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A individualidade: do saber de si mesmo ao intensificar de si mesmo

Paulo Ghiraldelli Jr

1. Individualismo contemporâneo

Um homem de terno e gravata andando pelas ruas da Atenas da época de Sócrates causaria
enorme espanto. A recíprova não ocorreria. Não nos espantararíamos nem um pouco em ver,
em qualquer de nossas grandes cidades ocidentais de hoje, um homem vestido como Sócrates.
Essa é uma diferença significativa entre o mundo antigo e o mundo contemporâneo. Para os
antigos a regra era ter regras, para nós, ter regras é ser o mais diverso possível. O mundo das
vestimentas nos dá bem essa visualização diferenciadora. Não à toa, a moda não é um
fenômeno antigo ou medieval, mas exclusivamente moderno – ela depende da ampliação de
gostos pessoais, inicialmente classistas e, em seguida, inteiramente individuais.1 Eis aí o nosso
mundo em diferença com o mundo antigo.

Nosso mundo: o do individualismo moderno e, em especial, contemporâneo. É claro que os


antigos conheceram a figura do “indivíduo” e, inclusive, a idiossincrasia. Viram muito bem a
singularidade. Entenderam Sócrates como atopos, ou seja, estranho, estrangeiro ou, então,
melhor dizendo, singular.2 Viram Alcibíades não como atopos, mas como extravagante.3 Traços
de diferenciação individual bem significativos: de um lado a singularidade e de outro a
extravagância. Mas dentro de um limite definido. Ora, o nosso limite, na vida contemporânea,
em princípio, ninguém conhece.

Tudo se passa, entre nós, modernos e contemporâneos, de uma maneira que pode ser vista
como uma incrível história de transmutação da relação nossa com o nosso eu. Os filósofos
gregos Heráclito e Sócrates deram importância para o “Conhece-te a ti mesmo”. Em contraste,
o filósofo americano Richard Rorty falou que nossas democracias modernas poderiam produzir
“versões melhores de nós mesmos”,4 mas no contexto de uma pluralidade imaginativa sem
fim. Ele defendeu o seguinte lema: antes produzir-se que conhecer-se. Assim propagandeou o
dístico contemporâneo que nos faz ver nosso eu como uma processo de experimentação, ao

1
Lipovetsky, G. O império do efêmero. São Paulo: Cia das Letras, 1989.

2
Ver Hadot, P. O que é a filosofia antiga? São Paulo: Loyola, 2014, 57.

3
Plutarco. Alcibíades e Coriolano.Vidas paralelas. Rio de Janeiro: Annablume e CECH da Universidade de
Coimbra. 2010.

4
Ver O meu Rorty essencial. In: https://ghiraldelli.wordpress.com/filosofia/o-meu-rorty-essencial-para-
psi/. E também: Ghiraldelli Jr., P. Richard Rorty. Petrópolis: Vozes, 2009.
contrário do eu antigo que se via como um elemento a ser conhecido por descoberta. Os
antigos buscaram descobrir o eu, nós estamos empenhados em inventá-lo.

Muitos filósofos contemporâneos sabem que a invenção do eu de cada um é um jogo


perigoso. Todos nos consideramos inacabados e nós vemos como felizes se pudermos
experimentar o máximo de tudo. Desse modo, os filósofos acreditam – como Rorty o fez – que
não seria de todo ruim se pudéssemos manter, junto com essa febre de invencionice e
experientação, parâmetros dados por grandes heróis nacionais liberais. Mas há filósofos como
Peter Sloterdijk que desconfia que não temos tanta atenção para esses modelos, e sim para a
própria auto-intensificação de nós mesmos pelas experiências que podem beirar – ou talvez
sempre assim façam – o campo do irracional e da requesição do direito à auto-destruição.5

O mundo antigo conheceu o indivíduo, o mundo moderno conheceu o individualismo. Mas só


nós, contemporâneos, passamos a viver o individualismo como um campo de produção
individual do individualismo. Atualmente, Tudo se passa segundo aquilo que Sloterdijk chama
de “ideologia de Sartre”: fazer algo conosco a partir do que fizeram conosco.6

Mas, enfim, como chegamos do indivíduo ao individualismo e deste à individualismo auto-


intensificador? E como que nos diferenciamos entre a cultura da auto-descoberta para a
cultura da auto-construção ou auto-destruição? O melhor aqui é começarmos pelo começo ou,
melhor dizendo, o que convencionamos chamar de o nosso começo. Voltemos a Sócrates, ou,
melhor dizendo, a Platão.

