J. L. Velhos costumes do meu sertão. 3° edição, Natal/ RN, Sebo Vermelho
Edições, 2006.
LAGE, B.H.G; MILONE, P.C. Turismo: Teoria e Prática. São Paulo: Atlas, 2000.
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INTRODUÇÃO
A Arqueologia chegou no Brasil entre o final do século XIX e início do XX
(ETCHEVARN, 2004), com o objetivo de analisar os sistemas socioculturais, estruturas,
funcionamento e as transformações destes a partir dos remanescentes materiais num
determinado tempo e espaço. Com o trabalho do arqueólogo é possível estabelecer as
relações dos grupos com a moradia, alimentação e economia, assim como a forma com
a qual escolhiam se agrupar. Contudo, é preciso ter um controle sobre as áreas já que
com o passar do tempo, os locais com grande potencial arqueológico venham a sofrer
com degradações e ações por parte da sociedade, que, muitas vezes, não reconhece ou
valoriza esses espaços.
Um sítio arqueológico, como dispõe a Lei 3924/1961, é um componente do
patrimônio cultural, no IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)
sendo inserido no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológico (CNSA). Havendo assim
uma melhor administração tanto dos locais que já foram pesquisados quanto os que
ainda serão.
A arqueologia no Nordeste teve início na década de 1960 (ETCHEVARNE, 2004).
As pesquisas começaram nos estados do Maranhão, Ceará, Sergipe, Alagoas, Bahia,
Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba, com vestígios de gravuras e pinturas
rupestres, com uma condição particular e cunho naturalista. Havia também
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SÍTIO CULUMINS
O Sítio Culumins que fica localizado a mais ou menos 40 km cidade de Caicó-RN,
em uma comunidade rural que possui o mesmo nome (Culumins), sua importância é
inegável para a História local do município, é supostamente a fazenda mais antiga que
se tem registro na documentação manuscrita da antiga da comarca de Gloriosa
Sant'ana no Seridó.
Figura 1: Estrutura da casa sede do Sítio Culumins, Caicó-RN. Foto: Abrahão Sanderson.
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SÍTIO ALEGRE
O Sítio Alegre assim como o Culumins, fica localizado na zona rural do município
de Caicó-RN, é também um grande recurso arqueológico/didático para o ensino de
história. Assim como no Sítio Culumins, os materiais arqueológicos provenientes desta
área, resultam de uma Arqueologia Histórica, em sua maioria materiais de uso
domésticos que nos contam sobre o cotidiano dos séculos XVIII e XIX.
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Figura 3: Vista da casa de fazenda no Sítio Alegre, Caicó-RN. Foto: Abrahão Sanderson.
DOCUMENTAÇÃO
É importante que a abordagem metodológica destes espaços deve ser feita em
dois pontos principais, o material e o documental, este primeiro que como já vimos nas
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imagens acima nos diz muito sobre as vivências e o processo histórico de ocupação e
formação não só de Caicó, mas também de todo o Seridó.
A abordagem documental permite tanto no primeiro momento identificar os
sítios, como também, os possíveis sinais de hibridismo entre as camadas sociais
(negros escravos ou não, índios, donos de fazendas), que viveram nas épocas passadas,
ver como isso fica aparente na cultura material estudada. Além disso, permite
estabelecer uma discussão entre os achados arqueológicos com o que está escrito nos
manuscritos.
Há exemplo do Sítio Culumins os documentos mais antigos consta o nome de
Francisco Antônio de Medeiros e seu filho Antônio Cesino de Medeiros, na antiga
fazenda Umari seu nome anteriormente, no século XIX. Muito provavelmente os
espaços da fazenda eram usados para o beneficiamento de algodão, criação de gado e
a produção a parte de engenho de cana-de-açúcar.
Figura 5: Inventário de Ana Filgueira de Araujo Medeiros/ Inventariante Antonio Cezino de Medeiros,
datado de 1892, Fonte: Labordoc
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Vale salientar também que, uma atividade envolvendo esse método de ensino,
pode-se relacionar com outras disciplinas, permite também o contato diretamente
ligado aos elementos que formam um patrimônio cultural regional ou local, tais como:
fazendas, monumentos, prédios históricos, dentre outros. (ABUD; SILVA; ALVES, 2013).
Esse patrimônio remete a um espaço e tempo específicos e suas formas de
sociabilidade, além dos significados atribuídos a eles pelas pessoas no presente, o que
alimenta a construção da memória e do imaginário. (ABUD; SILVA; ALVES, 2013, P. 81).
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Figura 6: Estrutura em ruínas da casa sede do Sítio Culumins, Caicó-RN. Foto: Abrahão Sanderson.
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Outro aliado que pode ajudar ainda mais na pesquisa é a presença da cultura
material, como foi citado acima dos diversos materiais arqueológicos encontrados no
entorno da residência, na imagem abaixo podemos observar um fragmento de faiança,
de produção inglesa, aproximadamente do século XVIII.
Figura 7: Fragmento de faiança fina, shell edge, de produção inglesa no entorno do Sítio Culumins, Caicó-
RN. Foto: Abrahão Sanderson.
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Com essas atividades desenvolvidas, os alunos se identificam com objetos que ele
utiliza no seu dia-a-dia que tenham algum significado, ou objetos que ele costuma ver
na casa dos seus avós, ou de pessoas próximas. A ideia é que o mesmo tenha
consciência da importância daquilo que está ao seu redor, fazendo uma boa utilização
da cultura material como fonte histórica, podem dar bons resultados em relação ao seu
conhecimento histórico. Toda essa construção contribui para a formação de cidadão
consciente e crítico, a interpretar não só os textos, mas o que os artefatos têm a dizer,
notar que a história está presente em tudo.
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que simula uma casa de fazenda Seridoense dos sécs. XVIII, XIX e XX. Este último já
conta com o primeiro protótipo, em andamento.
Figura 8: Protótipo do Jogo, ambiente que recria uma casa de fazenda no séc: XVIII e XIX.
Esse projeto conta com o auxílio dos alunos do curso de Sistemas de Informação,
aliamos assim a interdisciplinaridade desde a criação do projeto até o seu total
desenvolvimento com isso entendemos o projeto como um bom exemplo do potencial
da cultura material como recurso didático para o Ensino de História.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante apontar para o aluno que o ambiente da sala de aula é muito mais
versátil do que ele pensa, mostrar que ele pode aprender jogando, e de uma maneira
mais dinâmica, aliando a cultura material com a sala de aula. E mais importante ainda,
é o fato desse discente se identificar com as aulas e se identificar com a história da sua
cidade, abordar a esse aluno que é possível falar do seu local, construir um significado
dentro e fora da sala de aula, é nesse momento que como vimos anteriormente entrar
os estudos do meio, aliando a interdisciplinaridade desde a criação do jogo, até a sua
aplicação.
Os estudos do meio tem como objetivo auxiliar nessa relação, professor e aluno
com o intuito de deixar a aprendizagem mais dinâmica, com isso obteremos uma nova
visão dos alunos em relação às aulas, e quem sabe assim mais interesse por parte do
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próprio estudante de futuramente estudar sobre a sua região, essa interação do aluno
com o meio é importante para ele perceber o ambiente a qual faz parte e se sentir
incluído nisso, interagindo nas aulas, com os jogos, e com o material de campo,
despertando assim a curiosidade dele para aprender.
Contudo em um momento atual, vemos os estudos do meio como forma de
acrescentar ao ensino, a significação da memória em relação aos espaços de patrimônio
histórico. Desta maneira, o sentido do significado corrobora com o crescer de uma
sociedade consciente da preservação e conservação do patrimônio. Perspectivar a
educação patrimonial, como prática responsável do docente. Ademais, entendemos os
espaços como dinâmicas ferramentas de um ensino de história integralizador, que
perpassa a fronteira da sala de aula, chegando até o cotidiano do aluno.
REFERÊNCIAS
ABUD, Kátia Maria; SILVA, André Chaves de Melo; ALVES, Ronaldo Cardoso.
Ensino de História. São Paulo: Cengage Learning, 2011.
SILVA, da Gomes Micheli. SILVA, Amanda Kelly Acioli. RIBEIRO, Helena Alves de Souza
de Lucena. A Cultura Material Como Recurso Didático No Ensino de História. Revista
Eletrônica Extensão & Sociedade, Natal, PROEX/UFRN, Volume 8, No 1, Janeiro, 2013.
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INTRODUÇÃO
Ensinar os alunos a pensar historicamente é uma preocupação que se
apresenta como uma pauta bastante em evidência nos debates atuais acerca de como
encontrar possibilidades que tornem o ensino de História mais significativo no âmbito
da Educação Básica. Isso ocorre porque, nos tempos vividos no século XXI, marcado por
constantes transformações, novas demandas vão surgindo na escola com a mesma
velocidade que as mudanças acontecem. Assim, a escola, no que tange ao ensino de
História, sente a necessidade de rever e ressignificar seus paradigmas, suas
metodologias e seus processos inerentes ao ensino/aprendizagem.
Nessa dinâmica, os antigos modelos que orientavam o ensino tradicional
desta disciplina, atualmente se defrontam com novos questionamentos e,
consequentemente, novos problemas, como aponta o professor Daniel Luciano Gevehr:
“a crise das memórias, das identidades e a desvalorização (ou esquecimento) dos
lugares de memória.” (p. 945, 2016). Fundamentada na discussão crítica que Gevehr
desenvolve em seus trabalhos sobre o tratamento dado aos espaços de memória na
sociedade de memórias fluidas da contemporaneidade e o papel importante do ensino
de História para se problematizar essa questão, o presente trabalho tem como objeto
de estudo a Escola Estadual Instituto Ary Parreiras como fonte para a produção do
conhecimento histórico sob o enfoque da Educação Patrimonial, compreendida não
apenas como um método do ensino de História, mas também como um saber que está
imbricado no processo de construção desse conhecimento.
A Escola Estadual Instituto Ary Parreiras fica localizada dentro da Vila
Naval, na Praça Almirante Barroso, bairro Alecrim, cidade do Natal/RN. Fundada em
1945, pelo 3° SG. Francisco Luciano de Oliveira, recebeu esse nome em homenagem ao
almirante Ary Parreiras, responsável pela instalação da Base Naval em Natal no ano de
1941. Atualmente, atende os níveis de Ensino Fundamental I e II, nos turnos matutino e
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abertas com respostas discursivas, trataram a respeito da escolha dos alunos para
estudar na escola e as percepções deles sobre a instituição.
Após a aplicação do questionário diagnóstico, realizado em sala e em
material impresso, as perguntas com respostas foram organizadas no Google Forms,
um formulário online personalizado, por meio do qual os dados e os resultados são
lançados em planilhas e armazenados automaticamente em nuvem no sistema do
Google Drive. Essas ferramentas são interessantes, primeiramente, pela sua
aplicabilidade didática e interativa, pois permitem que os colaboradores (no caso desta
pesquisa, foram os alunos) interajam por meio de um link, respondendo as perguntas
da pesquisa feita através do questionário; e, segundo, porque o processamento dos
dados em planilhas é feito de forma rápida e simplificada.
De acordo com o que se pretendia obter no resultado dos dados, o
formulário foi estruturado, obedecendo a seguinte ordem: 1) da questão 1 até a 19 com
perguntas objetivas de múltipla escolha com apenas uma assertiva; 2) da questão 20
até a 23, discursivas, proporcionaram a obtenção dos dados em números e foram
transformadas em perguntas de múltipla escolha com mais de uma assertiva, ou seja,
elaboradas no modelo “caixa de seleção”. Por se tratar de um mapeamento das turmas,
esse método foi escolhido para que os dados fossem obtidos em forma de gráficos,
aplicando, assim, o método quantitativo para que se obtivesse, em termos percentuais,
o resultado do questionário.
Segundo Richardson, “o método quantitativo caracteriza-se pelo emprego
da quantificação, tanto nas modalidades de coleta de informações, quanto no
tratamento dessas através de técnicas estatísticas, desde as mais simples até as mais
complexas”. (RICHARDSON apud Michael Samir Dalfovo, 2008, p. 77). Ainda no estudo
de Dalfovo, é apontado o método quantitativo-descritivo, o qual é direcionado para o
tipo de pesquisa que utiliza questionários e/ou entrevistas na coleta de dados,
apresentando variáveis distintas.
Com a utilização desse procedimento na primeira fase da pesquisa, foi
possível estabelecer uma inter-relação das hipóteses levantadas durante o processo
de investigação, com a complexa análise das diversas variáveis, resultantes da
subjetividade das respostas dos alunos apresentadas no questionário diagnóstico. Por
conseguinte, para não incorrer em alguns vícios do mau uso da História Quantitativa,
como orienta José D’Assunção Barros, foram utilizadas estratégias discursivas que
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gradativamente, vai substituindo o modelo disciplinar militar por uma forma de atuação
pedagógica mais democrática e aberta ao diálogo entre professores e alunos.
Essas fotografias foram digitalizadas em formato JPEG, com tamanho de
238 KB, disponibilizadas para trabalhar com os alunos em sala de aula. No momento
da aula expositiva dialogada, as fotografias foram apresentadas em projetor
multimídia, para que todos os alunos pudessem fazer a observação direta em conjunto
e partilhassem as suas percepções. Posteriormente, na aula destinada à análise dos
significados, na qual os alunos registraram por escrito suas interpretações, as fotos
foram disponibilizadas em formato de papel impresso, em folha de ofício tamanho A4,
para que tivessem contato com a imagem e uma melhor proximidade física.
Durante o processo da realização das etapas mencionadas acima, o terceiro
referencial teórico-metodológico que fundamentou a investigação científica foi o
método de pesquisa Qualitativo explicitado por Hartmut Günther. Na pesquisa
qualitativa, a concepção do objeto de estudo é vista em sua historicidade, no que diz
respeito ao processo de desenvolvimento do indivíduo e no contexto no qual ele se
formou. (GÜNTHER, 2006). Ainda tratando do enfoque deste método, segundo Bonato
(2011, p. 01):
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mil e vinte e quatro seguidores, parece ser uma página virtual pouco alimentada, uma
vez que, no espaço destinado ao perfil da escola, só aparece a seguinte frase: “Esta
página tem cheiro de saudade. Feita pra você que conhece o Instituto Ary Parreiras,
estudou lá ou morou na Vila Naval, enfim... Participe!”, contudo nenhuma outra
informação ou narrativa que reporte a sua história é apresentada.
Na parte dos álbuns de fotografias, foram publicadas apenas treze fotos na
linha do tempo, vinte e uma fotos nos arquivos de dispositivos móveis, três fotos de
capa, quatro do perfil e uma no álbum intitulado “Fotos e fatos”, publicados em julho
de 2012. Em todos os álbuns, apenas duas fotos parecem ser da década de 1990; as
demais são atuais. Em outras palavras, mesmo havendo um pequeno registro da
memória histórica da escola, através dos dados existentes nesses álbuns, eles não
possuem uma dinâmica de interconexão satisfatória e utilizável na produção de
conhecimento no ensino de História.
Este fator é um problema preocupante porque, no mundo em que vivemos,
atualmente marcados pela “Era digital”, na qual tem se dado muita ênfase aos fatos,
acontecimentos e informações publicados e veiculados nos meios virtuais, a ausência
de publicações a respeito de algo, além de dificultar na realização de pesquisas, lhe
atribui significado e sentimentos negativos. No caso do Instituto Ary Parreiras, pode-
se pensar que não se tem nada de memória ou lembranças importantes para mostrar.
Segundo Elison Antônio Paim, “A condição necessária para que haja
memória é o sentimento de continuidade, presente naquele que lembra”. (2010, p. 88).
Na sociedade de memórias fluidas, que se apresenta no século XXI, esse sentimento de
continuidade é externado na vinculação entre vida real e os ciberespaços. Portanto,
oferecer um suporte virtual e interativo para o acervo material dessa escola, atualiza-
o, configurando-o em uma potencial estratégia pedagógica para o ensino e
aprendizagem histórica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola pelo seu papel social e pelas relações que se desencadeiam dentro
do seu espaço, apresenta-se como uma rica fonte de estudos para explorar as
potencialidades do ensino de história e educação patrimonial. Fazer uso desse
potencial, que o espaço escolar possui, articulando-o com novas questões que se
apresentam na sociedade moderna de relações fluídas e conseguir despertar nos
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INTRODUÇÃO
O presente artigo teve origem a partir da participação das autoras em um projeto
de extensão intitulado “Extroversão das coleções de fotografias e arte santeira do
Museu do Seridó, em escolas no Seridó potiguar”, com isso e através dos dados obtidos
nesse projeto, foi possível a escrita deste artigo.
A partir da experiência adquirida ao longo do projeto foi oportuno ampliar a
discussão do tema, e para tanto se optou por abordar a Arte Santeira e as Fotografias
de José Ezelino, predominante no acervo do museu, tendo em vista a comunicação
desse acervo para com a comunidade seridoense.
Dentro desse contexto, almeja-se discutir como a cultura material presente no
Museu do Seridó, pode contribuir para o processo de ensino-aprendizagem do alunado
seridoense a partir de ações práticas em salas de aulas da Educação Básica, nos níveis
Fundamental e Médio, na cidade de Caicó/RN, dentro de uma perspectiva de
socialização do conhecimento acerca da memória e história do Seridó Potiguar.
Desse modo, elencou-se como objetivo geral de pesquisa discutir/apresentar
como a produção material do Museu do Seridó, em Caicó/RN, pode ser usada e como
pode contribuir para o processo de ensino-aprendizagem. A partir desse objetivo é
possível despertar o interesse das comunidades locais ao acesso às coleções presentes
530 Discente do Curso de Licenciatura em História, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó. E-mail:
ac.monteiroaraujo@gmail.com.
531 Discente do Curso de Licenciatura em História, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó. E-mail: alinevale3@gmail.com.
532 Discente do Curso de Licenciatura em História, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó. E-mail:
abrahao@ufrnet.com.br.
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REFERENCIAL TEÓRICO
Para a realização dessa pesquisa foram utilizados como embasamento teórico
alguns autores que já vem realizando trabalhos sobre a temática escolhida, e através
dessas referências, foi possível trazermos uma discussão acerca de alguns conceitos
que remetem ao tema “os bens culturais presentes e ausentes do museu do Seridó”,
tais como: patrimônio histórico e cultural, ensino de história local e processo de ensino-
aprendizagem na perspectiva da educação patrimonial.
Inicialmente é cabível discutir alguns aspectos históricos sobre a museologia,
onde salientamos que no século XIX, a Primeira Revolução dos museus traz a
equiparação de dois princípios da ação museológica, que foram à democratização do
acesso aos acervos e sua conservação (BREFE, 1998).
Na sociedade contemporânea, essas perspectivas foram revigoradas, por
exemplo, com a criação de tecnologias digitais a partir dos anos 1980. Na primeira
metade do século XX, adeptos da perspectiva crítica na museologia passam a entender
o espaço do museu e as temáticas a ele relacionadas, como, necessariamente, tendo
que ser construídas para além de discursos de dominação e práticas ideológicas, trata-
se, pois, de uma visão menos custodial e tecnicista dos museus (ARAÚJO, 2013).
Nesse sentido, tal perspectiva vem implicando em abordagens contemporâneas
ligadas a imaterialidade, identidade e mediações, ganhando fôlego a partir da Nova
Museologia, que se apropria do conceito de território como lugar geograficamente
delimitado aonde sujeitos e comunidades vivem ou se apropriam e passa a defender o
museu e as ações a ele ligadas como veículos de transformação social (LOPES, 2014).
Segundo Bondia (2002),
Acrescenta-se ainda que o recurso do objeto, como uma fotografia, por exemplo,
enquanto algo manipulável e contextualizado é ferramenta que está para além da pura
e simples informação, isto porque, também entendemos que informação não é
necessariamente experiência (BONDÍA, 2002).
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Desse modo compreendemos também que o desvelar dos objetos, tal qual
preconiza em grande parte a "educação museológica" constitui-se em um processo de
descobrimento no qual há duas perspectivas, a estética e a científica (BITTENCOURT,
2004).
Em relação ao conceito de “patrimônio”, vale salientar que essa palavra vem do
latim patrimonium e significa “herança paterna, bens de família”. Para Lopes (2014),
esta bela e antiga palavra estava, na origem, ligada as estruturas familiares,
econômicas e jurídicas de uma sociedade estável, enraizada no espaço e no tempo.
Lopes (2014), afirma ainda que a palavra “patrimônio” foi requalificada ao longo
de todo o século XX por diversos adjetivos genéticos, naturais e históricos, e
atualmente ela designa um bem destinado ao uso, fruto de uma comunidade constituída
pela acumulação de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado
comum: “obras e obras-primas das artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de
todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos”.
Segundo Silva e Gontijo (2010), a apreciação por alguns objetos cresce ao longo
do século e ganha importância, surgindo à necessidade de criar normas e códigos que
os regessem. Embora na época do Renascimento já existisse a noção de atribuir valor
histórico e artístico por conta dos antiquários, é somente a partir da Revolução
Francesa, com a formação dos Estados–nacionais, que a noção de Patrimônio recebe
seus primeiros contornos.
De acordo com Silva (2013), a França do século XVIII, foi palco de muitas
mudanças políticas e sociais, propiciou que as noções de patrimônio e preservação
deixassem os antiquários e colecionadores e se tornassem públicas. Em 1789, com a
queda da monarquia e da aristocracia, a burguesia institui um novo Estado na França, e
para estes, preservar os bens antes representados por essas classes, clero e nobreza,
seria como se os mesmos ainda se mantivessem no poder. Portanto, a solução seria a
destruição daqueles bens e monumentos, gerando um grande quadro de vandalismo
em toda a França.
Então, o governo revolucionário criou um processo de regulamentação de
proteção a estes bens, com o argumento de que serviriam para fins pedagógicos. E com
o fim do Antigo Regime se formam as ciências e os profissionais especializados para
guardar, proteger e justificar uma política pública de defesa do patrimônio histórico
nacional. Assim, a noção de patrimônio se consolida como conjunto de bens de valor
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cultural tem sempre como suporte, valores materiais. Isso vale também para o
chamado patrimônio imaterial, pois se todo patrimônio material tem uma dimensão
imaterial de significado e valor, por sua vez todo patrimônio imaterial tem uma
dimensão material que lhe permite realizarem-se, as diferenças não são ontológicas,
de natureza, mas basicamente operacionais.
Já trazendo a discussão para a questão do ensino de história local as reflexões
acerca da importância do ensino de história local remontam aos primeiros clássicos da
pedagogia. Pois no Emílio, Rousseau orientava a aprendizagem a partir da observação
da natureza e do entorno. No século XX, John Dewey (1913) apontava para a relação
entre a História local e a aprendizagem infantil, enfatizando que a criança tinha um
interesse ímpar por aquilo com que se relacionava diariamente (SCHMIDT, 2007).
Outro pensador que também indicava a História Local como uma forma de
evidenciar os pontos escuros da história geral era Roger Cousinet (1950), o mesmo
afirmava que reconhecia “mais na história local um valor pedagógico porque ela coloca
a criança em presença de realidades” (SCHMIDT, 2007).
Apesar disso, apontava algumas ressalvas em relação ao tema. Inicialmente,
porque a referência ao meio natural da criança seria uma proposição ambígua, visto que
nem sempre o ambiente natural condiz com o ambiente real – construído por meio da
ficção, das leituras e do cinema. Ainda, não acreditava que o estudo da história local
acarretaria o amor ao entorno ou o enraizamento das crianças nos lugares em que
viviam (SUKOW; URBAN, 2017).
O interesse em desenvolver pesquisas que tratam da história local não é recente.
Diversos estudiosos já desenvolveram trabalhos nessa área. A abordagem sobre
história local, no que se refere ao ensino de História foi alvo de grande debate entre
historiadores no Brasil, que valorizaram esta abordagem por possibilitar novas visões
sobre o processo de aprendizado da História e, a influência do meio em que o aluno e a
escola estão inseridos (CAINELLI; SANTOS, 2014).
Segundo Cainelli e Santos (2014, p. 161),
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Para Schmidt (2007), o trabalho com a História local pode ser instrumento para
a construção de uma história mais plural, menos homogênea, que não silencie a
multiplicidade de vozes dos diferentes sujeitos da história. Portanto, esta forma de
estudo pode colaborar para um processo de reflexão sobre a realidade se trabalhada
numa perspectiva exploratória das possibilidades de compreensão dos
acontecimentos do passado a partir da realidade local.
Dessa maneira, acredita-se que o presente trabalho através da discussão de
como a cultura material presente no Museu do Seridó, Caicó/RN, possa contribuir para
o processo de ensino-aprendizagem do alunado seridoense a partir de ações práticas
em salas de aulas da Educação Básica, nos níveis Fundamental e Médio, na cidade de
Caicó, dentro de uma perspectiva de socialização do conhecimento acerca da memória
e história do Seridó Potiguar.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A metodologia que foi utilizada nesta pesquisa consistiu em atender os objetivos
esperados, se deu através de uma pesquisa exploratória de cunho teórico, bibliográfico
e qualitativo, onde incialmente foi realizado todo um levantamento bibliográfico acerca
do tema e de seus conceitos norteadores, e do objeto de estudo, buscando-se por
materiais como: livros, capítulos de livros, teses, dissertações, monografias, artigos de
revistas científicas, leis, decretos-lei, resoluções, e sites de instituições renomadas e
qualificadas. Como também, a coleta de informações e dados relevantes às discussões
sobre assuntos pertinentes ao tema.
A escolha por essa metodologia se deu pela necessidade de que para qualquer
tipo de pesquisa é necessário inicialmente estabelecer uma metodologia específica que
viabilize a escolha de instrumentos e análises pertinentes na busca por respostas e
elucidações de fatos anteriormente questionados.
Neste trabalho, optamos por apresentar uma definição metodológica que se deu
a partir da pesquisa bibliográfica e documental como tipologias norteadoras do
desenvolvimento do trabalho. Desse modo escolhemos por delinear o texto segundo
os escritos de alguns autores que a partir de seus estudos esclareceram e sustentaram
hipóteses levantadas acerca do objeto em questão.
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Figuras 03, 04 e 05: Registros fotográficos das imagens sacras de Santa Rita de Cássia, Nossa
Senhora Sant’Ana e Nossa Senhora do Carmo.
Figura 06: Entrevista com monsenhor Antenor Salvino de Araújo (Fundador do Museu).
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Figura 07, 08 e 09: Família seridoense (Data: Aprox. 1903 à 1952); Mulher com adereços
religiosos (Data: Aprox. 1903 à 1952) e Família seridoense
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O Museu do Seridó é um retículo do Patrimônio histórico-cultural da população
de Caicó- RN e do povo seridoense em geral (Figuras 10 e 11). O uso da produção
material presente no museu supracitado mostrou-se como componente angular no
processo de ensino-aprendizagem, pois permite que os discentes entrem em contato
com uma produção material e imaterial de sua própria realidade, permitindo um
processo de ensino mais efetivo, pois sua composição é criada através de elementos
presentes na realidade sociocultural dos discentes, superando o fosso do que é
ensinado e realidades dos alunos e alunas (BITTENCOURT, 2004) (MALTÊZ et. al., 2010).
Figuras 10 e 11: Fachada do Museu do Seridó (Agosto/2017); Fachada do prédio construído pela
UFRN na parte de trás das antigas instalações (Agosto/2017).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos resultados obtidos nessa pesquisa foi possível constatar que as
ações envolvendo as coleções de fotografias e arte santeira do Museu do Seridó
promove diálogos com a comunidade escolar acerca dos conceitos de patrimônio,
museologia e identidade, evidenciando a importância de conhecer e valorizar os bens
culturais existentes no museu e que fazem parte da história da vida de sertanejos
seridoenses, contribuindo para que associem esses bens culturais como algo que pode
fazer parte de seu referencial identitário, proporcionando, também, a compreensão das
transformações da sociedade e espaço citadino seridoense a partir do século XIX e
primeiras décadas do XX.
Foi possível identificar através do material consultado para a escrita desse
trabalho, que a História local pode ser entendida como um campo promissor para o
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REFERÊNCIAS
ARAÚJO, C. A. Á. Museologia: correntes teóricas e consolidação científica. Revista
Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG –
PMUS Unirio / MAST. v. 5, n. 2, 2013.
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INTRODUÇÃO
Depois de anos de estudos, já se tem a comprovação da potencialidade
arqueológica que se insere no nordeste brasileiro principalmente entre os estados do
Rio Grande do Norte/RN e Paraíba/PB. As pesquisas arqueológicas no Rio Grande do
Norte vêm tendo um grande aumento em suas produtividades contendo estudos que
destina um olhar tanto para a arqueologia histórica como também para a pré-histórica.
Sendo trabalhado os sítios a céu aberto ou sob rocha que visa o resgate de bens
materiais na busca de compreender e elencar práticas cotidianas de civilizações que
antecedem o tempo presente. Seu registro está resguardado na materialidade agindo
assim, como uma fonte impressa que resisti a passagem do tempo (MARTIN, 2008).
Outro direcionamento expressivo nos estudos voltados a arqueologia são os que
permeiam pela arte rupestre que possui como foco principal a análise de técnicas de
execução utilizadas em gravuras e pinturas rupestres. As gravuras rupestres estão
presentes em várias regiões do Brasil, e no Rio Grande do Norte tem-se descoberto
vários sítios com esse tipo de registro. A maioria dos sítios de gravuras se caracteriza
pela proximidade com córregos, riachos, afluentes de rios e outros corpos hídricos
(MARTIN, 2008; MARANHÃO, 2003; PESSIS, 2002). Esses registros gráficos,
existentes nos suportes rochosos nas várias regiões do Estado Potiguar, evidenciam
os indícios de ocupações pré-históricas temporárias ou permanentes nessas áreas
(SANTOS, CARLOS, OLIVEIRA e GONZALES, 2016).
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Figura 2: Vista geral do painel do Sítio Cachoeiras do Alegre – Caicó/RN, Fonte: Mizael Costa, 2017.
Figura 3: Detalhe do painel do Sítio Cachoeiras do Alegre – Caicó/RN, Fonte: Mizael Costa, 2017.
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Figura 4: Detalhe do painel do Sítio Cachoeiras do Alegre – Caicó/RN, Fonte: Mizael Costa, 2017.
Sítio Culumins
O Sítio Culumins, como no anterior, é formado por um painel de gravuras
rupestres que percorre toda a extensão do afloramento rochoso, por ser um
reservatório de água natural, as gravuras sofrem constantemente com ações
intempéricas tanto do fator climático do semiárido quanto do nível da água que gera
musgo na rocha encobrindo e fazendo raspagem nas gravuras.
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Figura 5: Vista geral do Sítio Culumins – Caicó/RN, Fonte: Jônatas Alves, 2018.
Figura 6: Detalhe do painel do Sítio Culumins – Caicó/RN, Fonte: Jônatas Alves, 2018.
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Figura 7: Detalhe do painel do Sítio Culumins – Caicó/RN, Fonte: Jônatas Alves, 2018.
Gruta da Caridade
A Gruta da Caridade está localizada na Serra da Cruz, no município de Caicó, a
Caridade se caracteriza basicamente por ser caverna formada por um pequeno rio. O
vão interno é bastante sinuoso com poucas passagens laterais, algo como um imenso
corredor. Após seu mapeamento ela foi subdividida em Salão dos Sapos, Conduto das
Aranhas, Laguinho do Sifão, Salão da Névoa, Conduto do Quebra-Osso, Aperto do
Conduto, Passagem da Cachoeira, Escorrego da Aranha, o Órgão e Último Tanque.
Na entrada da gruta é possível observar painéis com inscrições rupestres,
sendo mais evidente a Tradição Itaquatiara, enquanto os paredões se estendem
subindo a serra, as inscrições rupestres a acompanham, aparecendo desde gravuras a
pinturas.
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Figura 8: Vista geral da entrada da Gruta da Caridade – Caicó/RN, Fonte: Abrahão Silva, 2017.
Figura 9: Vista geral do painel da lateral da Gruta da Caridade – Caicó/RN, Fonte: Abrahão Silva, 2017.
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Figura 10: Detalhe do painel da lateral da Gruta da Caridade – Caicó/RN, Fonte: Abrahão Silva, 2017.
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Figura 11: Vista geral do Sítio Pedra Preta – Caicó/RN. Fonte: Mizael Costa, 2017.
Figura 12: Gravura geométrica arredondada no Sítio Pedra Preta – Caicó/RN. Foto: Mizael Costa, 2017.
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Figura 13: Matacão com gravura geométrica do Sítio Pedra Preta – Caicó/RN. Foto: Mizael Costa, 2017.
O sítio é de fácil acesso, tendo uma estrada de barro a sua margem permitindo
uma visitação sem muitas complicações, ou longa locomoção, os painéis são formados
por figuras geométricas grandes correspondentes a proporção da rocha em que foram
talhadas, também é possível ver as ações intempéricas e a degradações que fazem na
gravura como demonstrada figura 11 que apresenta manchas de tom alaranjado pela
gravura.
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Pensar nesses sítios de modo que sejam abordados dentro da sala de aula por
meio do ensino de história possibilita ações educativas voltadas para o conteúdo
curricular bem como para a realização de funções sociais onde conecta os indivíduos,
seja de forma coletiva ou individual buscando, dessa forma, possibilitar o
reconhecimento, identificação e valorização desses bens culturais tendo como base a
integração entre os educandos e o meio. Para a abordagem desses espaços na sala de
aula seria essencial partir de uma perspectiva interdisciplinar que associe a história
local, sendo ela o fio condutor, com os estudos do meio e a educação patrimonial.
A história local, nessa perspectiva, seria fundamental para o ensino já que
permite que funções sociais e individuais sejam estimuladas e que proporcionem o
desenvolvimento de uma consciência histórica. Com a inserção dessa abordagem
pautada na localidade dentro do ensino de história, questões referentes a identidade,
consciência, preservação do patrimônio podem proporcionar aos educandos sua
inserção nas heranças culturais de sua própria comunidade. Além disso, trabalhar
essas competências também faz parte do currículo que é composto de propostas
interdisciplinares que relacionem o homem e ambiente natural.
Já os estudos do meio procuram desenvolver interação entre homem com
natureza, portanto, parte da compreensão de que o ambiente é permeado de ações
compostas de materialidade em seus mais diversificados vestígios, assim, os estudos
do meio são compostos de elementos que buscam analisar os bens culturais. Em
consonância a isso, também são direcionados para a interdisciplinaridade, além de
colocar o educando como sujeito ativo no processo educacional proporcionando o
desenvolvimento de novos conceitos, habilidades e atitudes a partir da observação e
interação com o meio.
A educação patrimonial está relacionada com práticas voltadas para estimular
a preservação dos bens culturais e também discutir e refletir de maneira mais eficaz
acerca do patrimônio cultural. As ações devem girar em torno da compreensão do
educar para o patrimônio permitindo o conhecer, proteger, valorizar, divulgar e difundir
os bens partindo da integração da comunidade escolar no espaço natural.
