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Nem morena, nem mulata

Segundo o IBGE, no Brasil, 7,6% da população se considera de cor preta e 43,1% se considera de
cor parda. Entre eufemismos como “moreno”, “mulato” e “cor de jambo”, como delimitar quem é, de
fato, negro, mesmo que tenha a pele mais clara?

Por Jarid Arraes  Do Portal Fórum (http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/03/nem-morena-


nem-mulata/)

A cultura brasileira tem uma forma complexa de lidar com questões raciais. Por causa da
miscigenação, as pessoas aceitam como regra o discurso do ser “moreno”, recorrendo a outros
eufemismos para adjetivar uma cor de pele que não é branca: cor de bombom, chocolate, cor de
jambo, mulato, entre outras variações e apelidos. É difícil se declarar negro – primeiramente, pelo
estigma social causado pelo racismo; depois, porque há a percepção de que somente uma pessoa
de pele muito escura é realmente negra.

Apesar disso, segundo o Instituto Brasileiro de Geogra a e Estatística (IBGE), hoje mais de metade
da população brasileira se autodeclara como “negra”. Na prática, quer dizer que 7,6% se considera
de cor preta e 43,1% se considera de cor parda; lamentavelmente, “pardo” não diz muita coisa
sobre consciência política a respeito do racismo ou sobre negritude. Há pessoas loiras e de olhos
azuis que se declaram pardas, assim como muitas pessoas de pele escura e cabelo crespo. Como
então delimitar quem, de fato, é negro? E como despertar nas pessoas brasileiras o interesse de ir
mais a fundo nos debates sobre racismo?

“Descobri que sou negra”

A jornalista Vanessa Rodrigues, a professora Bianca Santana e a militante Ariane Cor são
integrantes da ONG feminista Casa de Lua, que promove o Círculo de Mulheres Negras. O que elas
três relatam e possuem em comum é também o retrato de muitas outras mulheres negras que
passaram por longos processos de autorre exão e con ito até que se descobrissem e se
reconhecessem como negras – e não como “morenas” ou “mulatas”.

Rodrigues inicia seu relato levantando a questão da miscigenação: “Minha mãe tem uma
aparência mais indígena, de pele morena e cabelos lisos. Já o meu pai, lho de pai branco e mãe
negra, nasceu com a pele mais escura entre os irmãos e, certamente, foi o que mais sofreu
racismo”, introduz. “Nasci com pele e cabelos claros. Com isso, fui lida como branca durante a
minha infância. Mas acredito que o fato de ter traços negros – nariz, boca, cabelos cacheados –
provocava um estranhamento e uma confusão nas pessoas, nos meus pais e parentes, por
exemplo”.

Segundo Vanessa, embora a cor da sua pele a embranquecesse, seus traços a enegreciam. “Então,
comecei a ser estimulada a frequentar salão de beleza desde muito novinha, pra alisar os cabelos,
por exemplo. As pessoas faziam referência ao meu nariz, inventavam apelidos, apertavam com os
dedos pra ‘a lá-lo’, sugeriam usar pregador de roupa pra isso”, relata.

No entanto, ao morar fora do Brasil, Rodrigues começou a se enxergar mais como não branca,
lembrando-se também de situações racistas – embora não identi casse como tais na ocasião. “Fui
seguida em lojas, já tive que abrir bolsa em saída de loja, já fui abordada por seguranças querendo
conferir se eu tinha nota sobre o produto comprado, fui mal atendida muitas vezes em lojas caras
de shopping center e coisas assim”. Tudo isso só viria como uma questão racial mais tarde, depois
de muita leitura e re exões. “Também quando as pessoas começaram a se referir a mim como
morena, quando as pessoas começaram a fazer referência à cor da minha pele pra me descrever e
me de nir. Isso também acabou ajudando a me ver, a me reconhecer”, acrescenta.
Além disso, os laços familiares de Vanessa foram um ponto forte em sua autoidenti cação racial.
“O fato de ter uma avó e madrinha negras foi me deixando mais sensível e mais atenta à questão.
Sem falar das histórias vividas pelo meu pai, que sempre me machucaram muito ao ouvir, porque
sabia o quanto tinham doído nele”, conta.

