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Estudos Universitários

Revista de Cultura da Universidade do Recife

Nº 4 ABRIL-JUNHO 1963

ENSAIOS

PAULO FREIRE. Conscientização e Alfabetização – uma Nova Visão do Processo 5


JARBAS MACIEL. A Fundamentação Teórica do Sistema Paulo Freire 25
JOMARD MUNIZ DE BRITTO. Educação de Adultos e Unificação da Cultura 61
AURENICE CARDOSO. Conscientização e Alfabetização - uma Visão Prática do Sistema
Paulo Freire 71
ABDIAS MOURA. Introdução à Análise Sociológica 81
PIERRE FURTER. Alfabetização e Cultura Popular na Alfabetização do Nordeste Brasileiro
103
JURACY ANDRADE. João XXIII ou a Igreja que Muda 115
PILAR GÓMEZ BEDATE. De Ia Semejanza entre el Teatro Norteamericano y el
Teatro Espanol de Hoy Día 125

DOCUMENTOS – ESTUDOS

ALFREDO GUEVARA. Informe ao Primeiro Congresso Nacional da Cultura Cubana 141


LUIZ COSTA LIMA. Por um Nacionalismo não Passionalizado 145

RESENHAS

NELSON NOGUEIRA SALDANHA, FRANCISCO AUSTEHLIANO BANDEIRA DE MELLO,


MARCIUS FREDERICO CORTEZ, JOMARD MUNIZ DE BRITTO, STEN BJORILD,
AFONSO ÁVILA
ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS

REVISTA DE CULTURA DA UNIVERSIDADE DO RECIFE

Reitor JOÃO ALFREDO GONÇALVES DA COSTA LIMA


Diretor

CONSELHO CONSULTIVO

Prof. Aluizio Bezerra Coutinho


Prof. Cecília Maria Domenica Sanioto Dilascio
Prof. Evaldo Bezerra Coutinho
Prof. Francisco de Albuquerque Barbosa
Prof. Guilherme de Albuquerque Martins
Prof. José Cavalcanti de Sá Barreto
Prof. Gilberto Osório de Oliveira Andrade
Prof. Luiz Maria de Souza Delgado
Prof. Luiz Ferreyra dos Santos
Prof. Luiz Osório de Siqueira Neto
Prof. Maria do Carmo Tavares de Miranda
Prof. Newton Lins Buarque Sucupira

COMISSÃO DE REDAÇÃO

Prof. José Gláucio Veiga


Prof. Joel de Albuquerque Pontes
Prof. Rui da Costa Antunes

SECRETÁRIO-EXECUTIVO: Prof. Luiz Costa Lima


CORRESPONDENTE NA GUANABARA: Escritor Eduardo Portella
CORRESPONDENTE NA ESPANHA: Dr. Angel Crespo
RESUMOS EM FRANCÊS E INGLÊS: Jarbas Maciel, José Laurênio de MeIo e G. Licari
CAPA E PROJETO GRÁFICO: Orlando da Costa Ferreira
ENSAIOS POR

PAULO FREIRE (Conscientização e Alfabetização - Uma Nova


Visão do Processo), livre docente da cadeira de História e
Filosofia de Educação da Escola de Belas Artes da
Universidade do Recife e presidente da Comissão Nacional
de Cultura Popular do M. E. C.

JARBAS MACIEL (A Fundamentação Teórica do Sistema Paulo


Freire), membro da equipe de professores do Serviço de
Extensão Cultural da U. R.

JOMARD MUNIZ DE BRITTO (Educação de Adultos e


Unificação da Cultura), instrutor da Universidade do Recife
e presidente da Comissão Regional de Cultura Popular de
Brasília do M. E. C.

AURENICE CARDOSO DA COSTA (Conscientização e


Alfabetização - Uma Visão Prática do Sistema Paulo Freire),
metodologista da equipe de alfabetização do S. E. C.

ABDIAS MOURA (Introdução à Análise Sociológica), assistente


do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de
Filosofia de Pernambuco da U. R.

PIERRE FURTER (Alfabetização e Cultura Popular na Politização


do Nordeste Brasileiro), professor do Lycés d'État de
Zurich, Suíça.

JURACY ANDRADE (João XXIII, ou a Igreja que Muda) membro


da equipe de professores do S. E. C.

PILAR GÓMEZ BEDATE (De Ia Semejanza entre el Teatro


Norteamericano y el Teatro Espanol de Hoy Día), tradutora
de William Faulkner ao espanhol, colabora com Angel
Crespo em estudos sobre poesia brasileira para a Revista
de Cultura Brasileira da embaixada do Brasil na Espanha.
PAULO FREIRE

Conscientização e Alfabetização
Uma nova visão do Processo

consciência de quem usa uma ferramenta.


ENTENDEMOS QUE, para o homem, o Com a certeza de quem está diante de algo
mundo é uma realidade objetiva, independente que o desafia. Nas relações do homem com o
dele, possível de ser conhecida, em que não mundo, por isso mesmo, há uma pluralidade
apenas está, mas com a qual se defronta. Daí o na própria singularidade.
ser de relações que é ele e não só de contatos. E há também uma nota presente de
Porque está com esta realidade, na qual se acha, criticidade em suas relações.
é que se relaciona com ela. As relações que A captação que faz dos dados objetivos,
trava com essa e nessa realidade (relações de sua realidade, como dos laços que prendem
pessoais, impessoais, corpóreas, incorpóreas) um fato ou dado a outro, é ontologicamente
apresentam uma ordem tal de conotações que crítica, por isso reflexiva, e não puramente
as distinguem totalmente dos puros contactos, reflexa como bem cabe à esfera dos contactos.
característicos da outra esfera animal. Por isso Daí que seja capaz o homem e só ele de
mesmo o conceito de relações, da esfera transcender – de discernir – de separar órbitas
puramente humana, guarda em si conotações existenciais diferentes, de distinguir um eu de
de pluralidade, de transparência, de criticidade, um não-eu. De travar relações incorpóreas. De
de conseqüência, e de temporalidade. relacionar-se com o seu Criador.
Há uma pluralidade nas relações do Aí, também, a raiz de sua própria
homem com seu mundo na medida em que temporalidade, que ele ganha precisamente
responde aos desafios desse mesmo mundo em quando, varando o Tempo, de certa forma,
sua ampla variedade. Em que não se esgota então, unidimensional, atinge o ontem, o hoje
num tipo padronizado de resposta. A sua e o amanhã. Na história de sua Cultura terá
pluralidade não é só em relação aos diferentes sido o seu primeiro discernimento - o do
estímulos que lhe emite o contexto, mas em tempo - o da tridimensionalidade do tempo
relação ao mesmo estímulo. No jogo constante (1).
de suas respostas, altera-se no próprio ato de O “excesso” de tempo sob que via o
responder. Organiza-se. Escolhe a melhor homem iletrado comprometia a sua própria
resposta. Testa-se. Age. Faz tudo isso com a temporalidade a que chega com o primeiro
discernimento a que nos referimos. E com
ela à sua historicidade. Não há historicidade uma nota de suas relações e que se aperfeiçoa na
do gato pela incapacidade de discernir e medida em que se criticiza – fosse ele apenas um
transcender, que o faz afogado num tempo ser da acomodação ou do simples ajustamento e a
totalmente unidimensional – um hoje História e a cultura – domínios exclusivamente
constante de que não tem consciência. seus – não teriam sentido. Faltar-lhes-ia a marca
Todas as características das relações da liberdade. Por isso, toda vez que se tem
que o homem trava com sua realidade e na suprimido a liberdade humana, queda ele um ser
sua realidade e a partir dela fazem delas meramente ajustado ou acomodado. Sacrifica-se
(relações) algo de conseqüente. Na verdade, e compromete-se assim a sua disposição
já é quase um lugar comum afirmar-se que a ontológica para a integração.
posição normal do homem no mundo – A capacidade de integrar-se – que se funda
porque com ele – não se esgota em mera no espírito – superior à de se acomodar, é que
passividade. possibilita ao homem a própria rebeldia como a
Não se reduzindo a nenhuma das duas obediência autêntica, que é adesão; jamais
dimensões – a natural e a cultural de que passividade.
participa, da primeira pelo seu aspecto É porque se integra – na medida em que se
biológico, da segunda, pelo seu poder relaciona – e não apenas se acomoda – que o
criador, o homem é um ser eminentemente homem cria e recria e decide.
inferior. Dai que os contactos impliquem, ao
Sua ingerência em ambos esses contrário das relações, em respostas singulares,
mundos não o deixaria, a não ser distorcida reflexas e não-reflexivas, imanentes e
e acidentalmente, como um simples "inconseqüentes". Deles resulta a acomodação,
espectador a quem não fosse permitido não a integração.
interferir para modificar. É bem verdade que os achados modernos
Criando e recriando, integrando se às da Psicologia Animal vêm revelando um tipo
condições do seu contexto, respondendo a inteligente de reação, em macacos que chegam
seus desafios, auto-objetivando-se, mesmo a apresentar respostas em um nível de
discernindo, transcendendo, lança-se o inteligência humana de 3 a 4 anos de idade. Falta-
homem num domínio que lhe é exclusivo –o lhes, porém, adverte o prof° Khaler, a qualidade
da História e o da Cultura. espiritual que os possibilitaria relacionar-se – no
A sua integração a seu contexto sentido aqui exposto – com o seu mundo. Dai a
resultante de estar não apenas nele mas com sua acomodação ao mundo, nunca a sua
ele – e não sua adaptação ou acomodação, integração com ele.
próprias da esfera dos contactos – implica Observe-se ainda, a partir destas relações
em que tanto a visão de si mesmo como a de do homem com a realidade e nela, criando,
seu mundo não podem absolutizar-se de recriando, decidindo, que ele vai dinamizando
modo que se sinta ele um ser desgarrado e o seu mundo. Vai dominando a realidade
suspenso ou seu mundo algo sobre que externa. Vai acrescentando a ela algo de que é
apenas ele se ache. A sua integração o mesmo o fazedor. Vai temporalizando os
enraiza e o temporaliza. Faz dele, na espaços geográficos. Faz cultura. E é ainda o
expressão de Marcel, um ser “situado” e um jogo dialético de
ser “dotado”.
Não houvesse esta integração que é
Conscientização e Alfabetização

suas relações – com que marca o mundo seja o Trânsito mais do que estas. Ele implica
refazendo-o e com o que é marcado – que realmente nesta marcha acelerada que a
não permite a “estaticidade” das sociedades sociedade à procura de novos temas e de
nem das culturas.
novas tarefas. E se todo Trânsito é mudança,
É na medida em que cria, recria e
nem toda mudança é Trânsito.
decide vão se conformando as épocas
históricas. E é também criando, recriando e As mudanças se processam numa
decidindo que o homem participa dessas mesma unidade de tempo sem afetá-la
épocas. E o faz melhor toda vez que, profundamente. É que elas se verificam
integrando-se ao espírito delas, se apropria de dentro do jogo normal resultante da própria
seus temas fundamentais, reconhece suas busca dos temas em plenitude. Quando
tarefas concretas.
porém estes temas iniciam seu esvaziamento
Saliente-se, desde que já, a necessidade e perdem sua significação e novos temas
permanente de uma atitude crítica, somente emergem, a sociedade começa a passagem
como poderá o homem realizar sua vocação para outra época.
natural de integrar-se, apreendendo temas e
tarefas de sua época. Esta, por outro lado, se Nestas fases, mais do que nunca, se faz
realiza à proporção que seus temas são indispensável a integração. Vive hoje o
captados e suas tarefas são resolvidas. E se Brasil, exatamente, o Trânsito de uma para
supera na medida em que temas e tarefas já outra época.
não correspondem a novos anseios Daí não ser possível ao educador – hoje
emergentes. Anuncia-se neste momento o mais do que ontem – discutir o seu tema
Trânsito para uma nova época. específico, desmembrado do tecido geral do
Uma época histórica representa assim novo clima cultural que se instala, como se
uma série de aspirações, de anseios, de pudesse ele operar isoladamente.
valores, em busca de plenificação. Formas de E que temas e que tarefas teriam sido
ser, de comportar-se, atitudes mais ou menos esvaziados na sociedade brasileira, de que
generalizadas e a que apenas os decorressem a superação de uma época e a
“antecipacios” opõem dúvidas e sugerem passagem para outra? Todos os temas e todas
reformulações. as tarefas características de uma “sociedade
A passagem de uma para a outra época fechada”.
A nossa preocupação hoje – de resto
se caracteriza por fortes contradições que se
difícil – será a captação de novos anseios que,
aprofundam com o choque entre valores
consubstanciando-se, nos levarão a uma
emergentes em busca de afirmação, de sociedade aberta e, distorcendo-se, poderão
plenificação, e valores do ontem, em busca levar-nos a uma sociedade de massas em que,
de preservação. descriticizado, quedaria o homem acomodado
Quando isso ocorre, instala-se o e domesticado.
Trânsito. Verifica-se um teor A educação, por isso, no Trânsito que
preponderantemente dramático a impregnar vivemos, se faz uma tarefa altamente
as mudanças de que se nutre a sociedade. importante. A sua instrumentalidade
decorrerá sobretudo da capacidade que
Porque dramático fortemente desafiador e o
tenhamos de nos integrar com o trânsito
Trânsito se faz então enfaticamente optativo.
Daí que, nutrindo-se de mudanças
PAULO FREIRE

mesmo. Dependerá de distinguirmos Esta sociedade rachou-se.


lucidamente – no Trânsito – o que esteja A rachadura decorreu da perda de
nele mas não seja dele, do que, estando equilíbrio que mantinha o sistema de
nele, seja realmente dele. forças da sociedade fechada. As alterações
Sendo o Trânsito o elo entre uma econômicas, mais fortes neste século e que
época que se esvazia e uma nova que vai começavam incipientemente no século
se conformando, tem algo de alongamento passado, com as inicialmente indecisas
e tem algo de “adentramento”. De “substituições de importações” foram os
alongamento da velha sociedade que se fatores decisivos do processo de
esvazia e que se despeja nele querendo “abertura” de nossa sociedade.
preservar-se. De “adentramento” na nova Se ainda não somos uma sociedade
sociedade que anuncia e que, através dele, aberta, já não somos uma sociedade
se engendra na velha. A tendência do fechada. Parece-nos sermos uma
Trânsito é porém, pelo jogo das sociedade abrindo-se, com preponderância
contradições bem fortes de que se nutre, de abertura nos centros urbanos e de
ser palco da superação total dos temas fechamento nos rurais.
esvaziados do ontem pela vitalidade dos Não tememos afirmar que a nossa
novos temas. Quando isto ocorre, já não salvação democrática estará em nos
há Trânsito e a sociedade se encontra em fazermos uma sociedade homogeneamente
seu ritmo normal de mudanças, com seus aberta.
Este fazermo-nos uma sociedade
temas e suas tarefas em busca de
“aberta” constitui um dos fundamentais
plenificação e à espera de novo Trânsito.
desafios do nosso hoje a exigir adequada
Por isso também é que o Trânsito
resposta.
pertence muito mais ao novo tempo de que
Em si mesmo, este desafio se acha
é o anunciador do que ao velho. E que ele
envolvido por uma série de forças
tem algo nele que não é dele, enquanto
contraditórias – internas e externas. Umas
não pode ser do amanhã.
que pretendem através de respostas
O ponto de partida do nosso Trânsito
verdadeiras, superar a situação dramática de
foi exatamente aquela sociedade fechada a
que ele nasce e levar-nos pacificamente às
que já nos referimos. Sociedade
soluções desejadas. Outra buscando, a todo
escravocrata, com o centro de decisão de custo, ingênua e reacionariamente, entrevar
sua economia e de sua cultura fora dela. o avanço e fazer-nos permanecer – como se
Economia por isso mesmo comandada por fosse possível – no estado atual.
um mercado externo e não por um interno Neste momento, dividem-se os
que não havia. Reflexa na sua economia homens e as instituições num sentido amplo,
Reflexa na sua cultura. Por isso, alienada. que comporta categorias intermediárias, em
Objeto e não sujeito. Sem povo. reacionárias e progressistas. Em homens e
Antidialogal, dificultando a mobilidade instituições que apenas estão no Trânsito e
social vertical ascendente. Sem vida homens e instituições que não apenas estão,
urbana ou com precária vida urbana. Com mas são do Trânsito. É que o Trânsito é
alarmantes índices de analfabetismo. realmente optativo.
Atrasada. Comandada por uma elite
superposta a seu mundo ao invés de com
ele integrada.
Conscientização e Alfabetização
No momento em que a rachadura se Há passagem. Há partejamento, com
faz e a sociedade entra em Trânsito, fatos todas as implicações desses processos.
novos se sucedem a provocar novos fatos. Há também, por outro lado, como
Instala-se então, em pleno Trânsito o contradição à presença crescentemente
fenômeno que Mannheim chama de participante do povo o nucleamento das
“Democratização fundamental” que implica forças reacionárias que pretendem
em uma crescente e irreversível ativação do exatamente deter o avanço da
povo no seu próprio processo histórico. É democratização fundamental.
esta democratização fundamental que se abre Num primeiro momento essas forças
em leque, apresentando dimensões reagem espontaneamente. Elas sentem na
interdependentes – a econômica, a social, a democratização uma ameaça a seus
política e cultural – que caracteriza a privilégios. Agrupam-se então para defendê-
presença participante do povo brasileiro, que los. Numa segunda fase, essa reação já não é
no estágio anterior não existia. espontânea. Arregimentam-se os
Encontrava-se então o povo na fase representantes daquela elite detentora dos
anterior de fechamento de nossa sociedade, privilégios. Atraem para si os “teóricos”.
imerso no processo. Com a rachadura e a Criam instituições assistenciais, que
entrada da sociedade no Trânsito, emerge. Se alongam em assistencialistas.
na imersão era puramente espectador do E, em nome da liberdade, repelem a
processo, na emersão, descruza os braços e participação do povo. E defendem “uma
renuncia à espectação e exige a ingerência. Já estranha democracia sem povo, que a
não se satisfaz em assistir. Quer participar. atrapalhe e perturbe” na constatação irônica
Quer decidir. E o faz. Deixa de ser objeto do prof° Djacir Menezes.
para ser sujeito.
Rotulam os que se integram no
Sem passado de experiências
Trânsito e se fazem representantes dele de
decisórias, dialogais, emerge o povo em
“subversivos”.
rebelião (2).
De “subversivos” dizem, “porque
A aceitação do povo em posição
ameaçam a ordem”. Esquecem-se porém de
participante é uma atitude de quem é do
que o conceito de ordem não é só ético mas
Trânsito, oposta à de quem apenas esteja no
histórico, também.
Trânsito, considerando indébita esta
De um ponto de vista puramente ético
participação. O primeiro será progressista – o
não houve ordem na sociedade fechada de
segundo reacionário.
onde partimos, uma vez que se fundava na
Mas, é natural que as épocas de
Trânsito sejam assim fortemente exploração de muitos por poucos. Histórica
contraditórias. Elas apresentam o embate ou faseolàgicamente, havia ordem naquela
violento, às vezes, entre velhas formas de sociedade, resultante do equilíbrio de forças
ser, de comportar-se, de valorizar, que que a mantinham. Os contingentes de povo
insistem em preservar-se, e as novas, menos sociologicamente inexistente, imersos no
carregadas de história, que buscam afirmar- processo, não percebiam em termos as bases
se. É o choque entre essas formas – típico do espoliadoras daquela ordem.
Trânsito - que lhe dá a aparência de crise ou
de caos. Na verdade, não há crise, no sentido
desvalorativo.
PAULO FREIRE

Acomodavam-se a ela. À medida em Opomo-nos a estas soluções


que o povo se constitui como entidade assistencialistas ao mesmo tempo em que
decisória e emerge no processo histórico não aceitamos as demais porque estas
percebe rapidamente que os fundamentos da guardam em si uma dupla contradição. Em
ordem que o minimizava já não têm sentido. primeiro lugar, contradizem a vocação
Levanta-se então contra a ordem, que é natural da pessoa – a de ser sujeito e não
desordem hoje, já não só ética, mas objeto e o assistencialismo faz de quem
sociológica. recebe a assistência um objeto passivo sem
Para os representantes das classes possibilidade de participar do processo de
aquinhoadas pela ordem anterior atacá-la e sua própria recuperação. Em segundo lugar,
tentar sua superação é subvertê-la. Na contradizem o processo de democratização
verdade, subversão agora é mantê-la fora do fundamental em que estamos situados. A
tempo. verdadeira assistência por isso é a que ajuda
Por isso a atitude subversiva é alguém a ajudar-se.
essencialmente comandada por apetites A Aliança para o Progresso nos parece
conscientes ou não de privilégios. Daí a uma dessas formas amanciadoras. Ela é o
subversão não seja apenas de quem não resultado direto da revolução cubana. Muitos
tendo privilégios quer tê-los, mas também a entendem como algo novo, um capítulo
daqueles que, tendo-os, pretendem mantê- inteiramente novo nas relações entre os EUA
los. e a América Latina. Nós a entendemos
Por isso mesmo, numa sociedade em apenas e simplesmente, como uma seqüência
Trânsito como a nossa, subversivo tanto é o lógica da guerra fria, produto da luta pela
homem comum, “emergente” em posição hegemonia mundial entre as duas facções:
ingênua no processo histórico, em busca de EUA e URSS. Perceberam os Estados
privilégio, como subversivo é aquele que Unidos, principalmente a partir da
pretende manter uma ordem defasada. revolução cubana, que a América Latina
E na medida em que estes últimos representa uma importante força na
insistam em sua atitude reacionária, estratégia daquela luta mundial. Esta
coerentemente fatal, ameaçaremos na percepção infelizmente é feita a partir da
verdade o processo de abertura da visão de sua sociedade e isto faz
sociedade brasileira. necessariamente com que os objetivos do
A essas forças internas a pretenderem programa de ajuda sejam os objetivos de
esmagar a democratização fundamental se quem dá e não os de quem recebe.
juntam, inclusive embasando-as, forças Na verdade, não será com soluções
externas interessadas na não transformação desta ordem, internas ou externas, que se
da sociedade brasileira de objeto a sujeito deterá a marcha da sociedade brasileira em
dela mesma. busca de sua afirmação. Nem com estas,
Como as internas, as externas tentam nem com outras, de caráter violentamente
suas pressões e imposições e também seus opressor.
“amaciamentos”, suas soluções O de que se precisa urgentemente é de
assistencialistas. dar soluções rápidas e seguras aos problemas
angustiantes do país. Soluções com o povo e
Conscientização e Alfabetização

sobre ele, ou simplesmente para ele. É de se


Estes déficits, realmente alarmantes,
fazerem as reformas básicas: a constitucional,
constituem óbices ao desenvolvimento do
a agrária, a bancária, a urbana, a fiscal, a
país. São termos contraditórios ao ímpeto de
educativa, e a tecnológica: como acrescentaria
sua emancipação.
Gilberto Freyre, de que resultem os
Há mais de 15 anos vínhamos
instrumentos hábeis com que façamos a nossa
acumulando experiências no campo da
real emancipação interna e externa.
educação de adultos, em áreas proletárias e
É apanhar esse povo emerso nos
subproletárias, urbanas e rurais.
centros urbanos e emergindo já nos rurais e
Surpreenderamos a apetência educativa
levá-lo a inserir-se no processo, criticamente.
das populações urbanas, associadas
De sua posição inicial de
diretamente à transitivação de sua consciência
intransitivação da consciência característica
e certa inapetência das rurais, ligada à
da imersão em que estava, passou, na emersão
intransitivação de sua consciência. Hoje em
que fez, para um novo estágio – o da
mudança já.
transitivação-ingênua. Da transitivação-
ingênua, não involuindo para o estágio Sempre confiamos no povo. Sempre
anterior, ou se promoverá para a transitivação- rejeitamos fórmulas doadas. Sempre
crítica ou se distorcerá para a fanática (3). acreditamos que tínhamos algo a permutar
com ele, nunca exclusivamente a oferecer-lhe.
Parece-nos que este é hoje, no trânsito
Experimentamos métodos, técnicas,
brasileiro, um dos mais fortes desafios a
processos de comunicação. Retificamos erros.
cientistas sociais, a homens públicos, a
Superamos procedimentos. Nunca, porém, a
religiosos, a educadores.
convicção que sempre tivemos de que só nas
A inserção a que nos referimos
bases populares e com elas poderiam os
resultará da promoção da transitivação
realizar algo de sério e autêntico, para elas.
ingênua para a crítica.
Daí jamais admitirmos que a
Daí a necessidade de uma educação
democratização da cultura fosse a sua
altamente critizadora. De métodos educativos
vulgarização ou por outro lado, a adoção, ao
ativos.
povo, de algo que formulássemos nós mesmos
Por isso mesmo, a educação de que
em nossa biblioteca e que a ele doássemos.
precisamos, em face dos aspectos aqui
apontados e de outros implícitos nas várias Foram as nossas mais recentes
contradições que caracterizam o Trânsito experiências, de há dois anos no Movimento
brasileiro, há de ser a que liberte pela de Cultura Popular do Recife, que nos
conscientização. Nunca a que ainda mantemos levaram ao amadurecimento de posições e
em antinomia com o novo clima cultural – a convicções que vínhamos tendo e alimentando
que domestica e acomoda. A que comunica e desde quando, jovem ainda, iniciamos os
não a que faz comunicados. nossos contactos com proletários e
subproletários, como educador.
II Parte Naquele Movimento, coordenávamos o
projeto de Educação de Adultos, através do
qual lançamos duas instituições básicas de
Preocupados com a questão da
educação e cultura popular – O Círculo de
democratização da cultura dentro do quadro
Cultura e o Centro de Cultura.
geral da democratização fundamental,
tínhamos necessariamente de dar atenção
especial aos déficits quantitativos e
qualitativos de nossa educação.
PAULO FREIRE

Na primeira, que aqui nos interessa,


A de travar relações permanentes com
instituimos debates de grupo, ora em busca
esta realidade, de que decorria o
do aclaramento de situações problemáticas,
acrescentamento concretizado na realidade
ora em busca da ação mesma decorrente do
cultural.
aclaramento das situações.
Não há dúvida também de que, entre
A programação desses debates nos era as várias relações que o homem estabelece
dada pelos próprios grupos através de com a sua realidade realiza uma específica –
diálogos que mantínhamos com eles e de de sujeito para objeto – de que decorre o
que resultava a enumeração de problemas conhecimento. Esta relação também feita
que gostariam de debater. pelo homem comum. Pelo analfabeto. A
Nacionalismo, Remessa de Lucros diferença entre a relação que ele trava neste
para o estrangeiro, Evolução Política do campo, e a nossa, está em que a sua
Brasil, Desenvolvimento, uma Política para captação do dado objetivo como dos nexos
o Desenvolvimento, Analfabetismo, Voto do que existem entre os dados, se faz via
Analfabeto, Socialismo, Comunismo, sensível e a nossa, via crítica. Desta forma,
“direitismo”, SUDENE, democracia, Ligas da captação via sensível surge uma
Camponesas, eram entre outros, temas que compreensão da realidade
se repetiam de grupo a grupo. preponderantemente mágica, surge um saber
Estes assuntos eram então tanto puramente existencial, opinativo, a que
quanto possível reduzidos a ajudas visuais, corresponde uma ação também mágica.
acrescentados de outros e apresentados em
O que teríamos de fazer, pensávamos,
forma dialogal aos grupos.
era, baseados nas experiências e nas
Os resultados eram surpreendentes. pesquisas de Paul Lengrand, colocar entre a
Com seis meses de experiência, compreensão mágica da realidade que
perguntávamos a nós se não seria possível informava a ação mágica sobre a realidade,
encontrar um método ativo que nos desse um termo novo: Pensar. Teríamos, em
resultados iguais na alfabetização, aos que outras palavras, de organizar o pensamento
vínhamos obtendo na análise de aspectos da do homem analfabeto e levá-lo a reformar
realidade brasileira. suas atitudes básicas diante da realidade.
Partíamos de alguns dados Fazê-lo sentir-se capaz de superar a via
fundamentais, científicos, filosóficos, puramente sensível da captação dos dados
metodológicos, a que se juntaram outros da realidade, por uma via crítica. Se isto
com a colaboração do jovem universitário fosse feito, então, estaríamos levando o
Carlos Augusto Nicéias, dos professores homem a substituir a captação mágica por
Jarbas Maciel, Aurenice Cardoso, Elza captação cada vez mais crítica e assim,
Freire, Jomard Britto e demais componentes levando-o a formas de ação também críticas.
do SEC (4). Um outro dado de que partíamos era
Admitíamos que a posição normal do o de que a educação trava uma relação
homem, como já afirmamos no início deste dialética com a cultura. Desta forma a nossa
trabalho, era a de não apenas estar na experiência educativa não poderia sobrepor-
realidade externa, mas com ela. se à realidade contextual nossa.
Conscientização e Alfabetização

A nosso tempo. A nosso espaço.


