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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Carlos Eduardo Nicolette

O SIGNIFICADO DE ESTADO PARA JOHN MURRA:


UMA INVESTIGAÇÃO CONCEITUAL

Orientador: Prof. Dr. Natalino dos Santos

São Paulo
2016
2

Resumo
O objetivo deste artigo é compreender o que significa o conceito Estado para John Victor
Murra em seu texto “As sociedades andinas anteriores a 1532”. Para isso, formular-se-á um
quadro de respostas para o que autor quer dizer com o conceito, percorrendo todo seu texto.
Temas dos mais variados têm de ser circunscritos em nossa análise: o alto número de pessoas
dentro do Estado, a representação dos outros grupos étnicos perante sua administração, o
governo direto ou indireto exercido e, principalmente, as transformações ocorridas quando
esse Estado toma tal forma. O artigo seguirá pelos termos fundamentais à construção do
conceito Estado, desconstruindo-os, a exemplo de etnia e grupo étnico, e também examinará
com atenção os trechos de Murra, aproximando-se, então, da compreensão do conceito
Estado.

Palavras-chave
História dos Conceitos; Estado; John Victor Murra; Sociedades Andinas.

Abstract
The purpose of this article is to understand what the concept of State for John Victor Murra
in his text “Andean societies before 1532”. In order to do that, an overview of the answers
will be made related to what the author mean by the concept, going through all the text.
Several topics will be covered in this analysis: the large amount of people inside the State,
the representation of other ethnic groups towards the administration, the direct or indirect
practiced government and, mainly, the changes that occur when this State takes this form. The
article will move throughout the essential terms of the concept of State, deconstructing them,
such as ethnicity and ethnic group, as well as carefully examine Murra’s excerpt, reaching the
understanding of the concept State.

Keywords
History of Concepts; State; John Victor Murra; Andean Societies.
3

Nos Andes, as montanhas eram mais altas, as noites mais frias


e os dias quentes, os vales mais profundos, os desertos mais
secos, as distâncias maiores do que as palavras poderiam
descrever (MURRA, 1998: 65-66).

1. Introdução

A história da América é rica nos mais diversos períodos e âmbitos culturais, políticos
e econômicos. Por muito tempo, a historiografia moderna ignorou as formações sociais
indígenas da América, pré-hispânicas ou não, como organizações complexas, interpretando-as
como sistemas rudimentares. Foi junto da antropologia que historiadores descortinaram
conceitos europeus e começaram a retratar também os povos nativos americanos como sujeitos
de complexas comunidades. Nesse sentido, John Victor Murra foi um historiador pioneiro,
pesquisando a área andina durante toda sua extensa investigação.

Presente no volume I da coletânea História da América Latina: América Latina


colonial1 , o texto de Murra “As sociedades Andinas anteriores a 1532”, que este artigo se
propõe a analisar, aborda a história da área andina e seu enfoque está nas estruturas político-
administrativas pré-hispânicas, em especial o Estado inca e suas influências e as transformações
naquela região. O autor apresenta organizações populacionais bastante heterogêneas e com
níveis hierárquicos extensos, descrevendo uma organização social bastante complexa e que
construiu “maravilhas tecnológicas observáveis na edificação, na metalurgia, na construção de
estrada, na irrigação ou nos produtos têxteis” (MURRA, 1998: 66)2.

O objetivo deste artigo é investigar a noção do conceito Estado para Murra, já que é
uma concepção tão cara ao autor. Para este objetivo, transitar-se-á pelos mais diversos temas na
busca de construir um quadro de possíveis respostas, visto que a definição está distribuída ao
longo do texto e, mesmo dessa forma, não é definida objetivamente, demandando uma
capacidade interpretativa de cada situação exposta pelo autor. O artigo seguirá pelos termos
fundamentais à construção do conceito Estado, desconstruindo-os, a exemplo de etnia e grupo
étnico, bem como examinar com cuidado os trechos de Murra, aproximando-se, então, da
compreensão do conceito de Estado.

