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José Alberto Tostes

(Organizador)

PESQUISA EM
ARQUITETURA E URBANISMO
NA AMAZÔNIA

MACAPÁ-AP
UNIFAP
2019
Copyright © 2019, Autores

Reitor: Prof. Dr. Júlio César Sá de Oliveira


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Cid, Romualdo Rodrigues Palhano, Rosivaldo Gomes, Tiago Luedy Silva e Tiago Silva da Costa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


T716p
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia / José Alberto
Tostes (organizador). – Macapá : UNIFAP , 2019.

Il.: 200 p.

ISBN: 978-85-547 6-072-4

1. Arquitetura e Urbanismo. 2. Arquitetura. 3. Urbanismo. I. José


Alberto Tostes. II. Fundação Universidade Federal do Amapá. III. Título.

CDD 720

Imagem da capa: José Alberto Tostes


Fotografias: Imagem LASA Cruzeiro do Sul/1966
Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica: Alice Agnes Weiser
Diagramação: Fernando Castro Amoras
Revisão: José Alberto Tostes

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É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem permissão dos organizadores.
É permitida a reprodução parcial dos textos desta obra desde que seja citada a fon te.
As imagens, ilustrações, opiniões, ideias e textos emitidos nesta obra são de inteira e exclusiva
responsabilidade dos autores dos capítulos.
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

APRESENTAÇÃO

São vários os fatores que envolvem a formação de redes interuni-


versitárias. No caso da Amazônia, além das redes não serem uma “no-
vidade”, o fator fundamental é a necessidade. É uma condição para o
soerguimento da educação superior na área de Arquitetura e Urba-
nismo na Amazônia, como forma de participação acadêmico-científica
nacional e sustentação de massa crítica, que o intercâmbio se desen-
volva e a cooperação efetivamente ocorra.
Consolidar uma comunidade científica onde a participação da
Amazônia seja competente, atuante e resultado de um processo exo-
genia-endogenia permanente, depende do reforço da qualidade do
pessoal e da condição sob a qual a liberdade acadêmica é exercida.
Uma noção fundamental para este processo de consolidação consiste
em compreender as instituições universitárias como portadoras de
pertinência social, como aquele elemento-chave para dar “sentido” e
respostas aos desafios institucionais que impõem um novo paradigma
de desenvolvimento econômico e social, bem como a participação da
sociedade na dinâmica das instituições locais.
A noção de pertinência social exige, no caso da Amazônia brasileira,
como uma condição que lhe é intrínseca o conhecimento especiali-
zado, mediado pelas demandas sociais. Isto significa entre outras coi-
sas analisar o perfil institucional das universidades da Amazônia e o
processo de produção do conhecimento: encaminhar-se para uma per-
tinência científica. Duas vertentes podem ser identificadas para o estí-
mulo à formação de redes, no viés da cooperação interuniversitária:
aquela que corresponde a uma dinâmica essencialmente governamen-
tal e aquela que envolve a dimensão regional.
A proposta da Rede Amazônia de pesquisa em Arquitetura e Urba-
nismo atualmente é a prática em menor escala das aprendizagens pe-
las instituições universitárias da Amazônia que não estavam despertas
(ou sequer existiam) quando tais experiências ganharam fôlego e de-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

senho próprio. O tamanho e histórico das instituições participantes


não as reduz em importância, mas distingue aquelas que desejam uma
identidade cooperadora “para fora” mais efetivo. Em conjunto com a
cooperação das instituições internacionais deverão ser agregados ou-
tros repertórios importantes para avançar na análise do patrimônio na
Amazônia, bem como os temas contemporâneos atuais.
A tendência da interação entre pesquisadores volta-se ao ambiente
interno das universidades ou entre as instituições interestaduais. Em
uma conjuntura de recursos cada vez mais escassos isto não se daria
de uma forma diferente; é necessário definir prioridade e investir ne-
las. Se observarmos a dinâmica de interação dos grupos de pesquisa,
baseando-nos nos dados do Diretório dos Grupos de Pesquisa do
CNPq, notou-se que muitos grupos de pesquisa tendem a interagir
“para dentro” e, provavelmente, através de experiências de iniciação
científica ou limitadas a projetos “sem custos”. Grandes e boas ideias,
porém, necessitam de visibilidade e o recurso financeiro tem que ir
para onde se obtenha resultados sociais e econômicos visíveis. Mas
outro fator também está presente: a dimensão territorial e os custos
para o deslocamento interno e no país como um todo. A viabilidade
financeira para projetos na Amazônia envolve somas nada tímidas em
termos operacionais. Isto, em si mesmo, coloca as redes em risco.
A formação de uma rede de pesquisa não se viabiliza necessaria-
mente a partir da existência das condições telemáticas. Dependem de
uma grande mobilização política e, principalmente, que os pesquisa-
dores estejam interessados no debate amazônico e sejam capazes de
pensar este debate. O lugar amazônico se reveste da amazoneidade
das atividades que possam ser produzidas e resultantes das atividades
de pesquisa e geração de conhecimento.
A Rede traz elementos importantes sobre esta visão: a primeira, de
que o tempo e o esforço das instituições por qualificação devem cor-
responder a crescente especialização de suas ações institucionais; a se-
gunda, de que é necessário que a pertinência científica ocorra no seio
dessas instituições e que a pesquisa e os pesquisadores se mobilizem
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

em razão de uma relação social consequente; e a terceira, de que não


as instituições emergentes que estão dispostas a consolidar-se e neces-
sitam ser cooperadoras para que isto se dê.
A origem da Rede Amazônia de pesquisa em Arquitetura e Urba-
nismo teve o seu começo no processo de cooperação entre a Universi-
dade Federal do Amapá e as instituições portuguesas a partir meados
de 2006. Após a assinatura dos convênios institucionais com as Uni-
versidades de Lisboa e Coimbra. Após mais de dez anos de diversos
trabalhos que resultaram em múltiplas ações entre ambas as institui-
ções, vislumbrou-se em outubro de 2016, em reunião na Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa, a realização de dois encontros
institucionais, o primeiro seria realizado no Brasil, e o segundo encon-
tro na cidade de Lisboa, ambos no ano de 2017.
Em fevereiro de 2017, foi realizado o I Encontro Institucional na ci-
dade de Macapá, tendo como sede a Universidade Federal do Amapá.
Na oportunidade, foram realizadas várias reuniões oficiais para dis-
cutir o processo de cooperação integrada, entre elas, a inclusão das de-
mais universidades da região. Durante esse evento ficou firmado o
compromisso de divulgação e as metas preliminares acordadas entre
ambas as instituições. Após esse primeiro encontro institucional, foi
dado conhecimento aos colegas pesquisadores da região amazônica
no II Seminário de Arquitetura Moderna na Amazônia, realizado na
cidade de Palmas, em março de 2017, a criação do Grupo de Pesquisa
da Rede Amazônia Luso-brasileira de pesquisa, que posteriormente
passou a ser denominada de Rede Amazônia de Pesquisa em Arqui-
tetura e Urbanismo registrado junto ao CNPq.
Como parte do processo de formação da Rede, foi realizado na ci-
dade de Belém, na Universidade Federal do Pará, na Faculdade de Ar-
quitetura e Urbanismo o encontro dos pesquisadores das universida-
des da Amazônia. Na oportunidade, vários assuntos foram discutidos
com a finalidade de definir as metas e estratégias que foram apresen-
tadas em março de 2018, no III Seminário de Arquitetura Moderna na
Amazônia realizado na cidade de Belém.
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Entre as principais metas da rede de pesquisa está em reduzir a


imensa disparidade inter-regional em todos os níveis. No caso da re-
gião, os indicadores não favorecem o fortalecimento da pesquisa, os
índices de publicação em periódicos especializados são reduzidos e
colocam as universidades em um “abismo” científico em relação as
demais regiões do Brasil.
Na área de Arquitetura e Urbanismo a situação é ainda mais grave,
por conta da existência de apenas 01 programa de Pós-graduação na
área de Arquitetura e Urbanismo, na Universidade Federal do Pará.
Cada universidade da região age como pode e de acordo com os limi-
tes definidos por restrições orçamentárias. Os recursos investidos para
pesquisa são tímidos e apenas pontuais estimulados mais pelos esfor-
ços dos pesquisadores que acessam os recursos através de editais do
que propriamente por uma ação articulada e integrada.
A pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na região é reduzida, pois
se considerarmos o fato que nos últimos anos, tem ocorrido tentativas
de formar novos doutores, principalmente nos estados do Amapá,
Amazonas e Maranhão. Os estados do Pará e do Tocantins possuem
estatisticamente o maior número de professores titulados, porém, só
no Pará tem um programa de pós-graduação na área de Arquitetura e
Urbanismo. Os estados do Acre e de Rondônia não possuem cursos de
graduação em Arquitetura e Urbanismo em universidades públicas,
somente instituições privadas.
Para corroborar com esse cenário é facilmente visualizado com os
investimentos na região Norte, comprovados no site do CNPq
(www.cnpq.br) no período de 2012 a 2017, percebe-se que a região su-
deste centraliza a maior parte dos recursos, ao passo que a Região
Norte registra índices inferiores a 5% do cenário nacional.
A concentração de pesquisadores titulados em outras regiões, por
sua vez, reforça a concentração dos investimentos em pesquisa e pós-
graduação nessa região, dificultando cada vez mais as condições de
concorrência dos pesquisadores amazônicos frente aos editais de fo-
mento às pesquisas nacionais.
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

É preciso estimular o crescimento da ciência, educação e tecnologia


na Região amazônica, pois sem uma unidade política intra-regional
em todas as esferas de governo, cada vez mais a região se distancia do
desenvolvimento dos centros mais avançados.
Nesse sentido, há necessidade do fortalecimento das ações de pes-
quisa a partir da construção de novas alternativas, a fim de melhorar
os índices de produtividade e qualificar os recursos humanos locais
com cursos strictu sensu local; estimular a produção acadêmica (pes-
quisa e pós-graduação) regional; e fortalecer as universidades amazô-
nicas, principalmente as periféricas/lindeiras.
Desde as suas primeiras discussões, esse projeto foi identificado
pela denominação de Rede de Pesquisa na área de Arquitetura e do
Urbanismo, indicada durante o I Encontro Institucional realizado na
cidade de Macapá, em fevereiro de 2017.
A denominação de Rede Amazônia de Pesquisa em Arquitetura e
Urbanismo congrega três pontos chaves, que são: a) o conceito de Rede
no sentido de potencializar a excelência de cada instituição parceira;
b) Universidades Amazônicas, como lócus de ação e centro de inte-
resse nacional e internacional e c) A integração com o contexto luso-
brasileiro e outros mecanismos internacionais.

OS ARTIGOS
Para o primeiro e-book, teremos a participação de diversos pesqui-
sadores que integram o projeto e com relevante experiência no desen-
volvimento de atividades acadêmicas e científicas na área de Arquite-
tura e Urbanismo.
Lúcia M. do Nascimento e Grete S. Pflueger, da Universidade es-
tadual do Maranhão. O artigo apresenta a construção da produção
moderna na cidade de São Luís, no período 1930 a 1960. As edificações
construídas na primeira metade do século XX já apresentavam uma
série de inovações técnicas construtivas na sua composição formal,
conforme é demonstrado pelas autoras.
José Alberto Tostes, Alice Agnes Weiser, da Universidade Federal
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

do Amapá, apresentam a condição do modernismo amapaense que


surge a partir de 1940, com a criação do novo Território Federal. O
estudo mostra o modelo de casa concebido pelo arquiteto, Oswaldo
Bratke aplicado através dos projetos de Vila Amazonas e Serra do Na-
vio baseado nas experiências de arquitetura vernacular já existente na
região.
Cybelle Miranda, Nathália S. Castro, Ronaldo Marques Carvalho,
da Universidade Federal do Pará, apresentam a investigação das ima-
gens nas capelas assistenciais da Santa Casa de Misericórdia e da Be-
neficente Portuguesa na cidade de Belém. O trabalho evidencia o diá-
logo entre a História da Arte e a preservação de monumentos, fato que
possibilita o amplo reconhecimento pela sociedade da importância
desses espaços sacros.
Helena L. Z. Tourinho, Roberta S. S. Barros e Antônio J. L. Corrêa,
da Universidade da Amazônia, apresentam a contribuição para o en-
tendimento das manifestações culturais e materiais difundidos pela
elite econômica que controlava a produção e exportação da borracha
vegetal na Amazônia, reproduzidos na cidade de Belém, período que
ficou conhecido como Belle Époque (1870 a 1910). O trabalho também
destaca a segregação socio espacial intraurbana que se manifestava na
localização da maior renda nos eixos de expansão urbana e no entorno
do segmento de comércio e serviços.
Joselia S. Alves, da Universidade do Acre, apresenta a discussão
sobre a implantação do “Programa Minha Casa Minha Vida” no es-
tado do Acre. Delineia um panorama geral da execução do programa
o que possibilita identificar, os principais problemas estruturais. A au-
tora constata as inúmeras deficiências e a baixa qualidade dos serviços
oferecidos, além da constatação de um elevado processo de segrega-
ção socioespacial, aspecto que se apresenta semelhante ao vem ocor-
rendo em diversas capitais da região e do Brasil.
Celma Pontes C. S. P. Vidal, da Universidade Federal do Pará,
apresenta a experiência da modernidade na capital do Pará inscrito
em um amplo contexto de transformações nacionais que ocorreram a
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

partir da década de 1930. O artigo demonstra a abordagem de diversos


processos presente em alguns edifícios públicos, com análise das ca-
racterísticas de sua arquitetura e extensão no contexto local. O estudo
se insere dentro de um campo disciplinar da Arquitetura e Urbanismo
da Região Amazônica.
Graciete G. da Costa, da Universidade Federal de Roraima, apre-
senta a experiência na área de Arquitetura e Urbanismo através do
programa Urban95 que trabalha as relações com o meio urbano. O ar-
tigo mostra as perspectivas de melhoria da cidade a partir de distintos
olhares de estudantes de diversas áreas, usando como base informa-
ções territoriais que são coletadas em campo e analisadas com um con-
junto de tecnologias.
José Marcelo Medeiros, da Universidade Federal do Tocantins e
Brenda B. Uliana, da Universidade Federal do Amapá, apresentam
um estudo de um Parque Urbano da Lagoa dos Índios na cidade de
Macapá, tem como fundamento investigar os conflitos para imple-
mentar um parque linear nas margens da Lagoa. O trabalho evidencia
as circunstâncias das chamadas áreas de várzeas, conhecidas com a
terminologia de “ressacas”, áreas consideradas de grande valor na
paisagem natural da cidade. O artigo demonstra como os projetos de
parques lineares ao longo de curso d´água podem auxiliar na recupe-
ração das margens e trazer reais benefícios ecológicos conforme mos-
tram os autores.

Macapá, 26 de março de 2019.

José Alberto Tostes


Coordenador do Grupo de Pesquisa da Rede Amazônia

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

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Sumário
Sumario / Contents

13 A memória da arquitetura moderna na cidade de São


Luís no Maranhão (Brasil) no período de 1930 a 1960
La memoria de la arquitectura moderna em la ciudad de São Luís em Ma-
ranhão (Brasil) en el período de 1930 a 1960
The memory of modern architecture in the city of São Luís in Maranhão
(Brazil) from 1930 to 1960
Lúcia M. do Nascimento, Grete S. Pflueger

33 A poética de Oswaldo Bratke e a arquitetura vernacular


na casa moderna da Vila Amazonas
La poética de Oswaldo Bratke y la arquitectura vernacular em la casa mo-
derna de la Villa Amazonas
The poetry of Oswaldo Bratke and the vernacular architecture in the mo-
dern house of Vila Amazonas
José A. Tostes, Ana P. C. Tavares

59 A sobrevivência da imagem nas capelas assistenciais


em Belém: uma discussão sobre a preservação do
patrimônio
La supervivência de la imagen en las capillas asistenciales en Belém: uma
discusión sobre la preservación del patrimonio
The survival of the image in the chapels in Belém: a discussion on the pre-
servation of heritage
Cybelle S. Miranda, Nathália S. Castro, Ronaldo M. Car-
valho

81 Estrutura intraurbana e segregação socioespacial na


Belém da Belle Époque (1870-1910)
Estructura intraurbana y segregación socioespacial em Belém de la Belle
Époque (1870-1910)
Intra-urban structure and socio-spatial segregation in Belém da Belle Épo-
que (1870-1910)
Helena L. Z. Tourinho, Roberta S. S. Barros, Antônio J. L.
Corrêa
11
107 A produção habitacional do Programa Minha Casa
Minha Vida em Rio Branco - AC
La producción habitacional del Programa Mi Casa Mi Vida em Río Branco
- AC
The housing production of the Minha Casa Minha Vida Program in Rio
Branco - AC
Josélia S. Alves

133 Arquitetura moderna e Estado na capital do Pará:


contribuições para a construção do campo
historiográfico
Arquitectura moderna y Estado en la capital de Pará: contribuciones a la
construcción del campo historiográfico
Modern architecture and state in the capital of Pará: contributions to the
construction of the historiographic field
Celma C. S. P. Vidal

157 URBAN95: Boa Vista, a cidade para as crianças e a


inovação tecnológica na Amazônia Setentrional
URBAN95: Boa Vista, la ciudad para los ninõs y la innovación tecnológica
en la región Amazonas Septentrional
URBAN95: Boa Vista, the city for children and technological innovation
in Northern Amazonia
Graciete G. da Costa

171 Áreas de Preservação Permanente Urbanas na região


Norte: um grande parque linear nas margens da Lagoa
dos Índios
Áreas de Preservación Permanente Urbanas en la región Norte: un gran
parque linear en los margenes de la Laguna de los Índios
Urban Permanent Preservation Areas in the North: a large linear park on
the shores of the Lagoa dos Índios
José M. M. Medeiros, Brenda B. Uliana

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

A memória da arquitetura moderna na cidade


de São Luís no Maranhão (Brasil) no período
de 1930 a 1960

La memoria de la arquitectura moderna en la ciudad de São


Luís em Maranhão (Brasil) en el período de 1930 a 1960

The memory of modern architecture in the city of São Luís in


Maranhão (Brasil) from 1930 to 1960

Lúcia M. do Nascimento
Mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernam-
buco (2004). Professora Titular da Universidade Estadual do Maranhão e pro-
fessora do Instituto Federal do Maranhão.
E-mail: luciamnascimentoarq@gmail.com

Grete S. Pflueger
Doutora em Urbanismo pelo PROURB-UFRJ (2011). Professora Adjunta IV do
curso de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Desen-
volvimento Socio Espacial e Regional da Universidade Estadual do Maranhão.
E-mail: gretepfl@gmail.com

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMO

São Luís, capital do Estado do Maranhão (Brasil), tem sua imagem ligada
principalmente à herança colonial dos séculos XVIII e XIX. Na primeira me-
tade do século XX, a cidade passa por intervenções, com o intuito de moder-
nizar sua estrutura, pautadas em ideais de higienização, circulação e embe-
lezamento, prevendo a criação de novas avenidas e a ampliação das estrutu-
ras do centro histórico, com a demolição de casario antigo, a exemplo do
alargamento da Rua do Egito e a construção de novas avenidas, como a Ave-
nida Magalhães de Almeida e a Avenida Getúlio Vargas, essa última serviu
de eixo de crescimento da cidade. Nos vazios deixados pelos imóveis demo-
lidos surgiram novas linguagens arquitetônicas que mudaram a imagem da
cidade. Estas novas linguagens compreendem o art decó, passando pelo ecle-
tismo historicista em fim de linha, até as chamadas manifestações românticas
ligadas à estética do pitoresco e o movimento de cunho nacionalista, como
neocolonial e a arquitetura modernista. Ressalta-se que estas edificações
construídas na primeira metade do século XX já apresentavam uma série de
inovações técnicas construtivas na sua composição formal, além de apresen-
tarem sistema de redes mecanizado de abastecimento de água e de coleta de
esgoto que incorporava o caráter de modernidade nessas arquiteturas. Algu-
mas dessas edificações romperam com a implantação colonial predominante
na época, quando esses prédios se afastaram dos limites dos lotes, resultado
das ideias higienistas que dominavam o país naquela ocasião. O presente
trabalho tem por objetivo apresentar a construção da produção moderna na
cidade de São Luís, no período 1930 a 1960, em especial a arquitetura da Rua
do Egito, das Avenidas Magalhães de Almeida e Avenida Getúlio Vargas,
eixos viários que fizeram parte do plano urbano de modernização da capital
maranhense.

Palavras-chave: Produção arquitetônica; arquitetura moderna; São Luís.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMEN SUMMARY

San Luis, capital del Estado de Maranhão (Brasil), São Luís, capital of the Brazilian state of Mara-
tiene su imagen ligada principalmente a la heren- nhão, has its image mainly related to the colonial
cia colonial de los siglos XVIII y XIX. En la primera heritage from the 18th and 19th centuries. In the
mitad del siglo XX, la ciudad pasa por intervenci- first half of the 20th century, the city went through
ones, con el propósito de modernizar su estruc- interventions aiming to update its structure, con-
tura, pautadas en ideales de higienización, circula- ducted by ideals of hygiene, circulation and be-
ción y embellecimiento, previendo la creación de autification. These interventions predicted the
nuevas avenidas y la ampliación de las estructuras construction of new avenues and the enlargement
del centro histórico, con la demolición de nuevas of the structures in the Historic Center by demo-
el caserío antiguo, a ejemplo de la ampliación de la lishing ancient houses, for example: the enlarge-
calle de Egipto y la construcción de nuevas aveni- ment of Rua do Egito and the construction of Ave-
das, como la Avenida Magalhães de Almeida y la nida Magalhães de Almeida and Avenida Getúlio
Avenida Getúlio Vargas, esta última sirvió de eje Vargas (the latter was the growth axis of the city).
de crecimiento de la ciudad. En los vacíos dejados The empty spaces left by the absence of the buil-
por los inmuebles demolidos surgieron nuevos dings brought new architectural languages that
lenguajes arquitectónicos que cambiaron la ima- changed the image of the city. These news langua-
gen de la ciudad. Estos nuevos lenguajes compren- ges include the Art Déco, including the historicist
den el art decó, pasando por el eclecticismo histo- eclecticism in its end and the romantic manifesta-
ricista en fin de línea, hasta las llamadas manifes- tions, connected to the aesthetic of the picturesque
taciones románticas ligadas a la estética del pinto- and to the nationalist movement, such as the neo-
resco y el movimiento de cuño nacionalista, como colonial and modernist architecture. It should be
neocolonial y la arquitectura modernista. Se re- noted that these constructions built in the first half
salta que estas edificaciones construidas en la pri- of the 20th century, which already presented a
mera mitad del siglo XX ya presentaban una serie number of technical and constructive innovations
de innovaciones técnicas constructivas en su com- in their formal composition, and a system of me-
posición formal, además de presentar sistema de chanized nets of water supply and sewage collec-
redes mecanizadas de abastecimiento de agua y de tion that transferred the character of modernity to
colecta de alcantarillado que incorporaba el carác- these architectures. Some of these constructions
ter de modernidad en esas arquitecturas . Algunas broke with the colonial implementation prevailing
de esas edificaciones rompieron con la implanta- at the time, when these buildings moved away
ción colonial predominante en la época, cuando from the limits of the lots, a result of the hygienic
esos edificios se alejaron de los límites de los lotes, ideas that ruled the country then. This paper aims
resultado de las ideas higienistas que dominaban to present the modern architectural production in
el país en aquella ocasión. El presente trabajo tiene the city of São Luís between the years 1930 and
por objetivo presentar la construcción de la pro- 1960, especially in Rua do Egito, Avenida Maga-
ducción moderna en la ciudad de São Luís, en el lhães de Almeida and Avenida Getúlio Vargas,
período 1930 a 1960, en especial la arquitectura de road axes that took part in the urban plan of mo-
la calle de Egipto, de las Avenidas Magallanes de dernization of Maranhão's capital.
Almeida y Avenida Getúlio Vargas, ejes viales que
formaron parte del plan urbano de modernización Keywords: Architectural production, modern ar-
de la capital maranhense. chitecture, São Luís.

Palabras clave: Producción arquitectónica; arqui-


tectura moderna; San Luís.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Introdução com os pontos cardeais. As facha-


das das edificações apresentavam
O objetivo deste artigo foi ana- regularidade em toda a extensão
lisar o surgimento da linguagem da rua, ocupando toda testada do
da arquitetura moderna em São lote e não possuíam recuos fron-
Luís (MA), de forma a identificar tais, marcando, assim, o modelo
a produção arquitetônica implan- implantado pelos espanhóis em
tada na cidade, no período de suas cidades coloniais3 (AN-
1930 a 1960, em especial, na Rua DRÈS, 1998). O século XVIII e XIX
do Egito e nas Avenidas Maga- foi marcado pelo fortalecimento
lhães de Almeida e Getúlio Var- das atividades agroexportadoras,
gas. Para tal, foi realizada uma o que colocou a capital mara-
pesquisa histórica e iconográfica nhense como a quarta cidade
da evolução da cidade. mais desenvolvida do país neste
A cidade de São Luís, capital período. Mas, no fim do século
do Estado do Maranhão (Brasil), XIX, com a abolição da escrava-
fundada por franceses (1612)1, in- tura (1888) e a desvalorização das
vadida por Holandeses (1641- propriedades rurais, inicia-se
1644) e colonizada por portugue- uma crise econômica que estag-
ses, nasceu planejada. O plano ti- nou a economia e se estendeu até
nha por objetivo formalizar o do- as primeiras três décadas do sé-
mínio e a posse dos portugueses culo XX.
no território. Para isso, foi contra- A cidade cresceu lentamente e
tado o Engenheiro Militar Fran- chegou à terceira década do sé-
cisco Frias de Mesquita para ela- culo XX apresentando, na maioria
borar o primeiro plano urbano da de suas edificações, o modelo de
cidade (1618)2. Este plano consis- implantação do lote dos séculos
tia num modelo de arruamento passados. Nesse período, São
ortogonal, organizado de acordo

1 Os franceses permaneceram em São Luís até 1615, quando foram expulsos pelos portugue-
ses.
2 Este plano foi registrado em 1640.
3 Neste período Portugal fazia parte da União Ibérica.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Luís foi objeto de planos urbanos4 mentos e escolas arquitetônicas e


inspirados no discurso de moder- contribuições individuais que
nização vigente, e que estavam surgiram com as inovações técni-
atrelados às ideias de progresso cas construtivas provenientes da
científico, tecnológico e das mu- Revolução Industrial, e que pri-
danças econômicas e sociais trazi- mavam pela ruptura com o pas-
das pelo capitalismo, mas, tam- sado, por meio da criação de algo
bém, pelo abandono dos modelos novo. Compreende a arquitetura
de composição e distribuição fun- produzida durante grande parte
cional tradicional que estiveram do século XX e engloba as lingua-
em vigor por séculos. Esses pla- gens que designamos como Art
nos eram pautados em ideais de Déco, passando pelo ecletismo
higienização, circulação e embe- historicista em fim de linha, até as
lezamento, e previram a criação chamadas manifestações român-
de novas avenidas e ampliação ticas ligadas à estética do pito-
das estruturas da cidade, com a resco e o movimento de cunho
demolição de casario antigo, a nacionalista, como neocolonial e
exemplo do alargamento da Rua a arquitetura modernista, para al-
do Egito e a construção de novas guns autores, o moderno.
avenidas, como a Magalhães de
Almeida e a Getúlio Vargas, essa A construção do moderno em
última serviu de eixo de expansão São Luís
da cidade. Essas intervenções
contribuíram para a renovação da As principais transformações
paisagem urbana da cidade, o urbanas modernizadoras em São
que ocasionou o surgimento da Luís tiveram lugar na segunda
arquitetura moderna em São metade do século XIX, por meio
Luís. da implantação de serviços públi-
Definiremos como Arquitetura cos na cidade, como a instalação
Moderna o conjunto de movi- de iluminação a gás (1861) nas

4 Planos de Remodelação dos Prefeitos Otacílio Saboya (1936) e Dr. Pedro Neiva de Santana
(1937-1945) na gestão do Interventor Federal Paulo Martins Ramos, Governador do Estado
do Maranhão. Plano de Ruy Mesquita em 1950 e 1958 e Haroldo Tavares em 1977.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

vias públicas, e a introdução do ocorreu, de certa maneira, devido


serviço de transporte público por à crise econômica e política que o
meio de bondes (1871), a princí- Estado atravessava. As propostas
pio movidos por tração animal, e de remodelação e melhoramentos
a implantação de água canalizada urbanos implantados se apresen-
pela Companhia de Águas do Rio taram fragmentadas, no sentido
Anil (1874). de que não foram integradas a ne-
Foi nesse período, também, nhum plano maior, que englo-
que surgiram as primeiras inter- basse a cidade como um todo.
venções urbanas de caráter sani- Em 1936, o então Governador e
tarista, que na capital mara- Interventor Federal do Estado
nhense se limitaram aos projetos Novo no Maranhão, Paulo Mar-
de espaços públicos, e foi uma tins de Sousa Ramos5, nomeou o
tentativa de criar uma imagem engenheiro José Otacílio de Sa-
moderna para a cidade, mas com boya Ribeiro6 para administração
forte influência europeia em municipal, com o intuito de ela-
pleno nordeste; mas não consisti- borar um plano de remodelação
ram, de fato, em aplicações do ur- da cidade, inspirado no discurso
banismo moderno então nas- da modernização, e tinha como
cente. cenário inspirador as mudanças
A preocupação em modernizar estruturais bem diversificadas,
a cidade de São Luís, caracteri- como as resultantes de Paris de
zada pela arquitetura colonial, Haussmann, e de algumas cida-
inicia-se a partir da década de des brasileiras, a exemplo das
1930. Até esse momento, a forma propostas de Alfred Agache para
urbana herdada do século XVIII e o Rio de Janeiro, na gestão do pre-
XIX se mantinha, mesmo com as feito Pereira Passos (1902-1906), e
ações pontuais de remodelações o Plano de Saneamento e expan-
ou melhoramentos urbanos. Isso são de Santos, São Paulo, de Sa-

5 Paulo Ramos (1896-1969) nasceu em Caxias (MA) e foi o interventor Federal no Maranhão
no período de 1930 a 1945, nomeado por Getúlio Vargas.
6 Otacílio de Saboya Ribeiro (1899-1967) nasceu no Rio de Janeiro e foi nomeado Prefeito de

São Luís nos anos de 1936 e 1937.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

turnino de Brito. a cidade velha à cidade nova, a


O Plano de Remodelação de Avenida Getúlio Vargas, em ho-
Otacílio Saboya visava transfor- menagem ao Presidente da Repú-
mar a velha capital colonial em blica na época.
uma cidade com feição moderna, Mas as ideias modernizantes
através de ações de melhoria da de Otacílio Saboya não foram
circulação de veículos, sanea- bem recebidas pela população,
mento e embelezamento urbano. principalmente no que tange à
Uma das prioridades deste plano demolição de edificações com va-
foi a ampliação de ruas e a aber- lores históricos e artísticos, ge-
tura de avenidas no tecido ur- rando um debate político sobre a
bano, totalizando cinco, para me- preservação do patrimônio histó-
lhorar a circulação de veículos. rico. Outro ponto que gerou des-
Essas novas avenidas ligariam os conforto na época foi a cobrança
principais espaços públicos da ci- de taxas para obras nas diferentes
dade, existentes ou a construir zonas da cidade, e para os melho-
(Praça João Lisboa, Praça Pedro II ramentos e benefícios urbanos,
e a Praça do Mercado), a equipa- como taxa de limpeza urbana, jar-
mentos urbanos (estação ferrovi- dins, iluminação pública, conser-
ária, mercado central). Esses es- vação das vias públicas, taxas
paços seriam ligados por ruas que para melhoramentos urbanos e
seriam alargadas, aproveitando o taxas para cortiços, casas de habi-
leito carroçável existente, ou por tação coletiva, por ambiente ou
avenidas que cortariam o tecido compartimento (LOPES, 2004).
urbano em diagonal, que exigiu a Essa insatisfação teve como con-
demolição de prédios com valor sequência a exoneração, em 1937,
histórico e a implantação de uma de Otacílio Saboya, por parte do
nova linguagem arquitetônica, Interventor Federal Paulo Ramos.
diferente da usual. Foi prevista, Dr. Pedro Neiva de Santana7
também, uma avenida que ligaria foi o sucessor de Otacílio Saboya

7 Dr. Pedro Neiva de Santana (1907-1984) nasceu em Nova Iorque (MA) e foi prefeito de São
Luís, nomeado por Paulo Ramos, no período de 1938 a 1945. Foi governador do Estado do
Maranhão entre 1971-1975.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

e ficou encarregado de executar com clareza uma sobreposição de


algumas obras do Plano de Re- uma diagonal sobre o tecido pre-
modelamento da Cidade, a exem- existente, o que acarretou a de-
plo da construção do novo mer- molição de vários prédios coloni-
cado central, da Avenida Maga- ais. Essa avenida partiu de aspira-
lhães de Almeida, do alarga- ções dos gestores de dar uma apa-
mento da Rua do Egito e a cons- rência moderna à cidade.
trução da Avenida Getúlio Var- Outra intervenção de grande
gas. impacto na cidade foi a constru-
Com o alargamento da Rua do ção da Avenida Getúlio Vargas,
Egito, vários casarões coloniais e em 1942, que seguiu o eixo deter-
ecléticos foram demolidos, e minado pelo antigo Caminho
houve uma quebra na morfologia Grande, pois devido a delimita-
urbana tradicional, principal- ção geográfica imposta pelos Rios
mente no que tange à implanta- Anil e Bacanga, a expansão da ci-
ção da edificação no lote, o que dade deveria seguir esse eixo.
acarretou na ruptura da relação Essa avenida avançava para o su-
do edificado com o espaço pú- búrbio da cidade, e foi palco de
blico. As edificações se libertam várias construções modernas e
dos limites dos lotes, ou seja, apa- chalés ecléticos, o que acarretou a
receram os afastamentos (recuos) migração da população de média
laterais, posterior e frontal, mas e alta renda, antes instalada na
as fachadas ainda conservaram o Praia Grande, para essa avenida
alinhamento (paralelismo) com a ou em seus arredores. Estas famí-
via pública. Com isso, desaparece lias vislumbravam um novo
a noção de unidade e homogenei- modo de viver e morar, contribu-
dade do conjunto arquitetônico, indo assim para o início do pro-
característica típica do quarteirão cesso de abandono e desvaloriza-
e lote tradicional. ção da área central.
Neste período também, foi As iniciativas do interventor
prevista a abertura da Avenida Federal Paulo Ramos inseriram
Magalhães de Almeida (1940- em São Luís a ideia de moderni-
1942) permitindo-nos reconhecer dade que já era realidade em ou-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

tras capitais brasileiras, e isso se tucionais, que dividiam o espaço


refletiu em algumas edificações com a arquitetura colonial.
modernistas residenciais e insti-

Figura 1. Vista aérea do centro histórico da cidade de São Luís, com as áreas de expansão da
cidade.

Fonte: Lúcia Nascimento (2015), sobre base do Google Earth.


Fonte: Severiano Porto, c.1975.

Em 1950, a cidade precisava se tro antigo, com outras vias, de


adequar tanto ao tecido urbano forma a alcançar áreas ainda não
tradicional como às novas exigên- exploradas a contento. Esse plano
cias funcionais de equipamentos continha um teor de moderni-
de serviço e circulação viária. dade, como os planos anteriores,
Desta forma, o então diretor do e tinha a intenção de descentrali-
Departamento de Estradas e Ro- zar a cidade
dagem, Engenheiro Ruy Mes- antiga, designando novas cen-
quita8, elaborou o “Plano Rodovi- tralidades, de forma a criar uma
ário de São Luís”, no qual vislum- cidade nova do outro lado dos
brava a cidade para além do cen- rios Anil e Bacanga.

