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Espaço e Economia

Revista brasileira de geografia econômica


3 | 2013
Ano II, Número 3

Marxismo e geografia econômica na obra de David


Harvey
Marxisme et géographie économique dans l’oeuvre de David Harvey
Marxism and geography in the works of David Harvey
Marxismo y geografía económica en la obra de David Harvey

Paul Claval

Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/espacoeconomia/570
DOI: 10.4000/espacoeconomia.570
ISSN: 2317-7837

Editora
Núcleo de Pesquisa Espaço & Economia

Refêrencia eletrónica
Paul Claval, « Marxismo e geografia econômica na obra de David Harvey », Espaço e Economia [Online],
3 | 2013, posto online no dia 19 dezembro 2013, consultado o 02 maio 2019. URL : http://
journals.openedition.org/espacoeconomia/570 ; DOI : 10.4000/espacoeconomia.570

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Marxismo e geografia econômica na obra de David Harvey 1

Marxismo e geografia econômica na


obra de David Harvey
Marxisme et géographie économique dans l’oeuvre de David Harvey
Marxism and geography in the works of David Harvey
Marxismo y geografía económica en la obra de David Harvey

Paul Claval

Introdução
1 Porque tratar de “Marxismo e geografia econômica na obra de David Harvey”? David
Harvey nasceu em 1933. Ele desenvolveu um interesse precoce pela Nova Geografia
convicto de que a ciência tem de ser construída sobre uma base teórica e que ela pode
explicar processos, mas não essências. Analisar o seu percurso intelectual é importante
para esclarecer a natureza da teoria econômica, a diversidade da geografia econômica e
sua capacidade para responder questões da sociedade contemporânea.

As etapas da carreira e da obra de David Harvey


Três (ou quatro) períodos
2 David Harvey tem publicado bastante. Não tive o tempo nem paciência de ler a totalidade
de sua obra. Descobri-la realmente em 1969, quando ele publicou Explanation in Geography
(1969). Estive em Québec quando ele assumiu uma orientação marxista: Social Justice and
the City (1973) [A Justiça Social e a Cidade, 1980] foi o grande tema da conversa com os
colegas canadenses.
3 Tive a oportunidade de encontrá-lo no ano 1975-1976, quando permanecia em Paris
durante um ano sabático. Sabia que ele trabalhava sobre uma interpretação espacial do
marxismo, num momento em que sublinhei a ausência de dimensão espacial no Capital

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(Claval, 1978). Consequentemente, li com grande curiosidade The Limits to Capital (1982). A
sua interpretação da evolução urbana de Paris me fascinou em Consciousness and the Urban
Experience (1985).
4 Descobri o pós-modernismo no livro de Lyotard (1979) e no artigo de Cedric Jameson
(1984). Foi um tempo de crise para a teoria marxista ortodoxa: crise ligada à influência de
Henri Lefebvre e do pós-modernismo, dum lado; crise resultando das dificuldades, depois
do falecimento, dos regimes socialistas da Europa do Leste, do outro. The Condition of
Postmodernity (1989) [Condição Pós-Moderna: Uma pesquisa sobre as Origens da Mudança
Cultural, 1992] pareceu-me um livro muito importante para entender as novas orientações
da sociedade.
5 O meu interesse na obra de David Harvey tornou-se menos permanente nos anos noventa
e no começo dos anos 2000. Li com atraso seus livros Justice, Nature and the Geography of
Difference (1996) e Spaces of Hope (2000) [Espaços de Esperança, 2004].
6 Fiquei fascinado por The New Imperialism (2003) [O Novo Imperialismo, 2004]: é um livro
muito claro, escrito para um público amplo. Apresenta uma nova interpretação do
capitalismo moderno.
7 O livro dirigido por Noel Crabtree and Derek Gregory – David Harvey. A Critical Reader
(2006) – oferece uma síntese sobre as diversas fases da evolução intelectual de Harvey e,
mais especialmente, das suas publicações dos anos 1990 e do começo dos anos 2000.
8 Os colaboradores do livro de Crabtree, e mais especialmente Derek Gregory, concordam
sobre a divisão da sua obra em três grandes períodos:
• A primeira vai até 1969 e a publicação de Explanation in Geography, quando Harvey acreditava
no neo-positivismo lógico; seu pensamento repousava sobre a economia liberal.
• A segunda fase cobre o período entre o começo dos anos setenta e o meio dos anos oitenta.
Ela se caracteriza pela espacialização do marxismo, ilustrada por The Limits to Capital. As
idéias de Harvey encontram um sucesso considerável até a divulgação do pós-modernismo
nas universidades norte-americanas.
• A terceira fase começa com a publicação de Condition of Postmodernity. A interpretação
marxista da evolução contemporânea é criticada pelo pós-modernistas, pelas feministas e
pelos especialistas da desconstrução. Harvey refuta estas teses, mas para atingir este
resultado, ele tem de modificar suas interpretações. A sua posição torna-se defensiva.
• Uma última fase começou em 2003. Em poucos anos, Harvey publica textos de síntese onde
ele mostra uma nova liberdade na sua interpretação do marxismo: The New Imperialism
(2003), onde expõe sua nova teoria do capitalismo de desapropriação, e Spaces of Global
Capitalism (2006), onde resume, no capítulo "Notes for a theory of geographical unequal
development", a sua concepção de geografia econômica 1.
9 David Harvey torna-se um dos grandes teóricos dos altermondialistes. A crise dos anos 2008
deu aos seus últimos livros uma dimensão profética. As críticas contra as teses de Harvey
perdem a credibilidade graças à crise financeira do liberalismo econômico. Daí um novo
período de sucesso para as idéias de Harvey – sobretudo a sua crítica do capitalismo por
desapropriação.
10 A interpretação da obra de Harvey não pode ser entendida sem levar em consideração sua
sensibilidade aos problemas sociais: ao mesmo tempo em que ele possui alguns princípios
permanentes, possui também uma reatividade muito forte às reações dos intelectuais de
esquerda.

