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Da semiótica e seu objecto

António Fidalgo
Universidade da Beira Interior

Índice Pensamo-la antes na confluência de dois ní-


veis semânticos não sígnicos: o da textua-
1 Introdução 1 lidade/discursividade e o da enunciação. E
2 A história e os confins da semiótica 2 enquanto num caso acentuamos o domínio
3 A polissemia e a crise do ‘signo’ 9 da escrita, o domínio do objecto textual, e
4 A natureza relacional do signo 12 suspendemos a relação com o contexto, no
5 Sintáctica e operatividade dos signos 15 outro, colocamos a ênfase nas dimensões da
6 Que semiótica para os cursos de co- prática discursiva, interacção, intersubjecti-
municação? 17 vidade, reflexividade, intencionalidade e co-
municação. Quer isso dizer que pensamos
a semiótica como a disciplina da significa-
1 Introdução ção".1
Sempre a questão do objecto foi uma das Moisés Martins não nega que tradicional-
questões centrais de qualquer ciência. Saber mente a semiótica era entendida como ciên-
de que é que uma ciência trata é tão impor- cia dos signos,2 mas considera que na dé-
tante ou mais do que saber quais os seus mé- cada de sessenta houve uma alteração do ob-
todos ou seus objectivos. O mesmo se passa jecto desta ciência, de algum modo conco-
com a semiótica. A indicação do seu ob- mitante com a alteração da denominação de
jecto é elemento importantíssimo para a sua semiologia para semiótica: "A disciplina de
compreensão enquanto ciência. Tradicional- Semiótica começou por ser em Saussure, e
mente a semiótica era entendida como ciên- foi-o ainda com Barthes, uma ciência que se
cia dos signos, mas hoje aparecem escolas e ocupou dos sistemas de signos (semiologia).
autores a defenderem a semiótica como ciên- Nos anos sessenta rompe com a linguística
cia da significação em contraposição a uma do signo e afirmou-se como a ciência da sig-
semiótica enquanto ciência dos signos. Um nificação (semiótica)."3 Embora esta altera-
desses autores é Moisés Martins que logo ção de denominação de semiologia para se-
na primeira página do seu relatório sobre a miótica se aplique tão somente ao universo
disciplina de semiótica, apresentado à Uni- parisiense, pois que antes de Saussure for-
versidade do Minho para provas de agrega- 1
- Semiótica. Programa e Metodologia, pp. 1 e 2.
ção, afirma explicitamente: "Não circuns- 2
- ibidem, p. 2.
3
crevemos a semiótica ao regime do signo. - ibidem, p.18
2 António Fidalgo

jar o termo "semiologia"já o termo "semió- 2 A história e os confins da


tica"era vulgar na filosofia e na lógica como semiótica
teoria dos signos, o que importa aqui registar
é que Moisés Martins considera estar mera- As fronteiras de uma ciência devem muito do
mente a aceitar um dado adquirido, isto é, seu traçado não à necessidade dedutiva de-
que a semiótica mudou de facto de objecto: corrente dos seus princípios, mas ao acaso da
"Fazemos, sim, acto da deslocação operada história. Que objectos caem ou não no seu
em semiótica ao longo das últimas décadas. âmbito resulta não raras vezes de uma rei-
Esta disciplina deixou, com efeito, de se ocu- vindicação atempada. Como ciência recente,
par dos signos, cuja crise talvez com algum a semiótica sentiu a dificuldade de encontrar
exagero, é dada por definitiva, para se cen- já ocupadas áreas de investigação que pode-
trar na significação, e na realização que esta riam muito bem ser suas. Isto mesmo o reco-
tem em textos (e em discursos)".4 nhece Roland Posner ao apresentar a semió-
tica como ciência com um objecto, no artigo
O meu intuito neste artigo é duplo: por um com que abre a monumental obra Semiotics.
lado, compreender o abandono dos signos A Handbook on the Sign-Theoretic Foundati-
pela Escola de Paris, isto é, apurar as razões ons of Nature and Culture.6 Escreve ele que
para o que é considerado um dado adqui- o propósito da semiótica teórica de fornecer
rido, e, por outro, reafirmar os signos como os conceitos gerais a todos os tipos relevan-
o objecto da semiótica, mostrar que esse é tes de signos e de semioses chocou com os
o entendimento largamente predominante na direitos adquiridos de disciplinas tão estabe-
comunidade científica internacional, e jus- lecidas como a biologia, a psicologia e a me-
tificar esse entendimento. De algum modo dicina, por um lado, e a filologia, a musico-
retomo os propósitos do artigo de Umberto logia e a história de arte, por outro.7 A al-
Eco “Signo” na Enciclopédia Einaudi.5 ternativa foi, primeiro, abordar áreas ainda
não cobertas cientificamente, dando assim
Como meta final do artigo proponho-me origem às semióticas regionais, como a do
mostrar que a noção de semiótica como dou- teatro, a da cinema e a da comunicação não
trina dos signos continua a ser hoje uma no- verbal, e, segundo, tratar unitariamente áreas
ção muito rica e, mais importante ainda, que diversas, abordadas isoladamente por outras
esta acepção de semiótica é mais ajustável disciplinas. Fora o desenvolvimento da se-
que a acepção da semiótica como ciência da miótica mais lesto e hoje seriam os seus con-
significação num currículo de estudos de um fins diferentes.
curso de comunicação. 6
- Manual organizado por Roland Posner, Klaus
Robering, Thomas A. Sebeok, publicado em Berlin e
New York pela Walter de Gruyter. A obra é composta
por três volumes, no conjunto com cerca de três mil
páginas. O primeiro volume veio à luz em 1997, o
segundo em 1998. Espera-se que o terceiro surja em
4
- ibidem, p.20. 1999. O manual é o décimo terceiro da série Handbo-
5
- Enciclopédia Einaudi, vol. 31, Signo, Lisboa: oks of Linguistics and Communication.
7
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1994. pp. 11-51. − ibidem, pp. 2.

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A economia e a eficácia dos signos 3

Definir a semiótica tal como existiu e etiologia, patologia, higiene e terapia. Fa-
existe exige conhecer a sua história. Com zendo parte da diagnose, caberia à semiótica
efeito, qualquer definição nominal ou con- descobrir os sintomas das doenças.9 No en-
vencional não evitaria um certo grau de ar- tanto, e apesar de Galeno ser, além de mé-
bitrariedade. A definição etimológica do dico, um filósofo com uma obra ampla num
termo semiótica como disciplina dos signos campo lógico-linguístico que hoje incluiría-
(σηµεioν) poderia considerar-se como cor- mos na semiótica,10 a relação entre os dois
roborando a posição de que são os signos campos, a sintomatologia médica e a linguís-
e não a significação o objecto da semiótica, tica, não foi feita pelos gregos.11 Umberto
no entanto, um olhar mais atento à história Eco escreve mesmo que Galeno teria ficado
do étimo revelaria que não será a etimolo- muito surpreendido se soubesse que a sua
gia a abitrar o litígio do objecto semiótico. τ εχνη σηµειoτ ικ servia para analisar tam-
O termo σηµεioν constituinte de semiótica bém os elementos da língua.12
é tardio no grego e deriva do termo ante- Não é à história do termo, mas à história
rior ση?µα.8 Ora é deste radical que surgem da ciência por ele designada, que há que bus-
também outras disciplinas adjacentes, con- car directrizes vinculativas sobre o seu ob-
correntes ou mesmo pertencentes à semió- jecto específico. Determinar-se-á o objecto
tica, como semântica e semasiologia. A raiz da semiótica sabendo qual o objecto de que
etimológica dos termos é a mesma, todavia ela tratou e trata. Sendo muito claro este
o seu significado varia consoante a história método de resolução do problema, ele não
destes. O termo semântica, por exemplo, só é fácil. E não é fácil desde logo porque nos
em 1897, com o Essai de Sémantique de Mi- encontramos de algum modo numa situação
chel Bréal, viu a sua significação definitiva- circular, da charada do ovo e da galinha. Para
mente estabelecida como a ciência do signi- determinar o que cabe e não cabe na história
ficado. da semiótica, exige saber-se do que ela trata,
A própria história do termo ‘semiótica’, e para se saber do que a semiótica trata há
que não da ciência semiótica, não resolverá que recorrer à história da semiótica. Esta di-
certamente a disputa em aberto, apesar das ficuldade foi levantada e tratada por Jürgen
achegas importantes que possa dar. É sabido Trabant13 e Umberto Eco.14
que ‘semiótica’ começa por ser um termo da Trabant considera não ser possível uma
medicina grega. Na tradição hipocrática Ga-
9
leno classifica a σηµειoτ ικ como um dos - Thomas A. Sebeok, “Symptome, systhematisch
und historisch” in Zeitschrift für Semiotik 6/1-2, 1984,
seis ramos da medicina, a par da fisiologia, pp. 37-52.
10
- Ver Robert Blair Edlow, Galen on Language
8
- Sobre a variedade semântica do termo ση?µα and Ambiguity, Leiden: E.J.Brill, 1977.
11
na Grécia pré-clássica ver Ezio Pellizer, “Sign Con- - Ver Pellizer, ibidem.
12
ceptions in pre-classical Greece” in Posner, org., - Umberto Eco, “History and historiography of
1997, pp. 831-836. São oito os significados de ση?µα Semiotics” in Posner, org., 1997, pp. 730-746.
13
que Pellizer identifica na Grécia pré-clássica: signo − Jürgen Trabant, “Monumentalische, kritische
físico, forma desenhada ou modelada, túmulo ou se- und antiquarische Historie der Semiotik” in Zeitsch-
pulcro, escrita, fenómeno natural, constelação, profe- rift für Semiotik 3/1, 1981, pp. 41-48.
14
cia ou resposta, evidência circunstancial. - Umberto Eco, ibidem.