Não acreditávamos na necessidade de
Teríamos de levar em consideração as várias 40, 50 ou mais palavras geradoras para a
condições de tempo e de espaço brasileiros. introdução dos fonemas básicos da língua.
E se nós já pensávamos em método ativo Seria, como é, uma perda de tempo. Dez a
que fosse capaz de criticizar o homem quinze, nos pareciam o suficiente.
através do debate de situações desafiadoras O prof° Jarbas Maciel, à luz dos
postas diante do grupo, essas situações achados que vem sendo feitos, sobretudo
teriam de ser existenciais para os grupos. pelos lógicos matemáticos, como Bertrand
Fora disso, estaríamos repetindo as Russel, no campo da redução a vocabulários
falhas de uma educação alienada, por isso mínimos das ciências, está trazendo novas
ininstrumental. contribuições a nosso trabalho.
Um outro ponto básico, que vem A própria análise que vimos fazendo da
sendo objeto de estudo do profº Jarbas sociedade brasileira atual, como uma
Maciel, da equipe do SEC, apoiado em sociedade em Trânsito, nos servia igualmente
Pavlov, é exatamente o do mecanismo da de suporte.
captação que o homem faz não só dos Sentimos que seria urgente uma
objetos da realidade, mas dos nexos entre os educação que fosse capaz de contribuir para
objetos e os dados reais. aquela inserção a que nos referimos
Diante dos objetos, impressionado por anteriormente. Inserção que, apanhando o
eles, instala-se na sua realidade interna um povo na emersão que ele mesmo fez com a
sistema de percepções. Estas percepções rachadura da sociedade, fosse capaz de
ancoram nos objetos reais. Diretamente promover-lhe a transitividade ingênua em
ligadas a estas percepções, formam-se então criticidade, somente como evitamos sua
as suas expressões verbais. massificação.
O primeiro sistema de sinalizações é Este é realmente um dos objetivos
universal. fundamentais de nossa experiência ou de
A percepção de mesa, de pedra, etc. É nossa ação educativa, ao mesmo tempo que
comum a qualquer homem. um dado seu.
Sobre o segundo sistema, fazendo Mas, como fazer? Como levar o
parte dele, se levanta um possível homem analfabeto à superação de suas
subsistema, o das expressões gráficas das atitudes básicas, mágicas, diante de sua
expressões verbais das percepções. realidade, ?
É exatamente este que abre ao Como levá-lo à montagem de seu
homem letrado a comunicação escrita. É por sistema de sinalizações? Como ajudá-lo a
ele que se escreve. E é ele que o analfabeto inserir-se?
não tem. A sua montagem, porém, não há de A resposta seria um método ativo,
ser feita de fora para dentro nem de cima dialogal, por isso crítico e criticizador.
para baixo. Mas há de ser feita pelo próprio Somente um método dialogal, ativo,
homem com a ajuda do educador, com os participante, poderia realmente fazê-lo.
instrumentos que o educador oferece. Daí a Somente pelo diálogo que, nascendo numa
nossa descrença inicial nas cartilhas, que matriz crítica, gera criticidade e que implica
pretendem a montagem do terceiro sistema numa relação de como conseguir esses
como uma doação. objetivos.
Teríamos de pensar igualmente na
redução das chamadas palavras geradoras,
fundamentais ao aprendizado de uma língua
silábica, como a nossa.
PAULO FREIRE

Quando os pólos A e B se pelos erros de uma estrutura arcaica e


“simpatizam” em torno do objeto da comum desumana.
há realmente um diálogo. Um não se Pareceu-nos então que o caminho seria
hipertrofia diante do outro que se atrofia. levarmos ao analfabeto, através de reduções,
Ambos procuram a verdade e se respeitam o conceito antropológico de cultura (5).
nessa procura. Se, porém, A se superpõe a B, A distinção entre os dois mundos: o da
em posição passiva, e lhe faz “doações” aí
natureza e o da cultura.
inexiste o diálogo. Desaparece a comunicação
e só há comunicados. Este vem sendo um dos O papel ativo do homem em sua e com
pecados da educação brasileira, que contínua sua realidade. O sentido de mediação que tem
por isso preponderantemente a natureza para as relações e comunicações
assistencializadora. dos homens. A cultura como acrescentamento
Desta forma, partimos para algumas que o homem faz ao mundo que ele não fez.
superações que nos pareciam fundamentais A cultura como o resultado de seu trabalho.
aos objetivos desejados. De seu esforço criador e recriador.
Ao invés de escola noturna para O homem, afinal, no mundo e com o
adultos, em cujo conceito há certas mundo, como sujeito e não como objeto.
conotações um tanto estáticas, em A partir daí, o analfabeto começaria a
contradição, portanto, com a dinâmica do operação de mudança de suas atitudes
Trânsito, lançamos o Círculo de Cultura. anteriores.
Como decorrências, superamos o professor Descobrir-se-ia criticamente agora
pelo coordenador de debates. O aluno, pelo como o fazedor desse mundo da cultura.
participante do grupo. À aula, pelo diálogo. Descobriria que ele, como o letrado, ambos
Os programas por situações existenciais, têm um ímpeto de criação e recriação.
capazes de, desafiando os grupos, levá-los, Descobriria que tanto é cultura o boneco de
pelos debates das mesmas, a posições mais barro feito pelos artistas, seus irmãos do
críticas. povo, como cultura também é a obra de um
Precisávamos, ainda, de algo com que grande escultor, de um grande pintor ou
ajudássemos o analfabeto a iniciar aquela músico. Que cultura é a poesia dos poetas
modificação de suas atitudes básicas diante da letrados do seu país, como também a poesia
realidade. Com que ele desse começo à de seu cancioneiro popular. Que cultura são
reformulação de seu saber as formas de comportar-se. Que cultura é toda
preponderantemente mágico. Precisávamos criação humana.
também de que esse algo fosse uma fonte de Para tal introdução, ao mesmo tempo
motivação para o analfabeto querer ele mesmo gnoseológica e antropológica, elaboramos
montar o seu sistema de sinalizações. onze situações encadeadas, sem texto nenhum
Motivação que viesse se somar à sua apetência e capazes de provocar os grupos e levá-los a
educativa em relação direta, como já foi dito, essas compreensões.
com a transitivação de consciência. A primeira situação inaugura as
Era preciso, por outro lado, superar um curiosidades do analfabeto que,
certo fatalismo, sobretudo dos homens menos “destemporalizando, começa na integração do
transitivados dos campos, que tempo” (6).
responsabilizam Deus ou o destino, ou a sina,
Conscientização e Alfabetização

“Concluído o debate desta primeira Segundo os processos psicológicos,


situação, o homem toma consciência de ser os métodos do ensino da leitura vêm sendo
já culto” (7) . classificados pelos especialistas em dois
É impressionante vermos como se grandes grupos: os métodos sintéticos e os
travam os debates e com que lucidez o métodos analíticos, como alongamento dos
analfabeto responde às questões sugeridas na dois, temos os chamados métodos
situação. analíticos-sintéticos.
Das setas que ligam o homem a seres e Para o prof° William Gray, (9) em
objetos da realidade na situação em foco, e que pese o reconhecimento da validade
com que pretendemos sugerir o ser de desta classificação, os métodos de
relações que é o homem e não de contatos, ensinamento de leitura se alinham em dois
dizem sempre que representam a “ciença” grandes grupos, que ele chama a antigos e
ou o “juizo”, o “celebro” do homem. São muito especializados e métodos modernos,
expressões populares estas que traduzem a mais ou menos ecléticos.
“autoconsciência” e consciência de nossas Segundo ainda o prof° Gray, esta
formulações. classificação apresenta uma dupla
Muitos deles durante os debates das vantagem – “é relativamente simples, não
situações de onde retiramos o conceito de se prestando a controvérsia e aplica-se a
cultura, afirmam que não se lhes está todos os métodos utilizados para ensinar a
dizendo “nada de novo, e sim refrescando ler caracteres alfabéticos, silábicos ou
minha memória”. ideográficos”.
“Faço sapatos, diz outro, e descubro Os métodos antigos se classificam,
agora que tenho o mesmo valor do doutô ainda segundo o prof° Gray, em duas
que faz livros”. classes – “a daqueles que se fixam nos
Reconhecidos logo na primeira ficha os elementos vocabulares e no seu valor
dois mundos – o da natureza e o da cultura e fonético, para chegar à identificação dos
o papel do homem nesses dois mundos, se nomes e a dos que consideram de uma vez
vão sucedendo outras situações em que ora só as unidades lingüísticas mais
se fixam os conceitos de cultura e natureza, importantes, insistindo sobre a
ora se ampliam as áreas de compreensão do compreensão”.
domínio cultural. Na primeira classe, situa o prof°
A conclusão dos debates gira em torno Gray “os métodos alfabético fonético,
silábico, em que já se surpreende uma
da dimensão da cultura como sendo
superação do método sintético,
aquisição sistemática da experiência
precisamente porque o elemento de base do
humana. E que esta aquisição, numa
ensinamento é a sílaba”.
sociedade letrada, já não faz via oral, como
Após analisar a segunda classe dos
nas sociedades iletradas, a que falta a
chamados métodos antigos, refere-se aos
sinalização gráfica.
que chama de métodos modernos.
Daí, passa-se ao debate da
Discute então as tendências
democratização da cultura com que se abrem
modernas que enquadra em duas grandes
as perspectivas para o início da alfabetização categorias: Tendências ecléticas.
mesma. Tendências centradas no aluno.
Consideremos agora o método de A tendência eclética abarca
alfabetização, “contido no que se pode exatamente a síntese e a análise,
chamar de sistema, pela amplitude que propiciando o método analítico-sintético.
revela” (8).
PAULO FREIRE

Nossa experiência se enquadra entre pobre, mas mesmo em tom magoado”.


as novas tendências. II– Seleção neste universo dos
É um método eclético em que vocábulos geradores, sob um duplo
jogamos inclusive com a elaboração de critério:
texto em colaboração com os alunos. a. o da riqueza fonêmica;
–Fases do método – b. o da pluralidade de engajamento
na realidade local, regional e nacional.
I– Levantamento do universo III– Criação de situações
vocabular do grupo. existenciais, típicas do grupo que vai se
Este levantamento é feito através de alfabetizar.
encontros informais entre os educadores e Estas situações irão funcionar como
os analfabetos em que se fixam os elementos desafiadores do grupo. O
vocábulos mais carregados de certa debate em torno delas irá, como o que se
emoção. Vocábulos ligados à experiência faz com as de culturas, levando o grupo a
existencial do grupo, de que a profissional se conscientizar para que depois e
é parte. concomitantemente à conscientização
Esta fase é de resultados muito ricos alfabetize. Estas situações locais abrem
para a equipe de educadores, pela perspectivas, porém, para análises de
exuberância não muito rara da linguagem problemas regionais e nacionais. Nelas
do povo. vão se colocando então os vocábulos
Os entrevistados revelam inclusive geradores escolhidos, na gradação de suas
anseios, frustrações, descrenças, como dificuldades fonêmicas.
também certos momentos estéticos de sua IV – Criação de fichas-roteiro, que
linguagem. auxiliam os coordenadores de debate no
Em levantamentos vocabulares que seu trabalho.
temos hoje nos arquivos do SEC, de áreas V – Feitura de fichas com a
rurais e urbanas, do nordeste e sul do país, decomposição das famílias fonêmicas
não são raros esses exemplos. correspondentes aos vocábulos geradores.
“Janeiro em Angicos”, disse um Confeccionado este material em
homem deste sertão do Rio Grande do slides ou cartazes, preparadas as equipes
Norte, “é duro de se viver, porque de coordenadores - treinadas inclusive nos
janeiro é cabra danado prá judiar de debates das situações já elaboradas e
nós”. Afirmação ao gosto de Guimarães recebendo suas fichas-roteiro, inicia-se o
Rosa, disse dela o prof° Costa Lima, trabalho.
secretário da revista Estudos Projetada a situação com a primeira
Universitários e da equipe do SEC (10). palavra geradora – representação gráfica
“Quero aprender a ler e a escrever de expressão verbal da percepção do
para deixar de ser sombra dos outros”, objeto – inicia-se o debate em torno de
disse uma analfabeta do Recife, e um suas implicações. Somente quando o
homem de Florianópolis revelando o grupo esgotou com o coordenador a
processo de emersão, característico do análise da situação dada, se volta o
Trânsito brasileiro: “O povo tem educador para a visualização da palavra
resposta”. “Não tenho paixão de ser
Conscientização e Alfabetização

geradora. Visualizada a palavra relacionada O que importa, no dia em que põe o pé


com o objeto também representado na neste domínio novo é a descoberta das
ficha, parte o educando noutro slide para a combinações fonêmicas.
leitura da palavra já sem o objeto O teste dos vocábulos criados deve ser
representado. Logo após noutro slide, a feito pelo grupo com a ajuda do educador e
palavra surge separadamente em seus não por este apenas, com a assistência do
fonemas que o analfabeto identifica como grupo. De modo geral, vêm chamando de
pedaços. Reconhecidos os pedaços, na “palavras de pensamento” as que são termos,
etapa da análise, passa-se para a e de “palavras mortas” as que não o são.
visualização das famílias fonômicas que Não têm sido raros os exemplos de
compõem a palavra em estudo. homens que, após a apropriação das
Em seguida, apresentam-se num slide combinações fonêmicas, com a “ficha da
as famílias reunidas. descoberta”, escrevem palavras com fonemas
Daí parte-se para a última análise, a complexos a que ainda não haviam chegado.
que leva às vogais. Num dos Círculos de Cultura da
A ficha que apresenta as famílias experiência de Angicos, que vinha sendo
fonêmicas reunidas vem sendo chamada coordenado por uma de nossas filhas,
pela professora Aurenice Cardoso, nossa Madalena, no quinto dia de debate, em que
assistente, a quem muito devemos nos apenas se fixavam fonemas simples um dos
resultados de nosso trabalho, de “ficha da participantes foi ao quadro negro para
descoberta”. escrever, disse ele, uma "palavra de
Realmente, diante desta ficha o pensamento".
analfabeto descobre o mecanismo de
Com facilidade escreveu:
formação vocabular numa língua silábica,
“O povo vai resouver os poblema do
que se faz por meio de combinações
Brasil, votando conciênte”. Segue-se outro
fonêmicas Apropriando-se criticamente
que fixou: “O anaufabeto deve votar”.
deste mecanismo, parte para a montagem
Acrescente-se que, neste caso, os textos
rápida “de sinalizações”. Começa então a
escritos passam imediatamente a ser debatidos
criar palavras com as combinações à sua
pelo grupo, discutindo-se sua mensagem em
disposição que a decomposição de um
face de nossa realidade.
vocábulo trissilábico lhe oferece no primeiro
Como se explicar que um homem há
debate que fez para alfabetizar-se. Já lê e já
poucos dias analfabeto escreve palavras com
escreve neste dia. E, no seguinte, traz de casa
fonêmas complexos antes mesmo de estudá-
como tarefa tantos vocábulos quantos tenha
los? É que, tendo dominado o mecanismo das
podido criar com combinações dos fonemas já
combinações fonêmicas e não havendo
conhecidos.
“analfabetismo oral” (11), tentou e conseguiu
Não importa que traga vocábulos que
expressar-se graficamente como fala.
não sejam termos.
PAULO FREIRE

Uma das afirmações fundamentais III Parte


que podemos fazer é a de que, na verdade,
na alfabetização de adultos o que temos de Histórico
fazer é levá-los a conscientizarem-se para
que se alfabetizem. A primeira experiência foi realizada
Outra afirmação a ser colocada é a de com uma turma de cinco analfabetos de
que ninguém politiza ninguém. O conceito que dois desistiram, no Centro de Cultura
de politização tem uma conotação (12). Dona Olegarinha, no Poço da
fortemente optativa. Panela, Recife.
Não se opta de um, mas por um, entre Eram homens egressos de zonas
outros. Quando se opta, antes se compara. rurais, revelando certo fatalismo e certa
Quando se compara se valoriza. inércia diante dos problemas.
E isto tudo são operações críticas. Completamente analfabetos. No 200 dia
“A” não pode optar em lugar de “B”. de debates, aplicamos testes de medição
“B” é que fará sua opção. da funcionalidade do aprendizado, com
A medida porém em que um método absoluto êxito.
ativo ajude o homem a se conscientizar em Testes sobre uso de açúcar ou
torno de sua problemática, se veneno na laranjada. Sobre linhas de
instrumentalizará para suas opções. Aí então ônibus. Sobre reconhecimento de
ele mesmo se politizará. repartições públicas, etc.
Por isso mesmo é que, reservando aos Na vigésima primeira hora, um dos
“slogans” um papel importante, às vezes até participantes do grupo que se alfabetizava
muito importante, em determinadas fases de escreveu, com segurança: “Eu já estou
um processo, rejeitamo-los como uma forma espantado comigo mesmo”.
permanente de ação. Porque domesticam e Com trinta horas – uma hora diária
não criticizam. em cinco dias por semana – liam e
O que vimos e estamos vendo em escreviam texto simples e até jornal.
Angicos, em Natal, em João Pessoa, no Repetimos a experiência com oito
Recife confirma as nossas assertivas. de que três desistiram.
Quando um ex-analfabeto de Obtivemos o mesmo resultado.
Angicos, discursando diante do Sr. Daí, passamos para grupo de 25, a
Presidente da República, Dr. João Goulart e quem tivemos de deixar por circunstâncias
de sua comitiva, afirmou que já não era superiores, na vigésima hora, com a
massa e sim povo, disse mais do que uma maioria já lendo e escrevendo palavras e
frase: afirmou-se conscientemente numa pequenos textos.
opção. Escolheu a participação decisória
que só o povo tem e renunciou à demissão
da massa. Politizou-se.
Conscientização e Alfabetização

Nesta altura, o ex-ministro da Trezentos homens eram alfabetizados


Educação Profº Darcy Ribeiro, dos mais em Angicos em menos de 40 horas. Não só
eficientes ministros que este país já teve, alfabetizados. 300 homens se
empenhado na luta contra o analfabetismo e conscientizavam e se alfabetizavam em
comandando o Plano de Emergência, com Angicos. Trezentos homens aprendiam a ler
que mobilizou todo o país, liberou Cr$ e a escrever, e discutiam problemas
1.000.000,00 (um milhão de cruzeiros) para brasileiros.
o SEC a fim de realizarmos amplas “Sei ferrar o nome, eu e outros
experiências com a colaboração da UEP e camaradas meus”, disse um homem de
do DCE. A esta campanha aderiram outros Angicos, a quem o jovem perguntou, em
universitários. Após a preparação de seguida, o que era ferrar o nome.
pequeno grupo iniciamos no Recife, ora nas “É riscar em cima do nome da gente
faculdades, ora em outras instituições, a que o patrão escreve num papel até cansar e
alfabetização de 80 homens e mulheres. o patrão dizendo: mais! mais! até a gente
Por outro lado, antes mesmo desta decorar. Ai, a gente ferra o nome – o patrão
fase preparamos um grupo de jovens que tira o título e manda a gente votar em quem
compõem a Campanha de Educação ele quer”.
Popular de João Pessoa, Paraíba, que,
“Agora, respondeu, nós vamos
aplicando naquela cidade o Método,
desferrar o nome, aprender mesmo a
conseguira os mesmos resultados. A
escrever e votar em que agente quiser”.
CEPLAR, hoje, em ligação com o MEC, e
o Governo da Paraíba está com 10 Círculos Angicos representou um dado
importante para nossos “achados”. Cidade a
de Cultura em funcionamento, cujo 200 kms da capital, sem indústria, a não ser
andamento observamos. E se prepara para em suas redondezas – as de algodão, as de
lançar mais dez. extração do sal – com uma população mais
Em outubro do ano passado, fomos para a “intransitivação” do que para a
procurados pelo Governo do Estado do Rio “transitivação”, nos propiciou dados
Grande do Norte, através de seu Secretário concretos, quanto à possibilidade de
da Educação para repetirmos a experiência conscientização por um método ativo e
em um município do Estado. dialogal, mesmo em condições com as suas.
Ao mesmo tempo, acertávamos com Condições que não são as de um centro
o Sr. prefeito de Natal a instalação naquela urbano, cuja população em “transitivação”,
cidade, dentro de sua excelente Campanha sujeita às influências várias de um centro
assim, se acha facilmente mais disponível a
de Pé no Chão também se Aprende a Ler de tal esforço.
Círculos de Cultura com igual supervisão
A análise das situações escolhidas
técnica do SECo
para Angicos – onze ao todo – levou os
Aceitas pelo Sr. governador do
participantes dos vários Círculos de Cultura
Estado as nossas exigências para
a uma promissora posição crítica diante de
realizarmos na primeira etapa do sistema –
aspectos fundamentais da atuação brasileira.
a de não interferência partidária, a da
independência técnica, de fazermos uma Temas como desenvolvimento
educação que se voltasse para a liberação do regional e nacional, reformas de base, entre
elas a constitucional, nacionalismo,
povo, para sua emancipação interna e externa,
imperialismo, remessas de lucro para o
iniciamos a preparação das equipes que
estrangeiro, voto do analfabeto,
atuariam em Angicos e em Natal.
“coronelismo”, socialismo, é claro que não
em profundidade, mas sem
PAULO FREIRE

leviandades, foram debatidos com os O importante, porém, é que as


participantes dos Círculos. Tivemos discussões dos problemas não se encaminhem
oportunidade de assistir a alguns desses para soluções demagógicas.
debates. Impressionou-nos a atitude de A mulher, que falou existencialmente da
decisão que revelavam muitos dos exploração, não o fazia com ódios, mas com
debatedores durante os trabalhos. ímpeto legítimo da superação do estado atual, cuja
preservação nos parece na verdade altamente
“A senhora sabe o que é exploração”?
subversiva. E parece também àquela mulher de
perguntou certo visitante a uma das
Angicos e a seus companheiros hoje alfabetizados
participantes de um Círculo, quando em voz
e conscientizados.
alta, lia, como exercício, telegrama em um
No término da experiência de Angicos
jornal, que falava da exploração do sal no
aplicamos testes para a medição do aprendizado
Rio Grande do Norte.
(70% de resultados positivos) e testes para a
– “Talvez o senhor, que é moço rico, mediação de respostas a problemas brasileiros
disse ela, não saiba. Eu que sou mulher (80% de resultados positivos).
pobre, sei o que é exploração”.
Conscientização e Alfabetização

NOTAS

(1) - "O animal se encontra ante seu contorno, questões que lhe são suscitadas.
ao qual está ligado inconscientemente. O homem É evidente que o conceito de intransitividade
cria nesta ligação, que também lhe é própria, e, não corresponde a um fechamento absoluto do
transcendendo dela, seu contorno. A vida em um homem dentro dele mesmo, esmagado, se assim
contorno que ele mesmo cria é o sinal distintivo o fosse, por um tempo e um espaço todo
de seu ser humano. No que o homem produz se poderosos. O homem, qualquer que seja o seu
encontra a si mesmo, não só por se haver estágio, é um ser aberto. Ontologicamente
libertado da necessidade, mas também pelo fato aberto. O que pretendemos significar com a
de sua complacência na beleza, na adequação, na consciência intransitiva é a limitação de sua
forma de suas gerações, na forma de suas esfera de apreensão. É a sua inaudição a
criações. O homem aumenta sua realidade estímulos situados fora da órbita vegetativa.
mediante a ampliação de seu contorno. O homem Neste sentido e só neste sentido, é que a
não é um ser de instintos nem só um ponto de intransitivação representa um quase
inteligência, mas um ser que, por assim dizer, incompromisso com a existência. O
transcende de si mesmo". Jaspers, Karl, Origem discernimento se dificulta. Confundem-se as
y Meta de La Historia - pg. 11, 130·1. notas dos objetos e dos estímulos do contorno e
o homem se faz mágico.
(2) - A rebelião se caracteriza por um Na medida em que o homem amplia o seu
conjunto de disposições mentais ativistas, poder de captação e de resposta às sugestões e
nascidas dos novos estímulos característicos da às questões que partem de seu contorno e
sociedade em aprendizado da “abertura”. A aumenta o seu poder de “dialogação” não só
“emersão” um tanto brusca feita pelo povo de com o outro homem, mas com o seu mundo, se
seu estágio anterior de imersão em que não transitiva. Seus interesses e preocupações se
realizara experiências de participação, deixa-o alongam a esferas mais amplas do que à simples
mais ou menos atônito diante das novas esfera biologicamente vital.
experiências em que engaja: as de participação. Esta transitivação da consciência
A rebelião é ainda fortemente ingênua. permeabiliza o homem, leva-o a vencer o seu
Bem razão tem Zvedei Barbu que em quase incompromisso com a existência,
Problems of Historical Psychology afirma: característico da consciência intransitiva e o
“Não há mente nenhuma que seja só o que é, compromete quase totalmente. Por isso mesmo
mas sobretudo o que foi”. é que existir é um conceito dinâmico. Implica
A atitude de pura rebelião pode se identificar numa dialogação eterna do homem com o
com a de subversão, no sentido mais adiante homem, do homem com a sua circunstância. Do
esclarecido, oposta à de revolução. homem com o seu Criador. É essa dialogação
do homem em torno de seu contorno, das
(3) - Uma comunidade preponderantemente “sugestões” e até com as “sugestões” que o faz
“intransitivada” se caracteriza pela quase histórico. Por isso nos referimos ao quase
centralização dos interesses do homem em torno incompromissodo homem intransitivamente
de formas mais vegetativas de vida. Pela consciente com a sua existência. E ao plano de
extensão do raio de captação a essas formas de vida mais vegetativo que histórico,
vida, quase exclusivamente. Suas preocupações característico da intransitivação.
se cingem mais ao que há nele de vital, Esta consciência transitiva é, porém num
biologicamente falando. Falta-lhe teor de vida primeiro estágio, predominantemente ingênua.
em plano mais histórico. É a consciência A transitividade ingênua, fase em que nos
predominante, ainda hoje, dos homens de zonas achamos hoje nos centros urbanos, mais
fortemente atrasadas do país. enfática alí, menos aqui, se caracteriza pela
Esta forma de consciência representa um simplicidade na interpretação dos problemas.
quase imcompromisso entre o homem e a sua Pela tendência a julgar que o tempo melhor foi
existência. o tempo passado. Pela transferência da
responsabilidade e da autoridade, ao invés de
Por isso, adstringe o homem a um plano de sua delegação apenas.
vida mais vegetativa. Pela subestimação do homem comum. Por
Circunscreve-o a áreas estreitas de interesses uma forte inclinação ao “gregarismo”,
e preocupações. E a consciência dos homens característico da massificação.
pertencentes àquelas coletividades que Fernando Pela impermeabilidade à investigação, a que
de Azevedo chamou de “delimitados” e corresponde um gosto acentuado pelas
“dobrados sobre si mesmos”. explicações fabulosas. Pela fragilidade na
Escapam ao homem intransitivamente argumentação. Por forte teor de
consciente a apreensão de problemas que se emocionalidade. Pela desconfiança de tudo o
situam além de sua estreita esfera que é novo. Pelo gosto, não propriamente do
biologicamente vital. Daí implicar numa debate, mas da polêmica. Pelas explicações
incapacidade de captação de grande número de mágicas. Esta nota mágica, típica da
intransitivação, perdura em parte na
transitivação.
PAULO FREIRE

Ampliam-se os horizontes. Responde-se (D) - Por isso mesmo é que a


mais abertamente aos estímulos. Mas se comunicação dialogal nos parece, no mais
envolvem as respostas de teor quase sempre puro sentido da expressão, um ato de amor.
ainda mágico ou mítico. É a consciência do De amor viril, daí fecundante. O
quase homem massa, em que a dialogação “comunicado” anti-dialogal é falso amor, é
mais amplamente iniciada do que na fase amor eunuco, por isso não fecundo. Por isso
anterior da consciência intransitiva se deturpa também é que a democratização da cultura
ou se destorce. há de ser um ato de amor fecundante.
E é exatamente esta distorção da
transitividade ingênua – no caso de não ser Ela é sobretudo diálogo. Comunicação,
promovida à transitivação, que levará o intercomunicação, jamais superposição
homem ao tipo de consciência que Marcel doadora de "comunicados" por uma elite que
chama de fanática. se julgue ela e só ela portadora da cultura. A
A transitividade crítica, por outro lado, comunicação em que ela implica há de ter na
promoção a que chegaremos mediante uma própria realidade o elemento mediador. O
educação dialogal e ativa, se caracteriza pela homem comum e o intelectual, mediados
profundidade na interpretação dos problemas. pela realidade de ambos, e “simpatizados”,
Pela substituição de explicações mágicas por em torno dos objetos, fazem assim, a
princípios causais. Por procurar testar os intercomunicação que é a própria
“achados”, e se dispor sempre a revisões. Por democratização da cultura.
despir-se ao máximo de preconceitos na
análise dos problemas. Na sua apreensão, (6) - Kahler, Erich. A História Universal
esforçar-se por evitar deformações. do Homem.
Por negar a transferência responsabilidade.
Pela recusa a posições quietistas. Por (7) - Gilberto Freyre.
segurança na argumentação. Pelo gosto do
debate. Por maior doze de racionalidade. (8) – Profº Dulce Dantas.
Pela apreensão e receptividade a tudo “que é
novo”. Por se inclinar sempre a arguições. (9) - Gray, William. L’enseignement de
La Lecture et de L’écriture - Unesco.
(4)- Os professores Paulo Pacheco e
Aurenice Cardoso estão trabalhando no (10) - O professor Luiz Costa Lima, da
sentido de superar uma lacuna de nosso equipe do SEC, vem fazendo análise destes
esforço: a do aprendizado da matemática. textos, sob vários critérios.
Do profº e sociólogo francês Jofre (11) – Profº Gilson Amado.
Dumasidier, de Peuple et Culture, em análise Universidade do Ar - TV Continental -
crítica e honrosamente elogiosa a nosso Rio.
trabalho, recebemos, entre outras sugestões,
a de juntar-mos ao conceito antropológico de (12) - Subordinado ao MCP.
cultura a sua dimensão humanista.

