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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ


CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PSICOLOGIA

ERICA VERAS VELOSO


INGRID GOMES QUEIROZ

ESTUDO DO CASO DE ALAN TURING À LUZ DA ANÁLISE DO


COMPORTAMENTO

FORTALEZA
2018
1

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO………………………………………………………………………2
2 O FILME………..………………………….…………………………………………2
3 HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS……………………………………………………..4
4 OUTRAS HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS……………..…………………..………6
4.1. TRANSTORNO DA PERSONALIDADE OBSESSIVO-COMPULSIVA…….8
4.2 ​TRANSTORNO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL (PRAGMÁTICA)​.…………7
5 SISTEMAS CLASSIFICATÓRIOS E A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO..​8
6 VISÃO ANALÍTICA COMPORTAMENTAL DO TEA – ANÁLISES
FUNCIONAIS……………….​………………………………………………………….9
7 INTERVENÇÕES​……………………………………………………………….….13
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………….15
REFERÊNCIAS…………………………………………………………………….16
2

1 INTRODUÇÃO

O ​DSM–V, manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (​Diagnostic and


Statistical Manual of Mental Disorders – DSM, 2014)​, propõe critérios de diagnóstico de
transtornos psiquiátricos, definindo (topograficamente) comportamentos que são apontados
como característicos de determinados quadros clínicos. Contudo, para análise do
comportamento, a elaboração de um diagnóstico apenas pelo uso de classificações categoriais
é insuficiente e, portanto, a compreensão da instalação e manutenção de comportamentos,
deve se dar por meio da análise de contingências (​Araújo & Lotufo Neto, 2014).
Esse trabalho objetiva fazer uma análise psiquiátrica acerca do protagonista do filme
"O Jogo da Imitação", ​Alan Turing, visto que ele apresenta comportamentos particulares que
podem enquadrar-se em transtornos específicos contidos no Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais (​DSM, 2014)​. E, ainda, uma avaliação ​analítico-comportamental de
alguns desses comportamentos considerados inadequados, para que seja pensado e registrado
um tratamento hipotético para o caso em questão. Ademais, é importante ressaltar que a
avaliação foi feita a partir de cenas do filme e, portanto, do personagem retratado
cinematograficamente e não do real matemático, visto que ele não necessariamente teve uma
representação fiel de quem era.
Assim, tendo como base o DSM–V, serão elaboradas três hipóteses diagnósticas
acerca do personagem: uma será sustentada e outras duas serão refutadas. Enquanto ​uma será
refutada por apresentar alguns critérios que não fazem parte do repertório do sujeito, a outra
será por apresentar sintomas insuficientes diante do quadro do personagem. Ainda, serão
escolhidos três comportamentos característicos da psicopatologia e será feita a análise
funcional de cada um.