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história “objectiva” da semiótica, mas que tória da semiótica que Umberto Eco analisa
haverá sempre diferentes semióticas conso- o problema da relação do objecto e da his-
ante as diferentes concepções de semiótica tória da semiótica. Um historiador que qui-
dos historiadores. Com base em duas apre- sesse elaborar uma história da semiótica, en-
sentações da história da semiótica,15 Tra- tendida esta como uma teoria dos signos, ve-
bant mostra como a semiótica é vista e nar- rificaria que muitos autores do passado, ape-
rada consoante o respectivo ponto de partida. sar de abordarem temáticas que no entender
Adoptando a divisão nietzscheana da história do próprio historiador estariam relacionadas
em monumental, crítica e antiquarista, Tra- com os signos, ou não mencionam a noção
bant considera que tanto uma como a ou- de signo, ou questionam mesmo a própria
tra das apresentações analisadas pertencem noção de signo, ou afirmam que o objecto
ao género monumental, interessadas em jus- da semiótica é algo diferente dos signos, ou
tificar e glorificar uma determinada teoria e sustentam que os signos são apenas uma sub-
prática semióticas. Trabant nota a falha de espécie de entidades semióticas e que a se-
ainda não existir aquela história antiquarista miótica incide sobre um campo mais vasto
da semiótica, que tudo regista sem diferen- de fenómenos inter-relacionados, ou negam
ciar o valor de cada coisa, nem respeitar pro- abertamente a existência de um campo uni-
porções, mas que acribicamente junta tudo o ficado de interesses denominado semiótica,
que possa de perto ou de longe, de qualquer ou, por fim, assumem expressamente que as
maneira, ter a ver com a temática semiótica. suas investigações nada têm a ver com a se-
E declara ser uma necessidade a elaboração miótica. Ainda segundo Umberto Eco, o pro-
dessa história antiquarista da semiótica, até blema subjacente a este dilema é o facto de,
para por ela se aferirem as particularidades por um lado, os semióticos modernos ainda
e se corrigirem as falhas e as injustiças das não terem chegado a acordo sobre uma lista
histórias de tipo monumental e crítico.16 mínima de conceitos básicos e, por outro, de
A história antiquarista da semiótica foi en- a noção de signo não ter sido sempre, desde
tretanto feita. O referido manual de semió- os primórdios do pensamento ocidental, uma
tica de Posner contém uma vastíssima quan- categoria semiótica suficientemente compre-
tidade de material histórico que abarca to- ensiva. A solução consistirá em todo o histo-
dos os domínios que podem ser considerados riador expor logo de início qual o seu enten-
como pertencendo ao longo dos tempos, de dimento de semiótica e qual o objecto da sua
longe ou de perto, à semiótica.17 Ora é jus- pesquisa por campos tão diferentes da refle-
tamente num artigo introdutório a esta his- xão científica e da cultura humana.18 Mesmo
15
- São elas o manual de Elisabeth Walther, All-
assim, a proposta de Eco é partir da defini-
gemeine Zeichenlehre. Einführung in die Grundla- ção de semiótica como doutrina dos signos,
gen der Semiotik, Stuttgart, 1974, e Thomas A. Se-
beok, Theorie und Geschichte der Semiotik, Rein-
beck, 1979.
16
- Trabant, ibidem, p. 48.
17
- A secção B do Semiotics. A Handbook on páginas, pp. 668-1198 do 1o volume e pp. 1199-2339
the Sign-Theoretic Foundations of Nature and Culture do 2o volume.
18
que inclui nada menos que 68 artigos em mais de 1500 - Eco, ibidem, p. 733.

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por isso seguir as propostas mais difundidas signos de que o espírito se serve para en-
como a de Jakobson19 e a de Sebeok.20 tender as coisas ou para comunicar esse co-
No entanto, para além de uma história ge- nhecimento aos outros.22 Ora é sobretudo
ral da semiótica, isto é de uma semiótica de a função representacional dos signos no co-
certo modo avant la lettre, que incluiria tudo nhecimento que chama a atenção dos lógicos
e todos, há a história da semiótica como dis- do século XIX, como Lambert23 , Bolzano e
ciplina do século XX. Aqui é inquestionável Husserl24 . Eles vêem na semiótica uma ci-
que Charles Sanders Peirce e Ferdinand de ência propedêutica à lógica virada para o es-
Saussure são os fundadores da semiótica tal tudo dos signos como instrumentos do pen-
como se viria a constituir nos nossos dias. samento e do conhecimento.
A semiótica é, vale dizê-lo, uma ciência re- É no seguimento desta linha filosófico-
cente para uma temática antiga21 . Dentro da lógica que Peirce desenvolve o seu conceito
história da semiótica cabe portanto como seu de semiótica.25 Para Peirce a semiótica é
núcleo duro a história da disciplina da se- uma disciplina lógica. Logo nos primeiros
miótica tal como ela se afirmou como dis- escritos, nomeadamente em “On a New List
ciplina autónoma na contemporaneidade. E of Categories”,26 estabelece os traços gerais
aqui não subsistem quaisquer dúvidas de que do que seria a sua semiótica. As categorias
foi concebida pelos seus fundadores como aristotélicas e kantianas são substituídas sim-
ciência dos signos. plesmente por três, Qualidade, Relação e Re-
John Locke é o primeiro na modernidade presentação, havendo então a distinguir três
a postular em 1690 uma ciência chamada tipos de representações (termo que viria a
σηµειoτ ικ incumbida de estudar os signos, ser substituído por signo), similitudes (mais
de que as palavras são a parte mais usual, tarde, ícones), índices e símbolos. A tese
nomeadamente de considerar a natureza dos fundamental de Peirce nos primeiros escri-
tos, “Questions Concerning Certain Facul-
19
- Roman Jakobson define semiótica na abertura ties Claimed for Man” e “Some Consequen-
do primeiro congresso da Associação Internacional de ces of Four Incapacities”, é de que “todo o
Estudos Semióticos como qualquer tipo de estudo in-
pensamento está nos signos” e, portanto, de
teressado numa relation de renvoi, no sentido clássico
do aliquid stat pro aliquo. Veja-se ainda Roman Ja-
22
kobson, On Language, Cambridge: Harvard Univer- - Ensaio sobre o Entendimento Humano, Parte 4,
sity Press, 1990. “Language as one of the sign sys- Cap. XXI, §4.
23
tems and linguistics as the science of verbal signs, is - Christoph Hubig, “Die Zeichentheorie Johann
but a part of semiotics, the general science of signs Heinrich Lamberts: Semiotik als philosophische
which was forseen, named and delineated in John Propädeutik” in Zeitschrift für Semiotik 1, 1979, pp.
Locke’s essay. . . ” p. 454. 333-344.
20 24
- Thomas A. Sebeok, Contributions to the - Ver Fidalgo, ibidem; os capítulos dedicados a
Doctrine of Signs, Bloomington: Indiana University Bolzano e a Husserl, pp. 22-43.
25
Press, 1976. - Klaus Oehler, “An Outline of Peirce’s Semio-
21
- Ver António Fidalgo, Semiótica: A Lógica da tics” in Martin Krampen, org., Classics of Semiotics,
Comunicação, Covilhã: Universidade da Beira Inte- New York: Plenum Press, 1987.
26
rior, 1998. Ver sobretudo a Introdução, intitulada jus- - Collected Papers of Charles Sanders Peirce,
tamente “Uma ciência recente para uma temática an- Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1931-
tiga”, pp. 3-16. 1935, 1.545-567.