RESUMÉ

L’AUTEUR présente, dans ce travail, les contre les ancienses valeurs qui echerchent
fondements philosophique d'un nouveau leur propre préservation. C'est précisement ce
système d'éducation d'adultes, fait par lui qui arrive au Brésil d'aujourd' hui. Le pays
même. Son point de vue est strictement passe d'une société fermée à une société
réaliste: la réalite est plus qu'objective, elle ouvert. Un passage dont le poit de départ est
est aussi cognoscible. D'après l'auteur les une société fondée sur l' esclavage, dont le
choses se passent de telle façon que l'homme centre des décisions économique et culturelle
n'est pas seulement dans la réalité, mais aussi était hors du territoire du pays, une société
avec elle. "Conséquemment", dit-il, “l'homme qui était en fait l'objet et non proper destin
est un être de rélations, et pas suelement un historique, sans un peuple, sans une vie
être de simples contacts”. Son aptitude à urbaine significative et avee des index
saisir la réalité fait de lui un être de simples éffrayants d'analphabétisme.
contacts". Son aptitude à saisir la réalité fait Le plus grand défi de l'éducateur brésilien
de lui un être plutôt critique. II est donc est desmontrer que _ cette ouverture de la
capable de distinguer ce que l'auteur appelle société brésilienne est maintenue par un
“les différentes orbites existencielles”, en procédé progresssif de démocratisation
quoi faisant sa nature temporelle. L'homme fondamentale, dans l'expression de
est ainsi plus qu'un être de relations, parce Mannheim. Cela signifie l'éducation des
qu'il est éssentiellement un être historique. populations pour de Mannheim. Cela signifie
II passe apres à une analyse du procés l'éducation des populations pour qu'elles
historique, que contient ce que nous pouvons devien nonl conscientes de leur proper état'
appeler sa “théorie du transit”. La société ce qui revient àdire que ce qui est le plus
marche d'accord avec le temps. Le passage nécessaire est une éducation pour le
d'un temps historique particulier au suivant développement sócio-économique. du Brésil.
est, souvent, marqué de profondes Une éducation dans la quelle des fafits
contradictions qui surgissent du choc des comme la démocratisation, les réformes
nouvelles valeurs qui cherchent à s'affirmer sociales si necessaires et urgente, ne peuvent
pas être cachés.
Le systeme de l'auteur est né pourt
repondre à
Conscientização e Alfabetização

Le systeme de l'auteur est né pourt l'Auteur dans Service de perfectionnement de


repondre à Ce défi. Son experience prolongée l'Université de Récife, dans une tentative de
avec des travaileurs et paysans du Nordest du montrer comment certaines técniques
Brésil l'a amené à découvrir une méthode linguistique et paychologique ont été employées,
d'alphabétisation, dans la quelle les analphabetes avec le but de simplifier et de réduire le Dombre
prennent d'abord conscience de leur proprc dea mots nécessaire pour faire compreendre le
réalité, àtravers une discussion détaillée mais de mécanisme de la syntaxe portugaise. Le résultat
leurs problems socio-économique. Seulement aété une alphabétisation en temps-récord de 30 à
apres on leur fera apprendre a lire et à écrire des 40 heures de travail, apres lesquelles l'adult en
mots intimements líés à ces problemes. Une plus de savoir lire et écrire, connait mieux son
pédagogie entierement fondée sur un dialogue propre monde, grace aux discussions continues,
ouvert avec les analphabetes et dont l'objectif mais libres, des problêmes politiques,
est de leus faire se motiver eux-mêmes et, par sociologiques et cultllrels abordés pendant son
cela, de s'éduquer. expecience d'apprentissage.
Suit I'appréciation du travail de l'équipe de

ABSTRACT

IN RIS P APER the author lays the philosophical fundamental democratization, to use
foundations of a new system of adult education Mannheim's expression. And this means to
he has developed. His standpoint is a estrictly educate the populations with a view to turning
realistic one, in which he affirms that reality is them conscious of their own status, which
not only objective, but also cognizable. As he amounts to saying that what is most needed is an
puts it, things seem to happen in such a way that education for the socio-economic development
man is not only in reality, but also with it of Brazil. An education in which facts like
”Hence”, he says, “the being of relations he is, democratization and the badly needed social
and not only (a being) of mere contacts”. Man's reforms are never to be averted.
ability to apprehend reality is of such a nature as The author's adult education system was
to make him a predominantly critical being. He is born to meet this specific challenge. His long
thus able to distinguish what the author calls experience with laborers and Northeastern
“different existential orbits” and in so doing he peasants led him to devise a method of literacy
betrays his temporal nature. Man is thus more teaching in which the illiterate would firstly
than a being of relations, because he is an become aware of his reality, through a detailed
essentially historical being. but rather informal discussion of his own socio-
From there the author goes into an analysis of economic problems, and only then start learning
the historical process in what we might call his how to read and write words chosely associated
transition theory. 50ciety changes, as time goes with these problems. A pedagogy entirely based
by. The passage of one particular historical time upon a frank dialogue with the iliterates, in
onto the next is often marked by profound which the objective is to lead them to motivate
contradictions which stem from the clashing of themselves and from there to educate
newly emergent values that seek to affirm themselves.
themselves againts old values that seek their own A consideration of the work of the author's
preservation. This is precisely what is happening team at the Cultural Extension Division of the
to Brazil nowadays. The country is undergoing a University of Recife is next presented in an
transition from the closed society it used to be to atempt at showing how certain linguistic and
an open one. A transition whose starting phase is psychological techniques have been used in
a society based on slavery, with its economic and order to simplify and greatly reduce the number
cultural center of decisions on the outside of the of words actually needed to teach adults the
country's territory, a society which was actually syntactical mechanics of the Portuguese
object and not the true subject of its own language. This way literacy has been taught in
historical destiny, without people, without any record times of 30 to 40 hours of work, after
significative urban life and showing alarming which the adult not only can read and write but
illiteracy rates. also is capable of understanding his world better
Brazilian educator's greatest challenge is by means of the continuous but informal
then to see to it that this opening of Brazil's discussions of political, sociological and cultural
society is assured through a progressive process problems he has been through during his
of learning experience.
JARBAS MACIEL

A Fundamentação Teórica do Sistema Paulo


Freire de Educação

I - Experiência do Serviço de Extensão das palavras do Reitor João Alfredo


Cultural da Universidade do Recife Gonçalves da Costa Lima na Portaria que
criou, a 8 de fevereiro de 1962, o SEC: “...
FUNDADO há pouco mais de um ano, o considerando que a ação da Universidade
Serviço de Extensão Cultural da não se deve sobrepor ao processo de
Universidade do Recife – SEC, como é mais desenvolvimento, mas antes nele se inserir,
conhecido – foi testemunha do nascimento e proporcionando constante integração de
da evolução extraordinariamente rápida de professores e alunos na comunidade”. No
um método de alfabetização de adultos, o momento atual que vive o Nordeste, não teria
Método Paulo Freire, cuja repercussão de sentido uma universidade alienada ao
âmbito nacional, é já hoje do conhecimento processo de desenvolvimento e, por isso
de todos. mesmo, inautêntica e marginalizada. Para
Extensão cultural, para nós que abri-la, para tirá-la de seu isolamento e
compomos a equipe de trabalho do Profº inseri-la no trânsito brasileiro, para
Paulo Freire e que estamos mergulhados desmargina-la, enfim, surge a extensão
numa intensa atividade de democratização da cultural, assestando as suas baterias sobre os
cultura no seio do povo, significa algo mais problemas mais urgentes do nosso hoje e do
do que aquilo que lhe é em geral atribuído nosso amanhã. É neste sentido que ela
nos centros universitários da Europa e dos representa uma contradição com a
EE.UU. (1) . A extensão é uma dimensão da Universidade Brasileira mas, em realidade,
Pré-revolução Brasileira, desde que ela reflete apenas um detalhe de uma
também – e não só o homem, na expressão contradição maior responsável pelo próprio
feliz de Gabriel Marcel – é situada e datada. processo histórico que estamos vivendo.
De fato, já não se pode mais entender, no Por isso, entendemos que a verdadeira
Brasil de hoje, uma universidade voltada praxis da extensão cultural, entre nós, deva
sobre si mesma e para o passado, indiferente partir daí. Sua motivação afunda raÍzes na
aos problemas cruciais que afligem o povo grande contradição da Universidade
que ela deve servir. Não é outro o significado Brasileira que, entre outras coisas, põe em
choque 1 % da nossa população com os 99%
restantes, isolados na mais completa
JARBAS MACIEL

cegueira espiritual e embrutecidos no (2) . Não foi outra a conclusão a que chegou,
abandono de uma forma de escravização entre nós, em “A Questão da Universidade”, o
social e econômica. Parece uma ironia que Profº Álvaro Vieira Pinto, da Faculdade
esses 99% do povo brasileiro devessem, Nacional de Filosofia e do ISEB (Instituto
mesmo alienados da Universidade, sustentá-la Superior de Estudos Brasileiros).
social e economicamente. Entretanto, assim o Foi esse, portanto – e ainda está sendo –
é. A extensão, por conseguinte, para ser o ponto de partida do SEC, ao lado de seu
verdadeiramente funcional, deve estar voltada esforço em levar a Universidade a agir junto
para esses 99 % a imensa maioria do povo ao povo através de seus Cursos de Extensão
brasileiro – no sentido de saldar, (nível secundário, médio e superior), de suas
simplesmente, uma pesada dívida que não é palestras e publicações e, por fim, de sua
apenas acidental e nem recente, porque é uma “Rádio Universidade”. Todavia, o SEC não
dívida histórica. Quando fazemos extensão poderia fazer do Método de Alfabetização de
cultural nestes termos, estamos lutando Adultos do Profº Paulo Freire sua única e
inclusive contra os erros e os vícios de nosso exclusiva área de interesses e de trabalho. A
passado colonial. alfabetização deveria ser – e é – um elo de
O papel do SEC da Universidade do uma cadeira extensa de etapas, não mais de
Recife, assim situado e datado no panorama um método para alfabetizar mas de um
atual da realidade brasileira, é o de uma cunha sistema de educação integral e fundamental.
na rachadura da Universidade, tendente a Vimos surgir, assim, ao lado do Método Paulo
parti-la numa abertura cada vez mais ampla Freire de Alfabetização de Adultos, o Sistema
para os anseios, as necessidades e os Paulo Freire de Educação, cujas sucessivas
problemas concretos da imensa maioria do etapas – com exceção da atual etapa de
povo. Temos a animar e a inspirar o nosso alfabetização de adultos – começam já agora a
trabalho titânico, contra o indiferentismo e, às ser formuladas e, algumas delas, aplicadas
vezes, a hostilidade de pequeníssimas experimentalmente, desembocando com toda
minorias altamente privilegiadas, a certeza de a tranqüilidade numa autêntica e coerente
que, através da democratização da cultura, Universidade Popular.
estamos contribuindo ativamente para o bem O Sistema Paulo Freire de Educação é,
comum. assim, na perspectiva que nos abre a filosofia
Interessou-nos, assim, começar desenvolvimentista nacional, uma das
realmente do começo. Num país como o poderosas ferramentas da praxis que estava
nosso, caberia à Universidade, através da faltando ao ISEB, pois / que ambos – SEC e
extensão e empenhada em democratizar a ISEB – se completam na fase atual da
cultura, voltar-se inicialmente, com todas as revolução brasileira.
suas forças, contra o analfabetismo. Esta A primeira etapa do Sistema – já
experiência está fadada a ser uma constante formulada e, presentemente, em estágio
dos chamados países subdesenvolvidos, como experimental – é a de alfabetização infantil.
bem o demonstra a Universidade Popular
“Nova et Vetera” de Yaundê, no Carmerun
(África)
Fundamentação Teórica do Sistema

A segunda etapa do Sistema – fase adultos, nesta etapa, serão encorajados a


atual de atividade do SEC – é a de escrever pequenos “artigos” para seu
alfabetização de adultos. Consta, em largos próprio “jornal” (com o qual já está
traços, de um método de alfabetização acostumado desde a 2ª etapa) e para
rápida (3), sem cartilha, sem o professor pequenos “livros” escritos em conjunto
tradicional, fazendo utilização ampla de intercambiados pelos diversos “círculos de
ajudas áudios-visuais (projeção fixa, cultura” do Estado, da Região e, mais tarde,
atualmente) e da motivação a partir de do Brasil inteiro. Formar-se-ão, também,
situações existenciais dos grupos a bibliotecas populares etc.
alfabetizar, conscientizando pelo diálogo A quarta etapa do Sistema,
franco e informal. Parte, para isso, do juntamente com a anterior, marca o início
levantamento do universo vocabular dos da experiência de universidade popular
alfabetizandos, de onde são retiradas as propriamente dita, entre nós. Será a
chamadas “palavras geradoras” para extensão cultural em níveis popular,
alfabetização. Utiliza cerca de 8 “slides” (ou secundário, pré-universitário e
fichas projetadas em episcópio) para universitário. Esta é fase de trabalho atual
motivação e conscientização, e mais 8 ou 10 do SEC, mas atingindo clientelas da área
para a alfabetização propriamente dita. urbana recifense, de nível secundário em
A terceira etapa do Sistema – também diante.
fase atual de atividade do SEC, em Para a instalação desta etapa e das
experiência conduzida pela equipe da seguintes – que constituem a Universidade
CEPLAR (Campanha de Educação Popular Popular – serão aproveitados os “círculos
da Paraíba), em João Pessoa é o ciclo de cultura” nos quais se fez a alfabetização
primário rápido (4). Nesta etapa, uma vez e, aqui em Pernambuco, as Associações de
alfabetizado, o adulto começará a ler Bairro e os Sindicatos Rurais,
pequenas antologias de textos reduzidos a estabelecendo-se assim uma rede de
universos vocabulares limitados e a estudar pequenos “institutos de estudos brasileiros”
em “pequenos manuais de capacitação (IPEBs) ligados à Universidade do Recife,
cívica”, sugeridos pela equipe de CEPLAR, que funcionarão como verdadeira
nos quais encontrarão noções básicas de universidade volante. Em Pernambuco, o
legislação do trabalho, geográfica SEC, o MCP (Movimento de Cultura
econômica, economia, sindicalismo etc. (5). Popular), a Promoção Social, o MEB
Assuntos técnicos ligados às profissões e (Movimento de Educação de Base) a AP
ocupações dos recém-alfabetizados serão (Ação Popular) e a SUDENE (Setor de
incluídos nestes manuais, bem como noções Reformulação Agrária) mobilizam-se no
de arte popular e folclórica (mamulengos, sentido de instalar esta e as etapas
dramatizações, poesia nordestina popular). anteriores do Sistema.
Será tentada a inclusão aí de reduções a A quinta etapa do Sistema – já
vocabulários mínimos das chamadas esboçada com suficiente profundidade para
Ciências do Homem, assunto ao qual
votaremos em detalhe mais adiante. Os
JARBAS MACIEL

permitir a presente extrapolação– Alguns desses campos são, ainda, tão


desembocará tranqüila e coerentemente no recentes que qualquer coisa que se escreva
Instituto de Ciências do Homem, da está fadada a caducar em questão de meses,
Universidade do Recife, com o qual o SEC semanas até. Esta é uma experiência que a
trabalhará em íntima colaboração. equipe do SEC tem tido ocasião de
A sexta etapa do Sistema – também confirmar repetidas vezes.
já esboçada - desembocará tranqüilamente Começaremos com algumas
no Centro de Estudos Internacionais (CEI) considerações sobre a teoria da comunicação
da Universidade do Recife, órgão aplicada à Sociologia, à Antropologia e à
recentemente criado e que obedece à Educação.
dinâmica e brilhante direção do Profº
Vamireh Chacon. Nesta etapa, será 1. Comunicação e Antropologia
realizada intensa transação com os países Cultural
subdesenvolvidos, num esforço de
integração do chamado Terceiro Mundo, Quando operamos o Sistema Paulo
conforme é do pensamento do Profº Freire de Educação, estamos lidando com a
Vamireh Chacon. categoria social de COMUNICAÇÃO.
Quando lidamos com a Geometria,
II. Fundamentação Teórica do por exemplo, usamos conceitos tais como
Sistema “linha”, “ponto”, “figura”, “distância” etc.,
todos eles contidos na idéia geral de
O Sistema Paulo Freire de Educação extensão. A uma tal idéia geral damos o
está todo ele contido, em potencial, na nome de categoria, na terminologia
primeira situação existencial projetada em filosófica. Assim, a categoria fundamental
“slide”: da Geometria é a de extensão.
A categoria fundamental dentro de
“O Homem diante do mundo que está mergulhado o Sistema Paulo Freire
da natureza e do mundo da de Educação é a categoria sociológica e
cultura” antropo-cultural de COMUNICAÇÃO.
O homem, dotado de consciência que,
As análises que se seguiram à
entre outras coisas, reflete a realidade
confecção deste e dos demais “slides”
exterior, põe-se diante da natureza e a
utilizados na memorável experiência de
conhece.
Angicos (sertão do Estado do Rio Grande
Posto diante da natureza, o homem
do Norte) revelaram que aí estavam
realiza a relação entre realidade interior
contidos, sob a forma de programação
(esfera lógico-psicológica) e realidade
compacta, os elementos fundamentais da
exterior (esfera cosmológica). É a relação
Lógica, da Teoria do Conhecimento, da
sujeito / objeto, ponto de partida para toda e
Reflexologia, da Semiótica, da Filosofia da
qualquer concepção do mundo.
Educação, da Teoria da Comunicação
(Cibernética), da Teoria do Aprendizado e
da Lingüística.
Fundamentação Teórica do Sistema

A realidade exterior é não somente


trabalho que o homem aguça e aprimora a
objetiva – isto é, independente do sujeito
inteligência.
cognoscente – mas também vem a ser a fonte
Sozinho, o homem ainda não estaria
de todo o conhecimento. Este, por sua vez, é
fazendo cultura.
não somente objetivo, mas também possível.
Posto diante de outros homens, com os
Esta realidade exterior – a natureza, de
que o homem faz parte – é uniforme, quais está em relação, o homem comunica a
ordenada (se bem infinitamente diversificada), transformação que operou sobre a natureza,
é cosmo e não caos, ordem e não desordem e “fazendo” só então e a partir daí cultura
seus nexos são sujeitos a leis. propriamente dita.
A realidade interior – o mundo da Sem comunicação, entre seres humanos,
consciência – também é ordem, também tem não pode haver cultura. A comunicação é o
os seus nexos sujeitos a leis (as leis e os sopro que dá vida à cultura.
princípios lógicos). Colocado, isoladamente, frente à
A relação sujeito / objeto, de que nasce realidade objetiva e aos outros homens, o
o conhecimento, só é possível graças à homem conhece: este é o conhecimento
correspondência entre nexo cosmológico subjetivo. Ao comunicar este conhecimento,
(objetivo) e nexo lógico (subjetivo) . que também é uma forma de transformação da
Os nexos lógicos são os chamados natureza – isto é, a natureza voltando-se sobre
primeiros princípios (de identidade: p = p; de si mesma através da consciência – o homem
contradição: –(p. – p) e do terço excluído: p “faz” educação.
ou – p) e as categorias (6), que representam o O conhecimento após a comunicação
material com que se constrói o edifício do torna-se conhecimento objetivo e é também,
pensamento. cultura.
Ora, o homem é um ser de relações. O conhecimento subjetivo, típico da
Posto diante da natureza, que ele conhece o atitude do homem isolado diante da realidade
exterior, não é propriamente cultura, desde que
homem está diante de outros homens com os
não se deu ainda a comunicação com outros
quais se comunica.
seres humanos.
Entretanto, ele não somente conhece a Transferir conhecimento objetivo de
natureza mas, também, age de volta sobre ela, homem para homem, ao longo do tempo, isto é,
dialeticamente, transformando-a, de geração a geração, ou seja, transmitir cultura
conquistando-a através do trabalho. é “fazer” educação.
A partir daí surge a esfera da cultura, A Filosofia da Educação é, entre outras
estudada pelas ciências do homem. coisas, o estudo deste processo de transferência
Por sua vez, a esfera da cultura passa a ou transmissão da cultura, e a teoria e prática da
agir de volta, dialeticamente, sobre a comunicação, que a torna possível.
consciência, através do trabalho, ampliando- Daí dizermos, inicialmente, que, ao
a, enriquecendo-a, desafiando-a, estimulando- operarmos o Sistema Paulo Freire de Educação,
a, movendo-a e instrumentalizando-a, estamos lidando com a categoria sociológica e
desenvolvendo no homem, assim, o seu antropo-cultural de comunicação.
segundo sistema de alfabetização (7). É pelo
JARBAS MACIEL

A comunicação admite graus. É válido O significado que o amor – ou,


falarmos numa gradação de variabilidade da também, a tendência a operar formas cada vez
comunicação entre os seres humanos, como é mais elevadas de comunicação tem para a
válido falarmos nos canais da comunicação. educação é a democratização da cultura.
Estes graus de variação da comunicação A democratização da cultura é, antes de
ocorrem tanto num determinado canal ou tudo, um ato de amor. Amor incondicional a
grupo de canais de comunicação, como em todos os seres humanos.
função do maior ou menor número de canais Baseia-se nos seguintes postulados
utilizados na comunicação. Um professor, por fundamentais:
exemplo, pode comunicar muito ou pouco em I) a igualdade ontológica de todos os
suas aulas. homens. Os homens são todos iguais diante da
O grau máximo de comunicação é o natureza. Os homens são todos iguais diante
amor. dos outros homens. Os homens são todos
Não é outra coisa o que a sabedoria iguais diante do conhecimento. Os homens
popular quer significar, quando diz que “o são todos iguais diante dos canais de
amor não conhece fronteiras”. comunicação. Os homens são todos iguais
A comunicação, que, tomada em diante da cultura. Os homens são todos iguais
sentido mais geral, não é privativa do homem, diante do trabalho. Os homens são todos
existindo também no mundo animal (8), pode iguais diante do Cristo.
independer até – e freqüentemente o faz – da Para Mannheim (10), a “igualdade
dimensão de racionalidade (9). O amor – essencial de todos os seres humanos é o
forma mais elevada de comunicação possível primeiro princípio fundamental da
– explica tanto o instinto maternal de uma democracia”.
leoa selvagem quanto o mistério do Sermão da II) a acessibilidade ilimitada do
Montanha. conhecimento e da cultura. Todos os homens
De fato, o maior exemplo histórico do têm o mesmo direito de acesso ilimitado ao
grau máximo de comunicação entre seres conhecimento e à cultura. Não há razão
humanos foi o Cristo. Observe-se como Ele ontológica que possa justificar a limitação a
comunicava a simples pescadores rudes e aos certos seres humanos ou grupos de seres
humildes de seu tempo a mais profunda humanos (as elites, por exemplo) da abertura
mensagem e o mais elevado código de a certos canais de comunicação (ler, escrever,
conduta de que tem notícia a história do literatura, teatro, convívio universitário etc.) e
gênero humano. do franqueamento a certos tipos de
Dado que a comunicação admite graus conhecimento. O conhecimento e a cultura
e tem, no amor, o seu grau máximo e porque pertencem por igual a todos os homens e são
representa, por assim dizer, a vida da cultura a ilimitadamente acessíveis a toda humanidade,
qual, transmitida de geração a geração, vem a desde que, através da própria democratização,
ser a educação, é válido perguntar que
significação o amor – assim entendido – tem
para a educação.
Fundamentação Teórica do Sistema

sejam franqueados a todos os homens, daí a verdadeira praxis cristã.


independentemente de raça, cor, classe social, O homem, diante da natureza, que ele
credo etc., todos os canais de comunicação conhece, está inserido na posição de sujeito.
aos quais têm igual e inalienável direito. Mas, como vimos, está diante, também, de
III) a comunicabilidade ilimitada do outros homens – isto é, de outros tantos
conhecimento e da cultura. Não há limite sujeitos – com os quais está em relação, com
possível ao grau de comunicação de os quais se intercomunica e, acrescentemos
conhecimento ou de transmissão da cultura. agora, aos quais deve, para isso, amar. É este
Há um grau máximo da comunicação – o o significado antropológico do “ama i-vos
amor – mas este é, de si mesmo, ilimitado e uns aos outros” do Cristo.
inesgotável. Não pode haver limites à Assim, o homem, diante da natureza e
comunicabilidade do conhecimento e da dos outros homens, na posição de sujeito
cultura: o que há são “arestas”, diferenças cognoscente e, através do trabalho, criador,
pessoais mesquinhas e deformantes entre os deve respeitar o direito sagrado que cada um
seres humanos, pequenos e grandes ódios – dos outros homens tem de ocupar a posição
esses verdadeiros “zeros” da comunicação – de sujeito criador. O homem não pode, a
enfim, pouco amor ou ausência dele. Quando partir de uma posição de sujeito, fazer de
um professor alega, por exemplo, que não outro homem – ou de outros homens –
pode ensinar os fundamentos da Antropologia objetos de suas ações. Seria violar. o
Cultural a simples homens do povo – postulado fundamental da igualdade
operários etc. – a culpa lhe cabe, unicamente, ontológica de todos os seres humanos. Além
e não a eles, pois que não foi capaz de disso, seria violar a própria categoria
apropriar-se dos canais comuns de fundamental sócio-antropo-cultural da
comunicação entre ele mesmo e os operários, comunicação. Não haveria comunicação,
mediante um ato de amor, dando-lhes os que mas, na expressão feliz do Profº Paulo Freire,
lhes faltavam e tomando-lhes os que não comunicados, comandos, impostos
tinha, num profundo voto de humildade e de violentamente sobre o homem-objeto. É este
crença na pessoa humana, de onde nasce o o significado antropológico da exploração do
verdadeiro e invencível espírito democrático. homem pelo homem: um reduzir o homem à
Dado que a democratização depende, categoria de objeto, um destruir a vida
como todo fenômeno cultural, da mesma deste homem, da própria sociedade,
comunicação, e que esta, por sua vez, admite um isolá-lo, um aliená-lo, através de um
graus, é válido perguntar se aquela também aleijamento da pessoa humana livre e
admite graus. criadora, impedindo que ele seja, de fato, um
A democratização da cultura, de fato, ser de relação. Impedindo, em verdade, que
admite graus. ele seja homem. Destruindo a comunicação, a
O grau máximo de democratização exploração do homem pelo homem destrói o
possível é o Cristianismo. Daí, o seu caráter amor, implantando uma relação falsa e
essencialmente revolucionário. Deve partir odienta entre os seres humanos. É por isso
JARBAS MACIEL

mesmo e acima de tudo, anti-cristã. Entretanto quão diversa é, por


Há outros exemplos igualmente exemplo, a hierarquia Cristã! Uma hierarquia
significativos de formas odientas de relação verdadeira, porque comunicante,
entre seres humanos, os quais terminam, de intercomunicante, onde não há comunicados
maneira ou de outra, por reduzi-los à semi- mas sim comunicação, onde não há o
animalidade ou a formas de alienação automatismo ou a indiferença desumanizada
profunda. do exército, mas o amor que leva, que liberta
Observe-se, a propósito, o problema das e que respeita a pessoa humana, livre, dona
hierarquias. Há hierarquias autênticas e as de si mesma e de suas ações, responsável
hierarquias falsas, estas últimas, por isso pelos seus atos, desalienada, enfim.
mesmo, fadadas ao desaparecimento pela Significativamente, os exércitos
decomposição espontânea ou forçada pelas destroem e são destruídos, passam com o
circunstâncias. A hierarquia falsa é aquela em tempo e a História. Mas a Igreja fica...
que não há, de fato, comunicação. A A acessibilidade do conhecimento e da
hierarquia militar tradicional representa bem cultura é limitada, mas ela também, admite
um tipo de hierarquia falsa, porque não- graus.
comunicante. Não há, em realidade, Dentre os “departamentos” da cultura,
comunicação entre o capitão e o sargento, uns são mais, outros menos acessíveis ao
entre este e o soldado. Há comunicados ou povo.
comandos (11). Observe-se, além disso, como A arte é o departamento de máxima
a presença do exército, na sociedade humana, acessibilidade da cultura. Muito antes de
é um fato-anti-natural. Para que servem, em fazer ciência, por exemplo o povo cantou,
última análise, os exércitos senão para que os dançou, fez escultura, pintura, poesia e
homens se mantém uns aos outros na guerra? música. Observe-se como, ao tentar fazer
A guerra é um fato anti-natural na sociedade ciência, o povo revela-se portador de uma
humana. consciência e de um comportamento, diante
Se o ódio é o grau mínimo de da natureza, essencialmente ingênuo e
comunicação entre seres humanos. mágico.
A Humanidade não pode deixar de olhar A arte acha-se mais diretamente
para o dia – não interessa quão longínquo vinculada ao mais humano e maior dos
possa estar – em que reinará a paz definitiva canais de comunicação – a afetividade –
na Terra.. Então, não mais será preciso aos através de seu conteúdo de emoção, de
homens armarem-se, mas ararem-se, através sentimento, de amor, enfim. O artista, além
da instrumentalização e do enriquecimento disso, na posição de sujeito criador, recria o
interior que a educação, através da mundo, transfigurando-o através da beleza.
democratização da cultura, pode e deve lhes Trabalha, a seu modo, a natureza, depois de
dar. conhecê-la e, posto que está diante dos outros
homens, com os quais está em relação e com
Fundamentação Teórica do Sistema