O trabalho de compreensão dos conceitos é crucial para a construção do saber


histórico, pois é a partir deles que se estruturam as narrativas sobre o passado. Cabe enfatizar
que o exercício de compreensão conceitual que se propõe é uma ferramenta significativa na

1
Cabe reiterar que este artigo foca no texto de John Murra, não utilizando para a reflexão outros escritos da coletânea.
2
Para não repetir exaustivamente a citação com nome e ano de publicação do texto de Murra, a expressão em latim
op.cit. será utilizada nas citações diretas.
4

formação intelectual, visto a realização de leituras atentas a determinados textos. Neste caso, o
exercício é feito em pequena escala, apenas com o texto de Murra. Sendo assim, a proposta do
artigo é não só compreender o que é Estado para o autor, como também observar a construção
do conceito ao longo de texto e como o autor o diferencia de outros, como comunidade política
multiétnica.

Assim, como o conceito está disposto em todo seu texto, a cada ponto enumerado aqui
se forma uma peça que pretende ilustrar os resultados obtidos. Discutir-se-á aquilo que se
aproxima e se distancia de Estado para Murra, seja sobre as políticas de reassentamento,
especialização do trabalho, número populacional das comunidades políticas e grupos étnicos,
reiterando ao final deste artigo as possibilidades do que foi a noção de Estado inca para o autor.

2. Comunidade Política Multiétnica: uma forma de Estado?

Ao longo de seu texto, Murra ordena uma série de fatores que indicam quais caminhos
devem ser trilhados para se obter uma definição de Estado. Recorrentemente, ele fala em grupo
étnico, comunidade política e comunidade política multiétnica. Para entender de melhor forma
a sua compreensão desses termos, deve-se levar em consideração as escalas usadas pelo autor,
principalmente a que se refere a etnia.

Observou-se no texto de Murra uma definição de etnia no plano macroestrutural, sobre


a qual ele argumenta que determinados grupos são reunidos por terem semelhanças culturais,
seja a língua falada, a religião praticada, costumes exercidos ou mesmo origem comum. Mesmo
que não houvesse um sentimento de identificação entre esses grupos no momento da
coexistência, hoje são reunidos pelos pesquisadores em uma mesma etnia. É nítido que nesse
caso não há, necessariamente, um aparato político-administrativo envolvido; a definição parte
da ideia de que certos grupos têm características culturais semelhantes em um outro patamar, a
etnia. Exemplos disso no texto de Murra são os Aimarás e Quechuas, que estão no plano macro
da definição de etnia, pois existe ainda o que ele denomina grupo étnico.

Para falar sobre as colônias3 que estavam espalhadas pela região andina, ele diz que
“as primeiras investigações européias identificaram vários grupos étnicos, o maior dos quais, o
Chupayco alegava ter quatro mil famílias no sistema inca de contagem decimal [...]” (op. cit.:
68). Percebe-se aqui o termo grupo étnico, o qual se diferencia de etnia por possuir dentro de

3
O assunto sobre as colônias e o sistema de arquipélago será discutido posteriormente, o exemplo aqui serve para
ilustrar o uso do termo grupo étnico.
5

sua camada social, necessariamente, interações entre seus membros. Ou seja, os grupos étnicos
apresentam uma organização político-econômica, na qual existe uma determinada produção
agrícola e certa organização de comércio entre os sujeitos do grupo, por exemplo.

Outro quesito de diferenciação entre grupo étnico e etnia é que podem existir variados
grupos étnicos dentro de uma mesma etnia. Isso porque existe uma distância cultural e/ou
político-econômica suficiente entre os grupos para serem considerados diferentes entre si4, mas
não o bastante – ou não com os mesmos parâmetros – para serem considerados de etnias
distintas. Assim, seguindo o texto de Murra, deve-se considerar que dois grupos étnicos
entendidos como diferentes – até mesmo rivais – têm em grande parte das vezes as mesmas
caraterísticas étnicas. Exemplos disso são os próprios incas, que são de etnia Quechua, assim
como os Huancas, mas são considerados grupos étnicos diferentes.