2 O FILME
O Jogo da Imitação (2014) é um filme conta a história de Alan Turing, matemático
que, no período da Segunda Guerra Mundial, fez parte de uma equipe selecionada por
autoridades britânicas para decifrar as mensagens passadas pela Enigma, a máquina de
criptografia utilizada pelo exército alemão.
O filme apresenta três momentos da vida de Alan Turing: sua adolescência, o período
que viveu da Segunda Guerra e alguns anos pós-guerra. Nas três fases retratadas, é possível
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notar uma grande dificuldade que Turing tem no trato social. Em um diálogo inicial com o
comandante Denniston, fica claro que ele apresenta certo desdém por autoridades e por outras
pessoas que considera intelectualmente inferiores a ele. Além disso, é alguém de difícil
convivência por ser arrogante, introvertido e por não entender ironias e piadas, visto que
compreende tudo em seu sentido estritamente literal.
Em determinado momento do filme, Turing busca a autorização de ​W​inston
Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido da época, para ser nomeado líder da equipe de
decodificação. Apesar de almejar a posição, ele não parece interessado em causas
humanitárias ou patrióticas e sim no desafio matemático a ser cumprido de acordo com suas
regras.
Por sua nova posição, a relação do protagonista com seus colegas de trabalho, que já
era difícil, piora e, ao longo de boa parte do ​longa-metragem, é marcada por muitos conflitos
devido à falta de compreensão na comunicação entre ambos os lados e à inflexibilidade de
Turing quanto aos afazeres de todos. Ainda, nas cenas de ​flashbacks de sua adolescência, é
possível notar que a dificuldade de relacionamento é algo antigo na vida dele, que sempre foi
considerado "diferente" pelos outros alunos da escola em que estudava, sofrendo bastante
bullying.​
Contudo, nem todas as pessoas eram distanciadas por Alan Turing. Quando jovem,
recebeu bastante apoio de um colega de turma que se tornou um bom amigo e o grande amor
de sua vida, Christopher Morcom. Quando mais velho, ao fazer uma seleção de novas
pessoas que fariam parte do Projeto Enigma, conheceu Joan Clarke, que tornou-se uma
importante amiga, por quem apresentava muito afeto, ainda que de um jeito diferente do
convencional.
Joan Clarke foi uma pessoa fundamental para que Turing conseguisse se aproximar
dos outros membros da equipe, ensinando-o algumas maneiras de interagir com outras
pessoas em um grupo. Assim, ele logo conquista a amizade dessas pessoas que o cercam, que
passam a entender melhor a sua forma diferente de agir com os outros ao seu redor, bem
como a valorizar os seus pequenos esforços de aproximação. Essa melhoria na relação de
todos contribui para um melhor trabalho em equipe. Após muitos acontecimentos, Alan
consegue, por fim, quebrar o Enigma, ao desenvolver uma máquina para decodificar o
código.
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Apesar de ter salvado tantas vidas, ele não conseguiu salvar a si mesmo. Por ser
homossexual numa época em que isso era considerado crime, foi apartado da sociedade,
sendo condenado por "indecência" e submetido à castração química. Num estado profundo de
depressão, Alan Turing cometeu suicídio, pouco antes de completar seus 42 anos de idade.

3 HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS

O DSM-V conta com um capítulo destinado aos Transtornos do


Neurodesenvolvimento, onde está contida a seção do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Diante do critérios diagnósticos descritos pelo Manual, decidiu-se sustentar a hipótese de
diagnóstico de TEA, visto que os comportamentos de Alan Turing se aproximam às
particularidades do transtorno.
De acordo com o ​DSM-V (2014), o​s critérios para diagnóstico de TEA são: “A)
déficits persistentes na comunicação e na interação social, em diferentes situações; B)
padrões de comportamento, interesses ou atividades que recorrentes e restritos; C) os
sintomas devem estar prematuramente presentes no período de desenvolvimento; D) os
sintomas causam prejuízos clinicamente significativos em várias áreas da vida do sujeito; E)
as perturbações não devem ser melhor explicadas pelo transtorno do desenvolvimento
intelectual ou por atraso global do desenvolvimento”. ​Ainda de acordo com o manual,
existem os especificadores de gravidade, que são divididos em nível 1, nível 2 e nível 3.
É possível notar que o personagem possui uma série desses comportamentos que
foram descritos. No que diz respeito ao critério A, é possível perceber que Alan apresenta
grande dificuldade em se comunicar e interagir socialmente. Em sua reunião com o
comandante ​Alastair Denniston, Turing é abordado com ironias, respondendo a todas de
forma literal, sem entender muito bem o que Denniston está de fato querendo comunicar, o
que mostra o seu bloqueio para interpretação de brincadeiras. Outro momento em que isso
fica claro é quando está em Bletchley Park e é informado por seu colega de trabalho, ​John
Cairncross, de que todos estão indo almoçar. Diante da informação, Turing permanece calado
e Cairncross insiste mais uma vez em dizer que estão indo almoçar. Alan, então faz pouco
caso disso, até que John afirma que "isso (o diálogo) está ficando meio repetitivo" e Turing
pergunta "o que?", até que John Cairncross afirma que estava convidado-o para almoçar com
os colegas e Alan responde calmamente que ele não estava fazendo isso, mas que estava
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apenas informando que iam almoçar: mais uma cena que mostra a dificuldade de Alan Turing
com a comunicação social.
Com relação ao critério B, Turing apresenta um interesse restrito e repetitivo por
resolver problemas e decifrar códigos, afirmando em sua reunião com ​Denniston que gosta de
resolver problemas, que passa grande parte do seu tempo respondendo palavras cruzadas, por
exemplo, e que estava lá porque a Enigma era o problema mais difícil do mundo.
Quanto ao critério C, a infância de Turing não aparece, mas, quando adolescente, ele
já apresenta sintomas característicos de TEA e chega a comentar com Christopher que sua
mãe sempre o considerou um "patinho feio", para dizer que ele só era deslocado, porque era
mais especial que os outros e não sabia.
No que concerne ao D, Alan Turing sofria bastante em várias áreas da vida, inclusive
em seu trabalho no grupo de decodificação da Enigma. Apesar de ser extremamente
competente para o trabalho ao qual foi designado, sofreu bastante preconceito, sendo,
inclusive, acusado de traição, apenas por apresentar comportamentos atípicos. Há uma cena,
no filme, em que Denniston e alguns soldados aparecem revistando as coisas de Turing,
afirmando que ele é um agente duplo, por ser "arrogante e ter problema em suas relações
pessoais".
Ainda, em relação a E, as perturbações não são melhor explicadas por outros
transtornos como de transtorno do desenvolvimento intelectual, visto que ele não apresentava
nenhum problema de raciocínio, solução de problemas, aprendizagem ou déficit intelectual.
Também não é explicado pelo atraso global do desenvolvimento, já que não apresenta de
forma alguma um vocabulário reduzido, frases limitadas, discurso prejudicado ou
capacidades linguísticas abaixo do esperado para sua idade​ (DSM, 2014).

