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Capitalismo e Colapso ambiental

Luiz Marques
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Agradecimentos
Prefácio
Introdução

Parte I – Convergência

1. Desaparecimento das mantas vegetais nativas do planeta


1.1. A curva global ascendente do desmatamento (1800-2013)
1.2. O desmatamento por regiões
1.3. O caso brasileiro (1964-2013)
1.4. O recrudescimento da devastação na Amazônia
1.5. A grande coalizão do desmatamento
1.6. O desmatamento total
1.7. Fragmentação e degradação das florestas
1.8. Ponto crítico: a floresta colapsa por si mesma
1.9. O câncer socioambiental do desmatamento

2. Água, solos e insegurança alimentar


2.1. Declínio dos recursos hídricos
2.2. Rios e lagos
2.3. Aquíferos fósseis e renováveis
2.4. Secas
2.5. As Grandes Hidrelétricas
2.6. Degradação dos solos e desertificação
2.7. O elo mais fraco

3. Lixo, efluentes e intoxicação industrial do planeta


3.1. Esgotos
3.2. Resíduos sólidos urbanos
3.3. Plástico
3.4. A plastificação dos cinco giros oceânicos
3.5. Pesticidas industriais
3.6. POPs e mercúrio
3.7. Material particulado e ozônio troposférico
3.8. Terras raras
3.9. Lixo eletrônico

4. Combustíveis fósseis
4.1. A poluição nos processos de extração e transporte
4.2. O pico do petróleo líquido
4.3. Subsídios aos combustíveis fósseis
4.4. Petróleo e gás não-convencionais. A devastação maximizada
4.5. Desintoxicação ou overdose?

5. A regressão ao carvão
5.1. Os quatro fatores que favorecem a regressão
5.2. 1199 novas usinas termelétricas movidas a carvão
5.3. “A nuvem começa com o carvão”
5.4. O mais poluente dos combustíveis fósseis
5.5. Chuvas ácidas
5.6. O Brasil, a siderurgia e o carvão vegetal

6. Mudanças climáticas
6.1. O aquecimento global
6.2. Desaceleração do aquecimento global desde 1998?
6.3. Projeções para 2050 e para 2100
6.4. Descarbonização. Probabilidades de aumentos no topo das projeções
6.5. Um aquecimento de 2º C é ainda seguro?
6.6. O buraco na camada de ozônio no Ártico
6.7. Elevação do nível do mar
6.8. A bomba-relógio do metano
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7. Agravamento da pressão demográfica


7.1. O fim do otimismo demográfico
7.2. Além da adição aritmética: urbanização, automóveis e consumo
7.3. Uma premissa frágil

8. Colapso da biodiversidade terrestre


8.1. A sexta extinção
8.2. As duas vias da extinção
8.3. Anfíbios
8.4. Primatas
8.5. Outros mamíferos terrestres
8.6. Aves e polinizadores

9. Colapso da biodiversidade no meio aquático


9.1. Sobrepesca e fazendas marinhas
9.2. Eutrofização, hipóxia e anóxia
9.3 Até 170% a mais de acidificação oceânica até 2100
9.4. Os corais, “ecossistemas zumbis”
9.5. Águas-vivas
9.6. Aquecimento das águas e declínio do fitoplâncton

10. Antropoceno. Rumo à hipobiosfera


10.1. Espécies funcionais e não-funcionais ao homem
10.2. O consumo de carne
10.3. Síndrome de Vênus? A hipótese da tanatosfera

11. O salto qualitativo das crises ao colapso


11.1. O todo é diverso da soma das partes
11.2. Algumas interações potenciadoras das crises
11.3. Mudanças não-lineares nos ecossistemas e nas sociedades
11.4. Colapso. Emergência do conceito e imprevisibilidade do fenômeno

Parte II – Três ilusões concêntricas


12. A ilusão de um capitalismo sustentável
12.1. O mercado capitalista não é homeostático
12.2. Milton Friedman
12.3. Insustentabilidade constitutiva
12.4. A regulação por um mecanismo misto
12.5. Plutosfera: 147 conglomerados e 1426 indivíduos

13. Mais excedente = mais segurança? A ilusão do ilimitado


13.1. Efeito-teto e acumulação ilimitada
13.2. O caráter primitivo da pulsão de acumulação
13.3. O efeito oposto
13.4. Predominância das forças centrípetas na Antiguidade mediterrânea
13.5. O emblema de Carlos V
13.6. Tecnolatria e distopia

14. A ilusão antropocêntrica


14.1. Eminência e Transcendência
14.2. Dissonâncias
14.3. A quarta afronta
14.4. A cisão esquizofrênica da ciência
14.5. Efeitos de retorno negativo
14.6. O grande bloqueio

Conclusão. Do contrato social ao contrato natural


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Introdução

Em 1856, Alexis de Tocqueville abre suas reflexões sobre a Revolução


Francesa com uma advertência: “Nada é mais apropriado a trazer de volta
filósofos e estadistas à modéstia que a história de nossa Revolução; pois
jamais houve evento maior, remontando mais no tempo, melhor preparado e
menos previsto”1. Desde Tocqueville, o princípio mesmo da previsibilidade
histórica, caro aos séculos XVIII e XIX 2, foi aos poucos posto em causa. Em
1928, Paul Valéry emitia seu certificado de óbito: “Nada foi mais arruinado pela
última guerra que a pretensão de prever” 3. Os mais decisivos processos e
eventos históricos dos últimos cem anos não foram, de fato, previstos: a
carnificina da Primeira Guerra Mundial, as armas químicas e nucleares, a crise
de 1929, o totalitarismo, as revoltas de 1968, o choque do petróleo de 1973, o
muro de Berlim e sua queda, a implosão da União Soviética, a pulverização
dos partidos comunistas ocidentais, a ascensão da China à posição de
potência imperialista, o impacto da informática e da rede, o fundamentalismo
das três religiões monoteístas, a regressão mental ao criacionismo, as guerras
civis nos países árabes, a escalada da dívida pública nos países
industrializados e, enfim, a crise financeira de 2007-2008, que parece hoje
despontar como a nova normalidade do capitalismo global 4. Os raríssimos
estudiosos que previram essas catastrophae ou peripécias do drama histórico
não ganharam audiência em geral senão ex post facto e justamente por tal
feito5.
As relações entre os homens e a natureza mostraram-se menos
imprevisíveis. Desde 1820, Lamarck (1744-1829), um dos primeiros
naturalistas a introduzir o termo “biologia", anteviu o vínculo causal entre
civilização industrial e colapso ambiental 6:

“O homem, por seu egoísmo tão pouco clarividente em relação a seus próprios
interesses, por sua inclinação a explorar tudo o que está à sua disposição, em
suma, por sua incúria por seu porvir e pelo de seus semelhantes, parece
trabalhar para o aniquilamento de seus meios de conservação e a destruição
de sua própria espécie. Destruindo por toda a parte os grandes vegetais que
protegiam o solo para obter objetos que satisfazem sua avidez momentânea,
ele conduz rapidamente à esterilidade o solo que ele habita, causa o
esvaimento dos mananciais, afasta os animais que neles encontravam sua
subsistência e faz com que grandes partes do globo, outrora férteis e povoadas
em todos os sentidos, tornem-se agora nuas, estéreis, inabitáveis e desertas.
(...) Dir-se-ia que o homem está destinado a exterminar a si próprio, após tornar
o globo inabitável”.

Como se verá melhor no capítulo 12, desde o século XIX um número


crescente de cientistas e, após a Segunda Grande Guerra, a comunidade
científica vem advertindo que os desequilíbrios ambientais como um todo –
vale dizer, não apenas as mudanças climáticas, mas o que o Stockholm
Resilience Centre chama os nove limites planetários 7 – decorrem
preponderantemente da ação dos homens sobre o meio ambiente e que o
aumento desses desequilíbrios acarretará rupturas que podem implicar uma
radical mudança de estado nas coordenadas da biosfera que propiciam a vida
no planeta tal como a conhecemos e dela podemos desfrutar. Esse consenso
estendeu-se ao longo da segunda metade do século XX para outras áreas do
5

saber, bem como para diversos setores da sociedade e do Estado, de modo


que ciência, humanidades e política mostram-se hoje mais imbricadas que
nunca. O que em nossos dias está em jogo é, de um lado, a capacidade dos
modelos científicos de prever a dinâmica das rupturas em curso e, de outro, a
capacidade política das sociedades de caminhar, num ritmo compatível com
essa dinâmica, em direção a formas de governo que lhe permitam, informadas
pela ciência, reagir a tempo, e globalmente, à lógica econômica predatória da
biosfera.

1. Obstáculo mental e limites da consciência ambiental

A crença de que a segurança e a prosperidade das sociedades


dependem do crescimento contínuo do excedente econômico e do consumo de
energia e outros bens constitui o principal obstáculo mental à percepção de que
rumamos para um colapso socioambiental mais ou menos iminente. A
degradação atual dos ecossistemas é ainda considerada um problema
administrável, minimizável por protocolos de segurança, gestão de risco e
ganhos de eficiência, um “custo” ou efeito colateral inevitável do crescimento
econômico.
Essa prosternação geral ao imperativo do crescimento é compreensível
para os 91,6% da humanidade adulta desprovida de tudo, posto que detentores
de apenas 16,7% da riqueza global. Satisfazer suas carências básicas teria, de
resto, um impacto irrelevante sobre os ecossistemas. Por exemplo, fornecer
energia elétrica a 1,3 bilhão de pessoas, mesmo a partir de usinas movidas a
combustíveis fósseis, implicaria, segundo cálculos da Agência Internacional de
Energia (AIE), um aumento de apenas 0,8% do consumo desses combustíveis
e um aumento de apenas 0,7% nas emissões de dióxido de carbono 8. A
Organização Umndial da Saúde (OMS) projeta que em 2015 haverá 2,7 bilhões
de pessoas sem acesso à infraestrutura sanitária básica 9. Provê-las dessa
infraestrutura implicaria diminuição, e não aumento, de seu atual impacto
ambiental. A figura abaixo captura onde reside, portanto, o problema.

Pirâmide global da riqueza em 2013


6

Fonte: The Crédit Suisse Global Wealth Report 2013 (em rede)
Observação: Riqueza (Wealth) é aqui entendida como o conjunto dos ativos de um indivíduo adulto.

A riqueza global da humanidade adulta (cerca de 4,7 bilhões de pessoas) é de


240,8 trilhões de dólares (2013). Mais de dois terços (68,7%) dos indivíduos
adultos, situados na camada de base, possuem apenas 3% da riqueza global e
ativos de no máximo 10 mil dólares. “Nos países desenvolvidos, apenas 30%
da população situa-se nesta categoria”, isto é, na base da pirâmide, afirma o
relatório do Crédit Suisse10, que, entretanto, não sublinha o aumento do
número desses “novos pobres” após 2008. No vértice superior da pirâmide,
0,7% dos adultos possui 41% da riqueza mundial. Dentro desse grupo de 32
milhões de ricos, há 98.700 milionários com mais de 50 milhões de dólares,
33.900 com mais de 100 milhões de dólares e 3.100 com mais de 500 milhões
de dólares11. O estudo da Oxfam International, Working for the few,
complementa esses dados: (1) a riqueza de 1% da população, avaliada em 110
trilhões de dólares, é 65 vezes maior que a de 50% da população do planeta
situada na base da pirâmide da riqueza mundial; (2) as 85 pessoas mais ricas
do planeta controlam uma riqueza avaliada em 1,7 trilhão de dólares, o que
equivale à riqueza detida por 3,5 bilhões de pessoas, a metade mais pobre da
população mundial; (3) sete entre cada dez pessoas vivem em países onde a
desigualdade econômica aumentou nos últimos 30 anos 12. No que se refere à
renda, nos Estados Unidos, por exemplo, desde 1979 houve queda de renda
real (corrigida pela inflação) para os 20% mais pobres da população, “enquanto
a renda do 1% mais bem pago do mercado quase quadruplicou e a renda do
0,1% mais rico cresceu ainda mais”13.
Para satisfazer o consumo dos 393 milhões de indivíduos adultos com
ativos superiores a 100 mil dólares – os 8,4% da população mundial adulta
detentora de 83,3% da riqueza mundial –, move-se e formata-se a máquina
econômica do planeta. Essa estrutura da riqueza e da renda e a tendência à
sua concentração confirmam um mecanismo ínsito no coração do sistema
econômico, que impulsiona uma parcela diminuta da humanidade a acumular
de modo irracional, isto é, como um fim em si. Tal mecanismo, que não é senão
o da acumulação capitalista, é auto-reprodutivo inclusive ideologicamente, ao
7

fomentar o grande bloqueio mental acima mencionado: a crença de que da


manutenção desse mecanismo dependem a segurança e a prosperidade da
sociedade como um todo.
Já na Antiguidade, a ausência de senso de limite tão enraizada na forma
mentis dos ricos havia suscitado o dito atribuído a Epicuro: “em relação ao
desejo ilimitado, mesmo a maior riqueza é pobreza” 14. No mundo
contemporâneo, a verdade desse mote não apenas se radicaliza – jamais a
economia foi tão perfeitamente concebida para multiplicar os ativos dos ricos –,
mas assume uma nova atualidade e um novo sentido. Pois com o agravamento
das crises ambientais não haverá dinheiro que poupe os ricos de sofrerem,
como pobres, os impactos da degradação ambiental, dado seu caráter
sistêmico: poluição do ar, dos rios e do mar, envenenamento alimentar,
aquecimento global, secas, desertificação, incêndios devastadores, eventos
meteorológicos extremos, enchentes, ondas de frio e calor capazes de
ameaçar a segurança energética, elevação do nível do mar, rebaixamento dos
deltas, chuvas ácidas, cidades obstruídas por carros e lixo, com graus
crescentes de insalubridade sanitária, química e hídrica. O colapso ambiental
será “democrático”: na vala comum do planeta caberão ricos e pobres.
Isso posto, é compreensível que os ricos não se disponham a abordar o
problema das crises ambientais com o devido senso de urgência. O que dizer,
entretanto, dos 91,6% da humanidade adulta, os mais de 4,2 bilhões de
indivíduos detentores de apenas 16,7% da riqueza global, mais imediatamente
vulneráveis à crise planetária dos ecossistemas? Sua quase inércia explica-se
por uma escolaridade nula ou deficiente e por condições subhumanas de vida
que lhes impõem outras urgências em sua luta pela sobrevivência. Mas um
fator não menos importante a explicá-la é o fato de serem hipnotizados pela
sociedade de consumo. Como afirmava Ivan Illich há 40 anos, a sociedade de
consumo “comporta dois tipos de escravos: os intoxicados e os que
ambicionam sê-lo, os iniciados e os neófitos” 15. Muitos são, desde o advento da
sociedade da afluência, os que meditaram sobre essa nova “servidão
voluntária” ao consumismo. Os novos servos ou aspirantes a sê-lo deixam-se
embalar pela ilusão de que, cedo ou tarde, serão incluídos no banquete
imaginário de um “primeiro mundo” – ele próprio em processo de pauperização
–, graças à prestidigitatória combinação de mercado e tecnologia.
Além dessa miragem, outros fatores agem no sentido de reforçar o
grande obstáculo mental aqui discutido:

(1) o fenômeno da habituação: os prognósticos científicos sobre as


probabilidades cada vez maiores de um colapso ambiental tendem a impactar
cada vez menos as consciências. Esse mecanismo psicológico instilou-se aos
poucos nos comportamentos após decênios de convivência com a ameça de
uma guerra nuclear ou de acidentes nas usinas nucleares. Ele foi discutido por
Ulrich Beck, justamente sob o impacto da catástrofe de Chernobil, em A
Sociedade do Risco16. Há hoje mesmo uma nova disciplina supostamente
científica – a análise de risco ou cindynique – com suas avaliações de “déficits
sistêmicos cindinogênicos”. Tal mecanismo de crescente tolerância ao risco é
bem ilustrado pela fábula do lobo que nunca chega ou pela progressiva
indiferença do fumante às advertências científicas sobre os malefícios do
cigarro;
8

(2) o caráter gradual do agravamento das crises ambientais. É mais fácil


perceber eventos que tendências, as quais são, entretanto, mais decisivas que
os fatos. Estas evoluem em geral em escalas espaciais e temporais não
acessíveis aos radares cotidianos. Como se verá no capítulo 1, o planeta
perdeu entre 2000 e 2012, 3,2 milhões de km 2 de florestas. Esse número
mostra uma rápida tendência ao desaparecimento das mantas vegetais nativas
do planeta. Mas, por importante e alarmante que seja para a biodiversidade e
para a humanidade, esse número exprime apenas uma tendência e, como tal,
tem uma ressonância na grande imprensa e um poder de interferir nas
consciências muito menor que um “fato”: um escândalo de corrupção, um
assassinato, um evento esportivo, o Oscar, um grande incêndio ou a queda de
um avião17;

(3) a opacidade entre causa e efeito, isto é, a dissociação 18 entre estilo de vida
e suas consequências ambientais. E inversamente, a dissociação entre as
crises ambientais e suas consequências sobre as sociedades (os “efeitos de
retorno negativo”, discutidos no capítulo 14). Nos dois sentidos da flexa, é
quase sempre impossível provar cientificamente com 100% de certeza e, mais
importante, perceber na experiência cotidiana um vínculo imediato e inequívoco
entre causa e efeito;

(4) a crise econômica aberta em 2007-2008, que induziu os eleitorados a


considerar não prioritárias as políticas de mitigação das crises ambientais,
como mostram diversas pesquisas de opinião 19, e a eleição de governos com
programas antiambientalistas, do Canadá à Austrália ao Japão e à Índia;

(5) o apego das agremiações tradicionais de esquerda, ou que assim se


denominam, a seus programas ideológicos tradicionais. Incapazes de
compreender que a luta para reverter a tendência ao colapso ambiental
constitui o divisor de águas fundamental de nosso tempo, essa esquerda
obstina-se em se distinguir de seus adversários apenas por reivindicar mais
investimentos nas áreas sociais e uma melhor distribuição de renda. No mais,
subscrevem a premissa que legitima o ponto de vista do capital, qual seja a
premissa da acumulação de excedente e de energia. Não percebem ainda que
a única crítica que atinge a raiz do sistema capitalista é a crítica dessa
premissa e do modo suicidário de sociedade que ela implica. Não percebem
tampouco que essa demissão, historicamente gravíssima, permite aos setores
conservadores recuperar, edulcorar e neutralizar o potencial crítico imenso do
movimento ecológico20. A falta de aggiornamento dessa esquerda é em grande
parte responsável pela miséria das alternativas políticas imediatas às crises
socioambientais em curso;

(6) talvez o mais importante fator a reforçar o bloqueio mental aqui discutido é a
crença de que os Estados são ainda capazes de assumir sua parcela de
responsabilidade na condução de políticas susceptíveis de reverter a
degradação em curso da biosfera. Essa crença não leva em conta a nova e
mais profunda aliança que se está a selar entre o Estado e as corporações,
como se procurará demonstrar a seguir.

2. Uma mudança em curso na natureza do Estado: o Estado-Corporação


9

Para manter o aquecimento global a níveis não superiores a 2º C até


2100, as emissões de gases de efeito estufa devem ser estabilizadas até 2015
e diminuídas em 50% até 2050 em relação aos níveis atuais 21. Essa meta
poderia ser atingida. Segundo o IPCC, “perto de 80% do suprimento de energia
mundial poderá ser satisfeito por fontes renováveis em meados do século, caso
se promovam políticas públicas adequadas” 22. As chances de que tais políticas
sejam implementadas são, contudo, nas condições atuais, nulas, enquanto
aumentam as probabilidades de um aumento de 2,4ºC a 6ºC nas temperaturas
médias do planeta até 210023. O veredito do Climate Change Performance
Index (CCPI) de 2013 é peremptório: “os esforços protetivos em relação às
mudanças climáticas estão ainda muito aquém do suficiente, não apenas em
regiões específicas, mas no mundo todo”24.
O CCPI mede esses esforços em termos de iniciativas dos Estados, que,
contudo, mostram-se incapazes de tomá-las. Essa incapacidade radica no que
aqui se considera a tendência central da história econômica e política de nosso
tempo: a mudança, em curso, na natureza do Estado. Começa, com efeito, a
se delinear uma diferença de natureza entre o Estado do século XXI e o Estado
gerado pela chamada Segunda Revolução Industrial. Esta se caracterizou pela
emergência de conglomerados financeiros e industriais de muito maior
densidade tecnológica e de capital, densidade que implicou, como se sabe,
uma nova relação entre o capital e o Estado. Essa segunda fase da Revolução
Industrial, cujo protótipo é fornecido pelo contubérnio entre o Estado alemão e
conglomerados industriais como a Krupp e a IG Farben (de cujo
desmembramento após 1945 resultou a Agfa, a BASF, a Hoechst e a Bayer),
deu nascimento ao que se veio a chamar Capitalismo de Estado, termo
cunhado em 1896, não por acaso por um dos fundadores do Partido Social-
Democrata Alemão (SPD), Wilhelm Liebknecht 25.
Ao longo do século XX, as relações de complementaridade entre os
Estados nacionais e suas corporações generalizaram-se, aprofundaram-se e
adquiriram a partir de finais do século XX formas suficientemente típicas para
justificar a hipótese de uma nova fase do Capitalismo de Estado ou mesmo,
como aqui se sugere, de uma verdadeira mudança na natureza do Estado. A
conversão ao capitalismo por parte da China, da ex-União Soviética e dos
países da Europa do Leste, a alavancagem estatal das economias dos “tigres
asiáticos” e de países menos industrializados, como o Brasil, geraram um novo
modelo de simbiose entre Estado e corporação. Empresas estatais constituem
hoje 80% do valor do mercado de ações (segundo o índice MSCI) na China,
62% na Rússia e 38% no Brasil26. Das 10 maiores corporações do mundo, por
renda (revenue), 4 são estatais (3 chinesas e 1 japonesa).
As privatizações que atingiram países como o Brasil, a Rússia de Boris
Ieltsin (1991-99) e a Índia após a abolição da Licence Raj em 1990 27
confirmaram esse novo modelo, já que não implicaram recuo do Estado na
área energética e financeira e implicaram, ademais, uma participação mais
capilarizada em outros setores do capital corporativo. O caso brasileiro ilustra
bem esse fenômeno. Os bancos públicos no país respondem em 2012 por 44%
do crédito total do país e essa participação continua a crescer 28. Direta ou
indiretamente (através de suas agências, dos bancos estatais, do BNDS, da
Petrobrás, dos fundos de pensão Previ, Funcep e Petros, etc.), “o Estado
brasileiro está hoje presente em 119 grupos, contra apenas 30 em 1996” 29.
10

Deve-se ter ainda presente que a Previ, controladora de ativos avaliados em


145,8 bilhões de reais, é o segundo maior grupo econômico do Brasil 30.
Considere-se agora outro fato, revelado por uma pesquisa publicada na
revista Climatic Change em janeiro de 201431: uma análise quantitativa dos
registros históricos entre 1854 e 2010 das emissões globais cumulativas de
CO2 e metano lançadas na atmosfera (914 GtCO2equivalentes) mostra que
63% das emissões ocorridas entre 1751 e 2010 têm sua origem na atividade de
90 corporações do ramo de combustíveis fósseis e cimento. Dessas 90
“campeãs do carbono” (carbon major), produtoras de petróleo, gás, carvão e
cimento, 50 são corporações privadas (investor-owned) e 40 têm controle
estatal (state-owned) ou são propriedades do Estado (nation-state). Metade
dessas emissões globais foram lançadas na atmosfera nos últimos três
decênios, mais precisamente desde 1986. Em termos de número, empresas
estatais e privadas são, como se vê, quase paritárias (40 contra 50), mas em
termos de quantidade de Gigatoneladas de CO 2 equivalente emitidas, a
responsabilidade das 40 corporações pertencentes ao Estado (600GtCO 2e) é
quase o dobro que a das 50 corporações privadas (315 GtCO2e). Além disso,
as empresas estatais são as maiores nesse conjunto: as 10 maiores
corporações de gás e petróleo do mundo, medidas por suas reservas, são
estatais e as 13 maiores, proprietárias de três quartos das reservas mundiais
de petróleo, têm participação do Estado 32. Essa preponderância do Estado não
se limita, de resto, ao ramo dos combustíveis fósseis.
Os dois fatos acima explicitados – a participação considerável do Estado
em setores chaves da economia, mesmo após as privatizações, e seu peso
decisivo na indústria de combustíveis fósseis – explicam por que os Estados
relutam em diminuir as emissões de gases de efeito estufa. Suas políticas
públicas vão sendo aos poucos moldadas pelos próprios interesses de
“segurança energética” e de gestão dos ativos do Estado, o qual promove
apoios seletivos, participa de acordos de acionistas, encoraja ou inibe
tendências de mercado segundo lógicas não essencialmente diversas das de
uma grande corporação.
A esses dois fatos, aliam-se outros dois: (1) dos dividendos aportados
pelas empresas estatais e pelo sistema financeiro público depende, hoje, a
sobrevivência contábil de grande parte dos Estados, inclusive o brasileiro 33; (2)
os Estados tornaram-se, em geral, mais dependentes das corporações. Este
segundo ponto é de crucial importância. Na ordem política anterior, o Estado
legitimava-se tanto mais quanto mais fosse capaz de estar, ou parecer estar,
situado acima dos conflitos sociais em jogo. Sua relativa autonomia financeira
tornava-o mais capaz de assumir responsabilidades ambientais e sociais, que
não raro contrariavam os interesses imediatos das corporações. Toda a
legislação trabalhista e ambiental imposta às empresas nos séculos XIX e XX,
graças por certo à pressão exercida pelos movimentos ambientais e sociais
sobre o Estado, mas graças também ao “senso de Estado” do poder público,
dão prova cabal da capacidade de mediação por ele outrora exercida na
dinâmica conflituosa da sociedade. Numa palavra, havia até os anos 1980 uma
irredutível diferença de identidade entre Estado e corporações.
A partir dos anos 1980, essa diferença de identidade começa a
desaparecer, em decorrência, sobretudo, de três fatores: (1) a maior mobilidade
transnacional de mercadorias e capitais tornam os movimentos ambientais e
sociais menos aptos a influenciar as políticas públicas; (2) as espetaculares
11

campanhas eleitorais tornaram-se dependentes de recursos aportados pelas


corporações, tanto no Brasil34, quanto nos Estados Unidos35; (3) o déficit fiscal e
o endividamento público crescentes dos Estados atrofiam sua capacidade de
investimento e os obrigam a subordinar suas políticas ambientais e sociais à
lógica do mercado financeiro.
Todo o quadro de representação política mais ou menos democrática
criado pela história multissecular dos Estados nacionais começa a perder,
assim, efetividade. Subjacente a ele neste início de século, outra estrutura
institucional vem ganhando força. Esta se caracteriza por mecanismos jurídicos
de reforço do poder das empresas multinacionais sobre os Estados nacionais,
consubstanciado em acordos transversais às legislações nacionais. Dentre
eles, ressaltam o TPP (Trans-Pacific Partnership 36) e o TTIP (Transatlantic
Trade and Investment Partnership), em vias de negociação entre os EUA e a
União Europeia. Ambos os acordos permitem que as corporações processem
os Estados nacionais, no âmbito de um tribunal arbitral internacional (investor-
state dispute settlement) sediado no Banco Mundial, caso se julguem
prejudicadas pelas legislações nacionais 37. O Transatlantic Trade and
Investment Partnership (TTIP) visa “a eliminação, a redução e a prevenção de
barreiras não-tarifárias internas nacionais desnecessárias ao comércio em
todas as categorias” (‘behind the border’ non-tariff barriers)38. Essas barreiras
referem-se às legislações em geral dos Estados nacionais. E entre as barreiras
consideradas “desnecessárias” contam-se, como mostra Lori Wallach, “a
regulamentação financeira, a luta contra o aquecimento global e o exercício da
democracia”39.
Destituídos de soberania real, ao mesmo tempo credores e devedores,
sócios e concorrentes do grande capital, os Estados são absorvidos na lógica
da rede corporativa nacional ou transnacional e tendem a funcionar, e a se
pensar, como um elo dessa dinâmica. Essa nova condição torna, em certa
medida, inatual a constante histórica elaborada por Marx segundo a qual no
capitalismo o Estado representa, em última instância, os interesses do capital.
O Estado contemporâneo não representa mais o capital porque representar
supõe uma relação entre duas instâncias distintas, ao passo que o que ocorre
hoje é um continuum entre ambos. Noções como “capitalismo de laços” 40 ou
crony capitalism41 tentam captar essas novas formas de imbricação entre o
Estado e as corporações. A emergência dessas novas formas ocorre de modo
quase imperceptível pois coroam lentos processos de atração recíproca, objeto
já em 1956 de um estudo clássico de Wright Mills e em 1961 do famoso alerta
de Eisenhower42.
Um passo a mais está sendo dado. Hoje, a tal ponto os Estados
amalgamam-se física, política e financeiramente com as corporações, que
começam a se borrar os limites entre eles, de modo que se torna por vezes
impossível precisar onde termina o Estado e onde começa o grande capital
corporativo. Essa convergência e transitividade de recursos humanos, capitais
e interesses atinge não mais apenas a política econômica, mas, repita-se, a
identidade mesma do Estado. O fenômeno foi bem descrito em 2008 por
Sheldon Wolin que cunhou para tanto o termo “Democracy Incorporated” 43,
caracterizada por:

“uma relação simbiótica entre o governo tradicional e o sistema de governança


‘privada’ representado pela moderna corporação empresarial. O resultado é,
12

não já um sistema de co-determinação por colaboradores que mantêm distintas


identidades, mas um sistema que representa a passagem à maturidade política
do poder corporativo”.

Isto não significa que não haja mais tensão entre o Estado e as
corporações. Mas esta mudou de natureza. Outrora, o Estado era, por assim
dizer, o espelho de uma dada correlação de forças, isto é, da capacidade de
cada classe de se fazer presente e de influenciar – através das lutas sociais,
dos sindicatos, partidos, representações parlamentares, etc – sua política
sócio-econômica e suas diretrizes políticas fundamentais. Hoje, na tensão entre
Estado e corporações predominam outros fatores, entre os quais: (1) a
legislação fiscal, sua implantação e fiscalização, a manipulação contábil e a
evasão de impostos em paraísos fiscais (veja-se capítulo 12); (2) a importação
para dentro do Estado dos conflitos entre os diversos grupos do mundo
corporativo, em função de interesses e alianças conjunturais do Estado com
este ou aquele grupo corporativo; (3) interações disfuncionais entre Estado e
corporações, tais como a corrupção 44 e a burocracia, etc.; (4) enfim, e apenas
secundariamente, as pressões da sociedade civil para que o Estado reassuma
sua identidade histórica de promotor de políticas ambientais e de bem-estar
social. Apenas secundariamente, porque a capacidade e a disponibilidade dos
Estados para atender a essas pressões são cada vez mais condicionadas pelo
pacto corporativo que rege hoje essa nova natureza emergente do Estado. Em
suma, as tensões entre Estado e corporação resultam da metabolização in fieri
na digestão simbiótica de um organismo por outro. Uma metabolização que
deve permanecer imperfeita, pois é apenas conservando um resíduo de
identidade e autonomia em relação às corporações que essa nova entidade
híbrida, o Estado-Corporação, legitima-se aos olhos da sociedade e se mostra
funcional a si próprio.
Portanto, quando nos perguntamos por que, segundo o Climate Change
Performance Index (CCPI) de 2013, “os esforços protetivos [dos Estados] em
relação às mudanças climáticas estão ainda muito aquém do suficiente”, a
resposta começa a se desenhar. Os Estados não têm mais o poder, nem o
interesse e nem mesmo mais a percepção de que lhes caberia agir – como
poder público – em nome da consciência ambiental coletiva e, por conseguinte,
em dissonância com os interesses indefectíveis das corporações: aumentar a
produção e o consumo globais e garantir o fluxo internacional de insumos a
preços que garantam a taxa de lucro.

3. O retrocesso do multilateralismo

A criação da ONU em 1945, do Tribunal Internacional de Justiça em


1946 e da OEA em 1948, a descolonização dos anos 1960, a Conferência de
Estocolmo de 1972, a détente iniciada nos anos 1970, os avanços diplomáticos
na desaceleração da corrida armamentista firmados nas Cúpulas de Reykjavik
e de Washington, em 1986-1987, a criação do Comitê Brundtland (1983-1987),
a formação, enfim, de grandes blocos regionais, a exemplo da União Europeia,
colocaram na ordem do dia do “mundo de ontem” o princípio do
multilateralismo e do direito internacional. Em 1987, na abertura do relatório do
Comitê Brundtland, Our common future, Gro Harlem Brundtland escrevia:
“Talvez nossa tarefa mais urgente hoje é persuadir as nações da necessidade
de retornar ao multilateralismo”. Ainda nos anos 1990, a esperança de uma
13

lenta evolução em direção a uma efetiva governança internacional era


alimentada por uma sucessão de reuniões importantes, sobretudo após a ECO-
92, geradora de ambiciosos acordos: em 1993, a Conferência de Viena sobre
os Direitos Humanos, de que resultou a chamada Declaração e Programa de
Ação de Viena (VDPA) e o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas
para os Direitos Humanos; em 1994 a Conferência do Cairo sobre População e
Desenvolvimento; em 1995, a adesão de 38 Estados ao Tratado de Não-
Proliferação Nuclear; em 1996, a Cúpula Mundial da Alimentação (WFS) e a
Quarta Conferência de Pequim sobre a Igualdade das Mulheres, além do
comprometimento dos Estados com a Agenda 21 e a força, então emergente,
do altermundialismo.
A invasão do Iraque em 2003 impôs um abrupto retrocesso no princípio
do multilateralismo e do direito internacional. Hoje, a escassez dos recursos
naturais, a perspectiva de escassez ou a redução final desses recursos ao
estatuto de commodities tornam os Estados-Corporações menos dispostos a
respeitar organismos multilaterais, a firmar acordos internacionais vinculantes
ou a ratificá-los e cumpri-los, quando firmados. O caso do Protocolo de Kyoto
(1997-2012) fornece um proverbial exemplo de não adesão e de
descumprimento dos acordos multilaterais. Ele engajava as nações signatárias
a diminuir suas emissões de gases de efeito estufa em 5,2% em relação aos
níveis de 1990. Ocorreu desde então o que o gráfico abaixo mostra.

Emissões Globais de CO2 entre 1970 e 2012


(em gigatoneladas)

Fonte: Jeff Tollefson, Nature, 503, 14/XI/2013, p. 175, a partir de PBL Netherlands Environ. Assessment Agency/UNEP

Ao invés de diminuírem 5,2%, as emissões mundiais de CO 2 aumentaram entre


1992 e 2012 cerca de 50%, causando um aumento de 11% nas concentrações
atmosféricas desse gás, com um aumento recorde de mais de 5% apenas em
201045. Segundo o último relatório do IPCC, publicado em abril de 2014, “as
emissões de gases de efeito estufa progrediram mais rapidamente entre 2000
e 2010 que ao longo da cada um dos três decênios precedentes” 46. O Global
Carbon Project (GCP) alerta para um crescimento médio de 3% ao ano desde
2000. O GCP anunciou mais um recorde para o ano de 2013: quase 40 bilhões
de toneladas de CO2, segundo cálculos que levam em conta a queima de
combustíveis fósseis, a produção de cimento e o desmatamento 47. Segundo
Fatih Birol, Economista-Chefe e Diretor do Global Energy Economics da
Agência Internacional de Energia (AIE), projeta-se até 2035 um crescimento de
mais de um terço da demanda de energia, em relação à demanda atual, o que
só tenderá a aumentar essas emissões48.
14

Os culpados por 60% do aquecimento global antes de 2005 são sete


países: EUA, 20%; China, 8%; Rússia, 8%; Brasil, 7%; Índia, 7%; Alemanha,
5% e Reino Unido, 5%. As três posições sucessivas nessa lista são ocupadas
pela França, a Indonésia e o Canadá 49. Esses dez países estão também entre
os que menos se têm comprometido com o multilateralismo. Os Estados
Unidos não ratificaram o Protocolo de Kyoto e suas emissões no âmbito da
produção de energia aumentaram em 2013 cerca de 2% em relação ao
montante emitido em 2012. Não se prevê diminuição nessas emissões pela
queima de combustíveis fósseis em 2014 e em 2015 50. Além disso, há de se
contabilizar as emissões indiretas, pois parte substancial das emissões de
gases e da poluição atmosférica chinesa provém de produtos exportados para
os EUA. “Mais de um terço das emissões de CO 2 da China em 2007 (...) pode
ser atribuído às suas exportações. (...) A responsabilidade para cada tonelada
de dióxido de carbono é compartilhada entre o país no qual o CO 2 é emitido e
os países onde os produtos que o geraram são consumidos” 51. Um trabalho de
Jintai Lin, da Universidade de Pequim, mostra que, apenas em 2006 52: 36%
das emissões antropogênicas de dióxido de enxofre, 27% de óxidos de
nitrogênio, 22% de monóxido de carbono e 17% de partículas de carvão
produzidas na China estavam associadas com a produção de bens para
exportação. Para cada um desses poluentes, cerca de 21% das emissões
chinesas relacionadas com exportação provinham de exportações para os
Estados Unidos”.
Em dezembro de 2011, o Canadá abandonou o Protocolo de Kyoto sem
contrapartida, após aumentar em 30% suas emissões entre 2008 e 2012 (em
relação a 1990)53. Malgrado suas declarações de princípio, a China não tem
diminuído o uso de carvão em sua matriz energética (veja-se capítulo 5). O
Japão anunciou em 2013 que suas emissões de CO 2 aumentaram. A Rússia,
enfim, negou-se a assumir novas metas de redução em suas emissões de CO 2
e, por conseguinte, a aderir a um novo acordo, chamado Kyoto-2. Enquanto
Kyoto-1 envolvia países responsáveis por 75% das emissões de gases de
efeito estufa (mesmo com a não ratificação do Tratado pelos EUA, esta
porcentagem ainda era de 50%), Kyoto-2 deixa de fora os grandes emissores e
não envolve senão países responsáveis por 15% dessas emissões 54.
Em 2007, o Conselho Europeu estabeleceu as diretrizes para 2020
conhecidas como “20-20-20”: 20% de redução das emissões de gases de efeito
estufa, 20% da energia europeia proveniente de fontes renováveis e 20% de
aumento da eficiência energética, tudo em relação a 1990. Esses objetivos não
serão alcançados. A diminuição das emissões de gases de efeito estufa em
alguns países europeus, festejada na imprensa 55, é falseada pelos mesmos
fatores que prevaleceram nos EUA: a delocalização industrial e a crescente
importação de produtos industriais chineses. Apenas entre 2001 e 2010, o
comércio entre a União europeia e a China, por exemplo, aumentou 400% e
hoje a China é o segundo parceiro comercial desse continente 56.
No Brasil, as emissões de CO2 cresceram 62% entre 1990 e 2005 e
mais da metade desse acréscimo é devido ao desmatamento e a incêndios
criminosos de florestas, ateados a mando de fazendeiros 57. Não se
contabilizam nesse aumento as emissões de metano (CH 4) pelas hidrelétricas e
pela pecuária58, um gás cujo efeito estufa é muito mais poderoso, molécula a
molécula, que o efeito estufa causado pelo CO 2. O Brasil fornece um afrontoso
exemplo de retrocesso do multilateralismo. Dependente do agronegócio, além
15

de ideologicamente afinado com ele, o Estado-Corporação brasileiro permitiu


um aumento de 28% do desmatamento entre meados de 2012 e meados de
2013 (vide capítulo 1.4. O recrudescimento da devastação na Amazônia).
Marina Silva bem exprime a percepção de que a Rio+20 era apenas um
estorvo para as diretrizes políticas vigentes: “Os ruralistas, hoje, com o apoio
do governo do PT, têm tudo o que querem. Já estava combinado. Passada a
exposição da Rio+20, as últimas salvaguardas ambientais seriam retiradas
pelos tratores”59. Além disso, o governo brasileiro desqualificou em abril de
2011 o pedido da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da
OEA de uma “suspensão imediata” do processo de licenciamento da usina
hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu 60. O governo brasileiro nem sequer
enviou um diplomata a uma audiência convocada pela OEA em outubro de
2011 para responder a esses questionamentos 61. Aliás, não apenas
desconsiderou a convocação, mas a retaliou, não honrando o pagamento da
contribuição anual brasileira à OEA, numa provável tentativa de inviabilizá-la 62.
Se fosse independente do agronegócio e da rede corporativa, se não se tivesse
tornado “o governo da vez”, a atual administração teria sabido ouvir os
ponderados argumentos técnicos, científicos e ambientais acerca de Belo
Monte; teria também a responsabilidade de fortalecer os fóruns internacionais,
cuja autoridade deve-se tornar coercitiva dado o caráter transfronteiriço das
crises ambientais63.
O retrocesso do multilateralismo comprovou-se mais uma vez na
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a
Rio+20, ocorrida em junho de 2012. Saudada como o maior encontro da
história da ONU, a Conferência credenciou mais de 45 mil pessoas, das quais
quase 11 mil o foram na qualidade de membros de delegações dos diversos
países participantes, além de cerca de 10 mil representantes de ONGs e da
sociedade civil. O sítio da Conferência na internet teve mais de 50 milhões de
visitas. Comparável às suas dimensões e às expectativas que suscitou foi,
contudo, seu fracasso. Os que controlam as tomadas de decisões conseguiram
resistir às pressões dos cientistas e da opinião pública. Viram-se ali as mais
insólitas alianças, como a da Venezuela de Hugo Chaves, com os Estados
Unidos, a Rússia e o Canadá para evitar a aprovação de um plano para a
proteção do alto mar. Nada poderia unir esses países, salvo o lucro, ironizou
Kumi Naidoo, diretor executivo do Greenpeace Internaciona l64.
Dois comentários resumem os resultados da Rio+20. Ban Ki-moon, Secretário
de Geral da ONU, afirmou: “Permitam-me ser franco. Nossos esforços não
estiveram à altura do desafio. A natureza não espera. A natureza não negocia
com os seres humanos”65. E Pavan Sukhdev, ex-Conselheiro especial do
PNUMA e chefe do projeto Green Economy Initiative da ONU, acrescentou:
“Não haverá tempo para uma Rio+40”66.
Uma razão importante do retrocesso do multilateralismo é a perda do
fator surpresa. Em 1992, o universo corporativo foi neutralizado pela imensa
exposição à mídia, pelo entusiasmo geral, pelo ímpeto e pelos compromissos
assumidos para descarbonizar a economia e preservar a biodiversidade. Vinte
anos depois, os lobbies das corporações e os Estados-Corporações não
tinham mais contra eles o fator surpresa. Voltaram ao Rio decididos a obstruir
qualquer compromisso de governança global. A crise econômica, embora real,
oferecia um ótimo argumento para contra-atacar, de modo que quem foi agora
16

vítima do fator surpresa foi a sociedade, diante da resistência do establishment


a firmar qualquer acordo efetivo.

4. Reservas naturais e horror vacui

O aumento das emissões de gases de efeito estufa é apenas um


exemplo num quadro geral de agravamento das crises ambientais. A
Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção das Nações Unidas de
Combate à Desertificação (UNCCD), dois acordos gerados pela ECO-92,
apresentam saldos igualmente negativos. O Global Land Degradation
Assessment (GLADA), de 2008, por exemplo, calcula que 24% das terras
degradaram-se, isto é, perderam produtividade, entre 1981 e 2003 67. Outros
dossiês nos quais o multilateralismo mostrou saldos insubstanciais, quando
não regrediu, são o colapso da biodiversidade, o desmatamento, a poluição
dos solos, da atmosfera e da hidrosfera, o extermínio da vida marítima, o
aumento do lixo e os lucros obtidos pelo tráfico internacional de lixo, madeira e
animais (reciclados pelo sistema financeiro), a intoxicação por mercúrio, por
rejeitos radioativos de tórium e de urânio liberados no refino de terras raras, por
agrotóxicos, fertilizantes, etc.
A conclusão é que nos últimos vinte anos duplicou-se a velocidade da
depleção dos recursos naturais do planeta 68. Vandana Shiva, Diretora da
Research Foundation for Science, Technology and Natural Resource Policy,
afirmava em 201069:

“Quando pensamos nas guerras de nossos tempos, nossas mentes se voltam


para o Iraque e o Afganistão. Mas a guerra maior é a guerra contra o planeta.
Esta guerra tem suas raízes na economia, incapaz de respeitar limites
ecológicos e éticos – limites à desigualdade, limites à injustiça, limites à
ganância e à concentração econômica. Um punhado de corporações e de
países poderosos tenta controlar os recursos do planeta e transformá-los em
um supermercado, no qual tudo está à venda. Querem vender nossa água,
genes, células, órgãos, conhecimento, cultura e futuro”.

A ideia mesma de se estabelecerem “reservas” naturais é sintomática


dessa guerra e equivale ao estabelecimento das chamadas “zonas neutras” na
guerra global pelo acaparamento dos insumos. Mas como a lógica que
concebe a natureza como matéria-prima caracteriza-se pelo horror vacui, dela
não escapam as próprias “reservas”. Os dados a respeito são inequívocos. Em
2013, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) reconhece 621 reservas da biosfera em 117 países 70, sete
das quais no Brasil (Mata Atlântica, Cinturão Verde de São Paulo, Cerrado,
Pantanal, Caatinga, Amazônia Central e Serra do Espinhaço). A maioria delas
encontra-se em processo de degradação 71. No Brasil, “as terras indígenas e as
unidades de conservação, terras mantidas fora do mercado, estão sendo mais
do que nunca ameaçadas”72. Desde 1981, ocorreram 48 processos de
Redução, Declassificação ou Reclassificação (RDR) de áreas protegidas, a
maior parte deles desde 2008, quando Marina da Silva deixou o Ministério do
Meio Ambiente, e há em curso no Congresso Nacional 20 projetos de lei para a
eliminação ou “flexibilização” de áreas de proteção ambiental 73. Em escala
internacional, 10% dos 183 sítios naturais do planeta tombados pela UNESCO
desde 1978, baluartes e símbolos emblemáticos do conceito de santuário
17

ecológico, já estão em risco ou degradados 74. As reservas marinhas globais


(Marine Protected Areas ou MPA) não superam 1,17% dos oceanos, e as MPA
“são inefetivas ou apenas parcialmente efetivas” 75. A destruição em 27 anos de
50% da Grande Barreira de Corais da Austrália, protegida desde 1981 pela
UNESCO, fornece um caso exemplar de vulnerabilidade das reservas de vida
mais importantes do planeta (vide capítulos 9 e 11).

5. Insustentabilidade e o crescente protagonismo das crises ambientais

Dado esse rápido balanço do bloqueio mental e da incapacidade das


sociedades de reagir em concerto à degradação da biosfera, compreende-se a
ubiquidade do conceito de “desenvolvimento sustentável”. Trata-se de um
conceito-chave que, contudo, tornou-se um bla-bla-bla ou, como frisou Robert
Engelman, um sustainababble, um slogan publicitário76. Para que recobre sua
significação, é preciso defini-lo de modo rigoroso. Um sistema socioeconômico
é sustentável se e somente se: (1) a atividade econômica não destruir a
biodiversidade e não alterar as coordenadas ambientais do planeta numa
velocidade superior à sua capacidade de adaptação; (2) a atividade econômica
for capaz de “satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a
habilidade das gerações futuras de satisfazer as suas próprias” 77. Numa
palavra, um sistema socioeconômico só é sustentável se puder compatibilizar o
humano e a diversidade do não-humano, o que equivale a dizer: compatibilizar
o homem de hoje e o de amanhã.
As palavras de Herman Daly a respeito são emblemáticas 78: “o termo
‘desenvolvimento sustentável’ (...) faz sentido para a economia, mas apenas se
for compreendido como desenvolvimento sem crescimento”. Emblemático é
também o veredito de James Lovelock79: “o erro que eles [os acólitos do laissez
faire do mercado e os que almejam o chamado desenvolvimento sustentável]
compartilham é a crença que mais desenvolvimento (further development) é
possível e que a Terra permanecerá tal mais ou menos como agora ao longo
da primeira metade deste século”. No estágio atual avançado das crises
ambientais, todo crescimento choca-se com uma impossibilidade física: a
entropia gerada pelo próprio crescimento, como já estabelecido há mais de 40
anos pelo opus magnum de Nicholas Georgescu-Roegen80. Choca-se também
com um princípio basilar da teoria econômica, o teorema da impossibilidade de
Herman Daly, discutido no capítulo 12 (vide 12.3. O efeito oposto). Choca-se,
em suma, com o fato que as escalas atuais das atividades econômicas, e seu
constante incremento em setores de alto impacto ambiental (energia fóssil e
hidrelétrico, petroquímico, cimento, siderurgia, defesa, automobilístico,
fertilizantes, agrotóxicos, etc.) vêm-se mostrando objetivamente incompatíveis
não apenas com os estoques de recursos naturais disponíveis, mas com os
equilíbrios do sistema Terra que permitiram o rápido desenvolvimento das
civilizações humanas desde o fim do último período glacial, há cerca de 12
milênios ou pouco mais.
A questão histórica que se impõe hoje é a de distinguir o peso das
condicionantes ambientais na crise econômica atual e nas futuras. A crise
econômica de 2007-2008 foi deflagrada, como sabido, pela conjunção do
estouro de uma bolha imobiliária, de uma expansão excessiva do crédito e da
revenda de derivativos dos títulos subprimes, que geraram um efeito dominó de
inadimplências, uma crise de liquidez e uma violenta contração do crédito. Em
18

termos formais, esse mecanismo, próprio do modo de funcionamento do


sistema financeiro, guarda similaridades com outras crises de crédito anteriores
ou outros estouros de bolhas especulativas e imobiliárias, como, por exemplo,
a longa crise iniciada com o “pânico de 1873” e a crise que debilitou a
economia japonesa nos anos 1990.
Num nível mais profundo, contudo, a crise atual difere em dois aspectos
das anteriores. O primeiro é que, se nela se entrou pelas razões de sempre,
dela está mais difícil de sair, em parte, e pela primeira vez, porque as crises
ambientais já desempenham um papel coadjuvante no prolongamento da crise
econômica. O segundo aspecto é que a crise de 2007-2008 parece ser uma
das últimas crises “clássicas” do capitalismo. Não porque seu ciclo tenha
cessado de existir, mas porque a ele se sobreporão, no futuro, condicionantes
ambientais. Essa conjunção das crises cíclicas do capitalismo com crises
ambientais produzirá, provavelmente, crises muito mais profundas,
prolongadas e de mais difícil resolução.
O peso das condicionantes ambientais no desempenho da economia
mundial é já enorme. Jim Yong Kim, Presidente do Banco Mundial, considera
hoje o aquecimento global como o principal responsável pela queda do PIB das
nações “em desenvolvimento”81. Da mesma maneira, a OCED adverte sobre os
custos crescentes da poluição por carbono. A partir da avaliação, intitulada
Risky Business, dos potenciais impactos das mudanças climáticas sobre cada
região e setor da economia dos Estados Unidos, Robert E. Rubin, ex-
Secretário do Tesouro de Bill Clinton afirmou: “Há muitas questões
monumentais e realmente significativas que desafiam a economia global, mas
esta supera todas”82. Já em 2006, o Relatório Stern previa que uma recessão
causada pelas mudanças climáticas poderia implicar perdas de 5% a 20% do
PIB mundial por ano. Em 2010, o relatório de um grupo de 12 instituições
governamentais dos EUA83 avaliou o Custo Social do Carbono (SCC), “uma
estimativa dos danos em valores monetários associados a um incremento das
emissões de carbono em um dado ano” 84. O documento fixou então o Custo
Social do Carbono para os EUA em 22 dólares por tonelada de CO 2 emitido na
atmosfera. Três anos depois, em 2013, este mesmo custo foi recalculado em
36 dólares85. Em 2012, o segundo relatório do Climate Vulnerability Monitor,
que avalia através de 34 indicadores os impactos “de retorno” do clima sobre a
economia de 184 países, mostrou que 86: “as perdas decorrentes da economia
baseada no uso de carbono e das mudanças climáticas ultrapassam 1,2 trilhão
de dólares em 2010”. O relatório Our Nutrient World de 2013 do PNUMA e
organizações associadas87 calcula que o prejuízo causado apenas pelos
fertilizantes nitrogenados, um negócio dominado por dez corporações, varia de
200 bilhões a dois trilhões de dólares ao ano. Os prejuízos causados pelo uso
excessivo e pelo declínio dos recursos hídricos foram também precificados,
como mostra um relatório do Moody’s Investor Service, segundo o qual a
escassez de água está tornando menos rentáveis as operações das grandes
mineradoras, já que dois terços dos maiores projetos internacionais de
mineração encontram-se em países com risco moderado ou elevado de
escassez de água88.
Há, enfim, que se contabilizar os prejuízos causados pela destruição dos
recursos naturais que valem pelo seu “não-uso”. Segundo o primeiro relatório
do The Economics of Ecosystems and Biodiversity (TEEB) de 2010, que
calcula em termos monetários o valor de “não-uso” da natureza – esse valor
19

“invisível” que consiste nos serviços prestados ao homem pelas florestas, pela
biodiversidade e pelos ecossistemas –, entre 1985 e 2010 o capitalismo
destruíra a natureza num valor estimado entre 2,5 a 4,5 trilhões de dólares. O
relatório projeta que em 2050 a destruição dos ecossistemas corresponderá a
18% de toda a produção mundial89. Acerca desses prejuízos externalizados
pela contabilidade corporativa, o relatório GAR 13 da UNISDR, acima citado,
mostra que, “por exemplo, incêndios de coberturas vegetais afetam hoje em dia
todos os continentes com custos dos danos aos ecossistemas tropicais
potencialmente de mais de 3 trilhões de dólares por ano” 90.
Nas próximas crises, os pesos relativos dos fatores econômicos e dos
fatores ambientais na geração das crises tenderão a se inverter, cabendo ao
ciclo clássico do capitalismo cada vez mais um papel apenas coadjuvante e
aos crescentes custos das crises ambientais, acima estimados segundo
diversas abordagens e metodologias, cada vez mais o papel de protagonista.
Como bem afirma James Leape, Diretor Geral Internacional da WWF:

“O mundo está no momento lidando com as consequências de superestimar


seus ativos financeiros. Mas uma crise mais fundamental está à frente – uma
contração dos créditos ecológicos causada pela desvalorização dos ativos
ambientais que são a base de toda a vida e prosperidade”91.

Uma percepção equivalente é formulada em 2011 por Lester Brown: “Quando


pensamos nos déficits ecológicos que estão levando o mundo a seu limite, fica
claro que os fatores geradores de déficits ecológicos são os mesmos que
levam aos déficits fiscais”92. Numa palavra, o fato da crise econômica ter
assumido a partir de 2007 a forma de uma inadimplência das famílias, dos
bancos e dos Estados tende a ocultar a importância crescente da degradação
ambiental que, como se verá em detalhe ao longo deste livro, é a componente
estrutural da crise do capitalismo global.

6. A fênix que virou galinha

Os debates sobre as receitas para sair da crise econômica se


prolongarão ad nauseam (ou ad bellum) enquanto não se admitir o
esgotamento da farmacopeia do capitalismo. O déficit, a inadimplência, o
desemprego, a inflação e o crescimento decrescente da economia não são
mais conjunturais. Conjuntural será, doravante, a retomada do crescimento
econômico. Pois não será nem exuberante, nem duradoura. Quem o diz é Zhou
Shengxian, Ministro do Meio Ambiente da China, para quem “a dilapidação, a
deterioração e a exaustão dos recursos, e a piora do meio ambiente tornaram-
se gargalos e graves impedimentos para o desenvolvimento econômico e
social da nação”93.
Foram-se, de fato, os tempos do long-run growth, dos modelos
matemáticos elegantes de crescimento de longo prazo 94, que floresceram no
segundo pós-guerra e funcionavam bem no vácuo, com os déficits ambientais
ainda administráveis, com o clima ainda estável, com o petróleo barato e com
os demais recursos naturais ainda abundantes. Hoje, os preços de
commodities essenciais para a indústria aumentaram em geral quase 150% de
2002 a 2010, anulando o declínio dos preços reais dos últimos 100 anos, sendo
que o ouro, a prata, o índio (In), o irídium e o tungstênio, por exemplo, devem-
se exaurir entre os próximos 5 e 50 anos 95. Os defensores do capitalismo
20

continuarão a bater na mesma tecla da excepcional resiliência desse sistema


econômico. Têm razão. Os versos fuzilados entre-dentes por Maiakóvski em
1917 têm hoje sabor arqueológico96:

Come ananás, mastiga perdiz.


Teu dia está prestes, burguês.

O dies irae do burguês não chegou. O vaticínio não se realizou nem na Rússia,
nem alhures. O capitalismo foi capaz de se dotar de legalidade institucional, de
administrar a pressão social ou, quando acuado, de eliminá-la pelo nazi-
fascismo e regimes congêneres. Suas piores crises econômicas, suas mais
extremas near-death experiences, dispararam mecanismos de parcial
autofagia, de fortalecimento dos mais aptos, de concentração do capital e de
inovação tecnológica, que provocaram sucessivos resets no sistema,
permitindo-lhe renascer mais forte e vigoroso de suas cinzas.
Desde a crise de 2007-2008, a fênix, contudo, tarda a renascer, ou
melhor, está renascendo com a autonomia de voo de uma galinha. Não porque
tenha desaprendido a voar, mas porque encontrou seu teto: os limites da
biosfera. Esses limites mostram-se mais cruamente na China, país que se
asfixia em seu “arpocalipse” e se afunda na mais tentacular crise ambiental do
planeta. Mas eles estão por toda a parte e constituem um anel de ferro que
nenhuma política econômica poderá romper. Pois dopar a economia global com
anabolizantes (subsídios, facilitação do crédito, “relaxamento monetário”,
“inovação” tecnológica para maior produtividade, etc.) no fito de lhe devolver
seu desempenho passado apenas aumentará a pressão sobre os recursos
naturais e corroerá mais ainda o que ainda resta dos pilares de sustentação da
vida no planeta. E, na mesma proporção, diminuirá ainda mais as chances de
funcionamento da engrenagem da acumulação. O que parece ser mais uma
crise dentro do capitalismo é, na realidade, uma crise do capitalismo, ou mais
precisamente das relações entre o sistema econômico e seus limites físicos 97.
Assim, embora o business cycle do capitalismo continue a se produzir, o gráfico
abaixo, elaborado por Gail Tverberg, mostra o quanto o crescimento médio
ocorrido em cada um desses ciclos é decrescente.

Mudanças percentuais anuais do PIB real mundial

Fonte: Gail Tverberg, Our finite world, 18/VII/2012


http://ourfiniteworld.com/2012/07/18/how-much-oil-growth-do-we-need-to-support-world-gdp-growth/

O crescimento médio do PIB real (descontada a inflação) mundial no período


1970-1973 foi de quase 5%; no período 1976-1979, foi de pouco mais de 4%;
21

no período 1984-1990 foi de menos de 4%; no período 1994-2007 foi de pouco


mais de 3% e no período 2008-2011 foi de cerca de 1,5%, com um momento
de crescimento negativo pela primeira vez desde 1945. Reverter essa
tendência declinante requereria uma estabilidade dos dados climáticos e uma
abundância de energia e de recursos naturais, não mais existentes.
Eis a armadilha em que se encontra enredado o sistema econômico
global no Antropoceno: quanto maior a escala de exploração de energia, solo,
água, proteínas animais, minerais e demais recursos finitos (sejam eles fósseis
ou renováveis em ritmos inferiores aos de sua exploração), mais escassos,
inacessíveis e caros eles se tornam, e mais intensa é a taxa de inovação
tecnológica requerida para manter essa escala. Isto leva o sistema econômico
a recorrer a atividades mais invasivas, custosas, poluentes e destrutivas, o que,
por sua vez, leva a economia a gerar mais alta entropia nela própria e no meio
ambiente, desequilibrando os parâmetros biogeofísicos do planeta que
prevaleceram no ameno Holoceno. Surge, assim, no capitalismo global
contemporâneo uma nova lei: a escassez e/ou poluição dos recursos naturais,
as mudanças climáticas e demais desequilíbrios socioambientais serão
doravante cada vez mais as variáveis decisivas na determinação da taxa de
lucro do capital.

7. “Em que estávamos pensando?” O autoengano

Repercutindo o livro de Paul Gilding, The Great Disruption, em sua


coluna de 7 de junho de 2011 do The New York Times, Thomas L. Friedman,
editorialista desse jornal, escrevia: “devemos pensar se dentro de alguns anos
não olharemos retrospectivamente para o primeiro decênio do século XXI –
quando os preços dos alimentos escalaram novos picos, os preços das
energias aumentaram, a população mundial galgou novos patamares, furacões
devastaram cidades, inundações e secas bateram novos recordes, populações
foram deslocadas e governos foram ameaçados pela confluência disso tudo – e
nos perguntaremos: em que estávamos pensando? Como não entramos em
pânico quando eram tão incontornáveis as evidências de que havíamos
ultrapassado a linha vermelha ao mesmo tempo do crescimento, do clima, dos
recursos naturais e da população?”98.
Na realidade, estamos já vivendo uma espécie particular de pânico,
manifesto em seu contrário complementar, a paralisia. Animais fogem em face
do perigo. Mas quando o perigo os surpreende, paralisam-se na esperança de
passarem despercebidos pelo predador. Nosso pânico guarda uma forte
analogia com esse comportamento. Salvo que a tática animal assume em nós
a forma particular do chamado “comportamento da avestruz”: o autoengano.
Contrariamente à denegação pura e simples, sua forma mais primária, o
autoengano não nega as evidências. Mas as vê através de lentes
transfiguradoras que magnificam os fatores positivos e minimizam os
negativos. Eis como o autoengano afasta a perspectiva do colapso ambiental:
ao avaliar os fatores positivos e os negativos, ele não leva em conta o fato que
os fatores negativos excedem os positivos em escala, em velocidade e em
aceleração99. O autoengano desconsidera os desbalanços entre fatores
positivos e negativos e transforma as tímidas iniciativas políticas e econômicas
em indícios de que o capitalismo caminha para a “sustentabilidade”. Escapa-lhe
que, na escala, na velocidade e na aceleração em que essas iniciativas
22

positivas avançam, elas não têm sido capazes de contrabalançar a escala, a


velocidade e a aceleração das crises ambientais: maior concentração de gases
de efeito estufa na atmosfera, mudanças climáticas, colapso da biodiversidade,
acidificação oceânica, eutrofização e multiplicação das zonas anóxicas fluviais,
lacustres e marinhas, destruição dos recifes de corais, desmatamento e
vulnerabilização das florestas, declínio dos recursos hídricos, secas mais
intensas e prolongadas, desertificação e erosão galopantes, incêndios mais
frequentes e mais devastadores, chuvas ácidas, aumento no buraco da
camada de ozônio na estratosfera do Ártico, concentrações crescentes de
ozônio e de outras partículas tóxicas na troposfera, poluição da terra e do mar
por esgotos, pelo lixo municipal e industrial, intoxicação química da natureza e
do homem, degelo dos pergelissolos com crescente liberação de metano na
atmosfera, retração do gelo nas altas cordilheiras, no Ártico e na Groenlândia,
aceleração do aumento do nível do mar e intensificação dos eventos
meteorológicos extremos: furacões maiores, chuvas torrenciais, inundações,
verões tórridos, invernos setentrionais mais rigorosos e com nevascas mais
intensas, paradoxalmente num mundo mais quente 100. A lista está longe de
terminar.
Esses são os fatos, e eles são cumulativos, sinérgicos e convergentes.
Mas são ainda legião os que, como diria Tácito (Ann, V,10), fingunt simul
creduntque, i.e., acreditam nas próprias fantasias 101. Uns acreditam que a
mitigação das emissões de gases de efeito estufa é compatível com o
crescimento econômico102; outros, que o Estado tomará as medidas cabíveis
para evitar o colapso ambiental; outros ainda, que as forças do mercado que
hoje controlam os Estados acabarão por priorizar a sustentabilidade global em
detrimento de suas próprias prioridades, ou que ambas as prioridades
acabarão por coincidir. E todos acreditam que, como nos filmes de suspense
ou como no deus ex machina do teatro clássico, a bala de prata da tecnologia
chegará na última hora em nosso socorro, resolvendo inclusive os problemas
que ela mesma tem criado ou agravado. Como se o problema fosse de avanço
tecnológico em si e não da lógica acumulativa que faz desse avanço, e tanto
mais por ser formidável, um amplificador das crises. O autoengano é o caso
mais sedutor e insidioso de denegação. Sem ele, seria impossível nos manter
em nossas precárias zonas de conforto material e psíquico e ninar nossa
crença de que, por piores que sejam as notícias ambientais do dia a dia, no
final “tudo acabará bem”.

8. A ambição e as duas teses centrais deste livro

Cada linha deste livro tem por objetivo argumentar em favor da ideia
contrária, isto é, de que tudo acabará mal – muito mal e muito em breve – para
um número incontável de espécies, entre as quais a nossa, se não formos
capazes de reagir a tempo e à altura dos desafios que nos confrontam.
Embora lidando com dados e análises colhidos na literatura científica ou
de divulgação científica, este livro inscreve-se, como seu título o indica
suficientemente, no campo da história e das assim chamadas “ciências
humanas”. Sua ambição é contribuir para o reconhecimento da centralidade do
problema das múltiplas crises ambientais presentes, posto que, por sua
envergadura, ubiquidade e aceleração, sua dinâmica aponta para um colapso
23

ambiental global que tornará irrelevante a pauta dos debates que mobilizam
hoje nossas sociedades.
A primeira parte deste livro objetiva reunir e analisar o que a ciência nos
apresenta agora já não mais como tese, mas como crua e elementar
constatação: as crises ambientais estão produzindo rupturas nos equilíbrios
físicos, químicos e biológicos sobre os quais se alicerça a teia da vida. Esta
está, portanto, se desfazendo, o que nos aproxima de um limiar além do qual
deve sobrevir um colapso ambiental. Não sabemos quando nem sob que forma
esse colapso sobrevirá, mas sabemos que ele sobrevirá, se nada for feito, e
que os tempos da profilaxia estão atrás de nós. O traço definidor do momento
presente é a corrida contra o relógio. Em 2009, a Agência Internacional de
Energia (AIE) advertia: “Salvar o planeta não pode esperar. Cada ano que
passa torna-se mais estreita a janela de oportunidade de ação em relação às
emissões em dado período – e os custos de transformação do setor de energia
aumentam. (...) É chegado o tempo de fazer as escolhas duras necessárias a
transformar as promessas em ação” 103. O quinto relatório de 2013 do IPCC
sublinha: “os riscos que estamos correndo aumentarão a cada ano” 104. Essas
advertências valem para todas as crises ambientais discutidas nos 11
primeiros capítulos deste livro.
Talvez não esteja em poder do Homo sapiens desmontar a armadilha
que seu engenho lhe armou. Mas a primeira condição para enfrentar as crises
ambientais presentes é aceitar as constatações acima enunciadas e colocá-las
sem subterfúgios como o problema central da humanidade. É encorajadora,
ainda que inverificável, a proposição de Marx segundo a qual “a humanidade
só se coloca tarefas que ela pode resolver” 105. Mas há uma questão prévia: ela
não será jamais capaz de resolver um problema se não o reconhecer como tal.
De nosso ponto de vista, o que é preciso reconhecer pode-se exprimir nas
duas teses centrais deste livro.
A primeira é que, por definição, o capitalismo é insustentável em termos
ambientais. Assim sendo, a esperança de torná-lo sustentável pode ser
considerada como a mais extraviante ilusão do pensamento político, social e
econômico contemporâneos.
Tinha razão há quarenta anos Arnold Toynbee quando sentenciava 106:

“O poder material da humanidade aumentou agora a ponto de poder tornar a


biosfera inabitável e produzirá de fato esse suicídio em um prazo discernível se
a população do globo não tomar medidas imediatas, vigorosas e concertadas
para deter a poluição e a expoliação infligidas à biosfera pela imprevidente
cobiça humana”.

Tem razão, em 2011, Paul Gilding ao afirmar em seu acima citado livro: “nosso
problema não é apenas o débito, ou a desigualdade, ou a recessão, ou a
influência das corporações, ou a devastação ambiental. É o pacote inteiro (the
whole package): o sistema está profundamente avariado e não pode mais ser
reparado por reformas”. A mesma hipótese motiva Nafeez Mosaddek Ahmed,
cujo livro “explora a hipótese segundo a qual essas crises [ambientais]
aparentemente separadas são de fato manifestações da disfunção de um
sistema global, político, econômico, ideológico e ético, disfunção que
caracteriza a civilização industrial in toto”107.
É difícil recusar o diagnóstico proposto por esses autores, de resto,
idêntico ao de tantos outros anteriores a eles. Em uma linguagem mais
24

moderna e com diversas nuances, eles apenas retomam as palavras de


Lamarck citadas na abertura desta introdução. O problema é que o que
chamam de “imprevidente cobiça humana”, de “pacote inteiro” ou de
“civilização industrial in toto” não são “desvios” ou “defeitos” do capitalismo
susceptíveis de serem corrigidos ou extirpados. Essas expressões são o
capitalismo. É o capitalismo que causa as crises ambientais e nos impede de
reverter seu agravamento. O sistema socioeconômico que designamos pelo
termo capitalismo define-se por duas características: (1) um ordenamento
jurídico fundado na propriedade privada do capital; (2) uma lógica econômica
segundo a qual os recursos naturais e as forças produtivas da sociedade são
arregimentados e organizados com vistas à reprodução ampliada e à máxima
remuneração do capital. O capitalismo é insustentável porque não pode almejar
o mítico stationary state de que falava John Stuart Mill em seus Principles of
Political Economy. E se não pode almejá-lo, não pode a fortiori se conceber
como um sistema em decrescimento administrado 108. A expansão como
finalidade do sistema foi admitida em 1844 pelo próprio John Stuart Mill, que a
radica numa suposta natureza humana, já que “o homem é um ser
determinado, por sua própria natureza, a preferir uma maior porção de riqueza
a uma menor”109. Se não necessariamente a do “homem”, a causa final de
todas as ações do capitalista é, de fato, a reprodução ampliada de seu capital.
No capitalismo, ser é crescer. Ser e crescer são, no metabolismo celular desse
sistema, uma única e mesma coisa. A locução “capitalismo sustentável”
exprime, portanto, uma contradição nos termos.
O argumento de que a lógica da acumulação que gere nosso sistema
econômico conduz a um colapso ambiental foi defendido nos últimos decênios
por estudiosos de diversas disciplinas e pertenças ideológicas, como se verá
no capítulo 12. Em conformidade com essa tradição, este livro pretende
demonstrar e exemplificar à saciedade que as crises ambientais do presente,
bem longe de serem uma “doença infantil” do capitalismo, são uma doença
congênita, crônica e degenerativa desse sistema socioeconômico. Em termos
mais contundentes pode-se assim enunciar a primeira tese central deste livro:
sob o capitalismo, posto ser um sistema expansivo que se torna tanto mais
ambientalmente destrutivo quanto mais dificuldade encontra para se expandir,
o homem não voltará a “caber” na biosfera, o que implica que a sociedade
futura será não-capitalista ou não será uma sociedade complexa, e mesmo, é
de se temer, sociedade alguma.
A segunda tese central deste livro, matéria de sua segunda parte, é a de
que esta primeira ilusão de que o capitalismo é, ou pode se tornar, sustentável
retira sua seiva de uma segunda e de uma terceira ilusão, ambas
profundamente enraizadas na história europeia, matriz das sociedades
hegemônicas contemporâneas. A segunda ilusão é a de quanto mais
excedente material e energético formos capazes de produzir, mais segura será
nossa existência como espécie em face das adversidades da natureza. Ao
menos até o final do século XVIII, digamos, até a invenção da máquina a vapor,
essa equação mais excedente = mais segurança não revelava ainda seu
caráter ilusório, pois a capacidade do homem de potenciar energia de modo
exosomático era limitada por sua habilidade em capturar os fluxos de energia
terrestre: a tração animal, o uso da força da gravidade, do vento, da água, do
fogo e da radiação solar através da fotossíntese. As diversas fases da
revolução industrial deram-lhe acesso não mais apenas a esses fluxos, mas
25

aos estoques de energia armazenados nos combustíveis fósseis, e, em


seguida, à energia obtida pela criação de novos compostos químicos, e enfim,
à energia liberada pela desagregação do núcleo do átomo 110. Por duas razões
o capitalismo tornou ilusória a equação mais excedente = mais segurança. Em
primeiro lugar, porque a acumulação de excedente deixou de visar maior
segurança e tornou-se um fim em si, isto é, a razão de ser do ciclo de
acumulação do capital. Em segundo lugar, porque é tão descomunal a soma de
energias de fluxo e de estoque manipulada pelo capital que essa relação direta
acabou por se transformar numa relação inversa: quanto mais acumulamos
excedente e energia, menos seguros nos tornamos em relação às
adversidades da natureza. Isso porque, ultrapassada a resiliência dos
ecossistemas agredidos, o aumento da acumulação esgota, mina e
desorganiza entropicamente as bases da vida no planeta e, portanto, as bases
de nossa existência. O que era até o século XVIII um raro e supremo bem
tornou-se com o capitalismo global num mal que fere de morte a biosfera e,
não por último, a espécie humana.
A terceira ilusão – na qual se escoram as duas primeiras e, na realidade,
todas as demais em que se tem extraviado a sociedade de consumo – é a
ilusão antropocêntrica, de cunho metafísico e religioso, que Lucrécio, na
primeira metade do século I a.C. chamava já pelo seu verdadeiro nome quando
exclamava: “Dizer que, por causa dos homens, [os deuses] quiseram ornar
esta admirável natureza do mundo (...), ó Mêmio, é loucura!” 111. Essa loucura
reside na crença de que a biosfera dispõe-se para o homem tal como um meio
se dispõe a seu fim e de que o direito de reduzi-la a um dispositivo voltado para
o proveito humano radicaria na singularidade de nossa espécie ou numa
descontinuidade radical entre ela e a teia da vida. Um voo de Ícaro, eis a
imagem da ilusão antropocêntrica, discutida no último capítulo deste livro.
Essas duas teses centrais podem se resumir numa única que as
engloba. Se é ilusória a crença de que podemos evitar um colapso ambiental
no âmbito do capitalismo, e se há uma unidade indissolúvel entre essa ilusão e
as primitivas ilusões do excedente ilimitado e do antropocentrismo, segue-se
que: (a) não é possível evitar o colapso ambiental se não formos capazes de
superar o capitalismo; (b) o capitalismo não será, de fato, superado se não se
superarem as duas ilusões primitivas que o nutrem, o “naturalizam” e mesmo o
sacralizam.
Sem romper a carcaça mental em que essas três ilusões nos mantêm
confinados – as ilusões de um capitalismo sustentável, de um crescimento
ilimitado do excedente e de nossa excepcionalidade na teia da vida –, o
homem não se apartará do capitalismo. O capitalismo não cessa de existir
apenas pelo fato das diversas revoluções que pensavam tê-lo eliminado
substituirem a apropriação privada do excedente por sua apropriação estatal.
Essa é a grande lição que a tragédia do socialismo do século XX encerra. Só
se superará o capitalismo – a se supor que ele seja superável –, quando a ideia
de acumulação de excedente deixar de ser um fim em si mesmo e passar a ser
uma variável dependente das possibilidades da biosfera, sendo esta concebida
como um sujeito de direito.
A força do capitalismo reside no fato de se sustentar numa estrutura
mental primeva, que ele reforça. O que mostra como avanço é, de fato,
aprisionamento pulsional. Ele projeta nas consciências uma imagem invertida
de si, de modo que a desordem que produz surge como ordem natural das
26

coisas. Essa naturalização de uma ordem social histórica impede a percepção


de que a única forma de evitar o colapso ambiental é transcender esses
padrões fossilizados e introjetados de comportamento. Se não formos capazes
de ser mais do que esses padrões fizeram de nós, se o capitalismo for o
melhor de que é capaz nossa espécie – também dotada de razão, prudência,
senso estético e moral –, então merecemos o futuro sombrio, ou talvez o não-
futuro, a que estamos nos condenando.

***

Este livro terá alcançado seu objetivo se sua argumentação em favor


dessas duas teses for convincente. Demonstrá-las delimita o projeto que o
anima. Mas não delimita, bem longe disso, o problema maior para o qual ele
aponta, qual seja, o da criação coletiva de alternativas politicamente viáveis ao
capitalismo. Se toda civilização pode ser definida pela maneira como formula
seus problemas e os soluciona, então nossa civilização contemporânea pode
ser definida pela questão de como revisualizar e de como criar uma sociedade
pós-capitalista após o fracasso do socialismo.
A conclusão deste livro abordará de passagem essa vexata quaestio e
não há razão para antecipá-la aqui. Mas é melhor admitir desde já: as
respostas para ela ainda não existem. Não há como contestar Stéphane Hessel
e Edgar Morin quando afirmam que “aqueles que denunciam o capitalismo são
incapazes de enunciar a menor alternativa crível”. Mas têm eles ainda mais
razão quando criticam a atitude oposta: “aqueles que o consideram imortal
resignam-se a ele”112. Superar o capitalismo parece hoje, por certo, um
programa político irrealista. Mas o colapso socioambiental a que esse sistema
está nos conduzindo e o caos em que ele já está nos instalando mostram que
irrealista será não o superar. Os que apregoam o “realismo”, recordando as
sinistras distopias geradas pelo socialismo do século XX, não percebem que
esse realismo está nos condenando a distopias muito mais sinistras que as que
vivemos no século passado.
O mundo contemporâneo deve optar entre dois irrealismos: o irrealismo
do autoengano, segundo o qual o capitalismo – como na metamorfose da
lagarta em borboleta – pode-se tornar ambientalmente sustentável; e o
irrealismo que consiste em afirmar a possibilidade de redefinir a posição do
Homo sapiens na biosfera, reformulação profunda e sem precedentes na
história do homem, na qual, por certo, não haverá lugar para uma sociedade
baseada no imperativo do incremento de excedente, energia, produção e
consumo. Enquanto o ultimo lance de dados não for lançado, há lugar para
esperança e para o otimismo, o qual significa apenas admitir que o futuro não
está dado no presente. Mais que nunca é preciso entender nesse sentido as
palavras de Tocqueville e de Valéry, que abrem esta Introdução, acerca da
imprevisibilidade das ações humanas.
27

1. Desaparecimento das mantas vegetais nativas do planeta

A floresta é uma comunidade viva na qual interagem árvores e demais


vegetais, animais, fungos, bactérias e micro-organismos em geral. A espécie
humana faz parte dessa comunidade. Segundo a décima edição de 2012 do
State of the World’s Forests da FAO, “algo como 1 bilhão de pessoas depende
das florestas para a subsistência, como uma rede de segurança econômica ou
como uma fonte direta de renda” 113. E “cerca de 350 milhões das pessoas mais
pobres do planeta, incluindo 60 milhões de indígenas, usam as florestas
intensamente para sua subsistência e sobrevivência” 114.
Não apenas a humanidade, mas toda a teia da vida depende das
florestas, pois nelas se abrigam de 70 a 80% da biodiversidade terrestre,
incluindo a maior parte das espécies ameaçadas 115. Como se verá no capítulo
10, o colapso da biodiversidade é uma decorrência imediata do
desaparecimento e da degradação das florestas. Subsistema crucial da
biosfera e instância fundamental de interface, interação, integração e equilíbrio
entre as diversas esferas biofísicoquímicas que constituem nosso planeta – a
atmosfera, a hidrosfera, a litosfera e a criosfera –, as florestas preservam os
solos, regulam os regimes hidrológicos, os ciclos de nutrientes e de trocas de
gases na atmosfera.

1.1. A curva global ascendente do desmatamento (1800-2013)

As florestas e demais coberturas vegetais nativas do planeta estão


desaparecendo. A causa dominante de seu desaparecimento é o
desmatamento. O desmatamento artesanal produzido pelo homem pré-
industrial, em parte compensado pela lenta recomposição de florestas
secundárias, é um fenômeno gradual e multimilenar, que remonta ao início da
agropecuária e ao uso da madeira para a construção, embarcações, mobiliário,
energia, etc. O capitalismo industrial traz outra escala, rapidez e aceleração do
desmatamento. Durante os 11 milênios que se interpõem entre o advento da
agricultura e a Revolução Industrial (1800), o desmatamento mundial atingiu
supostamente uma área pouco superior a 8 milhões de km 2. Apenas nos
últimos dois séculos, desmataram-se 10 milhões de km 2, de modo que em
28

2010 atingiu-se a marca dos 18 milhões de km 2 de florestas perdidas. A


aceleração é vertiginosa:

11000 anos = 8 milhões de km2


210 anos = 10 milhões de km2
O gráfico abaixo116 permite observar que apenas nesse pequeno período de
210 anos a velocidade do desmatamento duplicou.

População Mundial e Desmatamento Global


1800 - 2010

Fonte: FAO - State of the World’s Forests

Foram necessários os primeiros 61 anos do século XIX (1800-1860) para se


desmatarem os primeiros 2 milhões de km 2, mas foram necessários apenas 31
anos (1980-2010) para se desmatarem os outros 2 milhões de km 2 de florestas
registrados no último segmento da curva. Segundo o Millenium Ecosystem
Assessment, de 2004, “mais terra foi convertida em agricultura nos trinta anos
após 1950 que nos 150 anos entre 1700 e 1850” 117.

Global Forest Watch

Em fevereiro de 2014, o World Resources Institute (WRI), o Google, a


University of Maryland e um grupo de mais de 40 parceiros lançaram o Global
Forest Watch (GFW)118, um novo sistema de monitoramento do desmatamento,
baseado em uma metodologia que combina a última tecnologia de satélite (com
resolução espacial de 30 metros), dados abertos e crowdsourcing. Esse
monitoramento mostra um quadro ainda mais grave que os indicados por
mensurações anteriores.
Segundo a GFW, em 13 anos – 2000 a 2012 – a Terra perdeu 2,3
milhões de km2. Isso significa um avanço mais rápido que o faziam supor as
conclusões de três documentos recentes: da FAO, de 2010, da United Nations
Framework Convention on Climate Change (UNFCCC)119 de 2011 e da
OCDE120 de 2012. Segundo as detecções da UNFCCC, entre 1990 e 2005, por
volta de 130 mil km2 de florestas foram destruídos a cada ano. Os dados da
GFW mostram que a área média anual de desmatamento global foi de 176,9
mil km2 durante o período 2000 e 2012. E apenas em 2012, houve perda
florestal de um pouco mais de 200 mil km2 de florestas.

Área média anual de desmatamento


29

UNFCCC 130 mil km2 (período 1990-2005)

FAO 130 mil km2 (período 2000-2010)

GFW 179 mil km2 (período 2000-2012)

GFW 200 mil km2 (2012)

Para a FAO, houve desaceleração do desmatamento entre a última


década do século XX e a primeira do século XXI 121: “globalmente por volta de
130 mil km2 de florestas foram convertidos a outros usos ou perdidos por
causas naturais a cada ano entre 2000 e 2010, comparados com os cerca de
160 mil km2 por ano durante os anos 1990”. Mesmo que continuássemos a nos
pautar por esses dados (superados como visto pelos da GFW), ainda assim
essa suposta desaceleração de pouco menos de 20% entre a década passada
e a retrasada não permite concluir por uma melhora, pois esta se anula quando
situada num quadro cronológico mais amplo. Basta combinar os dados da
própria FAO:

Período Perda de área de floresta

1800-2010 (211 anos) 10.000.000 km 2

1800-1860 (61 anos) 2.000.000 km 2

1980-2010 (31 anos) 2.000.000 km2

2000-2010 (11 anos, FAO) 1.430.000 km 2

Segundo a FAO, entre 2000 e 2010, o mundo perdeu 1,43 milhão de km 2 (130
mil km2 x 11), o que é mais, proporcionalmente, que os 2 milhões perdidos nos
últimos 31 anos (1980-2010). Além disso, do total dos 10 milhões de km 2 de
perda de floresta ocorridos nos últimos 210 anos, nada menos que 14,3% (1,43
milhão de km2) ocorreram no primeiro decênio de nosso século, isto é, nos 5%
finais desses dois séculos.

Projeção para 2050 e os seis fatores que impulsionam o desmatamento

Os prognósticos são desalentadores. O documento da OCED, acima


citado, estima que nos 38 anos entre 2012 e 2050 mais 13% das florestas
primárias remanescentes do globo desaparecerão 122:

“as florestas primárias, mais ricas em biodiversidade, devem perder até 2050
13% de sua area (…) As florestas primárias (…) têm decaído e estima-se que
diminuirão constantemente até 2050, mantido o cenário de base”.

O desmatamento é causado pela combinação de seis fatores: a extração


de madeira, o avanço da agropecuária, a mineração, as hidrelétricas, a
urbanização e as estradas abertas na floresta em decorrência dos 5 fatores
30

precedentes. No que se refere à madeira, segundo dados da International


Tropical Timber Organization, “dos 400 milhões de hectares (...) de florestas
tropicais usadas hoje para a produção de madeira, menos de 8% é de manejo
sustentável”123.
Embora do ponto de vista do respeito à biodiversidade todo
desmatamento seja inaceitável, a destruição das florestas tropicais é,
“contabilmente”, mais danosa, dada sua maior riqueza em variedades de vida.
Enquanto, como visto acima, as florestas como um todo abrigam de 70 a 80%
da biodiversidade terrestre, apenas as florestas tropicais são o habitat
insubstituível de ao menos metade das espécies terrestres do mundo 124. Mas
tanto para as florestas tropicais quanto para as de altas latitudes, o essencial é
o fato que boa parte do desmatamento atual acaba redundando ou mesmo
objetiva uma “solução final”: eliminar o que resta da floresta a ferro e a fogo
(após a extração seletiva de madeira) e substituí-la pela agricultura, pela
pecuária, pela mineração ou por represas para hidrelétricas.

Os incêndios

Vários métodos são empregados nessa substituição, entre os quais


motosserras, tratores com correntes, aspersão de substâncias venenosas
como os organocloretos (veja-se adiante o item 1.6. O desmatamento total) e
incêndios, os quais atingem florestas em todas as latitudes do planeta. O
fenômeno ganhou muito maior relevância a partir da segunda metade do
século XX, em todos os continentes, mas em particular nas Américas, como
mostra o gráfico abaixo, elaborado pelo Millennium Ecosystem Assessment, de
2005.

Evolução dos Incêndios Florestais por Continente


(em eventos por década: 1950 – 2000)

Fonte: Ecosystems and Human Well-being. Millennium Ecosystem Assessment, 2005

“No oeste quente e seco dos EUA, a estação dos incêndios dura agora cerca
de 75 dias mais que há uma década”125. Segundo o Arctic Climate Impact
Assessment (ACIA), “a área total queimada na América do Norte tem
aumentado em correspondência com os recentes aumentos de temperatura e
outras mudanças climáticas (...). A área anual queimada no oeste da América
do Norte dobrou nos últimos 20 anos do século XX (...). Ainda que baseada em
estatísticas menos precisas, uma tendência similar parece se verificar também
31

na Federação Russa (...)”126. Um estudo publicado na Forest Ecology and


Management em abril de 2012 observa que a extensão dos incêndios que
ocorrem a cada ano entre 1930 e 2006 na região meridional das Montanhas
Rochosas nos EUA vem aumentando 127. Outra análise publicada em 2012 pela
ONG Climate Central, a partir de 42 anos de registros do Serviço Florestal dos
EUA, abrangendo 11 estados do oeste do país mostra que, comparado com a
média anual de incêndios dos anos 1970, no último decênio houve 128:

“sete vezes mais incêndios maiores que 10 mil acres [cerca de 40 km 2] cada
ano; cerca de cinco vezes mais incêndios maiores que 25 mil acres cada ano;
duas vezes mais incêndios de mais de mil acres cada ano, com uma média de
mais de 100 por ano entre 2002 e 2011, comparado com menos de 50 durante
os anos 1970. Em alguns estados o aumento dos incêndios é ainda mais
dramático. Desde os anos 1970, a média de incêndios de mais de 1000 acres
quase quadruplicou no Arizona e no Idaho, e dobrou na Califórnia, Colorado,
Montana, New Mexico, Nevada, Oregon, Utah e Wyoming”.

Há, além disso, uma forte correlação entre o aumento de incêndios maiores e o
aumento das temperaturas médias nos EUA, como mostra o gráfico abaixo.