8 Ruy Ribeiro Mesquita (1919-1979) nasceu em Sergipe e se formou engenheiro pela Escola
Politécnica da Universidade Federal da Bahia. Veio para o Maranhão na Gestão do Gover-
nador Sebastião Archer (1947-1951), a convite do então diretor do Departamento de Estra-
das e Rodagem, Emiliano Marcieira.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Oito anos depois, o próprio trada e saída de produtos do Es-


Ruy Mesquita elabora o “Plano tado, via mar.
de Expansão da Cidade de São Em 1975, na Gestão do Prefeito
Luís” (1958), que mantém o cará- Haroldo Tavares (1971-1975), foi
ter dos vetores rodoviários do lançado o 1º Plano Diretor de São
plano anterior e propõe a separa- Luís, que propôs um Anel Viário
ção de funções e a segregação re- que tinha por objetivo melhorar o
sidencial, sendo o primeiro docu- tráfego de veículos da cidade e
mento técnico que trata sobre o serviu como uma barreira de pro-
crescimento da cidade (BARROS, teção para o atual centro histó-
2001). Esse plano tinha como rico.
ponto principal a construção de Ressalta-se que todos os pla-
pontes, uma sobre o rio Anil ou- nos urbanos foram instrumentos
tra sobre o Rio Bacanga. A cons- que buscavam transformar a ci-
trução da primeira ponte sobre o dade de São Luís numa cidade
Rio Anil estava prevista para moderna, como foi possível ob-
acontecer em 1957, e deveria in- servar através do Código de Pos-
terligar a Rua do Egito ao bairro turas (1936), que indicava a obri-
do São Francisco, porém, isso só gatoriedade de afastamentos en-
aconteceu em 1970 (Fig. 1). tre as construções, bem como a
Outra ponte sobre o Rio Anil necessidade de janelas em todos
foi construída em 1968, a ponte os ambientes, com ligação para
do Caratatiua, que visava dimi- área externa, o que mostrava uma
nuir a distância do centro da ci- preocupação com a higiene e a sa-
dade à Praia do Olho d’água. lubridade, contribuindo assim
Com essa ponte, cresceu o nú- para o surgimento de novas lin-
mero de casas residenciais para o guagens nas áreas previstas nos
norte da cidade, devido à facili- referidos planos, e em outros
dade de circulação (BARROS, pontos da cidade de forma mais
2001). Já a ponte sobre o Rio Ba- reduzida.
canga facilitou o acesso com a
ponta do Itaqui, que no futuro re-
ceberia o porto principal de en-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

A arquitetura moderna do sé- surgiu no final do século XIX,


culo XX em São Luís chegando até as primeiras déca-
das do século XX. Em São Luís,
O século XX, em São Luís, foi esse estilo se apresenta por meio
marcado pelo aparecimento de de platibandas ornamentadas,
novas linguagens arquitetônicas pelo uso de pináculos e pinhais
que diferenciavam da tradicional na parte superior da edificação e
pela utilização de novos materi- pela busca pela simetria. É inte-
ais, provenientes da revolução da ressante ressaltar que o eclético,
indústria da construção civil, tais em muitos casos, restringiu-se so-
como: concreto armado, instala- mente às fachadas (Fig. 2).
ções hidráulicas, elétricas, o ferro Outra linguagem que buscou
e o vidro; e, também, por não se transformar São Luís numa ci-
enquadrarem em nenhuma lin- dade moderna foi o neocolonial.
guagem surgida anteriormente. Esta linguagem era baseada no
Essas edificações antecedem no passado colonial, mas adaptada
tempo ou acontecem simultanea- às necessidades do presente, e
mente com ao movimento mo- teve seu auge, no Brasil, na dé-
derno no Brasil, e compreendem cada de 1920.
edifícios Art Déco, passando pelo
ecletismo historicista em fim de Figura 2. Vista de edificações ecléticas na
Avenida Magalhães de Almeida (a) e na
linha, até as chamadas manifesta- Avenida Getúlio Vargas (b).
ções românticas ligadas à estética
do pitoresco e o movimento de
cunho nacionalista, como neoco-
lonial e a arquitetura modernista
(QUEIROZ, 2011).
A linguagem eclética corres-
ponde à utilização de elementos
de diferentes linguagens na edifi-
cação, com o intuito de produzir
uma arquitetura fora de seu
tempo histórico. Essa arquitetura
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

o neocolonial foi a primeira ex-


pressão artística dirigida explici-
tamente pela procura de uma
identidade nacional. Apesar da
construção dessa linguagem, em
São Luís, ser um pouco tardia em
relação ao restante do país, quase
vinte anos depois, percebemos
Fonte: Acervo da Autora (2015). que os construtores maranhenses
buscaram inspiração em constru-
Figura 3. Vista de um bangalô Neocolonial ções dessa linguagem nas gran-
na Rua do Egito (a) e na Avenida Magalhães
de Almeida (b). des cidades, como Rio de Janeiro
e São Paulo.
O neocolonial esteve presente
principalmente em residências
unifamiliares. Em São Luís, pode-
mos encontrá-las em moradas tér-
reas e na tipologia bangalôs (Fig.
3). Os bangalôs surgiram, em São
Luís e no Brasil, influenciados
pelo cinema e por revistas femini-
nas e de variedades, que mostra-
vam a última moda arquitetônica
e decorativa das casas dos astros
de Hollywood. Esse tipo de edifi-
cação teve sua origem na colônia
inglesa na Índia, como uma casa
térrea avarandada; mas aqui em
São Luís, essa tipologia foi repre-
sentada por uma edificação de
Fonte: Lúcia Nascimento (2015) e Marcio
Vasconcelos (2011). dois pavimentos (LOPES, 2008).
Os bangalôs apresentaram
Segundo Bruand (2002 [1981]), uma implantação diferenciada da
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

tradicional, na qual o imóvel se Getúlio Vargas, um dos princi-


desprende dos limites do lote, pais eixos de expansão da cidade,
surgindo assim os afastamentos a partir da terceira década do sé-
frontais, laterais e posterior, típi- culo XX.
cos das tipologias modernas que
tinham por objetivo iluminar e Figura 4. Vistas dos Chalés na Avenida Ge-
túlio Vargas.
ventilar todos os cômodos da
casa, dando salubridade a esses
ambientes. Nesse momento,
rompe-se com o padrão das edifi-
cações coloniais geminadas sem,
no entanto, comprometer a con-
formação da rua corredor. Houve
uma quebra na relação do espaço
público com o privado, que antes
era realizado por meio das facha-
das; nesta nova edificação, o re-
cuo é o elemento de ligação pú-
blico e privado, o que contribuiu
para uma nova relação morfoló-
gica, onde as fachadas laterais
passam a fazer parte da imagem
da cidade, e o volume e a massa
edificada vão absorver o estímulo Fonte: Lúcia Nascimento (2015).

da comunicação estética entre o


edifício e o espaço urbano (LA- O chalé era uma construção
MAS, 2011). que surgiu como uma habitação
Acompanhando esse modelo temporária ou camponesa, no sé-
de implantação temos os Chalés, culo XVII. O chalé se tornou uma
uma manifestação da arquitetura opção de moradia permanente
romântica em São Luís. Essa lin- para as classes média e alta em
guagem arquitetônica tem sua São Luís, que abandonaram o
imagem relacionada à Avenida centro antigo, considerado insa-

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

lubre no momento. Esse tipo de emissoras de rádio que difun-


edificação buscou trazer a sensa- diam novas formas de lazer e cul-
ção da vida no campo, mas, por tura.
outro lado, também remetia à O primeiro prédio com essa
modernização técnica advinda da linguagem, em São Luís, foi a
industrialização, por meio de Sede da Empresa de Correios e
seus elementos construtivos (Fig. Telégrafos (1935), construída a
4). partir da demolição de uma casa
Já o Art Déco foi um conjunto colonial térrea, de uso comercial.
de manifestações artísticas que Essa instituição foi responsável
envolvia vários campos discipli- pela divulgação da linguagem
nares, como a arte, a decoração, a Art Déco no Brasil, com a cons-
arquitetura, o cinema e o mobiliá- trução de novas sedes nas capi-
rio, originado na Europa e que se tais. O projeto foi elaborado em
disseminou pelas Américas do 1930, pelo arquiteto carioca Ra-
Norte e do Sul, chegando ao Bra- phael Galvão (1894-1965), que
sil na década de 1920. Seu lança- projetou diversos edifícios nesta
mento e divulgação mundiais linguagem pelo Brasil.
ocorreram em 1925, na Exposition O projeto foi considerado arro-
Internationalle des Arts Décorati- jado, pois apresentou influências
ves et Industrielles Modernes, em do cubismo, causando impacto
Paris (CZAJKOWSKI, 2000). na cidade; além de sua destacada
O Art Déco foi a primeira ex- implantação de esquina no cora-
pressão da modernidade, e teve ção do Centro histórico de São
sua consolidação e apogeu nas Luís (Fig. 5a). A fachada principal
décadas de 1930 e 1940. São Luís é caracterizada pelas linhas verti-
acompanhou essa tendência cais dos vãos das janelas, as quais
mundial. A introdução desta lin- são interrompidas pela horizon-
guagem, inicialmente esteve atre- talidade da marquise que marca a
lada a edifícios institucionais, a entrada principal (LOPES, 2008).
lojas de departamentos, que in- Também encontramos em São
troduziam um novo conceito de Luís edificações com fins cultu-
comércio, de cinemas, clubes e rais e comerciais nessa lingua-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

gem, a exemplo do Cine Roxy


(1939), hoje o Cine Teatro da Ci-
dade de São Luís (Fig. 5b) e o
Mercado Central (1941). Essas
edificações, como todas as de-
mais da cidade, conciliavam as-
pectos inovadores do moderno
com vínculos com o passado, a
exemplo da composição de ma-
triz clássica, que recupera o viés
decorativo, expresso na volume-
tria e pela utilização da simetria,
axialidade e hierarquia na organi-
zação da planta. O acesso à edifi-
cação é centralizado ou, em al-
guns casos, valorizando a es-
quina; as fachadas são divididas
em três partes, a base, o corpo e o
coroamento (CZAJKOWSKI,
2000).

Figura 5. Vista de Edificações Art Déco em


São Luís: Sede dos Correios (a); Cine Teatro
da Cidade de São Luís (b); Edificações de uso
misto, no térreo, lojas; e nos pavimentos su-
periores habitações (c, d).

Fonte: Lúcia Nascimento (2017) e www.ka-


maleão.com (b).

Foi possível, também, identifi-


car o Art Decó em vários exem-
plares de habitação multifamiliar
na Avenida Magalhães de Al-

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meida (Fig. 5c e 5d). Essas edifica- sede do Ministério da Educação e


ções apresentavam marquises, Saúde (1945) que marcou o ponto
varandas semiembutidas, plati- inicial de uma arquitetura pró-
bandas com linhas em alto relevo pria brasileira (SEGAWA, 2014;
horizontais. Infelizmente, boa MINDLIN, 2001).
parte desse acervo arquitetônico Seguindo essa tendência nacio-
vem sofrendo um processo cons- nal, a arquitetura modernista em
tante de descaracterização. São Luís surgiu na década de
A década de 1950 foi marcada 1950 e foi implantada através de
pela legitimação e reconheci- arquitetos provenientes de outros
mento mundial da arquitetura estados do Brasil que aqui chega-
modernista do Brasil. Fato que se ram, principalmente das cidades
deu pela Exposição Brazil Builds do Rio de Janeiro e de São Paulo,
(1943), de Philip Goodwin, em dos quais destacamos os arquite-
Nova Iorque; pela publicação do tos paulistas Cleon Furtado e
Livro “Arquitetura Moderna do Braga Diniz, que divulgaram a ar-
Brasil” (1956), de Henrique Min- quitetura moderna em São Luís,
dlin; e pela publicação de vários através de inúmeros projetos resi-
periódicos especializados sobre denciais modernistas.
essa linguagem no Brasil, a exem- Podemos encontrar na lingua-
plo de Acrópole (1941-1971) e Ar- gem moderna em São Luís as se-
quitetura e Engenharia (1946- guintes características: o uso do
1965). concreto armado como sistema
Essa arquitetura modernista construtivo, jogos de formas e vo-
seguia os princípios da corrente lumes nas fachadas, presença de
funcionalista que teve como pilotis, utilização de cobogós e ja-
grande divulgador o arquiteto nelas ao longo da fachada e da co-
suíço Le Corbusier. Mas essa ar- bertura tipo borboleta (Fig. 6a).
quitetura surgiu de forma embri-
onária, em 1925, com Gregori
Warchavchik, que projetou a pri-
meira casa com os preceitos mo-
dernos. Mas foi a construção da
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)
Figura 6. Vista de uma casa modernista na do Maranhão, edifício com estru-
Avenida Getúlio Vargas (a); Edifício João
Goulart na Avenida Pedro II (b) e vista da an- tura metálica, que possui sua fa-
tiga Sede do Banco do Estado do Maranhão chada principal com grandes ja-
(c).
nelas horizontais de vidro e li-
nhas simples e retas. A fachada
lateral esquerda é revestida por
um grande painel de azulejo de-
corativo de autoria de Antônio
Almeida, artista maranhense,
com desenhos que representam
figuras da cultura popular mara-
nhense, mescladas com imagens
religiosas. Esse painel azulejado
foi inspirado no prédio do Minis-
tério da Educação e Saúde (MES),
no Rio de Janeiro (Fig. 6b e 6c).

Considerações finais
Fonte: Lúcia Nascimento (2015).
O processo de modernização
Essa linguagem surgiu em ha- de São Luís esteve ligado a três fa-
bitações unifamiliares, posterior- tores. O primeiro, as intervenções
mente, mas especificamente na urbanas que marcaram a pri-
década de 1960 a paisagem da ci- meira metade do século XX e es-
dade é modificada pela constru- tavam respaldadas em melhorar
ção de grandes edificações de es- a circulação de veículos na capi-
critórios e apartamentos, os pri- tal, mas também com as ideias de
meiros arranha-céus do Mara- higienização, de maneira a soluci-
nhão, a exemplo do Edifício João onar os problemas de insalubri-
Goulart (1957), do Edifício Sula- dade que contribuíam para pro-
cap (1950) e do prédio onde fun- pagação de doenças. Era preciso
cionou o antigo Banco do Estado construir uma imagem moderna
de uma cidade higienizada e or-
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ganizada, como forma de reverter vem sofrendo constantes descara-


o processo de decadência econô- terizações e, em alguns casos, seu
mica que se encontrava a cidade e total desaparecimento. Muito
a região. O segundo fator está re- pela falta de consciência da popu-
lacionado à implantação de insti- lação da importância desse
tuições públicas (Correios e INSS) acervo para a cidade, mas, tam-
e privadas (Sulacap); e o terceiro bém, pela ausência de políticas
foram as construções projetadas públicas voltadas para sua pre-
por arquitetos provenientes de servação e conservação.
outros estados, a exemplo de A arquitetura do século XX
Cleon Furtado e Braga Diniz. tem sido pouco estudada e explo-
Todas essas intervenções urba- rada, em decorrência da força do
nas e arquitetônicas contribuíram conjunto colonial arquitetônico
para o surgimento de novas lin- luso-brasileiro inscrito na lista de
guagens arquitetônicas que de- Patrimônio Mundial da Unesco
ram um ar moderno à cidade, (1997), que concentrou os esfor-
pelo fato de modificarem a im- ços na preservação do conjunto
plantação das edificações nos lo- colonial tombado, deixando o sé-
tes, com o surgimento dos afasta- culo XX à margem das investiga-
mentos frontais e laterais, como ções e de ações voltadas para sua
forma de melhorar a qualidade preservação. E para que essa ar-
dos ambientes dessas constru- quitetura não se perca com o
ções, e que foram respaldadas tempo, é necessário conhecê-la e
pelo Código de Posturas de 1936, divulgá-la para que esse patrimô-
implantado na gestão de Otacílio nio, ainda não valorizado, seja
Saboya. preservado e conservado.
Atualmente, essa arquitetura

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Referências

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

A poética de Oswaldo Bratke e a arquitetura


vernacular na casa moderna da Vila
Amazonas

La poética de Oswaldo Bratke y la arquitectura vernacular em


la casa moderna de la Villa Amazonas

The poetry of Oswaldo Bratke and the vernacular architecture


in the modern house of Vila Amazonas

José A. Tostes
Doutor em História e Teoria da Arquitetura pelo Instituto Superior de Artes de
Havana - Cuba (2003). Professor Associado III da Universidade Federal do
Amapá.
E-mail: tostes.j@hotmail.com

Ana P. C. Tavares
Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Amapá
(2017). Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do
Amapá
E-mail: anapaulactvrs@gmail.com

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMO

O modernismo na arquitetura amapaense surge a partir da década de 1940,


com a criação do novo território. Impulsionado pelas políticas desenvolvi-
mentistas de Vargas e do Estado novo, surge um projeto de exploração mi-
neral no Amapá, movido pela Indústria e Comércio de Minérios S/A
(ICOMI), que constrói “Company Towns” em pontos estratégicos do estado.
Deste modo, Oswaldo Bratke é eleito para a idealização de conjuntos urba-
nos com a finalidade de abrigar atividades e empregados, sendo a Vila Ama-
zonas e Serra do Navio exemplares idealizados nos municípios de Santana e
Serra do Navio. Os estudos dessa pesquisa visam discutir o modelo de casa
desenvolvido pelo arquiteto para uso nesses conjuntos arquitetônicos, fa-
zendo uma análise entre a poética de Bratke aplicada ao projeto e a arquite-
tura vernacular pré-existente no estado, através das casas ribeirinhas do
Elesbão, em Santana, e as edificações feitas pelos trabalhadores locais, ante-
riores ao território, dotadas de características regionais e de adequação bio-
climática. A relevância da pesquisa está na exposição de que as experiências
vernaculares na paisagem amazônica apresentam soluções e alternativas ex-
pressivas para a implementação de tipologias habitacionais mais adequadas
ao lugar e a região, reconhecendo técnicas pré-existentes e evitando a nega-
ção dessa herança cultural e patrimonial própria.

Palavras-chave: Amapá; Casa Moderna; Arquitetura Vernacular.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMEN SUMMARY

El modernismo en la arquitectura amapaense Modernism in the amapaense architecture arises


surge a partir de la década de 1940, con la creación from the decade of 1940, with the creation of the
del nuevo territorio. En el marco de las políticas new territory. Driven by development policies of
desarrollistas de Vargas y del Estado nuevo, surge Vargas and the new state, a mineral exploration
un proyecto de explotación mineral en Amapá, project in Amapá, promoted by Indústria e Comér-
movido por la Industria y Comercio de Minerales cio de Minérios S / A (ICOMI), builds "Company
S / A (ICOMI), que construye "Company Towns" Towns" at strategic points in the state. In this way,
en puntos estratégicos del estado. De este modo, Oswaldo Bratke is elected to the idealization of ur-
Oswaldo Bratke es elegido para la idealización de ban groups with the purpose of housing activities
conjuntos urbanos con la finalidad de albergar ac- and employees, Vila Amazonas and Serra do Na-
tividades y empleados, siendo la Vila Amazonas y vio being idealized examples in the municipalities
Serra do Navio ejemplares idealizados en los mu- of Santana and Serra do Navio. The studies of this
nicipios de Santana y Serra do Navio. Los estudios research aim to discuss the house model develo-
de esta investigación apuntan a discutir el modelo ped by the architect for use in these architectural
de casa desarrollado por el arquitecto para su uso sets, making an analysis between the poetics of
en estos conjuntos arquitectónicos, haciendo un Bratke applied to the project and the pre-existent
análisis entre la poética de Bratke aplicada al pro- vernacular architecture in the state through the ri-
yecto y la arquitectura vernacular preexistente en verside houses of the Elesbão in Santana, and the
el estado, a través de las casas ribereñas del Bal- buildings made by local workers, before the terri-
bón, en Santana, y las edificaciones hechas por los tory, endowed with regional characteristics and
trabajadores locales, anteriores al territorio, dota- bioclimatic adequacy. The relevance of the rese-
das de características regionales y de adecuación arch lies in the fact that vernacular experiences in
bioclimática. La relevancia de la investigación está the Amazon landscape present significant soluti-
en la exposición de que las experiencias vernacu- ons and alternatives for the implementation of
lares en el paisaje amazónico presentan soluciones housing typologies that are more appropriate to
y alternativas expresivas para la implementación the place and region, recognizing pre-existing
de tipologías habitacionales más adecuadas al lu- techniques and avoiding the denial of this cultural
gar y la región, reconociendo técnicas preexistente heritage and its own heritage.
y evitando la negación de esa herencia cultural y
patrimonial propia. Keywords: Amapá; Modern house; Vernacular Ar-
chitecture.
Palabras clave: Amapá; Casa Moderna; Arquitec-
tura Vernacular.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Introdução negros no contexto amazônico de


formação das cidades, as quais
A arquitetura molda a vida das apresentam soluções expressivas
pessoas e das cidades desde os para a adaptabilidade da constru-
primórdios das ocupações terres- ção ao lugar e a região. As casas
tres. Seja ela empírica ou com flutuantes e sob palafitas são
base em conhecimentos técnicos, exemplares típicos dos quais
é fator determinante na habitabi- muito se tem a tirar proveito ao se
lidade e qualidade dos ambien- pensar em modelos arquitetôni-
tes. Na Amazônia é possível iden- cos planejados de habitação para
tificar ambas as práticas, de ar- a contemporaneidade.
quiteturas empíricas e planeja- Ao mesmo tempo, neste con-
das, que apesar de possuírem ca- texto, é possível identificar al-
ráteres concepcionais distintos, guns modelos de arquitetura pla-
aliam boas características cons- nejada, sobretudo no período mo-
trutivas ao materializar modelos derno, a exemplo das arquitetu-
de habitação dentro de uma reali- ras desenvolvidas por Oswaldo
dade de peculiaridades climáti- Bratke no Amapá que aliam co-
cas e de paisagem. nhecimentos técnicos a preceitos
As experiências empíricas se da arquitetura vernácula regional
encaixam na denominação de ar- para a racionalização do projeto.
quitetura vernacular a qual, se- Durante a década de 1950 no
gundo Takamatsu (2013, p.20) Amapá, foi desenvolvido um mo-
pode ser determinada ao se en- delo de habitação e bairro por
tender que a riqueza das impres- Bratke para uso no conjunto ar-
sões dessa arquitetura são refle- quitetônico da Vila Amazonas e
xos de pessoas comuns, ligada às Serra do Navio, que considerou a
percepções de cada lugar, suas di- arquitetura vernacular pré-exis-
versidades e culturas. Como tente no estado através das casas
exemplares de tal “forma de con- ribeirinhas da Vila do Elesbão, no
cepção” tem-se as experiências município de Santana e das edifi-
desenvolvidas por ribeirinhos e cações feitas pelos trabalhadores
locais, anteriores ao território.
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Neste modelo se pensou o pro- questão entre o planejamento e o


jeto a partir de fatores como fun- vernáculo, trazendo a luz das in-
cionalidades, níveis de atendi- terpretações e análises os elemen-
mento e representatividade, pon- tos e princípios que nortearam as
tos fundamentais para a legitima- concepções arquitetônicas do ar-
ção do construído e qualificação quiteto Oswaldo Bratke. Do
das habitações e da cidade. As re- ponto de vista conceitual, trata-se
sidências projetadas pelo arqui- da clara manifestação de percep-
teto foram pensadas com o in- ção de uma cultura local vigente
tuito de adaptação às característi- para conceber o termo planeja-
cas locais com a captação e distri- mento a partir da apropriação do
buição ventilação, redução dos que é considerado vernáculo. En-
efeitos da insolação e proteção tre ideias, conceitos e concepções
nos períodos de chuva, fazendo delineou-se um conjunto de argu-
uso de estratégias construtivas já mentações que auxiliam o inter-
adotadas pela população local pretar da realidade local a partir
previamente, agregando valores de uma intervenção de caráter
culturais às ideias arquitetônicas. sistemático.
Percebe-se assim uma junção en-
tre preceitos advindos das arqui- Amazônia: entre o planejado e
teturas vernaculares e o conheci- o vernáculo
mento técnico moderno, que re-
sultam em uma prática projetual A história das primeiras cida-
racional que faz uso de elementos des amazônicas remonta seu sur-
construtivos fundamentais para a gimento como povoamentos, es-
adaptabilidade da construção, os tabelecidos por estrangeiros que
quais ganham destaque e nova aportaram nas terras com o obje-
conotação quando aplicados de tivo de explorarem riquezas exis-
forma técnica e estratégica dentro tentes. Com o passar o tempo, tais
da composição arquitetônica mo- povoamentos se consolidam e ini-
derna. ciam a ocupação urbana na re-
A discussão ora proposta para gião. Segundo Vicentini (2004,
esse artigo coloca em debate a
37
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

p.144) neste momento surge o ur- flete segundo Lima (2008, p.108) a
bano colonial amazônico que ins- marca do padrão de ocupação eu-
tala preceitos trazidos das metró- ropeu cristão, que impõe seu do-
poles de além-mar para a região. mínio sobre o espaço e o modo de
Vale salientar que anterior a essa agir e pensar dos povos que aqui
“gênese da ocupação” já existiam habitavam. Com o passar do
exemplares habitacionais e povo- tempo e o crescimento dessas ci-
amentos indígenas no local, re- dades, ocorrem transformações
montando a formação de uma ar- no quadro sociopolítico instituci-
quitetura primitiva anterior ao onal da Amazônia, inferindo na
início das cidades. inserção de novas raças e culturas
Neste contexto a figura das no convívio local, o que de acordo
missões jesuítas também assume com Tostes e Tavares (2014, p. 05)
papel importante na consolida- resulta em uma redefinição das
ção das ocupações, constituindo formas de ocupação do território,
uma das primeiras formas de pla- surgindo novas cidades de colo-
nejamento na colônia. Deste nização e novos projetos de infra-
modo, FRANÇA (apud VICEN- estrutura, havendo maior expres-
TINI, 2004, p. 144) define: são do urbanismo e da arquite-
tura. Logo, se estabelece uma plu-
“O modelo teórico da cidade ralidade de formas de construção
indígena jesuítica, embora
das cidades amazônicas que vem
pressupondo, paradoxalmen-
te, uma concepção urbana bar- a se intensificar, sobretudo, no
roca, apresenta uma exequibi- fim do século XIX e durante o sé-
lidade pragmática, face às cir- culo XX.
cunstancias coloniais, consti-
A partir deste cenário surgem
tuindo na América Latina a
única alternativa planeada e momentos de planejamento e ar-
regular ao modelo de aglome- quitetura, com exemplares verná-
rados nas ‘ordenanzas de culos e planejados. Conforme de-
población’.”
finido por Oliver (2006, p.18) a ar-
quitetura vernácula pode ser
Tal constituição das cidades,
aquela que considera aspectos da
entre os séculos XVI e XVII, re-
arquitetura das culturas no con-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

texto do seu meio e, possui capa- salta que uma das características
cidade de atender a valores e ne- mais interessantes do vernáculo é
cessidades das sociedades que a o respeito às condições locais,
construiu. Rapoport (1969 apud ponto no qual ela tem muito a en-
TEIXEIRA, 2017) faz uma refle- sinar para a arquitetura convenci-
xão ainda mais completa, enfati- onal, produzida por arquitetos,
zando que as sociedades que pro- no que toca a sensibilidade
duzem esta arquitetura são aque- quanto às condições locais do
las mais voltadas para a tradição. meio geográfico em que se situa.
TEIXEIRA (2017) ainda define Esta adaptabilidade tem impacto
que: sobre a qualidade de habitação e
vida, influenciando diretamente
“(...) toda arquitetura vernacu- aspectos econômicos, sociais e
lar é intrinsecamente tradicio-
ambientais, sobretudo no con-
nal, isto é, a forma arquitetô-
nica de um determinado povo texto contemporâneo de ocupa-
surge e se desenvolve como re- ção urbana.
sultado de um longo contínuo Percebe-se que os modelos de
no tempo, às vezes durante sé-
ocupação de cidades na Amazô-
culos de história humana, sem-
pre a partir de formas familia- nia, em sua grande maioria, se-
res, consagradas por gerações guem uma tendência definida
anteriores. Esta é a caracterís- por Tostes (2012) na qual os mol-
tica principal da arquitetura
des de planejamento amazônico
vernacular.”
são apenas fragmentos de um
Portanto, a tradição tem um universo sistêmico que não re-
papel fundamental dentro da ar- trata uma realidade concreta,
quitetura vernácula, este que comprometendo de forma signifi-
pode se estender a arquitetura cativa o desenvolvimento urbano
planejada contemporânea, a me- e econômico da região. Desde a
dida que muito se tem a aprender década de 1920 com a implanta-
e aproveitar das tipologias que ção dos grandes projetos e a ne-
vem amadurecendo ao longo dos cessidade de expansão das redes
anos. Teixeira (2017) ainda res- urbanas e áreas de ocupação tal
realidade se intensifica, sobre-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

tudo a partir da instalação de ati- veira Junior (2009, p.76) os ribei-


vidades mínero-metalurgicas e a rinhos são uma parcela impor-
implantação das company towns, tante da população amazônica,
que imprimem momentos de pla- podendo alcançar o número de
nejamento que mesclam “boas 500 mil habitantes. Em seus estu-
práticas” de projeto (que reme- dos, o autor observou que há um
tem ao vernáculo amazônico), à alto contingente populacional di-
implantação de modelos trazidos fuso num território ocupado por
de outras regiões do Brasil e a floresta densa e alagável em de-
ocupações espontâneas. Este ce- terminada época da cheia dos
nário remonta o início das cida- rios, configurando uma extensa
des amazônicas no qual modelos malha hidrográfica. O ribeirinho
externos foram e permaneceram é integrante do grupo de popula-
sendo implantados dentro de um ções tradicionais pertencentes à
contexto adverso e multifacetado. natureza, e possuem seu tempo e
espaço próprio, fluindo com a na-
A vivência amazônica e o ver- tureza e não a dominando (Ca-
náculo bral, 2002, p.2).
Silva & Souza Filho (2002, p. 27
Cabral (2002, p.05) define as apud Cabral, 2002, p.2) apresenta
populações tradicionais como in- sua definição ribeirinho como
divíduos remanescentes dos ci- uma população distinta das que
clos econômicos que fracassaram, vivem em meio rural ou urbano
e mesmo com as intempéries na- afirmando:
turais continuaram resistindo,
obtiveram conhecimento sobre o [...] a população constituinte
meio ambiente através de suas que possui um modo de vida
peculiar que a distingue das
experiências ou por meio de con- demais populações do meio
tato com grupos indígenas, o que rural ou urbano, que possui
lhes proporcionou relações numa sua cosmovisão marcada pela
lógica cultural, temporal e econô- presença do rio. Para estas po-
pulações, o rio não é apenas
mica no meio em que vivem. um elemento do cenário ou
Para alguns autores como Oli- paisagem, mas algo constitu-

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

tivo do modo de ser e viver do qual o grupo organiza sua vida


homem. cotidiana. Assim, o modo de
vida é moldado no espaço cri-
Entendemos a partir dessa de- ando uma lógica que ajuda a
resolver os seus problemas
finição que os ribeirinhos pos- imediatos e os orienta no
suem um modo de vida ligado mundo. Tal organização tem
estritamente à natureza o qual dificuldades de ser compreen-
dida pelas lógicas exteriores,
permite uma relação harmô- principalmente quando se
nica entre o homem e o seu es- trata dos agentes promotores
paço, gerando uma perspectiva das políticas públicas.

de vida sustentável, com uma or- Figura 1. Padrão de Construção Indígena.


ganização social distinta do modo
de vida urbano. Para Silva (2006,
p.01) este modo de vida está car-
regado de sentido, símbolos e sig-
nificados nascidos de conheci-
mentos acumulados na vivência
cotidiana com o ambiente. Como
parte do universo mental dos ri-
beirinhos, os mitos contêm uma Fonte: Ribeiro, 1992.
ordem de classificação das espé-
cies e códigos sociais estabeleci- Para o autor, estas tradições in-
dos, desde modo o autor des- fluenciam no modo viver e se re-
taca sobre essa classificação lacionar destas comunidades,
(SILVA, 2006, p.2): pois são fundamentais para a or-
ganização de regras sociais e de
[...] possui a lógica que as criou na maneira de agir no espaço,
estabelecendo fortes elos com além de preservar seus valores e
as manifestações míticas e es- conhecimento adquiridos para
tão presentes nas formas de co-
municação e expressão da co- que sejam transmitidos às gera-
munidade ribeirinha. Os códi- ções futuras. Segundo Silva &
gos possuem funcionalidade e Souza Filho (2002, p. 29 apud Ca-
respondem a maneira pela bral, 2002, p.3) no grupo social
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

dos ribeirinhos a transmissão de quitetura enquanto aspecto total


conhecimento ocorre preferenci- da edificação precede ao arqui-
almente de forma oral. Fato seme- teto entendendo que a arquite-
lhante às comunidades primiti- tura é produzida por pessoas co-
vas, em que o educando tinha a muns para pessoas comuns.
possibilidade de relacionar o co- Como visto a exemplo dos ribeiri-
nhecimento adquirido em uma nhos e sua vivência amazônica,
relação direta com a sua vida, sur- baseia-se num certo número de
gindo um sentimento de impor- institutos humanos, de descober-
tância no mesmo, dentro do tas e experiências comuns.
grupo social ao se incluía.
Quanto às técnicas construti- A poética de Oswaldo Bratke
vas Fraxe (2004, apud Oliveira Ju- em Vila Amazonas e Serra do
nior, 2009, p. 117) afirma que é Navio
clara a influência das construções
indígenas (Fig. 1), e esta ocorrên- Segundo Rasmussen (2002,
cia, segundo o autor, está relacio- p.13) as características externas se
nada ao fato da cultura ribeirinha tornam um meio de comunicar
ser uma herança indígena, que sentimentos e estados de espírito
apesar de esquecida sistematica- entre pessoas e, com frequência, a
mente, ainda é refletida nas suas única mensagem transmitida é a
construções. da conformidade dos sentimen-
Diante das observações, pode- tos. Se tal afirmação for assimi-
se dizer então que as técnicas lada na sua essência pode-se con-
construtivas ribeirinhas per- siderar que no caso das ideias e
meiam o conceito de arquitetura criações de Oswaldo Bratke, esse
vernacular, pois são fruto dos co- conjunto de argumentos formaria
nhecimentos transmitidos de a base de sua poética arquitetô-
forma oral entre povos e gerações nica.
perante as experiências de adap- Um dos princípios importan-
tação destas comunidades com o tes verificados no trabalho de cri-
meio em que vivem. Para Ras- ação de Bratke é o caráter da sim-
mussen (2002, p.13) é fato que ar-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

plicidade, no que diz respeito às Sua poética construtiva possui


formas, que tendem a seguir o pa- um aspecto que se torna funda-
drão modernista de linhas retas e mental para o sucesso de sua in-
marcantes. Apesar dessa conota- tervenção amazônica: a valoriza-
ção, a complexidade de suas ção do meio natural. Em seu pro-
obras merece destaque quanto à jeto como um todo se percebe res-
inter-relação entre forma, função peito à topografia local, a partir
e adaptabilidade da construção, do qual se tira usufruto para a
fator marcante quando se pesa materialização de traçados irre-
suas obras no contexto amapa- gulares que fazem uso de um pai-
ense, em área inóspita e selvagem sagismo oriundo da floresta. Es-
na qual sua intervenção é pen- pallargas (2009, p. 67) ressalta que
sada na década de 1950. isso não significa que seu traçado
Vale ressaltar que as obras do imitasse a natureza, porém era
arquiteto transcendem simples- definido conforme ela, algumas
mente o espaço do edifício, englo- vezes abrindo mão de preceitos
bando decisões que vão desde o como a extrema ordenação e ali-
desenho da cidade de Serra do nhamento próprios da cidade for-
Navio e do bairro Vila Amazonas mal, em favor de uma distribui-
até a setorização de atividades e a ção em conformidade com o ce-
condução do cotidiano da popu- nário de implantação.
lação através da organização es-
pacial. Espallargas (2009, p. 67) Figura 2. Exemplar Construtivo da Vila
Amazonas.
comenta que em Serra do Navio
os espaços centrais foram defini-
dos por relações oportunas para
cada uso, estabelecendo certo
controle através das relações en-
tre edificações. As vilas eram es-
truturadas segundo um núcleo li-
near estendido que reunia ativi-
dades de interesse coletivo, áreas
Fonte: Archdaily, 2015.
verdes e áreas habitacionais.
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Isso reflete o pensar do arqui- Nas casas da Vila Amazonas e


teto a partir de uma lógica de con- de Serra do Navio o que era de
vivência mutua e harmônica en- identidade da população local ga-
tre cidade e natureza, construção nha nova conotação, apresen-
e meio, edifícios e pessoas. Sem se tando um novo modo de morar a
afastar de sua experiência mo- partir de elementos visivelmente
derna, encontra meios de adapta- reconhecidos, com um respeito
ção da edificação à floresta, tra- notório a cultura local. Espallar-
zendo seu conhecimento técnico e gas (2009, p. 69) enfatiza que seu
repertório arquitetônico para a desenho de ambientes internos e
criação de modelos únicos e ad- o concomitante conforto são fru-
miráveis de espaços de vivência e tos de uma interpretação lúcida e
habitação. As construções em ge- paciente das condições climáticas
ral são extremamente dispares de locais, combinada com uma am-
qualquer exemplar que se tenha pla experiência acumulada em
visto na região até então, contudo projetos e rico repertório em ar-
apresentam um toque de familia- quitetura. Forte (2011, p.01)
ridade (Fig. 02), seja pelo uso da afirma que o grande diferencial
madeira (material abundante e de do arquiteto era seu comprometi-
características notáveis para mento com o programa de qual-
construção no meio) como a ado- quer projeto, na busca por enten-
ção de elevações, beirais, grandes der técnicas e formas de propor
pátios os quais, apesar de fruto de uma arquitetura o mais adequada
estudos científicos sobre sua efi- possível, representando outro as-
cácia no projeto em questão, se pecto de sua poética que o faz ex-
assemelham em uso e eficiência cepcional em sua arte, um dos
com elementos já adotados nas quais o próprio Bratke julgava
arquiteturas vernaculares amazô- como de fundamental importân-
nidas, e perduram até os dias de cia em sua obra.
hoje.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)
Figura 3. Centro de Saúde da Vila Amazonas.

Fonte: Ribeiro, 1992.

Sua preocupação primordial se abrir a novas tecnologias e me-


consistia no bem-estar da habitar, lhorias da construção. Esse es-
no conforto, e se detinha a todos forço contínuo é visível nas obras
dos detalhes no momento proje- feitas no Amapá e na forma quase
tual. FORTE (2011, p.02) comenta: que intacta, em sua concepção
original, a qual as edificações per-
“O trabalho da construção das duram até os dias atuais.
cidades foi especialmente mi-
Tais edificações eram marca-
nucioso e cuidadoso, condi-
zente com o que Bratke sempre das por conceitos modernistas de
apregoou durante sua carreira: racionalidade e funcionalidade.
a busca arquitetônica não exis- Eram edifícios de uso público e
tia pelo espetáculo, mas pelo
residências que tinham como pri-
bem-estar do homem. A arqui-
tetura bonita e elegante, com oridade a funcionalidade e o con-
detalhes cuidadosos, garantiu forto térmico, com o uso de ele-
que os conjuntos estejam em mentos vazados tipo cobogó, ve-
boa forma até hoje, apesar do
nezianas tanto para vedação de
clima hostil.”
aberturas quanto como brises de
Sua busca pelo aperfeiçoa- proteção solar (Fig. 03), além da
mento era constante e cada novo flexibilidade interna das constru-
projeto era uma oportunidade de ções, com a materialização de

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

plantas livres e fluidas.

Figura 4. Esboço de estudo do sistema de coberta e ventilação de uma unidade habitacional.

Fonte: Ribeiro, 1992.

Assim como seus colegas mo- dação que não chegavam à altura
dernos, tinha uma concepção do forro, de forma a permitir a li-
projetual clara, simples e pura, de vre circulação de vento através de
linhas geométricas bem defini- todos os cômodos (Fig. 04).
das, com a notável separação en- Quanto a materiais construti-
tre estrutura e vedações, além do vos fez uso da madeira para a
uso de planos de vidro de tama- parte estrutural das edificações,
nho moderado e elementos vaza- bem como esquadrias, forros e es-
dos em busca de uma integração trutura de telhado. Para as cober-
agradável com seu entorno. Sua turas especificou telhas de fibro-
preocupação com o aproveita- cimento, material disponível na
mento de insolação seletiva para região, que permitia menor incli-
iluminação e de nação dos telhados e maior proje-
ventilação natural era mar- ção de beirais (tanto para prote-
cante, trazendo para as habita- ção solar quanto de chuvas), os
ções ambientes com venezianas quais tinham suas dimensões de-
fixas ou móveis e paredes de ve- finidas a partir de diagramas de
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

insolação elaborados. As paredes surge a partir da década de 40,


de vedação em geral eram de blo- derivado das políticas desenvol-
cos de concreto e as edificações vimentistas implantadas pelo Es-
eram construídas sobre bases re- tado Novo no Brasil e a criação do
cuadas e elevadas e a fim de evi- Território Federal do Amapá.
tar a formação de fungos e a pas- Junto às políticas de planeja-
sagem excessiva de umidade mento regional estabelecidas na
para a estrutura. época se vê a exploração mineral
A forma de projetar de Os- como atividade de interesse naci-
waldo Bratke é inspiradora e a onal e de fundamental importân-
elegância formal e funcional de cia no contexto amazônico. Sendo
seus projetos é única e atemporal, assim, na década de 1950 a
servindo como fonte de pesquisa, ICOMI chega ao Amapá e junto
modelo e base para uma prática dela planos para a construção de
projetual adaptada ao Amapá. imensa infraestrutura de suporte
Seus recursos simples e eficazes ao seu funcionamento.
trazem para a forma uma pureza Dessa forma, Oswaldo Bratke
e uma praticidade funcional ini- surge como profissional técnico
gualável. Seja em seus projetos na responsável pela idealização de
Amazônia quanto em suas obras projetos arquitetônicos e urbanís-
pelo Brasil um ponto é notável, ticos de grande escala para a im-
sua exaltação do edifício como plantação de vilas que dessem su-
meio que deve servir e bem abri- porte aos trabalhadores que mi-
gar aqueles que o habitam em to- gravam para o Estado e para as ci-
dos os seus aspectos e formas. dades escolhidas como sede das
Sua poética é simplicidade, é cui- atividades, Santana e Serra do
dado, é técnica e é bem-estar. Navio. A escolha do arquiteto
para tal função pode ter sido in-
A concepção arquitetônica de fluenciada por uma característica
Bratke e as arquiteturas ver- da Era Vargas definida por GALI-
naculares amapaenses ANO E CARVALHO (2016, pg.
05), onde para o governo da
O modernismo no Amapá época a arquitetura moderna era
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

extremamente significativa por na tipologia de casas ribeirinhas


representar uma ruptura dese- existentes na Vila do Elesbão, na
jada com o passado colonial e ex- orla de Santana e nas imediações
pressar um salto para o “futuro”, geográficas do centro do estado; e
o que reflete também aquilo que o segundo no modelo de casas de
se era esperado para o estado do comunidades negras residentes
Amapá como um todo com a che- nas imediações do centro da ci-
gada do grande projeto. dade de Macapá.
Como um dos grandes arquite-
tos do moderno, Oswaldo Bratke Vila do Elesbão como Arqui-
vence em 1955 o concurso para tetura Vernacular
idealização das vilas de operários
da mineradora. Logo, as caracte- Oliveira Junior (2009, p.109)
rísticas da região e o meio em que
define que as casas ribeirinhas
o projeto seria implementado in-
são divididas em dois tipos: as
centivam Bratke a buscar por al-
casas sobre palafitas e as casas
ternativas mais criativas ao pen-
sar na forma e nos materiais para flutuantes. Sobre a diferença
as construções, visando maior entre estes tipos de habitação o
conforto térmico das edificações e autor explica:
adaptabilidade ao entorno e à po-
pulação. Deste modo, podemos “As casas sobre palafitas, ou
palafíticas, são encontradas
considerar, a partir das caracterís- nas encostas dos rios ou tam-
ticas definidas pelo arquiteto em bém implantadas em áreas de
sua concepção, que a inspiração terrenos altos ou falésias às
em arquiteturas vernaculares margens dos rios. [...] As casas
flutuantes, livres da relação
pré-existentes foi válida para a com a terra, permitem uma
adoção de soluções criativas e efi- grande flexibilidade do mora-
cientes. dor ribeirinho quanto ao local
Existem dois momentos de de implantação, de modo que
sua casa tenha acesso a outras
concepção vernacular amapaense regiões ou mesmo adaptando-
chaves na busca por alternativas se à flutuação do nível da água
adaptadas a região. O primeiro nas épocas de cheia e vazante.”