Em meio ao seu processo de autoidenti cação e reconhecimento, Rodrigues teve dois lhos – “dos
quais o mais velho tem cor de pele mais escura e é lido como negro” – explica – “E já nos aconteceu
de viver uma situação muito agressiva de racismo com ele”. Em seu texto “Eu negra”, publicado
noBrasil Post, Vanessa conta que entrou em uma loja de doces com sua família, quando seu lho –
vestido como qualquer criança comum de classe média – foi retirado do estabelecimento por um
segurança. E naquele momento, por seu lho, o processo de autoidenti cação deixou de ser
somente sobre ela. “A partir dali, não dava mais pra ngir que não seríamos vítimas de injúria ou
atos racistas. Porque se o ‘meu ser-não-ser negra’ tinha me colocado em situações por vezes
difusas de preconceito, mas me poupado de ser expulsa dos lugares, não pouparia o meu lho. E
todo o meu processo de autoidenti cação também passou a ser sobre nós, não apenas sobre
mim.”

A professora da Faculdade Cásper Libero (FCL) Bianca Santana também publicou um texto no
qual conta seu caminho até a autoidenti cação como negra. Sua postagem, intitulada “Quando me
descobri negra”, foi escrita quando Santana ainda estava no terceiro ano da faculdade.  “Um
professor propôs uma investigação profunda das [minhas] próprias origens. E isso estimulou uma
conexão de várias experiências e percepções: da acolhida como professora do cursinho popular
Educafro à minha avó falando pra não prender o cabelo de determinada forma porque parecia
‘essas neguinhas’”. Santana relata que se considera negra há alguns anos – antes disso, era
morena. “Era morena para as professoras do colégio católico, coleguinhas — que talvez não
tomassem tanto sol — e para toda a família que nunca gostou do assunto”, a rma.

Segundo Bianca, tudo começou quando resolveu conhecer a proposta do cursinho comunitário
Educafro. “O coordenador pedagógico me explicou a metodologia de ensino com a cumplicidade
de quem olha um parente próximo. Quando me ofereci para dar aulas, seus olhos brilharam. Ouvi
que, como a maioria dos professores era branca, eu seria uma boa referência para os estudantes
negros. Eles veriam em mim, estudante da Universidade de São Paulo e da Faculdade Cásper
Líbero, que há espaço para o negro em boas faculdades. Saí sem entender muito bem o que tinha
ouvido.”

A partir daí, passou a reparar mais na cor das outras pessoas nos lugares em que frequentava.
Como não identi cou nada de africano nos costumes de sua família, concluiu que a ascensão
social teria clareado sua identidade. “Óbvio que somos negros. Se nossa pele não é tão escura,
nossos traços e cabelos revelam nossa etnia. Minha mãe, economista, funcionária de uma grande
empresa, foi branqueada como os mulatos, que no século XIX passavam pó-de-arroz no rosto
porque os clubes não aceitavam negros”, argumenta, em seu texto.

Já a ativista Ariane Cor conta que seus pais são brancos, de pele e identi cação, “mas vindos da
Bahia (mãe, que é a famosa sarará: lha de negros com pele clara e cabelo crespo, claro) e norte
de Minas Gerais (pai, caboclo, mameluco)”. Ariane cresceu entre bisavós, avós, tios e primos com
uma enorme diversidade de pigmentação, estando ela entre os membros mais claros da família. “O
que sempre me diferenciou dos outros brancos da família foram os cabelos crespíssimos”, declara.

Cor explica que em sua família, o racismo sempre foi muito naturalizado e todas as manifestações
de ancestralidade indígena ou africana foram embranquecidas em São Paulo. “Mas eu cresci na
Vila Mariana e depois vivi a adolescência na Mooca, bairros de classe média. Se por um lado não
me sentia pertencente àquela negritude da família, também não pertencia à branquitude do
cabelo liso e sobrenome ‘diferente’ de pessoas nascidas no centro.”