2. Conhecer-se

Sócrates levou a sério os dizeres inscritos no Templo de Apolo, no santurário de Delfos, em


especial do “Conhece-te a ti mesmo”. Sabemos que Michel Foucault procurou interpretar o
“conhece-te a ti mesmo” como tendo antes valor prático que teórico. Para ele, tratava-se de
algo próximo do “cuida de ti mesmo”.7 Essa interpretação não precisa ser posta em oposição à
tradicional, que enfatiza que os dizeres do Templo de Apolo foram ensinamentos em favor da
diferenciação entre mortais e deuses, de modo a manter os primeiros fora do cultivo da hybris,
ou seja, do orgulho que tende à arrogância. A helenista Julia Annas diz que o conhece-te a ti
mesmo, como tomado por Sócrates nos primeiros diálogos platônicos, tem a ver com um saber
de tipo topológico. Trata-se de um alerta para as ocupações e papeis de um eu no contexto da
vida intrinsicamente articulada com a polis. Ora, não é possível negar que a individualidade
grega nos tempos clássicos foi uma individualidade a partir e no interior da polis, ou seja, antes

5
Sloterdijk, P. Ensaios sobre intoxicação voluntária. Lisboa: Fenda, 1999.

6
Idem, ibidem, p. 29.

7
Foucault, M. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. A tese de Foucault é a de
que “o sujeito da ação reta, na Antiguidade, foi substituído, no Ocidente moderno, pelo sujeito do
conhecimento verdadeiro”. (p. 634). Uma virada da epistemologia para a ética teria ocorrido, então,
com Descartes.
de tudo um recorte de um homem racional, o grego, e não da cultura single e do homem que
vai ao divã, dos nossos tempos.8

Mas de que maneira Sócrates levou a sério o “conhece-te a ti mesmo”? São várias as
passagens em que Sócrates mostra sua preocupação em investigar-se, em contar sobre o que
acredita que é, e falar sobre o que acredita que sabe e o que entende que não sabe – e tudo
isso, em especial, como característica própria. Podemos percorrer um breve elenco dessas
situações.

Em A Defesa de Sócrates9, Platão coloca se mestre dizendo que nada sabe. Mas não se trata de
uma afirmação absoluta, pois junto disso Sócrates afirma que ao menos sabe que não sabe, e
isso já o faz mais sábio que os demais. Diz, ainda, que tem um saber dos mortais, que talvez
não valha nada perante o saber que nunca conseguiu alcançar fazendo as suas perguntas “O
que é F?”, e que esse saber definicional seria um conhecimento divino – este sim valoroso.

No Fedro10, Sócrates aparece dizendo que não pode falar muitos sobre as potências míticas,
pois ele mesmo está gastando seu tempo em saber quem ele é, se é de natureza monstruosa
ou pacata, e está longe, portanto, de poder começar a investigar outras coisas.

Em outros textos platônicos, em especial em O Banquete11, Sócrates se põe expert na arte


erótica. O helenista C. D. C. Reeves ensina que é preciso levar em conta as raízes de ta erotika,
que tem a ver com a arte de saber fazer perguntas.12 Nesse sentido, pode-se pensar em um
Sócrates que seduz e que caminha no âmbito do erotismo exatamente por saber fazer
perguntas. Um bom namoro é uma atividade de bom perguntar – não é verdade?

Se nos deslocamos de Platão para Cícero, Sócrates é desenhado como quem enfrenta o
diagnóstico do sábio que lia personalidades por meio de seus rostos. Nesse episódio – que
tanto entusiasmou Nietzsche13 – Sócrates diz que de fato o sábio Zópiro estava certo ao dizer
que ele era um monstro, e que ele se sabia como sendo tal coisa, mas que havia dominado
essas forças nele próprio, adquirindo uma postura melhor.

8
Ver: Ghiraldelli Jr., P. Sócrates: pensador e educador. São Paulo: Cortez, 2016, p. 163.

9
Plato. Apology of Socrates. In: Cooper, J. M. e Hutchinson, D. S. Plato. Complete works. Cambridge:
Hackett Publishing Company, 1997, p. 21, § 21d.