os quais se comunica, o artista faz com do conhecimento. Foi assim que, na atual
que a cultura se volte dialeticamente sobre fase de alfabetização, como veremos mais
a consciência, enriquecendo-a. A adiante em maior detalhe, encontramos
linguagem, por exemplo – principal canal ampla aplicação da Lógica e da Logística
de comunicação e de transmissão do na análise do material e das situações
conhecimento e da cultura – deixa de ser encontradas e na etapa seguinte (a 3ª- ciclo
meramente um sistema de sinais para ser primário). Vimos, entre outras coisas, como
o meio sensível de uma forma de Arte, o o axioma de redutibilidade de Bertrand
veículo da criação estética, numa palavra, Russel, desenvolvido em sua “Introdução à
deixa de ser meramente linguagem para Filosofia Matemática” e nos memoráveis
ser Literatura. “Principia Matemática” (12), juntamente
A Arte, por conseguinte, é talvez o com o conceito e a técnica lingüística dos
mais preferível dos veículos da chamados vocabulários mínimos das
democratização da cultura e, de todas as ciências, desenvolvidos em “O
artes, é o teatro a que mais comunica, Conhecimento Humano seus objetivos e
dado que representa uma síntese seus limites”, vinham em nosso auxílio não
harmoniosa e orgânica – isto é, é mais do só para explicar a grande originalidade do
que mera soma – de todos os canais de método de alfabetização de adultos do
comunicação possíveis. Profº Paulo Freire – precisamente aquilo
Entretanto, não é esta a única razão que o fazia superar a cartilha e obter a
para preferirmos o teatro às demais alfabetização em tempo “record” de 28 a
formas de Arte isoladas. Em realidade, o 40 horas – como também para servir de
teatro contém, dentro de si, todas as poderosas ferramentas na formulação e
esferas da interação entre o homem e a realização das etapas seguintes do Sistema
natureza, entre o homem e o até à universidade popular. Isso tudo será
conhecimento e a cultura, entre o homem explicado em detalhe mais adiante. Por
e a educação, entre o homem e a própria enquanto, baste-nos comentar que,
democratização da cultura e da educação. ajudados pela equipe da CEPLAR
A etapa atual de nosso trabalho no SEC – (Campanha de Educação Popular – Estado
alfabetização de adultos – surgiu não da Paraíba, João Pessoa), aceitamos a sua
como uma fórmula implantada excelente sugestão de que a etapa de
arbitrariamente de cima para baixo, a educação primária deveria toda ela girar em
partir de nossos gabinetes, mas como uma torno de um livro, que seria uma antologia,
resposta a um desafio concreto. Ao uma espécie de “manual de capacitação
crescer o método de alfabetização do cívica”. O homem, depois de alfabetizado,
Profº Paulo Freire e ao tornar-se num está em condições de ler e escrever. Se a
verdadeiro sistema de educação, cartilha havia sido totalmente eliminada,
desembocando tranqüilamente numa tendo sido colocados em seu lugar bilhetes
autêntica universidade popular através da e cartas escritas pelos próprios adultos de
extensão cultural transitiva – isto é, outros círculos de cultura, além de um
inserida no trânsito brasileiro – “jornal” – o “Páu de Arara” em Angicos –
começamos a abrir novas frentes de
trabalho nos mais variados departamentos
JARBAS MACIEL

redigido com material criado por eles Ora, dar-lhes unicamente para ler
mesmos, agora se fazia necessária a textos programados (pela nossa equipe, a da
utilização de seu novo instrumental CEPLAR ou outra qualquer equipe) seria
intelectual através de um livro bem pouco. Desta maneira, fomos levados à
programado que mantivesse e garantisse a conclusão de que deveríamos desenvolver a
continuidade do processo de educação técnica de redução a vocabulários mínimos
integral. Significativamente, a equipe da de modo a aplicá-la eficientemente à
CEPLAR escolheu para tema do primeiro redução de textos originais da Literatura-
“manual de capacitação”, o título sugestivo BrasIleIra e, mais adiante, da Literatura
e profundamente bem intuído, como Universal.
veremos logo a seguir, de “Força e Surgiu, assim, um dos campos mais
Trabalho”. (13) novos, mais urgentes e mais fascinantes da
De fato, a etapa anterior havia toda atividade do SEC na construção do novo
ela girado em torno da relação sujeito/ Sistema de Educação: o da Teoria e Prática
objeto, em seus múltiplos aspectos. O da Redução de Textos a Universos
homem diante da natureza. A natureza Vocabulares Limitados, em função dos
agindo sobre a consciência, universos vocabulares dos adultos recém-
impressionando-a, estimulando-a, alfabetizados.
desafiando-a. O conhecimento.
Estes poderão ler não somente seus
A etapa seguinte deveria, então, girar
“manuais de capacitação” – “Força e
toda ela ao redor do movimento de retorno:
Trabalho”, por exemplo - mas também “Os
a consciência agindo de volta,
Sertões” (2.a parte) de Euclides da Cunha,
dialeticamente, sobre a natureza,
“Os Capitães de Areia” de Jorge Amado,
transformando-a, conquistando-a. O
trabalho. “Menino de Engenho” de Lins do Rego,
Na segunda etapa (alfabetização), o alguns “Sermões” de Vieira etc., reduzidos
“eit-motiv” é o conhecimento, se bem que todos eles a universos vocabulares limitados
este não surja isolado, mas complementado a 500, 1.000 ou 2.000 palavras.
com as reduções aos vocabulários mínimos Pois bem, é fácil de ver como, num
VERBAIS das chamadas Ciências do plano de educação de adultos como este –
Homem (Antropologia Cultural, um plano essencialmente de emergência, na
Sociologia, Política, Geografia Humana e expressão do Profº Jomard Munir de Britto,
Econômica etc). da equipe do SEC – estamos diante de
homens analfabetos, semi-analfabetos e
Na terceira etapa (educação recém-alfabetizados. Assim, ocorreu-nos a
primária), o “leit-motiv” é e só poderia ser idéia de que seria preciso reduzir talvez de
o trabalho, não isolado, mas maneira muito especial os textos utilizados
complementado com as reduções aos
para o teatro. Em conversa com o
vocabulários mínimos – agora não mais
dramaturgo Ariano Suassuna (14) tivemos
simplesmente em forma verbal, uma vez
nossa atenção dirigida para o teatro medieval
que os adultos já sabem ler, mas
cujos textos, segundo ele, eram reduzidos a
ESCRITOS – das Ciências do Homem
(incluindo a filosofia do desenvolvimento,
SUDENE etc.).
Fundamentação Teórica do Sistema

meros “roteiros” ou “esboços”, em tomo dos vocabulários mínimos, ora à Antropologia


quais os atores improvisavam ampla e Cultural, ora à Sociologia, ora à Geografia
livremente. Observe-se, por outro lado, a Humana etc. Assim, a sala de aula cede lugar a
equivalência das duas situações: a dos nossos um “círculo de cultura” e a aula tradicional a
adultos analfabetos e recém-alfabetizados e a um “debate” democrático e espontâneo. Acima
do povo na Idade Média, em sua maioria de tudo agradável e autêntico. Este círculo de
iletrado! Pareceu-nos imediatamente que cultura, então, pode transformar-se num teatro,
devíamos aproveitar a experiência medieval e, em que palco e platéia se fundem num todo
baseados num excelente precedente, atualizar intercomunicante. Ou, si se quiser proceder
esta técnica teatral à base de nossos achados e gradativamente, pode-se manter a estrutura
de nossas pesquisas de redução a vocabulários palco-platéia e acrescentar um “coordenador de
mínimos e a universos vocabulares limitados. debates” agora transfigurado num personagem
De fato, o Profº Paulo Freire acredita fantástico ou mítico – o “Amarelinho” dos
ser o teatro elemento de fundamental sertões nordestinos, tão querido de Ariano
importância na aplicação da 3ª etapa e das Suassuna e já utilizado numa de suas peças –
etapas seguintes. Não somente o teatro, mas cuja aparição, de tempos a tempos, para
este que teatro viemos de descrever. Suas precipitar um comentário ou um diálogo com a
experiências verdadeiramente pioneiras neste platéia, tomar-se-á recurso técnico constante e
campo datam de 1955 quando, juntamente central. Desta maneira, estaremos dando ao
com Ariano Suassuna, faziam no SESI um teatro o canal de comunicação que estava
teatro popular autêntico. Ariano traduzia e faltando: ao lado do que vém do palco para a
adaptava, entre outros, Moliere, que os platéia, ter-se-á o que vai de volta, da platéia
operários do Recife realizavam com um para o palco. Isso que é possível fazer com o
rendimento artístico assombroso. Cremos teatro, diretamente, não o é com o Cinema,
estarem lança das aí, com uma considerável com o Rádio ou com Televisão.
experiência humana, as bases para a prática de _______
um teatro cada vez mais participante e
comunicante. A comunicação e a democratização da
O Sistema Paulo Freire de Educação, cultura explicam, em termos objetivos, a
que prevê a utilização de todos os canais questão da cultura popular.
possíveis de comunicação, conduz a uma série Para isso – e a esta altura – não mais
de fatos novos. O professor tradicional, por partiremos do homem posto diante da natureza,
exemplo, é substituído por um “coordenador” mas do homem posto diante da cultura.
de debates cuja função é, pelo diálogo franco, Toda a cultura é uma só, em condições
informal e sincero, retirar das situações “normais” de comunicação, ou de
compactamente programadas nos “slides” – e, comunicabilidade entre os seres humanos. Por
no futuro, em filmes e na TV – todo um
complexo de informação ligado, através das
reduções a
JARBAS MACIEL

condições “normais” de comunicação, ou significa fazer a abertura, aos homens, de


de comunicabilidade entre os seres todos os canais de comunicação, em todos
humanos queremos significar que são os graus e formas possíveis, aos quais têm
respeitados os postulados fundamentais de igual e inalievável direito. O homem,
igualdade ontológica de todos os homens, instrumentalizado pela educação, está apto
de acessibilidade ilimitada do conhecimento a continuar a educar-se a si mesmo e por si
e da cultura e de comunicabilidade ilimitada mesmo no contato com a cultura e com os
do conhecimento e da cultura . outros homens, aprendendo a conduzir-se a
Numa sociedade de classe, a cultura si mesmo, a ser sujeito de si mesmo, a
se ressente de um caráter de classe. Há, desalienar-se enfim. É, só então e a partir
então, de fato, uma “cultura de elite” e uma daí, pessoa humana, livre e responsável
“cultura do povo”. Estas “culturas” estão pelos seus próprios atos, inserida no
distanciadas tanto quanto for a carência dos trânsito, como diria o Profº Paulo Freire. É,
meios de comunicação e a deficiência ou só então e a partir daí, um verdadeiro
ausência da democratização destes meios. cristão.
Cultura popular é todo o processo de Dizemos, então, que o homem se
democratização da cultura que visa conscientiza.
neutralizar o distanciamento, o desnível O Sistema Paulo Freire de Educação
“anormal” e anti-natural entre as duas nos dá um excelente exemplo de “feed-
“culturas”, através da abertura a todos os back” (retro-alimentação) num “sistema”
homens – independentemente de raça, social: se o homem se instrumentaliza
credo, cor, classe, profissão, origem etc. – através da democratização da cultura, a
de todos os canais de comunicação. instrumentalização do homem, por· sua vez,
“Fazer” cultura popular é, assim, funciona como uma ferramenta para a
democratizar a cultura. É, antes de tudo, um própria democratização da cultura.
ato de amor. É condição para uma praxis Estabelece-se, assim, dentro do trânsito
cristã. atual brasileiro – que podemos visualizar
_______ como um “sistema” de forças, um sistema
de contradições internas e externas – um
A relação entre educação e cultura subsistema auto-regulado (o Sistema Paulo
popular salta clara, também, à luz desta Freire de Educação), advindo deste fato o
análise. seu imenso poder como uma arma
O homem, “fazendo” cultura, invencível da Pré-revolução Brasileira.
comunica e transmite conhecimento de Creio ser este o grande significado
geração a geração. Radica aí, precisamente, social do Sistema Paulo Freire de
o caráter ideológico fundamental de todo Educação. É, ele mesmo, uma fase do
processo educativo. processo histórico brasileiro. Daí a sua
Podemos definir, então, educação em capacidade impressionante de empolgar as
termos de nossas análises anteriores: a pessoas que têm travado contacto com o
instrumentalização do homem, pela trabalho do SEC da Universidade do
democratização da cultura. Instrumentalizar Recife. É que o Sistema é, ele mesmo, um
Fundamentação Teórica do Sistema
Temos aí toda a estrutura lógica
um sistema altamente intercomunicante. Uma
apofântica, para começarmos, a qual se baseia
vez posto a funcionar, não para mais, é processo
irreversível e que, dada a sua grande nas chamadas três operações do pensamento:
objetividade, independe da atuação isolada dos 1) a apreensão: operação mental de
indivíduos que o apliquem ou o queiram formação do conceito ou idéia, verbalizado no
deformar. termo (ou palavra) ;
Dentro das imensas perspectivas de 2) o juízo: o ato de afirmar as
recuperação do nosso homem que o Sistema apreensões entre si – através da utilização do
abre – remissão sem doações não mais se pode verbo ser, único verbo lógico de que todos os
entender cultura popular que não faça a demais se derivam – ato esse verbalizado na
abertura dos canais de comunicação, isto é, que proposição (ou sentença) ;
não instrumentalize o homem, primeira e 3) o raciocínio: operação mental de
concomitantemente, através da educação agora articulação ou composição dos juízos entre si,
já democratizada. O homem se educa, se conduz mediante as conectivas – em número de 6
e passa a participar ativamente, criadoramente, “primitivas”: não (negativa) , e (copulativa),
no processo da cultura. Opera, agora ou (disjuntiva) , ou ... ou (exclusiva), se ...
conscientizado e de maneira consciente, a então (condicional) e se e somente se (bi-
natureza e os outros homens, com os quais está condicional), conectivas essas de que todas as
em relação dialogal, transformando-a, demais conjunções se derivam – operação
transformando-os e transformando-se, verbalizada na argumentação (ou
comunicando e comunicando-se. Enfim, é demonstração) .
sujeito criador, é pessoa humana no mais alto Observa-se que o termo final da série
sentido da expressão. lógico-gnoseológica é o conhecimento
objetivo, o qual só é possível após a
2. Lógica e Teoria do Conhecimento verbalização. Vimos como a verbalização –
cujo produto acabado é a linguagem – é o
Há alguns aspectos do Sistema que
veículo da comunicação e seu canal mais
fornecem campos vastíssimos para a aplicação
importante. É através deste canal de
das modernas conquistas da Lógica e da Teoria
comunicação que o homem transmite cultura
do Conhecimento.
de geração a geração, isto é, educa.
Para fixar idéias, lançaremos mão de um Num estágio primitivo de civilização,
modelo altamente simplificado e, de vários em que a técnica envolve apenas
modos, arbitrário, ao qual chamamos de série conhecimentos rudimentares da natureza das
lógico-gnoseológica: (objeto) – (realidade) – coisas e dos fenômenos – conhecimentos esse
(sentidos) – (realidade interior) – (sensações) – fáceis de intuir por serem mais accessíveis ao
(percepções) – (apreensão) – (conceituação) – homem, razão por que, neste estágio, não há
(juízo) – (raciocínio) – (verbalização) – técnica propriamente, mas artesanato, dado
(argumentação) – (conhecimento objetivo). que a arte é forma mais accessível de
conhecimento – é possível a transmissão da
cultura, ou seja, a
JARBAS MACIEL

educação pela tradição oral. Pela linguagem fundamentais do pensamento e os seus


verbal unicamente. Quando a técnica passa a correspondentes verbais. Aquelas,
exigir conhecimentos mais profundos, para o “materializadas” nestes, constituem a
que o homem se pergunta os “comos” e os linguagem. É este o ponto de vista da Lógica
“por quês” da natureza das coisas e dos quanto à linguagem.
fenômenos, isto é, quando nasce o Mas não é só isso. A correspondência
conhecimento científico propriamente dito – que liga os termos (ou palavras), as
conhecimento a partir das causas, proposições (ou sentenças) e os argumentos
sistemático, rigoroso, coerente, encadeado, (ou “provas”) aos objetos da realidade exterior
geral e universal – já não é mais possível a (ou, se for o caso, a suas relações) reflete e
transmissão da cultura (educação) pela demonstra o paralelismo fundamental que
tradição oral, e se faz imperiosa a aquisição existe entre pensamento, de um lado, e
da linguagem gráfica, escrita e lida. realidade exterior, do outro. E não somente
A linguagem, pois, verbal e gráfica, se paralelismo, mas também – e principalmente –
faz o veículo do mais importante canal de reciprocidade dialética concomitante. É este o
comunicação de que dispõe o homem no seu ponto de vista estritamente gnoseológico da
esforço de transmitir a cultura de geração a linguagem.
geração, ou seja, no seu esforço de educar os Não é outra coisa senão a confirmação
seus semelhantes e os seus descendentes. É desse paralelismo e dessa reciprocidade entre
este o vínculo poderoso que liga a linguagem pensamento, linguagem e realidade exterior o
à comunicação. Se, anteriormente, dissemos que a lógica aristotélico-tomista faz ao
que não seria possível cultura sem enunciar a lei segundo a qual “a idéia não
comunicação, já agora podemos ir mais deve conter em sua compreensão nenhum
adiante e dizer que sem linguagem não é elemento contraditório”, o que equivale a
possível comunicação e, por conseguinte, dizer que a impossibilidade física implica na
tampouco é possível a cultura. impossibilidade lógica e vice-versa. Há, entre
Resulta claro, ademais, que, sem outros, os exemplos clássicos do “círculo
linguagem, não é possível educação. quadrado” e do “número limitado”, ou, se se
É este o vínculo poderoso que liga a quiser o exemplo moderno da possibilidade
linguagem à educação. Não foi outra a razão lógica de uma quarta dimensão que,
por que acreditamos estar na linguagem - do posteriormente, foi confirmada pelas
ponto de vista da Lógica, da Semiótica e da experiências que indicaram e demonstraram a
própria Lingüística – um dos campos mais validade da Física do “continuum” espaço-
vastos para a pesquisa ligada ao tempo de Einstein.
desenvolvimento do Sistema Paulo Freire de É a partir, ainda, deste paralelismo que
Educação. a lógica apofântica postula podermos
A Lógica – seja ela a “clássica” ou a raciocinar sobre a expressão verbal do
“moderna” – preocupa-se, como objeto pensamento como se estivéssemos
imediato de suas investigações, com a raciocinando sobre o próprio pensamento,
vinculação que liga as chamadas operações “por causa de sua estreita interdependência”
(15).
Fundamentação Teórica do Sistema
Por isso, a Lógica não separa nunca o
Portuguesa, cerca de 200.000 palavras e é
pensamento da sua expressão verbal.
responsável pela matéria ou conteúdo - que o
Pensamento e linguagem são inseparáveis. O
pensamento comunica.
estudo dos fatos da linguagem é, também, o
O conhecimento científico, que registra,
estudo dos fatos do pensamento. Uns não
objetivamente, os achados e as descrições da
podem ser reduzidos totalmente aos outros,
Ciência, utiliza um terceiro tipo de linguagem,
pois que se completam dialeticamente
a linguagem discursiva, misto das outras duas.
formando um· todo indissolúvel. Tem suas
A linguagem discursiva, é causal,
raízes aí a tendência da Lógica moderna em
sistematizada, coerente, encadeada, geral e,
substituir os termos e as proposições por
universal e, em geral, varia de ciência para
símbolos, à maneira dos “sinais de quantidade”
ciência.
da Matemática, como também as conectivas,
O vocabulário lógico é o menor de
que servem primariamente à função de
todos: compõe-se de cerca de 10 palavras.
articulação ou ligamento dos argumentos, à
O vocabulário ordinário, isto é, da
maneira dos “sinais de operações”.
linguagem comum natural, é o maior de todos:
É assim que, analisando a linguagem
compõe-se na Língua Portuguesa, como já
natural ordinária, a Lógica descobre a presença
dissemos, de cerca de .... 200 . 000 vocábulos.
de dois. grupos de tamanhos muitos desiguais,
O vocabulário discursivo é
de palavras: de um lado, um reduzidíssimo
intermediário entre os dois outros . Varia de
grupo de palavras (as conectivas, os adjetivos
ciência para ciência. O menor vocabulário
indefinidos “todo” e “algum” e o verbo “ser”)
discursivo é o da Matemática, porém é o mais
responsável pela forma, pela “roupagem” ou
rigoroso, sistemático, encadeado, geral e
estrutura do pensamento; do outro, um grupo
universal. Em seguida, vêm os vocabulários
imenso de palavras (as chamadas “partículas
da Física, da Química, das ciências biológicas
fácticas”) que designam os seres e seus
e, por fim, os das Ciências do Homem.
atributos acidentais (qualidades, tamanhos
etc.). O primeiro grupo, pequeníssimo em O vocabulário lógico está presente em
relação ao outro, contêm as chamadas todos os demais, servindo-lhes de base ao
“partículas lógicas” e constitui, por isso, a pensamento. É uma espécie de denominador
chamada linguagem lógica. É esta a comum dos vocabulários das ciências. Sua
responsável pela forma ou – “fôrma” através presença, como “espinha dorsal” destes
do qual o pensamento, verbalizando-se, vocabulários, se vê traída, por exemplo, pela
adquire “forma’ – do pensamento. freqüência com que o sufixo -logia aparece
A Lógica Formal é o estudo da em nomes de ciências: sociologia,
linguagem lógica. antropologia, biologia etc.
A linguagem fática (que contém Esta separação do vocabulário lógico do
palavras como “Maria”, “belota”, “voto”, resto do vocabulário discursivo e do
“pão”, “Angincos”, “favela”) contém, na vocabulário ordinário foi a primeira grande
Língua
JARBAS MACIEL

contribuição da Lógica Moderna. muitas vezes, encerrando um pequeno núcleo


Tem significação fundamental para o de proposições básicas, a partir das quais
Sistema Paulo Freire de Educação. podemos deduzir todas as demais” (o grifo é
Com ela ficou claramente demonstrado nosso) (18).
que era possível reduzir o vocabulário natural O método de alfabetização de adultos
ordinário ao vocabulário lógico e, em do Sistema Paulo Freire de Educação realiza
seguida, re-encontrar este último diluído no a redução do vocabulário ordinário da
vocabulário discursivo de qualquer das Língua Portuguesa a um vocabulário mínimo,
ciências. Esta redução foi o grande passo para com o que é possível alfabetizar um homem
a grande contribuição seguinte – talvez uma utilizando uma dúzia de palavras tão somente,
das maiores contribuições inúmeras da a partir das quais este homem, após descobrir
Lógica moderna. Coube fazê-la ao filósofo ele mesmo, através da aplicação da maiêutica
inglês Bertrand Russel, ao introduzir o socrática pelo coordenador durante os
chamado “axioma de redutibilidade” e, mais debates, o mecanismo sintático da Língua
tarde, a idéia da redução a “vocabulários Portuguesa – língua silábica – pois bem, a
mínimos”. partir das quais ele descobre e recria por si só
É possível não somente separar o as milhares e milhares de palavras restantes.
vocabulário lógico do resto do vocabulário de De posse de um instrumental mínimo,
uma ciência, mas também efetuar a redução o adulto re-encontra e redescobre
deste vocabulário discursivo a um graficamente a língua que, antes, conhecia
vocabulário mínimo. apenas verbalmente.
A redução a vocabulários mínimos é A redução a vocabulário mínimo do
fundamental à compreensão do Sistema Paulo vocabulário discursivo da Língua Portuguesa
Freire de Educação. É esta a sua técnica – metalinguagem em termos de que se faz a
lingüística por excelência. Gramática de nossa língua – está sendo
Bertrand Russel define assim um formulada e deverá, uma vez completada,
vocabulário mínimo: “... um grupo de figurar nos “manuais de capacitação” da
palavras que- têm as propriedades que a terceira etapa (educação primária). Consistirá
ciência atribui a seus termos fundamentais. principalmente de um vocabulário mínimo
Chamarei esse grupo de palavras de lógico elementar construído em torno de um
vocabulário mínimo, contanto que (a) todas núcleo básico de proposições que definem as
as outras palavras usadas na ciência tenham categorias fundamentais e as relações de
uma definição nominal em termos desse atribuição da estrutura sujeito/ objeto. Esta
vocabulário e (b) nenhuma dessas palavras redução, enriquecida cada vez mais através
iniciais tenha uma definição nominal em das etapas que se sucedem, transformar-se-á,
termos de outros vocabulários” (16). Em por fim, pela extensão cultural (nível
seguida: superior) na redução da própria Lógica
“Tudo o que se diz numa ciência (clássica e moderna) a um verdadeiro
poderá ser dito por meio de palavras de um vocabulário mínimo.
vocabulário mínimo” (17). E ainda: “toda A motivação utillizada na aplicação da
ciência empírica...é um corpo de segunda etapa do Sistema (alfabetização de
proposições entrelaçadas de vários modos e, adultos) é feita através da redução dos
Fundamentação Teórica do Sistema

vocabulários discursivos da Antropologia A redução da Sociologia a seu


Cultural, da Sociologia, da Política, da “vocabulário mínimo” e ao seu “núcleo de
Geografia Humana e Econômica a seus proposições básicas” já foi, praticamente,
núcleos de proposições básicas, a partir dos conseguida pelo Prof. Abdias Moura (19).
quais os adultos, uma vez instrumentalizados Será utilizada principalmente na 4ª etapa
com as “ferramentas” mínimas destas ciências (extensão cultural, níveis, secundário, médio e
conceitos e categorias fundamentais podem superior) e deverá desempenhar papel central
analisar e interpretar suas próprias condições e decisivo na preparação de alfabetizadores,
de vida, seus problemas, seus anseios, suas dos coordenadores de debates, dos
frustrações, seus fatalismos, seus erros, seus supervisores e dos professores, com a relação
vícios, suas possibilidades e perspectivas para à instalação da universidade popular.
o futuro, sua significação para o trânsito Seguir-se-ão outras reduções, como a
brasileiro, sua força no processo de do arcabouço lógico da Matemática
desenvolvimento etc. (Geometria e Aritmética), da Geografia; da
Estas reduções a núcleos de Economia; da Política e da Estética (aplicada
proposições básicas têm sido feitas pela principalmente ao teatro).
programação compacta – “encoding” e Ao lado desta tarefa, como já tivemos
“decoding” – das fichas e “slides” que oportunidade de indicar, está a de reunir
representam as situações sociológicas dos subsídios, a partir de nossas experiências,
grupos de alfabetizandos. Quer dizer, não para uma teoria e prática da redução de
foram ainda escritas e esquematizadas no textos a universos vocabulares limitados em
papel. Uma das funções dos Cursos de função dos levantamentos previamente feitos
Preparação de Alfabetizadores dados dos universos vocabulares dos adultos, tarefa
atualmente pelo SEC é habituar os candidatos essa a que estamos presentemente dedicados
a “lerem” corretamente as situações no SEC da Universidade do Recife dada a sua
representadas por fichas e “slides” de grande urgência para a terceira etapa do
experiências anteriores de alfabetização Sistema.
(como Angicos – Rio Grande do Norte, e João Presentemente, estamos entregues à
Pessoa – Paraíba), de modo a ensinar-lhes tarefa inicial de reunião e classificação de
esses núcleos de proposições básicas das amplo material literário para redução, com a
Ciências citadas. colaboração do Profº Luiz Costa Lima, da
Entretanto, reconhecemos que, das equipe do. SEC, incluindo poesia. Surgiu a
reduções a esses núcleos para as reduções a possibilidade de compilar pequenas
vocabulários mínimos propriamente ditos, vai antologias de poemas que não precisam
apenas um passo. Uma de nossas tarefas mais absolutamente de redução. Como também de
urgentes será a de delinear, pelo menos, em trechos de Graciliano Ramos, Guimarães
grandes traços, uma teoria e prática da Rosa, Mário de Andrade e outros ... É o que
redução do vocabulário das ciências a vem demonstrando a análise das frases
vocabulários mínimos, com bases em nossas
experiências concretas.
JARBAS MACIEL

coligidas, para efeito de levantamento de têm uma conseqüência para nós


universos vocabulares – em Angicos, Natal fundamental, que é a de produzir dois tipos
(Rio Grande do Norte), Recife, Cabo, Tiriri de linguagem: a “objeto-linguagem”,
(Pernambuco), João Pessoa e Campina comum, usual, e a linguagem desta
Grande (Paraíba) e em Florianópolis (S. linguagem, ou “metalinguagem”. Em outras
Catarina). Há, aqui, vasto campo de palavras, metalinguagem vem a ser a
pesquisas literárias e lingüísticas originais. linguagem em termos de que falamos sobre
a linguagem-objeto. Se dissermos:
______