São através dessas abordagens e perspectivas que propormos o
desenvolvimento do ensino de pré-história colocando os sítios arqueológicos da região
como fundamentais nesse processo de aprendizagem. Tendo em vista, que os livros
didáticos quando tratam do período pré-histórico majoritariamente relacionam e
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exemplificam a partir de contextos que estão distantes dos alunos além de que a
ausência de fatores e exemplos cotidianos não apenas dificulta o processo de
aprendizagem, mas coloca a margem especificidades que caracterizam desde uma
conjuntura nacional até regional. Além disso, associar a história local, os estudos do
meio e a educação patrimonial contribui para o desenvolvimento de reflexões voltadas
para a construção de conhecimentos acerca do patrimônio arqueológico pré-histórico
da região estimulando a percepção de que esse patrimônio está relacionado
diretamente com práticas sociais e culturais, construção de memória coletiva,
reconhecimento como agente histórico e a relação que a comunidade deve ter com seu
espaço. Por fim, é fundamental que esses sítios arqueológicos sejam reconhecidos pelo
seu potencial no desenvolvimento de possibilidades que envolvam sua utilização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio do levantamento realizado dos sítios arqueológicos pré-históricos
ficou evidente que a região do Seridó, especificamente o munícipio de Caicó/RN, oferece
uma grande potencialidade tanto para o desenvolvimento de atividades relacionadas
ao turismo quanto para a realização de ações educativas relacionadas com o ensino de
história.
Ainda deve ressaltar que essa perspectiva de trabalho é uma maneira de
trabalhar o conteúdo desenvolvendo práticas metodológicas que integram a
comunidade escolar com o ambiente físico e natural, portanto, são estratégias que
também fazem parte das propostas estabelecidas no currículo escolar.
Ao promover essas intervenções associando ao ensino de história, os estudos
do meio e a educação patrimonial é colaborar para que a comunidade se reconheça e se
identifique com esse patrimônio, sendo por meio disso que ações envolvendo
conhecimento, proteção, valorização, divulgação e difusão se tornem mais concretas,
gerando o que se espera uma preservação do patrimônio por meio da comunidade,
evitando a depredação e destruição dos sítios.
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REFERÊNCIAS
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História. São Paulo: Cegage Learning, 2011.
BORGES, Fábio Mafra; MARTIN, Gabriela; NOGUEIRA, Mônica Almeida Araújo. SÍTIOS
A CÉU ABERTO NA REGIÃO DO SERIDÓ POTIGUAR: Um Estudo de Caso do Rio da
Cobra, Entre os Municípios de Carnaúba dos Dantas e Parelhas, RN. Clio Arqueológica
v.31, n° 3, p113-132, 2016.
BORGES, Fábio Mafra; NOGUEIRA, Mônica Almeida Araújo; SILVA, Joadson Vagner3;
BRITO, Isaiane. Levantamento Arqueológico na área arqueológica do Seridó, RN –
Brasil. Revista CERES, Vol. 1 N°1, 2015.
CASCO, Ana Carmen Amorim Jara. Sociedade e educação patrimonial. Disponível em:
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FUNARI, Pedro Paulo et al. Os historiadores e a cultura material. In: PINSKY, Carla
Bassanezí et al. Fontes Históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008. Cap. 4. p. 81-110
JÚNIOR, Valdeci dos Santos. Cenas e movimentos nas gravuras rupestres da região
central do Rio Grande do Norte. Revista Tarairiú. Vol. 1, N° 05, p. 103-112, 2014.
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MARTIN, Gabriela; ASÓN, Irma. A Tradição Nordeste na Arte Rupestre do Brasil. CLIO
N°14, 2000.
MARTIN, Gabriela; BORGES, Fabio Mafra; SENA, Vivian Karla de; SALDANHA, Rafael S.
Medeiros; ALMEIDA, Marcellus; NOGUEIRA, Mônica A. Araújo; BARBOSA, Caio C.
Araújo. Levantamento arqueológico na área arqueológica do Seridó – Rio Grande do
Norte – Brasil: nota prévia. In: Clio –Série Arqueológica, v. 2, n. 23. Recife: Editora
Universitária UFPE, 2008.
PESSIS, A.M. Registros rupestres, perfil gráfico e grupo social. CLIO série
arqueológica n.9, Ed, Universitária, UFPE, Recife. 1993.
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Simpósio Temático 14
POLÍTICA, HISTÓRIA E MÍDIAS:
O OFÍCIO DO HISTORIADOR NA SOCIEDADE DA
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INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO
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INTRODUÇÃO
Desde meados dos anos de 1980, quando a produção de jogos digitais começou
a caracterizar-se como uma indústria, uma grande variedade de jogos disseminou-se
em diversos países com os mais distintos tipos de gênero: aventura, esportivos,
educativos, policial, investigação, romance etc. Já nos anos de 1990, um novo gênero
começava a ganhar adeptos entre a comunidade de jogadores: os jogos históricos, e
assim, temas que abordavam, a segunda e a primeira guerra mundial, a guerra fria e
também a organização social em outras eras históricas se tornaram recorrentes em
muitas narrativas. A famosa franquia de jogos chamada “wolfenstein” que começou
em 1981 e atualmente está no seu 11º título sempre teve como narrativa a segunda
guerra mundial e a luta contra os nazistas.
No seu terceiro título lançado em 1992 “wolfenstein 3d”, o jogador, além de enfrentar
os soldados do terceiro reich, tinha como objetivo final, a destruição de Hitler. Dessa
maneira, com o lançamento de jogos que tomavam o passado como forma de narrativa
e com melhores computadores e aparelhos de vídeo games no mercado, os jogos
históricos foram ganhando cada vez mais aceitação entre os jogadores de todo o
mundo.
Com o início do século XXI, este gênero se tornou um dos mais cobiçados por
grandes empresas de jogos digitais. Ter a possibilidade de “viver”, “sentir” e
“conhecer” outros períodos com uma maior imersão e interação com o ambiente,
possibilitou ao jogador conhecer outros períodos da história da humanidade de uma
maneira diferente do cinema, da televisão e da literatura. Produziram-se então jogos
que tomavam diferentes aspectos do passado: guerras, romances, intrigas políticas,
assassinatos misteriosos etc. As franquias de jogos: “medal of honor”, “call of duty”
e “ battlefield” apresentaram diferentes faces e fazes das guerras modernas, a
franquia “assassin's creed” “teletransporta” o jogador para diferentes momentos:
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para a revolução francesa, para as cruzadas, para o Egito antigo etc., já a franquia de
jogos “age of empires” possibilita ao jogador organizar e desenvolver uma sociedade
a partir do nada nos períodos antigo, medieval e moderno. Em consequência disso, cava
vez mais os jogos de vídeo games passaram a expor concepções ideológicas em suas
narrativas, o passado nestes jogos é usado para entreter e para divertir, mas também
para impactar, parra sensibilizar e para oferecer uma visão sobre algo que aconteceu
em uma perspectiva diferente, colocando o jogador no controle da situação.
Até chegar nas mãos dos jogadores, é necessário muitas vezes alguns anos
para que um jogo digital fique pronto e possa ser distribuído para aqueles que desejam
adquiri-lo. Durante este longo processo, equipes de roteiristas, designers, animadores,
programadores e publicitários trabalham na concepção, na narrativa, na construção
de personagens, na arquitetura e em tudo mais que deverá ser apresentado ao jogador
no momento que este começar a jogar. Sendo assim, por muito tempo, apenas
grandes empresas podiam arcar com os enormes custos que envolviam a produção, o
desenvolvimento e distribuição de um jogo digital. No entanto, nos últimos dez anos,
inúmeros fatores contribuíram para uma significativa mudança neste quadro,
disseminaram-se programas a um baixo custo para desenvolvê-los e com versões
gratuitas, apareceram os smartphones que com a rápida popularização, logo serviram
como plataformas para novos jogos possibilitando uma maior produção para estes
dispositivos. Em decorrência disso, surgiram as lojas virtuais, por exemplo, a “Apple
Store” e a “Google Play” o que aumentou ainda mais a quantidade de pessoas que
jogam algum jogo digital.
Tendo em vista o potencial que os jogos de vídeo games têm para impactar os
jogadores, para criar uma imersão maior do que o cinema, a televisão e a literatura no
espectador, e observando momento atual extremamente propício para produzir e
desenvolver um jogo digital, acredito ser válido para nós, aspirantes ou já
profissionais de história, a reflexão prática sobre este tipo de mídia digital como
espaço para a produção e
disseminação do conhecimento histórico.
O MOMENTO ATUAL
No dia 10/02/2017 o site de notícias www.g1.globo.com publicou uma matéria
que tem por título: “Número de desenvolvedores de games cresce 600% em 8 anos,
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diz associação: Faturamento do setor em 2016 foi de US$ 1,6 bilhão, 25% a mais que
em 2014. Dados do IBGE mostram destaque do segmento de informática na atividade
de serviços. ”. A matéria tem por objetivo demostrar como este mercado tem ganhado
significativo destaque na economia brasileira, assim como também se configura em
um promissor alvo de investimento não só por grandes marcas internacionais que
desejam investir em algumas empresas no Brasil, mas também investimentos de
alguns desenvolvedores independentes nativos que desejam produzir jogos para o
público interno e externo539.
Para reforçar esta argumentação, a matéria também conta com uma
participação de Eliana Russi, diretora da Associação Brasileira dos Desenvolvedores
de Jogos Digitais (Abragames). Ela enfatiza que: "Em 2008, tínhamos 43 empresas de
games no Brasil. Em 2014, esse número subiu para 130. Hoje, são aproximadamente
300 empresas de games no país”. Outro ponto importante que destaco nesta matéria,
é o relato de uma experiência de Raoni Dorim, desenvolvedor independente540 que há
quatorze anos trabalhava com jogos digitais prestando serviços a terceiros541. Ele é
sócio da Mopix Games, criadora do jogo Magic Master, atualmente disponível para
Android e iOS. E foi justamente por causa deste jogo que sua empresa foi selecionada
para participar em dois programas de aceleração542 no exterior, um no Vale do Silício
e outro na Malásia, recebendo US$ 25 mil de investimento.
Este jogo é um bom exemplo dos tipos de jogos que hoje são comercializados. Nas
décadas anteriores, desenvolver e vender um jogo era possível apenas para médias e
grandes empresas que podiam financiar os custos da produção que envolvem; som,
de grandes empresas que produzem, desenvolvem e distribuem um jogo para grandes plataformas, por
exemplo, a Konami, ubisoft e capcom. Estas empresas movimentam um enorme capital de investimentos
em seus jogos, já os produtores independentes trabalham isoladamente ou com um pequeno grupo ou
empresa voltada para o ramo de jogos, mas com um capital muito menor.
541 Um fato importante sobre a produção de jogos digitais é em relação aos serious games, ou jogos
empresariais. Existem diferentes públicos consumidores deste produto, por exemplo, jogos
educacionais explicativos, jogos voltados para a primeira infância que trabalham o desenvolvimento
neorolinguístico da criança, jogos publicitários que apresentam propagandas em formas de jogos e
também jogos “tutoriais”, muito usado por empresas para explicar o funcionamento dos serviços aos
funcionários e clientes.
542 Este termo estar relacionado ao fato de que quando um determinado jogo tem um excelente retorno
por parte dos jogadores, a empresa ou desenvolvedor que está por trás do projeto do jogo pode vir a
receber investimentos de grandes empresas ou associações internacionais.
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design, programação, pintura a mão e digital, publicidade etc., dessa maneira, era
praticamente impossível para produtores e desenvolvedores independentes competir
ou até apresentar algo ao grande público. Nos últimos dez anos está realidade vem
mudando a cada dia, engines543 como a Unity, Construc 2, Game Maker, RPG Maker
dentre outras estão disponíveis para o grande público com versões pagas e gratuitas.
Outra mudança revolucionária neste processo está ligada ao modo como o público têm
acesso aos jogos digitais, se antes os jogadores só podiam ter acesso aos jogos por
meio de um computador e consoles544 com as mídias físicas7, nos últimos anos com a
popularização dos smartphones e lojas virtuais, por exemplo, Steam, Google Play,
Playstore e Applestore, ficou bem mais fácil para um maior número de pessoas ter
acesso à jogos eletrônicos, como também ficou mais acessível e prático para
desenvolvedores independentes produzirem jogos para diferentes públicos.
Outra justificativa que apresento sobre a importância da discussão deste tema,
é o fato de algumas instituições de ensino estarem estimulando a capacitação de
estudantes universitários dos cursos de licenciatura e também de professores que já
atuam na educação básica em áreas que envolvam tecnologia e sua importância na
educação básica. O Instituto Metrópole Digital (IMD) que é uma uma Unidade
Acadêmica Especializada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), tem
fomentado nos últimos anos a discussão sobre e tecnologias educacionais. Um bom
exemplo disso é o Programa de Pós-graduação em Inovação em Tecnologias
Educacionais (PPgITE) que ofertado pelo IMD desde o ano de 2017, tem como público
alvo os profissionais ligados à educação básica. De acordo com o site desta instituição,
este programa tem por objetivo
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Tendo em vista esta realidade que nos circunda, acredito que o momento atual
é extremamente propício para pensarmos os jogos digitais enquanto meio para
produção e disseminação do conhecimento histórico. Pois se por um lado temos um
crescimento da produção independente no Brasil, por outro temos o incentivo de
algumas instituições públicas de ensino que fomentam o desenvolvimento de jogos
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546 Responsável por tudo que acontece no jogo, desde movimentação dos personagens até
características da narrativa apresentada ao jogador.
547 Responsável pelos custos que envolvem o desenvolvimento do jogo.
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548 No desenvolvimento de jogos, level design é a atividade responsável por criar as dificuldades que o
jogador encontrará no jogo.
549 Atividade responsável pela parte gráfica do jogo.
550 Criação específica dos personagens que terão movimentos no jogo.
551 Tablets ou smartphones que executam aplicativos diversos, por exemplo, jogos digitais.
552 Sigla que significa em inglês: First Person Shooter, e em português: Tiro em Primeira Pessoa.
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dos alunos, o lugar social que a escola está inserida e também se esta oferece a
estrutura necessária para a realização desta atividade. A partir deste momento, o
historiador abordará o passado para responder estas demandas e juntamente com
uma equipe interdisciplinar dará continuidade ao desenvolvimento.
Seguindo esta linha de raciocínio, nos aproximamos da discussão
problematizada por Margarida Oliveira e Itamar Freitas no artigo “Formação do
profissional de história na contemporaneidade”, um dos objetivos dos autores neste
texto é discutir diferentes campos de trabalho os quais o historiador pode atuar, assim
também como sistematizar algumas das atividades que este profissional desenvolve,
por exemplo, na sala de aula, em arquivos, memoriais e em assessorias à jornais,
revistas e outros tipos de mídias. Seja qual for o local de trabalho, haverá atividades
que são primordialmente desenvolvidas pelos profissionais de história, “Nossas
possibilidades de atuações e, podemos afirmar, nosso desejo em disputar a atuação
em outros espaços, resulta da especificidade do conhecimento que produzimos e sua
necessidade para que outros profissionais sirvam-se dele para confeccionar seus
produtos, que podem ser vários. ” (OLIVEIRA e FREITAS, 2014).
Sobre a participação direta de historiadores no desenvolvimento de jogos digitais, um
exemplo possível para esta reflexão é o de Lucas Giehl Molina o qual lançou em 2013
o jogo Avant-Garde (figura 1). Este jogo é um excelente exemplo de como que alguns
acontecimentos ou momentos do passado podem ser usados em um jogo com uma
narrativa simples e que tenha como objetivo maior, entreter o jogador.
Avant-Garde é um jogo do gênero RPG (Role Playing Game) o qual possibilita o
jogador experimentar a vida de um artista em Paris na segunda metade do século XIX,
dentre suas atividades, estão a criação de obra de arte, a relação e interação com outros
pintores e figuras ilustres da época, a participação em competições de vendas de
quadros, a criação ou não de movimentos artísticos, o reconhecimento ou não de suas
obras de arte, o sucesso absoluto ou o fracasso total de seu personagem.
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O outro motivo pelo qual optei por estudar esta ferramenta foi pela facilidade
que o usuário tem ao desenvolver projetos nela, começando pela sua interface inicial
na qual o jogador pode optar por fazer uns pequenos tutoriais caso seja um iniciante,
além de oferecer alguns modelos de jogos prontos para que o usuário possa espelhar-
se enquanto exemplo. Não é difícil compreender a mecânica do programa pela sua
linguagem acessível até para pessoas que não tem proximidade com esta área de
atuação, em decorrência disso, inserir imagens, sons, vídeos, efeitos especiais em uma
determinada ação ou até um comportamento em um personagem ou objeto, não
requer um vasto conhecimento em programação.
Todavia, isso não significa dizer que o programa construct 2 não requer
habilidades do usuário para o desenvolvimento de qualquer jogo. Quando
selecionamos algum objeto por exemplo, em um projeto desta ferramenta e
selecionamos a opção “Behaviors553”, várias possibilidades são apresentadas ao
desenvolvedor para escolha da maneira que o objeto selecionado se comportará.
Todavia, o desenvolvedor deve conhecer e estudar a ferramenta para saber qual opção
selecionar e usar em seu jogo.
Ao mesmo tempo em que iniciei os estudos com esta engine, juntamente com
outros programadores e desenhistas, começamos a desenvolver um jogo no qual
tentamos unir valor de entretenimento atrelado a informações históricas do passado
553 Tradução para o português: comportamento. Selecionada esta opção,o desenvolvedor poderá inserir
alguns comportamentos, por exemplo: “solid” para objetos que nunca se moverão no jogo ou serão
obstáculo, “8 directions” para objetos que poderão se mover para todos os lados no jogo, “platform”
para objetos que se moverão apenas para a direita e esquerda, “sine” para objetos que poderão se
mover a todo o instante no jogo sem o controle do jogador.
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Estamos quase concluindo a etapa do Game Design 556 junto com a pesquisa
bibliográfica. Por se tratar de um jogo que toma o passado medieval como
ambientação e narrativa, em nossas referências bibliográficas, procuramos textos que
tivessem por objetivo problematizar o cavaleiro medieval e a ordem da cavalaria, e
também referências que nos fornecessem informações sobre arquitetura do período,
tipos de roupas para diferentes classes sociais e também diferenças das armaduras
usadas por cavaleiros.
O nosso desejo ao final de seu desenvolvimento, é que possamos torna-lo
disponível para compra nos sites das lojas virtuais: steam e google play. Até o
554 Todos os objetos em cena: casas, personagens, e outras estruturas estão ajustadas sobre um plano
fixo no jogo.
555 Tradução para o português: perto de Deus.
556 Etapa do processo de produção responsável por todo o planejamento do jogo digital: roteiro,
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presente momento, Close to God está sendo pensado para ser distribuído nas
plataformas dos smartphones com o sistema operacional “Android” e também para
os computadores com o sistema operacional da empresa Microsoft557.
CONCLUSÃO
Com este artigo, espero ter contribuído para a discussão que tem como cerne a
disseminação do conhecimento histórico por meio das novas mídias digitais e
consequentemente, a inserção do historiador em novos espaços de atuação
profissional. Tomando como objeto de estudo os jogos digitais e seu desenvolvimento,
acredito que o atual momento é extremamente oportuno para tal reflexão, uma vez
que a produção de jogos independestes cresce em nível nacional e também pelo fato
de instituições públicas de ensino estarem fomentando a discussão sobre os jogos
digitais em diferentes setores e
com múltiplas funcionalidades.
REFERÊNCIAS
LIDDINGTON, Jill. O que é história pública? os públicos e seus passados. In:
ALMEIDA, J; ROVAI, M. G. de O. (Orgs.). Introdução à História Pública. São Paulo: Letra
e Voz, 2011, p. 31-52.
MOLINA, Lucas Giehl. Jogos digitais como espaço de atuação do historiador: o caso
Avant-Garde. Aedos no 12 vol. 5 - Jan/Jul 2013
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INTRODUÇÃO
“a história é feita então em nome do futuro
e deve ser escrita do mesmo modo.”
(HARTOG, 2013: 141).
Por meio da análise dos dados das eleições (2012 e 2016), iremos demonstrar
como o processo democrático tem mostrado na nossa frente, a insatisfação com a
democracia representativa, assim corroborando para a ascensão de novas ideias e
“heróis” dispostos a salvar ou acabar com a democracia no Brasil. Para isso, iremos
fazer uma análise do tempo presente para construção da narrativa dentro do recorte
(2012-2017) para demonstrar como a nossa História política, econômica e social
condicionou o país a um futuro de incertezas nesses aspectos citados. Assim,
utilizaremos o “dicionário dos conceitos históricos” de Kaline Silva e o “futuro da
democracia” em Norberto Bobbio para auxiliar na construção do conceito de
democracia.
Assim, por meio da análise dos jornais eletrônicos coletaremos os dados
referentes ao número de votantes afim de fazer uma análise comparativa do
crescimento do número de votos nulos/brancos e abstenções. Como também perceber
as manifestações de direita como reflexo de uma crise da representatividade
combinada ao conflito de interesses de uma elite privilegiada com complexo de
“oprimido”. Jessé de Souza explica na sua obra intitulada “A Radiografia do Golpe”, que
as manifestações de junho de 2013 seria o pontapé para o chamado golpe “legal” e a
construção de uma farsa da narrativa que transformaria a Dilma Rousseff numa
558 Este texto é resultado de um trabalho de pesquisa desenvolvido para o encerramento da disciplina
(HIS0018) História do Brasil República II, sob a orientação do Professor Doutor Haroldo Loguercio
Carvalho pela UFRN.
559 Graduando em História Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Bolsista
Voluntário (IC) e integrante do Grupo de Pesquisa Espaço, Poder e Práticas Sociais - História e espaços
do ensino (EPPS). Email: carlos2aug@gmail.com
560 Graduanda em História Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e professora
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Tabela da comparação da votação dos votos brancos e nulos em 2012 e 2016. Disponível em:
http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2016/noticia/2016/10/abstencoes-votos-brancos-e-nulos-
somam-326-do-eleitorado-do-pais.html.
Um fenômeno que vem crescendo cada vez mais, como também é interessante
no intervalo entre esses dois recortes, explicar como ocorreram grandes
acontecimentos significativos do ponto de vista histórico, por exemplo: sancionado
pelo Governo Federal o sistema de cotas nas universidades (2012), cassação da prefeita
Micarla de Souza (2012), boatos sobre o fim do bolsa família (2013), Jornadas de Junho
(2013), Copa do Mundo (2014), Eleições 2014, CPI da Petrobrás (2014), Operação Lava
Jato (2014), Segundo Governo Dilma e o ajuste fiscal (2015), Manifestações do MBL e
do Movimento “Vem pra rua” (2015), Abertura do processo de Impeachment (2015),
Acidente em Mariana/MG (2015), Grampo de Romero Jucá e Sergio Machado (2015),
escândalo de Calero, ex-Ministro Cultura (2016), ENEM e as ocupações (2016),
Impeachment de Dilma (2016), Olimpíadas (2016), Pacote Anticorrupção (2016), PEC
241/PEC 55 (2016), Reforma do Ensino Médio (2016), Trump eleito (2016) etc.
Dentre dos exemplos citados, não foi por acaso a seleção desses eventos que
consideramos “dignos” de serem rememorados, iremos liga-los a uma série de
questões que vão marcar a crise política e da democracia representativa, afinal, apesar
de que do ponto de vista do processo eleitoral, a anulação/exclusão do voto não vão
trazer mudanças significativas, mas, no nosso ponto de vista, é um olhar na qual o
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Imagem 3 mostra o estudande de História foi atingido por disparo de bala de borracha na perna
(Foto: Felipe Gibson/G1)
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As manifestações de junho até o dia 20, começaram a ganhar força por todos os
estados, mas dessa vez com o apoio da Rede Globo, afinal, seu público cativo estava
presente, as pessoas perceberam que a ação da polícia era uma realidade e que os
manifestantes, de fato sofriam repressão, seja nas favelas, seja nas ruas do centro e
afins. As agendas contemporâneas das manifestações ganharam uma nova proporção,
tendo inúmeras pautas sendo levantadas no dia 20 de junho. Assim, ao noticiar a queda
da popularidade de Dilma de 79% para 71%, ainda que moderada, “percebia-se
claramente que os protestos podiam ser canalizados para atingir a presidenta. (...) A
bandeira da antipolítica e antipartidos surgiu. Inflação e custo de vida se tornaram
bandeiras e substituíram a passagem de ônibus.” (SOUZA, 2016: 91).
“O Gigante Acordou”, segundo os manifestantes. Em Natal, o dia 20 de junho em
nosso ponto de vista, foi uma verdadeira “carnavalização” das manifestações, pessoas
bebendo whisky, abriram rodinhas para homens embriagados “darem em cima” de
mulheres durante o evento. Mas para alguns, a manifestação era simbólica e
estávamos vivendo um momento histórico, comparável ao que Marc Bloch disse a
Lucien Febvre na Segunda Guerra Mundial, parafraseando Bloch, ele afirmou que “é
hora de viver a história, não de escreve-la”.
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Assim, moveu-se os brasileiros para viver aquilo que será um lugar de memória
um dia. Porém, como afirmou Jessé de Souza, o antipartido ganha força, as
manifestações apresentaram sinais claros de ação fascista, em Natal, políticos
partidários do PSTU foram hostilizados e agredidos em nome de uma confusão
conceitual, diziam-se apartidaristas, mas o apartidarismo é a noção de que uma
manifestação não tem partidos como representantes, mas isso não significava que era
proibido partidos, afinal, eles são parte da democracia e tem o direito de estarem
presentes no ato, posteriormente, surgiram grupos que pediam intervenção militar,
assim, o fantasma do golpismo ressurge na nossa democracia, afastando a militância
da esquerda, inclusive, aqueles que sempre estiveram presente lutaram desde o
começo contra a ação da polícia e da mídia, o MPL.
Uma das questões que julgamos mais preocupantes das manifestações do 20
de junho foram as agressões a partidos de esquerdas maquiadas de apartidarismo,
foram inúmeras as situações que exemplificaram este ponto, mas como exemplo
tomamos a agressão à Amanda Gurgel ao hastear a bandeira do PSTU, logo em
seguida, várias pessoas, principalmente homens, avançaram em sua direção na
intenção de arrancar a bandeira dela, à época, várias imagens circularam pelas redes
sociais, mas lamentavelmente ao procurarmos no Google, não há resquícios da mesma.
Levando-se em consideração que o noticiamento do fato se deu por veículos
alternativos de comunicação. Vale mencionar ainda, outro tipo de reacionarismo à
esquerda (Imagem 04):
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Imagem 5: O meme que satiriza a generalização dos problemas para as costas do Governo Federal
]
Imagem 6: A TV Revolta junto com o Revoltados Online foram os responsáveis pela propagação de
uma das maiores difamações e falácias sobre o Partido dos Trabalhadores e escondia os escândalos
do PSDB, afinal era o principal Partido capaz de tirar o PT.
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amplas, portanto, poderia recuperar a confiança que a sociedade tinha pela democracia
por meio da Reforma Política.
Porém, antiesquerdismo e, principalmente, o antipetismo estava cada vez mais
forte, nada do que vinha do Governo Federal era bem visto por parte da população. Em
2014, a tendência seria o debate político na sociedade atingir grandes proporções:
brigas entre a família, amigos, desconhecidos etc. No caminho da eleição, era
perceptível que a tendência era cada vez mais se polarizar o debate político entre
esquerda e direita, delegando o destino de Dilma Rousseff nas mãos do funcionamento
da Copa do Mundo, muitos que se diziam contra a Copa, tiveram que mudar seu discurso
para que a direita não ganhasse popularidade em cima do fracasso do evento. Assim, o
debate político das eleições dividiu o Brasil conduzindo a polarização PT e PSDB.
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se tornaria uma Cuba. O esforço árduo de Dilma Rousseff era de investir nos grandes
feitos do Governo nos últimos 12 anos e rememorar os tempos da inflação, privatização
das estatais a preço de banana pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso e Aécio
Neves.
As agendas conservadoras e liberais pautava na necessidade de retirar a todo
custo o PT do poder executivo. A agenda da esquerda, mesmo a militância PSOL e PSTU,
muito crítica ao PT, temia a ascensão do PSDB e das grandes agendas neoliberais
(semelhante aos anos 90), afinal, não é de hoje que o PSDB sempre quis entregar o Pré-
Sal para as empresas estrangeiras. A morte de Eduardo Campos (presidenciável do
PSB) incendiou o Brasil, gerou uma grande comoção, ao mesmo tempo que gerou várias
conspirações por parte das redes sociais que acreditava que havia uma sabotagem no
avião do candidato e adivinha a quem foi associado as conspirações? Sim, ao PT. Porém,
as pessoas se sensibilizaram tanto com a morte de Eduardo Campos, que a sua vice
Marina Silva acabou ganhando forças em cima de uma tragédia, adotando a frase dita
na sabatina do Jornal Nacional por Eduardo Campos “Não vamos desistir do Brasil”.
Assim fez a charge de Carlos Latuff (imagem 5):
A imagem 07 mostra a presidenciável Marina Silva ganhando força nas pesquisas do Datafolha, após o
trágico acidente. Assim Latuff ironiza o salto assustador de Marina nas pesquisas eleitorais, chegando
até a ganhar da Dilma num possível segundo turno.
Assim, foram marcadas as eleições de 2014, por meio das campanhas de baixo
nível, difamações de adversários, informações distorcidas e muita desonestidade
intelectual. O jogo sujo foi bastante evidente nas campanhas, Dilma acusando Aecio
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Imagem 08 mostra a foto da adesivagem sexista de carros em protesto ao preço dos combustíveis.
Essa foi a forma que muitos consumidores enfrentaram para protestar contra
um aumento de R$0,16 no preço da gasolina, revelando uma postura machista e
misógina do uso da imagem da presidente na qual ela aparece sendo penetrada pela
bomba de combustível.
No período, os adesivos poderiam ser facilmente adquiridos pelo preço de
R$34,90 em um site de vendas chamado Mercado Livre, e inúmeras pessoas aderiram
a esse crime, contra o qual foi aberto processo.
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FONTES
G1.Globo. Dilma é reeleita presidente e amplia para 16 anos ciclo do PT no poder.
Brasília: G1.Globo, 2014. Disponível em:
http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/noticia/2014/10/dilma-e-reeleita-
presidente-e-amplia-para-16-anos-ciclo-do-pt-no-poder.html . Acessado em: Nov 2017.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Noberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo /Norberto
Bobbio; tradução de Marco Aurélio Nogueira. — Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
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826
SINGER, André; JINKINGS, Ivana (org). Por que gritamos golpe? : Para entender o
impeachment e a crise política no Brasil. Boitempo Editorial, 2016, 176p.
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Simpósio Temático 15
SERTÕES:
NARRATIVAS E FRONTEIRAS
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INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é o de analisar qual é a perspectiva de sertão que
aparece na obra “História do Município de Currais Novos”, de autoria de Antônio
Quintino Filho.
Insta registrar que este artigo partiu de uma visista técnica aos municípios
norte-riograndenses de Cerro-Corá, Lagoa Nova e Currais Novos, com finalidade de
atribuição parcial de nota da unidade 2 do primeiro semestre de 2018, atividade esta
que foi promovida conjuntamente pelos Professores Helder Macedo e Thiago Dias,
ambos docentes do Departamento de História da UFRN, CERES, campus de Caicó/RN.
Os discentes da disciplina de Introdução ao Estudo da História – DH0066, do
turno noturno, foram divididos pelo Professor Helder Macedo em 3 (três) grandes
grupos. Cada um destes grupos, responsabilizou-se por realizar a leitura de um livro
indicado que tratasse da História de surgimento de um dos três dos municípios
visitados, com o compromisso dos integrantes de conduzir um debate sobre os temas
estudados na disciplina de Introdução ao Estudo da História, bem como de contatar e
inserir um historiador local para participar das discussões.
Em sendo assim, foi proposto ao grupo de nº 3 (grupo este composto pelos
seguintes discentes: Ana Patrícia dos Santos; Carlos Santana de Andrade; Cleidiane de
Araujo Oliveira; Flávia Bezerra de Almeida; Francisco das Chagas da Silva; Leticia do
Carmo Souza; Mara Gabrielly Batista de Macêdo; Nalu Naula Majoarre Medeiros; Rair
Nieslley Pereira Braga; Rayane Karinny Gomes Berto e Thayse Karla de Medeiros
Fonseca) a leitura da obra “História do Município de Currais Novos/RN”, escrita por
561 Aluno da Licenciatura em História. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de
Ensino Superior do Seridó (CERES), Caicó/RN, sob orientação do Prof. Helder Macedo – Departamento
de História (CERES – UFRN). E-mail: holyver1985@gmail.com;
562 Aluna da Licenciatura em História. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de
Ensino Superior do Seridó (CERES), Caicó/RN, sob orientação do Prof. Helder Macedo – Departamento
de História (CERES – UFRN) E-mail: maragbmacedo@outlook.com;
563 Aluna de Pedagogia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior
do Seridó (CERES), Caicó/RN, sob orientação do Prof. Helder Macedo – Departamento de História (CERES
– UFRN). E-mail: rayanekarinny@hotmail.com.
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Antônio Quintino Filho e publicada em 1987 pela Fundação José Augusto, obra esta que
narra o surgimento deste município potiguar por uma vertente econômica, ligada ao
ciclo do gado e ao comércio.
Além de promover debates sobre a obra, o grupo foi orientado a discutir acerca
do lugar social do autor, dos métodos e das fontes utilizadas por ele. Na visita à cidade
de Currais Novos/RN, propriamente, o grupo optou por conhecer, de início, a Igreja
Matriz de Sant’Ana e, posteriormente, o Hotel Tungstênio, apresentando o debate para
o restante da turma, com ênfase para as conexões com o que fora lido da obra de
Quintino Filho e estes lugares.
Finalmente, o grupo de nº 3 produziu um texto analítico, em forma de relatório
de viagem, em que as impressões dos estudantes sobre o município de Currais
Novos/RN, bem como sobre a obra de Quintino Filho e os assuntos discutidos na
disciplina de Introdução ao Estudo da História foram devidamente registrados.
Com esta visita técnica, a relevância da obra da Antônio Quintino Filho para a
História de Currais Novos/RN destacou-se. A ausência de trabalhos acadêmicos sobre
esta importância também foi observada com preocupação pelos autores deste
trabalho, o que foi importante motor para o desejo de confecção do presente artigo.
Ademais, o apreço pelo sertão e suas narrativas permitiu que os autores
investigassem os diversos sentidos da palavra sertão e como ela aparece no livro de
Quintino Filho. Por tudo isso, justifica-se a análise em tela.
Quanto aos referenciais teóricos considerados para pensarmos os conceitos de
sertão, é preciso sublinhar que, embora de início tomemos “sertão” como uma palavra
polissêmica, neste artigo, entendemos que ela aparece com o significado de “interior”,
em uma visão clássica pautada nas lições de diversos autores, sobretudo, nos escritos
de Jerusa Ferreira e de Moraes (FERREIRA, n.d.; MORAES, 2003).
No que toca à metodologia utilizada, tomamos como premissas a abordagem
teórica, seleção, fichamento e discussão em grupo da obra de Antônio Quintino Filho; a
visita à cidade de Currais Novos e discussão in loco sobre os conceitos e alguns espaços
trabalhados pelo autor e a elaboração de relatório sobre a visita técnica. Assim como
realizamos a abordagem teórica, seleção, fichamento e discussão em grupo de artigos
dos autores Erivaldo Neves; Jerusa Ferreira; Janaína Amado e Antônio Carlos Robert de
Moraes, pensadores estes que trabalham com o conceito de sertão e suas diferentes
perspectivas (AMADO, 1995; FERREIRA, n.d.; MORAES, 2003; NEVES, 2003).