Para a definição de comunidade política, Murra segue na direção de ela ser uma
conformação de grupos étnicos locais sob um mesmo âmbito administrativo e econômico.
Interpreta-se com isso que uma comunidade política tem como característica principal o fato de
reunir grupos de uma mesma etnia5 sob uma teia política. Justamente por esse agrupamento que
o autor mostra a comunidade política com uma delimitação populacional, afirmando (op. cit.:
68) que no

âmbito de tais adaptações e transformações do ambiente, as dimensões das


comunidades políticas andinas variaram de algumas centenas de famílias a 25 ou 30
mil, com totais populacionais que chegavam talvez 150 mil.
[...]
No vale do Huallaga, no que hoje é o Peru central, as primeiras investigações
européias identificaram vários grupos étnicos, o maior dos quais, o Chupayco, alegava
ter quatro mil famílias no sistema inca de contagem decimal.

As comunidades políticas são, então, mais populosas que os grupos étnicos – visto que
o autor menciona um documento em que os Chupaycos alegavam ter quatro mil famílias – e
possuem números de habitantes inferiores ao de Tahuantinsuyo, o qual alcançaria os milhões
sob a teia política do Estado6, mostrando assim suas diferenças populacionais e que denotam
diferença de significado.

4
Deve-se lembrar que apesar dos agrupamentos serem discutidos aqui, mesmo as organizações políticas de menor
escala não têm uma identidade absolutamente coesa e coerente sócio politicamente, elas têm divisões internas.
5
Nesse caso sendo necessariamente de mesma etnia. Tratar-se-á posteriormente da situação em que ocorre
agrupamento de etnias consideradas diferentes.
6
O trecho no qual Murra mostra o total populacional estimado para Tahuantinsuyo será visto logo à frente.
6

Pensando a partir desses parâmetros, o Estado adquire a possibilidade de ser um órgão


que administre as comunidades políticas sob uma mesma teia política, aí então o Estado seria a
instituição dirigente das comunidades. As implicações desse conceito para Murra são profundas
e continuar-se-á salientando outro termo crucial usado pelo autor: comunidade política
multiétnica.

Segundo Murra (op. cit.: 75),

Tahuantinsuyo, o Estado inca, não foi a primeira comunidade política multiétnica


surgida nos Andes. Nas últimas décadas arqueólogos têm distinguido vários
“horizontes” (períodos em que autoridades centrais conseguiram controlar tantas
comunidades nas montanhas quanto as costeiras) das eras “intermediárias”, em que
floresceu o separatismo étnico.

O autor inicia esse parágrafo assegurando que existiram comunidades políticas multiétnicas
anteriores a Tahuantinsuyo. O autor não deixa claro se existe alguma diferença entre o que ele
considera Estado e o que ele define como Estado inca, assim, este artigo fala de ambos.
Finalizando esse trecho, nota-se que a multietnicidade aqui não parece ser uma denominação
necessária para um agrupamento ser considerado Estado7, mas, sim, uma característica
possível.

Conclui-se, assim, que uma comunidade política multiétnica é a reunião sob uma
mesma ordenação político-administrativa de grupos étnicos advindos de etnias diferentes. Com
isso, o Estado pode ou não ser uma comunidade política multiétnica, sendo as duas opções
respostas possíveis. Não há no texto de Murra uma objeção sequer ao Estado ter que ser,
necessariamente, multiétnico. Entretanto, as comunidades políticas chamadas pelo autor de
Estado são multiétnicas – incluindo aqui os diversos Horizontes8.

3. Mapa das Ordens Sócio-Políticas

O mapa a seguir foi construído para melhor ilustrar as relações existentes entre os
termos usados por Murra ao longo de seu texto. Assim, facilita-se a aproximação da definição,
primeiramente, do que é comunidade política multiétnica e posteriormente de Estado. Na figura
estão representadas três cores: amarelo, azul e verde. As duas primeiras são designações de
etnias diferentes, sendo cada tópico amarelo relacionado à etnia A, enquanto os azuis, à etnia

7
Entretanto, é uma resposta possível, visto que pretendemos criar um quadro complexo de respostas para a
definição de Estado.
8
Para mais informações sobre os Horizontes, procurar a partir da página 75. John Murra explana sobre suas idades
e algumas de suas características.
7

B. Já o verde está relacionado a apenas um agrupamento, justamente a comunidade política


multiétnica.

