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Cor e Japão

Madalena Hashimoto Cordaro


FFLCH/ ECA

As cores tradicionais do Japão proveem de pigmentos vegetais e minerais e seus


processos de fatura foram introduzidos através da região continental no período Nara
(710-784), tendo sido utilizadas não só na pintura como no tingimento de tecidos e
acessórios vários; tornaram-se emblemáticas e se encontram representadas na poesia e
prosa, muitas vezes de forma elíptica. Mas antes, já no período Asuka (592-710), na
segunda metade do século VII, período de grande vaga de introdução da cultura
continental, papel e tinta sumi transformam o registro da cultura, mas também utensílios
utilizando esmaltes vidrados artificiais aparecem em grande número, trazidos da região
sul da Península Coreana.1 Partindo da técnica monocromática da técnica Sueki, passando
pelas peças verdes resultantes de vidrado de chumbo queimado em baixa temperatura,
chegando até o chamado modo Sansai (“três cores”), podemos talvez afirmar que o início
da utilização da cor no Japão se deu nos objetos cerâmicos, os quais sempre foram
altamente apreciados em todo o Oriente. Desde fins do século XII, os fornos de Seto
começa a produzir utensílios de cerâmica vidrada de cinzas, celadon e vidrados de ferro
em padrões geométricos, florais, vegetais e animais. Os fornos de Tokoname ampliam os
vidrados em cascatas de verde-escuro, sobre superfícies queimadas de marrom
avermelhado no século XIV. Os fornos de Atsumi, Suzu, Echizen, Shigaraki, Tanba,
Bizen e Mino vão ampliando as tonalidades até o surgimento da utilização do esmalte

policromado (iro-e 色絵: “pintura cor”) que caracteriza a cerâmica Oribe do início do

século XVII, com padrões de flores e plantas em vistosos carmesins-bétula, verdes-


bambu-jovem, azuis-índigos, azuis-cobaltos, dourados, prateados. Ainda que coexistam
obras de cores mais baixas, terrosas e discretas que caracterizam as cerâmicas Shino,
Oribe, Raku, Iga, Bizen e Karatsu, as preferidas por amantes da cerimônia do chá e
concretizadas por colaboração com pintores como Hon’ami Kōetsu (1558-1637), o
advento da porcelana na Japão se deu nos anos 1610, nos fornos de Karatsu, e a partir de

1
In Saitō Takamasa: O florescer das cores – A arte do período Edo 色彩の開花・江戸時代の工芸
(catálogo de exposição e textos). Trad. Madalena H. Cordaro. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2008, p.
205.

1
então abre-se um leque de cores ímpar e intenso. Doravante a vila de Arita, em Kyūshū,
rica em argila caulim, nomeará a porcelana multicolorida de azul ultramar, azul escuro
lápis-lazúli e cobre avermelhado, acrescida de amarelos e vermelhos. As porcelanas Arita,
com seus variados estilos e temas pictóricos nos modos Ko-Kutani, Kakiemon e Imari
serão exportados para a Europa a partir de 1659 pela Companhia Holandesa das Índias
Orientais. Exemplos são encontrados em baixelas reais e afluentes de várias casas
europeias, sendo notáveis até em coleções do Brasil. O estilo multicolorido derivado do
Imari, produzido nos fornos localizados nos domínios do clã Nabeshima que o nomeia,
se firma entre 1690 e 1720. Em Quioto, a cerâmica Kyō-yaki inova na utilização de
pigmentos vermelhos sobreposto aos vidrados, esmaltes da cor de folhas caídas de outono,
craqueladuras nas áreas vidradas, utilização de ouro. Nonomura Ninsei (1658-1673),
Ogata Kenzan (1663-1743) e Ogata Korin (1658-1716) foram seus desenhistas mais
famosos no período Edo. Juntamente com objetos de laca vermelha e preta, peças de
cerâmica e porcelana são incluídas na grande Exposição Mundial em 1873, ocorrida em
Viena, e continuam sendo apreciadas. Novos desenvolvimentos continuam a ocorrer em
detrimento de sua incompreensão no ocidente conquanto artesanato, em relação às “belas
artes”, questão que aqui não cabe problematizar.
Se a China se tornou conhecida por seu produto maior (cerâmica = china), o
mesmo se deu no Japão, pela laca, que já conhecida desde o período Jōmon (séc. XIV-III
a.C.), mas torna-se mais praticada no Heian (794-1192) em uma série de utensílios de uso
cotidiano da nobreza e na arquitetura, em especial com a técnica maki-e (laca com
borrifados e incrustações de metais e madrepérola formando padrões e desenhos
intrincados), em geral com pigmento negro ou vermelho de fundo. Sob o ponto de vista
da cor, a predominância do preto em contraste com o ouro contrasta com discretos usos
de outras tonalidades.
Em sua ligação com o budismo, o ouro expressa a estabilidade eterna, o que se
pode notar na visão de paraíso da vertente Jōdo concretizada pelo templo do Pavilhão
Dourado em Quioto em sua visão altamente espiritualizada. Os “cinco ouros” (na língua

