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um prelúdio
Entrevistas com críticos e curadores de arte selecionados
por Paulo Sergio Duarte
Rio de Janeiro, maio a julho de 2008
Silvia Roesler,
Rio de Janeiro, 7 de outubro de 2008
arte brasileira contemporânea
um prelúdio
sumário
créditos
Projeto e proponente
Instituto Cultural PLAJAP/ Jacqueline Plass
Projeto, coordenação e edição
Silvia Roesler Edições de Arte
Projeto gráfico
eg.design
Edição de textos
Paulo Sergio Duarte e Fernanda Lopes
Revisão e padronização
Alexandra Bertola
Versão para o inglês
Steve Yolen e Peter Warner
Transcrição das fitas gravadas
Vania Chalfum Gomes de Almeida e
Margaret Bugarin Mansur
Transcrição para a entrevista de Ronaldo Brito
Danielle Prado e Reynaldo Picozzi
Produção do CDRom
CDA Produção Gráfica e Digital
Sônia Salzstein
Entrevista realizada por Paulo Sergio Duarte
PAULO SERGIO DUARTE_ Sônia, a primeira a questão é: como você está vendo a arte contemporânea
hoje, sobretudo comparando com essa perspectiva histórica entre as décadas de 1950 e 1960. Como você
está vendo a arte contemporânea e a situação atual? E, sobretudo, quando você olha de um ponto de
vista histórico, que transformações você viu acontecerem nesse panorama de uma arte contemporânea
que poderíamos datar como tendo 50 anos de idade, se pegarmos a referência da pop?
SÔNIA SALZSTEIN_ Paulo Sergio, sei que você está me solicitando para falar da produção atual, dos
anos 60 para cá. Entretanto, cada vez tendo a ficar mais exasperada quando me perguntam sobre como
está a arte contemporânea. Gostaria de poder falar sobre a arte. Essa me parece a pergunta mais contun-
dente. Cada vez mais, tendo a olhar o passado. Ou melhor, sendo, evidentemente, sempre muito atenta
ao presente, mas, ao mesmo tempo, julgando que você não olhará adequadamente o presente sem essa
capacidade de se aprofundar na experiência da arte tout court.
Aí há um dado biográfico. Tenho me dedicado profundamente à arte moderna. Não acho que eu es-
teja me desviando de meu caminho, da minha paixão primeira pela arte contemporânea. Pelo contrário.
Estou em um caminho de exploração que tem me aberto novas possibilidades de compreender a arte
contemporânea. No momento, para você ter uma idéia, estou profundamente envolvida em um ensaio
sobre Matisse, olhando muito Matisse. Um dos aspectos que me interessa na obra do Matisse – um as-
pecto que creio que seja preciso examiná-lo, refletir sobre ele, porque ele diz muito, por contraste, da
arte contemporânea – é uma imaginação do impossível. Penso especialmente nas cenas arcádicas, nas
cenas que são bacanais, mas são tratadas com muito decoro em paisagens bucólicas. O quanto essa arte
nos diz, essa arte que surge em uma capital européia avançada, uma capital européia onde você encontra
um tipo de vida, de pressão, de possibilidade de vida radical do ponto de vista de uma sociedade indus-
trial avançada. E vemos o Matisse como que obliterar o ambiente no qual historicamente ele está posto
e se voltar para essa idade da inocência da humanidade.
Evidentemente há uma questão importante, que me interessa especialmente, que é uma experiên-
cia de sexualidade pela qual seria possível você pensar nesse outro mundo, nesse mundo possível, pela
qual seria possível o desvio, pela qual seria possível a transgressão.
SS_ Exato. Estou falando de um homem que por acaso está posto em uma sociedade que viveu a indus-
trialização, em um primeiro momento, uma sociedade de capitalismo avançado, e em cuja obra, entre-
tanto, vemos uma cena arcaica. Vemos cenas arcaicas. E cenas de bacanais, cenas de uma sexualidade
feliz, desenvolta, desimpedida. São pinturas que celebram uma alegria. Não por acaso, uma das obras
célebres do artista chama-se A felicidade de viver.
Parece-me que essa imaginação – que tem na sexualidade um núcleo importante de descoberta de
novos mundos, mundos proibidos, mundos que devem ser conquistados –, essa experiência da sexuali-
dade não se apresenta mais como se apresentava a um artista moderno. Então, uma das questões que
me interessa na arte contemporânea é, sobretudo, pensar a quantas anda essa possibilidade de imaginar
mundos possíveis. Por isso olho o Matisse.