Aumento do Número de Incêndos em correlação com o


aumento das temperaturas médias nos EUA (1970-2010)

Fonte: The Age of Western Wildfires. Climate Central, Princeton e Palo Alto,
Setembro de 2012 http://www.climatecentral.org/wgts/wildfires/Wildfires2012.pdf
Observação: 58º F = 14,4 C / 60º F = 15,5º C

Nos cinco países europeus mais vulneráveis aos incêndios – Portugal,


Espanha, França, Itália e Grécia – 500 mil hectares de florestas são destruídos
em média todos os anos. Não apenas seu número tem aumentado nos últimos
decênios, mas também, e em escala ainda maior, o raio de ação de cada
incêndio. Um estudo que repertoria os incêndios florestais nos últimos 130
anos na província de Valência, na Espanha, quantifica essas duas variáveis. O
número de incêndios nessa província dobrou desde o início dos anos 1970,
enquanto a área carbonizada por tais incêndios, nesse mesmo período,
multiplicou-se por oito129.
32

Fazendeiros incendiários

Os incêndios ateados por fazendeiros interessados em aumentar sua


área de plantio ou de pasto são um método recorrente de burlar a proibição de
desmatar. Em cinco anos (2007-2012), o número de incêndios na Amazônia
cresceu 53%, segundo dados reunidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE), que permitem comparar os 40,2 mil focos de incêndio
registrados de janeiro a agosto de 2012 com os 26,2 mil detectados nos
mesmos meses de 2007. Alberto Setzer, responsável pelo monitoramento das
queimadas, declarou à imprensa em 25 de agosto de 2012: “está se
configurando uma situação grave e preocupante este ano. Estamos vendo
focos de queimada no Pantanal, no Maranhão, em Mato Grosso. A situação é
alarmante e preocupante”130.
É claro que nem todo incêndio das florestas é intencional. Mas os
resultados de pesquisas realizadas em várias florestas do mundo entre 1986 e
1999, por uma equipe da NASA especializada em queima de biomassa,
mostram que “90% da queima de biomassa é instigada pelo homem” 131.
Também no Brasil o incêndio não-intencional representa apenas 10% dos
incêndios florestais. E é, ele também, um fenômeno em ascensão. Muitos dos
incêndios não provocados pelos fazendeiros, na realidade o são indiretamente,
já que as clareiras abertas na floresta para extração de madeira criam
exposição direta do terreno da floresta à insolação o que favorece os incêndios
acidentais, tornando-os também mais destrutivos. Como bem explicam Daniel
C. Nepstad e sua equipe132:

“A extração da madeira aumenta a inflamabilidade da floresta, levando às


queimadas do sub-bosque que colocam em movimento um ciclo vicioso de
mortalidade de árvores, aumento da carga de combustível, reentrada do fogo e,
por fim, destruição total da floresta”.

Em 24 de setembro de 2010 uma imagem da Terra realizada a partir de


satélites do MODIS (The Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer) da
NASA, mostra como as mantas vegetais nativas do planeta estão sendo
consumidas pelo fogo ateado sobretudo pelos fazendeiros e outros
“transformadores do uso do solo”.

Focos de incêndios em 24 de setembro de 2010

Fonte: The Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer, NASA

Desmatamento e aquecimento global


33

O desmatamento é uma causa importante do aquecimento global. A


floresta de pé sequestra e armazena carbono; a floresta em chamas libera CO 2
em quantidades imensas na atmosfera. A agricultura sequestra e armazena
carbono em quantidades diminutas se comparada à floresta. “Nos trópicos, as
florestas contêm 20 a 50 vezes mais carbono por unidade de área que a terra
agricultável”, afirma o documento da ACIA, acima citado 133. Segundo os dados
divulgados em 2011 pela United Nations Framework Convention on Climate
Change (UNFCCC)134:

“o montante total de carbono das florestas foi estimado em 638 Gt [1 giga


tonelada = 1 milhão de toneladas] em 2005, o que é mais que o montante de
carbono encontrado em toda a atmosfera (...). Estima-se que o desmatamento
contribuiu aproximadamente com 5,8 Gt de CO2 por ano para as emissões
globais desse gás nos anos 1990”.

Na avaliação da Comissão Europeia, 20% dos gases de efeito estufa provêm


do desmatamento135. Em 2007, o quarto relatório do IPCC estabelecia o
percentual de 17%, o que ainda mantinha o desmatamento em terceiro lugar
nas causas mais importantes do aquecimento global, tal como mostra o gráfico
abaixo.

Fontes dos gases de efeito estufa liberados na atmosfera (em %)

Fonte: IPCC, 2007

Mesmo que esse percentual caia ainda para 12%, segundo os autores de um
trabalho de 2009 publicado na Nature Geoscience136, que sublinha a
aceleração dos demais emissores de gases de efeito estufa, deve-se ainda
assim levar em conta que à liberação na atmosfera de CO 2 gerada pelo
desmatamento deve-se acrescentar a gerada pela expansão da fronteira
agrícola e agropecuária, o 4º fator na tabela acima. Isto significa que os 14%
correspondentes às emissões da agricultura são indissociáveis das emissões
decorrentes do desmatamento, havendo aqui um efeito combinado.

1.2. O desmatamento por regiões


34

Em 2000, sempre segundo dados da FAO, a área total de florestas


naturais e plantadas remanescentes no planeta havia caído a 38 milhões de
km2, sendo que quase 5% desse total (1,87 milhão de km 2) são de florestas
plantadas. Hoje, as florestas correspondem a pouco menos de 30% das terras
do planeta (130 milhões de km 2 aproximadamente)137. O gráfico abaixo precisa
como se distribuem esses remanescentes em cada região do planeta.

Área das florestas remanescentes do planeta por região em 2000


(em milhões de hectares)

Fonte: FAO - State of the World's Forests (SOFO), 2001

O conceito de floresta da FAO pode ser demasiado generoso, porque inclui


florestas plantadas, sem biodiversidade e no mais das vezes apenas depósitos
de celulose (eucaliptos, pinus, etc). Se levarmos em consideração o que a FAO
entende por “florestas naturais” (natural forests = 36,8 milhões de km 2), a
porcentagem de florestas em relação à superfície terrestre cai para 28%.
Esta porcentagem aproxima-se de outra estimativa, reportada por Peter
J. Bryant em 2003, segundo a qual “nos últimos cinco mil anos, os humanos
reduziram a floresta dos cerca de 50% da superfície terrestre da Terra a menos
de 20%”138. Qualquer que seja a porcentagem real (28% ou 20%), o gráfico
abaixo, proposto pelo Worldwatch Institute (WWI), no qual se baseia o referido
estudo de Bryant, permite visualizar, região a região do planeta, a relação
histórica entre a superfície original de florestas nativas e o que ainda delas
restava em 1998.

Desmatamento global em 1998


(em milhares de km2)
Worldwatch Institute (WWI)

Fonte: Peter J. Bryant, Biodiversity and Conservation, a partir do WWI


35

(http://darwin.bio.uci.edu/~sustain/bio65/lec15/b65lec15.htm)

Ásia

Como mostra o gráfico acima, nas regiões de florestas tropicais as


perdas são colossais: mais de 60% na África e na Ásia e cerca de 25% a 30%
na América do Sul. A prosseguir esse ritmo de devastação, conclui Bryant, “a
Tailândia não terá mais florestas em 25 anos, as Filipinas não as terão em
menos de 20 anos e o Nepal, em 15 anos”139.
Segundo um estudo do WWF 140, os cinco países asiáticos banhados
pelo rio Mekong – Cambódia, Laos, Myanmar, Tailândia e Vietnã – perderam
em média um terço de suas florestas nos últimos 35 anos e em 2030 poderão
ter, a se manter o ritmo atual da devastação, apenas entre 10% e 20% de sua
cobertura florestal original. Segundo esse estudo, em relação a 1973, o
Cambódia perdeu 22% de suas florestas, o Laos e o Myanmar perderam 24% e
a Tailândia e o Vietnã, 43%. O recorde de desmatamento entre os países do
Mekong parece pertencer ao Laos, outrora um dos mais ricos de florestas do
planeta. Entre os anos 1940 e o início dos anos 2000 a manta florestal do país
passou de 70% de seu território a 41%. Em 1992, as zonas mais densas, de
floresta intocada, representavam 29% do terriório nacional; em 2002, apenas
8%. Hoje, elas não recobririam mais que 3% desse território. As estatísticas
oficiais do país indicam uma derrubada de 50 milhões de metros cúbicos de
madeira por ano. Apenas em 2010 foram exportados para o Vietnã 3,4 bilhões
de dólares de madeira bruta, um negócio ilegal, mas, segundo um documento
de 2011 da Environmental Investigation Agency, não de fato para três
corporações controladas por militares do Laos e do Vietnã 141.
O caso talvez mais trágico é o das florestas malásias de Bornéu,
consideradas entre as mais intocadas do mundo há apenas 30 anos. Em 2009,
as grandes corporações da madeira haviam já impactado ou feito desaparecer
80% delas, conforme mostram mensurações por satélites conduzidas pelas
Universidades da Tasmânia, de Papua-Nova Guiné e pelo Carnegie Institution
for Science de Washington. O estudo mostra que, na melhor das hipóteses,
apenas 45,5 mil km2 dos ecossistemas florestais da parte malásia da ilha
mantêm-se intactos. Segundo Jane Bryan, coordenadora da pesquisa, “apenas
pequenas áreas da floresta preservam-se na Bornéu malásia, tendo o resto
sido desmatado pela indústria da madeira ou para a produção de óleo de
palma”142.
Também a pequena Papua-Nova Guiné, na Melanésia, está sendo
pilhada. Como mostra um estudo do Oakland Institute, cerca de 12% de seu
território foi comprado desde 2009 por corporações estrangeiras, para a
exploração de seus recursos naturais, em especial minérios, gás e madeira. O
gás será explorado pela Total (francesa), ao passo que corporações,
sobretudo, malásias e australianas exportam madeira de suas florestas
primárias sobretudo para a China, a qual a manufatura e a revende para o
resto do mundo, em especial para os EUA e a Europa. A pequena ilha de
Papua-Nova Guiné tornou-se, assim, o segundo maior exportador de madeira
tropical do mundo, atrás apenas da Malásia 143.
Novas técnicas de detecção por satélite de mudanças na cobertura
florestal do planeta, oferecidas pelo NASA Ames Research Center, mostraram
diminuições no ritmo de desmatamento em vários países, mas indicaram
36

verdadeiros saltos do desmatamento não apenas na Malásia (115%), mas


também no Nepal (114%), no México (92%), na Argentina (72%) e em
Madagascar (51%), nos três primeiros meses de 2013 em relação ao mesmo
período no ano anterior144.

Europa e Estados Unidos

Segundo o State of the World’s Forests 145 da FAO (2012), “estima-se


que, dois mil anos atrás, as florestas cobriam 80% das terras da Europa. Hoje,
elas cobrem 34%, excluindo a Federação Russa”. Malgrado as tímidas
iniciativas de reflorestamento em curso desde os anos 1950, as florestas na
Europa declinam. Os dados do desmatamento europeu, provenientes do
sistema CORINE Land Cover (CLC) e dos relatórios anuais fornecidos ao
Protocolo de Kyoto, mostram uma perda média de florestas e bosques de
98.000 ha por ano e de 97.000 ha por ano, respectivamente, desde 1990 146. Os
principais fatores de perda de biomassa são os de sempre: expansão das
cidades e da malha rodoviária, agricultura intensiva, infraestrutura comercial e
industrial, além de incêndios, tempestades, fungos, insetos e outros agentes
bióticos proliferantes com a debilitação das florestas.
Os dados europeus são ainda alentadores se comparados com os dos
Estados Unidos. Na avaliação da Native Forest Action Council, restam nos
Estados Unidos, ainda hoje o sétimo desmatador mundial, pouco mais de 5%
das florestas nativas. Os quatro mapas abaixo, mostram, por exemplo, as
áreas dos EUA ainda cobertas de florestas nativas entre 1620 e 1990. Eles
fornecem um quadro sinótico do fenômeno do desmatamento naquele país:

Fonte: C. O. Paullin, Atlas of the Historical Geography of the United States, Westport, Greenwood Press.

Em 1620, cerca de metade da área dos EUA, algo como 4 milhões de km 2, era
coberta de florestas. O desmatamento atinge proporções alarmantes já em
1850, mas é a partir de 1878, com a promulgação do Free Timber Act e do
Timber and Stone Act, leis pelas quais as terras de domínio público da União
tornavam-se adquiríveis a preços simbólicos (US$ 1,25 a 2,5 por acre) por
qualquer pessoa de nove Estados dos EUA, que tem início a mais desenfreada
devastação. Por volta de 1880, 1.600.000 km 2 de florestas nativas haviam sido
destruídas. Em 1885, seis projetos de lei para a criação de reservas florestais
são apresentados ao Congresso dos EUA. Nenhum deles é aprovado. Em
1891, institui-se o National Forest System. O Congresso outorga por lei o
37

direito do Presidente a fixar reservas florestais em terras de domínio público.


Em 30 de março de 1891, o Presidente Harrison cria a primeira reserva, o
Yellowstone Timberland Reserve, uma área de pouco mais de 6 mil km 2 no
Estado do Wyoming. Entre 1890 e 1920, a criação de reservas é apoiada pelos
grandes madeireiros, pois estas aumentam o preço da madeira. Isto cria um
círculo vicioso, pois, com os preços da madeira sempre mais elevados, o ritmo
do desmatamento exacerba-se. Desmata-se nesses anos a um ritmo de 3500
ha (35 km2) por dia. Ao final desse período, 65% das florestas nativas dos EUA
haviam desaparecido. Em 1926, data do terceiro mapa acima reproduzido, as
áreas de florestas nativas haviam caído abaixo de 20% de sua extensão
original. Após o fim da II Grande Guerra, com o housing boom dos anos 1950,
as grandes corporações e os lobbies madeireiros conseguem que o National
Forest Service abra as reservas para o desmatamento industrial. De 1955 a
1990, cerca de 4 mil km 2 de florestas públicas foram liberados por ano para o
desmatamento. A Lei das Estradas Interestaduais de 1956 (Interstate Highway
System), promulgada por Dwight Eisenhower, “lançou o maior programa de
obras públicas desde o New Deal” 147. Parte desse programa visava viabilizar o
escoamento da madeira, o que implicou ainda maior desmatamento e
fragmentação da manta vegetal148. Em 1997, restavam apenas, como dito
acima, 5% das florestas nativas nos Estados Unidos 149. Em 370 anos (1620-
1997), os Estados Unidos haviam destruído quase por completo sua manta
vegetal nativa de cerca de 4.000.000 km2.

África subsahariana

Se é nas latitudes tropicais que hoje ocorrem, segundo a avaliação da


Comissão europeia, 96% do desmatamento150, a África subsahariana responde
por um terço desse número. Entre 1995 e 2005, ela sofreu uma new wave de
desmatamento com supressão de 9% de sua cobertura florestal, o que
representa uma perda média de 40.000 km 2 de florestas por ano. Entre 1990 e
2010, o Quênia e o Congo, respectivamente, 6,5% e 1,4% de suas mantas
florestais151. O pior caso é o da Nigéria que perdeu, apenas entre 2000 e 2005,
nada menos de 55,7% de suas florestas primárias 152.

1.3. O caso brasileiro (1964-2013)

Tudo empalidece em face do desmatamento brasileiro. Antes de


examinar de perto a progressão histórica do desmatamento no Brasil, importa
fornecer uma visão comparativa global dos dez países mais destruidores de
suas florestas nativas entre 2000 e 2005, sempre a partir dos dados fornecidos
pela FAO.

Tabela comparativa dos dez países que mais desmataram suas florestas
nativas entre 2000 e 2005 (em hectares por ano):
38

Fonte: FAO

Eis os mesmos dados quantificados de modo mais preciso.

Áreas desmatadas no mundo entre 2000 e 2005

País Km2

Brasil 34.660
Indonésia 14.478
Rússia 5.322
México 3.950
Papua 2.502
Perú 2.246
Estados Unidos 2.152
Bolívia 1.352
Sudão 1.178
Nigéria 820

Total 67.308
Total sem o Brasil 32.648
(Fonte: FAO)

Como se vê, entre 2000 e 2005, o Brasil desmatou mais que a soma dos nove
outros maiores desmatadores do planeta.
Como se chegou a tão funesto protagonismo? Ninguém ignora que,
durante toda sua história, as estruturas socioeconômicas fundamentais da
sociedade brasileira constituíram-se através da ocupação predatória de seu
território, em sentido leste-oeste. Assim, a Mata Atlântica que outrora bordejava
a faixa costeira do país devia ser a primeira vítima da predação. De sua área
original de 1.350.000 km2, que chegou a cobrir 15% do território brasileiro, o
equivalente a um quarto de toda a área da Amazônia Legal, restava em 1993
apenas 7%153. A FAO fala em 8%, a SOS Mata Atlântica fala em 7,9% de sua
área original, considerados apenas os fragmentos acima de 100 hectares,
representativos para a conservação da biodiversidade. De qualquer maneira,
isto significa em seu conjunto algo em torno de apenas 100 mil km 2 de mata.
39

Embora a um ritmo declinante (inclusive por inexistência de mata), o


desmatamento desse resíduo de cobertura vegetal nativa continua a ocorrer:
de 1985 a 2012 foram desmatados mais de 18 mil km 2. Em anos mais
recentes, ele chegou mesmo a recrudescer, conforme mostra o gráfico abaixo,
pelo qual se constata que o desmatamento do bioma mais ameaçado do país
aumentou 29% no último ano em relação ao período entre 2010 e 2011 e é o
maior desde 2008154.

Desmatamento da Mata Atlântica


1985 - 2012

Fonte: Folha de São Paulo, a partir do Atlas dos remanescentes florestais da Mata Atlântica.
Fundação SOS Mata Atlântica e INPE

Além dos 219,77 km2 de perda de florestas, houve nesse mesmo período de
doze meses (2011-2012) supressão de 15 km 2 de vegetação de restinga e 0,17
km2 de destruição de mangues. Mario Mantovani, da SOS Mata Atlântica,
destaca entre as “causas importantes” desse desmatamento, sobretudo em
Minas Gerais: "a indústria do carvão, a siderúrgica e as licenças concedidas
ilegalmente”.
O mesmo processo de destruição ocorre com os outros grandes biomas
do país – o pantanal, o cerrado, a caatinga, os pampas e a floresta amazônica.
O cerrado, por exemplo, é um bioma riquíssimo que abrigava até os anos 1970,
mais de 10 mil espécies de plantas, quase 200 espécies de mamíferos, mais
de 600 espécies de aves e por volta de 800 espécies de peixes 155. Ele já
perdeu para a agricultura e a pecuária mais de 50% de sua cobertura primária
e apenas entre 2008 e 2010 foi desmatado em mais 14.106 km 2 de sua
vegetação original156.

Amazônia, o mais fulminante dos ecocídios


40

Nesse processo de devastação no sentido leste-oeste, chega-se enfim à


Amazônia, um conjunto de ecossistemas tão grande quanto vulnerável. Grande
sem dúvida: “A Amazônia brasileira abriga aproximadamente um terço das
florestas tropicais do planeta, uma área que compreende 4,1 milhões de
quilômetros quadrados”157.
Mas muito vulnerável. Um primeiro inventário do patrimônio da floresta
como um todo, que se estende por 9 países e cerca de 6 milhões de
quilômetros quadrados, foi realizado por uma equipe de 120 pesquisadores.
Ele estabelece que a floresta amazônica como um todo é composta de 390
bilhões de árvores pertencentes a 16 mil espécies diferentes. Oocrre que deste
total, apenas 227 espécies são consideradas “hiperdominantes”, isto é, são tão
recorrentes que, juntas, representam metade de todas as árvores da Amazônia,
enquanto as 11 mil espécies mais raras representam apenas 0,12% das
árvores158. Essa desproporção comprova a vulnerabilidade da floresta, pois
uma alteração dos parâmetros desse ecossistema pode representar o
desmantelamento dessas 227 espécies tão especializadas para sobreviver e se
reproduzir nessas precisas coordenadas ambientais. Por outro lado, as 11 mil
espécies mais raras podem ser erradicadas pelo desmatamento, haja vista
representarem apenas 0,12% das árvores.

A catástrofe militar

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), até


meados do século XX, a ocupação humana da Amazônia não ocasionara
alterações significativas em sua cobertura vegetal. Os militares desencadearam
a dinâmica de sua destruição. Mas seria superestimá-los imputar-lhes o projeto
intelectual de destruição da Amazônia. Militares não são treinados para ter
ideias próprias. O que podem apreender da complexidade dos conflitos sociais,
eles a traduzem para seu idioma binário do inimigo externo e do inimigo
interno. Como as crianças têm amigos imaginários, militares têm inimigos
imaginários. Mas enquanto as crianças aprendem aos poucos a distinguir a
imaginação da realidade, os militares se apegam a seus inimigos imaginários
porque destes depende sua própria identidade e sua razão de ser. As
consequências desse apego foram trágicas para o Brasil e em particular para a
Amazônia.
Desde a emergência do tenentismo e de Getúlio Vargas, vinha-se
acalentando o projeto de desintegrar a Amazônia e acoplá-la ao circuito
internacional das commodities. A pueril ideologia militarista da “integração”
nacional da Amazônia resultou em seu contrário: a internacionalização da
Amazônia e sua desapropriação pelo mercado internacional. A agressão à
floresta empreendida pela ditadura militar desestabilizou os equilíbrios
socioambientais da região, provocando impactos em cadeia, com abertura de
enormes rodovias, expansão das fronteiras agrícolas, assentamento de
contingentes populacionais provenientes de outras regiões do país, impactos
nas bacias hidrográficas em consequência de grandes barragens hidrelétricas,
mineração, corridas do ouro, poluição dos rios por mercúrio e, sobretudo,
devastação da manta florestal.
O desenrolar dos fatos é bem conhecido. Em 1966, o regime militar criou
o programa “Operação Amazônia” e a Superintendência do Desenvolvimento
da Amazônia159, dirigida pelo General Mário Barros Cavalcante, cujos objetivos
41

eram destacados em um discurso do General Castelo Branco proferido em


Macapá em 1º de fevereiro de 1966. A partir sobretudo de 1970, a colonização
e o assentamento de grandes contingentes populacionais na Amazônia
começam a ser implementados pelo Programa de Integração Nacional (PIN) e
pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Segundo
um estudo de 2006, cerca de 15% do desmatamento total da Amazônia
brasileira decorre desses projetos de assentamento 160.

A engrenagem da destruição

Os vetores maiores de destruição da floresta se combinam e se


reforçam reciprocamente. O primeiro é a implantação do latifúndio
agropecuário, que se beneficia de incentivos fiscais e de financiamentos
altamente vantajosos. Segundo a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento
Sustentável, até 1985 a SUDAM (Superintendência para o Desenvolvimento da
Amazônia) aprovara 950 projetos na Amazônia, 631 dos quais em benefício de
latifúndios de pecuária (com área média de 24.000 hectares), atividade para a
qual se haviam destinado 44% de seus créditos, num total de 700 milhões de
dólares. No total, a ditadura financiou nesse período a compra de 8,4 milhões
de hectares de terras em toda a Amazônia. Apenas a fazenda Suiá-Missu, que
chegou a atingir 560.000 ha, na região leste do Mato Grosso, recebeu de 1966
a 1976, 30 milhões de dólares161.
O agronegócio e a mineração requeriam infraestrutura energética e
viária, de modo que a partir de 1969, a Amazônia começa a ser eviscerada por
um número crescente de rodovias. A partir de 1970, os militares constroem a
Transamazônica (BR-230), uma rodovia de 4.223 quilômetros, ligando
Cabedelo, na Paraíba, a Lábrea, quase na divisa entre o Amazonas e o Acre.
Em 9 de outubro de 1970, Emílio Garrastazu Médici descerra uma placa em
que se lia: “Nestas margens do Xingu, em plena selva amazônica, o Sr.
Presidente da Republica dá início à construção da Transamazônica, numa
arrancada histórica para a conquista deste gigantesco mundo verde".
Ao longo da estrada, o INCRA distribuiu títulos de propriedade a colonos
oriundos de outras regiões do país, os quais, em contrapartida, deviam
desmatar parte da propriedade recebida e nela desenvolver atividades
agrícolas. O impacto das estradas e da colonização que as segue é imenso.
Elas degradam a floresta na forma das assim chamadas “espinhelas de peixe”
que se ramificam e acabam por devastá-la, causando mudanças de
temperatura, umidade e insolação, além de restringir o movimento dos animais
e fragmentar seus habitats. Corredores de comercialização de madeira, da
produção agropecuária e demais commodities, outras estradas destrutivas,
sobretudo como vetores de desmatamento, continuam a rasgar a floresta, entre
as quais a BR-319 (Manaus-Porto Velho) e a BR-163 (trecho Cuiabá-
Santarém), prioridades do atual Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), digno herdeiro do Programa de Integração Nacional (PIN) da ditadura
militar, tal como apontado pelo Instituto Envolverde 162. Apenas entre 2004 e
2007 a floresta foi rasgada por uma rede de 50 mil km de estradas, como
mostra uma pesquisa do Imazon e do Imperial College de Londres, publicada
em 2013163. Em suma, os militares abriram a caixa de Pandora da devastação
da Amazônia com uma política de “ocupação” movida por declarações
retumbantes de generais de que a região era cobiçada por potências
42

estrangeiras. Sendo nossa, apenas a nós cabia o privilégio de invadir as terras


indígenas, expulsar os povos tradicionais da floresta, poluir sua bacia
hidrográfica, desmatá-la, vender sua madeira e substituir o restante da floresta
por soja, carne, minérios e outras commodities, atividades subsidiadas pelos
poderes públicos e com o apoio de setores da imprensa e da sociedade civil. O
que o slogan “A Amazônia é nossa” deixou em seu rastro foi o esfolamento, a
fragmentação, a amputação e, em breve, com toda a probabilidade, a morte
espontânea (dieback) de um dos mais importantes alicerces da vida na Terra.
Em 1992, sete anos após o fim da ditadura militar (1964-1985), a área
desmatada da Amazônia correspondia, segundo dados do IBGE, a 499.037
km2. Sob os ditadores e sob os governos de José Sarney (1985-1990) e
Fernando Collor de Mello (1990-1992), havia sido destruída na Amazônia uma
área de floresta virgem quase equivalente a toda a extensão territorial da
França, no que pode ser considerado como o mais fulminante ecocídio jamais
perpetrado pelo gênero humano.
Em 2006, o Projeto PRODES (Projeto de Monitoramento do
Desflorestamento na Amazônia Legal) do INPE (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais)164 mostrava que, de 1977 a 2005, as formações florestais
situadas na Amazônia Legal165 haviam sido amputadas em 666.500 km 2, ou
seja cerca de 16% da floresta. Em 2007, chega-se a 707.752,35 km² de
desflorestamento acumulado com base em 1970, correspondente a 17,5% da
floresta amazônica. Em 2008, segundo dados do INPE, a porcentagem da
floresta amazônica brasileira remanescente era de apenas 82,3%, com uma
perda acumulada desde 1970 de 724.587 km2. Segundo o IBGE, desde 1970, a
área desmatada da floresta amazônica brasileira em 2012 é de 754.840 km 2.
Em março de 2006, o editorial da revista Nature assim comentava uma
simulação publicada naquele fascículo por pesquisadores do IPAM (Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia), intitulada SimAmazonia1166:

“Uma nova estimativa de perda florestal feita segundo um modelo


computacional chamado SimAmazonia 1 sugere que, por volta de 2050, a
expansão agrícola eliminará dois terços da cobertura florestal de cinco bacias
hidrográficas maiores e dez ecossistemas regionais. Uma em quatro espécies
de mamíferos examinadas perderão 40% de seu habitat florestal”.

Os governos civis

Qual é a responsabilidade dos governos civis nesse quado? Um governo


civil eleito por sufrágio universal, por pior que seja, não é comparável a uma
ditadura militar. Não se trata, portanto, aqui, de comparar o incomparável.
Trata-se de admitir que, quando se fala em área de conservação das mantas
vegetais nativas do Brasil, os governos civis não foram capazes de se
diferenciar significativamente dos militares. Projetos destrutivos como o de Belo
Monte, idealizados pelo regime militar, estão sendo postos em prática pelo
governo civil. Foi graças à pressão da ECO-92, e não por iniciativa espontânea
de um governo civil, que foi criado no Brasil o Ministério do Meio Ambiente (a
Secretaria Especial do Meio Ambiente, criada em 1973, era um órgão
destituído de qualquer relevância). E muito embora contemos hoje com
instituições de grande reputação científica que monitoram o desmatamento,
muito embora também possamos contar com marcos legais e estruturas
43

institucionais e jurídicas de proteção ambiental, impensáveis sob os militares, o


fato é que, quando se trata de destruir a biosfera no território brasileiro em
proveito do agronegócio e das corporações, os civis continuaram e aprofundam
a obra dos militares. Os dados fornecidos pelo Sistema PRODES/INPE do
desmatamento da Amazônia Legal após a queda da ditadura são inequívocos.

Desmatamento da Amazônia Legal entre 1988 e 2012 (km 2)


(PRODES/INPE)

1988 – 21.050 2001 – 18.165


1989 – 17.770 2002 – 21.394
1990 – 13.730 2003 – 25.247
1991 – 11.030 2004 – 27.423
1992 – 13.786 2005 – 18.846
1993 – 14.896 2006 – 14.109
1994 – 14.896 2007 – 11.532
1995 – 29.059 2008 – 12.911
1996 – 18.161 2009 – 7.467
1997 – 13.227 2010 – 7.000
1998 – 17.383 2011 – 6.418
1999 – 17.259 2012 – 4.656
2000 – 18.226
Total = 404.218 km2

Dos 754.840 km2 desmatados entre 1970 e 2012, segundo os dados do IBGE
acima citados, os 25 anos de governo civil (1988-2012) desmataram 404.218
km2, conforme mostra o gráfico abaixo, com três grandes picos nos governos
de Sarney, Itamar e Lula.

Evolução anual do desmatamento da Amazônia de 1988 a 2012 (em km2)

Fonte: Globo Amazônia, a partir dos dados do Sistema PRODES/INPE

Entre 1998 e 2004, isto é, entre o segundo mandato de Fernando


Henrique Cardoso (1998-2002) e o primeiro mandato de Lula (2003-2006) a
curva do desmatamento é terrivelmente íngreme. Em decorrência disso, a
pressão internacional aumenta. Em agosto de 2002, Larry Rother publica um
contundente artigo no The New York Times, mostrando como a destruição da
floresta ia de par com o programa “Avança Brasil”, então proposto por
Fernando Henrique Cardoso167. A mesma crítica fora já externada por cientistas
do Smithsonian Institute num artigo publicado na revista Science em 19 de
44

janeiro de 2001, segundo o qual de 28% a 42% da floresta amazônica seria


destruída sob o impacto da pavimentação de estradas e outras infraestruturas
previstas no plano.
Em setembro desse ano, a Conferência Rio+10 em Joannesburgo
ofereceu uma caixa de ressonância internacional para as críticas à devastação
em curso no país, em flagrante desrespeito aos compromissos assumidos dez
anos antes. Graças a essa forte pressão internacional, mas graças também
aos esforços do Ministério do Meio Ambiente a partir da gestão de Marina Silva
(2003 a maio de 2008), o ritmo de desmatamento decresceu, passando já em
2005 para 18.846 km2 e atingindo 11.532 km2 em 2007, área contudo ainda
superior à do desmatamento da Amazônia em 1991 (11.030 km 2), um ano
antes da Conferência do Rio.
Como mostra ainda o gráfico acima, houve um repique do
desmatamento entre 2007 e 2008, mas este voltou a cair, porque o governou
restringiu o crédito em áreas com ocupação ilegal de terra e em municípios
com maior devastação168. Isto posto, não há dúvida que a partir das gestões de
Marina Silva (2003-2008), Carlos Minc (maio de 2008 a março de 2010) e
Izabella Teixeira (a partir de abril de 2010), à frente do Ministério do Meio
Ambiente, a tendência geral foi de queda e o desmatamento da Amazônia
conheceu seu mais longo período de declínio desde a ditadura, atingindo seu
ponto mais baixo no primeiro semestre de 2012, conforme os dados abaixo:

De Agosto de 2010 a Julho de 2011 = 6418 km2


De Agosto de 2011 a Julho de 2012 = 4656 km2 (com margem de erro de 10%)

“A morte lenta da Amazônia”

A meta do governo não é, entretanto, o desmatamento zero. Sua meta,


anunciada pela Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, é baixar o
desmatamento ao limite de 3.925 km2 de floresta ao ano em 2020:169

“Até 2020, o governo brasileiro tem uma meta voluntária de reduzir em 80% o
desmatamento em relação à média do período de 1996 a 2005, de acordo com
o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, para o nível de 3.925 km2.”

A prevalecer essa “meta voluntária”, o governo brasileiro será cúmplice ou


promotor direto – através de iniciativas próprias, como as usinas hidrelétricas,
ou de concessões à mineração de ouro e de outros minérios na Amazônia –, da
destruição de no mínimo outros 31.400 km 2 de floresta nos próximos oito anos
(2013-2020). Para Beto Ricardo, coordenador-geral da Raisg e membro do
Instituto Socioambiental, essa meta assegura “a morte lenta da Amazônia"170.

1.4. O recrudescimento da devastação na Amazônia

Na realidade, a floresta está fadada a uma morte mais rápida, pois,


desmentindo os prognósticos e as metas da Ministra Izabella Teixeira, o
desmatamento da Amazônia Legal começou a recrudescer a partir do segundo
semestre de 2012. Como mostram os dados do Imazon (Instituto do Homem e
do Meio Ambiente da Amazônia), publicados em julho de 2013, houve um
aumento de 103% no sistema SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento). Só
em junho de 2013, o SAD, feito via satélite, detectou 184 km² de
45

desmatamento ou degradação, um aumento de 437% sobre o mesmo mês de


2012171.

Variação percentual de Alertas de Desmatamento


entre Agosto de 2012 e Junho de 2013

Fonte: Folha de São Paulo, 17/VII/2013, a partir de dados do Imazon


(Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia)

A cada anúncio da redecolagem do desmatamento o governo anuncia mais um


“pacote de medidas para intensificar a prevenção e o combate ao
desmatamento”172, mas os recursos de que dispõem para tanto os órgãos de
fiscalização e repressão são tão irrisórios, que os anúncios têm cunho
propagandístico e é possível prever que o próximo “pacote” será tão inefetivo
quanto os anteriores. Na melhor das hipóteses seu efeito será temporário.
Como afirmam os técnicos do Imazon, “tão logo acaba a operação [do IBAMA],
o desmatamento volta a aumentar” 173. E de fato é o que mostram os últimos
dados do DETER (que identifica apenas corte raso). O IBAMA declarou em
coletiva de imprensa em 5 de maio de 2013 que a Amazônia perdeu 46,5 mil
hectares de floresta, um aumento de mais de 400% em comparação com o
mesmo período de 2012.

O arremedo de Ministério do Meio Ambiente

Um indicador seguro da cumplicidade do Estado brasileiro com a


devastação das coberturas vegetas nativas do país é a estagnação do
orçamento do Ministério do Meio Ambiente desde 2000 em termos absolutos e
sua regressão percentual em relação aos gastos diretos dos Ministérios dos
Transportes e das Cidades. Em termos percentuais, esse orçamento caiu de
46

5% para 2% do total em 6 anos (2004-2010), conforme mostra o gráfico abaixo,


elaborado por Carlos Eduardo Young, Professor de Economia da UFRJ 174:

Dados elaborados por Carlos Eduardo Young, UFRJ

Desde 2000, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente patina


na casa de 1 bilhão de reais, sem receber nem mesmo os
reajustes da inflação. Portanto, em termos financeiros reais, os
governos de Fernando Henrique Cardoso (1998-2002) e de Lula
(2003-2010) sabotaram esse Ministério. Com Dilma Rousseff, a
situação piorou ainda mais. O orçamento de 2011 aprovado pelo
Congresso Nacional persistiu no mesmo R$ 1,01 bilhão, mas o
governo liberou em 2012 apenas R$ 815 milhões. Em 2011, foram
contingenciados R$ 398 milhões, equivalente a 37% do
montante previsto175. Em 2012, foram contingenciados R$ 197
milhões, ou 19,5% a menos do orçamento previsto para essa
pasta, que continua por já treze anos na casa do 1 bilhão. Como
bem sintetiza Washington Novaes, o Ministério do Meio
Ambiente “não tem recursos para suas tarefas básicas, para a
fiscalização, para quase nada”176.
A conclusão que se impõe é a continuidade e mesmo a aceleração da
destruição das vegetações nativas dos biomas nacionais 177. Isto implica no
presente, e cada vez mais doravante, importa repetir: perda de de
biodiversidade, diminuição dos níveis pluviométricos, secas maiores, redução
dos recursos hídricos, empobrecimento e erosão dos solos, poluição das
águas por fertilizantes, inseticidas e herbicidas, diminuição das superfícies
agricultáveis, em suma, uma piora real da biosfera em todo o território brasileiro
e, portanto, uma piora das condições de vida da população brasileira como um
todo.

1.5. A grande coalizão do desmatamento

A destruição das mantas vegetais nativas do país responde aos


interesses de uma ampla coalizão da sociedade brasileira. Identifiquemos
alguns deles:
47

(1) os empresários do agronegócio, os madeireiros, os frigoríficos, os grandes


latifúndios da soja e da pecuária, liderados pelos parlamentares da bancada
ruralista do Congresso Nacional, os quais, detêm grandes quantidade de terra
no chamado arco do desmatamento178;

(2) a estrutura de produtos e serviços que vive do agronegócio e que congrega:


(a) os laboratórios produtores de hormônios, antibióticos e demais drogas
veterinárias; (b) o parque industrial de equipamentos de mecanização rural; (c)
a indústria química de fertilizantes e de agrotóxicos; (d) a indústria de sementes
transgênicas; (e) as trades de madeira, soja, minérios e outras commodities;

(3) as mineradoras e as corporações do petróleo;

(4) as construtoras (e gestoras) de usinas hidrelétricas e de estradas para o


escoamento da produção agropecuária, bem como as indústrias eletro-
intensivas, entre as quais as indústrias de alumínio, cimento e outras;

(5) o parque sídero-metalúrgico do país, sobretudo no Norte (Carajás), produtor


de ferro-gusa a partir do carvão vegetal (veja-se adiante o capítulo 5. A
Regressão ao Carvão e o item 5.6. O Brasil, a siderurgia e o carvão vegetal);

(6) o sistema financeiro que irriga os recursos dessa estrutura industrial;

(7) os partidos políticos, sem distinção179.

(8) a colonização implementada pela burocracia do INCRA, num país de alta


concentração da propriedade fundiária.

(9) enfim, a tecnocracia universitária, empenhada em demonstrar a quadratura


do círculo: a viabilidade de implantar grandes hidrelétricas e uma economia de
escala na Amazônia sem destruir o que resta de sua floresta.

É amplo, como se vê, o arco de interesses que patrocina a destruição


das florestas e demais coberturas vegetais nativas no Brasil, sobretudo na
Amazônia, mas é importante não perder de vista que, após o recesso dos
militares, os principais culpados desse trágico processo são os grandes
proprietários de terra, as grandes empreiteiras e o Estado-Corporação
brasileiro. Os pequenos proprietários representam um mal menor, ainda que
não irrelevante. Segundo o INCRA, há na Amazônia Legal 3554 projetos onde
vivem 752 mil famílias em 76,7 milhões de hectares. Segundo uma declaração
desse órgão, o desmatamento decorrente da colonização representava, em
2011, apenas 18% do total desmatado180. O desmatamento é, sobretudo, obra
do latifúndio e são os grandes proprietários que continuam a desmatar em
larga escala. Prova disso dão os dados do Sistema PRODES/INPE de corte
raso, segundo os quais: “os cortes maiores que 500 hectares dobraram de
2010 para 2011”181. Um estudo abrangente de 2005 de Philip Martin Fearnside,
do Instituto Nacional des Pesquisas da Amazônia (INPA), mostra que “o papel
predominante dos latifundiários é comprovado pela localização das áreas
desmatadas. O estado do Mato Grosso, sozinho, contabilizou 26% do total de
11.100 km2 de área desmatada, em 1991, e tinha a maior porcentagem de suas
48

terras privadas em fazendas iguais ou maiores que 1.000 hectares (84% na


época do censo agrícola de 1985). Por outro lado, o estado de Rondônia –
famoso por seu desmatamento pelos pequenos fazendeiros – representava
apenas 10% do total do desmatamento de 1991, e o estado do Acre, apenas
3%”182.
Mas o próprio Fearnside alerta, nesse e em outro estudo 183, que “o
desenvolvimento da infraestrutura [na Amazônia] desata uma cadeia traiçoeira
de investimento e exploração que pode destruir mais florestas do que as
próprias plantações”. E como o Estado é, desde a ditadura, o responsável
direto dessa infraestrutura, fica claro que os principais culpados pela destruição
da Amazônia e do Cerrado brasileiros são o Estado e o agronegócio, sobretudo
da soja e do gado. Nada ou muito pouco mudou, de resto, nessa aliança
histórica, vigente desde o período colonial.

1.6. O desmatamento total

No Brasil, o desmatamento é feito com motosserras, tratores com


correntes, incêndios (veja-se, acima, o item 1.1. A curva global ascendente do
desmatamento), mas também pelo agente laranja e outros organocloretos,
lançados de aviões a mando de criadores de gado, sojicultores, etc 184. Segundo
o que declarou Cícero Furtado, do IBAMA, o uso do agente laranja para o
desmatamento “representa um problema crescente” na região amazônica 185.
Outro funcionário do IBAMA, Jefferson Lobato, explica que com a aspersão de
agente laranja “mais áreas de floresta podem ser destruídas com herbicidas”.
Além disso, os fazendeiros “não necessitam empregar equipes de
desmatadores e podem, assim, burlar a fiscalização do IBAMA” 186.
O agente laranja é um subproduto da guerra química fornecido pela
Monsanto e pela Dow Chemical e empregado pela aviação norte-americana
nos anos 1960 com o intuito de devastar os arrozais e as florestas do Vietnã,
Laos e Camboja, onde se ocultavam os guerrilheiros 187. Na Amazônia, esses
desfolhantes foram utilizados nos municípios de Boca do Acre, Novo Aripuanã,
Canutama (perto das reservas indígenas de Mapinguari, Jacareúba ou
Katawixi), em geral áreas de fronteira agrícola entre os estados do Amazonas,
Acre e Rondônia, mas também no Estado do Pará, na Terra do Meio
(municípios de São Félix do Xingu e Altamira), tal como denunciado pelo padre
Angelo Pansa188, e em Tucuruí, como procedimento coadjuvante para a
destruição da floresta antes do alagamento da área de represa 189. Nada ou
muito pouco que se possa ainda chamar de vida silvestre sobrevive a um
desmatamento raso das florestas tropicais.

O desmatamento legal camufla o desmatamento ilegal

O desmatamento ilegal é um dos negócios mais florescentes do mundo.


O relatório “Carbono verde, Mercado negro”, elaborado em conjunto pela
Interpol e pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente),
e publicado em 27 de setembro de 2012, estima que a rentabilidade do tráfico
ilegal mundializado de madeira é de 30 a 100 bilhões de dólares 190. Até agora,
o Banco Mundial admitia uma cifra “apenas” em torno de 15 bilhões de dólares
por ano, pois não contabilizava, ou muito pouco, segundo os autores desse
recente documento, as “operações de lavagem de dinheiro”. Dado o volume
49

colossal da madeira retirada da floresta, o desmatamento e o tráfico ilegais só


podem florescer à sombra do desmatamento e do comércio legais, no qual ele
se camufla, enganando ou corrompendo a atrofiadíssima fiscalização florestal.
Não se trata de uma camuflagem residual. Segundo os autores desse relatório,
o tráfico ilegal de madeira “representaria 50% a 90% do conjunto da exploração
florestal na Amazônia, na Indonésia e na bacia do Congo”. De onde a
importância crucial da petição do Greenpeace por uma lei de “Desmatamento
Zero”, até agora incapaz de expugnar a muralha da grande coalizão do
desmatamento acima descrita.
No Brasil, dados do IMAZON sobre o desmatamento no Pará, ordenados
no gráfico abaixo, permitem três conclusões:

Desmatamento legal e ilegal no Pará em ha


Períodos: 2010/2011 e 2011/2012

Fonte: André Monteiro, Dalton Cardoso, Denis Conrado, Adalberto Verissimo & Carlos Souza Jr. (Imazon),
“Transparência – Manejo Florestal”, 2012 (pdf)

(1) nos dois períodos considerados, o desmatamento legal (32.290 e 34.902


ha) foi muito menor que o desmatamento ilegal (48.802 e 122.337 ha);
(2) na comparação entre os dois períodos, tanto o desmatamento legal quanto
o ilegal aumentaram;
(3) na comparação entre os dois períodos, o desmatamento ilegal aumentou
muito mais que o desmatamento autorizado, subindo de 48.802 ha para
122.337 ha.

1.7. Fragmentação e degradação das florestas

Outro mecanismo da devastação é a fragmentação das áreas


remanescentes de floresta. Um estudo de 1997 do World Resources Institute,
liderado por Dirk Bryant, Daniel Nielsen e Laura Tangley mostra que 191:

“hoje [1997], apenas um quinto da cobertura florestal do planeta permanece


em amplas áreas de florestas relativamente intocadas (...) Das florestas que
permanecem de pé, a vasta maioria não é mais que pequenos ou muito
perturbados fragmentos de ecossistemas outrora funcionais”.

A fragmentação de quatro quintos do tecido florestal mundial implica


alterações múltiplas. Na Amazônia, essas alterações foram evidenciadas em
2011 também pelo contínuo monitoramento de 32 anos da floresta amazônica
50

realizado pelo Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF)


do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Os resultados desse
monitoramento foram sintetizados em 2011 por William F. Laurance,
coordenador de uma equipe de 16 pesquisadores 192. A partir da observação de
fragmentos de 1 a 100 hectares, produzido pelo desmatamento na Amazônia
central, esta síntese detecta novos efeitos, e reforça os efeitos já conhecidos,
do esgarçamento do tecido florestal amazônico.
No que se refere à diminuição da biodiversisdade daí decorrente, o
estudo adverte que “fragmentos com área de 10 mil ha (100 km 2) devem perder
parte substancial de sua fauna de pássaros dentro de um século” 193. E “mesmo
fragmentos de 10 hectares requerem pelo menos um século para recuperarem
a diversidade biológica e a biomassa de antes de terem sido formados” 194.
Os pesquisadores do PDBFF põem em evidência também o chamado
“efeito de borda”, isto é, a exposição das árvores da periferia das florestas às
alterações bruscas do microclima e à ação da radiação solar, da luz e do vento,
que as fazem cair com maior facilidade. Segundo José Luiz Camargo, diretor
científico do PDBFF, em consequência desse efeito de borda, “metade da
fauna de aves e mamíferos do sub-bosque pode entrar em extinção local, às
vezes de modo irreversível”. Segundo o trabalho em questão “a cada ano o
desmatamento para a abertura de pastagens acrescenta 32 mil quilômetros de
novas bordas de florestas e produz paisagens dominadas por fragmentos
pequenos, menores de 400 hectares, e de formato irregular, aumentando o
efeito da radiação solar e dos ventos sobre a vegetação nativa”. As condições
de dessecação criadas por esses fluxos de calor típicos das clareiras e de
espaços circundantes da floresta projetam seus efeitos deletérios 100 a 200
metros dentro do fragmento florestal195.
No que concerne à alteração do regime hidrológico, áreas desmatadas
de apenas algumas centenas de hectares alteram a circulação no ar na baixa
atmosfera, o que, por sua vez, afeta a formação de nuvens locais e a
pluviometria. A massa de ar quente e seca dessas áreas desmatadas tende a
subir, criando zonas de baixa pressão atmosférica e de convecção, que
facilitam a formação de tempestades. O ar fresco e úmido sobre as florestas é
sugado por esse vácuo, o que diminui a umidade das florestas e reforça a
probabilidade de ocorrência de tempestades locais, tal como mostra o
esquema abaixo.
Os trabalhos acima citados sublinham os efeitos deletérios da
fragmentação, que incluem, em resumo:

(1) alterações microclimáticas e de regime hidrológico


(2) menor capacidade de armazenagem de carbono
(3) menor resistência às secas
(4) maior vulnerabilidade aos incêndios
(5) maior mortalidade das árvores remanescentes
(6) perda de conectividade
(7) menor germinação
(8) isolamento dos animais e vegetais
(9) diminuição da biodiversidade
(10) vulnerabilidade ou mesmo extinção das espécies que necessitam de
grandes extensões contínuas de floresta para se alimentar e se reproduzir
sem perda de diversidade genética, tais como as aves incapazes de
51

atravessar grandes áreas desprovidas de floresta e alguns mamíferos


predadores.

A extração seletiva, primeira etapa da tabula rasa

A fragmentação e a degradação da floresta são, no mais das vezes,


precedidas pela extração seletiva de madeira. De fato, os 4.656 km 2 de floresta
amazônica perdidos em 2012 e os demais dados de desmatamento acima
expostos não incluem as áreas de degradação da floresta em razão da
extração seletiva da madeira. Mas desde 2007 esta primeira etapa de
degradação por corte seletivo de árvores tem sido objeto de mapeamento pelo
sistema de aferição chamado DEGRAD do INPE. Eis os resultados obtidos 196:

Evolução das áreas de degradação da floresta amazônica causada por extração


de madeira (em km2)
Estado 2007 2008 2009
Acre 122 121 31
Amazonas 257 412 181
Amapá 50 63 61
Maranhão 1976 4230 2423
Mato Grosso 8951 12987 8486
Pará 3899 8264 1559
Rondônia 412 643 232
Roraima 137 171 99
Tocantins 179 522 229

Total 15.983 27.413 13.301


Fonte: DEGRAD / INPE

Esses resultados são assim sintetizados no relatório de 2009 do INPE. Houve


um salto de quase 100% na área de degradação entre 2007 e 2008, passando-
se de 15.983 km2 para 27.413 km2. Em 2009, voltou-se a um patamar de
13.301 km2, pouco inferior ao de 2007. A degradação por extração seletiva de
madeira fornece um indício importante do nível de desmatamento total que se
observará em seguida. Assim, lê-se no estudo do DEGRAD acima citado:

“a área mapeada como degradação em 2007 (15983 km2) que foi convertida
em corte raso em 2008, e, portanto, contabilizada pelo PRODES, foi de 1982
km2.”

Mais de 12% das áreas da floresta que foram alvo da atividade madeireira
seletiva em 2007 foram, em apenas um ano, vítimas de uma devastação
completa. O mecanismo em ação parece evidente: antes de se abater a
floresta para fazer avançar a fronteira agropecuária, extraem-se dela as
árvores mais lucrativas.

Perda de 45 mil km2 de reservas de proteção ambiental

O segundo mandato de Lula e a administração Dilma Roussseff têm


promovido perdas significativas das áreas de proteção ambiental. Como visto
na Introdução, um levantamento realizado por pesquisadores da Universidade
52

Federal de Pernambuco detectou 48 processos de Redução, Declassificação


ou Reclassificação (RDR) de áreas protegidas desde 1981, com apenas dois
casos de Reclassificação positiva (maior grau de proteção). No total, 45 mil km 2
– uma superfície maior que a do Estado do Rio de Janeiro (43.696 km 2) –
perderam o estatuto de Área Protegida (AP) em decorrência de Medidas
Provisórias (MPs) do governo federal. Nada menos que 70% desses processos
de RDR ocorreram desde 2008 e 44% deles (21 eventos) visaram a entrega
das áreas vitimadas à ação das corporações que dominam o negócio das
hidrelétricas na Amazônia. Os demais beneficiários foram a especulação
imobiliária (7 eventos de RDR) e o agronegócio (5 eventos de RDR) 197.
Malgrado a criação de irrisórios 450 km 2 de reservas naturais sob o
governo Dilma Rousseff (1% dos 45 mil km 2 entregues à destruição), houve
sob seu governo diminuição em todas as modalidades de reservas legais, bem
como da área de várias Unidades de Conservação (UC) e de Territórios
Indígenas (TI). Foram extintas ou reduzidas diversas reservas naturais
(parques nacionais e estaduais), entre as quais se podem mencionar a
Chapada dos Veadeiros, os Pontões Capixabas, os Parques Nacionais de
Monte Pascoal, Monte Roraima, Serra da Canastra, Araguaia, e os Parques
Estaduais da Serra do Tabuleiro e do Cristalino, entre outros. Apenas o Estado
de Rondônia eliminou sete das suas unidades de conservação e há em curso
no Congresso Nacional 20 projetos de lei no mesmo sentido. Em junho, o
Senado aprovou a Medida Provisória, MP 558, de 5 de janeiro de 2012, que
altera “os limites dos Parques Nacionais da Amazônia, dos Campos
Amazônicos e Mapinguari, das Florestas Nacionais de Itaituba I, Itaituba II e do
Crepori e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós”. Das 8 unidades de
conservação alteradas, 7 perderam área198.

A Amazônia e as outras regiões do Brasil

O desmatamento da Amazônia implica uma mudança no regime de


chuvas do Nordeste, que ampliará as áreas de semideserto. Mas também a
agricultura do sudeste depende da umidade proveniente da Amazônia. Limito-
me aqui a reproduzir parte do já citado estudo de 2005 de Philip Fearnside, do
INPA, confortado por outras pesquisas e estimativas de especialistas: “a
umidade chega à região centro-sul do Brasil por correntes de ar (jatos de nível
baixo) procedentes da Bolívia e da parte ocidental da Amazônia brasileira
(oeste de Rondônia, Acre e oeste do Amazonas). O suprimento de vapor de
água para a região centro-sul tem diferentes magnitudes e importância
diferenciada dependendo da estação. Durante o período de transição da
estação seca para a chuvosa (setembro-outubro) no sudoeste da Amazônia, o
fornecimento de vapor de água é particularmente importante para evitar o
prolongamento da estação seca em São Paulo (a região agrícola mais
produtiva do Brasil). (...) De acordo com as estimativas preliminares de Pedro
Silva Dias (comunicação pessoal), da Universidade de São Paulo,
aproximadamente 70% da precipitação do estado de São Paulo vêm do vapor
de água da Amazônia durante esse período”. A devastação causada pelo
agronegócio amazônico não é, portanto, apenas um tiro no coração da própria
região. Ela está afetando as regiões meridionais do país, que concentram os
maiores contingentes populacionais do Brasil e do hemisfério sul.
53

1.8. Ponto crítico: a floresta colapsa por si mesma

As florestas, e não apenas a amazônica, estão próximas do ponto crítico


além do qual se desencadeiam retroalimentações positivas e, enfim, mudanças
não-lineares de estado que conduzem a seu declínio irreversível e à sua morte
“espontânea” (forest dieback). Figuras como a dos dominós que caem em série
ou do desmantelamento de um castelo de cartas são úteis para se entender
esses fenômenos. A partir de certo ponto, o impacto do desmatamento não é
mais apenas local, mas repercute sistemicamente, alterando as condições
climáticas, o ciclo hidrológico, a umidade do ar e do solo imprescindíveis para a
sobrevivência do tecido florestal.
O relatório Assessment of the Risk of Amazon Dieback 199, conduzido
pelo Banco Mundial, com a colaboração de Carlos Nobre e Gilvan Sampaio, do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), avaliou em 2010 o risco de
parte da floresta amazônica entrar em colapso devido à conjunção das
mudanças climáticas com o desmatamento e as queimadas causadas pelo
agronegócio. Os pesquisadores trabalham com a noção de forest dieback, isto
é, o limite de perda de biomassa além do qual a floresta colapsa por si mesma:
“o nível, o ponto a que chega a floresta que, mesmo que você faça
reflorestamento, ela não retorna”, explica Gilvan Sampaio 200. Os resultados
desse relatório são acabrunhantes: em 2025, cerca de 75% da floresta estarão
perdidos. Em 2075, só restariam 5% de florestas no leste da Amazônia.

A cavitação ou embolia vegetal: o limiar da falência hidráulica

Outra pesquisa201 demonstrou como o agravamento das secas,


examinado no próximo capítulo, ameaça deflagrar essa passagem crítica do
desmatamento ao dieback das florestas. Ela mostra como temperaturas mais
elevadas (que fazem aumentar a transpiração das árvores) e/ou maior carência
de água no solo levam as raízes das árvores a bombear mais intensamente
água ao longo de seu sistema vascular. Uma consequência importante desse
mais intenso bombeamento é a formação de bolhas de ar em seus xilemas (o
tecido por onde circula a seiva). É possível hoje medir a partir de que pressão
na seiva a condução hidráulica é diminuída em 50% pela formação de bolhas
de ar. Ora, o exame de 226 espécies de árvores pertencentes a diversos tipos
florestas de 81 diferentes latitudes do planeta mostra que 70% delas já operam
com estreitas margens de segurança em relação à diminuição da umidade, de
modo que a intensificação das secas em várias regiões do globo prevista pelos
modelos climáticos pode lhes ser letal, pois as levarão a sucumbir a
catastróficos processos de cavitação ou embolia vegetal, isto é, de formação
de bolhas de ar nos xilemas, capazes de obstruir a passagem da seiva
bombeada pelas raízes.
“Que as florestas de tipo mediterrâneo, submetidas a secas, estivessem
próximas desse limiar não é surpreendente. Mas mesmo as florestas tropicais
têm pouca margem de manobra”, declara um dos co-autores da pesquisa,
Hervé Cochard, um ecofisiologista da Université Blaise Pascal de Clermont-
Ferrand e do Institut National de Recherche Agronomique (INRA) de Avignon 202.
“Todas as árvores e todas as florestas do globo”, prossegue ele, “estão vivendo
no limite de sua ruptura hidráulica. Há, portanto, uma convergência funcional
global da resposta desses ecossistemas às secas”203.
54

Comentando o trabalho no mesmo fascículo da revista Nature, Bettina


Engelbrecht da Universidade de Bayreuth 204, confirma esses resultados e
declara: “A maioria das espécies encontra-se numa situação limite. Um pouco
mais de seca as levará à morte” 205. Um trabalho publicado na PNAS em finais
de 2011 vincula o declínio desde 2004 dos bosques de álamos (Populus
tremuloides) do oeste norte-americano, fenômeno designado como Sudden
Aspen Decline (SAD), a esse fenômeno de cavitação ou embolia vegetal, em
consequência das secas de 2000 a 2003 naquela região: “encontramos
substancial evidência de falência hidráulica de raízes e ramos ligada a padrões
gerais de mortalidade de copas e raízes nessas espécies”, afirmam os
autores206.
Já em 2010, outra equipe de pesquisadores liderada por Craig Allen
publicara na revista Forest Ecology and Management os resultados de uma
pesquisa sobre o aumento da vulnerabilidade das florestas em 88 zonas do
planeta. As conclusões desse estudo são assim descritas 207:

Os estudos aqui compilados sugerem que ao menos alguns dos ecossistemas


florestais do globo já estão respondendo a mudanças climáticas e suscitam
preocupação de que as florestas possam se tornar crescentemente vulneráveis
a maiores taxas de mortalidade de árvores e de definhamento em resposta a
aquecimentos futuros e a secas, mesmo em ambientes não normalmente
considerados com déficit de água.

Segundo, Michel Vennetier, do Institut National de Recherche em Sciences et


Technologies pour l’Environnement et l’Agriculture, de Aix-en-Provence, e co-
autor desse trabalho de 2010: “em vinte anos as superfícies tocadas pelo
deperecimento das florestas multiplicaram-se por quatro” 208.
E há outras causae mortis das florestas em consequência das secas: as
florestas podem morrer não apenas “de sede”, mas também “de fome”, afirma
Hendirk Davi, do INRA de Avignon, pois em situação de estresse hídrico ou de
temperatura, as árvores reagem fechando os estômatas, que lhes permitem a
transpiração e demais trocas com a atmosfera, entre as quais a absorção de
CO2, interrompendo a função crucial da fotossíntese de produzir os nutrientes
indispensáveis à sua sobrevivência. Isto sem mencionar que a fragilização das
árvores facilita a infestação de microorganismos e/ou de insetos que as
colonizam, fragilizam-nas a ponto muitas vezes de matá-las. É o caso, por
exemplo, da infestação de besouros de pinheiro de montanha, que agora
conseguem sobreviver a invernos mais amenos e já afetaram centenas de
milhares de hectares de florestas em seis estados dos EUA e em British
Columbia no Canadá209.

1.9. O câncer socioambiental do desmatamento

O desmatamento é a forma mais direta e imediata de matar o maior


número de formas de vida em escala planetária. O desmatamento invade,
como um câncer, o organismo social e o organismo natural. Como câncer
social, o desmatamento é o império da brutalidade, do crime organizado e do
poder de corrupção do dinheiro. O G8, a Interpol, a União Europeia, o PNUMA
e o Instituto de Pesquisas sobre Justiça e sobre o Crime Interregional da ONU
(UN Interregional Crime and Justice Research Institute) consideram o
desmatamento a quinta grande área do crime ambiental. Tanto no Brasil como
55

em outras partes do mundo, ele está no centro da violência contra as


populações que vivem tradicionalmente da floresta. Em 2011, Marina Silva
homenageava as vítimas dos massacres perpetrados a mando de fazendeiros,
com a complacência do Estado210:

“Para proteger a floresta e defender seus direitos contra os que matam e


desmatam, tombaram também Wilson Pinheiro, Calado, Ivair Higino, irmã
Dorothy Stang, José Claudio e sua mulher, Maria do Espírito Santo, só para
rememorar alguns...

Como câncer natural, o desmatamento assesta um golpe mortal na


biosfera: 70% dos mamíferos dependem de ecossistemas florestais. Dentre os
17 tipos de ameaças à biodiversidade citadas por um estudo sobre o declínio
dos mamíferos no Brasil, o desmatamento aparece como a causa mais
abrangente211:

“Foram citadas 17 tipos de ameaça como as principais causadoras de declínio


das espécies constantes da lista nacional. A maioria absoluta das espécies
(88,4%) está ameaçada pela destruição de habitat e pelo desmatamento
(73,9%), fatores que são mais intensos no Cerrado, na Mata Atlântica e na
Caatinga, mas obviamente não estão restritos a esses biomas”.

Todos os mais graves desequilíbrios da biosfera têm no desmatamento


um ponto de partida ou um fator crucial de agravamento. As crises múltiplas
que acuam hoje a biosfera são, em grande parte, metástases do câncer do
desmatamento.

2. Água, solos e insegurança alimentar

“Muitos estudiosos do clima pensam que nossos grandes problemas


com o aquecimento global provêm menos do aquecimento em si e mais das
grandes mudanças na hidrologia causadas por ele”. Essa afirmação de Fred
Pearce212 foi confirmada pelo Inter-Sectoral Impact Model Intercomparison
Project (ISI-MIP), a primeira avaliação abrangente do impacto das mudanças
56

climáticas (a partir de cinco modelos), sobre os recursos hídricos no planeta 213.


Seus resultados iniciais214, o primeiro de quatro, mostram que, de fato, “a água
é a maior de todas as preocupações”215.
Por volta de 97,5% da água em nosso planeta é salina. Dos 2,5% de
água doce, cerca de 70% conservam-se em geleiras 216. O Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) sublinha que “o suprimento
total de água doce utilizável pelos ecossistemas e pelos seres humanos é de
cerca de 200 mil km3, menos de 1% dos recursos de água doce do planeta” 217.
Enfim, a água em forma de vapor de água mantida em média na atmosfera
corresponde a cerca de 13 mil km3, ou seja, uma fração diminuta do volume de
águas superficiais de fato disponíveis.

2.1. Declínio dos recursos hídricos

O Índice Falkenmark (Falkenmark Water Stress Indicator) estabelece


três níveis de escassez hídrica: (1) “estresse de água” (water stress) quando o
suprimento de água renovável situa-se abaixo do limiar de 1700 m 3 per capita
por ano; (2) “escassez de água” (water scarcity) quando esse nível é inferior a
1000 m3 per capita e (3) “absoluta escassez de água” (absolute scarcity)
quando esse nível é inferior a 500 m3 per capita por ano. Esse parâmetro inclui
as necessidades domésticas, agrícolas, industriais, energéticas e ambientais. A
ONU oferece uma definição alternativa de estresse hídrico, segundo a qual
este ocorre a partir do momento em que o consumo de água de uma região
excede em 10% os recursos hídricos renováveis.

Aumento e desigualdade do consumo

O aumento da escassez hídrica explica-se menos pelo aumento da


população e mais pelo aumento do consumo per capita de água. Em apenas
duas décadas, entre 1990 e 2010, o consumo humano mundial de água
aumentou 100%, enquanto a população passou, entre essas duas datas, de
5,3 para 6,8 bilhões de pessoas, um aumento de menos de 20% 218. Enquanto a
população mundial triplicou no século XX, o aumento global do consumo
humano de água nesse século multiplicou-se por oito, com clara
preponderância para a agricultura irrigada (70% em 2000), tal como mostra a
figura abaixo219.

Estimativas de uso global de água


por ano em km3

Fonte: Alex Kirby, BBC, a partir da FAO Aquastat


57

Esse aumento do consumo é marcado por uma excepcional


desigualdade. A tabela seguinte mostra os contrastes no consumo de água
entre diversos países, sendo que o Índice de Gleick 220, recomendado pela
ONU, estabelece como parâmetro de satisfação das necessidades humanas
cerca de 50 litros de água per capita por dia, aí incluídos a ingestão direta de
água e seu uso para alimentação, higiene e serviços sanitários:

Média do consumo de água de alguns países


(em litros per capita por dia)

País

Estados Unidos 575


Noruega 301
Suécia 195
Reino Unido 149
China 86
Nigéria 36
Etiópia 15
Moçambique 4
Fonte: http://ahmedb.hubpages.com/hub/Water-scarcity-and-water-saving-measures, a partir de dados da data360.org

Aceleração da Escassez

Em 2010, a revista Nature publicou um fascículo intitulado Water in


crisis, com destaque para uma pesquisa sobre os rios. Nela, os autores
afirmam221: “cerca de 80% da população mundial está exposta a altos níveis de
ameaça à segurança hídrica”. De fato, o consumo global anual per capita de
água é de cerca de 1200 m 3, média que se situa já na zona de “estresse de
água” (abaixo de 1700 m3, segundo, como visto, o Índice Falkenmark) 222. Em
2012, um relatório da Defense Intelligence Agency (DIA), com contribuições da
CIA e de outras agências de segurança, intitulado Global Water Security,
destacava as consequências da insuficiência de água “em muitos países
importantes para os Estados Unidos” 223. As regiões mais populosas do globo já
sofrem de níveis diversos de escassez hídrica, entre as quais o Brasil, já que
as Regiões Hidrográficas do Atlântico, região onde vive 45% da população
urbana do país, são responsáveis por apenas 3% da disponibilidade hídrica 224.
As represas do sistema Cantareira que abastecem 8 milhões de pessoas da
região metropolitana de São Paulo, por exemplo, secaram completamente em
meados de 2014. A captação emergencial de águas de seu fundo (o chamado
volume morto), dando uma efêmera sobrevida ao abastecimento, deve
desestruturar os ecossistemas dessas represas e causar uma imensa
mortandade de peixes, fato que já está ocorrendo nos rios Piracicaba, Capivari
e Jundiaí (PCJ), cujas vazões caíram também aos seus mais baixos níveis
históricos. “Nos últimos cinco anos, aumentou de 23 para 49 o registro de
mortandade de peixes ao ano nos rios da bacia do PCJ” 225. O sobreuso crônico
desses recursos e a seca, a se manter, trarão um grau de escassez de água
jamais experimentado na região.
Os fatos vêm se antecipando às diversas previsões de escassez hídrica.
Em 2006, o relatório do International Water Management Institute (IWMI)
58

afirmava: “um terço da população mundial sofre de estresse de água (water


stress), uma situação que não se previa que viesse a ocorrer antes de 2025” 226.
O nível seguinte ao de “estresse de água” na escala Falkenmark, o de
“escassez de água” (water scarcity), já atinge hoje um décimo da população
mundial, e dentro de 12 anos, em 2025, quando a população for de 8 bilhões
de pessoas, a “escassez absoluta” (absolute scarcity) – o nível máximo de
escassez na escala Falkenmark – será o lote de 22,5% da população 227.
A Declaração final do encontro “Água no Antropoceno” – The Bonn
Declaration on Global Water Security – apresenta um quadro ainda mais
grave228:

“No breve intervalo de uma ou duas gerações, a maioria dos nove bilhões de
habitantes da Terra estarão vivendo a adversidade de uma grave escassez de
água. (...) Os cientistas da água estão mais que nunca convencidos que os
sistemas de água doce em todo o planeta estão em estado precário. (...) Diante
da escolha entre água para um ganho econômico de curto prazo e água para a
saúde dos ecossistemas aquáticos, a sociedade em geral escolhe o
desenvolvimento, frequentemente com consequências deletérias para os
próprios sistemas aquáticos que fornecem esse recurso. (...) O atual aumento
do uso de água e os danos aos sistemas aquáticos avançam numa trajetória
insustentável. Entretanto, o atual conhecimento científico não pode predizer
exatamente como ou precisamente quando se ultrapassará, em escala
planetária, o limite. A ultrapassagem desse ponto crítico pode disparar uma
mudança irreversível com consequências potencialmente catastróficas”.

2.2. Rios e lagos

Uma análise de 405 bacias hidrográficas no mundo no período 1996-


2005 mostrou que 201 bacias responsáveis pelo abastecimento de água e de
alimentos por agricultura irrigada de 2,67 bilhões de pessoas apresentam: “uma
severa escassez de água durante ao menos um mês por ano. As
consequências ecológicas e econômicas de graus crescentes de escassez de
água – como evidenciado no Rio Grande (Rio Bravo), no Indo [o mais longo e
importante rio do Paquistão], e nas bacias de Murray-Darling [Austrália] –
podem incluir secagem completa durante as estações de seca, extermínio da
biodiversidade aquática e substancial crise econômica” 229. Eis alguns
exemplos.

Os rios dos Estados Unidos e México

A disponibilidade de água no México está em declínio 230. A região norte


do país utiliza hoje mais de 40% da disponibilidade hídrica natural média,
porcentagem definida pela ONU como “forte pressão sobre os recursos
hídricos”. A bacia do rio Yaqui, o maior rio do noroeste do México, outrora
habitat do crocodilo americano (Crocodylus acutus), está em declínio devido ao
uso intensivo para irrigação, à sucessão de represamentos e ao crescimento
urbano.
O Rio Grande, que separa o Texas do México, está reduzido hoje a um
quinto de seu fluxo quando deságua no Golfo do México. Em 2001, pela
primeira vez na história, ele secou antes de atingir sua foz e sua secagem
59

ocorreu desde então várias vezes. O Colorado, no SO dos Estados Unidos,


que, ao longo de seus 2330 km, provê de água 30 milhões de pessoas, é o
mais ameaçado dos grandes rios norte-americanos. Ele raramente atinge, hoje,
seu delta no Golfo da Califórnia. Um trabalho publicado em 2012231 conclui: “A
respeito de todo o sudoeste norte-americano, os modelos projetam uma
constante queda na precipitação menos evapotranspiração, P – E, ou seja, no
fluxo final de água na terra, levando, por exemplo, a um declínio do rio
Colorado, com importantes consequências sociais e ecológicas”. Além do
Colorado, a ONG American Rivers mostra um quadro generalizado de
esvaimento (e/ou poluição) dos rios norte-americanos, com destaque para 10
deles, dentre os quais rios muito importantes como o Flint (Georgia) 232, o San
Saba (Texas)233 e o Catawba (North e South Carolina). Enfim, os níveis de água
do alto Mississipi e do Missouri estiveram em 2013 próximos dos mais baixos
de seus registros históricos, com risco crescente para sua navegabilidade 234.

Do Oriente Médio à China

No século XVI, Camões lamenta em seu poema (Lus. I,8) que outro
povo que não o cristão “inda bebe o licor do Santo Rio”. No século XX, o
Jordão tornou-se um filete de água poluída quando atinge o Mar Morto, o qual,
não sendo mais alimentado por ele, baixou 29 metros desde 1960 e sua área
restringiu-se no mesmo período de 950 km 2 a 637 km2. O Rio Amu Dária, na
Idade Média conhecido como Jayhoun, um dos quatro rios do Paraíso, morre
hoje cerca de 110 km antes de atingir o ex-Mar de Aral. Boa parte da bacia
hidrográfica de Bangladesh, alimentada pelas geleiras do Himalaia, está
comprometida, a começar pelo Brahmaputra e por seu afluente, o rio Tista, já
parcialmente seco.
A situação dos rios da China é crítica, sobretudo no norte, região em que
se concentra grande parte de sua produção agrícola e que sofre hoje de
“absoluta escassez de água” (absolute scarcity), segundo o acima mencionado
Indicador Falkenmark (consumo inferior a 500 m3 per capita por ano). Segundo
o que noticiam Dominic Ziegler e John Parker, editores do The Economist para
a Ásia e Assuntos de Globalização, “o número de rios com áreas significativas
de influência caiu de mais de 50 mil, nos anos 1950, para apenas 23 mil
hoje”235. Portanto, 27 mil rios desapareceram, por causa da irrigação e do uso
industrial da água. E muito do restante de seus recursos hídricos está afetado
pela poluição. Song Lanhe, engenheiro-chefe do serviço de monitoramento da
qualidade da água urbana do Ministério do Interior da China, declarou que
apenas metade das fontes de água nas cidades são potáveis.
O caso do Rio Amarelo, berço da civilização chinesa, é emblemático.
Sendo o mais longo do país, ele irriga 15% das terras da China e alimenta 12%
de sua população. Nos últimos tempos, o rio tem secado antes de atingir o mar,
e em 1997 não correu por 230 dias. De onde o chamado “Projeto de
Transposição de Água Sul-Norte” que levará água do Yangtze para os rios
Amarelo e Hai, através de três mil quilômetros de túneis e canais, com
impactos para a hidrologia e a biodiversidade, além de terríveis transtornos
para as 330 mil pessoas que serão deslocadas pelas obras de engenharia.
Além da escassez, a poluição do Rio Amarelo é extrema. Em 2007, a
Comissão para a Conservação do Rio Amarelo, uma agência governamental,
inspecionou 13 mil quilômetros de seu curso e dos de seus tributários e
60

concluiu que um terço das águas é inapropriado até mesmo para a irrigação
agrícola. Em parte porque quatro mil indústrias petroquímicas foram
construídas em suas margens e apenas cerca de 40% da água usada na
indústria chinesa é reciclada; e em parte o rio é vítima de outras fontes de
poluição, tais como os fertilizantes e agrotóxicos da agricultura e os cadáveres
de homens que boiam no rio. Em finais de 2012, a imprensa chinesa noticiou a
descoberta de 300 cadáveres humanos boiando no Rio Amarelo, na altura da
cidade de Lanzhou. Trata-se das últimas vítimas dos cerca de 10 mil cadáveres
(em sua maioria suicídios, segundo a polícia) achados no rio desde os anos
1960. Também os rios Hai, Huai, Tarim e Jiapingtang na China apresentam
graus variados de poluição e esvaimento. O rio Huai, na China central,
apresenta níveis elevados de arsênico 236. Em março de 2013, o rio Jiapingtang
(e seu tributário, o Huangpu), que abastece os 23 milhões de habitantes de
Xangai, foi envenenado por 16 mil cadáveres de porcos e por mil cadáveres de
patos237. A prática de lançar cadáveres de porcos no rio tornou-se habitual.
Cerca de 500 carcaças são recuperadas por mês nessas águas 238.
Durante quatro dos dez verões de 2003 a 2012, mais da metade dos
1.200 km do Rio Tarim, no noroeste da China, secou. Segundo um estudioso
da ecologia do Rio Tarim, Niels Thevs, da Universidade de Greifswald, na
Alemanha, os fazendeiros de algodão que irrigam as plantações com suas
águas reagem multiplicando e aprofundando a perfuração de poços, o que
acelera o esgotamento dos aquíferos fósseis da região. Ademais, o Rio Tarim
recebe 40% de suas águas do degelo sazonal e a contração nos últimos 40
anos de 8% do volume e de 7% da área das coberturas glaciais que o
alimentam deve agravar ainda mais sua situação 239. No que se refere à bacia
do rio Hai, um estudo do Banco Mundial mostra um decréscimo por ano de 40
bilhões de toneladas de água.

Brasil

O volume de água do Rio São Francisco diminuiu em 35% nos últimos


50 anos240. A vazão original de 300 m3 por segundo do Rio Doce (853 km), de
cuja bacia dependem 228 municípios com uma população da ordem de mais
de 3 milhões de habitantes, reduzia-se em 2012 a 110 m 3 por segundo241. Um
estudo de 2009, patrocinado pela Fundação Brasileira para o Desenvolvimento
Sustentável242 (FBDS), mostra que “no sudeste da Amazônia, historicamente
uma região tropical e úmida, condições climáticas fora do comum têm causado
a diminuição dos níveis fluviais, deixando isoladas algumas comunidades mais
afastadas devido à redução da capacidade de navegação. Alguns rios
chegaram a secar totalmente”.

Degradação e desaparecimento dos lagos

Um número crescente de lagos em todo o mundo está secando ou se


degradando por poluição, acidificação, aquecimento a taxas superiores ao
aquecimento da atmosfera ou perda de oxigênio, sobretudo por eutrofização.
Em 167 grandes lagos no mundo todo – aí incluídos os Grandes Lagos, o
Tahoe (Califórnia), o Baikal (Sibéria) e o Tanganika –, constata-se um
aquecimento, no período 1985 e 2009, de até 2,2º C, o que é, em alguns
61

casos, uma taxa de aquecimento até sete vezes superior ao da atmosfera na


mesma região e período243.

Lagos da Ásia central: Aral, Balkhash, Urmia, Hamoun...

O Mar de Aral, no Cazaquistão, outrora o quarto maior lago do mundo,


cobrindo uma superfície quase do tamanho da Irlanda, foi vítima a partir dos
anos 1960, não apenas da captação excessiva das águas de seu tributário, o
rio Amu Darya, para a irrigação da cultura do algodão, mas também do uso
indiscriminado de inseticidas nessa cultura, que o transformou hoje em pouco
mais que um lamaçal de substâncias cancerígenas 244. Uma sorte similar parece
estar reservada ao segundo lago em importância da Ásia central, o lago
Balkhash (16000 km2), também no Cazaquistão, alimentado em 80% de seu
volume de água pelo rio Ili, que nasce na China. Segundo um documento do
PNUMA, “os especialistas acreditam que ao se tornar mais raso e mais
salgado, o lago Balkhash pode ter desdobramentos comparáveis à tragédia do
Mar de Aral”. De fato, continua o documento, “desde 1960, os níveis do Lago
Balkhash têm declinado, sobretudo devido à evaporação e ao seu uso
crescente para a irrigação ao longo dos rios Ili e Karatal. (...) O Lago Balkhash
desempenha uma função importante na manutenção do balanço natural e
climático da região. A degradação gradual dos ecossistemas do lago está
sendo acelerada pela construção de usinas hidrelétricas na China” 245. Ainda
segundo o PNUMA, todo o sistema Balkhash está poluído por esgotos e
resíduos sólidos urbanos, também pela agricultura, mas, acima de tudo, pela
atividade industrial, em especial a mineração, a metalurgia e a fundição do
cobre, que despeja no lago metais pesados e sulfitos (H 2SO3).
Apenas 5% do volume das águas do lago Urmia, no NO do Irã, outrora
uma dos maiores lagos salgados do mundo (144 x 56 km) permanece. O lago
está morrendo, vítima das mudanças climáticas, de declínio dos aquíferos, de
excesso de irrigação agrícola e de represamentos dos rios que descem das
montanhas para hidrelétricas. Partes do lago, outrora com 10 metros de
profundidade, estão secas. O sal remanescente começa a envenenar as terras
agricultáveis, afetando a vida de 3 milhões de pessoas que vivem à sua
volta246. O lago Hamoun, perto da fronteira com o Afganistão, antes com 4 mil
km2 de água doce, acabou de secar 247, após 4 anos de secas, excesso de
irrigação e represamento do rio Helmand, que o alimentava.

Índia

Em 1960 em Ahmedabad, no estado de Gujarat, no NO da Índia,


contavam-se 204 lagos. Hoje, segundo os registros governamentais,
sobrevivem apenas 137 corpos de água, sendo o Lago Chandola, de 1200 ha,
o caso mais extremo de poluição e secagem248.

Três lagos da China: Poyang, Hongjiannao e Lop Nur

Servido por cinco rios e alimentando, por sua vez, o Yangtze, o Lago
Poyang, na Província de Jiangxi, a SE da China, o maior lago desse país,
conhece um colapso comparável ao do Mar de Aral. Segundo Wang Hao, um
cientista do China Institute of Water Resources and Hydropower Research, o
62

Poyang “vem secando na última década, em particular entre 2003 e 2008.


Durante esse período seu escoamento anual foi de 23,2 bilhões de metros
cúbicos, ou 15% a menos que a média dos anos anteriores” 249. O gráfico
abaixo mostra o encolhimento da área superficial do lago, que passou de
quase 5200 km2 em 1950 a pouco mais de 3600 km2 em 2003. Fotografias
exibidas no sítio Xinhuanet (http://news.xinhuanet.com) em janeiro de 2012
mostram o lago transformado num deserto. Zhang Xiang, seu editor, afirma que
a estação de Xingzi registrou uma queda de 7,86 metros no nível das águas do
lago e que sua superfície reduziu-se de 3600 km 2 em 2003 a apenas 200 km 2
em 2012.

A secagem do Lago Poyang, na Província de Jiangxi, a SE da China


Fonte: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0304389410011982

Desde os anos 1970, o lago Hongjiannao, que torna habitável o deserto


de Muus, na China, na Província de Shaanxi, cerca de 500 quilômetros a oeste
de Pequim, está desaparecendo. As causas do fenômeno são as mudanças
climáticas, a irrigação, represamentos de dois dos sete rios que alimentam o
lago, a indústria do carvão e as termelétricas movidas a carvão. Seu nível
declina 60 cm por ano. Em 1969, o lago estendia-se por 67 km 2; em 2009,
media apenas 46 km2; em 2013, 32 km2. Mais da metade do Hongjiannao
desapareceu em 43 anos e as águas remanescentes estão em processo
avançado de deterioração. As águas do Hongjiannao tornaram-se nesse
processo mais alcalinas, atingindo um pH de 9,6, quando o máximo suportável
pela maioria dos peixes é um pH de 8,5. Como resultado, o lago, de que se
extraíam mais de 300 toneladas de peixe ao ano, esvaziou-se de vida animal.
Além disso, 30 espécies de aves perderam sua fonte de alimentação, entre as
quais o Ichthyaetus relictus, uma rara espécie de gaivota. Ren Leijie, uma
autoridade local, afirma que, “a menos que se tomem medidas adequadas, o
Hongjiannao pode desaparecer em apenas dez anos” 250.

África

Na África, o Lago Chade, na fronteira entre o Chade, o Níger, a Nigéria e


o Cameroun, outrora fonte de sustento de mais de 20 milhões de pessoas, foi
reduzido em 95% entre 1963 e 1998, e continuava a diminuir em 2001 devido
ao avanço do Sahara, a temperaturas mais elevadas, à menor pluviosidade e
ao excesso de demanda humana, na forma de consumo direto, de irrigação e
63

de barragens para hidrelétricas nos rios que o servem 251. Hoje, nos meses de
seca, o Lago Chade se reduz a pouco mais que um pântano e no pico da cheia
não ultrapassa sete metros de profundidade.

América do Norte

Em vários estados dos Estados Unidos, os lagos declinam. O lago


Owen, na vertente leste de Sierra Nevada (Califórnia), possuía 240 km 2 e
profundidades de 7 a 16 metros. Como os rios que o alimentavam foram
desviados para abastecer Los Angeles, ele secou quase por completo, com
resíduos de água com profundidade máxima de um metro. Fonte de
tempestades de areia, ele é hoje considerado a maior causa isolada de
poluição por poeira dos Estados Unidos 252. O consumo de água do Lago Mead
(entre Nevada e o Arizona) excede o volume de água, decrescente, que nele
despeja o rio Colorado, ameaçando o equilíbrio deste que é o maior
reservatório superficial do país. Alguns lagos de dois dos estados banhados
pelos Grandes Lagos – Minnesota e Wiscounsin – estão em declínio, como é o
caso dos lagos Anvil e, sobretudo, do White Bear (982.439 ha), monitorado há
85 anos e cujo nível despencou mais de 1 metro e meio desde junho de 2003,
como mostra o gráfico abaixo253.
Também os cinco lagos, mais o Lago St. Clair, entre os EUA o Canadá,
têm permanecido durante os últimos 14 anos abaixo de suas médias históricas.
Segundo Scott Sutherland, “os Lagos Michigan e Huron estão hoje cerca de 74
cm abaixo de seu nível histórico para o mês de fevereiro. Trata-se do mais
baixo nível nesses lagos desde 1918, primeira data desses registros, e quase
metade dessa queda ocorreu no ano passado [2012]. Os níveis do Lago
Superior, do Lago Erie e do Lago Ontário estão também abaixo da média
histórica de fevereiro (menos 28 cm, menos 15 cm e menos 15 cm,
respectivamente”254. O aquecimento de suas águas e invernos com menor
quantidade de gelo, fonte de fornecimento de água para esses lagos, são as
causas mais importantes desse declínio. Os Grandes Lagos perderam 71% de
sua cobertura de gelo desde 1973. No inverno de 2011-2012, os Grandes
Lagos, inclusive o Lago Superior, tiveram apenas 5% de superfície recoberta
de gelo, a segunda menor área nos registros históricos. Segundo Lisa Borre, “o
Lago Superior, o maior lago de água doce do mundo por área superficial e o
terceiro maior em volume de águas (após o Baikal na Sibéria e o Tanganika na
África) é também um dos que mais rapidamente se tem aquecido no mundo” 255.
Hoje as perdas anuais por evaporação desses lagos são da ordem de 8
polegadas a mais que durante os anos 1960256.

2.3. Aquíferos fósseis e renováveis

“Em 18 países, agora, os lençóis de água estão caindo em


consequência de excesso de bombeamento para a agricultura. Nesses
18 países, vive mais da metade da população do mundo”.

Lester Brown, 2012


https://www.youtube.com/watch?v=DO2xl39nBAA
64

Cerca de 30% da água doce encontra-se em aquíferos subterrâneos e


apenas 0,3% está disponível em águas superficiais (rios e lagos) 257.
Contrariamente ao declínio dos rios e lagos, a diminuição dos aquíferos é um
processo subreptício que colhe de surpresa seus usuários 258. A diminuição das
florestas, reguladoras de armazenagem da água, a extração excessiva de água
pela agricultura irrigada, agravada pelo consumo crescente de proteínas
animais, intensamente demandantes de água
, têm sido as causas principais da diminuição ou do esgotamento dos
aquíferos fosseis, bem como da diminuição do volume dos aquíferos
renováveis259.
Entre 1960 e 2000, o uso dos aquíferos fósseis triplicou. Em 2000, por
volta de 20% da água usada para irrigação provinha de aquíferos fósseis. Os
países com os mais altos índices de uso de aquíferos renováveis e não-
renováveis eram então, em ordem decrescente, a Índia, o Paquistão, os
Estados Unidos, o Irã, a China o México e a Arábia Saudita, cujas populações
somam algo como 3 bilhões e 300 milhões de habitantes, quase 50% da
população do planeta260. Alguns exemplos ilustram a gravidade da situação.

Índia

Como mostram Fred Pearce e Lester Brown, a Índia recorre a 21


milhões de poços perfurados para se abastecer de água. Segundo o Ministério
da Agricultura da Índia, 22% do território e 17% da população do país deverão
sofrer uma “penúria total de água” até 2050 261. Tanto os estados do oeste e
noroeste do país, quanto os estados do sul, sofrem de absoluta escassez
hídrica262. Na região norte do Gujarat, os níveis dos aquíferos estão caindo à
taxa de 6 metros por ano. Apenas no estado de Maharashtra, no oeste da
Índia, que desde 2012-2013 sofre a pior seca dos últimos quarenta anos, há 2
milhões de poços perfurados, mais do dobro do que havia em 1985. Prithviraj
Chavan, governador do estado, declarou em março de 2013 que “os
reservatórios jamais estiveram tão baixos e a cada dia esvaziam-se um pouco
mais”. Segundo o Hindustan Times, 3 a 4,5 milhões de pessoas estão prestes
a ser expulsas pela falta de água em direção a Bombay Pune ou Aurangabad.
No estado de Tamil Nadu, no sul da Índia, com 62 milhões de habitantes,
há um declínio generalizado dos aquíferos. Kuppannan Palanisami da Tamil
Nadu Agricultural University, citado por Lester Brown, afirma que 95% dos
poços secaram nessa região, com preponderância de pequenos agricultores, o
que reduziu 50% da área de agricultura irrigada na região. O esgotamento dos
aquíferos exacerba o diferendo entre os estados de Tamil Nadu e Karnataka
pela obtenção de maiores cotas de água do poluidíssimo rio Cauvery. A
decisão da Suprema Corte em favor de Tamil Nadu levou a mortíferos conflitos
em setembro e outubro de 2012, no contexto da pior seca dos últimos 70 anos
que tem afligido ambos os estados.