‘ “Napoleão é francês” é verdade’


Outro setor da Lógica moderna que
está merecendo todo o nosso interesse é o
da teoria da metalinguagem, que revive a a expressão “Napoleão é francês” vem a ser
teoria da suposição formal escolástica linguagem-objeto, enquanto que a expressão
(suppositio formalis) e a da suposição seguinte “é verdade” pertence a uma
material (suppositio materialis) (20). Sabe- metalinguagem da linguagem específica da
se que o núcleo central do vocabulário História, domínio do conhecimento este em
filosófico é o que chamamos de vocabulário que se estabelecem fatos como o de que
lógico. Como vimos, este se compõe de um “Napoleão é francês” .
número relativamente reduzido de palavras É fácil mostrar como a relação
(as 6 conectivas primitivas, o verbo “ser” e linguagem-objeto/ metalinguagem é de
os adjetivos indefinidos “todo” e “algum”). natureza a permitir que a série de
Sabe-se, também, que estas "partículas" linguagens-objeto e metalinguagens
podem ser usadas ou mencionadas. correspondentes seja infinita. Por exemplo,
poderemos dizer, da frase acima, que
Elas são usadas quando representam
‘ “Napoleão é francês” é verdade’ é
os nomes das entidades que designam:
uma frase em português.
“o cavalo é um animal” ou ainda que:
(‘ “Napoleão é francês” é verdade é
Elas são mencionadas quando uma frase em português) é um enunciado
representam os nomes de si mesmas: válido, e assim “ad infinitum”.
“cavalo” é um substantivo comum. É em termos de um núcleo central do
O uso das aspas para distinguir uso e chama,do vocabulário filosófico – para o
menção, como nos exemplos dados, qual não foi tornado ainda consciente o
tornou-se prática hoje universalmente adulto – que o analfabeto exprime o
adotada em filosofia. Mas, uso e menção comando que adquire sobre o mecanismo
Fundamentação Teórica do Sistema

sintático da Língua Portuguesa através da uma orientação ilimitada no mundo


redução que o Método Paulo Freire de circundante e que cria a adaptação mais
Alfabetização lhe franqueia. Quer dizer, daí elevada do homem, a ciência” (21).
por diante, ele não só não é mais analfabeto, A Reflexologia – ou teoria dos
mas é capaz de uma “metalinguagem” a reflexos – traz uma contribuição muito
respeito de sua própria língua, de aspectos de importante ao desenvolvimento do Sistema
sua Gramática. Paulo Freire de Educação.
O adulto analfabeto, assim, diferencia- Ela estuda, inicialmente, os tipos
se fundamentalmente, entre outras coisas, da puramente físicos de reflexo, que são as
criança, por ser capaz de uma metalinguagem formas de reações próprias da natureza
quanto á própria língua que já fala quando inanimada, como mudanças de estado físico,
inicia seu processo de alfabetização. Observe- efeitos dos campos magnéticos sobre a
se, ademais, como, nesta fase inicial de corrente elétrica, da temperatura dos cristais
aquisição da linguagem escrita e lida, o adulto sobre sua condutividade etc. Em seguida,
ainda não é capaz de uma meta linguagem estuda a sensibilidade, tipo de reflexo
quanto ao núcleo central do vocabulário próprio dos corpos albuminóides,
filosófico que utiliza inconscientemente. “precursores químicos” – na expressão de
O papel das etapas seguintes, quando Konstantinov (22) – da chamada forma
ele se apropria das reduções a vocabulários biológica de reflexo, ou irritabilidade: “A
mínimos das ciências (lógica, matemática, irritabilidade é a capacidade de todo ser vivo
antropologia cultural, sociológia etc.) é de responder aos estímulos externos
instrumentalizá-lo progressivamente até que intensificando ou debilitando o intercâmbio
ele seja capaz de uma metalinguagem quanto de substâncias, modificando a rapidez do
ao seu vocabulário filosófico rudimentar cresci· mento, deslocando-se no espaço etc:.
inicial. graças ao qual o organismo se adapta às
Os exemplos de “níveis” de condições variáveis do meio.”
metalinguagem que os adultos, ainda Em continuação, a teoria dos reflexos
analfabetos revelam com relação às situações passa a considerar um novo tipo de reflexo –
representadas nos “slides” e, repetidas vezes, a excitabilidade – forma especifica da
quanto à confecção dos próprios “slides” e irritabilidade, própria dos tecidos altamente
programas de alfabetização do SEC, parece especializados. É a maneira de estes tecidos
constituírem campo vastíssimo de pesquisas responderem aos estímulos externos: “os
lágicas e psicológicas. tecidos nervosos, por exemplo, dão origem a
3. Reflexologia um im pulso que tende a se propagar” (23).
Partindo da concepção de I. V.
Segundo Pavlov, a linguagem constitui
o segundo sistema de sinalizações do homem, Michurin, segundo a qual o “organismo vivo
forma mais elevada da atividade nervosa e o meio formam uma unidade”, a teoria dos
superior e “...princípio que lhe assegurava reflexos estuda o reflexo biológico “não só
como uma reação concreta dos seres vivos às
JARBAS MACIEL

influências que o meio ambiente exerce num A característica fundamental dos


dado momento, mas também todo um reflexos condicionados, entretanto, é que já
processo evolutivo infinito dos organismos, não representam fenômenos meramente
no transcurso do qual vão adaptando-se cada neuro-fisiológicos, mas também - e
vez mais adequadamente às condições principalmente - psíquicos. Sua dimensão é,
variáveis do meio" (24). já, a do psiquismo elementar animal,
Nas, relações do organismo com o protótipo da consciência.
meio, podem-se distinguir os chamados O chamado primeiro sistema de
"fatores bióticos" (os estímulos externos que sinalizações, que é uma montagem de
têm significação direta para o animal) e os reflexos condicionados surge no animal
"fatores abióticos" (estímulos aos quais falta superior, segundo Pavlov, quando os fatores
essa significação direta) . Os fatores abióticos (isto é, objetos ou fenômenos de
abióticos funcionam como sinais, para o efeito indireto para o organismo) se
organismo dotado de um sistema nervoso relacionam através de uma conexão
central, da aparição dos fatores bióticos. temporal com os "fatores bióticos (de efeito
Coube a Pavlov, baseado nos trabalhos de direto sobre o organismo), transformando-se
Sechenov sobre a atividade reflexa em sinais destes. Este sistema tem-no tanto o
encefálica e sobre os chamados processos de animal quanto o homem. Representa o
inibição central, com os quais acreditava relacionamento psíquico elementar do
poder explicar integralmente o animal com a realidade exterior: o mundo
comportamento dos animais e do homem, das percepções e das reações do tipo
estudar pela primeira vez as reações do tipo estímulo-resposta do chamado pensamento
estimulo· resposta dos animais superiores concreto - sensível.
aos sinais dos fatores bióticos. A estas O homem, entretanto, possui um
reações, elaboradas pelo sistema nervoso segundo sistema de sinalizações - o
animal, Pavlov chamou de reflexos pensamento propriamente dito, a linguagem
condicionados. As respostas dos animais aos humana - que o faz existir numa dimensão
fatores bióticos retos - e não mais seus sinais superior, a da consciência. O segundo
- constituem os chamados reflexos sistema de sinais é uma nova montagem de
incondicionados. Os reflexos condicionados reflexos condicionados, de ordem mais
conferem ao animal um grau elevadíssimo elevada, os quais representam por sua vez os
de adaptação ao meio ambiente. Os reflexos sinais dos reflexos que formam o primeiro
incondicionados, mais estáveis e comuns a sistema de sinais. São, na expressão de
todos os animais de uma dada espécie - Pavlov, "sinais de sinais".
sendo perpetuados através da herança O que o homem sente - através da
biológica - são a base sobre que se apoiam rede dos sentidos - se reflete no primeiro
firmemente os reflexos condicionados. sistema de sinalização: são as percepções.
Estas, organizadas através da ação
complexa dos chamados "analisadores
cerebrais" localizados na cortex, se refletem
Fundamentação Teórica do Sistema

no segundo sistema de sinalizações: são as história, ou seja, encontra-se na base da


palavras (ou seja, as percepções tornadas memória complexa conservada pela
conscientes). sociedade" (29).
As funções psicológicas da abstração Para fixar idéias, então, vamos lançar
e da generalização pertencem, segundo mão agora de um modelo reflexológico
Pavlov, ao segundo sistema de sinalizações. altamente simplificado e arbitrário, ao qual
Ao passo que a atividade típica do primeiro chamaremos de série reflexológica. Nela,
sistema de sinalizações "assegura ao homem lançaremos mão da noção de subsistem as
o seu vínculo direto com a realidade" (25). do segundo sistema de sinais, em número
Segundo Frolov, o segundo sistema de infinito, e, para maior comodidade,
sinais representa, no homem, "a base da falaremos de um "terceiro" sistema de
criação em todas as esferas" (26). sinais, de um "quarto" sistema de sinais e
Além disso, é através desta sua assim por diante. São, todos, subsistemas
capacidade criadora - do trabalho, portanto, do segundo sistema de sinais que é, como
- que o homem "está contribuindo para o vimos, inesgotável.
máximo desenvolvimento do segundo O homem, posto diante da natureza,
sistema de sinais do cérebro e para a está diante de objetos do conhecimento, que
elevação da qualidade da atividade deste designamos por 01, 02, 03) etc ..... Estes,
sistema, pela mobilização das enormes através da rede dos sentidos, se refletem no
reservas que aí estão" (27). Resulta claro o primeiro sistema de sinalizações,
vínculo entre linguagem e trabalho, pois. constituindo as sensações e as percepções:
O segundo sistema de sinais é (SI, S2, S3) ... e (p1, p2, p3) etc. Estas
inesgotável. Suas atividades têm aspectos e últimas são universais, isto é, comum a
possibilidades infinitas. A linguagem escrita todos os homens, independentemente da
é um desses aspectos: "Assim, por exemplo, linguagem (dado que esta é do domínio do
a percepção dos sinais escritos, bem como segundo sistema de sinais). Têm-nas de
das equações matemáticas que generalizam igual modo os brasileiros, os franceses e -
uma quantidade de fenômenos, é muito mais muito a propósito - os adultos analfabetos.
complexa do que a percepção da palavra. As percepções, através dos
Ensinar-se a escrever é um trabalho analisadores cerebrais, se refletem no
particularmente complexo que exige a segundo sistema de sinalizações,
atividade do segundo sistema de sinais do constituindo as palavras ou expressões
cérebro e põe em relevo novos aspectos da verbais correspondentes às percepções: (VI,
atividade deste sistema em comparação com V2, V3...).
os reflexos da linguagem falada" (28). O segundo sistema de sinais - a
O vínculo entre linguagem e educação linguagem verbal - varia de povo para povo,
é direto: "A escrita informa às gerações isto é, de língua para língua. Entretanto, o
seguintes os acontecimentos ocorridos no analfabeto adulto o possui, dado que, na
passado, contribui para a transmissão aos expressão feliz de Gilson Amado, “não há
descendentes da experiência acumulada analfabetismo oral” Quando vamos
alfabetizar adultos, encontramos as
montagens de reflexos até aí. O processo de
JARBAS MACIEL

alfabetização, assim, é o da montagem de um É fácil de ver, à luz da presente


terceiro sistema de sinalizações, subsistema análise, que o analfabetismo representa, de
do segundo sistema de sinalizações, através fato, um aleijamento mental do homem.
do qual as palavras faladas se refletirão nas Socialmente, é a violação da categoria da
palavras escritas (há, aqui, naturalmente, comunicação e, portanto, uma negação da
novo ganho no teor de consciência que o democracia e uma contradição da própria
homem adquire do mundo, com uma cultura.
montagem mais complexa de reflexos
O homem analfabeto é apenas
condicionados, isto é, sinais de sinais de
parcialmente um ser de relações.
sinais, ou seja, uma montagem de ordem mais
Não é apenas inculto, é inhumano.
elevada).
Acreditamos que, todas as vezes que o O SEC tem, aí, campo vasto para
homem aprende uma nova língua, faz a pesquisas sobre a chamada Teoria do
montagem de um novo sistema de Aprendizado, da Psicologia Experimental
sinais,subsistema do segundo sistema de moderna. Tanto do ponto de vista da
sinais, indefinidamente. Acreditamos, Reflexologia quanto da Psicologia do
também, que toda instrumentalização do estímulo-resposta (behaviolrista) ou da
homem pela educação representa montagens Psicologia gestáltica.
subsequentes de novos subsistemas de sinais Basta considerar, por exemplo, as
de modo que, todas as vezes que um adulto propriedades do condicionamento de
analfabeto ou recém-alfabetizado se apropria reflexos (ou respostas), como a da
de um vocabulário mínimo de uma ciência, é EXTINÇÃO que, sozinha, é responsável por
porque fez a montagem, no seu segundo grande parte do trabalho experimental levado
sistema de sinais, de um novo subsistem a de a efeito ultimamente em torno da Teoria do
sinais, num progressivo e infinito processo de Aprendizado (30). Extinção é a diminuição
enriquecimento interior, isto é, de gradativa e a. desaparição final de um reflexo
desenvolvimento de sua inteligência. condicionado quando a relação temporal
É possível, assim, dar uma conceituação entre o sinal (fator abiótico) e seu
rigorosa, do ponto de vista reflexológico, do correspondente fator biótico se torna muito
analfabeto adulto: o adulto a . quem falta a débil ou insignificante. O sinal simplesmente
montagem do terceiro sistema de sinais
deixa de ser sinal. Outra propriedade, como a
(subsistema do segundo sistema de sinais) .
Alguém, portanto, definitivamente condenado de GENERALIZAÇÃO e
a uma inacessibilidade anormal ao principal e DIFERENCIAÇÃO, é fundamental ao
mais decisivo dos canais de comunicação estudo dos processos de "transferência de
quanto ao desenvolvimento da inteligência e treinamento": nos estágios iniciais de
das faculdades mentais – a escrita e a leitura, "treinamento" de um reflexo condicionado,
completamentos da linguagem falada . este pode ser evocado, em certo grau,
também por outros estímulos associados
Fundamentação Teórica do Sistema

de vários modos ao fator abiótico. É possível de sinais (sons, letras, símbolos, gestos)
relacionar esta . propriedade, entre outras capazes de comunicar uma mensagem (31).
coisas, com a técnica de programação das A Semiótica é a ciência que tem por
situações antropológicas e sociológicas dos objetivo o estudo geral dos sinais.
"slides" de alfabetização de adultos utilizada Neste estudo, a Semiótica utiliza uma
pelo Sistema Paulo Freire de Educação. Há linguagem em termos de que ela investiga a
muito o que investigar aqui, neste sentido. linguagem. Assim é linguagem de linguagem
Ainda uma outra propriedade, a do ou, como já vimos, metalinguagem. A
condicionamento configuracional, vem abrir Lingüística, por exemplo, é, também,
novas frentes de trabalho de pesquisa metalinguagem, mas de ordem inferior à da
psicológica: vários sinais (fatores abióticos) e Semiótica. A Gramática é, também, uma
não mais um apenas, são utilizados para a metalinguagem, mas de ordem inferior à da
montagem de um reflexo condicionado; Lingüística e, com mais razão, à da
depois de certo tempo, este só será evocado Semiótica.
pela aplicação do conjunto completo de A Semiótica estuda não só o sinal, mas
sinais, e não por estes sinais em separado. a sua significação.
Esta propriedade oferece um método objetivo O sinal pode ser elementarmente
com o auxílio do qual se poderá investigar o definido como fenômeno sensível, exterior e
processo de aquisição de "fôrmas" e objetivo, que comunica a idéia de outro
"campos", de estímulos relacionados com fenômeno não necessariamente sensível ou
uma dada resposta ou a uma conduta toda objetivo durante a comunicação.
durante situações típicas de aprendizagem. A A significação é a propriedade do sinal
propriedade que têm os reflexos
de sugerir a idéia representativa do fenômeno
condicionados de se organizarem em
de que é sinal.
contagens cada vez mais complexas - os
Há um vínculo que liga o sinal de um
chamados CONDICIONAMENTOS DE
fenômeno, a idéia deste fenômeno e o
ORDEM SUPERIOR - já foi por nós
fenômeno mesmo. É com base neste vinculo
utilizada quando armamos o modelo
semiótico que postulamos a objetividade da
reflexológico a· partir do qual interpretamos
realidade exterior, a possibilidade do
as sucessivas montagens de subsistemas de
conhecimento (cuja fonte está nessa
sinalizações como o processo mesmo de
realidade) e a objetividade do conhecimento.
ampliação e desenvolvimento do segundo
Historicamente, as concepções filosóficas que
sistema de sinalizações.
não partem deste postulados - os quais
constituem a base lógico - gnoseológico do
realismo - têm, por falta mesmo daquele
4. Semiótica vínculo semiótico, caído nas mais variadas
formas de idealismo (agnosticismo, nihilismo,
A linguagem, principal veículo do dogmatismo, relativismo, etc.) e tendido
conhecimento e canal. de comunicação da fatalmente para o chamado verbalismo,
cultura, é, em última análise, um conjunto desvinculado, oco, vazio, as palavras
JARBAS MACIEL

desancoradas dos objetos ou fenômenos da verdade, um exagero e, como sempre, uma


realidade exterior. distorção desnecessária. Primeiro, vem a
É possível re-encontrar redução da filosofia ao método. Depois, a
semioticamente outros postulados redução deste à linguagem. Isso só encontra
fundamentais da Lógica, da Gnoseologia justificativa para alquiles que - como
(Teoria do Conhecimento) e da Cosmologia, Cannabrava, entre nós - reduzem a filosofia a
como os da uniformidade e da ordem da um "conhecimento do conhecimento" (32).
natureza. Com efeito, os fenômenos naturais Entretanto, a contribuição de Carnap à
se significam uns aos outros, isto é, uns são Lógica, à Teoria do Conhecimento e à
sinais dos outros, de modo que a realidade Matemática (cálculo probabilitário e teoria
cosmológica é, em sua totalidade, um vasto dos conjuntos) é inestimável, mesmo quando
símbolo: é cosmo, e não caos. o faz indiretamente. Serviu de lastro, por
A partir daí podemos estabelecer a exemplo, à escola polonesa de Semântica
verdadeira relação entre sinal e símbolo: (Alfredo Tarski e Lukasiewicz, de 1936 em
todo símbolo é sinal, mas nem todo sinal é diante) e aos "empiristas lógicos" (entre eles,
símbolo. O símbolo é forçosa. mente um o próprio Bertrand Russel, Dewey e outros),
sinal, mas é, ao mesmo tempo, mais do que fundadores da chamada Axiomática, de um
sinal. Um sinal pode tornar-se em símbolo. O lado, e do Pragmatismo e Operacionalismo,
sinal está para o símbolo assim como o do outro.
gênero está para a espécie. O símbolo tem, A Semiótica que, como vimos, é uma
pois, menor extensão do que o sinal. metalinguagem - linguagem da linguagem -
A Semiótica é uma ciência muito comporta três ramos ou "níveis"
recente. Teve suas origens no trabalho de fundamentais: Sintaxis, Semântica e
Lady Viola Welby sobre um ramo novo da Pragmática.
Lingüística e da Lógica - a que ela chamava A Sintaxis é definida por Ferrater Mora
de "significs" - e na chamada "teoria dos como teoria da construção ou formação de
tipos" de Bertrand Russel, desenvolvida toda linguagem" (33). É o nível mais abstrato
juntamente com Whitehead nos "Principia da Semiótica.
Mathemática" (1910) de modo a resolver A Semântica estuda os sinais do ponto
uma série de contradições lógicas presentes de vista do vínculo com os seres que
tanto nos fundamentos da Matemática quanto designam. Este vínculo pode ser, entre outros,
da Gramática ordinária. Os trabalhos de um vínculo de adequação entre sinal e objeto
Rudolf Carnap, por volta de 1935, designado, ou seja: a relação de verdade, da
contribuíram muito para o desenvolvimento Lógica. A relação de falsidade é dada pelo
e a afirmação da Semiótica como ciência, vínculo de inadequação entre sinal e objeto
principalmente a sua teoria da "sintaxe designado. A noção de verdade, portanto, é
lógica", que ele considerava como o método do domínio da Semântica. A Semântica.
filosófico por excelência. A redução do ademais, é um nível menos abstrato do que a
método filosófico à análise das "formas" e Sintaxis.
das "regras" da linguagem representa, é bem
Fundamentação Teórica do Sistema

A Pragmática estuda "os sinais com pragmático (maior ou menor teor de


relação aos sujeitos que os usam" (34). Os conscientização que a palavra traz em
sinais, se têm significação, uma vez potencial, ou conjunto de reações sócio-
comunicados pelo sujeito, deverão ser culturais que a palavra gera na pessoa ou
entendidos por outros sujeitos, quer dizer, grupo que a utiliza).
têm um -valor útil. A Pragmática é o nível Este aspecto da .. fundamentação
menos abstrato da Semiótica. teórica do Sistema abre perspectivas
A importância da Semiótica para a vastíssimas para uma série de investigações
compreensão e a aplicação do Sistema ligadas à Lógica Moderna, à Teoria do
Paulo Freire de Educação nunca será por Conhecimento e - mais recentemente - à
demais enfatizada. Graças a ela podemos Teoria da Comunicação. É problema
contar, hoje, com um critério quantitativo de novíssimo, principalmente este da
seleção das palavras geradoras para Pragmática, nas relações íntimas que
alfabetização, tiradas de um dado "universo guarda com a Sociologia e a Antropologia
vocabular" previamente levantado. Cultural.
Nos estágios iniciais de aplicação do A teoria do trânsito do Profº Paulo
Método de Alfabetização de Adultos, a Freire, a que todo Sistema está ligado e
nossa equipe utilizava dois critérios de sem a qual não teria cobrado existência,
seleção: o da "riqueza fonêmica" do abre fronteiras ainda não devassadas e que
vocábulo e o da "pluralidade de prometem servir de campo a toda uma
engajamentos" da palavra numa dada elaboração no campo da Pragmática
realidade social, política e cultural. Este aplicada à Psicologia Social. Há, aqui, um
último critério tendo sido, aliais, uma sem-número de aspectos insuspeitados da
contribuição excelente de um aluno do teoria da significação _ questão ainda
Curso de Ciências Sociais e Políticas da aberta da Lógica Moderna - que poderão
PUC (Pontifícia Universidade Católica do ser investigados na prática a partir do
Rio de Janeiro), durante um curso de material colhido em nossas experiências de
preparação de alfabetizadores dado este alfabetização (Angicos, João Pessoa,
ano, no SE C, a uma turma daquela Recife e Tiriri). Seria possível, com base
Universidade. firme numa praxis, contribuir para a
Hoje, nós vemos que esses dois solução deste problema da Semiótica, de
critérios estão contidos no critério que depende muito do que se está
semiótico: A melhor palavra geradora é presentemente elaborando na Teoria da
aquela que reúne em si a maior Comunicação, na Teoria da Informação, na
"percentagem" possível dos critérios Teoria do ,Aprendizado e na chamada
sintático (possibilidade ou riqueza Filosofia dos Sistemas (ou, na terminologia
fanêmica, grau de "dificuldade fonêmica americana, "Human Engineering").
complexa, de "manipulabilidade" dos A questão da seleção e da eficiência
conjuntos de sinais, as sílabas, etc), de um critério é, por si mesma, vastíssima.
semântico (maior ou menor "intensidade" É todo um capítulo da Filosofia dos
do vínculo entre a palavra e o ser que Sistemas. Está indissoluvelmente ligada
designa, maior ou menor adequação entre
palavra e ser designado, etc.) e
JARBAS MACIEL

ao conceito do valor associado a um alcance da motivação e da


sistema. Responde a perguntas sobre: o conscientização, custo da aplicação,
desempenho adequado de um de· material necessário para aplicação,
terminado parâmetro (por exemplo: uma capacidade de impacto e de propagação a
"palavra geradora"), num dado sistema ( grandes setores da população, etc.).
ex: um método de alfabetização); ou sobre 2) o Método representa uma
que parâmetro (ex.: critério semiótico) de "configuração" em que um máximo de
um sistema de parâmetros (ex.: conjunto de informação, com um mínimo de "esforço"
critérios sintático, semântico e pragmático) e de custo de aplicação de recursos
indicará qual de dois ou mais sistemas (ex.: mínimos, é mais segura e rapidamente
conjuntos de palavras geradoras) servirá transferida de uma unidade para outra (por
melhor para um determinado objeto (ex.: exemplo, das situações sócio-
alfabetização de adultos). E assim por culturológicas dos "slides" para o
diante. A resposta rigorosa a essas coordenador dos debates ou para os
perguntas revela que a seleção não pode ser alfabetizandos).
arbitrária ou simplesmente intuída por 3) o Método representa uma
quem opera um sistema. configuração em que o equipamento para
No Sistema Paulo Freire de montagem das unidades é trazido a um
Educação há um requisito básico para mínimo (basta uma dúzia de "slides"
nortear essa seleção: a economia máxima compactamente programados, um projetor
possível de tempo ( de alfabetização) , de portátil de "slides" e um coordenador de
complexidade de "manipulação" sintática debates, para uma sessão de alfabetização
da Língua Portuguesa (do ponto de vista num círculo de cultura que pode se reunir
dos alfabetizandos) e de recursos até ao ar livre).
financeiros mobilizados para levar o 4) o Método representa uma
método aos analfabetos e instalar 08 configuração em que as "traduções" são
"círculos de cultura" com vistas às etapas reduzidas a um mínimo (por exemplo: as
posteriores do Sistema. "traduções" das imagens para os objetos,
Daí a necessidade que tínhamos de das situações sociológicas para conceitos
atingir, em nossas seleções (por exemplo: ou frases ao nível dos alfabetizandos, das
de palavras geradoras, de situações palavras escritas para as palavras lidas
sociológicas e antropológicas dos "slides", oralmente, etc.) (35) .
dos meios de informação e dos canais de Nestas condições, é claro que não
comunicação áudio - visuais, etc.) um poderíamos pensar em critérios únicos ou
optimum de planificação. isolados de seleção. A Filosofia dos
Este "optimum", quanto à Sistemas opera com a noção de "regiões"
montagem propriamente dita do meio de do continuam de todos os critérios
comunicação do Método de alfabetização é possíveis em que uma função de valor
o seguinte: ponderado é definida para "misturas"
1) o Método representa uma adequadas de critérios de optimização. O
"configuração" em que os mínimos critério total de seleção resultante é um
requisitos são impostos sobre suas tipo de média ponderada dos critérios
"unidades" (tempo de alfabetização, possíveis, e representa, por isso, um tipo
de
Fundamentação Teórica do Sistema