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Princípios e temas dominantes


11 Derek Gregory (2006) sublinha a presença de alguns temas permanentes nos trabalhos de
David Harvey, bem como de outros que só se impõem no começo dos anos setenta.
12 A idéia mais constante na Geografia de David Harvey situa-se no papel central que atribui
à teoria: não existem resultados científicos sem uma base teórica. A evidência empírica
nunca é suficiente para convencê-lo do valor de um resultado, que precisa de uma
explicação racional — o que significa que os processos envolvidos no fenômeno têm de
estar analisados. Para David Harvey, depois de 1970, essa teoria tornou-se a marxista.
13 O segundo traço permanente desde os anos sessenta é a ambição de um programa de
pesquisa que busca esclarecer a dinâmica do capital – motor essencial da evolução do
mundo contemporâneo. Mesmo quando David Harvey trabalha sobre um problema local,
ou regional, como Paris no século XIX, ele tem como alvo entender a realidade global.
14 O terceiro caráter permanente desde os anos sessenta é uma concepção de espaço que
diferencia o espaço absoluto ou cartesiano, o espaço relativo (que incorpora a ideia de
Einstein sobre a equivalência profunda do espaço e do tempo) e o espaço relacional (uma
categoria sem nenhuma métrica que tem a sua origem nas mônadas de Leibniz e nota
todas as relações que cada um pode desenvolver). Tal concepção jogou um papel
importante nos anos 1980, quando David Harvey introduziu a ideia da compressão espaço-
tempo na sociedade moderna. Mais tarde, ele articula-a às categorias espaciais de Henri
Lefebvre (espaço material, espaço de representação, espaço de projeção) para criar uma
interpretação marxista do espaço (Harvey, 2006c).
15 O quarto caráter permanente na obra de David Harvey depois de 1970 é a vontade de
construir uma ciência útil à classe operária, aos pobres, aos excluídos, aos marginais. Sua
geografia não tem a vocação de oferecer receitas para fortalecer a posição dos grupos
dominantes. Sua finalidade é facilitar a unificação dos grupos explorados pelas classes
ricas e criar uma força revolucionária capaz de opor-se aos interesses dos poderosos,
impondo uma outra organização das relações sociais e econômicas.

A diversidade das geografias econômicas


16 Para mensurar a contribuição de David Harvey à edificação da geografia econômica
moderna, é importante analisar as diversas perspectivas que coexistem ou se opõem neste
domínio. Vamos apresentá-las segundo a ordem em que influenciaram a construção da
geografia econômica.

1- A geografia econômica clássica

17 A geografia econômica desenvolveu-se na metade do século XIX, quando o crescimento do


comércio internacional acelerou a especialização de cada região na produção em que ela
tinha a vantagem relativa mais forte. Essa disciplina, já presente em algumas publicações
de Carl Ritter (1852/1974), foi codificada nos anos 1860 pelo geógrafo alemão Karl Andrée
(1860-1874). Ela era essencialmente descritiva, oferecendo descrições das áreas de
produção e dos fluxos de bens na cena mundial. Ela não falava das atividades econômicas

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de autoprodução e autoconsumo: só se interessava pela fração da produção que já estava


comercializada.
18 Este tipo de geografia econômica desenvolveu-se rapidamente no Reino Unido e na
França nos anos 1880 e 1890 (Chisholm, 1888; Dubois e Kergomard, 1897). Entre as guerras
mundiais, ela conheceu um grande sucesso nos Estados Unidos onde, em várias ocasiões,
era ensinada por geólogos graças à sua competência na estimativa das reservas de carvão,
petróleo ou minerais metálicos.
19 Tal geografia econômica estabelecia relações com a Geologia e com a Agronomia, mas
ignorava completamente a economia — e a economia espacial. Ela prevaleceu até os anos
1950. A sua maior contribuição ao desenvolvimento da geografia econômica foi a análise
das condições climáticas, pedológicas ou geológicas da distribuição dos recursos naturais,
a consideração do papel das técnicas nos processos de produção agrícola ou industrial, a
cartografia dos fluxos de bens e a ênfase sobre o papel dos mercados (Maurette, 1921).