4 OUTRAS HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS

A partir das descrições do manual de classificação diagnóstica, outras hipóteses


aparecem como possíveis quadros de diagnósticos do personagem. Por isso, serão descritos
critérios do Transtorno da Personalidade Obsessivo-compulsiva e do Transtorno da
Comunicação Social (Pragmática). Contudo, ambas serão refutadas pela análise do filme e de
acordo com o manual: uma por apresentar alguns critérios que não fazem parte do repertório
do sujeito e outra por apresentar sintomas insuficientes diante do quadro do sujeito.
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4.1 TRANSTORNO DA PERSONALIDADE OBSESSIVO-COMPULSIVA

O Transtorno da Personalidade Obsessivo-compulsiva (TPOC) se caracteriza por "um


padrão difuso de preocupação com ordem, perfeccionismo e controle mental e interpessoal à
custa de flexibilidade, abertura e eficiência que surge no início da vida adulta e está presente
em vários contextos, conforme indicado por quatro (ou mais) dos seguintes" (​AMERICAN
PSYCHIATRY ASSOCIATION​, 2014, p. 678). Preocupação excessiva com detalhes a ponto
do foco principal de determinada tarefa ser esquecido. 2) Perfeccionismo interferindo na
finalização de tarefas. 3) Demasiadamente dedicado ao trabalho, em detrimento de relações
pessoais e atividades de lazer. 4) Consciente demais em relação a assuntos que envolvem
ética. 5) Incapaz de fazer descarte de objetos, ainda que eles não tenham valor sentimental. 6)
Se recusa a trabalhar com outras pessoas a menos que elas se submetam a suas vontades e
regras. 7) Tem um estilo miserável de lidar com o dinheiro. 8) É inflexível e teimoso
(AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION, 2014).
A partir desses critérios, é possível perceber que Turing se mostra extremamente
dedicado ao trabalho, abrindo mão, muitas vezes, de momentos de lazer e de saídas com
amigos (critério 3); que se recusa a trabalhar com pessoas que não se submetam a ele (critério
6) e que seja rígido e teimoso (critério 8); porém, é importante apontar que ele não perde o
foco de seu trabalho, nem perde muito tempo com detalhes, e que finaliza a tarefa a qual foi
designado (desvendar a Enigma) com êxito (critérios 1 e 2).
Além disso, Turing não demonstra estar muito preocupado com questões éticas
(critério 4), quebrando algumas regras e, inclusive, agindo de formas que poderiam ser
consideradas antiéticas por seus pares e comandantes, como o fato de mentir e esconder
informações sobre o desvendamento da Enigma, deixando que algumas milhares de pessoas
morressem e outras não, em prol de que vencessem a guerra (e, assim, evitassem também um
massacre ainda maior).
Quanto ao critério 7, o filme não trata de como ele lida com seu próprio dinheiro.
Entretanto, para a construção da sua máquina, que desvendaria a Enigma, seria necessário um
orçamento muito caro, e, mesmo assim, Turing não pestaneja em pedir para seus superiores
que subsidiem a sua máquina, mostrando o seu desprendimento com o dinheiro nesse caso,
podendo refutar também a presença desse sintoma.
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Dessa forma, o personagem apresenta apenas três dos oito sintomas e não quatro (ou
mais), necessários para que possa ser diagnosticado com TPOC, e, por isso, essa hipótese
diagnóstica pode ser descartada em nossa análise.