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que a semiótica tem uma aplicação universal. história da semiologia, isto é, da semiótica
Tudo pode ser um signo, bastando para isso de proveniência linguística, que deveremos
que entre num processo de semiose, no pro- encontrar as razões para uma alteração da
cesso de que algo está por algo para alguém. acepção tradicional de semiótica.
Directamente na peugada de Peirce, Char- A ideia que Saussure apresenta da semio-
les Morris apresenta a semiótica como a ci- logia é tão clara quanto embrionária. À se-
ência dos signos com as sub-disciplinas da miologia competiria “o estudo da vida dos
sintáctica, semântica e pragmática.27 O mé- signos no seio da vida social”. Sendo a lin-
rito de Morris é o de ter estabelecido esta guagem um sistema de signos entre outros
divisão epistemológica da semiótica, que se sistemas de signos de que o homem se serve
tornaria canónica, na base do próprio pro- para comunicar, a linguística seria uma ci-
cesso semiósico. O estudo semiótico dos sig- ência particular de determinados signos, os
nos pode ser sintáctico, semântico ou prag- signos da linguagem, e enquadrar-se-ia na ci-
mático justamente dada a natureza relacional ência geral da semiologia que se debruçaria
do signo. Todo o signo consiste na relação de sobre todos os signos. A nova ciência, de-
um veículo sígnico que denota algo para al- nominada a partir do grego semeion, “sinal”,
guém. A semiótica “is not concerned with “estudaria em que consistem os signos, que
the study of a particular kind of object, but leis os regem”.29
with ordinary objects in so far (and only in A concepção saussureana de semiologia
so far) as they participate in semiosis”.28 é desenvolvida, na década de sessenta, no
Numa palavra, não restam dúvidas de que, sentido de uma semiologia da comunicação,
quanto à semiótica de proveniência peirce- oposta à semiologia da significação de Ro-
ana, seguramente a corrente semiótica mais land Barthes,−30 por Buyssens-31 e Prieto.-32
importante da actualidade, ela foi e continua O que estes dois autores intentam é de facto
a ser entendida como doutrina dos signos. erigir uma teoria geral dos signos.
Thomas A. Sebeok e toda a escola de Indiana Ora é justamente esta semiologia saus-
aí estão para o mostrar através de numerosas sureana, enquanto teoria geral dos signos,
obras e congressos científicos. linguísticos e não linguísticos, que Grei-
A negação dos signos como o objecto da mas considera ultrapassada. Explicitamente
semiótica aparece na escola francesa, preci- Greimas e Courtés escrevem que “O projecto
samente com A. J. Greimas, e é portanto na semiológico, na medida em que se procurou
27
- Charles Morris, “Foundations of the Theory of
desenvolvê-lo no quadro restrito da defini-
Signs” (1938) in Writings on the General Theory of
29
Signs, The Hague: Mouton, 1971, p. 20. A razão de - Ferdinand de Saussure, Curso de Linguística
traduzir aqui sintactics por sintáctica e não por sin- Geral, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1986, p.
taxe como fiz em Semiótica, A Lógica da Comunica- 44.
30
ção deve-se à necessidade de corresponder à distinção Georges Mounin, Introduction à la Sémiologie,
morrisiana entre sintax e sintactics. Segue-se, assim, Paris: Éditions de Minuit, 1970, pp. 11-15.
31
a tradução de Adriano Duarte Rodrigues, Introdução Eric Buyssens, Semiologia e Comunicação Lin-
à Semiótica, Lisboa: Presença, 1991, pp. 9495. guística, São Paulo: Editora Cultrix, s.d.
28 32
- Charles Morris, Writings on the General The- Luis Prieto, Mensagens e Sinais, São Paulo: Edi-
ory of Signs, The Hague: Mouton, 1971, p. 20. tora Cultrix, 1973 (1966).

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ção saussureana - o estudo dos signos, ins- uma ciência dos signos, baseada na linguís-
crito na teoria da comunicação, consistindo tica imanente e estrutural.35
na aplicação quase mecânica do modelo do Nos Prolegómenos a uma Teoria da Lin-
signo linguístico - depressa se viu reduzido a guagem de 1943 Hjelmslev conclui ser ine-
bem pouco: à análise de alguns códigos arti- vitável o alargamento das considerações lin-
ficiais supletivos, como as análises de Prieto guísticas a outras áreas que não as lín-
e de Mounin, fazendo da semiologia como guas naturais, e isto porque esse alarga-
que uma disciplina anexa da linguística."33 mento decorre das preocupações estritas do
Mais exactamente, é o modelo por assim di- linguista.36 Essas áreas são as semióticas,
zer ortodoxo da semiologia saussureana, de- dando Hjelmslev um sentido peculiar a este
fendido por Georges Mounin, que Greimas termo. Por semiótica entende ele não uma
declara ter-se esgotado. ciência, mas um sistema hierárquico de rela-
Greimas inscreve-se expressamente34 na ções tal como, por exemplo, uma linguagem
tradição de Louis Hjelmslev para sustentar natural.37 Uma semiótica é um sistema es-
uma concepção de semiótica não como te- truturado de modo análogo à linguagem. A
oria geral dos signos, mas como teoria dos conclusão daqui resultante é a que “obriga o
processos universais de significação. Seria, 35
- “For in my opinion, and with all respect for
pois, com Hjelmslev que se daria, segundo Hjelmslev’s importance as a linguistic scientist, the
Greimas e Courtés, a alteração da noção de truly original aspect of his work is the development
semiótica e isso bastaria para nos obrigar of a semiotic rather than a linguistic theory. For he
a olhar atentamente para a doutrina do lin- is nothing less than the originator of that Saussurean
guista dinamarquês. Há porém que redobrar desideratum, namely a general science of signs (sémi-
ologie) based on immanent ans structural linguistics.”
a atenção, quando outros autores consideram Jürgen Trabant, “Louis Hjelmslev: Glossematics as
que, pelo contrário, é Hjelmslev que realiza General Semiotics” in Martin Krampen, org., Clas-
o projecto de Saussure, da semiologia como sics of Semiotics, New York: Plenum Press, 1987, pp.
89-108, p. 90.
36
- Louis Hjelmslev, Prolegomena to a Theory of
33
− “Le project sémiologique, dans la mesure où Language, Madison: The University of Wisconsin
l’on a cherché à le développer dans le cadre restreint Press, 1961. “We stress that these further perspecti-
de la définition saussurienne. . . ; l’étude des ‘signes’, ves do not come as arbitrary and dispensable appren-
inscrite dans la théorie de la communication, consis- dages, but that, on the contrary, and precisely when
tant dans l’application quasi mécanique du modèle we restrict ourselves to the pure consideration of na-
du ‘signe linguistique’, etc. - s’est vite réduit à fort tural language, they spring with necessity from ‘na-
peu de chose: à analyse de quelques codes artificiels tural’ language and obtrude themselves with inevita-
de suppléance (cf. les analyses de Prieto, de Mou- ble logical consequence. If the linguistic wishes to
nin), ce qui a fait apparaître la sémiologie comme une make clear to himself the object of his own science he
discipline annexe de la linguistique.” A.J.Greimas, sees himself forced into spheres which according to
J.Courtés, Sémiotique. Dictionnaire raisonné de la the traditional view are not his.” pp.101-102.
37
théorie du langage, Paris: Hachette, 1979, p. 336. - Exactamente a definição formal dada por
34
- “En nous inscrivant dans la tradition de L. Hjelmslev de semiótica é a de “a hierarchy, any of
Helmslev qui a été le premier à proposer une théo- whose components admits of a further analysis into
rie sémiotique cohérente, nous pouvons accepter la classes defined by natural relation, so that any of those
définition qu’il donne de de la sémiotique”, ibidem, classes admits of an analysis into derivates defined by
p. 341. mutual mutation.” ibidem, p. 106.