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A OPERAÇÃO HISTORIOGRÁFICA
De acordo com a preleção de Certeau, perceber a História como uma operação
será tentar compreendê-la como a relação entre um lugar, procedimentos de análise e
a construção de um texto (CERTEAU, 1982).
Mas o que seriam esse lugar, esses procedimentos de análise e esse texto? De
modo muito resumido, o lugar social se refere a aspectos da vida do autor, como, a título
de exemplo, sua profissão. Os procedimentos de análise, por outro lado, dizem respeito
a uma disciplina, ou seja, como o autor procedeu para a criação da História, salientando
os seus métodos. Por derradeiro, faz-se necessário relacionar todos esses aspectos
com a construção do texto (literatura) para, então, perceber a História como uma
operação.
A História que Quintino Filho criou foi, portanto, analisada sob a tríade
mencionada: o lugar social; os procedimentos de análise e a construção do texto.
Cabe, neste momento, a apresentação de importantes informações sobre
Antônio Quintino Filho, o que se faz na sequência.
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564 FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO. Antônio Quintino Filho. Disponível em: <
adcon.rn.gov.br/ACERVO/secretaria_extraordinaria.../DOC000000000110505.PDF>. Acesso em 20 Jun.
2018.
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Norte (p.e. Câmara Cascudo; Nestor dos Santos Lima; Tavares de Lira), fundamentava
as suas posições, mas com o cuidado de não impor verdades.
Partindo da leitura de sua obra e, sobretudo, da observação das referências
utilizadas, nota-se que Quintino Filho apresenta, por vezes, um viés econômico e
religioso como supedâneos para explicar o surgimento do município de Currais Novos.
Isto se revela logo na página 11 do livro, veja-se:
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Fonte: Elaboração do grupo de nº3. Para a elaboração do quadro foram promovidas discussões,
fichamentos e análises da obra de Quintino Filho.
PERSPECTIVAS DE SERTÃO
Como visto, o livro de Quintino Filho tem como objetivo mais destacado contar
a História do Município de Currais Novos, cidade que fica no sertão, interior do Rio
Grande do Norte.
Acerca dos diversos significados de sertão, Jerusa Ferreira defende que:
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Moraes (2003, p.3) reforça este entendimento explicando que “a relação entre
sertão e colonizador emerge como evidente numa outra característica comum presente
nas imagens construídas: a designação sertaneja para ser formulada necessita de um
contraponto que lhe forneça sentido por diferenciação.”.
Vê-se, pois, que sertão pode muitas vezes surgir no discurso como o “outro”;
com sentido geográfico, cultural ou, por exemplo, afetivo. Mas, e na obra analisada de
Quintino Filho, como o sertão aparece?
RESULTADOS OBTIDOS
O interior curraisnovense “recém-povoado”; a criação de gado; a forte
religiosidade; a Igreja Matriz de Sant’Ana; as primeiras ruas; as Feiras Livres e
Mercados. Estas características revelam o sertão do ciclo do gado - sertão como interior
– em que se bebia “água de borracha” (QUINTINO FILHO, 1982. p.19) e a religiosidade
era exacerbada.
Esta visão tradicional do sertão como um “outro”, como interior, aparece em
todo o livro, sendo reforçado pelas referências “clássicas” de autores que se
debruçaram sobre a História do Brasil e do Rio Grande do Norte. Embora Quintino Filho
fosse poeta, nesta obra se vê uma grande preocupação com a objetividade e
apresentação de documentos, pouco existindo menções líricas sobre o Município de
Currais Novos.
No que tange às impressões da visita técnica a Currais Novos, esta imagem
bucólica e religiosa apresentada no livro pouco tem a ver com a atual cidade, ficou nos
idos do surgimento do município.
CONCLUSÃO
Por tudo o que foi exposto no presente trabalho, a perspectiva de sertão que
aparece na obra “História do Município de Currais Novos” do acariense Antônio Quintino
Filho relaciona-se com a ideia de “interior”, sertão como um longe-perto, conforme
Jerusa Ferreira, ou de um “outro geográfico” como assevera Moraes.
É imperioso que se registre que tal livro foi uma verdadeira proeza, porquanto,
mesmo sem formação em curso superior de História, o autor agarrou-se a diversas
fontes bibliográficas renomadas e inúmeros documentos históricos (além de
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documentos oficiais, considerou espaços, como ruas, e depoimentos orais para compor
a sua obra).
A forma como periodizou a História de Currais Novos também é digna de nota,
visto que, conforme mencionado acima, Quintino Filho emprega uma sequência, ou seja,
ele relata a História da cidade a partir de um marco fundador e segue sua narrativa de
forma sequencial até atingir o seu objetivo, que era presentear os currais-novenses
com a História de seu amado município.
Por isso, a preocupação do autor em seguir um método, utilizando fontes
clássicas e anotando suas referências, possivelmente, influenciou a perspectiva
tradicional de sertão utilizada.
REFERÊNCIAS
AMADO, Janaína. Região, Sertão e Nação.. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
v. 8, n. 15, p. 145-152, jul. 1995. ISSN 2178-1494. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1990>. Acesso em: 30
Jun. 2018.
MORAES, Antonio Carlos Robert. O Sertão. Terra Brasilis [Online], 4 – 5| 2003, posto
online no dia 05 de Novembro de 2012. Disponível em:
<http://terrabrasilis.revues.org/341>. Acesso em: 17 Out. 2016.
NEVES, Erivaldo Fagundes. Sertão como recorte espacial e como imaginário cultural.
Politeia: História e sociedade, Feira de Santana, v. 3, n. 1, 2003.
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INTRODUÇÃO
Os estudos sobre os processos de mestiçagem, biológica e cultural, vem
ganhando papel de destaque nas pesquisas de historiadores e antropólogos, em um
movimento ascendente desde meados da segunda metade do século XX. Esta expansão
do campo de estudo foi possibilitada devido a aproximação entre as duas áreas,
mostrando horizontes mais amplos e complexos no estudo sobre o contato entre
sistemas culturais distintos. Essa linha de pesquisa tem ganhado papel de destaque
entre os historiadores ligados ao estudo do processo de “conquista” do Novo Mundo
como, por exemplo, o historiador francês Serge Gruzinski e o brasileiro Eduardo França
Paiva.
Orientando-se dentro da ideia de processos de mestiçagem, Gruzinski (2002;
2003), dedicou-se a estudar os processos de mestiçagem biológica e, principalmente
cultural na América Espanhola. No artigo “O historiador, o macaco e a centaura: a
‘história cultural’ no novo milênio” (2003), no qual estuda o processo de mestiçagem
da América Espanhola a partir de um afresco, pintado no fim do século XVI. Neste
afresco, a coexistência da figura do macaco Ozomatli, de origem pré-hispânica, com a
centaura Ocyrhoe, semideusa de origem grega, evidência, segundo o mesmo, as
misturas culturais na América pós-colombo, tomadas de forma consciente, ou seja, o
processo de mestiçagem aqui pode ser entendido como um processo de resistências
simbólica, ou como Héctor Hernán Bruit (1993) chamou de o invisível na conquista do
Novo Mundo.
Eduardo França Paiva (2015) está preocupado em estudar o léxico das qualidades,
em seu livro “Dar nome ao novo: uma história lexical da Ibero-América entre os séculos
565 Graduando do Curso de História (Licenciatura), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó- Brasil. E-mail:
leomarsbpb@gmail.com.
566 Graduando do Curso de História (Licenciatura), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó- Brasil. E-mail:
magnokebert@hotmail.com.
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567 Decidimos reduzir nosso campo de observação para buscar um maior número de variáveis a serem
analisadas, escolhemos o mameluco Lázaro da Cunha como personagem a ser estudado.
568 Fundado por Mem de Sá na segunda metade do século XVI, herdado por seu filho, que deixou para
Dona Felipa de Sá, casada com Fernando de Noronha, que era herdeiro do título do Conde de Linhares, o
que deu nome ao engenho.
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(2002. p. 9) para denominar o conceito Passeurs Culturels; com base na ideia de sujeitos
que circulam entre ambientes culturais distintos, “diferenciando assim o conceito de
um senso comum com a idéia de arbitragem ou de julgamento” (FRANÇA; ANASTASIA,
2002, p. 9). Neste caso específico, o conceito de mediador cultural é usado para analisar
o comportamento do mameluco Lázaro entre as duas fronteiras culturais: o espaço
indígena e o mundo cristão. É importante ressaltar que o conceito de mediador cultural
não é atrelado, necessariamente, a mestiçagem, mas sim, ao sujeito localizado entre
fronteiras culturais.
Como parte do trabalho de pesquisa, foi feito um levantamento bibliográfico para
encontrar trabalhos que tivessem utilizado o processo inquisitorial de Lázaro da Cunha;
sendo localizado algumas pesquisas que citaram a fonte em questão, entre elas a
dissertação de mestrado de Andreza Silva Mattos (2014). Mattos ao tratar da rede de
sociabilidade entre os mamelucos nos sertões e sua ocupação, destaca o
comportamento ambíguo de Simão Ruiz, mameluco citado no processo inquisitorial em
foco, que foi objeto de análise da autora. Em artigos, desdobramentos de sua
dissertação, Mattos analisa os comportamentos dos mamelucos citados na fonte sob
diferentes perspectivas. Sob o conceito das redes de sociabilidade, Mattos deu ênfase
às expedições de resgate de grupos indígenas para servir como mão-de-obra; sob o
ângulo religioso, Mattos destaca os “desvios” dos mamelucos dos sertões de Laripe
dos dogmas católicos, como comer carne nos dias da quaresma, evidenciando uma fuga
dos elementos cristão-católico.
Encontramos também menções de Lázaro e seu comportamento à moda gentílica
em trabalhos de Raminelli (1994) e em Ribas (2011). Em suma, constatou-se que o
documento inquisitorial de Lázaro já foi analisado por outros historiadores, mas não
foram encontrados trabalhos produzidos sob a perspectiva do mameluco Lázaro como
um mediador cultural.
No que concerne aos aspectos metodológicos da pesquisa, foi utilizado o
paradigma indiciário proposto por Carlo Ginzburg (2002). Tal método, conforme a
problematização de Ginzburg, é caracterizado como um conjunto de princípios e
procedimentos centrado nos detalhes, que busca encontrar indícios, pistas e sinais, por
meio da leitura densa das fontes, revelando informações “ocultas”. O método indiciário
não é estruturado em procedimentos fixos, é aplicado de acordo com a sensibilidade e
experiência do pesquisador.
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Em nossa pesquisa, o método foi utilizado para encontrar, nas falas de Lázaro da
Cunha e do inquisidor Heitor Furtado de Mendonça, indícios que nos possam revelar as
práticas gentílicas nos sertões e costumes do mundo cristão das vilas, permitindo
enxergar a identidade mestiça do mameluco.
O artigo é dividido em um dois tópico: no primeiro discutimos sobre o processo
das dinâmicas de mestiçagem, a partir de Paiva (2015); no segundo abordamos o
comportamento dualista de Lázaro da Cunha e sua identidade mestiça, como uma
forma de transição entre as duas fronteiras culturais, o sertão e o espaço cristão,
buscando compreender de que forma Lázaro apropriou-se e ressignificou estes
sistemas culturais. Ao final, tecemos considerações finais.
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também o interesse material como, por exemplo, os Chefes recebiam armas de seus
futuros genros.
Na formação de um sistema interétnico, como ocorrido no que viria a ser o Brasil,
o Cunhadismo teve seu lugar de destaque. Pois os europeus eram genros cobiçados,
por sua oferenda em armas, como pela ligação a formas de poder. Ou seja, a prática do
Cunhadismo foi um fator catalisador para o processo de mestiçagem genética e
cultural, no qual os Tupinambá também se utilizaram. Afirma Darcy Ribeiro: “A
instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro foi o cunhadismo, velho
uso indígena de incorporar estranhos à sua comunidade.” (RIBEIRO, 1995, p. 81).
Esses processos de mesclagem cultural e biológica originaram novos sujeitos,
coexistindo entre duas ou mais estruturas socioculturais, em um processo de
justaposição de culturas denominado como dinâmicas de mestiçagens. As dinâmicas de
mestiçagens são processos de mescla, contato, superposições e de coexistência de
elementos culturais que não se fundiram. As dinâmicas de mestiçagem variam
temporalmente e espacialmente (PAIVA, 2015). São processos biológicos, que
transparecem sob o fenótipo; e cultural sob formas variadas como, por exemplo, nos
comportamentos, na culinária e religiosidade.
A partir destas dinâmicas de mestiçagem surgiram novos agentes sociais,
originando um novo ambiente sociocultural, totalmente diversificado e que fugia a
regra europeia e da matriz indígena.
Era preciso nomear esses novos sujeitos. Nomear era classificar, hierarquizar e
situar limites e possibilidades de locomoção social e econômica no mundo colonial, de
acordo com a qualidade do indivíduo. A qualidade era um parâmetro que definia, muitas
vezes, a importância do sujeito na sociedade da época, sendo usada para enobrecer ou
para inferiorizar agentes no mundo colonial.
O historiador Eduardo França Paiva em seu livro “Dar nome ao novo: Uma história
lexical da Ibero-América entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagens e o
mundo do trabalho)”, analisa o léxico transportado da Europa e/ou criado no Novo
Mundo, as qualidades como categorias classificativas que foram transportadas para o
Novo Mundo como, por exemplo, “cabra”, “mameluco” ou “mulato”, e a condição
jurídica: forro, liberto ou livre, e ainda, uma subcategoria: os “administrados”.
O léxico dos processos de mestiçagem esteve associado às formas de trabalho,
como no caso aqui estudado, os mamelucos eram usados para os descimentos, prática
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569 Homem de origem nobre que passou por dezesseis investigações de “limpeza de sangue” só então
assumiu o cargo de inquisidor. (VAINFAS, 1995). Que ficou encarregado de visitar as capitanias da Bahia,
Pernambuco, Rio de Janeiro e São Vicente (MATTOS, 2014).
570 Abreviação do sobrenome Rodrigues. Adotamos a abreviação Roiz para diferenciá-lo do seu filho,
Simão Rodrigues.
571 Entre eles Simão Roiz, seu filho Simão Rodrigues, João Gonçalves, Rodrigo Martins, Álvaro Rodrigues
e Francisco Pires. Processos inquisitórias disponível no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Inquisição
de Lisboa. Processos: segue os números do processo respectivamente: nº 11.623, nº 11.666, nº 13.098, nº
12.229, nº 16. 897 e nº 17. 809.
572 Disponível no Arquivo Nacional Torre do Tombo, Processo nº 11068 ANTT, IL.
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viajou para as capitanias do Norte; filho de Tristão da Cunha, homem branco, e de Isabel
Pais, mameluca, o mesmo não alegou moradia fixa, mas partimos que este teria residido
certo período no Engenho do Conde, pois em uma das expedições de Gonçalo Alvares o
teria arregimentado nesta localidade.
As acusações à Lázaro da Cunha foram feitas devido as suas práticas enquanto
este estava em expedições de descimentos de grupos indígenas, muito provavelmente,
nos sertões de Laripe ou Paripe573, região próxima à Capitania de Pernambuco, região
localizada na Capitania da Bahia, sertão localizado à margem direita do Rio São
Francisco, hoje território de Sergipe (MATTOS, 2014); os sertões aqui entendido são
lugares vistos como “espaços não ocupados pela administração lusa e eram
considerados espaços de barbárie onde habitavam os ‘índios bravos’” (ALMEIDA, 2010,
p. 32).
Os sertões desde os primeiros anos da colonização portuguesa foram, o próprio
conceito é de origem portuguesa574 que passou a ser incorporado ao vocábulo na
América portuguesa, espaços gestados em um imaginário em que tais locais eram
espaços da selvageria, do atraso e dos tapuias575.
Deslocamos os sertões de um estado imaginário para um espaço praticado
(CERTEAU, 1994). Ou seja, os sertões são criados/transformados, entendemos que este
espaço está ligado a algo concreto, mas que pode ser elástico e móvel, na prática, no
qual permitem atos e gestos que deslocavam e perturbavam a ordem e a conduta. O
sertão era o oposto do litoral. A sociedade açucareira ditava o litoral como o civilizado,
o interior como o sertão (SILVA, 2010).
Será perceptível a assimetria em que adotamos enquanto ao local das práticas de
Lázaro. Priorizamos os sertões, pois estes locais são espaços de desvios das normas
de conduta do objeto em foco. As práticas de Lázaro enquanto sujeito em espaços
“coloniais-civilizados” não são evidenciadas explicitamente, pois são comportamentos
573 Não se sabe ao certo em que ano Lázaro participou das expedições de descimento nos sertões de
Laripe, mas estimasse que tenha sido entre 1584 e 1588. E ainda teria participado das expedições de 1590,
sob o comando do mameluco Gonçalo Álvares (MATTOS, 2014).
574 Sertão derivado de desertão – o deserto vazio de súditos da Coroa portuguesa (SILVA, 2010)
575 É importante ressaltar que o termo tapuia não é classificação étnica, mas uma tentativa de agrupar
várias etnias indígenas, muitos destes com sistemas culturais muito diferentes, na medida em que o
homem branco os via com inimigos ou selvagens. Todo não falante de tupi era tapuia. Os cronistas
portugueses não estavam preocupados em destacar as diferenças entre os grupos indígenas, mas as
semelhanças, muito embora de forma equivocada e forçada. O termo tapuia é de origem tupi, que
significa bárbaro e selvagem.
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que não fugiam a conduta religiosa-católica, não sendo documentada. Tudo que foge
aos padrões e as normas de conduta, quando percebidas, torna-se alvo de um processo
que possa deixar vestígios.
Entretanto, através do método indiciário conseguimos localizar dentro do sistema
de fala presente no processo inquisitorial que o mameluco era seguidor dos dogmas
católicos, como no respeito à quaresma.
Adotamos os dois espaços em perspectiva pois o seu comportamento ocorria de
acordo com o espaço em que estava situado, assim como de outros mamelucos que
foram inqueridos a comparecer à mesa: nos sertões adotava práticas gentílicas, como
pintar seu corpo e fazer escarificações, riscos576, e no mundo cristão, tinha uma postura
de bom cristão que era.
A relação do homem com o lugar que está inserido ocorre no momento que o
processo de culturalização é acionado, transformando o lugar em um espaço praticado,
no qual permite a apropriação, a internalização e a ressignificação das disposições
espaciais e das instituições criadas, dentro deste campo de atuação, pode conter
formas de controle e orientações de conduta (CERTEAU, 1994). Assim, Lázaro
orientava-se e praticava os espaços de acordo com as possibilidades de atuação e de
suas necessidades.
Um cristão seguidor dos dogmas católicos, não comia carne em dias de quaresma
quando localizado no mundo cristão, ou seja, no litoral. Mas ao adentrar os sertões,
suas práticas gentílicas afloravam. Lázaro conviveu com os Tupinambá durante cinco
anos "sempre ao modo gentílico, despido e tingido, e fazendo e usando todas as
cerimônias, usos, ritos, estilos e costumes dos gentios" (ANTT, IL, Proc. nº 11.068, fl.,
23).
Dentro destas cerimonias, certamente, estava o ritual antropofágico, um grande
mal a ser combatida pela Igreja Católica e pela Coroa Portuguesa. O ritual
antropofágico entre os grupos indígenas tinha muito mais uma função social, cultural
e de vingança do que o simples ato de comer carne; estava atrelado a uma forma de
manutenção e prestígio entre os membros do grupo étnico (FERNANDES, 2006). O que
nos leva a pensar que este participou do ritual antropofágico foram as suas
576 Segundo Ronaldo Vainfas os riscos eram “uma espécie de condecoração do guerreiro que aprisionava
e matava o inimigo” (VAINFAS, 1995, p. 144). Lázaro quando riscou seu corpo provava aos gentios que
era um guerreiro valente, possibilitando a aproximação.
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nunca no seu coração creu aos ditos feiticeiros, mas de fora mostrava-
lhes que os cria, e assim também ajuntava carne de porco com carne
humana e, comendo com os ditos gentios, ele comia a de porco e os
gentios a humana, cuidando eles que também a de porco que ele comia
era humana, e de todas estas culpas disse que estava arrependido e
pedia perdão. (VAINFAS, Confissões na Bahia, p. 89).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A qualidade de Lázaro da Cunha como mameluco permitiu que este pudesse
orbitar sistemas culturais antagônicos, mesclando estes dois sistemas em um ponto
de intersecção. A sua condição de mestiço permitiu estar entre fronteiras culturais e
espaciais.
Um mediador cultural, situado entre fronteiras de dois sistemas culturais
assimétricos. Entre os sertões e litoral sua identidade oscilou, fomentando
comportamentos diferentes. A sua relação com os espaços era orientada por sua
identidade cultural, construída a partir da necessidade presente. Os sertões
fomentaram a sua identidade indígena, vivendo ao modo gentílico, guerreando e
participando dos ritos indígenas. No litoral, sob os olhares e orientado pela conduta
católica, era praticante do catolicismo, respeitando os dias santos e seus ritos.
A sua dupla identidade cultural permitiu adentrar estes dois universos,
angariando elementos culturais e sociais que pudessem ser usados em seu favor. Não
em um sentido negativo, mas como forma de ressignificar padrões e práticas que
pudessem permitir sobreviver na América Portuguesa. Um agente que apropriou-se de
suas matrizes formadoras para movimentar-se dentro dos sistemas culturais, sociais e
políticos.
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FONTES
Processos Inquisitoriais
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Inquisição de Lisboa. Processos. Processo nº 11068
ANTT, IL. Lázaro da Cunha.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na História do Brasil. Rio de Janeiro:
Editora FGU, 2010.
ARES QUEIJA, Berta; GRUZINSKI, Serge (coords). Apresentación. In: ______. Entre
dos mundos: fronteras culturales y agentes mediadores. Sevilla. Ed. Escuela de
Estudios Hispano-Americanos/Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 1997.
p. 9-11. (Anais do 1º Congresso Internacional sobre Mediadores Culturais, de 1995)
AMADO, Janaína. Região, Sertão, Nação. Estudos Históricos. V. 8, nº15. Rio de Janeiro,
1995, p. 148-149.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994.
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PAIVA, Eduardo França; ANASTÁSIA, Carla Maria Junho (Orgs.). O trabalho mestiço:
maneiras de pensar e formas de viver – séculos XVI a XIX. São Paulo/Belo Horizonte:
Annablume/PPGH-UFMG, 2002.
PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo: uma história lexical da Ibero-América
entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas das mestiçagens e o mundo do trabalho).
Belo Horizonte. Autêntica Editora, 2015.
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STADEN, Hans. Viagem ao Brasil. (1557). São Paulo: Editora Martin Claret Ltda. 2007.
VAINFAS, Ronaldo. Confissões na Bahia. Santo ofício inquisição de Lisboa São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
______. A Heresia dos Índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
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577 Graduando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte/Centro de Ensino Superior
do Seridó, Campus de Caicó, bolsista do Projeto de Extensão Sertões: História e Cotidiano, sob
coordenação do Prof. Helder Alexandre Medeiros de Macedo. (E-mail: fchagasjunior@ufrn.edu.br)
578 Graduando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte/Centro de Ensino Superior
do Seridó, Campus de Caicó, bolsista do Projeto de Extensão Sertões: História e Cotidiano, sob
coordenação do Prof. Helder Alexandre Medeiros de Macedo. (E-mail: aurelioribeiro.nunes@gmail.com)
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de realizar a referida exposição física foi inviabilizada em razão da não aprovação dos
recursos financeiros que permitiriam a produção dos painéis expositivos e de toda a
logística que tornaria possível a realização da referida exposição física.
Diante disso, houve a necessidade de modificar a proposta do projeto de
extensão supracitado de modo a viabilizar a realização da referida exposição. Nesse
sentido, a exposição foi mantida, porém a forma de produção, organização e realização
da mesma passou a ser pensada a partir de uma plataforma associada ao sítio do
Laboratório de Documentação Histórica (LABORDOC). É importante salientar que o
Projeto de Extensão Sertões: história e cotidiano encontra-se em fase inicial, nesse
sentido, as informações e resultados a serem apresentados junto ao presente artigo
são parciais.
A idealização de uma exposição voltada para a temática Sertões intitulada
“Sertões: história e cotidiano no Seridó” está diretamente ligada à existência do Curso
de Graduação em História na região Seridó Potiguar, que é ofertado na cidade de Caicó
desde meados de 1970, inicialmente, de forma associada (Licenciatura e Bacharelado),
além de a oferta, desde 2016, do curso especialização em História dos Sertões, com o
incentivo da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pró-Reitoria de Pesquisa da UFRN, por
meio do Edital 01/2016 - PPG/PROPESQ - Apoio a Grupos Emergentes para Criação de
Programas de Pós-Graduação. Assim, o que permite que egressos dos cursos de
licenciatura e bacharelado em História ofertados pelo CERES Campus de Caicó, possam
permanecer em sua região e garantir a obtenção de um especialização, sendo que
também amplia ainda mais a produção acadêmica voltada à temática.
579AMORIM, Paula Karini Dias Ferreira. CASTRO, Darlene Teixeira. Mídias digitais: uma nova ambiência
para a comunicação móvel. In.: I Encontro de História da Mídia da Região Norte Universidade Federal do
Tocantins. Alcar, Palmas, 2010.
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Como síntese, podemos afirmar que rede social é uma estrutura social
composta por indivíduos, organizações, associações, empresas ou
outras entidades sociais, designadas por atores, que estão conectadas
por um ou vários tipos de relações que podem ser de amizade,
familiares, comerciais, sexuais etc. Nessas relações, os atores sociais
desencadeiam os movimentos e fluxos sociais, através dos quais
partilham crenças, informação, poder, conhecimento, prestígio etc.
(COSTA FERREIRA, 2011, p. 213)
Nesse sentido, pode-se afirmar que o uso das redes sociais para o engajamento
do público alvo da exposição virtual é imprescindível, de modo a alcançar os objetivos
pretendidos pelo Projeto de Extensão Sertões: história e cotidiano, no tocante à
promoção do conteúdo por meio dessas redes sociais que, no caso do Facebook,
ocorrerá por meio de uma fanpage com o título Exposição Virtual Sertões: história e
cotidiano, de modo a alcançar os usuários e usuários logrados na referida rede social.
Os pressupostos para a produção da exposição virtual vão de encontro à
abordagem de História Local. O centro da análise na História Local, segundo José
D’Assunção Barros, é o lugar, o local ou até mesmo o espaço. Segundo o autor,
580Produto imagético que busca por apresentar informações pontuais acerca de um conteúdo, produtos,
eventos, propaganda e seus afins, utilizando-se de breves textos e de figuras para sua composição.
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581BARROS, José D’Assunção. O lugar da história local na expansão dos campos históricos. In:
OLIVEIRA, Ana Maria de Carvalho dos Santos; REIS, Isabel Cristina Ferreira dos (orgs.). História Regional
e Local: discussões e práticas. Salvador: Quarteto, 2010. p. 233.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, para que a exposição virtual alcance seu público e cumpra sua função, é
necessário que os produtos a serem apresentados junto à exposição se voltem para a
realidade em que os alunos e alunas que se pretende alcançar estão inseridos e
possam, estes discentes, de alguma forma, se identificar, por exemplo, com as
informações que esses produtos trarão consigo sobre a maneira como a região em que
estão inseridos foi construída dentre seus muitos aspectos e peculiaridades, servindo
como meio para a problematização das questões sociais, culturais, políticos,
econômicos, religiosos em que estão inseridos, de modo a observar as permanências e
582SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. GARCIA, Tânia Maria F. Braga. A formação da
consciência histórica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de história. Cad. CEDES [online].
2005, vol. 25, n. 67, p. 304-305.
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REFERÊNCIAS
ANDRADE, J. C. de S. Página Profissional no Sistema Integrado de Gestão de
Atividades Acadêmicas (SIGAA). Disponível em: <https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/
docente/portal.jsf?siape=2329277>. Acesso em 16/04/2018 às 07h50.
AMORIM, Paula Karini Dias Ferreira. CASTRO, Darlene Teixeira. Mídias digitais: uma
nova ambiência para a comunicação móvel. In.: I Encontro de História da Mídia da
Região Norte Universidade Federal do Tocantins. Alcar, Palmas, 2010.
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SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. GARCIA, Tânia Maria F. Braga. A
formação da consciência histórica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de
história. Cad. CEDES [online]. 2005, vol.25, n.67, pp.297-308. ISSN 0101-3262.
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Simpósio Temático 16
RELIGIÕES E RELIGIOSIDADES:
HIBRIDAÇÕES E PERMANÊNCIAS
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INTRODUÇÃO
No Catolicismo Romano, as aparições da Virgem são fenômenos muito antigos,
existindo alguns relatos que demonstram a existência de manifestações de contatos
diretos entre Maria e inúmeras pessoas desde tempos remotos. No entanto, estes
acontecimentos são sujeitos a questionamentos acerca de sua veracidade, envolvendo
altos clérigos da Igreja, alguns teólogos e aqueles que se dizem videntes. Muitas das
narrativas em torno das aparições marianas permanecem alijadas do reconhecimento
e da oficialidade que a Igreja Católica pode conceder, sendo jamais tidas como
verdadeiras nem recebendo o status de oficiais, uma vez que a mesma Igreja considera
que uma aparição verídica é um tipo de revelação de caráter privado, sendo diferente de
uma revelação divina584. Assim, em meio a este contexto de aparições e contatos
diretos entre os videntes e a Santa, fenômeno visivelmente presente na Igreja Católica,
emergiram as narrativas acerca das aparições marianas ocorridas no povoado
espanhol de El Palmar de Troya a partir de março de 1968. Os acontecimentos que se
sucederam ao advento destas aparições resultaram no surgimento de uma nova ordem
religiosa desautorizada pelo Vaticano (os Carmelitas da Santa Face), que
posteriormente se separou integralmente da Igreja Católica oficial e se tornou uma
nova igreja independente com papa e rituais próprios.
583 Mestrando em História na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Email:
pluizcd@gmail.com
584 Informações extraídas do livro “A Pope of their Own”, Magnus Lundberg (p. 17).
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585 Promulgado inicialmente pelo Papa Pio V (1504-1572), o Missal Romano estabeleceu o rito oficial da
missa para toda a Igreja Católica.
586 Informações extraídas do livro “A Pope of their Own”, Magnus Lundberg (p. 26).
587 Título traduzido do “Extracto Actualizado de los Documentos Pontifícios de Su Santidad El Papa
Gregorio XVII”, originalmente publicado em espanhol. Versão traduzida para o português não
encontrada.
588 Edição Portuguesa do “Catecismo Palmariano de Grado Superior” (2003).
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A IGREJA PALMARIANA
A história da Igreja Católica Apostólica e Palmariana começou com as aparições
da Virgem do Carmo registradas no povoado de El Palmar de Troya, interior da
Província de Sevilha, Espanha. No dia 30 de março de 1968, quatro meninas, Ana García,
Josefa, Rafaela e Ana Aguilera, afirmaram haver visto uma bela mulher sobre um
lentisco no campo da Alcaparrosa, que fica a 1 km (um quilômetro) do Palmar. A história
rapidamente se espalhou por todo o povoado e para outras cidades da Andaluzia,
mobilizando grandes multidões que passaram a se dirigir ao terreno (que
posteriormente foi nomeado lugar das aparições) para rezarem o rosário à espera de
algum sinal da presença da Virgem. Foi em meio a esse cenário que começaram a surgir
outras pessoas que também se diziam videntes, retirando das quatro meninas pioneiras
o protagonismo das visões589. Assim, meses mais tarde, Clemente Domínguez y Gómez
(1946-2005), um balconista590 que trabalhava para um jornal católico de Sevilha,
visitou o lugar, passando a ir até lá com mais frequência na companhia de seu amigo
Manuel Alonso Corral (1934-2011).
Esses dois personagens tiveram papel central na criação da Ordem dos
Carmelitas da Santa Face e, posteriormente, da própria Igreja Palmariana.
Primeiramente, Clemente, que a partir do mês de agosto de 1969 passou a afirmar que
também tinha visões e entrava em estado de êxtase durante elas. Poucos anos mais
tarde, dizendo estar em diálogo com a Virgem, recebeu dela a missão de espalhar pelo
mundo a devoção à imagem do rosto de Cristo do Sudário de Turim, conhecida também
como Santa Face. Noutra dessas visões, Maria conferiu ao vidente a missão de fundar
uma nova ordem religiosa que seria a síntese e a guardiã da tradição católica. Dessa
forma, por meio desta revelação divina que ele afirmou receber, Clemente fundou a
Ordem dos Carmelitas da Santa Face – nome derivado da própria devoção à imagem do
rosto de Cristo – no dia 23 de dezembro de 1975591. Se Clemente, à época como o mais
importante vidente do Palmar e fundador da nova ordem religiosa, passara a exercer o
589 Informações extraídas do livro “A Pope of their Own”, Magnus Lundberg (p. 17).
590 Informações extraídas de reportagem do jornal ABC de Sevilla de 23/04/2018. Disponível em:
<http://sevilla.abc.es/provincia/sevi-palmar-troya-farsa-agoniza-50-anos-despues-
201804230742_noticia.html> (acesso em 23/04/2018).
591 A data de fundação da Ordem dos Carmelitas da Santa face está no capítulo LXX do Catecismo
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papel de líder entre os adeptos do seu grupo, Manuel Alonso foi designado a uma série
de funções administrativas, se tornando a segunda pessoa mais importante dentro da
Ordem592.
Com o crescimento do número de seguidores da congregação e a ausência de
sacerdotes que a representassem, sabendo da passagem do arcebispo tradicionalista
vietnamita Pierre Martin Ngô Đình Thục (1897-1984) pelo Palmar de Troya, Clemente e
Manuel Alonso se mobilizaram para solicitar a este arcebispo que os concedesse a
ordenação sacerdotal. Assim se fez: no dia 01 de janeiro de 1976, atendendo ao pedido
dos palmarianos, Clemente Domínguez e Manuel Alonso, junto a mais três religiosos,
foram ordenados padres da Igreja Católica segundo o rito tridentino. Dez dias depois, a
11 de janeiro, o mesmo arcebispo Thục os elevou ao bispado em uma cerimônia de
sagração celebrada no lugar das aparições. As ordenações logo foram reportadas às
autoridades eclesiásticas da região e o arcebispo Thục, junto com Clemente, Manuel
Alonso e os demais ordenados, foram oficialmente excomungados da Igreja Católica
Romana por decreto do então núncio apostólico593 na Espanha.
Figura 1: Da esquerda para a direita: Manuel Corral e Clemente Domínguez no dia de sua
sagração episcopal (11/01/1976)
592 Após a morte de Clemente (Papa Gregório XVII do Palmar) em 2005, Manuel Alonso se tornou seu
sucessor no papado adotando o nome de Pedro II.
593 “O núncio papal na Espanha, Luigi Dadaglio, foi a Sevilha, onde a 15 de janeiro, declarou os bispos
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Roma. Assim, mesmo se colocando como verdadeiro Pontífice Máximo, instituiu uma
nova forma de crença com acréscimos doutrinários extra-canônicos que se
distanciaram do Catolicismo Romano e mantiveram uma estética balizada por
elementos diretamente extraídos das crenças marianas da Andaluzia. Somando-se a
isso, ainda se observa que sua Igreja Palmariana difundiu, a partir de 1978 “um
elaborado sistema teológico que tem claras raízes no catecismo romano tradicionalista
e nas devoções populares espanholas” (LUNDBERG, 2017).