2- A geografia econômica de inspiração econômica: a influência da


economia espacial

20 O segundo tipo de geografia econômica derivou da economia espacial. Este gênero de


abordagem desenvolveu-se essencialmente nos anos cinquenta e sessenta do século vinte,
mas teve pioneiros desde a metade do século XIX: economistas, como Von Thünen,
sociólogos como Alfred Weber, geógrafos como Walter Christaller ou engenheiros como
Launhardt.
21 A fundação teórica da economia espacial repousa sobre a análise econômica. A sociedade
econômica é feita de agentes perfeitamente racionais. Eles desejam maximizar o seu
proveito ou a sua renda, se são produtores, e a sua utilidade, se são consumidores. Como
suas decisões são racionais, não é preciso estudá-las empiricamente. O teórico da
economia possui a capacidade de explicá-las através da análise das possibilidades de
proveito, de renda ou de utilidade oferecidas numa situação dada. As mais importantes
variáveis para o geógrafo econômico são as dotações em fator terra e em fator trabalho,
bem como o custo da distância para a transferência de bens, pessoas e informações.
22 O problema é explicar a localização das atividades econômicas a partir da análise das
escolhas feitas pelos produtores para maximizar seus proveitos e, por sua vez, os
consumidores para maximizar suas utilidades. No caso em que produtores e
consumidores competem pelo uso do mesmo solo — áreas urbanas, por exemplo —, a
solução da questão seria mais difícil. William Alonso imaginou uma solução elegante nos
anos sessenta graças ao recurso às curvas de lances [enchères].
23 A geografia econômica desenvolvida nos anos cinquenta e sessenta não tratava somente
das escolhas individuais. Ela explorava as consequências coletivas das escolhas de cada
um, no caso dos mecanismos de mercado (microeconomia) e no caso dos mecanismos da
circulação da renda, do proveito, do investimento e da poupança (macroeconomia). As
antecipações e a especulação jogam um papel importante na criação de dinheiro e,
consequentemente, no dinamismo das economias.
24 O progresso econômico traduz-se através das economias de escala (graças à mobilização
de formas concentradas de energia e ao uso de máquinas potentes e eficientes) e das
economias externas (graças a um acesso mais barato a informação técnica ou as notícias
de mercado).

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25 A lição essencial da geografia econômica inspirada pela economia espacial seria a ênfase
sobre o papel da distância e dos custos de transportes e de comunicação nas distribuições
geográficas.
26 A fraqueza da geografia econômica dos anos cinquenta e sessenta resultava das suas
fundações teóricas: suas bases empíricas eram frágeis. O comportamento dos agentes era
sempre racional? A hipótese é que cada um tem a capacidade de conhecer perfeitamente,
e sem custo, todos os dados relativos a uma situação. Já no fim dos anos sessenta
pesquisadores exploram outros tipos de comportamentos — o dos satisficers por exemplo,
isto é, dos agentes que não ensaiam maximizar os seus proveitos, rendas ou utilidades,
mas escolhem um nível onde atinjam suficiente satisfação.

3- Geografia econômica e economia política

27 Quando a economia se estruturou, no século XVIII e no começo do século XIX, seu alvo era
um pouco diferente da disciplina de hoje, tal como seu nome apontava: falávamos de
economia política, e não de teoria ou análise econômica. O problema foi estabelecer como
as riquezas foram divididas entre os diferentes grupos econômicos: proprietários
fundiários (seja nas zonas de produção agrícola ou nas zonas urbanas), proprietários dos
meios de produção (os capitalistas) e assalariados. O desenvolvimento econômico tinha
dois resultados maiores: (i) a remuneração dos operários estava limitada pela competição
entre eles, e foi fixada no nível da sobrevivência da reprodução da mão-de-obra; (ii) a
parte da renda total que foi atribuída aos proprietários fundiários crescia, ao mesmo
tempo em que os níveis de lucro diminuíam.
28 A perspectiva da economia política se desenvolveu mais cedo que a análise econômica,
mas ela não teve uma forte influência sobre a geografia econômica até os anos 1950 ou
1960. Foi através da sua formulação marxista que ela teve um papel importante na
ocasião.

4- Geografia econômica e inspiração antropológica

29 A antropologia econômica oferecia outro modelo para construir uma geografia


econômica. Para os antropólogos, o domínio econômico não se confunde com o das
decisões racionais no sentido da maximização dos lucros, das rendas ou das utilidades.
Para eles, a antropologia econômica estuda a produção de todos os bens materiais e de
todos os serviços indispensáveis à vida dos grupos humanos. A procura social tem suas
raízes na biologia (alimentação) e na esfera simbólica (consumo ostentoso de riquezas). A
circulação mercantil não aparece central nessa perspectiva: as situações de autarquia têm
um papel tão importante quanto o da produção comercial. A ênfase não se situa no
mercado. Ela também repousa sobre outras formas de circulação, quer seja a
redistribuição, quer seja o dom e o contra-dom. A inspiração vem de Marcel Mauss
(1922/1923) e Karl Polanyi (1944).
30 Esta leitura de economia impõe-se no estudo das sociedades tradicionais, onde sempre
existe uma parte importante de autarquia e uma parte importante do consumo é
simbólico.
31 Este tipo de abordagem aparece também para as sociedades modernas: uma parte
importante dos agentes não se conforma ao modelo da escolha racional da teoria

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econômica; a dimensão simbólica de uma parte do consumo é notória. Portanto, não se


pode construir uma geografia econômica moderna sem aceitar algumas das orientações
exploradas pela antropologia econômica.
32 Com a virada cultural da geografia humana, nos anos noventa do século XX, a influência
da antropologia econômica tornou-se mais forte na geografia econômica.

Conclusão
33 A geografia econômica não é uma disciplina edificada num curto período de tempo. O seu
desenvolvimento durou mais de um século e meio e combinou em proporções diversas
influências originadas em vários campos. Agora, vamos ensaiar precisar o papel de David
Harvey na elaboração de uma abordagem marxista em geografia econômica e seu papel na
evolução geral da disciplina.