Sobre situações de racismo, Ariane relata que tem uma “irmã de criação” – que é sua prima, mas
criada por seus pais – que sempre foi sua grande parceira e melhor amiga. “Na primeira série,
lembro que esqueci o lanche em casa e ela, que é sete anos mais velha, foi levar pra mim na escola
pública onde eu estudava”. Sua irmã, que tem a pele escura, foi anunciada como sua empregada
na sala de aula. “Isso me constrangeu de uma maneira absurda, porque minha mãe é empregada
doméstica e eu não entendia como poderiam supor que minha irmã, com uns 15 anos, seria minha
empregada”, relembra.
Em 2002, sua irmã teve um lho, do qual Ariane se tornou madrinha – o que a levou a um
engajamento político mais sério. “Desde que esse menino nasceu eu estive muito dedicada a
compreender o que é ser negro no Brasil e vivo isso com ele por onde passamos”, diz.

Até então, Cor não se identi cava como negra, apesar de não se achar branca. “Submetia meus
cabelos a procedimentos domadores e coloria de vermelho. Aí, meu marido – branco, de família
italiana, mas umbandista – começou a questionar minha identidade racial, propositalmente,
porque ele, branco, não me via como branca. Foi aí que eu tive a ‘epifania da negritude’ e percebi o
quanto havia sido embranquecida e negava minhas origens africanas. O quanto eu considerava a
minha negritude feia e me achava incapaz de subverter esse olhar”. A partir de então, abandonou
os tratamentos capilares e passou a pesquisar sobre cabelos crespos e estética negra. “Me
aprofundei nas questões de periferia, porque esses caminhos se cruzam bem no começo.”

O racismo cotidiano

Os exemplos acima, repletos de referências a características físicas, revelam uma verdade


incômoda: mesmo com a pele clara e encarando tentativas de deslegitimação da identidade negra,
o racismo se mantém presente. Muitas pessoas simplesmente não aceitam a autoidenti cação
negra e agem de forma debochosa e discriminatória com relação às características físicas
percebidas como negras – como por exemplo, cabelos crespos ou narizes mais largos.

De fato, muita gente pode dizer que mulheres como Rodrigues, Santana e Cor não são negras, mas
sim “morenas” ou “pardas”; porém, no dia a dia, dentro das lojas, no banco ou mesmo na rua, o
racismo se revela por meio do reconhecimento de que aquela pessoa não é branca ou “se
assemelha” a uma pessoa negra – condição esta que, por sua vez, é associada à pobreza, ou
relacionada com atos criminosos.

Rodrigues relembra: “Vivi situações ao longo da vida que somente hoje consigo identi car como
racistas. Situações mais agressivas, como vasculhar bolsa ou ser seguida, tenho a impressão de já
não viver há algum tempo. Mas consigo identi car e interpretar como racistas aquelas mais sutis,
relacionadas ao cabelo (cada vez mais assumidamente natural) ou a um não saber como me
classi car socialmente, por exemplo. E acontece, invariavelmente, de técnicos de serviços ou
entregadores terem dúvidas se sou a ‘dona da casa’ ou a ‘empregada’”.

Vanessa também conta que já foi abordada por duas vezes por um “comediante” que faz
performances em uma praça. “Ele se ‘fantasia’ de mulher negra e gorda e por duas vezes me
abordou se referindo a mim como sua ‘irmã gêmea’. Isso me parece altamente agressivo e
preconceituoso, racista e gordofóbico (além de transfóbico). Na segunda abordagem, reagi de um
jeito mais ostensivo, acabamos numa discussão quando ele, nalmente, me chamou de feia!”.

As experiências de Bianca Santana com o racismo não são muito diferentes. Em sua publicação
“Nem todo lugar é lugar de preto”, no Brasil Post, ela cita alguns exemplos de situações em que foi
alvo de racismo: “Na porta de um café, esperando uma amiga sair do banheiro. Três pessoas me
zeram pedidos de forma rude, em menos de cinco minutos. Com a resposta ‘eu não trabalho aqui’
e um sorriso desconcertante ninguém sabe onde en ar a cara! Porque a pessoa entende o que
aconteceu; Abrindo o arquivo com uma apresentação, no auditório de uma universidade pública,
alguém me pergunta onde estava uma outra pessoa, imagino que funcionária da universidade. Eu
respondo que não sei, que não trabalho lá. E a pessoa se assusta, perguntando, em tom de bronca,
por que estou mexendo no computador. Eu respondo que vou fazer uma apresentação em alguns
minutos. A pessoa desmonta, olha o folder do evento e solta um: ‘Ah! Você é a Bianca Santana!’;
No parque, com meu bebê de olho claro no sling: ‘Sua patroa deixa você carregar ele assim?’.”