japonesa: ouro = ouro amarelo 黄金, prata = ouro branco 白金, cobre = ouro vermelho

赤金, ferro = ouro preto 黒金, chumbo = ouro azul 青金) são utilizados em combinações

com outras cores primeiramente em templos e santuários, mas também de modo crescente
em detalhes arquitetônicos, utensílios variados, vestuário.

2
No vestuário e na pintura, a sensibilidade da cor se encontra já bem discriminada

entre as damas da corte do período Heian (794-1192), e seus conceitos estéticos fūryū 風

流 (elegância continental sofisticada e exuberante) e wabi 侘び (elegância autóctone

sofisticada e contida). Tal sensibilidade se traduz através de um vocabulário rico em


relação a percepções tonais, que tem conexão íntima com flores, plantas, animais, terras,
pedras. Em termos gerais, há os grupos ligados ao vermelho carmesim (kurenai/ beni iro

紅色), marrom (cha iro 茶色, “chá”), amarelo ouro (ki 黄), verde (ao 青, verde ou azul;

midori 緑, verde malaquita), azul índigo escuro (aiiro 藍色), roxo (murasaki iro 紫色) e

preto-e-branco (kokuhaku iro 黒白色), os quais não se coadunam com o sistema de cores

primárias ou secundárias, aditivas ou subtrativas corrente no ocidente.


Deve-se levar em conta, também, que, com o estabelecimento do sistema de

origem continental de 12 classes/graus (kan’i jûnikai 冠位十二階), pelo Príncipe Regente

Shôtoku, no ano 603, a distinção entre as graduações das posições sociais passou a ser
indicada fundamentalmente pelas cores permitidas em trajes formais e seus acessórios.
Ou seja, a estética tonal segue em seu início a valoração de posição social. Assim sendo,
as cores: branca, laranja-queimado, roxa (posteriormente substituída pelo preto),
vermelho-garança, verde-malaquite e azul-safira eram de uso exclusivo dos trajes oficiais
de nobres ligados à Casa Imperial. Além dessas, faziam parte das “cores proibidas”

(kinjiki 禁色) aos comuns: marrom-ouro, verde e azul índigo claro, vermelho, púrpura

escuro, vermelho-rosa, amarelo-Nápoles.


A expressão “cores proibidas” intitula obra de Yukio Mishima (1925-1970), e é
utilizada no sentido erótico: nos anos do pós-guerra no Japão o sexo entre homens é

oficialmente proibido. O termo “cor” (iro 色), portanto, é associado aos sentidos por seu

forte apelo visual, nuance linguística presente também no léxico clássico, o qual se inicia
por significar disposição de espírito, mas amplia o sentido para gentileza no coração,
beleza externa exuberante até abranger as coisas físicas da paixão – o protagonista de

Narrativas de Genji (Genji monogatari 源氏物語) no século XI é um amante exemplar

(é um nobre que tem muito irogonomi 色好み, “apreciar cor”), seu similar no século XVII