"compromisso" superior à seleção de um O nível pragmático de 3.a ordem será


critério isolado único. a pragmática existencial-social, que com.
Por todos estes motivos, que não cabe porta alguns sub-níveis:
apresentar aqui com todo o rigor formal a) pragmática existencial - social ao
desejável dada a carência de espaço, fomos nível do conhecimento empírico. A "água"
levados à caracterização essencialmente significa mais do que "rio", porque conota
objetiva do critério semiótico de seleção de "cacimba", revelando a passagem de ENTE
palavras geradoras. DE NATUREZA para ENTE DE
A questão da pragmática das palavras CULTURA. Pode conotar, também, "aquilo
geradoras, contudo, é muito vasta para ser que faz germinar as sementes", etc.
esgotada numa exposição sumária como a b) pragmática existencial-social ao
presente. nível do conhecimento técnico. "Água"
Cabe falar dos chamados níveis conota, agora, "irrigação", a "luta contra as
pragmáticos. Vimos como a linguagem tem, secas", "chuvas artificiais", o plano da
na sintaxis, na semântica e na pragmática, SUDENE de "aproveitamento das áreas de
seus "níveis" metalógicos fundamentais. A caatinga", etc.
própria pragmática, por sua vez, apresenta c) pragmática existencial - social ao
esses "níveis". nível do conhecimento científico. "Água"
Partindo de um nível pragmático significa H2O, isto é, dois átomos de
primário, que se avizinharia do "vínculo" hidrogênio associados a um átomo de
semântico entre sinal e objeto designado, oxigênio, ou pode significar "umidade
serão alcançados sucessivamente níveis relativa do ar", “precipitação atmosférica”,
pragmáticos de ordem superior (de 2.a, 3.a ... etc.
ordem). d) pragmática existencial-social ao
nível do conhecimento filosófico .. "Água"
O nível pragmático primário, vizinho representa o que os filósofos da
do vínculo semântico, corresponde ao que Antiguidade Clássica acreditavam ser um
chamaremos de pragmática existencial dos quatro elementos que constituíam todas
concreto-sensível-vegetativa. Seria, por as coisas (água, terra, ar e fogo). Esta
exemplo, a pragmática da palavra "água", pragmática comporta algumas sub-classes:
que nós conhecemos empiricamente (um 1) pragmática existencial-social ao nível da
líquido, incolor, sem sabor, etc.) e de que revelação (ou conhecimento teológico) -
precisamos para viver. Essa a pragmática da "água" representa o batismo, etc.; lI)
água para uma criança. pragmática existencial-social ao nível do
O nível pragmático seguinte, de 2.a conhecimento estético - "água"
ordem, será a pragmática existencial. representando, juntamente com a luz e as
geográfica. A pragmática de "água", agora, cores, o meio sensível da arte das fontes
será tal que essa palavra passa a: conotar luminosas, etc.
"rio", "mar" ou, no sertão nordestino, O nível pragmático de 4ª ordem _ o
"seca", etc. mais complexo - é o da pragmática
existencial-transitiva. "Água" conotará não
mais a "Seca", mas a "indústria da
JARBAS MACIEL

seca”, de que se valem políticos significados nós conhecemos, não teriam


desonestos em sua luta pela manutenção carga pragmática alguma para nós, não
de uma intra-estrutura econômica fosse o fato de a Igreja Católica telas
inadequada e de um "status quo" político preservado em seu ritual. Devemos levar
caduco e injusto, etc. etc. em conta, também, o fato de que algo de
sua antiga carga pragmática es· tá de certo
À luz desta análise, é fácil de ver
modo diluído na pragmática das palavras
como a carga pragmática de uma palavra é
portuguesas, dado que o Português é
algo essenCialmente vivo e dinâmico. As
língua originária do Latim.
palavras podem ganhar ou perder carga
Em seguida, observemos que a
pragmática. A palavra "karr', por exemplo,
carga pragmática das palavras parece
inventada por Ibrahim Sued, perdeu sua
aumentar, quando usamos canais mais
carga pragmática em questão de meses, no
amplos de comunicação. Por exemplo, a
Rio de Janeiro e no resto do Brasil. Em
Televisão. Uma gíria inocente, usada a
alguns Estados talvez nem tenha chegado
todo instante em nossa vida diária, pode
a possuir qualquer carga pragmática (nem
"soar mal" se usada na TV. A carga
tão pouco sentido). Deve-se isso ao fato
pragmática mudou.
de as palavras retirarem suas cargas
Não é outra coisa o que ocorre com
pragmáticas do contexto sócio-cultural
a "moda" das palavras,. sejam gíria po·
onde "vivem". A palavra "belota", por
pular ou científica. O jornalismo está to·
exemplo, tem uma carga pragmática para
do ele imbuído dessa variação de carga
a população de Angicos (sertão do Rio
pragmática das palavras com o tempo.
Grande do Norte) e uma outra carga
pragmática, bem diferente, para a equipe N a expressão profundamente
significativa do Profº Paulo Freire, "as
do SEC, que a escolheu para primeira
épocas de trânsito da sociedade são
palavra geradora da experiência de
caracterizadas por intensa carga
alfabetização ali conduzi da. Para nós do
pragmática das palavras". Reside aí,
SEC, que vivemos essa memorável
experiência, a palavra "belo ta" tem carga precisamente, a base para a análise da
pragmática existencial-social histórica. Ela diferença entre filosofia e ideologia. Uma
"filosofia" (por exemplo, o
está definitivamente ligada à história do
existencialismo) possui necessariamente
Serviço de Extensão Cultural da
uma carga pragmática, mas uma carga
Universidade do Recife.
pragmática que, se não é intransitiva (em
Além disso, a carga pragmática das
si), pelo menos é não transitiva (isto é,
palavras varia em função do canal de
com relação a uni dado país, a um dado
comunicação utilizado.
partido, a um dado povo). É uma carga
Inicialmente, a carga pragmática da pragmática difusa, diluída no mundo
palavra falada é maior do que a da palavra inteiro, mais "universal". Uma "ideologia"
escrita. Por isso, as línguas que não se (por exemplo, a do nacionalismo) tem
falam mais são chamadas de "línguas uma carga pragmática essencialmente
mortas". As palavras do Latim, por transitiva, concentrada num país (que
exemplo, mesmo aquelas cujos procura se libertar do colonialismo e do
imperialismo econômico ou político
Fundamentação Teórica do Sistema

exercido por outra nação), num povo, num


da Política, da Geografia Humana, etc. a
partido ou numa facção e é fenômeno
vocabulários mínimos e a sua apresentação
essencialmente "local", tanto geográfica,
pictórica em "slides" se fez pela decomposição
quanto historicamente. Quando se fala em
em seqüência de blocos elementares de
termos. de uma filosofia, as chances de que
informação que, posteriormente, são
se tenha um diálogo em termos de reflexões
identificados e representados por sinais. Estes
são grandes. Quando se fala em termos de
sinais, então, são capazes de funcionar como
uma ideologia, os ânimos imediatamente se
"input" (entrada) nos canais de comunicação
dividem, dado que as cargas pragmáticas,
com os quais se quer instrumentalizar o
conceitos, etc. aí envolvidos geralmente
homem.
tendem a dividir os homens em
"reacionários" e "progressistas", Uma experiência em "decoding": o
coordenador de debates, diante da ficha,
"esquerdistas" e "direitistas", etc.
procura "decifrá-la", através do diálogo franco
mas programado pela ficha roteiro - quando
então, a informação da mensagem que se quer
5. Teoria da Comunicação comunicar e que havia sido decomposta em
blocos elementares para montagem do "slide" é
Ao iniciarmos nossa exposição sobre
assimilada pelo recepiente (o alfabetizando) .
os fundamentos teóricos do Sistema Paulo
Há campo vasto para estudos, aqui.
Freire de Educação, dissemos que ele
Pode-se, por exemplo, medir o "encoding",
estava todo contido, em potencial, na
primeira situação existencial projetada em desde que se faz a redução a sinais que servem
"slide": como "input" (entrada) e "output" (saída) de
um sistema de comunicação. Isso deverá se
demonstrar ferramenta poderosa na pesquisa de
"O Homem diante do mundo da
melhores meios de programar as situações dos
natureza e do mundo da
cultura" "slides". Para cada situação social dada, de um
grupo de analfabetos, deverá haver uma
Referimo-nos, um pouco programação optimal, em que se poderá
antecipadamente, ao fato de que aí estavam, comprimir um máximo de informação num
sob a forma de programação compacta, os dado canal de comunicação (por exemplo, o
núcleos básicos dos vocabulários mínimos visual-pictórico) de modo a obter um
discursivos da Antropologia Cultural, da rendimento máximo de aprendizado (36).
Sociologia "e, de maneira menos direta, da "Encoding" e "decoding" podem servir,
própria Lógica, Teoria do Conhecimento, etc. inclusive, para medir ou avaliar
Aí está, na terminologia da Teoria da quantitativamente, a carga de informação das
Comunicação, uma autêntica experiência de mensagens "comprimidas" nos "slides": carga
'encoding"( codificação) e "decoding" de informaçéio é o número médio de dígitos
(decodificação). (sinais) necessários para codificar uma
Uma experiência em "encoding": a mensagem. Dígitos representam os sinais
redução dos núcleos de proposições básicas
da Antropologia Cultural, da Sociologia,
JARBAS MACIEL

que, por sua vez, representam os blocos Gerbner avançou um modelo verbal da
elementares em que se decompôs a comunicação: "alguém percebe um
informação da mensagem. acontecimento/ e reage/ numa situação/
A terminologia usada, até agora, trái o através de algum meio/ de modo a fazer
fato de que estamos trilhando os caminhos de materiais á disposição/ de algum modo/ e num
um novo campo científico: o da Teoria de certo contexto/ transmitir uma mensagem/ de
Comunicação, tributária da Filosofia dos alguma conseqüência". Para ele, comunicação
Sistemas ou, se se quizer, Cibernética. representa em última análise troca de energias
ou informação entre sistemas. Para King ( 39),
Somente agora, entretanto, teria sentido
um tal modelo acha-se visceralmente ligado
definir comunicação e os demais conceitos
ao conceito de "estrutura de acontecimentos"
com ela relacionados. Para Gerbner (37),
de Allport (40).
"qualquer teoria da comunicação ... envolve o
estudo da troca de energia e informação ... O interesse que o "modelo verbal" da
entre sistemas. Está interessada nos estados comunicação de Gerbner tem para nós é o 5.0
dos sistemas e nas mensagens" (os grifas são, elo da seqüência: /"através de algum meio" /.
em parte, nossos). Comunicação é, pois, troca Estes "meios" são os canais de comunicação,
de informação. Mc Donald define o chamado que correspondem aproximadamente, às
"ato comunicativo" como "... qualquer modalidades sensoriais e suas combinações
comportamento observável por meio de que a (principalmente a Visão e a audição).
informação é transmitida de uma fonte para E. J. McCormick (41) sintetiza bem as
um recipiente humano" (38). A fonte pode ser características dessas modalidades sensoriais
um programa de rádio, um filme, um (visão e audição), de interesse para a Teoria
professor dando uma aula, ou um "slide" de da Comunicação: a) os estímulos auditivos
alfabetização e o coordenador na aplicação do são essencial-, mente temporais, ao passo que
método de alfabetização do Sistema Paulo os visuais são essencialmente espaciais; b) os
Freire. Ao lado do ato comunicativo, assim, estímulos auditivos atingem o recipiente
há o ato de aprendizado, intimamente humano em seqüência no tempo, ao passo que
relacionados. os estímulos visuais o fazem em seqüência ou
em simultaneidade; c) os estímulos auditivos
É preciso, portanto, considerar que, do têm pobre "referibilidade", isto é, tendem a
ponto de vista da Educação, importa em "desaparecer" rapidamente da mente
distinguir entre o "encoding" de informação receptora, o oposto acontecendo com os
na apresentação de uma mensagem que se estímulos, que permanecem indefinidamente
quer comunicar, e os processos de "decoding" se assim se quiser; d) os estímulos auditivos
de informação próprios do recipiente da oferecem poucas possibilidades para a
comunicação. Em outras palavras, há que codificação da informação a comunicar, ao
levar em conta a relação entre as chamadas
"variáveis de apresentação", da mensagem, e
as “variáveis individuais”, que interagem
durante a comunicação.
Fundamentação Teórica do Sistema

passo que os estímulos visuais se prestam Assim, o aprendizado da informação, que é


excelentemente às formas mais compactas o que nos interessa mais de perto, pode se
de codificação; e) a palavra falada (o dar através de duas modalidades de
discurso) oferece maior flexibilidade (de programação: I) através de canais simples
conotações, nuances e inflexões da voz, etc), de comunicação e II) através de canais
ao passo que os 'estímulos visuais exigem múltiplos de comunicação.
um tipo mais avançado de codificação da O Método Paulo Freire de
informação; f) a rapidez de transmissão da Alfabetização de Adultos, por exemplo,
palavra falada é limitada, o oposto utiliza o aprendizado da informação através
acontecendo com a transmissão de estímulos de canais múltiplos de comunicação.
visuais; g) a audição é, de certo modo, mais A programação da codificação que
resistente à fadiga do que a visão. enche os "slides" obedece a este esquema
Os canais principais de comunicação de tipo lI, em que a informação das
são o auditivo e o visual, os quais mensagens comunicadas é simultaneamente
apresentam, cada, dois componentes. apresentada nos diversos canais. Surgem
Áudio: I) componente auditivo verbal aqui problemas muito delicados, como o
(palavras faladas) ; lI) componente auditivo das relações entre a informação de um canal
não-verbal (efeito de som e música). com a informação dos outros canais. Por
Visual: I) canal pictórico (não verbal); exemplo, entre a informação contida num
lI) canal impresso (visual verbal). (42). índio-caçador, de um "slide", e a
Em geral definem-se os canais de informação comunicada oralmente (áudio)
comunicação de acordo com as trajetórias pelo coordenador de debates.· A questão
neurais percorridas pelos estímulos e fundamental aqui envolvida é, em realidade,
respostas e, também, com o tipo de a do rendimento do coordenador de debates
informação comunicada. se se admite a hipótese de que a
Entende-se por programação, da programação da informação do "slide" está
informação de uma mensagem para perfeita. O coordenador, por exemplo, pode
comunicação, a organização desta simplesmente repetir a informação
informação com vistas à apresentação ao comprimida no "slide": dizer que "estamos
recipiente humano (os sentidos). vendo ali um índio caçando, munido de
Os três canais básicos de arco e flecha, etc.", e ficar tão somente
comunicação com que operamos o Método nisso. Estas informações são ditas
Paulo Freire de Alfabetização de Adultos redundantes. Servem para iniciar os
são: o pictórico, o auditivo verbal ou debates, mas são apenas um meio de
simplesmente áudio e o gráfico. controle à disposição do coordenador de
A programação da informação, de que debates, para saber se está dominando bem
depende o ensino e o aprendizado do que é a atenção do grupo de alfabetizandos. O
intercomunicado, pode utilizar canais coordenador pode, ainda, apresentar
simples (isolados) ou canais múltiplos. informação não relacionada diretamente
com a informação impressa ou comprimida
JARBAS MACIEL

pictoricamente. O não relacionamento pode tem para o morador do casebre, e conotar


variar desde as mais longínquas conotações "voto", "democracia", "injustiça",
até o erro. Por exemplo, o "índio caçador" "progresso" etc.).
pode conotar uma fase da civilização. Ou, Há sugestões - chaves "relevantes" e
em caso de erro, o mesmo índio pode "irrelevantes". Deve-se procurar usar apenas
conotar um "ser inferior", indesejável, que um mínimo permissível de sugestões -chaves
precisa ser destruído, etc. etc. Esta última relevantes, isto é, decisivas para o
informação, dada evidentemente por um aprendizado e que venham, de fato, facilitá-
péssimo coordenador, seria totalmente não lo, jamais sobrecarregá-lo com uma
relacionada com a informação programada variedade de detalhes desnecessários e pouco
no "slide" do índio-caçador. O "rendimento" econômico. A ênfase em boas e econômicas
de um tal "coordenador" seria, então, igual a sugestões - chaves é preferível, até, à
zero. E assim por diante. fidelidade da apresentação pictórica e
Outro aspecto importantíssimo da auditiva da informação.
programação do "encoding" dos "slides" é o A experiência na manipulação das
das sugestões-chaves que se acrescentam a ajudas audiovisuais tende a indicar que a
uma dada montagem de situação pictórica, adição de imagens aumenta a adição de
de modo a provocar respostas pré- aprendizado. No Método Paulo Freire de
programadas da parte dos recipientes (os Alfabetização de Adultos, nossa equipe tem
alfabetizandos). Estas sugestões - chaves tentado minimizar a codifinação às
podem ser de natureza muito variada. sugestões -chaves fundamentais,
Quando, por exemplo, num "slide", desprezando o maior número possível de
colocamos a palavra "belota" próxima do detalhes desnecessários, com vistas não
objeto belota, estamos lançando mão de uma tanto a uma maximização' do teor do
sugestão - chave - a proximidade. As aprendizado, mas a uma maximização da
sugestões - chaves são acrescentadas sempre economia de tempo para o aprendizado. A
com o objetivo de facilitar o aprendizado, e maximização do teor do aprendizado está
podem pertencer - como o exemplo anterior prevista, em doses cada vez mais compactas
- ao nível puramente semântico (vínculo e completas, para as etapas seguintes, que
entre sinal e objeto designado), ao nível terminarão na Universidade Popular.
sintático (por exemplo, os "slides" onde se Há, também, o difícil problema dali
partem as palavras geradoras em sílabas e interferências entre os canais de
onde se apresentam as "famílias" de comunicação. Por exemplo, uma ficha ou
fonemas, estão cheios deste tipo de "slide" bem programado - isto é, com um
sugestão-chave) e aos diversos níveis máximo de informação corretamente
pragmáticos (por exemplo, um casebre num apresentada e contando com sugestões -
"slide" pode funcionar como sugestão-chave chaves altamente relevantes – pode ser
para considerações em torno da pragmática botado a perder por uma péssima
existencial - social transitiva que a palavra decodificação, isto é, por uma péssima
atuação do coordenador de debates.
Dizemos, então, que o canal áudio interferiu
Fundamentação Teórica do Sistema

I)(palavra) - (imagem)
sobre o visual (pictórico), reduzindo ou II)(palavra) - (palavra)
anulando o aprendizado. A interferência III)(imagem) -(palavra)
entre canais de comunicação pode ser IV)(imagem) - (imagem)
induzida, inversamente, a partir de uma
péssima programação do "slide", ou devido Destas associações, a melhor é a
à extrema dificuldade da informação III), isto é, a imagem primeiro, depois a
programada no "slide". palavra. A pior associação é a I), palavra
A interferência de canais de primeiro e imagem depois. A associação
comunicação pode gerar um outro IV) parece ser um tipo intermediário.
problema, não menos importante: o da
Não é outra a técnica de associação
alternância . da atenção do recipiente (p.
utilizada pela nossa equipe. A imagem
ex.: o alfabetizando) ora num canal (o
primeiro, com toda uma situação
"slide", por exemplo), ora noutro (o áudio
antropológica e sociológica. Depois é que
emitido pelo coordenador de debates).
se faz a associação da palavra à situação,
Informações não relacionadas, no canal
ou detalhe da situação.
visual e no canal auditivo, tendem a causar
Finalmente, um outro aspecto
alternância da atenção. Se os efeitos da
fundamental ao aprendizado audiovisual:
interferência e da alternância são levados a o da participação dos recipientes na
um máximo, o aprendizado decrescerá transferência de informação dos "slides"
progressivamente, em proporção, até se onde está programada a codificação
anular, através da distração do recipiente (o compactamente, para si mesmos, através
alfazetizando). do diálogo franco, sem-cerimônia. Este
Um recurso utilizado com grande aspecto põe em evidência a questão da
sucesso pelo Método Paulo Freire de motivação no processo de aprendizado.
Alfabetização de Adultos foi o do No Sistema Paulo Freire de Educação a
aprendizado pela associação, em que parte motivação é despertada no recipiente
da informação comunicada é aprendida através da participação ativa, como
como uma resposta a outra informação, e sujeito criador e, por isso, está
assim por diante, formando uma cadeia de intimamente ligada à utilização da
informações de que o alfabetizando se pragmática existencial-social transitiva
apropria progressivamente. Ao cabo de das palavras para alfabetização e dos
certo tempo, qualquer informação-estímulo conceitos, interpretações, teorias e
de um "slide" (por exemplo, uma situação sistemas filosóficos utilizados para a
sociológica) provocará fácil e rapidamente extensão cultural em todos os níveis
a informação -resposta da parte do recém (popular, secundário, médio e
alfabetizado. universitário).
De acordo com Lumsdaine (43) , há Há outros aspectos igualmente
quatro maneiras distintas de se associar importantes e fundamentais para o
palavras (faladas ou escritas) e imagens: Sistema, que a Teoria da Comunicação
revela. Como por exemplo o da
interpretação do papel mediador da
JARBAS MACIEL

natureza no processo de comunicação em virtude das limitações da presente


entre os seres humanos. Entretanto, exposição.
deixamos de nos alongar neste assunto,

(1) vd. RENEE PETERSEN and WILLIAM (14) Professor de Estética, da Faculdade de
PETERSEN, "University Adult Education A Filosofia
guide to policy", p. 52 e ss., Ed. Harper & de Pernambuco da UR.
Brothers, New York, 1960. (15) SORTAIS, "Manuel de Philosophie", Pa-
ris, P. Lethielleux, 1907, p. 226.
(2) vd. "L'Université Populaire Nova et
Vetera", in Dévelopment et Civilization (IRFED), (16) BERTRAND RUSSEL, "O
n. o 11, Juillet - Septembre 1962, pp. 111·112.
Conhecimento Humano".
(3) 28 a 40 horas.
(17) idem, ob. cito (18) idem, ob. cito
(4) 8 a 10 meses.
(19) Professor ABIDIAS MOURA. da Cadeira
(5) o primeiro destes manuais é um pequeno de Sociologia da Faculdade de Filosofia de
livro, planejado e inteiramente realizado peIa Pernambuco da Universidade do Recife
equipe da CEPLAR (João Pessoa - Est. da vd. "Introdução à Análise Sociológica".
Paraíba), com o título "FÓRÇA E TRABALHO".
(20) vd. P. BOEHNER, O. F. M., "Medieval
(6) V. I. LENIN, in "Cadernos Filosóficos": Logic", The University of Chicago Press, 1952.
"Diante do homem se estende uma rede de (21) PAVILOV, "Obras completas".
fenômenos naturais. O homem instintivo, o
selvagem, não se liberta da natureza. O homem
consciente se eleva acima da natureza, (22) F. V. KONSTANTINOV, "Los
dominando-.a; as categorias são os de. graus de Fundamentos de Ia Filosofia Marxista", Ed.
sua elevação, isto é, do conhecimento do Grijalbo, 1960.
universo".
(23) KONSTANTlNOV, ob. cito p. 170.
(7) I. P. FROLOV, "A Cibernética Moderna e
o Cérebro Humano", Ed. Alba, p. 134. (24) ido ob. cito

(8) J. BULLAUDE, "EI Nuevo Mundo de Ia (25) FROLOV, "A Moderna Fisiologia do Siso
Imagen", colo La Escuela en el tiempo, EU- tema Nervoso e a Cibernética", em "A Cibernética
DEBA, Buenos Aires, 1962. e o Cérebro Humano", Ed. Alba, Rio de Janeiro,
p. 129.
(9) Compare com Pascal: "O coração tem suas (26) FROLOV, ob. cito (27) ido ob. cito
razões, que a própria razão desconhece."
(28) ido. ob. cito.
(10) KARL MANNHEIM, "Ensaios de
Sociologia da Cultura", trad. espanhola (Aguilar), (29) ido ob. cito
1957, pp. a 241 e ss.: "A democratização da
cultura" (3. parte). (30) vd. E. R. HILGARD, "Theories of
Learning" (1956) e J. McGEOGH and A. L.
(11) vd. CARL COHEN, "The Military in a IRION, "The Psychology of Human Learning"
Democracy", in The Centennial Reviev, Michigan (1952), New York, Macmillan.
State University, Winter 1963, pp. 75.94.
(31) FERRATER MORA, "Lógica
(12) B. RUSSEL, "The Principles of Matemática", p. 9, Fondo de Cultura Econômica,
Mathematics" (Cambridge, 1903); "An México - Buenos Aires, 1955.
Introduction to Mathematical Philosophy"
(Cambridge, 1905); "Principia Mathematica", (32) E. CANNABRAVA, "Elementos de
com ALFRED NORTH WHITEHEAD Metodologia Filosófica", p. 4, Ed. Nacional, São
(Cambridge, 1910, 1912 e 1913); "Human Paulo, 1956.
Knowledge, its scope and limits" (tradução para o
português da Companhia Editora Nacional, 1958).
(33) FERRATER MORA, ob. cit., p. 18.
(13) a terceira etapa (educação primária) do
Sistema está sendo aplicada agora pela equipe da (34) idem. ob. cito
CEPLAR, em João Pessoa. (35) vd. DAVID ELLIS e FRED LUDWIG,
“Systemes Philosophy”, pp 13-16, Prentice Hall
Fundamentação Teórica do Sistema
Allport Concept of Structure", A V
Space Technology Series, New Jersey, Communication Rev., v. 9, n. 5, p. 128.
1962. 1961.
(36) Ver FRANK R. HARTMAN, "Single and (40) F. ALLPORT, "The Structuring of Eventa:
Multiple Channel Communication: A an Outline of a General Theory with
Review of Research and a Proposed Application to Psychology". The
Model", in AV Communication Review. Psychology Review, 61 - 281 :303,
Vol. 9, 1961, n. 5, p. 255. September, 1954.
(37) G. GERBNER, "Toward a Theory of Com- (41) E. J. McCORM1CK "Human
munication", Doctor's thesis, University Engineering", New York, McGraw-Hill,
of Southern California, 1955. 1957.
(38) F. J. McDONALD, "Motivation and the (42) FRANK R. HARTMAN, ob. cito
Communication Process", A V
Communication Review, vol. 9, n. 5, p. (43) A. A. LUMSDA1NE, "The Effectiveness
58. 1961. oi Pictures versus Printcd W ords in
(39) W. KING, "Communication Theory and Learning Simple Verbal Associations",
Stanford University, 1949), in A V
the Communication Review, v. 9, n. 5, 1961.