Fiz uma enorme digressão, apenas para dizer que adotei, evidentemente não foi programática essa
atitude, uma posição estratégica. Parece que vivemos um momento grave para a experiência da arte,
para aqueles que gostam de arte, que fazem arte. Um momento em que está cada vez mais difícil você
separar, saber de fato qual é o lugar onde é possível ainda se realizar essa experiência. Realizei um movi-
mento estratégico ao me voltar para a arte moderna.
Entretanto, vejo como profundamente importante aquilo que se fez dos anos 60 para cá. Ou seja,
contrariando um pouco os diagnósticos catastróficos, há uma experiência importante acumulada. His-
toricamente, é certo que a partir dos anos 60 vivemos mudanças cruciais na compreensão do que seja
a experiência da arte. Trata-se de uma crise não só histórica, mas uma crise epistemológica. O que não
significa que não possamos pensar que novas experiências, novas formas de se desfrutar, de se fazer arte,
se descortinem diante de nós.
Em todo caso, sou sempre cautelosa em face desses diagnósticos que proclamam a tábula rasa. Não
é mais possível pensar na arte como ainda um lugar onde se realizar uma experiência de liberdade, onde
se realiza o projeto, ao menos, de uma individualidade livre, o projeto de um sujeito autônomo.
As coisas continuam a ser feitas. Entretanto, historicamente há uma pressão cada vez maior que recalca
essas manifestações. Essas manifestações – a despeito da crise histórica e epistemológica vivida com
cada vez mais agudeza dos anos 60 do século XX para cá – não informam o fato de continuar a se fazer
arte. Entretanto, é cada vez mais difícil você identificar como um fenômeno cultural, você identificar o
aparecimento público dessas manifestações. Manifesto toda essa convicção pela experiência que nós,
brasileiros, temos. Especialmente em um momento – tomemos a década de 1980 – que nós sabemos que
internacionalmente é um momento rebaixado. É um momento de grande pujança do mercado e grande
poder de decisão, de influências no mercado de arte. Entretanto, sabemos que no princípio dos anos 80
brotam trabalhos que são da maior importância, que é o caso de José Resende, Tunga, Waltercio Caldas,
Iole de Freitas, Carmela Gross, Regina Silveira. Enfim, há toda uma produção para além dos nomes que
minha memória é capaz de trazer à tona aqui, e esses trabalhos desmentindo uma circunstância interna-
cional que é desfavorável, que o diagnóstico seria: cada vez mais a arte está sendo devorada pelo mundo
do entretenimento, pelos interesses do mercado. Entretanto, como se explicaria o aparecimento, no
Brasil, desses trabalhos tão importantes que hoje, 30 anos depois, conseguimos atestar a sua densidade?
Esses trabalhos construíram uma história.
SS_ Esse é o estado de coisas que vivemos, mas acho que o estado de coisas que vivemos recomenda
cautela. Citei, evidentemente, artistas que já têm uma produção constituída, artistas cuja produção, no
mínimo, no caso dos mais jovens como é o Gary Hill, talvez tenha começado a tomar corpo entre o final
dos anos 70 e começo dos 80. Mas poderia também lançar aqui a conjetura de que há trabalhos impor-
tantes sendo feitos por artistas jovens, os quais não conseguimos ainda articular, por causa da própria
situação cultural massacrante, que tem um efeito recalcador.
SS_ Eu daria um depoimento pessoal, porque isso acompanha a minha formação. Quer dizer, eu daria
um depoimento pessoal significa uma consideração absolutamente empírica, fundada na minha própria
experiência de vida. No momento que me tornei adulta, no princípio dos anos 80, em 1981 escrevi meu
primeiro texto, publiquei profissionalmente meu primeiro texto como crítica de arte.
É o momento que sabemos que mundialmente estão sendo construídos espaços culturais, museus e
que esses museus e espaços culturais não são pensados propriamente como caudatários de uma experi-
ência cultural. Eles são pensados como complexos de entretenimento, quer dizer, a função que a moder-
nidade assinalou ao museu é apenas uma parte, e esse é um fenômeno histórico novo naquele momento
da década de 1980. Assim surgiram diversos museus, entre eles o Beaubourg (em Paris), que, creio, terá
sido um dos primeiros ainda nos anos 70.
PSD_ Em 1976.