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linguista a considerar como seu objecto, não senvolve é uma “ciência da pura forma” e
só a linguagem natural do dia a dia, mas tam- a língua uma “estrutura abstracta de trans-
bém qualquer semiótica, isto é, qualquer es- formações”.43 Não é por acaso que a es-
trutura análoga à linguagem”.38 Donde re- trutura semiológica é redescoberta nas estru-
sulta que a linguagem como uma semiótica turas dos jogos, por exemplo na do xadrez.
entre outras “pode ser encarada como um A concepção da linguagem é formal. Ora
caso especial de um objecto mais geral”.39 este é, ainda segundo Hjelmslev, um ponto
Daqui segue-se, segundo Hjelmslev, ser pro- muito importante na constituição da semio-
veitoso e necessário estabelecer um ponto logia numa base “imanente”. E é aqui que
de vista comum às várias disciplinas, do es- uma colaboração íntima entre lógicos e lin-
tudo da literatura à matemática, passando guistas se pode e deve estabelecer. Hjelms-
pela música e história, “dando cada uma, à lev cita a obra de Rudolf Carnap, A Sintaxe
sua maneira, o seu contributo à ciência ge- Lógica da Linguagem, 1934, como situando-
ral da semiótica”.40 Hjelmslev concebe, por- se na fronteira dessa colaboração. Portanto,
tanto, também uma ciência geral, modelada a concepção hjelmsleviana da doutrina geral
sem dúvida a partir da linguística, mas onde da semiótica é a de uma ciência claramente
esta se inseriria.41 formal, de natureza linguístico-lógica.
Esta é, a este nível, uma posição clara- Sendo assim, como é que Greimas en-
mente saussureana. O próprio Hjelmslev raíza uma semiótica social na doutrina de
o reconhece.42 O que Hjelmslev contesta, Hjelmslev? Através da distinção crucial que
isso sim, é o carácter sociológico e psicoló- Hjelmslev faz entre processo e sistema.44
gico que a semiologia teria, na opinião de Sendo as semióticas hierarquias e havendo
Saussure. Com efeito, Saussure enquadra dois tipos de hierarquias, processos e siste-
a semiologia dentro da psicologia social e mas, a ideia greimasiana de semiótica é a de
esta por sua vez dentro da psicologia geral. uma hierarquia de processos determinante da
Donde a linguística, como ciência particu- hierarquia de sistemas.
lar da semiologia, seria também uma dis- Hjelmslev considera que toda a análise
ciplina socio-psicológica. Contudo, como linguística tem de ser processual e sistemá-
Hjelmslev muito bem aponta, o que Saus- tica. Ora é justamente na base da análise pro-
sure acaba por realmente fazer com a linguís- cessual do eixo sintagmático da língua que
tica é algo completamente diferente. A lin- Hjelmslev chega às figuras constituintes dos
guística como Saussure efectivamente a de- signos. Os signos não são entidades linguís-
ticas últimas, mas sim construções sígnicas
38
- ibidem, p.107. feitas a partir de um número reduzido de fi-
39
- ibidem, p.107.
40
- ibidem, p.107.
41 43
- “Each will be able to contribute in its own way - “Saussure sketches something that can only be
to the general science of semiotics by investigating to understood as a science of pure form, a conception
what extent and in what manner its objects may be of language as an abstract transformation structure,
submitted to an analysis that is in agreement with the which he elucidates from a consideration of analo-
requirements of linguistic theory.” ibidem, p.108. gous structures.” ibidem, p.108.
42 44
- ibidem, p.107-109. - ibidem, pp.28-41.

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guras.45 Conclui-se assim que “as línguas Sem querer entrar numa filologia da obra
não podem ser descritas como puros siste- de Hjelmslev, parece não sofrer dúvidas que
mas de signos. . . , mas que pela sua estrutura a leitura que Greimas faz é unilateral. Para
interna são primeiramente e antes de tudo o Hjelmslev todo o processo tem um sistema
mais algo diferente, a saber, sistemas de fi- por detrás que o possibilita e o condiciona.
guras que se podem usar para construir sig- Pode haver sistemas sem processos, mas não
nos.”46 Fica assim desfeita a ideia da lingua- há processos sem sistemas.49 Ora a no-
gem como sistema de signos. Na base desse ção que Hjelmslev apresenta da semiótica é,
sistema está uma construção. como se viu atrás, a de um alargamento e de-
A semiótica de Greimas reforça o carácter senvolvimento do sistema linguístico. Ape-
processual da análise.47 É neste ponto, por- sar do que Greimas e Courtés pretendem fa-
tanto, na distinção entre processo e sistema, zer crer, a semiótica de Hjelmslev está na
que claramente se situa a bifurcação na con- linha de desenvolvimento da semiologia de
cepção de semiótica, a semiologia sistemá- Saussure.
tica saussureana e a semiótica processual -
ou semântica! - de Greimas.48
3 A polissemia e a crise do
45
- “Such non-signs as enter into a sign system ‘signo’
as parts of signs we shall here call figurae; this is a
purely operative term, introduced simply for conveni- A crise do signo é antes de mais uma crise
ence. Thus, a language is so ordered that with the help do signo linguístico. A semiologia que Grei-
of a handful of figurae and through ever new arrange-
mas considera ultrapassada é a semiologia
ments of them a legion of signs can be constructed.”
ibidem, p. 46. que se baseia na noção saussureana de signo
46
- ibidem, p. 47. linguístico. Porém, para além da noção de
47
- Greimas e Courtés reconhecem de certo modo signo linguístico outras noções há de signo
a unilateralidade da sua semiótica, à luz da defini-
ção de semiótica dada por Hjelmslev: “Le fait que de la sémantique et fonde épistemologiquement son
les recherches actuelles favorisent davantage, sous autonomie. La sémiotique d’inspiration hjelmslévi-
forme d’analyses de discours et des pratiques sémi- enne ne correspond donc pas à la sémiologie de Saus-
otiques, l’axe syntagmatique et les procès sémioti- sure: elle n’est plus ‘système’ (car elle est à la fois
ques, ne modifie en rien cette définition: on peut très système et procès), ni ‘systèmes des signes’ (car ele
bien imaginer qu’une phase ultérieure de la recher- traite d’unités plus petites que les signes, et relevant
che soit consacrée à la systématisation des résultats de l’un ou de l’autre plan du langage, mais non des
acquis.” A.J.Greimas, J.Courtés, Sémiotique. Dicti- deux à la fois comme dans le cas des signes).” ibi-
onnaire raisonné de la théorie du langage, Paris: Ha- dem, p. 66. Mais claro não se podia ser.
49
chette, 1979, p. 341. - “The decisive point is that the existence of a
48
- “Si la sémiologie est pour Saussure l’étude des system is a necessary premiss for the existence of a
‘systèmes des signes’, c’est que le plan des signes process: the process comes into existence by virtue
est pour lui le lieu de la manifestation de la forme of a system’s being present behind it, a system which
sémiotique. Pour Hjelmslev, au contraire, le niveau governs and determines it in its possible development.
des signes n’a besoin d’être analysé que pour per- A process is unimaginable without a system behind
mettre le passage dans un au-delà des signes, dans le it. On the other hand, a system is not unimaginable
domaine des figures (des plans de l’expression et de without a process; the existence of a system does not
contenu): le plan de la forme du contenu qui s’offre presuppose the existence of a process.” Hjelmslev,
ainsi à l’analyse devient de ce fait le lieu d’exercice ibidem, p. 39.