China

"A China enfrenta dois desafios principais: escassez hídrica e poluição”,


afirma Ma Jun, diretor do jornal South China Mourning Post e do Institute of
Public and Environmental Affairs, uma ONG radicada em Pequim, além de
autor de China's Water Crisis (1999), o primeiro a alertar sobre a questão. Ma
65

Jun acrescenta: “o que não está recebendo atenção é a destruição dos


ecossistemas hidrográficos, o que terá, creio, efeitos de longo prazo sobre
nossos recursos hídricos”263. Cerca de 60% dos aquíferos do país estão
poluídos, segundo uma pesquisa do Ministério dos Recursos e da Terra. Testes
em 4778 pontos desses aquíferos em 203 cidades mostram que a qualidade da
água de 44% deles é “relativamente ruim” (relatively poor), o que significa que
a água só se torna potável após tratamento, e que 15,7% é “muito ruim” (very
poor), o que significa que ela não é mais potável. Em relação a testes
anteriores, houve melhora dessa qualidade em 647 pontos e piora em 754.
Apenas 3% dos aquíferos urbanos podem ser classificados como “limpos”, num
país em que um terço dos recursos hídricos provém de aquíferos 264.
O caso de Pequim é bem conhecido. Sua população ultrapassa hoje 20
milhões de pessoas e cresce 300.000 por ano. O Relatório Probe, intitulado
Beijing’s Water Crisis, 1949-2008 Olympics, redigido por um grupo de
especialistas chineses que, por razões de segurança, mantiveram-se
anônimos, afirma265:

“Pequim (...) está ficando sem água. Embora mais de 200 rios e córregos
possam ainda ser vistos no mapa oficial da cidade, a triste realidade é que
pouca ou nenhuma água corre mais por eles. (...) Dezenas de reservatórios,
construídos desde os anos 1950, secaram. Encontrar uma fonte limpa de água
na cidade tornou-se impossível. Apenas trinta anos atrás, os residentes de
Pequim consideravam os aquíferos como uma fonte inesgotável. Hoje, os
hidrologistas advertem que estes também estão secando. O aquífero de
Pequim está caindo, mais água está sendo bombeada do que sua capacidade
de restauração e mais e mais água subterrânea tornou-se poluída. Hoje, mais
de 2/3 dos suprimentos totais de água do município provêm de água
subterrânea. O resto provém de águas superficiais, isto é, dos decrescentes
reservatórios e rios de Pequim. Os dois maiores reservatórios da cidade, Miyun
e Guanting têm agora menos de 10% de sua capacidade original e Guanting
está tão poluído que não é mais usado para água potável desde 1997”.

Segundo He Qingcheng, diretor do Geological Environmental Monitoring


Institute (GEMI) e um dos maiores experts em recursos hídricos da China, para
abastecer Pequim de água é preciso hoje recorrer a aquíferos fósseis situados
a 1000 metros sob a superfície, uma profundidade cinco vezes maior que há 25
anos. A planície do norte da China, densamente povoada, está exaurindo as
últimas reservas de água de seus aquíferos. Segundo o GEMI, na Província de
Hebei, nessa planície, os níveis dos aquíferos fósseis estão caindo em média 3
metros por ano e em algumas localidades, 6 metros por ano. Além disso, um
recente estudo encomendado pelo Ministério dos Recursos e da Terra concluiu
que “a planície do norte da China sofre de severa poluição dos aquíferos,
sendo a qualidade de mais de 70% deles classificada como Grau IV+, em
outras palavras, “inadequadas para contato humano” (unfit for human touch)266.

Estados Unidos

Nos Estados Unidos, a tendência de declínio é ilustrada pelo quadro


abaixo fornecido pelo sítio da USGS:

Ganhos e perdas cumulativas dos aquíferos


dos EUA de 1900 a 2008 (em km3 de água)
66

Fonte: http://water.usgs.gov/edu/gwdepletion.html

Como se percebe, os grandes aquíferos do Meio-Oeste, do SO e do SE do


país estão em declínio. O caso do aquífero Ogallala ou High Plains, um vasto e
pouco profundo reservatório que se estende por mais de 450 mil km 2, sob oito
estados desse país, do South Dakota ao Texas, é exemplar. Deste aquífero 170
mil poços extraem água para irrigar, ao longo já de um século, cerca de 1,3
milhão de km2 de fazendas agrícolas. Segundo um trabalho de 2013 sobre o
declínio do aquífero High Plains267:

“O Aquífero High Plains abastece 30% da água subterrânea usada para


irrigação. (...) Até agora, 30% desse aquífero foram bombeados e outros 39% o
serão nos próximos 50 anos, a se manterem os níveis atuais de uso. A recarga
desse aquífero corresponde a 15% do volume bombeado e levaria cerca de
500 a 1300 anos para reenchê-lo”.

Os níveis do aquífero de Ogallala caíram mais de 50 metros em relação a seus


níveis históricos. Trata-se de um fenômeno em aceleração. Segundo a USGS,
o declínio entre 2001 e 2008 corresponde a 32% do declínio acumulado ao
longo do século XX268. Em 2012, outro trabalho publicado no PNAS sobre o
declínio do High Plains sublinhava que269:

“Uma extrapolação da taxa de declínio atual sugere que 35% do High Plains
meridional será incapaz de sustentar uma irrigação nos próximos 30 anos”.

Além disso, por ser pouco profundo, o High Plains vem apresentando altas
concentrações de sódio, de nitratos e de herbicidas da classe triazina, como o
atrazina, banido na Europa desde 2004 por seus impactos ambientais e por ser um
disruptor endócrino, conforme demonstrado por uma pesquisa de 2010 publicada pela
PNAS.

Oriente Médio

Em 2002, dois terços do 1,6 trilhão de litros de água destinada à


agricultura da Arábia Saudita provinham de aquíferos fósseis. Esses aquíferos
não apenas estão se esgotando, o que levou à diminuição pela metade da
67

safra de trigo do país em 2002, mas a água que resta deles é cada vez mais
salina e deve ser filtrada de seus metais antes de ser utilizada até mesmo na
agricultura, com custos que excedem, em alguns locais, os da produção da
mesma quantidade de petróleo270.
Uma quantidade de água doce equivalente à do Mar Negro foi perdida
em diversas regiões do Oriente Médio, pertencentes ao subsolo da Turquia,
Síria, Iraque e Irã, ao longo dos rios Tigre e Eufrates. Entre 2003 e 2009, essas
reservas perderam 144 km3, a segunda mais rápida perda de aquíferos após os
da Índia. Por volta de 60% da perda total deve-se ao bombeamento desses
reservatórios subterrâneos para a irrigação, incluindo 1000 poços no Iraque e
20% deve-se ao impacto prolongado da seca de 2007, à diminuição das
geleiras e à desertificação. Os 20% restantes são imputados à diminuição das
águas de superfície (rios, lagos e represas)271.

2.4. Secas

De 1982 a 1998 a quantidade de vapor de água que entrou na atmosfera


subiu de modo constante, como seria de se esperar dado o aquecimento
global. A partir dessa data, contudo, a quantidade de umidade sendo reciclada
na atmosfera começou a decair, já que a maior demanda do calor não é mais
satisfeita pela água disponível no solo e na vegetação. Tal é uma das razões
pelas quais, afirma Steven Running, da University of Montana em Missoula,
“estamos vendo, globalmente, secas mais intensas e mais longas” 272. Em
alternância com enchentes catastróficas, detecta-se, de fato, a intensificação
das secas nos cinco continentes entre 1980 e 2010, como mostra o gráfico
abaixo, resultado de um estudo da Munich Re, uma das maiores companhias
de resseguros do mundo:

Número de catástrofes meteorológicas mundiais entre 1980 e 2011

Fonte: Munich Re, 2012

Segundo Aiguo Dai273: “a aridez global aumentou substancialmente


desde os anos 1970 (...) Os modelos climáticos projetam um aumento da
aridez no século XXI sobre a maior parte da África, o sul da Europa e o Oriente
Médio, a maior parte das Américas, a Austrália e o sudeste asiático”. Pelo
68

Índice de Palmer274, pode-se falar em “seca extrema” a partir do índice -4. As


projeções de Aiguo Dai para os decênios sucessivos a 2030 apontam índices
de -4 a -6 para muitas zonas do globo, atingindo -8 em algumas áreas do
Mediterrâneo. Em 2100, muitas áreas densamente povoadas dos Estados
Unidos e do Mediterrâneo atingiriam índices entre -10 e -15. Sobrevoemos
esse problema global, continente a continente.

América Latina

Na América Latina, o aumento das secas se verifica em quase todos os


países, como alertou em 2009, Robert Vos, diretor da Divisão de Análise e
Políticas de Desenvolvimento da ONU. Segundo Vos, as secas assolarão em
especial as zonas andinas da Colômbia, Equador, Bolívia e Chile e, com o
derretimento das coberturas glaciais nos cimos andinos, cidades como La Paz
e Quito enfrentarão crescentes restrições de água no futuro próximo 275. Em
2008 e 2009, vítima da pior seca dos últimos 50 anos, a Argentina teve de
decretar estado de emergência. A seca diminuiu em 50% suas colheitas, além
de matar parte de seu rebanho276. O estado de emergência por causa da seca
foi de novo acionado em cinco províncias do país em janeiro de 2012. Também
em janeiro de 2012, o governo do México declarou que o país está enfrentando
a maior seca de sua história com sete de seus estados declarados em
condições de “desastre natural”277. Em fevereiro de 2012, o estado de
emergência foi decretado em 6 municípios da região de Valparaíso, uma das
mais importantes para a agricultura do país.
No Brasil, um estudo de 2009 mostra “um quadro sombrio” 278. Suas
projeções “mostram um aumento dos períodos secos (ou secas) no leste da
Amazônia e em parte do Nordeste, enquanto que o número de dias
consecutivos com grande umidade cairá na maior parte das regiões Nordeste e
do Centro-Oeste do Brasil, e também no oeste e sul da Amazônia. (...) Por volta
de 2030, o padrão dominante será uma redução na quantidade total de chuva e
no número de dias úmidos na América do Sul tropical”.
Imagens de satélite difundidas em abril de 2012 mostram 80% do
semiárido nordestino afetado pela maior seca dos últimos 30 anos. “Já tivemos
secas intensas, mas, com essa intensidade, não vejo há trinta anos”, afirmou
Sebastião Guedes, diretor de Sanidade Animal e ex-presidente do Conselho
Nacional de Pecuária de Gado de Corte (CNPC). Segundo dados do IBGE, o
nordeste detinha em 2011 pouco mais de 29 milhões de cabeças de gado.
Desse rebanho, 20% morreram ou estão condenados a morrer de sede na
seca de 2012 e 10% foram ou serão abatidos precipitadamente, segundo Mário
Borba, presidente da Federação de Agricultura e Pecuária da Paraíba 279.
Segundo Washington Novaes, o Nordeste “apresenta já manchas de
‘hiperaridez’, que podem se transformar em desertos. Em maio de 2012,
Pernambuco teve 49 municípios em emergência reconhecidos de uma só vez
no Diário Oficial. Uma equipe de cientistas da Universidade Federal de Alagoas
adverte que a média de chuvas na região - 800 milímetros anuais - é muito
inferior à evapotranspiração, de 3 mil milímetros anuais” 280. Segundo a
Secretaria Nacional de Defesa Civil, o quadro da seca nordestina em julho
de 2012 afetou mais de 8,3 milhões de pessoas em 1089 municípios em
todos os estados da região. A seca atinge também o norte de Minas Gerais.
Entre outubro de 2012 e março de 2013, o volume de chuvas foi 35% menor
69

que o esperado. Em fevereiro de 2013 a média prevista de chuva no semiárido


mineiro era de pouco mais de 100 milímetros, mas não houve nenhuma chuva
e 52 municípios já decretaram estado de emergência entre janeiro e abril de
2013281.
Hermes Chipp, diretor-geral do Operador Nacional do Sistema
Elétrico (NOS), declarou em dezembro de 2012 que no Sudeste, os
reservatórios das usinas hidrelétricas estão no pior nível dos últimos dez
anos, e que a situação é próxima disso nos reservatórios do Nordeste do
país. Além disso, o nível de água nos reservatórios das usinas
hidrelétricas das regiões Centro-Oeste e Sudeste está a apenas 3,1%
acima do mínimo classificado como seguro pelas autoridades do setor
elétrico brasileiro. Desde outubro de 2012, as termelétricas têm sido
acionadas para substituir as hidrelétricas, com maiores emissões de
CO2282.
A Bacia Amazônica registrou as duas maiores estiagens de sua história
em 2005 e 2010. Segundo um estudo publicado na revista Science de fevereiro
de 2011, enquanto em 2005 a seca atingiu 37% da floresta, em 2010 a seca
afetou 57% dela283. Javier Tomasella, coordenador de Pesquisa e
Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres
Naturais (Cemaden) afirma a respeito que “fenômenos que deveriam ocorrer
uma vez por século estão se repetindo a cada quatro ou cinco anos” 284.

Europa

Um relatório da Comissão europeia de agosto de 2010 informa que


“desde 1980, registram-se aumento e agravamento dos episódios de seca na
Europa, com custos estimados em 100 bilhões de euros nos últimos 30 anos.
(...) Entre 1976 e 2006, o número de áreas e de habitantes atingidos pela seca
subiu em 20% e o custo médio anual quadruplicou” 285. Tanto na França como
na Espanha, país onde o inverno de 2011-2012 foi o mais seco dos últimos 70
anos, declararam-se os mais graves incêndios desde 1986, ruinosos para 12
mil hectares das florestas dos Pirineus 286. Em 2010, as maiores secas
conhecidas na história da Rússia, seguidas de 300 a 400 irrupções de
incêndios por dia, devastaram o país, consumiram milhares de residências,
poluíram o ar de Moscou, arruinaram 26% das colheitas e causaram um
prejuizo avaliado em 15 bilhões de dólares. Em consequência, o governo
suspendeu as exportações de grãos.

Austrália

Desde 2004, a Austrália vem sofrendo secas consideradas as piores dos


últimos 117 anos (quando se iniciaram os registros) e 41% de suas colheitas
estão sendo comprometidas. Em 2009, uma onda de calor e dois meses de
seca elevaram as temperaturas a um pico de 46º C, desencadeando no estado
de Victoria, no sudeste do país, gigantescos incêndios. Outra onda de
incêndios atingiu a Austrália em janeiro de 2013, e em outubro desse ano a
região de Sidney foi devastada pelo mais destrutor incêndio desde 1968, que
se alastrou por 50 mil hectares e destruiu 193 residências 287. Segundo Andy
Pitman, “incêndios tornam-se mais prováveis e provavelmente maiores” 288. Um
estudo de 2011, citado por Michel Sezak na revista New Scientist, prediz que
70

os dias com risco de incêndio “muito alto” ou “extremamente alto” na Austrália


aumentarão em 70% em 2050. Outro estudo, este de Andy Pitman, projeta “um
aumento de 25% de risco de incêndio nacional” em 2050.

Oriente Médio e China

Em 2008-2010, o Oriente Médio e a Ásia Central foram atingidos por


secas que tiveram impactos consideráveis em sua autosuficiência alimentar 289.
Em 2009 e em 2011, a China viveu as piores secas dos últimos 60 anos.
Segundo as estatísticas oficiais, “os sistemas de suprimento urbano e as redes
de irrigação do país estão caindo a uma taxa de 40 km 3 de água por ano”290. A
seca de 2011, acompanhada de mínima precipitação de neve, arruinou muitas
regiões agrícolas, levando as colheitas a caírem brutalmente 291.

África

No Sahel, o declínio da pluviosidade entre 1900 e 2009 é perceptível no


gráfico abaixo292.

Variabilidade, mudanças decenais e de longo prazo


na pluviosidade do Sahel

Fonte: ISGP Institute on Science for Global Policy (em rede)

Em 2011 e 2012, no Quênia e nos países do assim chamado corno da África


(Somália, Etiópia, Djibouti e Eritreia), as piores secas dos últimos 60 anos
ameaçam 130 milhões de pessoas e reduzem à fome 8 milhões delas. Em 28
de novembro de 2012, o Diretor do IPCC, Ragendra K. Pachauri, resumiu
algumas projeções do quarto relatório do IPCC de 2007: “no que diz respeito à
África, o relatório afirma que por volta de 2020, prevê-se que entre 75 e 250
milhões de pessoas estarão expostas a crescente falta de água em decorrência
das mudanças climáticas”293.

Estados Unidos

Nos anos 1930, a devastação provocada pela agricultura e pelo manejo


perverso do solo provocou em vastos territórios dos Estados Unidos uma longa
seca de oito anos, um avanço rápido da desertificação e terríveis tempestades
de areia que escondiam o sol por dias a fio, atingindo inclusive Nova York e
Washington. Interagindo com a Grande Depressão, esse conjunto de
fenômenos, conhecido pelo termo Dust Bowl, levou Paul Sears a publicar, em
71

1935, o famoso Deserts on the March. Embora o Dust Bowl tenha sido
celebrizado em 1939 também por John Steinbeck em The Grapes of Wrath
(Vinhas da Ira) e em 1940 por John Ford, no filme homônimo baseado no livro,
a obra de Paul Sears aborda a questão de um ponto de vista socioambiental e
exerceu uma influência profunda na percepção dessa questão 294. A seca que
castiga há anos os Estados Unidos, sobretudo os estados do sudoeste, tem
sido chamada de New Dust Bowl295, mas a nova situação que ela reflete coloca
o país numa situação muito mais grave e sem precedente em sua história,
ainda que as novas técnicas de irrigação intensiva consigam mascará-la graças
à “bolha hídrica” formada pelo bombeamento insustentável dos aquíferos. Em
julho de 2012, a administração federal dos EUA considerou 26 estados norte-
americanos em estado de catástrofe natural, sendo que 14 deles sofrem a
maior seca jamais registrada. Mil 1000 condados foram então considerados
como áreas de desastre (disaster áreas). No final de 2012, a USDA declarou
2245 condados (representando 71% da área do país) áreas de desastre.
Nenhum outro ano anterior na história dos EUA chegou perto dessa cifra 296.
Bagres, carpas e esturjões pereceram pelo calor ou pela seca e apareceram
mortos nas águas dos rios e lagos 297. Em 18 de julho de 2013, um balanço do
NOAA indicava que “a parte do território dos EUA que sofre déficits de
precipitação aumentou na primeira quinzena de julho, passando de 44% no
início do mês a mais de 46% em meados de julho”298.
A maior parte dos estados a oeste do rio Mississipi tem sido afligida por
uma “megaseca” (megadrought) que dura já 13 anos e que não tem paralelo
nos últimos mil anos, segundo uma pesquisa de outono de 2013 da American
Geophysical Union299. Richard Seager afirma que na região sudoeste dos
Estados Unidos “os modelos mostram uma aridificação progressiva (...). Se
forem exatos, então o sudoeste deverá enfrentar uma seca que se torna
permanente”300. Mas também outras regiões à leste do rio Mississipi estão
passando por secas extremas. Pelo Índice de Palmer, a região norte do estado
de Virgínia estava em julho de 2013 em -4 e a região centro-norte de Maryland
a 4,2 na escala Palmer.

2.5. As Grandes Hidrelétricas

Muito mais que um dos grandes estressores do equilíbrio hídrico do


planeta, as grandes hidrelétricas são um “fato socioambiental total”, onde se
entrecruzam todo o complexo de fatores que aceleram a marcha de nossas
sociedades em direção ao colapso. Elas constituem e resultam de grandes
operações que atendem menos a necessidades energéticas reais das
sociedades, que aos interesses da alta burocracia do Estado, das grandes
empreiteiras, das fornecedoras de equipamentos e das corporações
eletrointensivas. Estão também na raiz de expropriações e injustiças sociais a
vitimar povos cujo sustento e modo de vida dependem dos rios. Junto com os
ódios religiosos e os conflitos territoriais, elas estão em vias de se tornar o
grande casus belli das guerras presentes e futuras do planeta.
O caso de Belo Monte é exemplar. Uma área de 195.299 km2 será
impactada por esse sistema, cujo canteiro de construção causou já
desequilíbrios consideráveis na região, a começar pela população, que saltou
de 77 mil em 2000 para 105 mil habitantes em 2013 301. Belo Monte põe em
72

risco os equilíbrios hídricos do ecossistema Xingu para garantir energia elétrica


barata para as corporações que a usam do modo muito intensivo. Como é
sabido, e foi reiterado por Fearnside, do INPA 302:

“30% da energia [de Belo Monte] vai para a indústria de eletrointensivos,


basicamente alumínio. (...) Belo Monte é apresentada como uma iniciativa
contra o "apagão". O brasileiro médio é levado a pensar que vai ficar sem ver
TV se não forem feitas as hidrelétricas do Madeira, de Altamira, mas o país tem
grande margem de flexibilidade. Tem toda essa energia sendo exportada, boa
parte em forma de lingote de alumínio. (...) Ninguém quer fazer hidrelétrica nos
Estados Unidos, na Europa, para fazer alumínio. A solução é fazer isso na
Amazônia e deixar os impactos aqui e os benefícios no Hemisfério Norte. (...)
No caso de Belo Monte, está se deixando quase seco um trecho de mais de
100 quilômetros do Rio Xingu com duas áreas indígenas e comunidades de
ribeirinhos”.

Com efeito, apenas a produção mundial de alumínio passou de 5 milhões de


toneladas em 1950 para mais de 40 milhões em 2010, sendo que a IAAP
projeta uma produção de 60 milhões de toneladas para 2030 303. Segundo Célio
Bermann, um especialista em energia da Universidade de São Paulo, as
indústrias eletrointensivas, ligadas à indústria de cimento, à produção
siderúrgica e à produção de alumínio, estão entre os principais investidores no
setor elétrico do país. Não por acaso, dentre as empresas de um consórcio que
disputou o leilão de Belo Monte estão a Vale, a Neoenergia, a Votorantim
Alumínio e a Andrade Gutierrez304.
Um estudo realizado em 2006 por estudiosos do Núcleo Interdisciplinar
de Pesquisas Energéticas (NIPE) da Unicamp em associação com a WWF
mostra a possibilidade de se ganhar metade da energia elétrica hoje
consumida apenas com programas de conservação e eficiência energética,
redução das perdas nas linhas de transmissão e repotenciação de geradores
antigos. Prevê, além disso, se adotado, economia de R$ 33 bilhões para os
consumidores, diminuição no desperdício de energia de até 38% da
expectativa de demanda, geração de 8 milhões de empregos, estabilização nas
emissões dos gases causadores do efeito estufa e eliminação dos riscos de
novos apagões305.
Contra essas evidências, contra o parecer técnico do Jornal do Instituto
de Engenharia de São Paulo (para o qual Belo Monte é “o pior projeto de
engenharia da história de aproveitamentos hidrelétricos do Brasil e talvez da
engenharia mundial. Uma vergonha para nós, engenheiros" 306), o Estado-
Corporação brasileiro obstina-se no papel de promotor dos interesses do
Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), ressuscitando o projeto de uma
usina hidrelétrica de alto impacto ambiental numa região sensível, que as
corporações acalentavam desde a ditadura do general Geisel. Para tanto,
afronta a opinião pública e os pareceres técnicos, provoca a demissão de
Marina Silva no governo Lula e de Abelardo Bayma, Gerson Galvão e
Guilherme Brandão, do IBAMA, no governo Dilma, todos contrários à
concessão de licença ambiental para Belo Monte, aponta armas para os índios,
reprime greves, tolera demissões por razões políticas, expulsa jornalistas por
forças policiais e permite que os “seguranças” do CCBM ameacem e intimidem
jornalistas naquela área307.
73

Toda tentativa de deter o rolo compressor do Estado-Corporação é


desqualificada por Izabella Teixeira, atual Ministra do Meio Ambiente, com o
mantra de sempre: uma defesa da natureza contra o desenvolvimento do
homem da Amazônia, carente de energia elétrica 308. Assim, a respeito do que
chama “os ambientalistas internacionais”, a Ministra declarou: "Eles defendem
muitas vezes a fauna, mas esquecem de defender o homem". O argumento é
duplamente falso. Em primeiro lugar, porque é patético que uma Ministra do
Meio Ambiente raciocine ainda à base da oposição, e não da
complementaridade, entre o homem e os outros animais. Em segundo lugar
porque Belo Monte não defende o homem da Amazônia, nem o homem
brasileiro em geral e nem mesmo o homem tout court. A lenta adaptação do
sistema de vida vegetal, animal e humana que vive do rio Xingu e em seu
entorno poderia absorver pequenas intervenções destinadas a gerar energia
para as populações locais sem brutalizar esse ecossistema. Projetos de
energia eólica, solar e de micro hidroelétricas servem de modo muito mais
efetivo às populações locais, e a custos financeiros e ambientais menores.
Segundo um relatório de 2011 da Agência Internacional de Energia (AIE), “mini-
redes, provendo geração centralizada em nível local, são uma solução
competitiva em áreas rurais, e podem permitir crescimento para a demanda
futura, tal como a de atividades geradores de renda” 309.
Mas pequenas intervenções do tipo preconizado pela AIE não se
coadunam com a escala do complexo corporativo que tem nas grandes
hidrelétricas seu negócio. No paradigma que a Ministra do Meio Ambiente se
presta a defender, o rio Xingu reduz-se a ser um dos componentes de uma
grande engrenagem de geração de megawatts e de megalucros. Essa
concepção quantificante do mundo, que o traduz em quantidades discretas de
força disponível, foi bem criticada por Martin Heidegger (1889-1976) com o
exemplo das usinas hidrelétricas no Reno310:

“A usina hidrelétrica posta no Reno dispõe o rio a fornecer pressão hidráulica,


que dispõe as turbinas a girar, cujo giro impulsiona um conjunto de máquinas,
cujos mecanismos produzem corrente elétrica. As centrais de transmissão e
sua rede se dispõem a fornecer corrente. Nesta sucessão integrada de
disposições de energia elétrica, o próprio Reno aparece como um dispositivo. A
usina hidrelétrica não está instalada no Reno, como a velha ponte de madeira
que, durante séculos, ligava uma margem à outra. A situação se inverteu.
Agora é o rio que está instalado na usina. O rio que o Reno hoje é, a saber,
fornecedor de pressão hidráulica, o Reno o é pela essência da usina”.

Degradação das bacias hidrográficas pelas hidrelétricas

Belo Monte é apenas um caso entre outros de grandes hidrelétricas que,


a fio d’água ou não, disturbam os delicados equilíbrios ambientais, com danos
irreversíveis para as bacias hidrográficas e para os povos que com estas
conviviam em razoável harmonia. Outro caso é o das hidrelétricas do assim
chamado projeto dos quatro rios (Ham, Geum, Yeongsan e Nakdong), na
Coreia do Sul, construído entre 2009 e 2011 a um custo de cerca de 20 bilhões
de dólares. O retardamento do fluxo dos quatro rios represados por 16
barragens inundou áreas agricultáveis e causou vastas extensões de água
degradada e estagnada, com taxas declinantes de oxigênio e proliferação de
algas ao longo do rio Nakdong. Muitos são os que propugnam o
74

desmantelamento de algumas barragens de modo a devolver ao rio algo de


seu fluxo original, para o desgosto das grandes empreiteiras que acalentavam
o projeto de exportar esse projeto para outros países, entre outros, a Tailândia,
a Argélia, o Marrocos e o Paraguai311.
O mais emblemático caso de desastre de uma bacia hidrográfica é,
como hoje admite o próprio governo chinês, a represa de Três Gargantas,
construída entre 1994 e 2006. Sua barragem sobre o rio Yangtzé, uma obra
ciclópica de 2335 metros de comprimento por 140 metros, tem impactos
múltiplos sobre a sedimentação, a qualidade da água, a estrutura da paisagem,
a poluição atmosférica, a biodiversidade e as enchentes. Ela impactou também
o lago Poyang, que teve seus níveis muito rebaixados e seus peixes dizimados,
privando de alimentação as aves migratórias, além de provocar proliferações
de algas312. Como se verá no próximo item, o represamento em curso do
Brahmaputra, no desfiladeiro de Tsangpo, para a construção de duas usinas
hidrelétricas ainda maiores que a de Três Gargantas, deverá abalar ainda mais
os balanços hídricos e geopolíticos dessa região.

The Grand Inga Hydropower Project

O que está por vir, entretanto, será pior que Três Gargantas, sendo a
vítima, desta vez, as cataratas Inga do rio Congo, já obstruídas por outras duas
usinas hidrelétricas, Inga I e II, contruídas em 1972 e 1982. Inga III, cuja
construção deverá ter inicio em 2015, será parte do Grand Inga Hydropower
Project, a ser construído em 6 fases. Em seu todo, ele será o maior complexo
de represas do mundo, um meganegócio avaliado (inicialmente...) em 80
bilhões de dólares, financiado por um pool de bancos, inclusive o Banco
Mundial, e disputado por consórcios da China (Sinohydro, Three Gorges
Corporation), da Espanha (Actividades de Construcion y Servicios, Eurofinsa e
AEE) e da Coreia do Sul (Daewoo-Posco). Menos de 10% da população da
RDC dispõe de eletricidade, pois a energia gerada pelas usinas de Inga I e II
são monopolizadas pelas minas de cobre da província de Katanga, no sul do
país (a assim chamada Katanga copper belt), dominadas por uma corporação
estatal, a Gécamines, e multinacionais canadenses, chinesas, etc. Tal como
Belo Monte, Inga III deverá satisfazer, não as necessidades do povo da
República do Congo, mas a voracidade eletrointensiva da mineração de cobre
e das corporações da distante África do Sul. Graças às novas tecnologias de
transmissão de altas voltagens à longa distância (HVDC), a África do Sul
comprará 2500 MW do total de 4300 MW gerados por Inga III. Segundo Rudo
Sanyanga, Diretor do Programa Africano da ONG International Rivers 313:

“O Vale Bundu (que será inundado para criar um reservatório para a usina
geradora de eletricidade) é basicamente uma paisagem natural entremeada por
campos de cultivo pertencentes a comunidades que ali vivem. Estas
comunidades serão remanejadas e sofrerão muitos impactos sociais. (...) O
povo da República Democrática do Congo não se beneficiará na realidade com
o Grand Inga e pode se empobrecer na medida em que sobre eles incidirá o
ônus de um débito adicional”.

Entre os impactos ambientais desse projeto, contam-se alterações no


transporte de sedimentos e nos processos biogeoquímicos no Atlântico,
emissões de metano a montante e a jusante dos reservatórios. A fauna e a flora
75

do Vale Bundu serão devastadas e não serão menores os impactos na fauna


do próprio rio Congo, o segundo maior do mundo em fluxo de água, após o
Amazonas. A abertura na floresta de longos corredores de linhas de
transmissão de energia implicarão desmatamentos traumáticos. A verdadeira
dimensão da catástrofe em todo o ecossistema da região é ainda difícil de
mensurar, conforme adverte Kate Showers da University of Sussex 314.

Hidrelétricas, escassez hídrica e guerras por água

Há uma clara correlação entre a ocorrência de guerras na África sub-


sahariana, as mudanças climáticas e a escassez hídrica 315. Embora resultante
de fatores étnicos, religiosos e econômicos, a guerra civil na região de Darfur,
iniciada em 2003 e que teria causado 300 mil mortes, deslocamentos de cerca
de 2,7 milhões de refugiados, seria indissociável da crescente penúria de água
e do avanço do deserto, observável desde os anos 1970. O Secretário Geral
das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, declarou em 2007 ao jornal
Washington Post que o conflito em Darfour é “a primeira guerra decorrente das
mudanças climáticas”316.
Na Índia, as guerras por água não pertencem ao futuro 317. Hafiz Saeed,
fundador do grupo Lakshar-e-Taiba – organização que se notabilizou por seu
espetacular ataque a Mumbai em 2008 – acusa a Índia de “terrorismo de
água”318. Após quatro guerras Indo-Paquistanesas (1947, 1965, 1971, 1999), a
hipótese extrema de uma guerra nuclear entre a Índia e o Paquistão foi
aventada numa reunião do International Center for Peace Initiatives, realizada
em Karachi em dezembro de 2001. Diante da suspeita de que “o governo da
Índia tinha planos para usar a arma da água” contra o Paquistão, um
representante deste país advertiu que “qualquer conflito sobre a água levaria o
Paquistão a tomar a iniciativa de um primeiro ataque com armas nucleares
contra a Índia”319. Após quatro gerações da dinastia Nehru-Gandi no poder, a
ampla vitória em 2014 da direita radical hindu encarnada pelo Bharathiya
Janata Party (BJP) poderá acirrar as tensões com o Paquistão e a China em
torno dos recursos hídricos320. Sendo rio Indo fonte de 90% de sua agricultura,
o Paquistão não aceita mais os termos do tratado de 1960, que estabelecia um
plano de compartilhamento com seu grande vizinho dos seis rios da bacia do
Indo. As mudanças climáticas só poderão agravar a situação de um país que
conta em 2013 com 180 milhões de pessoas, dois terços da qual abaixo dos 30
anos e com expectativas de uma população de 256 milhões em 2030,
encurralada numa área menor que a superfície dos Estados de Minas Gerais e
São Paulo. O país contesta a construção de barragens a montante do rio pelo
governo da Índia e seu uso para irrigação por fazendeiros indianos. Contesta
também os planos indianos de construir 60 barragens no rio Chenab, em
Jammu e Kashimir, desde que a primeira delas, a represa Baglihar, foi
construída em 2008321. Além disso, como afirma Steven Solomon, o Paquistão
nutre suspeitas de que proprietarios de terra do Punjab, na Índia, estejam
retendo mais água do Indo do que permite o tratado de 1960 322. O Paquistão
está, de fato, na iminência de um colapso hídrico. Os níveis dos reservatórios
estão tão baixos, que cortes de eletricidade de até 18 horas tornaram-se rotina.
Segundo um relatório do Asian Development Bank de julho de 2013: “o
Paquistão é um dos países com maior estresse de água no mundo (...). A
demanda de água excede a oferta, o que tem causado uma máxima extração
76

dos reservatórios. Hoje, sua capacidade de armazenagem de água é de 30


dias, bem abaixo dos 1000 dias recomendados para países com clima
semelhante. As mudanças climáticas estão reduzindo o fluxo do rio Indo, o
maior provedor de água”323.

O “Hindu Kush-Himalaia”, o Terceiro Polo

As geleiras do Himalaia, do Karakoram, do Pamir e do Qilian, que


alimentam os rios Indo, Brahmaputra, Ganges, Yangtze, Amarelo e outros,
fornecendo água para a agricultura e a energia de 1,4 bilhão de asiáticos, são
chamadas, o Terceiro Polo. Como nos outros dois, elas também estão
declinando, o que gera tensões entre todos os países da região. O rio Indo
“depende em 50% de seu fluxo da água dos degelos sazonais. Mas perto das
fontes do rio, nas montanhas do estado de Jammu e Kashimir, administrado
pela Índia, as geleiras estão diminuindo à alarmante taxa de 0,7 metro por ano.
Os rios Ganges e Brahmaputra estão também ameaçados pelo degelo das
geleiras nas regiões de suas cabeceiras” 324. Uma pesquisa publicada em junho
de 2010 na revista Science projetava que em 2050 o Brahmaputra pode ter o
fluxo de suas cabeceiras diminuído em 19,6%. No Indo, essa diminuição seria
de 8,4%, no Ganges, de 17,6% e no Yangtze, de 5,2% 325.
Com 20% da população mundial, a China dispõe de apenas 7% dos
recursos hídricos do planeta; a Índia, lar de 17% do gênero humano, detém em
seu território apenas 4% dos recursos renováveis (sem contar os aquífores
fósseis)326. A apropriação da “caixa d’água” da Ásia, num contexto de
crescimento populacional, desertificação e diminuição dos recursos hídricos
desses dois países, colocam-nos em rota de colisão. Em março de 2012, a
Suprema Corte da Índia autorizou o National River-Linking Project, dando início
à construção de 30 canais que interligarão muitos dos maiores rios do país, o
principal deles sendo um canal de 400 quilômetros de comprimento que
desviará água do Brahmaputra para o Ganges. Além do custo (centenas de
bilhões de dólares), o projeto é considerado de altíssimo impacto ambiental, ao
ameaçar inúmeras espécies de peixes no país. A decisão da Índia é uma
reação às iniciativas e projetos da China de represar e desviar o Brahmaputra,
no desfiladeiro de Tsangpo, onde se poderiam construir duas usinas
hidrelétricas, cada uma delas fornecendo duas vezes mais energia que a
fornecida pela hidrelétrica de Três Gargantas sobre o Yangtze, a maior do
mundo. Ainda mais a montante do Brahmaputra, a China planeja desviar até
40% do fluxo do rio para irrigar as planícies do norte do país 327.
A China considera seu direito represar ou desviar parte de outros quatro
rios cujas nascentes se encontram no planalto tibetano: o Indo, o Irrawaddy, o
Salween e o Mekong. Para tanto, já construiu cinco represas (Xiaowan, Três
Gargantas, Manwan, Dashaoshan e Jinghong), estava terminando em 2013
outras quatro (Bunji, Myitsone, Nuozhadu e Zangmu, a qual entrará em
funcionamento já em 2014) e planeja num futuro próximo construir muitas mais,
dentre as quais as represas de Daduqia (42 gigawatts), Motuo (38 gigawatts),
Gongguoqiao e Mengsong. A hidrelétrica de Bungi (7 gigawatts), no Paquistão,
suscita protestos da Índia, que reivindica esse território, bem como protestos da
população local, assustada com o fato de que a represa se encontra perto do
epicentro de um terremoto que matou mais de 100 mil pessoas em 2005.
Quando concluída, a hidrelétrica chinesa de Myitsone inundará importantes
77

ecossistemas florestais, como demonstrado por um estudo de impacto


ambiental de 900 páginas encomendado pelo governo chinês.
Essas iniciativas e planos contrariam interesses vitais também de
Bangladesh, que tem no Brahmaputra dois terços de seu abastecimento de
água, sobretudo na longa estação das secas. Além disso, um estudo de
Edward Barbier, da University of Wyoming em Deli, India, adverte que uma
“redução de 10 a 20% do fluxo do rio [Brahmaputra] pode secar grandes áreas
de Bangladesh em boa parte do ano”. Sem esse fluxo, as águas salgadas da
Baía de Bengala invadiriam o delta do rio, causando uma “catástrofe
ambiental”328. De resto, isso já está começando a ocorrer por causa da
elevação do nível dos mares.
Outra fonte de conflitos hídricos envolve o controle das cabeceiras do
Tigre e do Eufrates pela Turquia, o que representa uma ameaça para a Síria e
para o Iraque, sobretudo após a seca de 2007 que acelerou, como visto acima,
o empobrecimento dessa bacia hidrográfica, e tanto mais porque a Turquia
continua desviando parte dessas águas para a irrigação de sua agricultura no
âmbito do Grande Projeto da Anatólia, que ditará quanta água sobrará para os
dois países a jusante desses rios. Isso explica, em parte ao menos, porque o
Iraque tem sido obrigado a lançar mão de seus recursos hídricos subterrâneos,
com franca diminuição de seus aquíferos.

2.6. Degradação dos solos e desertificação

Alex Kirby e Karen Landmark329 definem a desertificação como a


degradação do solo nas terras secas (drylands), resultante de vários fatores,
entre eles as variações climáticas e as atividades humanas 330. A desertificação
age em graus diversos sobre o conjunto das terras secas que se estendem por
39,7% da superfície terrestre e que abrangem três diferentes níveis de aridez –
árido, semiárido e subúmido seco –, mensurados pelo Índice de Aridez
proposto em 1941 por Thorntwaite331.
A desertificação acelera-se nos cinco continentes. Em 2003, o relatório
da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD)
recapitulava a situação constatada na Terceira Mesa Redonda sobre
Desertificação, ocorrida em Bonn, em 2000 332: “A capacidade de nosso planeta
de nos sustentar está sendo erodida. Os problemas são bem conhecidos:
degradação dos solos e das terras cultiváveis, diminuição das coberturas
vegetais nativas e das florestas”. Segundo dados da ONU, “a desertificação
continua avançando cerca de 60 mil quilômetros quadrados por ano” 333. Além
disso, 120 mil quilômetros quadrados de áreas agrícolas perdem-se a cada
ano, as quais, se não são ainda desertos, caminham para a desertificação 334.
Três documentos de 2011 e de 2012 complementam esses dados:

(1) um relatório do International Water Management Institut (IWMI), segundo o


qual, “10 milhões de hectares [100 mil km 2] de terras agricultáveis se perdem
por ano por causa da degradação dos ecossistemas” 335;

(2) o Zero Net Land Degradation. A Sustainable Development Goal for Rio+20,
apresentado pela UNCCD na reunião do Rio de Janeiro em 2012: “embora as
estimativas variem”, afirma o documento, “mais de 20% das terras do planeta
78

são consideradas degradadas (...). A degradação da terra nos próximos 25


anos pode reduzir a produção mundial de alimentos em até 12%, resultando
num aumento de até 30% de seus preços”336;

(3) o terceiro documento emana do International Food Policy Research Institute


(IFPRI). Ele chama a atenção para o fenômeno da degradação da terra e da
desertificação, causado sobretudo pela exploração intensificada do solo, a qual
leva à perda anual de 75 bilhões de toneladas de solo fértil. Ephraim Nkonya,
pesquisador chefe do IFPRI, afirma que “por volta de 24% das terras em escala
global foram afetadas pela degradação dos solos” 337.

Brasil

Segundo o Atlas das áreas susceptíveis à desertificação do Brasil, de


2007, o processo de desertificação em curso afeta os nove Estados do Nordeste,
além do norte de Minas Gerais e do Espírito Santo, o que equivale a uma
superfície de 1.340.000 km². “Desse total”, constata o Atlas, “180 mil km 2 já se
encontram em processo grave e muito grave de desertificação, concentrados
principalmente nos estados do Nordeste, que têm 55,25% do seu território atingido
em diferentes graus de deterioração ambiental” 338. Os dois estágios mais
avançados (“grave e muito grave”) do processo de desertificação recobrem,
portanto, 12,5% dessa área de 1,34 milhão de km 2.
Um novo mapeamento publicado em 2013 pelo Laboratório de Análise e
Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de Alagoas
(Lapis), sob coordenação de Humberto Barbosa, mostra uma piora da situação.
A região NE tem hoje 230 mil km 2 de terras atingidas pela desertificação em
graus “grave” ou “muito grave”. Ainda segundo Humberto Barbosa, “fica
evidente que as áreas onde o solo e a vegetação não respondem mais às
chuvas estão mais extensas. Em condições normais, a vegetação da Caatinga
brota entre 11 e 15 dias depois da chuva. Nestas áreas, não importa o quanto
chova, a vegetação não responde, não brota mais” 339. Em Alagoas, 62% dos
municípios apresentam áreas em processo de desertificação. A relação entre
desertificação e perda da manta vegetal nativa é evidente. Conforme informa
Cleide Carvalho, citada na nota acima:

“30% da energia consumida no Nordeste vem da lenha, e o que queima é a


mata nativa. Segundo relatório do governo do Rio Grande do Norte, que divide
com a Paraíba o núcleo de desertificação do Seridó, além da retirada de lenha,
a degradação vem do desmate para abrir espaço para agricultura, pecuária,
mineração e extração de argila do leito de rios para abastecer a indústria de
cerâmica”.

A desertificação avança também pelo norte de Minas Gerais (69 mil km²
em 59 municípios). Aqui e no Cerrado, os fatores de agravamento incluem o
desmatamento. Já no Rio Grande do Sul (sobretudo na região de Alegrete, com
o “deserto de São João”340), a desertificação não resulta de seca e aridez, mas
da compactação e arenização do solo causados, respectivamente, pela criação
de gado e pelo plantio de soja.

China e Mongólia
79

Os desertos da China estendem-se hoje por 2,5 milhões de km 2, o


equivalente a 27% de seu território. Seis de suas províncias centro-
setentrionais – Sinkiang, Tibet, Qinghai, Gansu, Ningxia, e a Mongolia Interior –
são constituídas por desertos ou sofrem processos de desertificação, sendo
que tais processos começam a se estender a outras quatro províncias:
Sichuan, Shaanxi, Shanxi e Hebei341. Em 2002, Qu Geping, outrora Ministro do
Meio Ambiente da China, escrevia que 900 mil km2 do território chinês,
sobretudo pastagens, mas também terras em cultivo, mostravam “tendência à
desertificação”342.
A desertificação que assola o país é causada em grande medida pelo
desmatamento induzido pela demanda de madeira para a construção civil e
pelo aumento enorme dos rebanhos, num país que se entrega cada vez mais
ao consumo de proteínas animais. Malgrado esforços estrênuos de
reflorestamento – a famosa “Muralha Verde” –, a China está perdendo a guerra
contra a desertificação. No noroeste do país, os desertos de Taklamakan e de
Kumtag estão se fundindo. Também os desertos de Badain Jaran (49.000 km2)
e de Tengger (36.700 km2) tendem a fundir-se, aumentando a extensão do
deserto de Gobi, que, com seus quase 1.300.000 km 2, tem hoje uma área que
se avizinha à do estado do Amazonas (1.570.000 km 2). Ele cresceu 51.800 km2
entre 1994 e 1999 e sua ponta leste encontrava-se em 2012 a apenas 241 km
de Pequim343. Estima-se que desde 1950, 24 mil aldeias no noroeste da China
tenham sido cobertas total ou parcialmente pela areia, além de milhares de
quilômetros de estradas, provocando a migração de 200 milhões de pessoas
para as cidades do leste do país, já muito povoadas.
As tempestades de areia e de partículas finas de poeira obscurecem
hoje Pequim e diversas cidades do país, criando terríveis problemas de saúde.
Segundo Hang Gao, os primeiros registros de tempestades de areia remontam
a 300 a.C. e à dinastia Han (206 a.C. – 220), e contam-se nesta longa história
cinco períodos de agravamento do problema, o último deles entre 1820 e 1890.
Mas ao longo da segunda metade do século XX, as tempestades de areia no
norte do país têm aumentado em número, em intensidade, em área afetada e
em duração. A tabela abaixo, de 2002, dá uma ideia da progressão das
tempestades de areia, sintomas da desertificação do país:

Número de Grandes Tempestades de Poeira (Dust Storms) na China344:

Década Número

1950-1959 5
1960-1969 8
1970-1979 13
1980-1989 14
1990-1999 23
2000-2001 mais de 20
2000-2009 (projeção) 100

Em 2010, essas tempestades afetaram cinco províncias e 250 milhões de


pessoas. Estima-se, hoje, que elas lancem no ar 3 bilhões de toneladas de solo
por ano345. Andrew Goudie, da University of Oxford, mostra que essas
tempestades de poeira e de areia fazem do frígido deserto de Taklamakan, no
80

noroeste da China, com seus 337 mil km 2, a segunda fonte principal, logo após
a Depressão Bodele no Chade, das partículas de poeira do solo que, após
atravessam a China, o Oceano Pacífico e atingem a América do Norte.
A Mongólia sofre também um processo de desertificação. Entre 2002 e
2012, o solo de sua região meridional, de transição entre as estepes e o
deserto de Gobi, perdeu 40% de sua biomassa, enquanto o país como um
todo, com seu 1,6 milhão de km2, perdeu 12% da biomassa de seu solo. Nada
menos que 70% de suas pradarias são consideradas degradadas, seja porque
o solo foi recoberto pela areia, seja porque foi empobrecido pelo excesso de
pastagens. De fato, 80% da perda da vegetação nesse decênio 2002-2012
deve-se à quase duplicação do rebanho bovino, ovino, caprino e de yaks, que
passou de 26 milhões em 1990 a 45 milhões de cabeças em 2012 346. Com o
fim da União Soviética, a Mongólia tornou-se grande exportadora de lã, ao
preço de uma rápida desertificação, fenômeno ao qual se acrescenta agora
uma devastação suplementar pela mineração, já que o país detém reservas de
carvão de alta qualidade avaliadas em 7 bilhões de toneladas, essenciais para
a China, além de reservas preciosas de cobre, ouro e urânio 347.

2.7. O elo mais fraco

Por muito tempo rejeitei a ideia de que a alimentação pudesse ser


nosso elo mais fraco. Mas, tendo pensado a respeito em anos recentes,
cheguei à conclusão que não apenas a alimentação pode ser o elo mais
fraco, mas que provavelmente é o elo mais fraco

Lester Brown, 2012


https://www.youtube.com/watch?v=DO2xl39nBAA

Essa afirmação de Lester Brown, realizada numa conferência em


Cambridge em 2012, é a conclusão lógica do desmatamento, do declínio dos
recursos hídricos e da degradação dos solos agricultáveis, descritos nas
páginas precedentes, fenômenos cuja sinergia começa a anular os saltos de
produtividade agropecuária possibilitados pelas inovações tecnológicas do
último meio século. Assim, uma das vias pelas quais podemos sucumbir a um
colapso socioambiental é a via “clássica” dos colapsos de várias civilizações
anteriores: o colapso alimentar.
Segundo o World Population Data de 2010, a cada 24 horas 219 mil
pessoas a mais devem-se alimentar, de modo que, desde os anos 1980,
verifica-se uma menor produção de grãos per capita.

Produção global de grãos


absoluta e per capita, 1971-2015
81

Nos quarenta anos sucessivos à II Grande Guerra, a Idade de Ouro do


capitalismo, as sucessivas inovações tecnológicas permitiram aumentos na
produção de grãos a taxas superiores ao aumento da população. Em 1950, o
mundo produziu 250 quilos de grãos per capita. Em 1984, 339 quilos de grãos
per capita, um pico jamais ultrapassado desde então. Desde meados dos anos
1980, não obstante o quase contínuo crescimento total dessa produção, a
curva da produção per capita começa a declinar. De onde o fracasso da meta
de redução da fome no mundo, estabelecida em 1996, quando da Cúpula
Mundial da Alimentação (WFS) reunida na sede da FAO em Roma:

Nós, Chefes de Estado e de Governo, (...) comprometemos nossa vontade


política e nosso empenho comum e nacional no objetivo de conquistar
segurança alimentar para todos, no permanente esforço de erradicar a fome
em todos os países, com a meta imediata de reduzir pela metade até 2015 o
número de pessoas subalimentadas, em relação a seu nível atual.

Essa primeira meta foi reiterada em 2001 pelo objetivo 1C dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (MDG) de cortar pela metade a porcentagem das
pessoas que sofrem fome. Tal objetivo tem por ponto de partida e de chegada
os anos 1990 e 2015 e ambos estão em 2014 longe de serem alcançados.
De fato, em junho de 2002, os mesmos signatários da declaração de
1996 firmaram um segundo documento intitulado: “Declaração da Cúpula
Mundial da Alimentação: cinco anos depois” (WFS:fyl), no qual admitiam que “a
meta da Cúpula Mundial da Alimentação de reduzir o número de subnutridos
pelas metade em 2015, reafirmada pela Declaração do Milênio, não será
atingida”348. Por fim, em novembro de 2009, 60 países reuniram-se na Terceira
Cúpula Mundial da Alimentação (WFS) para firmar uma declaração, na qual se
engajavam “a deter já o aumento – e significativamente reduzi-lo – do número
de pessoas que sofrem fome, subnutrição e insegurança alimentar” 349.
Na primeira metade dos anos 1990 era possível ver apenas a parte
descendente da linha do gráfico abaixo. Era, portanto, natural imaginar que a
fome poderia seria vencida no século XXI.

Números globais da fome e da subnutrição


82

Fonte: FAO (As estimativas de 2009 e 2010 são feitas


a partir de dados da USDA).

A partir de 1996, a curva da fome inverte-se e nos 12 anos sucessivos sobe em


uma curva íngreme. Em 2009, o discurso do Plano Alimentar Mundial (PAM) da
FAO350 passa ao alerta vermelho: para nutrir a população mundial em 2050, a
“produção de alimentos (sem contar a produção usada para biocombustíveis)
deve crescer 70%. A produção anual de cereais necessitará atingir 3 bilhões de
toneladas, das 2,1 bilhões atuais e a produção de carne necessitará crescer
200 milhões de toneladas para atingir 470 milhões de toneladas” 351. No mesmo
ano de 2009, o número de pessoas padecendo de forme ultrapassou 1 bilhão
de pessoas (1.020.000.000352) e em 2010, segundo a avaliação da FAO
proposta pelo The State of Food Insecurity in the World 2011, havia 925
milhões de pessoas famintas no mundo, cifra correspondente a 13,6% da
população mundial, então de 6,8 bilhões de pessoas. Segundo os dados atuais
da ONU, “842 milhões de pessoas sofreram fome crônica no período 2011-
2013, ou seja 26 milhões a menos que entre 2010 e 2012” 353. Para além da
admissão de que as metas da Cúpula Mundial da Alimentação (WFS) e dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (MDG) não serão atingidas em 2015,
o mais importante é perceber a fragilidade estrutural dessa melhora.
O pico mundial de produtividade agrícola de 1984, quando se atingiu 339
quilos de grãos per capita, como já dito, não foi mantido. A partir de 1985, a
quantidade de grãos produzida per capita para de crescer e começa a involuir
até atingir 304 quilos de grão per capita em 2004, 9% a menos que sua média
histórica, sendo que na África sub-sahariana ela caiu de 140-160 quilos per
capita entre 1960 e 1981 para menos de 120 quilos per capita em 2004, algo
muito próximo do limiar da morte por fome354.

A insegurança alimentar nos Estados Unidos

O fato mais marcante dos últimos anos é o aumento da insegurança


alimentar nos países industrializados. Em março de 2013, a BBC News 355
noticiava que 16,7 milhões de crianças nos EUA eram atingidas diariamente
pela fome. Segundo o Ministério da Agricultura dos EUA (USDA), “mais de 17
milhões de crianças vivem em lares que padecem de insegurança alimentar” 356.
Em 2007, havia 26 milhões de pessoas a se beneficiarem de cupons de
alimentação distribuídos pelo Supplemental Nutrition Assistance Program
(SNAP). Em 2013, segundo o USDA, “50,1 milhões de pessoas vivem em 2011
em lares com insegurança alimentar”357. Os cupons do SNAP equivalem a 4,45
dólares por dia e quase dois terços de seus recipientes são crianças, velhos e
83

inválidos, sendo que a maior parte do um terço restante é composta de adultos


com crianças358. A cada cinco crianças do país em que vicejou o mais pujante
capitalismo do século XX, uma recebe ajuda alimentar. Essa proporção não
decresce com o fim da recessão, oficialmente ocorrida em 2009, como mostra
o gráfico abaixo:

A insegurança alimentar não muda


nos EUA durante os anos 2008-2012

Fonte: USDA

Segundo o USDA, “a despeito desses programas sociais, cerca de 14,5% de


todos os estadunidenses continuam a enfrentar insegurança alimentar, isto é, a
impossibilidade de se prover de alimentos suficientes durantes certos
momentos no ano”359.
O alastramento da insegurança alimentar nos EUA em relação aos anos
1970 e sua permanência após 2009 são o resultado do cruzamento de
fenômenos ambientais e sociais: aumento dos preços dos alimentos por causa
de condições climáticas adversas360 e a tendência estrutural à desigualdade de
renda. Em 2012, os 10% mais ricos dos EUA acaparam mais de 50% da renda
do país, uma concentração maior mesmo que a da crise de 1929, enquanto
para o 1% mais rico vai mais de um quinto da renda nacional, a maior
concentração de renda dessa faixa desde 1913, quando se instituiu naquele
país o imposto de renda361.

Evolução da porcentagem da apropriação da renda


nacional dos EUA pelos 10% e pelo 1% mais ricos

Fonte: Anne Lowery, “The rich get richer through the recovery”.
The New York Times, 10/IX/2013, a partir de Emmanuel Saez e Thomas Pilketty
84

Uma pesquisa encomendada pelo Congresso norte-americano mostra que em


1995, os 50% mais pobres daquele país detinham 3,6% da riqueza nacional;
em 2001, primeiro ano da administração George W. Bush, eles detinham 2,8%,
enquanto em 2010 eles detinham apenas 1,1%. Em 1973, 11,1% da população
dos Estados Unidos estava abaixo do limiar oficial de pobreza; em 2010, eles
eram 15,1% da população e em 2012 eles se tornaram 15,7% 362.
A linha de pobreza é definida pelo Censo de 2012 por rendimentos até
23.050 dólares por ano para um lar de quatro pessoas, o que equivale a 15,7
dólares por dia per capita. Em 2011, 20,4 milhões, ou 6,7% da população,
viviam em “pobreza profunda” (deep poverty), isto é, tinham uma renda até
50% inferior à linha de pobreza. Isso nos leva a uma renda de 8 dólares por dia
per capita, o que, se ainda é muito distante dos níveis de pobreza absoluta dos
países do Sahel, de certos países asiáticos e do Brasil, é já menos que o
salário mínimo do Brasil (10 dólares por dia) e em todo o caso insuficiente para
a satisfação das necessidades alimentares363.
Além disso, as estimativas da Homelessness Research Institute da
National Alliance to End Homelessness apontam para a existência de
1.660.000 pessoas sem moradia fixa nos EUA em 2013, com aumentos
constantes desde 2009, conforme mostra o gráfico abaixo 364.

Projeções de População sem moradia fixa


nos Estados Unidos. Evolução 2010 - 2013

Fonte: Homelessness Research Institute

Desde 2006-2007, o número de crianças sem teto inscritas em escolas


públicas aumentou em 57% 365. Trata-se de uma realidade sem precedentes na
história dos Estados Unidos no último século366.

A insegurança alimentar na Europa

Muitos países europeus afundam-se hoje no mundo da fome e da


insegurança alimentar. O Programa de Ajuda Alimentar (PEAD), cujos recursos
foram reduzidos por Bruxelas em 2013, atende 18 milhões de europeus em 20
países, entre os quais a Polônia, a Itália e a França 367. Não se trata, portanto,
apenas de casos extremos como os da Grécia ou da Espanha, onde apenas a
Cáritas, uma instituição filantrópica católica, alimentou e deu guarida a 370.251
pessoas em 2007 e a 1.001.761 em 2011 368. Na França, a segunda economia
europeia, 14,1% da população vivia em 2010 abaixo do limiar da pobreza,
contra 13,5% em 2009, um aumento de 40 mil pessoas. Em 2012, as quatro
grandes instituições filantrópicas francesas de socorro alimentar – o Secours
85

populaire français, a Fédération des banques alimentaires, a Cruz Vermelha


francesa e Restos du coeur – receberam 8% a 10% a mais de assistidos que
em relação a 2011.
Segundo o índice de risco alimentar, elaborado anualmente a partir de
dados da FAO pela Maplecroft, a Itália, a terceira economia europeia, não é
mais em 2013 um país de “baixo risco de fome”, mas de “médio risco”, ao lado
da Rússia, da China, dos países da ex-Iugoslávia e da África do Sul. Na Itália
de hoje, mais de 3 milhões de pessoas, 5% da população, dependem todos os
dias de assistência filantrópica para se alimentar 369. Os dados da Istat mostram
que 4,81 milhões de italianos encontram-se em situação de pobreza absoluta,
número que duplicou entre 2007 e 2012. Em consequência, 16,6% dos
italianos não pode se permitir uma refeição com conteúdo proteico adequado
ao menos uma vez a cada dois dias. A despesa alimentar dos italianos que
somava 129,5 bilhões de euros em 2007 baixou para 116,5 bilhões em 2012 370.
Na Inglaterra, a quarta economia da Europa, o número de rações
alimentares emergenciais fornecidas pela Trussell Trust, a maior rede de food
banks do Reino Unido, aumentou 170% apenas entre 2011 e 2012, sendo que
cerca de metade dos lares socorridos tem ao menos uma pessoa empregada e
1/3 deles possui crianças. Desde 2005, cresce o número dos que recorrem à
assistência alimentar da Trussell Trust. Ele decuplicou entre 2008 e 2012,
passando de 35 mil para 350 mil pessoas, conforme mostra o gráfico abaixo 371.

Número de pessoas assistidas


pela Trussell Trust (em milhares)

Fonte: Financial Times, 24/IV/2013


a partir da Trussell Trust

O avanço global da insegurança alimentar foi naturalmente agravado


pela concentração de renda. Nova York é um exemplo desse fenômeno geral.
Seus 57 bilionários acumulavam em 2012 um patrimônio de 211 bilhões de
dólares, 11 bilhões a mais que em 2011. Mas “a renda média anual dos lares
da cidade é de 48.748 dólares, 5% mais baixo que em 2007; e este ano, mais
75 mil residentes de Nova York caíram abaixo da linha federal de pobreza
(18.310 dólares de renda anual para uma família de 3 pessoas), o maior salto
para baixo em duas décadas. A população total de pobres de Nova York é
agora de 1,6 milhão, equivalente a um em cada cinco residentes. E agora 1 em
cada 4 crianças nessa cidade vivem em lares com insegurança alimentar” 372.

As causas reais

Mas não é na crise econômica que residem os fundamentos do declínio


da produtividade agrícola per capita e do aumento da insegurança alimentar.
86

As causas decisivas da perda de ímpeto de produtividade agrícola nos últimos


três decênios e o subsequente avanço da insegurança alimentar provêm da
sinergia das crises ambientais. Estudos do Rice Research Institute das Filipinas
em colaboração com o Departamento de Agricultura dos EUA mostram, por
exemplo, que para cada aumento de 1º C na temperatura durante a estação de
crescimento das plantações, haverá um decréscimo de 10% das safras de
trigo, arroz e milho373. O último relatório do IPCC afirma que “as mudanças
climáticas podem reduzir as safras agrícolas em até 2% por década até o final
do século, se comparadas com o que as safras seriam sem as mudanças
climáticas”374.

O Ártico, a fome e a armadilha da globalização

Em abril de 2013, o Arctic Methane Emergency Group (AMEG), um


grupo de cientistas baseados na Inglaterra, publicou uma Declaração Oficial
(Announcement) intitulada: “Os Governos devem somar dois mais dois e fazer
todos os esforços possíveis para salvar o gelo do Ártico ou morreremos de
fome”. O texto afirma: “os eventos meteorológicos extremos do ano passado
estão causando problemas reais para os fazendeiros, não apenas no Reino
Unido, mas também nos EUA e em muitos países produtores de grãos. É
possível que venha a ocorrer um declínio na produção mundial de alimentos,
com inevitável mortandade por fome. O preço dos alimentos vai subir
inexoravelmente, produzindo tensões globais e tornando a segurança alimentar
mais que uma mera questão”375.
A esses fatores acrescenta-se um agravante: a apropriação da produção
de alimentos pelo comércio global de commodities. Esta é um das razões que
explicam por que a autossuficiência alimentar dos países está em declínio.
Uma pesquisa realizada por Marianela Fader e sua equipe elaborou um modelo
que incorpora os dados demográficos e climáticos (mas não as mudanças
climáticas futuras), o tipo e os padrões de uso do solo, o consumo de água e
de alimentos de cada nação, e comparou sua capacidade atual e sua
capacidade em 2050 de se autoalimentar. “Hoje”, afirma Marianella Fader, “66
países não são capazes de autossuficiência devido à escassez de água e/ou
de terra”, o que equivale a dizer que 16% da população do mundo depende de
alimentos produzidos em outros países. As projeções desse estudo sugerem
que em 2050 mais da metade da população do mundo poderá depender de
alimentos importados. As consequências dessa dependência serão ainda mais
graves que essas projeções sugerem, já que não levam em consideração nem
as mudanças climáticas, nem o aumento do preço do petróleo, um componente
cada vez mais substancial na composição dos custos dos fertilizantes e do
transporte376.

Quatro tendências

O declínio da produtividade agrícola per capita desencadeou ou


intensificou a partir do início do século XXI quatro tendências mundiais.

(1) Um aumento contínuo de importações de alimentos pela China. A


China consome hoje mais de 520 milhões de toneladas de grãos por ano.
Conforme declaração à imprensa em 2013 de Niu Dun, Vice-Ministro da
87

Agricultura da China, “se em 2035 o consumo de grãos se mantiver nos níveis


atuais de 400 quilos per capita, a China necessitará então consumir 650
milhões de toneladas de grão” 377. Tendo por pano de fundo o fantasma da
“Grande Fome” dos anos 1959-1961, uma das prioridades do chamado
“socialismo com feições chinesas” de Deng Xiaoping foi garantir
autossuficiência alimentar. O esforço foi coroado de sucesso até 1995. Em
1994, num artigo chamado “Quem alimentará a China?”, Lester Brown
mostrava-se cético quanto ao êxito de longo prazo dessa empreitada. Aos
diversos fatores analisados pelo autor, acrescenta-se hoje um agravante: o
envenenamento do solo por resíduos industriais, inclusive em regiões
consideradas celeiros da China como as províncias de Guangdong e de
Hunan, dentre as mais populosas e mais ricas. A migração de indústrias para a
área rural e o uso intensivo de fertilizantes químicos começam agora a poluir as
águas e o solo, a ponto de afetar as culturas plantadas ou torná-las demasiado
inseguras para a alimentação. Em maio de 2013, autoridades de Cantão
revelaram que 8 em cada 18 amostras dos estoques de arroz locais continham
níveis excessivos de cádmio. Entre 8% e 20% das terras aráveis da China, vale
dizer, entre 10 e 24 milhões de hectares, podem estar contaminados com
metais pesados, segundo estimativas de pesquisadores ligados ao governo,
citadas por Josh Chin e Brian Spegele no The Wall Street Journal. Mesmo uma
perda de 5% das terras agricultáveis pode ser desastrosa, deixando a China
abaixo da “linha vermelha” de 120 milhões de hectares de terra arável, o
mínimo necessário, segundo o governo, para alimentar a população 378.
Os efeitos conjugados das crises acima mencionadas (além da
urbanização) sobre a capacidade agrícola chinesa começam a se fazer sentir,
impulsionando de modo explosivo as importações de soja – uma forma indireta
de importação de solo e de água379. Durante 30 anos, de 1964 a 1994, a China
dobrou sua produção e seu consumo de soja, passando de 7,9 a 16 milhões de
toneladas, com importações apenas ocasionais. Em 2010 essa produção havia
baixado para 14,4 milhões de toneladas, ao passo que suas importações
haviam subido para 57 milhões de toneladas, o que correspondia então a 83%
de seu consumo de soja. A demanda de soja da China detona um aumento
exponencial da produção mundial, em particular dos EUA, da Argentina e do
Brasil, conforme mostra a figura abaixo.

Porcentagem das exportações mundiais de soja


tendo a China por destino – 1964-2010
88

Fonte: Earth Policy Institute, a partir de dados da USDA

Segundo Lester Brown, no planeta há agora mais terra ocupada pela soja que
pelo trigo ou pelo milho. Em 2009, a China importou 41 milhões de toneladas
de soja, sobretudo dos Estados Unidos, do Brasil e da Argentina. Nesse ano, a
soja representava 31% das exportações do Brasil para a China. Em 2009, a
China passou a ser o destino de 56% das exportações brasileiras de soja,
porcentagem que não passava de 15% em 2000 380.
Nesse panorama, a importação de grãos por parte da China começa
desde 2008 a seguir, ainda que mais suavemente, a curva da soja. O declínio
da produção de grãos em geral na China passou de 392 milhões de toneladas
em 1998 a 358 milhões em 2005 381. Em 1997, a produção de trigo na China
atingiu seu ápice de 123 milhões de toneladas. Ela decaiu em cinco dos oito
anos sucessivos, atingindo em 2005 apenas 95 milhões de toneladas, uma
queda de 23%. No mesmo período, observou-se um declínio semelhante na
produção de arroz, com um pico de 140 milhões de toneladas em 1997 e uma
queda em quatro dos oito anos sucessivos, chegando-se em 2005 a 127
milhões de toneladas. Tais declínios explicam por que em março de 2012, as
importações de grãos da China nada menos que sextuplicaram em relação a
março do ano anterior382. Como advertia em 2011 Robert S. Zeigler, diretor do
International Rice Research Institute: “a situação dos grãos na China é crítica
para o resto do mundo. Se o país tiver de se abastecer no mercado
internacional, isto pode causar imensas ondas de choque nos mercados de
grãos do mundo todo”383.
As projeções para os próximos anos reforçam esses temores, em
especial no que se refere ao aumento das importações chinesas de milho a
partir de 2008. Em 2012, a China importou 5 milhões de toneladas de milho e
deve importar 7 milhões de toneladas em 2013 384. Esse montante corresponde
ainda a apenas 5% de seu consumo nacional, mas é mais do que a soma de
todo o milho importado nos últimos 25 anos. As projeções são de um boom de
importação de milho até 2015, conforme mostram os gráficos abaixo.

Importações chinesas de soja Importações chinesas de milho


(em milhões de toneladas) (em milhões de toneladas)
89

Fonte: USDA Fonte: USDA, Governo chinês, OLAM

“Vejo o aumento da demanda de milho da China como inexorável”, declarou


David Nelson, Vice Presidente do First Midwest Bank385. Em março de 2013, o
Serviço de Pesquisa Econômica do Departamento de Agricultura dos EUA
(USDA-ERS) projetava que por volta de 2021 a China e o México (vítima
também de intensa desertificação) deverão superar o Japão na posição de
maior importador do mundo de coarse grains (cereais outros que arroz e trigo)
dos Estados Unidos.

Projeções de 10 anos de importações de cereais


outros que arroz e trigo dos Estados Unidos
(em milhões de toneladas)

Fonte: USDA / ERS (Economic Research Service), 2013

Com seu colossal superávit, a China pagará o que for preciso para se
abastecer. Isso coloca problemas para os outros importadores de alimentos,
como o Japão, e para os países celeiros da China, como o Brasil, a Argentina e
os Estados Unidos. A apropriação de terras na África e em geral no “Terceiro
Mundo” por corporações chinesas ou por grandes empresários indianos,
árabes, russos, norte-americanos e outros foi denunciada por Fred Pearce 386 e
pela Oxfam, segundo a qual apenas entre 2007 e 2011, 2.200.000 km 2 de
terras da África, da América Latina e da Ásia foram compradas de seus
proprietários pobres por grandes companhias e convertidos em peças da
engrenagem e do jogo especulativo das commodities387.
Quem será capaz de impedir, nesse contexto, o agronegócio nacional,
que desde sempre dominou o Brasil, e o novo agronegócio internacional de
90

derrubarem o que resta das coberturas vegetais nativas do país para satisfazer
essa demanda a preços crescentes? O Brasil bateu o recorde de produção de
soja no ano de 2013 e, como mostra Pearce, a Etiópia está sendo
recolonizada, com o apoio de seu governo, por corporações chinesas, indianas,
sauditas e outras, que esfolam suas coberturas vegetais nativas para o plantio
de culturas de exportação.

(2) A segunda tendência global é a diminuição dos estoques de grãos.


Em meados dos anos 1980, esses estoques oscilavam em geral entre 100 e
120 dias. A partir de 1998, eles caem e permanecem entre 60 e 80 dias de
2004 até 2012, com tendência de baixa em 2013. Isto significa que nos últimos
8 anos os estoques caem aos mesmos níveis dos anos 1960-1985, anos em
que a demanda era muito menor, já que a população mundial era de “apenas” 3
a 4,5 bilhões de pessoas, e quando havia ainda um enorme potencial
tecnológico de crescimento da produtividade agrícola e de expansão das terras
agricultáveis.
Abdolreza Abbassian, economista senior da FAO, declarou à impresa em
outubro de 2012: “Não temos produzido tanto quanto estamos consumindo. Eis
por que os estoques estão caindo. Os suprimentos estão agora muito
apertados em todo o mundo e estão em um nível muito baixo, não deixando
margem de manobra para qualquer evento inesperado no ano que vem. Os
países diminuíram suas reservas de uma média de 107 dias, dez anos atrás,
para 74 dias recentemente”388. O exemplo dos EUA é eloquente. Tendo sofrido
recordes de ondas de calor e de secas em 2012, o país mantinha em finais
desse ano estoques de milho de apenas 6,5% do que pretendia consumir em
2013, um nível historicamente muito baixo. O gráfico abaixo sugere uma
incapacidade estrutural da agricultura global de repor os estoques mundiais de
grãos ao longo dos últimos 15 anos.

Estoques Mundiais de Grãos em termos de


Dias de Consumo, 1960 - 2012

Fonte: Earth Policy Institute, a partir de dados da USDA

(3) A terceira tendência é a diminuição da taxa de crescimento ou


mesmo estagnação da área de cultivo de grãos fundamentais para a
alimentação, em especial do trigo.
91

Enquanto a soja continua a abocanhar mais e mais terra, verifica-se uma


estagnação da área de cultivo do trigo na maior parte da Europa. Segundo
Stéphane Foucart, na França e “na maior parte da Europa” os efeitos das
mudanças climáticas sobre a produção do trigo se fazem sentir desde 1996 389.
Mas não apenas na Europa. Trata-se de uma tendência global entre os maiores
países produtores desse grão no hemisfério ocidental. Como mostra o gráfico
abaixo, é decrescente a área da produção de trigo por esses países entre 1990
e 2010, de modo que a área de 2010 é idêntica à de 1960.

Evolução da Área de Colheita de Trigo, Milho e Soja


no Hemisfério Ocidental, 1960 – 2010
(em milhões de hectares)

Fonte: Earth Policy Institute a partir de dados da USDA

Uma pesquisa sobre a produtividade da cultura do arroz em seis países


asiáticos dos quais emanam mais de 90% da produção mundial desse cereal
mostra que temperaturas noturnas mais elevadas podem ser responsabilizadas
por uma diminuição do crescimento das colheitas de arroz ao longo dos anos
1985-2010390. Graças ao constante incremento de técnicas agrícolas visando o
aumento da produtividade, as colheitas globais ainda tenderam a crescer em
termos absolutos nos últimos anos, mas a taxa desse crescimento é cada vez
menor. Em 2012, o mundo produziu 2.241 milhões de toneladas de grãos, uma
queda de 75 milhões, ou 3% a menos que a safra recorde de 2011.

(4) A quarta tendência mundial, enfim, é consequência das três


primeiras: o aumento do preço de certos produtos agrícolas. O Índice FAO dos
Preços dos Alimentos (1990 = 100) mostra um aumento do preço nominal dos
alimentos entre 2004 e 2011 da ordem de quase 150% e um aumento do preço
real (descontada a inflação) da ordem de 70%. Mesmo quando há queda, como
em 2008/2009 ou em 2011/2013 (porque o pico anterior estimulou os
produtores), os preços nunca caem a ponto de neutralizar o último pico, como
mostra o gráfico abaixo:

Índex dos Preços dos Alimentos da FAO (1990 = 100)


92

Fonte: FAO

Segundo o The Economist, o preço real dos alimentos atingiu em 2008 seu
mais alto nível desde 1845, quando tiveram início os registros desses preços. E
esse recorde foi de novo batido em 2011.

A especulação financeira, subproduto da escassez real

É verdade que parte desse aumento é gerado pela especulação


financeira sobre os preços futuros das terras agricultáveis e de dezoito
commodities (gado bovino, gado suíno, cacau, café, milho, trigo, etc),
indexadas pelo Goldman Sachs Commodity Index e publicadas desde 2007
pela Standard & Poor (S&P GSCI). A partir de 1991, essa especulação foi
estimulada pela entrada nesse mercado do Banco Goldman Sachs, seguido em
1994 pelo J. P. Morgan e em seguida por outros bancos com seus próprios
commodity index funds (o AIG Commodity Index, o Chase Physical Commodity
Index, os oito fundos do Banco Barclay, etc.). Em 2003, tais fundos oferecidos
por esses e outros bancos somavam US$ 13 bilhões; em 2008, eles haviam
atingido a soma de US$ 317 bilhões!
Frederik Kaufman, de cujo artigo se retiram esses dados 391, analisou a
parte de responsabilidade das corporações na carestia dos alimentos e na
desnutrição ou subnutrição de milhões de pessoas afetadas por ela. Mas não
comete o equívoco de atribuir o disparo dos preços dos alimentos apenas a
uma operação financeira. Não há geração espontânea de especulação, nem
esta cria ex nihilo o fenômeno da escassez. É a escassez real, ao se desenhar
como uma tendência estável, que cria práticas de especulação nos mercados
futuros. Na Alemanha, por exemplo, os fundos que apostam no aumento dos
preços agrícolas montam em 2013 a 11,4 bilhões de euros. Clara Jamart,
responsável pela divisão de segurança alimentar da Oxfam França, denuncia
num relatório publicado em 12 de fevereiro de 2013, “os bancos franceses que
especulam sobre a fome”, em especial BNP Paribas, Natixis (BPCE), Société
Générale e Crédit Agricole. Segundo o relatório, esses quatro bancos mantêm
ao menos 18 fundos que “especulam sobre matérias primas” num valor de mais
de 2 bilhões e meio de euros, sendo que “a maioria deles foi criada após a
crise alimentar de 2008, no objetivo manifesto de lucrar com a alta potencial
dos mercados agrícolas”392. Para John Hummel, administrador da AIS Capital
93

Management, “pode ser duro imaginar os preços das commodities subirem


outros 460% acima de seus preços de meados de 2008; mas os fundamentos
indicam fortemente que esses setores têm um significativo potencial de alta” 393.
As íngremes escaladas dos preços dos alimentos provocaram em 2007
e 2008 as assim chamadas “revoltas da fome” em mais de trinta países,
sobretudo na África e na Ásia. Nafeez Mosaddeq Ahmed faz notar que um mês
antes das revoltas que conduziram à queda dos regimes da Tunísia e do Egito,
a FAO reportara altas recordes de preços nos produtos lácteos, na carne,
açúcar e nos cereais394. Segundo Frederik Kaufman, pela primeira vez na
história dos registros estatísticos e decerto em toda a história humana, houve
um salto de 250 milhões no número de famintos em um único ano. Segundo a
FAO, o pico de preços de 2008 contribuiu para um aumento de 8% no número
de pessoas subnutridas na África. As revoltas da fome repetiram-se no
segundo semestre de 2010.

Um terceiro pico de preços em 2016

O livro de Paul Roberts, The End of Food (2008), mostra com


abundância de dados que a escassez crescente de alimentos é uma das
consequências mais impactantes do colapso ambiental para o qual rumamos. A
perspectiva é de um aumento contínuo dos preços agrícolas, malgrado recuos
momentâneos. O Food Price Outlook 2013 do Ministério da Agricultura dos
EUA (USDA) projeta um aumento de 3% a 4% dos preços dos alimentos para o
ano de 2013. No Reino Unido, a projeção de aumento para o mesmo período é
de até 5%.
Segundo um estudo de 2009, “nas próximas décadas, prevê-se que os
preços devem aumentar mais 30% a 50%, devido à inabilidade da produção de
alimentos de corresponder ao aumento da demanda” 395. Corroborando esse
prognóstico, um relatório da Oxfam publicado em 5 de setembro de 2012
estima que “o mundo deriva para um terceiro pico de preços dos alimentos nos
próximos quatro anos”396. As projeções desse relatório para os preços médios
dos mercados de exportação no período 2010-2030 são: para o milho, um
aumento de 177% com até metade desse aumento decorrente das mudanças
climáticas; para o trigo, um aumento de até 120% com até 1/3 do aumento
decorrente das mudanças climáticas; para o arroz, um aumento de 107% com
cerca de 1/3 do aumento decorrente das mudanças climáticas. Calcula-se
neste contexto que cada aumento de 1% no preço dos alimentos pode implicar
mais 16 milhões de pessoas famintas 397. Assumindo um número conservador
de 35 a 40% de aumento desses preços por volta de 2020, isto levaria a mais
600 milhões de pessoas sujeitas à fome. Tais projeções são consistentes com
outra, segundo a qual um aumento de 20% nos preços dos alimentos até 2025
resultaria em mais 440 milhões de pessoas subnutridas 398. Recorde-se, enfim,
o diagnóstico de Olivier De Schutter, relator para o direito à alimentação da
ONU: “Além desse episódio [a crise alimentar de 2008], os fatores estruturais
de desequilíbrio persistem. (...) Não estou, portanto, em nada seguro:
caminhamos para um período de preços alimentares elevados e voláteis” 399.
Nos últimos 30 anos, economistas conservadores e cornucopianos como
Julian Simon400 lançaram discrédito sobre as predições formuladas por Paul
Ehrlich. É verdade que essas predições não se confirmaram nos prazos por ele
previstos, por causa do enorme aumento da produtividade agrícola trazido pela
94

mecanização, pelos melhoramentos genéticos, inseticidas, herbicidas e


fertilizantes401. Mas Ehrlich parece mais que nunca correto quando reavalia em
2013 suas predições de 1968: “o principal erro do livro foi subestimar a rapidez
com a qual a ‘revolução verde’ se propagou nos países pobres. Isto salvou
muitas vidas, mas ao mesmo tempo nos levou às vias pelas quais
enveredamos em direção a mais vastas fomes”402.

3. Lixo, efluentes e intoxicação industrial do planeta

“Essa grande civilização ocidental criadora das maravilhas de que desfrutamos


não as produziu, por certo, sem contrapartida (...) A ordem e a harmonia do
95

Ocidente exigem a eliminação de uma massa prodigiosa de subprodutos


maléficos de que a Terra está hoje infectada. O que desde logo vocês nos
mostram, viagens, é nosso lixo lançado à face da humanidade”.

Claude Lévi-Strauss, Tristes Tropiques, 1955

Os resíduos metabólicos dos seres vivos são fases do fluxo de


recomposição da matéria e da interação entre mundo mineral, vegetal e animal.
A natureza não produz lixo, produz metamorfoses e nutrientes. Somente as
secreções do homem industrial não se reintegram no ciclo de recomposição da
matéria, por sua escala, pelo ritmo em que se multiplicam e por serem
materiais em grande parte quimicamente mais estáveis.
No afã de afirmar sua singularidade na “grande cadeia da vida” (vide
capítulo 15), a espécie humana tem-se arrogado a exclusividade de atributos
como a linguagem, a capacidade de simbolização, a autoconsciência, a
fabricação de ferramentas, o uso de vestes, a ingestão de alimentos cozidos, o
senso estético e o senso moral403. Nos últimos decênios, a ciência vem
mostrando como outras espécies compartilham com a nossa, embora em
menor grau, a maior parte desses atributos e capacidades cognitivas antes
insuspeitadas404. Permaneceria assim qualitativamente exclusivo de nossa
espécie sobretudo a angústia “histórica”, isto é, a consciência de uma origem e
de um fim: como indivíduos, como civilizações e como espécie 405. Após
Hiroshima, essa angústia torna-se mais aguda com a descoberta da
capacidade tecnológica de precipitar esse fim. Mas já a partir da segunda fase
da Revolução Industrial, o Homo sapiens adquiriu um novo comportamento
peculiar, que nele se torna aos poucos um atributo primordial, isto é, uma
segunda natureza: ele gera uma quantidade crescente de resíduos com fraca
interação passiva com o ambiente, e com forte interação tóxico-ativa com ele.
Em outras palavras, ele gera lixo de tipo industrial e em escala industrial. Ao
lado do desmatamento, o lixo e suas emanações tóxicas tornaram-se hoje o
mais saliente e distintivo traço do humano no planeta 406.

Preponderância do lixo

O lixo forma-se em todas as etapas do ciclo produção/consumo e é a


forma preponderante de cada etapa desse ciclo. Há uma preponderância
regressiva, isto é, antes do consumo final: se um produto industrial qualquer for
justaposto a todos os descartes gerados na cadeia produtiva (desde a
produção das matérias-primas) será fácil constatar que o resultado é ínfimo em
relação ao que foi descartado. Segundo os cálculos de Ray Anderson, em
média, 97% de toda a energia e de todo o material convocados na fabricação
de produtos manufaturados são transformados em lixo: “Estamos operando um
sistema industrial que é, de fato, em primeiro lugar e antes de mais nada, uma
máquina produtora de lixo”407. Outra forma de calcular essa desproporção,
proposta por Joel Makower408, chega a resultados similares: 94% de todo o lixo
produzido nos Estados Unidos é lixo industrial, aí incluído o lixo produzido na
indústria de transformação propriamente dita (76%) e o lixo produzido na
mineração, na produção de combustível e na metalurgia (18%). Esses dados
não devem ser esquecidos quando discutirmos no capítulo 11 (item 11.3.
Insustentabilidade constitutiva) a inviabilidade, no atual sistema econômico, da
proposta de criação de uma “economia circular”.
96

Pode-se também falar numa preponderância cronológica do lixo: a vida


útil de um produto industrial ou de seus componentes nas mãos do consumidor,
em relação aos decênios, séculos ou milênios de sua existência como lixo, tal
como mostra a figura abaixo.

Tempo necessário para que alguns produtos se biodegradem

Fonte: The Coral Reef Alliance and Worldwise (em rede)

Três fatores de incremento do lixo

Menos pelo crescimento demográfico que por uma associação de três


outros fatores, o capitalismo do século XX potenciou a preponderância do lixo
no ciclo produção/consumo:

(1) A obsolescência programada, isto é, a introdução deliberada na


fabricação de certos produtos de mecanismos ou dispositivos que abreviam
sua vida útil e aceleram assim sua taxa de reposição. A questão se coloca
desde as primeiras crises de superprodução industrial no século XIX, mas seu
nascimento como estratégia corporativa conjunta remonta ao chamado cartel
Phoebus, celebrado em Genebra em 1924, entre a General Electric, a Osram,
a Philips, a Tungsram e vários outros fabricantes de lâmpadas, visando, entre
outros itens, limitar a vida útil das lâmpadas em 1000 horas (elas duravam
então até 2500 horas)409. Outro exemplo arcaico e muito citado de
obsolescência programada são as meias de nylon da Du Pont na segunda
metade dos anos 1940, que se mostraram demasiado duráveis e foram em
seguida fabricadas de modo a desfiarem mais rapidamente.
Em 1928, lê-se na revista norte-americana Printer’s Ink. A Journal for
Advertisers: “um artigo que se recusa a se desgastar é uma tragédia para os
negócios”410. Em 1932, Bernard London propunha a obsolescência programada
como uma forma de aumentar a demanda e, assim, superar a depressão: “Na
inadequada forma atual de organização econômica da sociedade, aposta-se
por demais nos caprichos e fantasias do consumidor. (...) A essência de meu
plano (...) é mapear a obsolescência do capital e do consumo no momento de
sua produção”411. London propunha que o governo estipulasse o “prazo de
validade” legal de cada objeto. “Expirados tais prazos, essas coisas estariam
legalmente ‘mortas’, seriam controladas por uma agência governamental
credenciada e destruídas, sempre que houvesse desemprego generalizado.
Novos produtos sairiam constantemente das fábricas e dos mercados para
tomar o lugar dos obsoletos”412. A proposta de London comungava do
imaginário distópico dos romances de Aldous Huxley (1932) e George Orwell
(1949). Desde os anos 1950, a obsolescência programada foi objeto de
debates diversos, na revista Design News, por exemplo, bem como de análises
históricas pormenorizadas413. Há um sem número de estratagemas de
obsolescência programada utilizados pela indústria que não importa aqui
97

elencar. Ainda que seu impacto sobre a proliferação do lixo industrial seja difícil
de quantificar, a obsolescência programada é uma das vias pelas quais, como
nota István Meszáros, “a sociedade ‘afluente’ transformou-se na sociedade da
efluência”414.

(2) A “neofilia” ou obsolescência subjetiva ou ainda o consumismo


compulsivo. A partir de Edward Bernays (1891-1995), as técnicas de
publicidade começam a ganhar maior capacidade de manipulação do desejo e
de programação do comportamento, o que nada têm a ver com a dinâmica da
moda e das mudanças do gosto, comuns a todas as épocas históricas. É
imprecisa a linha divisória entre o lixo pós-consumo e a miríade de objetos já
concebidos como lixo pré-consumo, objetos supérfluos e quase sempre tóxicos
que, antes de poluir os depósitos de lixo, poluem o mundo material e mental do
consumidor415. O lixo pré-consumo funciona como um objeto-fantasma, pura
estimulação de um desejo efêmero e sem objeto. Xavier Gorge ilustra essa
cega preferência pelo novo com o seguinte diálogo: “Creio que vou comprar o
novo iphone”. “O que lhe parece ultrapassado no modelo que você tem?”
“Como posso saber, se ainda não comprei o novo?” A charge foi suscitada pelo
lançamento dos novos modelos do iphone, de que se venderam 9 milhões de
unidades no fim de semana de seu lançamento, superando a expectativa da
própria Apple que projetava uma venda de 6 milhões de unidades. O gráfico
abaixo mostra a evolução desse comportamento de manada.