4.2 ​TRANSTORNO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL (PRAGMÁTICA)

Esse transtorno se caracteriza por A) dificuldades recorrentes no uso de comunicação


verbal e não-verbal, como nos seguintes elementos: 1. Deficiência no uso da comunicação
para fim social. 2. Dificuldade em adequar a fala ao contexto em que se encontra. 3. Prejuízo
em seguir regras e contar histórias, como também esperar a vez para falar e reformular o que
foi dito, quando não compreendido, sabendo usar sinais verbais ou não para aprimorar a
interação. 4. Dificuldades para entender o que não é dito de forma explícita ou não-literal. B)
Déficits resultam em limitações funcionais na comunicação efetiva, no engajamento social,
no desempenho acadêmico ou sucesso profissional. C) O começo dos sintomas ocorre de
maneira precoce no período inicial do desenvolvimento. D) Esses sintomas não são melhor
explicados por outra condição médica ou neurológica ou por baixas capacidades no domínio
da língua que fala, nem por transtorno do espectro autista, transtorno do desenvolvimento
intelectual, atraso global do desenvolvimento ou outro transtorno mental ​(AMERICAN
PSYCHIATRY ASSOCIATION, 2014).
Analisando o filme, é possível perceber que Turing demonstra dificuldade em
cumprimentar outras pessoas (critério 1), evitando esse contato a maioria das vezes. Além
disso, que ele não consegue adequar sua fala a diferentes situações, como na cena em que ele
está em uma festa e não entende os "flertes" que seu amigo usa para conquistar uma garota.
Nesse evento, então, Alan tenta interromper as "cantadas" do amigo várias vezes, falando
formalidades que vão contra o discurso do amigo, e, por isso, acaba recebendo leves chutes
de seus companheiros para que se cale e não atrapalhe o momento (critério 2). Turing
também apresenta complicações ao tentar contar histórias, e isso é visto quando tenta narrar
uma piada aos amigos, acaba se atrapalhando e não consegue fazer-se entender (critério 3).
Ademais, são várias as vezes em que responde piadas e ironias a partir dos sentidos literais
das frases (critério 4). Tudo isso prejudica seu relacionamento com outras pessoas, sobretudo,
com colegas de trabalho, que apesar de fazerem parte da mesma equipe, não o entendem e
preferem deixá-lo sozinho, já que estão sempre se frustrando diante da falta de comunicação
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(B). Ainda que a infância de Alan não apareça, como foi mencionado antes, há uma cena do
filme em que ele relata a visão de sua mãe, que desde sempre o via como um garoto
"diferente", o que pode se aproximar do critério C. Contudo, é pelo critério D que essa
hipótese diagnóstica é descartada: os sintomas de Alan, que vão além desses, são melhor
explicados pelo Transtorno do Espectro Autista (TEA).