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No estado do Amapá a carac- jamento” formal (Fig. 05).


terística da casa ribeirinha, em São construções elevadas do
sua quase totalidade, é de casas solo (a dois metros em média)
sob palafitas. É uma realidade para evitar alagamentos com as
constante às margens do rio ama- cheias da maré do rio Amazonas.
zonas, como também nas chama- Em geral possuem definição de
das áreas alagadas que permeiam planta simples com áreas de pátio
o tecido urbano das cidades de curtas, um espaço único que inte-
Macapá e Santana, a exemplo da gra a função de sala de estar e co-
Vila do Elesbão. Inserida próximo zinha, um banheiro, e um ou dois
ao Porto de Santana, é fruto do quartos. Como materiais constru-
crescimento das atividades de tivos adotam a madeira como es-
trânsito de produtos primários, trutura, vedação de paredes e es-
com ocupação intensificada a quadrias, com o uso de venezia-
partir da década de 1940 com a nas e telhado em fibrocimento.
criação do Território Federal do
Amapá e a ampliação das ativida- Figura 5. Comunidade do Elesbão em 1950.

des do Porto.
Tal área, assim como outras na
região, é regida pelo regime de
maré do Amazonas. Aos cabocos
e ribeirinhos da região coube a
experiência e inteligência para
habitar esse espaço, construindo
clássicos exemplares de uma ar-
quitetura vernacular amazônida, Fonte: Olivar Cunha, 1980.
embasada em conhecimentos em-
píricos passados entre gerações A característica volumétrica da
de vivência em meio ao rio. Cons- edificação é definida como
truindo suas casas em madeira e consequência das espacialida-
sobre palafitas formaram um es- des definidas em planta baixa
tilo adaptado ao clima e as condi- regular, sem tanta preocupa-
ções locais, apesar do “não plane-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

ção com ornamento ou estética, Ainda de que maneira inconsci-


mas ainda assim refletindo ente, tais populações deram ori-
uma forma singular de gran- gem a um modelo de construção
des telhados aparentes e proje- adequado influenciado direta-
mente pela vivência cultural do
ções avarandadas. Tais exem-
meio.
plares são fortemente caracte-
Como se pode perceber, os
rísticos das áreas urbanas até a
projetos de Oswaldo Bratke,
atualidade, contudo acabaram ainda que não tenham se inspi-
perdendo parte de sua quali- rado de maneira direta ou literal
dade habitacional devido à nesses exemplares primitivos, em
problemas característicos das muito se assemelham nas caracte-
cidades, sobretudo a falta de rísticas básicas da construção
saneamento básico, precari- com as casas ribeirinhas, tra-
zando os ambientes onde zendo identificação pra um novo
ainda estão presentes (Fig. 06). contexto de habitação que surgia
na década de 1950.
Figura 6. Área de Ressaca em Macapá.
Os trabalhadores Pré-Territó-
rio e sua forma de habitação

De acordo com O Álbum Pará


(1908) sobre o relatório do gover-
nador do estado do Pará, Au-
gusto Montenegro, datado dos
anos entre 1901 a 1909, a paisa-
Fonte: TOSTES, 2016. gem da cidade de Macapá tinha
como característica um ambiente
São construções extremamente bucólico, de nítida relação de de-
simples, porém altamente eficien- pendência com o rio Amazonas.
tes quanto à adaptabilidade ao Tal afirmação contida no docu-
contexto local, interagindo e se mento oficial apenas evidencia
integrando ao meio natural.
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

que em princípios da década de São José de Macapá, a Igreja Ma-


1940, a cidade de Macapá tinha triz de São José, a orla do rio
uma população de acordo com o Amazonas e uma pista de pouso
IBGE e dados do Relatório GFTA, onde hoje é a AV. FAB. Portanto,
de tão somente mil habitantes uma área com menos de 1,5 km
(Tab. 1). quadrados. As dimensões desse
perímetro evidenciavam uma
Tabela 1. Tabela Crescimento populacional forte dependência dos habitantes
de Macapá.
Ano Habitantes da cidade de Macapá da região
1940 1000 das chamadas Ilhas do Pará. A
1948 4000
1950 14000
população estava mesclada por
1960 35000 ribeirinhos, a maioria deles ori-
1964 44000
Fonte: Relatório GTFA, 1965; Adaptação:
undos das Ilhas e das comunida-
Autores, 2018. des negras, remanescentes de
quilombos, que na cidade fixa-
Conforme mostra a Tabela ram residência, com construções
acima, os dados do Relatório do de características peculiares (Fig.
GTFA de 1965 evidenciam a re- 7).
duzida população residente na ci- A figura 7 mostra que as pri-
dade de Macapá no ano de 1940, meiras vilas de casas construídas
na fase Pré-Território Federal do na cidade de Macapá, logo após a
Amapá, também mostra posteri- criação do Território Federal do
ormente o gradual crescimento Amapá, as quais possuem um pa-
populacional conforme ia se im- drão de edificação encontrado no
plantando a estrutura urbana da começo da década de 1940. Nesse
cidade. De acordo com o referido modelo se percebe o uso predo-
relatório nessa época não havia minantemente de madeira, consi-
mais que 260 residências entre derando que a população teve
edificações de comércio e mora- como referência de construção ca-
dias. racterísticas provenientes das
O perímetro espacial da cidade pré-existentes residências locadas
estava limitado entre quatro pon- nas Ilhas mais próximas e em al-
tos de referência: a Fortaleza de guns pontos de Macapá, a exem-
51
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

plo da região hoje conhecida Matriz (Fig. 8).


como o bairro Perpétuo Socorro.
Deste modo, tal modelo se as- Figura 8. Igreja de São José, Matriz (1940).
semelha a casa ribeirinha, com o
pensar da casa elevada a um me-
tro do piso, varandas largas, bei-
rais bem acentuados e janelas tipo
venezianas, adaptadas a um meio
construtivo terrestre e seco,
oposto à realidade de construção
“sob os rios”. Era comum nesse Fonte: Acervo do IBGE, 2014.
tipo de habitação, a criação de
animais e principalmente aves de Cabe salientar que, o padrão
quintal. construtivo do início do século
XIX também pode ser identifi-
Figura 7. Casa dos funcionários do Governo cado no ambiente da cidade de
do Território Federal do Amapá, 1948.
Macapá da década de 1940, com
construções em taipa (uso do
barro com estrutura de madeira)
a exemplo da Igreja Matriz de São
José. Contudo, essa tecnologia
construtiva não se mostrou tão
adaptada ao local quanto o uso da
madeira como único material, o
Fonte: Acervo do IBGE, 2014.
que explica o reduzido número
de edificações históricas identifi-
As comunidades mais ribeiri-
cadas no período pré-território e
nhas se localizavam nas imedi-
a descontinuidade da utilização
ações da orla do rio Amazonas
dessa forma construtiva.
onde na atualidade é o bairro Pode-se salientar em relação à
do Perpetuo Socorro e as co- forma habitacional deste período
munidades negras se situavam é que tanto os ribeirinhos, como
as proximidades da Igreja da os negros preservaram um forte
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

caráter de sua identidade cultu- ao norte da avenida considerada


ral. De caráter simplório, porém principal sem, no entanto, se per-
marcante, suas construções eram der as características habitacio-
consequência do padrão econô- nais mencionadas, as quais ainda
mico vivenciado a época, consi- são preservadas em parte até os
derando que boa parte da comu- dias atuais.
nidade existente tinha como base Ainda que com limitações
econômica basicamente a pesca e construtivas, percebia-se nas ca-
pequenas atividades comerciais. sas da então área de remaneja-
A precariedade econômica justi- mento, atualmente conhecida
fica-se pela forma secundária como bairro do Laguinho, uma
como a Província do Grão Pará e tentativa de adornamento das ca-
posteriormente o estado do Pará sas, com o uso de peças em ma-
relegou a região. deira com recortes diferenciados
O Álbum O Pará de (1908), nas fachadas, aplicadas tanto aos
muito embora, seja da primeira telhados como as áreas de pátio
década do século XX, é muito elu- frontal das residências (Fig. 9), vi-
cidativo para referenciar as con- sando a diferenciação e impres-
dições de grande limitação que são da identidade dos habitantes,
eram impostas à cidade de Ma- apesar de sua planta ser pratica-
capá. Os primeiros relatórios ofi- mente um padrão de reprodução
ciais após a criação do Território em toda a vizinhança.
Federal do Amapá também fa-
zem menção ao contexto e dinâ- Figura 9. Casa da Periferia de Macapá (1950).

mica da cidade de Macapá, des-


crevendo a paisagem como calmo
e estático, tudo estava por fazer
em relação a criar os mecanismos
necessários para promover a mo-
dernização do lugar. Um dos pri-
meiros atos que causou grande
comoção foi à retirada da comu-
nidade negra para uma área mais Fonte: Acervo do IBGE, 2014.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Percebe-se então uma riqueza de saberes populares e formas


de formas de construção e deta- empíricas. Apesar dos exem-
lhamento das edificações neste plares vernaculares amapaen-
período pré-território. Com a ses serem usualmente conside-
aplicação de diferentes materiais,
rados como primitivos, ou sem
e sobretudo o uso da madeira, o
valor formal, refletem muitas
padrão construtivo amapaense se
boas características de constru-
consolidou com base em precei-
tos estéticos e funcionais oriun-
ção que podem ser observadas
dos da vivência às margens de e aprimoradas para novos usos
rios de boa parte da população e novas formas de construir.
aqui residente. Com o passar do Tanto na arquitetura de Bratke
tempo, novos materiais foram como nos exemplos da Vila do
sendo incorporados à cultura lo- Elesbão e das comunidades pré-
cal, como a alvenaria em tijolo ce- território do Amapá percebemos
râmico e cimento, que atualmente caraterísticas chave para que tais
predomina o padrão de constru- modelos funcionassem, guarda-
ção. Ainda assim a forma das ca- das as devidas proporções
sas e os aspectos funcionais que quanto a seu grau de projeto e im-
contribuíam para o conforto tér- plementação: a integração com o
mico permanecem como herança meio e o respeito a cultura e iden-
e exemplo de boa construção. tidade local. Isso demonstra que
olhar para as experiências do pas-
Considerações Finais sado para racionalizar o presente
é um exercício válido e funda-
mental para a melhoria das práti-
O modelo adotado por Os-
cas planejadas na contemporanei-
waldo Bratke e a morfologia
dade.
delineada conseguiram extrair
A identificação na relação de
princípios conceituais e meto- estudo evidencia que, o aprendi-
dológicos que caracterizam zado usufruto na concepção de
uma tipologia planejada que planejamento do arquiteto Os-
assimila tecnologias oriundas waldo Bratke para conceber a ci-

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

dade planejada no meio da selva condição de bem estar era uma


dá conta do valor expressivo de variável importante no atendi-
assimilação da cultura local, tanto mento das necessidades dos habi-
na tipologia de ocupação dos ri- tantes locais, o que contrasta com
beirinhos e caboclos, como das a realidade contemporânea onde
comunidades residentes do perí- os principais objetivos estão vol-
odo Pré-Território Federal do tados exclusivamente para um
Amapá. contexto mercadológico onde se
Tais referências nos colocam privilegia a quantidade, a facili-
diante da necessidade de pensar dade construtiva e o modismo es-
efetivamente as práticas criativas, tético em detrimento da quali-
metodológicas que conformam a dade do habitar.
integração entre a arquitetura
produzida anteriormente onde a

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

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57
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

A sobrevivência da imagem nas capelas


assistenciais em Belém: uma discussão
sobre a preservação do patrimônio

La supervivência de la imagen en las capillas asistenciales en


Belém: uma discusión sobre la preservación del patrimonio

The survival of the image in the chapels in Belém: a discussion


on the preservation of heritage

Cybelle S. Miranda
Doutora em Antropologia pela Universidade Federal do Pará (2006). Professora
Associada II da Universidade Federal do Pará
E-mail: cybelle1974@hotmail.com

Nathália S. Castro
Mestre em Arquitetura e Urbanismo no PPGAU pela Universidade Federal do
Pará.
E-mail: nathi_pa@hotmail.com

Ronaldo M. Carvalho
Doutor em Engenharia de Recursos Naturais da Amazônia pela Universidade
Federal do Pará. Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Uni-
versidade Federal do Pará.
E-mail: romarca@ufpa.br

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RESUMO

A investigação da imagem nas capelas assistenciais da Santa Casa de Mise-


ricórdia e da Beneficente Portuguesa evidencia a relevância do conhecimento
da estética e simbologia das imagens para garantir a valorização do patrimô-
nio arquitetônico no Pará. O entendimento do repertório decorativo eclético
como uma viagem de formas que, ao sobreviverem, adquirem novos senti-
dos ao serem interpretadas e vivenciadas pelos usuários dos ambientes que
integram é essencial para o processo de valorização destes. Assim, o diálogo
entre a História da Arte e a preservação dos monumentos serve para de-
monstrar a importância das imagens na identidade eclética das capelas inse-
ridas em espaços de saúde de Belém-PA, cujo reconhecimento pela socie-
dade é essencial para a permanência desses espaços sacros.

Palavras-Chave: Capelas Assistenciais; Imagem, Ecletismo, Belém-PA.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMEN SUMMARY
imagen Investigación en las capillas para el cui- The investigation of the image in the chapels of as-
dado de la Santa Casa de Beneficencia y el portu- sistance of the Santa Casa de Misericórdia and Be-
gués pone de relieve la importancia del conocimi- neficente Portuguesa shows the relevance of the
ento estético y el simbolismo de las imágenes para knowledge of the aesthetics and symbology of the
asegurar la mejora del patrimonio arquitectónico images to guarantee the valuation of the architec-
en Pará. La comprensión del repertorio decorativo tural patrimony in Pará The understanding of the
ecléctico como un viaje de manera que, al sobrevi- eclectic decorative repertoire as a trip of forms
vir, adquieren nuevos sentidos al ser interpretados that, when they survive, acquire new meanings
y vivenciados por los usuarios de los ambientes when interpreted and experienced by the users of
que integran es esencial para el proceso de valora- the environments they integrate is essential for the
ción de éstos. Así, el diálogo entre la Historia del process of valuing them. Thus, the dialogue
Arte y la preservación de los monumentos sirve between the History of Art and the preservation of
para demostrar la importancia de las imágenes en monuments serves to demonstrate the importance
la identidad ecléctica de las capillas insertadas en of the images in the eclectic identity of the chapels
espacios de salud de Belém-PA, cuyo reconocimi- inserted in health spaces of Belém-PA, whose re-
ento por la sociedad es esencial para la permanen- cognition by society is essential for the perma-
cia de esos espacios sacros. nence of these sacred spaces.

Palabras clave: Capillas Asistentes; Imagen, Eclec- Keywords: Assistance Chapels; Image, Eclecti-
ticismo, Belém-PA. cism, Belém-PA.

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Introdução Assim, o ecletismo torna-se a


expressão arquitetônica das mu-
A dificuldade de comunicação danças de comportamento da po-
com a Corte e a penúria da econo- pulação belemense. As firmas
mia na primeira metade do século aviadoras atuam como interme-
XIX mantiveram Belém à mar- diárias entre os interesses dos se-
gem das motivações ideológicas ringalistas e das empresas estran-
do Neoclassicismo imposto pela geiras, sendo responsáveis pela
Missão Francesa. Só a partir de importação de materiais de cons-
1866, com a abertura do Rio Ama- trução e mesmo de edificações
zonas à navegação internacional, desmontadas, como os chalés de
intensificou-se o fluxo de merca- ferro, os mercados e reservatórios
dorias, favorecendo o que ficou de água, de origem francesa, in-
conhecido como Belle Époque glesa, alemã e belga (DERENJI,
(1880 - 1910), momento de intensa 1987).
prosperidade às elites paraenses e A reformulação da cidade deu-
mudanças significativas no dese- se basicamente na administração
nho da cidade. O cenário urbano do Intendente Antonio Lemos
passou a ser regido pelos princí- (1897-1912)9. Calçou e arborizou
pios do positivismo, da moderni- ruas, regulou as construções
zação, civilização e a higieniza- desde a disposição do lote até a
ção, buscando nas Belas Artes a fachada; retomou o tratamento
comunicação da prosperidade urbanístico do bairro do Marco. O
burguesa e funcionando como es- Intendente promulgou em 1901 o
tratégia política de autopromoção Código de Polícia Municipal, que
dos grandes comerciantes. regulava as edificações quanto

9 Antonio José de Lemos, político maranhense, tornou-se o mais lembrado Intendente da his-
tória de Belém devido às reformas urbanas que modificaram as feições da cidade, bem ao
estilo francês. Foi responsável pelo remodelamento de praças, parques, abertura de grandes
avenidas e criação de código de posturas, bem como pela construção de prédios monumen-
tais e fomento à arte erudita na sociedade local. Para mais informações ver SARGES, Maria
de Nazaré. Belém: riquezas produzindo a belle-époque (1870-1912). Belém: Paka-Tatu, 2002.
E, da mesma autora, Memórias do “velho” Intendente: Antonio Lemos – 1869-1973. 1998.
Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Doutorado em História Social do Trabalho, Campinas, 1998.

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aos materiais, dimensões de cô- a decifração dos repertórios e


modos e a adoção de porões e pla- imagens que caracterizaram as
tibandas, o que ocasionou mu- elites paraenses deste momento.
dança significativa na fisionomia
da cidade. Sobrevivência da Imagem
A cidade não contava com mão
de obra especializada, o que tor- Didi-Huberman (2013) mostra
nava os elementos decorativos que a imagem evoca a estranheza
por vezes excessivos e reforçou a temporal, mas em si não pode ser
continuidade de técnicas do pas- considerada uma negação do
sado. Destaca-se neste panorama tempo e da história, mas sim um
o Instituto Lauro Sodré (1871), potencial de contratempo que
uma escola profissional gratuita traz à tona tudo o que realmente
para meninos órfãos, que for- exerce influência. O ato do ecle-
mava serralheiros, marceneiros, tismo reavivar elementos arquite-
gráficos e encadernadores, sendo tônicos utilizados em períodos
produzidos nesta instituição os anteriores, segundo Aby War-
mobiliários usados nos prédios burg, os caracteriza como ima-
públicos. Assim, o mobiliário, os gens sobreviventes, já que cada
objetos de decoração e materiais período seria como um tecido
de construção eram necessaria- com o seu próprio nó; para a
mente importados da Europa e construção desse tecido são ne-
dos Estados Unidos. cessários antiguidades, anacro-
Neste capítulo pretende-se nismos e propensões para o fu-
mostrar como a compreensão da turo. A construção da arquitetura
relação entre o repertório decora- eclética pode ser considerada
tivo circulante em Belém servirá como o entrelaçamento de ele-
para caracterizar a Belle Époque mentos que trazem à luz ideias
da capital paraense, sendo que os como a de tradição e transmissão,
signos presentes permitirão ler a considerando, pois, a historici-
sociedade da época. Portanto, o dade construída a partir de pro-
estudo das capelas assistenciais cessos conscientes e inconscien-
serve como ponto de partida para
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tes, e de esquecimentos e redesco- Segundo Nietzsche, a “força plás-


bertas. tica” da memória é a capacidade
Sabendo que a tradição primei- de estabelecer um limite o mais
ramente significa a transmissão claro possível entre a lembrança e
de conhecimento, podendo ser o esquecimento, um limite que se-
uma tradição artística ou constru- para o importante do não impor-
tiva, esta ocorre pela manutenção tante, ou melhor, o que é útil à
de formas e técnicas consideradas vida do que não lhe é útil (NI-
significativas para o presente ETZSCHE apud ASSMANN,
(MATEUS, 2013). Assim, o ecle- 2003).
tismo busca, através desses ele- Por isso, Marta Bogéa (2009)
mentos e sistemas da arquitetura, instrui que todo processo de rea-
criar e adaptar ao seu tempo, bilitação da Arquitetura deve ter
desta forma, os arquitetos com o um momento em que deverá ser
espírito eclético não apenas re- pensado quais elementos serão
produziram formas passadas, mantidos e os que serão esqueci-
mas também produziram novas dos, sabendo que a edificação
formas com o auxílio das inova- traz consigo uma memória, desde
ções tecnológicas. a sua construção até o momento
Pode ser dito que esta etapa (o da intervenção. Com a análise
ecletismo) foi significativa para a dos elementos existentes numa
modernização da arquitetura. dada edificação, deve ser contro-
Portanto, a renovação da arquite- lado o que será esquecido com
tura no século XIX foi baseada na base na real relevância dos acrés-
escolha, com qualidade, de ele- cimos para ter a dimensão real do
mentos dos estilos, abrindo cami- valor histórico e afetivo que estes
nho para uma renovação da ar- representam na construção da
quitetura em termos linguísticos “memória” da edificação.
e ideológicos (PEDONE, 2002). Pensar a história do ecletismo
Para tanto, deve ficar clara a implica em entender a importân-
importância que a memória tem cia dos monumentos, civis e reli-
como forma de documento, po- giosos do ponto de vista da me-
dendo ser individual ou coletiva. mória, que transcende as meras
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classificações formais e avança por memórias vivas e pulsantes


para a compreensão da relação da pelas quais pode ser instituída
arquitetura com o indivíduo que uma ligação permanente entre
a habita, e o poder que o valor culturas, nos faz compreender o
afetivo tem na salvaguarda do ecletismo não como um estilo ar-
patrimônio. A sobrevivência, se- quitetônico, mas como uma so-
gundo Didi-Huberman (2013) brevivência dos estilos pré-exis-
tem um papel importante para a tentes. Para Warburg, a imagem
compreensão da História da Arte reflete a cultura condicionando,
e da Arquitetura: assim, sua sobrevivência através
das imagens em movimento.
Eis-nos um pouco mais bem Ao longo dos tempos a Antro-
armados para compreender os pologia, com o objetivo de pensar
paradoxos de uma história das
imagens concebida como uma
o homem através da análise das
história de fantasmas - sobre- suas diferenças, pode notar a im-
vivências, latências e aparições portância da imagem como fonte
misturadas com o desenvolvi- de pesquisa. A imagem pode ser
mento mais manifesto dos pe-
ríodos e estilos (DIDI-HUBER- lida como uma superfície e que
MAN, 2013. p.71). possui códigos, carregando um
teor comunicacional; através da
Sendo assim pode ser dito que leitura das imagens pode ser per-
o ecletismo é a materialização da cebida a representação de ele-
história dos fantasmas, por poder mentos aparentemente descone-
trazer em uma única edificação xos, uma vez que originários de
diferentes elementos decorativos diversas fontes.
que se assemelham a sobrevivên- A utilização da imagem na an-
cias, latências e aparições mistu- tropologia para Ribeiro (2005)
radas sob uma “capa” de moder- tem o propósito de documentar,
nidade. criando um banco de informação
Entender que a Imagem e a que traz o registro de um aconte-
arte - aqui podemos considerar a cimento observável. Tais como os
arquitetura como uma forma ar- textos, as imagens devem ser ana-
tística construída - são permeadas lisadas e incorporadas como do-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

cumentos de uma memória cultu- Capela da Fundação Santa


ral; para isso toda imagem, seja Casa de Misericórdia do Pará
fotográfica, fílmica ou videográ-
fica, deve ser analisada como um A capela da Santa Casa de Mi-
item que permitirá ao pesquisa- sericórdia do Pará situa-se no in-
dor reconstituir grupos sociais a terior do Hospital, tendo acesso
partir de seus elementos simbóli- unicamente pelos pavilhões do
cos. mesmo. Estima-se que a capela
Como parte do estudo das ca- tenha sido edificada entre o ano
pelas assistenciais, a análise das de inauguração do Hospital da
imagens antigas e atuais pode de- Santa Casa, 1900, e o ano de 1910,
terminar o grau de desgaste e al- quando já há menção a ela no Jor-
terações que as mesmas sofreram nal A Província do Pará do dia de
ao longo de sua existência. O que 27 de julho (CASTRO, 2017).
ressalta a importância de um A capela apresenta forma re-
acervo das imagens arquitetôni- tangular com a presença de altar-
cas, não só destas capelas, mas de mor e dois altares laterais, cuja
todos os bens de importância ar- planta é dividida em presbitério
quitetônica (tombados ou não), (rosa), a nave (azul) e (verde) sa-
por ser a partir da análise das for- cristia (Fig. 1).
mas antigas e atuais dos edifícios A capela da Santa Casa de Mi-
de interesse cultural que pode ser sericórdia apresenta em seu in-
realizado um estudo para conser-
terior dois tipos de forro: lam-
vação dos elementos presentes e
bri em madeira na sacristia e o
o conhecimento das alterações so-
forro de estuque, que se es-
fridas ao longo dos anos que pos-
sam ter resinificado a edificação. tende por toda nave até o altar
mor.

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Figura 1. Planta dos ambientes da capela do Hospital Santa Casa de Misericórdia.

Fonte: Elaborado por Sudani, 2014.

Figura 2. Forro da Capela da Santa Casa de alguns casos, de sangue animal,


Misericórdia do Pará.
urina, chifres moídos, açúcar, sal,
dentre outros elementos que aju-
davam a liga a ter mais resistên-
cia, elasticidade e durabilidade.
A partir do século XVII, uma
pasta composta por gesso, pó de
mármore e cal também começou
a ser utilizada nas ornamentações
em estuque de modo a propiciar
Fonte: Bianca Barbosa, 2016.
a plasticidade do gesso e a acele-
ração das sobreposições das fases
O forro estucado é ornamen-
(FIGUEIREDO, 2008).
tado em relevo e sua temática é fi-
Em relação aos ornamentos de
tomórfica (CASTRO, 2017). O es-
estuque, Mascarenhas e Fran-
tuque é composto de cal, água e
queira (2007) afirmam que, ante-
areia, com a adição elementos
riormente a industrialização de
como argila, pó de mármore e, em
tal processo, a criação dos mode-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

los com moldes em tamanho re- corada nas laterais por pilastras
duzido configurava uma das eta- arrematas por um buquê (cas-
pas mais importantes para a con- cata) de flores, cujo arco que-
fecção dos ornamentos. Essa brado é ladeado por ornamentos
forma de produção possibilitou também florais. Outro acesso foi
que, a partir do século XVIII, criado na lateral da capela, com
fosse possível a comercialização escadaria que desce a um pátio si-
de diversas peças em gesso pro- tuado em meio aos pavilhões.
venientes da Europa para orna-
mentar diversas edificações no Figura 3. Porta de acesso à capela pelo inte-
rior do Hospital.
Brasil, comercializadas por meio
de catálogos.
Carvalho et al10 iniciam a iden-
tificação das fontes de inspiração
do padrão decorativo do teto da
capela em tela, que pode ser en-
contrado em tetos como o da
Igreja da Misericórdia de Braga e
nos Tratados de Arquitetura.
Destaca-se, no Tratado de Serlio,
Livro 3, a referência aos tetos for-
mados por nichos ortogonais,
adornados com florões ao centro.
Ao percorrer um dos corredo-
res internos do Hospital, pode-
mos ver a entrada que possivel-
mente fora a originalmente utili-
zada, para dar acesso à capela. Foto: Bianca Barbosa, 2016.
Esta é composta por moldura de-

10 CARVALHO, Ronaldo Marques de; GRILO, Fernando; MIRANDA, Cybelle S. CASTRO,


Nathalia Sudani de. A Capela da Santa Casa de Misericórdia do Pará e a Preservação do
Patrimônio da Saúde – subsídios para o restauro do teto em estuque. Atas do I Colóquio
Arquitetura Assistencial e saúde, 2019. Universidade de Lisboa, Universidade Federal do
Pará, Universidade Lusíada. (no prelo).

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

A capela, por se encontrar tão sência de significado religioso ao


deteriorada devido seu aban- espaço.
dono, perdeu muitas característi-
cas que lhe eram originais, como Figura 4. Vista dos retábulos central e laterais
da capela.
a presença de figuras escultóricas,
e até mesmo ocorreu a degrada-
ção dos próprios retábulos, difi-
cultando tanto o acesso ao local
para estudo quanto a identifica-
ção das ordens dos ornamentos.
Os retábulos se caracterizam
por terem poucos detalhes nos
bancos, com ornamentação con-
Foto: Bianca Barbosa, 2016.
centrada na parte superior, onde
se encontram os frisos dourados
Na capela-mor encontram-se
de folhas de ovalas e de folhas de
dois retábulos laterais e um cen-
acanto (alguns se encontram bas-
tral. O retábulo central do altar-
tante deteriorados, especialmente
mor apresenta três nichos de ar-
os do retábulo central), frontões
cos perfeitos, ladeados por colu-
cimbrados interrompidos nos la-
nas e meia colunas que apresen-
terais e frontão triangular inter-
tam o fuste estriado e o capitel co-
rompido no central, estes susten-
ríntio com volutas e folhas de
tados por colunas clássicas cane-
acanto que são douradas, arrema-
ladas e pilastras adossadas com
tado por frontão triangular, inter-
capitéis coríntios. Outros orna-
rompido, com uma cruz latina ao
mentos também são importantes,
centro. Em imagens antigas,
como as guirlandas nos frontões e
acima dos nichos existia um anjo
outros motivos florais no interior
e um vaso.
e nos frisos dos painéis. Ademais,
Os retábulos laterais apresen-
a ausência de imagens sacras, re-
tam frontão quebrado (curvo seg-
colhidas ao Museu da Santa Casa
mentado) com cornija jônica. O
em função da desativação da ca-
frontão é ornamentado com fes-
pela antiga, contribui para a au-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

tão de flores com laços nas extre-


midades, acima do frontão existe
uma cruz latina. Suas colunas
apresentam o fuste estriado e o
capitel coríntio com volutas e fo-
lhas de acanto que são douradas.
Na base do retábulo existe o dese-
nho de um escudo, encimado por
coroa adornada com uma cruz; Fotos: Nathália Sudani, 2014.

no interior do escudo há um per-


gaminho com uma flor onde se lê Capela do Hospital da Benefi-
“VERGA DI GESSE”, que signi- cente Portuguesa
fica “Bastão de Jessé”, o pai de
Davi. O topo das bases é deco- A capela do Hospital Benefi-
rado com um desenho de uma vi- cente Portuguesa apresenta uma
eira, da qual saem duas folhagens forma retangular, sem a presença
que formam espirais. de altares laterais. Na representa-
ção da capela pode ser observado
Figuras 5 e 6. Altar lateral e Base do altar la-
que a existência de duas áreas: a
teral com inscrição.
nave e o presbitério, como pode
ser observado na figura abaixo.
A nave apresenta teto plano,
sendo o presbitério coberto por
abóbada de quarto de esfera so-
bre o altar-mor. Essa estrutura
apresenta pintura em afresco re-
presentando o céu, circundada
por uma moldura formada por
óvalos e por um fingido esverde-
ado, o mesmo encontrado em ou-
tros pontos da capela, ao topo en-
contra-se uma pomba branca que
representa, para o catolicismo, o
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Espirito Santo.

Figura 7. Planta dos ambientes da capela do Hospital Beneficente Portuguesa.

Fonte: Elaborado por Sudani, 2016.

Figura 8. Altar lateral e Base do altar lateral demos notar ornamentos como
com inscrição.
cabeças de anhos aladas e folhas
de acanto com douração.
A capela tem cinco vitrais em
arco de volta inteira, os quais
apresentam molduras decoradas
com fingido de mármore verde,
sendo os motivos florais, com ex-
ceção do vitral retangular que re-
presenta Santa Anna, em frente
Fonte: Bianca Barbosa, 2016.
ao coro alto.
O altar é composto por uma
Nas paredes destacam-se pai-
mesa, sobre a qual repousa o sa-
néis de fingidos emoldurados: o
crário sobreposto por pequeno
Fingido é uma técnica que imita
templo. A Imagem central é a de
mármore na qual o artista utiliza
Nossa Senhora da Conceição, in-
o suporte já seco para recriar os
vocação da capela, ladeada nos
veios do mármore. Nas áreas
nichos pelas imagens de Santana
marcadas por colunas e vigas po-

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Mestra e do Sagrado Coração de sos de flores e florões.