3
na O homem que se deu ao amor (Kōshoku ichidai otoko 好色一代男) é pródigo na

multiplicidade de seus parceiros (tem acentuado kôshoku 好色, “cor apreciar”).2 Todas

as manifestações de cores pronunciadas, portanto, objetivariam a respostas sensuais


(alguns incluiriam até as ditas psicológicas), em oposição aos comandos religiosos do

branco-e-preto que se ligariam ao budismo (suibokuga 水墨画, a pintura em tinta sumi

墨 iniciada no Japão por volta do século XII), embora os amálgamas japoneses, mais uma

vez, venham a embaraçar os limites rígidos de tais dogmas. Para designar a cor em seu
sentido mais abstrato, com suas frias características químicas e científicas, portanto, novo
vocábulo é inventado no período Meiji (1868-1912) por Tsubouchi Shōyō (1859-1935)

na obra Shōsetsu shinzui 小説真髄 (A essência do romance, 1885-1886) e reiterado por

Natsume Sōseki em Kusamakura 草枕 (Travesseiro de ervas, 1915): shikisai 色彩 é o

neologismo que ora habita os dicionários atuais para referi-la, embora o termo anterior
não tenha desaparecido por completo.
Mas, voltando à era clássica, nota-se que o sistema importado que relaciona cores
e posições sociais, se se manteve constante e rígido na China, no Japão foi-se atenuando
e já no período Heian as relações acabaram-lhes mais tenuemente correspondentes. Essa
característica está presente em todos os campos em que houve uma aculturação de
técnicas e conhecimentos advindos do continente: uma composição balanceada na
arquitetura ou na pintura vai se deslocando para as margens, os números pares dão a vez
aos ímpares, o equilíbrio de composição na pintura tende a um balanço crescentemente
instável.

É digno de nota a diferenciação de três vermelhos: aka iro 赤色 refere o vermelho

propriamente dito; kurenai/ beni iro 紅色, o carmesim; ake 緋/ hiiro 緋色, o vermelho

escarlate, cinábrio, de tonalidade sanguínea. Ligado ao fogo, ao sangue e ao sol, o

vermelho aka 赤 compunha as paredes dos homens antigos objetivando afastar os males

2
“Em sua origem, iro 色, devido à influência budista, tinha um sentido muito amplo, abrangendo tudo que
tivesse relação com os sentidos: o que fosse visível aos olhos, audível aos ouvidos, sensível à pele. Esse
termo iro 色 começa a ter sentido sexual após o período Kamakura-Muromachi, tendo sido já predominante
no Edo.” In Dicionário do erotismo, p. 60.

4
e é cor simbólica do Japão: está presente em sua bandeira, em portais e madeirames
xintoístas, no vestuário, na laca, na culinária, em combinações harmônicas ou
contrastantes.
Simbólico à casa imperial, os tons púrpuras se compõem de nuances de roxo claro

avermelhado (ebizome iro 海老染色, “tingimento camarão”), violeta ou roxo (murasaki

iro 紫色), roxo-carmesim (futaai iro 二藍色), lilás (waka-murasaki iro 若紫色). Cor

maravilhosa, segundo a dama Sei Shōnagon, as tonalidades quentes ou frias de púrpura


podem ser combinadas a tons róseos, esverdeados, azulados, amarelados em bordados ou
pinturas sobre seda, cânhamo, linho ou algodão para compor cenários de fruição poética
e demonstrar sensibilidade de caráter.
Algumas nomeações clássicas são bastante curiosas. Se o termo “cor de lírio-de-
um-dia”, Hemerocallis, referia um laranja amarelado brilhante típico da flor

correspondente (jap.: kanzō 萱 草 ), uma “cor de folha amarela em decomposição”