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10 António Fidalgo

que de modo algum se reduzem àquela. A cia. A relação sígnica aqui presente é antes
questão é pois se a crise do signo tal como é a de implicação, p ⊃ q, ou seja, é uma
proclamada pela Escola de Paris se estende condicional, se p então q. Um sinal é algo
à noção de signo em geral, überhaupt, ou a partir do qual se podem fazer inferências
apenas se cinge à noção de signo como uma válidas. Assim da presença do rasto conclui-
entidade de duas faces, significante e signi- se que por ali passou um animal, do fumo
ficado. Há que dar razão a Umberto Eco conclui-se que há fogo. É neste sentido que
quando diz que o anúncio da morte do signo os estóicos declaram ser o signo uma pro-
raramente é precedido por uma análise do posição constituída por uma conexão válida
conceito de signo ou por uma investigação com o seu consequente.
histórica da sua semântica.50 Mas para além destes dois sentidos de
O que Aristóteles diz do ente, que se diz de signo ainda há outros que convém referir.
muitas maneiras, também se pode dizer do Signo significa também um símbolo que re-
signo. Comecemos então por fixar as noções presenta um objecto abstracto ou uma rela-
mais comuns de signo.51 ção, como é o caso dos símbolos da álgebra
Sabemos que a noção de signo em Saus- e da geometria. Enquadram-se aqui as fór-
sure tem a sua génese num processo comuni- mulas e os diagramas. Embora sejam arbi-
cativo em que o emissor transmite uma men- trários, há neles também uma relação de mo-
sagem a um destinatário. O signo toma a tivação na medida em que alterando-se a ex-
função de representação de algo que se pre- pressão altera-se o conteúdo, dada a relação
tende comunicar a outro ser. Na base desta de um-a-um entre expressão e conteúdo. São
transmissão há-de haver um código comum os chamados signos icónicos ou analógicos.
capaz de associar as mesmas representações Este é o sentido de signo que os matemáticos
no emissor e no destinatário. Aqui a relação e os lógicos do Século XIX, nomeadamente
sígnica é uma relação de equivalência, p ≡ q. Bolzano e Husserl, abordam. Os signos são
Esta é a relação sígnica presente nos dicio- considerados aqui instrumentos eficazes do
nários e nas enciclopédias, onde woman sig- pensamento.
nifica mulher e “animal, humano, feminino, Signo significa ainda um desenho. A di-
adulto”. Esta relação tem um cariz arbitrá- ferença entre um desenho e um diagrama re-
rio. side em o diagrama obedecer a regras pre-
Esta noção de signo não é todavia a inicial, cisas e codificadas de produção enquanto o
aquela em que signum está por sinal, marca, desenho é feito espontaneamente e ainda por
indício. O rasto de um animal que serve de o diagrama representar objectos abstractos
sinal a um caçador, o fumo como sinal do enquanto o desenho representa normalmente
fogo, a febre como sintoma da doença, não um objecto concreto.
são signos com uma relação de equivalên- Signo significa um desenho estilizado que
mais do que representar um objecto concreto
50
- Umberto Eco, Semiotics and the Philosophy representa aquilo por que o objecto ele pró-
of Language, Bloomington: Indiana University Press,
1984, pp. 14-45. prio está, a cruz como sinal do Cristianismo
51
- Sigo aqui de perto a investigação de Umberto e o crescente como sinal do Islão. São sím-
Eco, ibidem. bolos, porém diferentes das fórmulas e dos

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A economia e a eficácia dos signos 11

diagramas, na medida em que estes são des- pode ser desconstruído e o mesmo vale dos
providos e eles repletos de sentido. símbolos da aritmética.
Por fim, signo toma o sentido de indica- Por outro lado, o signo linguístico tem
dor. A Estrela do Norte é um sinal para o ma- sido reduzido a unidades de maior exten-
rinheiro, não enquanto representa algo, mas são como a proposição e o texto. Buys-
enquanto lhe serve de indicação sobre como sens considera que o signo em si não tem
proceder. A relação aqui mais do que de dimensão suficiente para fazer um sentido.
substituição é de instrução. Esse sentido reside no sema, na proposição
Avançados estes sentidos de signo, con- correspondente a um estado de coisas. O
vém verificar em que consiste a crise do mesmo signo linguístico aparece em diferen-
signo e verificar se a crise do signo linguís- tes proposições que exprimem coisas com-
tico se estende aos outros sentidos de signo. pletamente diferentes. O termo ‘rua’, por
A crise do signo consiste essencialmente exemplo, tem um sentido completamente di-
numa desconstrução do signo linguístico, ferente consoante é utilizado em ‘Vai para a
numa recondução deste a unidades de maior rua’ e ‘A rua é larga’. O signo buscaria o
ou menor porte. Assim temos a desconstru- seu sentido na proposição que integrasse. A
ção do signo em figuras, em proposições e sua existência significativa seria meramente
em texto. virtual.
A dissolução do signo em figuras, já o vi- A dissolução do signo no texto é defen-
mos, é operada na linguística de Hjelmslev. dida pelo último Barthes e por Kristeva. O
A análise processual permite dividir o signo, texto é o local do sentido, gerador e produ-
tanto no plano da expressão como no plano tor de sentido. As palavras (signos) e as fra-
do conteúdo, em unidades menores chama- ses (proposições) que ocorrem no texto têm
das figuras. No plano da expressão o termo o sentido no texto. Este pode tirar-lhes o
‘gatos’, por exemplo, pode, graças ao mé- sentido do dicionário e dar-lhes novos sen-
todo da comutação, dividir-se em unidades tidos, pode sempre rever os sistemas signi-
menores gat/o/, onde o ‘o’ indica o mascu- ficativos e significantes anteriores e dotá-los
lino, por oposição ao femino ‘a’ (gata). Tam- de novo sentido, ou tirar-lhes o sentido. Com
bém no plano do conteúdo podemos estabe- as mesmas palavras se constróem textos di-
lecer unidades menores como felino, mascu- ferentes e em que as palavras ganham sen-
lino, animal doméstico, etc. Deste modo, o tidos diferentes. A expressão “Que pontual
signo linguístico aparece como o constructo me saíste!” para referir que o interlocutor
de agregações e desagregações de unidades chegou atrasado dá ao termo pontual um sen-
de menor tamanho. É justamente a possibi- tido oposto ao do sentido habitual do termo.
lidade de analisar a forma do conteúdo que A desconstrução do signo em unidades de
funda, segundo Greimas, a semântica estru- maior extensão, todavia, também não con-
tural. segue esvaziar completamente a autonomia
A desconstrução dos signos linguísticos significativa do termo, isto é, não conse-
em figuras não se aplica todavia a outros ti- gue por completo destruir a sua unidade
pos de signos. Há signos em que não há ar- significativa. Mesmo nos casos em que
ticulações. O fumo que assinala o fogo não uma palavra aparece com um sentido dife-