Jesus. Os demais santos estão dis-
postos na capela apoiados em Discutindo a sobrevivência da
peanhas, como São José, Santo imagem e o apagamento da
Antônio e Nossa Senhora de Fá- memória
tima.
A preservação do patrimônio
Figura 9. Nave e Altar mor da Capela da Be-
neficente Portuguesa. sacro face às alterações do gosto a
que estão sujeitas as sociedades é
uma questão que necessita dis-
cussões transdisciplinares. Em
Belém do Pará, nosso estudo das
capelas assistenciais revelou que
a capela do Hospital Beneficente
Portuguesa permanece no local
original, contudo, teve o desenho
de seus interiores modificado, en-
quanto que a capela da Santa
Casa de Misericórdia foi abando-
nada, e uma capela moderna sur-
giu no local onde outrora foi a en-
trada da Maternidade.
A capela dedicada à Nossa Se-
nhora da Conceição, conforme foi
Fonte: Bianca Barbosa, 2016. registrada no livro História da
Benemérita Sociedade Portu-
As referências clássicas identi- guesa Beneficente do Pará, de
ficadas são pilastras com capitéis 1974, apresentava, no altar-mor,
compósitos, o coroamento do sa- retábulo em madeira com enta-
crário, as colunas do altar, formas blamento dórico, com teto plano
concheadas e volutas que orna- com pintura decorativa, tendo
mentam as fazes das pilastras, va- sido remodelada para adotar

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

forma absidal de inspiração me- movimento ágil e intenso capaz


dievalizante, revelando a altera- de constituir forte paixão. Tais
ção no gosto da sociedade. A ima- formas utilizadas nas arquitetu-
gem publicada sugere que a alte- ras ecléticas podem ser caracteri-
ração tenha sido recente, obede- zadas, segundo Warburg, como
cendo às preferências das ordens fórmulas patéticas (Pathosfor-
e irmandades religiosas da pri- meln), elementos imagéticos que
meira metade do século XX. são capazes de mover os afetos e
de suscitar emoções através do
Figura 10. Altar mor da Capela da Benefi- tempo e da história. Dora e Erwin
cente Portuguesa, conforme livro de 1974.
Panofsky (2009) tratam o mito de
Pandora e sua representação por
meio de narrativas e imagens,
desde as descrições da literatura
grega, até a Pandora pintada pelo
pré-rafaelita Dante Gabriel Ros-
seti. Neste processo de reabilita-
ção da imagem do mito na longa
duração, o vaso portado pela fi-
gura feminina se torna caixa, e
Pandora é associada a outras fi-
guras mitológicas, permane-
cendo até a atualidade.
Warburg considerava que a
história da arte não acontecia de
forma linear e também não estava
isenta de influências de outros
Fonte: HISTÓRIA da Benemérita Sociedade
Portuguesa Beneficente do Pará, 1974 p. 157. períodos, ou seja, não concebia o
percurso histórico na perspectiva
O ecletismo transporta ele- do progresso, em que as expres-
mentos de uma cultura e de uma sões artísticas se sucedem sem
época para outra, sendo reutiliza- considerar os ensinamentos dos
dos de forma a constituírem um momentos anteriores (DIDI-HU-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

BERMAN, 2013). Nestes termos, si uma memória, servindo-se de


o Ecletismo pode ser entendido símbolos e sinais memoriais, tex-
como um estilo fantasma, uma tos, imagens, ritos, práticas, luga-
vez que apresenta formas de di- res e monumentos. Seguindo essa
versas épocas e locais condensa- linha, podemos observar que as
das, sem se relacionar com as ori- duas instituições hospitalares es-
gens e significados que as produ- tudadas criaram mecanismos
ziram. para se perpetuar por meio de li-
Na história, as imagens sobre- vros memorialísticos: História da
vivem na longa duração, associ- Benemérita Sociedade Portu-
ando-se a sentimentos e ideias guesa Beneficente do Pará (1974),
que fazem parte do inconsciente A Santa Casa da Misericórdia Pa-
coletivo humano; contudo, na raense (Arthur Vianna, 1902).
curta duração, ocorre a destrui- É importante ressaltar que a
ção dos suportes materiais destas ideia primeira dessas instituições
imagens, especialmente na arqui- não era somente auxiliar o corpo,
tetura, cujos edifícios são por ve- mas também a alma, por este mo-
zes abandonados e substituídos tivo era necessário conciliar o so-
por formas mais modernas, con- corro físico e espiritual aos doen-
sideradas aptas a responder aos tes. Contudo, nestas publicações
anseios estéticos da sociedade do as capelas recebem pouco desta-
presente. que, em contraste com as listas de
Assim, a memória deve ser uti- Provedores e Sócios, e a moderni-
lizada como forma de auxiliar o zação das instalações, que sobres-
processo de salvaguarda do bem, saem.
por ser nela que o homem se Vasculhando os Arquivos pú-
apoia para a sua afirmação cultu- blicos, encontramos em jornais
ral, histórica e social (LE GOFF, antigos como a Folha do Norte e
2003). A Província do Pará notícias de
A memória também é algo bio- festividades das santas padroei-
lógico e por isso Assmann aponta ras da Santa Casa e do Hospital
que instituições e corporações da Beneficente Portuguesa, para
não tem memória, elas criam para as quais toda a sociedade local era
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

convidada. Hoje, a capela da Be- construída no Hospital da Santa


neficente Portuguesa continua Casa de Misericórdia do Pará a 25
cumprindo seu papel de envolvi- transeuntes do entorno do hospi-
mento com a comunidade, por tal, concluiu-se que a maioria
meio da Festividade de Nossa Se- concorda na necessidade de pre-
nhora da Conceição, padroeira de servação da capela antiga pois,
Portugal, e das missas tridentinas esta é considerada mais "repre-
regularmente oficiadas. sentativa", "religiosa" e confortá-
Na arquitetura, a memória está vel, ressaltando seu valor cultural
impregnada nas paredes dos edi- em detrimento de seu gosto pes-
fícios, uma vez que os ambientes soal.
construídos pelos homens guar-
dam na materialidade a memória Figura 11. Missa oficiada na capela antiga da
Santa Casa do Pará
das ideias, das práticas sociais e
dos sistemas de representação
dos indivíduos que ali convivem
ou já conviveram. A falta dessas
referências, mesmo que mutila-
das pelo tempo, pode acarretar a
perda da identidade de um povo.
Tal é o caso da capela da Funda-
ção Santa Casa de Misericórdia
que, em decorrência do seu fecha- Foto: Acervo do Museu da SCM, 1993.
mento ocorrido há décadas, vem
sofrendo degradação severa e o Com relação à fotografia da ca-
esquecimento por parte da popu- pela moderna, foi comentado que
lação belenense. esta não tinha "identidade pró-
Segundo Abdon e Miranda pria", que "podia ser colocada em
(2017)11, após apresentar a foto da qualquer lugar do mundo e se en-
capela antiga e da nova capela caixar, mas nunca ia representar a

11 ABDON, Leonardo; MIRANDA, Cybelle S. Arquitetura como construção da sociedade: a


capela do hospital da Santa Casa de Misericórdia do Pará, 2017. Relatório final de Iniciação
científica (arquitetura e urbanismo). Universidade Federal do Pará. (não publicado)

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

cultura do lugar", não passaria a pela da Beneficente, que possui


sensação de pertença e de história acesso pelo Salão Nobre do 1º pa-
que a antiga transmitia, mesmo vimento, encontra-se em funcio-
que em imagem. namento permanente, com pro-
gramação de missas, e recebeu re-
Figura 12. Interior da capela nova da SCM do pintura recente, a capela da Santa
Pará.
Casa, com acesso pelo interior
dos pavilhões do hospital, está
desativada, em acelerado pro-
cesso de degradação.
Quando Le Goff discorre sobre
a terminologia monumento pode-
se ter a noção de que essa expres-
são remete a tudo que lembra o
passado como os “atos escritos,
uma obra comemorativa de ar-
Foto: Carla Albuquerque, 2009.
quitetura e escultura e um monu-
Sabe-se que o ato de salva- mento funerário destinado a per-
guarda deve ser analisado isola- petuar a recordação de uma pes-
damente, pois requer atitudes soa” (LE GOFF, 2003 p. 526).
que estejam de acordo com o con- Tendo assim o monumento o po-
texto e o público de cada institui- der de imortalizar, voluntaria-
ção. Considerando tratar-se de mente ou involuntariamente, a
um Hospital filantrópico e um história das sociedades.
Hospital público, cuja gestão e Para Aloïs Riegl, o monu-
tratamentos são distintos, o que já mento é uma obra criada pelo ho-
representa diferença de priorida- mem com o intuito de conservar
des e verbas na preservação dos uma “lembrança” do passado,
edifícios, a disposição das capelas nesse sentido, o monumento in-
no interior dos hospitais também tencional relaciona-se com a ma-
contribui para sua maior ou me- nutenção da memória coletiva de
nor visibilidade. Enquanto a ca- um povo, sociedade ou grupo. O
monumento histórico é para Ri-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

egl uma criação da sociedade mo- dos, mas que apresentam formas,
derna, um evento histórico locali- figuras e técnicas decorativas de
zado no tempo e no espaço. As- grande importância em sua
sim, é a partir dessa mudança de época, mas pouco conhecidas
atitude que se verifica o despon- atualmente.
tar de um novo valor de rememo- Portanto, está imersão nos faz
ração, pois “[n]ão é a destinação subverter os mitos modernistas
original que confere a essas obras da arquitetura desconectada com
a significação de monumentos; o passado, sendo os pequenos
somos nós, sujeitos modernos, ambientes sacros a síntese de
que lhes atribuímos essa designa- imagens que ressurgem resinifi-
ção” (RIEGL, 2006, p.49). Nos cadas e que conferem valor sim-
dias atuais, o valor que um bem bólico e afetivo a estes locais.
deve ter frente à sociedade ainda Sendo assim, o ecletismo é a ma-
é questionado, pois em pleno sé- terialização da história dos fan-
culo XXI temos que lidar com tasmas por poder trazer em uma
questões extremamente burocrá- única edificação diferentes ele-
ticas quando estamos traba- mentos decorativos que sobrevi-
lhando a história do bem e sua vem em ambientes onde as técni-
salvaguarda. cas e materiais almejam a moder-
nidade.
Considerações Finais A fala dos transeuntes do en-
torno da Santa Casa é essencial
Estudar a Arquitetura do Ecle- para entender que a preservação
tismo em Belém como um reper- dos espaços sacros decorre do co-
tório de imagens sobreviventes nhecimento da sociedade, de
torna-se ainda mais instigante modo que as imagens do passado
quando observamos a arquitetura podem vir a se integrar no cotidi-
religiosa inserida em prédios as- ano presente, a despeito das mu-
sistenciais, objetos pouco estuda- danças de gosto.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Referências

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79
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

80
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Estrutura intraurbana e segregação


socioespacial na Belém da Belle
Époque (1870-1910)

Estructura intraurbana y segregación socioespacial em Belém


de la Belle Époque (1870-1910)

Intra-urban structure and socio-spatial segregation in Belém da


Belle Époque (1870-1910)

Helena L. Z. Tourinho
Doutora em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernam-
buco (2011). Professora do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e
Meio Ambiente Urbano da Universidade da Amazônia.
E-mail: helenazt@uol.com.br

Roberta S. S. Barros
Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade da Amazônia (2016).
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Am-
biente Urbano da Universidade da Amazônia.
E-mail: robertaasafira@hotmail.com

Antônio J. L. Corrêa
Mestre em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pela Universidade
Federal do Pará (1984). M Sc. Núcleo de Gerenciamento de Transporte Metro-
politano.
E-mail: antoniolamarao@uol.com.br

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMO

A partir do final do século XIX, o ideal de progresso e suas manifestações


culturais e materiais foram amplamente difundidos pela elite econômica que
controlava a produção e a exportação da borracha vegetal amazônica. No
período, que ficou conhecido como Belle Époque Amazônica (1870 a 1910),
foram reproduzidos, na cidade de Belém, diversos princípios e elementos
arquitetônicos e urbanísticos europeus. As mudanças comportamentais e so-
cioeconômicas observadas neste período, bem como as intervenções urba-
nísticas e arquitetônicas, especialmente as empreendidas pelo Intendente
Antônio Lemos (1897-1910), vêm sendo estudados, detalhadamente, pela
academia. Contudo, as análises sobre a estrutura intraurbana desse período
são mais raras. O presente artigo visa a contribuir para o preenchimento
dessa lacuna, mediante a identificação da localização espacial das classes so-
ciais (abastadas e operárias), das atividades econômicas (fabris, comerciais,
da administração pública, etc.) e dos grandes equipamentos implanta-
dos/reformados pelo referido Intendente (cemitérios, crematórios, merca-
dos, matadouros, praças, hospitais e clínicas psiquiátricas). O trabalho evi-
dencia a existência de segregação socioespacial intraurbana. Tal segregação
se manifestava na localização das camadas de maior renda nos eixos de ex-
pansão urbana e no entorno da principal concentração de comércio e servi-
ços, onde se localizaram os grandes equipamentos públicos considerados
“nobres” que foram implantados/recuperados na época (teatro, praças, mu-
seus, etc.). As camadas mais pobres, compostas por trabalhadores ocupados
menos qualificados e por imigrantes desempregados, se posicionaram na pe-
riferia da malha urbana. No bairro do Reduto, onde se concentrou o uso in-
dustrial, ficaram as Vilas Operárias, onde moravam os trabalhadores mais
qualificados e melhor remunerados pelo setor industrial.

Palavras-chave: Estrutura intraurbana; Belém; Belle Époque.

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RESUMEN SUMMARY

A partir de finales del siglo XIX, el ideal de pro- From the late nineteenth century, the ideal of pro-
greso y sus manifestaciones culturales y materiales gress and its cultural and material manifestations
fueron ampliamente difundidos por la elite econó- were widely disseminated by the economic elite
mica que controlaba la producción y la exporta- that controlled the production and export of Ama-
ción del caucho vegetal amazónico. En el período, zonian rubber. During the period known as Belle
que se conoció como Belle Époque Amazónica Époque Amazônica (1870-1910), several principles
(1870 a 1910), se reprodujeron, en la ciudad de Be- and architectural and urbanistic elements were re-
lém, diversos principios y elementos arquitectóni- produced in the city of Belém. The behavioral and
cos y urbanísticos europeos. Los cambios compor- socioeconomic changes observed in this period, as
tamentales y socioeconómicos observados en este well as the urban and architectural interventions,
período, así como las intervenciones urbanísticas y especially those undertaken by the Intendente An-
arquitectónicas, especialmente las emprendidas tônio Lemos (1897-1910), have been studied in de-
por el Intendente Antônio Lemos (1897-1910), vie- tail by the academy. However, the analyzes on the
nen siendo estudiados, detalladamente, por la aca- intra-urban structure of this period are rarer. The
demia. Sin embargo, los análisis sobre la estructura objective of this article is to contribute to fill this
intraurbana de este período son más raros. El pre- gap, by identifying the spatial location of the social
sente artículo tiene por objeto contribuir al llenado classes (wealthy and working class), economic ac-
de esa laguna, mediante la identificación de la lo- tivities (manufacturing, commercial, public admi-
calización espacial de las clases sociales (abasaja- nistration, etc.) and large equipment deployed /
das y obreras), de las actividades económicas (fá- (cemeteries, crematoria, markets, slaughterhouses,
bricas, comerciales, de la administración pública, squares, hospitals and psychiatric clinics). The
etc.) y de los grandes equipos implantados / refe- work shows the existence of intra-urban socio-spa-
rido Intendente (cementerios, crematorios, merca- tial segregation. This segregation was manifested
dos, mataderos, plazas, hospitales y clínicas psi- in the location of the higher income layers in the
quiátricas). El trabajo evidencia la existencia de se- urban expansion axes and in the surroundings of
gregación socioespacial intraurbana. Esta segrega- the main concentration of commerce and services,
ción se manifestaba en la localización de las capas where the great public equipment considered "no-
de mayor ingreso en los ejes de expansión urbana bles" that were implanted / recovered at the time
y en el entorno de la principal concentración de co- (theater, squares, museums, etc.). The poorer
mercio y servicios, donde se localizaron los gran- strata, made up of less skilled workers and unem-
des equipamientos públicos considerados "nobles" ployed immigrants, were positioned on the pe-
que fueron implantados / recuperados en la época riphery of the urban fabric. In the Reduto neigh-
(teatro, plazas, museos, etc.). Las capas más po- borhood, where the industrial use was concentra-
bres, compuestas por trabajadores ocupados me- ted, the Workers' Villages were left, where the
nos cualificados y por inmigrantes desempleados, most qualified and best-paid workers lived by the
se posicionaron en la periferia de la red urbana. En industrial sector.
el barrio del Reduto, donde se concentró el uso in-
dustrial, quedaron las Vilas Obreras, donde vivían Keywords: Intra-urban structure; Belém; Belle
los trabajadores más cualificados y mejor remune- Époque.
rados por el sector industrial.

Palabras clave: Estructura intraurbana; belén; Belle


Époque.

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Introdução maior ou menor escala, pelas


sociedades contemporâneas.
Paris, Lisboa, Buenos Aires,
A partir de meados do século São Petersburgo, Viena, Belém
XIX o mundo começa a viver um e Manaus, cidades de topogra-
fias sociais e físicas distintas
dos períodos mais marcantes da
integravam-se ao circuito
história moderna, denominado mundial da cultura burguesa,
de Belle Époque. Iniciado em Pa- na medida em que abrigavam
ris, esse movimento manifesta-se, elos da cadeia mundial do
mercado. A cultura burguesa
sobretudo, entre 1880 e 1914 pro-
da belle époque transitava pe-
vocando transformações físicas, los mesmos canais da circula-
na arte e nos estilos de vida. As ção das mercadorias, dos capi-
alterações no ambiente constru- tais e dos bens de produção, o
que implicava bem definir o
ído, baseadas na ideia de pro-
sentido da mundialização da
gresso/modernização, se mani- economia capitalista e do capi-
festaram nas reformas urbanas tal simbólico da cultura bur-
realizadas pelo Barão Georges- guesa. (COELHO, 2011, p. 141-
142).
Eugène Haussmann (1852-1870)
em Paris. Mas, a bela época fran-
A Belle Époque também trouxe
cesa alterou, também, os modos
algo que mudaria completamente
de vestir, falar, pensar e agir das
as condições das dinâmicas de in-
elites, assim como as formas de
teração mundial. Por meio de
expressões e representações artís-
conquistas materiais e tecnológi-
ticas, a exemplo do estilo Art
cas, diversas áreas do globo, que
Nouveau.
se encontravam completamente
Paris emerge, então, como mo-
isoladas, foram inseridas nas re-
delo de vida, elegância e civiliza-
des de comercialização naquele
ção a ser seguido em diversas
momento (DAOU, 2000).
partes do mundo.
Nesse contexto, o Brasil e ou-
tros países estabeleceram laços
Os valores, os códigos e os ri-
tuais da cultura da belle épo- diretos com a França, desencade-
que, na condição de teatro da ando um processo de relações
civilização, espalharam-se, em culturais, sociais e mentais, mas

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também materiais e políticas. portada pela região: a borracha


(COELHO, 2011). No Brasil, o fi- vegetal. A floresta amazônica era
nal do segundo reinado e as déca- o local de exploração, coleta e
das iniciais do período republi- conversão do látex em bolas de
cano compõe o período da Belle borracha, e Belém, em virtude de
Époque (DAOU, 2000). Aqui, a sua posição geográfica estratégica
renovação das cidades, o afasta- em relação ao sertão amazônico e
mento das classes pobres para as ao mercado internacional, exer-
franjas urbanas e a implantação ceu a função de principal centro
de uma estética que rompe com de apoio à produção e ao escoa-
os padrões coloniais integram o mento da borracha, abrigando as
novo vocabulário das cidades casas aviadoras, que financiavam
transformadas pelo urbanismo a extração, e as instalações portu-
técnico, pelas medidas higieniza- árias, de onde o produto seguia
doras e de controle social para Estados Unidos, França, In-
(DAOU, 2000). glaterra, etc. (PENTEADO, 1968).
Em plena Região Amazônica Vale ressaltar que, até então, as
brasileira, Belém foi uma das ci- relações comerciais internacio-
dades que mais sobressaiu e se nais de Belém com a Europa eram
beneficiou com o estreitamento muito tímidas, em razão da polí-
das relações com Paris e com a tica vigente no Segundo Reinado
Europa de um modo geral, em- do Brasil Imperial, que impedia a
bora os efeitos deste período te- livre navegação de estrangeiros e
nham se estendido por “[...] uma brasileiros, por toda a extensão
área que inclui todo o Pará e amazônica.
avança até o atual território do es- Em 1867, após pressões estran-
tado do Acre” (DAOU, 2000, p.9). geiras, têm-se a abertura dos rios
As expressivas transformações Amazonas, Tocantins, Tapajós e
ocorridas entre o final do século Madeira para a navegação a va-
XIX e início do XX foram viabili- por universal. A possibilidade de
zadas, em grande medida, pelos encurtar distâncias e ampliar a
recursos gerados pela economia velocidade de circulação de pes-
da principal matéria-prima ex- soas, mercadorias, capital e
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ideias, juntamente com a renda zônica (1870-1910), foram difun-


gerada pelo crescimento da de- didas pela nova elite econômica
manda internacional por borra- burguesa que controlava a pro-
cha, favoreceram o estreitamento dução e a exportação da borracha.
e a fortificação dos laços entre Be- Além disso, os recursos advindos
lém e cidades europeias, aumen- da economia da borracha viabili-
tando o volume das trocas de pro- zaram a reurbanização dos espa-
dutos naturais regionais por pro- ços públicos e as melhorias urba-
dutos industrializados proceden- nas voltadas à ampliação da qua-
tes de outros países. Os mesmos lidade de vida da população bele-
canais utilizados para essas trocas nense, sobretudo da própria elite.
serviram, também, para circular, As mudanças comportamen-
no território amazônico, as ideias tais, sociais e econômicas obser-
de modernização que eram gera- vadas no ciclo da borracha, assim
das pelo movimento da Belle como as intervenções urbanísti-
Époque (DAOU, 2000). cas e arquitetônicas, especial-
Segundo Sarges (2002), a mi- mente as empreendidas pelo In-
gração europeia, a liberdade de tendente Antônio José de Lemos
navegação, a intensificação da (1897-1910), vêm sendo estuda-
circulação de capital resultante das, detalhadamente, pela acade-
do extrativismo e da exportação mia. Análises sobre os impactos e
do látex, assim como a emergên- a contribuição dessas ações na es-
cia de uma elite burguesa – for- trutura intraurbana desse perí-
mada por homens políticos, buro- odo, contudo, são mais raras. O
cratas, comerciantes e profissio- presente artigo visa a contribuir
nais liberais, geralmente de famí- para o preenchimento dessa la-
lias ricas, oriundos das universi- cuna, mediante a identificação da
dades europeias –, criaram as localização espacial dos grupos
condições materiais para que, en- sociais (abastadas e operárias),
tre 1870 e 1910, se desse o pro- das atividades econômicas (fa-
cesso de modernização de Belém. bris, comerciais, da administra-
As ideias de progresso cultural ção pública, etc.) e dos grandes
e material, na Belle Époque Ama- equipamentos implantados e/ou
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reformados (cemitérios, cremató- guagem. A estrutura urbana


rios, mercados, matadouros, pra- não é, também, simples resul-
tado de uma pesquisa empí-
ças, hospitais e clínicas psiquiátri- rica sobre a realidade concreta,
cas), no período da belle époque pois, se assim o fosse, estar-se-
amazônica em Belém. ia diante do empirismo puro
O artigo está estruturado em que advoga que a realidade é
revelada meramente pela ex-
três partes, além dessa introdu- periência sensível. A estrutura
ção. Primeiramente discute-se o urbana é algo que precisa ser
conceito de estrutura intraur- desvelado, que oculta regras
bana. Após expor a metodologia organizadoras do espaço da ci-
dade e, por isso, da vida das
usada para o levantamento e o coletividades. Enquanto con-
mapeamento dos grupos sociais, junto de elementos em relação,
das atividades econômicas e dos enquanto uma categoria sistê-
grandes equipamentos públicos mica, a estrutura urbana ex-
pressa regras que regem as
implantados, são analisados os configurações desses elemen-
resultados, destacando-se o cará- tos e as suas modificações. E
ter segregacionista por eles reve- tais regras e configurações
lado. nem sempre são facilmente
apreendidas. Elas dependem
de operações mentais que, por
Estrutura intraurbana e segre- sua vez, estão articuladas a te-
gação socioespacial orias e visões de mundo.

A estrutura intraurbana, por-


Para fins do presente artigo, o
tanto, não se resume a um con-
conceito de estrutura urbana de-
junto de elementos/relações
riva dos conceitos de estrutura e
agrupados ao acaso. Integrada
de estrutura espacial discutidos
pelo todo urbano, pelas partes es-
em Tourinho (2011, p. 111). Con-
senciais desse todo e pelas rela-
forme essa autora,
ções dessas partes entre si. A es-
trutura intraurbana é ordenada
A estrutura urbana não é fruto
de um inconsciente a-histórico segundo regras e lógicas que pre-
e a-espacial; nem faz parte de cisam ser desvendadas.
uma mera engrenagem da lin- A análise da estrutura espacial

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intraurbana pressupõe a identifi- Vale destacar que o conceito de


cação dos elementos espaciais da estrutura intraurbana não se con-
realidade urbana que têm valor funde com o de segregação. Para
estratégico e de suas relações a escola de Chicago, a segregação
(TOURINHO, 2011; VILLAÇA, decorre das diferenças culturais e
1998). Tais elementos e relações econômicas dos grupos que dão a
variam no tempo, no espaço, con- forma e as características da ci-
forme a escala geográfica e de dade e da divisão do trabalho.
acordo com o olhar do pesquisa-
dor. Através da segregação um
Sendo social e historicamente grupo, e desse modo os indiví-
duos que compõem o grupo,
produzidas, as estruturas intraur-
oferta um local e uma regra na
banas são mutáveis. “O apareci- organização da vida da cidade
mento de uma nova estrutura ur- como um todo. A segregação
bana [...] nada mais é, então, do limita o desenvolvimento em
certas direções, mas libera em
que a passagem de uma estrutura
outras. Estas áreas tendem a
a outra, passagem esta que ajuda acentuar certos traços para
a explicar a segunda” (TOURI- atrair e desenvolver esse tipo
NHO, 2011, p. 113.). de indivíduos e então se torna-
rem mais diferenciadas (BUR-
As transformações na estru-
GESS, 2005 [1925], p.25).
tura intraurbana podem ser pro-
vocadas por “forças endógenas Conforme Castells (1983) áreas
(mudanças qualitativas de ele- segregadas são aquelas que apre-
mentos/relações internos), ou sentam forte homogeneidade so-
exógenas (mudanças qualitativas cial interna e forte disparidade
decorrentes da interferência de entre elas. Nos estudos de estru-
elementos/relações externos, tura intraurbana a segregação so-
possível de ocorrer visto que a es- cial está, normalmente, represen-
trutura urbana se trata de um sis- tada pela separação espacial da
tema aberto), ou ainda por am- população segundo estratos de
bas”. Esse é o caso de Belém na renda.
Belle Époque, como se tratará A noção de estrutura intraur-
posteriormente.
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bana aqui adotada “transcende a atividades econômicas e dos


realidade empírica, mas sem dela canais necessários à articula-
ção espacial dessas concentra-
prescindir; é material e concreta; ções (TOURINHO, 2011, p.
está relacionada a uma modali- 131).
dade temporal resultante de leis
que regem as maneiras de orde- O estudo sistemático das estru-
nar as cidades no território e os turas intraurbanas inicia no De-
objetos no espaço intraurbano” partamento de Sociologia da Uni-
(TOURINHO, 2011, p. 115) ca- versidade de Chicago, na década
bendo ao investigador descor- 1920, que coleta extensas etnogra-
tiná-la. Está, também, articulada fias de vários grupos sociais e ma-
a outras estruturas não territori- peia diferenças sociais no interior
ais, como a econômica, política e da cidade, visando a avaliar o
ideológica, cujas análises permi- crescimento urbano e as mudan-
tem melhor compreendê-la e lhes ças sociais (EUFRÁSIO, 1999).
dão conteúdo (VILLAÇA, 1998). A partir dos anos 1970 surgem
Socialmente produzidos, os contribuições mais expressivas
elementos e relações fundamen- para o entendimento das estrutu-
tais que compõem a estrutura es- ras intraurbanas das cidades la-
pacial intraurbana variam: tino-americanas. Ao sistematizar
tais contribuições, Bähr, Borsdorf
[...] de acordo com as formas e Janoschka (2002, apud BORS-
de organização da sociedade e
DORF, 2003) classificam os mo-
sua pauta cultural, com os ti-
pos de transportes disponíveis delos de estrutura intraurbana
para o deslocamento de pes- das cidades latinoamericanas
soas, mercadorias e informa- considerando diversos aspectos
ções, com as características do
(econômicos, políticos, sociais, ti-
sítio urbano, com a maneira de
subdivisão e de acesso à terra pos de circulação intraurbana
urbana, com o tamanho da ci- predominantes, princípio de es-
dade, dentre outros fatores truturação espacial, etc.). Para o
que contribuem para o estabe-
período analisado nesse artigo, se
lecimento dos padrões de loca-
lização e adensamento dos identificam dois modelos: o da ci-
segmentos da população, das dade compacta, do período colo-
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nial (1500-1820); e o da cidade se- Guerra da Secessão. De acordo


torial, da primeira fase de urbani- com Ford (1996), o modelo base-
zação (1820-1920). ado no princípio centro-periferia
Fortemente influenciadas pe- – predominante nas cidades la-
las Leis das Índias, as cidades la- tino-americanas até o início do sé-
tino-americanas, no período colo- culo XIX –, é mantido enquanto as
nial, apresentam sistema viário cidades apresentam crescimento
na forma de retícula ortogonal e populacional lento, industrializa-
uma praça central, (core das ativi- ção mínima, oferta limitada de
dades urbanas), em torno da qual serviços públicos, baixa mobili-
se localizam as principais edifica- dade demográfica e poucas possi-
ções públicas. bilidades de efetuar mudanças
morfológicas e arquitetônicas nos
Cerca de la plaza estaba insta- edifícios.
lada la aristocracia, formada
No caso brasileiro, onde as ci-
por las familias de los conquis-
tadores, los funcionarios de la dades foram fundadas por portu-
corona y los encomenderos o gueses interessados no controle
grandes hacendados. El cír- territorial e na exploração de re-
culo siguiente era ocupado por
cursos naturais para a exporta-
la clase media, formada por co-
merciantes y artesanos. En este ção, privilegia-se a implantação
barrio se ubicaba por lo gene- em sítios propícios à instalação de
ral el mercado municipal. En el portos e favoráveis à defesa, tais
último círculo, el más perifé-
como montanhas proeminentes,
rico, vivían los "blancos po-
bres", los indios y mestizos. baías e ilhas protegidas. Diante
(Borsdorf, 2003, p.4) da necessidade de adequação ao
sítio das funções urbanas requeri-
Para Corrêa L. (1989), há mui- das, as cidades assumem um tra-
tas evidências empíricas da exis- çado mais livre e irregular, e a es-
tência do padrão de segregação trutura intraurbana é mais diver-
residencial em cidades do perí- sificada do que a verificada nas
odo colonial da África e da Amé- cidades espanholas.
rica Latina, de Moscou do fim do Como mostra Tourinho (2011),
século XIX e dos EUA antes da na Amazônia do período colo-
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nial, os sítios escolhidos para im- Borsdorf (2005), o princípio de es-


plantação das cidades normal- truturação intraurbana também
mente são planos e se localizam se modifica, passando a apresen-
nas margens ou nos entronca- tar as seguintes características: lo-
mentos de rios navegáveis. Nas calização das residências da po-
faixas fluviais se instalavam os pulação de maior renda a partir
atracadouros, o porto e os estabe- de um eixo principal (boulevard
lecimentos de comércio ataca- principal); crescimento da impor-
dista e varejista. As principais tância da função comercial no
edificações administrativas e reli- centro, que tende a assumir a
giosas são posicionadas em torno forma linear; surgimento das pri-
da praça que se situa em frente ou meiras indústrias localizadas pró-
próxima ao rio. No mais, como ximas das linhas ferroviárias, es-
destaca a autora, as cidades ama- tações ou portos de conexão da ci-
zônicas são semelhantes às de- dade com o restante do país.
mais cidades brasileiras e latino- Villaça (1998) alerta que as mu-
americanas, tanto na importância danças nas estruturas intraurba-
da praça principal, quanto no nas não ocorrem em curtos lapsos
princípio de distribuição espacial de tempo. Cabe então verificar, se
das camadas socais, ou seja, em é possível perceber, nas mudan-
gradientes decrescentes, do cen- ças operadas na Belle Époque, o
tro à periferia. germe dessa transformação na es-
Na América Latina, esse qua- trutura intraurbana de Belém.
dro começa a se alterar depois da
independência de grande parte Fontes e métodos
das colônias. Nessa fase se veri-
fica: a chegada de imigrantes, so- É indiscutível a importância
bretudo europeus; o início do das fontes para a construção de
processo de industrialização, um discurso coerente. Desde a se-
ainda que muito restrito; e a im- gunda metade do século XIX se
portação das modas urbanísticas dispõem de parâmetros metodo-
europeias. Como consequência, lógicos para orientar a crítica das
conforme Borsdorf (2003) e Barh e
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fontes e o debate sobre a autenti- outras referências bibliográficas e


cidade documental. Janotti (2006) documentais levantadas, inclu-
mostra como o vocabulário da sive dissertações de mestrado e
história foi enriquecido com o uso teses de doutorado.
de referências a classes sociais, A partir da análise preliminar
conjunturas históricas e, posteri- dessas fontes, se estabeleceu um
ormente, com o conceito de estru- recorte temporal tendo como re-
tura, dentre outros. Para essa au- ferências o início e término do ci-
tora, o uso de fontes históricas va- clo da borracha, mas sem descon-
ria no tempo e no espaço. siderar os elementos socioespaci-
Ao sistematizar princípios so- ais estruturantes de longo prazo,
bre os rítmos históricos – longa, nem os acontecimentos que, de
média e curta durações, Fernand alguma forma, contribuíram para
Braudel estabeleceu a correspon- a configuração de mudanças de
dência dos mesmos aos tempos longo prazo.
geográfico, social e individual. Definido o recorte temporal
Mais tarde, essa matriz gerou (1870-1910) e considerando a ci-
análises consideradas de estru- dade como a dimensão geográ-
tura, conjuntura e acontecimen- fica a ser abordada, procurou-se,
tos, conforme a abrangência tem- primeiramente, recuperar o pro-
poral. vável traçado urbano ao início e
O presente artigo procura a ar- ao final do período estudado. Isso
ticulação entre tempos e dimen- foi feito por meio da superposi-
sões analíticas. Para isso, utiliza ção e da compatibilização de, so-
fontes de diversas origens e natu- bretudo, duas plantas antigas da
rezas, como relatos e cartografias cidade de Belém - a de Edmund
elaborados por viajantes, relató- Compton de 1881, e a de José
rios anuais de 1987 a 1910 apre- Sydrim de 1905 - com a planta ur-
sentados por Antônio Lemos bana atual. Os mapas de 1881 e
para o Conselho Municipal, o ca- 1905 foram digitalizados e sobre-
dastro de estabelecimentos con- postos à imagem atual de satélite
tido no Indicador Illustrado do de Belém, usando a ferramenta
Estado do Pará, de 1910, além de Google Earth. O grande desafio
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foi definir como fazer a compati- contorno dos mapas já compatibi-


bilização, visto que mapas anti- lizados, expostos na figura 1, bem
gos contêm, originalmente, im- como para a localização dos equi-
precisões de escala. Ademais os pamentos e manchas de usos do
próprios desvios de escala decor- solo necessários às análises e con-
rentes do processo de digitaliza- clusões. Para a identificação des-
ção, também, necessitavam ser le- sas localizações, inclusive de res-
vados em consideração. quícios das antigas vilas operá-
Após algumas tentativas de so- rias, a ferramenta StreetView,
breposição, observou-se que al- também foi muito útil.
guns eixos viários atuais (Tra- Embora esse procedimento
vessa Padre Eutíquio e Avenidas apresente limitações para utiliza-
Portugal, João Diogo, Nazaré, ção em estudos de morfologia ur-
Governador José Malcher, Gentil bana – nos quais a precisão dos
Bittencourt, José Bonifácio e Al- traçados da malha é importante
mirante Barroso) permaneceram para o entendimento da configu-
inalterados desde a realização do ração espacial, principalmente
mapa de Compton (1881). Notou- nas escalas do bairro e da rua,
se, também, que alguns equipa- mostrou-se adequado para a aná-
mentos urbanísticos localizados lise da estrutura intraurbana, pois
nesses eixos (Praças Dom Pedro permitiu identificar a mancha da
II, Batista Campos e da Repú- expansão urbana no período
blica; o Teatro da Paz; o Museu 1881-1905 e estabelecer a base
Emílio Goeldi; e a Doca do Ver-o- para o mapeamento de outras in-
Peso) seguiam a mesma configu- formações.
ração e/ou apresentavam altera-
ções mínimas em relação ao mapa
elaborado por Sydrin (1905). Tais
eixos e equipamentos serviram,
então, de referências para a com-
patibilização da malha.
O AutoCad foi a ferramenta
utilizada para a modelagem do
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Figura 1. Mapa atual de Belém com as vias e os equipamentos tomados como referência
para a compatibilização dos mapas, e a indicação dos limites dos tecidos urbanos em 1881
e 1905.

Elaboração: Roberta Safira, 2016..

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Por fim, a identificação e o ma- tido sul, formando o atual bairro


peamento das moradias segundo da Cidade Velha, e depois, na di-
segmentos sociais, das concentra- reção nordeste, na área denomi-
ções terciárias e industriais, das nada de Campina.
praças e dos espaços públicos, as- No final do século XVII, em
sim como dos equipamentos im- função da instalação de várias
plantados/reformados foram fei- igrejas, como as de Santo Antônio
tos com base em informações con- e das Mercês, e da construção da
tidas nos: Relatórios Anuais de Santa Casa de Misericórdia, den-
1987 a 1910, apresentados por tre outros, a Campina já era o
Antônio Lemos para o Conselho principal vetor de crescimento da
Municipal; cadastro do Indicador cidade, atraindo a localização de
Illustrado do Estado do Pará, de prédios administrativos e da
1910; mapas produzidos na classe de comerciantes que lá es-
época; e, em outras referências bi- tabelecem suas residências e pré-
bliográficas e documentais levan- dios comerciais.
tadas. De acordo com Corrêa (1989),
aos poucos foi sendo definida a
Belém da belle époque primeira especialização funcional
Antecedentes no espaço urbano da cidade, nas
ruas dos Mercadores e da Praia,
Fundada em 1616, como fruto sobretudo no trecho entre o Forte
da estratégia portuguesa de ocu- e a Igreja das Mercês, surgia a
pação e controle da foz do rio principal concentração de ativi-
Amazonas, a cidade de Belém dades terciárias. Tal especializa-
surge na confluência da baía do ção se aprofunda no período
Guajará com o rio Guamá, em um pombalino quando a cidade ex-
sítio que também era delimitado perimenta grandes transforma-
por um pântano (o alagado do ções espaciais, com a construção
Piri). Tendo na implantação do de suntuosos edifícios públicos e
forte o ponto focal de ordena- privados.
mento do seu traçado, a cidade se Ainda na primeira metade do
desenvolve, inicialmente, no sen- século XIX, foi iniciado o ensaca-
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mento do alagado do Piri e o ar- O ciclo da borracha e as trans-


ruamento dos bairros de Nazaré e formações urbanas
Umarizal, com avenidas mais lar-
gas e sombreadas (Duarte, 1997), A partir de 1840 praticamente
o que possibilitou uma melhor ar- toda a atividade econômica da re-
ticulação entre as diversas áreas a gião amazônica girava em torno
Cidade Velha e a Campina e criou da economia da borracha. O ex-
as bases para a expansão da ma- trativismo e a exportação do látex
lha urbana que viria a seguir. estimulam a instalação de novas
Em 1833 a população urbana atividades, como as relacionadas
belenense é de 13.247 habitantes e ao comércio exportador e impor-
vive em 1.935 casas, sendo 699 na tador, ao sistema financeiro e um
Freguesia de Nossa Senhora da incipiente setor manufatureiro.
Graça da Sé (Cidade Velha) e (MOURÃO, 1989).
1.236 na Freguesia de Nossa Se- Edificações e lotes residenciais
nhora de Sant’anna da Campina. da Freguesia da Sé e, sobretudo,
Em 1872, conforme dados do da Freguesia da Campina são,
Censo há 61.997 habitantes em paulatinamente, transformados
Belém, distribuídos em fregue- em usos comerciais e de serviços.
sias, dentre as quais: a da Sé Na Campina, especialmente ao
(15.726 hab.); a da Campina (7.659 longo das atuais Avenidas João
hab.); a da Santíssima Trindade Alfredo e 15 de novembro, se ins-
(6.667 hab.); e a de Nossa Senhora talam bancos nacionais e estran-
de Nazaré (4.412 hab.) Em 1900 a geiros, companhias de seguro,
população de Belém já soma consulados, além de diversas lo-
96.560 pessoas. Esses dados reve- jas e escritórios (PENTEADO,
lam o forte impacto demográfico 1968; CORRÊA, 1989).
que a economia da borracha pro- Com a chegada desses estabe-
move na cidade, que até então lecimentos, as famílias mais abas-
apresentava crescimento lento e tadas progressivamente desloca-
contido. ram suas residências para lotes
mais amplos localizados fora do

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

centro tradicional, originando nos seringais nas matas, mas que


e/ou intensificando a ocupação acabam permanecendo na ci-
das áreas que hoje constituem os dade, dando origem a um contin-
bairros de Batista Campos, gente de desempregados e su-
Marco, Umarizal, Nazaré (SAR- bempregados urbanos. (SARGES,
GES, 2002; CORRÊA, 1989; PEN- 2002).
TEADO, 1968). Nesse processo, a Embora Belém seja, nessa
população mais pobre que mo- época, um centro comercial muito
rava nessas áreas migra para a pe- dinâmico, não possui um setor in-
riferia urbana, ocupando novas dustrial expressivo, como se nota
áreas como a do atual bairro da nas cidades europeias onde a ur-
Pedreira. banização e a acumulação capita-
Cabe destacar que a economia lista estavam atreladas ao pro-
da borracha induz alterações cesso de industrialização. Não
acentuadas na estrutura social be- obstante, observa-se um incipi-
lenense. Integrando a elite, além ente processo de industrialização.
de seringalistas, comerciantes Conforme Sarges (2002), no pe-
(basicamente portugueses) e ban- ríodo de 1890 e 1900, surgiram 25
queiros, emerge com importância fábricas em Belém, dentre as
uma classe de políticos, burocra- quais: a Palmeira (1892), de bis-
tas e profissionais liberais (nor- coitos, açúcar, caramelo e pão; a
malmente procedentes de famí- Perseverança (1895) de fibras e
lias ricas e educados na Europa). cordas; a Bitar (1897) de artefatos
No outro extremo se encon- de borracha; e a Cerveja Paraense
tram os trabalhadores urbanos (1905). A concentração de várias
(operários da construção civil, al- unidades produtivas e de vilas
faiates, sapateiros, marceneiros, operárias na área onde hoje é o
relojeiros, comerciários em geral, bairro do Reduto, gera uma nova
etc.) compondo a camada pobre frente de especialização funcional
da população. A esses grupos se no espaço urbano, dando origem
agrega o composto por parte dos a uma zona industrial (CORRÊA,
imigrantes que chegam atraídos 1989).
pela possibilidade de trabalho A nova ordem econômica e fi-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

nanceira, nascida com a Repú- do sistema de comunicação


blica e fortalecida localmente pela com o telégrafo com cabo sub-
fluvial e o telefone. Inaugura-
economia da borracha, impõe as se a Estrada de Ferro Belém-
necessidades de reordenar a ci- Bragança. Surgem os consula-
dade e de remodelar os hábitos e dos e os bancos. Constrói-se o
costumes sociais. O reordena- Teatro da Paz (1878), desti-
nado a receber as mais famo-
mento físico é feito mediante po- sas companhias de ópera da
lítica de saneamento e embeleza- Europa.
mento constituída pelas: abertura
de novas e extensas avenidas, de A intendência de Antônio José
modo a remover os obstáculos Lemos (1987-1910) é a promotora
aos fluxos de pessoas e mercado- das transformações urbanísticas
rias; criação de redes de infraes- mais expressivas. Ela reorganiza
trutura; implantação de diversos repartições e serviços, dá conti-
e modernos equipamentos urba- nuidade à abertura, à pavimenta-
nos; regulamentação da constru- ção e à arborização de vias, remo-
ção de edificações; e estabeleci- dela praças e parques, organiza
mento de códigos de posturas. implanta um sistema de abasteci-
Os recursos para tais ações mento alimentar mediante a
procedem da parte do excedente construção de mercados munici-
produzido pela economia da bor- pais, inaugura sistemas de ilumi-
racha que é direcionada aos co- nação e de bondes elétricos,
fres públicos. Assim, como relata aterra a orla da Campina e cons-
Duarte (1997, p.13), trói um novo cais, instala sistema
de drenagem e drena pântanos,
Os ideais de conforto e sanea- matadouros, usinas incinerado-
mento urbano, financiados ras de lixo, cemitérios e asilos,
pelo saldo comercial favorá-
institui o Código de Polícia Muni-
vel, deram origem a importan-
tes melhoramentos como ilu- cipal para regulamentar as cons-
minação à gás, o calçamento truções, inclusive as fachadas,
das ruas com paralelepípedos forçando o deslocamento da po-
de granito importado, a inau-
pulação de baixa renda para áreas
guração de serviços de bonde à
tração animal, a substituição mais distantes do centro da ci-

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

dade, dentre outras ações (PEN- em 1881 e 1905 e o sistema viário


TEADO, 1968; CORRÊA, 1989; básico – são localizados os equi-
DUARTE, 1997; SARGES, 2002). pamentos urbanos (Fig. 2), as
As preocupações com a salu- áreas verdes, cemitérios, igrejas e
bridade pública, a higiene em ge- conventos (Fig. 3), e as fábricas de
ral, o embelezamento, e a expan- grande porte e vilas operárias
são territorial da cidade se encon- (Fig. 4) instalados em Belém no
tram claramente explicitas nos período da Belle Époque.
Relatórios Municipais de Lemos Com base em levantamentos
que, dentre outros, justifica: a bibliográficos, documentais e
abertura e transfiguração de no- na análise das Figuras 2, 3 e 4,
vas avenidas para fazer penetrar é possível identificar indícios
o ar e o sol em bairros e quartei-
de que a estrutura intraurbana
rões insalubres; o calçamento em
de Belém, ao final da Belle Épo-
larga escala e a conservação das
que, se caracteriza pelas:
vias públicas, para impedir a in-
fecção do solo; a arborização sis-
a) Intensificação da especi-
temática e o ajardinamento das alização funcional de ativida-
praças, bosques e des econômicas no espaço,
avenidas para garantir a pu- com a localização de ativida-
reza da atmosfera; a incineração des terciárias mais sofisticadas
dos resíduos sólidos, “as imundi- e especializadas no centro tra-
ces”, e o aterro e drenagem dos dicional, sobretudo na Cam-
pântanos, para impedir a prolife- pina, e com o aparecimento de
ração de doenças; a remoção de zona industrial incipiente no
estabelecimentos e matadouros
bairro do Reduto (Fig. 2 e 3);
insalubres, e construção de uma
rede de esgotos e limpeza de sar-
jetas e bocas de lobo; criação de
vilas operárias. (BELÉM, 1902).
Nas Figuras 2, 3 e 4 - sobre a
base em que se encontram mape-
adas, os limites da área urbana
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Figura 2. Mapa de Belém com os principais equipamentos urbanos ocupados até 1881 e de
1881 a 1905.