David Harvey e a construção da geografia econômica


marxista
As primeiras formas da geografia econômica marxista e as suas
fraquezas

34 A abordagem marxista da vida econômica inscreve-se na perspectiva da economia


política. Marx conferia um papel importante aos aspectos espaciais da vida econômica nas
suas primeiras publicações, mas eliminou-os completamente na preparação do Capital
(Lefebvre, 1972; Claval, 1978).
35 O resultado foi que não existia até o fim do século XIX uma geografia econômica marxista.
Ela desenvolveu-se somente no começo do século XX e tratava essencialmente do
problema do imperialismo, como se pode constatar nos trabalhos de Rosa Luxemburgo e
Lênin. Esta primeira geografia econômica marxista apoiava-se mais sobre a teoria da
acumulação primitiva que sobre as lições do Capital.
36 Nos anos cinquenta e sessenta, uma geografia econômica marxista se constitui, mas ela
permanecia essencialmente uma análise da exploração das economias do terceiro mundo,
isto é, uma geografia da permanência das formas da acumulação primitiva num estado já
muito avançado do capitalismo. A ideia fundamental deste tipo de explicação foi que a
propagação do progresso nos países subdesenvolvidos fora proibida pelas forças
capitalistas. Quando o crescimento econômico de uma parte da Ásia oriental e sul-oriental
acelerou-se nos anos setenta, a fraqueza deste tipo de explicação pareceu cada vez mais
evidente.
37 Um capítulo original da geografia econômica marxista dos anos sessenta e setenta foi a
análise da formação dos guetos e zonas de segregação nas áreas urbanas — aspecto mais
próximo das formas originais da economia política. Num centro urbano, os mecanismos
que dominam a repartição espacial das classes sociais dependem das suas rendas e do
papel da renda fundiária. Foi neste domínio que o marxismo contribuiu pela primeira vez
a esclarecer de maneira original a distribuição espacial dos fatos econômicos e sociais. Em
Social Justice and the City, David Harvey enfatizou estes aspectos da realidade
contemporânea, combinando uma análise em termos econômicos com a denúncia de

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desigualdades econômicas e da exploração de camadas menos favorecidas — um


verdadeiro trabalho de ‘economia política’.

A natureza da teoria marxista

38 A razão fundamental da fraqueza da geografia econômica de inspiração marxista resultou


da natureza da própria obra de Marx. Nas suas primeiras obras, o espaço tinha um papel
importante: a oposição cidade/campo, assim como a exploração dos países tropicais pela
Europa na construção da economia capitalista, falavam da diferenciação espacial do
mundo e de sua influência sobre o curso do desenvolvimento econômico. Este tipo de
consideração permanecia importante nos Grundrisse.
39 O espaço desapareceu completamente do primeiro livro do Capital, onde Marx expunha o
coração da sua versão da teoria econômica. Tal ponto fora sublinhado por Henri Lefebvre
no seu livro Le Marxisme et la ville (1972). Retomei o problema em meu artigo de 1978, "Le
marxisme et l’espace". Por que e como Marx decidiu eliminar o espaço da apresentação
mais sistemática de seu pensamento?
40 A razão parece clara: para desenvolver-se no espaço, uma mudança precisa de um certo
prazo de tempo. Uma teoria que leva em conta o papel da distância e da diferenciação
natural e social da terra não pode ser revolucionária porque as mudanças que ela explica
não acontecem no mesmo momento em vários lugares. O conteúdo de uma teoria espacial
sempre parece mais reformista que revolucionário.
41 O método de Marx?
"O método de Marx, que consiste em descer da aparência superficial dos eventos
particulares em direção às abstrações reinantes sobre a superfície […], implica considerar
cada grupo de eventos particulares como internalização de forças subjacentes
fundamentais que os guiam. O alvo do trabalho de pesquisa é identificar tais forças
através da análise crítica e da inspeção detalhada de cada exemplo individual" (Harvey,
2010b, p. 209-210).
42 O meio de eliminar o espaço? A análise do processo da exploração do trabalho pelo
capital. A diferença entre o que o trabalhador recebe e o que ele produz enquanto
mercadoria, a mais-valia, gera o lucro. Este mecanismo não é consciente: a economia
clássica ignorou-o porque ela só tratava das realidades empíricas. Ela não tinha a
capacidade analisar os mecanismos implícitos.
43 O teórico marxista tem uma posição diferente. Ele tem a capacidade de entender os
processos sociais no momento em que a evolução econômica faz com que eles surjam; em
consequência, ele pode ver o que, para outros, permanece oculto. É graças ao fato de que a
consciência (concreto do pensamento) das novas formas do real (concreto real) se
desenvolve muito cedo na mente do bom teórico que ele pode entender as forças que
transformam o mundo. Na medida em que a exploração dos trabalhadores resulta da
compra de seu trabalho, é fácil eliminá-la por intermédio da supressão das relações
capitalistas. Basta uma ação revolucionária.
44 Eis o que opõe a análise econômica à teoria marxista: enquanto a primeira permanece fiel
aos dados empíricos, a segunda invoca um processo sem base empírica (a presença do
concreto de pensamento na mente de algumas pessoas) para validar suas afirmações.
45 A força da teoria marxista vem do fato que as desigualdades não resultam do exercício de
um poder político: a exploração capitalista não exprime uma colusão entre poder político

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e vida econômica. Ela só resulta de um mecanismo econômico — o mecanismo da


reprodução ampliada. A ordem econômica do capitalismo é, per se, fundamentalmente
injusta. Daí a necessidade de subvertê-la via revolução: destruir o sistema político
existente para instituir uma nova ordem econômica.