SS_ Esse diagnóstico não tem nenhuma originalidade. Pode ser encontrado na reflexão de muitas pes-
soas envolvidas não só com história da arte ou crítica de arte, mas também na área de estudos culturais,
mais amplamente em Ciências Sociais. A partir desse momento, sabemos que se constitui propriamente
PSD_ Você pode situar esse panorama que você descreveu anteriormente com relação ao Brasil. Essa
modernidade para a qual você se volta, que eu lembro o exemplo do Matisse. Teria alguma possibilidade
de existir uma trajetória da arte moderna no Brasil, uma referência que pudesse reportar, ou não existe?
Você precisa ir a um Matisse porque há evidente ausência de uma consistência maior nessa passagem da
arte brasileira? Como se coloca essa produção que você citou do início dos anos 80? Como você vê surgir
uma série de artistas brasileiros interessantes, provocantes e que, apesar, como você lembrou, de certa
afluência do mercado no sistema da arte no nível internacional, aqui no Brasil surge uma produção que
ainda tem um atrito com o sistema, que não vai docilmente ao encontro desse mercado afluente?
SS_ Se me permitir, vou me ater à segunda parte, que pensa mais na situação contemporânea de 1980
para cá. Digamos, Brasil.
Tenho uma visão muito dividida e contraditória. Ou seja, há dados que me levam a pensar, a for-
mular um juízo pessimista e, por outro lado, há dados bastante promissores. Talvez essa condição seja
a do próprio tempo, seja uma condição do presente. Digo isso a você porque na minha atividade com
estudantes, artistas jovens, com jovens que querem se dedicar à carreira teórica, sempre encontro tra-
balhos muito interessantes. Então, isso me leva a concluir: as coisas estão acontecendo. Esses trabalhos
encontram provavelmente obstáculos formidáveis para transpor as paredes do ateliê, para transpor uma
dimensão caseira, doméstica, mas há pessoas inquietas, há pessoas jovens com uma grande exigência
intelectual e com uma grande potência do ponto de vista da criação artística. Isso impede que eu me
entregue a esses diagnósticos escatológicos do fim dos tempos.
Por outro lado, como eu dizia, me parece que as pressões são cada vez mais intensas. Disse pres-
sões, mas talvez eu pudesse dizer a falta de pressão. Talvez seja mais verdadeiro dizer que há uma falta
de pressão, que há uma permissividade absoluta e de fato é uma situação que coloca em crise essa pro-
PSD_ Você quer dizer que além de legitimado ele seria também já teorizado, já nasce com uma teoria?
Carregando consigo uma teoria?
PSD_ Diga-me uma coisa. Você falou que está observando uma possibilidade de uma produção mais
jovem. Há até uma articulação com aquele passado recente quando estava em formação e constituição
esse território da arte contemporânea no Brasil. Você arriscaria dizer que a produção brasileira, junto
com outras produções de outros países, de outras sociedades – não quero dar uma qualidade de ex-
clusividade –, mas arriscaria formular alguma peculiaridade, alguma especificidade dessa produção que
denotaria sua qualidade?
SS_ Também hesito muito intelectualmente em responder. Sempre sou muito cautelosa diante do
quanto de legitimação da preguiça, da indolência, essa peculiaridade brasileira pode resultar, para nós,
da autocomplacência, da auto-indulgência. Em todo caso, sabemos que a experiência da formação mo-
derna brasileira é indissociável da reivindicação da nacionalidade, de uma questão nacional, de uma
questão de identidade, que não é falsa. Você encontra tanto na obra mais interessante da Tarsila – obra
em que de fato há um puxo de experimentação, que é a Tarsila da década de alguns poucos anos. Para
usar o termo do Roberto Schwarz, há uma aclimatação da experiência da modernidade européia, das
correntes mais avançadas da arte européia das primeiras décadas do século XX. Da mesma forma, en-
contrarei também uma peculiaridade, de uma maneira diversa daquela que encontro na obra da Tarsila,
na obra do Goeldi. A experiência do beco, do lugar escuro, da província, do ser, da existência que é
eternamente municipal, da solidão. Quer solidão mais profunda do que aquela de saber-se eternamente
enclausurado na província? Sabemos que há uma. Eu poderia descrever essa peculiaridade brasileira.
É um dado histórico. Há uma peculiaridade brasileira que talvez resulte dessa procura da peculiaridade
brasileira, ela engendra.