Elaboração: Roberta Safira, 2016.


Legenda: 1. Mercado de Ferro 2. Mercado Municipal 3. Mercado do Reduto 4. Doca do Re-
duto 5. Doca do Ver-o-Peso 6. Prédio da Bolsa 7. Matadouro 8. Palacete Municipal 9. Palácio
do Governo 10. Forte do Castelo 11. Arsenal da Marinha 12. Teatro da Paz 13. Jornal “A
Província do Pará” 14. Reservatório Paes de Carvalho 15. Reservatório D’água 16. Residên-
cia de Antônio José de Lemos 17. Palacete Bibi Costa 18. Palacete Cássio Reis 19. Palacete
Dr. Augusto Montenegro 20. Paris N’América 21. Biblioteca e Arquivo Público 22. Corpo
de Bombeiros 23. Grupo Escolar José Veríssimo 24. Grupo Escolar Barão do Rio Branco 25.
Grupo Escolar Santa Luzia 26. Instituto Gentil Bittencourt 27. Usina da Cremação 28. Hos-
pital da Real Sociedade Portuguesa Beneficente 29. Hospital de Santa Casa da Misericórdia
30. Hospital os Alienados 31. Asilo da Mendicidade 32. Estação Central da Estrada de Ferro
de Bragança.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Figura 3. Mapa de Belém com as principais áreas verdes, igrejas, conventos, e cemitérios
nos espaços urbanos ocupados até 1881 e de 1881 a 1905.

Elaboração: Roberta Safira, 2016.


Legenda: 1. Convento de Santo Antonio e Hospital da Ordem Terceira de São Francisco 2.
Igreja das Mercês e Alfandega 3. Igreja da Sant'Ana 4. Igreja do Rosário da Campina 5.
Igreja de Santo Alexandre 6. Igreja do Rosário dos Homens Brancos 7. Igreja Nossa Senhora
do Carmo 8. Cemitério da Soledade 9. Igreja de Nazaré 10. Igreja dos Frades Capuchinhos
11. Cemitério Santa Izabel.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Figura 4. Mapa de Belém com as fábricas de grande porte e algumas vilas operárias nos
espaços urbanos ocupados até 1881 e de 1881 a 1905.

Elaboração: Roberta Safira, 2016.


Legenda: 1. Fábrica Pará Eletric 2. Fábrica Perseverança 3. Fábrica Palmeira 4. Fábrica de
Cerveja Paraense – Teatro bar Paraense 5. Vila Áurea 6. Vila Nelly 7. Vila Mac Dowell

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

b) Concentração de áreas Considerações finais


verdes, praças e parques no
centro tradicional e nas áreas Ao identificar, mapear e anali-
para onde migraram as resi- sar a relação entre a localização
dências das elites da época; das camadas sociais (abastadas e
operárias), das atividades econô-
micas (fabris, comerciais, da ad-
c) Segregação socioespa-
ministração pública, etc.), e dos
cial intraurbana, expressa na
grandes equipamentos implanta-
localização das camadas de
dos ou reformados (cemitérios,
maior renda nos eixos de ex- crematórios, mercados, matadou-
pansão urbana e no entorno da ros, praças, hospitais e clínicas
principal nucleação de comér- psiquiátricas), no período de
cio e serviços, onde se localiza- 1870-1910, o artigo mostra que há
ram os grandes equipamentos indícios de que em Belém, como
públicos considerados “no- em outras cidades latinoamerica-
bres” que foram implantados nas e brasileiras, a Belle Époque,
ou recuperados na época (tea- além de promover uma série de
tro, praças, bosques, museus, mudanças na estrutura de classes
sociais, nos hábitos e costumes e
etc.). As camadas mais pobres,
nas formas de ordenamento urba-
compostas por trabalhadores
nistico e arquitetônico, também,
menos qualificados, por imi-
serviu de base para a mudança no
grantes e desempregados, se padrão de estrutura intraurbana.
posiciona na periferia urbana. O trabalho sugere que as ações
No bairro do Reduto, onde se urbanísticas empreendidas na
concentra o uso industrial, fi- Belle Époque contribuem para
cam as Vilas Operárias, onde consolidar, em Belém, o modelo
moram os trabalhadores mais de segregação centro-periferia e
qualificados e melhor remune- para proporcionar a passagem da
rados pelo setor industrial. cidade de estrutra compacta redi-
oconcêntrica, adaptada às condi-
ções do sítio, para o modelo seto-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

rial cujas características princi- cia da função comercial no centro


pais são: a expansão das residên- e o surgimento das primeiras in-
cias da população de maior renda dústrias formando zonas indus-
a partir de um eixo (boulevard) triais e operárias.
principal; o aumento da relevân-

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

A produção habitacional do Programa Minha


Casa Minha Vida em Rio Branco - AC
La producción habitacional del Programa Mi Casa Mi Vida em
Río Branco - AC

The housing production of the Minha Casa Minha Vida Program


in Rio Branco – AC

Josélia S. Alves
Doutora em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (2012). Profes-
sora Associada II da Universidade Federal do Acre.
E-mail: joselialves@uol.com.br

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMO

Este trabalho visa contribuir com a discussão da implantação do Programa


Minha Casa Minha Vida em cidades brasileiras, através da avaliação de Con-
juntos Habitacionais executados no âmbito deste programa, na cidade de Rio
Branco, capital do Estado do Acre. A caracterização dos Empreendimentos
fornece um panorama geral da execução do programa e possibilita identifi-
car seus problemas, principalmente nos aspectos relativos a infraestrutura,
mobilidade e acesso a equipamentos de educação, saúde e lazer. Para tanto
foram levantados dados nos órgãos responsáveis pela coordenação do Pro-
grama, a Secretaria Estadual de Habitação de Interesse Social – SEHAB e
Caixa Econômica Federal e nas empresas construtoras responsáveis pelos
projetos e execução das obras, além de entrevistas com gestores, técnicos e
moradores e observações in loco nos Conjuntos estudados. Todos os Con-
juntos estão localizados em áreas periféricas e distantes da área urbana cen-
tral. Conclui-se que a deficiência e a baixa qualidade nos serviços de infraes-
trutura além da falta da maioria dos equipamentos comunitários contribuem
com a segregação socioespacial dos moradores.

Palavras-chave: política habitacional; habitação de interesse social; Pro-


grama Minha Casa Minha Vida.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMEN SUMMARY
Este trabajo pretende contribuir con la discusión This work aims to contribute to the discussion of
de la implantación del Programa Mi Casa Mi Vida the implantation of the My Home My Life Pro-
en ciudades brasileñas, a través de la evaluación gram in Brazilian cities, through the evaluation of
de Conjuntos Habitacionales ejecutados en el ám- housing projects implemented under this pro-
bito de este programa, en la ciudad de Rio Branco, gram, in the city of Rio Branco, capital of the State
capital del Estado de Acre. La caracterización de of Acre. The characterization of the Projects provi-
los emprendimientos proporciona un panorama des an overview of the program's execution and
general de la ejecución del programa y posibilita allows identifying its problems, mainly in the as-
identificar sus problemas, principalmente en los pects related to infrastructure, mobility and access
aspectos relativos a la infraestructura, movilidad y to education, health and leisure equipment. For
acceso a equipos de educación, salud y ocio. Para this purpose, data were collected in the bodies res-
ello se recogen datos en los órganos responsables ponsible for coordinating the Program, the State
de la coordinación del Programa, la Secretaría Es- Secretariat for Social Interest Housing - SEHAB
tatal de Vivienda de Interés Social - SEHAB y and Caixa Econômica Federal, and in the construc-
Caixa Econômica Federal y en las empresas cons- tion companies responsible for the projects and
tructoras responsables de los proyectos y ejecución execution of the works, as well as interviews with
de las obras, además de entrevistas con gestores, managers, technicians and residents and observa-
técnicos y residentes y observaciones en el terreno tions in loco in the Stuffs studied. All Sets are loca-
en los conjuntos estudiados. Todos los Conjuntos ted in outlying and remote areas of the central ur-
están ubicados en áreas periféricas y distantes del ban area. It is concluded that the deficiency and
área urbana central. Se concluye que la deficiencia the low quality in the infrastructural services besi-
y la baja calidad en los servicios de infraestructura des the lack of the majority of the communitarian
además de la falta de la mayoría de los equipos co- equipments contribute to the socio-spatial segre-
munitarios contribuyen con la segregación socio- gation of the residents.
espacial de los habitantes.
Keywords: housing policy; housing of social inte-
Palabras clave: política de vivienda; vivienda de rest; My Home My Life Program.
interés social; El amor de Dios.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Introdução mínimos (SM). Estabelecendo um


patamar de subsídio direto, pro-
No Brasil o direito à moradia é porcional à renda das famílias,
garantido pela Constituição Fe- este Programa busca claramente
deral de 1988 (artigo 6º) e defi- impactar a economia através dos
nido na Lei 10.257 de 2001- Esta- efeitos multiplicadores gerados
tuto da Cidade, como parte do di- pela indústria da construção.
reito à cidade, juntamente com o Desde a primeira fase de sua
direito à terra urbana, ao sanea- implantação, que os impactos do
mento ambiental, ao transporte, à PMCMV nas grandes cidades
infraestrutura urbana, ao traba- tem sido objeto de estudo de di-
lho, ao lazer, etc. Portanto, o con- versos autores, consubstanciado
ceito é entendido de forma am- em pelo menos 2 grandes publi-
pla, não restringindo-se a um cações : CARDOSO (2013) e
mero abrigo. AMORE, SHIMBO e RUFINO
O Comitê de Direitos Econô- (2015) , que apresentam a avalia-
micos, Sociais e Culturais da ção do PMCMV realizada por di-
ONU (1991) define sete elemen- versos grupos de pesquisa em 6
tos considerados essenciais para a estados brasileiros ( São Paulo,
real efetivação do direito à mora- Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio
dia digna: habitabilidade; dispo- Grande do Norte, Ceará e
nibilidade de serviços, infraestru- Pará),além de numerosas teses e
tura e equipamentos públicos; lo- dissertações sobre o tema.
calização adequada; adequação No entanto corroboramos com
cultural; acessibilidade; segu- Carvalho e Stephan (2016) de que
rança da posse; e custo acessível. ainda falta uma visão mais abran-
Em março de 2009, o governo gente do PMCMV em núcleos ur-
federal lança o Programa Minha banos de pequeno e médio porte.
Casa Minha Vida - PMCMV com Assim este trabalho tem como
o objetivo de criar condições de objetivo caracterizar a produção
ampliação do mercado habitacio- do Programa Minha Casa Minha
nal para atendimento das famí- Vida em Rio Branco, capital do
lias com renda de até 10 salários Estado do Acre, procurando ava-
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

liar principalmente os aspectos poupança e recursos do Fundo de


relativos a infraestrutura, mobili- Garantia por Tempo de Serviço
dade e acesso a equipamentos de (FGTS) através do Banco Nacio-
educação, saúde e lazer. nal de Habitação (BNH). O SFH
foi dividido em dois ramos: um
Política Habitacional: do era direcionado às classes média
BNH ao PMCMV e alta, gerido por agentes priva-
dos ligados à construção civil, e o
Conhecer a trajetória da polí- outro era voltado para a classe de
tica habitacional no Brasil é de baixa renda, que era operado por
suma importância para entender agências estatais, por meio de
o surgimento do Programa Mi- Companhias Estaduais e Munici-
nha Casa Minha Vida (PMCMV). pais de Habitação- COHABs.
Segundo Holz e Monteiro (2008) Porém o SFH beneficiou muito
foi a partir da segunda metade do mais as classes com renda mais
século XX que o processo de ur- elevada (acima de 8 salários míni-
banização brasileira cresceu na mos), do que aquelas de baixa
esteira do desenvolvimento in- renda (abaixo de 3 salários míni-
dustrial, precursor do êxodo ru- mos) pois os dois ramos tinham o
ral, o que acabou agravando os mesmo sistema – o autofinancia-
problemas sociais, principal- mento – onde era necessário que
mente de moradia, e consequen- o adquirente provasse sua capaci-
temente o crescimento das áreas dade de pagamento. Esta forma
ilegais. de financiamento acabou por pre-
Ainda de acordo com Holz e judicar as populações com baixa
Monteiro (2008) foi entre o perí- renda, já que não conseguiam
odo de 1940-60 que surgiu o Sis- provar que seus ganhos suporta-
tema Financeiro de Habitação riam o pagamento da dívida. No
(SFH), instituído pela Lei contexto econômico pelo qual
4.380/64, este objetivava a dina- passava o Brasil, nos anos 80 e 90,
mização da política de captação com crises econômicas, arrocho
de recursos para financiar habita- salarial e perda do poder aquisi-
ções por meio das cadernetas de tivo, as prestações da relação con-
111
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

tratual muitas vezes foram corri- ria, na ampliação da participação


gidas em desacordo com o au- e de uma visão integrada da ques-
mento salarial, o que gerou uma tão habitacional. Porém, essa con-
inadimplência acentuada. (HOLZ cepção não foi colocada em prá-
MONTEIRO, 2008) tica devido à orientação neolibe-
Após 22 anos de existência, o ral do governo e às restrições im-
BNH foi extinto pelo Decreto-Lei postas pelos bancos internacio-
nº 2.291, de 21 de dezembro de nais, como o FMI (apud DE-
1986, do então presidente da Re- NALDI, 2003; AZEVEDO, 1996).
pública José Sarney, que também Em abril de 2009, durante o go-
transferiu a função de coordena- verno do Presidente Luis Inácio
dor do SFH para a Caixa Econô- Lula da Silva (2003-2010), houve
mica Federal e a de regulador a implementação da principal po-
para o Banco Central. lítica para a habitação do governo
Após o encerramento das ativi- federal, o Programa Minha Casa
dades do BNH, os outros gover- Minha Vida, do Ministério das
nos, como o governo Collor Cidades, com a meta de construir
(1990-1992)12 e Itamar (1992- um milhão de moradias, totali-
1994)13 continuaram a lançar no- zando R$ 34 bilhões de subsídios
vos programas na tentativa de sa- para atender famílias com renda
nar o problema do déficit habita- entre 0 a 10 salários mínimos.
cional em que o país se encon- Ao estimular a criação de em-
trava. pregos e de investimentos no se-
Segundo Motta (2010) o perí- tor da construção, o programa
odo FHC (1995-2002) gerou avan- também foi uma reação do go-
ços no reconhecimento da neces- verno Lula à crise econômica
sidade de regularização fundiá- mundial do fim de 2008. Assim

12 No governo Collor, o mais importante programa habitacional lançado foi o PAIH (Plano de
Ação Imediata para a Habitação), que propunha o financiamento de 245 mil habitações em
180 dias, mas não cumpriu suas metas. (MOTTA, 2010)
13 O governo Itamar criou os Programas Habitar Brasil e Morar Município, que tinham como

objetivo financiar a construção de moradias para população de baixa renda, a serem cons-
truídas em regime de “ajuda mútua”. Todavia, esses Programas tinham uma padronização
excessiva e muitas exigências legais, o que impedia muitos municípios de captarem os re-
cursos disponibilizados. (MOTTA, 2010)

112
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

como nos outros grandes progra- valor do imóvel.


mas federais para produção de A segunda fase teve início em
moradia, a iniciativa privada é 2011 e tinha a meta de construir 2
protagonista na provisão de habi- milhões unidades habitacionais
tações também no PMCMV, pois até o fim de 2014. Nesta fase,
97% do subsídio público são des- houve modificações na renda
tinados à oferta e produção direta bruta familiar mensal para cada
por construtoras privadas e ape- faixa de renda. Assim, a Faixa 1
nas 3% a cooperativas e movi- passou a contemplar familias
mentos sociais (MOTTA, 2010 com renda de até R$ 1.600,00; a
apud FIX & ARANTES, 2009). Faixa 2 para famílias com renda
Segundo Rolnik (2015, p.301) o entre R$ 1600,01 e R$ 3.600,00 e a
PMCMV deveria se transformar Faixa 3 para famílias com renda
na mais importante “ação no entre R$ 3.600,00 e R$ 5 mil. O va-
campo econômico social, articu- lor máximo do subsídio para a
lando a oferta de moradia, de- Faixa 1 continuou o mesmo, 90%
manda histórica e ativo eleitoral do valor do imóvel.
tradicionalmente forte, com uma A terceira fase, iniciou em 2016
estratégia keynesiana de cresci- e pretendia contratar 2 milhões
mento econômico e geração de de unidades até 2018. Nesta fase
renda”. acrescentou-se mais uma faixa ,
A primeira fasedo Programa portanto, agora as faixas de renda
(2009-2011) tinha como objetivo são: Faixa 1 – destinados às famí-
construir 1 milhão de habitações lias com renda mensal bruta de
em todo o país. Nessa etapa, três até R$ 1.800,00; Faixa - 1,5 desti-
faixas de renda foram contempla- nado a famílias com renda até R$
das. A Faixa 1 era para famílias 2.350,00; a Faixa 2 para renda de
com renda mensal bruta de até R$ até R$ 3.600 e a Faixa 3 para renda
1.395,00; a Faixa 2 para famílias de até R$ 6.500,00.
com renda até R$ 3.275 e a Faixa 3 Na terceira fase, os valores má-
para renda acima de R$ 3.275 até ximos dos imóveis também mu-
R$ 5 mil. Na Faixa 1 o valor do daram, na Faixa 1 passam de até
subsídio podia chegar até 90% do R$ 76 mil para até R$ 96 mil; Na
113
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Faixa 1,5 o imóvel custará até R$ o déficit habitacional é de 46.048


135 mil e nas Faixas 2 e 3 passam moradias.
de 190 mil para R$ 225 mil. Nas Os empreendimentos do
Faixas 1 e 1,5 não é necessário dar PMCMV de Rio Branco foram, e
uma valor de entrada e o valor do alguns ainda estão sendo constru-
subsídio para essas duas faixas ídos com recursos do Fundo de
pode chegar até 90% do valor do Garantia por Tempo de Serviço
imóvel. (FGTS) e pelo Fundo de Arrenda-
Na faixa 1 os municípios são mento Residencial (FAR). Este úl-
responsáveis pela seleção dos be- timo podendo ser de três manei-
neficiados, hierarquização da de- ras: de demanda aberta, ou seja,
manda e pelo trabalho social com quando os interessados, que se
as famílias. Nas Faixas 2 e 3 a enquadram na Faixa 1, se inscre-
aquisição do imóvel dá-se por vem no Programa e passam por
meio do subsídio em relação di- um sorteio. As pessoas contem-
reta com a instituição financeira, pladas poderão ter até 90% do va-
Banco do Brasil ou Caixa Econô- lor do imóvel subsidiado pelo
mica. Governo Federal através do Pro-
grama.
O programa Minha Casa Mi- Ainda pelo FAR existe a vincu-
nha Vida em Rio Branco lação com o Programa de Acele-
ração do Crescimento (PAC),
Rio Branco, capital do estado
onde, devido às obras as pessoas
do Acre, está localizada na porção
tiveram que ser retiradas de suas
leste do Estado e concentra apro-
casas. Dessa forma estas famílias
ximadamente 40% do total da po-
receberam casas novas em em-
pulação do Acre, distribuída em
preendimentos feitos pelo
22 municípios. Conforme dados
PMCMV e não precisaram pagar
do IBGE (2010), a população em
por elas.
Rio Branco aumentou de 290.639
Em 2008, o governo do estado
em 2007 para 305.954 em 2009 e
do Acre foi contemplado com re-
para 335.796 em 2010. E segundo
cursos do PAC na ordem de R$
a Prefeitura de Rio Branco (2011)
103 milhões para a urbanização
114
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

de 5 assentamentos precários na 1 ( 52,35% com recurso do FAR e


cidade de Rio Branco, constituí- 23,8% com recursos do Programa
dos principalmente por áreas de de Aceleração do Crescimento -
fundos de vale e margens de iga- PAC14) e 23,8% para faixa de
rapés e ocupadas, em sua grande renda 2 e 3 (recursos do FGTS) (
maioria, por populações de baixa Quadro 1 ).
renda e alta vulnerabilidade so- Vale ressaltar que esses empre-
cial, prevendo sua permanência endimentos foram classificados
ou realocação, por intermédio de como demanda aberta (as unida-
ações integradas de habitação, sa- des habitacionais foram sortea-
neamento e inclusão social ( AL- das para a população previa-
VES, 2017). mente inscrita no PMCMV) e fe-
Outra maneira, ainda pelo chada (unidades habitacionais
FAR, é por conta de desastre na- destinadas às famílias que perde-
tural, chamada de demanda fe- ram suas casas por desastre natu-
chada. Devido às grandes cheias ral). Em Rio Branco 47,52% dos
do Rio Acre que atinge muitos empreendimentos são de de-
bairros da cidade, muitas pessoas manda aberta, 28,57% são de de-
perdem suas casas, desse modo manda fechada, ambas modalida-
elas têm direito a novas moradias des com recursos subsidiados e
sem precisar pagar por elas. 23,81% são financiados (faixas 2 e
De 2009 a 2013 foram construí- 3).
das aproximadamente 7.466 uni- As unidades foram construí-
dades, distribuídas em 21 empre- das por 12 empresas, e só no Em-
endimentos no âmbito do Pro- preendimento Cidade do Povo, o
grama Minha Casa Minha Vida, maior deles, as obras estão sendo
sendo que 76,2% destes, foram executadas por 8 destas emprei-
executados para a faixa de renda teiras.

14 O Programa de Aceleração do Crescimento-PAC, lançado em 28 de janeiro de 2007, foi um


programa do governo federal brasileiro que englobava um conjunto de políticas econômi-
cas, planejadas para os quatro anos seguintes, e que teve como objetivo acelerar o cresci-
mento econômico do Brasil, prevendo investimentos totais de R$ 503,9 bilhões até 2010,
sendo uma de suas prioridades o investimento em infraestrutura, em áreas como sanea-
mento, habitação, transporte, energia e recursos hídricos, entre outros.

115
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)
Quadro 1. Conjunto Habitacionais PMCMV em Rio Branco.
Conjunto Unidade Data Construtora Faixas Tipologia
entre-
gues
Juarez Távora 256 Dez. – Mav Faixa 1 Geminada 36,47m²
2009
Reserva do Bos- 304 2012 – Prática Faixas 2 e 3 Apartamento
que 2013 45,08m²
Jarbas Passari- 216 Dez. – Silty Faixa 1 Geminada
nho 2009
Macauã 208 Set. – 2009 Mav Faixa 1 Geminada 36,47m²
Andirá 42 Jun. – 2012 Silty PAC Geminada
Abunã 136 Jul. – 2012 Etenge Faixa 1 Geminada
Novo Eldorado I 205 Dez. – Ábaco Faixa 1 Geminada 32,71m²
2009
Novo Eldorado 170 Dez. – Ábaco Faixa 1 Geminada 32,71m²
II 2009
Rui Lino III 423 Dez. – Mav PAC Geminada 33,90m²
2011
Portal da Ama- 240 2009 Ipê Faixas 2 e 3 Apartamento
zônia 57,64m²
Ilson Ribeiro 230 Jan. – 2012 Mav PAC Geminada
Topázio 176 2011 Ábaco Faixas 2 e 3 Apartamento
48,66m²
Araçá 192 Nov. – Mav Faixas 2 e 3 Apartamento
2011 41,55m²
Via Parque 700 2011 Albuquerque Faixas 2 e 3 Apartamento
Cabreúva 112 Jun. – 2012 Silty Geminada/Isola-
PAC dada (alvenaria e
madeira)
Jacarandá 101 Mai. – Ábaco PAC Geminada 32,63m²
2012
Roda Linda I 150 Abr. – Engel Faixa 1 Geminada
2010
Rosa Linda II 170 Dez. – CIC Faixa 1 Geminada
2009
Rosa Linda III 196 Dez. – Adinn Faixa 1 Geminada
2009
Eldorado 142 Dez. – Etenge Faixa 1 Geminada
2009
Cidade do Povo 2.843 2013 CCE, Adinn, Faixa 1 Geminada 36,09m²
CZS, CIC, En-
gel, Silty,
Etenge, Albu-
querque
Fonte: SEHAB, Caixa Econômica (2016), adaptado, 2017.

Para as faixas 1 a tipologia pre- dominante é de casas térreas ou

116
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

sobrados geminados. Para as fai- construtivas e urbanístico, como


xas 2 e 3 a tipologia mais adotada já observado nas pesquisas em
é a de apartamentos em condomí- outros estados (MEIRELES e
nio. As casas e apartamentos são CASTRO, 2017; ROLNIK, 2019).
de 2 quartos, sala, cozinha. ba- O papel da Prefeitura neste
nheiro e área de serviço, com área processo tem ficado restrito a
construída por volta dos 33,00 aprovação dos empreendimen-
m2. tos, em muitos casos flexibili-
São as próprias construtoras zando a legislação urbanística, a
que definem o projeto e sua loca- exemplo da Lei que define o Perí-
lização, e tratam diretamente com metro Urbano que foi bastante
a Caixa. E assim tem predomi- ampliado para englobar muitos
nado um padrão homogêneo de dos conjuntos localizados em
projeto arquitetônico, técnicas áreas ainda rurais (Fig. 1).
Figura 1. Localização dos empreendimentos do PMCMV em Rio Branco.

Fonte: Google Earth, 2018, adaptado.


Nota: A área central da cidade está indicada pelo círculo vermelho.

117
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Apenas seis construtoras for- que o residencial Araçá tem apar-


neceram os projetos arquitetôni- tamentos com 41,55 m², as casas
cos e urbanísticos dos empreendi- do Juarez Távora e do Macauã
mentos. A Ábaco construi os têm 36,47 m² e o Rui Lino III tem
Conjuntos Habitacionais Jaca- habitações com 33,90 m².
randá, com área útil de 32,63 m² e Por fim, a Prática construiu o
as casas adaptadas com área de residencial Reserva do Bosque.
36,18 m², Novo Eldorado I e II, São apartamentos com área de
ambos com 32,71 m², e Topázio, 45,08 m².
com 48,66 m² de área útil.
A empresa Addin, responsável Metodologia
por unidades habitacionais na Ci-
dade do Povo e pelo residencial Para a realização deste traba-
Rosa Linda III, forneceu apenas lho, foram contatados os princi-
os projetos da Cidade do Povo. pais órgãos responsáveis pela
As residências foram construídas execução do PMCMV no Acre, a
com 36,09 m² de área útil. Secretaria de Estado de Habita-
A Etenge, responsável pelos ção de Interesse Social - SEHAB,
residenciais Abunã e Eldorado e Secretaria Municipal de Desen-
por cinco quadras na Cidade do volvimento e Gestão Urbana –
Povo, disponibilizou informações SMGDU e Caixa Econômica Fe-
somente das unidades habitaio- deral , além de todas as constru-
nais da Cidade do Povo. Dessa toras responsáveis pelos projetos
forma foi possível verificar que e obras dos respectivos empreen-
estas apresentam 38,22 m² de área dimentos.
útil. As construtoras foram contata-
A Ipê fez o residencial Portal das para obtenção dos projetosar-
da Amazônia, cujo apartamento quitetônicos e urbanísticos e en-
tem 57,64 m² de área. trevistas com os técnicos respon-
Responsável pela construção sáveis. Entretanto, algumas não
de cinco empreendimentos, a foram encontradas, ou por esta-
Mav cedeu os projetos de quatro rem em processo de abertura de
conjuntos. Assim, foi possível ver
118
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

falência ou por terem mudado de 9º ano) devem estar localizadas


endereço e assim não foi possível na vizinhança imediata de gru-
obter todos os projetos. pos de habitações. As escolas de
De posse de todos os docu- ensino médio, postos de saúde e
mentos pertinentes ao tema, foi hospitais devem atender aos bair-
feita a preparação e coleta de da- ros. As praças e áreas verdes po-
dos in loco, realizado em abril de dem ser pequenas e servir a gru-
2017nos 21 conjuntos habitacio- pos de vizinhança ou quarteirões;
nais, onde os seguintes aspectos praças de bairro com atividades
da infraestrutura foram estuda- recreativas tais como escolas,
dos: existência e qualidade da ilu- campos de esporte, igrejas, entre
minação pública; fornecimento e outros. Enquanto que os postos
qualidade da água; situação da policiais devem se localizar em
rede coletora de esgoto; existên- área periférica ao centro da ci-
cia de pontos de vazamento de dade, afastados de residências,
água e de esgoto nas ruas; situa- escola e creches.
ção da rede de drenagem das Ao analisar os conjuntos habi-
ruas; periodicidade da coleta de tacionais notou-se que não teria
lixo; e pavimentação das ruas e como avaliar o Empreendimento
condição das calçadas. Cidade do Povo, pois trata-se de
Para avaliar os Conjuntos Ha- um empreendimento bastante di-
bitacionais de acordo com a exis- ferenciado em relação aos de-
tência, proximidade eacesso aos mais, tanto pelo tamanho e nú-
equipamentos urbanos utilizou- mero de unidades (2.453 unida-
se a ferramenta do Google Maps des habitacionais), quanto pela
e assim foi possível medir a dis- gestão, envolvendo 8 construto-
tância entre os empreendimentos ras. Dessa forma, o resultado aqui
e esses equipamentos. Utilizou-se apresentado não inclui este em-
os parâmetros estabelecidos por preendimento.
Santos (1988): creches, escolas de A sistematização, tabulação e
ensino infantil (pré-escola) e esco- análise dos dados geraram os re-
las de ensino fundamental I (de 1º sultados expostos nos itens a se-
a 5º ano) e fundamental II (de 6º a guir.
119
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Infraestrutura No Conjunto Cabreúva foram


encontradas duas unidades habi-
No conjunto Andirá observa- tacionais abandonadas (Fig. 3).
ram-se inúmeras unidades habi- Segundo os moradores, elas não
tacionais (casas e sobrados gemi- puderam ser entregues às famí-
nados) abandonados (Fig. 2). Os lias, pois a rede de esgoto estava
moradores relatam que algumas localizada inadequadamente.
casas estavam prontas para serem Esse conjunto possui 3 tipologias
entregues, mas não foram, e ou- de construção: casas do tipo ge-
tras tiveram as obras inacabadas. minada em alvenaria, isolada em
Não se sabe o motivo para tal alvenaria e isolada em madeira
fato. Essas casas sofreram deteri- (Fig. 4), diferente dos outros con-
oração em suas estruturas e a juntos que geralmente possuem
maioria foi saqueada (roubaram apenas uma tipologia.
as louças dos banheiros, telhas, No Conjunto Jacarandá os mo-
portas e janelas) (Fig. 2). radores reclamam da falta de se-
Três destas unidades foram gurança e, consequentemente, o
ocupados por três famílias. Nes- elevado número de furtos e assal-
sas unidades não há rede de dis- tos. Eles afirmam que há muitos
tribuição de água, rede coletora conflitos entre facções. Lá existe
de esgoto e fornecimento de ener- uma espécie de “toque de reco-
gia elétrica. Os dejetos são arre- lher”, a partir das 19h e só podem
messados nos quintais dos sobra- transitar no Conjunto quem mora
dos, a água é ligada clandestina- lá. Pessoas de outros bairros e ou
mente bem como a energia elé- Conjuntos não podem entrar de-
trica. pois desse horário.
No Conjunto Rui Lino algu-
mas famílias tiveram que deixar
as casas, pois estavam ocupando
casas que foram vendidas de
forma ilegal. Os moradores recla-
mam da segurança do conjunto e
afirmam haver vandalismo.
120
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)
Figura 2. Unidades abandonadas e saquea- Figura 3. Unidades habitacionais abandona-
das no Conjunto Andirá. das no conjunto Cabreúva.

Fonte: foto de Paloma Herculano, 2017 (Ar-


quivo da pesquisa).

A tipologia predominante é
casa térrea ou sobrado geminado.
De um modo geral nenhum mo-
rador se mostrou insatisfeito com
o fato das casas serem geminadas.
Ao se fazer as visitas aos conjun-
tos, a infraestrutura foi avaliada
conforme analise visual e opi-
nião15 dos moradores, referente
aos aspectos apresentados a se-
guir.

Fonte: foto de Paloma Herculano, 2017 (Ar-


quivo da pesquisa).

De forma geral todos os con-


juntos estão localizados em áreas
periféricas elevando, desta forma,
os índices de violência e roubos.

15 Relatos e observações dos moradores referentes ao questionado.

121
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)
Figura 4. Tipologias das habitações no Con- Iluminação Pública
junto Cabreúva.

De acordo com a resolução


normativa nº 414, de 9 de setem-
bro de 2010, Capitulo 1 (art. 2º,
XXXIX) a iluminação pública é
definida como “serviço público
que tem por objetivo exclusivo
prover de claridade os logradou-
ros públicos, de forma periódica,
contínua ou eventual”.
Pelo fato de as visitas terem
sido feitas no período diurno, a
avaliação visual do funciona-
mento do sistema de iluminação
restringiu-se a observação do es-
tado físico dos postes, lâmpadas e
fiação aparente .Desta forma, pe-
diu-se para que os moradores
qualificassem a iluminação pú-
blica, dos seus respectivos con-
juntos habitacionais, como boa
(conjunto iluminado por com-
pleto e manutenção periódica dos
postes e lâmpadas queimadas
eventualmente), razoável (alguns
pontos sem iluminação) e ruim
(longos trechos e/ou áreas co-
muns, como praças e parques,
sem iluminação e manutenção
Fonte: foto de Paloma Herculano, 2017 (Ar- periódica).
quivo da pesquisa). Observou-se que a maioria dos
Conjuntos Habitacionais possui
122
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

estrutura de iluminação em bom justifica a prioridade do acesso


estado. E referente ao ponto de do ser humano, em caso de pe-
núria hídrica”
vista dos moradores, ilustrado
pelo gráfico 1, detectou-se que a Questionou-se aos moradores,
maioria dos conjuntos (60%) pos- então, qual a frequência do forne-
sui boa iluminação, e apenas 30% cimento de água e a sua quali-
tem uma iluminação ruim (Gráf. dade sendo a mesma qualificada
1). como boa (inodora, incolor e insi-
pida), razoável (períodos em que
Gráfico 1. Qualidade da iluminação pública.
a água chega às residências com
30% coloração turva) e ruim (longos
períodos do ano em que a água
60%
10% chega às residências com colora-
ção turva).

Boa Razoável Ruim Gráfico 2. Fornecimento de água.

Fonte: Elaborado pelos autores. 5%


20%

40% 10%
Fornecimento e qualidade da
água 25%

É senso comum, que todos de-


vem ter direito a água, porém é Todos os dias
Dia sim, dia não
importante ressaltar a condição A cada 2 dias
na qual a mesma deve se encon- A cada 3 dias
acima de 3 dias
trar. Neste sentido para D’ISEP Fonte: Elaborado pelos autores.
(2010, p.59):
Obteve-se, de acordo com o
“A água a que se tem direito é gráfico 2, que a maioria dos con-
a água com qualidade – por- juntos (55%) tem fornecimento re-
tanto, potável; em quantidade gular e suficiente de água para a
– logo, suficiente à sobrevivên-
cia humana, prioritária – o que demanda domiciliar exigida (for-

123
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

necimento até três vezes por se- dos dejetos produzidos pela
mana), e que a maioria (70%) con- mesma, podendo acarretar, as-
sidera que a água fornecida é de sim, prejuízo ao ambiente e à sa-
boa qualidade gráfico 3. úde da população. Tal situação
foi verificada no Conjunto An-
Gráfico 3. Qualidade da água. dirá, quando se constatou a ocu-
pação indevida de três sobrados
20%
inacabados e sem as respectivas
10%
conexões com o SES do conjunto.
70%
Fora este caso específico, pôde-
se constatar que 100% das resi-
dências estão conectadas ao SES
Boa Razoável Ruim
Fonte: Elaborado pelos autores.
dos seus respectivos conjuntos.
Ressalta-se que o Residencial To-
Rede de Esgoto pázio, além de possuir um SES,
trata todo o esgoto produzido em
De acordo com a “NBR 9648 - uma Estação de Tratamento de
1986: Estudo de concepção de sis- Esgoto (ETE) construída dentro
temas de esgoto sanitário”, a de- das dependências do próprio
finição de Sistema de Esgota- condomínio.
mento Sanitário (SES) é:
Pontos de Vazamento de
Conjunto de condutos, instala- Água e Esgoto
ções e equipamentos destina-
dos a coletar, transportar, con-
dicionar e encaminhar so- É comum observar em algu-
mente esgoto sanitário a uma mas localidades pontos de vaza-
disposição final conveniente, mento de água ou esgoto acarre-
de modo contínuo e higienica-
mente seguro. tado por diversos fatores como:
canalização danificada, desperdí-
Quando uma unidade habita- cio, erros na execução da obra ou
cional não está conectada a este dimensionamento da tubulação,
sistema, há um descarte indevido dentre outros.