Vendas de iPhones durante fins de semana de lançamento


(2008 - 2013)

Fonte: Business Insider


http://www.businessinsider.com/apples-gigantic-opening-weekend-iphone-sales-in-context-2013-9

A cada novo lançamento, o modelo anterior do iPhone subitamente


“envelhece”, erodindo a auto-imagem de seu proprietário. Ele se desidentifica
com seu objeto de desejo do ano passado, o qual se torna um estorvo.
Descartado, ele não se reapresentará mais à experiência de seu proprietário
senão como resíduo inconsciente de uma frustração. Ele se revela ser enfim o
que sempre foi: uma fração do gigantesco pré-entulho de que se compõe o
98

mundo do eletronic trash, apenas mais uma toxina invisível, liberada aos
poucos por sua volatilidade ou de imediato pela incineração.
No capitalismo industrial contemporâneo, o fetiche da mercadoria
descoberto por Marx não deixou de existir. Mas o fetiche ganha hoje outro
significado ao passar da esfera da produção à esfera do consumo. O
consumidor torna-se o equivalente contemporâneo dos supliciados do Tártaro:
Íxion, as Danaides, Tântalo e Sísifo. Enquanto o processo de produção
capitalista produz o fetiche da mercadoria, o processo de consumo no
capitalismo produz sua perda, após o ato de aquisição. Trata-se de um
processo igualmente “mágico” pelo qual o objeto que parecia vivo, dotado de
um singular poder de sedução e de transferência erótica, torna-se no limite
abjeto antes de se tornar dejeto, não por perda de funcionalidade, mas por uma
disforia pós-compra (não distante da disforia pós-coito) que conduz a um
desinvestimento de sentido.

(3) A emergência do crédito ao consumidor e a mudança do conceito


mesmo de crédito. O papel desse tipo de crédito no aumento e na
intensificação do consumo (e, portanto, do lixo) foi sintetizado por volta de 1960
pelo diretor da General Foods: “Hoje, o cliente quer que seus desejos se
realizem imediatamente, seja este uma casa, um automóvel, um refrigerador,
um cortador de grama, uma roupa, um chapéu ou uma viagem. Ele pagará em
seguida, com suas rendas futuras”416. No que se refere à mudança do conceito
de crédito, Lord Adair Turner, ex-diretor da Financial Services Authority (a
instituição reguladora do sistema financeiro birtânico), afirmou em 2013 que
apenas 15% do total dos fluxos financeiros no Reino Unido é canalizado para
“projetos de investimento”. O restante dá sustentação a ativos destinados a
“facilitar a estabilização do ciclo de vida do consumo” 417.

Do mundus a Wall-E

Em decorrência desses três fatores, que adquiriram envergaduras


crescentes ao longo do século XX, é possível imaginar que, se fosse hoje
reescrever “O Capital”, Marx dedicaria um quarto livro de sua obra a essa face
ao mesmo tempo oculta e onipresente da “imensa acumulação de mercadorias”
que é “a imensa acumulação de lixo”. Se a mercadoria é, como afirma Marx, a
“forma elementar” da riqueza da sociedade capitalista, seu ponto de partida, o
lixo revela sua forma degenerada. Ele é a natureza degredada de si e
degradada num composto estável que o capitalismo devolve à natureza após
tê-la devastado. Em latim, a palavra mundus, como cosmos em grego, significa
ao mesmo tempo mundo, puro e ornamento. Essa tripla dimensão semântica
de mundus e de cosmos sustentava a ideia de que o universo fosse ao mesmo
tempo ordem e graça (não por outra razão, diga-se de passagem, sendo a
ordem do mundo bela, bastava ao artista imitá-la). A manipulação da molécula
pelo capitalismo industrial a partir da indústria química, com a criação de
compostos estáveis, coagula o “tudo flui” do mundo, destrói o ciclo
morte/transfiguração/renascimento da natureza, interrompe a regeneração
constante do mundo, transforma, em suma, o mundus em immundus, em
negação do mundo, em natureza desnaturada, impura e desornada. O cosmos
da natureza transforma-se no caos do lixo.
99

Da mesma maneira, em inglês, lixo é designado pela palavra waste, que


significa também deserto e desperdício. A esse deserto se reduz o planeta
colapsado pela megacorporação Buy n Large (BnL) na animação Wall-E (2008)
de Andrew Stanton418. Na realidade, desde os anos 1970, ficções de
antecipação, literárias ou cinematográficas, algumas destas últimas servidas
por designers de grande inventividade como Syd Mead, tomaram uma forma
não prevista por Aldous Huxley e seus contemporâneos nos anos 1930, que
projetavam um futuro sombrio, mas asséptico. Essas novas ficções, não por
acaso chamadas em seguida cyberpunk (lixo cibernético), caracterizam-se pela
imaginação de sociedades urbanas dominadas por “megacorporações” nas
quais a alta tecnologia impera sobre sociedades degradadas pelo lixo (a
combination of low life and high tech, nas palavras de William Gibson, que
cunhou o termo megacorporation). Com Wall-E, Andrew Stanton criou o que
Syd Mead chama de reality ahead schedule419, o retrato sem retoques do
capitalismo do século XXI.

O aumento do lixo nos países industrializados

No século XX, o lixo afligia, sobretudo, os países chamados


subdesenvolvidos, cujo capitalismo tardio desencadeou processos perversos
de simbiose entre as oligarquias fundiárias, o capital predador e o autoritarismo
militar, simbiose que estimulou fenômenos de migração maciça, inchaço das
cidades e proliferação de favelas em sociedades já estigmatizadas pela
colonização e escravidão, e pela carência de coesão social, educação,
recursos, eficiência administrativa e infraestrutura para processar ou reciclar a
nova escala de seu lixo urbano e industrial.
No presente, o problema do esgoto e do lixo em suas várias formas
atinge de pleno também os países industrializados, outrora capacitados, graças
a investimentos maciços em infraestrutura e em educação realizados sobretudo
a partir do século XIX, a manter o problema do lixo sob controle. Do fundo do
Oceano Ártico ao alto do venerando Monte Fuji 420, o lixo se tornou, numa
palavra, onipresente, e crescente. Segundo Payal Sampat, “cada dia, um norte-
americano médio usa 101 kilos de material (stuff), isto é aproximadamente o
peso de um homem grande”421. Eis os dados da União Europeia422:

“A cada ano, a União europeia apenas produz 3 bilhões de toneladas de lixo –


cerca de 90 milhões de toneladas dos quais de lixo perigoso. Isto monta a 60
toneladas de lixo sólido para cada homem, mulher e criança, segundo as
estatísticas da Eurostat. É claro que tratar e dispor todo esse material – sem
danos para o meio ambiente – torna-se uma dor de cabeça maior”.

A OCDE estima que por volta de 2020 a Europa, cujo crescimento demográfico
é hoje próximo de zero, pode vir a gerar 45% a mais de lixo que o volume
gerado em 1995.

3.1. Esgotos

A Organização Mundial da Saúde estima que 2,6 bilhões de pessoas


não têm acesso a saneamento básico (improved sanitation facilities), o que
significa 37% da população mundial atual. Suas projeções são de que esse
100

número suba para 2,7 bilhões em 2015. Essa situação é típica dos países do
Terceiro Mundo. O grande lago Titicaca, entre a Bolívia e o Peru, por exemplo,
com seus mais de 8,5 mil quilômetros quadrados, é considerado hoje o lago
mais ameaçado por eutrofização do mundo em grande parte por ser o destino
de esgotos não tratados, sendo que 18% de sua poluição nas proximidades da
cidade de Puno é proveniente das fezes das populações que vivem à sua
volta423.
No Brasil, a taxa de tratamento dos esgotos é típica dessa região do
mundo, como mostram os dados do Sistema Nacional de Informações sobre
Saneamento do Ministério das Cidades e o estudo Progress in Sanitation and
Drinking Water da OMS/UNICEF, 2010. A situação é analisada pelo Instituto
Trata Brasil e por Washington Novaes424. Apenas 46,2% da população
brasileira beneficia-se de coleta de esgotos. Do esgoto gerado, apenas 37,9%
recebe algum tipo de tratamento (36,3% nas cem maiores cidades do país). O
resto, 62,1% do esgoto gerado, vai para os mananciais, os córregos e
rios, para as represas, as praias e o mar, sem receber
tratamento, o que representa uma descarga diária da ordem de 8
bilhões de litros de fezes, urina e outros dejetos. As 81 maiores cidades do
país, com mais de 300 mil habitantes, despejam por dia no ambiente 5,9
bilhões de litros de esgoto não tratado.
A bacia hidrográfica e os mananciais da região metropolitana de São
Paulo fornecem um bom paradigma desse problema típico do Terceiro Mundo.
Bastante limpas até os anos 1920, essas águas foram poluídas até a saturação
pelos resíduos sólidos urbanos, pelos resíduos industriais e pelo esgoto. O
mesmo ocorre no Rio Pinheiros. Segundo Stela Goldenstein 425:

"Só na região do Rio Pinheiros, levando em conta os resíduos produzidos


desde a Avenida Paulista até a margem e desde a região de Embu até a outra
margem, são lançados 17 m³ por segundo de esgoto. Desses, pelo menos 15
m³ são coletados pela rede. Mas nem todo esse esgoto coletado vai para a
estação de tratamento. Mesmo o esgoto coletado, que não vai direto para o rio,
acaba chegando às nossas águas por falta de uma rede mais completa”.

O empenho dos governantes brasileiros para alterar esse quadro


é pequeno. Nos oito anos do governo do Presidente Lula (2003-
2010) foram previstos apenas R$ 51,6 bilhões de recursos para
toda a área de saneamento (menos de 6,5 bilhões por ano, na
média). De fato, só foram aplicados R$ 26,5 bilhões (pouco mais
de R$ 3,3 bilhões por ano). O total dos investimentos em
saneamento durante esses oito anos é menor que o custo da
usina de Belo Monte, orçada em R$ 30 bilhões, custo assumido
na maior parte, direta ou indiretamente, pelos cofres públicos.
Eis os dados comparados da Abdib (Associação Brasileira da
Infraestrutura e Indústrias de Base) para o saneamento e para a infraestrutura
como um todo, incluindo transporte, energia elétrica, petróleo e gás,
telecomunicações e saneamento (em bilhões de reais) 426:

Saneamento Total de investimentos em infraestrutura


101

2003 4,6 63,3


2004 4,4 70,9
2005 4,8 84,7
2006 5,9 90,2
2007 5,3 107,4
2008 6,6 131,1
2009 8,8 149,7
2010 8,7 169,8
2011 7,9 173,2
2012 7,9 195,9
2013 7,9 227

Fonte: Arnaldo Comin, Carta Capital, 20/III/2013, a partir de dados da Abdib. 2012 e 2013 são estimativas

A regressão dos investimentos em saneamento é relativa e


absoluta (a partir de 2010), o que não se explica pela crise
econômica mundial, porque os investimentos em infraestrutura
como um todo não mostram desaceleração. Esse desprezo pela
questão socioambiental é confirmado por outro índice. Os
governos brasileiros investem pouco mais de um terço do que
propugna a Síntese dos Indicadores de 2009 da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE. Segundo esse
documento, dever-se-ia investir 0,63% do PIB brasileiro em
saneamento, ao invés da porcentagem de 0,22% investida. Um
estudo do Instituto Trata Brasil, intitulado “De olho no PAC”
(Programa de Aceleração do Crescimento, lançado em janeiro
de 2007), que acompanha a execução de 114 obras de
saneamento em municípios acima de 500 mil habitantes, mostra
que apenas 7% das obras foram concluídas até dezembro de
2011, 60% delas estão paralisadas, atrasadas ou ainda nem
iniciadas.

3.2. Resíduos sólidos urbanos

Entendem-se aqui resíduos sólidos urbanos (RSU ou MSW, Municipal


Solid Waste) nos termos definidos pelo Worldwatch Institute (WWI)427:

“RSU consistem em material orgânico, papel, plástico, vidro, metais e outros


rejeitos coletados pelas autoridades municipais, em geral de residências,
escritórios, instituições e estabelecimentos comerciais. RSU são um
subconjunto do universo do lixo e tipicamente não incluem lixo coletado fora
dos programas municipais formais. Nem incluem esgoto, lixo industrial, lixo de
construções e demolições gerados pelas cidades. E evidentemente RSU não
incluem lixo rural. RSU são medidos antes da coleta e seus dados incluem
material coletado que será em seguida reciclado”.

No século XX, a população mundial não chegou a quadruplicar,


enquanto os resíduos sólidos urbanos decuplicaram. Em 2025, o lixo urbano
102

dobrará de novo428. Em 1992, o volume de RSU produzido nos países


industrializados crescia a uma taxa de 3% ao ano 429. Vinte anos depois, em
2012, o lixo produzido pelas cidades terá crescido (estimativa) a uma taxa de
8% ao ano. Segundo o relatório do PNUMA de 2009: “estima-se que entre 2007
e 2011, a geração de RSU terá crescido em 37,3%, o equivalente a um
aumento anual de cerca de 8%”430.
O Worldwatch Institute (WWI) considera que o volume anual de RSU é
de 1,3 bilhão de toneladas e projeta para 2025 um aumento de 100% deste
montante, que atingirá, nesse caso, 2,6 bilhões de toneladas 431. Essas
estimativas pouco divergem das do Banco Mundial, adotadas pelo PNUMA.
Segundo o Banco Mundial, o mundo gerava em 2012 1,3 bilhões de toneladas
de RSU por ano, mas as estimativas desses órgãos são de que o lixo municipal
atinja em 2025 a cifra anual de 2,2 bilhões de toneladas, um aumento de 70%,
em todo o caso muito superior ao aumento da população mundial, que será
possivelmente da ordem de 15% até aquela data 432. Eis o quadro dos dados e
estimativas do último relatório do Banco Mundial, segundo o qual os RSU
“crescem ainda mais rapidamente que a taxa de crescimento da urbanização”:

População Urbana Geração de RSU por dia per capita


(bilhões) (quilos)

2002 2,9 0.64

2012 3 1,2

2025 4,3 1,42

“Mantidas as atuais tendências sócioeconômicas até 2100, projetamos”, afirma


Daniel Hoornweg e os co-autores de um artigo publicado na Nature, “que o
‘pico do lixo’ [momento em que sua curva ascensional se reverte] não ocorrerá
neste século”433.
Como seria de se esperar, os estudos do Banco Mundial, do WWI, da
EPA e da OCDE confirmam que os países industrializados não apenas geram
muito mais lixo que os demais, mas continuam numa escala ascendente. Entre
1980 e 2005, a quantidade de RSU per capita aumentou 29% na América do
Norte, 54% na UE15 e 35% na OCDE 434. Os países da OCDE geram mais de
dois quilos por dia per capita de RSU, sendo que em 2009 a Noruega gerou
2,27 kg por dia per capita. Na outra ponta, a China gerou no mesmo ano 0,31
kg por dia per capita435.

Geração per capita de resíduos sólidos municipais


(em kg/habitante/ano)

Fonte: OCDE (2009)


103

De seu lado, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) norte-americana indica


que entre 1960 e 2010 a produção diária de RSU per capita nos EUA quase
dobrou, passando de 1,2 quilo em 1960 para 2,3 quilos em 2010.

Geração de RSU e geração de RSU per capita


nos Estados Unidos (1960–2009).

Fonte: EPA, 2010

Brasil

Dois estudos abrangentes436, além dos dados do IBGE e da Abrelpe,


mostram que São Paulo está entre os três maiores polos produtores mundiais
de lixo e que o Brasil está entre os 10 maiores. Segundo o IBGE, em 2008,
cada brasileiro produziu em média 359 kg de resíduos sólidos. Em 2010, este
número subiu para 378 kg de lixo, ultrapassando a marca de 1 kg por dia per
capita. Essa média não deve ocultar a imensa desigualdade de renda, já que
em 2012 a produção de lixo per capita na favela do Morro Dona Marta, no Rio
de Janeiro, foi de apenas 0,53 kg437.
O “Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil”, publicado em 26 de abril
de 2011 pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e
Resíduos Especiais (Abrelpe), mostra uma clara piora da situação entre 2009 e
2010: “o Brasil produziu 60,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos
em 2010, quantia 6,8% superior ao registrado em 2009 e seis vezes superior
ao índice de crescimento populacional urbano apurado no mesmo período”. Em
2011 foram gerados cerca de 62 milhões de toneladas de RSU. Em apenas
cinco anos (2008-2012) houve um aumento de quase 20% no volume gerado
de RSU, como mostra o quadro abaixo438:

Ano RSU gerados no Brasil (em milhões de toneladas)

2008 53
2009 57
2010 60,8
2011 62
2012 63
Fonte: Abrelpe
104

Do total de 60,8 milhões de toneladas (2010), 22,9 milhões de toneladas


(42,4%) foram para lixões439 e aterros sem tratamento adequado em relação às
emissões de gás metano e chorume, e 6,5 milhões de toneladas não foram
sequer coletadas, poluindo rios, córregos e terrenos baldios. O quadro de piora
se confirma: 22,9 milhões de toneladas de lixo não tratado em 2010 contra 21,7
milhões toneladas em 2009. Em apenas um ano houve um acréscimo de um
milhão e duzentos mil toneladas de lixo não tratado e sem destinação
adequada. Embora o país disponha desde 2010 de uma legislação avançada
sobre o tratamento a ser dispensado aos RSU (Lei N° 12.305/2010, aprovada
após vinte anos de tramitações), na prática este tratamento não saiu do papel.
Segundo um estudo de 2012 do Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA), há
ainda no país 2906 lixões em 2810 municípios 440, e até agosto de 2012, apenas
9% das prefeituras haviam concluído os planos de gestão dos resíduos sólidos
e 49% nem sequer tinham iniciado os projetos. Além disso, conforme mostra
Maurício Waldman441:

“Entre 1991 e 2000, a população brasileira cresceu 15,6%. Porém, o descarte


de resíduos aumentou 49%. Sabe-se que em 2009, a população cresceu 1%,
mas produção de lixo cresceu 6%. Essas dessimetrias são também evidentes
em dados como os que indicam a metrópole paulista como o terceiro polo
gerador de lixo no globo. Perde apenas para Nova York e Tóquio. Mas
devemos reter que São Paulo não é a terceira economia metropolitana do
planeta. É a 11ª ou 12ª. Ou seja, gera-se muito mais lixo do que seria
admissível a partir de um parâmetro eminentemente econômico”.

3.3. Plástico

“A pegada humana de plástico é provavelmente mais


perigosa que a pegada de carbono”.
Charles Moore

Em 1663, Robert Boyle escrevia que se deve distinguir a técnica


mecânica em que o artífice (ferreiro, pedreiro, relojoeiro), “enquanto agente
inteligente e voluntário, dá, com auxílio das suas ferramentas, uma forma ou
figura adventícia à matéria que trabalha”, e a técnica química, “em que a
própria natureza, mais do que o artífice, parece desempenhar o papel principal
– é o caso dos ofícios de cervejeiro, padeiro, jardineiro, curtidor de peles 442. A
partir de meados do século XIX, essa dualidade repete-se dentro da indústria.
Assiste-se então à passagem de uma primeira fase da revolução industral, na
qual a indústria substituíra a manufatura pela máquino-fatura, reorganizando
brutalmente a força de trabalho e potenciando sua produtividade, para uma
segunda fase, caracterizada por uma nova capacidade de agir e transformar as
estruturas da matéria.
Essa passagem ao mesmo tempo estimula e é possibilitada por uma
quiet revolution na química orgânica, como a designa Alan J. Rocke 443: “Em
1860 havia cerca de 3.000 substâncias bem caracterizadas na literatura
química; esse número crescera sem parar durante as décadas precedentes,
dobrando a cada vinte anos aproximadamente. Por volta de 1860, essa
tendência acelera-se, de modo que a duplicação passa a ocorrer a cada nove
anos, sendo que essa taxa permanece desde então. Também relevante é a
centralidade da química orgânica nessa revolução – quase todos os novos
105

compostos aqui mencionados eram orgânicos – e a centralidade da teoria da


estrutura dentro da química orgânica”.
Em consequência dessa revolução, a indústria química, sob liderança
alemã, tomará a dianteira da revolução industrial. Já em 1848, no Manifesto
Comunista, Marx e Engels ressaltam “a aplicação da química na indústria e na
agricultura”444. Mas é somente entre finais do século XIX e inícios do século XX
que da costela da química industrial nasce a indústria petroquímica, cuja data
simbólica é o ano de 1907, quando Leo Baekeland, um belga radicado em
Nova York, inventou o bakelite, sintetizado a partir do alcatrão da hulha. O
baquelite é o primeiro de uma série de plásticos conhecidos como resinas de
fenol, série que inaugura a Idade do Plástico.
A alta densidade tecnológica do plástico torna sua história indissociável
da história das corporações, desde a Union Carbide and Carbon Chemicals Inc.
– um conglomerado industrial formado em 1917 por várias indústrias menores
e que em 1939 viria a absorver a própria Bakelite Corporation de Leo
Baekeland – até a Dow Chemical que absorveu por sua vez a Union Carbide
em 1999, passando pela Bayer, a American Catalin Corporation, a DuPont, a
General Electric, etc. Na segunda metade dos anos 1950, a General Electric e
a Bayer industrializam e comercializam em larga escala resinas epóxi e
policarbonatos à base de bisfenol-A (BPA). Mas já desde os anos 1930 a
indústria petroquímica começava a desenvolver o grupo de mais de 25
compostos químicos chamados ftalatos (derivados do ácido ftálico, ele próprio
derivado do naftaleno), utilizados, entre outras coisas, como aditivos para
aumentar a maleabilidade do plástico, sobretudo os PVCs. Tanto o bisfenol-A
quanto os ftalatos favorecem o desenvolvimento de toda uma nova geração de
plásticos cujas propriedades permitirão a esses materiais criar o universo
material do mundo contemporâneo.
Essa criação material será também uma recriação mental. Um marco da
história mental do século XX é a fundação da revista Plastics em Nova York em
1925 por Carl Marx445, um advogado de patentes químicas, pois o título desse
periódico consolida o termo genérico desses diferentes polímeros derivados do
petróleo. Consumava-se nessa operação uma metamorfose semântica.
Plasma e plastica designavam, em grego e em latim, o objeto modelado e a
arte de modelar em argila, com suas ressonâncias míticas, de Prometeu a
Yahweh. A palavra inglesa plastic adquirirá ressonâncias não menos
demiúrgicas. Assim como a grande sensação da Exposition Universelle de
Paris de 1889 fora a estrutura de ferro da Torre Eiffel, que se erguia à sua
entrada como um moderno Arco do Triunfo, a grande sensação da World’s Fair
de Nova York de 1939 – cujo mote Dawn of a New Day era a celebração do
futuro – será a exibição do nylon pela DuPont, anunciado como um substituto
da seda e como a “segunda pele” do homem contemporâneo.
Em toda a sua história até 1939, o homem fiara e tecera fibras animais e
vegetais. Doravante, ele se vestiria com materiais secretados por sua própria
indústria. Desde o segundo pós-guerra, a indústria do plástico começa a
vendê-lo como a solução para uma vida liberada do trabalho doméstico, na
qual tudo poderia se metamorfosear em plástico e ser descartado após o uso.
Uma foto da revista Life Magazine de 1955 mostra um casal descartando
euforicamente seus utensílios domésticos, sob o título Throwaway Living,
acompanhado pelo texto: Oh Joy, Oh Bliss! Disposable products are an
innovative way to make life easier. (A Vida descartável. Ó alegria, ó bem-
106

aventurança, produtos descartáveis são um modo inovativo de fazer a vida


mais fácil)446.
A madeira havia sido na idade pré-industrial, e por milênios, a matéria
por excelência dos artefatos humanos. Em latim, materia significava, ao mesmo
tempo, madeira e matéria. Havia então uma continuidade fenomenológica entre
a “matéria-prima” e os objetos manufaturados. O homem podia reconhecer em
sua habitação, em seus utensílios e em sua arte a madeira, a pedra, a argila, o
ferro, assim como reconhecia nas plantas e nos animais as fibras, a lã ou o
pelo de suas vestes. A cultura material era uma extensão do mundo que o
homem reconhecia fora de si próprio. A partir da segunda metade do século
XX, aos sentidos do homem urbano industrial, o mundo que o cerca se
apresenta como produto de uma síntese artificial da matéria, inexistente como
tal no mundo e que se substitui ao mundo. “Hoje”, recordando a fórmula de
Christian Godin, “nosso sentimento da natureza pareceria mais ao sentimento
que um surdo de nascença nutre em relação à música” 447.

O mundo como um continuum de polímeros

A Idade do Plástico revelou-se ser, na realidade, a Idade do Lixo 448. Hoje


ele é sinônimo de uma mercadoria qualquer, “feita na China”, barata, efêmera,
enésimo exemplar de um molde que o gera infinitamente sem lhe comunicar
valor afetivo ou estético, objeto nem bonito nem feio, apenas destituído de
dimensão estética, indigno de pátina, de história e de memória, algo que não
se torna lixo porque é congenitamente lixo.
Esse continuum não cessa de crescer. Segundo o PNUMA, nos últimos
20 anos, a indústria petroquímica vem crescendo a uma taxa anual de 8%. A
crise iniciada em 2007-2008 não deteve esse crescimento. Em 2010, ela
produziu 300 milhões de toneladas de plástico, parcela apenas muito pequena
da qual foi reciclada449. “Algumas estimativas indicam que 85% de todo o
plástico fabricado não é reciclado hoje” 450. Segundo a EPA, os Estados Unidos
geraram 31 milhões de toneladas de lixo plástico em 2010. Deste total, que
representa 12,4% de todos os resíduos sólidos urbanos, apenas 8% foi
reciclado naquele país, ou 12% se contados apenas os sacos plásticos e as
embalagens. No Brasil, segundo uma pesquisa da Plastivida, pertencente à
ONG Planeta Sustentável, mais de dois milhões de toneladas (2.177.799) de
plástico são descartados após o consumo e apenas 17,2% desse total é
reciclado. A Alemanha recicla apenas 32,1% de seu plástico pós-consumo.

BPA e ftalatos

É tal a amplitude do emprego do bisfenol A (BPA) e dos ftalatos na


indústria do plástico que estes compostos tóxicos tornaram-se quase sinônimos
de plástico. Sintetizado em 1891 por Alexandre Dianin, o bisfenol A (BPA) é um
composto orgânico resultante da reação entre dois equivalentes de fenol e um
de acetona. A partir dos anos 1960, ele começa a ser utilizado na fabricação de
policarbonatos e resinas epóxi, dada sua versatilidade (rigidez, transparência,
resiliência, leveza, etc) e a possibilidade de seu uso em uma miríade de
objetos, desde papel térmico, CDs, canetas, plastificante ou inibidor de
polimerização até óculos escuros, embalagens, revestimentos de latas de
conservas e recipientes diversos para alimentos e bebidas. Em 2009, foram
107

produzidas ao menos 3,6 milhões de toneladas de bisfenol-A. Em 2010, a EPA


reportou que mais de 500 toneladas de BPA são descartadas por ano no meio
ambiente norte-americano. O bisfenol A impregna hoje 90% da população
ocidental. Uma pesquisa realizada nos EUA em 2003 e 2004 pelos Centers for
Disease Control and Prevention (CDC) detectou BPA em 93% das 2517
amostras de urina de crianças de 6 anos ou mais velhas 451.
O BPA provoca disfunções e anomalias nos organismos animais e
humanos. Em 1996, demonstrou-se a toxicidade do bisfenol A em baixas doses
em animais. Em 2006, no Consenso de Chapel Hill, cerca de 40 pesquisadores
internacionais alertam para o fato que o bisfenol A causa perturbações neuro-
comportamentais, tais como ADHD, além de afetar o sistema endócrino e
reprodutor, dada sua capacidade de enganar os receptores dos estrógenos,
mimando os hormônios que os ativam 452. Ele foi associado à redução da
testosterona do feto, o que aumenta a probabilidade de câncer, e à fertilidade
futura de bebês cujas mães foram expostas a essa substância 453. Foi também
associado a malformações no feto como criptorquias ou hipopádia, cujas
ocorrências dobraram nos últimos 40 anos. Outros estudos associaram o BPA
com diabetes e cardiopatias e um estudo recente mostra seu impacto sobre a
audição animal e, talvez, sobre a audição humana 454.
Em 2009 e 2010, o Canadá e a União europeia proibiram o bisfenol A
nas mamadeiras. Em 2010, o uso de bisfenol-A em garrafas, copos e
mamadeiras foi proibido pela FDA dos EUA, a pedido das próprias
corporações, que temiam projetos de lei mais restritivos ao seu uso, então em
debate no Congresso norte-americano 455. A proibição vigora hoje para esses
três produtos em diversos países e desde 2011 também no Brasil. Mas não
apenas as corporações substituíram o bisfenol-A (BPA) pelo bisfenol-S (BPS),
igualmente nocivo ao menos no que se refere às disfunções endócrinas acima
apontadas456, mas o BPA continua sendo utilizado na fabricação de todos os
demais produtos, desde embalagens, inclusive de alimentos e revestimentos
de latas de alumínio a papéis reciclados, tintas de jornais, pastas de dentes,
em suma, em todo o mundo do plástico.
Dado que não há ligação covalente entre os ftalatos e os plásticos aos
quais são adicionados, sua liberação na atmosfera aumenta à medida que o
plástico envelhece e se decompõe. Alguns ftalatos, como o ftalato de dietila
(DEP) e o ftalato de dimetila (DMP), são voláteis, e encontram-se em
concentrações atmosféricas significativas inclusive em ambientes externos,
sendo o DEP perigosamente tóxico. Mesmo os ftalatos de menor volatilidade,
como o MBzP, o BBzP metabolite e o DEHP, encontram-se em concentrações
importantes em ambientes domésticos e agem sobre os organismos,
provocando disfunções endócrinas, sobretudo em gestantes, similares ao
bisfenol-A457. Uma pesquisa da Universidade de Karlstad na Suécia (a partir de
amostras de urinas de 83 bebês de 2 a 6 meses de idade) mostra a presença
de altas concentrações desses ftalatos adicionados aos pisos domésticos de
PVC, o que foi associado à ocorrência de asma, alergias e doenças crônicas
em crianças, além de disfunções endócrinas458.

3.4. A plastificação dos cinco giros oceânicos

“Comportamentos humanos e ações – acidentais ou intencionais – são


as fontes do lixo marinho. A maioria das fontes baseadas no mar do lixo
108

marinho provém de navios mercantes, balsas, cruzeiros, pesqueiros, frotas


militares, navios de pesquisa, embarcações de lazer, plataformas marítimas de
petróleo e gás e fazendas marinhas. (...) As fontes de lixo marinho baseadas
em terra originam-se nas zonas costeiras, incluindo praias, portos, marinas,
docas e margens de rios, lixões municipais localizados no litoral, rios, lagos e
lagoas usados como depósitos ilegais de lixo, transporte fluvial de lixos e
outras fontes terrestres, descargas de esgoto municipal não tratado, lixo
medicamentoso e turismo litorâneo”459. Calcula-se que, a cada ano, 6,4 milhões
de toneladas de lixo terminam no mar, sendo a maior parte de lixo plástico 460.
Tal como o petróleo, sua matéria-prima, o plástico boia no mar. Sob a
ação da luz solar e das ondas, ele se decompõe em fragmentos cada vez
menores até persistir como uma espécie de sopa de plástico composta de
microplásticos (nurdles), migalhas de plástico de apenas alguns milímetros.
Cada uma delas não apenas não se biodegrada como mantém suas
características químicas e sua toxicidade. Seu impacto sobre o ambiente
começou a ser melhor conhecido e estudado após 1988, quando a NOAA
previu a existência de grandes concentrações de plástico no Oceano Pacífico.
Em 1997, o capitão e oceanógrafo, Charles Moore, diretor da Fundação de
Pesquisas Marinhas Algalita, descobriu o chamado “Grande Depósito de Lixo
do Pacífico” (The Great Pacific Garbage Patch ou Pacific Trash Vortex), uma
área de lixo no giro oceânico do Pacífico Norte, composto sobretudo de
plástico, de dimensões indeterminadas, com avaliações variando entre 600 mil
km2 e “uma área duas vezes a dos Estados Unidos continental”, segundo a
densidade considerada. Em todo o caso, ela se expande “a uma taxa
alarmante”461.
Charles Moore entrou para a história do colapso marinho como o
campeão da tese de que “a pegada humana de plástico é provavelmente mais
perigosa que a pegada de carbono” 462. Também os navegadores Ivan e Glenn
MacFayden descrevem em 2013 o Pacífico como um oceano sem peixes, sem
aves, devastado pela sobrepesca industrial e coalhado de lixo, a ponto de pôr
em risco os cascos de suas embarcações463:

"Na proa, velejando ao norte do Havaí, podiam-se ver as profundezas do mar.


Pude ver que os detritos não estão apenas na superfície e que são de todos os
tamanhos, de garrafas de refrigerante a peças do tamanho de um grande carro
ou caminhão”.

Em maio e junho de 2013, Patrick Deixonne comandou uma expedição


científica ao “Grande Depósito de Lixo do Pacífico”, intitulada “7º Continente”,
no fito de filmá-lo, bem como quantificar e caracterizar os microplásticos e
demais poluentes. Na realidade, há mais outros quatro continentes de plástico.
Em 2009, atravessando a remo o Atlântico, o próprio Deixonne constata a
presença de um fenômeno semelhante e em 2010, uma equipe de
oceanógrafos coordenada por Anna Cummins descobriu no Atlântico Norte,
entre as Bermudas e os Açores, ainda outra área, de proporções também
imensas, para a qual as correntes marinhas fazem convergir outra sopa de
partículas de plástico, semelhante à do Pacífico Norte 464. Sabemos hoje que o
fenômeno do “grande depósito de lixo” se reproduz em cada um dos cinco giros
oceânicos, conforme a figura abaixo465.

Grandes Depósitos de Lixo nos cinco giros oceânicos


109

Fonte: Le Monde, 3/IV/2013

Como mostram dispositivos monitorados por GPS, os dejetos de cada um


deles migram e se interconectam com os outros. “Cada um deles contém tanto
plástico, que se você jogar uma rede nessas áreas retirará mais plástico que
biomassa”, afirma Erik Van Sebille, pesquisador do Centre of Excellence for
Climate System Science, da Austrália466.
Uma equipe de oceanógrafos coordenada por Giora Proskurowski retirou
amostras de água no Atlântico Norte tanto na superfície quanto em
profundidades de até 33 metros. O resultado da pesquisa permite concluir que
a presença de plástico em águas oceânicas é 2,5 vezes maior do que se
imaginava anteriormente. “Quase toda amostra coletada”, afirma Proskurowski,
“continha plástico em qualquer profundidade. (...) Em um dia de vento, pode
haver até 17 vezes mais plástico na água do que detectado na superfície”467.
Graças a uma expedição científica francesa que vem estudando, a bordo
de um veleiro de nome Tara Oceans, os mais diversos ambientes marinhos 468,
sabemos hoje que até mesmo as águas da Antártica, até há pouco
consideradas intocadas pelo lixo humano, estão poluídas de plástico. Amostras
retiradas de quatro diferentes estações do Atlântico Sul e da Antártica revelam
traços de plástico numa escala de 50 mil fragmentos por km 2, uma taxa
comparável à média global. Esses fragmentos provêm em geral de sacos e
garrafas de plástico, mas também, significativamente, de fibras sintéticas do
vestuário que se desprendem nas máquinas de lavar. Segundo Chris Bowler,
do Tara Oceans, “o fato de termos encontrado estes plásticos é um sinal de
que a presença de seres humanos é verdadeiramente planetária” 469.
Os grandes depósitos de lixo plástico nos oceanos estão destruindo a
vida marinha. Seu impacto sobre a fauna foi observado por biólogos e
oceanógrafos, já que peixes, pássaros e moluscos não podem digerir estes
fragmentos que eles ingerem involuntariamente ou confundem com plâncton,
águas-vivas ou outras fontes de alimentação. “A ingestão de partículas de
plástico pode causar bloqueio do trato digestivo, perfurar o intestino, resultar
em perda de nutrição ou causar uma falsa sensação de saciedade” 470. Esta
leva, por sua vez, à perda de peso, ao debilitamento e à menor capacidade de
migração a grandes distâncias, com aumento geral da taxa de mortalidade. Um
estudo do Greenpeace destaca estimativas segundo as quais entre 50% e 80%
das tartarugas marinhas encontradas mortas ingeriram plástico. Outro estudo
da University of Exeter sobre o comportamento da Arenicola marina, vítima da
110

ingestão de plástico, sublinha que há muitas outras espécies em risco, já que


seu comportamento alimentar é semelhante ao da Arenicola marina. “Estes
animais tendem a desempenhar importantes papeis na base da rede alimentar
marinha”471.
A poluição dos mares do Círculo Polar Ártico, outrora o mais preservado
do planeta, vem sendo acompanhada há dez anos pelo Instituto Alfred
Wegener (IAW), que compara fotografias do fundo do Oceano Ártico feitas em
2002, 2004, 2007, 2008 e 2011 a uma profundidade de 2500 metros e a 1,5 m
do fundo do mar472. Elas mostram que a quantidade de detritos industriais
fotografados nesse ambiente dobrou nesse período, em especial na seção
oriental do Estreito de Fram (entre o Oceano Ártico e o Mar da Groenlândia),
em direta relação com o aumento do turismo, que triplicou no período, e com
os navios de pesca, cujo número em torno da ilha de Spitzberg é hoje 36 vezes
mais elevado que antes de 2007. O número de detritos fotografados passou de
3635 elementos por km2 em 2002 para 7710 em 2011, atingindo densidades
similares, por exemplo, às do fundo do mar nas proximidades de Lisboa.
Resíduos plásticos representam 59% desses detritos, mas há um pouco de
cada ramo da indústria, desde a de papel até a de garrafas.

Microplásticos

Partículas minúsculas de plástico, chamadas microplásticos, são vetores


de intoxicação química dos mares, já que, ao se fragmentar, os plásticos
liberam toxinas e substâncias químicas que penetram na cadeia alimentar
marinha. Um estudo publicado em dezembro de 2012 no Bulletin of Marine
Pollution detectou a presença de microplásticos no trato gastrointestinal de
36,5% dos 504 peixes examinados pertencentes a dez espécies do Canal da
Mancha. Os peixes foram coletados a 10 km de Plymouth e a uma
profundidade de 55 metros473. Os microplásticos são agora mais numerosos
que fragmentos maiores. Eles estão infiltrando os ecossistemas e transferindo
seus aditivos e demais substâncias tóxicas para os tecidos também para os
pequenos organismos que os ingerem. Um estudo em laboratório, publicado na
revista Current Biology, mostra como microplásticos estão ameaçando
anelídeos como a Arenicola marina (lugworm), expostos à areia com 5% de
contaminação química (nonilfenol, fenantrene, Triclosan, contido no PVC e
PBDE-47) contida em microplásticos. Segundo esse estudo, “dado que a
contaminação global por microplásticos se acelera, nossos resultados indicam
que grande concentrações de microplásticos e aditivos podem danificar as
funções ecofisiológicas dos organismos” 474. Microplásticos podem, enfim,
carregar bactérias e algas para outras regiões do oceano, causando invasões
de espécies e desequilíbrios de consequências desconhecidas para os
ecossistemas marinhos.

3.5. Pesticidas industriais

Homero descreve como Ulisses fumigava sua casa para controlar pestes
e Plínio recomendava o uso de arsênico como inseticida. Tais práticas eram,
entretanto, pontuais, pois até o início da II Grande Guerra as pestes eram
controladas pelo que Clive E. Edwards chama de “métodos culturais” 475. Elas
111

não podem, portanto, ser consideradas como precedentes históricos dos


pesticidas industriais. São tão diversos o escopo, a escala, o raio de ação, a
permanência, a nocividade sistêmica e a letalidade dos pesticidas empregados
na era industrial, que estes se impõem como um fato novo na história da
humanidade e da natureza.

A guerra química e a guerra de antemão perdida

Dos anos 1920-1940 data o advento dos inseticidas organoclorados e


organofosforados, e dos herbicidas baseados em hormônios sintéticos,
inovação indissociável das pesquisas sobre armas químicas usadas durante a I
Grande Guerra pelos dois campos beligerantes. No período entreguerras,
armas químicas continuaram a ser utilizadas pela aviação inglesa, por
exemplo, em 1919 contra os bolcheviques e, em 1925, contra a cidade de
Sulaimaniya, capital do Kurdistão iraquiano. Embora não haja provas definitivas
de seu uso, elas o foram talvez também pelo próprio exército bolchevique, em
1921, para esmagar a rebelião camponesa de Tambov, a mais radical das 118
revoltas camponesas contrárias ao exército vermelho, reportadas pela polícia
política, a Cheka, em fevereiro de 1921476.
O exemplo dos grandes conglomerados de corporações alemãs criados
após a I Grande Guerra para devolver à Alemanha sua supremacia na indústria
química é proverbial. Em seu quadro de cientistas, a Degesh (Deutsche
Gesellschaft für Schädlingsbekämpfung – Sociedade Alemã para o Controle de
Pragas), criada em 1919, contava químicos como Fritz Haber (Prêmio Nobel) e
Ferdinand Flury, que desenvolveu em 1920 o Zyklon A, um pesticida à base de
cianureto, precedente imediato de outro inseticida, o Zyklon B, patenteado em
1926 por Walter Heerdt e usado sucessivamente nas câmaras de gás dos
campos de extermínio de Auschwitz-Birkenau e Majdanek. Outro exemplo é o
da IG Farben, de cujo desmembramento após 1945 resultou a Agfa, a BASF, a
Hoechst e a Bayer. Para esse conglomerado industrial alemão, em seu tempo a
quarta corporação do mundo, trabalhavam químicos como Gerhard Schrader
(1903-1990), funcionário da Bayer e responsável pela descoberta e viabilização
industrial dos compostos de organofosforados, que agem sobre o sistema
nervoso central. Esses compostos neurotóxicos são o princípio ativo ao mesmo
tempo de pesticidas como o bladan e o parathion (E 605) e de armas químicas
como o Tabun (1936), o Sarin (1938), o Soman (1944) e o Cyclosarin (1949),
as três primeiras desenvolvidas, ainda que não usadas, pelo exército alemão
na II Grande Guerra. Após a guerra, Schrader foi por dois anos mantido
prisioneiro dos Aliados, que o obrigaram a comunicar-lhes os resultados de
suas pesquisas sobre ésteres de fosfato orgânicos.
Os pesticidas industriais lançaram a espécie humana numa guerra
biocida, suicida e de antemão perdida. Como bem diz seu nome, um pesticida
industrial é um produto químico que visa exterminar “pestes”, vale dizer, toda
espécie que compita com a humana pelos mesmos alimentos ou tenha algum
potencial de ameaça à produtividade ou saúde de seus produtos 477. Dada a
impossibilidade de exterminá-las, pesticidas tentam controlar as populações de
uma ou mais espécies visadas ou afastá-las de uma dada plantação ou
criação. O princípio dá prova cabal da singular inteligência de nossa espécie:
envenenamos nossa comida para impedir que outras espécies a comam. As
doses do veneno, pequenas em relação à massa corpórea humana, não nos
112

matam. Mas, a longo prazo, nos intoxicam e adoecem, como demonstram as


pesquisas científicas478. Tanto mais porque somos obrigados a aumentar as
doses dos pesticidas e a combiná-los com outros em coquetéis cada vez mais
letais, à medida que as espécies visadas se tornam tolerantes à dose ou ao
princípio ativo anterior.

Aumento da produção, do consumo e da variedade dos pesticidas

Entre 1948 e 1990, a produção global de pesticidas atingiu 3 milhões de


toneladas ao ano, como mostra o gráfico abaixo.

Produção Global de Pesticidas


1940-1990 (em milhões de toneladas)

Fonte: David Tilman et al, “Forecasting Agriculturally Driven


Global Environmental Change” Science, 292, 281, 2001

Havia em 2007 “mais de 1055 ingredientes ativos registrados como pesticidas,


formulados em milhares de pesticidas disponíveis no mercado” 479. Há hoje 16
mil produtos vendidos como pesticidas e é constante o aumento de seu
consumo ao longo dos 15 anos de 1983 a 1998. Como mostra um documento
de revisão das pesquisas sobre pest management publicado pela FAO em
2003480, a taxa média de crescimento no consumo mundial de pesticidas
durante o quinquênio 1993-1998 foi da ordem de 5% ao ano em relação ao
período anterior 1983-1993.
Entre 2000 e 2012, as vendas de pesticidas pelas corporações
aumentaram em todas as regiões do mundo, como mostra o gráfico abaixo.

Evolução das Vendas globais de Pesticidas por Regiões


(2000 – 2012 em milhões de dólares)
113

Fonte: Infográfico da revista Science, Edição especial, 16/VIII/2013


http://www.sciencemag.org/site/special/pesticides/infographic.xhtml

Na América Latina, por exemplo (a segunda linha de baixo para cima), as


vendas, pouco superiores a 4 bilhões de dólares em 2000, mais que dobraram
em 2012, encostando nas vendas da América do Norte. Além disso, como faz
notar o texto na base desse gráfico, as corporações cobram menos por
produtos mais antigos (algumas vezes já proibidos nos países industrializados),
de modo a conseguir deles se desfazer nos mercados mais pobres.

Inefetividade crescente dos pesticidas

O aumento do uso de pesticidas cada vez mais potentes não se traduz


mais, hoje, contudo, em maior controle sobre as pestes. Dados de 1998,
reportados no documento da FAO acima citado, mostram que as perdas de
safra por causa de pestes eram então da ordem de 25% a 50%, dependendo
da cultura. O documento assim os comenta: “é perturbador o fato de que ao
longo dos últimos três ou quatro decênios, as perdas de colheitas em todas as
maiores culturas aumentaram em termos relativos”. E prossegue: “é
interessante notar que o aumento das perdas de colheitas é acompanhado por
um crescimento na taxa de uso de pesticidas”481.

Uso descontrolado dos pesticidas nos EUA e no Brasil

Em 1976, o presidente Gerald Ford assinou a Toxic Substances Control


Act (TSCA), marco legal regulatório dos níveis considerados seguros da
população a agentes químicos. Esta lei, referência de outras legislações fora
dos EUA, está defasada em relação ao que se sabe hoje sobre a ação tóxica
desses agentes sobre os organismos. Dois anos depois, em 1978, o
Congresso dos Estados Unidos autorizou a EPA a se valer de uma cláusula de
licenças condicionais (conditional registration) para licenciamentos de
pesticidas em casos de iminente ameaça à saúde pública, abreviando os
procedimentos ordinários de homologação de pesticidas em conformidade com
o Federal Inseticide, Fungicide and Rodenticide Act (FIFRA), lei estabelecida
em 1947 e, sob outra redação, em 1972. As corporações souberam aproveitar
a brecha, obtendo da EPA a aprovação nesse regime de urgência de 65% dos
114

16 mil pesticidas atualmente disponíveis no mercado norte-americano,


conforme uma pesquisa da Natural Resources Defense Council (NRDC),
publicada em 2013, baseada na qual esta ONG move hoje uma ação contra a
EPA482. De resto, essa Agência admite ter utilizado essa cláusula de liberação
condicional de pesticidas em 98% dos casos entre 2004 e 2010.
Desde 2009, o Brasil arrebatou dos Estados Unidos o primeiro lugar no
uso de agrotóxicos, utilizando 19% da produção mundial 483. Segundo o
Ministério da Agricultura, 1 bilhão de litros de agrotóxicos são usados por ano
no Brasil, o que equivale a cerca de 5 litros de agrotóxicos por ano per capita.
O gráfico abaixo mostra que as vendas de agrotóxicos no Brasil cresceram
mais de 100% a partir de 2007, atingindo em 2009 um crescimento de 172%,
impulsionado por isenções fiscais federais e por algumas isenções estaduais.

Crescimento das Vendas de Agrotóxicos no Brasil e no Mundo


(base = 2000)

Fonte: ANVISA, 2010

No Brasil, as indústrias de pesticidas tiveram em 2009 “uma receita líquida de


cerca de 15 bilhões de reais. Deste total, 92% foram controlados por empresas
de capital estrangeiro: Syngenta (Suíça), Dupont (Estados Unidos), Dow
Chemical (Estados Unidos), Bayer (Alemanha), Novartis (Suíça), Basf
(Alemanha) e Milenia (Holanda/Israel). (...) Vale mencionar que nestes dados
não estão incluídos as informações da receita da Monsanto - fabricante do
glifosato “round up”484. Segundo ainda Larissa Mies Bombardi, nos últimos
cinco anos, as receitas da Syngenta, por exemplo, triplicaram no país.

Aumento da toxicidade por resíduos nos alimentos

Os níveis de toxicidade por resíduos desses diferentes pesticidas


combinados, em frutas e verduras, têm sido acompanhados nos EUA 485. Entre
2003 e 2008, o número de amostras de frutas e verduras que trazem resíduos
de dois ou mais pesticidas aumentou nas seguintes proporções: resíduos de
dois pesticidas dobraram e resíduos de quatro ou mais pesticidas triplicaram.
Em 2003, uma em cada três amostras de frutas e verduras continha resíduos
de ao menos um pesticida, e uma em cada doze amostras continha resíduos
de mais de um pesticida. Em 2008, cerca de 8 em cada 10 amostras continham
ao menos um pesticida e uma em cada seis continham resíduos de quatro ou
115

mais pesticidas. De 1994 a 2008, o número de amostras de frutas e verduras


nas quais se detectaram níveis considerados perigosos de resíduos de
pesticidas e, portanto, proibidos pela EPA, decuplicou, passando de 5% a 50%,
com uma subida maior nos anos 2004-2008, como mostra o gráfico abaixo:

Porcentagem de amostras de frutas e verduras nos EUA


que excedem um ou mais níveis de tolerância admitidos pela EPA

Fonte: Environmental Working Group (EWG) a partir de dados da USDA (2011)

Na França, recordista no uso de pesticidas na Europa (62.700 toneladas em


2011), não há controle de pesticidas nas vinhas, que ocupam 3,7% da área
agrícola útil do país e consomem 20% dos pesticidas. Em 90% das amostras
de 300 vinhos da Aquitânia e do vale do Ródano (tomadas em 2007 e 2008)
detectaram-se ao menos 1 pesticida e até nove diferentes pesticidas em um só
vinho486. No Brasil, em 2010, 24,3% das 2.488 amostras de alimentos
analisadas estavam contaminadas com agrotóxicos não autorizados 487. Entre
1999 e 2009, o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas
(SINITOX – Ministério da Saúde/FIOCRUZ) registrou cerca de 62 mil
intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, ou seja uma a cada 90
minutos488.

Impacto ambiental

Ao atirar numa espécie com uma metralhadora giratória, os pesticidas


provocam “danos colaterais”: matam ou debilitam a fauna e a flora silvestres,
provocando desequilíbrios ecossistêmicos que promovem a emergência de
espécies oportunistas, por vezes tão ou mais ameaçadoras para as plantações
que as espécies visadas pelos pesticidas. Na Alemanha, na França e na
Austrália, os pesticidas permitidos por lei e usados em doses consideradas até
agora seguras revelam-se nocivos para a biodiversidade, afirmam os autores
de um artigo publicado na PNAS em 17 de junho de 2013 489:

“Pesticidas causam efeitos estatisticamente significantes em espécies e em


famílias em ambas as regiões [Europa e Austrália], com perdas de até 42% nas
populações taxonômicas registradas. Além disso, os efeitos na Europa foram
detectados em concentrações que a atual legislação considera ambientalmente
protetiva. Portanto, a atual avaliação de risco ecológico de pesticidas falha em
116

proteger a biodiversidade, tornando necessárias novas abordagens envolvendo


ecologia e ecotoxicologia”.

O tiro pela culatra é ainda pior quando os pesticidas matam espécies


benéficas ou mesmo imprescindíveis para as plantações, como é o caso dos
polinizadores, como se verá adiante (capitulo 8. Colapso da biodiversidade
terrestre, item: O declínio dos polinizadores).

OGM = mais pesticidas

As sementes transgênicas (OGM) começaram a ser largamente


comercializadas apenas a partir de 1996. As sementes transgênicas da
Monsanto são hoje utilizadas em 93% das culturas de soja, em 88% das
culturas de algodão e em 86% das culturas de milho nos Estados Unidos 490.
Sabe-se hoje ser enganosa a crença, induzida pela publicidade da Monsanto e
de outras corporações, de que os organismos geneticamente modificados
tenham de algum modo contribuído para a diminuição do uso de herbicidas e
inseticidas. As sementes geneticamente modificadas, chamadas Roundup
Ready (RR), da Monsanto, são capazes de resistir ao herbicida Roundup,
produzido à base de glifosato e há trinta anos o herbicida mais vendido no
mundo, inclusive sob outros nomes comerciais como o TOP UP48 na Tailândia.
Nos EUA, por exemplo, o glifosato era usado em 2004 em 80% das plantações
de soja. O glifosato (glicina + fosfato) é um herbicida sistêmico, isto é,
desenhado para matar quaisquer plantas, exceto as geneticamente
modificadas para resistir a ele. Seu uso tem trazido potenciais ou comprovados
malefícios à saúde humana, sendo associados por muitas pesquisas à maior
incidência de câncer, à redução da progesterona em células de mamíferos, a
abortos e a alterações teratogênicas por via placentária. Estas correlações
recorrentes foram demonstradas, por exemplo, por Andrés Carrasco, Professor
de embriologia da Faculdade de Medicina da Universidad de Buenos Aires,
diretor do Laboratório de Embriologia Molecular daquela Universidade e
pesquisador do Conicet (o CNPq daquele país) 491.
Que as sementes transgênicas tenham fomentado entre 1996 e 2008 o
uso de glifosato é fato documentado pelo Departamento de Agricultura dos
Estados Unidos, nas culturas do milho, da soja e do algodão 492: “As culturas
transgênicas foram responsáveis por um aumento de mais de 173 mil
toneladas [383 million pounds] no uso de herbicidas nos primeiros 13 anos de
comercialização de sementes transgênicas (1996-2008)”. Charles Benbrook,
aqui citado, informa ainda em seu abrangente trabalho sobre os transgênicos
que o aumento médio anual em libras (pounds) de glifosato aplicado ao
algodão, à soja e ao milho foi de 18,2%, 9,8% e 4,3% respectivamente,
aumentos que o gráfico abaixo permite melhor visualizar.

Taxa média de incremento do agrotóxico glifosato


segundo as culturas (1996-2008)
Acima: algodão (18,2%); linha intermediária: soja (9,8%);
abaixo: milho (4,3%)
117

Fonte: Charles Benbrook, Impacts of Genetically Enginereed Crops


on Pesticide Use: The First Thirteen Years”. The Organic Center, 2009

Como mostra Natasha Gilbert493, as sementes geneticamente modificadas são


vítimas de seu próprio sucesso. Pelo fato de seu uso exclusivo e excludente de
outros agrotóxicos, o glifosato é mais vulnerável ao círculo vicioso dos demais
agrotóxicos, pois as ervas espontâneas (chamadas “daninhas”) acabam por
adquirir mais rapidamente resistência ao agressor, tornando-se “super-ervas”
(superweeds), infensas a ele. Desde 1996, identificaram-se 24 “super-ervas”
resistentes ao Roundup, em 18 países, com impactos maiores na agricultura do
Brasil, da Austrália, Argentina e Paraguai, conforme afirma Ian Heap, diretor da
International Survey of Herbicide Resistant Weeds, sediada em Corvallis, no
estado de Oregon. Nos EUA, o exemplo do Amaranthus palmeri, uma erva que
compete com o algodão, é didático. Desde 1990, os fazendeiros norte-
americanos adotaram sementes de algodão geneticamente modificadas para
tolerar o glifosato Roundup da Monsanto, inicialmente com grande sucesso.
Em 2004, o Amaranthus palmeri foi encontrado num condado do estado da
Georgia. Em 2011, ele tinha se espraiado por 76 condados, com perdas de até
50% das plantações de algodão. Esse círculo vicioso leva à introdução de
novas sementes capazes de tolerar doses ainda maiores ou coquetéis mais
agressivos de agrotóxicos, tal como a nova semente de milho geneticamente
modificada pela Dow Chemical, capaz de resistir ao superpotente herbicida 2,4-
D. Esse fenômeno de resistência foi constatado na Argentina, o que levou a um
aumento progressivo das doses de glifosato e, finalmente, a uma perda de
fertilidade do solo, inclusive pelo desaparecimento dos microorganismos que o
revitalizam. Um estudo de David Mortensen, da Pennsylvania State University
prevê que as sementes OGM serão cada vez demandantes de herbicidas. O
estudo projeta que, em decorrência de sementes geneticamente modificadas, o
uso de herbicida nos EUA aumentará de 1,5 quilos por hectare em 2013 para
mais de 3,5 quilos por hectare em 2025494.
O mesmo círculo vicioso aplica-se aos inseticidas, em particular com os
assim chamados Bt crops, plantas geneticamente modificadas desde 1996 com
sequências dos gênes do Bacillus thurigiensis para expressar as proteínas
dessa bactéria de solo as quais têm efeito inseticida. Um estudo do
desenvolvimento de resistência às Bt crops, publicado em 2013 na revista
Nature Biotechnology mostra que “embora a maior parte das populações
permaneçam susceptíveis, reporta-se agora uma eficácia reduzida das Bt
crops causada pelo desenvolvimento de resistência por populações de cinco
118

das treze maiores espécies de pestes examinadas, em contraste com


populações resistentes de apenas uma espécie de peste em 2005” 495.
Constata-se em particular a nova resistência de um coleóptero (Diabrotica
virgifera virgifera) a uma toxina inseticida (Cry3Bb1) produzida por uma
variedade do milho transgênico no qual a Monsanto introduzira o gene desse
Bacillus thurigiensis (Bt). Diante dessa nova resistência, a Monsanto anunciou
a introdução de outro gene numa próxima variedade de milho transgênico,
numa “guerra santa” contra a natureza tão lucrativa quanto intoxicante além de,
cumpre repetir, fadada de antemão ao fracasso 496.

3.6. POPs e mercúrio

Na formulação de pesticidas, mas também de solventes, corantes,


conservantes, anticombustivos e muitos outros produtos, entram os compostos
químicos chamados Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), subprodutos
industriais resistentes à degradação ambiental através de processos químicos,
biológicos ou fotolíticos. Os POPs caracterizam-se também por terem baixa
solubilidade na água e alta solubilidade nos lipídios, o que leva à sua
acumulação nos tecidos gordurosos de um indivíduo e à sua transmissão ao
longo da cadeia alimentar. Essas duas características – bioacumulação e
bioamplificação – explicam porque os POPs são também designados pela sigla
PBT (Persistente, Bioacumulativo e Tóxico). Outro traço característico dos
POPs é serem semivoláteis, o que lhes permite viajar longas distâncias na
atmosfera (LRAT, long range atmospheric transport) antes de se depositarem497.
É múltipla a toxicidade dos POPs. Eles são considerados teratogênicos,
mutagênicos e carcinogênicos. Além disso, “POPs afetam a densidade dos
ossos. (...) Esses tipos de contaminantes encontrados em salmões cultivados
têm um efeito negativo sobre o desenvolvimento do cérebro e são associados
ao autismo, ao ADHD (Desordem de Hiperatividade e Déficit de Atenção) e a QI
reduzido. Sabemos também que podem afetar outros sistemas no corpo, tais
como o sistema imuno e o metabolismo” 498. Uma reportagem realizada pela
emissora de televisão France 2 qualificou o salmão produzido nas fazendas
aquáticas da Noruega como “o alimento mais tóxico do mundo”. O salmão
estoca em seus tecidos gordurosos um coquetel de PCBs, de dioxinas e de
outras substâncias tóxicas, além de ser alimentado por farinha de pequenos
peixes pescados no mar Báltico, muito poluído499.
Os POPs entraram na pauta do Conselho do PNUMA em maio de 1995.
Foram de início listados 12 produtos POPs, chamados dirty dozen na
Convenção de Estocolmo de maio de 2001, que proibiu ou regulou sua
fabricação em alguns países. Ela entrou em vigor em 2004, sendo emendada
em 2009500. Esses doze produtos foram agrupados em três categorias:

1. Pesticidas: aldrina, clordano, DDT, dieldrina, endrina, heptacloro,


hexaclorobenzeno, mirex e toxafeno;

2. Substâncias químicas industriais: hexaclorobenzeno e bifenilpoliclorados


(PCBs);
119

3. Subprodutos: hexaclorobenzeno, Dioxinas ou dibenzodioxinas


policloradas (PCDD); e bifenilpoliclorados (PCBs)

Em 2009, na quarta Conferência das Partes da Convenção de Estocolmo, a


lista de POPs enriqueceu-se com mais nove produtos. Em maio de 2013, na
sexta Conferência das Partes dessa Convenção, a lista de POPs incluiu entre
os POPs o hexabromociclododecano (HBCD), o que eleva essa lista para 23
substâncias, abrangendo inseticidas, fungicidas, raticidas, solventes, corantes,
conservantes e anticombustivos. Vejamos alguns de seus efeitos:

(1) inseticidas como aldrina e seu subproduto, dieldrina, heptacloro, mirex,


endrina, DDT, clordano, lindano, hexaclorobenzeno e toxafeno. A alcrina,
aplicada nos solos para matar insetos, pode matar também pássaros, peixes e
pessoas (a dose fatal para um homem adulto é cinco gramas). A exposição
humana à aldrina dá-se sobretufo através de laticínios e carne. A dieldrina foi o
segundo pesticida mais comumente encontrado nos controles do leite
pasteurizado nos EUA. O heptacloro é um inseticida muito estável, que pode
permanecer no ambiente por décadas. Já denunciado em 1962 por Rachel
Carson, o heptacloro é ainda permitido nos EUA no controle da formiga-de-fogo
(Solenopsis invicta). Ironicamente, acabou por fortalecer sua expansão
planetária, ao dizimar as espécies nativas que com ela concorriam. Resíduos
de heptacloro foram encontrados no sangue do gado dos EUA e da Austrália. O
mirex tem uma meia vida de até 10 anos. A endrina é um inseticida e raticida
usado no algodão, no arroz e no milho. Estima-se que pode permanecer até 14
anos no solo. A alimentação é a maior fonte de exposição à endrina,
considerada como indutora de câncer no fígado. O diclorodifenil tricloroetano
(DDT), que Rachel Carson tornou em 1962 o mais famoso dos inseticidas, foi
proibido nos Estados Unidos em 1972, mas no Brasil, apenas em 2009. O
clordano permanece longamente no solo, tem efeitos letais e afeta o sistema
imuno do homem, além de ser considerado carcinogênico. Ele foi detectado no
ar dentro de residências nos EUA e no Japão.

(2) Substâncias químicas industriais: hexaclorobenzeno e bifenilos policlorados


(PCBs). Os bifenilos policlorados (PCBs) são utilizados como anticombustivo
na fabricação de transformadores, condensadores, lubrificantes, isolantes,
tintas, adesivos, etc. Sua contaminação através da ingestão de peixes,
crustáceos e carne afeta a reprodutibilidade dos organismos com efeitos
teratogênicos e sobre a maturação sexual, efeitos que atravessam toda a
cadeia trófica. Até sua proibição em 2004 nos EUA, 99% de sua produção era
feita pela Monsanto;

(3) Subprodutos: hexaclorobenzeno, dioxinas ou dibenzodioxinas


policloradas (PCDD); e bifenilpoliclorados (PCBs). Trata-se de uma das mais
perigosas classes de substâncias criadas pela indústria química, usada na
fabricação de cosméticos, alvejantes e no papel branqueado com cloro. Uma
forma particularmente agressiva desses organocloretos é o agente laranja,
usado como desfolhante na Amazônia, fase preliminar do desmatamento,
sucedida por incêndios provocados do que resta da floresta, os quais liberam
essa substância na atmosfera (vide capítulo 1.6. O desmatamento total).
Segundo estatísticas oficiais norte-americanas, entre 1961 e 1971, os
120

bombardeiros dos EUA espargiram sobre o Vietnã 80 milhões de litros desse


herbicida, contendo 400 quilos de dioxina. Liberado na atmosfera pela
incineração de lixo (de PVC ou policloreto de polivinila, por exemplo, um
plástico não inteiramente derivado do petróleo), a dioxina deposita-se nas
pastagens e incorpora-se ao leite e às gorduras animais ingeridas pelo homem;

4. Furanos. Há 135 tipos de furanos, todos persistentes e carcinogênicos. São


utilizados na produção de PVC, no branqueamento industrial, como precursor
de aditivos para plásticos, na fabricação de perfumes, de produtos
farmacêuticos, de sedativos, etc;

5. hexaclorobenzeno (HCB), um fungicida, também usado como solvente e


como aditivo na produção de borracha, PVC, em corantes, foguetes, munições
e como conservador de madeiras. Ele se transmite pela placenta e pelo leite
materno. Em altas doses, é letal para alguns animais; em baixas doses, afeta o
sucesso reprodutivo. O HCB encontra-se em todo tipo de alimentação e em
100% das carnes controladas por uma pesquisa na Espanha;

6. os Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos (HAPs), uma classe de


compostos com ampla utilização na fabricação de compartimentos ambientais.
Formado na queima de petróleo e de seus derivados, sobretudo o diesel, bem
como na queima de carvão e gás de carvão, causam disfunções celulares.

7. os retardantes de chamas bromados, como o hexabromociclododecano


(HBCD) ou organobromados (BFR), substâncias neurotóxicas, utilizadas como
inibidores de ignição na fabricação de almofadas, travesseiros, plásticos,
texteis, móveis e produtos eletrônicos;

8. tributil estanhos (TBT), usado como verniz para barcos e considerada a mais
tóxica substância industrial dispersada nos meios marinhos. Seu consumo na
década de 1990 era da ordem de 50 mil toneladas por ano.

Alguns países não ratificaram a Convenção de Estocolmo, entre os quais


os EUA501. Outros, signatários tardios, não conseguem aplicar a legislação.
Além disso, 25 países podem, segundo a Convenção, continuar a produzir DDT
no combate à malária e há muitos outros exemplos de isenções. A produção de
hexabromociclododecano (HBCD) só começará a ser descontinuada na Europa
em 2015 e haverá derrogações maiores para outros países. Os POPs
continuam, portanto, em parte, a serem fabricados e se encontram, segundo R.
Kallenborn, “virtualmente em todos os ambientes do globo” 502.
Grande produtora de DDT nos anos 1950 e 1960, a então União
Soviética decidiu nos anos 1970 (na trilha aberta por Rachel Carson em 1962)
descontinuar sua produção e enterrou estoques colossais desse veneno em
Tegouldet, na região de Tomsk Oblast (Sibéria Ocidental), o que contaminou a
terra e o rio Tom. O caso não é excepcional. Algo como 250 mil toneladas de
pesticidas estão enterradas ou deixadas a céu aberto no território da ex-União
Soviética, em depósitos não repertoriados. Ninguém conhece o mapa desses
focos de envenenamento ambiental, conforme admite Piotr Tchernogrivov,
dirigente do Partido Verde na região de Tomsk. Segundo a FAO, do Azerbaijão
à Geórgia, passando pela Ucrânia e o Tadjikistão, contam-se dezenas de
121

milhares de sítios não protegidos de estocagem de pesticidas 503. O ex-Mar de


Aral, já mencionado no capítulo 2, é hoje um depósito a céu aberto de POPs 504.

O mercúrio

Mesmo quando mapeados, a gestão desses e outros focos de


envenenamento é cada vez mais problemática. É o caso das 44 mil toneladas
de rejeitos industriais não recicláveis de arsênico, cianeto, amianto e mercúrio
estocados nas antigas minas de potássio Joseph-Else, no subsolo de
Wittlesheim, na Alsácia. Parte do teto dos 100 km de suas galerias começou já
a desabar, tornando inacessível alguns dos recipientes que devem ter-se
rompido. Segundo Yann Flory, porta-voz do coletivo Déstocamine, uma
federação de ONGs e sindicatos que reivindica a retirada desse material: “Os
especialistas estão seguros que o maior lençol freático da Europa será em
breve atingido, pois a água se infiltra na direção dos rejeitos” 505.
Desde 1990 e a intervalos de cinco anos, o mercúrio foi objeto de
avaliações por parte do PNUMA (2002, 2008, 2013), a última delas com dados
de 2010506. Esses relatórios, base principal do que segue, sublinharam seus
danos para os sistemas endócrino, cardio-vascular, gastro-intestinal, hepático,
reprodutivo, etc. Ingerido na forma de metilmercúrio ou inalado em sua forma
gasosa, o mercúrio possui a capacidade de bioacumulação e de
bioamplificação. Tendo o poder de atravessar as barreiras placentária e
hemato-encefálica, sua ingestão ou inalação afeta as funções neuronais e
renais de todos os organismos animais, em particular na fase de
desenvolvimento do sistema nervoso. “O mercúrio é uma poderosa
neurotoxina, especialmente perigosa em fase pré-natal. Avaliar seu impacto
global é difícil, mas em algumas populações quase 2% das crianças nascem
com retardamentos mentais causados por envenenamento de mercúrio” 507.
O mercúrio é utilizado na produção de cloro, cimento, manômetros,
termômetros, disjuntores elétricos, lâmpadas fluorescentes, amálgamas
dentários, pilhas e baterias, pesticidas para a indústria do papel, tintas, certos
cremes e sabonetes clareadores de pele, catalisadores e reagentes de
laboratórios, cloreto de vinila (o monômero do policloreto de vinila, ou PVC), na
produção de metais secundários, na extração e transporte de gás e petróleo, e
na mineração em pequena escala de ouro e de prata, e como conservante
(timerosal) em produtos farmacêuticos e em vacinas. Concentrações mais ou
menos elevadas de mercúrio de origem antrópica contaminam os depósitos de
lixo, as minas abandonadas, alguns sítios industriais, os solos, a água e a
atmosfera (mercúrio elementar gasoso).

Principais fontes e aumento das emissões antropogênicas

Um relatório de 2013 do PNUMA mostra que a garimpagem artesanal e


a mineração de ouro em pequena escala são as principais responsáveis pelas
emissões antropogênicas de mercúrio (727 toneladas = 35% desse total em
2010), além de poluir rios e lagos. O segundo lugar cabe à queima de carvão
(475 toneladas = 24%). O terceiro e quarto lugares, à produção de metais
ferrosos e não-ferrosos e à de cimento, com 12% e 9% respectivamente. Em
quinto e sexto lugares vêm a mineração de ouro em larga escala e a
incineração do lixo, cada um com 5%. As demais atividades somam 10% desse
122

total. A avaliação do PNUMA não inclui ainda o mercúrio lançado à atmosfera


pela queima de florestas. Uma pesquisa realizada por Anne Hélène Fostier, da
Unicamp (IQ), mostrou que “são liberados, anualmente, 12 toneladas de
mercúrio com a queima de vegetação e do solo superficial apenas da floresta
amazônica (à taxa anual de 17 mil km2 no período entre 2000 e 2010)508.
O gráfico abaixo mostra o crescimento das emissões atmosféricas
anuais, conforme as diversas regiões do planeta entre 1990 e 2005.

Estimativas da evolução em toneladas das emissões antropogênicas de


mercúrio na atmosfera, segundo diferentes regiões do planeta (1990- 2005)

Fonte: PNUMA, 2013

O relatório de 2013 do PNUMA afirma: “De modo geral, há indicações de que


as emissões [de mercúrio] dos setores industriais aumentaram desde 2005” 509.
O mesmo relatório projeta uma tendência crescente nessas emissões para os
próximos decênios, com participação crescente, em relação a 2010, do
Extremo Oriente e Sudeste Asiático (39,7%), da África sub-sahariana (16,1%) e
da América do Sul (12,5%).

Emissões de mercúrio na atmosfera

“Os dados disponíveis”, afirma o relatório de 2002 do PNUMA,


“permitem supor que as concentrações de mercúrio na atmosfera aumentaram
por um fator de 3 aproximadamente” 510. O mercúrio é liberado na atmosfera por
incineradores de dejetos municipais, fundições, mineração de outros metais,
sobretudo o cinábrio, que, vaporizado, pode inclusive ser absorvido pela pele.
Em 2010, as emissões antropogênicas de mercúrio na atmosfera eram
estimadas em 1960 toneladas, com grande faixa de incerteza, oscilando entre
1010 e 4070 toneladas. Do total de emissões, antropogênicas e naturais, de
mercúrio na atmosfera, a participação das emissões antropogênicas diretas é
de 30%, as emissões provenientes de fontes geológicas naturais é de 10% e
os restantes 60% provêm de reemissões de mercúrio previamente liberado na
atmosfera e depositado nas florestas, no solo e nos oceanos. Estas reemissões
podem ser de origem natural ou antropogênica, com preponderância desta
última, observada a proporção de 3 para 1 nas emissões antropogênicas em
relação às naturais.

Liberação e metilação de mercúrio na água


123

Sempre segundo o relatório do PNUMA de 2013, a liberação global de


mercúrio na água é da ordem de 1000 toneladas por ano “no mínimo”, e suas
concentrações até 100 metros de profundidade nos oceanos dobraram nos
últimos cem anos, aumentando 10% a 25% em águas mais profundas. Ao
atingir as águas do mar através dos rios ou ao se depositar nele a partir da
atmosfera, o mercúrio sofre um processo de metilação e se transforma em sua
forma orgânica, de não menor toxicidade, o monometilmercúrio 511. Essa
transformação deve aumentar com a elevação das temperaturas marítimas na
proporção direta do aumento das taxas de atividade bacteriana que promove a
conversão de mercúrio inorgânico em mercúrio orgânico. Nesta forma, ele
atravessa a cadeia alimentar, conforme mostra um estudo apresentado por
Gary Stern512: “o aumento do mercúrio afeta o conjunto da cadeia alimentar:
algas, plâncton, peixes, mamíferos marinhos e ursos polares e, em seguida, o
homem. (...) Haveria duas vezes mais mercúrio na beluga e em certos peixes
que há vinte anos”. Segundo o relatório de 2002 do PNUMA, nos últimos 25
anos, a intoxicação das baleias brancas e das focas-aneladas duplicou ou
quadruplicou em certas regiões do Ártico canadense e da Groenlândia. Já o
relatório de 2013 afirma que “em algumas espécies de animais marinhos do
Ártico, a presença do mercúrio aumentou em média 12 vezes desde o período
pré-industrial”.
O FDA norte-americano advertia já em 2004 que “alguns peixes e
mariscos contêm níveis mais altos de mercúrio que podem danificar o sistema
nervoso de fetos e crianças pequenas” 513. Enfim, segundo o relatório do
PNUMA de 2002, em sua forma orgânica, o mercúrio é danoso também para os
organismos vegetais.
Em 19 de janeiro de 2013, após quatro anos de negociação, firmou-se
em Genebra um acordo chamado Convenção de Minamata pelo qual 130
países comprometem-se a cessar a exploração do mercúrio a partir de 15 anos
após a ratificação do acordo por ao menos 50 dos países co-signatários. Trata-
se de um passo timidíssimo. Além dessa ratificação mínima de 50 países não
ser imediata, os estoques acumuláveis nos próximos 15 anos e a reciclagem
permitirão o uso de mercúrio nas quantidades atuais muito além do prazo
estipulado, inclusive porque não se prevê a interrupção de sua
comercialização. Joe DiGangi, conselheiro e representante do IPEN
(International POPs Elimination Network) junto ao Strategic Approach to
International Chemicals Management (SAICM), manifestou sua frustração
diante dos insignificantes resultados desse acordo: “as medidas expressas pelo
tratado não estão à altura dos objetivos. Elas permitirão retardar o aumento das
emissões de mercúrio, mas não reduzi-las”514.

3.7. Material particulado e ozônio troposférico

A OMS atualizou em 2005 (após os guias de 1987 e 1997) os níveis


seguros para os organismos humanos da qualidade do ar. No que se refere ao
material particulado (particulate matter = PM), os limites de exposição (em
mícrons):

PM2,5 - 10 µg/m3 exposição média anual


- 25 µg/m3 exposição média durante 24 horas
124

PM10 - 20 µg/m3 exposição média anual


- 50 µg/m3 exposição média durante 24 horas

foram ultrapassados em várias cidades dos países “desenvolvidos” e em


praticamente todos as grandes cidades dos países “em desenvolvimento”. A
Agencia Europeia de Meio Ambiente calcula que, entre 2009 e 2011, 96% da
população urbana da UE esteve exposta a concentrações de partículas finas
superiores aos limites que a OMS considera toleráveis 515. Nove áreas urbanas
no Reino Unido ultrapassaram ligeiramente as concentrações de PM10
consideradas seguras pela OMS516. Paris atingiu em março de 2014 um pico de
PM10 de 100 µg/m3, enquanto 20 grandes cidades chinesas convivem com
níveis de concentração de PM10 entre 100 µg/m 3 e 150 µg/m3. Delhi, capital da
Índia, conhece concentrações de PM10 de 286 µg/m 3 e Peshawar, no
Paquistão, atingiu um nível de concentração de PM10 de 540 µg/m 3.
Globalmente, os níveis de concentração de PM10 aumentaram 6% no triênio
2011-2013 em relação às mensurações do triênio anterior publicadas em
2011517.
Dez anos atrás a avaliação da OMS era a de que 518: “mais de 2 milhões
de mortes prematuras cada ano podem ser atribuídas aos efeitos da poluição
do ar em ambientes abertos e fechados (causados pela queima de
combustíveis sólidos)”. Sua nova base de dados (2008-2013) publicada em
2014, cobrindo 1600 cidades em 91 países, alerta para o fato que a poluição
atmosférica em ambientes externos foi reponsável em 2012 pela morte
prematura (abaixo da idade de 60 anos) de 3,7 milhões de pessoas. No total
(incluindo poluição em ambientes externos e internos), mais de 7 milhões de
pessoas morreram em 2012 por causa da contaminação ambiental 519.
Hoje, apenas 12% da população mundial urbana reside em cidades com
qualidade do ar compatível com os níveis que esse organismo da ONU
considera toleráveis, o que torna, “doravante, a má qualidade do ar o principal
risco ambiental para a saúde no mundo” 520. Cerca de metade da população
urbana monitorada pela OMS convive com níveis de poluentes atmosféricos ao
menos duas vezes e meia mais elevados que os recomendados. Na maior
parte das cidades em que há dados suficientes para comparar a situação atual
com situações anteriores, a poluição atmosférica está piorando.

Ozônio troposférico

Os óxidos de nitrogênio – óxido nítrico (NO), o dióxido de azoto (NO 2) e


o óxido nitroso (N2O) –, o monóxido de carbono e os chamados compostos
orgânicos voláteis (VOC), liberados pelos motores de explosão e pela indústria,
reagem com as moléculas de oxigênio no ar e, pela ação fotoquímica (UV),
formam ozônio na troposfera. Nessa camada baixa da atmosfera, o ozônio
torna-se um poluente secundário, isto é, formado por poluentes primários,
como o óxido nitroso (N2O) e os VOC521.
Identificam-se três consequências maiores dessa poluição. A primeira é
seu impacto sobre o aquecimento global, já que o ozônio é um gás de efeito
estufa. O terceiro relatório do IPCC (2001) define o ozônio na troposfera como
o terceiro fator mais importante entre os gases produtores de efeito estufa
(após o CO2 e o metano).
125

A segunda consequência é de ordem sanitária, já que o ozônio é um gás


muito danoso para a saúde animal e humana. Nos seres humanos, o ozônio
irrita os olhos e o conjunto do sistema respiratório, desde as mucosas do nariz até
os alvéolos dos pulmões, causando náusea, tosse, lacrimejamento, dores de
cabeça e dores no peito. Ele age de modo igualmente lesivo no sistema
cardiovascular. Um experimento publicado em 2012 na revista Circulation da
American Heart Association confirma estudos anteriores, mostrando que “a
exposição humana ao excesso de ozônio pode causar um aumento nos
marcadores vasculares de inflamação, mudança nos marcadores de fibrinólise
bem como nos marcadores que afetam o controle autônomo do batimento
cardíaco”522. O artigo fornece maior plausibilidade biológica aos estudos
epidemiológicos que associam mortalidade e exposição a concentrações
maiores de ozônio na troposfera.
A respiração humana num ambiente não-poluído, absorve em geral 10 a
15 partes de ozônio por bilhão de parte de ar (10-15 ppb). Estima-se que ao
longo do século XX as concentrações de ozônio nas troposfera das grandes
cidades tenha aumentado 100 a 200%. Mas na primavera e no verão de várias
cidades, o ozônio atinge 125 ppb, dez vezes mais, portanto, que no ar não
poluído. “Nos EUA”, afirma Jeannie Allen, “a Agência de Proteção Ambiental
(EPA) estabeleceu como padrão nacional de qualidade de ar (National Ambient
Air Quality Standard) a exposição máxima por oito horas de 80 ppb de ozônio,
mas admite que a exposição a menores níveis de ozônio por vários anos pode
prejudicar significativamente a saúde humana, especialmente a das
crianças”523. As mensurações de ozônio nos grandes centros urbanos do
planeta mostram um acréscimo substancial ano a ano, com aceleração desde
1980 e subsequente estabilização (e em alguns casos ligeiro decréscimo) a
partir de 2000, em níveis, entretanto, considerados demasiado elevados 524.
Esta estabilização se deve a uma legislação mais rigorosa contra as grandes
montadoras, graças à qual as emissões pelos veículos de gases precursores
de ozônio diminuíram relativamente nos EUA e na Europa. Mesmo os cientistas
que consideram subestimadas as concentrações de ozônio na era pré-
industrial convêm que os níveis de concentração atuais em áreas remotas do
Japão representam no mínimo o dobro em relação aos níveis iniciais 525.
No Brasil, a situação é particularmente grave, dada a presença maior de
poluidores primários nos combustíveis. “Em que pese todos os avanços da
ciência nestas duas últimas décadas sobre atualização de valores indicadores
de qualidade do ar para evitar agravos à saúde humana, nada foi incorporado à
normatização” brasileira, afirma Carlos Alberto Hailer Bocuhy, Presidente do
PROAM-Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, em ofício à Ministra do Meio
Ambiente, Izabella Teixeira em agosto de 2013 526. Os dados da CETESB
(Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) mostram um aumento
contínuo do número de dias em que altas concentrações de ozônio na região
metropolitana de São Paulo ultrapassaram o Padrão de Qualidade do Ar (160
mg/m3) estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2008, a
desconformidade com esse padrão ocorreu durante 49 dias, em 2009, durante
57 dias, em 2011 houve uma salto para 96 dias. A concentração anual máxima
em São Paulo em 2008 foi de 279 mg/m 3, enquanto em outras cidades do país,
as concentrações anuais máximas foram de 188 mg/m 3 em Curitiba, 233 mg/m3
no Rio de Janeiro e de 300 mg/m 3 em Belo Horizonte. De 2011 para 2012, o
número de pacientes internados nos hospitais que atendem a rede pública em
126

Belo Horizonte, Betim e Ibirité cresceu 13,6%, de 9.058 para 10.294” 527.
Segundo o relatório anual de qualidade do ar da Cetesb, “a região
metropolitana de São Paulo atingiu em 2012 o pior índice de poluição por
ozônio (O3) nos últimos dez anos. (...) O ozônio ultrapassou o padrão diário de
qualidade do ar (150 partículas inaláveis) durante 98 dias” 528. Isto significa que
em apenas cinco anos (2008-2012) o número de dias em que a população da
grande São Paulo ficou exposta a concentrações atmosféricas de O 3 danosas
para a saúde humana dobrou, como mostra a progressão abaixo.

Dias em que as concentrações de O3 na Grande São Paulo


ultrapassaram o Padrão de Qualidade do Ar estabelecido pela OMS

2008 – 49
2009 – 57
2011 – 96
2012 – 98

A terceira consequência (após seus efeitos na atmosfera e na saúde dos


organismos animais) reside no fato que o ozônio retarda a fotossíntese em
alguns vegetais, dificultando sua fixação de carbono. Este impacto é importante
e tem sido medido em certas colheitas na Ásia. Segundo o que reporta o
trabalho Tropospheric Ozone a Growing Threat (2005), acima citado, Wang e
sua equipe estimam que a colheita de trigo sofreu em 2000 redução de 25% na
bacia do rio Yangtze, na China, onde ocorreram concentrações médias diárias
de ozônio de aproximadamente 60 ppb entre abril e junho. Para o arroz, o
mesmo trabalho calculou uma perda de colheita da ordem de 7%. Em um
trabalho publicado em 2004, Wang e Mauzerall projetam que em 2020 a
produção total de soja, milho e trigo invernal na China será reduzida entre 40 e
60%, sendo a China a maior produtora mundial de trigo, a segunda em milho e
a quarta em soja. E concluem:

“As perdas de colheita por causa do ozônio têm fortes implicações para o fornecimento
global de comida no futuro” (the crop losses to ozone have very strong implications for
the global food supply in the future).

Na França, por volta de 2005, os pesquisadores do Institut National des


Recherches Agricoles (INRA) avaliaram perdas de 5% a 10% nas colheitas de
trigo da Ile-de-France, ao longo do decênio precedente, tão somente pela
difusão do ozônio produzido na região parisiense 529. Segundo estimativas
publicadas em janeiro de 2013 por uma equipe de pesquisadores coordenada
por Pierre Humblot, “uma comparação entre cenários moderados e elevados de
concentração de ozônio em 2030 mostra que a produção de trigo pode
decrescer mais de 30% e a produção de cevada pode crescer mais de 14% à
medida que tais concentrações de ozônio aumentam” 530. O aumento das
colheitas de cevada seria causado pela transferência de investimento para
essa cultura mais resistente ao ozônio.