As sociedades às quais Murra se refere tinham como base de sua existência uma
distinção entre etnias, em nosso mapa exemplificadas por azul e amarelo. Dessa forma, todas
as formações políticas presentes em azul no mapa se referem à etnia A9, enquanto as formações
em amarelo, à etnia B. Numa possível união entre grupos locais da mesma etnia, forma-se uma
comunidade política. Entretanto, se ocorrer o agrupamento entre etnias diferentes, forma-se a
comunidade política multiétnica, como é o caso de Tahuantinsuyo. Esta, então, dirige grupos
locais de etnias consideradas diferentes, como o caso dos Lupacas, da etnia Aimará, e os incas,
da etnia Quechua.

Salienta-se que para a comunidade política se formar é necessária a existência de dois


grupos étnicos locais da mesma etnia sob uma mesma organização. O tópico “Grupos étnicos
locais A” não é uma organização em si, mas aparece no texto de Murra como um local em que
estão grupos étnicos locais que não têm, necessariamente, alguma união política ou econômica.
Importante lembrar, também, que a existência de pactos econômicos e comércio não está ligada,
obrigatoriamente, a uma aliança ou submissão política.

Para a formação de uma comunidade política multiétnica, então, tem que existir sob a
mesma égide político-administrativa, no mínimo, dois grupos de etnias diferentes. É um termo,
portanto, bastante prático e de fácil diferenciação. Por exemplo, se houver 100 grupos de mesma
etnia sob um centro político, ainda será uma comunidade política.

A definição de Estado não é explicitamente abordada no mapa pois ela aborda um


maior e amplo leque de opções para se formar. Não é apenas o número populacional ou a
multietnicidade que formam o conceito Estado. Exemplo disso é a discussão feita por Murra
quanto à necessidade de multietnicidade para ser considerado Estado ou não. As proporções da
comunidade política abordada no mapa são menores se comparadas as do Estado; este, por sua
vez, teria como fator primordial a concentração de comunidades políticas e de grupos étnicos
sob uma centralização político-econômica que englobe imensos territórios, vasto contingente
populacional, além de uma estrutura social mais complexa que a comunidade política
multiétnica.

9
Deve-se reiterar que essas divisões foram criadas neste artigo para exemplificar as variedades políticas.
8

Grupos étnicos locais A Grupos étnicos locais B

Comunidade política
Comunidade
multiétnica
política multiétnica

Grupo étnico local Grupo étnico local Grupo étnico local Grupo étnico local
A.1 A.2 B.1 B.2

Comunidade
Comunidade política A Comunidade Política B
Política A

Mapa 1
9

4. Aparato Social, Político e Econômico para o Conceito de Estado

Para se criar um quadro de respostas que responda o que Murra compreende por
Estado é necessário, então, percorrer todo o seu texto. Da mesma forma que não se pode definir
uma obra de arte apenas por sua figura principal, só é possível definir o que é Estado para Murra
ao levar em consideração todas as linhas de seu artigo. Com isso, temas dos mais variados têm
de ser circunscritos nesta análise; desde o alto número de pessoas dentro do Estado, a
representação dos outros grupos étnicos perante a administração do Estado, o governo direto ou
indireto exercido e, principalmente, as transformações ocorridas quando esse Estado toma sua
forma, seja no âmbito da exploração dos vários pisos andinos – suas transformações em relação
à função dos mitmacs – ou até na questão da relação de trabalho – a mita.

É necessário voltar ao trecho citado anteriormente para reavaliar o que o número


populacional do Estado pode dizer para sua compreensão. Murra mostra os números estimados,
falando que “as dimensões das comunidades políticas variaram de algumas centenas de famílias
a 25 ou 30 mil; quando reunidas num Estado como Tahuantinsuyo dos incas, podia alcançar 5
milhões ou mais” (op. cit.: 68). Nota-se neste trecho a palavra “reunidas”, que indica o status
de que o Estado é uma comunidade política de maior abrangência e com maior complexo
organizacional – pois reúne outras comunidades – e, com isso, seu total poderia alcançar 5
milhões ou mais. Lembrando que Murra define comunidade política (não o Estado) com um
porte de até 30 mil pessoas, o que leva a entender que é definidor para esse conceito a quantidade
de pessoas ordenadas sob o mesmo aparato político10.