Agora, veremos alguns fragmentos extraídos de duas das fontes selecionadas
para este trabalho, que nos fazem entender melhor os questionamentos aqui
levantados. Na página dezoito do Extrato Atualizado dos Documentos Pontifícios de
Sua Santidade o Papa Gregório XVII está o “Nono Documento” papal que trata da total
ruptura com a Igreja de Roma. Deste documento, originalmente publicado em espanhol,
trazemos a seguinte citação traduzida:
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referido “Sacrossanto Tesouro da Divina Revelação”, este fator engloba elementos que
os palmarianos consideram como marcas da verdadeira tradição católica, aos quais,
entre outros pontos, se adicionam as Escrituras Sagradas, os ensinamentos dos papas
anteriores – aqui apontados como predecessores do autoproclamado Gregório XVII –
e as “Revelações Místico-Proféticas” advindas das aparições que deram origem a todo
o movimento. Nesse sentido, a Igreja Palmariana fez um duplo processo de
afastamento em relação à Igreja Católica Apostólica Romana, pois tomou seu fundador
como verdadeiro líder desta última e transferiu sua sede para outro lugar (que é o
Palmar).
Figura 2: A Basílica sede da Igreja Palmariana, construída no terreno do lugar das aparições (foto da
década de 1990).
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596No mês de julho de 2015 a estátua de Franco foi removida da fachada da Basílica do Palmar, sendo
substituída pela estátua de São Fernando III, Rei da Espanha. Informação extraída da notícia do jornal
UtreraWeb de 03/08/2015. Disponível em:
<https://www.utreraweb.com/noticias_de_utrera/5562/La_basilica_de_El_Palmar_de_Troya_retira
_la_escultura_del_general_Franco_y_la_sustituye_por_San_Fernando/> (acesso em 10/08/2018).
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político desta Igreja e como este surtiu efeito na localidade onde ela se encontra
fisicamente, mas sobretudo, na mentalidade de seus seguidores.
Figura 3: Estátua de São Francisco Franco (primeira da esquerda para a direita) na fachada da Basílica
Palmariana.
Papa Gregório XVII para tratar da doutrina e da liturgia de sua igreja junto com todos os seus bispos em
1980.
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599 Referência retirada e traduzida do “La socialisation - Construction des identités sociales et
professionnelles” (DUBAR, 1991).
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Nesse sentido, olhando para a citação que acabamos de analisar, também percebemos
um aparato de controle ideológico sobre os fiéis membros dessa igreja, e esse mesmo
aparato tem seu centro na figura do seu fundador e líder autoproclamado papa; o que
é mais uma evidente amostra da construção de uma espacialidade balizada pela
“individualidade e do eu” (FOUCAULT, 1999, p.29). Assim sendo, os discursos presentes
nas obras: Extrato dos Documentos Pontifícios de Sua Santidade o Papa Gregório XVII
e Catecismo Palmariano de Grau Superior expõem um visível interesse em respaldar e
validar as ideias presentes em sua narrativa a fim de afirmarem a Igreja do Palmar
como religião independente e substituta do Catolicismo Romano.
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[...]9. A Divina Maria, além do estado natural glorioso que possui sempre
em sua Alma e em seus corpos, teve também, durante a maior parte de
sua vida na terra, estado passível em sua Alma e seu Corpo acidental, a
fim de poder sofrer por nós. Seu Corpo essencial jamais teve estado
passível. 10. No Céu, a Alma Divina de Maria exerce as funções
superiores beatíficas para com seu corpo essencial e as funções
inferiores beatíficas para com seu Corpo acidental. [...]12. Maria supera
em santidade a todos os Anjos e Santos juntos (Catecismo Palmarianos
de Grau Superior, 2003, p. 28).
Quanto a São José, no capítulo seguinte (o XVII), se afirma que São José foi pré-
santificado, ascendeu aos céus de corpo e alma e ainda que “[...] 10. Depois de Maria, São
José, em graças e prerrogativas, supera a todos os Anjos e Santos juntos (Catecismo
Palmarianos de Grau Superior, 2003, p. 30).” Tendo observado atentamente estes
fragmentos, mesmo que os dois sejam uma minúscula amostra da vastidão de
doutrinas e conceitos de fé elaborados pela religião palmariana, identificamos que esta
entidade religiosa realmente deifica estes dois personagens de seu santoral,
colocando-os em um lugar muito próximo ao do próprio Deus Pai, Filho e Espírito Santo,
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como se a Sagrada Família (Jesus, Maria e José) assumisse um papel trinitário similar
ao da já referida Trindade, que é um só Deus para a Igreja Palmariana.
Figura 5: Imagem de São José do Palmar Coroado que se encontra no interior da Basílica Palmariana.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os referenciais de matriz católica romana que dão base às crenças da Igreja
Palmariana, ainda que ampliados e/ou modificados em meio às tradições do imaginário
religioso oriundo da cultura da província de Sevilha – como no caso do estilo
iconográfico de suas imagens de culto – são mais uma amostra de como esta cismática
entidade religiosa procura afirmar-se como um catolicismo genuinamente espanhol em
detrimento do “herético Catolicismo Romano do Concílio Vaticano II”, conforme
adjetivado em seus discursos. Quanto ao nome oficial da entidade (Igreja Cristã
Palmariana dos Carmelitas da Santa Face), este se deve à já mencionada inserção da
Ordem dos Carmelitas da Santa Face dentro desta instituição, mas a ausência dos
termos “católica e apostólica” – como era de se esperar – se deve a um problema de
registro jurídico602 acontecido na década de 1980. Pelo fato de ter sido considerada
uma cópia da Igreja Católica oficial e uma afronta à sua identidade, o Ministério da
Justiça Espanhol solicitou que a Igreja do Palmar de Troya adotasse outra
nomenclatura, por isso o termo “Igreja Católica, Apostólica e Palmariana”, como
aparece nas fontes aqui analisadas, foi substituído por “Igreja Cristã”. Dessa maneira,
concluímos o presente trabalho na certeza de que o movimento palmariano, ao romper
com a Igreja Católica oficial, se tornou uma nova religião que busca ser a continuidade
desta última por meio da pessoa de seus papas e de seu aparato ritualístico e
doutrinário.
REFERÊNCIAS
ALDANONDO, Isabel. NUEVOS MOVIMIENTOS RELIGIOSOS Y REGISTRO DE
ENTIDADES RELIGIOSAS. AFDUAM: Anuario de la Facultad de Derecho, Vol. 17, p.
355-398, 2013. Disponível em: <http://afduam.es/wp-
content/uploads/pdf/17/IsabelAldanondo.pdf>. Acesso em: 11 de junho de 2018.
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LUNDBERG, Magnus. A Pope of Their Own: Palmar de Troya and the Palmarian
Church. Uppsala: Uppsala University, Department of Theology, 2017.
Iconografia
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O CENÁRIO
As casas simples de taipa no meio da caatinga, fronteadas apenas por uma porta
e uma janela, ambas rústicas, na penumbra das primeiras horas da noite, certa
movimentação de pessoas começa a mudar os arredores da casa, a noite traz consigo
o lamento da morte de mais um anjinho, as vizinhas começam a chegar, esse
acontecimento já era corriqueiro. Roupas modestas vestiam quem se aproximava da
casa, tantas muitas mulheres que já passaram por momentos semelhantes.
Dentro da casa, pouca iluminação, apenas uma lamparina abastecida com óleo
de mamona e um pavio de algodão. No meio da sala, sobre uma esteira de palha, estava
o centro de todas as atenções: um caixão simples, enfeitado com flores de papel
colorido. O cheiro do café, o aroma dos chás e o barulho da borbulha do caldeirão de
batatas compõem a cena. Mulheres cantam e enfeitam o féretro, o pranto da mãe, que
pode ser ouvido ao longe. Do lado de fora, no terreiro, os homens conversam, as
crianças brincam de anel, moças e rapazes namoram à luz da lua e de uma coivara que
ofusca luz singela da lamparina no interior da casa.
603Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CERES-UFRN). Email:
wesleyh446@gmail.com
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É necessário realizar esse exercício de visualização da cena, como o que foi feita
acima, para se ter noção de como aconteciam essas cerimônias fúnebres. As
entrevistadas deste trabalho relatam de forma muito detalhada como se estruturavam
essas ações em torno da criança morta. Segundo dona Francisca Maria da Silva,
conhecida como dona Neguinha, de 61 anos de idade, “quando morria o anjinho, juntava
aquelas vizinhas, moças e crianças (...) mais ou menos umas 15 mulheres, dependia da
vizinhança” (SILVA, 2017). Dona Neguinha, hoje, mora na cidade, mas ainda lembra-se
de forma muito saudosa dos tempos em que morava no sítio Cacimbas, um dos lugares
onde foi detectada a prática das incelências no século passado.
Dona Neguinha ainda afirma que as mulheres estavam alegres quando se
reuniam para cantar as incelências, e a ideia da criança inocente, como já detalhada
anteriormente, é percebida. Por isso, segundo a mesma entrevistada, os anjinhos não
precisavam de orações em sufrágio da alma que tornassem a morte infantil um motivo
de júbilo, pois mais um anjo estaria compondo as milícias celestes. “Cantavam como se
fosse um momento de alegria, era aquela coisa alegre porque aquela criança era mais
um anjinho para Jesus” (SILVA, 2017).
As incelências estavam ligadas à noção de “boa morte” e, sendo assim, diz
respeito aos cuidados antes do momento final, durante o velório e após o enterramento.
Desse modo, a fala das entrevistadas vai de encontro a essa ideia já debatida
anteriormente por autores como Philippe Ariès. Dona Terezinha de Jesus afirma:
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Esse lado festivo das incelências é confirmado por Dona Teresinha de Jesus, e
ela reconhece: “Era muita gente, e quem achava bom eram os namorados que ficavam
lá fora, e tome café a noite todinha, porque não era para ficar ninguém dormindo, todo
mundo acordado” (JESUS, 2017). Esse momento podia ser entendido como uma
comemoração por dois motivos: o primeiro, por ter mais um anjo compondo a corte
celeste, e o segundo, que, apesar de parecer estranho, é confirmado, em meio a
gargalhadas, por dona Zezinha: “Gostava, adorava, achava bom quando morria um
menino” (SILVA, 2017). Era um momento em que as pessoas podiam divertir-se, seja
cantando, jogando conversa fora ou namorando em um lugar com pouca ou quase
nenhuma opção de lazer.
O evento estendia-se durante toda a noite, e as participantes pontuam que o café
era em grandes quantidades, pois ajudava a manter os convidados deste rito acordados.
Mas não era somente isso: batatas cozidas e chás também integravam o cardápio
modesto dessas reuniões, e em alguns velórios ainda eram servidas bolachas junto ao
café caso a família tivesse mais condições, como declarou dona Neguinha.
Segundo todas as entrevistadas, as incelências causavam grande comoção nas
mães, e isso é unanimidade na fala delas. Algumas das colaboradoras comentam que
quando se morria um filho delas, não deixavam que cantassem por ser muito penoso,
mas faziam questão de cantar para os anjinhos das vizinhas. Os cânticos estendiam-se
durante a noite toda, acompanhados dos lamentos da mãe que perdia a criança, para
que somente durante as primeiras horas da manhã todos se preparassem para a
despedida. Quase rompendo a aurora das três para as quatro horas da manhã, saia o
enterro, e um homem adulto levava a criança morta num caixão ou telha, enfeitado com
flores, e até certo ponto do caminho era acompanhado, como assegura dona Maria
Francisca: “A gente saía acompanhando o caixãozinho cantando até lá em coisa” (SILVA,
2017).
AS MORTALHAS
As mortalhas assumem papel fundamental no rito fúnebre, uma vez que elas
têm uma “ligação direta com o Santo Sudário, o pano que envolveu o cadáver de Cristo
e com o qual ele mais tarde ressuscitou e ascendeu ao céu” (REIS, 1952, p. 118). Era
comum, segundo Reis, que as crianças vestissem-se com roupas de santos, e a
mortalha tinha relação com o estado de pureza da criança e a posição que ela ocuparia
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ao chegar ao céu. Em consonância com o que Reis diz, dona Das Neves, uma das
entrevistadas, afirma que, em alguns casos, “se fazia uma coroa de papelão e cobria
com areia brilhosa” (SILVA, 2017). O relato da confecção dessa coroa encimada por uma
cruz lembra bastante a coroa de São Miguel Arcanjo, santo bem visto na hora da morte,
principalmente nas mortes de crianças (REIS, 1952, p. 119).
A produção dessas mortalhas obedecia a regras que faziam parte do rito fúnebre
e que estavam impregnadas de superstições, como é possível notar no relato de dona
Socorro Rabicó:
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“Pegava goma, fazia tipo, botava água e fazia como leite, aí derretia e
botava no fogo para engrossar, aí ficava aquele grude para você passar
nas flores e pregar na “mortalhinha” e no caixãozinho. Ainda pegava um
paninho, “nera”, Maria? E jogava um paninho quadrado e jogava um
monte de florzinha pregada” (JESUS, 2017).
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Na imagem 04, vê-se uma mortalha confeccionada em morim branco, sem cava,
apenas com a abertura para a cabeça, finalizada com bico. A fita servia para ataviar a
cintura ou amarrar as mãos do anjo de forma que ficassem postas. O modelo obedece
às informações oferecidas pelas narradoras.
Vê-se, na imagem 05, o detalhe da abertura para a cabeça e o acabamento feito
com bico de algodão. O modelo também obedece às informações oferecidas pelas
narradoras.
É possível observar, no modelo ilustrativo costurado por dona das Neves, as
características apontadas anteriormente, como o morim, a manga sem cava, a abertura
para passagem da cabeça, o bico, que também servia como ornamento, e a fita que
cingia a cintura dos anjinhos.
Vê-se, na imagem 06, a mortalha com um dos adornos mais comuns, as flores
feitas em papel seda ou papel de anjo, como chamavam. O modelo de pétalas
pontiagudas podia enfeitar desde a mortalha até o caixãozinho. O modelo obedece às
informações oferecidas pelas narradoras.
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AS INCELÊNCIAS
As incelências estão ligadas às orações e preces em torno do morto. Nesse caso,
especificamente, por tratar-se de crianças e, portanto, não haver a necessidade de
purgação de pecados, essas músicas ora festejam – não a morte dos pequenos, mas o
acesso deles ao reino dos céus –, ora consolam as mães e os pais que perdiam os filhos.
As letras eram simples e refletiam o imaginário católico, sendo “os cantos [...] de
estrutura melódica simples e despojada, com o predomínio do estilo silábico e os sons
repetidos, ao lado do defunto, cantados pelos parentes, amigos e vizinhos” (SANTANA,
201, p. 91).
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Isso é possível observar nas incelências cantadas por dona Socorro Rabicó. (Para
facilitar a divisão das letras, as incelências são numeradas conforme suas aparições no
texto).
Incelência 01
No entrar da glória
O sino tocando
Senhor São Miguel
As almas pegando
Senhor São Miguel
As almas pegando
Incelência 02
Incelência 03
Incelência 04
Doze incelências
Meu Deus, que só é José
Quem vai para o céu vai sorrindo
Porque em Deus tem grande fé
Jesus, Jesus, Jesus Maria e José
Incelência 05
Incelência 06
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Incelência 07
Incelência 08
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Adeus, papai
Adeus, mamãe
Adeus, meus irmãos
Até quando Deus quiser
Uma incelência que é
Para o senhor São José
Incelência 09
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Outro objetivo das incelências era o de guiar o anjinho no caminho para o céu e,
por esse motivo, as letras invocavam santos e anjos para a condução do anjinho pelo
caminho celeste. Pode-se perceber que aos que ficavam eram imputadas algumas
responsabilidades, como no caso da mãe, que deveria abençoar o filho antes da morte
e preparar com adornos o pequeno féretro, expresso nas incelências que dona Zezinha
cantou.
Incelência 10
Um anjinho serafim
Que a Deus que possa levar
Desse sete tira um
Para esse anjo vir buscar
Desse sete tira um
Para esse anjo vir buscar
Incelência 11
Incelência 12
O galo cantou
Jesus Cristo nasceu
Um manjar do céu
Quem mandou foi eu
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“presidia simbolicamente o nascimento e morte das crianças” (REIS, 1952, p. 121). Como
se pode ver na incelência acima, a questão da maternidade está atrelada, nessa letra,
ao nascimento de Jesus.
Dona Maria Francisca apresentou algumas incelências que falam da dor
materna ao perder um filho, mas que, ao mesmo tempo, já garantem a companhia de
santos na nova morada daqueles que se foram. A incelência que se segue já foi
mencionada acima na fala de dona Neguinha. Entretanto, quando dona Nena
apresentou esse canto, ela cantou com mais repetições.
Incelência 13
Adeus, papai
Adeus, mamãe
Adeus, meus irmãos
Até quando Deus quiser
Uma incelência que é para Senhor São José
Uma incelência que é de Senhor São José
Adeus, papai
Adeus, mamãe
Adeus, meus irmãos
Até quando Deus quiser
Incelência 14
Incelência 15
Incelência 16
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REFERÊNCIAS
Fontes
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Henrique de Moura Simão . Jucurutu- RN. (20 min)
BIBLIOGRAFIA GERAL
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Rio de Janeiro, RJ: LCT, 1978.
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UNESP. 2014.
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Ubirajara Sobral. São Paulo, SP: Edições Loyola, 1996.
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1920. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1985.
REIS, João José, A morte é uma festa: Ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do
século XIX, Companhia das Letras, São Paulo- SP, 1991.
RIBAS, Cristina Galvão. MOREIRA, Maria das Neves Santos. Os mortos vistos pelos
vivos: fragmentos do imaginário sobre a morte na Comarca do Principe( século XIX).
Monografia de graduação. Caicó, RN, 2004.
VAILATI, Luiz lima. Infância e morte infantil no Brasil dos oitocentos. Rio de Janeiro e
São Paulo). São Paulo, SP: Alameda, 2010.
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INTRODUÇÃO
Este artigo é fruto de um projeto de pesquisa ao qual encontra-se atrelado o
plano de trabalho intitulado “Milagreiras e santas: violência contra a mulher e a
sacralização da tragédia” orientado pelo Professor Dr. Lourival Andrade Júnior e
financiado pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) /CNPq.
Tem como objetivo estudar as práticas e rituais da religiosidade não oficial e a relação
que os devotos têm com o sagrado, as formas construídas de interação com a fé sem
intermediação do oficial.
Nesse contexto, há a necessidade de diferenciar a religiosidade oficial da não
oficial, usamos como marco a diferença de Santo(a) e Milagreiro(a), entendemos que os
Santos passaram por um processo canônico, este estabelecido pela Igreja Católica
Apostólica Romana oficial, os milagreiros não precisam desse processo para serem
cultuados. A religiosidade não oficial são todas as práticas não convencionais da fé e da
devoção, que estão à margem da oficialidade.
Por que as pessoas buscam esses milagreiros? O Autor José Carlos Pereira
comenta que, os devotos acreditam que a devoção por meio dos “santos populares” ou
“milagreiros” faz-se estar mais perto da sua realidade, ou seja, as pessoas acreditam
que pôr está mais próximo da realidade é uma forma de resolução mais rápida para
seus problemas. Assim, há uma intimidade maior do que com o próprio Deus, o
milagreiro se torna o intercessor e mediador nos pedidos dos fiéis. Os devotos
acreditam que determinados milagreiros de devoção podem operar milagres.
604 Aluna de graduação do curso de História – Licenciatura – na Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES – Caicó). E-mail: ferreiravirginia7@gmail.com
605 Doutor, Pesquisador e Professor do Departamento de História do Centro de Ensino Superior do Seridó da
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O primeiro é que a Igreja oficial mesmo com inclusão do espaço não oficial ao
calendário litúrgico, bem como ao próprio espaço físico da capela, ainda relativiza e
silencia a devoção a Joana Turuba, apesar de não negar a devoção, em nenhum
momento durante as festividades o nome de Joana foi pronunciado. O segundo ponto é
que mesmo com o silêncio da Igreja Oficial, os devotos associam as duas à mesmas
figura, foi possível identificarmos isso na maioria das falas das pessoas que
frequentaram a celebração.
RELATO DO FEMININO
Destaco, portanto, apenas uma entrevista especial dentre todas as pessoas que
conversamos, o relato de Janaires da Silva Dantas, de 37 anos, emocionou e tocou
pontos sensíveis da fé. Sua devoção a Santa Rita e a Joana é relativamente nova,
Janaires contou que não era uma católica praticante, contudo após 14 anos tentando
engravidar, sofrendo um aborto espontâneo nesse período, ao passar pela imagem de
Santa Rita de Cássia em Santa Cruz sentiu no coração uma vontade repentina de fazer
uma promessa, conta que foi por saber que Santa Rita e Joana foram mulheres que
sofreram durante a vida, mas não perderam a fé.
Meses após feita a promessa, descobriu que estava grávida de um menino,
quando nasceu, fizeram os testes e descobriram que a criança tinha Síndrome de Down,
contou que entrou em desespero porque não sabia como proceder, lembrou da
promessa e orou.
O menino Felipe Gabriel da Silva Dantas de 6 anos, é saudável, não tem nenhum
problema de saúde, e acompanha a mãe durante a festa de Santa Rita todos os anos.
Além de pagar a promessa indo a todas as missas e a procissão de Santa Rita, toda
quinta feira Janaires veste preto, ressaltou que foi bem difícil no começo pagar essa
promessa, porque as vezes aparecia imprevistos, eventos, mesmo assim cumpre a
promessa toda semana, e não se arrepende.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalizo, destacando a importância de se pensar e estudar a relação das pessoas
com o sagrado, interpretado a partir de suas crenças, e de sua cultura. Entender como
Joana Turuba, uma milagreira, tornou-se importante para a história de Carnaúba dos
Dantas e seus habitantes, Joana faz parte da historicidade do lugar, da vida e do
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cotidiano. A história de uma mulher guerreira que lutou por seus filhos, que foi
acometida por uma doença, que foi excluída socialmente, e a devoção que move a
cultura não apenas de Carnaúba, mas da região do Seridó.
REFERÊNCIAS
ANDRADE JUNIOR, Lourival. Tragédia, martírio e devoção no Seridó Potiguar. In:
Todas as águas vão para o mar: poder, cultura e devoção nas religiões. São Luis:
EDUFMA, 2013. 105-118p.
______. Crimes, lugares e devoções: o campo religioso não oficial no Seridó Potiguar.
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Revista Mosaico, Goiânia, v.2.n 1, 2009. 141-153.
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DANTAS, Maria Isabel.. Do monte à rua: cenas da festa de Nossa Senhora das Vitórias.
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ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins
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Netografica, 2005. P.159-163.
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século XIX. São Paulo: Cia. das Letras, 1991.
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Paulo: Cia das Letras, 2003.
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907
606 Aluna de graduação do curso de História – Bacharelado – na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES – Caicó). Vinculada ao plano de trabalho:
Preto-Velho na Umbanda: Narrativas sobre o negro escravizado. E-mail: beatriza@ufrn.edu.br
607 Doutor, Pesquisador e Professor do Departamento de História do Centro de Ensino Superior do Rio
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608Dados retirados do excerto “O Atlântico e o comércio negreiro”. ALMEIDA, Suely Creusa Cordeiro de.
O Atlântico e o comércio negreiro. In. ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. Atlântico: a história de um
oceano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
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se perpetuam até os dias atuais. Trouxeram consigo danças e crenças pessoais que
tiveram que adaptar às dinâmicas do Novo Mundo.
É importante dizer que em África só se cultua os orixás, voduns e/ou inquices609
que estão ligados a sua cidade de origem, por exemplo, em Oyó quem reina é o orixá
Xangô610. Dessa maneira, a organização espacial das senzalas buscou misturar povos
de diferentes cultos, para que não houvesse diálogo, uma vez que seriam de nações
distintas e cultuariam orixás também distintos. Contudo, os indivíduos conseguiram
articular-se e estabelecer um culto múltiplo aos orixás, saudando um em cada dia da
semana, dando início ao que se tornaria o Candomblé.
Os espaços dos terreiros das senzalas passaram cada vez mais, na medida em que
eram permitidos, a sediar as danças, que ficaram conhecidas como macumba. O termo
“macumba” acabou disseminando-se como algo pejorativo e desencadeia até hoje
muitas interpretações de seus significados. Para Nei Lopes (2012), macumba é um
termo de origem banta e pode ser entendida um jogo de azar antigo, uma espécie de
reco-reco, ou mesmo uma definição generalista dos cultos afro-brasileiros. Um outro
possível significado, que aparece nos estudos, é o discutido por José Henrique Motta de
Oliveira (2008, p.76): “Para Édson Carneiro, o termo ‘macumba’ viria de mcumba, que
seria a representação gráfica do plural de cumba, significando reunião de jongueiros.”.
De tal maneira, os ritos dos negros foram inseridos no contexto escravocrata, mesmo
que tendo sofrido algumas alterações.
Uma ressignificação muito importante que também aconteceu e contribuiu para o
hibridismo marcante destes cultos, foi com relação ao culto dos Orixás. Como uma
forma de sobrevivência diante de um mundo católico, em que os deuses africanos eram
demonizados, os negros associaram os santos cristãos aos orixás de acordo com o grau
609 Orixás, voduns e inquices, são deuses africanos que estão ligados a uma cidade, ou país, do continente
africano, e sua nomenclatura muda de acordo com a região, os bantos, por exemplo, cultuam inquices, já
a cultura iorubá, tem os orixás como deuses, estes representam forças da natureza. Mesmo que seus
nomes mudem, são semelhantes em suas características, de uma cultura para a outra. Exemplificado, na
cultura iorubá: Oxum estaria ligada as águas doces e cachoeiras; Iansã seria a orixá dos ventos e trovões;
Xangô o orixá da justiça e assim por diante dentro do panteão.
610 Segundo a mitologia, Xangô estando diante de guerras com seu exército sendo morto pelo exército
inimigo, ativou sua ira e com seu machado começou a bater numa pedreira, que ao ser atingida pelo
artefato produzia faíscas e sons estrondeantes. O barulho do machado de Xangô causa medo nos
inimigos e quanto mais se batia o machado, as faíscas atingiam o inimigo. Xangô sai então vitorioso e
aprisiona o exército, mas se mostra justo e clama pela justiça apenas dos líderes, libertando os
guerreiros que passam a servi-lo com fidelidade. Assim, esse é tido como o Orixá da Justiça, do fogo, das
pedras, das decisões. (Disponível em: <http://mariapadilhadasalmas.no.comunidades.net/historia-de-
xango>. Acesso em 12 de maio de 2018)
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de semelhança, como por exemplo, o orixá Ogum que é associado ao santo guerreiro,
São Jorge. Os negros assim agiam para desviarem dos castigos dos senhores, dessa
forma
UMBANDAS
No Brasil oitocentista, a doutrina espírita é introduzida pela e para a sociedade das
classes mais elevadas e se distingue das demais práticas de transe e contato com o
mundo espiritual, praticados principalmente pelos negros. De acordo com Oliveira
(2008, p.62-63), espiritismo afirma a existência de Deus, no entanto, se revela enquanto
um ser inacessível aos homens pelo universo estar dividido em níveis hierárquicos.
Assim, nessa visão segmentada de mundo, enxergam o planeta Terra como um dos
níveis mais baixos, abrigando as doenças e sofrimentos. De maneira que a mediunidade
seria uma atividade de poucos kardecistas, os quais teriam a incumbência de auxiliar as
pessoas a evoluírem espiritualmente no contato com o divino e o sobrenatural, ou
metafísico. Contudo, é certo que:
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As entrevistas estão disponíveis em áudios no arquivo virtual da TENSP (Tenda Espírita Nossa
611
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612Durante a catalogação e fichamento das fontes, alguns autores se portaram de maneira semelhante
ao descrever a figura dos Pretos Velhos, tais como: Cavalcanti Bandeira (1973); Antônio Alves Teixeira
Neto (1973); Ademir Barbosa Júnior (s/a); Ismael Pordeus Jr. (1993); Vanessa Pedro (1999) e Maria Helena
Villas Bôas Concone (2008).
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Seres de muita idade e vivência dura, portam-se com o corpo curvado, andar lento com
ajuda da bengala ou apoio em outros objetos que estejam no espaço, mostram-se
simples e humildes trabalhando pelo bem e no desmanche de demandas613. Os
símbolos impregnados em si pela escravidão, também se fazem presente, como o
cansaço, que os faz buscarem estar sempre sentados em banquinhos, quando baixam
nos terreiros. Entidades de muita responsabilidade, serenidade e respeito, costumam
fumar cachimbo e ter em mãos um colar de contas, ou rosário, são assim descritos, de
maneira generalista as entidades dos Pretos Velhos.
Contudo, mesmo que sejam apresentados de modo característico geral, tais
personalidades carregam consigo marcas individuais que variam de acordo com cada
um. As características físicas que esses indivíduos adquiriram enquanto encarnados se
fazem presentes na forma de agir do aparelho em que está incorporado em tal entidade.
Exemplo disso a autora Maria Helena Villas Boas Concone (2004), apresenta em seu
trabalho o caso de um médium chamado Edson, em um dos terreiros por ela visitado,
que
613Podemos entender as demandas, a grosso modo, como uma espécie de energia pesada ou negativa
emanada de grupos que não possuem tanta elevação espiritual e trabalham pelo mal de outrem.
Disponível em: <https://www.raizesespirituais.com.br/curiosidade-o-que-e-demanda/>. Acesso em 17 de
setembro de 2018.
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Pretos Velhos, Caboclos, Baianos, Pombas Giras, Crianças, Ciganos, Boiadeiros e assim
por diante. Posto isso, a personalidade de cada Preto Velho varia de acordo com a
vibração pela qual ele baixa, assemelhando-se com o seu orixá. Os pretos velhos de
Iemanjá, por exemplo, seriam entidades de incorporações simples e doces, que se
utilizam dos movimentos do mar para trabalharem nas sessões de descarrego.
Atuando ainda, com mais afeição, nos casos familiares e no desejo pela gravidez por
parte de algumas mulheres. Os pretos velhos de Nanã, orixá considerada a mãe de
todos e mais velha, por sua vez, apresentam incorporação lenta e pesada, estes são
mais raros e sérios, revelando, novamente, a gratidão e respeito pelas ancestralidades.
(Barbosa Júnior, 2011, p.81).
O dia de Preto Velho é comemorado em 13 de maio por todos os terreiros de
Umbanda do Brasil, por ser o dia histórico de assinatura do documento que abolia a
escravatura, a Lei Áurea. Contudo, as giras para Preto Velho ocorrem nos terreiros em
outros dias comuns, não somente nesta data e mesmo que cada terreiro assuma sua
postura identitária particular em seu culto, algumas características se assemelham. Os
trabalhos se iniciam com a defumação do ambiente, para que toda a negatividade
presente seja expulsa e o local esteja limpo e equilibrado para receber as entidades.
Após isso, os médiuns pedem a autorização a Exu, entidade ou orixá, guardião dos
caminhos e que, portanto, deve permitir que o ritual seja feito com proteção e atua,
ainda, na guarda dos terreiros, afastando os maus espíritos. Os cambones (ajudantes
dos médiuns) dispõem dos elementos característicos que serão utilizados, no caso, o
cachimbo, o café, o banquinho, bengala e todo o aparato que se fizer necessário para o
amparo da entidade a ser recebida, nesse caso, os Pretos Velhos. Os pontos são
cantados como uma forma de chamar e saudar a entidade no terreiro. O corpo
mediúnico entoando cantos, batendo palmas e acompanhados dos ogãns que tocam
seus atabaques, vai aos poucos tornando-se inconscientes e cedendo espaço do seu
corpo para que as entidades assumam. De acordo com Vanessa Pedro (1999, p.88), uma
sineta é batida e a saudação magistral é proferida: “Adorei, minhas santas almas!”, a
gira dos pretos velhos é então iniciada. Depois de saudado o terreiro, cada preto ou
preta velha incorporado em seu médium se direciona em busca do seu banquinho, onde
tem acesso ao seu cachimbo com fumo e o seu café preto e assim iniciam as conversas
de assistência, curas e conselhos.
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Todo esse ritual descrito é acompanhado de dois tipos de “pontos” que se fazem
de suma importância, o primeiro que podemos descrever são os “pontos riscados”.
Estes são as assinaturas das entidades que quando incorporadas riscam o chão com
símbolos, próprios e únicos de cada uma, com uma espécie de giz branco, denominada
de “pemba”. Esse tipo de ponto se destaca como um elemento muito sagrado no
cotidiano umbandista e só acontece em ocasiões de suma importância, não sendo,
portanto, riscados pontos em giras comuns. Tal ato é uma forma de validar que o
médium está realmente incorporado e não mistificando, ou seja, fingindo transe, esse
ponto é então firmado numa madeira e guardado onde não se tem acesso aberto. A
segunda categoria são os “pontos cantados”, que acompanham o ritual com suas letras
e versos que se dirigem às entidades, com saudações, gratidões e elementos que os
caracterizam.
Mesmo que os pontos riscados sejam características pessoais de cada entidade,
existem alguns elementos que se repetem e que nos permitem fundamentar uma
análise sobre o que representam. Dentre os 441 pontos cantados de pretos velhos
catalogados, que utilizamos para nossa análise, foram 396 do livro “3000 pontos
riscados e cantados na Umbanda e no Candomblé” (Editora Eco, 1974) e 45 do livro
“Pontos Riscados do Terreiro de Pai Maneco”. Nesses pontos são marcantes a
presença de alguns elementos que se repetem, como a cruz, a estrela, o coração e as
ondas do mar.
Como aponta Andrade Júnior (2013, p.10): “A cruz simboliza o sofrimento que
passaram, sendo que na África lutando contra um território inóspito e no Brasil no
padecimento na senzala. Ao mesmo tempo a cruz é um símbolo clássico do cristianismo,
reforçando que os pretos-velhos são absolutamente híbridos em suas práticas e
crenças.”. Evidenciando, portanto, que essas entidades também se apresentam como
cristãs em sua personalidade. Ainda de acordo com o mesmo autor, as estrelas são
símbolos de elevação espiritual alta dessas entidades, além de destacar que são esses
os que possuem mais estrelas presentes em seus pontos, dentre todo o panteão
umbandista. As estrelas podem ser entendidas como símbolos da demonstração de
elevação, tal qual estes corpos celestes estão no céu, distantes, porém presentes
mesmo que não vistos a todo momento, os pretos e pretas velhas também o são.
Presentes mesmo que não os possamos ver. Revelam ainda a sabedoria, a calma e a
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iluminação que carregam e emanam de si, como analisado por Andrade Júnior (2013,
p.10-11).
Imagem 1: Ponto de Vovô Domício de Aruanda Imagem 2: Ponto de Pai Congo D’Angola
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Imagem 3: Ponto de Tio José Negreiro Imagem 4:Ponto de Tia Rita da Guia
No site também contém a interpretação de alguns mais outros símbolos presentes nos pontos.