3.8. Terras raras

As terras raras têm um peso crescente no processo de intoxicação do


planeta. Embora não abundantes em altas concentrações na crosta terrestre,
127

esses elementos químicos são chamados raros pela dificuldade de separação


das rochas em que estão incrustrados e de refino. Na tabela periódica dos
elementos, 15 dos 17 elementos desse grupo pertencem aos lantanídeos (LNS,
elementos com número atómico entre Z=57 e Z=71), aos quais se juntam, por
suas semelhantes propriedades, o escândio (Z=21) e o ítrio (Z=39)531.
Terras raras são usadas na fabricação de telas e discos rígidos de
laptops, televisores, telefones celulares, smartphones, IPads, MP3, GPS etc.
Outros usos são: catalizadores no refino de petróleo, conversores catalíticos de
motores de carros, ligas de metal para aeronaves, escaneadores usados em
aparelhos de Raio-X e de imagens por ressonância magnética, filtros de
radiação ultravioleta, polimento de vidros e lentes para a indústria eletrônica,
câmaras fotográficas e telescópios, baterias de níquel (NiMH), cerâmicas de
alta resistência, baterias de carros híbridos, corantes para plásticos baseados
em cério, magnetos para alto-falantes e para turbinas eólicas, etc. Importantes
também são suas aplicações na indústria bélica: visores noturnos, sistemas de
condução de smart bombs e mísseis de alta precisão (precision-guided
weapons) e dissimuladores em tecnologia de camuflagem (white noise), etc.532
As reservas provadas globais de terras raras montam a 99 milhões de
toneladas, mais da metade das quais distribuídas entre a China, a Índia, os
Estados Unidos o Canadá, o Brasil e a Austrália. A China detém a maior parte
dessas reservas e 95% do consumo global dessas commodities provém de
suas minas. A razão desse quase monopólio é que, até há pouco, o custo
ambiental da exploração desses minerais desencorajava a nela se aventurar
qualquer país com um mínimo senso de autopreservação ambiental. Por
exemplo, os custos de reparação da fuga de fluídos radioativos na extração de
terras raras pela Molycorp, ocorrida no final dos anos 1990 em Mountain Pass,
na Califórnia, inviabilizaram a continuidade do empreendimento e levaram ao
fechamento da mina em 2002.
Com o aumento da demanda internacional por terras raras, a China
impôs cotas de 35% nas exportações em 2011 (e embargo de exportações
para o Japão), o que teve imediata incidência sobre os preços. Nesse contexto,
corporações como a Molycorp, Vale, Rare Element Resources do Canadá e a
Lynas Corporation da Austrália aumentam ou planejam aumentar a extração e
o refino de terras raras nos EUA, Canada, Austrália, Malásia, África do Sul,
Índia, Mongólia e Brasil. Em 2013, a China já é responsável por apenas 85%
da produção mundial, o que significa que a devastação ambiental causada
pelas terras raras tende a se disseminar 533. “No Brasil, a Vale, uma gigante da
mineração, considera a possibilidade de utilizar as instalações de uma mina de
cobre na Amazônia para o refino de terras raras” 534. Em 2012, a Molycorp
reabriu sua mina em Mountain Pass e a Universidade de Tóquio anunciou a
descoberta de vastos depósitos de terras raras envoltas no lodo do solo do
Oceano Pacífico e o Japão prepara-se agora para explorá-los 535.
Pesquisas sobre a toxicidade dos lantanídeos mostraram que
concentrações elevadas desse grupo de elementos na água inibiram em 50% o
crescimento de algas monocelulares 536. Outras pesquisas indicam que crianças
expostas a lantanídeos mostraram mudanças em seu QI, capacidade vital,
pressão arterial, e no batimento cardíaco após exercícios, sugerindo efeitos
desses elementos sobre o sistema neuronal 537. A mineração e o refino desses
minerais, bem como a disposição dos rejeitos desses processos, produzem
exposição ao tórium e ao urânio que se encontram junto a eles. O impacto
128

ambiental da mineração, em geral a céu aberto, destrói os ecossistemas


circunstantes. Seu refino requer o uso de quantidades importantes de ácidos
tóxicos e produz “tremendas quantidades de rejeitos químicos” (EPA) que
contaminam o solo, a atmosfera e sobretudo a água 538.
Na China, as operações de extração e refino de terras raras são
exercidas por corporações estatais ou pela Molycorp. Mas no sul do país,
sobretudo na província de Guandong, operam minerações ilegais controladas
pelo crime organizado, que as contrabandeia em parte para o Vietnã, despeja
“toneladas de ácido sulfúrico entre outras substâncias químicas nos rios e polui
milhares de hectares de terras agricultáveis. (...) Cerca de metade da oferta
mundial de terras raras pesadas, as mais valiosas, provém de operações
ilegais no sul da China”539. Segundo um artigo publicado na Chinese Society of
Rare Earths540:

“Cada tonelada de terra rara produzida gera cerca de 8,5 kg de fluorina e 13 kg


de poeira. O uso de técnicas de calcinação em altas temperaturas com ácido
sulfúrico para produzir cerca de uma tonelada de terra rara calcinada gera 9,6
mil a 12 mil metros cúbicos de rejeitos de gás contendo poeira concentrada,
ácido fluorídrico, dióxido de enxofre e ácido sulfúrico, aproximadamente 75
metros cúbicos de água ácida de rejeito e por volta de uma tonelada de
resíduos radioativos (contendo água). (...) A indústria de terras raras na região
de Baotou produz cerca de dez milhões de toneladas por ano de todas as
variedades de águas de rejeito, [e a maior parte delas] é descartada sem
tratamento efetivo, contaminando a água potável para uso doméstico e a água
para a irrigação das plantações”.

As terras à volta de Baotou, na Mongólia interior, outrora utilizadas para


o cultivo de trigo e milho, e o reservatório de 10 km 2 criado a alguns
quilômetros da cidade, na Mongólia interior chinesa. A pouco mais de 10
quilômetros ao norte da bacia hidrográfica do Rio Amarelo, que abastece de
água 150 milhões de pessoas, esse “lago” é hoje um coquetel letal de
substâncias tóxicas, onde se concentram elementos radioativos como o torium,
cujo contato provoca câncer do pâncreas, do pulmão e do sangue 541. Um
engenheiro chinês que preferiu guardar o anonimato declarou em 2010 a Keith
Bradsher, do The New York Times, que o lodo do fundo desse reservatório tem
causado uma lenta expansão de radioatividade nos lençóis freáticos, expansão
que se aproxima do Rio Amarelo a uma taxa de quase 300 metros por ano 542.

3.9. Lixo eletrônico

O lixo eletrônico, um dos de mais alta toxicidade, é o que mais cresce,


três vezes mais rápido, por exemplo, que os resíduos sólidos urbanos.
Segundo um documento de 2009 do PNUMA 543, elaborado por especialistas
comissionados pelo StEP (Solving the E-waste Problem), em 2005 foram
colocados no mercado da União Europeia 48 milhões de computadores
(desktops e laptops) e cerca de 36 milhões de TVs. Nos EUA, em 2006, o
mercado recebeu mais de 34 milhões de TVs e de telas, fabricaram-se 24
milhões de PCs e 139 milhões de comunicadores portáteis, incluindo celulares,
pagers e smartphones. Na China, cerca de 14 milhões de PCs e mais de 48
milhões de TVs foram vendidos em 2005. A Índia tinha em 2006 uma base
129

instalada de 5 milhões de PCs, e sua indústria de PCs cresce 25% ao ano. A


GSMA (a Associação Internacional de Operadores de Telefones Celulares)
estima que em 2006 foram vendidos 896 milhões de telefones celulares no
mundo e 1 bilhão e 200 milhões o foram em 2007. Em 2013, foram vendidos,
pela primeira vez, mais de 1 bilhão de smartphones operando o sistema
Android, uma progressão de 38,4% em relação às vendas globais de 2012 544.
Segundo a Eurostat, em 1997 havia na Europa 12 assinaturas de celulares
para cada 100 habitantes; em 2008, havia 122 assinaturas para cada 100
habitantes.
Em 2005 foram produzidos cerca de 40 milhões de toneladas de lixo
eletrônico. Em 2012 o montante saltou para 48,9 milhões de toneladas, 7 quilos
por habitante do planeta, um aumento de mais de 20% em 7 anos 545. Como
seria de se esperar, dos EUA e da União Europeia provêm os maiores pesos
de lixo eletrônico per capita em 2012.

Quilos de lixo eletrônico por habitante em 2012

EUA 29,8
União Europeia 19,2
Alemanha 23,2
Reino Unido 21,8
França 21,1
Fonte: StEP - Solving the E-waste Problem (em rede)

Na Europa, o lixo eletrônico deve mais que dobrar entre 1998 (UE15) e 2020
(UE27). Em 2007, estimava-se a seguinte progressão da quantidade de lixo
eletrônico gerado pela União Europeia546:

Lixo eletrônico gerado pela União Europeia


(em milhões de toneladas)

1998 (UE15) - 6
2005 (UE27) - 8,3 a 9,1
2020 (UE27) - 12,3

Um telefone celular é jogado em média no lixo após 18 meses de uso e


apenas em 2007, mais de 155 milhões de telefones celulares foram jogados
fora no mundo, sendo que em geral 400 milhões de produtos eletrônicos são
descartados anualmente. A ABI Research calculou que apenas 13% do lixo
eletrônico mundial é reciclado. O resto vai para depósitos de lixo ou é
incinerado, liberando substâncias tóxicas. O lixo eletrônico (WEEE ou e-waste)
é um veículo de intoxicação química do planeta. Em cada telefone celular
existem 43 elementos da Tabela Periódica, como mostra a imagem abaixo:

Os 43 elementos contidos num telefone celular


130

Fonte: UMICORE, 2008, StEP/UNEP, 2009, a partir de dados da Nokia

Sua incineração libera na atmosfera partículas de lítio (Li), Ítrio (Y), chumbo
(Pb), zinco (Zn), antimônio (Sb), tantálio (Ta), cobalto (Co), berílio (Be), níquel
(Ni), arsênio (As), titânio (Ti) e outras substâncias tóxicas, inclusive as contidas
em seus componentes de plástico. Além disso, mesmo as substâncias não-
tóxicas têm um enorme impacto ambiental em seus processos de extração e
produção industrial. Como afirmam os autores do documento do PNUMA acima
citado, “consideráveis quantidades de terra são usadas pela mineração, com
desperdício de água, criação de dióxido de enxofre (SO 2), grande dispêndio de
energia e emissões de CO2. Geram-se, por exemplo, 10 mil toneladas de CO 2
na produção de uma tonelada de ouro, paládio ou platina”.
O mesmo vale para os computadores. Segundo um documento da
UNEP/GRID-Arendal, em média um computador usa547:

Plástico 23%

Metais ferrosos 32%

Metais não-ferrosos 18% (chumbo, cadmio, antimônio, berílio, cromo e mercúrio)

Placa eletrônica 12% (ouro, paládio, prata e platina)

Vidro 15%

Apenas 50% de um computador pode ser reciclado e suas partes de plástico


não o podem por conterem retardadores de chamas. A toxicidade do lixo
produzido por seu descarte advém sobretudo do chumbo, do mercúrio e do
cádmio.

A exportação de lixo eletrônico

Catástrofes ambientais causadas pelas corporações 548, como a de 1976


em Seveso, na Lombardia, ou a de 1986, quando do despejo 14 mil toneladas
de cinzas tóxicas no Haiti e no mar pelo navio cargueiro Khian Sea, conduziram
à Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de
Resíduos Perigosos e seu Depósito, assinada em 1989 por 166 países, em
vigor a partir de 1992 e emendada em 1998. Os Estados Unidos não
131

ratificaram esse acordo. Mal dispostas a arcar com os custos impostos pela
legislação, as corporações reciclam 12,5% desse material e exportam 80%
dele, sobretudo para a China e o Vietnã, através do porto de Hongkong. A
Europa exporta seu lixo eletrônico, em geral ilegalmente, para os países da
Europa do Leste, para o Paquistão, Índia e China, Egito, Senegal, Costa do
Marfim, Benin, Nigéria e Gana. Em Accra, capital deste país, o mercado de
Agbogbloshie é considerado uma catástrofe sanitária: “os fios elétricos são
queimados, os poluentes lançados ao solo, os níveis de chumbo, arsênico e
cádmio, muito elevados nas descargas. Fumaças acres elevam-se dos
produtos queimados e as pessoas que fazem suas compras as respiram. As
partículas de poluição impregnam também os alimentos, em seguida ingeridos,
o que provoca dores de cabeça e irritações na pele. Suspeita-se, sobretudo,
mesmo que não haja como provar, que a longo prazo elas sejam
cancerígenas”, afirma Samson Atiemo, um especialista do problema no país 549.
Mais permissiva que a europeia, a legislação norte-americana permite a
exportação de lixo eletrônico a partir dos Estados Unidos. “Apenas no porto de
Hong Kong, atracam por dia até 100 contentores de lixo em proveniência
daquele país [EUA] e do Canadá (...) O volume de papel, plástico e lixo
metálico exportado da Europa decuplicou entre 1995 e 2007 (...), com 20
milhões de contentores de lixo sendo exportados anualmente, hoje, legal ou
ilegalmente”550. O mapa das rotas de exportação de lixo eletrônico foi
reconstituído pela Greenpeace e pela Basel Action Network.

Exportação de lixo eletrônico

Fonte: Greenpeace e Basel Action Network

“Cento e cinquenta milhões de computadores são transportados cada ano para


os depósitos do Terceiro Mundo (500 navios por mês em direção à Nigéria e
Gana!), em desrespeito a todas as normas sanitárias” 551. A Basel Action
Network afirma que “75% do material eletrônico que chega ao porto de Lagos é
lixo, pois não é nem reparável, nem comercializável” 552. A remoção de materiais
de um PC antes de sua queima rende em média 16 a 18 dólares. Guiyu, uma
cidade de 150 mil habitantes no sudeste da China, é conhecida por ser o maior
receptáculo de lixo eletrônico do planeta, com 5,5 mil pequenas empresas
familiares que desmontam mais de 700 toneladas de computadores, celulares
e outros aparelhos eletrônicos por ano. O contato com material tóxico e a
queima dos plásticos remanescentes desses aparelhos explicam por que 80%
a 88% das crianças da cidade apresentam níveis tóxicos de chumbo no
sangue.

Máfias do Lixo
132

No mundo todo, o trato do lixo aparece como um ramo da nova dark


economy, um negócio em que empresas agem em simbiose com o crime
organizado, as assim chamadas “máfias do lixo” ou Eco-Máfias. No Brasil, o
jornal O Estado de São Paulo, de 19 de outubro de 2012, noticiou que “o
fundador do Banco BVA, José Augusto Ferreira dos Santos, era sócio de uma
das empresas que participaram da chamada "máfia do lixo" na prefeitura
petista de Santo André, esquema que veio à tona com o assassinato do ex-
prefeito Celso Daniel, em 2002”. Na Itália, segundo o dossiê Ecomafie 2012,
apenas em 2011 desapareceram sem deixar rastro 14 milhões e meio de
toneladas de materiais poluentes, num negócio dominado por 41 clãs mafiosos
que alcança a cifra anual de 3 bilhões de euros 553. A região da Campania é
vítima ao mesmo tempo de maiores taxas de incidência de câncer que o resto
da Itália, e de máfias acusadas de queimar lixo tóxico e de afundar mais de 30
navios no Mar Tirreno com cargas tóxicas e mesmo radioativas 554.
O contrabando de lixo atinge em graus diversos outros países da
Europa. “Inspeções em 18 portos europeus em 2005 revelaram que 47% do
lixo destinado à exportação era ilegal, inclusive lixo eletrônico” 555. Segundo a
Agência Ambiental Europeia (EEA), a exportação ilegal de lixo para a China,
por exemplo, é quatro vezes menos dispendiosa que sua incineração na
Holanda. De 1995 a 2007, decuplicou a quantidade de papel, plástico e metal
exportado da Europa, com 20 milhões de containers de lixo hoje embarcados
por ano. Estima-se que 16% das exportações de lixo pelo porto de Rotterdam
sejam ilegais. E nos outros portos europeus, como o de Antuérpia e Hamburgo,
a porcentagem de exportações ilegais de lixo deve ser maior, inclusive porque
as multas não ultrapassam 22 mil dólares556.
Segundo a Europol, há “um aumento no volume de transportes ilegais de
lixo através das fronteiras, estimulado pelo crescimento econômico e pela
globalização. Impulsionado pelo ‘baixo risco e alto lucro’, o tráfico de lixo ilegal
e as atividades de descarte tornaram-se uma das áreas de mais rápido
crescimento do crime organizado. (...) O Noroeste da Europa desempenha uma
papel importante na exportação de lixo para países não-europeus, em especial
a África ocidental e a Ásia” 557. Embora uma regulamentação de 2006 558 proíba a
exportação de lixo-eletrônico (WEEE) europeu para os países não-
pertencentes à OCED, segundo um relatório da EEA, “um grande volume de
produtos elétricos são embarcados da Europa para a África Ocidental e a Ásia,
muitos deles classificados como ‘bens usados’, quando são, na realidade, não
funcionais. As estimativas deste relatório são de 250 mil toneladas por ano
deste comércio, mas possivelmente muito mais (...). O comércio ilegal de lixo
parece estar crescendo”559.
Apenas na Inglaterra, esse “comércio criminoso, estimado em algo como
300 milhões de libras [mais de 1 bilhão de reais], inclui desde centenas de
milhares de computadores quebrados e televisões enviados à África ocidental
para serem despojados de seus metais pesados em condições inseguras, até
lixo doméstico contrabandeado da Inglaterra sob a aparência de papel
reciclável ou plástico. Pneus usados formam um mercado ilícito incrivelmente
lucrativo”560. Se levarmos em conta que o comércio mundial faz transitar entre
os portos 550 milhões de containers por ano561, pode-se ter uma ideia da
dificuldade de se deter o aumento do tráfico ilegal de lixo.
133

Um estudo de 2010 projeta, entretanto, que os países “em


desenvolvimento” não serão em breve apenas destinatários, mas também
geradores de lixo eletrônico, em especial de PCs (personal computers), e numa
escala inclusive maior que a dos países desenvolvidos. Para esse estudo, “o
volume de PCs obsoletos gerado nas regiões em desenvolvimento ultrapassará
o das regiões desenvolvidas entre 2016 e 2018. Por volta de 2030, os PCs
obsoletos das regiões em desenvolvimento atingirão 400 a 700 milhões de
unidades, bem mais que as 200 a 300 milhões de unidades das regiões
desenvolvidas”562.

4. Combustíveis fósseis

O capítulo 6, sobre as mudanças climáticas, tratará dos gases de efeito


estufa emitidos na atmosfera pelo consumo de combustíveis fósseis. O
presente capítulo tratará, na continuidade do precedente, da poluição causada
pelos combustíveis fósseis nas fases anteriores ao consumo. Ao carvão, por
sua nova importância, se dedicará o próximo capítulo. Como se verá, a
escassez de petróleo convencional, ao invés de arrefecer a destrutividade
ambiental do capitalismo, agrava-a, pois, acuado pela inelasticidade de sua
oferta, o sistema econômico reage da maneira que lhe é, historicamente,
própria: acionando suas forças centrífugas, ampliando o raio e a intensidade de
sua ação destrutiva, recorrendo a métodos de extração ainda mais arriscados e
134

devastadores que os que caracterizaram a era anterior de abundância de


petróleo líquido. Nesse sentido, os combustíveis fósseis exemplificam bem uma
tese central deste livro, enunciada na Introdução e discutida nos capítulos 11 e
12: a insustentabilidade ambiental é um traço constitutivo do capitalismo, que
tende a se agravar na relação direta da escassez dos recursos naturais.

4.1. A poluição nos processos de extração e transporte

O petróleo cru possui 10 mil substâncias que se compõem diversamente


segundo sua origem. Seus principais componentes (95%) são os
hidrocarbonetos, mas ele contém também metais pesados, enxofre e
compostos nitrogenados. Nos Estados Unidos, mais petróleo cru foi derramado
em acidentes ferroviários em 2013, tais como os de North Dakota e do
Alabama, que na soma dos 38 anos entre 1975 e 2012: 4,3 milhões de litros
em 2013 contra 3 milhões nos quatro decênios anteriores 563. No Canadá,
apenas a catástrofe ocorrida em julho de 2013 na cidade de Lac-Mégantic e no
lago homônimo, no Quebec, redundou no derramamento de 5,4 milhões de
litros de petróleo extraído de roxas de xisto proveniente da formação de
Bakken (Bakken shale) em North Dakota (EUA). Com o aumento da extração
de petróleo a partir de rochas de xisto e de areias betuminosas, nos EUA, no
Canadá e em outras partes do mundo, acidentes ferroviários serão doravante
mais frequentes.
Os derramamentos de petróleo nos oleodutos são, entretanto, muito
maiores. Segundo a Association of American Railroads, entre 2002 e 2012,
acidentes de trens nos EUA derramaram 2.300 barris, enquanto os vazamentos
em oleodutos atingiram no mesmo período a marca dos 474 mil barris 564.
“Desde 1990 [até junho de 2011], mais de 110 milhões de galões [416 milhões
de litros ou ], sobretudo de petróleo e derivados vazaram da rede de oleodutos
continentais (mainland) do país. Mais da metade desses vazamentos
ocorreram em três estados – Texas, Oklahoma e Luisiana – onde há mais
oleodutos”565. O gráfico abaixo mostra o saldo desses incidentes entre 1986 e
2013: mais de 4 milhões de barris vazaram dos oleodutos continentais dos
EUA.

Vazamentos de líquidos tóxicos


por acidentes em oleodutos
1986 – 2013 (em barris)
135

Fonte: U.S. Department of Transportation, Pipeline and Hazardous Materials Safety Administration

Isto posto, o ambiente marinho continua sendo a maior vítima do


petróleo. A World Ocean Review afirma em seu capítulo sobre poluição
marítima causada pelo petróleo566:

“A poluição por petróleo é uma das formas mais conspícuas de dano ao


ambiente marinho. O óleo adentra os mares não apenas através de desastres
espetaculares em petroleiros ou em plataformas marítimas, mas também – e
primariamente – através de fontes difusas, tais como vazamentos durante a
extração, operações ilegais de lavagem de tanques no mar, ou descargas de
petróleo nos rios que o conduzem ao mar”.

Fontes de poluição marítima por petróleo

Fontes naturais 5%

Operações de navios (descargas ilegais e lavagens de tanques, etc.) 35%

Deposição no mar de partículas de petróleo transportadas pela atmosfera,


emitidas por combustão ou provenientes de efluentes municipais
e industriais ou de plataformas marítimas 45%

Desastres em petroleiros 10%

Fontes indefinidas 5%

Fonte: World Ocean Review

Segundo dados de 2011 da International Maritime Organization (IMO),


da ONU, petroleiros transportam por ano 2.400 milhões de toneladas de óleo
cru e de produtos derivados do petróleo. A IMO autoriza-os a descarregar óleo
no mar em concentrações inferiores a 15 partes por milhão (ppm), desde que
em zonas não sensíveis. É apenas quando se ultrapassa esta concentração
que a descarga é considerada ilegal. A escala desse fenômeno é colossal. Algo
como 250 mil barris de petróleo poluem o Golfo Pérsico todo o ano 567.

Sabotagens e atos de guerra


136

O saldo das operações de sabotagem ordenadas por Saddam Hussein


em fevereiro de 1991, ao final da guerra do Kuwait, foi a queima de mais de 1,5
bilhão de barris ou mais de 20 milhões de toneladas de petróleo, aos quais se
devem acrescentar milhões de barris derramados no solo e 6 milhões de barris
de petróleo deliberadamente lançados no Golfo Pérsico (mais que o vazamento
do Golfo do México, estimado em pouco menos de 5 milhões de barris),
formando uma mancha de 14 km de comprimento. Nesses números da
catástrofe de 1991 não estão computados as perdas, incêndios e
derramamentos de petróleo ocasionados pelo bombardeio norte-americano dos
poços de petróleo iraquianos, cujo incêndio foi captado por imagens de
satélites, mas cujo saldo real de perdas e de poluição é mantido até hoje em
sigilo568. Outro exemplo de sabotagem de guerra foi o bombardeio israelense,
em 3 de julho de 2006, da usina termoelétrica de al-Jiyeh no litoral do Líbano, a
30 quilômetros ao sul de Beirute, causando a explosão de seis tanques de
petróleo que alimentavam a usina e o maior desastre ecológico da história do
Mediterrâneo. O vazamento e o incêndio duraram dez dias. Segundo Yacoub
Sarraf, Ministro do Meio Ambiente do Líbano, todas as tentativas de apagá-lo
ou de circunscrever o vazamento no mar foram impedidas pelas forças
armadas de Israel. O resultado foi a poluição do mar por 100 mil (BBC e
PNUMA) a 200 mil (Bloomberg) barris de petróleo, poluição comparável em
escala à causada pelo acidente do Exxon Valdez em 24 de março de 1989:
uma mancha de petróleo cobriu 80 km de praias do Líbano e ameaçou as da
Turquia e do Chipre, liquidando muito da fauna marinha, danificando o habitat
das tartarugas-verdes (Chelonia mydas) e matando muitos atuns-rabilhos
(Thunnus thynnus), duas espécies ameaçadas de extinção na lista da UICN 569.
As hostilidades cessaram em agosto de 2006, mas os efeitos deletérios desse
vazamento na natureza devem perdurar por ao menos dez anos.

Vazamentos de navios (ITOPF)

A International Tanker Owners Pollution Federation Limited (ITOPF)


admite que entre 1970 e 2011 por volta de 5,7 milhões de toneladas de
petróleo vazaram de tanques de navios em cerca de 10 mil acidentes 570. Em 41
anos (1970-2011), derramaram-se no mar, portanto, pouco mais de 40 milhões
de barris de petróleo, ou quase 1 milhão de barris por ano (2740 barris por dia).
A ITOPF categoriza os vazamentos de navios em três tipos: (1) menos
de 7 toneladas; (2) de 7 a 700 toneladas, e (3) mais de 700 toneladas de
petróleo (respectivamente, o equivalente a menos de 50 barris de cerca de 159
litros cada, de 50 a 5 mil barris, e a mais de 5 mil barris). Dos 10 mil casos de
vazamento acidental de petróleo entre 1970 e 2010 repertoriados pela ITOPF,
81% comportaram perdas de menos de 7 toneladas: “a vasta maioria dos
vazamentos cai na categoria de pequenos vazamentos e os dados a respeito
são incompletos devido à inconsistência das notificações mundiais de
incidentes menores”571. Esta “inconsistência” é suspeita porque tais dados são
fornecidos pelas próprias companhias petrolíferas as quais falseiam ou omitem
fatos em seus relatórios às agências e ministérios de proteção ambiental,
conforme afirma uma grande autoridade na matéria, o biogeoquímico Robert
Howarth, Professor emérito da Universidade de Cornell: “Fui perito em uma
tribo do Alaska nos anos 1990 em relação ao desenvolvimento da exploração
137

de petróleo em plataformas marítimas. Foi possível demonstrar que as


companhias petrolíferas enviavam informações falsas à EPA” 572.

Vazamentos de plataformas marítimas e oleodutos (1970-2005)

Mesmo sem contabilizar o último vazamento da BP no Golfo do México,


os dados fornecidos pelo Minerals Management Service (MMS) mostram um
aumento dos vazamentos nos últimos anos nos EUA. Analisando esses dados,
Alan Levin conclui que “o número de vazamentos de plataformas marítimas e
de oleodutos em águas norte-americanas mais que quadruplicou neste primeiro
decênio. (...) Do início dos anos 1970 até o final dos anos 1990, houve uma
média de quatro vazamentos de ao menos 50 barris de petróleo de plataformas
marítimas e de oleodutos por ano (...). A média anual total subiu para mais de
17 vazamentos de 2000 a 2009. De 2005 a 2009, houve em média 22
vazamentos por ano”573.

Vazamentos de petróleo de mais de 50 barris


(plataformas marítimas e oleodutos marítimos)

Fonte: John B. Lounsbury a partir de dados de Alan Levin (2010)

2010: o Golfo do México

Avalia-se em 4,4 milhões de barris (mais de 278 mil toneladas, com uma
margem de erro de 20% para baixo ou para cima 574) o volume do óleo
derramado no Golfo do México em 2010 ao longo de, admitidamente, 84 dias
em quantidades diárias até dez vezes superiores às reportadas pela British
Petroleum. Seus diretores mentiram em todas as fases do incidente e apenas
em 19 de setembro daquele ano anunciaram ter conseguido fechar o poço.
Mas os dutos submarinos danificados pela explosão continuavam vazando
ainda em setembro de 2011, conforme atestam um filme de Bonny Schumacker
e diversos testemunhos noticiados pela imprensa 575. Ainda em 9 de setembro
de 2012, imagens de satélites mostravam a presença de novos vazamentos
ligados ao poço de Macondo ou aos dutos dele provenientes, o que foi
comprovado pela análise química desses resíduos 576.

Impactos agudos e de longo prazo

Segundo David Lusseau, da University of Aberdeen (Reino Unido), “para


se fazer uma ideia do balanço global [de um acidente], é preciso avaliar duas
coisas. Os efeitos imediatos e agudos, e os efeitos crônicos. No caso do
138

Exxon-Valdez [o petroleiro que naufragou em 1989 nas costas do Alaska],


estes efeitos de longo prazo sobre os ecossistemas só puderam ser avaliados
ao longo de dez anos"577. No caso do Golfo do México, a devastação imediata
foi constatada por uma equipe liderada por Samantha Joye, da University of
Georgia, que desceu mais de 20 vezes a uma profundidade de mais 1500
metros, e constatou uma kill zone em uma área de 210 km2 ao redor da
explosão578. Apenas entre maio e dezembro de 2010, 90 cetáceos foram
encontrados mortos nas praias da região. A mortandade foi maior, pois,
segundo David Lusseau, “para certas espécies apenas 1% a 3% dos mortos
são encontrados”. De fato, em finais de março de 2011, quase um ano após o
acidente, a NOAA publicou a contagem de outras 200 carcaças de golfinhos
levados pelas ondas às praias da região apenas entre janeiro e março daquele
ano. Houve, além disso, aumento da mortalidade entre filhotes de golfinhos em
decorrência do acidente. De seu lado, Cyn Sarthou, diretora da Gulf
Restauration Network, declarou então: “A BP gasta milhões para convencer o
mundo de que tudo já passou. É absolutamente falso. O petróleo continua a
chegar às praias e aos pântanos. Alguns desses pântanos estão morrendo,
pois é impossível limpá-los”. Garret Graves, conselheiro do governador da
Louisiana, declarou que “dois anos após o vazamento, temos ainda 200 milhas
de costas sujas de petróleo. Isto é inaceitável” 579.

Os impactos de longo prazo e a nova variável: os dispersantes

Os dispersantes químicos do petróleo – Corexit 9527A, Corexit 9500A,


Nokomis 3-AA ou Nokomis 3-F4 – são compostos de sais de ácido sulfônico,
propilenoglicol e vários solventes à base de petróleo fabricados pela Nalco,
uma multinacional adquirida em 2003 por três corporações: The Blackstone
Group, Apollo Management L. P. e Goldman Sachs Capital Partners. O uso de
7 milhões de litros desses dispersantes sobre uma área de mais de 6500 km 2
no Golfo do México fez as ações da Nalco subirem ao seu mais alto nível
desde 2007. Para Carl Gustaf Lundin, Diretor do Global Marine and Polar
Programme da UICN, os efeitos dos dispersantes químicos sobre a população
marinha podem ser, entretanto, mais danosos que o próprio petróleo, inclusive
porque “esses dispersantes não haviam jamais sido utilizados a tais
profundidades e não se tem nenhuma ideia de seus efeitos biológicos sobre
estes ecossistemas”. Seu temor foi confirmado. Baseando-se em pesquisas
sucessivas ao uso desses dispersantes, três ONGs – o Center for Biological
Diversity, o Surfrider Foundation e o Pacific Environment – obtiveram uma
decisão judicial da Corte da Califórnia que demanda ao governo federal proibir
o uso desses dispersantes em águas federais da Califórnia, antes de um mais
acurado estudo de seus efeitos. Essa decisão baseia-se no seguinte
argumento: “Estudos demonstraram que o petróleo quebrado pelo dispersante
Corexit 9527 danifica as propriedades isolantes das penas dos pássaros
marinhos mais que o petróleo não tratado, tornando os pássaros mais
vulneráveis à hipotermia e à morte. Estudos descobriram também que o
petróleo dispersado é tóxico para os ovos dos peixes, para as larvas e para os
adultos, assim como para os corais, e podem prejudicar a capacidade
respiratória e digestiva das tartarugas”580.
No que se refere aos impactos sobre a saúde humana, Wilma Subra
reporta os seguintes sintomas sobre a população das cidades costeiras:
139

irritação dos olhos e garganta, perda de acume visual, infecções nos ouvidos,
tosse, rouquidão, dificuldade respiratória, pneumonia, asma, edemas
pulmonares, sangramento do nariz, sangue na urina e no reto, diarreia, náusea,
vômito, tontura, fraqueza, dores de cabeça, dores musculares e abdominais,
distúrbios gastro-intestinais, irritação da pele, confusão mental, prejuízo de
memória, abortos, depressão e distúrbios neurológicos 581.
Passados os quatro meses e meio da moratória decretada pela
administração Obama (conhecida nos meios petrolíferos não como moratorium,
mas como permitorium582), a indústria do petróleo está de volta desde março de
2012 às perfurações em grandes profundidades no Golfo do México, com mais
oito contratos de plataformas marítimas envolvendo a Ensco, a Seadrill e a
Transocean.

A devastação dos ecossistemas tropicais

Desde 1960, quando se libertou do Reino Unido, a Nigéria, o maior


produtor de petróleo da África e o quinto da OPEC (Organização dos Países
Exportadores de Petróleo), vem tendo diversos de seus ecossistemas
devastados por cinco corporações petrolíferas (Shell, Chevron, Mobil, Elf e
Agip). Estas operam em simbiose com ditaduras brutais, simbiose que um
documentário da Democracy Now chamou de Drilling and Killing. Como afirma
Chima Ubani nesse documentário, as corporações do petróleo “apenas
continuam o que o tráfico de escravos transatlântico e o colonialismo inglês
fizeram conosco no passado”583. A devastação socioambiental perpetrada por
essas companhias inviabilizou a tal ponto o país, que a ONU avalia em 30 anos
o tempo necessário para restaurar seus ecossistemas.
A Shell devastou, sobretudo, o delta formado pelos rios Níger e Benue,
um dos maiores do mundo e outrora também um dos mais ricos em
biodiversidade. Explorada desde 1958, a bacia petrolífera desse delta tem hoje
1183 campos de exploração de petróleo, que se estendem sobre florestas,
mangues, pântanos ou sobre plataformas marítimas. A partir de 1990, o Mosop
(Movement for the Survival of the Ogoni People) e em particular um de seus
líderes e fundadores, o poeta Ken Saro-Wiwa (1941-1995), desenvolveram
uma campanha não-violenta contra a Shell, a qual acabou em 1993 por ser
compelida a deixar o país, imerso no caos ambiental. Segundo um relatório do
Human Rights Watch, de 1999, “os protestos do Mosop provocaram uma
resposta violenta e repressiva de parte do governo federal, para o qual
qualquer ameaça à produção de petróleo é uma ameaça à existência de todo o
sistema político vigente. Milhares de Ogonis foram presos ou espancados pela
Rivers State Internal Security Task Force, um corpo militar criado para suprimir
os protestos organizados pelo Mosop, e centenas de pessoas foram
sumariamente executadas durante vários anos”. O relatório reporta ainda que a
Shell usou uma polícia própria para deter e espancar várias pessoas e o Mosop
acusa-a de “cumplicidade no que se considera ser o genocídio do povo
Ogoni”584. Em 1995, Ken Saro-Wiwa e oito outros líderes do Mosop foram
enforcados pelo governo do general Sani Abacha, apoiado pela Shell, em base
a falsas acusações de testemunhas que depois admitiram terem sido
subornadas pela Shell e pela ditadura que ela sustentava 585.
Entre 2010 e 2011, o PNUMA examinou mais de 200 localidades e 122
km de oleodutos, analisou mais de 4 mil amostras de água poluída retirada de
140

142 poços, 780 amostras de solo, e teve acesso a 5 mil registros médicos.
Reuniu-se, enfim, com 23 mil pessoas das comunidades afetadas. Eis um
resumo de suas conclusões586:

As observações de campo e as investigações científicas do PNUMA


descobriram que a contaminação por petróleo em Ogoniland é extensa e
impacta severamente muitos aspectos do ambiente. Embora a indústria do
petróleo não esteja mais ativa em Ogoniland, vazamentos de óleo continuam a
ocorrer com uma alarmante regularidade. (...) Em 49 casos, o PNUMA
observou hidrocarbonetos no solo a uma profundidade de 5 metros. (...) Em 41
sítios, a poluição por hidrocarbonetos atingiu os lençóis freáticos. (...) A
poluição por petróleo em muitos riachos da zona entremarés deixou mangues
sem folhas e sem ramos, com as raízes cobertas de uma substância
betuminosa por vezes com 1 cm de espessura. Mangues são áreas de desova
para peixes e viveiros de peixes recém-nascidos, e a extensa poluição dessas
áreas está impactando seu ciclo de vida. Quaisquer culturas agrícolas
diretamente impactadas por vazamentos de petróleo sofrerão danos e culturas
de raízes como a mandioca ficarão inutilizadas. (...) Quando o vazamento de
petróleo ocorre no solo, é frequente a irrupção de incêndios que matam a
vegetação e criam uma crosta sobre a terra, dificultando o nascimento de nova
vegetação”.

O relatório do PNUMA reporta 6817 derramamentos de petróleo na Nigéria


entre 1976 e 2001, resultantes num bombardeio dos ecossistemas nigerianos
por 3 milhões de barris de petróleo, dos quais 70% nunca foram recuperados.
Economistas do Banco Mundial e outros estudiosos calculam que o montante
real de óleo derramado na natureza nigeriana pode ser dez vezes maior que o
admitido oficialmente, atingindo a quantia de 100 milhões de barris 587. Ole
Nielsen estima que em 50 anos (1960-2010) de devastação da Nigéria, a Shell
derramou 13 milhões de barris (550 milhões de galões) de petróleo nesse
delta, algo como um Exxon Valdez por ano 588. O Departamento dos Recursos
do Petróleo da Nigéria estima que em apenas 20 anos, entre 1976 e 1996,
houve 4835 incidentes no país que causaram derramamentos de 2,4 milhões
de barris de petróleo, dos quais 1,8 milhão de barris o foram no delta do Níger.
O Equador teve sua floresta amazônica destruída pela Texaco
(incorporada em 2002 pela Chevron), que operou nesse país entre 1964 e
1992. Ao derramar milhões de barris de petróleo e de produtos tóxicos na
floresta e nos rios, a Chevron provocou no país catástrofes ambientais e
humanas “imensamente maiores que o derrame da BP no Golfo do México” 589,
causando um aumento dramático de incidência de câncer na população. Em
1992, a Chevron retirou-se, deixando “mais de 900 poços de refugo não
revestidos que continuam a contaminar a água subterrânea e de superfície”.

No Brasil, “cresce em 65% o volume de vazamentos da Petrobrás”

Os vazamentos de petróleo no Brasil entre 1975 e 2000 são incontáveis,


conforme mostra a recapitulação dos principais incidentes neste período
proposta pela Folha de São Paulo590. Em 18 de janeiro de 2000, 1,3 milhão de
litros de óleo escaparam de um duto que ligava a refinaria Duque de Caxias
(Reduc) ao Terminal da Ilha D’Água, na Ilha do Governador. O óleo espalhou-
se por 40 km2 e inundou a Baía da Guanabara, “um ambiente ecologicamente
complexo”, conforme o relatório do IBAMA sobre o acidente, “com a presença
141

de ecossistemas costeiros variados (especialmente praias, costões,


manguezais e planícies de marés, ambientes considerados de elevada
sensibilidade a derrames de óleo)” 591. Praias, manguezais e a fauna da região
sucumbiram de fato à poluição, inclusive a última região preservada da Baía de
Guanabara: o manguezal de 14 mil hectares que forma a Área de Proteção
Ambiental (APA) de Guapimirim. Em julho do mesmo ano, outros 4 milhões de
litros de óleo cru vazaram da refinaria REPAR da Petrobrás, poluindo a bacia
do rio Iguaçu em Araucária, no Paraná. Tratava-se do sexto e maior acidente
provocado pela Petrobrás apenas no ano de 2000 e o fato acabou por chamar
a atenção da grande imprensa. Para ficar apenas no caso mais recente, na
Bacia de Campos um derramamento de óleo foi detectado em 8 de novembro
de 2011 numa plataforma a 120 km da costa operada pela Chevron. Em 11 de
novembro, a mancha de óleo sobre o mar estende-se já por uma área de 60
km2. Em 14 de novembro, a mancha é de 163 km 2, segundo a Agência
Nacional de Petróleo. A Chevron que de início admitira um vazamento de 60
barris, reconhece que o vazamento equivale a 882 barris. Para a ANP, ele é de
mil barris. Segundo o geólogo John Amos, da ONG SkyTruth, o vazamento
seria equivalente a 15 mil barris. Segundo o procurador da República, Eduardo
Santos de Oliveira, "os funcionários das empresas Chevron e Transocean
causaram uma bomba de contaminação de efeito prolongado" por terem
empregado no poço uma pressão maior do que a suportada, que teria causado
fraturas nas paredes do poço592.
Os primeiros dozes meses do “Plano Vazamento Zero” da Petrobrás,
anunciado em início de 2012, tem produzido o efeito oposto. Mesmo com
queda de 2% na produção de petróleo nesse período, “cresceu em 65% o
volume de vazamentos da Petrobrás. Foram derramados 387 mil litros no meio
ambiente em 2012”593.

Balanço de um mês (11/III/2013 – 9/IV/2013)

Esse aumento de 65% no volume de vazamentos causados pela Petrobrás em


2012 vai de par com uma tendência global, constatada por Heather Libby em
abril de 2013594. Tudo somado – vazamentos de tanques de navios, de
oleodutos, de plataformas continentais e marítimas, descarrilhamento de trens,
rejeitos de mineração, operações de rotina, etc. –, em menos de um mês, isto
é, entre 11 de março e 9 de abril de 2013, a indústria do petróleo poluiu o meio
ambiente da América do Norte, da América do Sul e da África com mais de 281
mil barris de petróleo, em 13 acidentes, uma média de quase um acidente a
cada dois dias. Quase metade dessa poluição é de petróleo cru (46%). A outra
quase metade é de areias betuminosas e de betume diluído (45%). Os rejeitos
de petróleo e de fluídos de mineração entram com 7,7% e o restante cabe aos
fluídos hidráulicos (0,05%).

Ártico

No Ártico, com a retração das coberturas glaciais, as corporações estão


jogando sua mais arriscada cartada. Última fronteira petrolífera do planeta, o
Ártico é detentor, segundo um levantamento de 2008 da USGS, de 22% das
reservas de gás e petróleo convencionais não ainda exploradas e
potencialmente acessíveis, o que equivaleria a 412 bilhões de barris de
142

petróleo equivalente (boe), sendo que as reservas de gás são preponderantes.


A Rússia detém 52% dessas reservas, os EUA, 20%, a Noruega, a Groenlândia
(Dinamarca) e o Canadá, 12%, 11% e 5% respectivamente.
A área de potencial de exploração de petróleo da Rússia monta a 6,2
milhões de km2, a maior parte da qual se encontra no Oceano Ártico. Qualquer
vazamento de petróleo nessa região, ainda muita rica em biodiversidade, será
tão ou mais devastador que o derramamento de mais de 250 mil barris (41
milhões de litros) de petróleo ao largo do Alaska pelo petroleiro Exxon Valdez
em 1989, no qual, segundo as atuais estimativas, morreram 250 mil pássaros
marinhos, 2800 lontras marinhas, 250 águias e 22 orcas, além de se terem
destruído milhões de ovos de salmão. Em 2003, contrariamente às afirmações
da Exxon, a região ainda estava contaminada de petróleo e de outras
substâncias tóxicas e sofria os impactos de longo prazo daquele desastre 595.
Para Chatham House e o Lloyd’s de Londres, embora o Ártico seja
poluído por uma série de atividades (navegação, turismo, mineração,
exploração de gás e petróleo, indústrias, e no lado russo, lixo nuclear, civil e
militar, além de testes de armas nucleares em Novaya Zemlya), o maior risco
naquela região, em termos ambientais e de custos de cobertura securitária, é a
exploração do petróleo e do gás 596. Consciente desse fato, o banco alemão
WestLB, especializado no setor de energia, excluiu empréstimos para
operações no Ártico, alegando que “os riscos e os custos seriam simplesmente
demasiado altos”597. Também Christine de Margerie, Presidente da Total,
declarou em 2012 que sua corporação renunciaria a explorar petróleo no
Ártico, dado que “o risco de vazamento de petróleo em uma área tão sensível é
demasiado elevado”598. Mas a conferência Artic Frontiers ocorrida em 2012 em
Tromso, com representantes dos Estados Unidos, Canadá, Rússia, Dinamarca
e Noruega, registrou o envolvimento de 37 corporações interessadas em
perfurações no Oceano Ártico599.
Em 2010, a britânica Cairn Energy descobriu pela primeira vez
hidrocarbonetos na Groenlândia. A Cairn e a Statoil, da Noruega, estão
explorando petróleo na Baía de Baffin, a oeste da Groenlândia, com a ajuda de
uma frota de quebra-gelos capazes de remover icebergs. Trata-se, segundo o
Greenpeace, da mais arriscada plataforma marítima em funcionamento no
planeta. A Gazprom da Rússia construiu a gigantesca plataforma marítima de
Prirazlomnoye no Mar de Pechora a noroeste do país, em atividade desde
finais de 2012 e começou a extrair petróleo do subsolo marítimo a partir de
dezembro de 2013, num emprendimento considerado de alto risco 600. Segundo
Roman Dolgov, diretor do Programa do Ártico da Rússia do Greenpeace, “se
ocorrer um acidente na plataforma do Mar de Pechora, ele contaminará uma
área duas vezes maior que a Irlanda”. A importância estratégica desses novos
suprimentos de petróleo mede-se pela violência da reação das autoridades
russas aos protestos pacíficos de 28 membros do Greenpeace naquela
plataforma em setembro de 2013. Os protestos alegam ser impossível operar
com segurança numa área livre de gelo apenas 110 dias por ano, com blocos
de gelo de até 8 metros de profundidade, onde as temperaturas atingem -50º
C, onde as ondas chegam a 13 metros de altura, que sofre em média 22
grandes tempestades por ano e que está a mais de 1000 km de distância de
Murmansk, o mais próximo centro de resposta a uma emergência 601.
Mesmo que se evitem acidentes, a simples perfuração de petróleo em
tais áreas, santuários de vida selvagem, tem grande impacto sobre os
143

mamíferos marinhos, conforme assegura o USGS 602. A Shell está explorando


petróleo nos mares de Beaufort e de Chukchi, a nordeste e noroeste do Alaska
e no Arctic National Wildlife Refuge. Entre julho e dezembro de 2012, três
acidentes de gravidades diversas poderiam ter acarretado vazamentos. O
primeiro ocorreu em julho, quando o Noble Discoverer, um de seus petroleiros,
quase encalhou no mar Ártico; o segundo acidente ocorreu em novembro
quando esse mesmo navio sofreu um incêndio em um de seus motores. O
terceiro ocorreu em 29 de dezembro, quando uma plataforma de exploração da
Shell desprendeu-se de seu reboque em plena tempestade e permaneceu à
deriva, levada por ventos de mais de 60 km por hora até encalhar na costa da
ilha de Sitkalidak, perto da ilha maior de Kodiak no mar do Alaska. A
possibilidade de um vazamento de 500 mil litros de diesel e de 50 mil litros de
outros fluidos perigosos, contidos nessa plataforma, era, segundo várias fontes
noticiadas na imprensa, altíssima.

4.2. O pico do petróleo líquido

Em 2003, as grandes petroleiras cotadas em bolsa investiram 130


bilhões de dólares no desenvolvimento de projetos de exploração de jazidas de
petróleo líquido. Em 2012, esse montante mais que triplicou, saltando para 450
bilhões de dólares603. Um reponsável da Total declarou ao Le Monde: “É
preciso, antes de mais nada, investir para limitar o declínio a uma taxa de 5%
ao ano dos campos maduros”. Sem esses investimentos, esse declínio seria de
10% a 15%. É o caso, por exemplo, do petróleo do Mar do Norte e do Iraque.
Em seguida, vêm os investimentos nos novos frontes da guerra. Esses
investimentos e operações de alto risco em mares profundos explicam-se: a
oferta no mercado de petróleo convencional – disponível em estado líquido, e
depositado em grandes estratos geológicos de acesso fácil e de menor custo –
tornou-se incapaz de satisfazer a pressão da demanda. A demanda mundial de
petróleo cresceu quase sem interrupção desde o fim da Segunda Guerra
Mundial, como mostra o gráfico abaixo.

Consumo mundial de petróleo


em milhões de toneladas - 1950-2004

De 1950 a 2004, o consumo mundial de petróleo per capita mais que triplicou.
De 2005 a 2011, a demanda global de petróleo subiu de 84 para 88 milhões de
barris por dia, conforme mostra o gráfico abaixo.
144

Demanda Global de Petróleo


1995 – 2011 em milhões de barris por dia

Fonte: AIE

A U.S. Energy Information Administration (EIA) calcula que em 2012 o consumo


diário de petróleo líquido cresceu 700 mil barris para atingir 89 milhões de
barris/dia604. E em 2013 o consumo bateu em 90 milhões de barris/dia Os
transportes rodoviários são responsáveis por 50% desse consumo, como
mostra o gráfico abaixo.

Consumo mundial de petróleo por setor da economia, 2010

Fonte: New Scientist, 19/V/2012, p. 36, segundo o


International Council on Clean Transportation (ICCT), 2010

E como, segundo o International Council on Clean Transportation, a frota


rodoviária mundial deve dobrar entre 2010 e 2030 605, a demanda por petróleo
continuará a subir, já que segundo Fatih Birol, economista chefe da Agência
Internacional de Energia (AIE), mesmo que todas as metas governamentais de
aumento da frota de carro elétrico sejam atingidas, o número de veículos
elétricos em funcionamento em 2020 será apenas de 20 milhões, vale dizer,
2% da frota rodoviária mundial606.
Dois resultados desse aumento contínuo da demanda global de petróleo
são: (1) a crescente escassez de petróleo convencional, ao menos nos campos
de melhor relação custo/benefício; (2) o aumento contínuo dos preços. No
gráfico logarítmico abaixo, com a progressão dos preços do petróleo de 1861 a
2011, é notável a progressão em flecha desses preços nos anos 1999-2011.
Em 2012, o barril de petróleo chegou a custar 120 dólares.

Preço do petróleo cru desde 1861


145

Fonte: Price of Petroleum, Wikipedia, a partir de dados fornecidos pela BP Workbook of historical data

A crise aberta em 2007-2008 derruba o preço do barril do Brent, que cai em


2009 abaixo de 40 dólares, mas, mesmo com a economia dos países da OCDE
deprimida, os preços retomam a linha de aclive, não caindo abaixo de 100
dólares senão em junho de 2012, para atingir 117 dólares em 27 de agosto de
2013. Mesmo com o advento do petróleo de xisto e de areias betuminosas na
América do Norte, o barril do Brent ainda se mantém acima dos 100 dólares,
sendo negociado a 108 dólares em 10 de janeiro de 2014.
Pela primeira vez na história do petróleo desde 1861, o fator decisivo da
alta do preço do petróleo não é político, militar ou econômico, seja ele guerra
ou especulação. Ele é consequência de um fenômeno da natureza: cada vez
mais, hoje, é necessário dispender mais energia para se obter o mesmo
montante de energia, pois as reservas de petróleo em estado líquido situadas
em estratos acessíveis do planeta e formadas sobretudo em dois momentos de
aquecimento global – 150 e 90 milhões de anos atrás – começam a declinar.

EROEI

Uma forma de mensurar esse dispêndio é o EROEI ou EROI (energy


returned on [energy] invested), ou seja, a ratio de retorno de energia a partir da
energia investida (REEI). Na primeira metade do século XX, o EROEI do
petróleo era de 1 barril de petróleo equivalente para 100 barris de petróleo
(EROEI = 100:1). Um estudo de referência do EROEI do petróleo e do gás nos
EUA, o de C. J. Cleveland, de 2005, propõe a seguinte evolução 607:

Década de 1950: EROEI = 30:1


Década de 1970: EROEI = 20:1
2005 circa: EROEI = 11:1 a 18:1

Cálculos do EROEI do petróleo e do gás convencionais em termos globais, a


partir de dados menos seguros, foram propostas em 2009 por três
especialistas, os quais “estimaram através de uma extrapolação linear que o
EROI para o petróleo líquido e o gás convencional em escala global pode
atingir a ratio de 1:1 já em 2022608.
Em 2005, Robert Hirsch, economista-chefe da Agência Internacional de
Energia (AIE-OCED), liderou a redação de um relatório a ele encomendado
146

pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos. A publicação do Peaking


of World Oil Production: Impacts, Mitigation, and Risk Management, ou Hirsch
Report, incide no meio do decênio 2001-2010, marcado por uma série de best
sellers sobre o declínio dos recursos petrolíferos em estado líquido do planeta
em contraste com o aumento projetado do consumo 609. A ASPO estima que o
consumo em 2020, a supor que possa ser satisfeito, será de 120 milhões de
barris de petróleo por dia, segundo a discriminação oferecida no gráfico abaixo.

História e Projeção do Consumo Mundial de Petróleo


1970 – 2020 (em mmb/d)

Richard Heinberg e Colin Campbell propuseram em 2006 610 um quadro


comparativo das datas em que se estima tenha ocorrido ou esteja para ocorrer
o pico do petróleo. Pode-se completá-lo e atualizá-lo com alguns dados
suplementares. Segundo as percepções e estimativas dos especialistas abaixo
elencados, as datas do pico do petróleo distribuem-se entre 2005 e 2015:

2005/2006 – Jeremy Leggett, um geólogo do Imperial College de Londres,


afirma: “a produção de petróleo bruto atingiu seu pico em 2005 e os campos de
petróleo estão declinando a uma taxa de mais de 6% ao ano” 611. Kenneth S.
Deffeyes afirma em 2010 que “alguns anos atrás, a Chevron lançou uma série
publicitária afirmando que estávamos queimando dois barris de petróleo para
cada novo barril descoberto. Hoje, podemos estar queimando cinco barris para
cada novo descoberto”612. Henry Groppe, um estudioso veterano das reservas
petrolíferas, baseado em Huston, declarou numa entrevista em 2005 que “a
produção total de petróleo líquido pode ter atingido seu pico neste ano ou
talvez poderá atingi-lo no próximo”, percepção reiterada em sua conferência na
ASPO em 2006613;

2007 – Ali Samsam Bakhtiari614;

2007 – Richard Duncan615;

2007/2008 – Chris Skrebowsky, editor da Petroleum Review, publicado pelo


Energy Institute of London, diretor do Oil Depletion Analysis Center (ODAC),
hoje assumida pela The New Economics Foundation (NEF) e membro fundador
da ASPO616;
147

2010 – Colin Campbell, fundador e diretor da ASPO;

2012 – ExxonMobil. Colin Campbell nota que, “muito embora a ExxonMobil


nunca empregará o termo pico do petróleo, ela de fato a ele se refere ao
afirmar que a produção se tornará estável até 2012” 617.

2013 – Rembrandt Coppelaar618;

2015 – Jean Laherrere619;

2015 – J. Robinson West, criador e diretor da empresa de consultoria PFC


Energy de Washington620;

2015 – Robert Hirsch, para quem, nos anos 2004-2011, a produção


convencional de petróleo líquido atingiu o que o autor chama “um patamar
flutuante de sete anos”, com uma variação positiva de apenas 6% no período
dentro dessa faixa de 80 a 85 milhões de barris de petróleo produzidos por dia.
Hirsch e sua equipe estimam que esse patamar deve permanecer ainda mais
um a quatro anos e então, a partir de 2015, a produção de petróleo começará a
declinar a uma taxa de 2% a 4% ao ano, conforme o gráfico abaixo 621.

Fonte: R. Hirsch, R. H. Bezdek, R.M. Wendling The Impendig World Energy Mess. Apogee Prime, 2010, p. 128

Segundo Heinberg e Campbell, há previsões que atrasam esse pico


para depois de 2020, tal como a proposta pela CERA (Cambridge Energy
Research Associates) e mesmo para 2037 (USGS), mas elas são hoje
minoritárias. A própria Agência Internacional de Energia projetou em 2008 um
declínio de quase 50% na produção de petróleo convencional para 2020 e o
relatório de junho de 2013 da BP afirma 622:

“O petróleo permanece na liderança mundial dos combustíveis com 33,1% do


consumo global de energia, mas continua a perder pelo 13º ano consecutivo
participação no mercado, sendo essa participação a mais baixa em nossos
registros, os quais começaram em 1965”

Nos últimos dez anos, os majors da indústria petrolífera começaram a


admitir o pico de petróleo. Em 1999, Dick Cheney afirmou em um discurso
numa reunião do International Petroleum Institute em Londres 623: “em 2010,
necessitaremos algo como 50 milhões de barris adicionais de petróleo por dia,
o equivalente a mais de seis Arábias Sauditas de hoje”. Não se deve
subestimar, nesse declínio, a prática da sabotagem dos oleodutos, tão terrível
em termos ambientais quanto eficaz em seu objetivo tático de limitar a
capacidade de exportação de alguns países do Oriente Médio e da África. O
148

Iraque, segundo produtor de petróleo da OPEP, continua ainda em 2013, a


sofrer sabotagens em seus oleodutos de exportação de petróleo através do
Kurdistão e da Turquia. O mesmo ocorre nos oleodutos do Yemen, onde houve
60 atos de sabotagem apenas no primeiro semestre de 2013, bem como nos
oleodutos da Líbia e da Nigéria, cujo oleoduto Nembe Creek, explorado pela
Shell, estava em junho de 2013 a ponto de ser fechado em decorrência de
ações de guerrilha ou de roubo.

4.3. Subsídios aos combustíveis fósseis

Um dos motivos da transição energética demasiado lenta para energias


de menor impacto é o fato de suas indústrias receberem incentivos em
proporção muito menor que os de que se beneficiam a indústria dos
combustíveis fósseis.

Investimentos em energias limpas x Subsídios aos combustíveis fósseis

Os investimentos em energias limpas permanecem nos últimos sete


anos num patamar muito inferior aos subsídios governamentais globais à
produção e ao consumo de combustíveis fósseis. Estes foram de 312 bilhões
de dólares em 2009, de 470 bilhões de dólares em 2010 e de 544 bilhões em
2012, segundo a Agência Internacional de Energia 624. Segundo diferentes
critérios de avaliação, eles atingiram 775 bilhões a um trilhão de dólares ou
mesmo mais em 2012625. Graças em parte a esses subsídios, os lucros das
cinco maiores companhias de petróleo do mundo – BP, Chevron, ConcoPhilips,
ExxonMobil e Shell – mais que triplicaram entre 2001 e 2011. Juntas, elas
realizaram nesse período mais de 1 trilhão de dólares de lucros, sendo que em
2008 e 2011 obtiveram lucros recordes de 140 e 137 bilhões de dólares, como
mostra o gráfico abaixo, com valores em dólares de 2011 (na coluna da
esquerda são fornecidos os lucros combinados dessas cinco empresas e na da
direita, os preços da gasolina nos EUA)626.

Preços da gasolina e do gás nos EUA e


lucros de cinco corporações do petróleo
(2001-2011)

Fonte: Center for American Progress, a partir de dados da


Energy International Agency (EIA)
149

A declaração da reunião do G20 de 2009, segundo a qual os subsídios à


indústria do petróleo (bem como às de carvão e gás) seriam eliminados a
“médio prazo”, não impediu a quase triplicação dos subsídios entre 2009 e
2012. O documento final da Rio+20 nem sequer menciona essa declaração do
G20 em 2009, embora ambos os documentos sejam assinados pelos mesmos
governantes. Apenas na França, por exemplo, os subsídios à indústria de
energia fóssil atingem de 21 a 33,5 bilhões de euros por ano, dependendo da
forma como se calculem tais subsídios627.
Insista-se no fato de que a comparação acima proposta não é entre
investimentos em cada área (energias de menor impacto e fósseis). O que se
compara é, de um lado, investimentos na primeira e subsídios para a segunda,
desestimulantes para a primeira. Isto significa: o montante de dinheiro gasto
pelos Estados-Corporação para desestimular a inovação em energias
renováveis é três a quatro vezes maior que os investimentos para estimulá-la.
O capitalismo não está, portanto, transitando para formas menos impactantes
de energia. Ademais, num futuro previsível os investimentos em energias
alternativas e de menor impacto ambiental devem permanecer baixos.

O impasse da energia solar

Sarah Guillou analisou esse impasse, em especial no que se refere à


crise da indústria de energia solar, principal destino dos investimentos privados
e dos parcos subsídios governamentais às energias renováveis em um trabalho
cujo título anuncia suas conclusões: o crepúsculo da indústria solar 628. Em seu
State of the Union Speech de 2011, o Presidente Barack Obama declarou
envidar esforços para que 80% da energia elétrica dos EUA provenha em 2035
de “fontes de energia limpa” (clean energy sources). A realidade é que o
conjunto dessas energias ainda não excediam em 2012 o modesto percentual
de 16% da energia mundial, contra mais de 80% em energias provenientes da
queima de combustíveis fósseis. A se manter o ritmo atual de investimento em
energias renováveis, esse percentual não excederá 21% em 2030, declarou
Adnam Amin, diretor da Agência Internacional para as Energias Renováveis
(IRENA), por ocasião da 3ª Assembleia geral, realizada em 15 de janeiro de
2013 em Abu Dhabi. Eis a progressão em bilhões de dólares dos investimentos
nas chamadas “energias limpas” desde 2006:

2006 – 113,7 2010 – 251,1


2007 – 164,5 2011 – 302,3
2008 – 190,8 2012 – 268,7
2009 – 186,9

Esses dados, publicados pela Bloomberg New Energy Finance (BNEF) em 14


de janeiro de 2013, mostram que em sete anos os investimentos mundiais em
energias renováveis multiplicaram-se por um fator de menos de 2,4, sem contar
a inflação (nos EUA, a inflação acumulada no mesmo período foi de 15,78%), e
inclusive recuaram em 11% em 2012 em relação a 2011. Com exceção da
China, cujos investimentos cresceram em 20% (67,7 bilhões de dólares) e do
Japão, cujos investimentos cresceram nessa área em 75% (16,3 bilhões de
dólares), as demais grandes economias desinvestiram: -32% (44,2 bilhões) nos
EUA, -44% na Índia, -35% na França, -51% na Itália, -68% na Espanha 629. Os
150

dados publicados pela Bloomberg New Energy Finance (BNEF) em outubro de


2013 confirmam a tendência de queda, já que “o investimento em energias
limpas caiu 14% no terceiro quarto [de 2013] em relação ao segundo quarto
desse ano”630. A tendência decrescente em investimentos em energias
chamadas limpas reflete o fato de que:

“o impulso em direção a limpar a energia mundial estagnou-se. Não obstante o


palavreado dos líderes mundiais, e o boom de energias renováveis na década
passada, a unidade média de energia produzida hoje é basicamente tão suja
quanto há vinte anos”.

Este é o veredito de Maria van der Hoeven, Diretora Executiva da AIE em seu
discurso de abertura do 4º Congresso Mundial do Release of Tracking Clean
Energy Progress, em abril de 2013631.

4.4. Petróleo e gás não-convencionais. A devastação maximizada

Como afirmado no início do capítulo, a escassez de petróleo líquido


desencadeia, não uma busca de soluções de menor impacto ambiental, mas
uma caça desesperada ao petróleo através de métodos e procedimentos ainda
mais destrutivos que os empregados na situação anterior. De fato, o declínio do
petróleo líquido levou: (1) à regressão ao carvão, fenômeno examinado no
próximo capítulo; (2) a um boom das formas não-convencionais de petróleo,
extraído de rochas de xisto betuminoso (shale oil) e de areias betuminosas (tar
sands); (3) à maior produção de petróleo de coque (pet coke).
Areias betuminosas são partículas de areia envoltas por uma camada
microscópica de água, ela própria envolta em betume (thick oil). O xisto
betuminoso é uma rocha sedimentar impregnada em sua constituição interna
com 5% a 10% de material oleoso, o betume632.
Já as reservas não-convencionais de gás metano (CH 4) são assim
chamadas por diferirem do gás natural no que se refere a seu método de
extração, a fraturação hidráulica das rochas que o contêm. Há três formas de
gás não-convencional: (a) o gás de xisto (shale gas), aprisionado na rocha
onde se formou em profundidades da ordem de 3 a 4 mil metros; (b) o gás de
reservatórios compactos (tight gas), que se formou em argilas muito profundas
e migrou para os extratos geológicos superiores, mais densos; (c) o gás de
carvão, aprisionado em bolsões desse mineral, sempre temido pelos mineiros
de carvão dado o perigo de explosão633.

Areias betuminosas

Em Alberta, no Canadá, onde a extração de petróleo de areias


betuminosas ocorre em escala gigantesca, estas se compõem em média de
83% de areia, 4% de água, 3% de argila e por volta de 10% de betume.
Escavadeiras gigantes removem 400 toneladas de areia por vez. A areia é
misturada com água quente e, em seguida, com solventes e outras substâncias
tóxicas de modo a separar e refinar o betume. Para se produzir 3,7 litros de
petróleo (um galão norte-americano) a partir de areias betuminosas usam-se
130 litros de água. No todo, a extração, o refino e a transformação final de
betume em petróleo líquido lança mão de processos que destroem florestas e
151

deixam lagos de lama tóxica, além de serem mais intensos emissores de gases
de efeito estufa. Um estudo de Lorne Stockman mostra que 634:

“As emissões causadas pela extração de petróleo das areias betuminosas e


por seu refino são 3,2 a 4,5 vezes mais elevadas que as emissões oriundas da
produção de petróleo convencional na América do Norte”.

Segundo James Hansen635:

“as areias betuminosas do Canadá (...) contêm o dobro do dióxido de carbono


emitido pelo uso de petróleo em toda a nossa história. As areias betuminosas
contém 240 gigatoneladas de carbono, suficientes para acrescentar 120 ppm
de CO2” [às 400 partículas por milhão na atmosfera atingidas em 2012].

A exploração do petróleo das areias betuminosas de Alberta compromete o


Cold Lake e as bacias do Rio Peace e do Rio Athabaska, que recobrem
uma área de 146 mil km2. Um estudo publicado no PNAS mostra que636:

“a indústria do petróleo de areias betuminosas libera no ar e despeja na água


do rio Athabaska e em sua bacia hidrográfica os 13 elementos poluidores
prioritários (PPE), tal como considerados pela Lei da Água Limpa [Clean Water
Act] da Agência de Proteção Ambiental dos EUA”.

Rejeitos tóxicos a céu aberto em tanques de decantação estendem-se por mais


de 60 km ao longo do rio Athabaska637. E, não sendo impermeáveis, estes
tanques a céu aberto liberam gases, vazam na água do rio Athabaska,
além de contaminar os solos, atingindo os lencóis freáticos. O contato com
esse material é mortífero para milhares de aves migratórias e a perda de
habitat tem um impacto também fatal para as espécies vegetais e animais
que outrora constituíam a riqueza biológica desse território.

O fracionamento hidráulico
(hydraulic fracturing ou fracking)

O fracking ou fracionamento hidráulico ou ainda hidrofracionamento é


um procedimento de exploração de gás e petróleo subterrâneo que consiste
em injetar no subsolo a profundidades de até 4000 metros enormes
quantidades de água misturada a substâncias químicas e areia ou cerâmica.

Os sete grandes danos causados pelo fracionamento hidráulico

1. Terremotos

No que se refere à extração de gás, tais injeções causam miniterremotos


que microfissuram e fragmentam as rochas e, por aumento de pressão,
congelam o gás termogênico ali existente. Na realidade, não se trata sempre
de miniterremotos, como demonstrado por vários estudos. O abalo sísmico de
5,7 graus na escala Richter, ocorrido em novembro de 2011 em Oklahoma, e
sentido em 17 estados dos EUA, deveu-se ao contínuo preenchimento de uma
falha geológica com água, areia e diversas substâncias químicas regurgitadas
de uma operação de hidrofracionamento para a extração de gás de xisto 638.
152

Tais operações continuam a provocar em Oklahoma terremotos de magnitude


superior a 3 graus da escala Richter. Algo como 50 pequenos terremotos de
magnitude 1,0 a 2,8 ocorreram nesse estado, tendo por origem o campo de
hidrofracionamento de Eola639. Os estados de Arkansas, Texas e Colorado
vivem uma situação comparável640. “Mais de 109 pequenos terremotos (Mw 0.4–
3.9) foram detectados em janeiro e fevereiro de 2010 em Youngstown, na área
de Ohio, onde no passado não se detectavam terremotos. Estes choques
ocorreram perto de um poço de injeção de fluídos. Os 14 meses de sismicidade
incluíram seis terremotos e culminaram com um choque de Mw 3.9 em 31 de
dezembro de 2011”641.

2. Desperdício de água

As operações de hidrofracionamento requerem quantidades enormes de


água. Um único poço de petróleo explorado por hidrofracionamento na
Califórnia em 2013 consumiu 87% da água consumida por uma família de 4
pessoas durante todo o ano, segundo admite a Western States Petroleum
Association, um grupo de lobbying que trabalha para a indústria de petróleo 642.
Segundo o documentário Gasland (2010), de Josh Fox, esse consumo é
muitíssimo maior, já que cada operação de hidrofracionamento requereria 3
milhões a 25 milhões de litros de água, enquanto outras fontes indicam que
poços horizontais de xisto chegam a um uso de mais de 30 milhões de litros
por poço643. Um mesmo poço pode ser hidrofracionado até 18 vezes e a cada
vez demandará idênticas quantidades de água. Segundo estimativas realizadas
em 2010 pela EPA, a cada ano são usados 240 a 480 bilhões de litros de água
para o hidrofracionamento em 34 estados dos Estados Unidos. O transporte de
três milhões de litros de água, nova ou usada, requer em média 200 viagens de
caminhões.

3. Toxicidade

A água usada no hidrofracionamento é misturada a areia e a um


composto de fluídos inibidores de corrosão, gelificantes, viscosificantes, entre
os quais diesel644, bromidos, cloridos, tiocianometil tiobenzotiazil (TCMB), bem
como os chamados BTEX (benzeno, tolueno e etilbenzeno). Segundo Brian
Ellis, é possível que reações químicas desencadeadas por essas substâncias
nas rochas as façam liberar arsênico, bário, estrôncio e urânio, elementos
encontrados nas águas usadas após o hidrofracionamento que podem provir
das rochas645.

4. Contaminação dos lençóis freáticos

Estudos mostram que 20% a 85% dessas substâncias permanecem no


subsolo, podendo contaminar os lençóis freáticos. Embora a poluição dos
lençóis freáticos tenha sido associada, inclusive pela EPA, ao uso desse
método de perfuração, em 2005 a emenda à Energy Bill proposta pelo
presidente George W. Bush e por seu vice-presidente Dick Cheney (depois
conhecida como Halliburton Loophole, ou a brecha da Halliburton) liberou-o de
um enquadramento estrito na lei de proteção ambiental da água, o Safe
Drinking Water Act e garante à Halliburton e outras corporações o direito de
153

não declarar as substâncias químicas utilizadas no hidrofracionamento. Em


setembro de 2012, a EPA tinha em mãos, conforme relata um estudo conjunto
de Marie-Béatrice Baudet, Jean-Michel Bezat, Stéphane Foucart, Hervé Kempf,
publicado no Le Monde daquele mês, mais de 40 queixas de contaminação de
água potável por hidrocarbonetos, de depleção de lençóis de água, de aumento
de sua salinidade, de poluição por resíduos tóxicos, de vazamentos de aditivos
químicos usados no hidrofracionamento, de fogo sendo expelido pelo
encanamento de casas e mesmo de explosão de uma casa em Bainbridge em
Ohio. Essas queixas têm origem em três etapas do hidrofracionamento: (1) no
retorno dos aditivos químicos injetados, “enriquecidos” agora com os metais
pesados e radiativos já existentes no subsolo que a injeção dissolve nesse
processo, (2) nos vazamentos na tubulação pela qual o gás sobe à superfície e
(3) na cimentação defeituosa dos tanques e poços, como demonstrado por um
estudo publicado na PNAS em maio de 2011.

5. Poluição atmosférica

Parte dos fluídos empregados no hidrofracionamento retorna à


superfície. Inutilizáveis, essas quantidades enormes de água usada e de
substâncias químicas – às quais se adicionaram metais pesados e elementos
radioativos provenientes da rocha hidrofraturada – são estocadas em tanques
superficiais que liberarão toxinas na atmosfera, ou em velhos poços ou ainda
em falhas geológicas como a de Wilzetta, em Oklahoma. Um estudo reporta
concentrações atmosféricas de hidrocarbonetos consideradas cancerígenas
nas proximidades dos poços de gás de xisto, em decorrência da volatilidade de
gases como o trimetilbenzeno, o xyleno e os hidrocarbonetos alifáticos 646. Em
dezembro de 2011, a Texas Commission on Environmental Quality (TCEQ)
reportou que as operações de hidrofracionamento nesse estado “emitem mais
compostos orgânicos voláteis (COVs) que todos os carros, caminhões, ônibus
e outros veículos na área combinados. (...) Os dados da TCEQ mostram que os
COVs provenientes da produção de petróleo e de gás aumentaram 60% desde
2006. Ozônio, um gás corrosivo que pode exacerbar a asma e outras doenças
respiratórias, é criado quando COVs liberados pelas operações em contato
com o calor e a luz do sol”647.

6. Destruição dos habitats

Nada ou muito pouco resta dos habitats vitimados pelo


hidrofracionamento. Eles são devastados para a instalação de grandes
superfícies cimentadas e/ou asfaltadas sobre o qual repousarão os
equipamentos de extração, cisternas e outros recipientes de estocagem, que
ocupam em média 3,6 hectares por plataforma de perfuração. E como,
contrariamente às jazidas de gás natural, cada jazida de gás de xisto contém
em geral pouco gás, “é preciso em média cinquenta poços de gás de xisto para
produzir a mesma quantidade de gás de um poço de gás no Mar do Norte” 648.
Para escoar a produção de cada uma dessas plataformas, estradas e
gasodutos rasgarão a vegetação interposta entre a zona de captação e a zona
de consumo. Segundo a Nature Conservancy, o desmatamento necessário
para a construção dessas estradas e gasodutos “fragmenta a floresta,
154

mudando as condições de habitat das espécies sensíveis que dependem das


condições da floresta profunda”.

7. Os vazamentos de gás metano

O hidrofracionamento para a obtenção de gás metano (CH 4) deixa


escapar percentuais consideráveis dele na atmosfera. O metano é um gás de
efeito estufa que, comparado molécula a molécula com o CO 2, possui um
coeficiente de aquecimento superior em 20 a 25 vezes ao deste último gás.
Contrariamente aos valores considerados pela EPA dos EUA, que fixava em
2009 em 2,4% a porcentagem de escape de metano na atmosfera nos
processos de extração de gás de xisto por hidrofracionamento, dois estudos
mostram percentuais muito superiores de vazamento. Em 2011, um estudo
publicado na revista Climate Change Letters por uma equipe de pesquisadores
coordenada por Robert Howarth, Professor emérito da University of Cornell,
calculou que os poços de gás de xisto deixam vazar entre 3,6% e 7,9% do
metano ao longo de seu período de exploração. Howarth afirma que649: "do
ponto de vista climático, o gás de xisto é pior que o gás convencional, e é pior
também que o carvão e o petróleo”. Outros estudos empreendidos por
Gabrielle Pétron e por cientistas da NOAA e da University of Colorado in
Boulder detectaram valores médios de 2% a 8% e de até 9% de escape, isto é,
quase quatro vezes mais que as mensurações propostas pela EPA 650. Enfim,
um estudo publicado no PNAS em 2014 revela a existência de “um fluxo
regional significativo de metano sobre uma larga área de poços gás de xisto no
sudoeste da Pennsylvania, na formação Marcellus”. O escape detectado é de
“2 a 3 ordens de magnitude maior que as estimativas da EPA para esta fase
operacional”651. Isto ocorre porque os fluídos utilizados para o
hidrofracionamento das rochas de xisto carregam consigo, quando bombeados
para a superfície, bolhas de metano que se dispersam na atmosfera. O gás
escapa também quando da abertura do poço e dos gasodutos e demais
reservatórios, jamais estanques. Segundo a America's Natural Gas Alliance, as
emissões de CO2 na atmosfera pela combustão do gás metano são 44%
menores que as emissões por queima de carvão 652. Um estudo publicado em
abril de 2012 na PNAS653 indicava que esta vantagem se mantinha até o limite
de um escape de metano da ordem de 3,2%. Os resultados obtidos de um
escape de até 9% de metano na sua exploração por hidrofracionamento e no
seu transporte em gasodutos mostram, portanto, uma considerável
desvantagem da produção de gás metano por hidrofracionamento em relação
ao carvão, ao menos no que se refere às emissões de gases de efeito estufa.
No que se refere ao vazamento de metano dos gasodutos, problema que
atinge tanto o gás não-convencional quanto o convencional, um estudo de
Robert Jackson, da Duke University, detectou, apenas em Boston, 3000
vazamentos de gás metano dos gasodutos.

O petróleo de coque

O petróleo de coque (pet coke) é um subproduto da destilação do


petróleo pela qual se obtém nafta e um precursor do diesel. Sua importância
vem crescendo à medida que cresce a produção de petróleo extraído de areias
betuminosas porque ele é, hoje, sobretudo, um subproduto fundamental desse
155

processo não-convencional de obtenção de petróleo 654. Petróleo de coque é o


petróleo em sua forma mais suja e mais barata. O petróleo de coque “é pior
que um subproduto. É um subproduto-lixo, cuja armazenagem é custosa e
inconveniente e cuja produção efetivamente não custa nada” 655. Trata-se de um
combustível similar ao carvão e mais poluente que ele, pois, como
demonstrado em medições recentes656, sua queima emite muito mais dióxido
de enxofre (SO2) e óxido de nitrogênio (NO) que a queima do carvão. Graças à
tecnologia de dessulfurização hoje disponível, seria possível retirar grande
parte do enxofre do petróleo de coque. Mas este processo encareceria demais
o produto e mesmo que se removessem 80% do enxofre do petróleo de coque,
o enxofre remanescente ainda seria o equivalente ao emitido pela queima de
carvão. Como se verá no próximo capítulo, as reações químicas derivadas
dessas emissões atmosféricas são uma das causas primárias das chuvas
ácidas (com pH menor que 5,7). Além disso, segundo Lorne Stockman, da
ONG Oil Change International657:

“a queima de petróleo de coque produz 5% a 10% a mais de CO 2 que a queima


de carvão por mesma unidade de energia. Uma tonelada de petróleo de coque
libera em média 53,6% mais CO2 que uma tonelada de carvão. As reservas
provadas de areias betuminosas do Canadá fornecerão cerca de 5 bilhões de
toneladas de petróleo de coque – o suficiente para abastecer plenamente 111
usinas termelétricas dos EUA até 2050. Por se tratar de um subproduto do
processo de refino, as emissões causadas por petróleo de coque não são
incluídas na maioria das avaliações de impacto climático das areias
betuminosas ou de produção e consumo de petróleo convencional. Assim, o
impacto climático da produção de petróleo tem sido subestimado”.

A produção de petróleo de coque aumentou 4% desde 1991, atingindo


88 Megatoneladas em 2005. Nos EUA, responsáveis por cerca de 70% de sua
produção mundial, 90% do petróleo de coque é utilizado em centrais
termelétricas, sendo o restante utilizado nas indústrias de cimento, alumínio e
aço. A demanda internacional por esse subproduto, sobretudo de parte da
China, Índia, Japão, Turquia, Itália, Espanha e México, vem aumentando e
graças a ele os EUA tornaram-se pela primeira em 60 anos mais exportadores
que importadores de petróleo. A China absorve 20% dessas exportações.
“Entre janeiro de 2011 e setembro de 2012”, afirma Lorne Stockman, “os EUA
exportaram mais de 8,6 milhões de toneladas de petróleo de coque para a
China, a maior parte do qual foi provavelmente queimado em usinas movidas a
carvão”. Na primeira metade de 2013, a China importou 55% a mais de
petróleo de coque que no primeiro semestre de 2012.

4.5. Desintoxicação ou overdose?

Um espectro ronda o mundo. O espectro de seu destino energético. A


expectativa do Ministério da Defesa do Reino Unido é que o preço do petróleo
ultrapasse por volta de 2040 a barreira dos 500 dólares o barril 658. Em fevereiro
de 2006, o ex-presidente George W. Bush declarou que os EUA estavam
viciados em petróleo (“America is addicted to oil”), fato indubitável, a começar
por sua família, proprietária da Bush-Overbey Oil Development Corporation,
criada por seu pai em 1950. Se toda a sociedade industrial contemporânea
156

está há mais de um século viciada em combustíveis fósseis, então o advento


das formas não-convencionais de sua exploração, acima analisadas, poderá ter
– dependendo da escala e da rapidez com que se consigam disponibilizá-las –
um efeito equivalente ao impacto que representou para os viciados em cocaína
o advento do crack.
Nada, hoje, permite afirmar que as sociedades estejam dispostas a
renunciar aos combustíveis fósseis quaisquer que sejam os riscos envolvidos
em sua exploração e consumo. O petróleo do pré-sal no Brasil, por exemplo,
suscitou controvérsias sobre a partilha de seus royalties e sobre a engenharia
econômica de sua exploração pela Petrobrás, cujos custos projetados até 2017
montam a US$ 237 bilhões, o maior investimento do mundo atualmente
programado por uma única corporação 659. Os custos ambientais e os riscos de
catástrofe em que se incorre ao extrair petróleo situado a 170 km do litoral, a 2
mil metros de profundidade no mar e a 6 mil metros de profundidade no
subsolo, além das maiores concentrações de gases de efeito estufa
decorrentes de sua queima, não foram argumentos audíveis nesses debates,
ao menos fora dos círculos científicos.
A se manter essa atitude, haverá que se considerar duas incógnitas: (1)
há reservas de combustíveis fósseis não-convencionais suficientes para
substituir o petróleo e o gás convencionais, de modo a satisfazer a demanda
crescente de energia já na primeira metade do século XXI? (2) mesmo que
haja, essa substituição ocorrerá a um ritmo capaz de evitar um gargalo do fluxo
energético nos dois ou três próximos decênios?
Ninguém, salvo engano, detém respostas seguras para essas duas
questões. Se o declínio da produção de petróleo convencional ocorrer ao ritmo
previsto por Robert Hirsch (2% a 4% ao ano após 2015), e se não houver
tempo hábil para substituí-lo por outros combustíveis fósseis, isto significará a
inviabilização da sociedade de consumo e, em geral, do capitalismo global
contemporâneo, baseado no transporte entre os portos do planeta de cerca de
500 milhões de containers por ano660. Nesse cenário de escassez e/ou de
gargalo, abrem-se em leque mundos insondáveis. Na ponta mais sombria dele,
teríamos a Teoria de Olduvai de Richard Duncan (1989-1996), que prevê o fim
da sociedade industrial e uma próxima queda numa abissal “idade da pedra
pós-industrial”661. A teoria de Duncan baseia-se na hipótese de Sir Fred Hoyle
(1915-2001), um cosmologista de Cambridge, segundo o qual “com o término
do carvão, do petróleo e das jazidas de metais de alto grau, nenhuma espécie,
por competente que seja, pode perfazer a longa ascensão das condições
primitivas à tecnologia de alto nível”662.
Na ponta mais otimista, poderíamos ganhar mais que perder se a
escassez de petróleo produzisse um “choque terapêutico”, uma espécie de
desintoxicação por abstinência forçada, experiência penosa, mas salutar, pois
nos obrigaria a “desmamar” das energias fósseis e a investir de modo
consequente nas energias de menor impacto. Por arriscada que fosse essa
longa síndrome de privação, a escassez de petróleo seria talvez a
oportunidade de ouro para nos desviarmos in extremis da rota do colapso
ambiental.
Se, por outro lado, a transição do petróleo convencional por seus
sucedâneos fósseis ocorrer sem gargalo e se estes forem capazes de
satisfazer por mais 50 ou 100 anos a voracidade do capitalismo global, a
poluição geral, a petroquímica, a plastificação dos giros oceânicos, os POPs,
157

os fertilizantes, as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, as


mudanças climáticas daí decorrentes, acarretando a liberação de quantidades
descomunais de metano aprisionado no gelo, devem com toda a probabilidade
conduzir a um colapso socioambiental. A menos que nossas sociedades,
viciadas e anestesiadas pelos combustíveis fósseis e por tudo o que têm
proporcionado, encontrem em si a coragem, a lucidez e a força de se impor a
dolorosa decisão de abandonar o petróleo e seus sucedâneos fósseis antes
que eles nos destruam, a menos que redefinam quanta energia é de fato
necessária para uma vida civilizada – o que pressupõe redefinir o que significa
civilização –, elas acabarão presas de três mecanismos perversos, pois quanto
mais durar a sobrevida dos combustíveis fósseis:

1. mais lenta, difícil e custosa será a transição energética, já que uma transição
de matriz energética requer um estoque de energia abundante e barata para se
realizar;

2. mais essa sobrevida aumentará a desorganização socioeconômica em que


seu esgotamento nos lançará, quando este finalmente chegar, para uma
população, ademais, talvez cerca de 50% acima da de 2014 e embalada pela
ilusão de um aumento ilimitado do consumo per capita de energia;

3. mais, enfim, a biosfera sofrerá as consequências de processos devastadores


e de mudanças climáticas catastróficas, até o ponto em que os desequilíbrios
inviabilizarão não apenas a transição energética, mas a sobrevivência de
qualquer sociedade organizada. Como veremos no capítulo 10, é convicção da
comunidade científica que a aceleração das concentrações de gases de efeito
estufa na atmosfera provocada pelo uso continuado de combustíveis fósseis
acarretará um “planeta largamente inabitável”, expressão de Steven Sherwood,
subscrita por uma suma de trabalhos científicos.
158

5. A regressão ao carvão

É tal a importância do carvão no agravamento das crises ambientais,


que um capítulo a respeito se impõe. O carvão é o mais importante fator no
aumento das concentrações atmosféricas de CO 2. Segundo Maria van der
Hoeven, Diretora-executiva da AIE: “Mais de três quintos do aumento das
emissões de CO2 desde 2000 devem-se à queima de carvão para produzir
eletricidade e calor”663. Os dados da Clean Coal Centre da Agência
Internacional de Energia (IEA) mostram que há no mundo 2300 estações
geradoras de energia movidas a carvão (coal-fired power stations), 620 das
quais na China664. Dado que 1142 delas encontram-se nos Estados Unidos 665,
entende-se sem dificuldade a suposta “guerra contra o carvão”, mote lançado
por Daniel P. Schrag, membro do Conselho de Ciência e Tecnologia da Casa
Branca, e tão alardeado pela imprensa 666. Observa-se, de fato, certa
mobilização global contra o carvão: algumas usinas termelétricas de carvão
serão descontinuadas a curto e médio prazo na China e nos EUA, o carvão
perdeu atratividade para alguns investidores e o Banco Mundial está
restringindo o financiamento a novas usinas termelétricas a carvão. Além disso,
as populações vitimadas pela poluição gerada pela extração, transporte,
processamento e queima do carvão começam a dar mostras de impaciência.
Mas nada disso é decisivo. A inapetência pelo carvão é uma questão de
rentabilidade: “enquanto as emissões de CO 2 a partir de termelétricas movidas
a carvão caíram 13,1% entre 2005 e 2012, segundo a U.S. Energy Information
Administration, elas aumentaram 7,1% no primeiro quarto deste ano [2013] à
medida que os preços do gás natural aumentaram e as usinas começaram a
queimar carvão”667. A debilidade do Presidente Obama frente aos lobbies do
carvão é notória. As normas baixadas em 20 de setembro de 2013 pela EPA,
regulamentando a captura de carbono para as novas (e apenas estas) usinas
termelétricas à base de carvão, suscitaram a reação da Peabody Energy, a
maior corporação de carvão do mundo, para quem essa normatização está
“fora do reino da lei, fracassa em proteger o consumidor norte-americano e
agredirá a confiabilidade elétrica e a habilidade norte-americana para
competir”668. Dado o histórico de Obama, a atual correlação de forças e o Coal
Caucus formado por um grupo bipartidário de deputados dispostos a derrubar
essas normas669, não parece promissor apostar no presidente. Como se não
bastasse, a atual tecnologia de captura de carbono é tão ineficiente que emite
quase tanto carbono em sua instalação e operação quanto o captura... Quanto
aos escrúpulos do Banco Mundial, há muitas fontes de investimento
alternativas, de modo que, como se verá adiante, os projetos de novas usinas
termelétricas à base de carvão vão de vento em popa. A insatisfação popular,
enfim, em seu estado atual de organização, mal arranhará a tendência ao
crescimento mundial do carvão.
Analistas das mais diversas procedências dizem-no em uníssono: o
carvão continuará sua tendência ascensional. Maria van der Hoeven, já citada,
afirma: “Gostemos ou não, o carvão está aqui para ficar ainda por um longo
159

tempo”670. Colin Marshall, diretor executivo da Cloud Peak Energy, outra das
maiores corporações do carvão nos EUA, declarou em setembro de 2013: “Se
a história significa algo, o mundo em poucos anos necessitará de mais
commodities, metais e energia, incluindo carvão” 671 Andy Roberts, da Wood
Mackenzie ecoa: “O crescimento será menor, mas continuará a ocorrer e
simplesmente não vemos o pico do carvão” 672. Os números mostram que nos
últimos dez anos a produção mundial de carvão não cessou de aumentar:

Produção mundial de carvão em gigatoneladas entre 2003 e 2011

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

5,3 5,71 6,03 6,34 6,57 6,79 6,88 7,22 7,69

Fonte: BP Statistical Review of World Energy. Junho de 2012 (em rede)

Em 2012, a produção global de carvão foi de 7,83 Gt 673. Em dez anos, houve,
portanto, um aumento de cerca de 45% na produção global de carvão, ao
passo que a população mundial aumentou no mesmo período de 6,35 a 7,08
bilhões, isto é, em apenas pouco mais de 10%. Em 2013, a produção continuou
a aumentar. “Extraímos hoje 8 a 9 Gigatoneladas de carvão por ano e estima-
se que em 2030 serão extraídos 13 Gt por ano (...). Uma Gt é mais que duas
Muralhas da China que tem 6250 km de comprimento” 674. Outro modo de
perceber esse aumento contínuo em nosso século é exprimi-lo em termos de
consumo de toneladas de petróleo equivalente. O gráfico abaixo mostra um
aumento de 56% nesse consumo entre 2001 e 2011, com uma taxa de
crescimento econômico global na década de 4,4%, e de 5,4% nos países fora
da OCDE675.