A reintrodução da dimensão espacial na teoria marxista por David


Harvey

46 Harvey entende perfeitamente a natureza da teoria marxista. Na sua perspectiva, não se


pode dar uma dimensão espacial à análise da exploração do trabalho sem renunciar à
dimensão revolucionária da teoria — o que ele não deseja.
47 A solução de Harvey no livro The Limits of Capital respeita essa exigência. Ele não modifica
a parte central da análise de Marx. Para Harvey, o espaço não tem nenhum papel na
exploração do trabalho e na formação do capital no processo da reprodução ampliada. O
que introduz o espaço na teoria marxista é a própria dinâmica do capitalismo. A
acumulação do capital cria crises de superacumulação. Para resolvê-las, os capitalistas
recorrem à produtividade do capital no futuro (através da construção de infraestruturas
ou equipamentos) ou no espaço (através do equipamento de outros países). Mas essa
solução cria rigidez:
"Embora o capital fixo investido no solo facilite a mobilidade espacial de outras formas de
capital e de trabalho, ele exige que essas interações no espaço respeitem a estrutura
geográfica fixa desses investimentos, a fim de que seu próprio valor possa ser realizado.
Por consequência, o capital fixo incrustrado no solo – usinas, ofícios, habitações e escolas,
assim como o capital imobilizado nas infraestruturas de transporte e comunicação – age
como um potente obstáculo às transformações geográficas e à realização das atividades
capitalistas" (Harvey, 2010a, p. 127-128).
48 Nas zonas onde os lucros são mais altos, os capitalistas criam fábricas e edificam casas
para os trabalhadores; os municípios e o Estado criam escolas para as crianças. A
população cresce; o Estado equipa a região com ferrovias ou rodovias. A vida operária
organiza-se. Sindicatos aparecem em defesa dos empregados. O capitalismo conduz à
criação de equipamentos em certas áreas. Como resultado, o espaço torna-se mais rígido.
Os preços da terra tornam-se mais altos.
49 Para os capitalistas, essa evolução significa salários mais altos, lutas sociais mais
frequentes com os sindicatos. Os custos da terra evoluem de acordo com o nível geral de
vida. Para manter os seus lucros, os capitalistas só têm uma solução: investir em outros
lugares onde o preço do solo é mais baixo, os operários permanecem sem organização
sindical e a proteção social é menos forte. Daí a tendência de migração das zonas
industriais: as regiões atraentes para o capital num certo momento tornam-se zonas
repulsivas uma geração ou duas mais tarde.
50 Desta maneira, David Harvey introduz a noção de arranjo espacial [spatial fix]:
"O termo arranjo (fix) tem um duplo sentido em minha proposta. Uma certa parte do
capital total é literalmente incrustrada no e sobre o solo, sob uma forma física, por um
período de tempo relativamente longo [...]. Em outra parte, o planejamento espaço-
temporal é uma metáfora para um tipo particular de solução às crises capitalistas, que
joga sobre o reporto no tempo e a expansão geográfica" (Harvey, 2010a, p. 142).

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51 A transformação do espaço através da criação de arranjos espaciais tem efeitos


contraditórios negativos e positivos. Negativos por causa da rigidez que eles introduzem
no espaço. Positivos porque o processo de acumulação do capital cria estruturas regionais
que, muitas vezes, aparecem para ele como atraentes:
"Os investimentos no ambiente construído definem espaços regionais de circulação do
capital. No interior desses espaços, a produção, a distribuição e o consumo, a oferta e a
procura (particularmente da força de trabalho), a luta das classes, a cultura e os estilos de
vida articulam-se uns aos outros num sistema aberto, porém dotado de uma certa
‘coerência estruturada’. [...] Uma consciência regional e identidades, e mesmo lealdades
afetivas, podem se edificar no seio dessa região e, quando ela se acha tomada pela órbita
do aparelho governamental e do poder de Estado, o espaço regional pode então
transformar-se num espaço definido de consumo e produção coletiva, mas também de
ação política"(Harvey, 2010b, p. 225).
52 No processo de reprodução ampliada a acumulação resulta de um processo sem dimensão
espacial específica: a exploração do trabalho. Porém, como o capital aparece enquanto
gerador de arranjos espaciais, a geografia do mundo capitalista sempre muda: a
diferenciação do espaço é a consequência do desenvolvimento do capital. "Os processos
moleculares [da acumulação do capital] concorrem à produção de ‘regionalidades’"
(Harvey, 2010a, p.128).
53 Desta maneira, Harvey promove um verdadeiro tour de force: desenvolver uma teoria
marxista que preserve sua força revolucionária e, ao mesmo tempo, inserir nela a noção
de spatial fix, isto é, um equivalente às economias externas de escalas da economia liberal,
responsáveis da estruturação regional do espaço — aspecto semelhante à geografia
econômica liberal:
"Em uma certa medida, essa linha de argumentação é paralela à teoria clássica da
localização [...]. A diferença principal reside no fato de que estes trabalhos esforçavam-se
sobretudo em identificar um equilíbrio espacial, enquanto os processos de acumulação do
capital são percebidos como perpetuamente em expansão e, portanto, negam de modo
permanente a tendência ao equilíbrio" (Harvey, 2010a, p. 121).

