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Paul Claval
Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/espacoeconomia/570
DOI: 10.4000/espacoeconomia.570
ISSN: 2317-7837
Editora
Núcleo de Pesquisa Espaço & Economia
Refêrencia eletrónica
Paul Claval, « Marxismo e geografia econômica na obra de David Harvey », Espaço e Economia [Online],
3 | 2013, posto online no dia 19 dezembro 2013, consultado o 02 maio 2019. URL : http://
journals.openedition.org/espacoeconomia/570 ; DOI : 10.4000/espacoeconomia.570
© NuPEE
Marxismo e geografia econômica na obra de David Harvey 1
Paul Claval
Introdução
1 Porque tratar de “Marxismo e geografia econômica na obra de David Harvey”? David
Harvey nasceu em 1933. Ele desenvolveu um interesse precoce pela Nova Geografia
convicto de que a ciência tem de ser construída sobre uma base teórica e que ela pode
explicar processos, mas não essências. Analisar o seu percurso intelectual é importante
para esclarecer a natureza da teoria econômica, a diversidade da geografia econômica e
sua capacidade para responder questões da sociedade contemporânea.
(Claval, 1978). Consequentemente, li com grande curiosidade The Limits to Capital (1982). A
sua interpretação da evolução urbana de Paris me fascinou em Consciousness and the Urban
Experience (1985).
4 Descobri o pós-modernismo no livro de Lyotard (1979) e no artigo de Cedric Jameson
(1984). Foi um tempo de crise para a teoria marxista ortodoxa: crise ligada à influência de
Henri Lefebvre e do pós-modernismo, dum lado; crise resultando das dificuldades, depois
do falecimento, dos regimes socialistas da Europa do Leste, do outro. The Condition of
Postmodernity (1989) [Condição Pós-Moderna: Uma pesquisa sobre as Origens da Mudança
Cultural, 1992] pareceu-me um livro muito importante para entender as novas orientações
da sociedade.
5 O meu interesse na obra de David Harvey tornou-se menos permanente nos anos noventa
e no começo dos anos 2000. Li com atraso seus livros Justice, Nature and the Geography of
Difference (1996) e Spaces of Hope (2000) [Espaços de Esperança, 2004].
6 Fiquei fascinado por The New Imperialism (2003) [O Novo Imperialismo, 2004]: é um livro
muito claro, escrito para um público amplo. Apresenta uma nova interpretação do
capitalismo moderno.
7 O livro dirigido por Noel Crabtree and Derek Gregory – David Harvey. A Critical Reader
(2006) – oferece uma síntese sobre as diversas fases da evolução intelectual de Harvey e,
mais especialmente, das suas publicações dos anos 1990 e do começo dos anos 2000.
8 Os colaboradores do livro de Crabtree, e mais especialmente Derek Gregory, concordam
sobre a divisão da sua obra em três grandes períodos:
• A primeira vai até 1969 e a publicação de Explanation in Geography, quando Harvey acreditava
no neo-positivismo lógico; seu pensamento repousava sobre a economia liberal.
• A segunda fase cobre o período entre o começo dos anos setenta e o meio dos anos oitenta.
Ela se caracteriza pela espacialização do marxismo, ilustrada por The Limits to Capital. As
idéias de Harvey encontram um sucesso considerável até a divulgação do pós-modernismo
nas universidades norte-americanas.
• A terceira fase começa com a publicação de Condition of Postmodernity. A interpretação
marxista da evolução contemporânea é criticada pelo pós-modernistas, pelas feministas e
pelos especialistas da desconstrução. Harvey refuta estas teses, mas para atingir este
resultado, ele tem de modificar suas interpretações. A sua posição torna-se defensiva.
• Uma última fase começou em 2003. Em poucos anos, Harvey publica textos de síntese onde
ele mostra uma nova liberdade na sua interpretação do marxismo: The New Imperialism
(2003), onde expõe sua nova teoria do capitalismo de desapropriação, e Spaces of Global
Capitalism (2006), onde resume, no capítulo "Notes for a theory of geographical unequal
development", a sua concepção de geografia econômica 1.