Consumo global de carvão em milhões


de toneladas de petróleo equivalente

Fonte: http://gregor.us/coal/the-world-turns-to-coal/
a partir de BP Statistical Review of World Energy June 2013

O carvão é a derrisão das epopeias compostas à maior glória da


revolução tecnológica permanente do capitalismo. No mundo imaginado por
essas grandes narrativas, uma nova idade do homem, movida a energias mais
limpas, renováveis e eficientes – solar, hidrogênio, fusão nuclear, nitrogênio,
160

geotérmica, eólica, marítima, etc. – estaria já se descortinando. No mundo real,


o avanço tecnológico combina-se com o que se afigura, hoje, como uma
histórica regressão ao carvão, isto é, à infância da Revolução Industrial (veja-
se, abaixo, o item 5.3. “A nuvem começa com o carvão”). Em 1880, 97% da
energia primária consumida no mundo provinha do carvão, enquanto em 1970,
às vésperas da primeira crise do petróleo, apenas 12% era oriunda dele. Mas
em 2004, essa porcentagem mais que dobrara, atingindo 26%, enquanto em
2010, ela ainda progredira de um ponto percentual, atingindo 27% (sendo que
81,3% da oferta global de energia primária provinha então de combustíveis
fósseis). Em seu último relatório, de junho de 2013, a BP Statistical Review of
World Energy informa que o carvão atingiu em 2012 quase 30% (29,9%) do
consumo de energia primária no planeta676:

Participação do carvão no consumo de energia primária do planeta

2004 – 26%
2009 – 27%
2013 – 29,9%

O carvão é essencial em vários ramos da indústria, entre os quais a


indústria de aço, pois 70% da produção mundial de aço usa carvão (por vezes de
origem vegetal) em seus processos produtivos 677. Mas ele é utilizado sobretudo
na geração de eletricidade. Segundo a AIE, em 2012, a queima do carvão
correspondeu a cerca de 60% da produção mundial de energia elétrica gerada
a partir de fontes fósseis e a 41% da produção total de energia elétrica678. Eis
em 2012 o peso do carvão na geração de energia elétrica de alguns países
industrializados ou “emergentes”:

Participação do carvão
na geração de energia elétrica

Alemanha 41%
China 79%
Polônia 80%
EUA 45%
Austrália 78%
África do Sul 93%
Índia 68%
Fonte: World Coal Association
http://www.worldcoal.org/coal/uses-of-coal/coal-electricity/

Entre 2007 e 2012, a demanda global de carvão aumentou a uma taxa anual
de 3,4%. O gráfico abaixo mostra como o suprimento mundial de carvão
(expresso em bilhões de toneladas de petróleo equivalente) alcançou em 2011
o suprimento mundial do petróleo na faixa de 4 bilhões de toneladas de
petróleo equivalente.

Suprimento global de combustíveis fósseis


(petróleo = linha de cima; carvão = linha do centro; gás = linha de baixo)
161

Fonte: BP Statistical Review of World Energy 2012


http://ourfiniteworld.com/2012/12/19/why-world-coal-consumption-keeps-rising-what-economists-missed/

A Agência Internacional de Energia (AIE) projeta que a demanda de carvão


crescerá a uma taxa de 2,3% ao ano até 2018 679. Para o Worldwatch Institute
(WWI), em 2017 o carvão substituirá o petróleo como fonte primária dominante
de energia no planeta680. Em 2030, o carvão será, de longe, o principal
responsável pela energia elétrica produzida no mundo, conforme os cenários
projetados pela U.S. Energy Information Administration (EIA) e pela Agência
Internacional de Energia (AIE), que, de resto, pouco diferem entre si.

Porcentagens da geração de eletricidade por tipo de fonte geradora – 2030


segundo projeções da EIA e da AIE

Petróleo Gás Carvão Nuclear Hidrelétrica Biomassa/ eólia outros renováv.


lixo
Fonte: Institute for Energy Research, “Energy Forecasts Agree on Global Fossil Fuel Domination”, 2011
http://www.instituteforenergyresearch.org/2011/02/22/energy-forecasts-agree-on-global-fossil-fuel-domination/

Algo entre mais de um terço (34%) e quase a metade (43%) da energia elétrica
mundial provirá em 2030 do carvão. Essas porcentagens variam em função de
se aplicarem (34%) ou não (43%) as políticas preconizadas pela Agência
Internacional de Energia. Na melhor das hipóteses (34%), o carvão pesará
mais que o dobro das hidrelétricas e do nuclear, 50% a mais que o gás (22%),
sendo que as demais fontes, o petróleo (2%) e as renováveis e de menor
impacto ambiental não somarão, juntas, mais que 15%, isto é, menos da
metade do carvão. Isto na melhor hipótese.
Na pior hipótese, a do business as usual, o carvão representará sozinho,
com seus 43%, mais que a soma de todas as fontes, com exceção do gás
(21%) e quase igualará a soma do gás, do nuclear e da energia hidrelétrica
(46%). Tanto na melhor quanto na pior hipótese, o futuro, como se vê, pertence
ao carvão, o mais primitivo e poluente dos combustíveis fósseis.
Outro gráfico realizado a partir de dados e projeções da Agência
Internacional de Energia (AIE) mostra como o aumento do consumo do carvão
162

na geração de energia elétrica acelera-se a partir do segundo decênio do


século. Segundo esse quadro, o carvão fornecerá 50% do aumento da oferta
de energia elétrica nas próximas duas décadas.

Eletricidade global anual segundo as fontes geradoras


(em TWh, de 1990 a 2035)

Fonte: AIE. A partir de Mark P. Mills, The cloud begins with coal. Big Data,
Big Networks, Big Infrastructure and Big Power. An Overview of the Electricity
Used by the Global Digital Ecosystem. Agosto de 2013
http://www.tech-pundit.com/wp-content/uploads/2013/07/Cloud_Begins_With_Coal.pdf?c761ac

5.1. Os quatro fatores que favorecem o avanço do carvão

Quatro fatores têm fortalecido a opção pelo carvão.

(1) O primeiro é, como visto no capítulo anterior, o aumento do preço do


petróleo e a percepção de que qualquer eventual queda no seu preço será
conjuntural681. Ao contrário do petróleo, o carvão é abundante e acessível.
Segundo a World Coal Association682:

“estima-se que há mais de 861 bilhões de toneladas de reservas provadas. Isto


significa que haverá carvão disponível nos próximos 112 anos, mantidos os
níveis atuais de produção”.

Expressas em short tons (1 short ton = 907 kg), essas reservas provadas de
carvão montam hoje a pouco mais de 900 bilhões de toneladas, o que equivale
a 4.196 BBOE (billion barrels of oil equivalent), isto é, energia em carvão
equivalente à energia fornecida por pouco mais de 4 trilhões de barris de
petróleo. O gráfico abaixo mostra a abundância das reservas provadas de
carvão em relação ao gás e ao petróleo, conforme sua distribuição em países
ou regiões e comparadas em termos de equivalentes energéticos de petróleo.
Com exceção da América do Sul e do Oriente Médio, regiões mal aquinhoadas,
essas reservas distribuem-se por 70 países e pelas demais regiões do planeta
de modo não tão desigual quanto o petróleo.
163

Reservas globais provadas de petróleo, gás e carvão


em bilhões de toneladas de petróleo equivalente

Fonte: BP Stastistical Review of World Energy 2011

As reservas de carvão concentram-se, sobretudo, na África do Sul,


Moçambique, Índia, Austrália, China, Mongólia, Indonésia, Rússia e Estados
Unidos. Como visto acima, a Índia, a China, o Japão, a Polônia, a Alemanha, a
África do Sul e os Estados Unidos são crucialmente dependentes do carvão; a
Austrália nele tem sua principal fonte de receitas de exportação. Para as
burocracias e corporações russas, chinesas e norte-americanas, a expectativa
de lucrar com os 8 trilhões de dólares em que estão avaliadas essas reservas
conta mais que argumentos de cunho ambiental. Nada indica, portanto, que a
opção pelo carvão seja preterida em benefício de opções menos impactantes.

(2) O segundo fator que impulsiona o consumo do carvão é o declínio


dos recursos hídricos, fenômeno discutido no capítulo 2 (2.1. Declínio dos
recursos hídricos e 2.5. Hidrelétricas). A energia hidrelétrica não aumentará
doravante sua participação percentual na geração global de energia elétrica.
Como mostra o gráfico acima, segundo a Agência Internacional de Energia
(AIE), em 2011, a geração de energia elétrica por hidrelétricas era da ordem de
16% da geração global. Em 2030, essa participação permanecerá em 16% ou
cairá para 14%, segundo a EIA (U.S. Energy Information Agency).

(3) O terceiro fator é, como visto no capítulo precedente, a recente


abundância de gás extraído por hidrofracionamento nos EUA. A entrada do gás
não-convencional no mercado norte-americano estimulou a partir de 2009 as
exportações de carvão, como mostra o gráfico abaixo.

Exportações de carvão dos EUA


em milhões de toneladas
164

Fonte: Alison Sider, “The Future of Coal: Gulf Coast Hums as Exports Rise”.
The Wall Street Journal, 8/I/2014, a partir de Global Trade Information Services (em rede)

A imensa jazida de carvão de Powder River Basin, entre os estados de


Wyoming e Montana nos EUA, já exporta 7 milhões de toneladas anuais para a
Ásia, mas tem potencial para exportar até 135 milhões de toneladas por ano,
caso se construam três portos projetados para dar vazão a essa demanda683.

(4) Quarto fator: cinco dentre as maiores economias do planeta – os


EUA, a China, o Japão, a Alemanha e a Índia –, com cerca de 40 trilhões de
dólares de PIB (mais da metade do PIB mundial), estão ancoradas no carvão e
vêm impulsionando esse consumo nos últimos decênios. O consumo de carvão
nos EUA – o segundo maior do mundo depois da China – duplicou nos últimos
quarenta anos, sendo que mais de 90% dele destina-se a alimentar usinas
termelétricas684. Entre 2000 e 2010, a China, o Japão e a Índia aumentaram
seu consumo, respectivamente, em 133%, 100% e mais de 40%. Veerappa
Moily, que reúne na Índia as funções de Ministro do Petróleo e do Gás Natural
e de Ministro do Meio Ambiente, acaba de dar o sinal verde para a abertura de
diversas minas de carvão685. O gráfico abaixo discrimina a participação desses
três países na curva da demanda desde 1965, sempre com dados expressos
em termos de potência energética equivalente ao petróleo (petróleo
equivalente). O consumo global multiplicou-se por 2,7 nos 47 anos entre 1965
e 2011. Mas mesmo se expurgássemos o consumo da China, Índia e Japão, o
consumo de carvão teria ainda assim crescido mais de 20%.

Consumo mundial de carvão


em milhões de toneladas equivalentes (mtoe)
165

Fonte: Centre for Global Energy Studies


http://www.cges.co.uk/news/755-is-coal-seeing-a-comeback-

A China, a Mongólia e a Indonésia

No esforço de controlar a poluição atmosférica, o governo chinês proibiu


em setembro de 2013 a construção de novas usinas termelétricas nas
vizinhanças de Pequim, Shangai e Guangzhou686. Essas são medidas paliativas
que não alteram significativamente o estado da questão. “Qualquer redução no
uso de carvão na costa leste da China será provavelmente compensada pelo
uso na região oeste, onde várias províncias têm planos para explorar suas
próprias reservas”687. O plano 2011-2015 visa a exploração de 860 milhões de
toneladas suplementares capazes de acrescer a produção de energia em mais
300 GW. Para tanto, o governo chinês aprovou a construção de ao menos mais
15 sítios de exploração de carvão, num investimento de 8,9 bilhões de dólares
que capacitaram o país a aumentar sua produção de carvão em mais 100
milhões de toneladas apenas em 2013. Segundo Deng Ping, do Greenpeace,
“a indústria do carvão continua a aumentar no noroeste da China. A escala
desses complexos foi raramente vista em outros lugares do planeta, com minas
a céu aberto, termelétricas movidas a carvão e instalações químicas vinculadas
à indústria do carvão no mesmo lugar” 688. A China aumentou sua produção
própria de carvão a ponto de poder exportá-lo. Mas o custo do transporte
interno entre as minas e as províncias da costa leste é tão elevado, que é
preferível importá-lo da Austrália e dos EUA. Segundo o estudo do Centre for
Global Energy Studies (CGES), “essa tendência continuará no futuro, pois a
eletricidade e os setores industriais da China dependem pesadamente de
carvão e seu deslocamento interno não é facilmente realizado. Além disso, as
reservas domésticas de carvão não são abundantes. A ratio reservas /
produção chinesa é de 35 anos, o que é pouco, se comparada com 240 anos
nos EUA e 500 na Rússia. Isto significa que por volta de 2015 a China pode ter
de importar 2 a 3 vezes mais carvão do que o faz hoje” 689.
Essa importação se fará provavelmente cada vez menos dos Estados
Unidos e cada vez mais da Austrália, da Indonésia e da Mongólia, onde a
gigantesca mina de Talvan Tolgoi (“As Cinco Colinas), a maior mina de carvão
166

de alta qualidade no mundo, situada a apenas 200 kms da fronteira chinesa,


começa a ser explorada por três corporações: a estatal chinesa Shenhua
Energy, a norte-americana Peabody Energy e um consórcio russo-mongol 690.

Austrália

No chamado Galilee Basin, situado em Queensland, no nordeste da


Austrália, estão em desenvolvimento nove projetos de mineração de carvão,
que arrasarão metade dos 8 mil hectares de uma reserva natural, o Bimblebox
Nature Refuge, habitat de koalas e de cerca de 150 espécies de pássaros,
algumas delas ameaçadas de extinção 691. Apenas um deles, a mina China
First, pertencente ao magnata do carvão, Clive Palmer, poluirá por ano 10
bilhões de litros (10 mil megalitros) de água dessa reserva natural 692. Cinco
desses projetos implantarão minas de carvão maiores que qualquer outra
atualmente em funcionamento na Austrália. Segundo cálculos do Greenpeace,
quando esses nove projetos estiverem operacionais, o carvão do Galilee Basin
emitirá, nos processos de extração e queima, 705 milhões de toneladas de
CO2-equivalente por ano, o que guindará o Galilee Basin à posição de sétima
“nação” mais emissora desse gás no mundo, atrás apenas da China, EUA,
Índia, Rússia, Japão e Alemanha693.
A Austrália já é hoje, sem essas novas minas, a maior exportadora
mundial de carvão. Suas exportações, sobretudo para o Japão, a China, a
Coreia do Sul, a Índia e Taiwan, cresceram mais de 50% nos últimos 10 anos,
sendo que a China quase dobrou suas importações desse país em 2012 694. A
economia da Austrália depende dessas exportações, graças às quais ela foi a
única a não se retrair em 2009 no concerto das economias industriais.

O Projeto Indomet na Indonésia

Um relatório do WWF de maio de 2014 mostra que o Coração de


Borneo, uma região de 220 mil km 2 de florestas protegida por uma convenção
de 2007 entre a Indonésia, Brunei e Malásia, perdeu desde então 10% de sua
cobertura florestal, sendo que “parte dessa área foi licenciada para as
madeireiras e mineradoras”695. Apenas as minas de carvão Asmin Koalindo
Tuhup e Marunda Graha Mineral, na região de Kalimantan, já produziram 19
milhões de toneladas de carvão nos últimos 10 anos. Agora, o projeto Indomet,
uma joint venture entre a BHP Billiton e sua subsidiária, Adaro Energy, avança
sobre 3500 km2 do Coração de Borneo, visando desenvolver jazidas com potencial
para a extração de 1,25 bilhão de toneladas de carvão. “Segundo o Fórum da
Indonésia para o Meio Ambiente (Wahli), além de emitir gigantescos volumes
de CO2, as minas, se implantadas, devem poluir duas bacias hidrográficas
maiores, destruir dezenas de milhares de hectares de floresta natural em uma
área de alta biodiversidade e ter sérios efeitos sobre a terra e os recursos das
populações locais”696.

Alemanha

O impacto do desastre da usina nuclear de Fukushima Daishii no Japão


em 2011 tem levado países de grande envergadura industrial, como o próprio
Japão, a Alemanha, a Suiça e o Reino Unido, a reverem suas opções
167

energéticas em detrimento do nuclear, o que, ao menos a curto e médio prazo,


supõe um incremento de novas usinas termelétricas. Em 2011, Angela Merkel
ordenou a descontinuação dos oito reatores nucleares mais antigos do país e
pretende descontinuar os nove reatores remanescentes até 2022.
Isto implica aumentar o uso do carvão. A Associação de Importadores da
Alemanha indicou um incremento de 25% nas importações de carvão em 2013.
Seis novas plantas movidas a carvão com uma capacidade de 4.536
megawatts devem entrar em operação na Alemanha em 2013, segundo os
dados do operador nacional de energia do país, o Bundesnetzagentur. E isso é
apenas o começo. “Se quisermos sair da energia nuclear e adotar energias
renováveis” declarou Merkel a seu Parlamento, “necessitaremos de usinas
termelétricas durante o período de transição. Ao menos 10, mais
provavelmente 20 Gigawatts [a partir de usinas movidas a combustíveis
fósseis], precisam ser construídas nos próximos 10 anos”.
Essas novas plantas funcionarão à base de gás e de carvão 697, mas
enquanto as usinas movidas a gás são deficitárias, as de carvão são lucrativas.
Segundo o Bloomberg, aos preços atuais do carvão, os operadores das plantas
movidas a carvão lucrarão 8,85 euros por megawatt/hora, ao passo que os
operadores de plantas movidas a gás amargarão um prejuízo de 18,74 euros
por megawatt/hora, o que tem motivado o fechamento de algumas delas.
As consequências dessa regressão ao carvão no primeiro PIB da
Europa e quarto do mundo já se fazem sentir. Em 2011, o país emitiu 917
milhões de toneladas de CO2 equivalente e em 2012 aumentou suas emissões
para 931 milhões de toneladas de CO 2 equivalente. Esse incremento confirma-
se em 2013 segundo as estimativas do Instituto DIW (Deutsches Institut für
Wirtschaftsforschung). Claudia Kemfert, diretora da unidade de energia de
Berlim do DIW, declarou à imprensa: “A tendência de aumento de emissões de
CO2 na Alemanha é alarmante”. De seu lado, Gerald Neubauer, do Greenpeace
da Alemanha, declarou: “O aumento do consumo de carvão é desastroso para
a política relativa ao clima e um mau sinal para a transição energética na
Alemanha”.

5.2. 1199 novas usinas termelétricas movidas a carvão

Em 2007 e nos anos subsequentes, “a China construiu, por semana,


duas usinas termelétricas movidas a carvão com capacidade equivalente a
cerca de 500 megawatts (MW). Cada uma dessas usinas de 500 MW gera por
ano 3 milhões de toneladas de dióxido de carbono” 698. Em 2012, ela continua
construindo uma usina de proporções comparáveis por semana 699. “Em 2013,
Pequim aprovou a construção de minas de carvão que elevarão sua produção
em mais de 100 milhões de toneladas. A escala do aumento, que inclui apenas
grandes projetos, reflete sua meta de pôr em operação 860 milhões de
toneladas a mais em sua capacidade de produção de carvão ao longo de cinco
anos até 2015, o que é mais que a inteira produção anual da Índia. (...) A
Comissão de Desenvolvimento Nacional e Reforma, o órgão máximo de
planificação da China, aprovou a construção de 15 novas minas de grande
escala de extração de carvão com uma capacidade de produção anual em
2013 de 101,3 milhões de toneladas” 700. Para compensar a perda em março de
2011 da usina nuclear de Fukushima Daishii, o Japão construiu duas usinas
168

termelétricas movidas a carvão que entraram em funcionamento em dezembro


de 2013.
Em novembro de 2012, um estudo do World Resources Institute (WRI)
inventariou 1199 novos projetos de usinas termelétricas movidas a carvão no
mundo todo, com uma capacidade instalada total de 1.401.278 MW. Esses
projetos, propostos por 483 empresas de energia, avançam em 59 países e
apenas a China e a Índia representam 76% das novas capacidades de geração
de energia previstas701. “Estimativas de um banco de dados de usinas
termelétricas movidas a carvão elaborado pelo Greenpeace do Extremo-
Oriente mostram que 570 novas usinas movidas a carvão, com uma
capacidade geradora total de 650 Gw, estão sendo propostas, encomendadas
ou em construção na China”702. Ela planeja construir em seu território, segundo
outras estimativas, 450 usinas termelétricas movidas a carvão, com capacidade
de queimar 1,2 bilhões de toneladas de carvão por ano. Como os fornos devem
ser esfriados com água e o próprio carvão deve ser lavado, isso implicará o uso
de 9 bilhões de toneladas de água, num país encurralado pela falta desse
recurso vital, sendo que metade dessas usinas serão construídas em áreas de
escassez hídrica (vide supra capítulo 2, item 2.2. Rios e lagos).
As “cinco grandes” corporações de geração de energia chinesas
(Datang, Huaneng, Guodian, Huadian e a China Power Investment), que são
também as maiores do mundo no ramo, estão entre os mais ativos
desenvolvedores desses projetos no mundo. Além da China e da Índia, outros
países “em vias de desenvolvimento” têm projetos de usinas termelétricas
movidas a carvão: Cambodja, República Dominicana, Laos, Marrocos,
Namíbia, Oman, Senegal, Sri Lanka, Uzbequistão e Egito 703. Nenhum destes
países consome atualmente carvão em quantidades relevantes, mas passarão
a fazê-lo em breve.
O Brasil participa dessa tendência à expansão do carvão. Em 2013, o
carvão mineral representa menos de 1,5% da oferta de eletricidade brasileira.
Mas essa porcentagem deve aumentar. “Entendemos que chegou o momento
do carvão”, afirmou em julho de 2013 Altino Ventura Filho, Secretário de
Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério das Minas e
Energia704. A afirmação é corroborada por Marco Aurélio de Andrade,
secretário-geral das Câmaras de Comércio Exterior, para quem o Brasil deve
importar mais carvão em 2013: “A comercialização deve aumentar
consideravelmente, visto os investimentos em termelétricas a carvão e o
aumento na siderurgia de um modo geral” 705. Já em 2011, as importações de
carvão mineral (bens primários) cresceram 13,8%, em quantidade, em relação
ao ano de 2010 e o consumo de carvão destinado especificamente às usinas
termelétricas aumentou de 5,7 milhões de toneladas em 2009 para 7,2 milhões
de toneladas em 2011706. De fato, o recurso a usinas termelétricas, movidas a
gás e carvão, tem aumentado significativamente, por causa, antes de mais
nada, do declínio do nível médio de carga dos reservatórios hídricos. Em 2001,
esse nível tinha índice 6,2; em 2009, ele recuou para 5,4 e em 2013, desceu
para 4,7. Com essa tendência declinante e com secas mais prolongadas, o
Brasil tem importado carvão da Austrália, Estados Unidos, Rússia, Canadá,
Colômbia, Venezuela, Indonésia e África do Sul. As usinas termelétricas
movidas a carvão e a gás permaneceram em 2013 e devem permanecer em
2014 constantemente acionadas: "Se a hidrologia não melhorar, vamos
169

continuar com térmicas até 2014”, declarou em maio de 2013 Hermes Chipp,
Presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) 707.

5.3. “A nuvem começa com o carvão”

A chamada era das Tecnologias da Informação e das Comunicações


(ICT, Information-Communications-Technologies) tem apenas intensificado o
uso do carvão. A era ICT é eletrointensiva. Ela consome muito mais energia
elétrica, e portanto muito mais carvão, que as tecnologias anteriores, sobretudo
por causa da armazenagem e recuperação de dados e da navegação em rede
por banda larga sem fio. Como estabelece um estudo de Mark P. Mills, o
ecossistema digital global implica um incremento constante da demanda de
carvão. Segundo esse autor708:

Baseando-se em estimativas médias, o ecossistema das Tecnologias de


Informação e Comunicações (ICT) usa cerca de 1500 TWh [terawatts/hora] de
eletricidade anualmente, algo igual a toda a geração de energia do Japão e da
Alemanha combinadas – tanta energia quanto a utilizada para a iluminação
global em 1985. O ecossistema ICT aproxima-se hoje de 10% da geração
mundial de eletricidade. (...) Ganhos de eficiência continuarão a moderar o
crescimento da demanda de energia em ICT. Mas a taxa histórica de
aperfeiçoamento na eficiência das tecnologias empregadas em ICT começou a
se tornar mais lenta a partir de 2005, ao que se seguiu quase imediatamente
uma nova era de rápido crescimento do tráfego de dados globais, e em
particular a emergência da banda larga sem fio para smartphones e tablets. (...)
A tendência agora promete ser de um crescimento mais rápido, e não mais
lento, do uso de energia em ICT”.

Sempre segundo Mills, as projeções no aumento do tráfego de dados são


estonteantes. “O tráfego da internet”, afirma ele, “excederá em breve, por hora,
o tráfego anual da internet em 2000”. As grandes corporações que controlam a
armazenagem e o fluxo de dados globais dependem estreitamente do carvão,
tal como mostrou o levantamento abaixo realizado pelo Greenpeace em 2012.

Dependência do carvão dos Centros de Dados


(em porcentagem de energia elétrica fornecida pelo carvão)
170

Fonte: Greenpeace International. How Clean is Your Cloud, Abril 2012. A partir de Mark P. Mills, The cloud begins with coal. Big
Data, Big Networks, Big Infrastructure and Big Power. An Overview of the Electricity Used by the Global Digital Ecosystem.
Agosto de 2013 http://www.tech-pundit.com/wp-content/uploads/2013/07/Cloud_Begins_With_Coal.pdf?c761ac

Segundo os cálculos de Mark Mills, o consumo de energia elétrica apenas do


Centro de Dados do Facebook em North Carolina, aberto em 2012, abocanhará
ao longo da próxima década um milhão de toneladas de carvão. Além disso, a
renovação dos Centros de Dados dos EUA, hoje com uma provecta idade
média de 12 anos, implicará maior consumo de energia elétrica. Sobretudo,
este consumo aumentará fora dos EUA mais rapidamente que nos EUA.
Apenas em Chongqing, na China, está em construção um Centro de Dados
com quase 100 mil m2 e calcula-se que globalmente em 2010 os Centros de
Dados já consumiam 250 a 350 TWh anualmente. De modo que as curvas do
aumento do consumo de energia elétrica desses Centros nos EUA e no mundo
deverão evoluir na forma descrita pelo gráfico abaixo.

Eletricidade usada pelos Centros de Dados


(em TWh, de 2000 a 2025)

Fonte: Microsoft Global Foundation Center. A partir de Mark P. Mills, The cloud begins with coal. Big Data, Big Networks, Big
Infrastructure and Big Power. An Overview of the Electricity Used by the Global Digital Ecosystem. Agosto de 2013
http://www.tech-pundit.com/wp-content/uploads/2013/07/Cloud_Begins_With_Coal.pdf?c761ac
171

5.4. O mais poluente dos combustíveis fósseis

Se o carvão é desvantajoso em relação ao petróleo e ao gás em termos


energéticos (uma tonelada de petróleo equivale em termos caloríficos a 1,5
toneladas de antracito ou hard coal e a 3 toneladas de linhito), ele o é tanto
mais em termos ambientais. O carvão polui o ar, as águas e os solos em todas
as fases de seu ciclo industrial, da extração ao transporte, à lavagem, à
queima, aos rejeitos após a queima e aos impactos ambientais das minas
abandonadas.

Extração

Nos três tipos de jazidas e métodos de exploração – lavra a céu aberto,


minas subterrâneas e as de remoção de topo de montanha (MTR) –, a poluição
produzida pela extração de carvão é imensa, seja pelo impacto na área, seja
pelo uso intenso de água, seja ainda pela geração de resíduos. No que se
refere à extração por remoção do topo de montanha, a Union of Concerned
Scientists do MIT adverte709:

“Se a mineração de carvão tem de há muito causado danos ambientais, o


método de longe o mais destrutivo é um tipo relativamente novo de mineração
de superfície chamado remoção do topo de montanha (MTR = mountaintop
removal). Praticado atualmente no sul do estado de West Virginia e no leste de
Kentucky, esse método requer desmatar o topo da montanha e então rebaixá-lo
centenas de pés com explosivos. Os detritos são lançados num vale adjacente,
soterrando riachos e destruindo tudo o que antes crescia ali. Essa prática deixa
em seu rastro uma área aplainada com solos tão pobres que podem suportar
apenas gramas exóticas e uma mudança profunda em relação ao ecossistema
diverso e densamente florestal de antes.”

De forma geral, as minas a céu aberto matam tudo o que está à volta, alteram
as coordenadas físicas e biológicas de todo o meio ambiente, desestruturam a
topografia e o solo, inclusive pelo movimento constante de seu maquinário. A
exploração de superfície causa destruição completa da área da jazida, das
áreas usadas para depósito da terra removida (chamada “camada estéril”) para
se atingir o veio, bem como das bacias de rejeito. O primeiro impacto da
mineração a céu aberto é a perda irreversível da paisagem e, antes de mais
nada, da cobertura vegetal e do solo que a sustenta, o assim chamado
capeamento. Quantidades colossais de terra são removidas por escavadeiras
de arrasto (draglines) e pás mecânicas e empilhadas na paisagem
circunstante. O trabalho de desmonte do solo e das rochas é realizado por
explosivos de alta potência.
O carvão extraído é mergulhado em um liquido de densidade
intermediária para separá-lo da terra e das rochas (Float and sink testing) e
para triá-lo segundo seu tamanho. Ele é em seguida enxaguado com água e
substâncias tóxicas para desembaraçá-lo desse líquido. O fluído resultante
dessa lavagem (coal slurry), composto de água usada (blackwater) e os demais
rejeitos desse processo não podem ser reciclados ou aproveitados e são
expedidos para as bacias de rejeito, reservatórios ricos de compostos
172

carcinogênicos e metais pesados que se infiltram no solo, ou evaporam ou


entram em contato com rios e lagos.
O carvão é ainda fracionado in situ, processo que emite partículas
poluentes, como por exemplo, dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio e
monóxido de carbono. Enfim, é transportado por caminhões ou esteiras às
usinas de beneficiamento, às usinas de coque, às termelétricas, etc. Nas minas
de Santa Catarina, para cada tonelada de carvão lavrado (ROM, run of mine)
“são gerados cerca de 60% de resíduos sólidos (rejeitos grossos e finos) e
aproximadamente 1,5 m3 de efluentes ácidos”710.

Águas

A poluição das águas pelos rejeitos da indústria do carvão advém


sobretudo da drenagem ácida de minérios (DAM), decorrente da infiltração da
água de chuva sobre os rejeitos gerados na extração e lavagem do carvão. Ao
atingir rios e lençóis freáticos, essas águas com baixo pH contaminam-nos com
diversas sustâncias tóxicas711. Eis as concentrações típicas (mg/L) de uma
DAM na mineração de carvão a céu aberto em Santa Catarina, em geral muito
superiores aos níveis fixados pelo CONAMA.

Parâmetros DAM
mg/L

Fonte: Carolina Resmini Melo, Morgana Nuernberg Sartor Faraco, “Carvão”.


Universidade Federal de Santa Catarina
http://pt.slideshare.net/materiaissustentabilidade/carvo-9837000.

O carvão e os poluentes químicos acima elencados vêm contaminando


há muitas décadas os rios e matando, desfigurando e diminuindo a
fecundidade dos peixes e de outros animais. Dennis Lelmy, do U.S. Forest
Service, declarou: “Fiz uma carreira contando os cadáveres de peixes e outros
animais selvagens mortos pelo carvão”712. Esses efeitos sobre as águas foram
avaliados pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) nos EUA, que “identificou
132 casos onde os rejeitos de carvão de usinas termelétricas poluíram rios,
correntes e lagos, e 123 casos de poluição de lençóis de água”. Ao todo, as
usinas termelétricas movidas a carvão contribuíram para a poluição de 399
corpos de água que são fontes de água potável. Em Ohio, as minas
abandonadas um século atrás continuam a contaminar as águas do Racoon
Creek. Segundo Avner Vengosh, da Duke University, a legislação voltada para
173

melhorar a qualidade do ar implica piora na qualidade da água: Clean coal


means perhaps cleaner atmosphere but dirtier water. Apenas os rejeitos de
carvão após a queima do carvão são responsáveis por 50 a 60% de toda a
poluição que adentra as águas dos EUA.

Atmosfera, o “arpocalipse”

A queima do carvão emite mais do dobro de CO 2 que a queima de gás


para a mesma quantidade de energia elétrica produzida. Além disso, a queima
do carvão emite uma série de poluentes extremamente danosos para a saúde
humana e para a biosfera, contidas na fuligem (soot) e nas cinzas volantes
(ash fly). Como o carvão mais puro já foi extraído e as corporações privilegiam
a exploração do carvão mais barato que possam encontrar, o carvão queimado
nas termelétricas está se tornando mais sujo. Mesmo antes de sua queima,
quando, por exemplo, de sua armazenagem e transporte, a poeira do carvão
dispersa na atmosfera doses importantes de mercúrio e arsênico.

Fuligem e cinzas volantes

Segundo Michael Brooks, o carvão “emite hoje em dia mais de duas


vezes mais CO2 que o gás natural – e muito mais fuligem, cinzas radioativas,
óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre e outros poluentes” 713. Ainda que as
partículas de fuligem sejam um subproduto de quase todos os processos de
combustão, a do carvão é uma de suas maiores produtoras. Essas partículas
contêm em sua estrutura numerosos compostos orgânicos, os assim chamados
HAPs (Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos, ou PAHs na sigla em inglês),
dentre os quais o benzo(a)antraceno, um composto mutagênico que pode
causar modificações da proliferação de tecidos, como da medula óssea, dos
órgãos linfáticos, das gônadas e do epitélio intestinal. Esse composto
cancerígeno pode também provocar tumoração em animais e mutação em
bactérias, além de ser, por seu caráter lipofílico, uma típica substância
caracterizada por bioacumulação e bioconcentração.
As cinzas volantes resultam da fusão e da calcinação das impurezas
minerais incombustíveis do carvão. Com dimensões que variam entre 0,5 e 100
micrometros (um micrometro é um milionésimo do metro), essas partículas em
suspensão no fluxo gasoso produzido pela queima do carvão absorvem
substâncias tóxicas tais como arsênico, bário, berílio, boron, cádmio, cromo,
tálio, selênio, molibdeno, mercúrio e dióxido de enxofre. O dióxido de enxofre
penetra os pulmões e afeta irreversivelmente sua capacidade respiratória,
causando asma, tosse recorrente e outros problemas.
A combinação de partículas de fuligem e de cinzas volantes constituem o
smog, famoso desde a letal crise de Donora, na Pennsylvania em outubro de
1948, que matou 20 pessoas e adoeceu metade da cidade, e do Great Smog
de dezembro de 1952 em Londres, que causou 12 mil mortes 714 e levou ao
Clean Air Act promulgado pelo Parlamento inglês em 1956. A situação hoje na
China é, naturalmente, muito pior. No inverno de 2013-2014, em decorrência de
uma intensa atividade de usinas termelétricas movidas a carvão (70% da
geração de energia chinesa baseia-se na queima do carvão), o smog chegou a
afetar 15% do território da China, incluindo as grandes concentrações urbanas
de Pequim, Shangai, Harbin, Chengou e mesmo Lhassa, a capital tibetana 715.
174

Em janeiro de 2014, em Pequim, as concentrações de partículas de 2,5


microns de diâmetro (PM 2,5), as mais nocivas, atingiu 670 microgramas, mais
de 26 vezes mais elevado que o teto de 25 microgramas preconizado pela
Organização Mundial da Saúde para uma exposição por 24 horas.

5.5. Chuvas ácidas

Embora o termo “chuva ácida” tenha sido cunhado em 1872 pelo


químico escocês, Robert Angus Smith, no contexto da poluição industrial em
Manchester, o termo só começou a ser amplamente utilizado depois que um
grupo de pesquisadores descobriu em 1963, numa floresta de New Hampshire
(um estado do NE dos EUA) um riacho tão ácido quanto um suco de tomate.
Na base da formação de chuvas ácidas, caracterizadas por um pH menor que
5,7, estão não apenas a queima de carvão, mas diversas atividades industriais
que emitem na atmosfera dióxido de enxofre (SO 2), o óxido de nitrogênio (NO)
e amônia, 64% da qual deriva do sistema digestivo dos ruminantes 716.

Este último composto origina-se da combustão de carburantes fósseis


nos motores de veículos, caldeiras, centrais termelétricas e outros. Quanto ao
dióxido de enxofre, suas emissões não provêm apenas da queima de carvão e
de petróleo, mas também das siderúrgicas e do tratamento de gás natural.
O dióxido de enxofre reage na atmosfera com o vapor de água e o
oxigênio, produzindo ácido sulfúrico (H2SO4), ao passo que o óxido de
nitrogênio reage com os mesmos componentes para formar ácido nítrico
(HNO3). Essas substâncias dispersam-se por centenas de quilômetros na
atmosfera e ao se se precipitarem com as chuvas acidificam florestas, rios,
lagos e oceanos. As chuvas ácidas que poluem, por exemplo, os lagos e
lagoas da região de New England no NE dos Estados Unidos e mesmo no
Quebec têm origem nas regiões industriais entre Chicago e Pittsburgh 717. Da
mesma maneira, a usina termoelétrica de Candiota, em Bagé, no Rio Grande
do Sul, provoca a formação de chuvas ácidas no Uruguai 718.
Os danos causados pelas chuvas ácidas à infraestrutura, à cultura e ao
patrimônio cultural são bem conhecidos. Elas corroem estruturas de aço, bem
como as fachadas arquitetônicas e as esculturas executadas em arenito,
calcário e mármore. Objetos de cerâmica, têxteis, tintas, metais, borracha e
couro corroem-se quando expostos às chuvas ácidas. Mas não menores são
os danos causados aos organismos e ao meio ambiente. É hoje sabido que o
sistema nervoso humano, sobretudo infantil, sofre seja por exposição direta às
chuvas ácidas, seja por intermédio da água e da cadeia alimentar.
Nos solos, as chuvas ácidas matam insetos e envenenam plantas e
árvores. De um lado, dissolvem certas substâncias presentes naturalmente no
solo, mas que, uma vez dissolvidas, são absorvidas pelas raízes e intoxicam as
plantas. De outro, dissolvem certos nutrientes necessários às plantas, antes
175

que estas possam absorvê-los. Além disso, as chuvas ácidas corroem a cera
protetiva das folhas, tornando-as vulneráveis ao frio e a agentes externos.

“Chuvas ácidas não são coisa do passado”

Legislações restritivas nos Estados Unidos, na Europa, Japão e Coreia


do Sul implicaram, ao longo dos três últimos decênios, uma redução das
chuvas ácidas nessas regiões do mundo. Além disso, desde o final dos anos
1970 começaram a se instalar nas usinas termelétricas e demais instalações
industriais, sobretudo nos EUA e no Japão, diversos tipos de filtros e de
processos de remoção e captura do dióxido de enxofre na combustão dos
combustíveis fósseis (os assim chamados flue-gas desulfurization ou FGD).
Mas, 50 anos após soado o sinal de alarme, o problema continua, não apenas
na China e em outros países do Extremo-Oriente, onde, conforme dados dos
período 1980-2010, as chuvas ácidas continuam a aumentar, mas também nos
países ocidentais. Segundo uma pesquisa publicada na revista
Biogeochemistry, em 2006, em partes dos estados de Ontario e do Quebec, no
Canadá, a combinação de ácidos sulfúrico e nítrico na água está “mantendo
alguns lagos com pH baixo demais para permitir a recuperação das
comunidades biológicas”719.
Segundo o Center for Biological Diversity, em Adirondack Mountains
(Estado de New York), as chuvas ácidas diminuem a taxa de reprodutividade
dos salmões e trutas e chegam a diminuir pela metade o número original de
espécies de peixes desses habitats. Segundo Kevin Bundy, advogado do
Center for Biological Diversity, que move desde 2012 uma ação contra a EPA
dos Estados Unidos, “chuvas ácidas não são coisa do passado, mas uma
ameaça presente e efetiva aos ecossistemas florestais e à fauna aquática em
todo o país”. O WRI reporta projeções do Banco Mundial acerca de um
provável aumento das chuvas ácidas na Ásia nos próximos dois decênios. “Em
2020, as emissões asiáticas de SO 2 podem atingir 110 milhões de toneladas
métricas. Em consequência disso, danos aos ecossistemas e às safras
agrícolas devem crescer dramaticamente”720. No que se refere às emissões de
óxido de nitrogênio (NO), elas aumentaram 2,8% na China em 2012, em
relação aos níveis de 2010, malgrado as metas do governo chinês de uma
redução de 10% dessas emissões até 2015721.

Um novo efeito observado

Uma pesquisa publicada na revista Environmental Science and


Technology mostra uma mudança tendencial na química de dois terços de 97
rios e riachos dos EUA, de New Hampshire à Flórida: as águas estão se
tornando mais alcalinas. Paradoxalmente, a causa desse fenômeno, observado
há 6 anos, são as chuvas ácidas. Em primeiro lugar porque estas corroem as
rochas, sobretudo de calcário, dos leitos dos rios, aumentando o teor de
carbonato das águas e, portanto, seu pH. Em segundo, porque, para
contrabalançar a acidificação dos solos produzida pelos fertilizantes, os
fazendeiros colocam calcário no solo, o qual é lavado pelas chuvas. A maior
alcalinidade estimula o crescimento de certos tipos de algas, cuja proliferação
provoca o fenômeno de hipóxia, vale dizer, a diminuição do oxigênio na água,
com eventuais impactos sobre a vida fluvial. Além disso, a água alcalina
176

misturada com esgoto transforma a amônia em uma sua forma mais tóxica.
Gene Likens, que descobriu junto com sua equipe as chuvas
ácidas em 1963, declarou a respeito: “os impactos são grandes,
maiores que jamais pensamos, 50 anos atrás, que poderiam
ser”722.

5.6. O Brasil, a siderurgia e o carvão vegetal

O Brasil é o maior produtor de carvão vegetal do mundo, com uma


produção que em 2010 atingiu 7,4 milhões de toneladas, 85% delas destinadas
ao setor siderúrgico723. Os danos que a queima de carvão vegetal causa ao
meio ambiente são idênticos aos danos causados pelo carvão mineral, não
obstante seu poder calorífico ser menor. Soma-se, entretanto, a estes um dano
maior: o desmatamento. Por isso, uma análise do uso do carvão vegetal seria
igualmente cabível no capítulo 1 deste livro (Desaparecimento das mantas
vegetais nativas do planeta). Como se sabe, o carvão vegetal é usado na
indústria sídero-metalúrgica, com duas funções: (1) para alimentar os altos-
fornos, e (2) como agente numa reação química que ocorre dentro dos altos-
fornos pela qual o carbono contido em suas moléculas é fixado no minério de
ferro, o qual é, assim, transformado em ferro gusa, matéria-prima do aço e do
ferro fundido. O Brasil é líder mundial na produção de ferro gusa a partir
justamente de carvão vegetal, base do parque siderúrgico do norte do país,
responsável em 2011 por 1 bilhão de dólares em exportações.
Na escala atual, a produção de carvão a partir da carvoagem de madeira
nativa da floresta amazônica é um fenômeno indissociável da exploração da
mina de Carajás. Encravada na floresta amazônica, Carajás é uma das
maiores jazidas polimetálicas do mundo, riquíssima em minério de ferro de alto
teor de pureza, mas também em ouro, estanho, bauxita, manganês, níquel,
cobre e terras raras. O território vitimado pela mineração estende-se por 900
mil km², uma área banhada pelos rios Xingu, Tocantins e Araguaia, e avança
por três estados do país: Pará, Tocantins e Maranhão. Em início dos anos
1980, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) indenizou a United States Steel,
que até então controlava Carajás, e constituiu o Programa Grande Carajás
(PGC). O empreendimento continua hoje sob controle da Vale S.A. (ex-CVRD),
corporação eleita em 2012 a pior empresa do mundo pelo “Public Eye Awards”,
por sua atuação nas esferas dos direitos humanos e do meio ambiente 724.
Apenas uma das novas áreas de mineração, a Carajás Serra Sul S11D,
envolve investimentos de 40 bilhões de reais e tem por meta uma produção de
90 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.
A ditadura militar estimulou através de benefícios fiscais a criação do
polo siderúrgico Carajás, em Marabá (Pará) e em Açailândia (Maranhão),
complementar à proximidade das jazidas, além da estrada de ferro Carajás,
com 892 km de extensão, de propriedade da Vale S.A., que liga a produção
desse parque industrial aos terminais marítimos de exportação de São Luís.
Segundo Thiago Medaglia, o “polo Carajás é abastecido em mais da metade de
sua demanda por madeira nativa retirada da floresta” 725. Medaglia cita um
estudo de 1987 de Azis Ab’Saber no qual o grande geógrafo já denunciava que,
“na ótica dos empresários siderúrgicos, tudo é computável no balanço das
viabilidades, menos os custos ambientais ou os impactos sociais negativos”.
177

Apenas em 2009, informa Thiago Medaglia, as três maiores produtoras


de ferro gusa do Pará – Cosipar, Ibérica e Sidepar – “teriam promovido o
desmate ilegal de 27 mil hectares de floresta – o equivalente a 15 mil
caminhões carregados de carvão enfileirados”. Essas três empresas foram
reprimidas com uma suspensão temporária e um Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC), mas a produção das guseiras de Carajás continua
aumentando. Entre suas vítimas, além das populações locais, escravizadas e
reduzidas a condições de vida brutais, contam-se as castanheiras, árvores de
predileção das carvoarias, imensas, longevas e com capacidade de sustentar
uma produção de amêndoas por oito séculos. Reduzida a carvão, ela
impulsiona uma produção de ferro gusa que passou de 179 mil toneladas em
1989 para cerca de 2 milhões de toneladas em 2012, como mostra o gráfico
abaixo.

Produção de ferro gusa em Carajás (1989-2012)

Fonte: Thiago Medaglia, “A ferro e fogo”. National Geographic, fevereiro de 2013

Além do polo de Carajás, o maior exportador de ferro-gusa, sobretudo


para as aciarias dos Estados Unidos, notadamente para a Nucor Corporation,
um segundo polo de usinas guseiras concentra-se no sudeste e centro-oeste,
particularmente em Minas Gerais, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. Como
visto no capítulo 1 (item: 1.2. O Caso Brasileiro), a indústria siderúrgica nesta
região do Brasil é a grande responsável pelo desmatamento do que resta da
Mata Atlântica, notadamente em Minas Gerais, o estado que mais desmatou
esse bioma entre 2010 e 2013.
178

6. Mudanças climáticas

In a sense, climate change can now be considered the world’s


largest weapon of mass destruction, perhaps even, the world’s
most fearsome weapon of mass destruction.

John Kerry, Secretário de Estado dos EUA (12/II/2014)

Em 1995, o segundo relatório de avaliação das mudanças climáticas do


IPCC calculava uma probabilidade maior que 50% de tais fenômenos serem
causados preponderantemente por atividades humanas. No terceiro relatório,
em 2001, essa probabilidade subiu para 66-90%. Em 2007, no quarto relatório
do IPCC, ela era já de 90% 726. Na primeira parte do quinto relatório do IPCC,
divulgado em setembro de 2013, lê-se727:

“a ciência agora mostra com 95% de certeza que a atividade humana é a causa
dominante do aquecimento observado desde meados do século XX. O relatório
confirma que o aquecimento no sistema climático é inequívoco com muitas das
mudanças observadas sem precedentes nos últimos decênios ou em milênios:
aquecimento da atmosfera e do oceano, diminuição da neve e do gelo,
elevação do nível do mar e concentrações crescentes dos gases de efeito
179

estufa. Cada uma das três últimas décadas foi sucessivamente mais quente na
superfície da Terra que todas as precedentes desde 1850”.

Malgrado o noticiário por vezes ainda ruidoso, o consenso atual sobre o


caráter preponderantemente antropogênico das mudanças climáticas afigura-
se como um dos mais monolíticos da história do saber. As avaliações do IPCC
foram subscritas, por exemplo, pela World Metereological Organization (WMO),
da ONU728: “Há um forte consenso científico de que o clima global está
mudando e que as atividades humanas contribuem significativamente para
isso”; e pelo documento Climate Change. Evidence and Causes, co-assinado
pela National Academy of Sciences dos EUA e pela Royal Academy do Reino
Unido729:

“É agora mais certo que nunca, sobre a base de muitas linhas de evidência,
que os homens estão mudando o clima da Terra. A atmosfera e os oceanos
aqueceram-se, fenômenos acompanhados por um aumento do nível do mar,
um forte declínio do gelo do Oceano Ártico e por outras mudanças relacionadas
ao clima. A evidência é clara”.

O clima

A WMO define o clima como “a média das condições meteorológicas,


isto é, como a descrição estatística (valores médios e variabilidade) da
temperatura, precipitação e velocidade dos ventos em um período de tempo de
trinta anos”730. O estudo do clima é o estudo de tendências de longo prazo,
constatadas ou projetadas, no espectro de fatores que condicionam esse
sistema. Um fator central é a dinâmica de entrada e saída da energia solar na
atmosfera, nos solos e nos oceanos do planeta e é por ela que se deve abordar
a questão das mudanças climáticas.
As temperaturas médias da superfície terrestre e marítima da Terra
dependem de seu equilíbrio radioativo, isto é, do balanço entre a energia solar
absorvida e refletida pelo planeta. Esse balanço resulta das forçantes
radioativas (radiative forcings) naturais e humanas em interação. Uma forçante
radiativa significa qualquer mudança de radiação (calor) que entra (positiva) ou
que sai (negativa) de um sistema climático. Citem-se, dentre as forçantes
naturais, os ciclos de Milankovitch, ligados às variações de excentricidade da
órbita de translação da Terra e da obliquidade de seu eixo de rotação, bem
como à precessão dos equinócios; ou a alteração de 0,1% no brilho do sol a
cada 11 anos, em relação direta com o número de manchas solares (mas há
ciclos solares também de longo prazo); enfim, os fenômenos recorrentes do El
Niño Oscilação Sul (ENOS731) e as erupções vulcânicas. Apenas os modelos
que incluem não somente as forçantes naturais positivas, mas também as
forçantes radiativas induzidas pelo homem são capazes de explicar o
aquecimento do planeta no último século. A contribuição, por exemplo, da
atividade vulcânica é minúscula, como esclarece o relatório Volcanic Gases
and Climate Change Overview da USGS732:

“os vulcões da Terra emitem mais CO 2 que as atividades humanas? Os


resultados das pesquisas indicam que a resposta a esta questão frequente é
clara e inequívoca: Não. As atividades humanas, responsáveis por emissões
em 2010 de CO2 estimadas em 35 bilhões de toneladas métricas
180

(gigatoneladas), liberam uma quantidade de CO 2 que apequena as emissões


anuais de CO2 de todos os vulcões superficiais ou submarinos. (...) O CO 2
liberado pelas erupções contemporâneas jamais causaram aquecimento global
na atmosfera. (...) Todos os estudos até hoje de emissões vulcânicas de CO 2
indicam que os vulcões superficiais e submarinos liberam menos de 1% do CO 2
emitido presentemente pelas atividades humanas”.

Por forçantes radiativas induzidas pelo homem, entendem-se aqui em especial


os desequilíbrios químicos da atmosfera causados por concentrações
excedentes de gases na atmosfera, dentre os quais: o dióxido de carbono
(CO2), o metano (CH4), o vapor de água (H20 em estado gasoso), o óxido
nitroso (N2O), o ozônio (O3) e os gases fluorados: o hidrofluorcarbono (HFC), o
perfluorcarbono (PFC) e o hexafluoreto de enxofre (SF 6)733. Segundo o quinto
relatório do IPCC (2013)734:

“As concentrações de gases de efeito estufa, dióxido de carbono (CO2), metano


(CH4) e óxido nitroso (N2O) aumentaram desde 1750 por causa da atividade
humana. (...) As concentrações de (CO 2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O)
excedem agora substancialmente as maiores concentrações registradas no
gelo durante os últimos 800 mil anos”.

O efeito estufa

O efeito estufa ocorre naturalmente na atmosfera. Ele tem uma função


chave na manutenção de temperaturas atmosféricas, marítimas e sobre a
superfície terrestre, compatíveis com as espécies que habitam o planeta. Se os
gases acima citados não existissem em certas concentrações na atmosfera, a
Terra seria um gélido deserto: não haveria fotossíntese, um processo que
necessita de CO2, a atmosfera não reteria parte do calor oriundo da irradiação
solar e a temperatura média da Terra seria de -18º C ao invés de 14º C.
A partir do século XIX, as economias industriais começaram a emitir
quantidades crescentes de gases provenientes da queima de combustíveis
fósseis. Estes alteraram a composição química da atmosfera e, em
consequência disso, o equilíbrio entre a energia solar absorvida e refletida pelo
planeta. Esse equilíbrio foi alterado como resultado do seguinte mecanismo. A
energia solar tem uma incidência média no topo da atmosfera terrestre de 342
Watts por metro quadrado (W/m 2), o que equivale a 82 calorias por segundo e
por metro quadrado735. A energia que o sol transmite à Terra é emitida em
ondas muito curtas de alta energia, capazes de penetrar a atmosfera. Do total
dos 342 W/m2 da energia solar que incide em média no topo da atmosfera
terrestre, aproximadamente 77 W/m 2 são refletidos de volta para o espaço
pelas nuvens, pelos aerossóis e pelo ar. Além disso, cerca de 30 W/m 2 são
refletidos de volta para o espaço pela superfície do planeta, em especial pelos
oceanos, pelas coberturas glaciais e em menor grau pelos desertos. Ao todo,
portanto, cerca de 30% (77 + 30 W/m2 = 107 W/m2) da energia solar que incide
sobre a Terra é refletida de volta para o espaço sideral. Os 235 W/m 2 restantes
(70%) serão absorvidos pelo sistema Terra e reemitidos como calor na baixa
atmosfera (troposfera) na forma de radiação infravermelha, isto é, em ondas
mais longas (8 a 13 micrometros) que as da energia proveniente diretamente
do sol. Essas reemissões ocorrem na seguinte proporção: 67 W/m 2 o são pela
atmosfera e 168 W/m2 o são pela superfície do planeta. Apenas uma pequena
181

parte dessas reemissões de radiação infravermelha escapará para o espaço


sideral. A maior parte será captada por gases de estrutura complexa (três
átomos ou mais) presentes na troposfera, grande parte dos quais
antropogênicos. As moléculas desses gases que retêm o calor reemitido
retransmitem-no em todas as direções, esquentando as camadas mais baixas
da atmosfera e da superfície do planeta, bem como a camada superficial dos
oceanos. São, por isso, justamente chamados gases de efeito estufa (GEEs).
Quanto maior for sua concentração atmosférica, maior o efeito estufa e maior,
portanto, o aquecimento da superfície do planeta.

A carbonização da atmosfera, dos oceanos e dos ecossistemas terrestres

Os gases primários mais importantes na produção de efeito estufa, o


dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), contêm carbono. Os processos
químicos que envolvem remoção e liberação de carbono na atmosfera, tais
como a fotossíntese, a respiração e as trocas de carbono entre a atmosfera, os
oceanos e o subsolo, estavam em relativo equilíbrio antes da revolução
industrial. Em apenas dois séculos, a queima de combustíveis fósseis liberou
na atmosfera parte crescente do carbono acumulado e estocado durante
milhões de anos. A esse carbono emitido pelos combustíveis fósseis
acrescentam-se o carbono liberado pelos incêndios, pela indústria e pelo
desmatamento. Segundo o IPCC (2013):

“As emissões de CO2 a partir de combustíveis fósseis e da produção de


cimento foram de 8,3 (7,6 a 9) Gigatoneladas por ano em média entre
2002 e 2011 e foram de 9,5 (8,7 a 10,3) Gigatoneladas em 2011, 54%
acima do nível de 1990. As emissões de CO 2 a partir de mudança
antropogênica de uso do solo foram de 0,9 (0,1 a 1,7) Gigatoneladas por
ano em média no período 2002-2011. De 1750 a 2011, as emissões
atmosféricas de CO2 a partir de combustíveis fósseis e produção de
cimento foram de 375 (345 a 405) Gigatoneladas, enquanto o
desmatamento e outras mudanças de uso de solo emitiram 180 (100 a
260) Gigatoneladas. Isto resulta em emissões acumulativas
antropogênicas de 555 (470 a 640) Gigatoneladas. Dessas emissões
acumulativas de CO2, 240 (230 a 250) Gigatoneladas acumularam-se na
atmosfera, 155 (125 a 185) Gigatoneladas foram absorvidas pelo oceano
e 160 Gigatoneladas acumularam-se nos ecossistemas terrestres”.

Segundo o Oak Ridge National Lab do Departamento de Energia dos


EUA, as emissões globais de CO2 tiveram em 2010 um acréscimo de quase
6%, mais elevado que o pior cenário previsto pelos cientistas e o maior da
história desse registro736.

O aumento das concentrações de CO2 na atmosfera

As florestas tropicais são responsáveis por cerca de 50% de todo o CO 2


removido da atmosfera pelos ecossistemas terrestres (land sink) e por cerca de
18% de todo o CO2 emitido globalmente pelos combustíveis fósseis. Como
afirma Simon L. Lewis: “Estamos recebendo um subsídio gratuito da
natureza”737. Malgrado tal “subsídio”, que tende a diminuir na razão direta do
182

desmatamento e da queima das florestas tropicais, as concentrações de CO2


aumentam ano a ano. Desde 1958, graças ao método de mensuração criado
por Charles David Keeling (1928-2005) no observatório de Mauna Loa, no
Havaí, vem-se desenvolvendo a curva de Keeling, que estabelece a
concentração de CO2 na atmosfera. Eis os dados da progressão das
concentrações de CO2 na atmosfera em partes por milhão (ppm). Em 1880, a
concentração de CO2 na atmosfera era de 285 ppm. A partir dos anos 1960, o
aumento da queima de combustíveis fósseis, do desmatamento, da produção
de cimento, entre outros fatores, determinou uma aceleração dessas
concentrações:

1960 – 315 ppm


1965 – 320 ppm
1975 – 331 ppm
1992 – 360 ppm
2006 – 380 ppm
2011 – 390 ppm
2012 – 396 ppm*
2013 – 400 ppm*

*em abril de 2012 e em maio de 2013, segundo mensurações realizadas pela NOAA no Observatório de
Mauna Loa, Havaí.

Segundo Pieter Tans, do Earth System Research Laboratory, 400 ppm é o mais
alto nível de concentração de CO 2 nos últimos 800 mil anos738. Se considerada
em termos de CO2 equivalente (ppm CO2-eq.) a evolução dessas
concentrações é a seguinte:

1950 = 329
1990 = 418
2010 = 466
Fonte: European Energy Agency
http://www.eea.europa.eu/data-and-maps/daviz/contribution-of-the-different-ghgs-1#tab-chart_3

A aceleração desses acréscimos a partir de 1960 pode ser mais facilmente


observada no gráfico abaixo.

Fonte: European Environmental Agency


183

Eis o incremento anual das concentrações de CO 2 na atmosfera no nível do


mar desde a ECO-92, com as margens de incerteza na coluna da direita:

Ano Incremento Incerteza


Anual

1992 0.67 0.10


1993 1.22 0.07
1994 1.69 0.12
1995 1.94 0.11
1996 1.08 0.07
1997 1.97 0.07
1998 2.84 0.10
1999 1.34 0.07
2000 1.25 0.10
2001 1.80 0.10
2002 2.38 0.07
2003 2.24 0.10
2004 1.61 0.05
2005 2.43 0.07
2006 1.74 0.06
2007 2.10 0.07
2008 1.78 0.05
2009 1.65 0.10
2010 2.42 0.06
2011 1.68 0.09
2012 2.36 0.09

Fonte: NOAA (ftp://ftp.cmdl.noaa.gov/ccg/co2/trends/co2_gr_gl.txt)

Com exceção de 1998 (2,84 ppm), os incrementos anuais no primeiro decênio


(1992-2001) nunca excederam 2 ppm, enquanto no últimos onzes anos (2002-
2012), eles ultrapassaram essa marca 6 vezes, com margens de incerteza
menores que a do primeiro decênio.
No que se refere às fontes de proveniência desses gases por atividade
econômica, o quarto relatório do IPCC de 1977 mostra que 26% das emissões
de gases de efeito estufa provêm da produção de energia; 19% provêm da
indústria; 17% provêm do desmatamento; 14% originam-se do agronegócio
(sendo que 9% da pecuária); 13% do transporte (rodoviários, ferroviários,
aéreos e marítimos, sendo que 95% do transporte mundial é movido a gasolina
ou diesel); 8% das atividades comerciais e das residências e 3% do lixo,
conforme o gráfico abaixo.

Emissões de gases de efeito estufa


por atividade econômica
184

Fonte: Contribution of Working Group I to the


Fourth Assessment Report of the IPCC, 2007

6.1. O aquecimento global

Eis em cinco dossiês os dados disponíveis do aquecimento global nos


séculos XX e XXI:

I. Aumentos das temperaturas médias globais nos séculos XX e XXI

I.1. Aumento das temperaturas médias terrestres (land surface) do planeta


entre 1980 e 2011, em graus centígrados:

1980 – 14,30
1981 – 14,39
1988 – 14,43
1990 – 14,46
1995 – 14,51
1998 – 14,77
2005 – 14,80
2010 – 14,86
2011 – 14,72
Fonte: 2011 Climate Change Index. IGBP (International Geosphere-Biosphere Programe).
http://www.igbp.net/4.56b5e28e137d8d8c09380002241.html

Aumento das temperaturas médias terrestres


do planeta entre 1980 e 2012, em graus centígrados
185

Fonte: International Geosphere-Biosphere Programme (IGBP)


http://www.igbp.net/4.56b5e28e137d8d8c09380002241.html

Devido ao efeito de resfriamento causado pelo La Niña, a temperatura média


do planeta caiu em 2012 para 14,45º C, o que ainda assim a coloca 0,45º C
acima da média dos anos 1961-1990 739. Segundo o IPCC (2007), entre 1900 e
2000 as temperaturas médias do planeta aumentaram aproximadamente 0,74º
C. Mais da metade desse aumento, 0,4º C, ocorreu desde 1979 740. Desde
1951, as temperaturas médias na superfície do planeta aumentaram 0,11º C
por década. Entre 1970 e 1998, as temperaturas médias da superfície do
planeta subiram 0,17º C por década, chegando a aumentar 0,28º C na década
de 1980. Desde a década de 1970, as temperaturas médias do planeta
elevaram-se a uma taxa de 0,16º C por decênio 741. Outras medições confirmam
que entre 1979 e 2010, houve um aumento das temperaturas médias do
planeta entre 0,14º C e 0,18º C por decênio 742;

I.2. Segundo os dados do NOAA para 2013, “a temperatura média global


combinada das superfícies terrestres e oceânicas até novembro deste ano
(Janeiro – Novembro) foi 0,62º C acima da média de 14º C do século XX, o que
faz deste período, junto com 2002, o quarto mais quente jamais registrado” 743.

I.3. Segundo um estudo publicado por James Hansen, Makiko Sato e Reto
Ruedy em março de 2012 no Proceedings of National Academy of Science dos
Estados Unidos, “a distribuição das anomalias sazonais nas temperaturas
médias migrou para temperaturas mais altas e o alcance das anomalias
aumentou. Uma mudança importante é a emergência de uma categoria de
verões extremamente quentes, com discrepâncias mais quentes que o triplo
dos desvios padrão para a climatologia dos anos 1951-1980 (período de base).
Esse calor extremo que, durante esse período de base, cobria muito menos
que 1% da superfície da Terra, cobre agora, tipicamente, por volta de 10%
dessa superfície. Disso decorre que podemos afirmar com alto grau de
confiança que anomalias extremas tais como as do Texas e Oklahoma em 2011
e de Moscou em 2010 foram consequências do aquecimento global, porque
sua probabilidade na ausência de aquecimento global seria extremamente
baixa”744. Os autores concluem que, formulados nos termos de um “dado
climático” de seis faces, os verões com temperaturas anomalamente frias têm
agora probabilidade de apenas meio lado de uma face de um dado, os verões
186

com temperaturas típicas cobrem uma face desse dado, os verões com
temperaturas anomalamente quentes cobrem quatro faces e verões com
temperaturas extremamente quentes cobrem meio lado de uma face desse
dado.

I.4. Junho de 2012 foi o 328º mês consecutivo com uma temperatura média
global acima da média do século XX 745 e abril de 2014 foi o mais quente abril,
na média global, de todos os meses de abril dos registros históricos 746.

I.5. Segundo o NOAA (2012), “todos os doze anos do século XXI estão entre os
14 mais quentes nos 133 anos de registros. Apenas um ano no século XX –
1998 – foi mais quente que 2012” 747. Globalmente, os anos de 2012 e de 2013
estão entre os dez mais quentes desde 1850 748.

I.6. Abstraídos os fatores de impacto de curto prazo sobre as temperaturas


médias globais (El Niño, atividade vulcânica e a variabilidade solar), os anos
2009 e 2010 revelam-se os anos mais quentes no período 1979-2010 749;

II. Aumentos das temperaturas médias em regiões do planeta acima das


médias globais

II.1. Em algumas zonas do planeta, o aumento das temperaturas médias já


superou 2º C. Mensurações realizadas na estação Byrd da Antártica Ocidental
publicadas em dezembro de 2012 mostram que as temperaturas médias da
zona oeste da Antártica aumentaram aproximadamente 2,4º C entre 1958 e
2010750;

II.2. Em julho de 2012, a temperatura na superfície da Terra no hemisfério norte


foi 1,19º C a mais do que a média desde 1895 751;

II.3. O mapa publicado pelo Goddard Institute for Space Studies (GISS), da
NASA, para 2013 mostra um aquecimento particularmente acentuado (em
relação às temperaturas médias do período 1951-1980) no Ártico, na Ásia
Central, na Austrália, cuja temperatura bateu seu recorde histórico, e no
Brasil752. O ano de 2013 foi o mais quente dos registros históricos da Austrália,
com uma temperatura média de 23º C, isto é, 1,2º C acima da média histórica.
Na segunda semana de janeiro de 2013, a temperatura média do país atingiu
40,33º C batendo o recorde de 40,17º C registrado em 1976, segundo o serviço
meteorológico nacional australiano. “Estamos absolutamente aniquilando os
recordes”, afirma a respeito Andy Pitman, da University of New South Wales
em Sydney753;

II.4. Entre 1979 e 2012, a extensão da camada de gelo do Ártico em outubro,


isto é, no fim do verão setentrional, sofreu uma diminuição a uma taxa linear de
-7,1% por década, segundo os dados da National Snow and Ice Data Center
(NSIDC) da University of Colorado, nos Estados Unidos 754. O relatório do IPCC
de 2007 não previa um verão livre de gelo no Ártico antes de finais do século
XXI. Mantida a tendência atual, as mais recentes estimativas são de um
setembro ártico livre de gelo entre 2040 e 2060. Por livre de gelo, entende-se
uma redução da área de gelo em setembro a menos de 1,7 milhões de km 2, o
187

que torna o Oceano Ártico um oceano aberto à navegação durante o verão. O


gráfico abaixo mostra as curvas máximas de degelo no Ártico nos últimos trinta
setembros: de 5 milhões de km2 de gelo em 1982, passou-se a pouco mais de
2 milhões de km2 em de 2012:

Curvas máximas de degelo no Ártico nos últimos


trinta setembros (1982 – 2012)
(de 5 milhões de km2 de gelo em 1982, passou-se a pouco
mais de 2 milhões de km2 em 2012)

Fonte: New Scientist, 17/IX/2012, a partir de Cryosphere Today

O passo seguinte nessa série de antecipações foi dado por Peter Wadhams,
diretor do Departamento de Física do Oceano Polar da Universidade de
Cambridge755, para quem se atingirá um Ártico livre de gelo em setembro já no
intervalo de uma década. Finalmente, em abril de 2013 Carlos Duarte, diretor
do Oceans Institute na University of Western Australia, afirma que “o Ártico
pode estar livre de gelo no verão em 2015”. Esse prognóstico foi endossado
por Peter Wadhams, acima citado, para quem “2015 é uma predição muito
séria e estou convencido de que ela se realizará” 756. Em 2012, os
administradores da Rota Marítima do Norte (NSR) que corta a costa norte da
Rússia, abriram essa passagem a 46 navios e em 2013, a 204 navios. Por volta
de 2021, estima-se que essa rota será transitável por oito meses ao ano com
uma decuplicação do tráfico e notadamente com a exportação pela Rússia de
25 milhões de toneladas de gás natural liquefeito e petróleo. O Instituto
Marítimo da Coreia do Sul prevê que em 2030 um quarto do comércio entre a
Europa e a Ásia passará por ela, o que acabará de degradar esse já tão
ameaçado ecossistema757.

III. Dados do aquecimento nos Estados Unidos e no Brasil

III.1. A onda de calor que golpeou Chicago por cinco dias consecutivos entre 12
e 16 de julho de 1995 levou a 3300 internações hospitalares e à morte de mais
de 700 pessoas, com mortes adicionais em St. Louis (Missouri) e em
Milwaulkee (Wisconsin). Segundo as análises e projeções propostas pela
Union of Concerned Scientists, mantidas as tendências atuais, mortes
relacionadas a ondas de calor devem quadruplicar em 2050, com uma onda de
calor semelhante à de 1995 ocorrendo em Chicago em média três vezes por
ano ao final do século XXI 758. Segundo a NOAA, o ano de 2012 foi o mais
188

quente na história dos Estados Unidos desde o início dos registros em 1895,
com 2,9º C acima da média do século XX. “Este calor”, afirma Deke Arndt, do
Climatic Data Center do NOAA, “é um exemplo do que podemos esperar ver
mais frequentemente em um mundo em aquecimento” 759. A afirmação foi
reforçada por Michael Oppenheimer, o laureado Professor do Departamento de
Geociências da Princeton University: “O que estamos vendo é uma janela pela
qual se pode avistar com o quê o aquecimento global realmente se parece.
Parece com calor, com incêndios, com este tipo de desastre ambiental. (...) Ele
fornece imagens vívidas do que se pode esperar ver mais no futuro” 760.

III.2. Segundo o NOAA, nos Estados Unidos, o primeiro semestre de 2012 e os


dozes meses entre agosto de 2011 e julho de 2012 foram os mais quentes
desde 1895761.

III.3. Uma pesquisa publicada em 2009 no Geophysical Research Letters


mostra que desde o final da década de 1970 observa-se nos Estados Unidos
uma proporção de dois para um entre os recordes de temperatura máxima em
relação aos recordes de temperaturas mínimas762;

III.4. Segundo José Marengo, do INPE, no Brasil, a temperatura média


aumentou aproximadamente 0,75°C até o final do século 20, em relação à
média anual entre 1961-1990 de 24,9°C. No período de 1951-2002, as
temperaturas mínimas cresceram em todo o país, apresentando um aumento
expressivo de até 1,4°C por década. As tendências de aquecimento são
detectadas em nível anual e sazonal, com maiores aquecimentos no inverno e
na primavera763.

IV. Mais elevados e mais recorrentes ondas e picos de calor nos dois
hemisférios

IV.1. Ásia - Em 2013, em ao menos 40 cidades da China, sobretudo no sul e no


leste, a temperatura ultrapassou 40º C, o que levou as autoridades a qualificar
essa emergência climática como “nível 2”, utilizado apenas para furacões e
enchentes. A temperatura da cidade de Shangai, a maior da China, quebrou
todos os recordes conhecidos, atingindo 40,8º C, com 31 dias consecutivos em
que a temperatura não caiu abaixo de 35º C 764. Em 1998, o termômetro atingiu
53º C no Paquistão, temperatura ultrapassada em maio de 2010 na província
de Sindh (53,5º C). Em 2013, e ao longo de três semanas, outra onda de calor
varreu o país com temperaturas de até 51º C, trazendo imensas perdas na
agropecuária e em vidas humanas765. Em agosto de 2013, a Coreia do Sul teve
de desligar 6 de seus 23 reatores nucleares por causa da onda de calor que se
abateu sobre o país, o que levou Yoon Sang-jick, Ministro do Comércio, da
Indústria e da Energia, a declarar à imprensa: “Enfrentamos talvez a mais
grave crise energética de nossa história”.

IV.2. Austrália - Em janeiro de 2014, a Austrália foi atingida por uma onda de
calor em grande parte de seu território interno, com temperaturas batendo
todos os recordes históricos, entre 44,6º C em Century Mine, 47º C em
Melbourne e 49,3º C em Moomba. A onda de calor causou a morte de mais de
100 mil morcegos no estado de Queensland 766, além de impedir a circulação de
189

certos trens, desencadear incêndios e ameaçar o abastecimento de


eletricidade. Will Steffen, da University of Camberra e membro do Climate
Council desse país, constata: “Se se examina a tendência dos últimos 50 anos,
percebe-se que essas ondas de calor são mais frequentes, mais longas e mais
fortes. E é impossível explicá-las por fenômenos naturais” 767.

IV.3. Estados Unidos - Picos mensais de temperatura. Segundo o NOAA, o


mês de julho de 2012 foi o mais quente mês (seja ele julho ou outro) jamais
registrado nos 48 estados dos EUA. Julho de 2012 foi o mais quente mês
dentre os 1400 meses transcorridos desde 1895 768.

IV.4. Groenlândia e Europa - Em 30 de julho de 2013, a temperatura em


Maniitsoq, na Groenlândia, atingiu 25,9º C, seu mais alto nível desde o início
dos registros em 1958769. Em agosto de 2003, a Europa foi atingida por uma
onda de calor que levou os termômetros para a marca dos 40º C por sete dias
consecutivos. No sul de Portugal, a temperatura chegou à 48º C. Uma
pesquisa realizada em 2008 contabilizou 70 mil mortes na Europa toda
causadas direta ou indiretamente por esse fenômeno, um número muito maior
que as 40 mil mortes geralmente admitidas 770. Entre 2007 e 2013, outras ondas
de calor atingiram a Europa com picos altíssimos de temperatura: 40,5º C em
Bad Deutsch-Altenburg, na Áustria em agosto de 2013; 47º C na Apúlia em
2007; 38º C em Moscou e 42,3º C em Belogorsk na região fronteiriça com a
China, ambas em julho de 2010; 46,6º C no Chipre em 2010 e 45º na Espanha
em 2012, fenômenos por vezes acompanhados por gigantescos incêndios.

IV.5. América do Sul - Na Bolívia, a temperatura atingiu em 2010 o pico de


46,7º C. A temperatura das províncias de Santiago del Estero e outras do norte
da Argentina subiu a 45º C em dezembro de 2013, uma marca jamais
registrada desde o início das mensurações em 1906 771.

V. Rapidez e aceleração do aquecimento a partir dos anos 1970

Enfim e o mais importante: o aquecimento global se dá a uma


velocidade sem precedentes desde o fim da última glaciação, ameaçando as
condições climáticas relativamente estáveis que, ao longo dos últimos 11
milênios, permitiram o florescimento de toda civilização 772. É o que mostra a
reconstituição da história do clima nos últimos onze mil anos a partir da análise
de dados colhidos em 73 pontos do planeta (29 no hemisfério norte, 33 na zona
equatorial e 11 no hemisfério sul). Os resultados dessa pesquisa mostram que
“a temperatura média do decênio 2000-2009 não ultrapassou ainda o pico do
Holoceno. Mas superou 75% das temperaturas desse período”. No último
século, o termômetro sobe em flecha, assumindo a forma deste ícone das
mudanças climáticas, o assim chamado “taco de hockey” de Michael Mann 773,
tal como mostra o gráfico abaixo.

O “taco de hockey”
Evolução da temperatura nos últimos 12 mil anos
190

Fonte: NewScientist, 16/III/2013, a partir de Marcott 2013, Mann, 2008

O gráfico, abaixo, mostra de modo mais didático a lentidão das alterações


passadas das temperaturas, em contraste com a rapidez fulminante do
aumento na média das temperaturas dos anos 1961-1990.

Uma mudança climática inédita


Desvio das temperaturas na superfície da Terra
em relação à média do período 1961-1990

Fonte: Le Monde, 9/III/2013, a partir de www.sciencemag.org

“O verdadeiro problema, em termos de impacto do aquecimento”, afirma


Michael Mann, “é a rapidez da mudança, pois é ela que desafia nossa
capacidade de adaptação”774. Essa mesma preocupação retorna com Ken
Caldeira, da Stanford University, que escreve775:

“na história geológica, transições de atmosfera de baixo CO 2 para as de alto


CO2 aconteceram tipicamente a taxas de menos de 0,00001 grau por ano.
Estamos recriando o mundo dos dinossauros cinco mil vezes mais rápido”.

Da mesma maneira, é o fator velocidade no aumento das concentrações de


gases de efeito estufa na atmosfera o que mais parece preocupar. Um
documento de 2013 assinado pela National Academy of Sciences dos Estados
Unidos afirma: “mais significativo talvez que isso [a magnitude das
concentrações] é a rapidez da taxa desse aumento, uma taxa sem precedentes
nos últimos 55 milhões de anos da história da Terra” 776, vale dizer, sem
precedentes desde o assim chamado Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno,
a brusca mudança climática que marcou o fim do Paleoceno. E acrescenta 777:
191

“A taxa [atual] é muito maior que a ocorrida mesmo nos mais rápidos eventos
conhecidos na história da Terra, e todos eles foram acompanhados por
mudanças importantes na química oceânica e por extinções em massa na vida
oceânica ou terrestre ou em ambas”.

Uma síntese desses cinco dossiês pode ser expressa nos termos da
declaração de 20 de agosto de 2012 da American Meteorological Society 778:

“Há inequívoca evidência de que os estratos inferiores da atmosfera, o oceano


e a superfície da Terra estão se aquecendo; o nível do mar está aumentando e
a cobertura de neve, as geleiras nas montanhas e o gelo do Mar Ártico estão
diminuindo. A causa dominante do aquecimento desde os anos 1950 são as
atividades humanas. Esta descoberta científica baseia-se em um vasto e
persuasivo conjunto de pesquisas. O aquecimento observado será irreversível
por muitos anos no futuro, e ainda maiores aumentos de temperatura ocorrerão
à medida que os gases de efeito estufa continuarem a se acumular na
atmosfera. Evitar este futuro requererá uma grande e rápida redução das
emissões desses gases. O aquecimento em curso aumentará os riscos e
estresses para as sociedades humanas, economias, ecossistemas e a vida
silvestre ao longo do século XXI e sucessivamente”.

6.2. Desaceleração do aquecimento global desde 1998?

Como visto acima (item I.1), desde 1951 as temperaturas médias da


superfície do planeta aumentaram, 0,11º C por década, chegando a aumentar
0,28º C na década de 1980. Mas de 1998 a 2012 elas teriam subido apenas
0,04º C por década779. Isto segundo os dados do Met Office Hadley Centre (o
Serviço Nacional de Meteorologia do Reino Unido), que reviu para baixo suas
projeções sobre as alterações climáticas até 2016-2017. O MET projetava em
dezembro de 2012 um aumento de 0,43º C (margem de incerteza: 0,28º a
0,59º C) entre 2012 e 2017 em relação às temperaturas médias do período
1971-2000. Esta projeção de aumento é 20% inferior à projeção de aumento
realizada em dezembro de 2011 (de 0,54º C, com margem de incerteza entre
0,36º a 0,72º C). Os dois gráficos abaixo, de 2011 e 2012, permitem visualizar
claramente a revisão para baixo dessas projeções.

Dezembro de 2011 (+ 0,54º C) Dezembro de 2012 (+ 0,43º C)


(margem de incerteza entre 0,36º a 0,72º C) (margem de incerteza 0,28º a 0,59º C)

Fonte: MET Office

O Met Office mantém suas projeções de médio e longo prazo (2050 e 2100)
corroboradas por outras que convergem para 3º C até 2050 e para 5º a 7º C
até 2100. Os novos resultados do MET são diversos dos de 2011 em parte
192

porque obtidos pelo emprego do HadGEM3, um novo modelo computacional


ainda em fase experimental 780. Mas também porque, como faz notar Michael Le
Page, acima citado, as estações de mensuração do MET Office não incluem o
Ártico, a região com o mais rápido aquecimento do planeta. Outros dois
sistemas de mensuração mostram aquecimentos mais acelerados. Em primeiro
lugar, os registros da NASA, que incluem estações de mensuração mais
próximas do Ártico, mostram um aquecimento por década, entre 1998 e 2010,
não já de 0,04º C, mas de 0,07º C. Em segundo lugar, um estudo publicado em
novembro de 2013 por Kevin Cowtan, da York University, e por Robert G. Way,
da Ottawa University, valendo-se de extrapolações a partir de dados do satélite
HadCRUT4, mostra um aquecimento, sempre entre 1998 e 2012, de 0,12º C 781.
Portanto, um aquecimento médio até mesmo superior ao do período 1951-
2012, de 0,11º C.
Michael Le Page faz notar que é problemático extrapolar para a
superfície do planeta mensurações realizadas em grandes altitudes. Mesmo,
contudo, que tal extrapolação venha a se mostrar errônea, a suposta
desaceleração do aquecimento a partir de 1998 permanece discutível. Isto
porque o ano de 1998 foi atípico em decorrência de um forte efeito do El Niño.
Se este efeito for desconsiderado, justamente por ser atípico, não se poderia
falar em desaceleração, conforme explica Drew Shindell, um cientista da NASA
e um dos redatores do último relatório do IPCC 782:

“Se se deslocar a data base dois anos para trás, 1996-2010, ao invés de 1998-
2012, o aumento é de 0,14º C por década, na realidade, portanto, maior que a
tendência de longo prazo” [de 0,11º C].

Em todo o caso, o IPCC afirma em 2013 que se pode atribuir com


“razoável confiança” (medium confidence) essa suposta menor reatividade das
temperaturas atmosféricas às concentrações crescentes dos gases de efeito
estufa (o assim chamado ECS, Equilibrium Climate Sensitivity) a três fatores:
a. um declínio da irradiação do sol na fase atual de seu ciclo de 11 anos.
Mensurações feitas, por exemplo, pela espaçonave SOHO mostram que este
ciclo encontra-se numa fase particularmente baixa;
b. a acentuada atividade vulcânica na última década, que arremessou na
atmosfera uma quantidade comprovadamente maior de cinzas de enxofre, as
quais refletem a radiação solar para o espaço sideral;
c. uma maior capacidade do oceano de absorver calor. O oceano tem
uma imensa capacidade de absorção de calor. Para aquecer 1º C de água são
necessárias 3000 vezes mais energia que a necessária para aquecer o mesmo
volume de ar. Ora, nada menos que 94% da energia cósmica recebida pela
Terra desde 1971 foi absorvida pelos oceanos; 4% dela o foi pelo solo e pelo
gelo. Somente os 2% restantes o foram pela baixa atmosfera. Como afirma
Michael Le Page: “Se apenas um pouco mais de calor que o usual estiver
sendo absorvido pelos oceanos, isto terá apenas um ligeiro efeito sobre as
temperaturas oceânicas, por causa da imensa capacidade da água de absorver
calor, mas um grande efeito sobre a temperatura atmosférica” 783.
Alguns estudos sugerem, com efeito, que os oceanos têm absorvido –
por uma ausência prolongada do efeito El Niño e por recorrentes efeitos do La
Niña – mais calor que o normal. Segundo Yu Kosaka e Shang-Ping Xie, do
Scripps Institution of Oceanography em San Diego, Califórnia, apenas estes
dois fenômenos poderiam “reconciliar as simulações climáticas e as
193

observações” indicativas de uma suposta desaceleração do aquecimento na


baixa atmosfera784. Também para Richard Allan, da University of Reading, o
aumento das temperaturas sob a superfície do oceano é consistente com o
aumento das emissões de gases de efeito estufa 785. O aquecimento do oceano
começa a ocorrer agora a profundidades maiores: “na última década, cerca de
30% do aquecimento ocorreu abaixo de 700 metros de profundidade”. 786 O
gráfico abaixo mostra como os oceanos acima e abaixo de 700 metros de
profundidade estão absorvendo energia calorífica em proporções muito
maiores que o gelo, o solo e a atmosfera.

Proporções diversas em que


a Terra tem absorvido energia
1970 – 2012 (em 1021 joules)

Fonte: Michael Le Page, “The heat is still on”.


New Scientist, 7/XII/2013, a partir do IPCC

Não se sabe por quanto tempo os oceanos continuarão a absorver calor, nem
quanto desse calor retornará à atmosfera quando do próximo efeito El Niño, ao
que parece iminente787. Será, nesse caso, possivelmente, o fim do suposto
efeito de desaceleração.

6.3. Projeções para 2050 e para 2100

As diversas projeções de aumento das temperaturas médias do planeta


a médio prazo (2050) e longo prazo (2100) variam sobremaneira, como é de se
esperar neste gênero de cálculo de probabilidades, realizado a partir de
cenários muito variáveis e até certo ponto imponderáveis. Vejamos seis delas,
a sexta especificamente sobre o Brasil.

(1) A terceira parte do quinto relatório do IPCC (abril de 2014) contempla quatro
cenários, variando em função das emissões de gáses de efeito estufa, que
projetam aumentos de temperatura entre 0,3º C e 4,8º C para o período 2081-
2100, em relação à média de 1986-2005;
194

(2) Uma pesquisa publicada na Nature em outubro de 2013 afirma que,


mantidas as tendências atuais, por volta de 2047 (mais ou menos cinco anos),
as temperaturas médias de cada ano serão mais quentes na maior parte do
planeta que as temperaturas em qualquer ano entre 1860 e 2005, nessas
mesmas regiões. Como afirma Camilo Mora, primeiro autor deste trabalho: “o
ano mais frio no futuro será mais quente que o mais quente ano do passado” 788.

(3) Um estudo de 2009, do MIT, mostra que, mantidas as taxas de crescimento


anual nas emissões mundiais de CO2, ocorrerá até 2100 um aumento de ao
menos 5,2º C nas temperaturas médias, com 9% de chances de se atingir um
aumento de até 7º C789.

(4) Os prognósticos de um estudo assinado pela OCDE e publicado em março


de 2012, estimam um aumento de 3º C das temperaturas médias do planeta já
em 2050. O estudo prevê790:

“Um aumento de 50% das emissões mundiais de gases de efeito estufa,


aumento essencialmente atribuível a um acréscimo de 70% das emissões de
CO2 como decorrência do uso de energia. A concentração atmosférica desses
gases poderia atingir 685 ppm daqui a 2050. O aumento das temperaturas
médias mundiais ultrapassaria então 3º centígrados”.

(5) Valendo-se de simulações com o CMIP5 (Coupled Model Intercomparison


Project Phase 5), um conjunto de modelos climáticos validado pelo IPCC, uma
pesquisa de 2013 de Dim Coumou e de Alexander Robinson projeta que em
2040 por volta de 20% da superfície terrestre do planeta sofrerá temperaturas
mensais maiores que três desvios padrão da média do período 1951-1980 e
que ~3% dessa superfície sofrerá ondas de calor que atingirão 5 desvios
padrão, fenômeno hoje ainda praticamente inexistente. Por volta de 2050, o
comportamento sucessivo do clima dependerá do cenário de emissões de
gases de efeito estufa791:

“No cenário de baixa emissão (RCP2.6), o número de extremos estabiliza-se


nos níveis de 2040. Isso implica que nos Trópicos, incluindo a América do Sul,
a África Ocidental e o Continente Marítimo [Indonésia, Filipinas, Papua, Papua-
Nova Guiné, etc], 3 desvios padrão tornam-se efetivamente a nova norma (por
volta de 50% dos meses do verão) e 5 desvios padrão serão comuns (por volta
de 20% dos meses de verão). Fora dos Trópicos, alterações de 3 desvios
padrão também aumentarão, ocorrendo, por exemplo, na Europa ocidental em
cerca de 20% dos meses de verão, mas 5 desvios padrão serão ainda
praticamente ausentes”.