RESUMÉ
L'AUTEUR montre comment l'experience sous la direction de M. Paulo Freire, y est
d'éducation d'adultes dans le Service d'Extension démontré. Dans son exposé sur les fondements
de l'Université (Recife) a pu contribuer à une théoriques d'un systeme éducatif pour les
vision renouvellée et actualisée du adultes envisageant le développement social et
perfectionnement uni versitaire tel qu'elle doit économique, l'auteur emploie des procédés tels
être faite dans un pays en développement que la Logique Mathématique, la Théorie de la
comme le Brésil. Conséquemment le Connaissence, Ia Théorie de l'Apprentissage,
perfectiennement est envisagé non pas com me celle de la Linguistique et la Théorie de la
un moyen en plus pour les activités externes de Commullication. Il emploi un "type" de réfIexe
l'université, mais comme un nouveau pas vers la conditionné des procédés d'apprentissage pour
démocratisation de la culture. L'alphabétisation adultes, basé sur de récents élargissements des
serait le vrni point de départ pour un tel éffort de théories de Pavlov. II emploie également un
démocratisation, surtout dans un pays òu se "modele" linguistique dans lequel sont
trouve un pourcentage si élévé d'analphabétism appliqués l'axiome de la réductibilité et la
(environs 50% de toute Ia population, dans le théorie des vocabulaires syntétisés de Bertrand
Nord-est). Un systeme éducatif développé par Russel, avec lesquels l'auteur semble être arrivé
l'équipe du SEC (Service d'Extension Culturelle à des résultats prometteurs.
de l'Université, Recife),
ABSTRACT

THE AUTHOR shows how the adult education


experience at the Cultural Extension Division of the direction of Prof. Paulo Freire, is then described.
University of Recife has contributed to the shaping In his analysis of the theoretical foundations of a
up of a new and rather refreshing picture of university system of adult education aimed at socio-economic
extension as it should be in a developing country such development, the author uses a great many tools from
as Brazil. Accordingly, extension is not merely Mathematical Logic, Theory of Knowledge,
viewed as a means to university extra-mural Learning Theory, Linguistics and Communication
activities, but rather as a most important tool towards Theory. Use is made of a conditioned reflex "mode!"
the democratization of culture. Literacy teaching of the adult learning processes based upon some
should be the starting point of such an effort at recent developments of Pavlov's theories. Also a
democratization, since Brazil still has a very high linguistic "model" is used in which
percentage of illiteracy (over 50% of the population, Bertrand Russel's so called axiom of reducibility and
in the Northeast). A system of adult education, theory of minimum vocabularies are applied with
developed by the "am of the SEC (Serviço de what seems to be some rather promising results.
Extensão Cultural) working under the
JOMARD MUNIZ DE BRITTO

Educação de Adultos e Unificação da


Cultura

HAVERIA ALGUMA COISA de se propor ao uma desistência de tarefas maiores.


homem enquanto adulto que afirma "eu
tenho a escola do mundo"? (1). Além de ______
sua experiência imediata no sofrer diário,
de enfrentar o mundo com suas próprias Experimentando-se o adulto situado
forças – ou sem forças –, de saber que tem no mundo e na história, numa realidade
"uma resposta" insegura ou contundente, que se poderia sintetizar com a expressão
mas sempre um ato de responder e exigir, "espácio-temporal", mas que, apesar de
de trazer na pele um passado incômodo e todos os esforços de imaginação e da
adivinhar um futuro que ele a si mesmo se inteligência, estaria dividida, cortada nela
promete – pois um "futuro melhor" é mesma, por dentro de si mesma.
desejado –, além de tudo isso o que se Esta, a realidade de um impacto:
proporá para uma educação de adultos? entre o espaço nordestino, área de
Ou esqueceremos, apenas suprimindo, latifúndios e terras pobres de recursos
passando por cima, desviando a questão naturais, limite exterior que se impõe
para mostrá-la intelectualmente sob a além do contraste lírico entre terras de
forma de um dilema entre a "luta contra o massapê e terras secas, espaço em tudo
analfabetismo" (conclamada por todos os denotando e flagrando um
países subdesenvolvidos) e a perspectiva subdesenvolvimento acentuado, e o
de uma "educação permanente de toda a tempo nordestino, como horizonte de
população" (necessidade típica de países possibilidades, limite interior em tudo
desenvolvidos econômica e talvez apontando as vias para um progressivo
culturalmente)? (2). Por certo, em nós não desenvolvimento. Assim, o espaço como
há este dilema. nosso diagnóstico e o tempo de nossa
estratégia denunciam esta realidade
A consciência de que nada temos partida – um impasse a ser ultrapassado.
de propor ao adulto, analfabeto ou não, Por isso a educação de adultos
além de si mesmo e da circunstância de nada teria de ou a propor, além da
sua vida. Propor novidades é ainda ser totalidade deste impacto. Educação a ser
ingênuo. Querer "instruí-lo" significaria feita com a resisteência de muitas idéias
JOMARD MUNIZ DE BRITTO

cristalizadas – assistencialismo, precisamos constatar a participação


conformismo, otimismo, demagogia. histórica que tiveram e ainda estão
Educação a ser projetada enquanto cumprindo movimentos do Nordeste,
movimento plural, diversificado, como o de "Cultura Popular" (Recife) e
"contingenciado", porém nunca empenhada "De Pé no Chão Também se Aprende a
na sobrevivência dessas idéias cristalizadas. Ler" (Natal). A partir do nome deste
Educação a ser inspirada nesta situação de último se reflete, nítido, o sentido de
impacto, pelo modo de encarar uma emergência – escolas de taipa, em chão
totalidade que sé configura, mas, também, batido, galpões que talvez firam a vista
educação a ser pensada em função das dos educadores acostumados com
particularidades que se fazem presentes. "centros de demonstração". Haveria uma
_______ limitação no dizer "também se aprende a
ler"? – Não, se encararmos o ler como
instrumentalidade, a leitura como
A primeira situação (3) , para nós acessibilidade aos meios de comunicação
e divulgação, "meios informais de
homens nordestinos, – e, por ser a primeira,
educação", de uma influência tão
jamais completamente superada ou
agressiva dentro da "escola do mundo".
superável – é a de emergência. Situação
Qualquer limitação a ser encontrável
factível, empírica, concreta, abarcadora do melhor acusará os objetivos e não os
fenômeno social enquanto síntese do instrumentos.
econômico e do político. Neste plano de
Participação histórica também
emergência, onde a luta maior e única é pela
desempenhou o "Livro de Leitura para
conservação da vida, (e não ainda por
Adultos", do MCP, com suas frases tão
questões ideológicas, nem, muito menos,
óbvias e assustadoras: O pão dá saúde,
pela afirmação de um desenvolvimento
saúde é vida, o voto é do povo, o povo
global da sociedade), o que se teria a
pode, o povo sua, o povo sem casa vive no
ensinar, a propor, ou timidamente, a sugerir
mocambo. – Estamos certos de que, com
para quem se sabe possuidor da "escola do
essas afirmativas, não se estava propondo
mundo"? Outro impacto a constatar.
nada às massas – procurava-se, apenas, a
A urgência em afirmar uma "educação
confirmação de sua necessidade de
de massas" (4), uma cultura de subsistência,
subsistência. (Os que reconheceram
através da temática dos valores vitais. Nesta
equívocos, entre eles eu, nada fizeram no
dimensão em que não se tem nada a propor,
momento de melhor).
a presença da educação é sentida "como arte
e arte difícil" ( 5) . Ao saber captar o que Entretanto, aparecem teóricos da
educação para se auto-debaterem no que
é anseio das massas; mais do que
diz respeito a um plano de emergência não
anseio – sabedoria prática, sabedoria
se confinar em si mesmo; e chamam a isso
sofrida. Apesar dos equívocos pelos quais
emergencialismo ou emergentismo. Perigo
todos nós fatalmente passamos, não somente
tão óbvio, questão menor, quando se nos
de técnica como também de conteúdo,
deparam as situações plurais de nossa
realidade.
Educação de Adultos e Unificação

A segunda situação que, para os


Como verificação do muito que se
homens de visão intelectual, se registra
tem a programar neste setor,
simultaneamente – é a da existência como
lembraríamos os "cursos livres de
"possível claridade do saber", enquanto
extensão" e os "cursos de extensão em
"consciência em geral", como "saber de que
nível universitário", mantidos pelo SE C,
se dispõe adquirido historicamente". Agora,
da Universidade do Recife. (6)
a luta pela subsistência se torna racional e,
além do mais se faz penetrante nos graus Nossa mínima experiência no
dessa racionalidade. O saber é consciente campo dos "debates dirigidos", dos
para assumir a própria libertação do homem "grupos de estudo", dos "seminários", dos
– se não, de nada lhe valeria, nem como "fóruns e painéis" é reveladora de quantas
diletantismo, que não deixa de ser uma falsa resistências encontraremos, antes de tudo
forma de libertação. O saber é claridade da pela rigidez de nossa estrutura
História e do homem como seu intérprete e universitária – nossa, brasileira.
responsável, porque a sabedoria prática e
sofrida, agora começa a reconstituir-se, _______
criticar-se, prolongar-se e a intensificar-se. O A terceira situação, de homens
saber é, realmente, uma possibilidade, nordestinos na condição de universalidade
sempre aberta, sem limites no espaço e no humana, é a de nossa capacidade criadora.
tempo, de fazer e refazer-se, de forma e Enquanto a primeira tratava de nossa
transformar-se. Nesta ocasião e a partir dela, subsistência no impacto entre o espaço e o
as ideologias ameaçam os homens tanto tempo, a segunda nos fazia receptivos no
quanto são ameaçadas, desmentidas, plano da "consciência em geral" e assim
substituídas, reformuladas por eles, por nós. nos estendia sobre o mundo, a terceira não
Desta perspectiva, o educador de há de ser apenas superposta às duas
adultos tem em suas mãos a hora de propor anteriores. É terceira como modo de falar,
alguma coisa: o debate, o pensamento criado como necessidade de explicação, mas
conjuntamente, a dinâmica de formação dos também como síntese da "emergência" e
grupos. Educação de adultos significará a da "extensão"; terceira a começar da
busca de uma cultura permanente, de uma primeira e na intensificação das duas
"forma de vida"; será "extensão cultural", iniciais. Visão do desdobramento e
atualização, renovação, reeducação. Em unidade, para atingir um impacto maior.
termos bem comportados é o que nos diz Perplexidade no conduzir-se
uma das publicações da UNESCO: “Ela humanamente, ao relacionar a impressão
representa o esforço contínuo que todo ser com a expressão, a atitude receptiva e a
humano deve realizar para compreender o propulsora, a disciplina e a ruptura. Tudo
mundo, exprimir sua personalidade e estar à enquanto se pode e se reclama uma
altura das suas responsabilidades como comunicação em confiança, uma "luta
indivíduo e membro das diversas sociedades amorosa" diante das "situações limites",
às quais pertence”. uma forma de ultrapassar a própria
dimensão crítica e auto-crítica por um
JOMARD MUNIZ DE BRITTO

gesto de incondicionalidade nas que é a liberdade de saber e atuar, eu sou


disposições criadoras do homem. Esta possível "existência". (Karl Jaspers,
terceira situação penetra de tal modo na "Filosofia", 1º volume, trad. de Fernando
primeira, que, assim como nesta, a Vela).
educação nada tem a propor – além da Saber e atuar, intervir e participar:
experiência dos seus múltiplos fracassos, educação de adultos em sentido de
além da incondicionalidade do próprio criação, "educação cultural".
ato humano. Entretanto, por necessidade Como referência exemplificadora
didática de expressão, depois de das possibilidades em setores
havermos falado em "educação de absolutamente distintos, mas nunca
adultos como emergência" e "educação opostos por contradição, desta "educação
de adultos como extensão", propomos o cultural" citaremos: as edições de "O
sentido criador de uma educação Gráfico Amador", onde as artes se
integradamente cultural, para esta integram – poesia e gravura –; o recente
terceira situação. E, embora de uma como impacto, embora amadurecido
perspectiva existencial, nos como vivência, Sistema Paulo Freire de
identificamos com a posição alfabetização de adultos – ampliando-se
fenomenológica-essencialista de Max em projeto de reformulação da escola
Scheler quando explica: primária brasileira.

- "Aspirar à cultura significa buscar com ________


clamoroso fervor uma efetiva intervenção e
participação em tudo quanto, na natureza e na
história, é essencial ao mundo, e não mera O grande impasse de constatarmos
existência e modalidades contingentes; significa
– como diz o Fausto de Goethe - "querer ser e não de propormos: a “unificação da
um “microcosmos”. Este processo mediante o cultura”, como possibilidade da educação
qual o mundo grande, o "macrocosmos" se
concentra em um foco . espiritual "de caráter de adultos, vista na intensidade e no
individual e pessoal, o microscosmos. Este conjunto das três situações. Tentativa de
converter-se em mundo uma pessoa humana,
pelo amor e pelo conhecimento, não são senão unificar a cultura como símbolo de que
duas expressões para designar duas direções no homem reside um beco sem saí· da e,
distintas na consideração do mesmo profundo
processo plástico que se chama educação ao mesmo tempo, uma saída"(7) para si
cultural ou cultura". (De "O saber e a cultura"). mesmo – através da comunicação, onde eu
sou na medida em que os· outros também
É neste "profundo processo
são; onde eu me liberto, libertando-nos;
plástico" que experimentamos a nossa
onde é preciso que eu ouça para ser
incondicionalidade. Através dele, "tenho
ouvido e que eu primeiro acredite para os
momentos de ação nos quais estou
outros acreditarem em mim. Palavra
seguro de que o que eu agora quero e
simples – comunicação – mas realidade
faço é o que autenticamente eu mesmo
como impacto.
quero. Quero ser de forma que este
A partir do ímpeto criador do
querer saber e atuar me pertençam. Nesta
homem, a cultura se realiza desde que
maneira em que quero saber e atuar me
suas impressões se tornem objetivadas e
sobrevém meu ser essencial que eu,
suas necessidades busquem as soluções
ainda estando seguro dele, sem embargo
de consistência exterior, e seus anseios se
não conheço. Por ser esta possibilidade,
convertam em obras, e suas imaginações
Educação de Adultos e Unificação

ou idealizações sejam concretizadas em fatos, Descrevemos o conjunto de uma situação com


acontecimentos, realidades objetivas. Porém o seu impacto. Pois uma sociedade e sua
existirão sempre,até hoje vêm existindo, cultura não de “desalienam” apenas por se
modalidades e graus de criação, de cultura, de saberem antes alienadas. É preciso encará-las
objetivação. desde a terceira situação humana, enquanto a
Na primeira situação humana que democratização cultural se projete como
descrevemos em termos de emergência, de luta unificação da cultura – quando se transita de
pela conservação da vida, de formas iniciais da uma cultura de subsistência para uma cultura
sociabilidade, o passo dado pela cultura reflexiva, confirmando-se o impulso criador do
está marcado pelo caráter de subsistência. homem.
Cultura como tradutora das necessidades vitais
primárias – alimentação, abrigo, aglomeração ________
cultura traduzindo-se em modalidades
espontâneas exprimindo-se por uma inteligência Esta passagem como reconstrução da
concreta e emotiva, manifestando-se através de experiência, por isso passagem que implica
uma sabedoria prática, tradicional, cristalizada. transformação, está constantemente ameaçada
Se a este primeiro grau de cultura denominamos de modo positivo e negativo pelas
popular ou pré-reflexivo ou de subsistência, é "comunicações de massa", "mass" media.
para confirmação de um ímpeto criador humano, Também, mais uma vez, a consciência de um
independente das primeiras formas de impacto. Na ambigüidade de ser produzida
intelectualização: escolas, metodologia, reflexivamente, com intencionalidade, e de
abstração formal, depuração crítica. estender-se ou consumir-se emocionalmente, a
Correspondendo à segunda situação "cultura de massa" coloca-nos no impasse: até
humana, definida por um cunho de que ponto, hoje, temos uma legítima cultura de
racionalidade, de espírito crítico, de
subsistência, não contaminada pelos produtos
reconhecimento dos próprios valores, temos a
sofisticados das "comunicações de massa", e
cultura que a si mesma se põe como objeto de
também uma legítima cultura reflexiva, não
análise; cultura, portanto, reflexiva, até hoje
realizada por minorias (agora pejorativamente atingida pelas mesmas sofisticações? Mas esta
chamadas de elites e eruditas) que ora são pergunta pode constituir-se um equívoco ao ser
fechadas ou abertas, pré-democráticas ou lida como uma proposta de moralização ou
democráticas, dogmáticas ou renovadas. ainda pelos esquemas repetidos da técnica
Numa sociedade que se democratiza, as contra o homem. As "comunicações de massa"
suas elites culturais tendem a insistir na urgência representam, independente das limitações e
da "educação de massas", tanto quanto no necessidades ideológicas, influentes "técnicas
sentido de "extensão da cultura" – e a síntese sociais" que, em si mesmas, colocam o homem
dessas duas tendências se afirma como como centro de universalidade espácio-
democratização cultural. Mais uma vez temporal. Negá-las no processo de
retornaremos ao tema inicial de que não democratização cultural seria fugir ao impacto
estamos, simplesmente, propondo coisa alguma ou simplificar uma realidade de perspectivas
tão amplas como a educação de adultos.
JOMARD MUNIZ DE BRITTO

Amold Hauser; no capítulo V de seu


Em antítese lógica, a "arte popular" vai
livro "Introducción a Ia Historia deI Arte"
responder "às exigências de um público
(8), propõe uma distinção, válida
predominantemente urbano, semiilustrado e
logicamente, entre "arte do povo, arte
tendente à massificação". Não é difícil
popular e arte estrita, elevada, autêntica".
apontar o status quo deste público: a
Nenhuma intenção, aqui, poderia ser
sociedade industrial. Porém o autor vai além
traduzida por uma crítica de má fé dirigida
de uma descrição fenomenológica, da
aos adjetivos que qualificam a última
realidade como ela se apresenta ou de um
manifestação de arte; ninguém acusaria
fato que não se pode senão constatar,
Hauser, por exemplo, de considerar
ingressando em um tipo de análise
inautêntica a arte do povo, apenas por ele
valorativa, que interpreta e julga:
haver qualificado a última forma de arte
como estrita, elevada, autêntica.
"Na arte do povo produtores e
Vejamos a questão por dentro e de consumidores apenas estão separados entre si,
frente. e os limites entre ambos os grupos são sempre
flutuantes; na arte popular, ao contrário, se nos
O que ele chama "arte do povo" teria apresenta um público improdutivo
sua origem a partir de "estratos sociais artisticamente e passivo no essencial, e uma
produção profissional orientada estritamente à
carentes de ilustração e não pertencentes à demanda".
população industrial e urbana". A carência de
ilustração deve ser interpretada como Este tipo de análise valorativa,
ausência de processos formais de educação. sobretudo no que se refere ao público, expõe
Entretanto, a característica mais importante à crítica a seriedade metodológica e científica
da "arte do povo" revela que "seus suportes da obra. Indagamos, assim: esta "arte" apenas
participam dela, não só como sujeitos responde às exigências de um público
receptivos, senão, a maioria das vezes, massificado ou não será ela mesma forjadora
também como sujeitos criadores, apesar de dessas necessidades? Respondemos com uma
que não se destacam individualmente neste referência do próprio Hauser: "... na atual
último sentido nem pretendem que lhes produção em massa tem lugar uma
reconheça sua condição de autores". (Pág. manifestação das necessidades, que se opõe,
363) Esta identificação, que embora nunca comum ente, ao desenvolvimento normal, e
chegue a ser completa,– identificação entre o que cria, umas vezes, uma demanda de modo
que produz e o que consome –, exige do artificial, enquanto que outras prolonga a
pesquisador e do crítico uma nova atitude, duração de uma necessidade". (pág. 438)
outros critérios de valor compreensivamente Com estas observações, parece difícil manter
antropológicos, e, por conseguinte, não aquela conceituação apresentada inicialmente
limitados a uma esfera intencionalmente sobre “arte popular”. O campo torna-se
estética. O que se deduziria de uma
afirmativa como esta: "a arte do povo não é
tanto uma realização como uma atividade"
(pág. 394).
Educação de Adultos e Unificação

mais do que inseguro – incerto. e conciliações, de cortes e fusões. Os


Neste jogo de expressões – "arte do valores quantitativos refletem mais
povo" e "arte popular" – ficaremos com a diretamente, na receptividade do que é
nossa linguagem baseada numa reflexão material, as imposições do sistema
sobre o senso comum: cultura popular (ou capitalista (trustes, produções em série,
cultura do povo) e cultura popularizada ambição de lucro) – sem que ainda
(para abranger o que Hauser denomina de nenhuma questão ideológica mais séria
"arte popular"). venha se colocar. Os valores qualitativos se
Indagamos novamente: esta “arte concretizam pela disponibilidade de serem
popular”, a que o autor se refere, não pode rompidas certas estruturas anestesiadas,
ser apenas um capítulo do que se psicológica e socialmente, através de
vem analisando como "cultura de massa" algumas personalidades de exceção.
ou "cultura industrial"? (Para leitura Dispondo das "comunicações de massa", o
imediata, os artigos de Edgar Morin em "artista de gênio" não precisa idealizar um
"Movimento" 6 e em "Senhor" 49). Como tempo outro, escrevendo ou filmando para
pergunta menor, acrescentamos: dizer que um público futuro, mas pode descobrir um
a "arte popular" nunca é mais do que tempo-espaço novo (a partir de um espaço/
entretenimento e passatempo" (366) não é tempo rotineiro, de repetições mecânicas),
predispormos contra todas as visões onde um público atual será tocado e
simplificadoras da realidade? Ou a comovido. Assim, aquele público
impossibilidade de elaborar um julgamento "improdutivo artisticamente",
de valor apenas se fundamentando na "massificado", estaria à espera de ser
possibilidade estatística de considerar a abalado – pela grande e sutil força do
maioria dos produtos consumidos? – impacto – através de algumas obras-
Sugerimos novos critérios para uma análise primas: "Hiroshima, mon amour", "La
da "cultura de massa", expressão que Notte", "A Bout de SouHe", "Plein Soleil".
abarca as manifestações da "arte popular" Seria idealismo situar estas realizações
no significado visto em Hauser. Apenas como possibilidade de redimir, pelo
sugerimos. Por que um público é impulso dos seus valores qualitativos, a
“improdutivo artisticamente e passivo no "cultura de massa" enquanto decorrência,
essencial”? Isto representa um fato objetivo acentuada quantitativamente, de uma
ou um dado elaborado a partir de uma mentalidade industrial, capitalista e
escala de valores estéticos? tecnizante? – Não se pensando além do
"círculo vicioso", talvez não se seja
Dentro da "cultura de massa", a acusado de idealismo, mas se cairá no
dialética entre os valores quantitativos e esquema de "valoração estética", ou o que
os qualitativos menos do que nunca pode será terrível, nos erros de uma visão
ser contraposta simetricamente. Como tradicional aristocrático-intelectualista.
todo esforço dialético se faz em Interrogando-se através do círculo
descontínuo e imprevistos, de antinomias vicioso, que o próprio Hauser descobre,
"Não é, de nenhum modo, o público só o
que determina o que deseja; seus desejos estão Como demonstrar que a “cultura de massa”
determinados, em parte por aquilo que se lhe não é fatalmente “massificadora”?
oferece. Trata-se de um círculo vicioso que pode
romper-se” (página 443) Não podemos, agora, focalizar os
meios através dos quais este processo global
chegaremos a ver que as “comunicações de de educação pode ser realizado – contando-se
massa” se revolucionam interna e com todas as técnicas da dinâmica do grupo.
externamente. Do ponto de vista interno Há uma questão anterior: como instaurar esta
com a presença daquelas personalidades de nova perspectiva, como fundamentar as
exceção; da perspectiva externa, embora não tarefas que concretizem a democratização
acidental ou acessória, pelo terreno aberto cultural?
com a educação de adultos em todas as suas Cultura típica do século XX e das
dimensões. Se o público não existe como sociedades industriais, a “cultura de massa”
“algo em si”, fixado em sua atitude, passou a existir com o cinema, o rádio, a
embotado por uma distorcida sensibilidade, televisão e a imprensa em larga escala. Deu
incapacitado para sofrer e refletir sobre um origem estritamente técnica, antes de
impacto, as “comunicações de massa” qualquer vinculação artística; de
representam nosso momento histórico e, condicionamentos econômicos anteriores às
nele, os caminhos para a unificação da suas dimensões propriamente culturais; a
cultura. Outra citação de Hauser enfatiza “cultura de massa” já se definiu pelas
nosso pretexto de ultrapassar o “círculo seguintes características:
vicioso”:
a) produção e difusão em série;
“Recebe, em realidade, o público só o que b) rapidez de comunicação;
deseja ou é influenciado para que se conforme
com o que se lhe oferece?” (pág. 438) c) síntese áudio-visual (cinema e TV);
Superação das distâncias entre as
A partir dessa indagação que afirma, a classes sociais, através do “grande público”.
pergunta pelo mau gosto do público, das
Essas características são de ordem
massas, é tão interessante (e ociosa) quando
técnico-material e, por isso, podem ser
também indaga pelo mau gosto dos
dispostas ou não em termos de
intelectuais, dos eruditos, dos cientistas, dos
democratização da cultura. Como transformar
filósofos.
essas potencialidades técnico-funcionais em
técnico-reflexivas? Como dar uma expressão
humana a essas descobertas?
___________ Propomos, especialmente aos
Depois das sugestões, sob forma de educadores, uma resposta que possa
perguntas, das apreciações em torno de corresponder, intrinsecamente e de modo
Arnold Hauser e até mesmo das paralelo, às características acima situadas:
provocações, quando chamávamos de a) abertura de canais de comunicação;
sofisticados os produtos da "cultura de
acessibilidade à cultura em todos os níveis e
massa", resta o grande impacto para o
educador de adultos: como transformar esta nas dimensões de emergência, extensão e
"cultura de massa" em "cultura reflexiva”? criação;
Educação de Adultos e Unificação

b) complemento de intensidade, sentido de despertar no público uma


quando os valores úteis sejam orientados consciência ativa (cine-clubes de Belo
pelos valores éticos, estéticos e existenciais; Horizonte, de Natal, dos Museus de Arte
c) criação de um espaço-tempo novo, Moderna), sentimos a presença de uma
que não apenas fixe, documente ou transformação interna nos movimentos do
"fotografe" a realidade; captação do real cinema novo (“Os Cafajestes”, “Assalto ao
como processo evolutivo e criador; Trem Pagador”, “Barravento”) e da música
d) possibilidade de formar-se um bossa-nova (João Gilberto, Juca Chaves,
público ativo, participante e crítico. Carlos Lyra, Jobim-Vinicius). O que essas
A partir do momento em que os tendências têm de exceção, da rebeldia a um
"fatores" técnico-materiais sejam status quo, de influência externa
convertidos em "valores" técnico- reconhecida e também criticada (sobretudo
reflexivos, temos não só a perspectiva da em relação à "nouvelle vague" e ao jazz), da
democratização cultural como também o necessidade de uma afirmação própria,
caminho aberto para a integração da cultura. importa-nos como significado de impacto e
Centrando-se em nossa realidade nos conduz a reformular posições
brasileira, ao lado dos raros indícios no antagônicas – cultura popular e cultura
erudita – e a superar um conceito de
educação pura e pobremente formal.

REFERÊNCIAS:

1) As expressões aspeadas da primeira 5) Maritain, Jacques – “Rumos da


página foram colhidas de uma "pesquisa Educação”.
informal" realizada em Florianópolis. 6) Da programação para o primeiro
2) UNESCO - "Educação Fundamental e semestre de 1963: Cursos Livres de
Educação de Adultos". Extensão – “Iniciação às Ciências
Naturais”, “Realidade Brasileira”,
J) Utilizamos, na descrição fenomenológica “Tendências do Pensamento Atual”,
das três situações, o pensamento de Karl “Língua Portuguesa”; Curso Para
Jaspers, como ponto de partida, Universitários – “Realidade Brasileira",
especialmente no "Ambiente Espiritual de "Literatura Brasileira", "Economia
Nosso Tempo". Brasileira”, “Educação Brasileira”,
4) No sentido que Karl Mannheim atribui no “Metodologia do Estudo”,
"Diagnóstico de Nosso Tempo". 7) Scheler, Max – “EI Saber y La Cultura”.
8) Hauser, Arnold - "lntroducción a la
História del Arte".

RESUMÈ

APPUYÉ sur une analyse de Jaspers, l'autur travail du MCP de Récife et de la Campagne
commence par distinguer trois situations “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”
existentielles dans le Nord-est. La premiere - la lecture pour ceux qui vont nu-pieds - de
situation c'est une situation d'émergence, où la Natal. C’est à l’intérieur de cette prémiere
plus grande lutte et même la seule lutte est situation que la culture a un caractère de
selle de la conservation de la vie. La subsistance. C’est la transmission de la
deuxième est celle de péxistence en tant que culture comme interprète des exigences
“conscience générale”, c’est à dire, ouverte à vitales et primaires – nourriture, habitation,
la connaissance de la réalité. La troisième agglomération.
c’est celle de notre capacité créatrice. Pour ce qui regarde le développement
Comment arriver à un procès éducatif capable d’une “consiènce générale” de la
de répondre à ces trois situations voilà, au comunnauté, done la deuxjème situation,
fond, la demande de l'auteur. l'auteur montre le travail du SEC de
Pour la prémiere situation l’auteur se réfere au l'Université de Recife avec ses cours
d’extension au niveau sécondaire et
universitaire.
JOMARD MUNIZ DE BIUTTO

Pour la transmission de la culture, il ne s’agit à la distinction d'Arnold Hauser entre art


plus d’une question de subsistance mais d’une strictement parlé, entre art du peuple et art
clarification rationnelle des problèmes. La populaire et ensuite présent la divergence qui
culture, done, se présente comme un objet pèse sur les conclusions de Hauser quant à la
d’analyse. dernière (celle devant nous trouvons un
Finalement, pour ce qui regarde la troisième “publique improductif artistiquement parlant
situation, l’auteur se réfère tout d’abordà et passif quant à l’essentiel”). Pour l'auteur le
l’exemple du “Graphique Amateur”, où les probleme ne peut pas être bâclé dans ces
arts de gravure, de composition graphique el termes, faute d’autres motifs parce que l’art
de peinture se confondaient, puis au systeme populaire lui semble un chapitre de ce qu’om
PF. appele “culture de masse” ou “culture
industrielle” à être transmise d’une façon
En somme: les trois situations existentielles positive et pas simplement pour des motifs de
reviennent à trois formes di verses de “massification”. Pour cela, il propose
transmission de la culture: a) comme une l’ouverture des canaux atteignaut les trois
réponse au besoin de subsistance, b) comme situations démontrées auparavant. Pour qu’un
une réponse au bésoin d’une formulation puhlic actif, engagé et lucide soit formé, d’où
rationnelle, c) comme une réponse créatrice. la conclusion: à partir du moment où les les
Comment arriver à une unification de la “facteurs” matériel.tecniques cederont la place
culture dans une région qui présente ces trois aux “valeurs” techno-reflexifs sera frayé le
situations si diversifiées? L’auteur s’en chemin pour une intégration de la culture.
rapporte initialement

ABSTRACT

BASlNG HIS ANALYSIS on Karl Jaspers, the much more than the previous one, in which it
author distinguishes three different dimensions definitely contributes to the rational
of life in the Northeast of Brazil. The first has clarification of the proposed problems.
got to do with a situation of emergency, in Culture, so to say, turns upon itself and
which the greatest struggle is the onne for becomes an object of analysis.
survival. The next is best defined as existence Finally, as regards the third dimension, the
itself, understood here as “consciousness in author points, on the one hand, to the editions
general”, that is, man's life open to an of the "Gráfico Amador", where the graphical
understanding of reality. The third dimension arts of printing, engraving and painting are
corresponds to man's creative activity. The actually intermingled, and, on the other hand,
question is then posed, as to how an educa- to Prof. Paulo Freire's system of adult
tional proceedure could possibly meet these education.
three challenges. And this is the question the
author has in mind. But then another question arises: how could
As a way of responding to the challenge one possibly accomplish the unification of
culture in an area in which those three
implicitly contained in the first of those dimensions of life present themselves in such
dimensions, the author points to the MCP great and opposing contrasts? The author
(Movement of Popular Culture) of Recife, and refers to Arnold Hauser's distinction between
to the literacy teaching campaign "Barefooted art proper, art of the people and popular art,
You Can Also Learn How to Read" of Natal. making it a special point to present his
Within the framework of this particular disagreement as to the way Hauser views the
dimension the transmission of culture latter (that art before which we find "an artisti-
represents basically a means of subsistence. It cally unproductive and essentially passive
amounts to transmiting culture at the level of public"). The author holds that the problem
the basic needs of life - eating habits, shelter cannot stop at that, because popular art seems
and sociability. to be one more chapter of what is now being
As a means to develop the “general called "mass culture" or "industrial culture",
consciousness” of the community, in other whose channels of communication must be
words, to meet the second existential situation, used in a constructive way and not simply put
the author suggests the work that is being to serve the aims of an everincreasing
carried on at the Cultural Extension Division massification. To the author the answer lies in
of the University of Recife, through its many the opening of those channels in order to serve
extension courses at the High School and the three situations previously analysed. The
College levels. As far as the transmission of aim will be the formation of an aclive,
culture gives this experience represents participating and critical public.
AURENICE CARDOSO