Mais um quesito relevante desse trecho é que o Estado é liderado11 por um grupo
étnico, pois o autor ainda diz “quando reunidas [as comunidades políticas] num Estado como a
Tahuantinsuyo dos incas” (op. cit.: 68-69). Entende-se, assim, que o Estado é liderado por esse
grupo étnico local, ou seja, esse grupo é a referência de poder da macroestrutura política, o que
se leva a compreender essa comunidade política como uma organização político-econômica
centralizada que possui, em seu maior âmbito administrativo, um grupo étnico específico, neste
caso os incas.

10
O governo indireto existente nesse Estado. Não é o objetivo do artigo entrar nessa questão em específico,
entretanto, é importante denotar que o aparato político, apesar de centralizado nas mãos de um grupo étnico, era
exercido por meio dos senhores étnicos locais, salvo casos mencionados.
11
Não será discutida aqui a questão da liderança, entretanto, posteriormente se discute a relação dos grupos étnicos
e seus senhores com o Estado e sua liderança inca.
10

Para John Murra, a principal forma de controle político-administrativo desse


Estado é feita de maneira indireta. Entretanto, o autor demonstra por diversas vezes que o
sistema foi transformado em alguns aspectos, diz que os “senhores locais [dos grupos étnicos
locais] adequaram-se a um novo sistema, de “governo indireto”” (op. cit.: 78). Apesar das
antigas normas andinas ainda estarem presentes nesta organização política, o Estado – por sua
força econômica e administrativa – modificou algumas realidades, principalmente no que tange
à nomeação de líderes para os grupos étnicos locais e também às comunidades políticas.
Continua Murra (op. cit.: 79):

(...) nas montanhas, as muitas comunidades políticas incorporadas ao Estado inca


mantinham as distinções étnicas e a consciência de sua própria identidade. A expansão
de Tahuantinsuyo fora rápida, mas só conseguiu tal presteza quando absorveu
entidades políticas inteiras, e não aldeias e vales distintos.

As entidades a que o autor se refere são justamente as comunidades políticas locais e não apenas
o absorvimento de grupos étnicos separados12, pois esses, quando unidos, formam as
comunidades.

Murra afirma que nas regiões rebeldes de Tahuantinsuyo “os incas realmente
designaram “governadores” para substituir o senhor local” (op. cit.: 85), nos apresentando a
força coerciva que esse Estado tem, isto é, sua capacidade de selecionar quem seriam os líderes
dos grupos étnicos e comunidades políticas locais que causassem conflitos aos interesses do
Estado. Noutro momento o autor cita um relato europeu do período em que ocorreu a extensiva
dominação sobre a região andina, o qual relata uma alteração na liderança inca, em suas palavras
houve “uma mudança na escolha do corajoso”, ou seja, do líder, para outro que fomentasse uma
“maior rigidez nas linhas hereditárias” (op. cit.: 87).

Apesar das dificuldades impostas para se distinguir as especificidades do Estado


inca e o que seriam propriamente características do Estado, observa-se aqui uma mudança
sócio-política no momento em que o Estado toma sua forma na região andina. Os senhores
locais passaram então a ter sua hereditariedade validada quanto ao poder do grupo étnico local,
diferente da forma existente no tempo dos soldados – tempo em que na ocasião da morte do
senhor local, assumiria o homem mais corajoso do grupo. Conclui-se que essa força de
ordenação política e de transformação da realidade do comando do grupo étnico é uma das
principais características definidoras do conceito Estado para Murra, pois se diferencia da

12
Para facilitar a compreensão, sugere-se uma volta ao mapa anterior.
11

comunidade política, já discutida anteriormente, a qual teria uma menor influência política e
econômica sobre os grupos étnicos a ela atrelados.