9 David Harvey torna-se um dos grandes teóricos dos altermondialistes. A crise dos anos 2008
deu aos seus últimos livros uma dimensão profética. As críticas contra as teses de Harvey
perdem a credibilidade graças à crise financeira do liberalismo econômico. Daí um novo
período de sucesso para as idéias de Harvey – sobretudo a sua crítica do capitalismo por
desapropriação.
10 A interpretação da obra de Harvey não pode ser entendida sem levar em consideração sua
sensibilidade aos problemas sociais: ao mesmo tempo em que ele possui alguns princípios
permanentes, possui também uma reatividade muito forte às reações dos intelectuais de
esquerda.
25 A lição essencial da geografia econômica inspirada pela economia espacial seria a ênfase
sobre o papel da distância e dos custos de transportes e de comunicação nas distribuições
geográficas.
26 A fraqueza da geografia econômica dos anos cinquenta e sessenta resultava das suas
fundações teóricas: suas bases empíricas eram frágeis. O comportamento dos agentes era
sempre racional? A hipótese é que cada um tem a capacidade de conhecer perfeitamente,
e sem custo, todos os dados relativos a uma situação. Já no fim dos anos sessenta
pesquisadores exploram outros tipos de comportamentos — o dos satisficers por exemplo,
isto é, dos agentes que não ensaiam maximizar os seus proveitos, rendas ou utilidades,
mas escolhem um nível onde atinjam suficiente satisfação.
27 Quando a economia se estruturou, no século XVIII e no começo do século XIX, seu alvo era
um pouco diferente da disciplina de hoje, tal como seu nome apontava: falávamos de
economia política, e não de teoria ou análise econômica. O problema foi estabelecer como
as riquezas foram divididas entre os diferentes grupos econômicos: proprietários
fundiários (seja nas zonas de produção agrícola ou nas zonas urbanas), proprietários dos
meios de produção (os capitalistas) e assalariados. O desenvolvimento econômico tinha
dois resultados maiores: (i) a remuneração dos operários estava limitada pela competição
entre eles, e foi fixada no nível da sobrevivência da reprodução da mão-de-obra; (ii) a
parte da renda total que foi atribuída aos proprietários fundiários crescia, ao mesmo
tempo em que os níveis de lucro diminuíam.
28 A perspectiva da economia política se desenvolveu mais cedo que a análise econômica,
mas ela não teve uma forte influência sobre a geografia econômica até os anos 1950 ou
1960. Foi através da sua formulação marxista que ela teve um papel importante na
ocasião.
Conclusão
33 A geografia econômica não é uma disciplina edificada num curto período de tempo. O seu
desenvolvimento durou mais de um século e meio e combinou em proporções diversas
influências originadas em vários campos. Agora, vamos ensaiar precisar o papel de David
Harvey na elaboração de uma abordagem marxista em geografia econômica e seu papel na
evolução geral da disciplina.
68 Mais uma vez, Harvey propõe uma interpretação do marxismo que explica a dinâmica da
economia e a evolução das representações e das ideologias do capitalismo — de um
capitalismo tornado flexível. As reações dos intelectuais da esquerda à publicação de
Condição pós-moderna constituem uma surpresa para seu autor. A maioria foi muita crítica.
O que Harvey tinha ignorado era a diversidade do mundo contemporâneo. A grande
narrativa marxista que propõe não é atraente para feministas e defensores de minorias
étnicas, sexuais e religiosas. Para Harvey, o mundo dos explorados e dos excluídos tem de
reconstruir sua unidade segundo a temática da exploração capitalista.
69 As publicações recentes de Harvey oferecem respostas a tais críticas numa dupla
perspectiva: econômica, para explicar as formas mais recentes da dinâmica capitalista;
simbólica, para explicar a evolução das representações e das ideologias.