10
Plato. Phaedro. In: Cooper, J. M. e Hutchinson, D. S., op. cit., p. 510, § 230a

11
Plato. Symposium. In: Cooper, J. M. e Hutchinson, D. S., op. cit., p. 462, § 177e.

12
Reeves, C. D. C. Eros e amizade em Platão. In: Benson. H. e colaboradores. Platão. Porto Alegre:
Artmed, p. 276.

13
Nietzsche, F. O problema de Sócrates. Crespúsculo dos ídolos. São Paulo: Cia das Letras, p. 19.
Mas se vamos a um texto que se perpetuou como manual de filosofia durante boa parte dos
tempos medievais e além, o Alcibíades I, aí Sócrates sofistica sua consideração do eu.
Diferencia o que é pesquisar o eu individual, de cada um, e o eu em geral, ou seja, o eu
humano. Aqui, Sócrates fala de enxergar a si mesmo no olhar do outro, como quem realmente
vê a si mesmo somente no espelho que forma a “menina dos olhos”, ou seja, o seu reflexo no
olho do outro. Há uma polêmica sobre como interpretar esse caminho14, mas aqui, o que
importa é destacar que, ao fim e ao cabo, o platonismo selou a sorte do personagem Sócrates
como quem realmente esteve interessado no “conhece-te a ti mesmo”, em suas diversas
facetas, e que de algum modo, apresentou algo de concreto.

Uma última observação sobre Sócrates, nesse assunto: a investigação do eu e a partir do


recorte da individualidade feito por Hannah Arendt.15 Ela nota com sabedoria uma passagem
do Hippias Maior, e formula por meio desta a sua noção do “dois em um”. É que no Hippias,
Sócrates obriga Hippias a se sujeitar às sua questões incômodas dizendo que possui um amigo
em casa, um homem danado que pede explicações a Sócrates. Hippias, então, se constrangido
e, assim, não pode fugir das perguntas de Sócrates que, enfim, não seriam dele mesmo, mas
do tal amigo sedento de saber tudo em detalhes.16 Essa passagem não deve ser interpretada
(somente) como um recurso didático, próprio da ironia socrática, para colocar Hippias no jogo
do qual ele quer sair. É claro que Sócrates está aí duplicando-se a si mesmo como quem tem
uma narrativa, para falar de reflexão introspectiva, completamente diferente da nossa,
moderna, seja no modelo de Agostinho seja no de Descartes. Arendt lembra que Platão define
o pensamento como um “diálogo silencioso consigo mesmo” para enfatizar o que ela chama
de “dois em um”, ou seja, o modo de Sócrates de apresentar sua reflexão que, no nosso modo
de trabalho, chamaríamos de introspectiva, ou seja, recriando esse seu amigo importunador
que vive em sua casa.

Por essa via, temos um Sócrates que se investiga dentro dos limites de um pensamento que,
para usar uma terminologia moderna, tem a ver com elementos objetivos, e não subjetivos, ou
seja, não no sentido de uma introspecção, e muito menos no sentido de auto-construção.

3. Fazer-se ou intensificar-se?

Podemos hoje falar que temos a ver com Descartes e Agostinho, com nossa tendência a um
tipo de introspecção. Mas, na verdade, já faz algum tempo que também, em certo sentido,
abandonamos o modelo moderno, e estamos no modelo contemporâneo em que o
conhecimento do eu é substituído pela experimentação do eu, uma experiência sem modelo
final para imitar ou chegar, e que é regida pela auto-intensificação. Não deixamos apenas
Sócrates, mas saltamos a própria modernidade. E mesmo no campo contemporâneo, não

14
Sobre essa polêmica ver o capítulo 10 de: Ghiraldelli Jr., P. Sócrates: pensador e educador – a filosofia
do conhece-te a ti mesm. São Paulo: Cortez, 2016.

15
Arendt, H. A vida do espírito. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, especialmente capítulo 3.

16
Plato. Greater Hippias. In: Cooper, J. M. e Hutchinson, D. S., op. cit., p. 921, §3024c-e.
estamos interessados em “versões melhores de nós mesmos”, mas em intensificação e
prazeres que jamais tiveram versões.

Conhecer a si mesmo implica em desvelar-se e, então, arcar com as onerações do que é


encontrado. Carregar o eu encontrado. Ora, mas experimentar, fazer-se, intensificar-se é
sempre alguma coisa antes da desoneração que da oneração. Um processo sem término e
efêmero permite a desresponsabilização e a opção pela “curtição”. Isso coaduna pefeitamente
com a sociedade contemporânea como sociedade desonerada, portanto, liberal, e desse modo
capaz de receber o nome de “sociedade da leveza”. O indivíduo no individualismo de
experimentação é um indivíduo que vive em consonância com os ideais do capitalismo que, no
seus primórdios, Montesquieu chamou de Le doux commerce.17

O mundo burguês é da paz, do açucar, da suavidade e da leveza. Se temos tédio nele, então,
que recuperemos algum peso em novo patamar de leveza: daí a TV, a Internet, em associação
ao lúdico contínuo e às assessorias também feitas por meio de caráter lúdico. A emoção aí vai
do campo eletrônico, destinada aos indivíduos menos atléticos, para os esportes radicais, para
indivíduos que precisam de um tipo especial de endorfinização. A dopamina torna-se seletiva.