(6) O primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RANI) do Painel Brasileiro de


Mudanças Climáticas (PBMC), divulgado em setembro de 2013 e firmado por
345 cientistas de diversas áreas, projeta para 2100 aumentos das temperaturas
médias em todas as regiões do país da ordem de 3º a 6º C em relação ao final
do século XX. Segundo tais projeções, entre 2071 e 2100 as temperaturas na
Amazônia deverão aumentar 5º C no verão e 6º C no inverno, com queda da
pluviosidade de 40% e 45% respectivamente no verão e no inverno. Na
Caatinga, as temperaturas deverão no mesmo período aumentar 3,5º C no
verão e 4,5º C no inverno, com queda da pluviosidade de 40% e 50% no verão
195

e no inverno respectivamente. No bioma Mata Atlântica (S/SE), sempre entre


2071 e 2100 as temperaturas deverão aumentar 2,5º C no verão e 3º C no
inverno, com queda da pluviosidade de 30 e 25% no verão e no inverno
respectivamente. No bioma Mata Atlântica (NE), as temperaturas deverão
aumentar 3º C no verão e 4º C no inverno, com queda da pluviosidade de 30 e
55% no verão e no inverno respectivamente. No Pantanal, as temperaturas
deverão aumentar 3,5º C no verão e 4,5º C no inverno, com queda da
pluviosidade de 20 e 35% no verão e no inverno respectivamente 792.

6.4. Descarbonização. Probabilidades de aumentos no topo das projeções

Parte crucial dos fatores imponderáveis em ação em todas essas


projeções é a capacidade de descarbonização da economia mundial nos
próximos decênios. O quarto relatório do IPCC de 2007 793 assim define a
descarbonização. “A descarbonização é o declínio médio da intensidade de
carbono na energia primária ao longo do tempo. (...) A tendência geral em
direção a mais baixas intensidades de carbono é devida à contínua substituição
de combustíveis com alto teor de carbono por outros com baixo teor de
carbono. (...) Outro efeito que contribui para uma intensidade reduzida de
carbono na economia é o declínio de unidade de energia por unidade de PIB,
ou intensidade de energia do PIB”.
Um relatório elaborado pelo Potsdam Institute for Climate Impact
Research para o Banco Mundial, com contribuições de “um amplo arco de
experts de todo o planeta”, publicado em novembro de 2012, afirma que 794:

“se os compromissos e promessas de mitigação [das emissões de gases de


efeito estufa] forem totalmente cumpridos, há aproximadamente 20% de
probabilidade de que se exceda um aquecimento de 4º C em 2100. Se não o
forem, um aquecimento de 4º C poderia ocorrer já em 2060” (..) “Um mundo no
qual o aquecimento atinge 4º C acima dos níveis pré-industriais torna-se um
mundo de ondas de calor sem precedentes, secas severas e maiores
inundações em muitas regiões, com sérios impactos sobre os sistemas
humanos, ecossistemas e os serviços a eles associados”.

Empregando esse conceito de descarbonização, um documento, Too


late for two degrees? Low carbon economy Index 2012, apresentado
igualmente em novembro de 2012 pela PricewaterhouseCoopers (PwC) à 18ª
Convenção das Partes sobre o Clima em Doha (COP 18) reitera as projeções
acima citadas do Potsdam Institute for Climate Impact Research. O foco desse
Index anual é medir a taxa de mudança da intensidade do uso global de
carbono necessária para se manter o aquecimento global a 2º C até 2100 795:

“Este ano, calculamos que o aperfeiçoamento requerido na intensidade global


de carbono para não se ultrapassar um aquecimento global de 2º C aumentou
para 5,1% de descarbonização ao ano até 2050. Ultrapassamos um limiar
crítico: nem uma única vez desde a Segunda Grande Guerra o mundo
conseguiu essa taxa de descarbonização, mas a tarefa que agora enfrentamos
é conseguir esses 5,1% anuais de descarbonização por 39 anos consecutivos”.

O relatório prossegue796:
196

“A taxa de aperfeiçoamento da intensidade de carbono em 2011 foi de 0,7%,


numa taxa média de descarbonização de 0,8% por ano desde 2000. Se o
mundo continuar a descarbonizar nessa taxa média desde o começo do
milênio, haverá um excedente de emissões de aproximadamente 12 GtCO2 em
2020, de 30GtCO2 em 2030 e de algo próximo de 70GtCO 2 em 2050, em
relação ao nosso cenário almejado de um aumento de temperatura de 2º C.
Mesmo dobrando a taxa atual de descarbonização, esta taxa ainda levaria a
emissões consistentes com um aumento de 6º C das temperaturas médias do
planeta até o final do século”

O documento baseia-se na suposição de que concentrações de até 450


ppm de CO2 – hoje já superamos 400 ppm – dariam ainda 50% de
probabilidade de um aquecimento global limitado a 2°C. Essas projeções foram
reforçadas em 8 de novembro de 2012 por dois cientistas do National Center
for Atmospheric Research (NCAR), John Fasullo e Kevin Trenberth, que
publicaram na revista Science uma análise dos 16 mais importantes modelos
de previsão das mudanças climáticas. A análise sugere que os modelos mais
precisos são os que anunciam um maior aumento das temperaturas médias até
o final do século.
Um aumento de “quase 5º C” (IPCC) nas temperaturas médias do
planeta até o final do século, com chances crescentes de um aumento de 7º C
(MIT, 2009), é hoje, portanto, uma hipótese largamente admitida, ainda que não
consensual. Fatih Birol, Economista-Chefe e Diretor do Global Energy
Economics da AIE, declarou a respeito: “os novos dados fornecem mais
evidência de que a porta para uma trajetória de aumento de 2º C está se
fechando (...). Quando olho esses dados, a tendência é perfeitamente em
consonância com um aumento de temperatura de 6º C aproximadamente” 797.
Um planeta 4º C a 5º C mais quente tornará muitas de suas latitudes
inabitáveis pelo homem e por outras espécies. Sobretudo, tal aumento porá em
marcha uma dinâmica de feedbacks positivos que levariam a aumentos
ulteriores. Como se verá adiante no capítulo 10, um aumento de 10º C ao longo
do século XXII desencadearia o que Hubert Reeves chama o “cenário Deserto”.

6.5. Um aquecimento de 2º C é ainda seguro?

Qualquer que seja o aumento das temperaturas médias do planeta que


se venha a verificar em 2050 ou em 2100, o fato é que os efeitos do “pequeno”
aquecimento atual já se fazem sentir de modo perturbador. Segundo o
Relatório do IPCC de 2013798:

“Os dados da temperatura média global da superfície da terra e do mar, tal


como calculados por uma tendência linear, mostram um aquecimento de 0,85º
(0,65º a 1,06º) C ao longo do período 1880-2012”.

Um aumento 2º C até 2100, em relação aos níveis pré-industriais, é ainda


considerado o limite além do qual pode se desencadear “uma interferência
antropogênica perigosa no sistema climático” (COP 15). Esse limite ganhou
força de consenso na I Conferência sobre Clima (COP-1) realizada em 1995 na
Alemanha, presidida por Angela Merkel, então Ministra do Meio Ambiente de
seu país. Ele foi reiterado numa reunião do G8 em 2009 e novamente nesse
197

mesmo ano no primeiro parágrafo do texto assinado por 167 países,


responsáveis por mais de 87% das emissões mundiais de CO 2, na 15ª
Convenção das Partes (COP 15) em Copenhague, o assim chamado Acordo
de Copenhague. Nele se lê799:

“Para realizar o objetivo último da Convenção de estabilizar a concentração de


gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que evitaria uma interferência
antropogênica perigosa no sistema climático, e reconhecendo a visão científica
de que o aumento da temperatura global deveria permanecer abaixo de 2º C,
devemos melhorar nossa ação cooperativa de longo prazo para combater a
mudança climática, sobre a base da equidade e no contexto de um
desenvolvimento sustentável”.

Mas a ideia de que 2º C é um limite aceitável tem sido contestada por


diversos especialistas e cientistas. Segundo Kerry Emanuel, do MIT, “qualquer
medida muito acima de 1º C envolve um jogo”. Thomas Lovejoy, ex-consultor
de biodiversidade do Banco Mundial, coloca o problema nesses termos: “Se
estamos vendo o que estamos vendo hoje com um aumento de 0,8º C, então
2º C é simplesmente demais”. Uma declaração de James Hansen a respeito
aponta na mesma direção: “O alvo em pauta nas negociações internacionais de
não ultrapassar um aquecimento de 2º C é na realidade uma prescrição para
desastre a longo prazo”800. James Hansen mostrou, de fato, que um aumento
de apenas 1º C nas temperaturas médias globais aumenta a probabilidade de
eventos de calor extremo e sem precedentes, tal como no gráfico abaixo.

Probabilidades de ocorrência de temperaturas anômalas


com aumento de 1º C nas temperaturas médias do planeta

Fonte: Michael Slezak, New Scientist, 19/I/2013 adaptado de IPCC J. Hansen, 2012

Uma margem de segurança ilusória

Além disso, é ilusória a ideia de que temos ainda uma margem


confortável de segurança, já que até agora o aquecimento das temperaturas
médias globais em relação ao período pré-industrial foi, como acima dito, de
“apenas” 0,85º C. Essa margem de segurança é ilusória por duas razões:

1. As temperaturas médias globais ocultam a forte desigualdade desse


aumento nas diversas regiões do planeta. Em algumas delas, tais aumentos
têm sido e, segundo as atuais estimativas, continuarão a ser sempre maiores e
mais rápidos:
198

(a) sobre a superfície da terra, mais que sobre a superfície do mar,

(b) nas altas latitudes e nos polos, mais que sobre as latitudes equatoriais,

(c) no Hemisfério Norte,

(d) no interior dos continentes, mais que nas zonas costeiras e

(e) nos grandes centros urbanos, onde se formam ilhas de superaquecimento.

A figura abaixo mostra a diferença das temperaturas anômalas entre o período


janeiro de 1999/dezembro de 2008, em comparação com as temperaturas
médias no período janeiro de 1940/dezembro de 1980. O aumento médio foi de
0,48º C, mas a distribuição desse aumento foi muito desigual, como mostra a
escala contínua de cores (Projeção de Mollweide), que atinge aumentos de
mais de 1º na Europa e de mais de 2º C nos polos.

Fonte: NASA GISS Surface Temperature Analysis (GISTEMP)

2. A força inercial do aquecimento é a segunda razão da inexistência de


margem de segurança num aumento médio global de “apenas” 0,85º C no
período 1880-2012. Ela é posta em evidência por projeções reportadas por Bill
McKibben: “mesmo se as emissões antrópicas de gases de efeito estufa
cessassem agora, a temperatura ainda assim subiria provavelmente mais
outros 0,8º C, pois o carbono já liberado na atmosfera continuaria a super-
aquecer a atmosfera. Isto significa que já percorremos três quartos do caminho
para os 2º C”801.

6.6. O buraco na camada de ozônio no Ártico

Outro índice de que nossa margem de segurança é ilusória é o recente


aumento do buraco na camada de ozônio sobre a estratosfera do Ártico, pois
199

este decorre diretamente do aquecimento global já percorrido. Essa camada,


que envolve o planeta, não absorve os raios ultravioletas em ondas de 315 a
400 namometros (nm), chamados UV-A, mas absorve os raios ultravioletas que
atingem a Terra em ondas de 280 a 315 nm, chamados UV-B, e em ondas de
280-100 nm, chamados UV-C. Sem essa proteção, estes raios causam câncer
de pele, cataratas, lesões na retina e supressão do sistema imune 802. A
exposição da superfície terrestre a grandes quantidades de raios UV-B e UV-C
seria danosa também para as plantas, para os organismos unicelulares e os
ecossistemas aquáticos.
A partir dos anos 1950, substâncias produzidas pela indústria química
começaram a deteriorar a camada de ozônio. Na Antártica, desde o final dos
anos 1970 detectou-se um declínio de 4% por década do volume total desse
gás na estratosfera e seu desaparecimento sazonal quase total, durante dois a
três meses por ano (com pico em setembro), causando o assim chamado
buraco na camada de ozônio, uma perda que atinge quase 90% de seu volume
normal (menos de 290 unidades Dobson – DU). Inicialmente a área máxima
desse buraco era de apenas 130 mil km2, área equivalente à ilha de Cuba. Em
1979, ele ultrapassou 1 milhão de km2. Ao longo das duas décadas sucessivas,
sua área máxima cresceu até atingir em 2006 quase 30 milhões de km 2 sobre a
região polar austral. Sua duração também se estendeu, chegando a
permanecer de agosto a inícios de dezembro.
Como se sabe, o Protocolo de Montreal, firmado em 1987, estabeleceu
um cronograma de descontinuação da produção industrial entre 2000 e 2005
de 13 hidroclorofluorcarbonos (HCFC) e clorofluorcarbonos (CFC), substâncias
químicas destrutivas do ozônio na estratosfera (as ozone depleting chemicals
ou ODCs), usualmente usadas como aerossóis e como gás para refrigeração. A
cada quatro anos, uma equipe de cientistas trabalhando sob os auspícios da
World Meteorological Organization (WMO) realiza medições sobre a situação
da camada de ozônio na Antártica. Segundo Jeffrey Masters, Diretor de
Meteorologia da Weather Underground, Inc., que reporta essas medições 803:

“ainda não é possível afirmar se a área do buraco na camada de ozônio atingiu


sua máxima extensão. (...) Variações anuais de temperatura serão
provavelmente o fator dominante a determinar as diferenças de tamanho do
buraco na camada de ozônio no próximo futuro, devido às Nuvens
Estratosféricas Polares (Polar Stratospheric Clouds - PSCs), que agem como
superfícies reativas para acelerar a destruição de ozônio”.

O gráfico abaixo mostra o comportamento do buraco na camada de ozônio


desde 1980.

Área média do buraco na camada de ozônio


na estratosfera do hemisfério meridional
(1980-2010 em milhões de km2)
200

Fonte: http://nasa.gov

Como se vê, se não foi capaz ainda de fazer diminuir significativamente o


buraco de ozônio sobre os céus da Antártica, a descontinuação dos
hidroclorofluorcarbonos (HCFC) e dos clorofluorcarbonos (CFC) foi ao menos
capaz de sustar seu crescimento após 1996. Contudo, as corporações
contornaram o problema, substituindo os HCFCs e os CFCs pelos
hidrofluorcarbonos (HFCs), os quais são 1430 vezes mais potentes que o CO 2
como gás de efeito estufa e, uma vez saturados, permanecem por cerca de 50
anos na atmosfera. Por tal razão, um apelo assinado por nove cientistas, entre
os quais o Prêmio Nobel de química, Mário J. Molina, foi publicado em 2012 na
revista Science para que o HFC seja incluído no Protocolo de Montreal 804:

“O Protocolo de Montreal é talvez o mais bem sucedido tratado internacional


relativo ao meio ambiente, sendo responsável pela descontinuação global do
consumo e da produção de substâncias destrutivas de ozônio (ODSs), tais
como os clorofluorcarbonos (CFCs) e os hidroclorofluorcarbonos (HCFCs). Os
hidrofluorcarbonos (HFCs), não destroem o ozônio estratosférico, foram
considerados substitutos de longo prazo dos ODSs e não são controlados
pelos Protocolo de Montreal. Por serem potentes gases de efeito estufa (GEE),
eles foram incluídos no Protocolo de Kyoto. Mas os benefícios climáticos
trazidos por esse protocolo são limitados na medida em que se aplicam apenas
aos países desenvolvidos e por um curto lapso de tempo (2008-2012). (...) A
inclusão dos HFCs no Protocolo de Montreal oferece uma via, já a curto prazo,
para preservar os benefícios climáticos já realizados por esse protocolo”.

Em 2013, o G20 reunido em S. Petersburgo, declarou a intenção de princípio


de descontinuar os HFCs. Não há, contudo, agenda de inclusão no Protocolo
de Montreal dessa substância, cuja produção deve dobrar entre 2012 e 2020.
Entrementes, outro e mais grave problema se avizinha: a formação de
um buraco na camada de ozônio nos céus do Ártico. Jonathan Shanklin é
Diretor da Seção Cometas do The British Astronomical Association e
Presidente da Cambridge Natural History Society, além de ser um dos
cientistas do The British Antarctic Study que descobriu e estudou o buraco na
camada de ozônio sobre a Antártica. Em 1999, ele declarou 805: “A formação de
um buraco na camada de ozônio sobre os céus do Ártico ocorrerá
provavelmente nos próximos 20 anos”. De fato, o buraco na camada de ozônio
sobre o Ártico, que havia sempre sido muito menor, ampliou-se de modo jamais
observado já nos três primeiros meses de 2011, criando um enorme buraco (a
huge hole) na estratosfera daquela região806. A 20 km de altitude sobre o Ártico,
80% do ozônio foi destruído.
201

Um artigo na revista Nature de 27 de outubro de 2011, publicado por


uma equipe de cientistas coordenados por Gloria Manney, do Jet Propulsion
Laboratory, do California Institute of Technology de Pasadena, na California,
assim inicia o resumo do trabalho807:

“A destruição química do ozônio ocorre sobre as duas regiões polares durante o


inverno e a primavera de cada região (...). Demonstramos aqui que a destruição
química de ozônio sobre o Ártico no início de 2011 foi – pela primeira vez nos registros
de observação – comparável à do buraco na camada de ozônio da Antártica”.

Como previsto por Shanklin, o mecanismo causador deste novo buraco na


camada de ozônio deriva do aquecimento global. Ao reterem calor na
troposfera, os gases de efeito estufa resfriam ainda mais a estratosfera,
favorecendo, a temperaturas abaixo de -78º C, reações químicas destrutivas do
ozônio. Shanklin explica esse mecanismo808:

“A atmosfera está mudando, e uma das mudanças cruciais é que a camada de


ozônio está ficando mais fria. Quando ela esfria, particularmente durante o
inverno, podemos ter nuvens efetivamente se formando na camada de ozônio e
essas nuvens são um fator chave. Reações químicas podem ocorrer sobre elas
que ativam o cloro e facilitam em muito que ele destrua o ozônio. Ela está
ficando mais fria por causa dos gases de efeito estufa liberados pelas emissões
que temos no nível da superfície”.

Observações realizadas na estratosfera do Ártico nos últimos 30 anos mostram


que durante o inverno as temperaturas têm caído em média 1º C por década.
Um estudo coordenado por Björn-Martin Sinnhuber, do Institute for Meteorology
and Climate Research do Karlsruhe Institute of Technology (IMK-KIT), mostra
que no Ártico809:

“um decréscimo sucessivo na temperatura de apenas 1o C seria suficiente para


causar uma quase completa destruição da camada de ozônio no Ártico em
certas áreas”.

Tenha-se presente que enquanto a área vulnerabilizada da Antártica era quase


desértica, um buraco na camada de ozônio sobre o Ártico, se similar em
tamanho ao da Antártica, exporá a seus efeitos durante os meses de inverno
mais de 700 milhões de pessoas, isto é, 1/10 da população do planeta, além da
fauna e da flora.

6.7. Elevação do nível do mar

“Por volta de 23% da população mundial vive em zonas costeiras, com o


triplo da densidade demográfica média global. (...) Altas densidades
populacionais encontram-se também nos deltas, particularmente vulneráveis às
inundações”810. Parte ou a totalidade desses grandes contingentes
populacionais está condenada ao deslocamento. Um trabalho publicado na
revista Science em 2006 projeta para “os séculos vindouros um aumento dos
oceanos da ordem de 4 a 6 metros (13 a 20 pés), fenômeno observado pela
última vez há 129 mil anos, entre duas glaciações” 811.
202

A aceleração observada da elevação do nível do mar é flagrante.


Globalmente, desde 1880, houve uma elevação do nível do mar da ordem de
20 a 25 cm812, um terço dela ocorrendo após 1980, com elevações entre 1,5 a 3
milímetros por ano, como mostra o gráfico abaixo.

Elevação do nível do mar entre 1980 e 2011

Fonte: International Geosphere-Biosphere Programme

Mensurações, globais e regionais, realizadas entre 2012 e 2014 rompem a


barreira dos 3 milímetros anuais: (1) para o Potsdam Institute of Climate Impact
Research, “enquanto o IPCC [2007] projetava uma elevação do nível do mar a
uma taxa de 2 mm por ano, os dados obtidos por mensuração via satélite
registram uma taxa de 3,2 mm por ano” 813; (2) o NOAA814 informa que “desde
1993, quando tiveram início as mensurações por satélite, o nível global do mar
elevou-se entre 2,8 e 3,6 milímetros por ano”; (3) segundo o MET Office, em
um século o nível do Canal da Mancha elevou-se 12 cm, mas deverá se elevar
outros 11 a 16 cm até 2030815; (4) na Flórida, o nível do mar elevou-se cerca
de 20 centímetros nos últimos quinze anos: 11 mil km 2 de seu território, cerca
de 6 milhões de pessoas, além de centenas de milhares de residências e duas
usinas nucleares estão ameaçadas de inundações 816.
Dois fatores associam-se na elevação do nível do mar: (1) a expansão
térmica dos oceanos e (2) a retração das geleiras do Ártico e das montanhas,
bem como das grandes massas de gelo da Groenlândia e da Antártica 817. Um
estudo publicado em 2013 na revista Science determinou as proporções em
que a retração das geleiras e a expansão térmica dos oceanos têm contribuído
na elevação do nível do mar 818. Quase todas as reservas de gelo do planeta –
entre os quais o Ártico, o Alasca, as costas da Groenlândia, o sul dos Andes, os
Alpes e o Himalaia – perderam massa de gelo entre 2003 e 2009. Sabe-se que
99% do gelo do planeta está estocado na Antártica e na Groenlândia. O 1%
restante está nas geleiras do Ártico e das montanhas. Entretanto, entre 2003 e
2009, o derretimento das geleiras do Ártico e das montanhas contribuiu para o
aumento do nível do mar tanto quanto o derretimento daquelas imensas
massas de gelo. Cada uma dessas duas fontes de derretimento de gelo é
responsável por um terço da elevação do nível do mar neste período. O
terceiro terço caberia à expansão térmica dos oceanos. Essas proporções são
muito diversas das registradas pelo IPCC (2007) para o período 1993-2003,
quando a expansão térmica respondia sozinha por cerca de 1,6 mm por ano, o
203

Ártico e as montanhas por 0,77 mm, e a Groenlândia e a Antártica, cada uma,


por 0,22 mm por ano.

As geleiras de altitudes

As 476 geleiras bolivianas perderam 43% de sua superfície em 40 anos.


A Geleira de Chacaltaya desapareceu em 2009, seis anos antes que
previsto819. Por volta de 2100, a perda da superfície de gelo nos Alpes será da
ordem de 50% a 90% em relação a 2000. As diversas geleiras do maciço do
Mont Blanc, por exemplo, recuam em média 20 a 30 metros por ano 820. No
Tibet, “a maioria das geleiras têm encolhido rapidamente em toda a área
estudada nos últimos 30 anos”821. A afirmação é reiterada por Jane Qiu822.
Outro estudo abrangendo os 70 mil km 2 das geleiras da região Pamir-
Karakoram-Himalaia (PKH) reitera que “a maioria das geleiras perdeu área nas
últimas décadas e na maioria dos casos, as taxas de perda de área vêm
aumentando nos últimos anos”. As perdas ocorridas entre 1999 e 2011
“correspondem a uma contribuição de 0,0028 (+/- 0,015) milímetros por ano
para o aumento do nível do mar”823. Em particular as geleiras do Monte
Everest, entre a China e o Nepal, encolheram 13% nos últimos 50 anos e a
linha do gelo subiu 180 metros. As geleiras menores de 1 km 2 estão
desaparecendo ainda mais rapidamente e sofreram um decréscimo de 43% em
sua área desde os anos 1960824. “A poluição está acelerando o degelo. Uma
‘nuvem asiática marrom’, formada por dois milhões de toneladas de fuligem e
partículas escuras, liberadas na atmosfera a cada ano sobretudo pela China e
pela Índia, esquenta o ar e a superfície de gelo” 825.

O degelo na Groenlândia

Segundo Jeremy Bamber, da Bristol University, o gelo da Groenlândia


“tem o potencial de fazer aumentar o nível do mar em mais de sete metros” 826.
Uma pesquisa sobre o degelo da Groenlândia realizada por Marco Tedesco do
City College of New York mostra que “o degelo entre junho e agosto de 2011 foi
bem superior à média do período entre 1979 e 2012. De fato, o degelo em 2011
foi o terceiro mais extenso desde 1979, ficando atrás apenas do de 2010 e
2007”827. Na segunda quinzena de julho de 2012, três satélites da NASA
registraram sinais de degelo generalizado em praticamente toda a Groenlândia
fenômeno cuja extensão e rapidez supera qualquer registro histórico 828. Trata-
se do sétimo verão excepcionalmente quente na região.
“A camada de gelo da Groenlândia tem sido uma das que mais tem
contribuído para o aumento do nível do mar nos últimos 20 anos, sendo
responsável por uma elevação de 0,5 mm ao ano num total de 3,2 mm ao
ano”829. Publicada na Nature Climate Change de 2014, a pesquisa aberta por
essa afirmação mostra que as geleiras do NE da Groenlândia estão
derretendo, após um quarto de século de estabilidade, fato não previsto nos
modelos anteriores. Além disso, ela reitera duas pesquisas publicadas em
2013, divergindo apenas ligeiramente nas mensurações. Para uma delas,
publicada na revista Nature830: “A perda de massa das camadas de gelo da
Groenlândia quadruplicou no período 2002-2011 (211 +/- 37 Gt/ano) em relação
ao período 1992-2001”. Para a segunda pesquisa, publicada pelo IceGeoHeat
do Helmoltz Zentrum (GFZ) de Potsdam 831: “as camadas de gelo da
204

Groenlândia perderam cerca de 227 Gigatoneladas de gelo por ano e


contribuem com 0,7 mm do aumento presentemente observado do nível do
mar, de cerca de 3 mm por ano”.

O degelo na Antártica

Segundo o IPCC (2013), há “alta confiabilidade de que a tendência de


longo prazo ao retraimento e ao colapso parcial das camadas de gelo em volta
da península da Antártica continue” 832. A Antártica tem perdido cerca de 100
bilhões de toneladas de gelo continental por ano desde 1993, causando um
aumento do nível do mar da cerca de 0,2 mm por ano. Em partes da Península
da Antártica e na Antártica Ocidental, o degelo veranil vem ocorrendo mais
rapidamente que nos últimos milhares de anos e as maiores velocidades têm
sido registradas a partir de 1960 833. O degelo da Antártica Ocidental, capaz de
causar um aumento no nível do mar de 1,2 m ainda neste século, está se
acelerando de modo irreversível, conforme mostram dois trabalhos publicados
em 2014834. Nas palavras de Eric Rignot, primeiro autor de um dos trabalhos, “o
sistema entrou numa espécie de irreversível reação em cadeia” 835.

Projeções globais

O quarto relatório do IPCC (2007) projetava um aumento de 18 a 59 cm


do nível do mar até 2100. O quinto relatório (2013) revisa para cima esses
números, prevendo um aumento de 26 a 98 cm836:

“É muito provável que a taxa média de elevação do nível do mar durante o


século XXI excederá a taxa observada durante o período 1971-2010 em todos
os cenários de aumento de emissões de gases de efeito estufa (for all
Representative Concentration Pathway, RCP), devido aos incrementos no
aquecimento do oceano e à perda de massa das geleiras e dos mantos de
gelo. (...) Para o período 2081-2100, comparado com 1986-2005, a elevação
média global do nível do mar é provável (medium confidence) que se inclua
entre 5% e 95% das projeções do modelos, os quais dão 0,26 a 0,55 m para o
cenário RCP2.6 (...) Para o cenário RCP8.5, a elevação em 2100 será de 0,52
a 0,98 m, com uma taxa de elevação anual em 2081-2100 de 8 a 16 mm”.

Em 7 de janeiro de 2013 a Nature Climate Change publicou um balanço


ponderado das respostas de 26 especialistas em dinâmica das calotas glaciais
dadas a um questionário a eles submetido em 2010 e de novo em 2012. O
resultado é que se deve esperar uma elevação dos mares entre 33 e 132 cm
até 2100, com uma elevação mais provável de 62 cm no caso de um
aquecimento médio global de 3,5º C neste século, em relação aos níveis pré-
industriais. O resultado foi subscrito por Stephan Rahmstorf, do Potsdam
Institute of Climate Impact Research 837. Segundo Helen Fricker, Professora do
Scripps Institution of Oceanography, esta elevação pode, contudo, ser de até 2
metros até o final do século 838. Um trabalho de Anders Levermann, também do
Potsdam Institute of Climate Impact Research, calcula um aumento de 2,3
metros para cada 1º C de elevação das temperaturas médias do globo 839.
Essas projeções entre 33 centímetros e 2,3 m ao longo deste século, em
relação ao nível médio do mar em 1992, dependem em grande parte do
comportamento do gelo da Groenlândia e da Antártica, que, como visto, está
205

derretendo aceleradamente. De seu lado, o NOAA afirma em seu relatório de


2012: “Temos uma confiança muito alta (probabilidade >9 em 10) que o nível
global médio do mar aumentará ao menos 20 cm e não mais que 2 metros até
2100 [tendo o nível médio de 1992 como ponto de partida]” 840. O gráfico abaixo
mostra estas duas possibilidades extremas e suas duas variantes
intermediárias.

Aumentos possíveis do nível médio global do mar em 2100


(a partir do nível médio de 1992)

Fonte: NOAA Global Sea level Rise Scenarios for the United States
National Climate Assessment, 6/XII/2012

Uma elevação do nível do mar de mais de um metro ao longo do século


não é mais hoje, portanto, considerada improvável, haja vista a aceleração do
degelo da Groenlândia. Um aumento entre 50 cm (Intermediate-Low) e 1,2
metro (Intermediate-High) é ainda considerado otimista pelo NOAA: “Nossos
cenários Intemediário-Baixo e Intermediário-Alto são cenários otimistas de
mudança ambiental futura, assumindo taxa de perda das camadas de gelo e
um aquecimento do oceano ligeiramente superior ou similar às observações
recentes”841.

Consequências segundo os dois cenários mais prováveis do NOAA

(1) Um aumento de apenas 50 cm (Intermediate-Low) até 2100 em relação a


1992 – um valor um abaixo do centro das projeções entre 26 e 98 cm do
quinto relatório do IPCC (2013) – forçará a migração de mais de 40 milhões de
pessoas, segundo as simulações propostas pela ONG GlobalFloodMap.org.
Diversos pontos dos litorais da África (quase 5 milhões), da Europa (quase 6
milhões) e da Ásia (14 milhões) serão particularmente afetados. O caso de
Bangladesh, com uma população de 153 milhões de habitantes concentrada
em apenas 144 mil km2, é dos mais graves, pois 2/3 de suas terras estão a
menos de 5 metros de altitude em relação ao nível do mar. Segundo as
projeções da ONU, até 2050 Bangladesh pode perder 40% de suas terras
agricultáveis. Ao jornal Le Monde, Hasan Mahmud, Ministro do Meio Ambiente
e das Florestas do país, declarou que “o nível do mar no golfo de Bengala já
aumentou e se as previsões dos cientistas se confirmarem, 30 milhões de
pessoas deverão fugir de suas terras daqui até o final do século” 842.
206

(2) O cenário sucessivo – considerado ainda otimista pelo NOAA e ligeiramente


acima do intervalo de 26 a 98 cm do quinto relatório do IPCC (2013) – é o de
um aumento do nível do mar entre 50 cm e 1,2 metro (Intermediate-High). Tal
elevação será suficiente para inundar deltas, causar alterações nas linhas
costeiras, submersão completa de ilhas e terras baixas e agricultáveis,
destruição de ecossistemas costeiros e deslocamento de contingentes
populacionais que vivem hoje próximos ao litoral, produzindo vagas de novos
refugiados – os já batizados sea-level refugees –, com traumas sociais, perdas
de infraestrutura urbana e sobrecarga de territórios por vezes já saturados de
ocupação humana. Neste segundo cenário, o Vietnã de Marguerite Duras, de
Un barrage contre le Pacifique (1950), será em breve o destino de quase 150
milhões de pessoas, segundo a estimativa do PNUMA/GRID-Arendal.

Impactos de um aumento de 1 metro no nível do mar


sobre a área, população e PIBs, global e regionais

Fonte: Anthoff, D., Nicholls, R.J., Tol, R.S.J. and Vafeidis, A.T. (2006). “Global and regional exposure to large rises
in sea-level: a sensitivity analysis”. Working Paper 96. Tyndall Centre for Climate Change Research, Norwic
http://www.grida.no/graphicslib/detail/population-area-and-economy-affected-by-a-1-m-sea-level-rise-global-and-
regional-estimates-based-on-todays-situation_d4fe
Crédito: Hugo Ahlenius, UNEP/GRID-Arendal

Aceleração do rebaixamento dos deltas e a salinização

Em paralelo com a elevação do nível do mar, observa-se o fenômeno de


rebaixamento do nível dos maiores deltas do mundo, os quais, por razões
históricas, agrícolas e comerciais são grandes aglutinadores de populações.
Num trabalho apresentado no encontro “Água no Antropoceno” que em maio de
2013 reuniu em Bonn 500 especialistas em água, James Syvitski e outros
cientistas alertaram para o fato que, “ao bombear aquíferos e hidrocarbonetos
em áreas costeiras quase ao nível do mar, estamos afundando deltas quatro
vezes mais rapidamente em média que a elevação global do nível do mar” 843.
Hoje, por volta de 500 milhões de pessoas, aproximadamente 7% da
população do planeta, vivem ou trabalham em deltas. O rebaixamento dos
deltas explica porque 85% deles sofreram fortes inundações marítimas no
último decênio, a começar pelos deltas do Mississipi (2005), do Irrawaddy em
Mianmar (2008) e do Chao Phraya, em Bangkok (2012). Segundo James
Syvitski e Stephanie Higgins, a diminuição dos fluxos hídricos de alguns rios e
a diminuição também de sedimentos trazidos por eles até o delta, sobretudo
devido à multiplicação de represas e reservatórios têm causado um
rebaixamento desses deltas, alguns dos quais, como o delta do Pó, requerem
bombeamento por estarem já abaixo do nível do mar 844.
207

A salinização dos recursos hídricos de Bangladesh e a do delta do


Mekong oferecem exemplos extremos de um fenômeno global. Um mecanismo
suplementar de salinização dos recursos hídricos pela invasão da água do mar
(seja por elevação de seu nível, seja pelo rebaixamento dos deltas) foi
estudado por Vincent Post, um hidrologista da Free University de Amsterdam.
Ele mostra que, antes de alterar significativamente as linhas costeiras, a água
do mar em elevação deve-se infiltrar pelas rochas porosas que contêm os
lençóis freáticos sobre os quais se apoia o abastecimento de grandes cidades
sobretudo na Ásia e na África. Na realidade, a água salgada já está penetrando
nos reservatórios de água de certas cidades. Em Manila, por exemplo, capital
das Filipinas, ela penetrou 5 quilômetros sob a cidade 845.

Eventos meteorológicos extremos

Os ciclones (furacões, tufões, tornados) são fenômenos


termodinâmicos classificados na escala de Saffir-Simpson em cinco graus,
segundo a força crescente de seus ventos, começando pelos mais fracos, que
evoluem a mais de 117 km/h. Uma das condições indutoras de ciclones é que
as camadas superficiais do mar, em até 50 metros de profundidade, atinjam
temperaturas superiores a 26º C (as águas do Pacífico, mais quentes, podem
atingir até 30% durante mais tempo ao longo do ano). Uma revisão das
pesquisas a respeito, publicada na Nature, afirma846: “É claro que as
populações costeiras estão se tornando mais expostas a inundações extremas
por ciclones tropicais. Há também crescente evidência de uma mudança futura
na intensidade dos ciclones tropicais em direção a tempestades mais fortes”. O
gráfico abaixo mostra o aumento da frequência dos ciclones. Salta-se de
menos de 200 ocorrências em 1950 para cerca de 1500 em 2010.

Número de ciclones no mundo 1950-2010

Fonte: National Oceonagraphic and Atmospheric Administration (NOAA)

Segundo Fabrice Chauvin, do Centre National de Recherches Météorologiques


na França, observa-se também “um maior número dos ciclones na faixa dos
mais intensos, fato que se explica notadamente pelo aumento das
temperaturas dos oceanos e o aumento do nível das águas. Caminhamos
208

doravante em direção a fenômenos mais potentes, associados a chuvas


aproximadamente 20% mais intensas”847.
As devastações produzidas pelo furacão Katrina em 2005, pelo ciclone
Aila em 2009 em Bangladesh, pelos ciclones Washi, Bopha e pelo supertufão
Haiyan nas Filipinas, respectivamente em 2011, 2012 e 2013, bem como pelo
furacão Sandy em Nova Jersey e em Nova York em 2012, mostram a dupla
tendência nos últimos trinta anos (1982-2012) à ocorrência de ciclones mais
violentos e que atingem sua máxima intensidade (lifetime-maximum intensity)
em latitudes mais distantes dos trópicos, tendência que evolui em média 53 e
62 kms por década, respectivamente, conforme mostra um estudo da Nature
de 2014848. Nova York cogita doravante evacuar uma parte da cidade para se
preservar de mortes e prejuízos ainda maiores ocasionados pelos próximos
furacões. No sul da Flórida, “cerca de 2,4 milhões de habitantes vivem já sob
alto risco de enchentes causadas por furacões mesmo de intensidade
moderada e calcula-se que nessa região as chances de uma enchente de
proporções catastróficas, do gênero ‘uma no século’, por volta de 2030, são
agora 2,6 vezes maiores do que seriam sem o aquecimento global” 849.

Inundação das usinas nucleares

Com o aumento do nível do mar e da intensidade dos furacões podem


ocorrer inundações de usinas nucleares. Na Inglaterra, por exemplo, “12 das 19
usinas nucleares civis correm risco de sofrer inundações e erosão da costa por
causa das mudanças climáticas” (...), nove das quais já estão presentemente
vulneráveis”850. No Brasil, um artigo de Aldo Ribeiro na Folha de São Paulo, de
6 de dezembro de 2012, mostra os riscos crescentes desse fenômeno para a
usina nuclear Angra 3. Segundo o autor, “o Estudo de Impacto Ambiental da
usina nuclear Angra 3 dizia em maio de 2005 que não ocorrem furacões na
costa leste do Atlântico Sul. Mas já em 27 de março de 2004 um furacão de
categoria 1 havia aterrado em Santa Catarina. O estudo desconsiderava
também projeções de probabilidade quanto a aguaceiros e escorregamentos
de encostas um tanto próximas. Como, por exemplo, a precipitação de 142
milímetros em 24 horas que matou 52 habitantes de Angra dos Reis nos
deslizamentos de 31 de dezembro de 2009. A Eletrobras Eletronuclear (...)
cogita altear o dique de proteção contra ressacas na baía que defronta as
usinas. Contudo, como a célebre Linha Maginot, essa defesa não prevenirá
ataques à retaguarda. Ciclones vindos do mar descarregarão serra abaixo
aguaceiros engrossados por lama e rocha. Quem não sabe que mais e mais
chuvas estão acelerando a erosão de serras fluminenses?” 851.

6.9. A bomba-relógio do metano

Tudo o que se escreveu acima empalidece diante do despertar do maior


dragão do aquecimento global: o metano (CH 4). Molécula a molécula, o metano
tem um coeficiente de aquecimento superior entre 21 e 25 vezes ao do dióxido
de carbono, num horizonte de 100 anos 852. Seu tempo de permanência na
atmosfera é de aproximadamente 10 a 12 anos, período após o qual ele se
converte em CO2. Num horizonte de tempo de 20 anos, seu coeficiente de
aquecimento é superior em cerca de 60 vezes ao do dióxido de carbono.
209

A concentração de metano na atmosfera passou nos últimos dois


séculos de 700 partes por bilhão para 1700 ppb, e no Ártico para 1900 ppb.
“Um aumento gigantesco”, segundo Natalia Shakhova, “entre duas e três vezes
e isto nunca aconteceu antes na história do planeta” 853. As emissões de metano
na atmosfera aumentaram desde os anos 1980 à razão de 1% ao ano, com
uma diminuição nessa taxa de crescimento após 1999 e uma retomada do
ritmo de seu adensamento na atmosfera a partir de inícios de 2007 854. O gráfico
abaixo mostra três acelerações das concentrações de metano na atmosfera:
uma primeira aceleração a partir de 1900, uma segunda a partir dos anos 1960
e o início de uma terceira aceleração a partir de 2008.

Evolução das concentrações de metano


na atmosfera (partes por bilhão – ppb)

Fonte: European Environmental Agency

O gráfico abaixo mostra que as emissões de metano subiram abruptamente


entre 1997 e 1999, permaneceram relativamente estáveis entre 2000 e 2007 e
voltaram a disparar a partir dessa data.

Concentrações de metano na atmosfera


ppb /1997-2008

Fonte: Amanda Leigh Mascarelli, “A sleeping giant?”. Nature Reports Climate Change, 5/III/2009, a partir de
Advanced Global Atmospheric Gases Experiment and the Australian Commonwealth Scientific and Industrial
Research Organisation.

As seis fontes antrópicas do aumento do metano


210

Segundo os cálculos do Goddard Institute for Space Studies, da NASA, 71% do


aumento das emissões atmosféricas de metano é de origem antrópica,
conforme mostra a figura abaixo855.

Fonte: Goddard Institute for Space Studies / NASA, 1997

1. A mineração de carvão e a exploração de gás e de petróleo foram


responsáveis em 1997 pela liberação de 19% das emissões de metano. Como
visto no capítulo 4, um fator suplementar nesses processos é o escape de
3,6% a 9% de metano na extração de gás e petróleo por fraturação hidráulica.

2. Um estudo da FAO (2006) afirma que as emissões de 7,1 milhões de


toneladas de equivalente CO2 pela pecuária (18%) haviam já ultrapassado as
emissões oriundas do transporte, além de ser uma fonte de degradação dos
solos e da água856. A fermentação entérica produzida pela atividade digestiva
dos bovinos, ovinos e caprinos gera 86 milhões de toneladas de CH 4 por ano,
aos quais se somam 18 milhões de toneladas de CH 4 provenientes dos
excrementos do gado, num total de 104 milhões de toneladas de CH 4, segundo
outro estudo da FAO857. Conforme o gráfico acima, a fermentação entérica
(16%) e os dejetos animais (5%) eram em 1997 responsáveis por 21% das
fontes de emissão de metano. Por volta de 50% dessas emissões vinham da
Índia, da China, da ex-URSS, dos EUA e do Brasil. Esse fator cresce com a
tendência global ao maior consumo de carne (veja-se adiante 10.2. O consumo
de carne).

3. Arrozais (12%). Segundo Reiner Wassmann, do International Rice


Research Institute, “nenhuma plantação emite tantos gases de efeito estufa
quanto o arroz”858. O arroz é consumido em quantidades crescentes, mas
sobretudo em áreas do planeta com maior concentração demográfica, como o
Sudeste asiático, a Índia, a China e o Japão. Em alguns desses países, a
população cresce a taxas ainda muito altas e a demanda por arroz aumentará
fortemente nos próximos decênios. Anualmente, entre 50 e 100 milhões de
toneladas de metano são produzidas por bactérias que decompõem o estrume
e outros fertilizantes utilizados nas áreas alagadas pelos arrozais.

4. A quarta fonte de liberação de metano na atmosfera são os resíduos


sólidos urbanos (RSU), sobretudo os acumulados em aterros e lixões (ver
capítulo 3). No gráfico acima, ele responde por 6% das emissões globais de
metano. Mas segundo um estudo do Banco Mundial de 2012, que cita dados
da EPA de 2006, “o metano dos aterros sanitários (landfills) representa 12% do
211

total de emissões globais de metano. (...) O gás de aterro, um subproduto da


decomposição anaeróbica, é composto de metano (tipicamente 50%), com
dióxido de carbono e outros gases”859.

5. A quinta fonte de liberação de metano na atmosfera, não incluída no


gráfico acima, é a decomposição de material orgânico nas represas criadas
pela construção de hidrelétricas, sobretudo nas zonas tropicais, ou seja, os
reservatórios formados em vazante e em montante do represamento dos
rios860. A contribuição das hidrelétricas para o aquecimento global é um
fenômeno de primeira importância. Um estudo dirigido por Alexandre Kemenes,
e publicado na edição de 23 de junho de 2007 da Geophysical Research
Letters, mostra, por exemplo, que o reservatório da represa de Balbina no rio
Rio Uatumã, cuja usina abastece Manaus, e o lago formado após as turbinas
emitem respectivamente 34 e 39 Gg (um gigagrama igual a 1 9 gramas) de
metano, e que apenas o lago inferior é responsável por 3% de todo o metano
liberado na atmosfera a partir da planície de inundação do Amazonas central.
É indispensável aqui uma longa citação de um dos estudos sobre a
emissão de metano pelas hidrelétricas, publicados entre 1995 e 2007 por Philip
Fearnside, Pesquisador Titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(INPA)861:

“A energia hidrelétrica é geralmente apresentada como ‘energia limpa’, ao


menos do ponto de vista do aquecimento global. Evidentemente, represas
hidrelétricas são bem conhecidas por outros severos impactos, tais como o
deslocamento de populações, inundação de ecossistemas terrestres e radical
alteração de ecossistemas aquáticos. Infelizmente, a emissão de gases de
efeito estufa representa um impacto adicional significativo de muitas represas,
especialmente nos trópicos. (...) Meus cálculos demonstraram que em termos
de emissão de gases de efeito estufa a represa de Balbina no Brasil era pior
que a queima de combustíveis fósseis (Fearnside, 1995). (...) Em 2002,
publiquei um trabalho na revista Water, Air and Soil Pollution, mostrando que
em 1990 a represa de Tucuruí no Brasil (construída então havia seis anos)
liberava até mais gases de efeito estufa que a cidade de São Paulo (Fearnside,
2002). (...)
A água no fundo de uma represa está sob alta pressão e contém uma
grande concentração de metano diluído. Quando a água passa pelas turbinas,
a pressão é subitamente diminuída e a maior parte do metano é liberada. O
metano se acumula na água perto do fundo porque a coluna de água é
termicamente estratificada (geralmente em um ponto abaixo de 10 metros sob
a superfície), de modo que a água fria profunda não se mistura com a água
mais quente perto da superfície. Dado que a água profunda (hipolímnio) é
virtualmente desprovida de oxigênio, a decomposição resulta mais em CH 4 que
em CO2. A matéria orgânica em decomposição provém da vegetação e do solo
recobertos pela água represada, mas também do carbono que entra na represa
a cada ano. Um exemplo disso provém da vegetação que cresce nas margens
pantanosas e que é anualmente exposta à atmosfera quando o nível da água
desce, antes de ser novamente inundada quando a represa retorna ao nível
anterior.
Diferentemente de um lago natural, onde a vazão da água é superficial,
uma represa hidrelétrica é como uma banheira onde a água escoa pelo fundo
em direção às turbinas, carregada de metano. Embora a emissão seja maior
nos primeiros anos sucessivos ao represamento da água, a inundação anual
de uma zona rebaixada pode manter permanentemente um nível considerável
212

de emissões (Fearnside, 2005). Dado que uma tonelada de metano é


equivalente a 21 toneladas de CO2 em termos de impacto sobre o aquecimento
global, conforme as conversões adotadas no Protocolo de Kyoto, a liberação
de metano confere às represas hidrelétricas uma contribuição significativa ao
efeito estufa. A omissão do metano oriundo das turbinas e vertedouros das
represas hidrelétricas é a principal razão por que meus cálculos de emissão de
gases de efeito estufa das hidrelétricas brasileiras são mais de dez vezes
maiores que as estimativas oficiais submetidas ao Acordo Climático em seu
inventário nacional”.

Frise-se uma passagem dessa citação: apenas a represa de Tucuruí liberou em


1990 mais gases de efeito estufa que a cidade de São Paulo, com seus
milhões de veículos, seus lixões e suas indústrias. Este fato foi demonstrado
por Fearnside num trabalho de 2002 862. Segundo seus cálculos, as barragens
necessárias para o funcionamento da usina de Belo Monte sobre o rio Xingu
emitirão 11.2 milhões de toneladas de CO 2-eq apenas em sua primeira década
de operação, o que iguala as emissões anuais de 2,3 milhões de automóveis.
Serão necessários 41 anos para que as emissões provocadas por Belo Monte
passem a ser menores que uma usina termoelétrica capaz de gerar a mesma
quantidade de energia elétrica863.

O degelo

6. A sexta fonte de emissão de metano na atmosfera é a retração do


gelo, que deixa exposto à radiação solar áreas cada vez maiores do Oceano
Ártico. Esta radiação solar aquece o mar e funde o gelo que recobre o solo
marinho na plataforma continental, o qual tem funcionado como uma tampa
que impede a liberação de metano depositado no fundo do mar a pequenas
profundidades antes da última glaciação. Em 2008, uma expedição científica a
bordo do navio russo Jacob Smirnitskyi registrou pela primeira vez grandes
quantidades dessa liberação de metano do fundo do mar da Sibéria, a
profundidades muito rasas. Orjan Gustafsson, da Universidade de Estocolmo e
um dos líderes desse experimento, escreveu a respeito 864:

“Uma extensa área de liberação de metano foi encontrada. Em lugares


precedentes encontramos níveis elevados de metano dissolvido. Ontem, pela
primeira vez, documentamos um campo onde a liberação era tão intensa que o
metano não tinha tempo para se dissolver na água marinha, mas subia até a
superfície na forma de bolhas de metano. Essas ‘chaminés de metano’ foram
documentadas com sondas de eco e com instrumentos sísmicos”.

Em 2012, o Jet Propulsion Laboratory da NASA encontrou esse mesmo tipo de


liberação proveniente do oceano profundo. Segundo Eric Kort, membro da
equipe, o metano escapava aqui pelas frestas do gelo em derretimento 865.
O mesmo ocorre com o metano aprisionado nas terras emersas. Há,
“tudo somado, cerca de 1 quatrilhão de toneladas métricas (10 21gramas) de
carbono orgânico aprisionado de uma forma ou de outra na camada sedimentar
da Terra. Até agora queimamos apenas um vigésimo de 1% desse carbono” 866.
Nas tundras siberianas, essas camadas de carbono orgânico formam morros
perpetuamente gelados de até três metros de espessura. Embora em fase
ainda incipiente, a liberação de metano aprisionado nesses pergelissolos
ocorre a uma taxa cinco vezes maior que previsto por medições anteriores,
213

segundo um estudo publicado na revista Nature em 7 de setembro de 2006.


Segundo Katey Walter, primeira autora do trabalho, “a quantidade de carbono
aprisionada em alguns tipos de pergelissolos – chamados yedoma – é muito
mais abundante que pensado anteriormente e pode representar cem vezes
mais a quantidade de carbono liberado na atmosfera a cada ano pelos
combustíveis fósseis. (...) Ele está sendo liberado e há muito mais por vir” 867.
Vladimir Romanovsky acredita que “a grande liberação de metano e de dióxido
de metano não começou ainda, mas está vindo”.

Os hidratos de metano e o perigo de uma “vasta eructação”

Na forma de hidrato de metano, o metano encontra-se aprisionado no


gelo ou no solo gelado nos sedimentos marinhos das plataformas continentais
a pequenas profundidades e nos pergelissolos. Nas regiões permanentemente
geladas, moléculas de água congelada encapsulam-no em hidratos ou clatratos
(estruturas cristalinas capazes de aprisionar moléculas hidrofóbicas). Quando
ocorre derretimento do gelo, este libera o metano ali sequestrado. Além disso,
o metano é formado nessas altas latitudes setentrionais (acima de 45º N) pela
ebulição (bubbling) dos lagos, sejam eles glaciais, formados por planícies
aluvionais ou por lagos termocásticos 868, formados pela água de um
pergelissolo que sofreu degelo. Diante dessa tripla liberação de metano – do
leito marítimo do Ártico, dos pergelissolos e do derretimento dos clatratos –,
entende-se a metáfora, cunhada por Ted Schuur em 2006, do metano como
uma bomba-relógio em câmara lenta, explodindo de modo inicialmente
imperceptível: It’s kind of like a slow-motion time bomb869. Segundo Fred
Pearce, o aquecimento nas regiões polares põe em causa pela primeira vez
desde o fim da última glaciação a estabilidade do pergelissolo e do metano
nele sequestrado870:

“a Sibéria ocidental aqueceu-se mais rápido que quase qualquer outra


localidade no planeta, com um aumento das temperaturas médias em torno de
3º C nos últimos quarenta anos. (...) A maior turfeira do mundo está derretendo.
Uma área que se estende por um milhão de km 2 dos pergelissolos da Sibéria
ocidental está se transformando numa massa de lagos rasos à medida que o
solo derrete (...) Larry Smith, da Universidade da Califórnia, calcula que apenas
a turfeira da Sibéria ocidental contém cerca de 70 bilhões de toneladas de
metano, um quarto de todo o metano armazenado no solo terrestre do planeta”.

De 10 milhões hoje a 50 bilhões em uma década

Natalia Shakhova e Igor Semiletov, do International Arctic Research


Centre, calculam que 10 milhões de toneladas de metano estão escapando da
plataforma do Ártico. Eles estimam ser possível um escape de 50 bilhões de
toneladas de metano dentro de apenas uma década, o que produziria uma
“catástrofe climática”, antecipando em 15 a 35 anos a data em que o aumento
das temperaturas médias do planeta ultrapassaria 2º C. Isso ocorreria na
eventualidade de uma súbita eructação de metano na atmosfera, produzida
pela ocorrência de um deslocamento geológico ou um terremoto. Natalia
Shakhova afirma que uma vasta eructação de metano (vast methane belch) é
um evento “altamente possível, a qualquer momento”871.
214

A metáfora da bomba-relógio retorna em 2013 num artigo de Gail


Whiteman, Chris Hope e Peter Wadhams, publicado na Nature de 27 de julho
de 2013. Baseando-se na metodologia empregada por Sir Nicholas Stern em
seu The Economics of Climate Change, de 2006-2007872, esses pesquisadores
afirmam justamente que o impacto global de um Ártico em aquecimento é uma
“bomba-relógio econômica”873:

“Calculamos que os custos de um derretimento do Ártico serão gigantescos,


porque a região é fundamental para o funcionamento dos sistemas da Terra,
tais como os oceanos e o clima. Apenas a liberação de metano do pergelissolo
em degelo sob o Mar da Sibéria Oriental, no norte da Rússia, encerra um preço
médio global de 60 trilhões de dólares na ausência de ações mitigadoras – uma
cifra comparável com a do tamanho da economia mundial em 2012 (cerca de
70 trilhões de dólares). O custo total de uma mudança no Ártico será muito
mais alto. (...) À medida que a quantidade de gelo do Mar Ártico declina a uma
taxa sem precedente, o degelo dos pergelissolos marinhos libera metano. A
plataforma marítima da Sibéria Oriental armazena na forma de hidratos um
reservatório de metano de 50 gigatoneladas (Gt). É provável que ele seja
liberado à medida que o solo marítimo se aquece, seja ao longo de 50 anos,
seja abruptamente. (...) A expulsão de metano ocasionará um salto de 15 a 35
anos na data média em que as temperaturas médias do planeta ultrapassarão
2º C em relação aos níveis pré-industriais”.

A Declaração de Emergência do Arctic Methane Emergency Group,


revisada em 2012, não usa meias palavras para definir o que está em jogo 874:

“Grandes quantidades de metano estão sendo emitidas. Além disso, há a


possibilidade de que o metano aprisionado em hidratos ou sob o pergelissolo
em degelo seja subitamente liberado em quantidades muito grandes, em
decorrência de uma perturbação, como, por exemplo, um terremoto. As
quantidades de metano na plataforma continental marinha são tão vastas que a
liberação de apenas 1% ou 2% desse metano pode levar à liberação do
metano restante em uma reação em cadeia irrefreável”.

Alguns cientistas mantém-se céticos quanto a uma liberação brusca de


metano num prazo de 10 anos875. Dado o efeito de retroação ou feedback
positivo desse processo, a questão crucial, portanto, não é a velocidade dessa
liberação, mas sim sua dinâmica de reação em cadeia, assim como sua
sinergia com outros mecanismos de aceleração do aquecimento global. O que
importa, em outras palavras, é o papel decisivo do metano na conversão do
aquecimento global em um processo irreversível. Indagado pela revista Nature
Climate Change sobre quão altas seriam em tais circunstâncias as chances de
sobrevivência de nossa jovem espécie, Chris Stringer, um paleontologista do
Museu de História Natural de Londres, afirma 876:

“Entre os fatores que mais preocupam está o derretimento do pergelissolo. Se


este continuar a derreter, tal como pensamos que já esteja ocorrendo em
algumas regiões, podemos desencadear um efeito estufa desenfreado (a
runaway greenhouse effect). Somos também muito dependentes de culturas
alimentares básicas, como o trigo e o arroz. Se estas culturas forem atingidas
pelas mudanças climáticas, teremos problemas. Somos mamíferos com
tamanho entre médio e grande, necessitamos de muito tempo para crescer,
produzimos apenas uma criança por vez e requeremos muito do meio-
215

ambiente. Este tipo de mamífero é o mais vulnerável. Portanto, não somos


imunes à extinção”.

7. Agravamento da pressão demográfica

A premissa deste capítulo é a de que a pressão demográfica sobre os


ecossistemas, por grave e indubitável que seja, não é em si, como fator
isolado, um estressor fundamental877. Não é possível subscrever a afirmação
de Sir David King, primeiro conselheiro científico do governo britânico, para
quem: “é auto-evidente que o enorme crescimento da população humana no
século XX tem tido mais impacto sobre a biodiversidade que qualquer outro
fator”878. O lugar-comum de que o aumento populacional em si é a causa maior
do impacto sobre a biodiversidade oculta o verdadeiro motor das crises
ambientais: a máquina de acumulação de excedente do capitalismo global que
perpetua e agrava a atual pirâmide da riqueza global (discutida na Introdução
deste livro), a qual, por sua vez, alimenta o modelo consumista das sociedades
contemporâneas.
Isso posto, parece possível pôr em dúvida a convicção de vários
demógrafos de que, no que se refere à expansão demográfica, o pior já
passou, já que o crescimento demográfico que tanto inquietou a geração de
Paul Ehrlich teria ultrapassado sua fase explosiva. O que aqui se propõe, em
síntese, são duas teses:

(1) um crescimento populacional maior que o projetado está se


delineando com força em diversos países da África e da Ásia, países já muito
populosos e que tenderão, no futuro, seja a comandar o crescimento
demográfico, seja a capitanear a acumulação capitalista, seja ainda a fornecer
commodities fundamentais para essa acumulação, três fatores que terão
imensos impactos sobre a biodiversidade, ainda muito rica justamente nesses
países. Não se pode ainda, portanto, descartar a hipótese de uma persistência
no século XXI de um crescimento demográfico maior, ou mesmo muito maior,
que o previsto como o mais provável pelas atuais projeções;

(2) por decrescente, numericamente, que venha a ser no futuro, a


expansão populacional terá maior impacto ambiental per capita, se persistir o
modelo capitalista de maior produção de energia e de expansão do excedente.

A população humana atingiu em 1810 a marca do primeiro bilhão. O


segundo bilhão foi atingido em 1925. Eis, segundo os dados do U.S. Bureau of
the Census, a progressão sucessiva: o terceiro bilhão foi atingido em 1960; o
quarto, em 1974; o quinto, em 1987; o sexto, em 1999 e o sétimo em 2012. De
modo que os intervalos de tempo para que se galgasse cada bilhão a partir de
Augusto decrescem até 1999, no seguinte ritmo:

1º bilhão – 1810
2º bilhão – 115 anos (1925)
3º bilhão – 35 anos (1960)
4º bilhão – 24 anos (1974)
5º bilhão – 13 anos (1987)
6º bilhão – 12 anos (1999)
216

7º bilhão – 13 anos (2012)

Nos cerca de 2 mil séculos de existência da espécie humana, a mudança


demográfica a partir dos últimos 2 séculos aparece como um fenômeno
instantâneo que faz jus à expressão explosão demográfica: num milésimo de
tempo de nossa existência, crescemos 7 vezes mais que em toda a história de
nossa vida como espécie. Nos últimos 87 anos, algo que pode ser
testemunhado por uma pessoa longeva, a população mundial mais que
triplicou, crescendo de 2 bilhões para 7 bilhões.

A fórmula de Ehrlich (I = PAT)

Nos anos 1970, Paul e Anne Ehrlich conceitualizaram, em nosso


entender de modo correto, o impacto demográfico sobre a biosfera 879:

“O impacto de qualquer grupo humano sobre o ambiente pode ser


convenientemente visto como o produto de três diferentes fatores. O primeiro é
o número de pessoas. O segundo é alguma medida da média de consumo dos
recursos naturais (...) Finalmente, o produto desses dois fatores (...) é
multiplicado por um índice de destrutividade das tecnologias que fornecem os
bens consumidos. Em suma, Impacto = População x Afluência x Tecnologia, ou
I = PAT). A globalização econômica tornou-se desde então outro fator”.

A pressão demográfica sobre os ecossistemas é crescente porque


nenhum desses três fatores está declinando. A taxa de fecundidade não está
declinando (ou está apenas muito lentamente) em vários países populosos, os
padrões e expectativas de consumo, bem como a produção de lixo, continuam
a aumentar e, enfim, a tecnologia não está se tornando menos destrutiva.
Embora haja conhecimento científico e tecnológico disponível para diminuir
signficativamente o índice T, as escolhas da rede corporativa, detentora dos
fluxos globais de investimento, não têm sido de natureza a dimimuir a
destrutividade das atuais tecnologias. Pelo contrário, a tendência observada,
mil vezes ilustrada neste livro, é sempre a mesma: quanto mais escassos se
tornam os recursos naturais – as florestas, o solo, a água doce, o petróleo
líquido e a energia hidrelétrica –, mais invasivas e destrutivas se tornam as
tecnologias utilizadas para obter tais recursos nas escalas requeridas para a
manutenção das taxas de acumulação.
Consideremos o primeiro índice, talvez o menos importante: o número
de pessoas. Entre 1981 e 1996, o mundo cresceu pouco mais de 80 milhões ao
ano, com um pico nos anos 1985-1987, triênio em que cresceu mais de 85
milhões ao ano. Em seguida tem início uma lenta desaceleração desse
crescimento. Em 21 anos, de 1992 a 2012, o mundo conheceu um incremento
líquido de população que variou, em progressão decrescente, entre 82 e 75
milhões de pessoas ao ano, conforme mostra o quadro abaixo:

População mundial em meados de cada ano,


com a taxa anual de crescimento e o incremento
populacional líquido (1992 – 2014)

Ano População % Incremento


217

Fonte: U.S. Bureau of the Census. Current Population Projections

O crescimento demográfico decaiu de 1,5% ao ano em 1992 para 1,07 em


2012 (1,1% entre 2010 e 2015, segundo estimativas da ONU) e deveria,
segundo essas projeções, continuar a decrescer. Segundo as projeções do
U.S. Bureau of the Census, nos 20 anos entre 2012-2031, o incremento
populacional anual deveria cair de 75 milhões em 2012 para pouco menos de
62 milhões em 2013, com uma taxa de crescimento sempre menor: de 1,7%
em 2012 para 0,75% em 2031. A se conservar esse ritmo de desaceleração de
seu crescimento, a população mundial seria de 8 bilhões em 2027 e seria em
2050 de 9.309.051.539, com um incremento anual líquido em 2049 de pouco
mais de 45 milhões de pessoas e um crescimento populacional neste ano de
0,46%, conforme mostra, abaixo, a continuação da tabela mostrada acima.

População mundial em meados de cada ano


com a taxa anual de crescimento e o incremento
populacional líquido (2035 – 2050)

Ano População % Incremento


218

Fonte: U.S. Bureau of the Census. Current Population Projections

7.1. O fim do otimismo demográfico

A última revisão bienal das projeções da Divisão de População da ONU,


em 2012, mostrou que as projeções anteriores eram demasiado otimistas 880:

“comparada com os resultados da revisão anterior [2010], a população global


projetada nesta revisão é maior, particularmente após 2075, por várias razões.
Primeiro porque os níveis de fecundidade foram ajustados para cima a partir de
informações recentemente disponíveis. Na nova revisão, a taxa de fecundidade
total (TFR) estimada para 2005-2010 foi aumentada em diversos países,
inclusive em mais de 5% em 15 países de alta fecundidade da África sub-
sahariana. Em alguns casos, o nível real de fecundidade aumentou em anos
recentes; em outros, a estimativa prévia era demasiado baixa. (...) A urgência
de realizar as reduções projetadas de fecundidade ganha importância ao se
considerar que, a se manterem constantes os níveis de fecundidade estimados
para 2005-2010, a população das regiões menos desenvolvidas cresceria para
9,8 bilhões em 2050 e para 27,5 bilhões em 2100, ao invés dos 8,2 bilhões e
9,6 bilhões, supondo-se que a fecundidade decline. Isto significa que sem
reduções ulteriores de fecundidade, a população mundial poderia crescer cerca
de seis vezes mais do que espera atualmente”.

O gráfico abaixo elaborado pela Divisão de População das Nações


Unidas mostra as consequências dessas opções, em função de cinco cenários
traçados pelas cinco taxas de fecundidade consideradas 881:

Outro elemento importante da revisão de 2012 é a constatação de que:

“Em julho de 2013, a população do mundo atingirá 7,2 bilhões, 648


milhões a mais que em 2005 ou um ganho médio anual de 81 milhões
de pessoas. Mesmo assumindo que os níveis de fecundidade
continuarão a declinar, a população do mundo deve ainda atingir 9,6
bilhões em 2050 e 10,9 bilhões em 2100”
219

Enquanto o U.S. Bureau of the Census projetava um aumento de 75,1


milhões de pessoas em 2012, o aumento real em 2012 foi de 82,1 milhões de
pessoas882. É preciso remontar ao ano de 1992 para se chegar a um aumento
anual semelhante, como se pode verificar na tabela acima. Basta, em suma,
justapor as revisões de 2008, 2010 e 2012 para se perceber quão distantes
devemos nos considerar do relativo otimismo das projeções do último decênio.

Projeções da População Mundial segundo os cenários considerados mais


plausíveis em 2008, 2010 e em 2013 (em bilhões de pessoas)

Ano Projeção 2008 Projeção 2010 Projeção 2013

2050 9,1 9,3 9,55

2100 - 10,1 10,85

Ao comentar a revisão de 2010 das projeções da Divisão de População


da ONU, Justin Gillis e Celia W. Dugger sublinham a correção significativa para
mais em relação à revisão de 2008. No novo relatório, a previsão para o ano de
2050 de 9,3 bilhões de pessoas representa um acréscimo de 156 milhões em
relação às projeções de 2008. O fato sempre sublinhado é que a fecundidade
não está declinando tão rapidamente quanto esperado em alguns países
pobres e mostrou um pequeno aumento em países ricos como os EUA, o
Reino Unido e a Dinamarca 883. Os autores citam um demógrafo do Banco
Mundial, John F. May, segundo o qual, “a África Ocidental e Central são duas
grandes regiões do mundo onde a transição demográfica está acontecendo,
mas a um passo de lesma”.
Dessa constatação decorre outra, a saber, que as projeções
consideradas mais prováveis mostram que, em decorrência da inércia
demográfica, uma desaceleração relevante do crescimento populacional só
deverá ocorrer na segunda metade do século, e a estabilização demográfica
não ocorrerá antes do século XXII. A tabela anterior, acrescida de projeções até
2100, oferece a seguinte dinâmica:

2º bilhão – 115 anos (1925, a partir de 1810)


3º bilhão – 35 anos (1960)
4º bilhão – 14 anos (1974)
5º bilhão – 13 anos (1987)
6º bilhão – 12 anos (1999)
7º bilhão – 13 anos (2012)
8º bilhão – 13 anos (2027)
9º bilhão – 16 anos (2043)
10º bilhão – 40 anos (2083)

O gráfico abaixo mostra as cinco variantes que determinam os diversos


cenários da evolução percentual da população até 2100.

Variantes da taxa média quinquenal de fecundidade na população mundial


1950- 2100, segundo projeções. Porcentagem (Revisão de 2010)
220

Fonte: ONU, Divisão de População

A prevalecer a variante média e a de reposição, a taxa anual de


crescimento populacional deve declinar de 1,1% em 2010-2015 para 0,4% em
2045-2050. E continuará caindo até atingir em 2095-2100 uma taxa de apenas
0,06% de aumento para a variante média e de 0,12 para a taxa de reposição.
Ainda assim, nesses dois casos, ela permanecerá positiva no século XXI.
A variante alta, vale dizer, uma taxa de fecundidade de meia criança
acima da fecundidade média no período projetado, mostra taxas de
crescimento populacional que se estabilizam em 0,8% após 2060, o que leva a
rápidos aumentos na população, com ganho de 1 bilhão de pessoas a cada 10
ou 11 anos durante todo o século XXI, ritmo superior aos da segunda metade
do século XX, como visto acima. A variante baixa, vale dizer, uma taxa de
fecundidade de meia criança abaixo da fecundidade média no período
projetado, leva a uma taxa negativa de mudança populacional (abaixo da taxa
de reposição) após 2040-2045. Em 2095-2100, a variante baixa conduz a um
rápido declínio populacional a uma taxa anual de -0,8%, o que conduziria a
uma diminuição de 50% da população mundial em 85 anos. A variante de
fecundidade constante, ou seja, a manutenção da taxa de fecundidade do
período 2005-2010, resultaria numa nova “explosão populacional”.
Essas projeções baseiam-se em cenários que podem, portanto, variar
muito, embora não na mesma probabilidade, com resultantes finais totalmente
diferentes. Como afirmam Michael Herrmann, Jose Miguel Guzman e Daniel
Schensu, autores do documento Population Matters for Sustainable
Development do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), preparado
para a Rio+20884:

“contrariamente à percepção comum, a mudança demográfica a médio e a


longo prazo não é destino. Dependendo das políticas adotadas pelos países
hoje, a população mundial crescerá de fato para 9 bilhões em meados do
221

século e para 10 bilhões no final do século, ou crescerá para 10 bilhões em


meados do século e para algo como 16 bilhões no final do século”.

Se as hipóteses pessimistas (variante alta e fecundidade constante, isto é,


manutenção da taxa de fecundidade do período 2005-2010) são aterrorizantes,
a hipótese considerada mais plausível de atingirmos o 8º bilhão em 2027, o 9º
bilhão nos próximos 29 anos (2043) e um aumento de 43% em relação à
população de 2012 nos próximos 69 anos (2083), nada tem de tranquilizante.
Ela significa que, por efeito de mera adição aritmética, a pressão demográfica
continuará a ser ao longo do século XXI um fator de pressão antrópica sobre a
biosfera analisados nos sete capítulos anteriores.
Para que a hipótese otimista se confirme, é preciso que prevaleçam
várias condições, dentre as quais duas são facilmente perceptíveis. A primeira
é uma alteração radical da pirâmide da riqueza mundial discutida na
Introdução, condição sine qua non para a adoção generalizada do
planejamento familiar preconizado pelo Fundo de População das Nações
Unidas (UNFPA), bem como para a legalização do aborto assistido, a educação
sexual e a maior acessibilidade possível às diversas formas de contracepção,
direitos fundamentais do indivíduo. O acesso livre e gratuito a tais benefícios
deve ser garantido e diretamente assumido pelos Estados, os quais não podem
ceder a ingerências da Igreja católica, das variadas vertentes do
protestantismo, do neopentecostalismo, do judaísmo e do Islão, que se opõem
a esses direitos885.886. No atual cenário de fortalecimento internacional do poder
das três religiões monoteístas e da capacidade de interferência de suas igrejas
na governança política, nada permite prever a aplicação de normas racionais
de controle populacional nos próximos anos.
A segunda condição é o comportamento demográfico da Ásia, da África
e dos 8 mais populosos países do mundo, conforme mostra o quadro abaixo:

População em 2013 dos oito países


mais populosos do mundo

1 China 1.349.585.838
2 Índia 1.220.800.359
3 EUA 316.668.567
4 Indonésia 251.160.124
5 Brasil 201.009.622
6 Paquistão 197.400.000 (Censo de 2011)
7 Nigéria 174.507.539
8 Bangladesh 163.654.860

Enquanto em 2013 a população desses 8 países beirava 3,9 bilhões de


pessoas, a população dos restantes 183 países do mundo girava em torno de
3,2 bilhões. Embora ainda muito distantes da estabilização, a China, os
Estados Unidos e o Brasil estão em fase avançada de transição demográfica.
Mas tal não é o caso da Índia, Paquistão, México, Bangladesh e Indonésia
como mostra a tabela abaixo.

Percentual de crescimento populacional entre 2001 e 2010


222

Fonte: New Geography


http://www.newgeography.com/content/002940-pakistan-where-population-bomb-exploding

Segundo a análise dos dados do Censo do Paquistão de 2011, proposta pelo


sítio New Geography, a população do Paquistão aumentou 34,2% nesse
decênio. Em números absolutos o aumento foi de 62,7 milhões desde o Censo
de 1998, o que supera em 20 milhões as estimativas anteriores da ONU, fato
que não se explica apenas pela afluência dos refugiados do Afganistão.
A população da Índia deve ultrapassar a da China em 2030, atingindo
em 2050 a casa de 1.6 bilhão de habitantes, enquanto a população da China
estará então em rota de ligeiro declínio, com 1,4 bilhão.

A população da Índia supera a da China em 2030

Fonte: ONU, Divisão de População

A fecundade média dos países da África subsaariana, tais como a


Nigéria, o Níger, a República Democrática do Congo, a Etiópia, Uganda, etc., é
de mais de 5 filhos por mulher. Segundo John Wilmoth, diretor da Divisão de
População da ONU: “O crescimento demográfico é rápido nesses países e
deve continuar a se acelerar ao longo dos próximos decênios”. A Nigéria, por
exemplo, pode-se tornar mais populosa que os EUA em 2050 e talvez o
segundo mais populoso país do planeta. Mantida a dinâmica atual, sua
população deverá crescer dos atuais 162 milhões de indivíduos para 730
milhões até 2100. Além disso, o crescimento populacional em vários países
menos populosos da África pode levar, segundo um relatório da ONU de 2011,
223

a que sua população triplique ao longo do século, passando de 1 bilhão em


2010 para 3,6 bilhões em 2100. O Malawi, por exemplo, um país de 15 milhões
de pessoas poderia ter 129 milhões em 2110.
Algo semelhante pode ocorrer em países da Ásia. Segundo a revisão de
2010 da Divisão de População da ONU, a população do Yemen, por exemplo,
quintuplicou desde 1950, atingindo hoje 25 milhões de pessoas, e sua
população deve ainda quadruplicar neste século, atingindo 100 milhões em
2100. Em termos mais gerais, a revisão de 2010 da Divisão de População da
ONU prevê que dos 10 bilhões de pessoas que, segundo essas projeções,
habitarão o mundo em 2100, 4,6 bilhões estarão na Ásia e 3,57 bilhões estarão
na África, num total de 8,17 bilhões, mais de 80% da população do mundo.
Baseando-se nesse leque de possibilidades, uma projeção de mais
longo prazo publicada por Stuart Basten, Wolfgang Lutz e Sergei Scherbov em
2013 propõe resultantes radicalmente diversas em função das taxas de
fecundidade que vierem a prevalecer no futuro 887:

“se o nível global de fecundidade convergir para os níveis europeus atuais


(~1.5) ou se convergir para o do Sudeste Asiático ou da América Central, a
população global seja declinará para 2,3 a 2,9 bilhões em 2200 ou aumentará
para 33 a 37 bilhões, mantida a hipotese de que as taxas de mortalidade
continuem a cair”.

7.2. Além da adição aritmética: urbanização, automóveis e consumo

Como aponta a fórmula de Ehrlich (I = PAT), o impacto ambiental do


crescimento demográfico não é função apenas, nem sobretudo, do número de
pessoas. Ele é potenciado pela Afluência (A), isto é, pelo consumo médio per
capita de recursos naturais, multiplicado pelo índice de destrutividade
ambiental das tecnologias (T) que fornecem os bens consumidos. Esses dois
outros fatores concentram-se fortemente com o fenômeno da urbanização, já
que a “pegada urbana” (urban footprint) é maior que a da população como um
todo888.

- James Lovelock -> urbanização é a solução

- I = PAT ?

- Paradoxo de Jevons

- indicadores (precisam mudar)

- os índices melhoraram até 2007-2008

- Illich, Marcuse, marxismo

-
ONU descapitalizada, capturada pelas Fundações
China e o filme Speed
Consenso de Washington
224

Segundo a World Urbanization Prospects (The 2003 Revision) da ONU,


a população urbana no planeta alcançou 1 bilhão em 1960, 2 bilhões em 1985,
3 bilhões em 2002, deve alcançar 4 bilhões em 2017 e 5 bilhões em 2030. Em
2003, 48% da população mundial já era urbana. Em 2007, a população urbana
ultrapassou pela primeira vez na história da humanidade a população rural e
deve ser 61% da população global em 2030, como mostra o gráfico abaixo:

População mundial urbana e rural: 1950-2030

Fonte: ONU

O processo de urbanização é em muitos casos extremo, com conurbações


criadoras de gigantescas manchas urbanas e suburbanas. Em 1950, Nova York
e Tóquio eram as únicas megacidades do planeta, com mais de dez milhões de
habitantes. Em 2012, há 23 megacidades desse calibre, quatro das quais na
China. A conurbação das cinco regiões satélites da cidade de São Paulo atinge
30 milhões de habitantes. Em 2025, haverá 37 megacidades com mais de 10
milhões de habitantes no mundo, sete das quais na China. Tóquio terá então
37,2 milhões de habitantes, mas as novas megacidades se concentrarão cada
vez mais nos países chamados subdesenvolvidos, sedentos de rivalizar com os
padrões de consumo dos países industrializados.
Esse processo de megaurbanização é espontâneo e aparentemente
inexorável no âmbito dos Estados-Corporação da atualidade, entregues à
dinâmica do mercado global e incapazes de levar a efeito uma agenda de
planificação e descentralização urbana. Ele é por vezes mesmo encorajado
pelos governos. Na China, por exemplo, entre 1982 e 2012, a população
urbana passou de 200 milhões para mais de 700 milhões, um aumento
equivalente à população da União Europeia e a duas vezes e meia a população
do Brasil. Nos próximos 15 anos, outros 300 milhões de chineses, algo
equivalente à população dos EUA, migrarão para as cidades 889.
Longe de ponderar sobre os efeitos negativos desse processo, o
governo chinês planeja acelerá-lo, com a fusão de 9 grandes cidades do delta
do rio Pérola, no sul do país, criando uma única mancha urbana de 50 milhões
de habitantes, concentrados numa área de 43 mil km 2, cinco vezes e meia
maior que a área dos 39 municípios que compõem a Região Metropolitana de
São Paulo, com seus 7,9 mil km2 nos quais se concentram 20 milhões de
pessoas890. Essa urbanização é considerada pelos dirigentes chineses e por
seu plano quinquenal de 2011-2015 como o “motor essencial” do crescimento
225

econômico. No Oeste da China, 700 cimos de montanhas estão sendo


arrasados para dar lugar a cidades. Em 2010, havia 94 cidades na China com
mais de 1 milhão de habitantes. Em 2025, haverá, segundo os planos de
Pequim, 143 cidades dessa escala. Ora, salvo colapso ambiental, os dois
bilhões de pessoas a mais que comporão a humanidade em 2043 tenderão a
produzir, pelo simples fato de se concentrarem preponderantemente em
cidades de mais de 1 milhão de habitantes, ou mesmo em megacidades de
mais de dez milhões de habitantes, mais irradiação de calor, mais poluição
atmosférica, mais resíduos sólidos urbanos, mais lixo industrial, mais CO 2, mais
metano, mais ozônio na troposfera e consumirão mais energia e recursos
naturais per capita que os dois bilhões que se acrescentaram à humanidade
entre 1987 e 2012.

Veículos automotores

Um segundo exemplo clássico de como os fatores Afluência e


Destrutividade da Tecnologia (os fatores A e T da equação I = PAT de Ehrlich)
potenciam o Impacto demográfico da População (P) é a quantidade e o
aumento per capita no mundo de veículos movidos a petróleo. Eis o quadro
dessa evolução:

Ano Milhões de unidades População mundial


em bilhões

1970 250 3,6


1986 500 4,9
2010 1015 6,9
2030 2000 8,3
2050 2500 9,0

Fontes: (1) Wardsauto; (2) International Transport Forum. Meeting the needs of 9 billion people. OCED, 2011 e
(3) Deborah Gordon e Daniel Sperling, “Surviving Two Billion Cars”. Environmental360 (em rede).

Em 40 anos (1970-2010), o número de veículos em operação (automóveis e


veículos comerciais leves e pesados) quadruplicou, ao passo que a população
não chegou a dobrar. Nos próximos 20 anos, estima-se que essa frota deve
quase dobrar (2 bilhões de veículos), ao passo que a população terá crescido
cerca de 20%. Combinando-se dados e projeções, em 80 anos (1970-2050) a
frota de veículos terá nada menos que decuplicado, ao passo que a população
ter-se-á multiplicado por 2,6 (3,6 para 9,3 bilhões).
A indústria automobilística retomou globalmente sua expansão a partir
de 2009 e na Europa a partir de 2014. Apenas em 2013, o grupo Toyota vendeu
mais de 10 milhões de veículos, um recorde mundial e uma progressão de
2,2% em relação a 2012, enquanto Renault-Nissan vendeu mais de 8 milhões
de veículos, uma progressão semelhante à de Toyota, e Ford produziu 6,4
milhões de veículos, 646 mil a mais que em 2012. Para 2014, pesquisas de
tendências de mercado avaliam entre 3,4% a 5% a taxa de aumento das
vendas globais de veículos. Como um todo, a indústria automotiva deverá em
2014 vender 85 milhões de unidades, 3 milhões a mais que em 2013 891.
Em 2010, havia no mundo cerca de uma unidade automotiva para cada
seis habitantes, um aumento de 3,6% em relação a 2009, quando a frota global
226

de veículos era de 980 milhões de unidades. Deste total, pouco menos de um


quarto, 240 milhões de unidades, encontrava-se nos EUA e 78 milhões
encontravam-se na China, onde, porém, o aumento no período foi de 27,5%.
Eis em 2012 o número de veículos per capita segundo os países ou capitais.

Número de veículos per capita segundo os países ou capitais

País Indivíduos por automóvel

EUA 1,3
Itália 1,4
Canadá 1,6
Japão 1,7
Espanha 1,7
França 1,7
Reino Unido 1,8
Alemanha 1,8
São Paulo (capital) 2,0
Coreia do Sul 2,7
México 3,6
Argentina 3,7
Brasil 5,2 (8,2 em 2002)
China 17,2
Índia 56

Fonte: O Estado de São Paulo, 4/VIII/2013, a partir de dados da PriceWaterhouseCooper (PwC)


e Wardsauto (em rede) http://wardsauto.com/ar/world_vehicle_population_110815

China

Na China, no intervalo de apenas dois decênios, o número de veículos


passou de menos de 5 milhões em 1990 para quase 80 milhões em 2010,
conforme mostra a figura abaixo.

Aumento do número de veículos na China


(milhões de unidades)

Fonte: Frank Talk, “How China drives the Global Economy”


31/X/2011, baseado em dados da NBC China
http://www.usfunds.com/investor-library/frank-talk/how-china-drives-the-global-economy/#.Uw3lPfldWSo

Pequim acrescenta 1500 veículos por dia às suas ruas e em janeiro de 2009
pela primeira vez mais carros foram vendidos na China que nos EUA 892. A
tendência da China é igualar os padrões de transporte por automóvel dos EUA
(1 unidade para cada 1,3 habitante), o que significaria cerca de 1 bilhão de
227

unidades, isto é, o equivalente à frota global de veículos de 2010. Já em 2025 a


China deverá ultrapassar o número de veículos existentes nos EUA em 2004 e
deverá ultrapassar antes ainda de 2035 o número estimado de veículos
existentes nos EUA em 2030, a se confirmar o cenário mais provável, abaixo
ilustrado.

Projeções das datas em que haverá mais


veículos na China que os existentes nos
EUA em 2004 e em 2030 (em milhões)

Fonte: Daniel Sperling, segundo M. Wang, L. Johnson e D. He


Argone National Laboratory, 2006 (em rede)
(Obs: excluídos os veículos a duas rodas e os rurais)

Essas projeções são consistentes com as do International Transport


Forum, da OCED, segundo as quais em 2050 o mundo terá 2,5 bilhões de
veículos, um aumento, portanto, de 150% em 40 anos 893. Elas dependem
evidentemente da elasticidade da oferta de petróleo, gás, etanol e baterias para
veículos movidos a eletricidade. Segundo Daniel Sperling, do Institute of
Trasportation da University of California Davis, mantidas as condições atuais de
consumo de combustível por quilômetro rodado, “nos próximos dez anos, o
mundo consumirá um quarto de todo o petróleo consumido em toda a sua
história”. De fato, uma frota de 2 bilhões de veículos – a ser atingida por volta
de 2030 – consumiria 120 milhões de barris de petróleo por dia, 30% a mais
que o consumo total diário de petróleo hoje894.

A Índia e o Brasil

As projeções da OCDE são consistentes também com as cifras da Índia


e do Brasil. Na Índia, a produção de veículos cresceu quase 9% em 2010,
atingindo 20,8 milhões de unidades, comparadas com as 19,1 milhões de 2009.
No Brasil, entre 2002 e 2012, a frota de automóveis e de comerciais leves
passou de 20 para 35,8 milhões de unidades, um aumento de 80%. Essa taxa
de aumento não dá mostras de arrefecimento. De janeiro a junho de 2013, a
produção das montadoras instaladas no país aumentou 18,1%, atingindo 1,86
milhão de unidades produzidas e 1,8 milhão de unidades vendidas no mercado
interno895.
Em março de 2011, a cidade de São Paulo ultrapassou a marca de 7
milhões de veículos. Há hoje 7,4 milhões de veículos registrados no Detran.
“Em 1970, a capital paulista tinha registrados 965 mil veículos para 14 mil
quilômetros de vias. Já para os 7 milhões de veículos existem hoje na cidade
17 mil quilômetros de ruas e avenidas pavimentadas” 896. Os números da
228

Região Metropolitana de São Paulo são igualmente eloquentes, como mostra o


gráfico abaixo, atinente apenas aos automóveis 897.

Aumento da Frota de automóveis de São Paulo Região Metropolitana

Fonte: Observatório das Metrópoles com dados do DENATRAN


http://www.observatoriodasmetropoles.net/download/auto_motos2013.pdf

O acréscimo de automóveis na Grande São Paulo em 2012, em relação a


2011, foi de quase 1050 automóveis por dia. Apenas a cidade de São Paulo
acrescenta às suas ruas mais de 500 veículos por dia 898.

A destrutividade da tecnologia

O automóvel, o caminhão e os transportes rodoviários em geral são


produtos oriundos de uma tecnologia extremamente destrutiva. Antes de mais
nada por serem movidos a petróleo. Conforme exposto no capítulo 6
(Mudanças Climáticas), 13% dos gases de efeito estufa em escala global
provêm dos transportes rodoviários, ferroviários, aéreos e marítimos, movidos
hoje em 95% por petróleo. Este número aumentará não apenas com o aumento
da frota de veículos movidos a combustíveis fósseis, mas com a maior
proporção de combustível, sobretudo nos EUA, oriundo de areias betuminosas,
cuja extração é mais emissora de CO2. Segundo as estimativas acima citadas
do International Transport Forum da OCDE, em 2050 as emissões de CO 2
oriundas de veículos movidos a petróleo pode se multiplicar por 2,5 a 3 vezes
em relação aos níveis de 2000, já compreendidos os aperfeiçoamentos de
eficiência mais prováveis nesse período, conforme o gráfico abaixo.

Emissões de CO2 por uso de transporte movido a petróleo


(Index 2000 = 100)
229

Fonte: International Transport Forum calculations usando MoMo version 2011

Poderíamos nos alongar sobre outros numerosos impactos ambientais


da indústria automobilística ou, por exemplo, da indústria do cimento, que,
segundo a USGS, produziu 3,6 em 2011 e 3,7 bilhões de toneladas de cimento
em 2012, cabendo à China quase 42% desse total 899. Além disso, o impacto
ambiental do crescimento demográfico será agravado pela urbanização, mais
demandante de recursos, mais produtora de lixo e demais desequilíbrios
ambientais. Como visto nos capítulos 4 e 5, esse impacto já está redundando
na busca de alternativas mais ambientalmente impactantes, como, por
exemplo, a criação de 1199 novas usinas termelétricas movidas a carvão, e na
opção pela extração de petróleo de areias betuminosas e de rochas de xisto,
processos muito mais insustentáveis em termos ambientais. Todas essas
indústrias, entre as mais poluentes do mundo 900, potenciam enormemente o
fator T (destrutividade tecológica) na fórmula de Ehrlich do impacto
demográfico. Não é necessário retornar a tais evidências.