(kikuchiba 黄朽葉色) nomeava um amarelo ocre, e uma “cor de folha esverdeada em

decomposição” (aokuchiba 青朽葉色), um amarelo oliva, indicando um estado menos

típico de sua nomeação primeira. A “cor de noz” (kurumi-iro 胡桃色) indicava um

castanho amarelado claro. A “cor de casca de cipreste” (hihada-iro 檜皮色) apontava um

marrom escuro, “cor de casta de cipreste carmesim” (benihibata-iro 紅檜皮色), um

marrom escuro avermelhado. A “cor de cravo-renda” (nadeshiko-iro 撫子色), nomeava

uma tonalidade de rosa carmesim muito claro; “cor de insetos de verão” (natsu mushi no

iro 夏虫の色) correspondia ao lápis-lazúli (ruri 瑠璃); “cor de suco de caqui” referia um

tom próximo ao terra-de-Siena (kakishibu-iro 柿渋色); “cor de caqui luxuoso” era um

tom de salmão (sharegaki iro 洒落柿色); “cor de caqui lavado” parecia um tom de

salmão molhado (araigaki iro 洗柿色), entre tantas outras denominações. Se os esquimós

nomeiam uma infinidade de diferentes brancos e neves, no caso nipônico discernem-se


tonalidades significativas às associações poéticas, sazonais e concordes com minudente
sensibilidade.

5
Parece existir, em países de estações climáticas diferenciadas, uma simbologia
mais definida na utilização das cores se compararmos nossa cultura brasileira, com suas
duas estações mais características. Flores e plantas se encontram em sua mais plena forma
na primavera, e as cores que se lhe correspondem revelam espírito mais airoso, cores mais
puras e claras. No Japão, entre as cores relativas à primavera se encontram: cor-de-rosa

claro (sakura-iro 桜色, cor da flor de cerejeira), cor-de-rosa carmesim (kōbai-iro 紅梅

色, cor da flor de ameixeira carmesim), verde amarelado claro (nekoyanagi-no iro ねこや

なぎ色 “cor do salgueiro gato”, nome do salgueiro chorão da variedade Salix gracilistyla),

amarelo ouro (nanohana-no iro 菜の花色, cor de flores de colza), verde amarelado

(wakaba-no iro 若葉色, “cor de folhas jovens”), azul lilás (aofuji 青藤色, cor da glicínia

azul). Nos poemas de amor, a primavera é a estação eleita para a descoberta, a erupção
de sensações e precipitações do coração.
O verão convida ao repouso sob alguma sombra, e as cores a ele associadas têm
características mais frias, para se lhe compensar a exaustão provocada. Não é uma estação
preferida para poemas de amor, mas a exuberância visual é privilegiada. Entre as cores

relativas ao verão se encontram: azul turquesa muito claro (usu-asagi iro 薄浅葱色),

verde de bambu jovem (wakatake iro 若竹色), laranja amarelado brilhante (kanzō-iro 萱

草色, “cor de lírio Hemerocallis”), azul cobalto (tsuyukusa-iro 露草色, “erva orvalho”

ou nome da flor Commelina communis), verde azulado (kogamo-iro 小鴨色, “cor de

pequeno ganso selvagem”), roxo avermelhado (kakitsubata-iro 杜若色 , cor da flor de

íris d’água japonês).


Quase tão preferida quanto a primavera nos poemas e nas pinturas, o outono é sua
contraparte melancólica do amor prestes a fenecer, da saudade da juventude, da iminência

da morte. Entre as cores relativas ao outono se encontram: vermelho-rubi (akane-iro 茜

色, cor da garança), amarelado alaranjado escuro (koki kuchinashi iro 深支子色, tom

escuro da gardênia), lilás intenso (rindō iro 竜胆色, cor da genciana), laranja (kaki iro 柿

色, cor do fruto caqui), marrom avermelhado (kurikawa iro 栗皮色, cor da casca da

6
castanha), azul ultramarino ou lápis-lazúli (gunjō iro 群 青 色 , “azul intenso”). A

predominância dos tons vermelhos alude às folhas outonais, apreciadíssimas.