124
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)
Gráfico 4. Ocorrência de vazamento de água. cia de pontos de vazamento de
15% esgoto que somam metade dos
bairros analisados (Gráf. 6).
85%
Coleta de Lixo
Sim Não
No que se refere à coleta de
Fonte: Elaborado pelos autores. lixo residencial, todos os morado-
res questionados afirmaram que a
Este problema relacionado à periodicidade em que o cami-
água antecipa o processo natural nhão da coleta passa nas ruas é
de desgaste de calçadas, cau- suficiente e atende a demanda re-
sando desconforto aos usuários querida.
do sistema de distribuição, bem O gráfico abaixo mostra que na
como o problema relacionado ao maioria (85%) dos conjuntos, o
esgoto, sendo que este último lixo é recolhido até três vezes por
causa maior incômodo pelo forte semana.
odor.
Gráfico 6. Coleta de lixo.
Gráfico 5. Ocorrência de vazamento de es- 5%
goto. 10%

50% 50%
85%

Todos os dias
Sim Não 2 vezes por semana
Fonte: Elaborado pelos autores. 3 vezes por semana

Fonte: Elaborado pelos autores.


Nos conjuntos avaliados, cons-
tatou-se que raramente (15%) há Drenagem de águas pluviais
ponto de vazamento de água
(Gráf. 5), ao contrário da ocorrên- A drenagem urbana é o con-
125
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

junto de medidas que tem por Figura 6. Pavimentação de tijolos no residen-


cial Rosa Linda.
objetivo minimizar os riscos a
que as populações estão sub-
metidas, reduzir os prejuízos
causados por inundações e
possibilitar o desenvolvimento
urbano de forma harmônica,
articulada e sustentável (SAN-
TOS JUNIOR apud PORTO et
al., 2009).
Fonte: foto de Paloma Herculano, 2017 (Ar-
Alguns empreendimentos do quivo da pesquisa).
PMCMV são do tipo demanda
fechada, ou seja, as residências Ao realocar as famílias que ti-
são doadas às famílias que es- veram suas casas invadidas pelas
tão instaladas em área de risco. águas da enchente, espera-se que
Em Rio Branco, o desastre na- as mesmas não sofram mais tal
transtorno. Apesar de não ter
tural que predomina é a cheia
sido mencionado pelos morado-
dos rios e igarapés que ocorre,
res a ocorrência de inundações
geralmente, no primeiro tri-
acarretada principalmente pela
mestre do ano. elevação do nível do Rio Acre,
50% dos conjuntos do Programa
já tiveram registros de alaga-
mento por deficiência na drena-
gem de águas pluviais (Fig. 6).

Sistema viário: calçadas e pa-


vimentação

Atinente a este aspecto, foi


possível identificar que pratica-

126
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

mente todos os Conjuntos pos-


suem calçadas e pavimentação
asfáltica. Referente a este último
há exceção apenas do Residencial
Rosa Linda (que se subdivide em
Rosa Linda I, II e III) onde as ruas
são pavimentadas com tijolos
(Fig. 6).

Figura 7. Pavimentação asfáltica degradada


e drenagem deficiente no Conjunto Abunã.

Fonte: foto de Paloma Herculano, 2017 (ar-


quivo da pesquisa).

Porém, deve-se destacar que


ao combinar estes dois aspectos, a
falta de manutenção dos mesmos
é muito expressiva. Comumente
viam-se trechos de calçadas de-
gradados, ruas esburacadas e até
mesmo partes em que já não era
mais possível notar resquícios de
tais obras.

Mobilidade e acesso aos equi-


pamentos púbicos e comuni-
tários

Foi verificada a existência e


distância do Conjunto aos princi-
pais equipamentos, porém não

127
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

foi analisada a capacidade destes cios nas proximidades, os mora-


equipamentos de absorverem dores tem que se deslocar a lon-
todo o público do Conjunto ou gas distâncias, sendo necessário o
daquele bairro. Assim, existem uso do transporte coletivo que
creches dentro ou na vizinhança por sua vez tem limitações
imediata em 70% dos conjuntos, quanto a qualidade, fazendo com
porém apenas 10% têm escolas de que algumas pessoas optem pelo
ensino infantil nas proximidades uso do transporte individual.
do conjunto. Tudo isso colabora para que situ-
Em 60% dos conjuntos visita- ações de mobilidade urbana se
dos, há escolas de ensino funda- agravem.
mental I (1º ao 5ª ano) e em 50% Por fim, o transporte público
há escolas de ensino fundamental entra em 25% dos conjuntos, o
II (6º ao 9º ano) no mesmo bairro, restante passa apenas nas ruas
próximas ao conjunto. Em 80% principais que dão acesso a en-
dos conjuntos existem escolas de trada do conjunto. A maioria dos
ensino médio que atendem aos moradores entrevistados relatam
bairros próximos (Quad. 2). a demora dos ônibus, fazendo
Existem postos policiais nas com que tenham que esperar por
proximidades em 60% dos con- muito tempo nas paradas de ôni-
juntos. Em 55% dos destes, exis- bus, que em sua maioria estão em
tem praças, parques e quadras de boas condições e apresentam ban-
esportes dentro ou nas proximi- cos e cobertura.
dades. Apesar disto, estes equipa-
mentos, em sua maioria, estão de-
gradados, com equipamentos
quebrados e sem manutenção.
Quanto aos postos de saúde,
mesmo atendendo aos bairros
próximos, ainda assim conti-
nuam distantes dos conjuntos, e
com não há outros serviços como
supermercados, bancos e comér-
128
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)
Quadro 2. Equipamentos públicos próximos Conclusões
aos Conjuntos Habitacionais.
Equipamento Existe Não existe
Creche 70% 30%
Apesar do Programa ter pro-
Escola de Ensino 60% 40%
Fundamental I porcionado moradia para milha-
Escola de Ensino 50% 50%
res de famílias em situação de
Fundamental II
Escola de Ensino 80% 20% risco ou que nunca tiveram opor-
Médio
tunidade até então de ter sua casa
Postos de Saúde 55% 45%
Postos Policiais 60% 40% própria, diante de inúmeras di-
Praças, Parques 55% 45% vergências entre os projetos e sua
ou Quadra de Es-
portes execução, bem como entre os ob-
Transporte Cole- 25% (den- 75% (nas
jetivos e o resultado, além de
tivo tro dos proximi-
conjuntos) dades) obras inacabadas/abandonadas,
Fonte: Elaborado pelos autores.
percebe-se um problema de ges-
tão e falta de definição clara do
As principais vias que dão
papel e responsabilidade de cada
acesso aos conjuntos apresentam-
ente envolvido.
se em boas condições, em algu-
É preciso que algumas estraté-
mas vias de maior tráfego, exis-
gias do programa sejam repensa-
tem até ciclovias. Recentemente
das, desde a etapa de projeto com
houve também a construção de
a escolha do material de constru-
microterminais de integração o
ção e métodos construtivos em-
que possibilita o deslocamento
pregados na execução das obras
das pessoas de um bairro para
das unidades habitacionais. É im-
outro sem precisar ir ao centro da
portante que haja, por parte dos
cidade. Porém, devido a localiza-
órgãos públicos, uma fiscalização
ção destes conjuntos, estas medi-
mais rigorosa, como também um
das são insuficientes para melho-
maior controle social em todas as
rar a mobilidade urbana e acesso
etapas, da execução a pós ocupa-
a alguns tipos de equipamentos,
ção, já que os principais pontos
principalmente aqueles de co-
negativos observados nas visitas
mércio, serviços e lazer.
foram a falta de manutenção dos
espaços comuns ou baixa quali-
dade das edificações.
129
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Outro aspecto importante, diz dos pelo BNH, se aplicam em dé-


respeito ao fato da maioria dos cadas recentes ao PMCMV: em-
empreendimentos, principal- preendimentos situados em via
mente os de faixa 1, estarem loca- de regra, em periferias desqualifi-
lizados em áreas periféricas, dei- cadas e desurbanizadas com pés-
xando, dessa forma, a população sima qualidade arquitetonica e
isolada e sem acesso a diversos urbanística. Os mais pobres con-
equipamentos públicos, bem tinuam sem atendimento e a
como ao local de trabalho. Esta classe média baixa cada vez mais
segregação sócio espacial termina jogada para as bordas da cidade
por contribuir também com os ín- em bairros monofuncionais, com
dices de violência registrados pouca e precária infraestrutura e
tendo em vista o domínio do ter- distantes das oportunidades de
ritório pelas facções criminosas. trabalho, reproduzindo um mo-
Por fim constata-se que as mes- delo clássico no Brasil de expan-
mas críticas do Movimento pela são periférica e segregação sócio-
Reforma Urbana nos anos 80, aos espacial.
conjuntos habitacioanis construi-

130
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

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132
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Arquitetura moderna e Estado na capital do


Pará: contribuições para a construção do
campo historiográfico

Arquitectura moderna y Estado en la capital de Pará: contribu-


ciones a la construcción del campo historiográfico

Modern architecture and state in the capital of Pará: contributi-


ons to the construction of the historiographic field

Celma C. S. P. Vidal
Doutora em Teoria e História da Arquitetura pela Universidad Politécnica da
Catalunã (2005). Professora Associada IV da Universidade Federal do Pará na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e no Programa de Pós-graduação em
Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Tecnologia da UFPA.
E-mail: celma_chaves@hotmail.com

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMO

A experiência de modernidade na capital do Pará apresenta um processo de


modernização urbana inscrito no contexto de transformações nacionais que
se verificam a partir da década de 1930, a despeito das ideias de decadência
que se difundem sobre a cidade nesse período. Nas pesquisas desenvolvidas
sobre a arquitetura de iniciativa estatal produzida até meados da década de
1970, foi possível levantar, mapear e redesenhar parte dessa produção, esta-
belecer conexões do contexto local com ideários externos, articular elementos
para uma compreensão ampliada entre obras, o campo arquitetônico e pro-
fissional e os interesses institucionais. Esse estudo apresenta parte dos resul-
tados das pesquisas em andamento, num esforço por sintetizar as formas e
os processos em um percurso histórico e cultural que abrange diferentes eta-
pas da história política e econômica dessa parte da região amazônica, e es-
pecificamente de Belém, tendo como consequência momentos em que se
identificam com clareza uma concepção de modernização e modernidade
que deixaria suas marcas no espaço da cidade contemporânea. Neste texto,
abordam-se esses processos em alguns edifícios públicos, analisando aspec-
tos de sua arquitetura e sua extensão no contexto local. Associa-se também
nas pesquisas em desenvolvimento a construção de uma historiografia, cujos
contornos metodológicos e epistemológicos em constante desenvolvimento,
buscam superar narrativas fragmentadas e parcial da história urbana e ar-
quitetônica de Belém. Busca-se, ainda as inserir na perspectiva mais ampla
das temáticas que se desenvolvem no campo disciplinar da Arquitetura e
Urbanismo da Região Amazônica, integrando-se assim, à rede de pesquisa-
dores que compõem os artigos deste livro.

Palavras-chave: Arquitetura moderna; Estado; Historiografia; Moderniza-


ção; Belém.

134
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMEN SUMMARY

La experiencia de modernidad en la capital de The experience of modernity in the capital of Pará


Pará presenta un proceso de modernización ur- presents a process of urban modernization inscri-
bana inscrito en el contexto de transformaciones bed in the context of national transformations that
nacionales que se verifican a partir de la década de take place from the 1930s, despite the ideas of de-
1930, a pesar de las ideas de decadencia que se di- cadence that spread over the city in that period. In
funden sobre la ciudad en ese período. En las in- the researches developed on the architecture of
vestigaciones desarrolladas sobre la arquitectura state initiative produced until the mid-1970s, it
de iniciativa estatal producida hasta mediados de was possible to raise, map and redesign some of
la década de 1970, fue posible levantar, mapear y this production, to establish connections between
rediseñar parte de esa producción, establecer co- the local context and external ideas, to articulate
nexiones del contexto local con idearios externos, elements for an expanded understanding between
articular elementos para una comprensión ampli- works, the architectural field and professional and
ada entre obras, el campo arquitectónico y profesi- institutional interests. This study presents some of
onal y los intereses institucionales. Este estudio the results of ongoing research in an effort to
presenta parte de los resultados de las investigaci- synthesize forms and processes in a historical and
ones en marcha, en un esfuerzo por sintetizar las cultural course that covers different stages of the
formas y los procesos en un recorrido histórico y political and economic history of this part of the
cultural que abarca diferentes etapas de la historia Amazon region, and specifically of Belém, in
política y económica de esa parte de la región ama- which a conception of modernity and modernity
zónica, y específicamente de Belém, teniendo that would leave its marks in the space of the con-
como consecuencia momentos en que se identifi- temporary city is clearly identified. In this text,
can con claridad una concepción de moderni- these processes are approached in some public
zación y modernidad que dejaría sus huellas en el buildings, analyzing aspects of their architecture
espacio de la ciudad contemporánea. En este texto and their extension in the local context. The cons-
se abordan estos procesos en algunos edificios pú- truction of a historiography is also associated in
blicos, analizando aspectos de su arquitectura y su the researches in development, whose methodolo-
extensión en el contexto local. Se asocia también en gical and epistemological contours in constant de-
las investigaciones en desarrollo la construcción velopment, seek to surpass fragmented and partial
de una historiografía, cuyos contornos metodoló- narratives of the urban and architectural history of
gicos y epistemológicos en constante desarrollo, Belém. It is also sought to insert them in the bro-
buscan superar narraciones fragmentadas y par- ader perspective of the themes which are develo-
cial de la historia urbana y arquitectónica de Be- ped in the disciplinary field of Architecture and
lém. Se busca, aún insertarlas en la perspectiva Urbanism of the Amazon Region, thus integrating
más amplia de las temáticas que se desarrollan en the network of researchers that make up the arti-
el campo disciplinario de la Arquitectura y Urba- cles in this book.
nismo de la Región Amazónica, integrándose así,
a la red de investigadores que componen los artí- Keywords: Modern architecture; State; Historio-
culos de este libro. graphy; Modernization; Belém.

Palabras clave: Arquitectura moderna; Estado; la


historiografía; la modernización; Belén.

135
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Introdução jeto de modernidade urbana e ar-


quitetônica já se anunciava numa
A partir da década de 1930, um das primeiras experiências de
processo estatal e privado de mo- modernização pós-industrial im-
dernização das estruturas urba- plantada na região oeste do Pará,
nas começa a ocorrer de forma o projeto de Henry Ford para o
paulatina na cidade de Belém, no replantio da hevea brasiliensis
norte do Brasil. A gestão do pre- com o objetivo de reaquecer a
sidente Getúlio Vargas (1930- economia da borracha. Cria-se a
1945) estabelece prioridades que cidade de Fordlândia, com peças
alcançam capitais de norte a sul e materiais transportadas em na-
do país. É nesse período que a ca- vio ao coração da Amazônia pa-
pital do Pará apresenta um movi- raense, cuja construção inicia-se
mento crescente de mudanças em em 1928. Esta inciativa contou
seus espaços, que se inicia com a com efetiva participação do Es-
construção de novos edifícios, in- tado que ampliou sua presença
cluindo ações que incidem nos as- por meio da criação de novas ins-
pectos infra estruturais da cidade tituições e do subsídio dado aos
como o sistema de transporte. projetos norte-americanos (Cha-
Esta década apresenta projetos ves, 2016, p. 35). Essa medida in-
políticos, econômicos e culturais, dicava uma das direções das polí-
que concorreram para ações que ticas que iriam ser pensadas tam-
se concretizariam no espaço de ci- bém para a cidade de Belém, prin-
dades capitais da América Latina cipalmente a partir de década de
- especialmente no Brasil e no Mé- 1940. Iniciava-se assim um novo
xico – onde vanguardas, moder- momento dessa modernização,
nidade e modernização estabele- que se consumaria com os chama-
cem, principalmente sob os aus- dos “Acordos de Washington”
pícios do Estado, o lócus da nova assinados em 1942.
tradição, mas também de uma A chegado ao poder do gover-
nova cultura urbana (GORELIK, nador Magalhães Barata (em dois
2004). perío-dos,1930-1934 e 1943-1945)
Na Amazônia brasileira, pro- e as sucessivas administrações
136
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

municipais buscariam recuperar americanos alteram pontual-


o status de “cidade moderna” de- mente a paisagem da cidade ou,
rivado da economia da borracha, pelo menos alimentam a expecta-
ainda que oscilando entre em- tiva de ações futuras em parte das
préstimos e dívidas. Coloca-se cidades. As iniciativas de caráter
então na capital do Pará os signos pontual em vários bairros de Be-
mais claros da conexão entre mo- lém desde a década de 1930 inten-
dernização e urbanização, princi- tavam mascarar a séria crise dos
palmente a partir dos anos 40 serviços públicos, em 1942, a ati-
quando a cidade começava a re- vidade comercial surgida com a
cuperar população (PENTEADO, segunda guerra e a presença de
1968), e apresentava sinais de um militares norte-americanos na ci-
revigoramento econômico, esti- dade, fomentariam alguns avan-
mulado, em grande parte, pelas ços: construção do porto, da base
políticas públicas implementadas aérea de Val de Cans, incremento
após os Acordos, e uma reedição da população, fatores que impul-
sem êxito da exploração dos se- sionaram um repensar a cidade e
ringais (CHAVES, 2016). Entre seu desenvolvimento (Chaves,
1950 e 1960 a população da ci- 2017 apud Chaves & Lima, 2018).
dade cresceu quase cem por Entretanto, passado esse mo-
cento, de 208.706 para 359.988 ha- mento esfuziante, as condições fi-
bitantes (PENTEADO, 1968, p. nanceiras degradam-se nova-
207), concentrando os investi- mente (Belém, 1948; Pará, 1950) e
mentos nas áreas urbanas. o ritmo das mudanças arrefece
Neste período, os governos (CHAVES e LIMA, 2018).
municipais e estaduais permane- Na década de 1950, com as po-
ciam agindo diariamente na con- líticas desenvolvimentistas, a
formação e manutenção da infra- Amazônia entrou no circuito do
estrutura, serviços de transporte e capital nacional e internacional
sistema viário da capital. Durante com a embrionária exploração e
a Segunda Guerra Mundial como exportação das reservas extrati-
decorrência dos acordos, propos- vistas. As iniciativas do pós-Se-
tas e investimentos nacionais e gunda Guerra tendo como aliado
137
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

o capital norte-americano, e os avançando na direção da Aveni-


planos e projetos econômicos du- das Nazaré e seu prolongamento,
rante as décadas de 1960 e 1970, a Magalhães Barata, seguindo em
como os PDAs, Plano de Desen- direção à Av. Tito Franco, atual
volvimento da Amazônia, incidi- Avenida Almirante Barroso (MI-
ram diretamente no crescimento RANDA; CHAVES, 2015). Tra-
urbano e nas iniciativas públicas tam-se das primeiras expressões
e privadas em um novo momento dessa arquitetura, na qual se colo-
de modernização urbana. cavam em jogo os investimentos
Essa modernização ocorreria iniciais das empresas construto-
principalmente nas áreas centrais ras com o propósito de aliar ga-
da cidade em episódios de mo- nhos financeiros aos impulsos
dernidade que tiveram nos pri- modernizadores.
meiros edifícios da avenida Presi- Será, no entanto, durante os
dente Vargas suas expressões ini- anos das décadas de 1960 e 1970
ciais na década de 1940. A partir que o “Novo Centro” expande-se
dessa década, os estudos no em direção às áreas do seu en-
campo dessa produção que incor- torno, indicando que os valores
poram referências da arquitetura do moderno nos edifícios públi-
moderna em sua vertente racio- cos haviam, em certa medida,
nalista, registram diferentes vias ocupado seu lugar na cidade.
expressivas adotadas alinhando-
a à ideia de modernidade, inicial- As bases de uma construção
mente como um projeto estatal, historiográfica
mas rapidamente encampada pe-
las atividades privadas, fomenta- A investigação e (re) conheci-
das por regulamentos e normas mento do valor da arquitetura
instituídas pelo poder público a produzida entre as décadas de
fim de modernizar e verticalizar a 1940 e 1970 em Belém, como parte
área central da cidade (CHAVES, das experiências de moderniza-
2016). Desenvolvem-se a partir ção e modernidade na cultura ar-
do “eixo de modernização” da quitetônica local, apresenta resul-
Avenida Presidente Vargas,
138
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

tados que subsidiam a construção de um moderno “consolidado”


historiográfica. Nessa construção, na cidade de Belém, capaz de re-
a ideia de “campo” (BOURDIEU, velar a complexidade das expres-
1983) local, nacional e internacio- sões dessa arquitetura em suas
nal, em articulação com a recep- diferentes dimensões: arquitetô-
ção e produção dessa arquitetura, nica, social, cultural, política.
estruturam suas bases conceitu- Nesse sentido, retoma-se a ad-
ais. O estudo sobre os exemplares vertência de Gorelik (2011)
modernos por meio de pesquisa quanto à necessidade de “pôr em
histórica e documental, tanto questão a naturalidade das series
quanto as análises de sua materi- em que a ideia de modernidade –
alidade como objetos arquitetôni- mais especificamente de arquite-
cos são compreendidos em asso- tura moderna - costuma vir ins-
ciação com a cultura urbana. A crita”, especialmente a “[...] a que
arquitetura pública moderna em mostra a arquitetura moderna
Belém, a partir de escolas e edifí- como epifenômeno estrutural da
cios institucionais, tomados como sociedade e da economia [...]” e
unidades culturais e como séries “aquela que atribui à representa-
tipológicas na sua relação com o ção da arquitetura moderna uma
lugar (WAISMAN, 2013 apud expressão ideológica determi-
Carvalho, 2013), mostra-nos a nada: progressista, internaciona-
concepção de arquitetos e enge- lista, radical” (GORELIK apud
nheiros em assimilação e tradu- MÜLLER, 2011, p. 11).
ção da arquitetura moderna bra- Portanto, torna-se pertinente
sileira. pensar neste percurso de constru-
Trata-se de entender e situar o ção historiográfica, que termino-
binômio modernidade-moderni- logias como “movimento mo-
zação no curso das pesquisas que derno” ou “racionalismo” adqui-
se realizam, tratando-o para além rem sentido apenas quando pos-
do receituário eurocêntrico, de tas em relação aos fenômenos
modo a construir novas formas analisados, pois escondem con-
de interpretar esse processo, en- ceitos contraditórios em relação
tre elas, a desconstrução da ideia às histórias que se pretende con-
139
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

frontar com eles (TAFURI, 1980). Percursos e aproximações ao


Nos estudos realizados, busca-se moderno estatal
ressaltar o caráter contraditório e
plural da história, as “experiên- A partir das situações registra-
cias e expectativas” das, do levantamento dos edifí-
(KOSELLECK, 2006) dos grupos cios modernos na capital para-
sociais envolvidos, enriquecendo ense, consideramos seu processo
as interpretações e questionando de desenvolvimento em três eixos
classificações, que na construção principais. O primeiro, na ave-
de uma historiografia devem ser nida 15 de Agosto (atual avenida
tomadas como pontos de partida, Presidente Vargas), incentivado
mas nunca como o único ponto pelo governo local, sob os auspí-
de chegada (CHAVES, 2018). cios da modernização varguista a
Dessa forma, o percurso histo- partir de 1930, quando as diretri-
riográfico no campo arquitetô- zes de governo central e estadual
nico evidencia as “tramas históri- estimularam a renovação e rees-
cas” (VEYNE, 1998) que constitu- truturação da atividade comercial
íram esse processo de moderniza- e residencial nessa avenida.
ção, relacionado a tensões e a for- Como resultado dessas diretrizes,
ças na construção da cidade e da edifícios públicos e privados co-
arquitetura, e que materializam meçaram a despontar a partir do
esses processos. final da década de 1930. O pri-
Particulariza-se nessa constru- meiro construído pelo Estado foi
ção historiográfica, o contexto a sede dos Correios e Telégrafos
como um método que exige mais em 1938, projeto atribuído ao ar-
histórias entrelaçadas entre si, quiteto Silveira Landim seguido
mais abordagens históricas inte- do edifício do antigo IAPI (Insti-
gradas, relacionando o trabalho tuto de Aposentadoria e Pensões
intelectual aos desenvolvimentos dos Industriários), projeto de Ed-
de modos e relações de produção mar Penna de Carvalho de 1949.
(TAFURI, 2011 apud CHAVES, O segundo eixo desse processo
2018). de modernização arquitetônica se

140
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

desenvolveu nos bairros de maior Waisman (2013), adotamos ao


poder aquisitivo, nos quais o po- longo da pesquisa, algumas cate-
der público e a iniciativa privada, gorias explicativas, que, ao nosso
almejando um novo status polí- ver, permitem compreender dia-
tico e burguês respectivamente, leticamente as condições externas
introduzia referências modernas e internas de manifestação do
em um entorno com linguagem moderno. Por isso, considerar a
predominantemente eclético em história do espaço construído que
terrenos que pertenciam ao Es- se produziu no Pará e em Belém
tado. Inicia-se em direção às ave- desde a década de 1930, ponto em
nidas Nazaré e Serzedelo Correa que se identificam os ideais de
a expansão de casas e edifícios transformações, nos exige percor-
com autoria de engenheiros e ar- rer um espectro variado de situa-
quitetos locais e estrangeiros que ções, entre o campo da profissio-
na cidade se estabeleceram. nalidade, das aspirações sociais
O terceiro eixo apresenta-se coletivas e políticas, das condi-
nas áreas de expansão de Belém, ções econômicas e geográficas,
em função da construção de no- que balizaram esse processo de
vas vias em direção à saída da ci- modernidade arquitetônica.
dade, ao longo da avenida Tito Entendemos esse processo as-
Franco (atual avenida Almirante sociado ao que Gorelik (1999,
Barroso), onde a arquitetura de 2011) aponta como a expressão de
referências modernas pôde ser um ethos cultural, uma vontade
implantada com maior liberdade ideológica de uma cultura para
compositiva em função da dispo- produzir um determinado tipo de
nibilidade e amplas parcelas de transformação estrutural, e não
terrenos nessas áreas, ainda uma arquitetura moderna como
pouco adensadas. epifenômeno estrutural da socie-
Ao traçar esse percurso, e no dade e da economia. Essa reali-
intuito de entendê-lo a partir de dade nos convida a pensar o mo-
premissas que se articulavam no derno a partir do ponto que vê
interior da história local, no sen- como importante tanto as cir-
tido que nos afiança Marina cunstâncias, os ideários, a movi-
141
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

mentação dos atores no espaço mesmo em uma sociedade fragil-


social, quanto os objetos materia- mente estruturada, institucional e
lizados no espaço físico, bus- economicamente, o espaço mo-
cando a não naturalização dos fa- derno pôde se estabelecer nos
tos históricos, mas o entendi- meios sociais abastados, um
mento das tramas e motivações campo arquitetônico criado e ali-
que o fizeram surgir (CHAVES, mentado pelas relações profissio-
2016). nais, de amizades e de afinidades
Ao interagir entre prerrogati- entre as classes.
vas materiais, tectônicas e estéti- Em que pese as dificuldades
cas, no campo ampliado das rela- econômicas e a frágil institucio-
ções entre seus protagonistas, no nalidade – entre 1940 e 1949 Be-
embate entre os grupos sociais e lém teve mais de dez prefeitos –
as normas cultas, entre as formas renovava-se a vontade ideológica
simbólicas que a conformam para produzir um determinado
como um campo social e cultural, tipo de transformação. Assim, a
interpreta-se a arquitetura mo- cidade antecipa e acolhe a ideia
derna ao longo desses anos, cons- de modernidade na qual formas
tituem um espaço fértil para si- se expressam antes que os proces-
tuar algumas questões que se sos (GORÉLIK, 1999; VICEN-
apresentam no desenrolar do es- TINI, 2004), evidenciando que,
paço moderno e sua pertinência embora tenha havido um distan-
para as cidades amazônicas. ciamento histórico-temporal dos
Um poder econômico aliado a países e regiões que não experi-
um poder simbólico (Bourdieu, mentaram um processo de indus-
1999) foi se constituindo na busca trialização em relação aos centros
por legitimar expressões cultu- onde essas ideias haviam sido im-
rais, o que Stevens (2003) identi- pulsionadas, também houve nas
fica claramente às correntes mo- produções arquitetônicas desses
dernas que se desenvolveram e países, incluindo o Brasil e a re-
difundiram ao longo da segunda gião amazônica, a adoção de ide-
metade do século XX. Correlaci- ais e aspirações aos princípios
ona-se assim, ao fato de que modernos (CHAVES, DI-AS,
142
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

2016). repercutir na nova produção da


Durante a década de 1930 o arquitetura local.
programa de construções públi-
cas como escolas, agência de cor- A modernização estatal (1930-
reios e hospitais, deixaria a expe- 1972)
riência eclética definitivamente
excluída desse projeto de moder- A história urbana de Belém em
nidade, ao encontro de novas ex- inícios da década de 1930, nos
pectativas, em um ideal de “[...] mostra os indícios de uma trans-
conceber a modernidade como formação que se anunciava.
um tempo novo a partir do mo- Deve-se não apenas à “Revolução
mento em que as expectativas de 30”, mas o fato de que, naquele
passam a distanciar-se cada vez ano, assumia como interventor
mais das experiências feitas até federal no estado do Pará Maga-
então” (KOSSELLEK, 2006, p. lhães Cardoso Barata, que cum-
314). priria com fidelidade a política de
A partir de 1964, quando se modernização do presidente Ge-
inaugura o curso de Arquitetura túlio Vargas, junto com o inten-
na cidade, simultaneamente abre- dente municipal nomeado por
se um curso de “adaptação” para ele, Abelardo Condurú (1936-
que os engenheiros pudessem se 1943). Aqueles anos eram de limi-
habilitar a projetar edifícios de tações financeiras para investir
“caráter monumental”, como es- no melhoramento da cidade, mas
tipulava a lei nº 23.569 de 11 de existia um ponto comum que
dezembro de 1933. Assim, novos unia as intenções coletivas e indi-
pintores-arquitetos e novos enge- viduais no campo profissional e
nheiros-arquitetos são formados cultural (BOURDIEU, 1995): re-
(SOBRAL, 2002), agregando ao cuperar aquela Belém conhecida
quadro de profissionais da cidade de outrora, que a economia da
um fazer arquitetônico associado borracha havia possibilitado.
ao repertório moderno transmi- Recuperar significava embele-
tido na escola de Arquitetura, zar, construir edifícios de linhas
que, embora de forma tímida, iria
143
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

modernas, realizar trabalhos de iniciada em 1939 e inaugurada


alargamentos de vias, edificar em 15 de novembro de 1942. Este
com as novas técnicas construti- e outros como o edifício sede do
vas, ou seja, construir uma nova IAPI, de 1949, faziam parte da po-
história a partir dos novos espa- lítica nacional de modernização
ços que a modernização da ci- dos edifícios públicos adotada na
dade exigia. Para isso, se articula- Era Vargas.
vam experiências e expectativas, O incentivo às novas constru-
no sentido de Koselleck: na “ten- ções nessa avenida e nas ruas ad-
são entre experiência e expecta- jacentes impulsionaram o desen-
tiva que, de uma forma sempre volvimento dessa área que foi de-
diferente, suscita novas soluções, nominada de “Novo Centro”,
definindo o tempo histórico”. para onde novas diretrizes admi-
Gestores e grupos sociais em nistrativas e urbanísticas foram
posição privilegiada naquela Be- pensadas. A iniciativa mais di-
lém da década de 1930, formulam reta, embora de menor efetivi-
ações futuras (expectativas) a dade, foi a lei nº 3450 de 6 de ou-
partir da avaliação do passado tubro de 1956, determinando que
(experiências) (KOSELLECK, qualquer construção situada na
2006, p, 313), construindo uma avenida Presidente Vargas obe-
nova temporalidade, em um es- deceria a altura mínima de doze
paço ainda marcado pela pre- pavimentos e as situadas em ave-
sença de um passado eclético. nidas e ruas mais importantes de
A partir da década de 1940 na seu entorno imediato com dez pa-
avenida Presidente Vargas – im- vimentos. Prevendo e esperando
portante via que interliga o centro que se construíssem os edifícios
antigo de Belém à cidade em ex- mais altos, estabeleceu que em to-
pansão –, erguem-se os primeiros das as construções fosse obrigató-
edifícios de grande porte na ci- ria a instalação de escadas de
dade. Um dos primeiros foi o edi- emergência. Embora esta lei de-
fício sede dos Correios e Telégra- terminasse uma verticalização
fos, cuja autoria atribui-se a Ar- compulsória do centro da cidade,
chimedes Memória, construção isto acabou não acontecendo, en-
144
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

tre outros fatores pela falta de ca- economia, como informava o pró-
pital local para investimento na prio governo local, está nesse
construção, o que viria acontecer, grupo. De autoria do engenheiro
de certa forma, somente na dé- José Galma Malcher, fazia parte
cada de 1960. de um programa pedagógico
Durante o período da adminis- adotado em várias capitais do
tração do presidente Getúlio Var- Brasil aliando modernidade ar-
gas e do governador Magalhães quitetônica com métodos inova-
Barata, o Departamento de Obras dores da pedagogia de Anísio
Públicas do Estado do Pará se- Teixeira.
guia a política central no que se
refere à construção, à intervenção Figuras 1, 2, e 3. Sede dos Correios e Telégra-
fos de Belém, inaugurada em 1942 e Dese-
urbana e à divulgação de suas re- nhos do projeto original da sede dos Correios
alizações. A predominância de e Telégrafos em Belém.

uma prática populista, associada


à escassez dos recursos financei-
ros para os serviços de infraestru-
turas, não estimulava um con-
junto de ações vinculadas a proje-
tos de longo prazo, mas eram re-
alizações elaboradas no dia a dia
de atuação deste órgão, que a par-
tir de 1937, passaram a ser regidas
pelas bases políticas do Estado
Novo.
A Direção de Obras Públicas
estadual seguia as diretrizes mo-
dernizadoras que a administra-
ção central impulsionava a partir
do Rio do Janeiro. Nesse sentido,
o projeto da escola Vilhena Alves,
de 1938, aprovado entre outros
quatro projetos por questões de
145
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

fachada de corpo central simé-


trico, mas que em seu todo con-
forma um conjunto tripartido,
como três edifícios distintos. O
corpo central reaviva os arabes-
cos de inspiração marajoara, nas
Fonte: Arquivo LAHCA e Empresa Brasileira grades de portas e janelas, moti-
de Correios e Telégrafos (EBCT).
vos que já tinham aparecido no
projeto de Archimedes Memória
A construção de edifícios para
para o Ministério da Educação e
estruturar uma imagem clara da
Saúde, mas emolduradas por
ideologia do poder vigente era
uma superfície limpa e geomé-
uma das estratégias da política do
trica. Esse foi um dos dois únicos
Vargas e, especificamente, nesse
edifícios que o poder público pro-
caso, fazia parte da política de
moveu nesta avenida na década
uniformizar os edifícios instituci-
de 1940, suscitando a crítica geral
onais e expressar a coesão e uma
pela ineficácia do Estado em
imagem homogênea e centraliza-
construir novas sedes institucio-
dora do governo. Foi o caso do
nais ou revitalizar as que tinham
então Departamento de Correios
sido construídas na administra-
e Telégrafos presente nas princi-
ção anterior, então funcionando
pais capitais brasileiras nas déca-
precariamente.
das de 1930 e 1940. Nesse perí-
A partir de 1940 o discurso so-
odo, foram construídas 141 agên-
bre a modernização na cidade
cias, cujos projetos eram elabora-
está estreitamente vinculado com
dos na capital federal, Rio do Ja-
as políticas do governo dos Esta-
neiro, e enviados às respectivas
dos Unidos na região amazônica
sucursais.
durante a Segunda Grande
O projeto da sede de Belém (Fi-
Guerra e as expectativas geradas
guras 7, 8), assim como de outras
com os investimentos para a reto-
capitais como Belo Horizonte e
mada da economia da borracha.
Curitiba, alude a essa vontade de
Como parte dos Acordos de Wa-
transpor o tradicional, em uma
shington a cidade recebe novos
146
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

investimentos, constrói-se a base Figura 4. Sede do antigo IAPI, 1958, projeto


de Edmar Penna de Carvalho.
aérea de Val de Cans, novas vias
são abertas no caminho entre o
centro da cidade e o aeroporto e a
presença constante de militares
norte-americanos movimentam o
comércio, apesar da crise das in-
fraestruturas públicas (CHAVES,
2016).
No marco das intenções do go-
verno nacional e local de planifi-
car o crescimento da cidade, uma
regulamentação proposta pelo
prefeito nomeado por Magalhães
Barata, engenheiro Jerônimo Ca-
valcanti – cujo mandato duraria
Fonte: Chaves (2014).
menos de seis meses, entre feve-
reiro e agosto de 1943 – foi desen-
A iniciativa de construções
volvido: o Plano de Urbanização
modernas ao longo da avenida 15
de Belém. Embora não tenha sido
de Agosto foi uma das diretrizes
aplicado por falta de recursos fi-
do plano de Cavalcanti. Decidiu-
nanceiros e a saída precoce do
se por sua ocupação a partir de
prefeito, os problemas da capital
1945 com as novas expressões da
apontados no seu diagnóstico fo-
modernidade, aliando sentido
ram, de certa maneira, levados
político e econômico que a inclui-
em conta pelas sucessivas admi-
ria definitivamente no circuito
nistrações estaduais e municipais
imobiliário da cidade, ao mesmo
que adotaram medidas para
tempo em que demarcaria a ex-
afrontar as graves questões urba-
pansão das construções verticali-
nas da capital.
zadas modernas nas áreas cen-
trais de Belém.
Em 1958 inaugura-se o edifício

147
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

sede do IAPI, hoje Instituto Naci- Figuras 5 e 6. Perspectiva e Sede do Banco do


Brasil.
onal de Seguro Social (INSS), pro-
jeto do arquiteto Edmar Penna de
Carvalho. Esse prédio, atual-
mente em completo abandono, é
o único dentre as edificações esta-
tais que apresenta estrutura verti-
cal, com referências claras à ar-
quitetura do modernismo da cha-
mada “escola carioca”, que vinha
sendo implantada no Rio de Ja-
neiro, entre as décadas de 1930 e
1940.
Na década de 1970 constrói-se
em Belém a sede central do Banco
do Brasil na mesma avenida. O
projeto, ao que parece, seria do
arquiteto carioca Paulo An-tunes
Ribeiro, com obras realizadas no
Rio de Janeiro e Salvador, não
corres-ponde exatamente à obra Fonte: Revista Arquitetura e Engenharia n.
28, 1953; e Chaves (2014).
construída. As diferenças são evi-
dentes na fachada principal e nos Em direção às áreas de expan-
acessos. Foi um dos últimos edifí- são da cidade, na então avenida
cios modernos construído em Tito Franco, hoje Almirante Bar-
plena ascensão da verticalização roso, o engenheiro Camilo Porto
desta avenida. de Oliveira projeta e constrói o
edifício do Departamento de Es-
tradas e Rodagem (1957), inaugu-
rado em 1959, atual SETRAN (Fi-
gura 8). É a materialização de
uma demanda política e de pro-

148
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

fissionais por uma renovação es- que em momentos adota a solu-


tética e pela maior funcionalidade ção do telhado borboleta. A
e eficiência dos órgãos públicos, e rampa que dá acesso a um dos
para concentrar as atividades do blocos de salas de aula foi, em seu
órgão em um edifício único momento, uma inovação.
(CARVALHO, 2013). A renovação e modernização
Outra obra significativa para o dos espaços escolares se iniciou
conjunto das iniciativas estatais na administração do interventor
foi o conjunto residencial do Gama Malcher, entre 1937 e 1956.
IAPI, também de autoria de Ed- A escola Vilhena Alves foi cons-
mar Penna de Carvalho. Os blo- truída em 1938 e a Escola Benja-
cos apresentam uma volumetria min Constant, entre 1935 e 1938.
regular e uniforme marcados, en- Em fase posterior, mas ainda an-
tretanto, por elementos que pro- terior à instalação do Curso de
curam adequar-se à condição lo- Arquitetura, é o projeto e constru-
cal (cobogós, cobertura em telhas ção da Escola Municipal Ben-
de cerâmica) com a finalidade de vinda de França Messias (Figura
amenizar as inclemências do 9), cuja inauguração se deu no
clima. A implantação das unida- ano de 1951, como parte do con-
des, separadas alternadamente, junto de habitação social do IAPI.
dá-lhes movimento e contribui A Escola Deodoro de Men-
para a geração de espaços de ven- donça (Figura 10), projeto de
tilação entre os blocos. 1968-1969, inaugurada em 1972, é
Em contraposição aos blocos, de autoria de Jorge Derenji e Mil-
observam-se, na escola que faz ton Monte, egresso da escola de
parte do conjunto, um projeto ela- arquitetura em 1966, depois pro-
borado em 1950, outros elemen- fessor no mesmo curso, e de Jorge
tos que evocam as singularidades Derenji, formado pela Universi-
das obras de Niemeyer: as mar- dade Federal do Rio Grande do
quises de formas livres, os pilotis Sul em 1963 e professor do recém-
como suporte estruturante dessas inaugurado Curso de Arquite-
formas e como produtor de espa- tura do Pará. Construída no go-
ços livres, o jogo de coberturas verno de Alacid da Silva Nunes
149
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

(1966-1971), adota um programa vista do IAB/RJ, Domus) ou das


arquitetônico mais extenso, prio- visitas que realizava à cidade de
rizando as instalações e diretrizes São Paulo, para conhecer o “bru-
definidas pelo Plano de Educação talismo paulista” de Vilanova Ar-
do governo federal e estadual tigas. Composto por dois corpos
(CARVALHO, 2013). em concreto aparente, um supe-
rior de fachadas com janelas em
Figura 7. Sede do Departamento de Estradas brises, e um inferior que alterna
de Rodagem, 1957-1959, projeto de Camilo
Porto de Oliveira. com textura também em con-
creto, o edifício prima pela busca
da verdade construtiva, princí-
pios que se associam ao bruta-
lismo.