A geografia econômica da cidade segundo David Harvey

54 No quadro de seu ensaio de reintrodução do espaço na teoria marxista, Harvey dedicou


atenção particular à cidade. De Social Justice and the City a Consciousness and the Urban
Experience (1985a) e The Urbanization of Capital (1985b), a continuidade aparece de maneira
evidente. A cidade é a cena onde o conflito entre os proprietários fundiários, os
empresários capitalistas e os operários é mais clara.
55 The Urbanization of Capital estuda a transformação das cidades e seu papel na imobilização
do capital nos períodos de superacumulação. Harvey sublinha o papel do Estado neste tipo
de política como consequência do keynesianismo depois da Segunda Guerra Mundial.
56 Na época de Haussmann, a dinâmica da cidade caracterizou-se pela conquista dos espaços
centrais da cidade pela nova burguesia e a expulsão dos operários em direção à periferia.
Consciousness and the Urban Experience analisa o processo na perspectiva das
representações e das ideologias. Em consequência da urbanização do capital, a classe
operária parisiense toma consciência de sua exploração e desenvolve uma ação
revolucionária, a Comuna de Paris. Após sua repressão, a burguesia parisiense lança uma

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operação de reconquista ideológica das classes populares: a construção da basílica de


Sacré-Cœur foi o símbolo desta operação.
57 Assim, Harvey mostra a ligação estreita entre a dinâmica econômica do capitalismo, a
urbanização, as lutas ideológicas e a necessária construção de uma consciência
revolucionária.

A teoria de Harvey e a evolução contemporânea do


mundo
58 A teoria marxista revista por David Harvey teve rapidamente de responder a desafios
ligados à evolução da economia e à sua interpretação. Sua réplica fortaleceu-se dos anos
1980 aos anos 2000.

A teoria de Harvey face ao pós-modernismo e a compressão


espaço-tempo

59 O funcionamento da economia muda rapidamente nos anos setenta e oitenta: a


mundialização progride, as grandes empresas capitalistas dos países industrializados
(Europa Ocidental, Estados Unidos e Japão) encontram a concorrência dos novos países
produtores da Ásia de Leste ou do Sudeste. Elas reagem via internacionalização de suas
operações e por intermédio do uso cada vez mais sistemático da subcontratação. Foi assim
que o capitalismo se modernizou e prossegue em superar suas contradições.
60 Ao mesmo tempo, as representações sociais mudam nos países industrializados. Novos
movimentos sociais desenvolvem-se. Povos lutam por um melhor quadro de vida, para
reduzir poluições, para preservar o patrimônio. O ideal da revolução social parece menos
atraente para as classes populares.
61 A teoria marxista não oferecia uma interpretação fácil dessa evolução. Os geógrafos
econômicos de esquerda entendem bem que o capitalismo muda. O tempo da grande
empresa que produzia bens estandardizados já pertence ao passado: o capitalismo
fordista é substituído por um capitalismo flexível, o que significa que o papel dos custos
da informação e da economia do conhecimento torna-se mais importante.
62 A maioria dos geógrafos de esquerda com um interesse em economia renuncia às
interpretações marxistas clássicas. As pesquisas sobre os distritos industriais têm um
interesse central para eles. A escola francesa da Regulação lhes oferece uma solução
elegante. Ela propunha combinar dois níveis de teoria: um nível médio, baseado nos
ensinamentos da análise da economia da informação e comunicação, e um macronível,
onde os ensinamentos marxistas permanecem válidos.
63 No campo das representações e das ideologias, a evolução parece semelhante: a maioria
dos teóricos de esquerda ensaia superar o marxismo. Henri Lefebvre enfatiza o papel dos
novos movimentos sociais. François Lyotard mostrou que a critica pós-moderna, iniciada
na esfera da arquitetura, tinha um sentido muito mais amplo: ela refletiu a crise do
pensamento ocidental, das grandes narrativas e, em particular, do marxismo. Durante
dois séculos, o pensamento ocidental tinha privilegiado o tempo; hoje, ele torna-se mais
atento aos problemas espaciais, como o mostra Fredric Jameson (1982).

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64 Destarte, a evolução da economia contemporânea fragiliza a ortodoxia marxista. A versão


desta desenvolvida por Harvey, nela incluída a novidade da dimensão espacial, pode
explicar a cena econômica e social mundial? Tal é o desafio para ele. The Condition of
Postmodernity é sua resposta.
65 Harvey incorpora na sua interpretação do marxismo as propostas da Escola da Regulação:
ao capitalismo fordista da primeira metade do século XX ele opõe o capitalismo flexível de
hoje, porém recusa a distinção entre uma meta-teoria marxista e meso-teorias baseadas
na análise econômica. Sua interpretação da compressão espaço-tempo (que advém de
Marx) permite explicar as mudanças do capitalismo sem conferir demasiada importância
aos mecanismos descritos pela economia clássica.
66 Harvey não nega a evolução das representações. Os movimentos sociais têm alvos
diferentes daqueles do passado; eles se tornam mais reformistas que revolucionários. O
pensamento atual parece mais atento às questões da atual organização do espaço do que
aos problemas do futuro. Todos esses fatos podem ser interpretados em termos de
ideologia: o capitalismo flexível cria uma nova família de representações cuja função é
clara: distrair as pessoas dos problemas reais do mundo atual; organizar quadros de vida
lindos e harmoniosos para fazê-los sonhar.
67 Nessa perspectiva, o problema do intelectual de esquerda é simples: denunciar as novas
formas da ideologia para reconstruir uma consciência revolucionária e impor mudanças
profundas no sistema social e econômico contemporâneo.