Ariane Cor cita situações que envolvem muito a questão do cabelo crespo, assunto profundamente
familiar e comum às mulheres negras: “Há cinco anos abandonei os procedimentos químicos
capilares e uso meus cabelos como eles são. Elementos de cultura negra como turbantes,
estampas e acessórios também estão presentes na minha imagem sempre e eu chamo muita
atenção por onde passo, quando não é um ambiente ‘descoladinho’. Isso não é ruim,
necessariamente. Eu só acho desagradável quando elogiam minha coragem ou me acham
exótica”.
Além disso, Cor relata que, quando abre o portão de sua casa térrea, a confundem com
empregada doméstica e pedem para chamar a patroa – e que em lojas mais caras, demoram para
atendê-la. “Uma vez, no ponto de ônibus, uma senhora enfurecida com a demora reclamou que a
culpa era desses ’baianos que vinham pra cá fazer lho’ e apontou pra mim. Falei várias bobagens
para a senhora, parei um táxi e fui embora”. Ariane também diz já ter sido questionada por uma
garçonete se realmente gostava do seu cabelo armado, e se achava bonito.

Reconhecimento

Depoimentos pessoais são extremamente importantes e falam diretamente com quem os lê ou


escuta. Em muitas dessas falas, algo remexe e traz à memória situações semelhantes, casos que
geraram sofrimento e que muitas vezes não foram bem compreendidos no momento em que
aconteceram, mas que com a ajuda de outra pessoa em posição similar chegam à tona sem
máscaras, revelados como verdadeiramente são. Assim, muitas pessoas acabam constatando que
sofreram racismo e que por muitos anos se negaram a viver e abraçar uma parte importante de
sua subjetividade e identidade: a ancestralidade negra e sua amplitude no presente, incluindo o
potencial transformador de uma autoimagem positiva e a chance de romper paradigmas nocivos.

Debater o racismo e a identi cação racial no Brasil ainda é difícil e tem o peso do silenciamento. É
preciso muita coragem para olhar para o passado e buscar respostas – e ainda mais para se
permitir enxergar-se negro, não como lamentação introjetada por todas as mensagens
depreciativas disseminadas na sociedade, mas como força pessoal e política que gera mudanças
signi cativas.

É possível que alguns pontos dos relatos presentes nesse texto sejam, não por acaso, pontos
importantes nos relatos de muitas pessoas que os leem. Que identidades possam, então, ser
reconhecidas e reconstruídas em plenitude.

Leia Mais

“Morenas exóticas” – um debate sobre colorismo, negritude e arquétipos femininos da ideologia da


mestiçagem (https://www.geledes.org.br/morenas-exoticas-um-debate-sobre-colorismo-
negritude-e-arquetipos-femininos-da-ideologia-da-mesticagem/#axzz3TncdFQSe)
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Tomas Tomas
A categoria pardo foi criada justamente para esconder a imensa presença de negros e indígenas na população
brasileira.
Todo moreno, todo mulato e todo pardo é negro ou indígena!
(por exemplo na Amazônia, com 70% de pardos)
As lutas caminham juntas!
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Alberto Raposo
Eu sou PARDO! Aceite, negro! Aceite, branco! Cansei se ser usado em estatísticas ao bel prazer do dono da pesquisa!
O PARDO RESISTE!
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Louise Carvalho
Oxe...eu hein
Curtir · Responder · 3·1a

Dariane Silva
Muito bom!!
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Alexandre Guglielmelli
Raissa Cardoso Ana Paula Pimenta
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Lia Moreno
Lia Moreno Presidente2018
Eu te amo meu Brasil de todas as cores de todos os amores!

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