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12 António Fidalgo

rente, há sempre uma identidade última que deração de outros tipos de signo, nomeada-
a comanda e que lhe permite que efectiva- mente as relações que lhe estão subjacentes,
mente surja com significados muito diferen- obrigam a uma revisão do próprio signo lin-
tes, como no caso da palavra olho: “Vai para guístico à luz de uma concepção mais funda
o olho da rua” ou “O olho é um órgão da vi- e mais abrangente do signo enquanto signo.
são”, mas que, neste caso, a impede de inte-
grar frases como “O olho comeu favas”. As
4 A natureza relacional do signo
potencialidades semânticas do termo estão
presentes no próprio termo. “A capacidade A definição clássica de signo “aliquid stat
de os textos esvaziarem, destruirem ou re- pro aliquo” é feliz na medida em que, colo-
construirem funções-sígnicas pre-existentes cando duas variáveis nos termos da relação,
depende da presença no seio da função síg- acentua a própria relação. Algo que está por
nica de um conjunto de instruções orientado algo. À primeira vista, a definição é de uma
para a produção (potencial) de diferentes tex- generalidade tão grande que aparentemente a
tos”.52 Não é uma destruição pura e simples torna de pouca utilidade. “Algo” cobre tudo
dos signos que ocorre nos textos, mas antes e pouco diz sobre o que cobre e o mesmo
uma violência que estende o sentido destes vale para a relação “estar por”. A extensão
num processo infinito. dos termos “algo” e “estar por” é tão vasta
Umberto Eco avança um ‘modelo instruci- quanto reduzida a sua intensão. Contudo, é
onal’ para cobrir os sentidos conotativos ou graças a essa generalidade que a relação síg-
metafóricos de um termo, que por vezes pa- nica se pode aplicar a qualquer coisa. Tam-
recem negar o sentido primeiro. O sentido bém as noções primeiras de outras ciências
obtém-se através de um conjunto de instru- são gerais e não deixam de ser fundamen-
ções sobre as possíveis contextualizações do tais. A noção de “ser” por exemplo, apesar
termo. Temos então uma semiótica contex- de uma extrema generalidade não deixa de
tual segundo a qual “o tipo semântico é a ser de crucial importância para a filosofia.
descrição dos contextos em que o termo pode O que importa averiguar é a relação síg-
esperar-se vir a correr”.53 nica, o “estar por” que constitui o signo. Vi-
Os sentidos diferentes, conotativos ou me- mos atrás, aquando da abordagem da polisse-
tafóricos, são possíveis porque mesmo no mia do signo, que as relações sígnicas podem
primeiro nível de significação, para além de ser de inferência, de equivalência, de simili-
uma relação de equivalência há já inferência tude, icónicas ou isomórficas, entre outras.
latente.54 A relação “estar por” cobre todas elas. Con-
Para concluir esta parte, dir-se-á que não tudo, também pode cobrir outras, havendo
só a crise do signo linguístico não se estende então que apurar qual o âmbito, a extensão,
às outras noções de signo, mas que a consi- da relação sígnica. Esse âmbito, todavia, só
poderá ser traçado mediante a natureza ou in-
52
- ibidem, p. 25. tensão da relação. Como heurística para ana-
53
- ibidem, p. 35.
54
- “A linguistic term appears to be based an pure lisar a natureza da relação sígnica, adopto o
equivalence simply because we do not recognize in it acrescento que Charles Peirce fez à defini-
a ‘sleeping’ inference.” ibidem, p. 35 ção clássica de signo: algo que está por algo

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A economia e a eficácia dos signos 13

para alguém. Deste modo será possível de- cessárias e, dessa maneira, de tipo dedu-
terminar a relação “estar por” constituinte do tivo. A necessidade sígnica é aqui estabele-
signo. O “estar por” é uma relação entre um cida por definição dos signos em causa. Por
A e um B que permite a um C dar-se conta sua vez as linguagens naturais são códigos
de B mediante A. Quer isto então dizer que muito menos fortes que a matemática. A re-
há uma relação sígnica entre um A e um B lação sígnica diz-se aqui arbitrária, estabele-
sempre que um C ao dar-se conta de um A cida pela convenção de usos e costumes. De
também se dá conta de um B. Só nesse mo- qualquer modo, a arbitrariedade do signo lin-
mento é que esse A passa a estar por esse B, guístico, tal como é explanada em Saussure,
o mesmo é dizer, é que A é signo de B. não significa de modo algum que a relação
Inferências é o nome dado às relações em entre significante e significado se possa alte-
que alguém chega ao conhecimento de algo rar ad libitum. Saussure ao realçar a arbitra-
mediante um terceiro. Diz-se então que esse riedade do signo realça também o seu carác-
conhecimento é feito por inferência a partir ter inamovível. Arbitrariedade significa tão
desse terceiro. Antes de mais, convém dizer somente que não há motivos para que os ter-
que inferência é tomada aqui no seu sentido mos da relação sígnica sejam esses e não ou-
mais lato e que, portanto, não se confina à tros. Porém, uma vez estabelecida a relação
chamada implicação filoniana. sígnica por convenção ela tem a força que
Dedução e indução são os dois tipos de in- tem a convenção, ou seja, tem a necessidade
ferência mais conhecidos. A concepção da que tem a convenção que a instaura.
inferência sígnica como sendo do tipo dedu- É de notar que o modelo dedutivo dos
tivo assenta na noção de um signo forte em sistemas sígnicos como a matemática repre-
que a relação “estar por” é uma relação ne- senta um ideal que exerce uma grande atrac-
cessária. Para que C deduza B a partir de A é ção sobre todos os sistemas sígnicos. As ten-
necessário que B decorra necessariamente de tativas de formalização das linguagens natu-
A. Em todos os signos necessários a inferên- rais, o esforço por tornar científica a lingua-
cia é de tipo dedutivo. Temos assim signos gem quotidiana, de a depurar de todas as am-
necessários sempre que haja uma bicondici- biguidades e de a tornar unívoca podem ser
onal como no caso “Se for dia, então haverá vistas à luz dessa atracção pelo modelo de-
luz solar”. Um outro exemplo é o código dutivo da ciência.
Morse em que a cada unidade corresponde Os signos necessários são apenas uma
uma letra do alfabeto. Falamos neste caso de parte, reduzida, do universo dos signos.
códigos fortes.55 Código forte é aquele que Mais frequentes no dia a dia são as inferên-
estabelece uma relação necessária entre o A cias indutivas. Os sinais de diagnóstico e de
e o B pelo qual está para C. prognóstico incluem-se aqui. Há sempre um
Na matemática e em todas as outras lin- maior ou menor grau de probabilidade na in-
guagens formais as relações sígnicas são ne- dução.
Mas além da dedução e da indução temos
55
- Sobre a noção de códigos fortes ver Umberto ainda a abdução como inferência lógica e
Eco, ibidem, pp. 36-39, e Theory of Semiotics, 1979, sígnica. Foi Peirce quem descobriu o quão
Cap. 2, pp. 48-150. importante é a abdução no conhecimento hu-