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Assim como nos pontos riscados, nos pontos cantados também aparece a referência
do lugar de pertença em África, do qual esses negros foram retirados. Luanda, Angola, Congo,
como já brevemente citado, são muito presentes e reforçam a ideia da intensidade escravista
nessa região. Ao mesmo momento, remonta a ideia de ligação que tais pessoas tinham com
sua terra e o desejo de retornarem aos seus ambientes naturais. Nesses dois pontos existe
um veio de ligação com o sobrenatural, demonstrando que os pretos velhos vêm de seus
lugares de África para trabalhar pelo bem. Carregam consigo suas mandingas e patuás em
contraste e conjunto com a sua fé, em prol de uma benfeitoria e caridade nos terreiros. Como
são procurados pelo público em busca de ajuda espiritual, os pretos são tidos como os
detentores das rezas fortes, dos conhecimentos ocultos; com sua fumaça purificam e
benzem.
O ritual umbandista vai muito mais além do que os pontos riscados e cantados, o seu
universo mágico-religioso é composto de muitos outros elementos característicos que
conferem identidade própria ao rito. Contudo, cabe destaque aqui a mais um outro aspecto
no que tangem às entidades: as oferendas. Cada entidade tem o seu tipo de oferenda
específico, suas comidas próprias, contudo, é importante dizer que tais espíritos não comem
o alimento físico, mas sim adquirem a energia contida ali. A intensidade do que é rogado aos
pretos é conduzida pela qualidade e coerência do que é ofertado, portanto alguns alimentos
são mais priorizados, respeitando-se a entidade e livrando-os dos vícios de outros espíritos.
Alguns mantimentos são ofertados sem ferir a pureza deles, como as comidas de milho, café
amargo, cachimbos de madeira, fumo em rolo, vinho, frutas, flores, aipim, farinha, dentre
outros. (SILVA, 2012, p.341)
Estudar a Umbanda por si já se torna um ato de dar visibilidade a tal culto em meio uma
sociedade que vê e reconhece os brancos, constantemente, como privilegiados em vários
espaços sociais (mídia, trabalhos formais, universidades, entre outros). A Umbanda mesmo
tendo nascido no Brasil e fundamentando-se a partir do kardecismo e adotando mesclas
cristãs, ainda assim é negra. A negritude tem suas marcas na Umbanda e sobrevive nela.
Estudar e escrever sobre os ritos negros é uma necessidade latente numa sociedade branca
e racista. É uma tentativa de entender esses espíritos através dos pontos cantados, riscados
e da vasta bibliografia que se debruça sobre eles, mas que, no entanto, os abordam de
maneira generalista. Compreender, a partir disso, esses seres de luz, serenidade e caridade,
demonstrando, portanto, que a Umbanda não precisa ser temida, pois é um culto de cura e
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caridade e, sobretudo, o papel que os pretos desempenham nessa religião. O recorte feito
sobre os Pretos Velhos é uma tentativa de dar voz aos marginalizados e que insistem em
sobreviver quando o mundo tenta os silenciar.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Suely Creusa Cordeiro de. O Atlântico e o comércio negreiro. In. ALMEIDA,
Francisco Eduardo Alves de. Atlântico: a história de um oceano. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2013.
BANDEIRA, Cavalcanti. O que é a Umbanda. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Eco, 1973.
BARBOSA JÚNIOR, Ademir. Curso Essencial de Umbanda. São Paulo: Universo dos Livros,
2011.
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas. Tradução: Ana Regina Lessa; Heloísa Pezza
Cintrão. 4 ed. São Paulo: EdUSP. 2008.
CONCONE, Maria Helena Villas Bôas. Caboclos e Pretos-Velhos da Umbanda. In: PRANDI,
Reginaldo (org.). Encantaria Brasileira. Rio de Janeiro: Pallas, 2004. p.281-303.
LOPES, Nei. Bantos, Malês e Identidade Negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p.97-230.
LOPES, Nei. Novo Dicionário Banto do Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.
NEGRÃO, Lísias Nogueira. Entre a Cruz e a Encruzilhada. São Paulo: EdUSP, 1996.
OLIVEIRA, José Henrique Motta de. Das Macumbas à Umbanda: Uma análise histórica da
construção de uma religião brasileira. 1ª ed. Limeira, São Paulo: Editora do Conhecimento,
2008.
SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e Umbanda: Caminhos da devoção brasileira. 2 ed.
São Paulo: Selo Negro, 2005.
Sites
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pontosriscados.blogspot.com/>. Acesso em 07 de junho de 2018.
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Raízes Espirituais. Você sabe o que significa Demanda?. 2015. Disponível em:
<https://www.raizesespirituais.com.br/curiosidade-o-que-e-demanda/>. Acesso em: 17
de setembro de 2018.
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Simpósio Temático 17
O BRASIL IMPÉRIO:
TRAMAS, CONEXÕES E OUTRAS HISTÓRIAS
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INTRODUÇÃO
A presente pesquisa proposta fundamenta-se a partir da História Cultural, seguindo
as conceituações de Chartier (1990, p.16), preocupada em “[…] identificar o modo como em
diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada,
dada a ler”, ou, especificamente, a História Social do Cultural, se levarmos em consideração
que a categoria das representações também envolvem disputas entre os grupos sociais
dentro das suas delimitações historiográficas. Neste caso, utilizaremos do texto literário
como meio de acessar essas representações, realizando as devidas críticas e situando-a
dentro de um recorte histórico. Ora, apesar de a literatura ser um produto ficcional, “[…]
obedecem também a processos de construção onde se investem conceitos e obsessões dos
seus produtores e onde se estabelecem as regras de escrita próprias do gênero de que
emana o texto” (CHARTIER, 1990, p. 63), ou seja, existe uma relação estreita com o real.
A possibilidade do uso da literatura como documento advém da expansão do
conceito de fonte, com a Escola dos Annales, movimento intelectual francês da transição
para o século XX, alargando o campo de apreensão da História enquanto ciência. Como
consequência deste fato, aumentou-se o leque de possibilidades de pesquisa do historiador.
Podemos considerar a literatura como um monumento histórico pois “[…] guarda as
questões de um tempo e as marcas de um povo e de um lugar.” (BORGES, 2010, p. 107).
Na obra O Evangelho do Futuro, escrita sob o pseudônimo de Max, o autor realizou
o entrelaçamento da doutrina espírita com a narrativa ficcional, como uma forma doutrinária
de interpretação das tramas desenvolvidas. Nesta obra em especial, a narrativa com traços
autobiográficos muito fortes, desenvolvendo suas tramas nas cidades onde residiu, como
Riacho de Sangue/CE, Martins/RN, Fortaleza e Rio de Janeiro. Todavia, nosso olhar voltara-
se as análises das representações sobre os aspectos abolicionistas, seguindo três
615 Graduando do curso de Licenciatura em História, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN), Campus Central – Brasil. E-mail: uluanfreire@hotmail.com.
616 Docente do Departamento de História da FAFIC, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN), Campus Central – Brasil. E-mail: andrevseal@yahoo.com.
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movimentos específicos: Caracterização das congruências entre seu romance e o seu ensaio
publicado em 1869; identificar as representações dos escravizados e questões abolicionistas
na narrativa; analisar os dispositivos doutrinários Espíritas utilizados para legitimar a plena
liberdade dos escravizados e a necessidade de uma reparação social. Acreditamos que este
percurso analítico nos permitirá desvelar as discussões relativas a plena libertação dos
escravizados na última década do Império, sob a ótica dos intelectuais espíritas, em
específico, o cearense Bezerra de Menezes.
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Nesta convocatória, provocativa ao reinado de Dom Pedro II, Bezerra traz elementos
em voga no período: O progresso civilizacional emergente. Conclama a participação de todos
na batalha contra a “inércia de uns”. Continua a construção de seu projeto, realizando um
balanço das propostas em discussão, resumiam-se em duas: uma emancipação rápida ou
gradual. Todavia, ambas não mereciam respaldo pois “[…] atiram, de chofre, no seio da
sociedade com os direitos de cidadão brasileiro, toda essa massa de homens criados e
educados para escravos, sem princípios de honra, de justiça, de dever, verdadeiros selvagens,
dominados pelos mais perigosos instintos” (Ibidem, p. 54 – 55.). Denotando sua preocupação
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com as consequências do ato de libertação dos escravizados, não preparados para adquirir
direitos.
Assim sendo, um projeto de emancipação deveria sustentar-se através de dois
pontos: (1) meios próprios para se obter a liberdade dos escravos, ou seja, sem prejuízos
econômicos graves a sociedade, e sua respectiva (2) regeneração moral dos escravos. Logo,
Bezerra de Menezes pontua a proposta do “ventre livre” como meio mais coerente e “menos
prejudicial”, contabilizando um prazo de 25 anos para o desaparecimento da servidão
africana no Brasil (Ibidem, p. 65). Porém, apenas isso não seria necessário. A proposta
acrescenta a importância do Estado retirar as crianças do leito de suas mães escravizadas,
através da fundação de “casas de criação”.
Esta instituição cuidaria dessa juventude afrodescendente, oferecendo-as instrução
primária, moral e religiosa. Ao final, estabeleceriam colônias nacionais, “mil vezes preferíveis
às estrangeiras” (Ibidem, 77 – 78), constituindo famílias moralmente restauradas da
perversidade de seus pais. Ou seja, para Bezerra de Menezes, não bastava apenas a abolição,
mas o desenvolvimento de mecanismos de reparação, estes, custeado pelo Estado. Se
olharmos pro passado, veremos a promulgação da Lei do Ventre Livre em 1871, seguida de
outras legislações, até a completa abolição, decretada em 1888, sem nenhuma iniciativa
governamental garantidora de uma equidade na inserção dos libertos na sociedade.
Em resumo, estes são alguns posicionamentos importantes do nosso sujeito em sua
produção ensaística. Delimitaremos aqui esta análise, uma vez que não é nosso objetivo nos
aprofundarmos nesta produção. Entendendo um pouco o Bezerra de Menezes abolicionista
de 1869, poderemos agora nos debruçar de seus posicionamentos na década de 80, através
de sua produção literária. Para tanto, a seguir, realizaremos interlocuções comparativas
entre o ensaio, de 1869, e a alguns trechos do romance O Evangelho do Futuro. Que entre em
cena o abolicionista espírita.
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Ventre-livre é, pois, o meio mais simples, mais fácil e mais cômodo entre
todos de quantos se tem, até hoje, cogitado.
[…] Porém, esse meio não nos dá senão a solução de uma parte do problema;
não nos dá senão a extinção da escravidão e nós queremos o complemento
dessa reforma, queremos a transformação do escravo em cidadão útil, sem o
que todo resultado é nulo e porventura prejudicial. (MENEZES, 2009, p. 65 –
66).
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Apesar de não ser uma construção extensa, pois ocupa apenas um dos cinquenta e
quatro capítulos, são muitas as críticas ao governo imperial neste espaço destinado a
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Tratando quase como um dever cívico do “bom povo”, neste trecho surge novamente
sua preocupação com o futuro da raça, e, consequentemente, da nação. Todavia, contradiz-
se quando refere-se a “seus vícios originais”. Anteriormente, e como analisamos nesta
exposição, Bezerra afirmou a “inocência nativa” como característica dos escravizados, sendo-
os corrompidos pela instituição escravagista brasileira. Denota-se assim uma confusão de
apropriações das teorias raciais, não posicionando-se concretamente sobre a natureza da
raça em questão.
É outra característica da proposta de reparação presente da obra, o
engrandecimento dos responsáveis pela ação. Ora, quem não quer ser admirado e fazer parte
de uma memória? Bezerra tinha ciência da importância histórica do feito: “A população de
Riacho de Sangue, com razão, orgulhava-se de haver feito, em bem da sociedade e da
Humanidade, o que não fizeram os governos do Brasil e do mundo, onde houve escravos!”
(Ibidem, p. 327). Aliás, ele mesmo se colocou na obra, como sujeito fundador da proposta
concretizada pelos personagens na narrativa. Ao apresentar a iniciativa, consistindo na
educação catequista e das primeiras letras, assim como um ofício aos rapazes, referencia-se:
“Era aquele o princípio da execução de uma ideia, que brotara, em 1869, do cérebro de um
obscuro brasileiro, autor de um opúsculo que escreveu em adiantamento à Lei do Ventre
Livre.” (Ibidem, p. 326).
Após apresentar seus argumentos com teor secular, entra em cena o homem cristão,
a condenar aqueles que insistem na manutenção da escravidão.
Oh! É de fazer arrepiarem-se as carnes, pensar-se nas conas que devem dar
tais infelizes ao Supremo Juiz, do modo como compreenderam seus deveres
com aqueles que a lei fez seus escravos!
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Hão de prestá-las pelas carnes que lhes rasgaram – pela obcecação em que
os mantiveram – pela perversão moral a que os arrastaram – pelas trevas
em que os tiveram mergulhados! (Ibidem, p. 328).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em O Evangelho do Futuro, Bezerra de Menezes revisita as suas colocações de seu
ensaio de 1869, acrescentando um contexto, pós-aprovação do Ventre Livre, e uma realidade
romanesca. Mesmo sendo um romance de cunho doutrinário, o autor não se exime de trazer
uma realidade do seu contexto histórico, fazendo de sua obra um reduto político. Há marcas
também das teorias raciais circundantes no período, na justificação da concretização da
proposta de “um obscuro brasileiro”, em referência a si mesmo. Interessante pontuar, que
reparação dos afro-brasileiros na nossa sociedade ainda é um debate atual, se arrastando
absurdamente há quase dois séculos.
A visão da passividade dos escravizados, e por isso a apresentação de uma solução
paternalista, faz-se presença na escrita do nosso sujeito. Como homem de seu tempo,
Bezerra dificilmente fugiria das ideias e concepções circundantes da sociedade a qual estava
inserido. Por mais que o gênero romanesco permita essas fugas. Era comum entre os
abolicionistas, ou simpatizantes, a crença na despreparação dos cativos no exercício da plena
liberdade e cidadania.
Hoje, é consenso historiográfico, principalmente após as pesquisas de Sidney
Chalhoub, que “a violência da escravidão não transformava os negros em seres “incapazes
de ação autonômica”, nem em passivos receptores de valores senhoriais, e nem tampouco
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em rebeldes valorosos e indomáveis.” (2011, p. 49.). E o seu cotidiano era marcado pela
resistência em diferentes aspectos, e a liberdade tinha múltiplos sentidos próprios. Sob a
égide de “incapazes”, sempre negou-se um espaço de protagonismo dos negros na
construção da nação, marginalizando-os e silenciando-os nas margens da sociedade.
Analisar a escrita do Bezerra de Menezes, por fim, é revisitá-lo enquanto sujeito
oportuniza-nos acessar o contexto político brasileiro da segunda metade do século XIX.
Entender os seus posicionamentos nas questões abolicionistas, passamos a compreender
melhor os posicionamentos institucionais do movimento espírita carioca, de amplitude
nacional, avançando na historiografia acerca da história do Espiritismo brasileiro.
REFERÊNCIAS
ARRIBAS, Celia da Graça. Afinal, espiritismo é religião? A doutrina espírita na formação da
diversidade religiosa brasileira. Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas. Programa de Pós-graduação em Sociologia. São Paulo. Dissertação
(Mestrado), 2008.
CARVALHO, José Murilo. Escravidão e razão nacional. In: Pontos e bordados da história
política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão
na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
CUNHA, André Victor Cavalcanti da. A invenção da imagem autoral de Chico Xavier: uma
análise histórica sobre como o jovem desconhecido de Minas Gerais se transformou no
medium espírita mais famoso do Brasil (1931 – 1938). Universidade Federal do Ceará,
Centro de Humanidades, Departamento de História, Programa de Pós-Graduação em
História Social. Fortaleza. Tese (Doutorado), 2015.
KARDEC, Allan. O céu e o inferno, ou, A justiça divina segundo o espiritismo. 61. ed. 1. imp.
(Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013. (Trad. Manuel Justiniano Quintão).
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SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no
Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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Simpósio Temático 18
HISTÓRIA E IMPRENSA:
PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO DE SABERES
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi uma produção de pesquisa realizada com o intuito de ser
apresentado no componente curricular História do Rio Grande do Norte II – presente na
grade curricular do curso de História (licenciatura), na UFRN, campus Caicó -, e serviu como
uma das avaliações propostas para a disciplina, sobre a orientação da professora e doutora
Jailma Maria de Lima618, componente efetiva do corpo docente da UFRN.
A proposta do trabalho na disciplina era promover uma pesquisa, sobre forma de um
pré-projeto, referente ao assunto de nossa escolha, mas que fosse direcionado a nossa
cidade, seja ela de origem ou a de residência, e que fosse referente ao século passado, ou
seja, o século XX.
A escolha desse tema foi realizada seguindo um interesse pessoal, em problematizar
por que até hoje, em pleno ano de 2017, o resultado da campanha de 2000 repercutir em cima
dos palanques. E o foco destinado aos veículos de propaganda possui um caráter de analise,
devido a um sentimento nostálgico, pela convivência com esses artifícios de campanha.
Como fontes de pesquisa, foram utilizados alguns santinhos e materiais de campanha
desse período, como também uma entrevista realizada com dono do material, Geicifran
Azevedo (conhecido por Geicifran de Chico sanfoneiro), e também através de uma conversa
informal com um dos candidatos a vereador da época, que é conhecido com Dedé do
consorcio.
617 Graduando em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
Ceres, Caicó/RN. E-mail: alefsantos_20@outlook.com
618 Professora do Departamento de História do Centro de Ensino Superior do Seridó da Universidade Federal do
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partidárias e competitivas, a disputa entre partidos mechem com a vida calma das pequenas
cidades, a política ganha um destaque nas conversas de familia, nas ruas e em todo o
cotidiano da cidade, e isso em Jardim do Seridó, não era diferente.
Nisso, cria-se, então, um cenário parecido com as festas de padroeiro no município,
inclusive os comícios; carreatas; churrasco e concentrações atraem até pessoas de outras
cidades – e da zona rural -, que veem a cidade na intenção de participar daquela festa fora de
época, inclusive é através desses ritos que podemos compreender porque em algumas
cidades é repetido o ditado popular que o período eleitoral “é um carnaval fora de época”,
que inclusive atrai até pessoas da capital do estado – ex-residentes ou não, da cidade – que
de alguma forma se sentem atraídas pela alegria e competitividade dessas verdadeiras
“festas” da campanha.
Nesse contexto, com a disputa a cidade ganha outro tom, porque as cores dos partidos
ganham as ruas, nisso as bandeiras; as camisetas; bonés; adesivos; dentre outros tomam
conta da cidade, com o número; nome ou foto do candidato, seja ele para prefeito ou vereador.
E com isso é que podemos ver o como essa representatividade partidária, ganha as
mais diversas formas e sua importância para a campanha de ambos os candidatos, porém
essa construção de imagens e formas não é algo tão no recente, como afirma Maria Helena
Capelato (1996), em seu trabalho sobre a influência da propaganda na construção da
identidade do candidato, onde é diz que “Em qualquer sistema político, a propaganda é uma
estratégia para o exercício de poder,”, com isso aquele candidato que se mostrava forte e
decidido em sua propaganda, passava uma ideia de obter um punho mais forte para
administrar o município. (CAPELATO, 1996)
E além de ganhar espaço na rua, a propaganda política também tinha seu espaço no
âmbito privado, os cartazes do candidato e as bandeiras coloriam as fachadas das casas, e
além disso, a foto do candidato ganhava um local de destaque na entrada da casa, junto a
imagem dos santos de devoção e fotos de familia, fato esse que demostra ainda mais a
representatividade desses ritos do período político.
Outro fator de extrema representatividade na política seridoense, é a velha disputa
entre bicudos e Bacurais, nomenclaturas essas criadas que surgiram no cenário político
potiguar, na década de 1960, gerado pelo bipartidarismo entre o partido Arena (o bicudos
representados pelos antigo PDS e PFL, e atual democratas) e o MDB (os Bacurais hoje
representados pelo atual PMDB). E nesse contexto de disputa entre partidos acabam se
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destacando figuras icônicas que marcam a história tornando-se símbolos de seu poder
político, como se fossem a verdadeira face de seu partido, dentre esses podemos citar Aluízio
Alves, seu sobrinho ex-governador e atual senador da República, Garibaldi Alves Filho, e o
ex-senador Henrique Alves, como sendo símbolos dos Bacurais, e o ex-senador e ex-
governador Dinarte Mariz, ex-governador Tarcísio de Vasconcelos Maia, e o ex-senador José
Agripino Maia, como sendo os símbolos dos bicudos.
E a representação do símbolo de um partido também ocorre em uma escala menor
quando falamos da política municipal, e no caso da eleição do ano 2000, em Jardim do Seridó,
tínhamos além da representação do Bacurau e Bicudo, uma exaltação do caráter particular
de cada candidatado. Os dois candidatos que eram Patrício Joaquim de Medeiros Junior
(conhecido por Patrício Junior) e Manoel Paulino dos Santos Filho (Conhecido com Manoel
Paulino ou seu Manoel), usava de características de sua personalidade para promover sua
imagem política. O senhor Manoel Paulinho era conhecido por “o velho”, referência a sua
idade já avançada – inclusive um de seus slogans de campanha era “velho é o seu
preconceito” -, Já Patrício Junior era conhecido como “o doido”, isso pois o mesmo obtinha
um caráter mais simples e bem desleixado.
Outro fato que é característico e exclusivo desse período, é o uso de elemento
aleatórios como forma de propaganda, exemplificando melhor, o fato é que é bem conhecido
por todos que os símbolos dos Bacurais e bicudos, eram uma ave característica do sertão que
recebe o nome de bacurau e um inseto também característico da mesma região que tem o
mesmo nome de bicudo, mas o candidato Patrício Junior optou por ter um símbolo
diferenciado, no lugar da ave símbolo dos Bacurais, ele tomou simbolicamente a figura do
mosquito como referência a sua campanha619, então devido a isso, era comum em suas
passeatas as pessoas levarem mosquiteiros, e um fato curioso é que até hoje em alguns
postes da cidade existirem figuras de mosquitos que foram “pixadas” neste período eleitoral.
E foram esses fatos, que aliados a uma série de outros fatores, que serão citados mais
a frente, que tornaram essa campanha um marco na história de Jardim do Seridó.
619 Fato
esse que não pudemos identificar o porquê, mas que seguindo informações colhidas na pesquisa, forma
de uma conversa informal, que foi apenas um diferencial de campanha escolhido pelo candidato
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A PROPAGANDA
Como já foi citado no transcorrer deste trabalho o objetivo principal deste texto era
analisar as mais diversas formas de propaganda do período eleitoral, isso tudo motivado pelo
sentimento nostálgico, causado pelas lembranças desses períodos eleitorais.
E ao rememorar tais fatos, veio na lembrança as mais diversas formas de veiculação
de propaganda dos candidatos, que naquele período estavam presentes em todos os lugares.
Eram bonés; camisetas; adesivos; faixas; panfletos; propagandas na rádio, dentre outros, que
se manifestavam nos mais diversos lugares, nas ruas; nas casas; de forma discreta nos
comércios; em veículos nas ruas e afins.
Nesse quesito a produção da pesquisa foi essencial, pois com ela pode-se averiguar
como essas formas de propaganda persuadiam e ajudavam a incitar o voto dentre os
eleitores jardinense, pois através de uma série de perguntas feitas no decorrer da mesma
pode-se concluir o papel dessa propaganda no contexto da campanha política.
De início a pesquisa produziu uma questão, como esse material de campanha chegava
até a população? Isso só foi respondido logo depois, pois primeiro foi esclarecido a forma
com que chegava, que foi citada anteriormente, na entrevista com Geicifran, depois foi
procurado o ex-candidato Dedé que explicou como e onde era produzido esse material, pois
foi concluído que não era em Jardim, pois sua gráfica mais antiga tem 13 anos, o que é
posterior ao período. Então, o ex-candidato Dedé, afirmou que os santinhos; cartazes e
adesivos eram produzidos pela gráfica que oferecesse o menor preço, isso tudo apenas
depois que a justiça eleitoral expedisse um número de CNPJ, para o candidato para que
aquele material fosse totalmente legal segundo a mesma.
Esclarecida a dúvida foi analisado a entrevista de Geicifran, que ofereceu informações
valiosas, afirmando que o maior representante de propaganda não deixava de ser os carros
de som, que durante o período de campanha percorriam todas as ruas fazendo a propaganda
de determinados candidatos, e além disso um fato curioso e que chama atenção, são as
músicas de campanha, que por vez tinham um tom de parodia dos sucessos da época; as
vezes composições próprias de artistas populares ou em alguns casos eram reflexos de
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casos da própria campanha, que nas letras e vozes dos cantores ganhavam um tom satírico
e debochado para incitar os outros candidatos, pois qualquer coisa era motivo para uma
brincadeira ou mesmo motivo de chacota, entre os candidatos, coisas essas que são comuns
em uma política onde ocorre o bipartidarismo. Outro fator que chama atenção, eram as
presenças de artistas regionais nos comícios; músicas de campanha e carreatas, que só
enfatiza mais o caráter popular e social das eleições.
Sobre esses fatos, o entrevistado foi questionado sobre os showmícios que eram
comuns nesse período, tendo respondido que os mesmos eram feitos por artistas regionais
em pequenas participações- tendo seu falecido pai, que era sanfoneiro, participado de
algumas delas e feito algumas composições para esses candidatos-, mas no caso da política
do ano 2000, alguns tiveram mais destaque, por se apresentarem nos grandes forrós feitos
no comitês de Manoel Paulino, que nesse caso era apenas fruto da influência e de seu poder
na política jardinense, bem como de amostra de seu poder aquisitivo naquela campanha.
Além de compreender a questão da propaganda, pode-se perceber que eram os
partidos dominantes e como eles se articulavam em suas coligações. E com isso criar um
paralelo de sua política dos anos 2000 e da política atual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho foi extremamente prazeroso em ser realizado, devido a influência desse
assunto no cotidiano, não só do RN e Seridó como um todo, mas também de Jardim do Seridó.
E através do mesmo pode-se delimitar uma base de meios de comunicação de difusão
de propaganda, que ajuda a compreender melhor, a política desse período e a atual, no
quesito de como se articulavam os partidos e suas bases, e qual a influência da propaganda
sobre a política.
REFERÊNCIAS
CAPELATO, Maria helena. Propaganda política e Construção da Identidade Nacional
Coletiva. São Paulo: Revista Brasileira de História, 1996.
PESQUISA COMPLEMENTAR
Disponível em: << http://oestenews-literatura.blogspot.com.br/2009/04/capitulo-xviii.html
>> acesso em 20/05/2017, as 13:45.
Disponível em: << jotamaria-bacuraisebicudos.blogspot.com >> acesso em 22/06/2017, às
12:34
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INTRODUÇÃO
Durante a modernidade, a imprensa ocupa um espaço decisivo na formação de novos
elos nas dinâmicas sociais. Distante das metodologias historiográficas mais tradicionais, os
jornais e periódicos tem se tornado importantes fontes históricas para elaboração de
narrativas sobre temporalidades passadas. Devido a força decisiva do poder da imprensa,
alguns teóricos sociais lhe atribuíram a alcunha de Quarto poder621. Devido esse poder
político representado pela imprensa, nos últimos anos, a pesquisa historiográfica sobre a
imprensa no Brasil ainda é muito importante para formação do sujeito histórico. Um dos
pioneiros dessa análise sobre a imprensa brasileira foi Nelson Werneck Sodré que escreveu
em 1966 a História da Imprensa no Brasil. Sob a perspectiva da metodologia marxista, Sodré
analisa as transformações na escrita da imprensa brasileira associado com relações
produtivas econômicas da sociedade imperial ocorridas no terceiro quartel do século XIX.
Sodré observa que a imprensa que possuía um caráter mais engajado no ativismo
político, elaborações de pasquins e folhetins partidários foi cada vez mais se tornando uma
commodity, uma mercadoria de consumo literário. Na medida em que o sistema capitalista
se consolidava durante o segundo reinado, na qual, a pacificação da política foi algo decisivo.
A burguesia urbana recém-nascida necessitava de uma nova relação com a produção de
periódicos, que eram, anteriormente, o principal instrumento de elaboração de escárnio que
desestabilizava os governos durante a regência, foi se tornando numa forma mais lírica,
menos revolucionária, voltada para acomodação das classes sociais dominantes por meio de
escritas poéticas, literárias de cunho sentimental.
620 Possui bacharelado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2014).
Atualmente é graduanda em História (licenciatura) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
anddressafreitas@gmail.com.
621 A partir da divisão do poder tripartido de Montesquieu em legislativo, executivo e judiciário, alguns teóricos
sociais colocaram a existência de a IV esfera de poder, para alguns teóricos franceses como Benjamin Constant
essa seria a função da realeza, no entanto para alguns autores britânicos essa alcunha era para se referir à
imprensa. Cf. Schultz, Julianne. Reviving the fourth estate. Cambridge, England: Cambridge University Press.
1998, p. 49.
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A nova fase política inaugurada pelo Golpe da Maioridade foi refletida na imprensa.
Segundo Sodré, o novo contexto político e socioeconômico do Império passava por
transformações. A expansão do latifúndio, o desenvolvimento cafeeiro e uma maior
concentração de escravos forneceu condições para que o governo central se consolidasse
fortemente, aumentando suas riquezas, e sufocando qualquer tipo de revolta que pudesse
surgir. “Não havia, então, nos jornais, espaço para as letras. Estas ficavam relegadas às
revistas e jornais especializados, apenas literários e de vida efêmera quase sempre. Assim, a
imprensa política era uma, a imprensa literária era outra.” (SODRÉ, 1985, p.183).
Essa concentração de riquezas torna a Corte o principal centro difusor de uma nova
estrutura sociocultural que será irradiada e apropriada pelas demais províncias do
Império622. O novo contexto em que a sociedade brasileira está inserida traz um novo tipo de
escrita jornalística. A cisão entre jornalismo de cunho político e outro de características
literárias era bem definido. Pode-se observar que o Primeiro Reinado teve um espaço bem
delimitado com os jornais integralmente voltados à política.
Sob essa perspectiva apresentada por Sodré é possível também observa a produção
da imprensa do Rio Grande do norte. Essa província acompanha, tal como o resto do Império,
essa ruptura na escrita jornalística. A aparição do primeiro jornal literário O Recreio (1861) é
um sintoma dos novos tempos. Esse periódico influenciou o surgimento de novos jornais que
fomentaram o ambiente literário na província. Ao expor tal conjuntura da imprensa norte-rio-
grandense pretendemos traçar uma análise dos jornais, bem como do contexto político e
social da época em que foram produzidos. E, dessa forma, evidenciar as rupturas presentes
na escrita jornalística, produto das transformações econômicas e sociais que permearam o
Primeiro e Segundo Reinado.
622 SODRÉ, Nelson Werneck. A História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
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lutas políticas no Império. O confronto entre liberais e conservadores era a principal atração
dos pasquins. Os liberais, defensores da descentralização do poder, propunham a derrubada
definitiva da monarquia. Enquanto os conservadores defendiam em suas páginas a figura do
rei e sua soberania como mantedora da ordem social. A linguagem virulenta e ofensiva
parecia um meio comum de como fazer política através dos jornais. A injúria e a violência de
linguagem eram mútuas em ambos os lados.
Tal fisionomia foi traço geral, igualou os que defendiam o governo e os que
faziam oposição. Operavam com igual fúria, com a torpeza elevada ao nível de
norma, com a falsidade utilizada como instrumento de luta, com o insulto
estabelecido como meio de ação. [...] O pasquim trazia para a rua uma política
habitualmente preparada em gabinetes, introduzia o elemento popular
naquilo de que ele havia sido propositalmente excluído. (SODRÉ, 1985, p. 156
– 157).
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Cipriano Barata e Antônio Borges da Fonseca foram presos diversas vezes, fato que por si
só não impediu desses dois jornalistas continuarem publicando. Evaristo Veiga fora vítima
de um atentado em sua própria livraria por causa das suas manifestações que provocavam a
oposição.
Após o regresso o combate político nos jornais para os liberais não arrefecera.
Pernambuco, reduto dos liberais mais inflamados que defendiam a República, foi o lugar que
mais resistiu com uma forte imprensa de oposição ao regime monárquico. A imprensa
pernambucana, sempre em evidência por produzir inúmeras edições de jornais políticos, teve
um aumento de sua produtividade no período regencial, momento em que o pasquim foi
amplamente difundido. Após 1837 o pasquim entra em decadência. No entanto, figuras como
Antônio Borges da Fonseca, o padre, professor, político e parlamentar Miguel do Sacramento
Lopes Gama, Antônio Pedro de Figueiredo e José Inácio de Abreu e Lima, durante toda a
década de 1840 alimentaram publicações provocativas que vão culminar na Revolução
Praieira. Embora não fosse mais tão comum o uso desse gênero, os embates entre liberais e
conservadores nunca deixaram o pasquim morrer definitivamente, tal como evidenciado na
imprensa pernambucana. Borges da Fonseca, panfletário incansável, reconhecido por seu
polêmico jornal O Repúblico (1831), publicou diversos pasquins, com destaque para o
Nazareno, ativo de 1843 a 1845, tendo importante papel na deflagração do movimento
praieiro624. Também foram de sua autoria O Foguete (1844), O Verdadeiro Regenerador
(1844-1845), O Espelho (1845), O Verdadeiro (1845), O Eleitor (1846). De vida efêmera, muitos
não conseguiram passar de cinco edições. Foi essa pequena imprensa foi responsável pela
aproximação do povo e a política. Antes da Constituição de 1824 não houvera liberdade de
imprensa no Brasil, por isso a sociedade nunca havia acompanhado e participado da política
de modo tão ativo.
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Partido Nortista, não obedecia a uma regularidade no que diz respeito a suas publicações.
Seu primeiro número saiu em 21 de julho de 1849, associado a tensão dos momentos que
antecederam as eleições para Presidente de Província do Rio Grande do Norte. Cabe salientar
que o Partido Nortista também se utilizava de outro jornal, O Nortista, que é citado inúmeras
vezes nas publicações da oposição, no entanto não foi possível localizar estas edições para
incluir na pesquisa. De autoria anônima, O Brado Natalense tinha como único intuito
combater os partidários liberais, que por sua vez também tinham o seu jornal, intitulado O
Sulista, que teve seu primeiro número lançado no dia 12 de julho de 1849. Assim como o
pasquim do partido conservador, esse jornal também não tinha uma regularidade em suas
publicações, era distribuído gratuitamente, tratava unicamente de política, e utilizava seu
espaço para fazer denúncias e se defender de acusações da oposição. Um dos seus autores,
José Carlos Wanderley, era o alvo central dos ataques e denúncias d’O Brado Natalense.
O embate entre os dois jornais se dá devido ao cargo que Wanderley ocupava na
época. Ele foi o presidente da Assembleia Legislativa da província do Rio Grande do Norte,
que no caso da vacância da presidência do chefe de província, ele assumiu diversas vezes o
comando da localidade, entre 1848 e 1850, assumindo o comando da presidência durante
curtos períodos nesse espaço de tempo. Além desses cargos ele havia ocupado a função de
Secretário no Governo Imperial (1836 – 1848), atuou também como deputado provincial em
várias legislaturas, foi deputado geral (1850-1852), Diretor da Inspeção Pública (1845 – 1848)
e Inspetor do Tesouro Nacional (1857 – 1862)625. Ficou bastante conhecido na época por
escrever para diversos jornais. Foi responsável pelo primeiro jornal de Açu, O Açuense de
1867, e que posteriormente se transformou no Correio de Açu de 1873. Foi chefe do Partido
Liberal durante muitos anos, mas já no final do século XIX muda de posição e adere ao
Partido Conservador.