5 OS SISTEMAS CLASSIFICATÓRIOS E A ANÁLISE DO


COMPORTAMENTO

Os analistas do comportamento divergem em suas opiniões sobre a utilização dos


sistemas classificatórios. Essa utilização é, muitas vezes considerada viável sob o argumento
de que pode ser útil para algumas práticas, facilitando a comunicação entre os profissionais
ou que pode servir para um ponto de partida de uma análise. No entanto, muitos analistas do
comportamento questionam três aspectos acerca da classificação diagnóstica nestes sistemas:
a ênfase na topografia do comportamento, a análise nomotética e o caráter internalista. Isso
porque, a Análise do Comportamento, baseada no Behaviorismo Radical, enfatiza, ao
contrário, a funcionalidade, a análise ideográfica e o externalismo (MEDEIROS; ARAÚJO,
2003).
Ao focar apenas na topografia do comportamento, perde-se informações muito
importantes, já que a forma como a pessoa está se comportamento publicamente pode ser
muito semelhante a várias outras, porém as circunstâncias em que estas topografias são
emitidas e as consequências produzidas são diferentes. Por outro lado, se a ênfase é a
funcionalidade do comportamento, os analistas do comportamento podem tentar prevê-lo,
controlá-lo e modificá-lo.
Com relação à análise nomotética, buscam-se traços no comportamento que sejam
comuns a todos os indivíduos que são classificados e diagnosticados com um mesmo
transtorno ou patologia. Isto significa que esse tipo de análise não leva em consideração os
repertórios comportamentais individuais. Assim, em contraponto, a Análise do
Comportamento propõe o estudo de caso único, pois parte do pressuposto que a construção
de repertórios comportamentais, ou seja, a ação das contingências ambientais se dá de forma
única em cada indivíduo (CAVALCANTE, 1999)
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A explicação externalista do comportamento também pode apresentar uma vantagem


com relação à internalista, por permitir o controle do comportamento, visto que variáveis
externas são possíveis de serem observadas e manipuladas. Contudo, os principais sistemas
de classificação atualmente, que são baseados no modelo médico, visam organizar
informações, orientar o tratamento e possibilitar a melhor comunicação entre profissionais,
tendo extenso uso na área da saúde, o que faz que a sua utilização também pelos analistas do
comportamento traga melhorias em suas atuações. Apesar dessas vantagens, é importante
cautela na utilização dos referidos sistemas para que os preceitos valorizados nestes não se
tornem mais relevantes para a prática profissional que os pressupostos da Análise do
Comportamento (MEDEIROS; ARAÚJO, 2003).