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14 António Fidalgo

mano e de que forma. A natureza categorial rias possíveis. A palavra “homem” pode sig-
do signo, a sua universalidade, depende deste nificar, consoante os contextos, “animal ra-
tipo de inferência. Efectivamente, a possi- cional”, “pessoa adulta do sexo masculino”,
bilidade de qualquer coisa ser um signo de “pessoa de carácter”. A expressão “É um
qualquer coisa para alguém depende da pos- homem” tem, assim, sentidos diferentes de
sibilidade deste alguém elaborar uma hipó- acordo com o código escolhido para a cobrir.
tese explicativa da primeira coisa. Por abdu- O terceiro tipo de abdução é aquele em que
ção entende Peirce a inferência em que, face a regra explicativa tem de ser criada ex novo,
a circunstâncias algo curiosas que poderiam ou seja, em que não há códigos disponíveis
ser explicadas pela suposição do que é um em que possa ser integrada a coisa a expli-
caso de uma regra geral, adoptamos essas su- car, mas onde o código é ele próprio elabo-
posição”.56 Toda e qualquer coisa pode ser rado. Eco considera que Copérnico fez uma
vista à luz de uma hipótese, ganhando nesse abdução criativa ao ter a intuição do helio-
preciso momento um estatuto sígnico. centrismo. Em vez de inserir o fenómeno em
O leque das inferências abdutivas é enor- causa num modelo já existente, é o próprio
míssimo, cabendo nele formas de abduzir modelo que tem de ser criado para fornecer
tão diferentes como percepcionar, presumir, a explicação necessária.
supor, tecer hipóteses, mesmo imaginar.57
A semiótica americana é muito clara re-
Umberto Eco distingue três tipos de abdu-
lativamente à natureza relacional do signo.
ção: supercodificada, subcodificada e cria-
Todo o signo existe num processo de semi-
tiva.58 A abdução supercodificada ou hipó-
ose. Peirce e Morris são extremamente ex-
tese é aquela em que a regra é dada quase de
plícitos neste ponto. Para que algo possa fun-
imediato. Se numa rua de Portugal ouvir a
cionar como signo de algo tem de haver um
expressão “rei”, entenderei a palavra como
interpretante do signo. O signo como uni-
significando “monarca”, contudo se estiver
dade fechada contra o qual se volta a Escola
numa aula de latim e ouvir a mesma palavra-
de Paris não existe pura e simplesmente na
som então assumirei que se trata do genitivo
semiótica de proveniência anglo-saxónica.
singular do substantivo latino “res”. As in-
ferências que se fazem num e noutro local Ora é justamente devido ao carácter se-
são feitas com base em códigos diferentes, miósico ou processual dos signos que a se-
nomeadamente de que nas ruas de Portugal miótica se pode dividir em sintáctica, se-
se fala português e de que nas aulas de latim mântica e pragmática. Esta divisão não é
se declinam substantivos latinos. A abdução simplesmente um divisão de facto, é tam-
subcodificada, por seu lado, tem de buscar bém uma divisão de princípio. Ela assenta
ela própria o contexto em que se há-de situar, na estrutura relacional do signo como bem
isto é, tem de seleccionar uma regra entre vá- o demonstra Charles Morris em Foundations
of the Theory of Signs. Eliminar os signos
56
- Charles S. Peirce, Collected Papers, 2.624. da semiótica acarreta o ónus de fundamen-
57
- Fidalgo, ibidem, pp.45-58.
58
- Umberto Eco, Semiotics and the Philosophy tar a divisão corrente em sintáctica, semân-
of Language, Bloomington: Indiana University Press, tica e pragmática. Essa divisão não deve ser
1984, pp. 39-43. olhada como mais um facto adquirido por

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A economia e a eficácia dos signos 15

quem considera a significação, e não os sig- científica para que possa receber uma signi-
nos, como objecto da semiótica. ficação”, a lógica pura como “a ciência da-
quilo que é necessariamente verdade dos re-
presentamina de uma inteligência científica
5 Sintáctica e operatividade dos para que possam valer para qualquer objecto,
signos isto é, para que possam ser verdadeiros” e a
retórica pura com a função de “descobrir as
Uma das consequências de considerar a sig- leis graças às quais em qualquer inteligência
nificação, e não os signos, como o objecto da científica um signo dá origem a um outro e
semiótica é a marginalização da sintáctica e em particular um pensamento produz outro
da classificação dos signos. Isso é patente na pensamento”.60 Charles Morris tenta com a
obra de Moisés Martins, marginalização que divisão em sintáctica, semântica e pragmá-
é percebida e de algum modo justificada por tica, cobrir as diferentes correntes filosóficas
não se que querer sucumbir à “ideologia do dos anos trinta que estudavam, sob perspecti-
operativismo”.59 vas diferentes, os signos. A sintáctica incor-
A divisão morrisiana da semiótica em sin- poraria os trabalhos do positivismo lógico, a
táctica, semântica e pragmática retoma a di- semântica os estudos dos empiristas e a prag-
visão medieval do trivium, do estudo das vo- mática as investigações do pragmatismo.
ces, em gramática, dialéctica (lógica) e retó- A ideia de sintáctica estabelecida por Mor-
rica. Charles Peirce foi o primeiro a reinter- ris é a daquela parte da semiótica que estuda
pretar as velhas artes dicendi como partes da “a maneira como os signos de várias classes
semiótica. Sistematizando-as em disciplinas se combinam de modo a formar signos. Ela
que estudariam respectivamente a primeiri- abstrai da significação dos signos que estuda
dade, a segundidade e a tercialidade, Peirce e dos respectivos usos e efeitos”.61 Nesta
subdividiu a semiótica numa gramática pura concepção assumem-se três tarefas para a
ou especulativa, que teria como função “des- sintáctica: i) estudar os aspectos formais dos
cobrir aquilo que deve ser verdade do repre- signos; ii) estudar as relações dos signos com
sentamen utilizado por qualquer inteligência outros signos, isto é, classes de signos com
59
- “Se perspectivássemos a semiótica como a ci-
outras classes de signos; iii) estudar as for-
ência dos sistemas de signos, o que é um entendi- mas de combinação de signos de modo a for-
mento de larga tradição, sem dúvida que teríamos mar signos complexos.
uma ciência muito mais facilmente funcionalizável. Ora estes estudos têm larga tradição. Mor-
Tratar-se-ia, com efeito, de analisar regimes de sig-
ris recua mesmo até aos gregos para aí en-
nos, suportados pelos seus sistemas, os códigos, e de
trabalhar, entre outros, os conceitos de linguagem e contrar importantes realizações no âmbito
significação, classificação e estruturação, codificação da sintaxe, nomeadamente a apresentação da
e decodificação. Sucumbindo, por sua vez, à ‘ideolo- matemática sob a forma de um sistema de-
gia do operativismo’, a linguagem seria informativa,
60
dado o código contemplar todas as suas possibilidades - Peirce, CP, 2.229, Adriano Duarte Rodrigues,
combinatórias e ser possível a estrita decodificação de Introdução à Semiótica, Lisboa: Presença, 1991,
qualquer mensagem. Mas não é o caso, não circuns- pp. 9495.
61
crevemos a semiótica ao regime do signo.”, Moisés - Charles Morris, Writings on the Theory of
Martins, ibidem, p. 2. Signs, 1971, The Hague: Mouton, pp. 365 ss.