A teoria de Harvey face à diversidade

68 Mais uma vez, Harvey propõe uma interpretação do marxismo que explica a dinâmica da
economia e a evolução das representações e das ideologias do capitalismo — de um
capitalismo tornado flexível. As reações dos intelectuais da esquerda à publicação de
Condição pós-moderna constituem uma surpresa para seu autor. A maioria foi muita crítica.
O que Harvey tinha ignorado era a diversidade do mundo contemporâneo. A grande
narrativa marxista que propõe não é atraente para feministas e defensores de minorias
étnicas, sexuais e religiosas. Para Harvey, o mundo dos explorados e dos excluídos tem de
reconstruir sua unidade segundo a temática da exploração capitalista.
69 As publicações recentes de Harvey oferecem respostas a tais críticas numa dupla
perspectiva: econômica, para explicar as formas mais recentes da dinâmica capitalista;
simbólica, para explicar a evolução das representações e das ideologias.
70 Uma parte da leitura que ele faz do capitalismo no mundo contemporâneo concerne à sua
dimensão simbólica. A força deste capitalismo vem do fato de que ele explora categorias
muitas diferenciadas. Harvey examina essa diversidade e mostra a variedade dos
interesses de seus componentes e os elementos que compartilham. Todos desenvolvem
críticas contra a sociedade contemporânea, todas aspiram outras formas de organização
social.
71 Para erigir uma resposta revolucionária a essa forma de dominação, é importante
considerar a diversidade real do mundo atual, suas numerosas minorias e suas mais
distintas aspirações. A construção de um movimento revolucionário unitário, sempre
necessário para melhorar a condição das populações exploradas, só pode obter êxito se
uma visão global da situação social é apresentada a cada grupo em uma linguagem que ele
possa entender.

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Marxismo e geografia econômica na obra de David Harvey 12

O capitalismo por espoliação

72 David Harvey imagina a parte essencial da resposta às críticas da esquerda pós-


modernista nos anos 2000. É a teoria do capitalismo por espoliação, apresentada em The
New Imperialism (2003) e sintetizada no artigo "O novo imperialismo: a acumulação por
espoliação" (2004).
73 Marx distinguia dois tipos de acumulação:
"A emergência de uma classe capitalista não dependia inicialmente da capacidade desta
classe de extrair excedente. Ela repousa sobre sua capacidade em apropriar-se do mesmo,
de tratá-lo como sua propriedade privada e integrá-los na circulação a fim de aumentá-los
[acumulação primitiva]. Ao passo que o comércio, o banco e a usura forneciam
oportunidades de lucro, o capitalismo como sistema social tornava-se dependente da
formação de um proletariado e do emprego de trabalho assalariado. A realização do
excedente podia ser assegurada internamente, no próprio âmago do sistema, sobre uma
base contínua [acumulação ampliada]" (Harvey, 2010b, p. 213).
74 David Harvey deve a Hannah Arendt a seguinte leitura:
"[Arendt] deu-se conta pela primeira vez que o pecado original da pilhagem pura e
simples que, séculos antes, tinha permitido ‘a acumulação original do capital’ (Marx) e
preparado a acumulação futura, teve finalmente que se repetir se não quisesse ver morrer
subitamente o motor da acumulação.
"Segundo Arendt, os processos que Marx descrevia […] como acumulação ‘primitiva’ ou
‘original’, representam uma força importante e permanente no coração da geografia
histórica do capital à época do imperialismo. Como no caso da oferta de trabalho, o
capital sempre necessita de um fundo de ativos fora dele mesmo se quiser fazer frente e
superar as pressões da superacumulação" (Harvey, 2010a, p. 170-171).
75 O que Arendt ensina a David Harvey é que "No capitalismo, existe uma contradição
central entre lógicas territoriais e lógicas capitalistas do poder" (Harvey, 2010b, p. 229). No
mundo atual, o capitalismo não tem mais a possibilidade de criar lucros somente a partir
da produção industrial, como no tempo do fordismo. Ele tem de explorar as diferenças:
por isso ele envolve mulheres, imigrantes marginalizados e o sub-proletariado das favelas
para sobreviver à crise. Uma nova forma de capitalismo se desenvolve: o capitalismo por
espoliação.
76 Tal interpretação é muito diferente da oferecida pelo O Capital. A exploração cessa de
aparecer como resultado de processos puramente econômicos. Ela tem uma dimensão
política fundamental: é graças ao fato de que os capitalistas têm um poder de dominação
sobre as mulheres, os marginais do mundo industrializado ou sobre as classes pobres do
terceiro mundo, que eles mantêm a possibilidade de obter lucros.
77 As últimas versões da interpretação do marxismo por David Harvey tornam-se menos
ortodoxas que as antecedentes. A teoria do capitalismo de espoliação aparece como um
retorno à acumulação primitiva, isto é, a uma situação onde a economia não é autônoma
ao sistema político.