As várias “filosofias da ação”18, que preeencheram a modernidade, como o existencialismo, o


freudismo, o marxismo, o pragmatismo, o personalismo cristão, o feminismo, o pensamento
ecológico, etc., abandonaram o “conhece-te a ti mesmo” e se puderam na trilha do “constrói-
se a si mesmo”. Mas nenhuma dessas filosofias, hoje, tem prestígio para romper com a versão
do “constrói a si mesmo” de ordem liberal atual, que implica na positivização – em parte
anunciada por Byung Chul Han19 – e em um aparente paradoxo, no “destroi a si mesmo”.

É notável que possamos ver pessoas que se experimentam e se intensificam com drogas
químicas mostrando estarem na mesma linha dos que se experimentam e se intensificam
escalando montanhas ou saltando de asa delta ou coisa similar, e efetivamente, não raro,
perdendo a vida. As corridas de automóvel, que contam uma história mentirosa a respeito da
segurança nas pistas, diz tudo. É dentro desse quadro que devemos interpretar o sucesso do
celular, como uma prótese de auto-intensificação, sem que uma tal prática tenha qualquer
modelo de pessoa adrede preparado para se chegar. O mesmo ocorre no trabalho. No serviço
de cada dia, todos dizem: “é preciso estar sempre se atualizando”. E nos países em crise, dizem
ainda: “é fácil sair da crise, basta se reinventar, torne-se patrões de si mesmo”. A idiotice da
intensificação e do fabricar-se chega, então, ao nível dos que precisam da dopamina não em

17
Montesquieu usou tal expressão em O espírito das leis. A frase se tornou célebre, utilizada por Marx
em O capital. Marx e Engels a utilizavam também para uma situação pessoal. Quando Engels conseguiu
se desvincular dos negócios da família, ficando apenas com parte das rendas, ele escreveu a Marx (Carta
de 01/07/1869) dizendo que havia podido abandonar Le doux commerce.

18
O caráter da filosofia moderna é o de filosofias da atividade e da ação. Ver: Sloterdijk, P. Morte
aparente no Pensamento. Lisboa: Relógio D’água, 2014.

19
Han, B. C. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2016.
doses homeopáticas, mas em doses de mediocridade. Gourmetização e Food Truck são
versões culinárias dessa época de “faço mais, meu produzo, me reinvento”. O eu não se
descobre e não se forma, ele se avoluma no efêmero. Todos são reinventores de si mesmos –
mas em um sentido nada parecido com a ideia de “aprender a aprender” de Dewey e Piaget20,
mas no sentido do mero frenesi. Que os direitos trabalhistas sejam “flexibilizados”, e que
todos estejam na rua. Literalmente. Aliás, isso é a única coisa que nos sobrou de Sócrates: a
rua. Estamos na rua.

Aceitamos essa situação por que tomamos uma versão do “auto-fabricar-se” como o que é
para ser feito com quem é um eu ou tem um eu. Ser indivíduo no individualismo
contemporâneo poderia corresponder à ideia de ter o direito de inventar direitos. Mas, não
raro, temos apenas o direito de perder direitos. A nossa concepção de liberdade, em certo
lugares atuais, é nitidamente equalizada com o desencargo, inclusive da inteligência. É o
pedido para ser estúpido. Há inúmeras pessoas que acha aque a auto-experiência é realmente
leve e benéfica se posso abrir mão de pensar. É por isso que, também é um fenômeno atual, o
advento dos populismos de caráter novo. Os que nos convencem que não estamos nas mãos
de ditadores, mas de pessoas tão democráticas que elas querem nos dar o direito penúltimo, o
direito de abrir mão de direitos. Quando aceitamos isso, estamos a um passo de consagrar o
direito de auto-destruição.

19/06/2018

20
Sobre a pedagogia da Escola Nova, que em parte tem a ver com o movimento de auto-construção,
pode-se ver: Ghiraldelli Jr., P. Filosofia e história da educação brasileira. Barueri: Manole, 2010. E
também: O que é Pedagogia. São Paulo: Brasiliense, 2011.

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