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16 António Fidalgo

dutivo ou axiomático, e reconhece que foram guístico sobre a matemática ou sobre uma
esses sistemas formais que “tornaram inevi- língua natural se não se conhecerem as re-
tável” o desenvolvimento da sintáctica, me- gras que presidem à organização e combina-
recendo especial destaque as ideias leibnizi- tória dos seus elementos. A teoria dos jogos
anas da ars characteristica, da ciência a que invocada por Hjelmslev para compreender as
incumbiria formar os signos de modo a ob- analogias constantes que Saussure traça en-
ter, através da mera consideração dos sig- tre a língua e o jogo de xadrez estipula uma
nos, todas as consequências das ideias cor- independência formal das regras em jogo que
respondentes, e da ars combinatoria, do cál- nada têm a ver com os condicionalismos so-
culo geral para determinar as combinações ciais ou psicológicos que possam rodear a re-
possíveis dos signos. Além de Leibniz, Mor- alização efectiva de um jogo.
ris cita as contribuições de Boole, Frege, Pe- Destacar ou marginalizar a sintáctica no
ano, Peirce, Russel, Whitehead e Carnap, no quadro das disciplinas da semiótica depende
domínio da lógica simbólica. É justamente da realce dado ou à componente sistemá-
em atenção a esta longa e rica tradição ló- tica ou à componente processual da semió-
gica que Morris considera ser a sintáctica a tica, assumindo aqui a distinção hjelmslevi-
disciplina semiótica melhor desenvolvida.62 ana entre sistema e processo. No caso de se
De certo modo a sintáctica está para os sis- dar realce ao sistema, tal como o fazem Saus-
temas sígnicos como a gramática está para sure e Hjelmslev, para já não falar da semió-
uma língua natural.63 Não basta conhecer tica de origem lógico-filosófica, então é de
o significado das palavras é também funda- crucial importância a sintáctica. As inves-
mental dominar as regras sintácticas da for- tigações de Saussure sobre os planos sintag-
mação e transformação de signos mais com- máticos e paradigmáticos da língua são disso
plexos dentro da língua, como as proposi- o melhor exemplo. Todo o processo da fala
ções. E tal como saber gramática é um dos se desenrola dentro do sistema da língua. Ou
saberes básicos de uma língua, conhecer a como Hjelmslev escreve, e volto a citar, pode
sintaxe que preside a um sistema sígnico seja haver sistemas sem processos, mas não há
ele qual for é um dos princípios fundamen- processos sem sistemas.64
tais da utilização desse sistema. De pouco A Escola de Paris ao acentuar, rever e re-
valerá tecer considerações de tipo metalin- valorizar o aspecto processual da semiótica,
62
enveredando pela sociologia e antropologia,
- “Syntactics, as the study of the syntactical re- fá-lo em oposição à linha lógico-sistemática
lations of signs to one another in abstraction from de
relations of signs to objects or to interpreters, is the de Saussure e de Hjelmslev.65
best developed of all the branches of semiotic”. Mor-
64
ris, ibidem, p. 28. - Ver nota de roda-pé 49.
63 65
- “Syntactics proper includes only morphology - “Contrairement donc à F. de Saussure et à L.
and syntax from the linguistic disciplines, and it is no Hjelmslev, pour qui les langues naturelles sont des sé-
accident that this is exactly what linguistics have tra- miotiques parmi d’autres, les langues naturelles et le
ditionally called ‘grammar’. Thus it is justified to re- monde naturel nous paraissent comme des vastes ré-
gard syntactics as a semiotic generalization of gram- servoirs des signes, comme des lieux de manifestation
mar.” Roland Posner, Klaus Robering, “Syntactics”, de nombreuses sémiotiques. D’autre part, le concept
in Posner, org, 1997, pp. 14-83. de construction doit également être revisé et revalo-

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A economia e a eficácia dos signos 17

6 Que semiótica para os cursos propriedades semióticas dos signos, isto é,


de comunicação? é a ciência cujo objecto é a semióticap . A
semióticamc estuda a semióticac de um nível
A semiótica tem hoje um lugar inquestioná- superior, meta-científico. A semiótica teó-
vel, por direito e de facto, nos currículos uni- rica (semióticat ) envolve tanto a semióticamc
versitários dos cursos de ciências da comu- como a semióticac . A semióticam significa
nicação. Mas havendo várias acepções de o método ou o conjunto dos métodos semió-
semiótica, que por vezes divergem de forma ticos e, por fim, por semióticaa entende-se a
profunda, convém reflectir sobre qual a se- semiótica aplicada, que mais não é do que
miótica mais indicada para esses cursos. a aplicação da semióticam à análise de um
Penso que a questão não se coloca sobre fragmento da realidade.
o tipo de semiótica, no sentido de inquirir se Por sua vez, Greimas e Courtés, na esteira
a semiótica europeia é mais ou menos indi- de Hjelmslev, distinguem também várias dis-
cada que a semiótica anglo-saxónica para os ciplinas dentro da semiótica.67 Uma distin-
estudos de comunicação. Uma e outra têm ção importante é a feita entre semiótica ge-
contributos importantes para os estudos de ral e teoria semiótica. A primeira abordará
comunicação e a tendência é para aproximar a existência e o funciomamento de todos os
as duas correntes. A questão é mais do ní- sistemas semióticos particulares. À teoria
vel epistemológico, se ciência dos signos, do semiótica, por sua vez, caberá satisfazer as
seu funcionamento e da sua utilização, ou se exigências de cientificidade próprias de qual-
ciência da significação e então meta-ciência. quer teoria. A teoria semiótica “define-se
Tanto na tradição anglo-saxónica de se- assim como uma meta-linguagem”. Ora a
miótica como na tradição europeia se dis- teoria semiótica tem de apresentar-se como
tinguem vários níveis epistemológicos de se- aquilo que, segundo Greimas e Courtés, ela
miótica. Jerzy Pelc distingue na polissemia antes de mais é: teoria da significação.
do termo “semiótica” nada menos que cinco A semiótica apresentada por Moisés Mar-
níveis de semiótica.66 Desde logo, semiótica tins é claramente a de uma meta-ciência, de
pode significar apenas as propriedades sin- uma ciência que interroga as condições de
tácticas, semânticas e pragmáticas do signo. significação.68 Moisés Martins não nega, to-
É a semióticap . A semióticac é propriamente davia, uma semiótica a que chama “imanen-
a teoria ou disciplina que estuda as referidas tista” e que, na perspectiva de Greimas, se-
ria uma semiótica geral e uma semióticac ,
risé dans cette perspective: dans la mesure où la cons-
truction implique l’existence d’un subject construc-
na classificação de Pelc. Essa semiótica
teur, une place doit être aménagée - à côté des subjects imanentista estudaria “o núcleo de questões
individuels - pour des sujects collectifs (les discours
67
ethnolittéraires ou ethnomusicaux, par exemple, sont - ibidem, p. 339 ss.
68
des dirscours construits)” A.J.Greimas, J.Courtés, Sé- - Ver sobretudo o programa de desenvolvimento
miotique. Dictionnaire raisonné de la théorie du lan- da apresentação na pg. 19. “Este delineamento
gage, Paris: Hachette, 1979, p. 340. permite-nos, por um lado, interrogar o modo como se
66
- “Methodological Nature of Semiotics” in Tho- instaura a inteligibilidade contemporânea do processo
mas Sebeok, Enciclopedic Dictionary of Semiotics, de significação em geral, e por outro lado, lançar as
vol. 2, pp. 901-912. bases de uma teoria geral da significação”.

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18 António Fidalgo

que lhe é próprio e as suas metodologias de transformação de signos. A partir daí, mas só
base”.69 Ora esse núcleo de questões e essas a partir daí, então sim pode-se e deve-se pro-
metodologias de base constituem o campo ceder a uma reflexão epistemológica da pró-
próprio da semiótica como teoria dos sig- pria semiótica, entrar na semiótica enquanto
nos tal como é rejeitada logo na primeira teoria da semiótica.
página do relatório.70 De tal maneira é as- Outubro 1998
sim que, escolhendo a acepção de semiótica
como teoria da significação, Moisés Martins
não aborda directamente no seu relatório o
principal contributo de Greimas à semiótica
geral, a saber, “o quadrado semiótico”.
Sem negar a possibilidade, a utilidade e
a conveniência de uma semiótica enquanto
meta-ciência, deve-se, no entanto, ter em
conta que uma meta-ciência é possibilitada
pela ciência que trata. Assim como não há
meta-linguagens sem linguagens, assim tam-
bém não há meta-semióticas sem semióticas.
É, de um ponto de vista científico crucial, es-
tudar a matemática enquanto ciência. Mas
esse estudo de pouca utilidade seria não hou-
vesse um conhecimento da matemática en-
quanto ciência directa de números. O mesmo
se passa na semiótica.
É por isso que considero que a semiótica
ensinada aos cursos de ciências da comuni-
cação deve ser antes de mais uma semiótica
geral, uma semiótica que ensine os estudan-
tes a analisar as propriedades sintácticas, se-
mânticas e pragmáticas dos signos. É esse
estudo que os capacitará para uma aborda-
gem semiótica da comunicação jornalística,
publicitária, etc. Daí também que ache que a
semiótica deve ter um cariz operacional, isto
é, ensinar os estudantes a lidar com os sig-
nos, tal como a gramática de uma língua os
ensina a lidar com as palavras, na formação e
69
- ibidem, p. 21. Cita nomeadamente: “a lingua-
gem e a codificação/decodificação, a textualidade e a
discursividade”.
70
- Ver nota de roda-pé 59.

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