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Conclusão: a teoria de Harvey, o imperativo


revolucionário e a geografia econômica moderna
O sucesso atual da teoria de Harvey

78 O sucesso atual da teoria de Harvey deve-se à crise financeira do capitalismo: o sistema de


desregulação teorizado pela economia liberal levou em 2008 à pior crise desde 1929. A
reação dos Estados foi assaz rápida e forte para evitar uma catástrofe geral, mas a
situação permanece difícil. O que dizia David Harvey há anos era que o capitalismo
envolvia, mas que sua natureza não mudava e era passível a contradições e a crises.
79 Sua teoria é a única que propõe uma interpretação global da crise – mesmo se ela não
explica realmente o jogo especulativo que produziu a ruína do sistema bancário.

Numa perspectiva mais longa: força e fraqueza da perspectiva


revolucionária

80 A leitura da geografia econômica e social do mundo que David Harvey vem construindo
está ligada à sua perspectiva geral: optar pelos explorados e preparar a mudança
revolucionária que lhes dará a situação que eles desejam.
81 O imperativo revolucionário é central em seu projeto: uma vez que oferece a perspectiva
de uma renovação total da cena econômica e social, a teoria da exploração capitalista do
trabalho por intermédio da mais-valia aparece como peça central de toda sua explicação.
82 O sucesso atual da teoria de Harvey deve mais à perspectiva revolucionária do que à sua
própria força e coerência. Todavia, a teoria da acumulação por espoliação não é mais uma
teoria puramente econômica: ele confere ao jogo do poder um papel central. Desta
maneira, a geografia econômica de David Harvey incorpora processos não-econômicos —
caraterística de toda a geografia economia contemporânea. Porém, geralmente, os
geógrafos da economia parecem mais atentos aos processos culturais que aos processos
políticos.

A contribuição da teoria de Harvey à construção da geografia


econômica moderna

83 Mesmo se o coração da teoria de Harvey – a teoria marxista da extração da mais-valia


pelos capitalistas – apresenta as mesmas fraquezas que o seu modelo, ela tem contribuído
muito para o fortalecimento de uma geografia econômica moderna. Sintetizo três de seus
aspectos:
1. Sublinha a permanência, através da evolução das formas do capitalismo, do problema da
exploração de uma parte da população pelos capitalistas: o problema fundamental de toda a
economia política, que é o problema da justiça social, subsiste. Os geógrafos têm de
esclarecer as diversas formas que ele assumiu durante uma evolução rápida, e propor
soluções para resolvê-lo;
2. papel dos mecanismos capitalistas na evolução das cidades: ele contribuiu muito, desde o
começo dos anos 1970, para a construção de uma geografia econômica coerente das cidades.

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3. Desde os anos oitenta, Harvey mostrou a fecundidade da análise paralela dos processos
econômicos e das representações e ideologias. Sua interpretação das ideologias da vida
urbana é de grande originalidade.

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POLANYI, K. The Great Transition. The Political and Economic Origins of our Time, Boston, Beacon
Press, 1944.

NOTES
1. As citações deste texto provêm destes textos recentes, posto que me parecem mais sintéticos
que os mais antigos.

ABSTRACTS
Esse artigo problematiza a obra do geógrafo britânico David Harvey a partir de sua interpretação
do capitalismo. Discutir suas idéias nos parece uma maneira interessante de resgatar a trajetória
da geografia econômica, bem como entender os dilemas do capitalismo no século XX e no início
do século XXI. Ao mesmo tempo, promovemos uma leitura crítica do marxismo, de sua
contribuição à teoria do espaço e de sua apropriação pela geografia.

Cet article aborde l’œuvre du géographe britannique David Harvey à partir de son interprétation
du capitalisme. On pense que discuter ses idées c’est une façon intéressante de revoir la
trajectoire de la géographie économique, ainsi que comprendre les dilemmes capitalistes
pendant le XXème siècle et au début du XXIème siècle. En même temps, on fait une lecture
critique du marxisme, de sa contribution à la théorie de l’espace et de son appropriation par la
géographie.

This paper deals with the works of the British geographer Davis Harvey, namely on his
interpretation of Capitalism. Discussing his ideas seems to us an interesting way to trace the

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trajectory of Economic Geography, as well as to understand the dilemmas of Capitalism between


the 20th and the 21st century. At the same time, we’ll engage a critical lecture of Marxism, of its
spatial theory and of its appropriation by Geography.

Este artículo problematiza la obra del geógrafo británico David Harvey a partir de su
interpretación del capitalismo. Debatir esas ideas nos parece una forma interesante de repensar
la trayectoria de la geografía económica, así como entender los dilemas del capitalismo del siglo
XX y del comienzo del siglo XXI. Al mismo tiempo, también propiciamos una lectura crítica del
marxismo, específicamente a la teoría del espacio y la apropiación que de ésta hizo la geografía.

INDEX
Mots-clés: David Harvey, capitalisme, marxisme, géographie économique, espace
Keywords: capitalism, marxism, economic geography, space
Palavras-chave: capitalismo, espaço
Palabras claves: marxismo, geografía económica, espacio

AUTHOR
PAUL CLAVAL
Université de Paris-Sorbonne

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