6 VISÃO ANALÍTICA COMPORTAMENTAL DO TEA – ANÁLISES


FUNCIONAIS

Do ponto de vista da Análise do Comportamento, fazem parte do autismo tanto


excessos quanto déficits comportamentais: excessos em condutas pouco aceitas nas
interações “normais” e que são mais intensas ou frequentes nesses sujeitos, e déficits em
habilidades sociais desejáveis (SILVA, 2005). Assim, seus comportamentos característicos
podem ser observados e analisados como qualquer outro, considerando os três níveis de
seleção do comportamento: filogenético, ontogenético e cultural. Dessa forma, o que
habitualmente se denomina de “patológico” é visto como mais um comportamento aprendido,
como os outros considerados “normais”. (MEDEIROS; ARAÚJO, 2003).
O autismo poderia ter, então, uma base neurológica, que estaria, todavia, sujeita a
mudanças a partir de interações com o ambiente físico e social (GOULART; ASSIS, 2002).
Assim, é possível analisar funcionalmente os comportamentos característicos do transtorno
em questão, verificando as consequências que instalaram e que mantêm as respostas e em que
contextos ocorrem, bem como identificar as possíveis intervenções para uma provável
melhora na qualidade de vida do indivíduo e das pessoas que com ele convivem. Neste
trabalho, selecionou-se três situações para serem analisadas.
A primeira classe de respostas analisada é de isolar-se de outras pessoas, seja de
colegas de trabalho ou do comandante e soldados. Alan apresenta essa resposta de evitar o
contato social durante boa parte de sua história de vida, mesmo em outros contextos. Durante
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seu período escolar, por exemplo, ele sofria bullying pelos seus colegas e, na presença deles,
também respondia isolando-se, o que evitava os aversivos de ser trancado e sufocado, de
apanhar, ser motivo de chacota etc.
Para este trabalho, por questões didáticas, vamos realizar o recorte (dentro da classe
mais ampla de respostas de isolar-se socialmente) da resposta de isolar-se no trabalho, na
qual o filme dá mais enfoque e traz informações mais detalhadas. Assim, é possível perceber,
em algumas cenas, o quanto a presença de terceiros afeta o trabalho desenvolvido por Alan.
Um exemplo claro disso é quando os soldados chegam no seu escritório revirando e
bagunçando todos os seus pertences, estudos e escritos desenvolvidos; o que é muito
aversivo, ou quando os mesmos soldados entram no local onde a máquina está sendo
desenvolvida e a desligam, antes que ela termine de processar as informações; outro exemplo
é o de quando seus colegas de trabalho voltam-se a ele gritando que a culpa era dele por não
estarem progredindo no andamento do desvendamento da Enigma e tentam atirar objetos para
destruir a sua máquina. Isso tudo é operação motivadora (estimulação aversiva) para a sua
resposta de isolar-se das pessoas, enquanto trabalha.
Dado esse contexto, na presença de companheiros de trabalho ou soldados,
principalmente quando dão opiniões sobre o que ele está fazendo; ele se isola e, como
consequência, pode organizar e encaminhar melhor o seu trabalho, sem empecilhos, o que
provavelmente mantém esse comportamento, como pode ser observado na Tabela 1.

Tabela 1. Análise funcional da classe de respostas "isolar-se das pessoas"

Operação Estímulo Resposta Consequência


motivadora discriminativo

Estimulação Ambiente de Isolar-se das Organização do seu


aversiva: trabalho pessoas no trabalho trabalho (R+)

Soldados Presença de outros Andamento do seu


bagunçando o companheiros de projeto (R+)
trabalho dele trabalho / soldados
Ausência de
Desligando a Opinião dos outros empecilhos para
máquina na qual ele sobre o trabalho dele execução do projeto
estava trabalhando e (R-)
resetando o processo
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A próxima classe de respostas analisada é a de “dizer que os colegas de trabalho não


são inteligentes”, que Turing apresenta em alguns momentos durante o filme. Essa resposta,
se analisada apenas por sua topografia, pode ser considerada um insulto direcionado aos seus
colegas, que, por situações assim, enxergam Turing como uma pessoa arrogante. Entretanto,
ao focar a atenção na função que ela exerce, percebe-se que Turing está num contexto em que
as pessoas que trabalham com ele, na realidade, estão atrapalhando o andamento da tarefa que
pretende realizar. Seus colegas não acreditam na ideia de criar uma máquina que resolva
problemas e tentam trabalhar de outra forma, buscando, inclusive, sabotar posteriormente a
construção do seu projeto, como já exemplificado acima.
Além disso, o grupo inteiro estava sob pressão do comandante para terminar seu
trabalho o mais rápido possível, pois a solução da Enigma podia significar a vitória da
Inglaterra na segunda Grande Guerra e o livramento de muitas pessoas. Isso pôde funcionar
com operação motivadora da contingência analisada e contribuir para que Alan evitasse cada
vez mais a participação de outras pessoas que o pudessem atrapalhar. Para tanto, seria
interessante que ele estivesse à frente do projeto, fazendo as coisas andarem do seu jeito com
mais liberdade e facilidade.
Por isso, quando diante de um grupo de pessoas, relacionadas a esse contexto, numa
situação que exigia um líder para o comando das tarefas necessárias à resolução da Enigma,
que era um problema aparentemente insolucionável, expressões de desprezo e rebaixamento
de seus colegas foram usadas por Turing, já que, para ele, estava apenas descrevendo a real
situação em que se encontravam e, assim, poderia mudar essa situação, colocando eles para
fora do contexto ou sob as suas ordens. Assim, ele poderia trabalhar como achasse que era
melhor e resolver o problema em menor tempo, o que funcionaria como reforçador dessa
ação. Essa análise está sistematizada na Tabela 2 abaixo:

Tabela 2. Análise funcional da classe de respostas "dizer que os amigos não são
inteligentes"

Operação Estímulo Resposta Consequência


motivadora discriminativo
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Estimulação Grupo de pessoas Dizer que os amigos Trabalho à sua


aversiva: não são inteligentes maneira (R+)
Escolha de um líder
Pessoas Liderança do
atrapalhando o Problema projeto (R+)
andamento do seu aparentemente
trabalho insolucionável sendo Resolução do
apresentado problema difícil
Pressão dos (resolução da (R+)
comandantes para Enigma)
terminar o trabalho Resolução do
em pouco tempo problema em tempo
hábil (R-)

A outra classe de respostas que será analisada está dentro da classe mais ampla de
engajar-se em atividades de interesse restrito, que também é característica do TEA e
apresenta uma problemática para a vida do sujeito a partir do momento em que ele se priva de
outros reforçadores ao evitar outras atividades. Assim, o recorte que fizemos concentra-se a
resposta de “trabalhar compulsivamente no Projeto Enigma”, e o filme deixa muito claro que
Turing passa todo o seu dia se dedicando à construção da sua máquina, não se
desconcentrando do seu objetivo.
Dessa forma, vale ressaltar que o contexto em que se passa o filme e o motivo de se
desvendar o mistério da máquina é a Segunda Guerra Mundial e todas as mortes, atrocidades
e perdas que esse momento histórico carrega, ou seja, uma estimulação extremamente
aversiva que poderia funcionar como uma operação motivadora desse comportamento. Nesse
sentido, o grande problema, considerado impossível por outras pessoas, poderia ter a função
de estímulo discriminativo para a resposta trabalhar restritamente na resolução da Enigma e,
como consequência, ser reforçado pela própria resolução do problema (reforço natural), bem
como pelo término mais cedo da guerra, retirando a estimulação aversiva de contexto.
(Tabela 3)

Tabela 3. Análise funcional da classe de respostas "Trabalhar compulsivamente no


Projeto Enigma"

Operação Estímulo Resposta Consequência


motivadora discriminativo
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Segunda Guerra Problema Trabalhar Resolução do


Mundial considerado compulsivamente no problema (R+)
impossível por Projeto Enigma
outras pessoas Término precoce da
guerra (R-)

Essas respostas seriam consideradas inadequadas para o contexto do personagem já


que este exige que ele mantenha relações sociais saudáveis, seja no ambiente profissional ou
pessoal: para que pudesse realizar o seu trabalho, seria necessário saber trabalhar em equipe,
assim como, para manter relações pessoais, seria preciso se adequar a algumas normas
sociais. Os comportamentos analisados, porém, não eram adaptativos às exigências desse
contexto, e, ao mantê-los, Turing não estava sendo competente socialmente, apresentando
diversas dificuldades nas suas atividades diárias e consequente sofrimento, para si e para as
pessoas ao seu redor. Assim, seria importante a modificação desses comportamentos, e, para
tanto, apresentamos a seguir algumas estratégias de intervenção.