Figura 9. Escola Deodoro de Mendonça,


1968-1972, projeto de Milton Monte e Jorge
Derenji.

Figura 8. Escola Municipal Benvinda de


França Messias, 1951. Fonte: Chaves (2006; 2018).
Fonte: Chaves (2006; 2018).

O brutalismo e o que o próprio


Derenji chamava de “plasticismo
paulista” tiveram um peso im-
portante em suas decisões proje-
tuais, por meio das revistas (Re-

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)
Figura 10. Sede do Tribunal de Contas do Es- chão parece flutuar em lâminas
tado do Pará, 1972, projeto Paulo Chaves Fer-
nandes e Paulo Cal. de água que o contornam, e uma
fina cortina de água cai por uma
das paredes de vidro advertem
de sua combinação entre o brut e
o léger (CHAVES, MIRANDA,
2016). No final da década de 1970,
outros edifícios públicos são pro-
jetados seguindo a tendência mo-
derna, como os edifícios sede da
Assembleia Legislativa e o Palá-
cio da Justiça, embora, ao que pa-
Construída quando o curso de rece, não foram construídos a
arquitetura já estava em funcio- partir dos projetos divulgados no
namento há oito anos, a sede do relatório do governador Alacid
Tribunal de Contas do Estado do Nunes.
Pará (1972) (Fig. 11) é de autoria
dos arquitetos Paulo Chaves Fer- Considerações finais
nandes e Paulo Cal, ambos egres-
sos da primeira turma de arquite- Apresentamos nesse texto,
tos. Da estética do brutalismo evi- parte do legado da arquitetura
dencia-se o concreto aparente e o moderna pública em Belém até o
vidro em cortinas, que faziam final da década de 1970, a partir
parte da concepção original do das obras que consideramos refe-
edifício, em uma estrutura onde renciais para a história local. Al-
se distinguem claramente os dois gumas dessas obras se apresen-
materiais. tam relativamente bem conserva-
Observa-se a intenção dos au- das e preservadas, enquanto ou-
tores de explicitar a verdade dos tras, principalmente aquelas loca-
materiais, ao mesmo tempo que, lizadas em áreas e terrenos de
em contraposição a esses, o edifí- maior valor imobiliário, como as
cio propositalmente elevado do casas de Camilo Porto de Oli-

151
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

veira, incluindo as casas Bitten- elementos alheios ao projeto ori-


court e Belisário Dias, já apresen- ginal, mas encontra-se em estado
tam modificações de seus ele- precário de conservação.
mentos originais, seja por acrésci- Esse breve estado da questão
mos ou por substituição. Outras da arquitetura, principalmente
casas, embora não estejam amea- em Belém, que é onde se concen-
çadas de destruição, são objetos tra a maioria das obras, é resul-
de constante assédio por entes tado de estudos ainda em desen-
privados com ofertas de aquisi- volvimento, abrangendo edifícios
ção como a casa Gabbay, onde produzidos por arquitetos e en-
ainda vivem os proprietários ori- genheiros, mas também de auto-
ginais. No município contíguo a ria anônima, demonstrando a
Belém, Ananindeua, em condo- apropriação do repertório mo-
mínio privado, localizam-se a derno em obras localizadas em
casa Bendahan, cuja situação vários bairros da cidade. Ainda
apresentava-se há alguns anos resta muito para entender esse
em situação de quase arruina- período da história urbana da ci-
mento, e a casa Chamié, melhor dade, muitas vezes deixado em
preservada e conservada, embora um plano secundário em prol dos
também apresente alterações no feitos da “Era Lemos”, e vista
projeto original. como uma época de decadência e
Das obras públicas, algumas desmonte do construído anterior-
vêm sofrendo alteração ao longo mente.
dos anos como o edifício do Tri- Pesquisar, levantar e analisar
bunal de Contas e a Escola Deo- essa produção é um passo impor-
doro de Mendonça, seja por inter- tante para a construção de uma
venções externas ou pela ação de historiografia sobre o moderno
agentes naturais e falta de manu- em Belém e na Amazônia. Nesse
tenção. A Escola Benvinda de sentido, o Laboratório de Histori-
França Messias, tombada em ní- ografia e Cultura Arquitetônica
vel municipal, é uma das mais (LAHCA) da Faculdade de Ar-
preservadas atualmente, mesmo quitetura e Urbanismo da UFPA
com intervenção que incorpora têm desenvolvido nos últimos
152
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

dez anos pesquisas nessa direção, material, política e social da ci-


contribuindo para a constituição dade de Belém, e cabe a nós, pes-
de um campo de estudos da his- quisadores e pesquisadoras, estu-
tória urbana e arquitetônica da ci- dantes e professores, trazer à luz
dade, como elemento indispensá- os testemunhos dessa história, já
vel da compreensão dos proces- que os processos de apagamento
sos que se deram principalmente da mesma se dão muito mais rá-
a partir da segunda metade do sé- pido do que a construção de uma
culo XX. A história desses edifí- base historiográfica.
cios é parte da história cultural,

153
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

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2011.

155
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

156
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

URBAN95: Boa Vista, a cidade para as


crianças e a inovação tecnológica na
Amazônia Setentrional

URBAN95: Boa Vista, la ciudad para los ninõs y la inno-


vión tecnológica en la región Amazonas Septentrional

URBAN95: Boa Vista, the city for children and technologi-


cal innovation in Northern Amazonia

Graciete G. da Costa
Doutora em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pesquisa e
Pós-graduação da FAU/UNB (2011). Professora do Magistério Supe-
rior do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de
Roraima.
E-mail: graciete.costa@ufrr.br

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMO
O Estado de RORAIMA está ligado diretamente às Experiências de pesquisa
em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia, considerando a sua localização
geográfica estratégica, na área de tríplice fronteira entre o Brasil, Venezuela
e Guiana, no extremo Norte do País. O Programa URBAN95, em andamento,
trata de uma parceria entre a Universidade Federal de Roraima – UFRR, a
Cia Cultural Bola de Meia, a Prefeitura Municipal de Boa Vista, através do
Centro de Ciências Tecnologia e Inovação (CCTI), o Grupo Arnaiz &
Partners, e a Fundação Bernard Van Leer, para desenvolver “A Cidade para
as Crianças”, em Boa Vista-Roraima, Brasil. As Experiências de pesquisa em
Arquitetura e Urbanismo na Amazônia traz uma provocação ao programa,
que trabalha o meio urbano na perspectiva de uma criança de 95 cm, a altura
média de uma criança de 3 anos, aplicada em consonância com o projeto de
consultoria da Fundação Bernard Van Leer. O âmbito de formação do Centro
Tecnológico Territorial está aberto a todos os tipos de conhecimentos e qua-
lificações universitários e, portanto, não só inclui o conhecimento do territó-
rio como tal, mas também os processos de governança de uma política pú-
blica como um complemento básico ao desenvolvimento de uma cidade em
medida envolvem seus participantes em todo o ciclo de uma política pública,
da identificação do problema a avaliação da solução. Os processos de forma-
ção do C.T.T.I são contínuos, para que não terminem num período específico,
a sua formação, grupos de alunos e temas são desenvolvidos em ciclos de 6
meses cada. O primeiro ciclo no município de Boa Vista terá o tema Urban95
“A cidade para as Crianças” e foram disponibilizadas 50 vagas para univer-
sitários. As atividades do CTTI seguem um Plano de Trabalho organizado
em áreas, onde ao longo das 27 semanas os alunos da UFRR, ao mesmo
tempo em que aprendem conceitos, coletam dados em campo, processam
estes dados utilizando geotecnologias, discutem com seus grupos e desen-
volvem propostas reforçam seu aprendizado obtido na universidade em
aplicações práticas na cidade em que vivem. Esse artigo mostra as perspec-
tivas de melhoria da cidade a partir dos olhares de estudantes de diversas
áreas, usando como base informações territoriais que são coletadas em
campo e analisadas com um conjunto de tecnologias.

Palavras-chave: URBAN95; “A Cidade para as Crianças”; Inovação Tecnoló-


gica; Consultoria; Amazônia Setentrional.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMEN SUMMARY
El Estado de Roraima está conectado directamente
a las Experiencias de investigación en Arquitec- The State of Roraima is directly linked to the Expe-
tura y Urbanismo en la Amazonia, considerando riences of Research in Architecture and Urbanism
su ubicación geográfica estratégica, en el área de in the Amazon, considering its strategic geogra-
triple frontera entre Brasil, Venezuela y Guyana, phical location, in the triple border area between
en el extremo Norte del país. El Programa UR- Brazil, Venezuela and Guyana, in the extreme
BAN95, en marcha , se trata de una asociación en- north of the country. The URBAN Program95, in
tre la Universidad Federal de Roraima - UFRR, la progress , is a partnership between the Federal
Cia Cultural Bola de Meia, el Ayuntamiento Mu- University of Roraima - UFRR, the Bola de Meia
nicipal de Boa Vista, a través del Centro de Cien- Cultural Center, the City Hall of Boa Vista,
cias Tecnología e Innovación (CCTI), el Grupo Ar- through the Technology and Innovation Science
naiz & Partners, y la Fundación Bernard Van Leer, Center (CCTI), the Arnaiz & Partners Group, and
para desarrollar "La Ciudad para los niños", en the Bernard Foundation Van Leer, to develop "The
Boa Vista-Roraima, Brasil. Las experiencias de in- City for Children" in Boa Vista-Roraima, Brazil.
vestigación en Arquitectura y Urbanismo en la The Research Experiments in Architecture and Ur-
Amazonia traen una provocación al programa, banism in the Amazon brings a provocation to the
que trabaja el medio urbano en la perspectiva de program, which works the urban environment
un niño de 95 cm, la altura media de un niño de 3 from the perspective of a child of 95 cm, the ave-
años, aplicada en consonancia con el proyecto de rage height of a child of 3 years, applied in line
consultoría de la Fundación Bernard Van Leer. El with the Foundation's consulting project Bernard
ámbito de formación del Centro Tecnológico Ter- Van Leer. The scope of training of the Territorial
ritorial está abierto a todos los tipos de conocimi- Technological Center is open to all types of univer-
entos y cualificaciones universitarias y, por lo sity knowledge and qualifications and therefore
tanto, no sólo incluye el conocimiento del territorio not only includes knowledge of the territory as
como tal, sino también los procesos de gobernanza such but also the governance processes of a public
de una política pública como un complemento bá- policy as a basic complement to the development
sico al desarrollo de una ciudad a medida involu- of a city in measure involve its participants
cra a sus participantes en todo el ciclo de una polí- throughout the cycle of a public policy, from iden-
tica pública, de la identificación del problema a la tification of the problem to assessment of the solu-
evaluación de la solución. Los procesos de forma- tion. The C.T.T.I training processes are continuous,
ción del C.T.T.I son continuos, para que no termi- so that they do not finish in a specific period, their
nen en un período específico, su formación, gru- formation, groups of students and subjects are de-
pos de alumnos y temas se desarrollan en ciclos de veloped in cycles of 6 months each. The first cycle
6 meses cada uno. El primer ciclo en el municipio in the municipality of Boa Vista will have the
de Boa Vista tendrá el tema Urban95 "La ciudad theme Urban95 "The city for the Children" and 50
para los niños" y se dispondrán de 50 plazas para vacancies for university students were made avai-
universitarios. Las actividades del CTTI siguen un lable. The activities of the CTTI follow a Work Plan
Plan de Trabajo organizado en áreas, donde a lo organized in areas where during the 27 weeks the
largo de las 27 semanas los alumnos de la UFRR, UFRR students, while learning concepts, collect
al mismo tiempo que aprenden conceptos, recolec- data in the field, process this data using geo-
tan datos en campo, procesan estos datos utili- technologies, discuss with their groups and deve-
zando geotecnologías, discuten con sus grupos y lop proposals reinforce their university learning in
desarrollan propuestas refuerza su aprendizaje practical applications in the city in which they live.
obtenido en la universidad en aplicaciones prácti- This article shows the perspectives of improve-
cas en la ciudad en que viven. Este artículo mues- ment of the city from the looks of students of di-
tra las perspectivas de mejora de la ciudad a partir verse areas, based on territorial information that is
de las miradas de estudiantes de diversas áreas, collected in the field and analyzed with a set of
utilizando como base informaciones territoriales technologies.
que son recolectadas en campo y analizadas con Keywords: URBAN95; "The City for the Children";
un conjunto de tecnologías. Tecnologic innovation; Consulting; Northern
Palabras clave: URBAN95; "La Ciudad para los Amazonia.
niños"; Innovación tecnológica; consultoría; Ama-
zonia Septentrional.

159
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Introdução gias requer uma transferência de


conhecimento sobre como poten-
O Estado de Roraima é uma cializar o uso das ferramentas em
das 27 unidades federativas do prol de atingir a excelência no de-
Brasil. Está localizado na Amazô- senvolvimento, destes territórios,
nia Setentrional, no extremo a formação de jovens capazes de
norte do País, e faz fronteira com alcançar o seu uso generalizado.
a Venezuela e Guiana Inglesa. Nesse sentido, o objetivo desse
Tem parte do seu território locali- trabalho é apontar perspectivas
zado no planalto das Guianas. de melhoria da cidade de Boa
Roraima limita-se com a Venezu- Vista/RR a partir dos olhares de
ela, ao Norte e Noroeste; Guiana, estudantes de diversas áreas,
ao Leste; Pará, ao Sudeste; e Ama- usando como base informações
zonas, ao Sul e Oeste. A popula- territoriais que são coletadas em
ção do Brasil está em 208.494.900 campo e analisadas em um con-
habitantes no ano de 2018, de junto de tecnologias.
acordo com o Instituto Brasileiro
Figura 1. Mapa do Estado de Roraima, loca-
de Geografia e Estatística (IBGE). lização de Boa Vista.
A busca de informações sobre a
tríplice fronteira entre o Brasil,
Venezuela e Guiana, o cresci-
mento das cidades e as novas tec-
nologias disponíveis para os cida-
dãos impulsiona o poder público
para cada vez mais estar aptos e
prover formas de participação da
população na criação de territó-
rios mais inteligentes, onde haja
previsão de demandas da socie-
dade e planejamento das políticas
públicas mais ágeis e eficazes.
O acesso a essas novas tecnolo-

160
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)
Fonte: IPHAN. PROCESSO Nº 1504-T-02. Es- investe nos profissionais, logís-
tudo Histórico, Rio de Janeiro, 2011.
tica e conhecimento sobre a cons-
trução de cidades com foco na
Essas experiências, em anda-
primeira infância. Com mais de
mento, durante a formação uni-
50 anos de atuação, já investiu
versitária, além de ensinar novas
meio bilhão de dólares em todas
habilidades aos estudantes cria
as regiões do planeta. As parce-
um vínculo com a cidade na qual
rias da fundação já orientaram
eles estudam e/ou residem e faci-
políticas públicas em mais de 25
lita a compreensão do seu papel
países, levaram a inovações na
profissional na sociedade.
prestação de serviços e treina-
mento, amplamente adotados por
URBAN95: A cidade para as
governos e organizações sem fins
crianças
lucrativos, e geraram ideias revo-
lucionárias que mudaram a ma-
“A Cidade para as Crianças” neira como as partes interessadas,
desenvolvida no Centro Tecnoló- dos pais aos formuladores de po-
gico Territorial de Boa Vista é líticas, pensam sobre os primeiros
fruto da parceria das instituições anos de uma criança.
executoras: Instituto Arnaiz, pro- “A Cidade para as Crianças” –
vendo os métodos e materiais de que traz uma provocação aos par-
formação e condução do Centro ticipantes para pensarem o meio
Tecnológico Territorial. O Insti- urbano na perspectiva de uma
tuto sediado em Madrid na Espa- criança de 95 cm, a altura média
nha, faz parte do Grupo Arnaiz & de uma criança de 3 anos. Essa te-
Partners que há mais de 40 anos mática aplicada está em conso-
atua no desenvolvimento de cida- nância com o projeto Urban95 da
des em todo o mundo, nas áreas Fundação Bernard Van Leer.
de tecnologia, engenharia, arqui- A Cia Cultural Bola de Meia
tetura, fortalecimento de gover- intermedia a gestão do Centro
nança e desenvolvimento territo- Territorial Tecnológico e inter-
rial. venções em campo voltadas ao
A Fundação Bernard Van Leer engajamento de comunidades.
161
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Organização Social com mais de A Universidade Federal de Ro-


30 anos que se dedica a preserva- raima apoia o projeto, suas ati-
vidades, concedendo abertura
ção dos direitos da criança e do de seus espaços para convite
adolescente no Brasil, através de aos alunos, estabelecendo rela-
estratégias de envolvimento do ções institucionais concretas
cidadão por meio de sua cultura com o CTT por meios de con-
vênios, concessões de estágios
local. e cooperação técnica, além de
Prefeitura Municipal de Boa fomentar a geração de conte-
Vista possui o protagonismo na údo acadêmico como artigos e
implantação do CTT no municí- publicações acerca da contri-
buição do centro com a forma-
pio e infraestrutura de salas e ção acadêmica dos alunos.
computadores no Centro de Ciên-
cias, Tecnologia e Inovação A Urbimatica é uma empresa
(CCTI). A Prefeitura de Boa Vista privada sediada na Espanha, de-
desde 2013 tem sido destaque no senvolvedora e detentora dos di-
cenário mundial sobre as políti- reitos da Plataforma Urbithings
cas públicas de cuidados com a que concede ao CTT gratuidade
Primeira Infância, além buscar o sobre o uso do sistema como fer-
reconhecimento como a Capital ramenta de busca, armazena-
da Primeira Infância no Brasil. mento, colaboração e comparti-
O Centro Territorial Tecnoló- lhamento de informações territo-
gico é uma iniciativa colaborativa riais, além da expertise sobre uso
entre instituições executoras e de geotecnologias.
apoiadoras, sendo assim as cola-
borações são fundamentais para
seu sucesso. É de suma importân-
cia que Universidades, iniciativa
privada e população atuem em
prol das atividades do CTT, en-
tretanto algumas são chaves para
o sucesso deste projeto, a saber:

162
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)
Figura 2. Apresentação do Programa UR- e Inovação (CCTI), espaço onde
BAN95 no CCTI.
são realizadas atividades de for-
mação de base tecnológica no
município e tiveram no ano de
2018 a temática “A Cidade para
as Crianças”.
O Centro Territorial Tecnoló-
gico de Boa Vista é o primeiro no
Brasil, sua concepção e métodos
são baseados na experiência do
Instituto Arnaiz com projeto se-
melhante na Colômbia e de for-
Fonte: Graciete Guerra da Costa, 2018. mações de universitários na Es-
panha e México. Esse centro está
A Sociedade Civil participa aberto a todos os tipos de conhe-
nas oficinas de co-criação e nas cimentos e qualificações universi-
palestras abertas ao público para tários e, portanto, não só inclui o
que possam compreender os pas- conhecimento do território como
sos e seu papel na criação de uma tal, mas também o processo de
cidade para as crianças. governança de uma política pú-
blica como um complemento bá-
Inovação Tecnológica na sico ao desenvolvimento de uma
Amazônia Setentrional cidade, na medida em que en-
volve seus participantes em todo
De acordo com o Manual de o ciclo de uma política pública, da
Inovação, (2008), a Consultoria é identificação do problema a ava-
o assessoramento temporário, liação da solução.
prestado por pessoa física ou jurí-
dica com reconhecimento técnico
especializado.
Em Boa Vista as atividades do
C.T.T. estão sendo desenvolvidas
no Centro de Ciências Tecnologia
163
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)
Figura 3. Possibilidades de cruzamento de disponibilizadas 50 vagas para
informações urbanas.
universitários da UFRR.

Metodologia

Na maioria das disciplinas aca-


dêmicas voltadas para esse tipo
de pesquisa, as atividades de con-
sultoria enriquecem, apoiam e
melhoram a investigação, como
seria o caso de algumas discipli-
Figura 4. Alunos do Curso de Arquitetura da nas de engenharia, áreas ligadas
UFRR no URBAN95. às Ciências, etc. Mas, em outras
matérias acadêmicas, a consulto-
ria é percebida como uma ativi-
dade, que pode ser considerada
como uma atividade que desvia a
atenção de pesquisas acadêmicas
rigorosas. Isso pode ser verdade
em algumas disciplinas, mas
mesmo assim a pesquisa que é
feita em tais disciplinas tem seu
Fonte: Graciete Guerra da Costa, 2018.
valor pelo aspecto prático que
elas imprimem.
Os processos de formação do
Estão aptos a ingressar no Cen-
C.T.T. são contínuos, para que
tro Territorial Tecnológico todos
não terminem num período espe-
universitários regularmente ma-
cífico, a sua formação, grupos de
triculados em universidades sedi-
alunos e temas são desenvolvidos
adas no município de Boa Vista.
em ciclos de 6 meses cada. O pri-
Cada universidade a seu critério
meiro ciclo no município de Boa
poderá utilizar a carga horária do
Vista teve o tema Urban95 “A ci-
projeto como horas complemen-
dade para as Crianças” e foram

164
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

tares ou de estágio, conforme re- dades em campo e nas sextas fei-


gras próprias que serão validadas ras desejável participação nas ofi-
em comum acordo com todas as cinas de 3h. Ao todo foram dispo-
coordenadorias dos cursos. nibilizadas 50 vagas divididas em
4 grupos, sendo: A) 25 alunos, se-
Figura 5. Alunos do Curso de Arquitetura da gunda e quarta das 9h às 12h (ma-
UFRR no URBAN95.
nhã); B) 25 alunos, terça e quinta
das 14h às 17h (tarde); C) 25 alu-
nos, segunda e quarta das 14h às
17h (tarde); D) 25 alunos, terça e
quinta das 09h às 12h (manhã).
A equipe é heterogênea de par-
ticipantes, que exercem as mes-
mas atividades, mas com olhar de
suas profissões como por exem-
plo: os Economistas determinam
as características económicas dos
Figura 6. Arquitetos e alunos do Curso de
Arquitetura da UFRR no URBAN95. projetos em curso que estão de-
senvolvendo o Município e ava-
liar o investimento público na ci-
dade; os Engenheiros Civis ava-
liam a infraestrutura pública. Por
exemplo, estradas, estradas, es-
paço público.
Os Engenheiros industriais co-
nhecem empresas que executam
atividade comercial e industrial
Fonte: Graciete Guerra da Costa, 2018. no município; os Arquitetos estu-
dam a existência das construções
Os participantes dispuseram municipais e avaliam soluções de
de 06h semanais para o projeto, design urbano; a Propaganda e
divididas em 2 dias na semana de Marketing avalia a abordagem
3h cada para a formação e ativi- com a população.
165
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Administradores de empresas liza a capacidade tecnológica da


apoiam na estruturação do centro instituição, que pode reter e utili-
e sua sustentabilidade futura; os zar as informações coletadas no
Advogados estudam considera- URBAN95 para as atividades que
ções de propriedade, regulariza- favorecem o domínio de tecnolo-
ção fundiária e processos admi- gias e aquisição de novos conhe-
nistrativos internos; os Contado- cimentos na inovação continu-
res possuem conhecimento para ada.
avaliar oportunidades e impactos As atividades do CTT seguem
nos recursos. um Plano de Trabalho de Pes-
O Engenheiro Ambiental soma quisa organizado em áreas, onde
conhecimento dos valores ambi- ao longo de 27 semanas os alunos
entais no município; o Biólogo ao mesmo tempo que aprendem
ajuda nas propostas que exige conceitos, coletam dados em
processos de proteção ambiental campo, processam estes dados
equilíbrio ecológico; o Enge- utilizando geotecnologias, discu-
nheiro de Sistemas possui as fer- tem com seus grupos e desenvol-
ramentas de usar e apoiar outros vem propostas reforçam seu
profissionais de carregamento de aprendizado obtido na universi-
dados e posterior publicação. dade em aplicações práticas na ci-
O Geógrafo faz o trabalho mo- dade em que vivem.
nitorando as referências GEO que
são feitas e os limites poligonais. Figura 7. Andamento dos trabalhos no CCTI,
com alunos da UFRR.

Andamento da pesquisa

A pesquisa foi iniciada em ju-


lho de 2018 com os alunos do
Curso de Arquitetura e Urba-
nismo, Engenharia Civil e Geo-
grafia, da Universidade Federal
de Roraima – UFRR, e potencia-
Fonte: Graciete Guerra da Costa, 2018.

166
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Cada uma das 5 áreas, possui Conclusão


propósitos que irão direcionar os
olhares e senso crítico para o tema A interdisciplinaridade pre-
do CTT 2018, envolvendo a cons- sente no trabalho da tríplice fron-
trução de uma “Cidade para as teira entre o Brasil, Venezuela e
Crianças”, baseada na proposta Guiana, no extremo Norte do
URBAN95 da Fundação Bernard País, autorizou recorrer às diver-
Van Leer, sendo elas: Apresenta- sas áreas como: Relações Interna-
ção do Projeto; Formação Concei- cionais, História, à Geografia,
tual; Atividades Práticas; Ofici- Cartografia dos Limites, Geopolí-
nas de co-criação e Palestras de tica, Sociologia da conquista, reli-
temas complementares. gião e não somente à Arquitetura.
As atividades do CTT são de 27 A tríplice fronteira é marcada
semanas e 162h: 25% (40h) do por uma dualidade própria de
tempo para formação em: Tecno- uma zona híbrida de individuais
logias aplicadas às políticas pú- e coletivas, que atrai e repele, de
blicas; + bases conhecimento so- forças centrífugas e centrípetas,
bre estrutura de Gestão Munici- que se for mais bem observada
pal; + Profissões e sua influência naqueles pontos focais de intera-
sobre o desenvolvimento social e ção representam tanto os limites
econômico da cidade; + Uso dos do território brasileiro, quanto
dados aplicados a projetos; + Ur- uma porta para uma reterritoria-
ban95 – A Cidade para as Crian- lização internacional.
ças; 50% (80h) para atividades Em Boa Vista, o Centro Terri-
práticas de campo, em sala e uso torial Tecnológico continua a for-
de geotecnologias: 05% (8h) para necer conhecimentos aos univer-
análise da legislação aplicável; sitários regularmente matricula-
05% (8h) para análise compara- dos na Universidade Federal de
tiva de dados e boas práticas em Roraima. Cada curso da UFRR, a
outros municípios; 15% (24h) seu critério poderá utilizar a
para oficinas de co-criação; Pales- carga horária do projeto como ho-
tras e oficinas complementares - ras complementares ou de está-
abertas ao público. gio, conforme regras próprias que
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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

serão validadas em comum Figura 7. Trabalhos no CCTI.

acordo com todas as coordenado-


rias dos cursos.
Desde 2015, a população de
Boa Vista vem se intensificando,
com uma dinâmica mais com-
plexa e bem menos linear, já que
as pessoas tornaram pontos de sa-
ída e entrada com transborda-
mento de fatos negativos e vaza-
mento populacional da Venezu- Fonte: Graciete Guerra da Costa, 2018.
ela para o Brasil.
O mapeamento realizado pela O trabalho de construção dessa
Prefeitura de Boa Vista constata nova cultura de cidade depende
que 98% dos imigrantes da ci- de que maneira ele será condu-
dade são venezuelanos, e que de zido. Sob esse aspecto, a cidade
janeiro a maio de 2018 o número de Boa Vista nos apresenta origi-
de registros aumentou 55% em nalidade das mais potentes, pois
relação à 2017. esse projeto ainda precisa ser ma-
Proceder a um estudo envol- peado e estudado, para poder ser
vendo a construção de uma “Ci- realizado.
dade para as Crianças”, baseada O sucesso do investimento em
na proposta URBAN95 é introdu- Pesquisa via consultoria e consul-
zir uma nova cultura de olhar a toria via pesquisa depende de
cidade sob outro ângulo, em um uma boa gestão da coordenação
mundo acostumado a práticas dos Cursos. A gestão eficiente
imediatistas e destrutivas, du- contribui para a minimização dos
rante anos testemunhados. riscos e adequação dos resultados
aos objetivos.

168
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Referências

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169
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

170
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Áreas de Preservação Permanente Urbanas na


região Norte: um grande parque linear nas
margens da Lagoa dos Índios

Áreas de Preservatión Permanente Urbanas en la región Norte:


un gran parque linear en los margenes de la Laguna de los Índios

Urban Permanent Preservation Areas in the North: a large li-


near park on the shores of the Lagoa dos Índios

José M. M. Medeiros
Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (2016). Pro-
fessora efetivo da Universidade Federal do Tocantins.
E-mail: medeirosjose@gmail.com

Brenda B. Uliana
Graduada pelo curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do
Amapá (2019).
E-mail: uliana.brenda.b@gmail.com

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMO

As áreas de várzea, conhecidas como “ressacas”, são áreas de preservação


permanente marcantes na paisagem periurbana da cidade de Macapá, capi-
tal do Amapá. Essas áreas vêm sendo ocupadas de forma acelerada e espon-
tânea, devido à falta de planejamento urbano. Os projetos de parques linea-
res ao longo de cursos d’água podem ajudar na recuperação das margens,
trazer benefícios ecológicos, além de servir como uma opção de lazer para a
população. Um trecho da Lagoa dos Índios, objeto deste estudo, foi recente-
mente aterrado para a ampliação da Rodovia Duca Serra, o que levou ao Mi-
nistério Público do Amapá mover uma ação contra o governo do estado, por
meio de um Termo de Ajustamento de Conduta que visa a criação do “Par-
que Urbano da Lagoa dos Índios”. Objetiva-se investigar os conflitos da fu-
tura implantação de um parque linear nas margens da Lagoa dos Índios. A
metodologia utilizada consiste em visitas de campo, revisão bibliográfica so-
bre planejamento de parques lineares, diagnóstico, mapas temáticos, entre
outros. As medidas estão sendo tomadas lentamente pelo poder público,
mas para que haja a recuperação do bioma das áreas alagadas é necessário
um projeto paisagístico que ajude a conter essas ameaças e esteja adequado
às características socioambientais amazônicas.

Palavras-chave: Parques lineares; Região Norte do Brasil; Paisagismo ecoló-


gico; Áreas de preservação permanente, Lagoa dos Índios, Parques Urbanos.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

RESUMEN SUMMARY
Las áreas de várzea, conocidas como "resacas", son The várzea areas, known as "hangovers", are per-
áreas de preservación permanente marcadas en el manent permanent preservation areas in the peri-
paisaje periurbana de la ciudad de Macapá, capital urban landscape of the city of Macapá, capital of
de Amapá. Estas áreas están siendo ocupadas de Amapá. These areas have been occupied in an ac-
forma acelerada y espontánea, debido a la falta de celerated and spontaneous way, due to the lack of
planificación urbana. Los proyectos de parques li- urban planning. Line parks projects along water-
neales a lo largo de cursos de agua pueden ayudar courses can help restore banks, provide ecological
en la recuperación de los márgenes, traer benefi- benefits, and serve as a leisure option for the po-
cios ecológicos, además de servir como una opción pulation. A section of the Lagoa dos Índios, the ob-
de ocio para la población. Un trecho de la Laguna ject of this study, was recently landed for the ex-
de los Indios, objeto de este estudio, fue reciente- pansion of the Duca Serra Highway, which led the
mente aterrizado para la ampliación de la Ruta Amapá Public Prosecutor's Office to file a lawsuit
Duca Serra, lo que llevó al Ministerio Público de against the state government, through a Term of
Amapá a moverse una acción contra el gobierno Conduct Adjustment the creation of the "Urban
del estado, por medio de un Término de Ajuste de Park of the Lagoon of the Indians". The objective is
Conducta que busca la creación del "Parque Ur- to investigate the conflicts of the future implanta-
bano de la Laguna de los Indios". Se pretende in- tion of a linear park on the banks of the Lagoa dos
vestigar los conflictos de la futura implantación de Índios. The methodology used consists of field vi-
un parque lineal en las márgenes de la Laguna de sits, bibliographic review on planning of linear
los Indios. La metodología utilizada consiste en vi- parks, diagnosis, thematic maps, among others.
sitas de campo, revisión bibliográfica sobre plani- Measures are being taken slowly by the govern-
ficación de parques lineales, diagnóstico, mapas ment, but for the recovery of the biome of flooded
temáticos, entre otros. Las medidas están siendo areas requires a landscape project that helps to
tomadas lentamente por el poder público, pero contain these threats and is appropriate to the so-
para que haya la recuperación del bioma de las cio-environmental characteristics of the Amazon.
áreas inundadas es necesario un proyecto paisajís-
tico que ayude a contener esas amenazas y esté Keywords: Linear parks; Northern Region of Bra-
adecuado a las características socioambientales zil; Ecological landscaping; Areas of permanent
amazónicas. preservation, Lagoa dos Índios, Urban Parks.

Palabras clave: Parques lineales; Región Norte de


Brasil; Paisajismo ecológico; Áreas de preser-
vación permanente, Lagoa de los Indios, Parques
Urbanos.

173
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Introdução longo de rios, foram estudadas e


postas em prática.
Durante meados do século XX, Os projetos de parques linea-
muitos rios urbanos foram retifi- res ao longo de cursos d’água po-
cados e canalizados. As margens dem ajudar na recuperação das
eram drenadas e planificadas, margens que foram retificadas ou
para o aproveitamento dos solos alteradas de alguma forma, e,
para a expansão urbana, assim além dos benefícios ecológicos,
como o plantio. Com a perda das também trazem muitos benefícios
matas ripárias, as vazões naturais para a recreação da população.
foram alteradas, e as águas passa- No entanto, eles geralmente ne-
ram a escoar com maior veloci- cessitam de grandes áreas verdes
dade, aumentando os riscos de e investimentos, porém sua im-
erosão e inundações, trazendo plantação é simples, sendo práti-
grandes prejuízos para os ecossis- cas possíveis de serem realizadas
temas. No entanto, verifica-se mesmas com as restrições exis-
que, sobretudo em nosso país, a tentes no meio urbano.
temática de integração dos aspec- No entanto, verifica-se que, no
tos socioculturais e biofísicos re- Brasil, poucos são os projetos de
lativos às orlas urbanas ainda é recuperação de rios urbanos que
pouco abordada, mesmo nas ini- têm sido criados com a abrangên-
ciativas do poder público. cia dos exemplos internacionais.
É somente a partir da metade Existe uma grande dificuldade na
do século XX, no entanto, que implantação das propostas no
surgiram teorias, paradigmas e contexto nacional. Na maioria
conceitos, ainda vagos, sobre das vezes, os planos são implan-
uma relação homem–natureza tados apenas parcialmente, de-
que respeitava o meio ambiente. vido à falta de investimentos e à
Mas é principalmente a partir das falta de vontade política.
décadas 1980 que várias metodo- É grande o número de áreas de
logias e modelagens de espaços várzea situadas nas zonas urba-
livres, sobretudo aqueles ao nas e periurbanas da cidade de
Macapá, capital do Amapá, co-
174
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

nhecidas como “ressacas”. Estas econômicas.