Murra mostra repetidamente em todo seu texto a força que o Estado tem perante
as comunidades políticas e os grupos étnicos locais a ele atrelados. Entretanto, existem duas
mudanças causadas pelo Estado e reiteradas em vários trechos sobre o modelo de
colônia/arquipélago e a relação dos colonos com a distância entre o grupo original e o lugar
para o qual foi designado. O autor afirma (op. cit.: 70) que o aumento da dimensão da
comunidade política – o Estado – possibilitou que as colônias de tornassem maiores e muito
mais distantes uma das outras.

O Estado se mostra, dessa forma, uma comunidade política que favorece arranjos
organizativos maiores, mesmo a grupos étnicos diferentes e concorrentes. Assim, consegue-se
enxergar melhor a dimensão da força política e de centralização de poder desse conceito
construído ao longo do texto. Diz ainda (op. cit.: 73) que “essa dimensão [da macro adaptação
do sistema de arquipélago] é de máxima importância às mudanças que o padrão sofreu quando
a comunidade política controladora ultrapassou uma escala de cerca de vinte mil famílias” e
completa: “são indícios de que aquilo que começou como um meio de complementar o acesso
produtivo a uma série de pisos ecológicos se transformara num oneroso meio de controle
político” (op. cit.: 75). Com isso temos mais uma definição de Estado: uma comunidade política
capaz de transformar uma realidade antiga em amplo número de locais e, pela sua centralização
política, conformar grupos étnicos diferentes sob o mesmo interesse.

Nesse mesmo aspecto de transformação da vida social e econômica, houve uma


mudança crucial na relação entre os mitmacs e colonos no que diz respeito aos respectivos
grupos étnicos de origem, pois as grandes distâncias percorridas até a colônia – lugar em que o
mitmac deveria permanecer para trabalhar – dificultavam a volta para seu local de morada.
Assim, as grandes distâncias geraram a necessidade de uma organização complexa e de uma
transformação ideológica de grande proporção, que apenas uma organização política como o
Estado pôde conduzir.

5. Considerações Finais

Ao longo deste artigo, buscou-se traçar um caminho que levasse à compreensão do


conceito Estado para John Murra. A história dos conceitos, além de pesquisa essencial para os
historiadores, também se mostra um exercício intelectual relevante, mesmo se feito em pequena
12

escala, como neste caso. A busca pelo conceito Estado em Murra pôde demonstrar todo um
universo de significação de outros termos por ele usados, como grupo étnico e comunidade
política multiétnica.

Dessa maneira, ao passo que o conceito está implícito e disposto ao longo de todo
o texto de Murra, apresentou-se aqui as definições possíveis e relevantes acerca do Estado.
Discutiu-se desde as conclusões acerca da força das comunidades políticas perante as
transformações na relação com o modo de arquipélago até a importância das escalas para a
definição de etnia e seus grupos.

No momento em que o presente artigo analisou os termos, como os de comunidade


política multiétnica e o de grupos étnicos, percebeu-se o aspecto centralizador e catalisador
dessas estruturas políticas pelo Estado. Apreendeu-se que as dimensões espaciais e estruturais
do que ele considera comunidade política e Estado são muito diferentes; enquanto na primeira
os números populacionais poderiam chegar até os 150 mil, o Estado alcançaria os milhões.

A definição de Estado para John Murra, apesar de não ser clara e nem explícita,
indica que ele a entende pela expressão de um poder centralizado e sem parâmetros se
comparado a outros sistemas políticos indígenas. O Estado foi, então, uma comunidade política
que proporcionou arranjos organizativos maiores a grupos étnicos diferentes e mesmo
concorrentes. O Estado possuiu uma incrível força de convergir interesses e de centralizar, bem
como afunilar, poderes político-econômicos. Poderes que englobaram imensos territórios, altos
contingentes populacionais, extensa e complexa estrutura econômica que teve alcance sócio-
político que outras organizações políticas não alcançaram, fazendo deste um agrupamento dos
mais debatidos e influentes de toda a história da América.
13

6. Referência Bibliográfica

MURRA, John. As Sociedades Andinas Anteriores a 1532. In: História da América Latina:
América Latina Colonial. Trad. Maria Clara Cescato, ed.2, São Paulo: Edusp & Brasília,
DF: Fundação Alexandre Gusmão, 1998.

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