O recorte que abrange o período dos jornais analisados compreende o contexto das
eleições para Presidente de Província. O Brado Natalense surge em 21 de julho de 1849,
pouco antes da realização das eleições que ocorreriam em 5 de agosto. Em seu prólogo é
informado os objetivos gerais do periódico.
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Essa publicação d’O Brado Natalense provavelmente tenha sido motivada por uma
notícia publicada no Diário de Pernambuco sobre a situação política do Rio Grande do Norte,
que tentava persuadir os dois partidos existentes na província a sacrificarem suas rivalidades
em prol do bem da província, pois o jornal O Sulista, jornal redigido pelo grupo liberal cita,
impresso na tipografia de J. A. G. de Magalhães, no Maranhão, em sua edição de 5 de agosto
de 1849, essa publicação do folhetim pernambucano, afirmando, em resposta a notícia, que
não haveria hora melhor para tal união, pois a frente da administração estava o presidente
Benevenuto Augusto Magalhães Taques que tratava de forma equânime os membros de
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ambos os lados do espectro politico. No entanto, responde que o partido Sulista jamais se
aliaria com os nortistas, chamando-os de facção sem princípios e que por meio de seu jornal
espalhavam calúnias contra os liberais e contra o presidente da província.
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O jornal ainda denuncia que o uso da violência já tinha sido expediente do partido
Sulista em outras eleições. Assim, para justificar esse ponto, o folhetim relembra um caso
de um duplo homicídio ocorrido na porta da Igreja Matriz do Assú cometido pelos parentes
de João Carlos Wanderley na administração de Manoel Assis Mascarenhas. O ocorrido ficou
gravado na memória como Fogo de 40, quando numa eleição para juiz de paz e vereadores,
os grupos Nortistas e Sulistas entraram em confronto, no qual os irmãos José e Francisco
Varela Barca saíram mortos. Os Sulistas são um pouco mais prudentes ao falarem sobre o
presidente da província, nas edições do jornal analisadas, não é encontrada nenhuma crítica
à administração provincial, a única exceção se dá quando da anulação da eleição ocorrida na
vila de Touros, quando o presidente decidiu realizar uma nova votação, pois havia suspeitas
de fraude, criticando a postura do presidente, indagando se o mesmo teria direito por lei para
avaliar a validade de eleições. No entanto, na maioria dos textos, o presidente de província é
mencionado de forma elogiosa, exaltando sua neutralidade e tratamento imparcial diante
dos conflitos entre os dois partidos, enfatizando seu total desinteresse em se envolver com
as questões eleitorais.
Na edição de 5 de agosto de 1849 d’O Sulista o tema das eleições é abordado, trazendo
em seu início a informação sobre as eleições para deputado da Assembleia Geral e para
deputados provinciais que ocorreriam no dia 5 de setembro. Recordando que o candidato
pelo partido Sulista seria o Dr. Casimiro José de Morais Sarmento, elencando as qualidades
que o faria apto para ser eleito como representante da província do Rio Grande do Norte na
Assembleia Geral. Elenca logo após os nomes dos 20 candidatos do partido que iriam
concorrer a vagas de deputados provinciais626.
Na edição do mesmo jornal do dia 15 de agosto de 1849 são publicadas algumas
informações sobre as eleições provinciais ocorridas no dia 5 de agosto. Comunica que em
Natal a mesa era presidida pelo juiz de paz Loyola Barros Francisco Carrilho e mais dois
suplentes Nortistas e que houve um princípio de barulho ocasionado por um Nortista por
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nome de José Lucas. Segundo o jornal das 300 cédulas, 220 eram do sul. No dia 7, na
apuração, se verificou que os Sulistas tinham realmente conquistado a maioria, sem, no
entanto, trazer a informação sobre a quantidade de votos conquistados627. Em Extremoz,
como a maioria dos votos eram dos Sulistas, os Nortistas investiram contra a Matriz
armados, o presidente da mesa Francisco Pereira de Brito se viu obrigado a suspender os
trabalhos por certo tempo. O chefe de polícia, junto com 20 praças, partiu para lá com o
objetivo de manter a ordem durante a realização das eleições. A vitória também em São José,
Papari, Goianinha e Arez628.
O Sulista, por outro lado, evidencia a violência com que tem sido alvo constante. E
culpa o fato do adiamento das eleições na Cidade da Imperatriz do dia 5, para o dia 27 de
agosto, culpa do partido Nortista, que por conta da sua violência havia desencadeado
mudança no dia das eleições.
Informa que em muitos lugares não havia um único soldado, o que tornaria impossível
aos Nortistas dizerem que houve uso da força durante as eleições para favorecer o partido
Sulista, já que essa é uma das acusações encontradas nas publicações dos conservadores629.
Já no editorial d`O Brado Natalense, em sua edição de 21 de agosto de 1849, o nortista
começa se vangloriando de que vencerá a região controlada pelos sulistas, partido maior,
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através da virtude moral. Os sulistas são acusados de crimes e escândalos. Exorta a unidade
com os demais saquaremas das demais províncias630.
Mesmo com crítica ao sistema eleitoral, os nortistas venceram em muitas regiões,
superando as urnas que teriam “sido viciadas as qualificações”, as quais seriam controladas
por sulistas do sertão e do agreste. “No Porto Alegre, cidade de Imperatriz (Martins), Apodi,
Angicos, Campo Grande, Moçoró, e Assú, onde mora a família desse Wanderley molambo
catuca a vitória foi nossa; e Ella não há de parar abiç hade estender-se à alguns lugares mais
que esperamos noticias.631” Ainda nessa edição o jornal menciona Dr. Amaro Carneiro
Bezerra Cavalcante como importante aliado político da cidade de Imperatriz (Martins). E traz
acusações contra o subdelegado Caldas, o 2º juiz de paz Hirenêo e seu sogro Guará. O jornal
se refere ao João Carlos Wanderley, importante líder dos sulistas, como:
[...] homem sem família, sem prestigio de antepassados, sem virtudes, sem
fortuna e sem ilustração verdadeira cavalheiro de aventura, foi tirado do nada,
e feito uma grande coisa pelo partido sulista, que recebe suas ordens
despóticas com a humildade imprópria de homens livres que são, e
principalmente, de muitos, que são mais capazes do que ele para dirigi-los632
(O BRADO NATALENSE, p.3, nº 5, 21 de agosto de 1849).
Aliás as acusações dominam boa parte das páginas dessas publicações, além da
mencionada acima, encontrada no jornal nortista, o folhetim liberal também trazia forte
denúncias contra membros do partido saquarema. Como afirma Tavares de Lyra (2012) esses
periódicos visavam unicamente à defesa ou combate das candidaturas à Câmara ou Senado.
Entre elas está o relato, na edição de 05 de agosto de 1849, no qual o juiz de direito da
comarca da Maioridade (hoje Martins) João Valentim Dantas Pinajé havia registrado num
ofício enviado a presidência da província em 13 de agosto de 1846, no qual narrava a
amotinação na frente do tribunal do júri, perpetrada pelo capitão Antônio Borges de Andrade,
Manoel Gonçalves Glória e João Chrisostomo Bezerra Cavalcante, tendo ao seu favor os
advogados Francisco Xavier de Menezes, Antônio Jacome de Araújo e o bacharel Fernando
Theofilo Rufino Bezerra de Menezes, bem como o comandante do destacamento daquela vila
Manoel Onofre, o qual, quando procurado pelo delegado José Joaquim de Queiroz e Sá para
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por fim a desordem, não foi achado. Ao final da apresentação dos ofícios o jornal traz a
informação que o mesmo juiz que denunciara essa amotinação era correligionário dos
mesmos sediciosos633.
É na seção intitulada de “Correspondência”, do jornal O Sulista, destinada à
participação dos leitores do jornal, na qual os mesmos podem se manifestar de forma
anônima, que as críticas são mais duras. Em uma delas, se dirigindo ao redator da publicação,
narra um caso de um assassinato ocorrido em Goianinha pelas mãos do reverendo local o
padre Manoel Ferreira Borges, ajudado por tal Jacú, no qual, após o recurso interposto pelo
padre, o juiz de direito José Vieira Rodrigues de Carvalho tornou o crime afiançável,
estendendo esse recurso à Jacú. A pergunta do leitor versava se essa extensão do recurso
ao outro participante do crime que não tinha entrado com nenhum recurso era permitida. O
redator responde que o juiz não poderia ter procedido dessa maneira, e que assim o fez para
agradar seus companheiros o padre Borges, Gualdino, Villar, Firmino e outros para comprar
seus votos, já que o mesmo juiz concorreria ao cargo de deputado geral 634.
Em outra, na edição de 9 de agosto de 1849, um anônimo leitor sai em defesa do
advogado Bernardo Eugênio Peixoto que estava sendo perseguido por Amaro Carneiro
Bezerra Cavalcante, juiz municipal e delegado da Maioridade, visto que o citado advogado
detinha um saber jurídico superior ao magistrado635. E no jornal publicado em 15 de agosto
de 1849 sai em defesa do Dr. Casimiro José de Morais Sarmento das acusações feitas por
Bonifácio Francisco Pinheiro da Câmara e José Alexandre Seabra de Melo, apontando os
crimes que cada um dos dois teriam cometido ao longo de suas vida636. O primeiro foi
deputado provincial e presidente de província.
Em alguns momentos o jornal também pode servir como resposta a essas acusações,
aproveitando para dar alfinetadas nos membros do partido Nortista. Na edição de 9 de
agosto de 1849 pede para que se mostrem provas das acusações publicadas pelo jornal
saquarema como o tiro de pistola que Manuel Ferreira e uma emboscada feita pelos filhos
de Manuel de Castro a um escravo. Segundo o jornal, essas calúnias estariam surgindo pelas
magras posições oficiais que o partido Nortista vinha ocupando na administração provincial,
rebatendo que essas calúnias somente algum nortista como o juiz municipal do termo da vila
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do príncipe (atual Caicó) Leocádio Cabral Raposo da Câmara ou um Octaviano Cabral Raposo
da Câmara seriam capazes de tais feitos637. O primeiro foi juiz e deputado provincial por uma
legislatura, o segundo foi deputado provincial em seis legislaturas e por duas vezes assumiu
a presidência da província, eles, junto com seu irmão Jerônimo Cabral Raposo da Câmara
exercerão forte influência no partido Nortista, ficando conhecidos como o grupo dos Cabrais.
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muito longa, houveram 25 publicações de março a dezembro de 1861 638. A tipografia Dous
de Dezembro, pertencente ao Partido Conservador, era a responsável pela publicação e
distribuição do jornal. A publicação de poemas, crônicas, charadas e enigmas evidenciam uma
preocupação com temas relacionado ao mundo das letras. Além disso, a característica
recreativa também era um dos seus diferenciais. Em algumas de suas publicações foram
publicados, em uma seção intitulada “Recordações de viagem”, relatos que foram veiculados
ao longo de alguns números. Esses relatos eram de viajantes que deixavam registrado no
jornal suas impressões dos locais que em que passavam.
A villa do Principe não há duvida que é hoje uma das melhores do sertão; e
apesar de ser o seu solo nimiamente arido, todavia alli não faltam recursos
porque os seus habitantes empregam todos os seus esforços afim de lhes
serem menos dificeis e penosos os meios de subsistencia. (O RECREIO,
Recordações de Viagem”, p. 2, nº15, 29 de setembro de 1861)
Em uma das publicações fica evidente a frustração de que na província reina um certo
marasmo intelectual. Raríssimas eram as manifestações literárias no inicio da segunda
metade do século XIX. A seção d’O Recreio, Chronica Semanal, trata especialmente desse
fato: “Reina em nossa Capital uma semsaboria já insuportável! Não há divertimentos, nem
distrações, com que possamos nos arredar de nós a pesada melancolia que nos acompanha
em todos os tempos e em todas as partes.” (O RECREIO, p. 2, nº13, 13 de setembro de 1861).
Em seguida, argumenta que nem o memorável dia 7 de Setembro é comemorado, e como
ferramenta de distração, introduz a crônica Desejo Ser Venturoso. A crônica, escrita por
Jesuíno Rodolfo do Rêgo Monteiro é precedida dos seguintes dizeres: “A pouca ou nenhuma
importancia dos factos que aqui se dão, leva-nos a occupar a attenção do leitor com um conto
interessante sob o titulo: Desejo Ser Venturoso.” (O RECREIO, p.2, nº13, 13 de setembro de
1861). É evidente que a o caráter pacato da cidade levou o autor a elaborar um mecanismo de
distração, se utilizando da crônica ele possibilita que o leitor possa sair do desânimo e buscar
alguma finalidade recreativa através da literatura.
638 SILVA, Maiara Juliana Gonçalves. Literatura e Província: o universo literário da cidade do Natal (1961 – 1889).
In: Quipus: Revista Científica das Escolas de Comunição e Artes e Educação. Ano 3, n, 1 dez. 20013/maio.2014.
pp. 99 – 116.
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Entre os seus autores estavam João Manuel de Carvalho, Francisco Otílio, Pedro J. de
Alcântara Deão, Jesuíno Rodolfo do Rêgo Monteiro, Isabel Urbano Albuquerque Gondim e
Lourival Açucena639, personagens que contribuíram nos primórdios da literatura potiguar,
em especial Açucena, que ganhou notoriedade e já foi citado como responsável pelo
surgimento da literatura na província.
No século XXI, a produção do crítico literário Tarcísio dos Santos Gurgel foi
inclusa na historiografia literária norte-rio-grandense. No capítulo Província:
uma flor no sobrenome, na obra Informações da literatura potiguar, Tarcísio
Gurgel apresenta Lourival Açucena como “poeta inaugural” e o surgimento
da Literatura no Rio Grande do Norte a partir da segunda metade do século
XIX, de modo ainda tímido. Segundo o autor, em meio ao cotidiano pasmaceiro
e lento da Província, “tornou-se famoso, encontrando acolhedora admiração,
quando do surgimento do pioneiro jornalzinho, um poeta chamado Lourival
Açucena” (GURGEL, 2001, p.12). O “jornalzinho” mencionado pelo autor
corresponde ao periódico O Recreio. De acordo com Gurgel, a fama de Lourival
passou a declinar no final do oitocentos, articulando o seu desaparecimento
tal como a queda da Província. A importância do poeta provincial é atribuída
por Gurgel no que respeita ao seu “pioneirismo no cenário lírico de Natal”.
(SILVA, 2013, p. 104).
Toda essa movimentação inicial que estava começando a reunir homens e mulheres
do universo das letras, era algo inédito, embora alguns autores como Câmara Cascudo640
tenha tentado articular a ideia de uma primeira incursão ao mundo literário com os jornais O
Natalense (1832) e O Estudante (1860), ele aponta O Recreio como fundador principal do
movimento literário, responsável por influenciar o aparecimento de outros jornais do gênero.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da metodologia marxista, utilizada por Nelson Werneck Sodré, é possível
analisar as mudanças ocorridas na escrita jornalística ao longo do século XIX, momento em
que a imprensa se estabelece de forma mais abrangente no Brasil. O caráter artesanal,
combativo e militante dos primeiros jornais do Primeiro Reinado, refletem as tensões
políticas do momento. Os embates que haviam ocorrido no Período Regencial entre
conservadores e liberais fomentaram a maior parte das produções conhecidas como
pasquins, cuja linguagem virulenta, sempre associada a uma figura política, foi marca dessas
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publicações. A ruptura com esse padrão de escrita se deu na metade do século XIX. Sodré
observa que a partir desse ponto a “grande imprensa” de caráter puramente comercial vai
surgir, conjuntamente a isso o autor analisa que a expansão do latifúndio e o grande
desenvolvimento agrícola gerou a ascensão de novos personagens, com diferentes anseios
e interesses. A política deixa de ser prioridade nas publicações jornalísticas, diversificando a
escrita, e a literatura passa a ganhar um novo espaço.
Esse cenário, embora não citado por Sodré, ocorre na província do Rio Grande do
Norte, onde, de forma tardia, toda essa conjuntura por ele analisada foi aplicada. Os ataques
d’O Brado Natalense à figura do João Carlos Wanderley, associado ao jornal O Sulista, é uma
típica representação dos embates polítcos entre liberais e conservadores. A violência de
linguagem, e o uso de epítetos para denegrir a imagem de figuras políticas é marca comum
entre essas publicações. No caso do periódico O Recreio, observa-se uma profunda mudança
na escrita jornalística. A literatura se torna o tipo de publicação mais comum entre os jornais,
e O Recreio marca esse momento como o primeiro jornal do Rio Grande do Norte a ter esse
tipo de direcionamento, passando a influenciar as futuras publicações da província. Ambos
os jornais refletem a forma como a sociedade se estruturava, seus interesses e anseios são
transmitidos na linguagem jornalística de seu tempo. O caso dos jornais da província do Rio
Grande do Norte exemplificam essa ruptura na linguagem jornalística. Embora esses jornais
não façam parte da análise de Sodré, eles pertencem ao contexto das mudanças que se
deram nesse período, e possibilitam o entendimento da mudança das mentalidades que foi
estabelecida em meados do século XIX.
FONTES
O BRADO NATALENSE. Distribuído em Açu. Typografia Amer, Ceará, nº1, 21 jul. 1849.
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REFERÊNCIAS
MOREL, Marco. O Período das Regências (1831 – 1840). Rio de Janeiro: Zahar. 2003.
NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. O Império do Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999.
SCHULTZ, Julianne. Reviving the fourth estate. Cambridge, England: Cambridge University
Press. 1998, p. 49
SODRÉ, Nelson Werneck. A História da Imprensa no Brasil. 2ªed. São Paulo: Martins
Fontes, 1983.
WANDERLEY, João Carlos. In: Período Imperial – Presidentes de Província. Fundação José
Augusto. Natal. Disponível em online em:
<http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/secretaria_extraordinaria_de_cultura/DOC/DOC0000000
00108621.PDF>
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Após um longo período atuando como deputado federal, Juvenal Lamartine assumiu
o governo do Rio Grande do Norte entre os anos de 1928 e 1930. Em outubro do seu primeiro
ano de administração, Lamartine realizou a fala que os governadores precisavam dirigir
anualmente à Assembleia Legislativa do estado. Decidiu iniciá-la definindo a “Política
Moderna” - a sua maneira de fazer política. Uma administração eficiente deveria, segundo o
governador, basear-se no “desenvolvimento da produção, dos transportes e do crédito,
semeando a terra, educando o povo, garantindo o trabalho [...]”643. Lamartine constrói a
imagem de um governador esclarecido, promotor do progresso material e intelectual do
Estado. Essa imagem é observada não apenas nessa mensagem, mas também na fala de
intelectuais e publicações em jornais e revistas do período.
Lamartine era natural da cidade de Serra Negra do Norte, filho e genro de líderes
políticos da região. Foi eleito vice-governador em 1903, mas renunciou ao cargo no ano
seguinte para concorrer a uma vaga como deputado federal, que conquistou em 1905,
conseguido reeleições sucessivas até 1926. No ano de 1927 foi eleito senador e, mais tarde
no mesmo ano, para suceder José Augusto no governo do Estado. Tanto Augusto como
Lamartine eram membros do Partido Republicano do Rio Grande do Norte, como foram todos
os governadores desse estado durante a Primeira República, no entanto, seus mandatos
sucessivos representam a consolidação do poder nas mãos de uma nova facção, a do Seridó,
ligada aos interesses da pecuária e do algodão644.
É importante considerar que Juvenal Lamartine não marca uma ruptura profunda em
relação à ação dos governadores que o precederam. Do ponto de vista da modernização do
641 Graduando do curso de História na UFRN. Bolsista de Iniciação Científica CNPq e membro do Grupo de
Pesquisa “Os espaços na Modernidade”. Email: gabrielbso12@gmail.com
642 Doutor em História Social pela USP (2001) e professor vinculado ao Departamento de História da UFRN
e do Programa de Pós-Graduação em História UFRN.
643 FARIA, Juvenal Lamartine. Mensagem apresentada pelo presidente do Estado do Rio Grande do Norte
à Assembleia Legislativa e lida na abertura da primeira sessão da 14ª Legislatura, em 1º de Outubro de 1928.
Natal: Imprensa Oficial do Estado, 1928. p. 4
644 SPINELLI, José Antonio. Coronéis e oligarquias no Rio Grande do Norte: (Primeira República) e outros
estudos. Natal: EDUFRN, 2010. p. 56
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645 ARRAIS, Raimundo. Introdução. In: DANTAS, Manoel. Coisas da terra. [no prelo]
646 FARIA, Juvenal Lamartine. Op. cit. p. 5, 8-10, 15-20, 61.
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647 ARRAIS, Raimundo. Traversées et permanences françaises: les pilotes et les avions de la Compagnie
Générale Aéropostale dans la ville de Natal (Brésil) avant la Seconde Guerre Mondiale). In: Guy Martinière et
Éric Monteiro. (Org.). Les Échanges culturels internationaux: France, Brésil, Canada-Québec. Paris: Les Indes
savantes, 2013.
648 VIVEIROS, Paulo. História da Aviação no Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2008. p. 28
649 Ibid. p. 29
650 ARRAIS, Raimundo. Traversées et permanences françaises… p. 296-298.
651 FARIA, Juvenal Lamartine. Op. cit., p. 61
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uma linha marítima que ia até os portos da Europa)652, Natal estava muito longe da
importância de uma capital do porte do Recife. Até então os dirigentes norte-rio-grandenses
tentavam fazer a cidade alcançar essa proeminência pelos meios nos quais os outros
Estados já levavam vantagem. A aviação, por sua vez, representava uma oportunidade
inteiramente nova para que a cidade realizasse sua inserção no cenário internacional se
estabelecendo com primeira parada das linhas aéreas na América do Sul, a partir das
vantagens geográficas que oferecia, como a proximidade dos continentes europeu e africano.
Essa foi a justificativa utilizada por Juvenal Lamartine para o investimento público na
aviação, como por exemplo, a concessão do terreno que foi utilizado para a construção do
Aeroclube e do campo de aterrissagem:
Ao relatar uma viagem aérea feita pelo Estado num avião da Compagnie Genérale
Aéropostale, a convite da própria empresa, o governador sugere que a vista do alto das
propriedades agrícolas do território norte-rio-grandense o fez reavaliar suas posições sobre
as políticas agrícolas:
Em recente viagem que fiz ao interior deste Estado, por via aerea, certifiquei-
me que não é possivel desenvolver a nossa produção agricola emquanto
permanecer o actual systema de criar. Voando a mais de mil metros de altura,
observei milhares de pequenas areas cercadas para a plantação, a maioria
das quaes são abandonadas no segundo e terceiro anno de trabalho, sem ter
deixado margem alguma de lucros ao plantador [...]654
652 LLOYD Brasileiro. A Republica, Natal, 28 jan. 1907. p. 2.; LINHA Norte Brasil-Norte da Europa. A
Republica. Natal, 18 jul. 1921. p. 1
653 FARIA, Juvenal Lamartine. Op. cit., p. 60
654 Id., p. 6
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intelectuais, Juvenal Lamartine dava mais uma demonstração de que o governante moderno
se orienta por ideais vigorosos [...] promovendo uma renovação”658.
Os elogios não se limitavam apenas à figura pessoal de Juvenal Lamartine, mas
também às reformas administrativas de seu governo. Cascudo também escreveu uma
crônica sobre a então recém-fundada Diretoria de Estatística, com o objetivo explícito de
divulgar o trabalho ali realizado para o melhor conhecimento das pessoas:
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Essa fotografia foi publicada na revista Cigarra, em uma matéria que enaltecia o
desenvolvimento da aviação no interior do Rio Grande do Norte e em outros estados da
União. Essa revista circulou na cidade de Natal no período que coincide com o da
administração de Juvenal Lamartine, entre os anos de 1928 e 1930. Suas páginas exaltam as
transformações urbanas e nos costumes vivenciadas na capital do estado sob o impacto das
medidas modernizantes observados no período. Seus editores procuravam exprimir essas
ideias tanto no conteúdo da revista, quanto em sua proposta gráfica, repleta de fotografias
e ilustrações que incorporavam a estética do movimento modernista nas artes. Esse ponto
pode ser percebido na análise da capa da primeira edição da revista661:
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Esse texto tem seu título retirado da expressão em latim que Jesus Cristo teria dito
para um pobre paralítico: “Surge et ambula” (Ergue-te e caminha). Foi escrito por Edgar
Barbosa, que atuou como secretário da revista. Nessa mesma revista também trabalhou,
como diretor, Adherbal de França. Ambos estavam ligados ao jornal do Partido Republicano,
A Republica: Barbosa, publicando textos ocasionalmente; e França, atuando como secretário
do jornal durante o mesmo período em que foi diretor da revista.
Quando a primeira edição estava para ser publicada, A Republica realizou um concurso
entre os leitores para que decidissem o nome que ela receberia, no qual os leitores do jornal
poderiam submeter suas sugestões por meio de um cupom impresso numa das páginas.
Posteriormente também publicou o ranking da votação.664 A apuração do resultado foi
realizada numa cerimônia que “se revestiu de simplicidade”, na qual Juvenal Lamartine
compareceu presencialmente, como também fizeram “muitas familias e cavalheiros”665. Na
coluna ao lado da que anunciava o resultado, o leitor daquela edição do jornal encontrava um
poema de título “Cigarra Humana”, assinado por Palmyra Wanderley. Na página seguinte,
Adherbal França assinou sob o pseudônimo de “Danilo” a coluna “Vida Social”, comentando
elogiosamente o nome escolhido.
Apesar de não haver evidências de que Juvenal Lamartine estivesse ligado
diretamente à revista Cigarra, essas conexões sugerem que essa publicação se relaciona
com uma das iniciativas empregadas em sua administração: a reforma da imprensa. Essa
reforma foi realizada ainda em seu primeiro ano de governo e foi defendida da seguinte forma
na mensagem ao congresso estadual:
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início o uso de manchetes para chamar a atenção do leitor; e as imagens se fazem cada vez
mais presentes, tanto nos anúncios quanto nas matérias mais importantes da primeira
página.
Ainda assim, com várias reformas e ampla divulgação, revestida com ares de novidade,
fica claro, na fala do governador, que a “Política Moderna” tinha um fundo reacionário. Nas
suas próprias palavras, era uma política feita em reação às “graves perturbações” que
ameaçavam a “comunhão e a ordem social”. A promoção do bem estar seria feita segundo o
caminho que ele mesmo apontava, e não por aqueles “pregados por agitadores ignorantes
dos processos de evolução, ou por exploradores das classes mais desfavorecidas”671.
Quem seriam esses agitadores e exploradores aos quais Lamartine se referia? Por
mais que o poder político tenha mudado de mãos, da oligarquia Maranhão para o grupo do
Seridó, essa transição se deu sem rupturas e dentro de um grupo com uma visão de mundo
relativamente homogênea672. A modernidade, tão exaltada por Lamartine e seu grupo de
intelectuais, também se manifestava numa sociedade cada vez mais complexa, com mais
espaço para o aparecimento de grupos de oposição. Um primeiro núcleo de oposição foi
formado por jovens de classe média articulados com o movimento operário, sob a liderança
de João Café Filho. Outro núcleo consistiu numa dissidência dentro do grupo hegemônico,
com um novo grupo político necessitando de mais espaço dentro daquele regime para poder
ascender. Esses grupos estiveram aliados no contexto da Revolução de 1930, que acabou
depondo todos os governadores. Foi nesse conflito entre “modernos”, previsto desde a
abertura de sua primeira fala, que o projeto de Lamartine que teve seu fim.
REFERÊNCIAS
ARRAIS, Raimundo. Estudo Introdutório. In: CASCUDO, Luís da Câmara. Crônicas de Origem:
a cidade de Natal nas crônicas cascudianas dos anos 20. Natal: EDUFRN, 2005.
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto; EDUSP, 1988.
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VIVEIROS, Paulo. História da Aviação no Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2008.
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INTRODUÇÃO
O período que compreende o final do século XIX e início do XX é arraigado por
movimentações no corpo social, transformações na economia e implantação do regime
republicano no Brasil. Nesse processo de mudanças um dos veículos que se instala como
difusor dos ideários prevalecentes no período é o jornal. Diante disso, o crescimento das
cidades iria propiciar uma miscelânea de notícias que fomentariam o caráter confluente de
uma sociedade em ebulição. Problemas sociais tornaram-se recorrentes nesse momento, ao
lado da ineficiência do governo central em lidar com o alarmante número de conflitos
internos que se proliferavam nos estados do Norte, e as disputas políticas recorrentes nos
estados do Sul e Sudeste do país.
Nesse cenário, a imprensa vai se firmando como agente motriz na propagação de
notícias que iriam contribuir na massificação de estereótipos sobre determinadas classes
sociais, bem como auxiliar na propagação de enunciados sobre ordem e moral que
adentrariam ao imagético citadino. Destarte, o jornal se coloca como guardião das tradições,
disseminador da lei e da discrição. Com isso, o aumento das cidades coloca um novo problema
a ser combatido: a criminalidade.
O final do século XIX testemunha um crescimento exponencial do crime, correlato a
isso, temos problemas sociais que se formularam depois da abolição da escravidão, ocorrida
em 1888. Muitos cronistas policiais atribuíam aos negros674, recém libertos, a razão do
crescimento da desordem e caos nos grandes centros, como é o caso de cidades como Rio de
673 Graduado em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Atualmente é mestrando
do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte e bolsista do Programa de Demanda Social da CAPES.
674 Ressaltamos, como expõe a historiadora Martha Abreu, que as categorias de cor e raça são criações
historicamente datadas. A autora nos faz lembrar que a denominação “negro/os”, é geralmente utilizada para
designar os segmentos não-brancos. Diante disso, nesse texto, utilizamos a palavra no mesmo sentido. Ver:
ABREU, Martha. Crianças negras e crianças problemas no pensamento de Nina Rodrigues e Arthur Ramos. In:
RIZZINI, I. (Org.). Crianças desvalidas, indígenas e negras no Brasil: cenas da Colônia, do Império e da República.
Rio de Janeiro: EDUSU, 2000.
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Janeiro e São Paulo675. O estereótipo do negro com uma natureza cruel é bastante comum
nesse período. Muitos jornalistas viam os negros e mestiços como desalmados e
desordeiros, designações comuns no período da escravidão. “Para os ex-senhores e atuais
patrões dos negros a criminalidade dos libertos seria explicada pelos ‘vícios’ adquiridos com
a escravidão”676. Nesse sentido, os negros traziam consigo a herança do escravismo, a qual
os faria cometer várias ações criminosas que enchiam os noticiários, revelando o tipo de
indivíduo que deveria ser combatido.
No caso do Norte do país, o início do século XX traria novos sujeitos para os
noticiários, temos como exemplo os flagelados das secas, recorrentes nessa região, bem
como o banditismo no sertão, sendo o cangaço seu maior difusor. É nesse cenário que os
pequenos jornais iriam proliferar notícias sobre estes indivíduos criando diversas caricaturas
imagéticas sobre eles, expandindo o medo e o temor nos centros urbanos em
desenvolvimento e nas pequenas cidades que faziam fronteira com estes. Baseando-se nisso,
voltaremos nosso olhar para a cidade de Mossoró/RN tomando como fonte principal as
narrativas dos jornais locais, visando entender a dinâmica citadina e a relação desta com os
crimes.
675 FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano. A criminalidade em São Paulo (1880 – 1924). 2ª. ed. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2001
676 OTTONI, Ana Vasconcelos; SANT’ANNA, Marilene Antunes. O crime no Brasil através dos “cronistas
policiais” da imprensa. In: Os crimes e a história do Brasil: abordagens possíveis. Gian Carlo (Org.). Maceió:
EDUFAL, 2015, p. 313
677 HOBSBAWM, Eric. As regras da violência. In: Pessoas Extraordinárias: resistência, rebelião e jazz. Eric
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mundo e isso deveu-se a lenta evolução de ordem cultural que aquela sociedade vivenciou
durante séculos. Muchembled, discorre que houve uma
Como o autor aponta, não foi um processo lento, ao contrário, levou séculos para que
houvesse um remodelamento nos comportamentos individuais, levando os indivíduos a
modificarem suas relações e com isso, a diminuição das mortes violentas passou a ser uma
realidade. Nesse viés, podemos tomar Nobert Elias como referência para se pensar às
mudanças comportamentais ocorridas na Europa no processo de longa duração onde teve
os costumes como lócus principal para tal ocorrência. Elias, é conhecido comumente pelo
seu modelo de abordagem que pensa às mudanças de costume na Europa conhecido como
processo civilizador679. Esse modelo revela que durante vários séculos houve modificações
na estrutura da sociedade, mudanças psicológicas que se materializaram em novos modos
de comportamento. Essa metamorfose, sofrida pela Europa trouxe consigo uma diminuição
dos impulsos para uma racionalização do modo de se viver em sociedade.
No caso do Brasil, segundo, Deivy Carneiro, aplicar a teoria elisiana para se estudar a
violência e entender seu funcionamento é extremamente complicado devido a fatores que
vão desde à má conservação de documentos, como é o caso dos processos criminais 680,
assim como o vasto território que impede abordagens macro-históricas. Todavia, o autor
salienta para a necessidade de estudos que fomentem uma preocupação maior em se
entender a violência por parte de pesquisadores, segundo ele,
678 MUCHEMBLED, Robert. História da violência: do fim da Idade Média aos nossos dias. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2012, p. 9
679 ELIAS, Nobert. O processo civilizador: a formação do estado e civilização. Vol 2. São Paulo: Zahar, 1994
680 Em um artigo singular, Marcos Bretas e André Rosemberg, apontam para o descaso com os arquivos
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Nesse contexto, devemos tomar algumas fontes que possibilitem entender a relação
entre o crime/violência e a sociedade. Segundo, Pesavento, há um manancial fértil de fontes
a serem desbravadas pelos historiadores do crime. Para ela, três caminhos podem ser
seguidos no que concerne as fontes: o jornal, que estetiza o fato, reorganiza a narrativa,
encadeia o enredo, exprime um juízo de valor; a documentação policial, que indica o ambiente
da ocorrência do fato, se o mesmo foi registrado na delegacia por denúncia ou flagrante, dá
conta das queixas e expõe os diferentes depoimentos das vítimas, agressores ou
testemunhas; e, por último, o processo judicial, que ao lado da documentação policial faz
parte de uma teia de informações que são produzidas pela justiça criminal, no processo
judicial temos como principal contribuição a possibilidade de cruzar este caminho com os
outros já abertos. Nesse caso, os depoimentos são mais longos, há múltiplas versões para
um mesmo fato, e é possível acompanhar também, mais de perto, a intervenção direta da
justiça, com suas razões e fundamentações teóricas682.
Baseados no leque descrito por Pesavento temos um almanaque a ser pesquisa.
Todavia, como podemos denominar o crime? Segundo o historiador francês Dominique
Kalifa, o crime é um acontecimento histórico popular683. Suas implicações estão além do
momento em que este ocorreu, ao contrário, muitos crimes e criminosos ficaram registrados
nos anais da história684. Sendo assim, nosso olhar deve repousar atentamente sobre as
681 CARNEIRO, Deivy Ferreira. Apontamentos para uma História Elisiana da violência no Brasil. In: Célia Nonata
Silva; Francisco Linhares Fonteles Neto. (Org.). Discere criminum: crime, violência e poder – uma abordagem
nacional. 1 ed. Maceió: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2017.