70 Uma parte da leitura que ele faz do capitalismo no mundo contemporâneo concerne à sua
dimensão simbólica. A força deste capitalismo vem do fato de que ele explora categorias
muitas diferenciadas. Harvey examina essa diversidade e mostra a variedade dos
interesses de seus componentes e os elementos que compartilham. Todos desenvolvem
críticas contra a sociedade contemporânea, todas aspiram outras formas de organização
social.
71 Para erigir uma resposta revolucionária a essa forma de dominação, é importante
considerar a diversidade real do mundo atual, suas numerosas minorias e suas mais
distintas aspirações. A construção de um movimento revolucionário unitário, sempre
necessário para melhorar a condição das populações exploradas, só pode obter êxito se
uma visão global da situação social é apresentada a cada grupo em uma linguagem que ele
possa entender.
80 A leitura da geografia econômica e social do mundo que David Harvey vem construindo
está ligada à sua perspectiva geral: optar pelos explorados e preparar a mudança
revolucionária que lhes dará a situação que eles desejam.
81 O imperativo revolucionário é central em seu projeto: uma vez que oferece a perspectiva
de uma renovação total da cena econômica e social, a teoria da exploração capitalista do
trabalho por intermédio da mais-valia aparece como peça central de toda sua explicação.
82 O sucesso atual da teoria de Harvey deve mais à perspectiva revolucionária do que à sua
própria força e coerência. Todavia, a teoria da acumulação por espoliação não é mais uma
teoria puramente econômica: ele confere ao jogo do poder um papel central. Desta
maneira, a geografia econômica de David Harvey incorpora processos não-econômicos —
caraterística de toda a geografia economia contemporânea. Porém, geralmente, os
geógrafos da economia parecem mais atentos aos processos culturais que aos processos
políticos.
3. Desde os anos oitenta, Harvey mostrou a fecundidade da análise paralela dos processos
econômicos e das representações e ideologias. Sua interpretação das ideologias da vida
urbana é de grande originalidade.
BIBLIOGRAPHY
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POLANYI, K. The Great Transition. The Political and Economic Origins of our Time, Boston, Beacon
Press, 1944.
NOTES
1. As citações deste texto provêm destes textos recentes, posto que me parecem mais sintéticos
que os mais antigos.
ABSTRACTS
Esse artigo problematiza a obra do geógrafo britânico David Harvey a partir de sua interpretação
do capitalismo. Discutir suas idéias nos parece uma maneira interessante de resgatar a trajetória
da geografia econômica, bem como entender os dilemas do capitalismo no século XX e no início
do século XXI. Ao mesmo tempo, promovemos uma leitura crítica do marxismo, de sua
contribuição à teoria do espaço e de sua apropriação pela geografia.
Cet article aborde l’œuvre du géographe britannique David Harvey à partir de son interprétation
du capitalisme. On pense que discuter ses idées c’est une façon intéressante de revoir la
trajectoire de la géographie économique, ainsi que comprendre les dilemmes capitalistes
pendant le XXème siècle et au début du XXIème siècle. En même temps, on fait une lecture
critique du marxisme, de sa contribution à la théorie de l’espace et de son appropriation par la
géographie.
This paper deals with the works of the British geographer Davis Harvey, namely on his
interpretation of Capitalism. Discussing his ideas seems to us an interesting way to trace the
Este artículo problematiza la obra del geógrafo británico David Harvey a partir de su
interpretación del capitalismo. Debatir esas ideas nos parece una forma interesante de repensar
la trayectoria de la geografía económica, así como entender los dilemas del capitalismo del siglo
XX y del comienzo del siglo XXI. Al mismo tiempo, también propiciamos una lectura crítica del
marxismo, específicamente a la teoría del espacio y la apropiación que de ésta hizo la geografía.
INDEX
Mots-clés: David Harvey, capitalisme, marxisme, géographie économique, espace
Keywords: capitalism, marxism, economic geography, space
Palavras-chave: capitalismo, espaço
Palabras claves: marxismo, geografía económica, espacio
AUTHOR
PAUL CLAVAL
Université de Paris-Sorbonne