7 INTERVENÇÕES

Os autores Lord e Rutter (2002) apontam que toda intervenção nesse âmbito deve se
pautar em alvos básicos incluindo o desenvolvimento social e comunicativo, o
aprimoramento do aprendizado e de capacidades de resolução de problemas, com foco na
ampliação das experiências no cotidiano. Nesse sentido um dos métodos terapêuticos mais
indicados em casos de TEA, é a Análise do Comportamento Aplicada (​Applied Behavior
Analisys – ABA)​ , que funciona definindo operacionalmente os déficits e excessos
comportamentais dos indivíduos e construindo um plano terapêutico, que é testado na prática.
Assim, possíveis reforçadores (arbitrários) são contingenciados às respostas desejáveis e
retirados nas indesejáveis (punição negativa). (SILVA, 2005)
Outra técnica que poderia ser empregada é o Treino de Habilidades Sociais (THS),
compreendendo as etapas de avaliação e intervenção, visando identificar os déficits e
excessos comportamentais, suas consequências e contextos em que ocorrem e respostas
emocionais concomitantes que expliquem a não emissão de comportamentos socialmente
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habilidosos (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1999; FALCONE, 2002). Para a instalação
desses novos comportamentos, utiliza-se estratégias como instruções, ensaios
comportamentais, modelação, modelagem, feedback verbal e em vídeo, tarefas de casa,
solução de problemas, relaxamento (CABALLO, 2003; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1999)
e, em caso de intervenções grupais, vivências (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001c, 2001d).
Essas intervenções poderiam mostrar-se interessantes à medida que colaborassem para
uma melhora na qualidade de vida do indivíduo em questão, proporcionando um melhor
envolvimento social em diversas áreas de sua vida, como, por exemplo, a profissional e a
afetiva, que foram mais fortemente abordadas no filme e pareciam ser contextos de
sofrimento para Turing em alguns momentos, por não apresentar comportamentos tão
desejáveis a esses ambientes.
Assim, ao aprender a relacionar-se melhor com as pessoas, bem como ao entrar em
contato com novas contingências e, assim, novos reforçadores, Turing pode se ver saindo de
uma situação de isolamento e de restrição e repetição dos mesmos padrões comportamentais,
ampliando, assim, o seu repertório individual de relação com o mundo, e apresentando
comportamentos mais adaptativos ao meio. Isso pode ajudar reduzindo o seu sofrimento e das
pessoas ao seu redor, que poderão compreendê-lo melhor e prestar suporte e apoio,
mutuamente.
Algo parecido acontece no filme, quando Joan o ensina algumas maneiras de agir com
as pessoas. Ela diz a Alan que ele deve ser amigável e mostra operacionalmente como ele
pode fazer isso, para que assim, gostem dele. Ele apresenta tentativas de mudança e de maior
contato social com os colegas de trabalho, que percebem esses comportamentos de forma
bem positiva e todos passam relacionar-se de maneira saudável e respeitosa, o que mostra que
o desenvolvimento dessas habilidades é extremamente benéfico para Turing e para as pessoas
com quem se relaciona em diversos contextos.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise realizada, baseada em uma visão analítico-comportamental, de alguns


“comportamentos-problema” do personagem Alan Turing, provocou reflexões a respeito da
interação do organismo e ambiente a partir das cenas escolhidas para estudo. Apesar de o
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caso em questão ter sido retirado de uma obra cinematográfica, os comportamentos


analisados são presentes na vida de vários indivíduos diagnosticados com TEA.

Ainda que sejam poucas as informações a respeito da história de vida de Alan e de


quaisquer outras variáveis controladoras de seu comportamento, que seriam importantes para
a análise; foi possível notar as principais variáveis que controlam a emissão dos
comportamentos escolhidos. Também, que o analista do comportamento deve estar muito
preparado para fazer análises assim, visto que nem sempre vai estar sensível ao que realmente
está controlando o comportamento do indivíduo diagnosticado com TEA, fazendo suposições
equivocadas.

Por fim, este trabalho foi bastante importante por possibilitar reflexões a respeito da
visão diagnóstica médica dos transtornos mentais e da visão analítica-comportamental, que
apesar de não negar fatores biológicos, tem como foco a análise dos fatores ambientais de
modo preponderante na determinação de comportamentos tidos como desadaptados
socialmente. Assim, a análise do comportamento não entende nenhum comportamento como
"anormal" ou "psicopatológico", visto que todos são selecionados por contingências, sendo
adaptados às mesmas (BANACO; ZAMIGNANI; MEYER, 2010, p. 175-191).
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REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: ​Manual diagnóstico e


estatístico de transtornos mentais.​ Artmed Editora, 2014.

ARAÚJO, Álvaro Cabral; NETO, Francisco Lotufo. A nova classificação americana para os
transtornos mentais–o DSM-5. ​Revista brasileira de terapia comportamental e cognitiva​,
v. 16, n. 1, 2014.

ARAÚJO, J. R.; MEDEIROS, C. A. Classificação diagnóstica: O que a análise do


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