682 PESAVENTO, Sandra. Crime, violência e sociabilidades urbanas. In: Nuevo Mundo Mundos Nuevos, N.4. 2005,
p. 26
683 KALIFA, Dominique. História, crime e cultura de massa. In: Topoi, Rio de Janeira, vol.13, n.25, jul/dez. 2012,
p.187
684 Como exemplo de crimes que abalaram seu tempo e resistiram ao esquecimento, temos o caso do
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fontes que se alastram sobre os crimes, visando desnudar não apenas o ocorrido, mas
entender os personagens da história, quando possível, e perceber as entradas que tais
acontecimentos têm na sociedade e a influência que esses exercem sobre essa.
O final do século XIX iria testemunhar a gênese da Criminologia, a qual voltava-se a
estudar o criminoso. Essa “ciência”, rapidamente entrou no espaço acadêmico e se tornou
conhecida e utilizada pelos vários pesquisadores e pensadores daquele período. O desejo era
mensurar as ações e características que diferenciavam o homem criminoso. Cesare
Lombroso foi o grande expoente dessa ideia e ao longo de sua vida debruçou-se sobre
estudos que tinham como intuito provar a existência de um “delinquente nato”, todavia, suas
teorias que se embasavam nos traços físicos dos sujeitos criminosos deram lugar a outra
perspectiva: o delinquente possuía um “micróbio” do crime e que só seria ativado em
condições específicas e ambientais685. Esse contexto é basilar para se entender o olhar que
se tinha dos sujeitos que praticavam crimes no final do século XIX, assim o século XX iria
testemunhar mudanças no tocante ao se entender e pensar o crime.
Um dos distanciamos da teoria lombrosiana, foi o modo de se pensar o criminoso da
escola sociológica de Chicago, a qual abordou o crime dando ênfase no criminoso, no urbano
e, consequentemente, nas crescentes taxas de criminalidade e delinquência. Essa vertente
repousou sua atenção sob dados estatísticos e qualitativos, abrindo a possibilidade para se
pensar o crime como produto social do urbanismo e das modificações que são concernentes
desse espaço686.
No caso do Brasil, a criminologia foi recebida com pompa e alegria entre os
intelectuais do fim do século XIX. As ideias de Lombroso começaram a ser discutidas e seus
ideais abraçados por muitos médicos e juristas do período. A Faculdade de Direito do Recife
se estabeleceu como principal proponente dessa teoria. Dessa feita, a geração que se formou
tinha como escopo as teorias criminais lombrosianas. Todavia, na Europa, essas teorias já
tinham caído em desuso devido ao fracasso em tentar explicar o criminoso por
características internas e físicas, no caso do Brasil estas serviram para identificação criminal
e para manter muitos segmentos da sociedade sob direta vigilância e olhar moderador do
Estado.
685 FONTELES NETO, Francisco Linhares. O Impresso e uma Visão Caótica da Cidade de Fortaleza na Década de
1920 (UFPB). Prim@ Facie, v. 15, 2016. p. 546
686 Ibidem, p. 549
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Um corpo negro guardando alma ainda mais negra: duas crianças e um homem
vítimas de terrível degenerado.
(...) O negro Frederico Moraes, de 26 anos, (...) sem profissão e conhecido
desordeiro (...) sacando de uma navalha, atirou a lâmina de encontro ao ventre
687 BRETAS, Marcos Luiz. A Polícia Carioca no Império. Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.12, n.22,
p. 219-234, 1998; ______________. Polícia e Polícia Política no Rio de Janeiro dos anos 1920. Arquivo História
da Revista do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v.3, p. 25-34, 1997.
688 Quando nos utilizamos do termo “Nordeste”, o fazemos entendendo que esse é cunhado no início do século
XX, mais necessariamente após a década de 1910. Para saber mais, ver: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz
de. A invenção do Nordeste e outras artes. 4 Ed. Ver. São Paulo: Cortez, 2009. No que concerne ao período de
higienização em que os grandes centros passaram, ver: CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de
Janeiro e a República que não foi. 3ª ed. São Paulo: Cia das Letras, 1987; SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da
Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. 3. ed. São Paulo: CosacNaify, 2010. Sobre o coronelismo e o sistema
que se arregimentou em torno desse, ver: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo, editora
Alfa-Omega, 1976; RESENDE, Maria Efigênia Lage de. O processo político na Primeira República e o Liberalismo
Oligárquico. In: NEVES, L. A.; FERREIRA, J. (Org.). O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente. Belo
Horizonte: Civilização Brasileira, 2003, v. V.1, p. 89-120.
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690 FONTELES NETO, Francisco Linhares. O Crime do Boulevard: a sensacional e misteriosa morte de Edith
Davis. Mossoró – RN: EDUERN, 2017, p. 16
691 Um dos assassinatos mais noticiados e que tomou expressão nacional foi o do governador da Paraíba, João
Pessoa, durante anos houve uma rixa entre este e alguns adversários políticos da época, fato que culminou em
sua morte, fato que possibilitou à abertura de novos ideários para a política e repensou a influência dos
coronéis. Cf. SILVA, Giselda Brito. Sangue e violência na política brasileira: o assassinato de João Pessoa. In: Os
crimes e a história do Brasil: abordagens possíveis. Gian Carlo (Org.). Maceió: EDUFAL, 2015, p. 115-144
692 Sobre a seca de 1915, ver: RIOS, Kênia Sousa. Isolamento e poder: Fortaleza e os campos de concentração
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694 ROCHA, Aristotelina Pereira Barreto. Expansão urbana de Mossoró (período de 1980 a 2004): geografia
dinâmica e restruturação do território. – Natal, RN: EDUFRN Editora da UFRN, 2005. p. 23 – 46
695 Segundo, Felipe Guerra e Theóphilo Guerra, em Mossoró existam, no fim do dezembro de 1877, cerca de
25.000 pessoas, cuja a principal ocupação era ter fome e morrerem de miséria ou de peste. Cf. Ver: GUERRA,
Felipe; GUERRA, Theóphilo. Seccas contra a secca. Rio de Janeiro: Cruz Coutinho, 1909. p. 38
696 O Mossoroense 12 de fevereiro de 1904, p. 3
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ao interesse dos comerciantes locais, os quais, em sua maioria, faziam parte da elite letrada
da cidade. Já O Mossoroense, o primeiro de Mossoró, teve seu início no ano de 1872,
funcionando até 1875 e retornando apenas em 1902. Estes jornais eram destinados a elite
letrada da cidade, os quais possuíam grande influência e eram detentores do comércio local.
Ambos os jornais noticiavam constantemente sobre os flagelados e a fome que se
arregimentava na cidade, segundo estes as pessoas “caiam mortas”, evidenciando um
cenário penoso e funesto.
Pela primeira vez, nesta terra, mesmo na crise actual, o povo infringiu os seus
hábitos de reconhecida fieldade e praticou uma acção reprovada e criminosa,
arrombando uma porta do armazém de cereais em que sociam os Snrs. Vicente
Motta & C. e Francisco Antonio M. de Miranda e dali roubando na noite de 11
para 12 do corrente 56 volumes de farinha, milho, arroz e café, únicos que
restavam das vendas daquele dia.
Cumpre as autoridades empregar a sua actividade e vigilância afim de que não
nos falhe, em uma Cidade policiada as necessárias garantidas e segurança ao
direito de propriedade697.
O que podemos notar é a descrição do jornal sobre os saques feitos ao comércio local.
Ao conclamar a atenção policial o jornal se coloca como propagador das vozes destes
sujeitos, bem como se colocar ao lado da população diante daquele momento de incertezas
e instabilidade. As notícias sobre as secas vão perdurar durante vários anos, tornando a
aparecer sobre os seguintes títulos: Seccas, contra secas; Obras contra as secas, fome e
miséria, a fome continua, etc. Tais enunciados iriam permanecer aparecendo até os anos de
1925, todavia, no caso do jornal O Mossoroense, as recorrências de notícias sobre as secas
eram apenas para descrever ações por parte do governo em aplacar e diminuir as tensões
com os flagelados. As notícias sobre saques, e demais incidentes sobre as secas vão dando
lugar ao banditismo que floresce a partir da década de 1920 e se formatando como a
preocupação maior da imprensa local.
No atual momento, temos feito um mapeamento do jornal O Mossoroense no intuito
de perceber as narrativas que se formularam a partir da década de 1920 e tiveram como
atenção o banditismo do cangaço. Mossoró em 1927 vivenciou a tentativa de assalto de
Lampião à cidade. Essa ocorrência movimentou não apenas o jornal local da época, mas
outros das cidades vizinhas, como é o caso de Natal, então capital do Estado. Esses
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REFERÊNCIAS
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Ver. São Paulo: Cortez, 2009.
BRETAS, Marcos Luiz. A Polícia Carioca no Império. Revista de Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, v.12, n.22, p. 219-234, 1998.
CARNEIRO, Deivy Ferreira. Apontamentos para uma História Elisiana da violência no Brasil.
In: Célia Nonata Silva; Francisco Linhares Fonteles Neto. (Org.). Discere criminum: crime,
violência e poder – uma abordagem nacional. 1 ed. Maceió: Imprensa Oficial Graciliano
Ramos, 2017.
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CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3ª
ed. São Paulo: Cia das Letras, 1987.
ELIAS, Nobert. O processo civilizador: a formação do estado e civilização. Vol 2. São Paulo:
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GUERRA, Felipe; GUERRA, Theóphilo. Seccas contra a secca. Rio de Janeiro: Cruz Coutinho,
1909.
KALIFA, Dominique. História, crime e cultura de massa. In: Topoi, Rio de Janeira, vol.13, n.25,
jul/dez. 2012.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo, editora Alfa-Omega, 1976
MUCHEMBLED, Robert. História da violência: do fim da Idade Média aos nossos dias. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2012.
NEVES, Frederico de Castro. Estranhos na Belle Époque: a multidão como sujeito político.
Trajetos (UFC), Fortaleza, v. 6, n.6, 2005.
OTTONI, Ana Vasconcelos; SANT’ANNA, Marilene Antunes. O crime no Brasil através dos
“cronistas policiais” da imprensa. In: Os crimes e a história do Brasil: abordagens possíveis.
Gian Carlo (Org.). Maceió: EDUFAL, 2015.
PESAVENTO, Sandra. Crime, violência e sociabilidades urbanas. In: Nuevo Mundo Mundos
Nuevos, N.4. 2005.
SILVA, Giselda Brito. Sangue e violência na política brasileira: o assassinato de João Pessoa.
In: Os crimes e a história do Brasil: abordagens possíveis. Gian Carlo (Org.). Maceió:
EDUFAL, 2015, p. 115-144.
RESENDE, Maria Efigênia Lage de. O processo político na Primeira República e o
Liberalismo Oligárquico. In: NEVES, L. A FERREIRA, J. (Org.). O Brasil Republicano: o tempo
do liberalismo excludente. Belo Horizonte: Civilização Brasileira, 2003, v. V.1, p. 89-120.
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987
SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. 3. ed. São
Paulo: CosacNaify, 2010.
FONTES
Jornal O Mossoroense 1902 – 1925.
Jornal Comércio de Mossoró 1902 – 1907.
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MODA E PERIÓDICOS:
USOS E INSERÇÕES COMPORTAMENTO FEMININO
INTRODUÇÃO
A história da moda proporciona o conhecimento de uma infinidade de eventualidades.
Sua inserção nos diferentes campos sociais possibilita a percepção e a compreensão das
transformações da sociedade ao longo do tempo. Dessa forma, a moda pode ser percebida
em inúmeras fontes históricas, como por exemplo nas publicações impressas. A partir disso,
tentaremos apreender como a moda presente nesses documentos, no que condiz ao Anuário
das Senhoras701 e dos jornais O Mossoroense702, atuam sobre o comportamento feminino
entre as décadas de 1940 e 1970703, tendo como direcionamento os seguintes
questionamentos: como a moda, em sua conceitualização, se estabelece socialmente? De
que forma os periódicos se encontravam ligados à moda e ao comportamento? Qual a
consequência dessa associação na conduta feminina?
Assim, a partir dos suportes teóricos, discutiremos a respeito do conceito de moda e
dos aspectos dos impressos enquanto fontes para pesquisa. Pretende-se compreender
acerca do conceito de moda, as questões que evolvem sua etimologia, seu surgimento e sua
pluralidade de significações. Quanto ao debate em relação aos periódicos, abordaremos
sobre seus domínios para tentar entender como se desenvolve sua inserção no exercício
historiográfico. Partindo dessas concepções, tentaremos conectar e assimilar como esses
pontos se encaixam nas discussões do comportamento feminino, em busca de analisar como
700Graduada em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2018). Atualmente é mestranda
do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte e bolsista do Programa de Demanda Social da CAPES. E-mail: ramonallindsey@hotmail.com.
701 O Anuário das Senhoras foi um periódico com publicações voltadas para a população feminina, de 1934 a
1958, editado pelo grupo editorial “O Malho”, com sede no Rio de Janeiro. Os exemplares utilizados foram
encontrados e disponibilizados pela Biblioteca Municipal Ney Pontes Duarte em Mossoró/RN.
702 O Mossoroense é um periódico de cunho jornalístico voltados a assuntos diversos, fundado em 1872 e
circulado até 2016 em sua forma impressa, se encontrando atualmente somente na forma online. Os
exemplares impressos se encontram disponíveis no Museu Lauro da Escóssia em Mossoró/RN.
703É valido salientar que este trabalho faz parte de conjunto mais amplo de pesquisa monográfica, ao qual
pertence esse recorte mais amplo e as análises um pouco mais aprofundadas e exploradas sobre o assunto.
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704PINA, Christine dos Santos. Moda e sua história. In: O efeito coorte e o desenvolvimento das preferências
por moda feminina. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Administração, 2006. p. 29.
705PINA, Christine dos Santos. Moda e sua história. In: O efeito coorte e o desenvolvimento das preferências
por moda feminina. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Administração, 2006, p. 29-30.
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Atualmente, o termo ‘moda’ pode ser utilizado tanto para nomear a produção
quase artesanal dos objetos do vestuário identificados como ‘alta costura’,
quanto para indicar a produção de objetos pela indústria do vestuário que são
colocados em pequena, média ou grande escala no mercado, quanto para
indicar o movimento de valoração do ‘novo’ de forma sazonal e por curto
espaço de tempo que interfere tanto no objeto do vestuário quanto em
qualquer outro objeto de cultura material. Mas existem outros significados
para o termo moda. [...] Já foi considerado como um movimento pertencente
ao mundo feminino, exclusivo do gênero, cujos interesses pareciam girar em
torno das transformações do vestuário, constantes, marcantes e, muitas
vezes, até fantasiosas, que garantiam a aproximação com a noção do novo, ou
melhor, disso que arbitramos chamar de novo. 708
706ALBUQUERQUE, Simone Ferreira de; SANTOS, Kátia Maria dos. Entre poses e imagens: a moda e a fotografia
como fontes para o historiador. Anais Moda Documenta: museu, memória e design. Ano II - Nº 1 - Maio de 2015,
p. 5-6.
707Ibidem. p. 6.
708CHRISTO, Deborah Chagas. Moda: definições e conceitos. In: Estrutura e funcionamento no campo de
produção de objetos do vestuário no Brasil. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Artes e Designs, 2013, p.
23-24.
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Os conceitos trabalhados pela autora nos permite fazer um breve diálogo com o
conceito de representação abordado por Chartier 709, no qual a moda, ao mesmo tempo em
que traz inovações comporta antigas ideias já estabelecidas. Assim, podemos entender a
moda como uma espécie de texto que pode despertar naqueles que a lêem uma pluralidade
de reentendimentos e resignificações, atríbuidas pela forma como o leitor pode interpretar
seu conteúdo e aparência. Ademais, percebe-se que o conceito atualmente se estabelece em
várias ramificações, mas parece se concentar nas definições de comportamento e vestuário
indicada por Christine dos Santos Pina:
709Ver: CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Revista Estudos Avançados, São Paulo, vol. 5, n° 11,
Jan./Abr. 1991.
710PINA, Christine dos Santos. Moda e sua história. In: O efeito coorte e o desenvolvimento das preferências
por moda feminina. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Administração, 2006, p. 29.
711Ver: PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo da mulher. In: MATOS, Maria Izilda Santos de; SOIHET, Rachel
(orgs.). Corpo feminino em debate. São Paulo: Editora Unesp, 2003, p. 14.
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712GOSTINSKI, Cleon. Relevâncias da história da moda: dos anos 10 à virada do século XX. Revista Intelecto C,
Rio Grande do Sul, Ano 2, n°. 5, Jan./Mar., 2009, p. 49.
713Sabemos que isso é um fator de mudança considerável no âmbito da moda, porém, a discussão sobre
transformações nas vestimentas ao longo dos anos vai além das alterações da mentalidade humana. Nela
também se envolvem inúmeras influências históricas.
714COSTA, Emília Viotti da. Concepção do amor e idealização da mulher no romantismo. Revista Alfa, São Paulo,
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Por ser “o estado de alma romântico [...] partilhado por um grande número de
indivíduos, que reencontravam nos autores românticos traços de sua alma” 715, acabou-se
por aderir novas concepções no meio social. Tendo a mulher como principal personagem de
mudança, idealizou-se uma figura feminina que transpirasse a delicadeza e a honra, no qual
os adornos e roupas seriam responsáveis por compor essa identidade e quem não encaixasse
nesse padrão seria vista como o outro lado, a “mulher demônio”.
A imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a
imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar
na sua própria representação, mas também para ser percebida da maneira
como quer ser percebida pelos outros. 716
715Ibidem, p. 36.
716POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, nº 10, 1992,
p. 5.
717BLOCH, Marc Leopold Benjamin; Apologia da história ou o ofício de historiador. trad.: André Telles. Rio de
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718LUCA, Tania Regina de. Fontes impressas: A história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla
Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 111-112.
719LUCA, Tania Regina de. Fontes impressas: A história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla
Anais do VIII Encontro Estadual de História da ANPUH-RN e XIV Semana de Estudos Históricos do CERES-UFRN:
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As fontes, mesmo possuindo tamanhos e conteúdos diferentes, não perdem seu valor
documental, podendo ambas as formas constituir inúmeras pesquisas, com variadas
perspectivas dependendo das problemáticas a elas lançadas ou delas extraídas. Desse
modo, caracterizando-se dentro da categoria dos impressos, jornais e revistas apresentam
quase as mesmas formas de investigações, devendo ser levadas em conta as especificidades
dos conteúdos em questão.
As análises de ambos os materiais tiveram variações ao longo de sua incorporação. O
que antes, principalmente os jornais, eram tidos apenas como objeto reafirmador de uma
hipótese, passou a compreender uma análise mais complexa dos materiais, ainda de acordo
com Tania de Luca:
Percebemos que investigar todos esses pormenores que envolvem do universo das
fontes impressas são essenciais para compreender, por exemplo, o que determinado jornal,
com seu conjunto de proprietários, diretores, escritores, etc., quis transmitir em certa matéria
publicada, já que estes, assim como outras fontes, não estão livres de ideologias que podem
ser ali depositadas pelos seus formuladores. Além disso, conforme Luca, é importante situar
também os conteúdos das publicações no contexto da história da imprensa, o que requer
situá-las nos espaços de tempo e características estabelecidas ao longo de sua trajetória.
721LUCA, Tania Regina de. Fontes impressas: A história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla
Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 131.
722LUCA, Tania Regina de. Fontes impressas: A história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla
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723GARCIA, Janaína A. Beraldo. Escola de modelos: Três décadas do Anuário das Senhoras (1934-1954). Curitiba:
Acervo UFPR, 2004, p. 31.
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724GARCIA, Janaína A. Beraldo. Escola de modelos: Três décadas do Anuário das Senhoras (1934-1954). Curitiba:
Acervo UFPR, 2004, p. 33-34.
725Idem.
726 LUCA, Tania Regina de. Imprensa feminina: mulher em revista. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana
Maria (org.). Nova história das mulheres do Brasil. São Paulo: Contexto, 2013, p. 448.
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bem com as peles delicadas e olhos verdes; o malva fica lindíssimo para as
senhoras de cabelo branco, adicionando no pó de arroz, rachel, um pouco do
pó também de cor malva. Aplica-se a sombra começando pelo centro das
palpebras à raiz doa cílios até o canto dos olhos. Observe cautelosamente
para que a cor não atinja as sobrancelhas. A cor deve ser mais acentuada na
parte inferior, junto dos cílios. Usando a sombra azul, pode-se também tingir
as pestanas com lápis da mesma tonalidade. Quando se usa a sombra, o rouge
deve ser abolido e também o baton deve ser de cor quase natural. Sòmente
quando a pele é fresca, linda e perfeita é que se pode dar realce aos lábios,
uma cor mais viva. 727
727Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O malho”, ano XXIV, 1957, p. 37.
728Ver: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida Privada e ordem no império. In: História da Vida Privada no Brasil
(v.2) São Paulo: CIA das Letras, 1997.
729“Beleza e simpatia”. Jornal O Mossoroense, Mossoró, 24 de julho de 1956, p. 2.
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O corpo do artigo mais uma vez traz informações acerca da beleza feminina. A dica, no
entanto, se volta para os cuidados com a pele do rosto. Porém, assim como a publicação da
revista, percebemos há a formulação de um ideal feminino, o qual leva as mulheres a
desnaturalizar os primeiros sinais da velhice. Instiga-se a conservação “fresca e macia” da
pele em busca de “retroceder” alguns anos, de modo que, ao afugentar a velhice, se possa
continuar, ao menos em aparência, no esplendor da juventude, já que “na visão comum, a
mulher no climatério já não é mulher, e sim uma velha, eventualmente dotada de mais
poderes e liberdades, porém privada de fecundidade e, em consequência, de sedução”. 730
A partir de discursos como esses localizados nos periódicos, vemos como o
comportamento feminino pode ir se adaptando a certos preceitos de beleza. Os periódicos e,
consequentemente, as dicas neles prescritas, possuem muito mais chances de consumo e
aderência pelas mulheres, pois, trata-se de um material responsável pelo “convencimento e
mesmo de imposição, apoiados em enunciados prescritivos e normativos, que ordenam o que
fazer e como fazer” 731. Nesse sentido, tentando não ficar a margem dos considerados
padrões do belo, as mulheres tendem a estarem muito mais propícias a seguir os desejos de
adequação gerados por esses produtos.
730PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo da mulher. In: MATOS, Maria Izilda Santos de; SOIHET, Rachel (orgs.).
Maria (org.). Nova história das mulheres do Brasil. São Paulo: Contexto, 2013, p. 448.
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1000
O dever ser das mulheres brasileiras nas três primeiras décadas do século
[XX] foi, assim traçado por um preciso e vigoroso discurso ideológico, que
reunia conservadores e diferentes matrizes de reformistas e que acabou por
desumanizá-las como sujeitos históricos, ao mesmo tempo que cristalizava
determinados tipos de comportamento convertendo-os em rígidos papéis
sociais. ‘A mulher que é, em tudo, o contrário do homem’, foi o bordão que
sintetizou o pensamento de uma época intranquila e por isso ágil na
732ARIÈS,Philippe apud CAIXETA, Juliana Eugênia; BARBATO, Silviane. Identidade feminina: um conceito
complexo. Revista Paidéia, São Paulo, vol. 14, nº 28, 2004. p. 214.
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1001
Inspiradas pelo universo moderno da época, as mulheres quiseram inovar por meio de
atitudes e pela moda, sua principal forma de expressão. No entanto, essas concepções
femininas foram rechaçadas pelos poderes dominantes, especialmente pela Igreja Católica.
A mudança nas atitudes femininas acabou por gerar desavenças com o setor mais
tradicionalista da sociedade, aumentando as intempéries entre homens e mulheres no
casamento. Como medida reconciliatória, a Igreja retomou e modificou o enunciado das
relações no matrimônio, passando o ato sexual a ser algo desejado e legitimado, além de
tornar o amor a base fundamental para o sustento do casal e da família.
As principais inovações comportamentais da mulher brasileira moderna do século XX
podem ser descritas no trecho a seguir:
Nota-se que a moda se diferencia de acordo com a forma de pensar. As saias curtas,
decotes e roupas mais justas ao corpo seria a expressão do progresso. Ademais, outro fator
de contribuição para as alterações feitas foi a limitação dos tecidos com a eclosão da
Primeira Guerra Mundial, que encurtou as saias até o tornozelo, permitindo maior liberdade
ao estilo. Todavia, o que era sinônimo de atividade feminina era posto como ruim à sociedade
mais conservadora. A mulher “cheia de liberdades” colocava em risco a conduta masculina
733MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO,
Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil, 3: República: da belle époque à era do rádio. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, p. 373.
734MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO,
Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil, 3: República: da belle époque à era do rádio. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, p. 390.
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de seu responsável, de modo que o julgamento dele pela sociedade consistiria pela forma
que a mulher se comportava. 735
O pensamento de mulher ideal para os mais tradicionais e para Igreja se encontrava
na figura dedicada ao espaço doméstico. Baseado nos princípios do amor familiar, a esposa
era a principal responsável por manter o equilíbrio da casa que, ao preservar os “bons
costumes”, traria alegria ao seu esposo e ao lar, como podemos ver na publicação “Da mulher
para a mulher” do jornal O Mossoroense abaixo:
735Ver:MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO,
Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil, 3: República: da belle époque à era do rádio. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, p. 381-382.
736“Da mulher para a mulher”. Jornal O Mossoroense, Mossoró, 24 de julho de 1954.
737MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO,
Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil, 3: República: da belle époque à era do rádio. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, p. 390.
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A satisfação do marido teria de vir antes de tudo. O ideal de mulher honrada comprazia
todas as necessidades do homem, na qual ela praticamente se abandonava na premissa de
um amor e respeito para com seu esposo. Esse protótipo de companheira dedicada
contrapunha-se ao modelo insurgente da mulher moderna, sendo moldado para acabar com
os ideais de liberdade.
A restrição das mulheres e a delimitação de seu papel social devem-se, em grande
parte, ao pensamento constituído pela Igreja. Às mulheres foi atribuído o dever de seguir as
práticas clericais e de manter a íntegra a virgindade. “Os valores impostos pela igreja
nortearam as ações em sociedade, modificando os costumes que antes eram considerados
livres [para as mulheres], sexualmente”.738 A justificativa de tais atos se encontrava no fato
de que desde os princípios da criação a mulher era vista como aquela que se submeteu ao
pecado e que levou consigo o homem. Dessa forma a figura feminina associou-se a
transgressão e seu corpo era tido como um antro de perdição, de tal modo que elas deveriam
ser emudecidas, subordinada ao homem e permanecerem castas, no qual só o sexo deveria
acontecer somente para fins reprodutivos dentro do casamento.739
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos ao longo desse trabalho que moda e comportamento feminino se
encontram intimamente ligados. De forma que, de acordo com as fontes analisadas, a moda
se adapta ao movimento em curso da história feminina, ao mesmo tempo em que possui uma
voz ativa sobre o comportamento através dos variados suportes de difusão de informações.
As análises de algumas publicações do Anuário das Senhoras e do jornal O Mossoroense
permite compreender um pouco disso.
Avaliamos então acerca do comportamento feminino e dos ideais para ele formados
que, o choque entre a mulher moderna em ascensão e o conservadorismo vigente, acabam
por provocar mudanças do estilo e das vogas femininas. Vale salientar que, os movimentos
e alterações das organizações socioculturais, econômicas e políticas por sua vez dão o
embasamento para todas essas gradativas transformações.
738BASEGGIO, Julia Knapp; SILVA, Lisa Fernanda Meyer da. As condições femininas no Brasil colonial. Revista
Maiêutica, Santa Catarina, vol. 3, n. 1, 2015, p. 26, grifo nosso.
739Ver: PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo da mulher. In: MATOS, Maria Izilda Santos de; SOIHET, Rachel
(orgs.). Corpo feminino em debate. São Paulo: Editora Unesp, 2003. p. 21.
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REFERÊNCIAS
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moda e a fotografia como fontes para o historiador. Anais Moda Documenta: museu,
memória e design. Ano II - Nº 1 - Maio de 2015.
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida Privada e ordem no império. In: História da Vida Privada
no Brasil (v.2) São Paulo: CIA das Letras, 1997.
BASEGGIO, Julia Knapp; SILVA, Lisa Fernanda Meyer da. As condições femininas no Brasil
colonial. Revista Maiêutica, Santa Catarina, vol. 3, n. 1, 2015.
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Revista Estudos Avançados, São Paulo,
vol. 5, n° 11, Jan./Abr. 1991.
GARCIA, Janaína A. Beraldo. Escola de modelos: Três décadas do Anuário das Senhoras
(1934-1954). Curitiba: Acervo UFPR, 2004.
GOSTINSKI, Cleon. Relevâncias da história da moda: dos anos 10 à virada do século XX.
Revista Intelecto C, Rio Grande do Sul, Ano 2, n°. 5, Jan./Mar., 2009.
LUCA, Tania Regina de. Fontes impressas: A história dos, nos e por meio dos periódicos. In:
PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
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LUCA, Tania Regina de. Imprensa feminina: mulher em revista. In: PINSKY, Carla Bassanezi;
PEDRO, Joana Maria (org.). Nova história das mulheres do Brasil. São Paulo: Contexto,
2013.
MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAIS, Fernando;
SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil, 3: República: da belle époque
à era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo da mulher. In: MATOS, Maria Izilda Santos de;
SOIHET, Rachel (orgs.). Corpo feminino em debate. São Paulo: Editora Unesp, 2003.
PINA, Christine dos Santos. Moda e sua história. In: O efeito coorte e o desenvolvimento
das preferências por moda feminina. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Administração,
2006.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
vol. 5, nº 10, 1992.
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INTRODUÇÃO
Obcecada em ser mestra, essa escrita cultiva a ilusão
da verdade e tenta explicar o presente como
resultado lógico do encadeamento de fatos e
processos. (ALBURQUERQUE JÚNIOR, 2013, p. 13).
Albuquerque Junior (2013) chama a atenção para o fato das obras de história,
tentarem ser um reflexo do que ocorreu no passado, que o passado traz consequências para
o hoje. As obras como construtoras de um passado, sendo construído no presente por
memórias, por discursos, por fazeres, por uma cultura voltada para a construção de uma
identidade. Identidade muitas vezes de apenas uma parcela da população, dos letrados, dos
políticos, cultura construída com base em interesses. A escrita do Oeste Potiguar é marcada
por seus grandes homens, intelectuais que formaram uma identidade para si e para a região
através de suas escritas assinaladas por uma característica cultural, cheia de traços
característicos que dizem acerca da região.
A cultura do Oeste Potiguar é uma cultura de homens que procuraram está além de
seu tempo, homens que arquitetaram com sua escrita, com seus discursos ao longo do
tempo um espaço, espaço voltado na maioria das vezes para estes mesmos homens, para a
sociedade letrada, uma pequena camada da população que aparece nas páginas de glória da
história, embora não tenham participado da mão-de-obra pesada.
O trabalho a seguir visa analisar essa história do passado, que traz para o presente,
traços do espaço construído a partir da escrita, com base em uma cultura letrada, voltada
para os intelectuais, para políticos, o Oeste Potiguar na visão e na memória de seu povo, povo
privilegiado. Para esta análise será utilizada como fonte a Revista do Instituto Cultural do
740 Graduada em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestranda no Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais e Humanas – PPGCISH/UERN. E-mail: maria16eunice@gmail.com.
741 Graduado em Ciências Sociais (Licenciatura) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestrando
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Oeste Potiguar (ICOP), que traz discursos a cerca dessa região, discursos proferidos em
épocas distintas, daí a riqueza do material, poderemos analisar discursos do século de sua
criação, século XX e também do presente século.
A Revista do Instituto Cultural do Oeste Potiguar apresenta uma série de discursos
que visam construir um espaço de memórias, memórias do Oeste Potiguar, a história deste
lugar, o espaço Oeste de que se fala na Revista se confunde muitas vezes com a cidade de
Mossoró, por ser este um lugar em que se concentram seus intelectuais, ou para onde
caminham outros escritores.
As revistas do Instituto Cultural do Oeste Potiguar, a Revista Oeste, que desde 1958,
ano de sua primeira edição traz discursos acerca da Região Oeste e de Mossoró, as revistas
do ICOP podem ser encontradas na Fundação Vingt-Un Rosado, contamos com edições
intermitentes, tendo em vista que não foi possível o acesso a todas as edições que possui a
Oeste, e ainda levando em conta que a Revista Oeste deixou de circular por 12 anos, sendo
assim a análise é feita com a fonte que se tem, no tempo que a mesma estabelece. Além do
mais, o material que possuímos possibilitou investigar as estratégias discursivas da referida
revista, o que implica dizer que a linearidade do possível acesso a todas as fontes, a nosso
ver, não prejudicou a problemática do trabalho, pois tanto os exemplares do século XX,
quanto os do século XXI propiciaram que pudéssemos compreender o papel do ICOP na
construção da região do Oeste Potiguar confundida com a cidade de Mossoró.
A INSTITUIÇÃO ICOP
O contexto de Mossoró nas décadas de 1940 e 1950 é de acontecimentos que marcam
a história da cidade, principalmente no que diz respeito à cultura, há um incentivo maior com
a criação do Museu Municipal Lauro da Escóssia e a Biblioteca Municipal Ney Pontes em
1948 pelo decreto n° 4 de 5 de abril do referido ano, instituído pelo então prefeito Jerônimo
Dix-Sept Rosado.
O governo municipal mossoroense investiu muito na propagação da cultura,
justamente por ser uma forma de tornar a cidade notável, de fazer com que o povo e a história
de Mossoró sejam lembrados, os investimentos na cultura de Mossoró teve como objetivo
atingir a todos os públicos, de aproximar todas as classes sociais das manifestações
culturais, o que não deixe de transparecer também uma estratégia política. Dentre esses
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A identidade de uma região é construída a partir do que se diz e do que se vê, como diz
Albuquerque Junior no texto acima, uma região sendo ela periférica ou não possui
características próprias, que são consideradas desta forma justamente por um modo
particular de produção, a região Nordeste muitas vezes lembrada como periférica, atrasada,
possui uma cultura, ou melhor, um modo de fazer cultura diferente de outros lugares, este
modo diferente está inserido nas mais variadas formas de cultura, como a cultura da fala, do
canto, da dança, e neste caso especial a cultura escrita, escrita que busca construir a região,
dá identidade ao espaço em que se escreve, espaço este notadamente o Oeste Potiguar, que
assim como outros espaços possui uma forma de construir uma identidade.
O Oeste Potiguar além das mais variadas formas de produzir cultura, de construir o
espaço, conta com a escrita, importante ferramenta para se entender o porquê do espaço ser
de tal forma, a escrita do Oeste Potiguar é marcada por discursos que buscam uma
identidade para a região. Uma Instituição, um meio de comunicação, influencia no cotidiano
de um lugar, na maneira de ser e de fazer de determinada região através do que escreve, do
que deixa transparecer como associação que constrói uma escrita e uma imagem enquanto
tal.
No que diz respeito ao Oeste Potiguar, o mesmo possui um Instituto, o Instituto
Cultural do Oeste Potiguar-ICOP que a mais de 50 anos constrói uma imagem para a região
Oeste através de sua revista, ao longo dos anos a revista de mesmo nome do Instituto, traz
páginas carregadas de um conteúdo voltado para mostrar e enaltecer a cultura, as crenças,
as maneiras de ser do Oeste, é através desta escrita que se percebe as intenções em volta
do que se escreve, do que se diz de um lugar, neste caso o Oeste.