Conscientização e Alfabetização
Uma Visão Prática do Sistema Paulo Freire

AO TERMOS ANALFABETOS ADULTOS


perguntas: tem sido operante o sistema
sob a nossa responsabilidade educacional,
educacional brasileiro? Tem-nos levado a
devemos pensar que tipo de trabalho equacionar nossos problemas? Até que ponto
poderemos desenvolver. Tratando-se de integra o brasileiro na sua realidade?
adultos, isto é, seres mentalmente
Respostas a estas perguntas levam-nos
desenvolvidos, que possuem um certo
a fazer considerações maiores e restrições à
amadurecimento e ainda uma experiência de
organicidade do sistema educacional
vida, haveremos de nos ocupar sobretudo com
brasileiro. É que ele se carrega de
uma educação de grupos.
organicidade apenas intrinsecamente,
Mas, para que realizemos um trabalho enquanto método, processos e técnicas, e isso
organizado, poupando energias, teremos de não basta, porque, enquanto se desvincula, se
submetê-la a uma ordenação, de planejá-lo divorcia da realidade, a ela se superpõe. Perde
previamente, para que atinjamos nossos portanto, o seu caráter de funcionalidade, uma
objetivos com a máxima economia de tempo vez que não corresponde a um espaço-tempo;
e de esforços. isolando-se do contexto, esvazia-se e se torna
Disciplinaremos nosso espírito através inoperante.
de um método. O método implica numa série Entendemos conseqüentemente, que
de processos, que se apresentam para um sistema ser classificado orgânico,
externamente através de uma técnica. deva além da organicidade interna, travar
Quando método, processos e técnica relações com a contextura histórico-cultural.
sintetizam-se num conjunto de princípios e (*)
conseqüências, unitária e organicamente
temos um sistema. Sendo: mais amplo que ó Esta relação dialética permite que o .
sistema, na medida em que se enriquece com
método deve o sistema se caracterizar pelo
as modificações processadas no próprio
seu caráter funcional. Esta última dimensão
contexto, se renove.
nos possibilitará uma análise do sistema
Investigações dessa natureza levaram o
educacional brasileiro, tido como orgânico.
Profº Paulo Freire a elaborar não só um
Antes porém, levantaríamos algumas
método ativo, mas um sistema de
AURENICE CARDOSO

educação de adultos, que leva os analfabetos não conhece divertimento"; "Nós vive na
não só a se alfabetizar, mas a ganharem a maior das pobreza"; "Desejo ser aboletado
consciência de sua responsabilidade social e num canto, pra não viver mais aos
política. O sistema proporciona ao homem imboléos"; "Gente pobre é mesmo do cabo
muito mais que o simples alfabetizar, pois da enxada" (Petrolina, Estado de
através da discussão de problemas locais, Pernambuco); "Pobre não tem feriado";
regionais e nacionais torna-o mais crítico e o "Quero ser gente porque gente tem uma
leva posteriormente a se conscientizar e a se classe melhor" (Ilha do Leite e Aflitos,
politizar. Recife, Pernambuco); "A terra só tem vida,
Encontramos homens que não sabiam porque o camponês trabalha"; "A união faz
quem era o presidente ou o governador, a força: se o desenhista desenha o prédio, é
completamente defasados da época atual; o operário que conhece o tijolo que constrói
interessante é observar que ao se iniciarem – é as duas forças unidas que faz o
no diálogo assumem novas atitudes e criam progresso" (Brasília, D. F.); "O povo diz
novos hábitos. que moça não tem pensá"; "Estou azeitando
O contacto inicial e direto que o eixo do sol"; "O divertimento daqui é o
estabelecemos com a comunidade é durante grilo cantando e a gente dormindo 6 horas"
a pesquisa do universo vocabular etapa (Cajueiro Seco, Jaboatão, Estado de
realizada no campo e que é a primeira do Pernambuco) .
Sistema Paulo Freire de educação de Procurando sondar um pouco o grau
adultos. de criticidade perguntamos a eles se
Não é uma pesquisa de alto rigor acreditam em mal-assombrado, caipora,
científico, não vamos testar nenhuma lobisomem; quando as respostas são
hipótese. Trata-se de uma pesquisa simples e positivas investigamos se já viram tais
que tem por objetivo imediato a obtenção personagens e onde.
dos vocábulos mais usados pela população a Alguns dizem que só têm medo de
se alfabetizar. bicho do chão. Outros que lobisomem é
Estabelecendo conversas informais contrabando. Mais ainda: "Tenho muito
com as pessoas da comunidade, referimo- medo"; "De tudo há, eu nunca vi, mas dizem
nos ao plano de alfabetização; descrevemos que há"; "Tenho impressão que faz medo"
o que é um "círculo de cultura", falamos na (Ilha do Leite e Aflitos, Recife,
projeção e nas técnicas usadas, referimo-nos Pernambuco); "Mal-assombro é pantaforma,
à rapidez com que um grupo se alfabetiza. porque alma não existe''' (Angicos, Rio
Investigamos de maneira hábil o que Grande do Norte) ; "'Falam que existe, mas
eles pensam, como vivem e o que desejam é impressão da gente"; "Nós temos que ter
ser. Respostas diversas são obtidas, como medo dos vivos" (Osasco, São Paulo).
por exemplo: Obtemos dados sobre idade,
"Vivo como andorinha, sem ter profissão, assim como opiniões sobre o
morada"; "Tirando do trabalho, gosto de plano de alfabetização; as respostas se
largar vez assim pra missa"; "Eu apaixono diversificam: "Não tenho mais idade, sou
um filme na rua"; "Aqui, a gente da caatinga
Conscientização e Alfabetização

cruca" (idem Ilha do Leite, Aflitos; regiões, carregado de interesses que não
"Papagaio velho não aprende mais a os daquela população, distante dos
falar"; "Água mole em pedra dura tanto problemas, da vida e da condição dos
bate até que fura"; "Queremos tirar o adultos possa ser eficaz.
povo do cativeiro do analfabetismo"; É convicção nossa que dialogando
"Estão até dando risada de mim"; com os analfabetos seus problemas,
"Minha mãe falava assim, o Nhambú que possam eles se tornarem mais críticos.
nasce sem rabo não cresce mais" ; Por isso é o diálogo a técnica
"Quem não sabe lê carrega a força para fundamental do Sistema Paulo Freire, o
si mesmo"; "Quem não sabe lê arranja qual coloca os analfabetos como
trabalho duro"; "Tenho fé em Deus de participantes.
aprender embora tenha dificuldade"; Só o diálogo leva o homem a
"Quero aprender a ler pra seguir nas leis reflexivamente se tornar responsável. E
se puder ser"; "O analfabeto é um esta responsabilidade só se incorpora ao
homem perdido" (idem Cajueiro Seco, homem de maneira vivencial – daí a
Jaboatão, Pernambuco). importância da educação como
Além de sentenças e expressões experiência de vida, que valoriza as
colhemos as palavras mais usadas, relações aprendizagem-amadurecimento.
sobretudo as mais carregadas de Se, numa análise psicológica,
emoções. Algumas são regionais, outras consideramos o amadurecimento
locais, como: capiloçadas, soturno, condição primordial para a
belota, cintilante, birita, camburão, puçá, aprendizagem, é inegável por outro lado
mangaeiro, braúna, serilho, etc. que, a experiência que se traduz numa
Esse primeiro contacto é de aprendizagem, enriquece o ser humano,
importância relevante, porque no grupo despertando-o para a vida, contribuindo
vamos colher o material, que será apenas para acelerar o seu amadurecimento.
organizado, para posteriormente ser-lhe Na própria pesquisa do universo
devolvido como um dos veículos de sua vocabular, sentimos o valor de toda uma
educação, através de debates. experiência dos analfabetos, quando
As sentenças, além de constituírem ouvimos sentenças como: "eu tenho a
objeto nosso de estudo numa perspectiva escola do mundo"; "povo tem resposta";
perspectiva psicológica, filosófica, "quem é mais velho aprende mais,
sociológica ou estética, são reenviadas porque pensa e sabe tudo e presta mais
aos grupos, através de pequenos jornais atenção".
que entre eles circularão. Afirmações dessa natureza
Destaca-se ainda a pesquisa como chamamos a atenção para o teor de
uma fonte de subsídios que facilitará a motivação que devem possuir as fichas e
interação e a compreensão entre os as "palavras geradoras". "Palavras
diversos elementos do grupo nas futuras geradoras" são as palavras chave que,
atividades do "círculo de cultura". decompostas em seus fonemas,
Enfatizamos esses dados obtidos, propiciam o surgimento de novas pela
porque não acreditamos que um material combinação daqueles. Assim, por
vindo de fora, importado de outras exemplo, a palavra "favela" poderia
gerar: favo, fivela, luva, leva, vovó, fala,
lavava, fila, etc.
AURENICE CARDOSO

Apoiados no universo vocabular


seca, casa, cego, guia, engenho, enxada,
obtido, selecionamos vocábulos com
máquina, trabalho, chuva, pobreza, classe,
dificuldades fonêmicas a serem dominadas
eleição.
pelos analfabetos, de maneira que, uma vez
Lançamos as palavras geradoras
venci das, possam ler qualquer texto que se
escolhidas em situações existenciais do
lhes entregue.
grupo. Cada palavra a visualizar se associa,
Para isso, teremos de rever as ora ao objeto que representa (enxada), ora à
dificuldades da linguagem portuguesa; além situação toda representada na ficha, como
das consoantes, deveremos colocar situações mangue.
de c (forte), c brando), ç, rr, ss, ch, lh, nh, g Inauguramos as atividades do "círculo
(forte) (brando), que, gue, cl, cr, etc. de cultura" discutindo com os analfabetos o
Para Cajueiro Seco (Recife), conceito antropológico de cultura. O
comunidade próxima aos Montes coordenador nada vai expor, ao invés,
Guararapes, escolhemos as palavras dialoga com os participantes, arrancando
geradoras seguintes : tijolo, voto, siri, palha, deles socraticamente algumas noções,
biscate, cinza, doença, chafariz, máquina, levando-os a, de maneira reflexiva, tirarem
emprego, engenho, mangue, terra, enxada, suas conclusões.
classe. A primeira ficha, que representa o
Para Tiriri, colônia agrícola da homem diante do mundo, leva os analfabetos
SUDENE, na cidade do Cabo (Pernambuco) após a pergunta do coordenador "que vemos
escolhemos: tijolo, voto, roçado, abacaxi, na ficha" a fazerem uma descrição oral. É
cacimba, passa, feira, milho, maniva, planta, conveniente salientar que o tratamento nós,
lombriga, engenho, guia, barracão, charque, integra o coordenador no grupo,
cozinha, sal. aproximando-o dos participantes.
Com o material colhido em algumas Quando investigados a respeito da
pesquisas feitas em localidades diversas de atitude do homem, entendem que ele se
Pernambuco, e apoiados no vocabulário do relaciona com o mundo e o faz, explicam,
"trânsito" brasileiro (*), conseguimos uma porque tem ciência, pensamento, razão,
redução maior de palavras geradoras que juízo. O coordenador leva em seguida o
nos possibilitaram uma unificação de grupo a observar que há coisas na ficha que
situações para todo o Estado, sem o homem não fez: a árvore, o monte, o
comprometimento das zonas fisiográficas. pássaro, o porco e o homem; pertencem ao
As palavras geradoras em número de mundo da natureza e são os entes da
dezesseis do vocabulário mínimo obtido, natureza. Observam também que há coisas
permitirão o surgimento de palavras do que o homem fez, criou, como a casa, a
vocabulário ordinário das comunidades cacimba e o chapéu do homem, objetos esses
pesquisadas. Dessa maneira, a seleção foi que aparecem na ficha projetada. O mundo
viável e científica. das coisas que o homem criou é o da cultura.
O vocabulário mínimo com o qual De debate em debate, descobrem os
alfabetizaremos Pernambuco consta das participantes que a cultura surgiu
palavras: tijolo, povo, farinha, terra, inicialmente como uma atitude-resposta do
Conscientização e Alfabetização

homem para satisfação de suas necessidades espingarda. Comentam o papel da tecnologia


vitais de sobrevivência. Desse modo, o e o que representa para o desenvolvimento.
homem ao sentir sede, cavou o chão e O coordenador de debates discute
buscou a água. Ao ver-se desabrigado, usou ainda com o grupo a fase iletrada do 1º
a inteligência e fez a casa e o chapéu e, com caçador, uma vez que correspondia a uma
isso, fez cultura. época em que a herança cultural se
As três fichas que se seguem, processava via oral e a fase de sociedade
representam três caçadores: um índio, um letrada do segundo, quando a herança se faz
caçador da fase atual e um gato caçando um preponderantemente através da leitura e da
rato. escrita.
Diante delas, os participantes Para que comparem o mundo humano
identificam os objetos de cultura e os entes com o animal, projetamos um diapositivo
da natureza. Alguns se referem às penas da que representa um gato. O objetivo é
tanga do índio, antes da natureza e depois da mostrar a diferença ontológica entre os dois
cultura, uma vez que o índio matou o caçadores, distinguindo o homem por isso
pássaro, arrancou-lhe as penas, colocou-as mesmo órbitas existenciais diferentes,
num cinto, pintou-as e se vestiu com elas. enquanto o gato não.
Através de uma análise maior, o Os analfabetos afirmam que o gato
coordenador fará que percebam que, quando não tem razão e come o rato por instinto.
o homem descobriu que poderia prolongar o Num "círculo de cultura" um homem
braço dez, vinte ou trinta metros e numa disse: "o gato pega o rato e só faz comer; o
posição estratégica conseguiu a sua presa, homem cuida do porco, engorda o porco,
inventou um instrumento, o arco e a flecha e quer bem ao porco; quando mata o porco,
nesse momento fez cultura. Por outro lado, come a sua carne, mas é capaz de fazer de
ao passar para os outros homem a técnica seu couro um objeto de cultura".
incipiente de fazer o instrumento, bem como As fichas que se seguem apresentam o
o seu uso fez educação. homem trabalhando o barro e o homem
Surge então a educação da própria lendo. O assunto central é o trabalho e o uso
cultura, nela se embebendo e relacionando- que o homem faz da matéria que a natureza
se dialeticamente com ela. lhe fornece e da qual ele faz objetos de
Comparando os dois caçadores cultura, dando uma forma à matéria.
homens, distinguem a diferença faseológica Ao nomearem objetos diferentes que
entre eles, denominando o segundo de mais do barro poderão surgir, projetamos esses
civilizado. Comentam as vestimentas de objetos, assim como quadrinhas ou trovas
ambos e os instrumentos de caça. Afirmam populares. A partir daí, interpretam o jarro
que, enquanto o índio faz um esforço de barro, a poesia, a música como cultura e
enorme para impulsionar a flecha, o outro que surge agora, como um acrescentamento
caçador, feita a pontaria, gasta o mínimo de que o homem faz ao mundo da natureza.
energia apertando apenas o gatilho da Muitos descobrem-se criadores, quando
AURENICE CARDOSO

percebem que o ímpeto criador é comum a progresso consciente do comportamento de


todos os homens. adaptação.
Para concluir, discutimos padrões de Embora a psicologia tenha
comportamento projetando o gaúcho e o terminologia e conceitos específicos,
vaqueiro nordestino. Observa o grupo os discordamos da denominação
usos, costumes e hábitos dos dois e a "ajustamento".
diversidade regional dentro da unidade O pensamento dos autores citados
nacional. Passaram os comentários a revela o dinamismo e a abertura da pessoa
gravitar em torno da resistência às humana, bem como a capacidade que tem
mudanças. Considerações são feitas ao ela de se modificar.
acúmulo da experiência humana e à N o entanto, é convicção nossa de
urgência da erradicação do analfabetismo que o homem apenas não se ajusta a seu
no mundo atual. meio, mas faz mais que isso, integra-se a
Com a ficha final que sintetiza tudo ele, inteira-se mesmo.
o que foi debatido aborda-se o problema da Com poucos dias de funcionamento
democratização da cultura. O diálogo sobre do "círculo de cultura" os analfabetos
esse assunto abre perspectivas novas para sentem-se espontâneos e num deles, alguns
os participantes que se sentem altamente participantes tentaram coordenar os
motivados para a alfabetização. debates, conseguindo fazê-lo.
A alfabetização no Sistema Paulo A alfabetização se processa por um
Freire é uma conseqüência da método analítico-sintético, o da palavra-
conscientização. Uma vez introduzido no ação, que nos parece vem sendo bastante
"círculo de cultura" e iniciado nas eficaz na alfabetização de adultos. Os
atividades pela discussão do que é cultura e métodos analítico-sintéticos alicerçam-se
mais adiante dialogando a respeito de em princípios científicos, sobretudo nos de
problemas vitais e sociais, sente-se o ordem psicológica, garantindo uma
analfabeto além de profundamente aprendizagem mais rápida. Neles, são
motivado, desinibido, inclusive pela empregados processos que partem do todo,
dimensão nova que adquire de ser capaz de decompondo-o em partes, para
criar. Torna-se auto-confiante e comporta- posteriormente recompô-las no todo.
se já, diferentemente. Os princípios científicos a que os
Thorpe e Schumuller ao estudarem a métodos analítico-sistéticos obedecem são
aprendizagem dizem que, se o homem não de ordem psicológica e metodológica. A
inventasse meios sempre melhores e mais primeira se faz representar pelo sincretismo,
numerosos de ajustamento a seu meio, o que é a capacidade psicológica que possui
espaço, posteriormente seria esquecido. mos de reter o conjunto, o todo antes dos
Por outro lado, Wheeler afirma que se o detalhes. A segunda é a globalização do
homem não fosse capaz de se ajustar a seu ensino.
ambiente atual, não poderia satisfazer sua Consideramos ainda fatores da
necessidade de ajustamento a condições aprendizagem como: o interesse que a
modificadas. E conclui parecer haver palavra desperta no grupo, a partir de algo
conhecido para o desconhecido, do mais
fácil para o mais difícil. Como a palavra
Conscientização e Alfabetização

representa algo de concreto tem uma diversos: o trabalho no aspecto


significação para os participantes, sendo econômico, social, a política do trabalho,
de maior interesse e valor que uma letra .. leis trabalhistas, valor do trabalho, espírito
Por isso mesmo, na alfabetização há de solidariedade, relações do trabalho com
uma tríplice associação em que surge a cultura, etc.
inicialmente a idéia, a qual se associará ao Concluído o debate, faz-se a
objeto e à forma gráfica do vocábulo. associação do vocábulo quando se atentar
Resumindo, podemos dizer que os para o que está escrito na ficha e a que
processos atuais de leitura são de natureza muitos analfabetos chamam de letrume.
áudio-visual. As ajudas visuais propiciam Inicia-se aí, a visualização do vocábulo,
maior fixação. que continua numa segunda em que
Uma vez desafiados com a ficha aparece a palavra isolada.
projetada, os analfabetos descrevem o que É conveniente salientar que a
vêem e geralmente empregam palavras visualização não é a simples memorização,
soltas ao se iniciarem. Cabe ao como fazia a escola tradicional na fixação
coordenador levá-los a fundamentar suas do a, b, c. Não é uma forma mecânica, ao
opiniões em bases mais críticas, quando invés é uma forma estrutural e orgânica,
lançam os "porque", para que", onde", uma gestalt. Na compreensão da gestalt da
"como". aprendizagem, os gestaltistas acentuam "a
A ficha engloba aspectos diversos da percepção de relações, a consciência das
realidade; partimos para a conversação da relações entre as partes e o todo, dos meios
realidade local, associando-a á regional e com as conseqüências" (*).
nacional, debatendo aspectos econômicos, Após a visualização, introduz-se o
sociais, políticos, sanitários, etc., a que as grupo na decomposição, como por
fichas ofereçam oportunidade. Esse debate exemplo: ti-jo-lo.
deve dinamizar todo o grupo, levando Da primeira sílaba ti leva-se o grupo
todos a se expressarem mais a conhecer toda a família fonêmica
racionalmente. Para isso, o coordenador resultante da combinação da consoante
reformula as respostas dadas em uma nova inicial com as demais vogais;
pergunta e a devolve ao grupo. Numa ficha seguidamente, leva-se o grupo a conhecer
que represente uma secção eleitoral, surge a segunda família fonêmica e
possivelmente a discussão sobre governo, posteriormente a terceira.
democracia, participação do povo, Ao se depararem com a família
responsabilidade do eleitor, condições para fonêmica, eles reconhecem apenas a sílaba
ser eleitor, título, voto do analfabeto, voto da palavra visualizada. E de importância
de cabresto, poder do voto, etc. não é só conhecer, mas reconhecer, uma
A ficha de tijolo, cuja situação vez que só há verdadeira aprendizagem
sociológica pode corresponder a de uma havendo reconhecimento: (ta, te, ti, to, tu),
construção em que se destaquem pedreiros (ja, je, ji, jo, ju) e (Ia, le, li, lo, lu):
trabalhando, dá oportunidade a assuntos Reconhecido o ti de tijolo, o grupo o
compara com as outras sílabas notando
formação de palavras outras que
que começam iguais e se diversificam no fim
encontram. Da palavra tijolo pode riam
e por isso cada um tem um nome.
formar: loja, jato, lote, talo, tato, lata,
Conhecendo-se cada família fonêmica
separadamente, fazem-se diversas leituras luta, tule, etc .
para que se fixem as sílabas novas. Chega-se Na medida em que visualizam uma
então ao momento das famílias já conhecidas palavra geradora nova, dominam
aparecerem juntas: dificuldades fonêmicas diversas, até que
ta te ti to tu após vencerem todas, ficam totalmente
ja je ji jo ju alfabetizados.
la le li lo lu Há dias dedicados à fixação do que
foi apreendi, em que se exercitam em
Feita a leitura em horizontal, faz-se em leituras individuais e coletivas,
vertical, a fim de que os participantes notem autoditados e jogos de fundamental
que as sílabas agora se iniciam diferentes e importância.
terminam iguais. Preparam-se para a Noções de maiúsculas, ponto final,
decomposição da sílaba em letras. acentuação são introduzidas na medida
Interessante é que diante dessa ficha, em que surgem as oportunidades. É
geralmente os participantes descobrem a conveniente observar que desde o início
palavra visualizada ou outra, lata por recebem palavras e sentenças por eles
exemplo. É realmente importante, porque formadas, batidas à máquina ou
nesse momento eles apreendem o mecanismo mimeografadas, para que se identifiquem
da língua portuguesa, que é o juntar sílabas. com a letra de imprensa.
Daí, denominarmos essa ficha de "ficha da Jornais são circulados, lidos e
descoberta". É que não se fez doação, nada se debatidos; pequenas composições,
deu pronto ao analfabeto, mas ele descobriu. poemas e bilhetes são escritos. Provas
Também ele aí se prepara para, ele são realizadas para avaliação do trabalho.
próprio, montar o primeiro subsistem a do Temos conseguido isso, numa média de
segundo sistema de sinalização pavloviano, a 40 horas de atividade que correspondem
que o Profº Jarbas Maciel se refere no seu ao período de aproximadamente um mês
trabalho sobre a fundamentação teórica do e meio ou dois meses.
Sistema Paulo Freire. Com base nesse Uma vez adquirido um
subsistema, o próprio homem, posteriormente,
instrumental tão valioso, começam a usá-
juntará as sílabas, escrevendo, e formará a
lo. Como educação é atividade
palavra por inteiro.
permanente continuamos o trabalho numa
A dimensão nova que lhe dá o conceito
segunda etapa do sistema que se encontra
de cultura se faz constatar agora, quando se
descobre lendo e escrevendo. em elaboração.
Finalmente, conhece as vogais e Estamos trabalhando
introduz-se na escrita. Interessam-se muito na intensivamente na montagem dessa outra
etapa bem mais ampla que a primeira e
Conscientização e Alfabetização

esperamos que os resultados sejam os resultados com fidelidade.


positivos. Uma vez testada, publicaremos

BIBLIOGRAFIA

PAULO FREIRE, "Educação e THORPE


"Les
LOUIS e SCHMULLER ALLEN,
Theories Contemporaines de
Realidade Brasileira" (tese), 1959. l'Apprenlissage".

RESUMÈ

DANS CE TRAVAIL l'auteur s'applique à à 1'objet qu'il représente soit à la situation


présenter le fonctionement pratique du systeme même représentée par toute la fiche.
PF, dont Ia théorie a été exposé dans les Suivent alors les activités des cercles de
articles précédents.
Le premier contact avec la communauté culture.
dans laqueIle doit étre employée la méthode On discute à partir de l'''insight'' de la
d'alphabétisation est fait par Ie moyen d'une situation éxistencielle de la communauté, le
recherche sur 1'univers des mots. II s'agit d'un concept anthropologique de culture, alors que
travail assez simple, fait au cours de simples la lere fiche représente l'homme devant
conversations. Ce premier moment est l'Univers. On y met Ies objets de la nature et
fondamental puis-qu'il fournit le degré de de la culture pour amener, débat apres débat,
conscientialisation existant dans la comunauté les participants à découvrir que la culture se
les phrases récoltées exercent un rôle expressif. présente comme une réponse de l'homme aux
nécéssités vitales de survivence.
En même temps de là viennent les paroles qui, Les trois fiches suivantes insistent sur la
étant celles qui indiquent les situations distinction entre monde de la nature et monde
existentielles fondamentales de la vie de la culture, pour montrer où, à 1'intérieur de
communautaire, seront choisics com me les l'univers culture, s'insere l'éducation. Les
mots-générateurs (rui doivent fonctionner fichês présentent alors une importance décisive
audio-visueIlement dans le processus avec les deux étapes de la vie humaine
d'alphabétisation. (àtravers un indien qui chasse et un chasseur
Comme l'observe l'auteur, ici commence à actuel). Par le moyen das ces fiches ils
se définir la philosophie du systerne employé: distinguent la différence de phase existante"
travailler avec le propre matériel fourni para la "entre eux et ils arrivent à discuter le rôle de la
communau té à rendre consciente. C'est le tecnologie en soi et dans le Développement.
moment indiqué pour que le coordonnateur des Les fiches suivantes donnent la motivation
débats intervienne et que s'établísse le dialogue. d'une discussion sur le probleme de l'instinct et
La clef du système à employer se concentre de la raison, sur la fonction du travail et de
donc dans le travail sur les mots-générateurs, l'homme créatcur. Apres ça on discute les
qui sont les mots-clefs dont la décomposition divers patrons qui forment les differentes
en phonêmes donne le surgissement de communautés nationales (par ex. du gaúcho
nouvelles combinaisons. Dans l'univers des para rapport au "vaqueiro" du Nord-est).
vocables obtenu on choisi les vocables dont les La derniere fiche synthétise toule la
dificultés phonémiques devront être dominées discussion antérieure et pose le problême de la
par l'analphabete. dérnocratisation de la culture.
Apres la mise sur fiche (slides), le mot-
générateur, par la représentation visuelle,
s'associe soit

ABSTRACT
IT IS THE AUTHOR'S job to impart a new a number of specific questions are written
approach to Prof. Paulo Freire's system of down. These sentences are then studied from
adult education, namely the practical one. Its u great many points of view. It is from these
theoretical foundations had been laid in the sentences, furthermore, that a few words are
preceding articles. picked up as the best ones for literacy
The initial first-hand contact with the teaching, both from the point of view of their
community in which the system will be gradually increasing phonemic difficulty and
applied takes place when the illiterates' word- from the standpoint of their meaning to the
universe is surveyed. This is a rather simple adults' existential conditions.
procedure, in which the only technique used is As the author herself points out, even from
a free and informal dialogue with the adults. the outset the philosophy upon which the
Though simple its importance can never be system is based is c1early shown: one should
over-emphasized, for it is from this survey always work with the material supplied by the
that the degree of conscience of their status very same community to be taught literacy. A
and of their social and cultural problems is discussion leader the places the traditional
actually ascertained. The answers they give to teacher and this
AURENICE CARDOSO

material is given back to the adults through reality, so that the adults are gradually led to
a rather informal debate. distinguish between a world that man dit not
The key to the system are the so-called make (the world of nature) and a world that
generating words, sixteen altogether, from man did make (the world of culture). They
which the adults themselves will discover al soon discover DY themselves that it is
others through the proper operation of the through his work that man creats the world
syllabic mechanism of the Portuguese of culture. Education itself is a being of
language. Every one of these key-words are culture. Nine slides are specially designed to
associated with a corresponding sociological make the adults conscious of all this and also
situation and projected in a slide for the of the fact that man's world admits of a
group. sequence of phases of socio-cultural
development which ends up in our own stage
The class is replaced by a "culture of civilization.
center" and the projection of each slide is The role of work is greatly emphasized,
followed by a dynamical discussion of the and man is viewed as a fundamentally
group’s life conditions. The anthropological creative being. His natural habitat cannot be
concept of culture is thus introduced even but freedom, an his destiny shall only be
before the adults are able to read and write. fulfilled to the extent that he inserts himself
To that effect the first situation projected in in a position of subject of his own
slide is a representation of man facing responsible actions.

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