Entre as cores relativas ao inverno se encontram não só as mais sombrias, mas

também algumas contrastantes em sua nostalgia: cinza prateado (ginnezu iro 銀鼠色,

“cor de rato prateado”), preto carvão (keshizumi iro 消炭色, “cor de carvão usado”), rosa

mauve (usu-kō iro 薄香色, “cor de leve fragrância”), verde musgo (senzai midori iro 千

歳緑色, “cor verde de malaquita mil anos”), vermelhão (shu iro 朱色, cinábrio), amarelo

ocre esbranquiçado (wara iro 藁色, cor da palha).3

Além de se resultar na forma de pigmentos para serem aglutinados a nikawa


(gelatina da barbatana de tubarão), as cores eram conseguidas por tingimento em várias
etapas, banhos e técnicas, seja em tecidos, fios, fibras ou papeis. Para registrar poemas
celebrizados e textos em prosa consagrados, páginas de diferentes tonalidades eram
preparadas por adição de motivos florais ou geométricos com a utilização de estêncil,
colagem de partículas de ouro, prata ou estanho em vários formatos, antes de receber a
caligrafia em tinta sumi. Os tecidos, além das colorações por diversos modos de
tingimento, combinavam para compor trajes diferentes espessuras, transparências, tramas,
bordados, fios de ouro e derivados, e criação de relevos. Cada um desses procedimentos
recebia nomeações e apreços, o que demonstra sua importância estética. O
desenvolvimento do vestuário de corte promoveu também discriminação não só segundo
posição social, mas também sazonalidade, gênero e faixa etária não só nos tipos de trajes
e acessórios, mas também nas cores utilizadas. Bastante apreciadas eram as composições

de camadas (kasane 重) de tecidos que eram costurados em frente e verso, ou superpostos,

as quais se combinam com novas nomenclaturas: para a primavera, “cerejeira” refere


branco sobre vermelho e “ameixeira” carmesim-escuro sobre rosa carmesim; para o verão,
“cravo-renda”, carmesim sobre lilás ou rosa-carmesim sobre verde e “flor-de-tangerina”,
marrom ocre sobre verde; para o outono, “folha de bordo”, vermelho sobre vermelho
escuro ou carmesim sobre vermelho escuro e “flor em decomposição”, ocre alaranjado

3
Recomenda-se aos interessados o site http://nipponcolors.com/, que traz as cores japonesas em suas
associações mais acuradas com índices proporcionais de vermelho, verde e azul (RGB) bem como de ciano,
magenta, amarelo e preto (CMYK). Também bastante acurada é a página:
https://en.wikipedia.org/wiki/Traditional_colors_of_Japan.

7
sobre amarelo; para o inverno, “primeira neve”, branco sobre branco e “verde
bambuzinho”, branco sobre verde, por exemplo. Há mais de duzentas distinções verbais
para tais combinações binárias de frente e verso ou superposição de cores que compõem
tecidos e papeis (os praticantes de origami certamente estão familiarizados com o
processo). Os trajes eram, por sua vez, utilizados em superposição de até doze camadas.
Um exemplo bastante eloquente nos é descrito por Kobayashi:

“(...) Tomemos outro exemplo [de vestuário]: a cor “bordo” compõe-


se de uma superposição de azul claro, amarelo, tom claro de folhas mortas
(amarelo com tonalidade de marrom queimado), carmesim e suō (roxo
avermelhado escuro) e, assim, expressava a situação de folhas de bordo que
se avermelham e começavam a cair. Trata-se de uma expressão da natureza
e da sensibilidade sazonal através das tonalidades resultantes da
superposição de cores”.4

Esse início da combinação de cores e texturas vestindo nobres vai se desenvolver


sempre, com a introdução e amálgama de novas técnicas e de acordo com as mudanças
sociais, servindo não somente aos poderosos, mas desenvolvendo também ampla gama
de cores e desenhos para os menos privilegiados. No período Edo, por exemplo, o azul