O Instituto Cultural do Oeste Potiguar, através da revista Oeste tece considerações
sobre as principais cidades do Oeste, Martins, Pau dos Ferros, Assú, dentre estas e outras
cidades está Mossoró onde situa-se a cede do Instituto, Mossoró recebe uma atenção
especial, as páginas da Revista Oeste estão sempre marcadas por discursos e homenagens
seja pra cidade ou para algum de seus filhos, desde sua fundação é comum esse tipo de
abordagem como se nota já no discurso pronunciado na fundação do Instituto por João
Batista Cascudo Rodrigues. “Dizer da motivação disciplinadora da fundação do Instituto
Cultural do Oeste Potiguar, neste ponto culminante das comemorações da Abolição em
Mossoró [grifo nosso], constitui tarefa que demanda à reintegração da coerência da
atualidade local em face de seu passado espiritual.” (ICOP, 1957, p.5).
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Neste ponto, já no ato de sua fundação percebe-se que a finalidade do Instituto além
de propagar uma cultura para o Oeste, é também deixar claro o pioneirismo da cidade de
Mossoró, uma cidade a frente de seu tempo, que não seria fácil dizer de uma região como
esta, devido ao seu passado, a forma como foi construído e é lembrado, passado que
construiu uma identidade da qual se tem orgulho. A identidade de um povo marcada por um
ato que deve ser lembrado por qualquer órgão, e não seria diferente com o Instituto que
busca justamente mostrar o espaço cultural de uma região através de sua produção.
Ainda falando de Mossoró João Batista Cascudo Rodrigues assegura que “em
qualquer tempo, justificaria a revitalização das fontes culturais da cidade a conjuntura
uniforme de um povo marcado pelo sentido dos empreendimentos duradouros e lapidares”
(ICOP, 1957,p.5) , reforçando assim que a cidade de Mossoró construiu ao longo dos anos um
espaço uniforme e duradouro, que está sendo visitado pelo Instituto na intenção de criar uma
ponte que leva ao passado, ao espaço do passado, que será visitado por seu povo, pelos
membros do Instituto e com certeza pelas gerações futuras. O Instituto assegura essa volta
ao passado através de seus discursos, dos dizeres de seus membros.
O Instituto Cultural do Oeste Potiguar segue com suas publicações semestrais ao
longo dos anos, e no auge das comemorações de seus quarenta anos em 1997, o seu já
presidente perpétuo João Batista Cascudo Rodrigues, pronuncia mais um discurso, onde fala
do ICOP como Instituição que resistiu ao tempo, que contribui de forma intensa com a
propagação da cultura quando diz que “o ICOP permaneceu vivo, nestes quatro decênios.
Tem contribuído com o espirito aceso e marcante da continuidade, que não se interrompeu”
(ICOP,1997, p.4). O ICOP como facilitador do conhecimento mossoroense se postava
enquanto temporalidade, pois enfatizava que “este é o tempo icopiano, que produzira ciclos
de estudos e conferencias mossoroenses, edição de livros e folhetos de interesse histórico,
geográfico, etnográfico, econômico e cultural.” (ICOP, 1998, p.11).
As páginas da Revista Oeste mostram uma Mossoró pioneira, a primeira a libertar os
escravos, a primeira do voto feminino, a cidade que derrotou Lampião e seu “bando”, as
universidades, a Coleção Mossoroense, os intelectuais que idealizaram o projeto do ICOP,
além de outras Instituições, que apesar dos problemas que surgem na sua história “viverá o
tamanho do tempo e continuará pela eternidade a ser um berço de
pioneirismos”,(ICOP,1998,p.11) que “este chão os mossoroenses que nasceram em Mossoró
e dos mossoroenses que nasceram em todas as partes do mundo tem uma história grande,
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sólida, eterna, como se tivesse sido feita de granito, de bronze” , “essa é a terra dos pioneiros,
grandes, corajosos, incomparáveis” (ICOP,1998,p.12) e ainda “terra engrandecida no cenário
histórico nacional, na libertação madrugadora da abolição da escravatura. Gleba
imortalizada, quiçá mundialmente, no episódio da participação do voto feminino,
liberalizando a mulher brasileira, dando-lhe a igualdade merecida.” (ICOP,1989, p.31). Desse
modo, a Região passa a ser sinônimo de Mossoró, as duas são confundidas, já que o discurso
que pretende ser regional aciona Mossoró enquanto representação da região Oeste.
Outra forma de imortalizar a memória da cidade seria os monumentos, marcando
assim um espaço que será lembrado pelas próximas gerações, no trecho a seguir é notável
esta intenção:
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As homenagens para com a cidade em si não são as únicas, é muito comum também
que o nome de seus intelectuais apareça “o ICOP é inspiração de homens como o professor
Vingt-un Rosado, João Batista Cascudo Rodrigues, Raimundo Soares de Brito, Lauro da
Escóssia, a quem hoje com simplicidade, mas com devoção homenageamos”(ICOP,1989,p.96)
, reforça que “a força da terra está também na sua elite intelectual, os que compõem a ESAM
e a Universidade Regional do Rio Grande do Norte, os que aqui nasceram e dos que se
tornaram filhos da terra pela vivencia”( ICOP,1989,p.42).
A revista Oeste deixa de circular por alguns anos, desde 1998 até 2009 ela não possui
nenhum exemplar, apenas em 2010 volta a ativa, e como é de se esperar seu conteúdo não
mudou muito, as materias possuem as mesmas características dos primeiros anos,
discursos, entrevistas, mesmo agora nesta nova fase que se iniciou em maio de 2010 e novo
presidente a Oeste continua com seu padrão, embora acrescenta-se a publicação versos,
prosas, contos, e considerável olhar para outras cidades do Oeste, sendo a principio uma
revista que deveria abranger todo o Oeste deixa a desejar, pois volta seu conteúdo para sua
cidade sede, mas na nova fase começa a cumprir seu papel de forma mais ampla.
As publicações continuam sendo semestrais, no primeiro exemplar de maio de 2010 a
revista traz uma entrevista/homenagem a Helder Heronildes um dos fundadores da Oeste,
onde o mesmo fala de sua infância, influencia na leitura, sua experiência na política estudantil,
sua escolha pelo curso de direito em Natal, a experiência como professor, do movimento
cultural dos anos 50, da fundação do Instituto Cultural do Oeste Potiguar, enfim a entrevista
faz um passeio pelos acontecimentos mais marcantes da vida deste intelectual, para assim
homenageá-lo, para assim lembrar-se da época de ouro de Mossoró. A revista ainda traz uma
homenagem a Raimundo Soares de Brito, também idealizador do Instituto, a revista não se
cansa em tecer adjetivos a Raimundo Soares de Brito ou Raibrito “um pesquisador
incansável, capaz de estudar um mesmo assunto por quase quarenta anos, como em nome
do Instituto Cultural do Oeste Potiguar. (ICOP,2010, p.22).
A revista de maio segue com seu conteúdo característico, e termina com o discurso de
posse do então presidente do Instituto Clauder Arcanjo, proferido em dezembro de 2009
onde o mesmo tece suas considerações e objetivos a frente do ICOP, e enfatiza que “Mossoró
e as cidades que formam o Oeste Potiguar apresentam a pujança incomum de um movimento
cultural heterogêneo e criativo.(ICOP, 2010, p.102) O presidente assinala as necessidades
para tornar o movimento cultural do Oeste uma política cultural pública enfatizando que
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“nem o poder público sozinho pode dar conta da dinâmica cultural do Oeste, nem podemos
achar que os grupos ligados a cultura, isolados e sem o incentivo público, darão cabo do
desafio do fomento a cultura, em diferentes áreas.(ICOP, 2010, p.102). Então completa
dizendo “e, uma das nossas proposições é que o ICOP se insira nesse debate, participando,
incentivando, colaborando, apontando caminhos... A cultura do Oeste Potiguar é a nossa
razão de ser. (ICOP, 2010, p.102).
A segunda edição da Revista Oeste sob o comando de Clauder Arcanjo é publicada em
setembro de 2010, começa já enfatizando que esta edição “é o presente de aniversario do
nosso Instituto Cultural do Oeste Potiguar aos amantes da cultura.(ICOP, 2010, p.9) sim a
publicação se diz um presente aos amantes da cultura do Oeste, “presente” que atinge
apenas a uma parcela da população, e completa “pois o nosso Instituto, neste 30 de
setembro de 2010, alcança a marca de cinquenta e três anos de existência (ICOP, 2010, p.9).
O Instituto apesar de ter parado com suas publicações por doze anos, continuou com suas
reuniões e em setembro de 2010 completa cinquenta e três anos, setembro mês que marca
a cidade de Mossoró, que é considerada muitas vezes capital do Oeste, por ser um centro de
encontro cultural.
Esta edição conta ainda com uma homenagem a Manuelito Pereira dos Santos
Magalhaes Benigno ou Manuelito Pereira, que foi um fotografo reconhecido em sua época
por fotografar a cidade e as pessoas de forma peculiar, Manuelito ainda é lembrado por seu
legado na fotografia, uma sala do Museu Lauro da Escóssia é dedicada às lembranças e
fotografias do mesmo. A Revista segue com suas matérias características e encerra com a
prestação de contas do então presidente Clauder Arcanjo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“[...] Aqui os espaços são pensados e feitos para durarem, para se fixarem no tempo e
fixarem o tempo, espaços monumentais...” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2012, p.12). Os espaços
aos quais Albuquerque Junior se refere podem ser comparados aos espaços mossoroenses,
estes são lugares de memória, que se fixaram ao longo do tempo e fixaram um tempo a eles,
são exemplos desses espaços o Museu Lauro da Escóssia, a Biblioteca Municipal Ney
Pontes, o Memorial da Resistencia, a Praça da Redenção, entre outros, espaços que além de
lugares de memória são também monumentos, são construtores de uma identidade para a
Região mossoroense.
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Devemos registrar que o objeto deste estudo, ou seja, a construção da região do Oeste
Potiguar foi delineado na medida em que observamos a relação dos sujeitos com os espaços
produtores de discursos sobre a Região em tela. Assim, verifica-se que a escrita marca a
história de um povo, de uma cultura, do que se quer lembrar, a escrita inserida na Revista
Oeste é carregada de lembranças de homens e mulheres que ao longo do tempo alcançaram
um lugar de destaque, os discursos que trazem a Oeste tem uma razão de ser.
As páginas da Oeste estão carregadas de uma cultura, de uma maneira de viver típicos
do Nordeste, típicos de uma Região marcada por dizeres e fazeres, por intelectuais que
buscam visibilidade para suas obras e consequentemente para o lugar do qual escrevem e
habitam, intelectuais que ao longo do tempo ganharam as paginas dos jornais e revistas por
escreverem sobre seu lugar, por enaltecerem sua cultura e seu povo.
Entendemos o espaço do Oeste Potiguar como lugar de escrita e que foi escrito,
construído de acordo com os interesses de sua sociedade letrada, enquanto que para seu
povo mais humilde restou apenas o papel da luta diária no trabalho pesado. A escrita de um
lugar depende do que o envolve, do que possui, de quem o habita, os intelectuais escrevem
de acordo com suas vivencias, de acordo com o espaço onde centram-se.
O lugar de Mossoró no espaço do Oeste Potiguar foi assim construído por seus
sujeitos como espaço de pioneirismos, de homens que fizeram história por suas lutas, de
mulheres que lutaram por seu espaço na sociedade, o lugar de Mossoró foi construído
principalmente nas páginas, nos discursos da Revista Oeste que junto com seu Instituto
Cultural do Oeste Potiguar, formaram uma imagem não apenas para Mossoró, mas para toda
a Região, um lugar que, no que diz respeito à cultura foi privilegiado.
REFERÊNCIAS
ALBURQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A feira dos Mitos: A fabricação do folclore e
da cultura popular. São Paulo: Intermeios, 2013.
FONTES
Revista do Instituto Cultural do Oeste Potiguar, 1991, Série “B”.
Revista do Instituto Cultural do Oeste Potiguar, 1989, Série “C”.
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INTRODUÇÃO
No dia 30 de outubro de 1911, os redatores do jornal A Republica noticiaram o
resultado de um concurso para eleição do nome da nova casa de diversões da cidade de Natal,
o Polytheama, localizada no bairro da Ribeira, na esquina em frente à praça Augusto Severo.
Conforme estampou o periódico, “o assunto da semana finda, do Alecrim ás Rocas e do Passo
á Solidão, foi o nome com que deverá ser chamada essa futurosa casa, que antes de abrir-se
já atrahe sobre si a curiosidade publica”744. Todos queriam certificar-se a respeito dos filmes.
Contudo, a técnica “era a verdadeira atração”745, uma vez que o aprimoramento do novo
aparelho, e o deslumbramento do público diante do cinematógrafo foram comumentemente
noticiados na imprensa local ao longo das primeiras décadas do século XX.
Nesse período, em Natal, os grupos dirigentes e os intelectuais ligados a eles
conduziram um intenso processo de transformações materiais, caracterizado por um
conjunto de ações sistematizadas do Estado na produção do espaço urbano. O ano de 1911
corresponde à introdução dos serviços públicos de eletricidade, a construção do forno de
incineração de lixo e a inauguração da rede de telefone na capital norte-rio-grandense. Tais
iniciativas foram executadas a partir de significativos incentivos governamentais e,
principalmente, por um empréstimo contraído aos banqueiros Perles Frères, Eugène
Vasseur e ao Banco Sindical Francês, em 1909, no intuito de acelerar o progresso da capital
e do estado através de investimentos nos “melhoramentos materiais”746.
Esses melhoramentos, termo que designava a modernização da estrutura física
citadina, foram pensados e efetivados “em nome da higiene e da salubridade urbanas”,
742 Graduanda do Curso de História, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes, campus Natal – Brasil. E-mail: karinelopes.2012@hotmail.com.
743 Docente do Departamento de História, da Universidade Federal do Rio Grande Norte (UFRN), Centro de
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associados aos ideias de saúde, bem-estar e beleza747. Conforme podemos observar nos
relatórios de intendentes e governadores do estado, as ações empreendidas pelos governos
de Alberto Maranhão e Ferreira Chaves intensificaram o processo de transformações
materiais na capital. Dentre as obras inauguradas nesse período, podemos destacar o jardim
da praça Augusto Severo, a reforma do cais Tavares de Lyra, o calçamento e arborização da
avenida Rio Branco, o embelezamento de praças e avenidas e a criação de um novo bairro,
denominado Cidade Nova.
Através do jornal A Republica, os grupos que dominavam a política local consideravam
essas inovações técnicas como decisivas a aceleração da vida na cidade, e propagavam um
discurso segundo o qual, apenas a partir do processo de remodelação urbana, Natal teria
condições de realizar “uma obra capaz de arrancar o estado do atraso a que o velho regime,
a monarquia, o condenara”748. Fundado por Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, em 1899,
o periódico representava o Partido Republicano Federal do Rio Grande do Norte e publicava
atos oficiais do estado e do município, constituindo-se como “o maior porta-voz do
governo”749. Além da veiculação de resoluções e editais da Intendência Municipal, aglutinou
o maior número de nomes e produções sobre a literatura, escritas por intelectuais da cidade,
participantes ou simpatizantes ao grupo familiar dos Albuquerque Maranhão.
O espírito do progresso manifestava-se no domínio da política. Os grupos dominantes,
as oposições políticas e os homens letrados alimentavam a concepção de que havia “uma
força guiando os povos rumo ao futuro, em marcha acelerada, e que era preciso abrir
caminho para que o Rio Grande do Norte fosse colhido por essa força, pudesse ser arrastado
pelo seu campo magnético, absorvido na sua voragem”750. A revista Cigarra, por exemplo,
criada por iniciativa de intelectuais ligados à administração de Juvenal Lamartine de Faria,
formava boa parte da opinião pública da altas camadas urbanas e apresentava matérias
747 ANDRADE, Alenuska Kelly Guimarães. A eletricidade chega à cidade: inovação técnica e a vida urbana em
Natal (1911-1940). 2009. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2009. p. 4.
748 ARRAIS, Raimundo; SIQUEIRA, Gabriela Fernandes de. Viver na Cidade: Algumas possibilidades de estudo
histórico das formas de sociabilidade urbana na Cidade de Natal nas primeiras décadas do século XX. In:
ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira; FAGUNDES, José Evangelista; ROCHA, Raimundo Nonato Araújo da. (Org.).
Reflexões sobre história local e produção de material didático [recurso eletrônico]. Natal: EDUFRN, 2017. p.
253.
749 SILVA, Maiara Gonçalves da. “Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal”: a vida intelectual
(no prelo). p. 4.
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relativas aos ambientes de interação social de uma parte da sociedade natalense nos eventos
esportivos e bailes de famílias importantes de todo o estado durante os anos finais do século
XX. Esse periódico “apresenta-se com fotografias da cidade, de festas e de momentos de
lazer; anúncios de eletrodomésticos e artigos da moda; contos e poemas” 751.
Embora o novo emergisse da política à indumentária, essas medidas de melhoramento
não alcançaram meramente o espaço material, uma vez que suscitaram “mudanças nos
sentidos e usos sociais dos espaços que emergiam das transformações materiais”752. A
partir dos cinemas Potytheama, Royal e Cine-Teatro Carlos Gomes, buscaremos assinalar a
emergência de novos valores e formas de sentir, por parte das altas camadas urbanas, que
se distinguiam dos valores e dos comportamentos das classes populares. Para tanto,
analisaremos crônicas publicadas no jornal “A Republica” e na revista “Cigarra”, por Aderbal
de França entre os anos 1928 e 1929, bem como por Manoel Dantas, cronista de Coisas da
Terra, assim como as críticas direcionadas aos espectadores e produtores dos filmes,
veiculadas nos referidos periódicos.
Através das crônicas, publicadas desde a grande imprensa aos pequenos periódicos
de vida efêmera, os homens de letras, assumindo posições de escritores-jornalistas,
observavam os novos tempos da cidade, as novas dinâmicas da vida urbana, e as
representavam nas colunas dos periódicos veiculados diariamente753. A partir desse gênero
literário, é possível obter indícios das cenas urbanas que se desenrolavam na sociedade
natalense no período em exame. Manoel Dantas, sob o pseudônimo de Braz Contente,
versava sobre temáticas próximas do dia a dia dos leitores a partir de crônicas, fazendo
alusão aos bondes elétricos em tráfego, aos clubes, aos passeios na praia, e aos cinemas.
Escritas entre os anos de 1907 a 1923, na coluna Coisas da Terra, essas crônicas
caracterizavam-se por “uma firme convicção nas obras e nas iniciativas necessárias para
preparar o futuro do Rio Grande do Norte”754, sob o desígnio de contribuir com a realização
do progresso na capital.
O recorte temporal desta pesquisa corresponde ao período de 1911-1929, período no
qual enfatizamos a inauguração do Cinema Polytheama (1911), o primeiro cinema que
751 ANDRADE, Alenuska Kelly Guimarães. A eletricidade chega à cidade: inovação técnica e a vida urbana em
Natal (1911-1940). Op. cit., p. 29.
752 SILVA, Maiara Gonçalves da. Op. cit. p.202.
753 Ibid, p. 202.
754 ARRAIS, Raimundo. Estudo introdutório. In: DANTAS, Manuel. Coisas da terra. Op. Cit. p. 11.
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instalou-se em caráter oficial na cidade, bem como a abertura do Royal Cinema (1913),
localizado no bairro da Cidade Alta. Finalizaremos nosso estudo em 1929, ano a partir do qual
foi-se desenhando, lentamente, um novo momento na história da cidade, haja vista a
consolidação de novos grupos políticos que ascendiam ao poder na capital desde a década
de 1920 e a influência da Segunda Guerra Mundial. Segundo Anchieta Fernandes, o Cine-
Theatro Carlos Gomes funcionou até o ano de 1932, tendo em vista o aumento do preço de
aluguel do prédio, instituído por Bertino Dutra, interventor federal no estado.
755 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 93.
756 SUSSEKIND, Flora. O rastro da técnica. In: ____. Cinematógrafo de letras: literatura, técnica e modernização
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bem como a escuridão das salas de exibição, atraíam também pelos namoros que
prometiam758.
Tal como assinalou Raimundo Arrais, ao enfatizar as divergências entre a “sociedade
elegante e confortável” e as condutas dos frequentadores nas salas de exibição nas
primeiras décadas do século XX, na cidade de Recife, o cinema “não apenas contribuiu para
mudar os hábitos antigos da cidade, como o de recolher-se antes das 9 horas da noite, mas
recebeu em suas plateias pessoas das mais diversas origens sociais” 759. Essa mudança de
hábitos provocada pelos cinemas também rompeu as portas do Teatro Carlos Gomes,
construído no centro do bairro da Ribeira, e aparentemente resguardado da presença de
camadas baixas da sociedade. Conforme enunciou Aderbal de França, secretário do jornal A
Republica: os teatros “surgem para em pouco tempo se transformarem em cinemas, e vão
os cinemas entrando nos palacios, que são os theatros”760.
A experiência de ir aos cinemas, contudo, não é única nem imutável761. Nos anos 20, a
indústria cinematográfica, principalmente norte-americana, adquiriu “um papel proeminente
como forma popular de lazer nas grandes cidades”762, visto que conseguiu colocar no
mercado sul-americano cerca de 70 milhões de metros de filme. Assim como observou a
historiadora Sheila Shvarzman, a partir das críticas cinematográficas de Octávio Gabus
Mendes publicadas na revista carioca Cinearte, nesse período o espetáculo cinematográfico
passou a ser associado à “evasão popular” e caracterizado, sobretudo, pelo exotismo763. Em
Natal, a atmosfera de surpresa e emoção lançavam os espectadores para fora de seu
cotidiano e, assim como os bondes elétricos, propiciou novas maneiras de vivenciar o tempo
na capital. Danilo, pseudônimo de Aderbal de França, diretor da revista Cigarra, se referiu a
essas transformações na coluna intitulada “impressões”:
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Assim como discorre Márcia Marinho, no seu estudo sobre as sociabilidades e lazer
na cidade (1900-1930), o período especificado na crônica designava um aceleramento no
ritmo das construções de ruas e edifícios, principalmente com o ajardinamento de praças, a
inauguração de linhas de bonde e a iluminação elétrica. As aspirações do grupo governante
local de reformar a cidade, tal como observou, materializava-se, por exemplo, na Estação
Balneária de Areia Preta, nas soirées do Natal Club e nas partidas de futebol do Stadium
Juvenal Lamartine, espaços orientados pelo desejo do grupo governante de irradiar essas
formas de sociabilidades até que elas alcançassem, em maior ou menor grau, todos os
grupos sociais765. Sob essa lógica, os novos sentidos atribuídos aos espaços públicos ou
instituições formais impulsionariam as ações dos indivíduos, uma vez que as novas regras de
conduta e novos usos dos espaços públicos implicaram “na adoção de um modelo
específico”766, elaborado e reelaborado pelas práticas sociais.
O teatro Carlos Gomes, projetado pelo arquiteto Herculano Ramos e inaugurado em
1904, ano em que se encerrava o primeiro mandato do governador Alberto Maranhão, teve
sua imagem gradativamente vinculada a um cineteatro, concebido como uma escola dos
bons costumes, já que possuía uma função educativa de moldar os comportamentos do
público durante os espetáculos, evocando principalmente o respeito aos artistas. A nova
phase do cinema em Natal, consoante designou uma matéria publicada pela revista Cigarra,
contrastava-se com a pobreza artística das fitas “puramente americanas”767, visto que exibia
“as produções de maior vulto da cinematografia moderna, não só por sua technica, por seus
scenarios e por seus reclames, mas também por seus artistas”768. A composição
heterogênea do público no cineteatro, bem como os efeitos das exibições cinematográficas
na população urbana, foram descritos nas crônicas de Braz Contente. Conforme assinalou o
cronista, “o que fatalmente acontecerá no “Carlos Gomes”, com o cinema barato, é a
damnificação material do edificio”769.
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Isso porque, diferentemente dos anseios dos grupos dominantes da cidade, para os
quais o teatro era uma das suas formas privilegiadas de sociabilidade, as plateias dos
cinemas receberiam um público das mais diversas origens sociais, travando-se, assim, uma
série de embates entre o progresso e o atraso770. No jornal A Republica, determinados
indivíduos dirigiam queixas à imprensa local, contestando principalmente o hábito de fumar
nos cassinos, a ausência de policiais nos estabelecimentos, o desconforto das salas e seus
pífios ventiladores, e os tumultos provocados por aglomerações na porta de entrada771. Em
tom de indignação, um indivíduo anônimo, atônito com as cenas observadas durante as
sessões, escreveu ao redator-chefe do periódico, na perspectiva de denunciar a presença de
crianças durante as sessões, e solicitar aos delegados de polícia dos bairros da Ribeira e da
Cidade Alta a retirada de sujeitos que desobedeciam ao “decoro público”, e se comportavam
de “maneira irregular nos cines”772. Conforme escreveu: “[...] a estranha algazarra é praticada
por pequenos que, desamparados dos seus responsáveis, frequentam os referidos cinemas,
nas noites de exhibições dos films em series, perturbando assim à “ordem e o silencio”
impostos na lei”773.
A educação era compreendida pelos grupos dominantes e intelectuais ligados a eles
como um “meio necessário para o processo de desenvolvimento da sociedade”774. A
consolidação do ensino profissional na capital, por exemplo, almejava prevenir a vadiagem
entre crianças e jovens, constituindo-se como uma das obras mais sensíveis do progresso,
haja vista que “a atenção do governo à preparação dos filhos dos pobres e dos remediados
para o exercício de um ofício se apoiava na confiança depositada nas virtudes civilizadoras do
trabalho, trabalho em franco contraste com o ócio, fonte de todos os vícios”775. Entre os anos
de 1920 e 1924, durante a gestão do governador Antônio de Souza, foram criadas no Estado
cinquenta e quatro escolas primárias, uma das condições para que a capital se projetasse
para o futuro através de um “sistema educacional eficiente”776.
770 ARRAIS, Raimundo. Estudo introdutório. In: DANTAS, Manuel. Coisas da terra. Natal, 2017 (no prelo). p. 16.
771 Sobre o desconforto nas salas. Cf. DE MINHA Carteira. A Republica, Natal, 19 dez. 1911. Sobre o
comportamento do público durante as sessões. Cf. OS DIVERTIMENTOS em Natal. A Republica, Natal, 7 mar.
1928.
772 POLICIAMENTO dos cinemas. A Republica, Natal, 8 jul. 1923. p.2.
773 POLICIAMENTO dos cinemas. A Republica, Natal, 8 jul. 1923. p.2.
774 FERNANDES, Gabriela. Entre a Cidade Nova e a Cidade das Lágrimas. In: ARRAIS, Raimundo. (Org.). A terra,
os homens e os sonhos: a cidade de Natal no início do século XX. Op. cit., p. 70.
775 ARRAIS, Raimundo Pereira Alencar. Estudo introdutório. In: DANTAS, Manuel. Coisas da terra. Natal, 2017
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Contudo, no dia 17 junho de 1921, uma matéria do Jornal do Norte, localizado no bairro
da Ribeira e dirigido por Café Filho, caracterizou a cidade de Natal como uma “espécie de
enferno desenganado”. Tal como observou o redator, os frequentadores dos cines
Polytheama e Royal se inquietavam diante da precariedade das estruturas físicas e
higiênicas desses estabelecimentos. As pessoas de pés descalços, as pulgas nos assentos
dos espectadores, o maior aviltamento das “fitas populares”, a ausência de preparo técnico
do operador e, sobretudo, o comportamento do público durante as sessões, assobiando,
batendo palmas e dando gritos, remetiam aos efeitos corrosivos da linguagem
cinematográfica, cuja indústria “contemplava demandas urgentes de massas
urbanizadas”777. Assim como descreviam os cronistas locais, observando o espetáculo em
sua totalidade, o cinema conflitava-se diretamente com a sociedade educada, uma vez que
“parecia estar sendo tomado por turbas grosseiras, desconhecedoras das regras de
comportamento que haviam sempre distinguido seu público”778.
Márcia Marinho associou tais inconformidades a uma imagem festiva, uma vez que as
descrições alusivas à rua “cheia de meninos e de outras pessoas na porta de entrada”
referiam-se, assim como pressupõe, ao comércio ambulante que movimentava a economia
informal, tumultuava a porta de entrada do Polytheama e provocava, portanto, as queixas
relatadas nos periódicos diários779. Assim, a multiplicidade de usos desses estabelecimentos
suscitavam deslumbramento e, sobretudo, cautela, principalmente pelo temor dos bem
pensantes locais “à corrupção da ordem familiar, a força das ruas atirando as mulheres e
ameaçando o papel a que estava destinada dentro daquela ordem, o papel de esposa e
mãe”780.
Os “exemplos perniciosos”, enfatizados pelas crônicas mundanas de Danilo,
impulsionaram mecanismos de controle desses estabelecimentos pela Intendência
Municipal e, ainda, pelo Governo do Estado. Tais agentes, vozes influentes dos chefes
políticos locais, atuavam nas esferas legislativa e executiva, versavam sobre uma série de
resoluções alusivas ao viver na cidade, e gerenciavam instrumentos legislativos acerca da
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circulação nas vias públicas, a delimitação das áreas urbanas, ao estabelecimento de regras
de aforamento e de salubridade pública, as normas das edificações, os impostos sobre as
profissões, e os nomes dos logradouros públicos781.
No intuito de disciplinar os espaços de exibição cinematográfica, incutindo neles as
regras de civilidade almejadas em um ambiente de interação social “elegante e
confortável”782, no discurso dos grupos dominantes locais, Joaquim Inácio Torres, vice-
presidente da Intendência no ano de 1923, publicou um regulamento no que tange à
formalização da venda e distribuição de ingressos nos estabelecimentos de lazer e diversão
da cidade. Segundo a resolução, afixada nos locais públicos na cidade e no jornal oficial, os
ingressos vendidos pelos proprietários dos referidos locais e não confiscados pelo “previo
carimbo com o “sinete” da Intendencia Municipal” estariam sujeitos ao pagamento de uma
multa de 50$ e 500$783. Na ausência de registros minuciosos sobre as tensões que
percorriam a tomada de decisões dos pontos em pauta, e mais especificamente sobre quais
indivíduos as multas eram de fato impostas, pressupomos a existência de camadas sociais
diversificadas que “ameaçavam o cumprimento das determinações empregadas
coercitivamente pela Intendência”784.
Um dos indícios da conflituosa relação entre a ação dos frequentadores dos cinemas
e o poder público consiste no “regulamento da segurança publica”, no qual o poder Executivo
– através do governo do Estado – oficializou a proibição de certas condutas durante os
filmes, e especificou uma série de normas para inspeção policial dos teatros, cinematógrafos
e casas de divertimento público. A partir do decreto n.322, publicado em 1927, podemos
identificar a instituição de novos hábitos e novos comportamentos durante as sessões,
conforme explicitou o artigo 269: “No recinto dos theatros e das casas de projeção, não se
poderá fumar, nem fazer uso de bebidas, que só serão servidas no botequim ou no jardim do
781 ARRAIS, Raimundo. Estudo Introdutório. In: ARRAIS, Raimundo. (org.). A terra, os homens e os sonhos: a
cidade de Natal no início do século XX. Natal: Sebo Vermelho, 2017. p. 18.
782 O texto “Viver na cidade: algumas possibilidades de estudo da cidade de Natal” analisa alguns espaços de
sociabilidades dos grupos dominantes, tais como o Aeroclube. In: ARRAIS; FERNANDES. Op. Cit., p. 277.
783 ACTO. A Republica, Natal, 30 dez. 1923. p.3.
784 Uma análise mais detalhada das resoluções publicadas pela Intendência Municipal no jornal A Republica foi
realizada pelo Grupo de Pesquisa Espaços na Modernidade, e está disponível na seguinte referência: ARRAIS,
Raimundo; ROCHA, Raimundo Nonato Araújo da; VIANA, Hélder do Nascimento. A Intendência e a cidade: fontes
para o estudo da gestão da cidade de Natal (1982 a 1919). Natal: EDUFRN, 2012. p.10.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O regime republicano na capital norte-rio-grandense pretendeu representar-se como
um regime novo. Os grupos que dominavam a política local difundiram um discurso segundo
o qual Natal superaria a sua condição de atraso a partir de um amplo processo de
investimentos materiais, por isso inauguraram novos espaços de sociabilização e diversão
ao longo da década de 1920 e, através deles, novas maneiras de experimentar o tempo, a
velocidade e o lazer. A partir dos cinemas, identificamos tensões no âmbito dos novos usos
que foram lançados sobre os espaços públicos da cidade, já que esses ambientes de
interação social se contrastavam, em grande medida, os preceitos de uma cidade salubre,
ordenada e higiênica.
Portanto, por meio da análise dos conflitos, mais especificamente das diferenças, em
torno de como os diferentes públicos deveriam moldar seus comportamentos e suas ações
nas salas de exibição da cidade no século XX, podemos questionar os cenários exclusivos de
prosperidade e de remodelação urbana instaurados no período republicano. Além disso, esse
estudo contribui para compreensão de que, no período especificado, não havia meramente
duas camadas sociais, uma formada pelo grupo governante e outra composta pelos
785 Regulamento do Departamento da Segurança Publica [baixado com o Dec. n. 322, de 19 de Março deste
anno]. A Republica, Natal, 8 abr. 1927. p. 2.
786 Idem. A Republica, Natal, 8 abr. 1927. p. 2.
787 SCHAVARZMAN, Sheila. Op. cit., p. 155.
788 PONTOS. A Republica, Natal, 09 jun. 1911.
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populares, haja vista que existiam diversas outras camadas sociais que, mesmo que por um
breve instante, interagiam entre si.
REFERÊNCIAS
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vida urbana em Natal (1911-1940). 2009. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de
Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2009.
ARRAIS, Raimundo Pereira Alencar; ROCHA, Raimundo Nonato Araújo da; VIANA, Hélder do
Nascimento. (Org.). A Intendência e a cidade: fontes para o estudo da gestão da cidade de
Natal (1982 a 1919). Natal: EDUFRN, 2012.
_______. Estudo introdutório. In: DANTAS, Manuel. Coisas da terra. Natal, 2017 (no prelo).
FERNANDES, Gabriela. Entre a Cidade Nova e a Cidade das Lágrimas. In: ARRAIS, Raimundo
Alencar Pereira. (Org.). A terra, os homens e os sonhos: a cidade de Natal no início do século
XX. Natal: Sebo Vermelho, 2017.
MARINHO, Márcia. Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque
natalense. Natal: UFRN, 2011.
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos
frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
SUSSEKIND, Flora. O rastro da técnica. In: ____. Cinematógrafo de letras: literatura, técnica
e modernização no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
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SCHAVARZMAN, Sheila. Ir ao cinema em São Paulo nos anos 1920. Revista Brasileira de
História. São Paulo: AMPUH, v. 25, n. 49, 2005.
SILVA, Márcio Inácio da. Nas telas da cidade: salas de cinema e vida urbana em Fortaleza
nos anos de 1920. Dissertação (Mestrado em História Social) – Programa de Pós-
Graduação em História, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2007.
SILVA, Maiara Juliana Gonçalves da. “Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal”: a
vida intelectual natalense (1889-1930). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de
Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2014
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