áreas vêm sendo ocupadas de
forma acelerada e desordenada, “Os parques lineares estão se
tornando ferramentas impor-
devido à falta de planejamento
tantes para o planejamento de
urbano. Conforme Medeiros espaços livres urbanos e cria-
(2016), os projetos de parques li- ção de políticas públicas volta-
neares ao longo de cursos d’água das à busca de uma melhor
qualidade de vida para a po-
podem ajudar na recuperação das
pulação”. (MEDEIROS, 2016,
margens que foram retificadas ou p.68)
alteradas de alguma forma, e,
além dos benefícios ecológicos, No momento contemporâneo,
também trazem muitos benefícios existe no planejamento, ativa
para a recreação da população. prerrogativa de recuperação e
A criação de uma legislação preservação ambiental com enfo-
ambiental no contexto brasileiro, que nos recursos hídricos e nos
como a criação das Áreas de Pre- corredores verdes, demons-
servação Permanente e seu apro- trando que há uma contínua pre-
veitamento no estudo de um fu- ocupação e inserção das questões
turo projeto para a Lagoados ín- ambientais na criação de espaços
dios, na zona oeste de Macapá, foi livres mais equilibrados.
inspirada em muitos conceitos Morfologicamente, portanto,
advindos da metodologia de im- os parques lineares caracteri-
plantação de parques lineares. A
zam-se pela pequena dimen-
característica principal dos par-
são no sentido da largura em
ques lineares, segundo Ahern
relação ao seu comprimento.
(1995), é a sua linearidade e que a
rede formada pelos seus cami- Segundo Macedo (2012), a fi-
nhos deve criar vínculos e cone- nalidade de um parque linear
xões espaciais em várias escalas. está sempre centrada no apro-
Também são espaços predomi- veitamento formal e conserva-
nantemente multifuncionais e ção de um corpo d’água ou de
que os objetivos devem levar em remanescentes de matas nati-
conta as questões ambientais e vas, sendo que esses elementos
175
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

sempre balizam morfologica- do seu tempo. No entanto, para o


mente o logradouro. desenho do sistema de parques
de Boston, ele também endereçou
Abordagem conceitual de par- problemas de drenagem e quali-
ques lineares dade da água. O “Emerald Nec-
klace” tornou-se um dos projetos
mais famosos de Olmsted, na
Em termos teóricos, há uma
qual as soluções ambientais e as
clara tendência à utilização da
necessidades de lazer e descanso
Ecologia da Paisagem em proje-
da população foram relacionadas
tos de parques lineares. Do ponto
em uma solução única.
de vista histórico, há clara proxi-
Como referencial para se en-
midade de criação de caminhos
tender as principais diretrizes
ao longo de rios, propostas já uti-
para o planejamento de parques
lizadas empiricamente por Frede-
lineares, tomaremos como refe-
rick Law Olmsted. Este projetista
rência os estudos da Ecologia da
introduziu o conceito de parks-
Paisagem, dentre os quais, princi-
ways em 1865, conceituando-os
palmente conceitos o conceito de
como caminhos que ligam par-
“corredor” (Forman e Godron,
ques e espaços abertos entre si e
1986; Forman, 1995) e dos “corre-
com suas vizinhanças. Seus ideais
dores verdes” (Smith e
visionários foram empregados
Hellmund, 1993; Ahern, 1995; Fá-
com sucesso no final dos anos
bos,1995, 2004).
1860 no Sistema de Parques para
Na década de 90, Forman
Boston, que ficou conhecido
(1983, 1995) ilustrou as principais
como “Boston’s Emerald Nec-
funções ecológicas desempenha-
klace”, o “Colar de Esmeralda de
das pelos corredores: habitat, co-
Boston”, de aproximadamente
nectividade, filtro ou barreira,
7,2 km de extensão.
fonte e depósito. Os corredores,
Olmsted enfatizava preocupa-
para esse autor, também são im-
ções sociais e estéticas na maioria
portantes na proteção da biodi-
dos seus trabalhos porque eram
versidade, no gerenciamento de
as necessidades mais importantes
recursos hídricos, como melhora
176
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

da qualidade da água e controle lidade da cidade de forma fracio-


de cheias, no aumento da produ- nada e adequada” (BROCANELI,
tividade agroflorestal, na recrea- 2007, p.225).
ção, na coesão cultural e de comu- Várias metodologias têm sido
nidades e na diversificação de ro- desenvolvidas para conceber cor-
tas para espécies isoladas em re- redores verdes eficazes. Sensoria-
servas. mento remoto, Sistema de Infor-
Conforme Giordano (2000), na mação Geográfica (SIG) e quanti-
literatura internacional, o con- ficação da fauna, flora, ambiente
ceito de parques lineares está físico e perturbação antrópica são
muito ligado ao conceito de cor- amplamente utilizados em análi-
redores verdes, ou seja, um termo ses baseadas em realizações de
que está imbuído de conceitos da mapas temáticos. As pesquisas
Ecologia da Paisagem. No livro envolvendo a análise ambiental
Greenways: a guide to planning, de uma área de estudo, em que
design, and development (1993), são identificados vários condicio-
Flink e Searns (1993) conceituam nantes e realizados uma sobrepo-
corredores verdes como espaços sição de informações, ficaram co-
livres lineares que preservam e nhecidos como “Métodos de
restauram a natureza em cidades, Apropriação da Paisagem”
subúrbios e áreas rurais, pro- (Landscape Suitability Appro-
vando ser o conceito mais inova- ach) e têm forte tradição com pla-
dor de proteção do solo nesta dé- nejamento ambiental (McHarg,
cada. 1969; Steinitz, Parker e Jor-
Para que os corredores verdes dan,1976; Smith e Hellmund,
cumpram melhor suas funções 1993; Searns, 1995; Giordano e
ecológicas, devem, preferencial- Riedel, 2006; M’Ikiugu, Kinoshita
mente, acompanhar os cursos e Tashiro, 2012, entre outros).
d’água, pois assim auxiliarão no Um dos primeiros estudiosos a
trânsito de espécies silvestres, as- conceituar os corredores verdes
sim como no equilíbrio do ciclo foi Ahern (1995), na metade da
hidrológico, “contribuindo inclu- década de 90. Ele faz uma contri-
sive para o controle da permeabi- buição importante, na medida em
177
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

que suas definições se adequam ços livres públicos, ou ao menos à


ao planejamento de parques line- criação de estoques de terras para
ares urbanos. A característica a criação de futuros parques.
principal desses espaços, se- Conforme Macedo (2012):
gundo Ahern, é a sua linearidade
e que a rede formada pelos seus Os parques lineares, típicos
dos anos 2000, caracterizam-se
caminhos deve criar vínculos e
pelo apelo conservacionista
conexões espaciais em várias es- dos seus princípios geradores,
calas. Também são espaços pre- que condicionam a sua exis-
dominantemente multifuncionais tência, a princípio, à proteção
de corpos d’água, em especial
e que os objetivos devem levar
pequenos rios e riachos (MA-
em conta as questões ambientais CEDO, 2012, p. 164).
e econômicas.
Morfologicamente, portanto, Existem várias metodologias
os parques lineares caracterizam- de planejamento de parques line-
se pela pequena dimensão no ares, que dependem de diferentes
sentido da largura em relação ao fatores. Segundo Flink e Searns
seu comprimento. Segundo Ma- (1993), existem dois fatores-chave
cedo (2012), a finalidade de um para o início de qualquer plano:
parque linear está sempre cen- uma completa investigação da
trada no aproveitamento formal e área onde será implantado o par-
conservação de um corpo d’água que linear e o futuro envolvi-
ou de remanescentes de matas mento com o público.
nativas, sendo que esses elemen- Eles sugerem um processo de
tos sempre balizam morfologica- planejamento de parques lineares
mente o logradouro. Sua configu- composto por três fases princi-
ração espacial estende-se pelo pais: inventário e análise (levan-
equivalente a muitas quadras e tamento dos recursos naturais e
corta áreas significativas do te- culturais do corredor), prepara-
cido urbano. Ainda segundo esse ção do plano conceitual (defini-
autor, eles tornaram-se comuns ção de metas, objetivos e pro-
recentemente no Brasil, levando grama de ações recomendadas) e
ao surgimento de inúmeros espa- preparação do plano final (docu-
178
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

mento especificando e alocando deve ser escolhida e apresen-


todas as modificações propostas tada, contendo sua localização
exata, medidas de proteção e
para a área, com detalhada esti- conservação dos recursos na-
mativa de custos). Segundo Gior- turais, forma de acesso e infra-
dano e Riedel (2006): estruturas disponíveis, especi-
ficações de manejo, estimativa
de custos de implantação e es-
As informações reunidas na
tratégias de desenvolvimento
fase de inventário devem ser
(GIORDANO E RIEDEL, 2006,
reorganizadas conforme a téc-
p.141).
nica de sobreposição de ma-
pas, proposta por McHarg,
subsidiando, assim, a segunda Conclui-se que o desenvolvi-
fase do processo de planeja- mento tecnológico e a utilização
mento, a de preparação do de técnicas computacionais avan-
plano conceitual. Nessa fase,
çadas em constante evolução re-
são definidos os objetivos (GI-
ORDANO E RIEDEL, 2006, velam-se de grande interesse
p.141). para a investigação e a elaboração
de estudos de análise da paisa-
Giordano e Riedel (2006) en- gem. O refinamento e a continua-
tram no detalhamento do plane- ção de pesquisas sobre esse tema
jamento dos parques lineares, de- podem ajudar projetistas e enti-
talhando as várias metodologias dades governamentais locais a
e as várias etapas desde o plano criar espaços ambientalmente
conceitual até a concepção do equilibrados em suas comunida-
projeto executivo. des.

Os planos conceituais normal-


mente são apresentados de Parques lineares da região
forma gráfica ou dissertativa e Norte
devem apresentar alternativas
de desenvolvimento, conside-
rando as vantagens e desvan- A implantação de parques li-
tagens de cada uma. Na fase neares ainda é pouco difundida
de preparação do plano final, no Brasil, por isso foi elaborado
uma das formas de desenvol-
pelos autores, através de uma
vimento para o parque linear
pesquisa de iniciação científica da

179
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Universidade Federal do Amapá, Figura 1 e Figura 2. Imagem de satélite e en-


trada do Parque do Mindu.
em 2017, um “glossário de par-
ques lineares” das diversas regi-
ões do Brasil. Segundo Macedo
(2012), as capitais da região Norte
iniciam o século XXI aprovei-
tando paisagisticamente os tre-
chos de suas extensas orlas fluvi-
ais, que eram antes ocupadas por
casario e instalações portuárias,
de acesso bastante difícil ao cida-
dão.
Na cidade de Manaus, em
2007, a Secretaria de Meio Ambi-
ente municipal decidiu instalar
um parque linear ao longo do Iga-
rapé do Mindu (figura 1 e 2) com
caráter de corredor ecológico,
tendo que promover um trabalho
de remoção de muitas famílias Fonte: disponível em <http://melhorespon-
que lançavam dejetos domésticos tosturisticos.com.br/parque-municipal-
mindu-manaus-ponto-turistico-de-ma-
no rio. naus/>. Acessado em 26/02/2019.

Já no estado do Pará, foram


traçados calçadões associados a
praias fluviais: Orla do Mos-
queiro (2003), Orla do Outeiro
(2005) e Orla do Icoaraci (2003-
2004). Porém os melhores exem-
plos, no entanto, estão em Belém,
cidade da qual durante duas ges-
tões consecutivas foram implan-
tadas diversas propostas paisa-
180
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

gísticas ao longo da orla da baía


de Guajará, tanto pelo governo
estadual quanto pela municipali-
dade. Esses projetos foram imple-
mentados junto à área central e
cujo objetivo foi integrar a cidade
com o rio, visto que ela se encon-
trava isolada das águas por uma
barreira deconstruções. O parque
Mangal das Garças, de autoria de Fonte: Google Maps, 2019. Acervo dos auto-
Rosa Kliass, tem o caráter de par- res, 2018.

que temático, sendo um parque


urbano de forte apelo cenográfico No estado do Acre, o Parque
e turístico, com seus viveiros e da Maternidade nas margens do
fontes (Fig. 3 e 4). igarapé da Maternidade (2002)
cruza toda a cidade de Rio
Figura 3 e Figura 4. Mirante e Vista aérea do Branco, é um projeto de coorde-
Parque Zoobotânico Mangal das Garças. nação dos arquitetos Alejandra
Devecchi e Eliane Guedes. O par-
que foi criado para evitar enchen-
tes, conservar as águas e vegeta-
ção por meio de um corredor
verde para proporcionar lazer e
qualidade social do espaço pú-
blico da cidade (Fig. 5 e 6).
Após a requalificação paisagís-
tica com áreas verdes, calçadas e
ciclovias, o espaço se tornou um
lugar de convivência e atração de
pessoas e valorizou o entorno,
sendo um destino também de
compras e lazer (MEDEIROS,
2016). O projeto do parque possui

181
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

caráter de corredor ecológico, Anauá.

tendo que promover um trabalho


de remoção de muitas famílias
que lançavam dejetos domésticos
no rio (Fig. 5 e 6).

Figura 5 e 6. Imagem de satélite e caminhos


do Parque linear da Maternidade.

Fonte: Google Maps, 2019 e<https://br.pin-


terest.com/pin/342273640405677095/>
Acessado em 24/02/19.

No extremo norte do país, no


estado de Roraima, o parque
Anauá, em Boa Vista, é conside-
rado o maior parque urbano da
Fonte: Google Maps, 2019 e <https://www.
flickr.com/photos/vandimylen/44692910 região Norte, criado em 1983,
70/> Acessado em 24/02/19.
concentra diversas atividades
culturais, de esporte, lazer, con-
templação da natureza e entre ou-
tros (Fig. 7 e 8). Este parque ajuda
a conservar as margens do Lago
Figura 7 e 8. Vista aérea e Barracão do Parque

182
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

dos Americanos e contém resquí- Figura 9 e 10: Parque dos Povos Indígenas e
Pista de skate.
cios do bioma de savana, também
conhecido como “lavrado”, sen-
do de fundamental importância
diante das ameaças de expansão
urbana e do agronegócio.
O Parque dos Povos Indígenas
é o primeiro parque linear do es-
tado de Tocantins (Fig. 9 e 10). Foi
inaugurada a primeira de oito
etapas do projeto em agosto de
2017, quando concluído, possuirá
17 km de extensão. O local funci-
ona como um corredor ecológico
e detém equipamentos de es-
porte, lazer e educação ambien-
tal, além de valorizar a cultura lo-
cal das etnias indígenas do To-
cantins. Vale ressaltar que foram
Fonte: disponível em GoogleMaps, acesso
construídos túneis para passa-
em fevereiro de 2019.
gem de animais para conectar
com outros corredores verdes dos A maioria dos parques apre-
futuros parques lineares. sentados na Região Norte foram
implantados a partir dos anos
2000 com objetivos semelhantes
em atender demandas de preser-
vação ambiental e de espaços pú-
blicos para a população. No en-
tanto, verifica-se que sob um
ponto de vista regional poucas
são as políticas públicas que abar-
cam os projetos de recuperação

183
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

de rios urbanos de forma abran- lise das APP’s na região amazô-


gente. Existe uma grande dificul- nica.
dade na implantação das propos-
tas nas prefeituras. Na maioria Áreas de preservação perma-
das vezes, os planos quando são nente na Amazônia
implantados, são efetivados ape-
nas parcialmente, devido à falta Conforme Medeiros (2016),
de investimentos e à falta de von- uma das principais críticas dos
tade política. ruralistas ao Código Florestal
O parque Mangal das Garças, brasileiro é a sua falta de embasa-
em Belém, tem um modelo de mento científico para a definição
gestão diferente dos demais, pelo das metragens das faixas de
fato de ser mantido por iniciativa APPs. Porém, os ambientalistas
privada, ter o acesso controlado afirmam que se forem realizados
além de atrações pagas. A cidade estudos nesse sentido, a metra-
de Macapá, apesar de ser cortada gem mínima a ser protegida para
por vários canais urbanos, não se garantir a preservação da bio-
possui um parque linear. A ci- diversidade seria muito superior
dade é banhada pelo rio Amazo- às atuais vigentes na lei. Metzger
nas, possui extensas áreas alaga- (2010), por exemplo, alerta para o
das, e um grande potencial para fato de que apesar de não haver
implantação de parques lineares base científica para definir as lar-
nas Áreas de Preservação Perma- guras das APPs, em muitos casos
nente de seus córregos e canais. estas deveriam ser muito maiores
A criação de uma legislação do que as estipuladas na lei. O
ambiental no contexto brasileiro, pesquisador se questiona se essa
como a criação das Áreas de Pre- largura não deveria variar com a
servação Permanente e seu apro- topografia da margem, com o
veitamento no diagnóstico da La- tipo de solo, com o tipo de vege-
goa dos Índios em Macapá, foi tação, ou com o clima e em parti-
inspirada em muitos conceitos cular com a pluviosidade local.
apresentados neste capítulo. No É importante ressaltar que o
próximo item será feito uma aná-
184
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

conhecimento dos processos eco- nimo (vazante) pode variar em


lógicos atuantes nas zonas ripá- até 20 metros.
rias ainda é muito limitado. Con- Na versão anterior do Código
forme Lima (1996), os estudos das Florestal a demarcação era feita a
larguras de faixas de proteção ao partir do leito mais alto do rio.
longo de margens de cursos Essa modificação da Lei, con-
d’água não são conclusivos. Para forme Laurindo e Gaio (2014) re-
esse autor: presenta um grave prejuízo ambi-
ental, pois implica em redução
“Os limites da zona ripária, do das dimensões das APPs, desres-
ponto de vista geomorfoló-
peitando o princípio da proibição
gico, não são facilmente deli-
mitados; podem variar bas- de retrocesso ambiental adotado
tante ao longo da microbacia e, pela Constituição de 1988. Con-
principalmente, entre diferen- forme estes autores:
tes microbacias, em função das
diferenças de clima, geologia e
solos [...] Não existe ainda ne- “A diminuição do referido es-
nhum método definitivo para paço ambiental protegido não
o estabelecimento da largura se baseou em estudos técnicos
mínima da faixa ripária que e científicos, o que demonstra
possibilite uma proteção satis- a ausência de justificação cons-
fatória do curso d’água” titucional para o referidame-
(LIMA, 1996, p.312). dida, por consequência, não se
pode aqui invocar a aplicação
dos princípios constitucionais
De acordo com o atual Código
da razoabilidade e proporcio-
Florestal (Lei nº 12.651/12, art. 4°, nalidade” (LAURINDO E
I) as áreas de Preservação Perma- GAIO, 2014, p.08).
nente devem ser demarcadas a
partir do leito regular do corpo Na Amazônia as várzeas e
d’água. Entretanto, esse conceito áreas úmidas desempenham um
de regularidade de leito de rios papel ecológico fundamental no
não é aplicável para Amazônia, equilíbrio ecossistêmico local,
onde existem variações diárias e além de proporcionar bens e ser-
sazonais. A amplitude entre os ní- viços para o homem. Particular-
veis máximo (pico de cheia) e mí- mente no estado do Amapá, é

185
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

grande o número de áreas de vár- dos (Fig. 11). O Igarapé da Forta-


zea situadas nas zonas urbanas e leza (principal curso d'água que
periurbanas das cidades de Ma- liga às principais ressacas de Ma-
capá e Santana. Estas áreas vêm capá e Santana) e a Lagoa dos Ín-
sendo ocupadas progressiva- dios possuem um significativo
mente, devido à falta de planeja- grau de degradação ambiental,
mento urbano e de políticas pú- onde a retirada das matas ciliares,
blicas adequadas para o produtor erosão das margens, assorea-
rural, agravado pelos altos índi- mento intensivo e urbanização
ces migratórios de pessoas oriun- desordenada, trazem reflexos ne-
das de outros estados da Federa- gativos para a qualidade da água.
ção brasileira. Apesar dos assentamentos in-
formais em áreas de APP compre-
Figura 11. Pressão urbana sobre áreas alaga- enderem a principal tensão entre
das em Macapá, AP – Lagoa dos Índios.
as agendas ambiental e urbana, é
preciso reconhecer que os pobres
não são os únicos atores (Mari-
cato, 1996). A omissão do poder
público e a ganância de proprie-
tários fundiários e imobiliários
também são responsáveis pelas
Fonte: disponível em <www.uz7spot- ocupações em APPs.
ting.com.br>. Acesso em janeiro de 2017. Como afirma Romero (2001)
uma consequência da expansão
As áreas úmidas de Macapá e urbana no Brasil tem sido a redu-
Santana, cidades tipicamente ção de áreas com vegetação na-
amazônicas, sofrem intensa ocu- tiva devido às intervenções que
pação urbana, apresentando ex- desconsideram completamente
pressiva deterioração da quali- os elementos naturais da paisa-
dade ambiental, devido, princi- gem. A prática da construção
palmente, ao lançamento direto concretiza-se sem considerar os
nos corpos d'água de dejetos e impactos que provocam no meio
efluentes domésticos não trata- ambiente, repercutindo não so-
186
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

mente no desequilíbrio do meio, foram tombadas como patrimô-


como também no conforto e na nio natural (Lei n. 0455/1999 re-
salubridade da população ur- vogada pela Lei n. 835/2004) e
bana. passaram a ser proibidas instala-
ções de atividades poluidoras,
Diagnóstico da lagoa dos ín- usos do solo que intensificassem
dios – Macapá processos erosivos e atividades
lesivas à biodiversidade. Além do
O setor costeiro estuarino ou mais, o Plano Diretor de Macapá-
amazônico do Amapá é banhado AP, Lei Municipal nº 029/2004,
pelas águas do rio Amazonas e se reconheceu as áreas de ressacas
caracteriza por possuir planícies como patrimônio ambiental mu-
fluviais inundáveis denominadas nicipal e determinou várias ações
localmente como "ressacas". A de uso e conservação.
ressaca da Lagoa dos Índios é um Ao longo do tempo as inter-
ecossistema rico e biodiverso, venções na Lagoa dos Índios, pas-
drenado por água doce, ligada ao saram de quase imperceptíveis a
curso principal d'água, o Igarapé degradadoras, devido às ativida-
da Fortaleza, e influenciada forte- des relacionadas com a expansão
mente pela pluviosidade. urbana desordenada, intensifica-
O processo de ocupação das das nas décadas de 1980 e 1990
áreas de ressaca na cidade de Ma- ocasionando diversos conflitos
capá teve início por volta da dé- socioambientais (VARGAS e
cada de 1950. No entanto, é a par- BASTOS, 2013).
tir da segunda metade da década Em decorrência dos impactos
de 1980 que este processo de ocu- antrópicos em ressacas de Ma-
pação se intensificou, fazendo capá e Santana, no início da dé-
com que a alteração na estrutura cada de 2000 foram realizados os
dessas áreas acontecesse de primeiros estudos específicos
forma cada vez mais acelerada para a caracterização e diagnós-
(Portilho, 2010). tico dessas áreas (TAKIYAMA,
Desde 1999 as áreas de ressaca 2004; TAKIYAMA, 2012). Os di-
agnósticos apontaram que as
187
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

principais atividades que causam entretanto, esses documentos


impactos ambientais nessas áreas pouco foram efetivados, sendo
são: ocupação desordenada do cada vez mais difícil investir em
solo, queimadas intencionais, políticas públicas para remanejar
descarte inadequado de resíduos pessoas dessas áreas. A imple-
e pastagem para os búfalos. Ou- mentação do Decreto (PZEE-AP)
tras atividades comuns nas áreas é exemplo dessa dificuldade de
de ressaca são: a extração de ar- efetivação, como apresentado por
gila para olarias, a caça e a pesca Takiyama et. al:
de subsistência, a piscicultura, a
navegação, a extração vegetal e a Em 2009, já com muito atraso,
iniciaram-se as atividades de
recreação.
execução do pojeto do ZONE-
O primeiro instrumento legal AMENTO ECOLÓGICO-
de preservação das ressacas foi o ECONÔMICO URBANO DAS
Decreto 4297/2002, que delimita ÁREAS DE RESSACAS DE
MACAPÁ E SANTANA, ES-
o Zoneamento Ecológico Econô-
TADO DO AMAPÁ pelo
mico do Estado do Amapá IEPA, financiado pelo Ministé-
(PZEE-AP). A partir de 2004, rio Público do Estado do
quando entra em vigor um novo Amapá;(...) Já se passaram vá-
rios anos desde o sancionar da
plano diretor de Macapá, houve
Lei Estadual 835/2004 e das
diversos avanços na elaboração Leis que instituem os Planos
de legislação voltada para a pro- Diretores de Macapá e Santana
teção das áreas verdes. Entre di- e muito pouco se avançou nas
ações de proteção das ressacas
versas leis criadas, a mais recente
de Macapá e Santana (TAKI-
é a Lei complementar 030/2004 YAMA ET AL., 2012, p.81).
que prevê projeto de parcela-
mento para áreas verdes, do qual Em relação à Lagoa dos Índios,
as ressacas fazem parte (Thomaz, Bastos (2006), destaca que as ati-
Santos e Ferreira, 2017). vidades executadas no entorno
Percebe-se um grande avanço desta vêm ocasionando seu asso-
na elaboração de critérios para or- reamento e alterando a morfolo-
denar o uso das ressacas e seus gia de drenagens. Essa autora ve-
instrumentos legais de proteção, rificou o descarte de efluentes lí-
188
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

quidos e detritos domésticos pro- Figura 12 e 13. Localização da área de estudo


e Uso do solo na Lagoa dos Índios.
duzidos pela presença de ativida-
des de órgãos públicos e das ha-
bitações. Essa prática está relacio-
nada à falta de monitoramento e
fiscalização pelos órgãos ambien-
tais, mas, sobretudo, pela ausên-
cia de infraestrutura urbana do
município que não oferece servi-
ços de saneamento básico (Bastos,
2006).
No entorno da área de ressaca
da Lagoa dos Índios observou-se
significativas modificações na
ocupação do solo. De acordo com
a Lei de Uso e Ocupação do Solo
do Município de Macapá (Lei nº
029/2004) essa área era prevista
como Setor Residencial. Em 2009,
essa área não possuía edificações,
mas ao longo do tempo passou a
ser ocupada em decorrência da
expansão urbana, que ocorreu de Fonte: Adaptado de Araújo, 2015.
forma horizontal e desordenada.
As análises da imagem de satélite Percebe-se na figura 13, na
demonstram que a região passou zona tracejada, a ocupação do
por um processo de desmata- bairro Marabaixo IV que se for-
mento da vegetação nativa dando mou nos últimos anos. O fator da
lugar ao bairro conhecido popu- maior facilidade de acesso à zona
larmente como "Marabaixo IV", leste pela rodovia Duca Serra in-
uma expansão do bairro Mara- duziu a expansão e ocupação sem
baixo (Fig. 13). o planejamento na área da Lagoa

189
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

dos Índios, e que ainda não há culos, quanto para a expansão ur-
uma atualização do plano diretor, bana em seu entorno. No item a
defasado desde 2014, e nem um seguir serão apresentados os re-
plano de manejo para essa zona. sultados obtidos, referentes ao
Através de visitas de campo foi entendimento dos conflitos atuais
percebido que os habitantes do que impedem a implantação de
bairro Marabaixo IV são em sua um parque linear nas margens da
maioria de baixa renda. A infraes- lagoa.
trutura do local é precária, con-
tando apenas com uma ilumina- Resultados obtidos
ção pública nos principais aces-
sos. Não existe rede de água en- A ressaca da Lagoa dos Índios
canada e de coleta de esgoto, a pa- funciona como uma bacia de acu-
vimentação é recente e está nas mulação de águas pluviais e sofre
vias principais. Em relação ao influência da bacia do Igarapé da
abastecimento de água observou- Fortaleza. A Lagoa dos índios é a
se que a população perfura poços maior área de ressaca de Macapá,
sem projetos ou licenciamento. com aproximadamente 8.892
Há ainda alguns loteamentos e Km², é conectada a outras ressa-
casas de renda média-alta que in- cas e sua extensão passa por vá-
vadem a área de ressaca com in- rios bairros de Macapá e Santana.
fraestruturas para lazer e ativida- Ao longo dos anos o fluxo de
des agrícolas. veículos ficou intenso na rodovia
Duca Serra em consequência da
Deste modo, os principais pro- expansão urbana para a zona
blemas ambientais encontrados leste, com a presença de vários
na área em estudo da Lagoa dos condomínios residenciais e em-
Índios são gerados pela ocupação presas. O governo do estado do
desordenada tanto de classe Amapá tomou a medida de du-
baixa quanto alta e pelo aterra- plicar a rodovia para facilitar o es-
mento da duplicação da rodovia coamento em 2017, o que aterrou
Duca Serra, que contribui tanto parte da área alagada.
para o aumento de fluxo de veí- O Ministério Público do Es-
190
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

tado do Amapá entrou com um Figura 14. Início do aterro da obra de dupli-
cação da rodovia Duca Serra.
recurso para a geração de um
TAC – Termo de Ajustamento de
Conduta nº 025/2017 MP/PRO-
DEMAC para amenizar os efeitos
do aterramento (Fig. 8), em que o
documento exige a implantação
de um parque urbano ao longo
das margens da Lagoa dos ín-
dios16. Fonte: <https://g1.globo.com/ap/amapa/
noticia/para-reduzir-impactos-ambientais-
Segundo o Ministério Público com>. Acessado em agosto de 2017.
do Estado do Amapá, este será o
maior parque urbano da região Foi realizado no dia 16 de
Norte, porém não houve até o março de 2018 uma consulta pú-
tmomento a delimitação exata de blica sobre o TAC na quadra poli-
seu perímetro. Estudos para a im- esportiva da Faculdade de Ma-
plantação estão sendo realizado capá (FAMA), a reunião estava
pela Secretaria de Meio Ambiente marcada para 9 horas e iniciou
do estado, que deveria entregar apenas 10 e meia da manhã,
um relatório técnico em janeiro sendo que houve falas de diver-
de 2018, porém pediu mais tempo sos parlamentares por longos pe-
para elaborar tal documento. ríodos até ser falado sobre a pro-
posta próximo de meio dia, mo-
mento em que muitas pessoas já
haviam ido embora.
A intenção inicial do TAC era
de implantar um grande parque
urbano, porém, pode ter ocorrido
uma falta entendimento sobre o
que representa um parque, ora

16 Disponível em: <https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/para-reduzir-impactos-ambi-


entais-com-duplicacao-de-rodovia-lagoa-dos-indios-vai-virar-parque-ecologico.ghtml>
Acessado em agosto de 2017.

191
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

confundido com reserva ambien- Proteção Ambiental - APA da La-


tal, praça, e entre outros. A defi- goa dos Índios, APA Igarapé da
nição dos parques urbanos do Fortaleza e Área de Relevante In-
Brasil é pouco precisa na atuali- teresse Ecológico - ARIE Tacacá.
dade, muitos parques de pe- A consulta pública teve caráter de
queno porte possuem caracterís- sugestões para alterações nas
ticas de praças de vizinhança áreas definidas como APA’s, a
(MACEDO, 2010). O mesmo au- delimitação dessas áreas estava
tor afirma que parque urbano é: prevista para agosto de 2018, de
acordo com o secretário da SEMA
Todo espaço de uso público na época, conhecido como Ber-
destinado à recreação de
nardinho, entretanto até fevereiro
massa, qualquer que seja seu
tipo, capaz de incorporar in- de 2019 isso ainda não ocorreu.
tenções de conservação e cuja O levantamento da SEMA foi
estrutura morfológica é auto- secundário e foram realizadas al-
suficiente, isto é, não é direta-
gumas visitas de campo nas futu-
mente influenciada em sua
configuração por nenhuma es- ras áreas de proteção. Vale ressal-
trutura construída em seu en- tar que não foi explicada na con-
torno. (MACEDO, 2010, p.14). sulta pública a real origem do
TAC, o aterramento ocasionado
Os autores estiveram na con-
pela duplicação da rodovia Duca
sulta pública e perguntaram se
Serra e nem quem é o responsá-
havia intenção de implantação de
vel, o Governo do estado.
um parque urbano como resul-
Foi elaborado um relatório téc-
tado do TAC, entretanto foi res-
nico (SEMA, 2017) sobre o TAC, o
pondido pela SEMA que não,
documento apresenta um diag-
pois a proposta é de demarcação
nóstico das áreas a serem protegi-
apenas de novas áreas de prote-
das baseado em bibliografias e vi-
ção, em que uma delas está na
sitas de campo para uma caracte-
ressaca da Lagoa dos Índios.
rização do meio biológico, físico,
A proposta foi apresentada
potencial para visitação pública,
pela Secretaria de Meio Ambiente
socioeconômico e da situação
– SEMA para a criação da Área de
fundiária.
192
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Neste diagnóstico foram apon- 2019, e a obra na área em estudo


tados os seguintes problemas am- esteve parada desde 2018, apenas
bientais nas áreas de ressaca ana- com o aterro, e agora está sendo
lisadas: Desequilíbrio ecológico construída uma ponte de duplica-
nas ressacas; Risco de prolifera- ção orçada em 7,7 milhões pre-
ção de doenças; Acúmulo de lixo vista para entrega em agosto de
doméstico; Risco de afogamento 2019.
em épocas de fortes chuvas; Ca-
rência de infraestrutura; Risco de Figura 15 e 16. Placa de obra da ponte na ro-
dovia Duca Serra. Obra da duplicação da
incêndio, principalmente nos pe- ponte na rodovia Duca Serra.
ríodos de estiagem (SEMA, 2017,
p.18). Dessa forma, é necessária a
implantação de infraestrutura e
de planos de manejo para cada
unidade ter sua conservação ga-
rantida (SEMA, 2017).
Apesar disso, é feita uma crí-
tica sobre o desinteresse dos pró-
prios órgãos públicos em realizar
a gestão das ressacas “Verificou-
se a falta de interesse dos órgãos
públicos, para a grande proble-
mática ambiental que atingem as
áreas de ressacas localizadas no
centro urbano da cidade de Ma-
capá” (...) (SEMA, 2017, p.19).
Foi publicado no website do
governo17 que a obra total da du-
plicação da Duca Serra está pre-
vista para ser entregue no final de

17 Website do Governo do Amapá. Disponível em: <https://www.portal.ap.gov.br/ler_noti-


cia.php?slug=2301/governo-inicia-construcao-da-nova-ponte-na-lagoa-dos-indios> Aces-
sado em 23/02/2019.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

Fonte: Website do Governo do Amapá18 e cho da Lagoa dos Índios é sufici-


acervo dos autores, 2019. ente para implantar um parque
urbano na área, mas a prioridade
Ainda sobre a mesma notícia, o do Governo, a pressão de empre-
orçamento para a obra da dupli- sas e da população em geral está
cação da ponte na rodovia tam- voltada à essa duplicação.
bém contempla outros elementos Em relação ao potencial da vi-
apontados: sitação, o relatório afirma que
transformar as ressacas em UC’s
“De acordo com a Setrap, a es-
não deve afastar e sim integrar o
trutura foi planejada para su-
portar a movimentação da homem à natureza e mostra a im-
água, mesmo em períodos em portância de implantar estruturas
que a maré atinge níveis máxi- de visitação de baixo impacto
mos de enchente, principal-
para o turismo ecológico. É admi-
mente, no inverno. O projeto
também prevê a revitalização tido que há carência de espaços
de todo o entorno da Lagoa públicos de lazer que integrem
dos Índios, que mede 420 me- com a natureza e que “Pensar em
tros, onde serão construídas
estruturas com espaços de usos
quatro pistas, ciclovia, área de
contemplação, acostamento, contínuos para esse público viabi-
sinalização e iluminação.” liza a efetivação dessas UC’s per-
mitindo que se alcance seus obje-
Portanto, percebe-se que esta tivos de criação.” (SEMA, 2017, p.
obra da ponte promete além de 21).
mais pistas de rolamento, maior Para elaboração de um projeto
acessibilidade para ciclistas e pe- arquitetônico de um parque ur-
destres, o que é uma infraestru- bano na Lagoa dos Índios deve-se
tura básica que tem sido imple- perceber as características levan-
mentada recentemente. O valor tadas no diagnóstico realizado
da infraestrutura da duplicação por este e os estudos anteriores,
da rodovia Duca Serra nesse tre- considerando os aspectos descri-

18 Website do Governo do Amapá. Disponível em: <https://www.portal.ap.gov.br/ler_noti-


cia.php?slug=2301/governo-inicia-construcao-da-nova-ponte-na-lagoa-dos-indios> Aces-
sado em 23/02/2019.

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

tos sobre planejamento ambiental nas últimas décadas por falta de


de parques lineares. O projeto de um planejamento urbano ade-
um futuro parque linear às mar- quado.
gens da ressaca da Lagoa dos Ín- Na Amazônia, a enorme quan-
dios precisa ter um projeto paisa- tidade de cursos d’água e áreas
gístico inovador e contemporâ- de várzea, somados ao modo de
neo, mas sem desvincular-se das vida ribeirinho e a falta de su-
características locais que inspira- porte habitacional das capitais,
rão a concepção de ideias. tornam inevitáveis as ocupações
Um parque nas margens de humanas em áreas de proteção
uma grande lagoa precisa permi- permanente. No Município de
tir o convívio da população, de- Macapá, o estudo de caso da La-
senvolvimento da educação am- goa dos Índios exemplifica os
biental e de expressões culturais. conflitos socioambientais que
Deverá ser destinado à um pú- ocorrem por toda Amazônia, des-
blico amplo e variado, desde a respeitando as legislações ambi-
população de bairros adjacentes entais e urbanas. Verificou-se es-
aos mais afastados, incluindo tu- cassez de estudos que abordam a
ristas de outros estados. Para o re- quantificação da degradação am-
ordenamento espacial da área, se- biental e diagnóstico da situação
ria importante a remoção das atual das áreas de preservação
ocupações às margens da ressaca, permanente na Amazônia.
que não respeitam afastamentos e Há diversos problemas para a
usos compatíveis aos descritos implantações de parques em Ma-
pelas legislações ambientais. capá como a falta de priorização
de políticas públicas e recursos
Considerações finais para tal, a gestão descontinuada a
cada novo mandato, além da au-
As áreas de preservação per- sência de um planejamento ur-
manente são ecossistemas biodi- bano. Ocorre a falta de incentivos
versos e frágeis em termos de sus- e fiscalização para usos sustentá-
ceptibilidade a impactos antrópi- veis das áreas de ressaca e tam-
cos, e estes têm se intensificado pouco há mobilização social orga-
195
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

nizada para contestar as medidas veículos e congestionamentos.


do governo em propor obras de É urgente a criação de novos
infraestrutura que degradem a parques lineares na região Norte
área de ressaca da Lagoa dos Ín- devido a abundância de cursos
dios. d’água ainda recuperáveis, a ca-
Os recursos destinados à im- rência de espaços de convivência
plantação de infraestrutura da e com problemas de drenagem
duplicação da rodovia Duca Serra urbana, em uma região de clima
não contemplaram a efetiva im- quente e úmido, com altos índices
plantação de um parque urbano pluviométricos. A ressaca da La-
nas margens da Lagoa dos Índios. goa dos índios sofre ameaça de
Não existe a previsão para a cons- degradação pelas moradias em
trução de equipamentos de es- seu entorno e pelo grande fluxo
porte, lazer, recuperação do solo, de veículos pela rodovia Duca
vegetação, enfim, toda a infraes- Serra. As medidas estão sendo to-
trutura paisagística necessária. madas lentamente pelo poder pú-
Percebe-se que a administração blico, mas para que haja a recupe-
pública tem priorizado apenas a ração do bioma é necessário um
mobilidade automotora, visando projeto paisagístico que contenha
a interesses de grupos específi- rapidamente essas ameaças e es-
cos, pois sabe-se que quanto mais teja adequado às características
se investe em alargamento de socioambientais amazônicas.
vias, mais se induz a compra de

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Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo na Amazônia ● José Alberto Tostes (org.)

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