índigo escuro (aiiro 藍色)5, a tonalidade mais facilmente extraível desde a antiguidade e

conhecidíssima em muitas culturas, torna-se a cor por excelência da verve esperta dos
citadinos e se associa a desenhos, pinturas, trajes, objetos de uso pessoal e de decoração
ambiente e se alastra destarte a todas as classes. As cores menos vistosas (marrons, cinzas,
ocres, verdes e azuis escuros), anteriormente destinadas aos desprovidos de condições
privilegiadas de posição social, são tornadas elegância per se de uma nova sensibilidade

de charme, esperteza, sensualidade, conhecimento (iki 粋). Não se deixe de referir a

contribuição de pintores na confecção de novos desenhos para vestir, disseminados em


publicações xilográficos de alto consumo. É digno de nota que tal processo de
superposição remonta também ao procedimento da laca, que entremeava camadas de laca

4
In O florescer das cores – A arte do período Edo 色彩の開花・江戸時代の工芸 (catálogo de exposição
e textos). Trad. Madalena H. Cordaro. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2008, p. 19.
5
Hamada Nobuyoshi registra que o a cor aiiro 藍色 é composta não só do índigo mas também de uma
camada de tingimento de amarelo-árvore-rolha, kihada-iro 黄檗色, que resulta num tom azul profundo de
índigo. Foi muito utilizado no período Edo especialmente para os quimonos de verão yukata, os panos de
embrulhar furoshiki, cortinados noren. In Nihon-no dentō iro 日本の伝統色 (Cores tradicionais do Japão).
Tóquio: Pie Books, 2013, 2.ed. (1.ed.: 2011), p. 141.

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e metais variados e conchas borrifados ou incrustados, numa retórica bastante aproximada
da colagem. Além da cor, contribui para a figura geral de vestes e utensílios, um número
exaustivo de padrões geométricos, florais e simbólicos em combinações e superposições.
Assim como na cerâmica e no vestuário, também na pintura dois extremos

coexistem: a pintura suibokuga 水墨画 que utiliza contidas ou minuciosas gradações de

cinzas de tinta sumi 墨 e é montada em rolos verticais kakejiku 掛軸, especialmente do

período Muromachi (1392-1573) e os rolos de pintura emaki 絵巻 e biombos byōbu 屏

風 coloridos em ricos pigmentos minerais sobre seda, papel e folhas de ouro – se bem

que existam também rolos verticais multicoloridos e vice-versa. É digno de nota a obra
do pintor Maruyama Ōkyo (1733-1795), que produziu muitos biombos utilizando os

modos sutis da pintura preto-e-branco suibokuga 水墨画 de vistas, plantas e animais,

sobre folhas de ouro pristinamente montadas ou borrifadas sobre papel. Assim sendo,
embora grande número o faça, as pinturas em preto-e-branco não necessariamente se
ligam ao budismo, em especial ao zen, pois, assim como na China, os ensinamentos se
amalgamam, e representações de eremitas em cabanas (ou retiros arquitetônicos até bem
sofisticados) em meio a montanhas podem expressar colorido tonal riquíssimo, ainda que
não revelem cores fisicamente. No caso nipônico, portanto, não raro se imiscuem cores
em meio à retórica de aguadas de sumi. Sutilezas como tintas pretas com variações tonais
também devem ser lembradas como expressão da cor, por sutil que o seja. O preto é
compreendido na China, segundo a doutrina dos cinco elementos, como contendo as cinco
cores, e tal intensidade e intencionalidade de colorido também é perceptível no Japão.
Misturado à laca, o mais profundo negro é de uma beleza cativante e luxuriosa. Como
pigmento de tingir, veste os monges budistas, tinge telhas tradicionais de santuários
xintoístas. O alvíssimo branco, imaculado e pristino, é oferenda aos deuses, veste
delicados pés de gueixa, pinta faces de atores de kabuki. Como cores de fundo, o preto e
o branco recebem de braços abertos todas as tonalidades, claras ou escuras, em harmonia
ou dissonância. Não se deve olvidar também as bordas de ricos brocados em intrincados
padrões que ladeiam pinturas em branco e preto para transformá-las em rolos verticais ou
horizontais. A montagem posterior de pinturas sob papel ou seda em biombos ou paredes
corrediças também não é rara; pelo contrário, é inconfessavelmente almejada, pois revela