Mas me parece que a partir, precisamente, dos anos 80 do século XX, quando você presencia, teste-
munha o surgimento dessa geração que eu mencionava no início da nossa fala, em que há, sem dúvida
nenhuma, uma atualização cultural formidável no meio de arte brasileira. Creio que buscar uma especi-
ficidade brasileira para explicar essa produção é uma atitude ociosa, do ponto de vista da reflexão. Você
PSD_ Você despreza toda aquela produção dos anos 70: do Cildo Meireles, Tunga, do Waltercio, José
Resende?
PSD_ Eles surgem, na verdade, com exceção do Tunga, ainda nos anos 60.
SS_ Perdão. É algo que devo retificar aqui na nossa fala. Digo anos 80 porque me parece que é na década
de 1980 que a produção desses então jovens artistas adquire uma ressonância pública. Eu sei que, na
verdade, ela vem do final dos anos 60.
PSD_ Lembrando também que, por acaso, nesses anos 80, não apenas no Brasil, mas particularmente no
Brasil, surge também a contrapartida de características dessa produção. Vamos chamar de forma gené-
rica essa produção desses artistas de uma poética da reflexão, do Tunga, o Waltercio Caldas, Cildo Mei-
reles. Surge também a famosa Geração 80 com o seu elogio do pictórico para a alegria dos marchands,
porque afinal uma instalação é muito mais difícil de vender do que uma pintura para pendurar na parede.
Há de convir que o mercado fica alegre com essa questão dos anos 80, quando aparecem de novo pinto-
res na cena e não apenas uma arte mais complicada, do ponto de vista de sua inserção.
Quando você fala nos anos 80, me parece que eles comemoraram muito, do ponto de vista do
sistema da arte do mercado, particularmente do mercado, uma forma leviana até, certo declínio dessa
produção mais reflexiva e o aparecimento de uma produção de uma circulação mais rápida, mais pala-
tável para o gosto médio, para o olhar leigo embrutecido de um possível comprador de arte. Creio que
houve muito um elogio também disso nesses anos 80. A retomada dessas questões mostrou que aquilo
dali era uma ilusão muito rápida, que não era possível ter uma exposição com mais de 200 artistas. So-
braram nem 20 desses 200.
SS_ Paulo Sergio, esse diagnóstico que você acaba de fazer, que me parece em termos verdadeiro, me
leva a lhe devolver a pergunta. Você não acha que cabe ao trabalho de reflexão justamente separar toda
essa lambança ideológica que se apropriou da produção nesse momento e aquela produção que se pres-
tou a essa apropriação muito que bem, outras produções foram obliteradas. Mas, eu diria a você que
nesse caudal daquilo que se chamou Geração 80 no Rio de Janeiro, não podemos homogeneizar todos
esses artistas. Alguns prosseguiram no trabalho, a despeito de terem sido enquadrados nesse primeiro
momento. Não posso fazer a sondagem subjetiva de quantos se deixaram falar, quantos se mostraram
PSD_ Qual o papel que você daria à crítica de arte, hoje, na situação atual? Você acha que a crítica tem
um papel ainda?
SS_ Já nem se trata da questão de achar. Eu sinto na pele, sou testemunha de que não é mais possível
você praticar um tipo de exercício crítico, um tipo de despender um determinado tempo defronte do
trabalho de um artista, em um bate-bola com o artista. Não há mais esse tempo disponível. Não há mais
esse tempo, não por decisões subjetivas do crítico ou do artista, mas porque o próprio modo de operação
do circuito de arte, do sistema de arte não favorece. Ele opera horizontalmente, epidermicamente. Este,
me parece, é o destino da crítica. Especialmente para o Brasil, a prática da crítica tem uma importância
toda especial, que não acredito tenha em outros contextos, em outros países. Nós desenvolvemos uma
tradição ensaística inigualável. Indo longe, desde Mário de Andrade, desde Oswald de Andrade, mas,
sobretudo, a partir dos anos 50 com Mário Pedrosa e com Ferreira Gullar. Há o trabalho da sua geração.
Não somos assim tão distantes em idade, sou só um pouco mais jovem do que você, mas é um fato histó-
rico a guinada que foi a maneira de escrever do Ronaldo Brito nos anos 70. Eu era estudante em meados
dos anos 70, tive contato em primeiro lugar com o trabalho do Ronaldo. Você logo sai do país e vai para a
França. Na época, o trabalho do Ronaldo foi muito importante para mim.
SS_ Era um tipo de crítica no calor da hora que se fazia junto com o trabalho. Ou seja, era uma interven-
ção cultural na medida em que aquilo ali designava um processo de interações, de exigências, de linhas de
pensamento, de formas de atuação cultural. Essa prática da crítica, que herdamos desde o modernismo,