9
sua valorização. O processo da colagem e montagem pode ser executado a posteriori da
fatura da obra, e por outrem, atendendo ao mercado e à reputação do pintor.
Já bastante utilizados em objetos com incrustação de madrepérola em madeira
laqueada, os metais ouro, prata e cobre vão se compor como cor, à maneira ocidental,
como fundo para pinturas, recebendo marchetarias e relevos também, como nos biombos
de seis folhas, portas e paredes corrediças praticados a partir do século XVI. Castelos de
novos senhores do mundo, em Nagoya, Himeji, Quioto, Osaka e Gifu se ornam de ouro
e o exemplo máximo de exuberância de cores encontra-se em Nikkō, a norte de Tóquio,

um santuário em homenagem a Tokugawa Ieyasu, nomeado Tōshōgū 東 照 宮

(abreviatura de Tōshō Daigongen, Palácio da Grande deidade do brilho do leste), que


abunda em cores, formas, curvas, árvores floríferas e tons de verdes intensos. Se os fundos
de ouro se ligam em especial a imagens cristãs na Europa, no Japão o fazem aos domínios
samurais. Em comum, a condição do ambiente de fruição das obras: de penumbra, que
rebaixa os brilhos, enche de sombras as representações e enfatiza os coloridos adjacentes
pela reflexão dos brilhos das lamparinas.
A dicotomia ausência ou presença de cor continua predominante também nas
estampas xilográficas, pois, embora grande número tenha sido crescentemente colorido -
ou, segundo alguns: excessivamente colorido -, livros e folhas soltas de um só tom de
preto ou com duas ou três tonalidades discretas continuaram circulando nos séculos XVII
a XIX. Podemos afirmar que o mesmo ocorre hoje com as publicações de mangá ou livros
em geral: uma vez celebrados seus autores e obras, estas ganham versões coloridas, capas
duras, desenhos de pintores diferenciados, mas em geral suas primeiras versões são mais
discretas. O colorido ácido e intenso de obras de Murakami Takashi (1962- ) que
privilegia técnicas ocidentais de composição e fatura é contemporâneo ao das pinturas de
tonalidade terrosas e rebaixadas de Yoshimoto Nara (1959- ), bastante rescendentes às
cores tradicionais do período Heian.
Porém, diferentemente ao ocorrido nas estampas ocidentais, que desenvolveu uma
gráfica monocromática para indicar massas e volumes de cor, com sua riqueza de
hachuras e meios-tons de água-tinta ou lápis litográfico, as manchas de cor gravadas nas
matrizes de madeira sempre seguem sendo superfícies pictóricas ainda que impressas
somente com a tinta sumi. Na estampa ukiyo-e, que se torna multicolorida em 1765, sob

a denominação “pintura-brocado” (nishiki-e 錦絵), com a invenção do registro para as

matrizes de madeira, Suzuki Harunobu (1724-1770), Utagawa Toyokuni (1769-1825) e

10
outros passam a utilizar uma paleta composta principalmente por vermelho carmesim

(benihana 紅花), azul índigo (ai 藍), amarelo das pétalas do girassol (tōō 藤黄), amarelo

vivo (ukon 鬱金) e suas misturas entre si, ou com outros pigmentos e a tinta sumi.6 Novos

pigmentos são introduzidos por meio dos holandeses no século XIX, em especial o azul-

da-prússia (bero-ai べろ藍, “azul índigo da Bielorússia”)7 que vai estar doravante presente

em praticamente todas as estampas de lugares-famosos: seja em gradação-uma-linha

(hitosuji bokashi 一筋暈し) para marcar a perspectiva do espaço do céu no horizonte da

imagem, seja em gradação-sem-fronteiras (atenashi bokashi アテなし暈し) para marcar

volumes ou distâncias, ou em vestes, porcelanas, objetos variados. Outro azul bastante

utilizado foi o cobalto (tsuyukusa iro 露草色, “cor erva orvalho”).

Tanto cor quanto procedimentos de aplicação na estampa xilográfica seguem


tradição da pintura tradicional que tem por diluente, sempre, a água, seja sobre tecido ou
papel, madeira, pele (tatuagem).
Está registrado nos cadernos de 1807 da Companhia das Índias Orientais a
exportação pelos holandeses do célebre pigmento quimicamente produzido, o azul-da-
prússia; sua utilização nas estampas de Katsushika Hokusai, na série Trinta e seis vistas

do monte Fuji (Fugaku sanjūrokkei 富 嶽 三 十 六 計 ) e de Utagawa Hiroshige, nas

Cinquenta e três estações da estrada Tōkaidō (Tōkaidō gojūsan-tsugi 東海道五十三次)

é certeira e notória, restando documentos registrados por seu impressor. Porém, cabe às
estampas de ator da região de Kamigata (Quioto, Ōsaka e cercanias) o pioneirismo na
utilização do azul-da-prússia importado, já em 1826, dez anos antes de adentrar a cidade

de Edo. Hamada registra para a cor, entretanto, outra nomenclatura: konjō iro 紺青色,

enquanto pigmento mineral resultante da mescla de violeta murasaki e índigo aiiro que
já fora há muito introduzido no Japão, através da China. No século XIX a cor recebe

6
Pesquisas com raio x estão relatadas em Shimoyama Susumu 下山進 e Matsui Hideo 松井英男. Veja-se
“Ukiyo-e hanga ni shiyōsareta aoiro chaku shikizai-no kenkyū” 浮世絵版画に使用された青色着色料の研
究 (Pesquisa sobre pigmentos azuis e azulados utilizados na gravura ukiyo-e). In
https://kiui.jp/pc/bunkazai/kiyo/PSS21-28.pdf, acesso 05 mar 2018.
7
Hamada Nobuyoshi, op. cit., p. 141.

11
várias nomeações (purushian burū, inku burū, berensu, parisu burū, mirori burū), num
empilhamento semântico complexo.
Com o início da idade moderna, em 1868, procedimentos ocidentais são
introduzidos em todas as esferas do conhecimento, e também são contratados mestres
para ensinarem novas técnicas de pintura: a cor passa a seguir os cânones naturalistas
europeus e se afasta da aplicação de tons mais puros, por mais numerosos que eles fossem,
mas o retorno dos cânones da tradição revitaliza a pintura japonesa, ora sob o nome
nihonga, que volta a utilizar os pigmentos antigos numa chave mais diáfana com colorido
mais sutil.
Na contemporaneidade, além dos aproximados quinhentos nomes já existentes
para as cores, uma variedade de pigmentos químicos é utilizada e, devido ao acentuado
senso imitativo às coisas do ocidente característico do Japão, novos termos aparecem na
forma de estrangeirismos, especialmente derivados do inglês: pinku (pink), gurē (gray),
orenji (orange), dākugurīn (dark green), bēju (beige), rairakku (lilac), tākoizu (turquoise).
Não que eles já não existissem anteriormente, mas ficam mais exóticos com esses nomes
misteriosos.

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Bibliografia

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SAITŌ Takamasa 斎藤孝正. “História da cerâmica e da laca japonesa” 日本漆
工史概説. In O florescer das cores – A arte do período Edo 色彩の開花・江戸時代の工
芸 (catálogo de exposição e textos). Trad. Madalena H. Cordaro. São Paulo: Pinacoteca
do Estado, 2008, pp. 203-317.
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究 (Pesquisa sobre pigmentos azuis e azulados utilizados na gravura ukiyo-e). In
https://kiui.jp/pc/bunkazai/kiyo/PSS21-28.pdf, acesso 05 mar 2018.

Sites de internet:
http://www.dic-graphics.co.jp/navi/color/traditional.html
http://nipponcolors.com/
https://en.wikipedia.org/wiki/Traditional_colors_of_Japan
https://irocore.com/tag/%E6%98%8E%E6%B2%BB%E3%81%AE%E8%89%B
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MADALENA NATSUKO HASHIMOTO CORDARO

É artista plástica e professora livre docente aposentada da Faculdade de Filosofia,


Letras e Ciências Humanas da USP.

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