7.3. Uma premissa frágil

A conclusão que se pode extrair desse conjunto de constatações e


projeções é que as taxas de fecundidade dos países pobres ou “emergentes”,
alguns dos quais os mais populosos do mundo, vêm-se mantendo mais
elevadas do que supunham as projeções anteriores de transição demográfica.
Nenhum fato permite supor que essa transição venha a se acelerar nos
próximos anos. Ao contrário, as constatações das últimas revisões autorizam o
temor de que ocorram num ritmo mais lento que o verificado nos países que já
a atravessaram ou estão numa etapa avançada desse percurso (como é o
caso, por exemplo, do Brasil). Isso implica que os dois cenários mais
pessimistas de crescimento demográfico global neste século propostos pela
ONU – 16 e 27 bilhões em 2100 – começam a se mostrar cada vez menos
improváveis. Na fórmula de Ehrlich, os três fatores (P x A x T) concorrem para
um agravamento da pressão demográfica sobre os ecossistemas nos anos
vindouros.
Evidentemente, há uma premissa implícita na efetivação de qualquer
dos quatro cenários de crescimento demográfico acima discutidos. Essa
premissa é que, entrementes, os ecossistemas não colapsem, gerando, por
exemplo, crises mais agudas e mais frequentes de escassez alimentar, de
água, de solos agricultáveis, uma mudança não-linear nas coordenadas
230

climáticas ou níveis insuportáveis de poluição atmosférica, da água e do solo.


Ocorrendo em sinergia, fome, sede, catástrofes sanitárias e guerras de
extermínio – fenômenos que já se verificam incipientemente em algumas partes
do mundo –, produzirão brutais contrações demográficas, redefinindo
drasticamente as projeções da Divisão de População da ONU baseadas
apenas em variáveis puramente demográficas. Essa premissa metodológica de
um ceteris paribus – isto é, a premissa de que variáveis outras que as
integradas nas projeções dos demógrafos permaneçam inalteradas –, mostra-
se cada vez mais frágil.

8. Colapso da biodiversidade terrestre

By every conceivable mesure, humanity is ecologically


abnormal. Our species appropriates between 20 and 40
percent of the solar energy captured in organic material by
land plants. There is no way that we can draw upon the
recources of the planet to such a degree without drastically
reducing the state of most other species.

Edward O. Wilson, The Diversity of Life, 1992

Os primeiros sete capítulos trataram de crises ambientais presentes e de


colapsos futuros, com tudo o que esta última palavra contém de imponderável.
Neste capítulo, a noção de colapso deve pela primeira vez ser empregada no
presente, pois colapso é o único termo capaz de descrever o que ocorre hoje
com a biodiversidade901. Desde 1992, 194 Estados 902 subscreveram o
documento inaugural da Convenção da Biodiversidade (CBD), no qual se
declaram903:

“conscientes do valor intrínseco da diversidade biológica e dos valores


ecológicos, sociais, econômicos, científicos, educacionais, culturais,
recreacionais e estéticos da diversidade biológica e de seus componentes;
conscientes também da importância da diversidade biológica para a evolução e
para a manutenção dos sistemas de sustentação da vida da biosfera”.

Imbuídos dessa consciência, afirmam os signatários que “a conservação da


diversidade biológica é uma preocupação de toda a humanidade”, manifestam-
se “preocupados com o fato de que a diversidade biológica está sendo
significativamente reduzida por certas atividades humanas” e dizem-se
“determinados a conservar e usar de modo sustentável a diversidade biológica
em benefício da presente e das futuras gerações”.
Em contraste com as palavras, os fatos, 19 anos depois: o terceiro
relatório da Convenção da Biodiversidade Global apresentado em 2010 por
Ban Ki-moon, Secretário Geral da ONU, põe em relevo a aceleração do
declínio da biodiversidade no primeiro decênio do século XXI 904:

“Em 2002, os líderes mundiais concordaram em atingir uma redução


significativa na taxa de perda de biodiversidade até 2010. Tendo revisado todas
as evidências disponíveis, incluindo relatórios nacionais apresentados pelas
231

Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, esta terceira edição do


Panorama da Biodiversidade Global conclui que o objetivo não foi cumprido.
Além disso, o relatório alerta: as principais pressões que conduzem à perda de
biodiversidade não são apenas constantes, mas estão, em alguns casos, se
intensificando”.

As cinco extinções anteriores

A extinção de espécies animais, cuja duração média é de 4 milhões de


anos, é um fato inerente à evolução. Estima-se que algo como 30 bilhões de
espécies tenham vivido no planeta desde o surgimento de organismos
multicelulares, o que dá uma ideia de sua transitoriedade, já que o número
delas hoje existentes não ultrapassa a casa dos milhões. Dentre o número
considerável de bruscas interrupções na linha ascendente da biodiversidade,
formando uma figura dentada, detectam-se cinco extinções maiores. São elas:
(1) a do final do Ordoviciano (há 440 milhões de anos), (2) a do tardo
Devoniano (há 365 milhões de anos), (3) a do Permiano-Triássico (há 251
milhões de anos), (4) a do final do Triássico (há 210 milhões de anos) e (5) a
do final do Cretáceo (há 65 milhões de anos). A quinta extinção pôs fim a 140
milhões de anos de dominação terrestre dos dinossauros, abrindo a
subsequente Era Cenozoica, chamada em geral Era dos Mamíferos, mas que
se poderia mais apropriadamente chamar, como advertem Richard Leakey e
Roger Lewin, a Era dos Artrópodes, já que estes constituem o maior filo
existente, abrangendo 84% das espécies de animais conhecidas 905.
Graças às descobertas reveladas a partir de finais dos anos 1970 por
uma equipe de pesquisadores dirigida por Luis Alvarez, da University of
California, acredita-se hoje que o impacto de um grande asteroide na península
de Yucatán no México, ou de uma chuva de asteroides, desencadeou ou
assestou o golpe final na cadeia de eventos conhecida como a quinta extinção.
A hipótese de fatores externos causadores também de outras extinções ganhou
força sobretudo desde 1984, quando David Raup e Jack Sepkoski, da
University of Chicago, propuseram a ocorrência de aproximadamente vinte
extinções (incluindo as cinco maiores), incidindo mais ou menos a cada 26
milhões de anos. As análises estatísticas avançadas por esses estudiosos
induzem a concluir que 60% de todas as extinções ao longo do Fanerozoico
foram, senão causadas, ao menos desencadeadas pelo impacto de asteroides
ou de cometas, que agiriam como first strikes, tornando os biotas vulneráveis a
outros processos debilitantes e destrutivos906.

A biodiversidade do Holoceno

Não há unanimidade sobre os números nos quais se expressa


atualmente a biodiversidade do planeta. Em 1988, Robert M. May, afirmando
que o número de espécies aumentava na proporção inversa de seu tamanho,
propunha um número entre 10 e 50 milhões de espécies terrestres 907. Segundo
Richard Leakey e Roger Lewin, atualmente o planeta é, talvez, o anfitrião de
cinquenta milhões de espécies908. Em 2009, James P. Collins e Martha L.
Crump admitem que “o número de espécies de organismos que vivem na Terra
hoje oscila entre 10 e 100 milhões” 909. O Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (PNUMA) reconhece propostas que vão até 100 milhões de
espécies910 e há propostas recentes que reduzem o número a cerca de 8
232

milhões911. Em 15 de novembro de 2012, a World Register of Marine Species


(WoRMS) estimou em 700 mil a 1 milhão o número de espécies marinhas,
dentre as quais foram identificadas apenas 226 mil. Uma enorme quantidade
de espécies, sobretudo pequenos crustáceos, moluscos, vermes e esponjas,
permanece ainda desconhecida912. E quando se passa ao domínio dos
microorganismos – que controlam os maiores ciclos de nutrientes e influenciam
decisivamente a saúde animal – adentra-se ainda mais em terra incognita.
Como afirmam os autores de um trabalho sobre a biogeografia das bactérias,
“conhecemos relativamente pouco sobre as forças que estruturam as grandes
escalas ecológicas”913. Uma simples colher de solo, afirmam, pode conter 10
mil diferentes espécies de bactérias.
Mesmo o número de espécies já catalogadas é variável. Em 2005, o
Millenium Ecosystem Assessment notou a existência de aproximadamente 2
milhões de espécies nomeadas, mas outras fontes reconhecem números que
oscilam de 1,3 a 1,8 milhão. Tal variação se deve ao fato de que em cada ano,
mais de 15 mil espécies são reportadas pelos taxonomistas e há sempre uma
grande quantidade delas que aguarda descrição. A variação se deve também
ao reiterado reajuste das categorias taxonômicas e à carência de um registro
central de espécies, o que leva a discrepâncias de descrição e de catalogação,
além do reconhecimento de redundâncias e superposições. O PNUMA, por
exemplo, afirma que das espécies existentes “aproximadamente 1,8 milhão
foram até agora nomeadas”914. A Annual Check List de 2012 da Species 2000
lista precisamente 1.404.038 espécies. Grandes organizações como a Species
2000, o ITIS (Integrated Taxonomic Information System) e o GBIF (Global
Biodiversity Information Facilities) vêm estabelecendo parcerias para o
cumprimento da meta de se criar um único registro e nomenclatura.

8.1. A sexta extinção

Qualquer que seja seu número – 8, 10, 50 ou 100 milhões –, “mais


espécies existem hoje que em qualquer outro momento da história da Terra” 915.
E, entretanto, a sexta extinção mostra-se mais aniquiladora que as cinco
anteriores, haja vista três características que lhe são peculiares. A primeira é
não ser desencadeada por um evento excepcional e externo, mas por um
processo interno à biosfera – o crescente impacto da atividade humana –,
processo consciente, anunciado e até agora irrefreável, como mostra o gráfico
abaixo.

População e extinção das espécies


233

Fonte: Scott, J.M. 2008. Threats to Biological Diversity: Global, Continental, Local.
U.S. Geological Survey, Idaho Cooperative Fish and Wildlife, Research Unit, University Of Idaho.

A dinâmica dessa sexta extinção não é a da irradiação de ondas pelo impacto


de uma pedra num espelho d’água, que tende a arrefecer à medida que seu
raio de ação se amplia no espaço e no tempo, mas é um processo que se
amplifica na razão direta da atividade econômica e das demandas do mercado.
A advertência de Ban Ki-moon em 2010, citada no início deste capítulo, é uma
voz numa legião a denunciar essa extinção de dimensões bíblicas do último
meio século na qual o dilúvio é o capitalismo global.
A segunda característica é que, longe de significar o domínio de uma
espécie sobre as outras, a sexta extinção põe em risco a espécie
pretensamente “dominante” pelo desfazimento da teia de sustentação biológica
que lhe permitiu cultivar, por um curtíssimo momento, a ilusão de dominá-la 916.
Como demonstrará o último capítulo, quanto mais ameaçada se vê essa ilusão,
mais destrutiva e autodestrutiva ela se torna. Em 2007, Sigmat Gabriel, Ministro
do Meio Ambiente na Alemanha, declarava: “A teia da vida que sustenta nossa
sociedade global está se tornando mais e mais fraca” 917. Teria sido mais
apropriado dizer que a teia da vida que sustenta, não apenas nossa sociedade
global, mas nossa existência como espécie está se desfazendo. É o que afirma
Julia Marton-Lefèvre, diretora geral da UICN, em uma declaração às
delegações reunidas na Rio+20918: “Sustentabilidade é uma questão de vida ou
morte para a humanidade. Um futuro sustentável não pode ser atingido sem
que se conserve a diversidade biológica – espécies animais, seus habitats e
seus genes – não apenas para a natureza mesma, mas também para os 7
bilhões de seres humanos que dependem dela”. Em 2011, comentando o
relatório do Panorama da Biodiversidade Global 3, Achim Steiner,
Subsecretário Geral das Nações Unidas e Diretor Executivo do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), alerta para esse fato
incontornável:

“A arrogância da humanidade é que, de alguma forma, imaginamos que


podemos sobreviver sem a biodiversidade, ou que ela é, de algum modo,
periférica: a verdade é que precisamos dela mais do que nunca, em um planeta
com seis bilhões de pessoas – encaminhando-se para mais de nove bilhões de
pessoas até 2050”.
234

A terceira característica da sexta extinção é sua rapidez fulminante.


Calcula-se que as presentes taxas de extinção sejam mil a dez mil vezes
maiores que as taxas de extinção existentes antes da expansão humana. A
sexta extinção não é mensurável numa escala geológica, tal como as
anteriores, mas numa escala histórica, e a unidade de tempo em que se mede
essa escala está mudando. Em 1900, ela ocorria na escala de séculos.
Cinquenta anos atrás, a escala de observação mais adequada seria a década.
Hoje, a unidade de mensuração do avanço da sexta extinção é o dia. Em 2007,
Sigmat Gabriel, Ministro do Meio Ambiente na Alemanha, reportava avaliações
segundo as quais “até 150 espécies estão se extinguindo a cada dia” 919. Em
junho de 2010, o documento The State of the Planet’s Biodiversity do PNUMA
estima que “entre 150 e 200 espécies animais e vegetais extinguem-se a cada
24 horas”920. Essa rapidez fulminante é talvez a característica mais destrutiva
da sexta extinção, já que suprime uma variável crucial da evolução: o tempo
necessário às espécies para se adaptarem e sobreviverem às mudanças
ambientais em curso.

Union Internationale pour la Conservation de la Nature (UICN)

Em 1963, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN)


publicou sua primeira avaliação dos graus diversos de ameaça a que está
sujeita a biodiversidade921. Baseado na avaliação de 2009 da UICN, o PNUMA
divulgou um documento intitulado Extinction crisis shows urgent need for action
to protect biodiversity. Neste ano, o quadro da sexta extinção afigurava-se
assim922:

“Um terço dos anfíbios do mundo, um quinto dos mamíferos e 70% de todas as
plantas estão ameaçados. (...) Das 47.677 espécies avaliadas, 17.291 estão
ameaçadas de extinção. Mais de 1000 peixes de água doce estão ameaçados
de extinção; 12% de todos os pássaros conhecidos, 28% dos répteis e 35%
dos invertebrados estão ameaçados. Os anfíbios formam o grupo mais
ameaçado: 1895 dos 6285 anfíbios correm risco de extinção. Cerca de 114
plantas estão nas categorias “Extintas” ou “Extintas na natureza”.

Jane Smart, Diretora da UICN, sublinhou então “o aumento da evidência


científica acerca de uma série crise de extinção” 923. O gráfico abaixo permite
vislumbrar os resultados dessa avaliação segundo cada setor maior da biosfera
e segundo a intensidade da ameaça (criticamente ameaçado ou ameaçado-
vulnerável) que pesa sobre cada um deles.
Espécies ameaçadas globalmente em 2009 (%)
235

Fonte: Union Internationale pour la Conservation de la Nature, 2009

Três anos depois, a UICN, tendo avaliado 63.837 espécies, acrescentou à sua
Lista Vermelha mais 247 espécies, dentre as quais 60 espécies de pássaros, o
que a leva ao seguinte quadro.
Espécies ameaçadas globalmente em 2012 (%)
(extintas, extintas na natureza, criticamente ameaçadas, ameaçadas e vulneráveis)
(com margens de incerteza)

plantas cicadófitas (gimnospérmicas) = 63% (63-64%)


anfíbios = 41% (31-56%)
plantas coníferas = 34% (33-35%)
corais = 33% (27-44%)
mamíferos = 25% (21-36%)
aves = 13% (13-14%)

Fonte: http://www.iucnredlist.org/about/summary-statistics#How_many_threatened

A avaliação de 63837 espécies realizada em 2012 constatou 19817 espécies


ameaçadas, com a seguinte divisão de categorias 924:

Extintas e extintas na natureza = 864


Criticamente ameaçadas = 3947
Ameaçadas = 5766
Vulneráveis = 10104
Próximas de ameaçadas = 4467
Baixo Risco (categoria a ser abandonada) = 255
Menor preocupação = 27937
Dados deficientes = 10500 (aproximadamente)

A avaliação de 71576 espécies realizada em 2013 constatou 21286 espécies


ameaçadas, com a seguinte divisão de categorias:

Extintas e extintas na natureza = 860


Criticamente ameaçadas = 4286
Ameaçadas = 6451
Vulneráveis = 10549
Próximas de ameaçadas = 4822
Menor preocupação = 32486
Dados deficientes = 11881 (aproximadamente)
236

Entre 2000 e 2013, data da última avaliação do UICN, mais que dobrou
o número de espécies ameaçadas, que passaram de pouco mais de 10.000
para 21.286, conforme mostra o gráfico abaixo

Espécies avaliadas e espécies ameaçadas


2000 a 2013

Fonte: UICN http://www.iucnredlist.org/about/summary-statistics#Fig_1

Em 1992, em seu clássico The Diversity of Life, Edward O. Wilson se


indagava: “Será jamais possível avaliar a perda em curso da diversidade
biológica? Não posso imaginar um problema científico de maior importância
imediata para a humanidade. Os biólogos acham difícil chegar a uma avaliação
mesmo aproximada da hemorragia, antes de mais nada porque conhecemos
tão pouco sobre diversidade. Extinção é o mais obscuro e local de todos os
processos biológicos”925. De fato, como adverte a UICN, “o risco de extinção foi
avaliado apenas para menos de 5% das espécies descritas” 926. Portanto, não
sabemos o que está acontecendo com mais de 95% delas, as quais são, por
sua vez, uma fração diminuta do universo das espécies existentes estimado,
como visto acima, entre em 8 e 100 milhões de espécies 927.
Entre tais incertezas, uma certeza se impõe: todos os grupos
taxonômicos declinaram de uma avaliação para a outra ao longo dos últimos
anos e no que se refere, por exemplo, às espécies de mamíferos ameaçadas
(i.e., criticamente ameaçadas, ameaçadas e vulneráveis), esse agravamento é
inequívoco, pois as 5506 espécies avaliadas coincidem com o número de
espécies descritas e puderam ser assim calculadas: 21% em 2009 contra 25%
(21-36%) em 2013.

8.2. As duas vias da extinção

Por duas vias complementares o capitalismo global extermina a vida


animal e vegetal. Como consequência direta e imediata de suas atividades e
como um modo reflexo e sistêmico de impacto sobre os habitats.

Consequências das atividades diretas


237

Como visto no capítulo 1 relativo ao desmatamento e ao comércio de


madeira, na caça, na pesca e no tráfico de espécies silvestres, animais ou
vegetais, o lícito e o ilícito se entrelaçam de modo inextricável. Em 2009, o
negócio do tráfico de animais silvestres faturava por ano cerca de 10 bilhões
de dólares, segundo Robert Zoellick, então diretor do Banco Mundial 928. Pelos
cálculos do WWF, de 2012, essa cifra deve ser quase duplicada, atingindo
cerca de 19 bilhões de dólares anuais929. De seu lado, o comércio ilegal de
espécies vegetais silvestres rende por ano, segundo os últimos cálculos da
Interpol e do PNUMA, de 30 a 100 bilhões de dólares 930.
Malgrado a proibição ou o controle estrito da caça e do comércio das
espécies inscritas respectivamente nos Anexos I e II da CITES (Convention on
International Trade in Endangered Species), ambas as atividades prosperam
incessantemente nos últimos decênios. Dentre as 5000 espécies animais e 28
mil espécies vegetais contempladas pela CITES, menos de mil foram
colocadas no Anexo I (a lista mais estrita), dentre as quais encontramos os
grandes primatas, os elefantes, os tigres, as tartarugas, certas espécies de
tubarões, peixe-espadas, raias e diversas espécies de aves 931. Em 2010, a
Assembleia Geral da Interpol e a Rio+20 qualificaram como “graves” os delitos
cometidos contra as espécies selvagens. Mas esses progressos serão pouco
efetivos no contexto de um constatado fracasso da luta contra o tráfico,
facilitado ademais pela internet. Como os demais tráficos, de drogas, madeira,
lixo eletrônico, armas e pessoas (prostituição, órgãos e tecidos), esse também
é de excepcional lucratividade e os governos dos países exportadores e
importadores não atribuem aos seus órgãos competentes orçamentos
compatíveis com suas funções de vigilância e repressão. Eles permanecem
vulneráveis à corrupção e têm-se mostrado incapazes de desbaratar as
quadrilhas e dissuadir os criminosos.

O sistema financeiro internacional

Os ganhos do tráfico de animais silvestres acabam nutrindo o sistema


financeiro através de uma complexa rede de transfusões de recursos entre as
diversas máfias, sejam estas de crimes ambientais ou de outro teor. Um estudo
da Environmental Investigation Agency (EIA), de Londres, sobre a lavagem de
dinheiro do tráfico ilegal de madeira em Papua mostra como “os vastos lucros
desse comércio ilegal alimentam as contas de bancos de Singapura e de Hong
Kong” através, num dos casos investigados, de 16 transferências bancárias 932.
Mecanismos semelhantes ocorrem no tráfico de animais. Seus ganhos
navegam pela rede das corporações financeiras internacionais e em simbiose
com ela: o crime aporta os recursos e os bancos os legalizam e lucram com
eles. Isto ficou evidenciado pelo conluio entre o crime organizado e o HSBC,
conluio que, segundo Charles Ferguson, não é exclusivo desse banco 933. Como
escrevia Neil Barofsky em dezembro de 2012, para a “justiça”, o HSBC is not
only too big to fail, but is also too big to jail 934. De fato, quando denunciados,
seus diretores pagaram uma multa correspondente a algumas semanas de
lucros, mas não foram réus de qualquer processo por atividade criminosa,
impunidade que reforça a disposição do sistema financeiro a aprofundar suas
lucrativas relações com o crime organizado.

Consequências reflexas e sistêmicas


238

Mesmo quando a destruição das espécies vegetais e animais não é o


foco de seu negócio, o capitalismo global é sistemicamente a causa principal
de seu colapso. Um estudo de 2012 publicado na Nature935 mostra que cerca
de um terço das espécies animais ameaçadas de extinção nos países “em vias
de desenvolvimento” (developing nations) estão nessa condição em
decorrência do comércio internacional de bens manufaturados e de
commodities. O estudo parte da reiterada constatação de que “as atividades
humanas estão causando o advento da sexta maior extinção do planeta, um
declínio em aceleração dos estoques de diversidade biológica a taxas 100 a
1000 vezes maiores que as dos níveis pré-humanos”. Mas é o primeiro a
detectar e a quantificar uma relação de causa a efeito entre 15 mil commodities
produzidas em 187 países e a ameaça a 25 mil espécies animais entre as
registradas na Lista Vermelha da UICN. Orangotangos, elefantes e tigres de
Sumatra estão nesta lista, por exemplo, como vítimas da degradação de seu
habitat pelas plantações de palmito e de madeira para celulose. A destruição
pelo agronegócio do habitat dos elefantes de Sumatra (hoje reduzidos a
apenas 2800 indivíduos) foi da ordem de 69% nos últimos 25 anos e a UICN
acaba de reclassificar a situação desses animais, colocando-os não já na
categoria “ameaçados”, mas “criticamente ameaçados” (critically endangered),
o que significa que pelo menos 80% da espécie foi dizimada ou o será em três
gerações.

8.3. Anfíbios

Em nenhum grupo de animais (com exceção dos corais e da ordem dos


primatas) a extinção é tão evidente quanto na classe dos Amphibia, composta
de cerca de sete mil espécies conhecidas (7273 em maio de 2014, veja-se
www.amphibiaweb.org), 6409 das quais avaliadas pelo UICN. “Embora tenham
sobrevivido a múltiplas extinções em massa, nos últimos 20 a 40 anos o
declínio abrupto de sua população ocorre em uma escala jamais vista” 936. Os
anfíbios têm ao menos três características que facilitam sua extinção: (1) a
permeabilidade de sua pele torna-os mais sensíveis à intoxicação da água e do
ambiente em geral; (2) sua dependência de habitats terrestres e aquáticos
torna-os mais vulneráveis a alterações em um desses dois habitats; (3) sua
menor mobilidade faz com que tenham distribuições muito pequenas, o que os
torna mais indefesos a alterações ambientais locais. Os anfíbios são as
primeiras vítimas de agressões a que estarão sujeitas em seguida outras
espécies ou grupos de espécies.
Embora as primeiras advertências do declínio das populações de
anfíbios remontem a 1950, um sinal mais consensual de alarme desse declínio
soou apenas durante o I Congresso Mundial de Herpetologia ocorrido na
Inglaterra em 1989. Criou-se então por iniciativa da UICN a DAPTF (Declining
Amphibian Populations Task Force) com a missão de “determinar a natureza, a
extensão e as causas do declínio dos anfíbios no mundo e promover os meios
de sustar ou reverter esse declínio”. Em 1993, um trabalho da UICN alertava
que as populações de mais de 500 espécies de rãs e de salamandras
presentes nos cinco continentes estavam em declínio 937. Em 2001, a UICN
criou o Global Amphibian Assessment (GAA) e sucessivas avaliações foram
publicadas em 2004 e 2007.
239

As causas da extinção em curso são complexas e multifatoriais, diferindo


entre espécies e localidades, mas as principais delas são de caráter antrópico.
A primeira é a destruição e a fragmentação, pelo desmatamento, pela
expansão da fronteira agrícola e pela urbanização, dos habitats dos anfíbios,
processo que afeta 63% das espécies de anfíbios e 87% das espécies
ameaçadas. A segunda causa é a poluição por pesticidas e outras toxinas
introduzidas nesses habitats, processo que afeta 29% das espécies
ameaçadas. Mercúrio, pesticidas, herbicidas como o Roundup, fertilizantes e
perturbadores endócrinos como o bisfenol-A foram associados a efeitos letais,
diretos ou subletais e indiretos sobre diversas espécies de anfíbios.

8.4. Primatas

O apelo em favor dos grandes primatas lançado ao mundo por Kofi


Annan em 2005, quando ainda Secretário-Geral da ONU, permanece sem
efeito938:

“Os grandes macacos são nossos parentes. Como nós, eles têm
autoconsciência e têm culturas, ferramentas e medicações; podem aprender a
usar linguagem de sinais e têm conversas com pessoas e entre eles próprios.
Infelizmente, entretanto, não os tratamos com o respeito que merecem e sua
população está agora declinando, vítima do desmatamento, doenças, perda de
habitat, captura e caça...”.

Das 420 espécies da ordem dos primatas avaliadas em 2013 pela UICN, 206
espécies (49%) estão ameaçadas, segundo o relatório da UICN de 2013.
Segundo o World Atlas of Great Apes and their Conservation, chipanzés,
gorilas e orangotangos poderão estar extintos no espaço de uma geração
humana939. Jatna Supriatna, diretor do Conservation International da Indonesia,
estimava em 2007 que a população do gibão em Java, dizimada pelo
desmatamento, caíra para algo como 400 indivíduos. O Alouatta pigra da
Guatemala e do México declinará para 60% de sua população nos próximos 30
anos940. Também em vias de extinção encontram-se o macaco-dourado da
China (Rhinopithecus roxellana), o langur-de-indochina (Trachypithecus
germaini), o douc-de-canelas-cinza (Pygathrix cinerea) do Vietnã e o sagui-de-
cabeça-branca da Colômbia.
Segundo uma avaliação de 2012 realizada pelo Primate Specialist Group
da UICN, mais de 90% das 103 espécies dos lêmures de Madagascar já estão
na Lista Vermelha de espécies ameaçadas. Em 2008, 18 espécies de lêmures
estavam “criticamente ameaçadas”. Em 2012 passam a ser 23 as espécies
“criticamente ameaçadas”941. Entre eles se contam as diversas espécies de
lêmures de Madagascar, tais como o indri (Indri indri), o Microcebus berthae,
o varecia-preto-e-branco (Varecia variegata) e o varecia rubra (Varecia rubra).

Brasil

Segundo o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção,


“dos 624 taxa de primatas existentes no mundo, 133 espécies e subespécies
vivem em território brasileiro, representando 21% de todos os taxa que ocorrem
no planeta. Desse número expressivo de espécies, 26 estão ameaçadas
240

nacionalmente, o que representa cerca de um terço (26,5%) das espécies com


ocorrência no Brasil”942. Como sublinha esse texto, a situação é na realidade
pior, pois as muitas espécies ameaçadas apenas “regionalmente”, isto é, em
um ou mais estados, mas não em todo o território nacional, não são incluídas
entre essas 26. O texto prossegue: “Quase dois terços dos primatas
ameaçados ocorrem na Mata Atlântica (15 espécies), enquanto as 11 espécies
restantes são amazônicas, o que mostra o quanto a perda de habitats – muito
mais acentuada na Mata Atlântica do que na Amazônia – representa em termos
de ameaça de extinção aos macacos brasileiros. Entretanto, entre as espécies
amazônicas, quase metade (cinco espécies) tem distribuição restrita aos
Estados do chamado “arco do desenvolvimento” (Pará, Mato Grosso e
Maranhão), nos quais a pressão antrópica é mais intensa. O crescimento da
cidade de Manaus, por exemplo, representa, em última instância, a principal
ameaça ao sagui-de-duas-cores (Saguinus bicolor). Isso indica que a drástica
transformação da paisagem desta que é ainda a maior floresta tropical do
planeta repete, de forma espantosamente semelhante, o ocorrido no passado
com a Mata Atlântica. (...) A caça, muitas vezes esportiva, mas outras tantas de
subsistência, principalmente na Amazônia, elimina populações inteiras em curto
intervalo de tempo, especialmente de primatas de maior porte, como os
guaribas (Alouatta spp.), os macacos-aranha (Ateles spp.), os barrigudos
(Lagothrix spp) e os muriquis (Brachyteles spp)”.
Como se vê, a situação brasileira é crítica e não poderia deixar de sê-lo,
haja vista a devastação em curso da cobertura vegetal nativa do país. O bem
conhecido exemplo do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) da Mata
Atlântica brasileira é apenas um entre essas 26 espécies ameaçadas. Uma
recente inclusão na Lista Vermelha da UICN é o macaco muriqui-do-norte
(Brachyteles Hypoxanthus), também endêmico da Mata Atlântica. O Alouatta
ululata do Maranhão, hoje com apenas 2,5 mil indivíduos maduros, deve
declinar 20% nas próximas duas gerações (24 anos), sempre por causa da
caça e do avanço humano sobre seu habitat. Em 1994, ele era considerado
pela UICN como “ameçado” (endangered); desde 2003, ele passou à categoria
de “criticamente ameaçado” (critically endangered)943.

8.5. Outros mamíferos terrestres

O declínio dos mamíferos não-sinantrópicos é generalizado, porém


diverso segundo seu nível trófico, sendo mais agudo entre as espécies
situadas no topo da pirâmide alimentar: 77% de 31 espécies de carnívoros de
grande porte (mais de 15 quilos) estão em declínio e mais da metade dessas
31 espécies já declinou 50% em relação a seus registros históricos. Segundo
William Ripple, da Oregon State University 944:

“Globalmente estamos perdendo nossos grandes carnívoros. Muitos deles


estão em perigo. Seu número está colapsando. Grande parte desses animais
estão em risco de extinção, local ou globalmente. E, ironicamente, estão
desaparecendo no momento em que estamos aprendendo suas importantes
funções ecológicas”.

O caso do Brasil é expressivo. Segundo o estudo “Mamíferos ameaçados de


extinção no Brasil”, do Ministério do Meio Ambiente 945:
241

“No Brasil, 69 espécies de mamíferos estão oficialmente ameaçadas, o que


representa 10,6% das 652 espécies nativas de mamíferos que ocorrem no
país, segundo a mais recente compilação disponível” (2006).

Mais de um quarto delas, 18 espécies, encontra-se na categoria “Criticamente


Ameaçada”. Segundo esse estudo, “a lista nacional (...) não contempla um total
de 31 espécies que ocorrem no Brasil e que constam da lista de espécies de
mamíferos mundialmente ameaçadas (IUCN, 2006)”. Portanto, num universo
de 652 espécies nativas, nada menos que 100 espécies (69 do MMA + 31 da
UICN) estão ameaçadas, número que pode ser, na realidade, muito maior,
dado conhecimento ainda muito lacunar do estado dos mamíferos no país.
Na África sahariana, “das 14 espécies de grandes animais
historicamente encontrados na região, metade estão agora extintos na
natureza ou confinados em 1% de seu número normal” 946. Na África
subsahariana, o declínio dos mamíferos assume suas feições mais definitivas.

Felinos

A população de tigres (Panthera tigris) nos 13 países em que essa


espécie ainda subsiste caiu, em um século, de mais de 100 mil indivíduos para
1500 a 3500 indivíduos em nossos dias. Em 1987 o tigre foi incluído entre as
espécies “ameaçadas de extinção”. No primeiro decênio do século XXI, o
comércio ilegal de sua pele, garras e ossos para poções de virilidade causou a
morte de 1069 a 1220 desses animais947. No Líbano, um tigre vivo é negociado
a 5 ou 10 mil dólares948. Segundo o WWF, “perdemos 97% de nossos tigres
selvagens em apenas um século, com apenas 3200 deles ainda
remanescentes”. Na Índia, um censo de 2007 mostra que a população de tigres
nesse país caiu, por causa sobretudo da caça, para pouco mais de 1400
indivíduos, o que representa uma redução de 60%, com 11% apenas de seu
habitat preservado. O tigre-do-Cáspio (Panthera tigris virgata), habitante das
florestas a oeste e ao sul do Mar Cáspio, extinguiu-se nos anos 1970. Também
os tigres de Bali e de Java extinguiram-se, respectivamento nos anos 1930 e
1980.
Havia 1,2 milhão de leões africanos em 1800. Hoje, eles estão extintos
no norte da África e estão sendo extintos na África ocidental e central. Os leões
da África ocidental – Senegal, Nigéria, Benin, Níger e Burkina Fasso –,
considerados uma subespécie, não chegam em 2014 a 250 indivíduos adultos
ainda em idade de procriar. Em 2012 as estimativas eram de uma população
de 500 adultos. Dentre 21 parques, leões ainda sobrevivem em apenas 4 949.
Segundo um relatório preparado em 2014 por Samuel Kasiki, diretor do
Kenya Wildlife Service, e Elly Hamunyela, diretor do Natural Resources
Department da Namíbia, em toda a África há apenas 15 parques nacionais com
mais de 500 leões e em apenas 9 países restam ainda populações de ao
menos 1000 leões. Ao todo, sua população situa-se entre 23 mil e 39 mil
indivíduos950. Segundo um estudo de dezembro de 2012 da revista Biodiversity
and Conservation, o leão é dizimado na África pela perda de 75% da savana –
seu habitat, como de milhares de outras espécies – nos últimos 50 anos. A
pesquisa, liderada por Jason Riggio, da Duke University, calcula que sua
população declinou no último meio século de 100 mil para apenas 32 mil. Além
242

da perda de seu habitat, o leão é caçado como matéria-prima de elixires de


virilidade, ou recreativamante por turistas milionários. Os Estados Unidos são
responsáveis pela importação de 64% dos leões caçados “esportivamente” na
África951.
A população da chita ou guepardo (Acinonyx jubatus), estimada em 1900
em 100 mil indivíduos, decaiu em 2000 para apenas 10 mil indivíduos e
concentra-se apenas na África. A chita asiática (Acinonyx jubatus venaticus)
está praticamente extinta e apenas alguns indivíduos encontram-se ainda no
Irã. A população do leopardo, caçado para uso ornamental de sua pele e de
sua cabeça, também diminui criticamente à medida que encolhe sua área de
circulação na África reduzida a 36,7% do habitat disponível no início do século
XX. Na Ásia, sua população atingiu níveis ainda mais críticos. O leopardo-de-
amur (Panthera pardus orientalis), outrora o mais majestoso habitante da taiga
siberiana, está reduzido a 30 indivíduos por causa da destruição pela indústria
da madeira, da agricultura, de incêndios florestais e da beleza de sua pele 952. A
onça-pintada extinguiu-se na América do Norte, no Uruguai e nos pampas da
América do Sul, e está em fase de extinção nas florestas brasileiras, que
abrigariam hoje apenas 5500 representantes dessa espécie, a maioria das
quais na Amazônia e no Pantanal, já que na Mata Atlântica não sobrevivem,
hoje, mais que 250 desses maravilhosos animais e apenas 50 indivíduos
geneticamente distintos953.

Elefantes

Em 1800, cerca de 20 milhões de elefantes habitavam a África. Em


1913, essa população caíra para 10 milhões. Apenas os EUA importavam
então por ano mais de 200 toneladas de marfim como matéria-prima da
indústria de pentes, bolas de bilhar, teclas de piano, etc. No segundo pós-
guerra, o comércio retorna com força redobrada e em 1989 a população
africana de elefantes se reduzira a pouco mais de 600 mil indivíduos. A
proibição do comércio de marfim em 1989 permitiu aos elefantes retornar à
casa de um milhão de indivíduos. Mas a pressão da aliança entre os grandes
traders asiáticos e os países africanos (África do Sul, Zimbabwe, Botswana,
Namibia and Swazilândia), ansiosos para desovar seus estoques de marfim,
conseguiu romper a barreira da proibição e a partir de 1999 a CITES permite
duas vendas em 1999 e em 2008.
Aberta a brecha, os traficantes fazem passar marfim recente por marfim
caçado antes de 1989, da mesma maneira que, no Brasil, os madeireiros
fazem passar madeira ilegal por madeira certificada. Em 2010, segundo
estimativas do WWF e da ONG Traffic, “em todo o continente africano restavam
provavelmente menos de 500 mil indivíduos” 954. As estimativas apresentadas à
16ª Conferência das Partes do CITES (COP16) em 2013, situam-se entre 420
mil e 650 mil. Em dois séculos (1800-2010), a expansão capitalista na África
dizimou cerca de 97,5% da população de elefantes.
Em 2011 foram abatidos entre 17 mil (segundo a CITES) e 25 mil
elefantes. Em 2012, dados ainda provisórios apontam para um massacre de 30
mil elefantes. Metade dos elefantes de floresta (uma espécie diversa do
elefante da savana) da República Democrática do Congo foi abatida nos
últimos cinco anos. Um artigo publicado na Plos One em 2013 revela “um
amplo e catastrófico declínio em número de elefantes de floresta da ordem de
243

62% e uma correlativa contração de sua área de aproximadamente 30% entre


2002 e 2011”955. Sua extinção pode ocorrer agora no horizonte de dez anos 956.
Na Tanzânia, 30 elefantes são mortos por dia. Em 2006 havia nesse país 70 mil
elefantes. Em 2014 há apenas 13 mil. Sua extinção é prevista para 2020 957. Em
2013, traficantes de marfim invadiram o Parque Nacional de Hwange, no
Zimbabwe, e envenenaram com cianeto as poucas fontes de água e o sal de
que se servem os elefantes durante a estação seca, matando mais de 300
deles, segundo uma contagem por via aérea. O cianeto vitimou muitas outras
espécies, como os kudus e os búfalos, além das que se nutrem da carcaça dos
elefantes, como os leões, as hienas e os abutres. O fato, revelado em julho
deste ano, foi considerado “o pior massacre [animal] em um único evento na
África meridional nos últimos 25 anos”958.
Em tonelagem, o tráfico de presas de elefantes mais que triplicou desde
1998. Essa tonelagem dobrou desde 2007, mas seu preço triplicou (entre 2006
e 2011), tornando-se uma commodity comparável a certas pedras preciosas. O
marfim é uma das alavancas na obtenção de receitas para o financiamento de
exércitos e guerras. Em 2008, por exemplo, Robert Mugabe, Presidente do
Zimbabwe, expediu para a China mais de oito toneladas de marfim ilegal como
parte do pagamento de 3 milhões de balas de fuzil AK-47, 1500 mísseis e 3500
morteiros fornecidos pela Poly Technologies, uma empresa estatal chinesa de
armamentos (a China é o 5º maior exportador de armas do mundo), conforme
noticiado pelo The Zimbabwean, um jornal desse país959. O gráfico abaixo
mostra o avanço do comércio de marfim a partir de 1999, quando ele volta a
ser legal, com um pico em 2011, progressão que continuou em 2012 e em
2013. A quantificação é feita em termos do peso das cargas de marfim e
dividida em segmentos de marfim bruto ou trabalhado.

Evolução do Comércio de Marfim – 1996 / 2011

Fonte: CITES e Traffic International

Para Samantha Strindberg, da Wildlife Conservation Society (WCS) e coa-


autora do acima citado trabalho publicado na Plos One de março de 2013, “a
análise confirma o que os conservacionistas temiam: a rápida tendência em
direção à extinção – potencialmente ainda durante a próxima década – do
elefante da floresta”960.
244

O principal destino do marfim é hoje a China, responsável por 70% da


demanda mundial. Segundo o International Fund for Animal Welfare, 84% das
presas negociadas na China são ilegais. Mas também no Japão é importante a
demanda de selos de luxo com nomes de pessoas (hanko) feitos maciçamente
de marfim961.

Rinocerontes

O caso dos rinocerontes é ainda mais extremo. Em 2011, a UICN


declarou oficialmente extinto o rinoceronte negro da África Ocidental (Diceros
bicornis longipes), caçado até o último espécime por causa de seu chifre,
considerado afrodisíaco. Outras duas subespécies de rinocerontes estão
“possivelmente extintas” na natureza: o rinoceronte branco do norte
(Ceratotherium simum cottoni), cujo habitat é a África Central, e o Rhinoceros
sondaicus, “provavelmente extinto” no Vietnã, após ser extinto pelo homem em
Java. Também os rinocerontes da Índia, Butão, Indonésia, Malásia e Nepal
estão em vias de extinção. Em toda a África restam apenas 25 mil rinocerontes.
Segundo a WWF, “entre 2005 e 2012, o número de rinocerontes caçados
ilegalmente na África do Sul subiu 5000% e presentemente vários rinocerontes
são mortos todos os dias por seus chifres. As estatísticas da caça de
rinocerontes divulgadas em 11 de janeiro de 2013 pelo governo sul-africano
revelam um recorde de 668 rinocerontes mortos no país em 2012, um aumento
de aproximadamente 50% em relação aos 448 rinocerontes caçados
ilegalmente em 2011”962. Em 2012, quase dois rinocerontes foram caçados a
cada 24 horas. Entre 2009 e 2012, a curva de progressão do extermínio é
íngreme963: 2009 = 122; 2010 = 333; 2011 = 448; 2012 = 668. A se manter a
cifra de 600 mortes por ano, em 2050 esses animais terão desaparecido.

Antílope, saola, raposa vermelha, lobo, urso, zebra de Grévy, girafa,


alce ...

O antílope tibetano, morto para o comércio de sua lã, reduz-se hoje a


uma população de 75 mil indivíduos, de 1 milhão em inícios do século XX. Do
saola (Pseudoryx nghetinhensis), do Vietnã e do Laos, restam apenas dezenas
de indivíduos, está a ponto de se extinguir ou está talvez já definitivamente
extinto pois não há espécimes em cativeiro. Reintroduzida em certas regiões
dos EUA, a raposa vermelha está novamente em vias de extinção. Segundo a
Defenders of Wildlife, “restam apenas cerca de 100 indivíduos, e se drásticas
medidas não forem tomadas logo, a raposa vermelha criticamente ameaçada
pode ser novamente levada à extinção na natureza pelos caçadores de coiotes
na Carolina do Norte”964. Também o lobo-guará, no Brasil, corre alto risco de
extinção na natureza até o final do século. O urso polar, cuja população foi
estimada em 2008 entre 20 mil e 25 mil indivíduos, está em declínio. A espécie
foi reclassificada em 2006 pelo UICN como “vulnerável”, com perspectiva de
redução de 30% de sua população em 45 anos, sobretudo por causa do
aquecimento do Ártico, mas também por causa da poluição. No século XXI, a
prática do canibalismo entre ursos polares tem sido registrada com maior
frequência, comportamento associado pelos estudiosos ao decréscimo de
oportunidades de caça. Também o Panda gigante está cada vez mais
245

ameaçado e sua população vivendo na natureza não ultrapassa na melhor das


hipóteses 3000 indivíduos, um colapso devido, sobretudo, à caça para a pele.
A zebra de Grévy (Equus grevyi), que outrora povoava diversos países
do corno da África e talvez o Sudão, já está extinta no Djibouti, na Eritreia e na
Somália, encontrando-se hoje apenas no Quênia e na Antiópia. Até os anos
1970, sua população atingia cerca de 15 mil animais. “Em 2008, as estimativas
de uma pesquisa de atualização são de 2500 animais, o que representa um
declínio de mais de 80% em números globais nos últimos três decênios” 965.
Em 1999, o censo da UICN computava 140 mil girafas. Atualmente, em
decorrência da caça e da perda ou degradação do habitat, há menos de 80 mil,
abrangendo todas as nove subespécies, sendo duas delas consideradas
ameaçadas966. A população de alces da América do Norte está conhecendo um
declínio sem precedentes, aparentemente, ao menos em parte, em decorrência
das mudanças climáticas, estresse de calor, parasitas e bactérias favorecidas
pelo calor e perda de cobertura florestal. Uma das duas populações de alces
do estado de Minnesota já praticamente desapareceu, caindo de 4 mil
indivíduos nos anos 1990 para pouco menos de 100, enquanto a outra decaiu
de 8 mil para menos de 3 mil967.

8.6. Aves e polinizadores

Desde 1988, data da primeira avaliação completa da UICN, a situação


das aves tem continuamente piorado. Na avaliação de 2012 da BirdLife
International (credenciada pela UICN) há 1313 espécies de aves ameaçadas
de extinção (Vulneráveis, Ameaçadas e Criticamente Ameaçadas), o que
representa 13% das 10.064 espécies de aves remanescentes no mundo 968.
Malgrado a Convenção Internacional das Espécies Migratórias (1979), as aves
migratórias continuam a padecer de caças maciças. No nordeste da Índia, 120
a 140 mil falcões Amur (falco amurensis) são caçados por ano, sobretudo com
redes, quando passam pela região de Nagaland, em sua migração anual da
Sibéria e do norte da China para a África 969. Na África, a prática de apanhar
aves migratórias provenientes de latitudes setentrionais remonta ao tempo dos
faraós. Ela é hoje realizada, contudo, numa escala infinitamente maior, com
equipamentos importados da China, tais como redes de plástico baratas e
imensas e gravações que atraem os pássaros. Tais técnicas permitem que algo
como 140 milhões de aves sejam apanhadas e mortas a cada estação
migratória. Segundo Brian Finch, que vem realizando um censo de pássaros
migratórios no Quênia, “300 espécies quase desapareceram. Há um morticínio
maciço de pássaros. Deveríamos nos conscientizar das consequências de
retirar esses insectívoros do ecossistema” 970. O círculo vicioso instala-se: o
aumento dos insetos implica o aumento do uso de inseticidas que, na África,
são os mais brutais e de maior duração, o que agride ainda mais os pássaros
remanescentes. Um destes pesticidas é apontado como o maior responsável,
no Quênia e na Índia, pela extinção dos abutres e seu declínio tem feito
disparar os casos de raiva entre cães e ratos, outrora alimento dos abutres.
Segundo um relatório co-assinado pela Royal Society for the Protection
of Birds e pela British Trust for Ornithology (BTO), na Grã-Bretanha, desde
1966, a população de pássaros caiu de 210 milhões para os 166 milhões
atuais, uma perda de 44 milhões em menos de 50 anos 971. A lista de 2012
246

estabelecida para a Lista Vermelha da UICN pela BirdLife International mostra


que quase 100 espécies de pássaros da Amazônia estão agora mais próximas
da extinção. Uma recente inclusão na lista vermelha da UICN é o soldadinho-
do-Araripe (Antilophia bokermanni), uma espécie endêmica da região sul do
Ceará, com sua plumagem de um incomparável vermelho. Segundo Leon
Bennun, Diretor de Ciência, Políticas e Informação da BirdLife972:

“Subestimamos no passado o risco de extinção enfrentado por muitas espécies


de pássaros da Amazônia. Contudo, dado o recente enfraquecimento da lei
florestal brasileira, a situação pode ser ainda pior que a projetada em estudos
recentes”.

Polinizadores e a crise de polinização

A polinização envolve, na maior parte dos casos, a transferência biótica


do grão de pólen das anteras de uma flor, processo essencial para a
reprodução sexuada das plantas, sem o qual a manutenção da variabilidade
genética dos vegetais não ocorre. A polinização é um serviço vital e, “em casos
extremos, seu declínio pode levar à extinção de plantas e animais. (...) Das
250.000 espécies de angiospermas modernas estimadas, aproximadamente
90% são polinizadas por animais, principalmente insetos. (...) Mais de 1200
espécies de vertebrados e cerca de 100.000 espécies de invertebrados
polinizadores, especialmente os insetos, estão envolvidas nesse processo” 973.
Um estudo publicado em 2013 na PNAS mostra que974: “a perda de uma única
espécie de polinizador (...) [tem] significativas implicações para o
funcionamento do ecossistema em termos de redução da reprodução de
plantas, mesmo quando polinizadores potencialmente efetivos permanecem no
sistema. (...) O declínio em curso dos polinizadores pode ter implicações mais
seriamente negativas para as comunidades de plantas do que é atualmente
suposto”.
A FAO “estima que das 100 espécies de culturas que fornecem 90% da
alimentação mundial, 71 são polinizadas pelas abelhas. Apenas na Europa,
84% das 264 espécies de culturas são polinizadas por animais e 4000
variedades de vegetais existem graças à polinização das abelhas” 975. Segundo
um estudo publicado em 2008 na revista Ecological Economics976 “a produção
de mais de três quartos das culturas, ou seja a maioria das culturas frutíferas –
de leguminosas e proteaginosas às amendoeiras, aos temperos e aos
estimulantes (café, cacau) – beneficia-se da atividade polinizadora dos
animais”977. Um quarto da dieta norte-americana, de maçãs a cerejas, de
melões a cebolas, depende da polinização por abelhas, segundo o USDA 978.

Segundo Gary Paul Nabhan, das 1200 espécies de vertebrados


polinizadores, aproximadamente 200 estão “no limite da extinção” 979. Também
os polinizadores invertebrados estão declinando, vítimas de envenenamento ou
vulnerabilização por pesticidas, por ingestão de moléculas de metais e por
destruição de seus habitats.
A ordem dos lepidópteros, que representa aproximadamente 10% das
1.450.000 espécies dos insetos conhecidos na superfície da Terra, é uma das
mais gravemente atingidas. As diversas espécies de borboletas declinam e
desaparecem uma a uma, não apenas por causa dos pesticidas, mas por
247

eliminação das plantas utilizadas como alimento pelas lagartas. Na Europa, em


2010, quase um terço de uma amostra de 435 espécies de borboletas eram
consideradas em declínio e quase 10% delas eram consideradas em vias de
extinção980. A Agência Europeia do Ambiente (EEA) estima que em pouco mais
de 20 anos (1990-2011) metade das borboletas de campo desapareceram para
sempre da paisagem de 19 países da Europa 981. Na Flórida, nos EUA, cinco
espécies de borboletas foram em maio de 2013 consideradas extintas pelo
entomologista Marc Minno982. Mais duas (Epargyreus zestos oberon e Hesperia
meskei pinocayo) o foram em julho de 2013 nessa mesma região 983. Outra
espécie ainda, entre as mais lindas, a assim chamada Grande Branca da Ilha
da Madeira, foi declarada extinta em 2006, vítima de perda de seu habitat e
provavelmente também de fertilizantes. No Brasil, c erca de 50 espécies de
borboletas estão ameaçadas de extinção e constam na lista vermelha do Ibama 984.
Esse declínio é tanto mais preocupante porque as borboletas são importantes
bioindicadoras, isto é, “são consideradas como indicadores representativos de
tendências observadas na maior parte dos insetos terrestres, os quais formam
dois terços das espécies terrestres. Isto significa que as borboletas são úteis
indicadores da biodiversidade e da saúde geral dos ecossistemas” 985. Além
disso, ela é fundamental para a preservação desses ecossistemas como fonte
de alimentação dos pássaros e, sobretudo, dada sua função de polinizadora.

Desordem do Colapso da Colônia (CCD)

A ameaça de extinção que paira sobre as abelhas (Apis mellifera) atinge


tanto as silvestres, quanto as criadas. No que se refere às últimas, colmeias
sãs têm sido subitamente desertadas pelas abelhas adultas forrageiras, que
abandonam a abelha-rainha, as larvas e as reservas de alimentos. Conhecido
como Desordem do Colapso da Colônia (ou Colony Collapse Disorder, CCD),
esse fenômeno não-sazonal de mortandade atinge hoje apiários nos EUA,
Europa, China, Taiwan, Japão e Brasil. Ele se manifesta a partir dos anos 1990,
mas de modo mais acentuado a partir de 2006, atingindo em certos casos na
Europa e nos EUA, perdas de 90% da população de uma colmeia.
Na China, na falta de abelhas, a polinização das macieiras tem sido feita
manualmente pelos agricultores. A Europa padece, segundo um estudo de
janeiro de 2014, da falta de 13 milhões de colmeias de abelhas domésticas
para polinizar suas culturas986. Em 17 países da Europa, o estudo Epilobee
constatou uma incidência generalizada do CCD, ainda que mais grave nos
países do norte europeu, com perdas de colmeias que vão de 27,7% na França
a 42,5% na Bélgica987. Segundo o Departamento de Agricultura dos EUA
(USDA) e o Apiary Inspectors of America, as colmeias têm sido dizimadas
nesse país a taxas entre 21% e 34% ao ano desde o inverno de 2006/2007 988:

2006/2007: 32% 2010/2011: 30%


2007/2008: 36% 2011/2012: 21%
2008/2009: 29% 2012/2013: 30,5%
2009/2010: 34% 2013/2014: 23,2%

Pesticidas
248

No Brasil, “vários relatos sobre a mortandade de abelhas,


presumivelmente devido à contaminação pelo uso inadequado de pesticidas
vem sendo feitos” no Piauí, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Estudos conduzidos por Osmar Malaspina (UNESP de Rio Claro) e outros
cientistas mostram um vínculo entre essas ocorrências e o uso de agrotóxicos,
sobretudo quando lançados por aviões. Segundo Malaspina 989:

“Acaba espalhando muito o agrotóxico na hora da aplicação e acaba pegando as


margens das culturas, onde estão as abelhas. É um fenômeno recorrente no
Estado de São Paulo. Todo ano a gente tem uma perda muito grande de colmeias
e abelhas nativas”.

Há pesquisas demonstrando a letalidade dos pesticidas sobre o


subgrupo Anthophila, que inclui a Apis mellifera e responde por 80% da
polinização por insetos990. É o caso também de diversas espécies de abelhas
do gênero Bombus, conhecidas por nomes muito variados, como mamangava,
abelhão ou marimbondo-manganga. Uma pesquisa 991 mostra que “a exposição
crônica de mamangavas (bumblebees) a dois pesticidas (neonicotinoide e
piretroide) em concentrações que podem se aproximar da exposição em campo
prejudica o comportamento natural de busca de alimentos e aumenta a
mortalidade das operárias, o que leva a reduções significativas da reprodução
e do sucesso das colônias”. Há também “evidências de que a exposição a
inseticidas combinados aumenta a propensão das colônias a colapsarem”.
Os efeitos do declínio das abelhas e demais polinizadores silvestres
foram recentemente postos em evidência por uma pesquisa, realizada em 600
campos em 20 países. O declínio das populações de abelhas silvestres que
outrora polinizavam essas plantações é imenso, já que, “de um modo geral, os
insetos silvestres polinizam as plantações mais efetivamente, porque o
aumento da visitação desses insetos duplica a frutificação em relação à
visitação de abelhas de criação (honey bee)”.
A ONG francesa Pollinis (Réseau des Conservatoires Abeilles et
Pollinisateurs) coligiu em seu sítio 38 trabalhos científicos publicados desde
2001992, mostrando evidências de que o declínio das abelhas é causado por
pesticidas neurotóxicos sistêmicos fabricados a partir de substâncias diversas
como o fipronil ou como os neonicotinoides (clotianide, imidaclopride e
tiametoxame), e comercializados sob os nomes de Gaucho, Cruiser, Poncho,
Nuprid, Argento, etc. Além de perturbarem o sistema neurológico de orientação
das abelhas, esses pesticidas as debilitam e as tornam mais vulneráveis a
vírus, a ácaros (varroa destructor) e a outros agentes patogênicos. Num
trabalho publicado em julho de 2013, no qual abelhas sãs foram alimentadas
com pólen de colmeias recolhido em sete culturas agrícolas contaminadas com
pesticidas, foi possível detectar nessas amostras 35 diferentes pesticidas (com
altas doses de fungicidas), ao contato dos quais essas abelhas se tornaram
mais susceptíveis a parasitas do intestino. Foram consideradas dez categorias
de pesticidas: inseticidas, herbicidas e vários tipos de inseticidas (carbamatos,
ciclodienos, formamidinas, neonicotinoides, organofosfatos, oxadiazinas and
piretroides). O trabalho oferece um resumo do estado atual da questão 993:

“Recentes pesquisas estão descobrindo diversos efeitos sub-letais de


pesticidas em abelhas. Inseticidas e fungicidas podem alterar a atividade
enzimática de insetos e aranhas, o desenvolvimento, o comportamento no
249

processo de botar os ovos (oviposition behaviour) e a ratio do sexo da


descendência. A redução do funcionamento do sistema imunológico é de
particular interesse por causa de recentes declínios de abelhas, incluindo as
abelhas melíferas, relacionados a doenças. A exposição a pesticidas e toxinas
aumenta a susceptibilidade a doenças, e a mortalidade por causa delas, tais
como o parasita intestinal Nosema. (...) As infecções por fungos
endoparasíticos de Nosema apis e Nosema ceranae afetam adversamente a
saúde das abelhas melíferas e podem resultar em completo colapso da
colmeia”.

O impacto dos pesticidas sobre os polinizadores foi enfim reconhecido


oficialmente num documento emitido em 16 de janeiro de 2013 pela Autoridade
Europeia de Segurança dos Alimentos (EFSA) 994, não obstante as tentativas de
desacreditar as pesquisas, sobretudo por parte dos fabricantes desses
pesticidas, como a Bayer e a Syngenta995. A nova legislação europeia
promulgada em abril de 2013 não faz mais que simular a proibição de três
pesticidas neonicotinoides: a cloritinidina, o tiametoxam e o imidaclopride.
Trata-se de uma vitória das corporações, pois a medida tem validade por
apenas dois anos (quando foi demonstrado que os resíduos desses pesticidas
permanecem no solo durante três anos) e, mesmo durante esse período,
apenas entre janeiro e junho. Além disso, esse arremedo de proibição aplica-se
tão somente aos cereais e durante a floração das culturas hortículas.

9. Colapso da biodiversidade no meio aquático

Os desbalanços antropogênicos do planeta potenciam-se no mar e nos


ecossistemas de água doce. É neles que o colapso da biodiversidade delineia-
se com mais clareza e também com maior rapidez. O extermínio da vida
aquática é ocasionado por nove fatores maiores: sobrepesca, fazendas
marinhas, redes de arrasto, poluição, aquecimento, declínio do fitoplâncton,
eutrofização, acidificação e destruição dos corais. Cada uma das espécies em
vias de extinção no meio aquático é vulnerável a ao menos um desses fatores.

9.1. Sobrepesca e fazendas marinhas

“A biomassa representada pelos peixes declinou cerca de dois terços em


relação a seus níveis históricos por causa da pesca” 996. Segundo um estudo
publicado na revista Science de outubro de 2006 por Boris Worm e Steve
Palumbi, “em 2003, 29% das espécies pescadas em mar aberto estavam em
estado de colapso, definido este como um declínio para menos de 10% de seu
potencial original”997.
O relatório de 2010 da FAO, The State of World Fisheries and
Aquaculture de 2010, mostra que mais da metade dos estoques globais de
peixe, exatamente 53%, eram então considerados no limite máximo de sua
250

exploração sustentável. Os remanescentes 32% eram estimados


excessivamente explorados ou em colapso. Apenas 1% desses estoques
encontrava-se em recuperação e tão somente 3% eram considerados com
potencial para mais intenso consumo. Tais proporções já eram então
consideradas as piores em todos os tempos998.
Mas esses dados, embora recentes, foram já ultrapassados. Um painel
de experts internacionais realizado em Oxford e promovido pelo International
Programme on the State of the Ocean (IPSO) e pela UICN, da ONU, concluiu-
se em 20 de junho de 2011 com as seguintes constatações 999:

“a velocidade e a taxa de degeneração no oceano são muito mais rápidas do


que previsto. Muitos dos impactos negativos previamente identificados são
maiores que as piores previsões (...). A sobrepesca reduziu em mais de 90%
alguns estoques de peixes comerciais e populações de espécies capturadas”.

O declínio da vida marinha é em boa parte dos casos irreversível. Nos


EUA, por exemplo, a promulgação do Sustainable Fisheries Act (SFA) em 1996
estabeleceu cotas para cada uma das 44 espécies protegidas pela lei. Mesmo
assim, 8 delas não se mostraram mais recuperáveis. De resto, essas cotas de
pesca permanecem pouco efetivas, já que um terço da alimentação marinha
consumida nos EUA é pescado ilegalmente ou sem a devida documentação 1000.

Os grandes predadores

Os grandes predadores lideram a lista das grandes extinções em massa.


O bacalhau do Atlântico (Gadus morhua), chamado outrora o “bife-do-mar”,
está em franco declínio. O mesmo ocorre com o atum vermelho no Pacífico
Norte (Pacific bluefin, Thunnus orientalis). Mais de 96% e 90% dos espécimes
atualmente pescados ainda não haviam procriado, o que pode significar que se
trata da última geração do atum vermelho nessa região 1001. Calcula-se que cem
milhões de tubarões foram mortos em 2000 e 97 milhões o foram em 2010,
principalmente por causa de suas barbatanas, muito apreciadas na Ásia. As
estimativas sobre a pesca ilegal oscilam entre 63 milhões e 273 milhões. Uma
avaliação organizada em 2008 pelo IUCN Shark Specialist Group sobre
tubarões e raias concluiu que mais de 50% das espécies de tubarões de
oceano aberto (wide-ranging oceanic shark species) estavam sob ameaça de
extinção por cusa da sobrepesca. Nada menos que 16 das 21 espécies de
tubarões e de raias pescadas em alto mar estavam em alto risco de extinção. O
governo da Austrália pretende reabrir em 2014, seguindo o exemplo do Havaí e
da África do Sul, a matança de tubarões de mais de 3 metros avistados a
menos de 1 km das praias1002. Nas águas norte-americanas do Atlântico, muitas
espécies de tubarões tiveram suas populações diminuídas em 50% e algumas
em 90%, segundo estimativas do Florida Program for Shark Research 1003.
Mas também os peixes médios e pequenos enfrentam situações
análogas, conforme demonstra um artigo de 2011 da Nature1004. A pescada, a
solha, o linguado, o halibut, a cavalinha, o chicharro ou o carapau, nomes
populares dados no Brasil e em Portugal a várias espécies de peixes,
geralmente de tamanho pequeno a médio, são bons exemplos da iminência da
extinção nos mares do sul. Nos últimos vinte anos, os estoques desses peixes
passaram de 30 milhões de toneladas a apenas 3 milhões. Para continuar a
abastecer o mercado, sua pesca deve se estender agora ao longo de 6 mil
251

quilômetros, do Peru ao limite da Antártica, e cobrir um longitude de 120 graus,


vale dizer, a metade da distância entre o Chile e a Nova Zelândia. Segundo
Daniel Pauly, diretor do Fisheries Centre da University of British Columbia, no
Canadá, “quando o chicharro desaparecer, todo o resto terá desaparecido” 1005.
Em águas europeias, perto de três quartos dos estoques de peixes são vítimas
de sobrepesca: 82% no Mediterrâneo e 63% no Atlântico 1006. No Brasil, a
sobrepesca assola 80% das espécies marinhas. Apenas entre o litoral do Rio
de Janeiro e o de Santa Catarina, pescam-se 100.000 toneladas de sardinha,
por exemplo1007. Os precários acordos internacionais para o estabelecimento de
cotas permanecem letra morta. “Um quarto dos peixes pescados no mundo o é
ilegalmente”, declarava em novembro Maria Damanaki, Comissária europeia
para a pesca.

Mamíferos aquáticos

Os mamíferos aquáticos são vítimas igualmente notórias. A foca-monge-


do-caribe (Monachus tropicalis), um mamífero de mais de 2,20 m de
comprimento, foi declarada oficialmente extinta pela UICN em 2008. A
população da baleia azul é estimada hoje entre 5 mil e 12 mil, algo como 1% do
que foi antes da era industrial. O baiji, ou golfinho do Yang-Tsé (Lipotes
vexillifer), foi exterminado pela pesca, pela poluição e pela industrialização
desse rio, e oficialmente declarado extinto pela UICN em 2006. O baiji era uma
das quatro espécies de golfinhos de água doce restantes no mundo, todas elas
em vias de extinção, como o Boto da Amazônia e o “soons”, os golfinhos
fluviais na Índia, cuja população está em queda livre. A extinção desta
subespécie é iminente, malgrado gozar desde 2009 do estatuto de Animal
Aquático Nacional. Sua população era estimada em 50 mil indivíduos apenas
no Ganges entre finais do século XIX e inícios do século XX. Ela havia caído
para 5 mil em 1982. Segundo o recenseamento ultimado em outubro de 2012
pelo WWF-Índia em conjunto com o Departamento Florestal do Estado de Uttar
Pradesh, ao norte da Índia, restam apenas 1200 a 1800 desses animais nos
rios Brahmaputra e Ganges e em seus tributários, os rios Yamuna, Son, Ken,
Betwa, Ghagra and Geruwal, que banham Bangladesh, a Índia e o Nepal.
Segundo o WWF-Índia, 130 a 160 desses golfinhos são mortos por ano,
vítimas da poluição, do tráfego fluvial intenso, da pesca, de morte colateral em
decorrência da pesca em rede de outras espécies e, sobretudo, da destruição
do habitat por barragens, que isolam grupos, diminuem seus recursos
alimentares e os tornam mais vulneráveis por causa da endogamia 1008. A
população restante dos cinco mil manatins ou peixes-bois marinhos
(Trichechus manatus) está em declínio no mar da Flórida, com mortandades
causadas, entre outros fatores, por acidentes com embarcações e por algas
tóxicas, cuja proliferação é fomentada por fertilizantes. Até 13 de dezembro de
2013, 813 deles haviam morrido nas águas do estado da Flórida, o dobro das
fatalidades de 2012, um recorde absoluto nos registros iniciados nos anos 1970
e o correspondente a 16% de sua população remanescente 1009.

A poluição sonora

A luz pode penetrar algumas poucas centenas de metros no mundo


submarino. Mas o som pode se propagar por centenas de quilômetros no meio
252

aquático, afetando a audição, o comportamento e o sistema neurológico


sobretudo dos mamíferos1010. A indústria do petróleo, em particular a Apache
Alaska Corporation, está ensurdecendo as baleias brancas (belugas), ao
detonar a cada 10 ou 12 segundos, durante 3 a 5 anos, pistolas de ar
comprimido em suas prospecções submarinas por petróleo e gás no único
habitat em que as remanescentes belugas ainda sobrevivem 1011. Além disso,
segundo um editorial do The New York Times, de outubro de 2012, entre 2014
e 2019, a marinha de guerra norte-americana realizará disparos no Atlântico,
no Golfo do México e no Pacífico cujos ruídos afetarão 33 milhões de
mamíferos marinhos. “Os sons viajam muito mais rapidamente na água que no
ar, magnificando seu impacto e muitos dos sons que a marinha planeja gerar
estão em frequências superlativamente danosas para os mamíferos marinhos.
Mais de cinco milhões deles podem sofrer rupturas de tímpanos ou perda
temporária de audição, o que, por sua vez, disturba seus padrões de
comportamento. A mortandade pode atingir 1800 desses animais” 1012.

A rede de arrasto (trawling): uma operação de mineração

Em 2009, o homem consumiu 145 milhões de toneladas de peixes. Em


1950, apenas pouco mais de 19 milhões de toneladas. Os primeiros efeitos do
colapso dos cardumes nos anos 1990 são outro exemplo do fato que se repete
à saciedade no capitalismo global contemporâneo: a escassez dos recursos
tem levado ao emprego de métodos de exploração ainda mais devastadores
que os que ocasionaram a escassez, no presente caso a pesca de rede de
arrasto (trawling) e a aquacultura.
A pesca industrial vale-se hoje do método de rede de arrasto, de fundo e
de meia-água, neste segundo caso com o emprego de sondas e GPS para
detectar a localização dos cardumes e fixar a profundidade exata da rede. O
resultado em ambos os casos é catastrófico para as populações marinhas.
Como afirma Elliott A. Norse, Presidente do Marine Conservation Institute, de
Washington, a respeito da rede de arrasto de fundo, que escava o fundo do
mar1013:

“À medida que a pesca costeira colapsou no mundo todo, a pesca industrial


avançou para o mar aberto e para maiores profundidades em busca das
últimas concentrações atraentes de biomassa pescável. (...) Muitos barcos
pesqueiros de águas profundas usam redes de arrasto, as quais têm com
frequência alto impacto sobre peixes não visados pela pesca (por exemplo,
tubarões) e invertebrados (por exemplo, corais). Esse gênero de pesca pode
com frequência ocorrer apenas por receber maciços subsídios governamentais.
A combinação de uma população-alvo com muito baixa produtividade, uma
economia que favorece a liquidação da população e um regime regulatório
muito fraco torna a pesca em mar profundo insustentável com raras exceções.
Na realidade, a pesca em mar profundo aparenta-se mais a uma operação de
mineração, que avança, eliminando serialmente populações pescáveis”.

Segundo a FAO e os autores desse trabalho, a pesca por este método


de rede de arrasto de fundo septuplicou entre 1960 e 2004. Expandiu-se
também, desde os anos 1950, em direção aos mares meridionais a uma taxa
média de 1º por ano e, a par disso, a profundidade média desse gênero de
pesca mais que triplicou, passando de 150 metros (492 pés) para 520 metros
253

(1706 pés) em 2004, o que supõe navios de maior calado. A indústria da pesca
por rede de arrasto é hoje um negócio que luta para sobreviver pela falta
crescente de peixes e que recebe, para não colapsar, cerca de 162 milhões de
dólares por ano dos governos dos diversos países, soma que equivale a um
quarto do valor da pesca no período 1014. Ela envolve no mundo todo uma
coalizão de interesses entre lobbies, bancadas parlamentares e corporações
da pesca, como, no Japão, a Tayo e a Mitsubishi.
No gráfico abaixo, percebe-se que, mesmo com a rede de arrasto, muito
mais destrutiva, a pesca atinge um patamar intransponível por volta de 1995 e
começa então a declinar lentamente.

Evolução da pesca e da aquacultura em


milhões de toneladas (1950 – 2010)

Fonte: FAO, The State of the World Fisheries and Aquaculture 2012.
Obs.: A pesca inclui pesca em água doce.

Fazendas marinhas

Como dito acima, em 2009 o homem consumiu 145 milhões de


toneladas de peixes. Desse total, 90 milhões de toneladas provieram da pesca
e o resto de fazendas marinhas. Ao contrário de diminuir o impacto sobre as
populações de peixes, as fazendas marinhas de peixes carnívoros o
intensificam, porque as espécies cultivadas são alimentadas com farinha de
peixe (ou de frango), cuja produção industrial constitui um novo aspecto da
sobrepesca. As corporações chinesas, coreanas e russas, por exemplo, vêm
monopolizando a pesca no mar do Senegal no intuito de abastecer suas
fazendas marinhas, o que ameaça a segurança alimentar da população local e
acelera o colapso da vida marinha 1015. Além disso, as fazendas aquáticas
deterioram os habitats marinhos 1016. Em 2007, 70% da produção mundial de
peixe em fazendas aquáticas era de origem chinesa. As fazendas aquáticas na
China fornecem mais peixes que a atividade pesqueira do país, e a interação
entre os esgotos, os dejetos de origem industrial ou agrícola e a poluição
causada pelas próprias fazendas aquáticas devastou os habitats marinhos
chineses1017.

9.2. Eutrofização, hipóxia e anóxia

No meio aquático, o colapso da biodiversidade progride tambem em


decorrência da descarga de efluentes municipais e, sobretudo, de fertilizantes
nitrogenados e outros compostos fitoestimulantes, que produzem eutrofização,
254

fenômeno pela primeira vez descrito por Richard Vollenweider em 1968 1018. Há
uma relação de causa a efeito entre o uso excessivo de fertilizantes à base de
Nitrogênio (N), Fósforo (P) e Fosfato (K), um setor dominado por dez
corporações mundiais, e a poluição dos solos, da atmosfera e das águas. Ao
prefaciar em 2013 o relatório Our Nutrient World do PNUMA e organizações
associadas, Achim Steiner, Subsecretário da ONU e Diretor Executivo do
PNUMA, assim resume o problema1019:

“excessivo uso de fósforo não está apenas esgotando recursos finitos, mas
desencadeando poluição das águas, local e difusamente, enquanto o uso
excessivo de nitrogênio e a produção de compostos nitrogenados estão
desencadeando ameaças não apenas às aguas, mas também ao ar e aos
solos com consequências para as mudanças globais e a biodiversidade”.

Nas águas, os fertilizantes causam eutrofização. Na definição adotada


pela OCED, a eutrofização é “um enriquecimento das águas de sais nutritivos
que provoca mudanças típicas, tais como o incremento da produção de algas e
plantas, o empobrecimento dos recursos ícticos, a degradação geral da
qualidade da água e outros efeitos que reduzem e impedem seu uso”. Trata-se,
em outras palavras, da resposta degenerativa de um ecossistema ao acúmulo
anormal de nitrogênio e fosfato na água, que redunda em formação de material
tóxico, liberação de gases igualmente tóxicos e obstrução da luz solar pelas
algas. Quando esses organismos morrem, eles afundam e são decompostos
por microorganismos num processo denominado respiração bacterial, que
consome oxigênio. Isto resulta em hipóxia ou, no limite, em anóxia
(concentrações insuficientes ou nulas de oxigênio na água), o que leva à
mortandade e decomposição de organismos aquáticos, gerando, em
consequência disso, mais atividade bacterial, num efeito de bola de neve de
diminuição da biodiversidade aquática.

Fertilizantes x agricultura orgânica

Assiste-se desde a segunda metade do século a um consumo crescente


de fertilizantes. Entre 1950 e 2008, a população mundial não chegou a triplicar,
passando de 2,5 bilhões para 6.8 bilhões aproximadamente. No mesmo
período, o consumo mundial de fertilizantes industriais mais que decuplicou,
saltando de 14 milhões de toneladas em 1950 para 160 milhões de toneladas
em 2008, como mostra o gráfico abaixo:

Evolução do consumo mundial de fertilizantes


(1950 – 2008)
255

Fonte: FAO; IFA

Outra pesquisa confirma essa progressão com dados complementares: “Em


1998, o mundo fabricou 137 milhões de toneladas de fertilizantes químicos,
15% dos quais consumidos nos Estados Unidos. Entre 1950 e 1998, o uso
mundial de fertilizantes químicos aumentou mais de 10 vezes e mais de 4
vezes per capita”1020. Além disso, observa-se uma intensificação do consumo
de fertilizantes por hectare de terra arada, passando de 110,2 kg/ha em 2003
para 122,4 kg/ha em 2009, como mostra este gráfico do Banco Mundial:

Consumo mundial de fertilizantes: kilos por hectare de terra arada

Fonte: Banco Mundial

O hiperconsumo de fertilizantes é consequência do empobrecimento dos


solos, mas é também induzido pelo imperativo da maximização do lucro do
agronegócio e pelas corporações, cujas sete maiores no ramo obtiveram lucros
imensos entre 2000 e 2009, como mostra o quadro abaixo 1021:

Lucros das maiores indústrias de fertilizantes


256

Fonte: FIND decadereturns.gif


AGU, Agrium; CF, CF Industries Holdings; IPI, Intrepid Potash; MON, Monsanto; MOS, Mosaic Company; POT,
Potash Corporation; TNH, Terra Nitrogen Company; TRA, Terra Industries

Pode-se falar em hiperconsumo porque a maior parte do nitrogênio e/ou do


fósforo contidos nesses fertilizantes não é absorvida pelas plantas. Uma
pesquisa de David Tilman sugere que a agricultura absorve apenas de 33% a
50% do nitrogênio neles contido 1022. De seu lado, o acima citado relatório Our
Nutrient World afirma que 80% do nitrogênio e entre 25% e 75% do fósforo dos
fertilizantes não se incorporam às plantas e dispersam-se no meio ambiente.
Parte desse excesso penetra os lençóis freáticos, e parte é levada pela chuva
aos rios, lagos e ao mar1023.
Qual é o grau de eutrofização das águas do planeta em 2013?
Pesquisas promovidas entre 1988 e 1993 pelo State of the World’s Lakes
mostravam já então eutrofização em 54% dos lagos da Ásia, 53% dos lagos da
Europa, 48% dos lagos da América do Norte, 41% dos lagos da América do Sul
e 28% deles na África. A primeira “Avaliação Nacional de Rios e Córregos”
(NRSA) realizada pela EPA, publicada em 2013, examinou 1924 sítios de rios e
córregos nesse país1024. O escopo da NRSA era “determinar em que medida os
rios e córregos norte-americanos fornecem condições biológicas saudáveis e a
extensão dos fatores de estresse que os afetam”. Os fatores químicos de
estresse avaliados foram as quantidades de fósforo e de nitrogênio, a
salinidade e a acidificação. A avaliação mostra que quantidades excessivas de
fósforo e de nitrogênio na água “são de longe os principais fatores” de estresse
químico: 40% dos rios e córregos do país apresentam níveis elevados de
fósforo e 28% deles têm níveis elevados de nitrogênio. Em síntese, apenas
21% dos rios e córregos do país estão em boas condições biológicas (good
biological condition), 23% deles estão em condições razoáveis (fair condition),
enquanto que a condição biológica de 55% deles é má (poor condition). Os rios
do leste apresentam um perfil biológico ainda pior, com mais de dois terços dos
rios e córregos (67,2%) em más condições biológicas.

Hipóxia e anóxia. Um cemitério marinho em expansão

Na água do mar, o oxigênio existe em concentrações que variam,


segundo a temperatura e a salinidade, entre 6 e 8,5 ml/l. O termo hipóxia
aplica-se quando a concentração de oxigênio é menor que 2 ml/l e anóxia,
quando essa concentração é menor que 0,5 ml/l. Nessas condições, os peixes
que não fogem a tempo tendem a perder sua orientação, desmaiam e morrem
asfixiados. Os organismos que não conseguem se locomover em velocidade,
257

como os crustáceos, e os que vivem fixos em outras estruturas morrem em sua


totalidade e sua putrefação retroalimenta positivamente, via respiração
bacterial, a hipóxia e a anóxia.
Fenômenos de hipóxia ou anoxia podem ocorrer naturalmente, mas são
relativamente raros, em pequena escala e apenas sazonais. Os fatores
antrópicos acima alinhados transformam-nos em fenômenos frequentes e
crescentes, de larga escala e, por vezes, permanentes. Uma zona anóxica
torna-se, assim, um cemitério marinho onde não há lugar para vertebrados e
outras espécies de vida multicelular1025. Sua proliferação, em especial em áreas
próximas de costas densamente povoadas ou de estuários, vem sendo
observada desde os anos 1970. Segundo Robert J. Diaz, do Virginia Institute of
Marine Science, elas tem aproximadamente dobrado a cada década 1026. Mas
nos últimos dez anos, entre 2003 e 2011, ela mais que triplicou. O GEO Year
Book 2003, publicado em 2004 pelo PNUMA, reportava 146 zonas mortas
(creeping dead zones), muitas de pequeno porte e a maior delas estendendo-
se por uma área de 70 mil quilômetros quadrados.

Aumento global das zonas de hipóxia no mar

Fonte: GEO Year Book, 2013, a partir de R.J. Diaz e R. Rutger Rosenberg, 2008

Em 2008, outro estudo contava já 405 zonas mortas, cobrindo uma área de 246
mil quilômetros quadrados1027. Em 2011, o World Resources Institute (WRI) e o
Virginia Institute of Marine Science identificaram 530 zonas mortas e 228 zonas
exibindo sinais de eutrofização marinha 1028. Alguns dos casos mais agudos de
zonas mortas sobretudo por poluição e eutrofização são o Adriático Norte, a
Chesapeake Bay nos Estados Unidos, uma área de mais de 18 mil km 2 do
litoral norte do Golfo do México, a foz do Mississipi, a Baía de Tóquio, certas
zonas marítimas que banham a China, o Japão, o sudeste da Austrália e a
Nova Zelândia, bem como o Golfo de Cariaco na Venezuela. Outras dentre as
maiores zonas mortas do oceano encontram-se em partes do Mar do Norte, do
Mar Báltico e no estreito de Kattegat entre a Dinamarca e a Suécia.
Em 2012, Osvaldo Ulloa, do Centro de Investigación Oceanográfica
Copas da Universidad de Concepción no Chile, observou o surgimento de
novas zonas anóxicas na costa de Iquique, no norte do Chile. Segundo Ulloa,
antes desse estudo não se pensava que pudessem existir áreas
completamente sem oxigênio em mar aberto, e ainda menos em níveis tão
258

próximos da superfície: “os peixes perdem seu habitat e morrem ou se


distanciam, pois não são capazes de sobreviver. Só os microorganismos,
principalmente bactérias e arqueias podem subsistir” 1029. Para Ulloa, a região
de Biobó, no mar meridional do Chile poderá ser a próxima a sofrer de anóxia,
pois se descobriram nessa zona costeira no verão e no começo do outono de
2012 águas desprovidas de oxigênio.

9.3. Até 170% a mais de acidificação oceânica até 2100

A alteração na química oceânica é um efeito da carbonação, isto é, da


dissolução na água do CO2, reação química que produz ácido carbônico (um
composto químico de fórmula H 2CO3). A acidificação oceânica diminui a
concentração de carbonatos de cálcio, como a calcita (CaCO3), a calcita de alto
magnésio (HMC) e sobretudo a aragonita, forma particularmente solúvel de
carbonato de cálcio, o que torna mais difícil para os organismos marinhos
calcificadores – corais, crustáceos, ouriços, moluscos, fitoplâncton calcáreo, etc
– usar estes minerais para transformá-los em suas conchas ou estruturas
exosqueléticas. O déficit e/ou a fragilização dessas proteções retarda o
crescimento dos embriões, impedem-nos de se formar plenamente ou tornam
suas proteções calcáreas menos aderentes à pedra, menos densas,
quebradiças, mais vulneráveis, portanto, a predadores e a agentes patogênicos
externos.
É fato que os oceanos têm uma imensa capacidade de absorção de
impactos cumulativos. Sua dinâmica de resposta à acidificação é muito lenta e
não é facilmente detectada na escala de tempo das experiências científicas.
Por exemplo, o aumento das concentrações de CO 2 no mar, resultante das
atividades humanas nos últimos 50 a 100 anos, penetrou até agora apenas a 3
mil metros sob a superfície das águas. Mas esta absorção vem aumentando e
vai se aprofundando no mar à medida que aumentam as concentrações de CO 2
na atmosfera. Isso posto, já é possível observar os efeitos da acidificação
oceânica sobre a biologia marinha, por exemplo, no cultivo industrial de ostras
nas regiões costeiras do Pacífico setentrional, que vem sofrendo rupturas
maiores justamente pelo impacto da acidificação sobre a reprodução desses
animais. A acidificação está já causando a dissolução da proteção de
pteropodes do mar da Califórnia, conforme mostra um estudo de 20141030:
“Mostramos uma forte correlação positiva entre a proporção de indivíduos
pteropodes com grave dissolução da concha e a porcentagem de água
subsaturada a até 100 metros de profundidade no que se refere à aragonita.
Encontramos em média 53% de indivíduos em terra (onshore) e 24% no mar
(offshore) com grave problemas de dissolução. Estimamos que a incidência de
grave dissolução de conchas de pteropodes devido à acidificação oceânica
antropogênica duplicou nos hábitats próximos à praia em relação à situação
pré-industrial nessa região e está em vias de triplicar até 2050”.

Um dos autores desse estudo, William Peterson, do NOAA, declarou: ‘Não


esperávamos ver pteropodes serem afetados em tal proporção em nossa
região costeira antes de várias décadas”1031.
A acidificação dos oceanos foi chamada por Carol Turley, do Plymouth
University's Marine Laboratory: “o outro problema urgente do CO2” e seu
gêmeo do mal (evil twin)1032. Ela é uma potente promotora da hipobiosfera. Os
259

oceanos absorveram “cerca de 28% do CO 2 gerado pelas atividades humanas


desde meados do século XVIII” 1033. Eles continuam a absorver atualmente algo
entre um quarto e 30% das emissões antropogências de dióxido de carbono 1034
e as têm absorvido em paralelo com o aumento desse gás na atmosfera, como
mostra o gráfico abaixo.

Evolução das concentrações de CO2 na atmosfera


e nos oceanos (em pCO2, de 1989 a 2009)

Fonte: Richard E. Feely, NOAA, Ocean Acidification, the other CO2 problem, 18/XI/2013
http://unfccc4.meta-fusion.com/kongresse/cop19/pdf/131118_1315_3_Feely_Side_Event_COP19_2013.pdf

Embora seja, em princípio, um fator de estabilidade climática, esta


crescente absorção provoca alterações químicas no meio aquoso. Uma delas é
a acidificação, isto é, uma alteração do pH oceânico. O pH, potencial de
hidrogenio iônico, é uma medida dos níveis de íons de hidrogênio (H +) numa
escala que indica a acidez (baixo pH), neutralidade ou alcalinidade (alto pH) de
um meio. Um pH oceânico menor significa que o oceano tornou-se mais ácido.
A rapidez da acidificação dos oceanos tem surpreendido os cientistas.
Em 1999, previa-se que a mudança da química oceânica poderia afetar os
corais em meados do século XXI1035. Em 2006, Robert H. Byme mostra que
mudanças de pH no Pacífico setentrional desciam entre 1991 e 2006 a até 500
m de profundidade1036. Ainda em 2006, um trabalho de mais de 50 cientistas de
três instituições maiores de pesquisa avança a previsão de que, por causa da
acidificação oceânica “as taxas de calcificação decrescerão até 60% ao longo
do século XXI”1037. Em 2008, outro trabalho mostra que um aumento de
concentrações de CO2 na atmosfera para 500 ppm até 2050 e para 800 ppm
até 2100, consoante as projeções do IPCC, “resultaria em um decréscimo do
pH da água de superfície até o fim do século de cerca de 0,4 e um
correspondente decréscimo de 50% em concentração de ions de
carbonato”1038. Entre 2005 e 2008, começa-se a notar a morte de milhões de
larvas de ostras no litoral do Pacífico norte-americano 1039. Em 2012, um
trabalho mostra como a acidificação dos mares da Antártica pode dissolver
extensamente pterópodes da espécie Limacina helicina antarctica e prevê que
a aragonita pode se tornar em geral subsaturada nesses mares por volta de
20501040. Segundo uma avaliação do agravamento da acidificação, realizada
em 2013 por um comitê da National Academy of Sciences (NAS) dos EUA 1041:
“Desde o começo da Revolução Industrial em meados do século XVIII, a média
do pH no oceano superficial tem decrescido por volta de 0,1 unidade de pH, o
260

que corresponde aproximadamente a um aumento de 30% de aumento em


acidez. Projeta-se um decréscimo ulterior adicional de 0,3 a 0,4 unidades de
pH até o final do século, o que corresponde a um aumento de 100 a 150% de
acidez em relação ao período pré-industrial. (...) Essa taxa de acidificação é
maior que quaisquer outras inferidas dos registros arqueológicos ao menos dos
últimos 55 milhões de anos”.

A estimativa de um aumento de 150% foi superada agora pelo relatório firmado


por 540 cientistas do IGBP (International Geosphere-Biosphere Programme),
apresentado em novembro de 2013 na 19º Conferência das Nações Unidas
sobre Mudanças Climáticas (COP 19) em Varsóvia. Ele afirma que em
consequência das atividades humanas, que estão lançando no mar 24 milhões
de toneladas de CO2 por dia, a acidificação das águas pode aumentar em até
170% até 2100. Em tais condições, cerca de 30% das espécies oceânicas
provavelmente desaparecerão.
Uma pesquisa em duas espécies de mariscos bivalves comestíveis
(Mercenaria mercenaria e Argopecten irradians) mostrou que1042:

“as larvas crescidas sob concentrações pré-industriais de CO 2 (250 ppm)


mostravam crescimento e metamorfose significativamente mais rápidos, bem
como taxas mais elevadas de sobrevivência e de acúmulo de lipídios em
relação a indivíduos criados nos modernos níveis de CO 2. Bivalves crescidas
em níveis pré-industriais de CO2 mostravam conchas mais espessas que os
indivíduos crescidos nas concentrações hodiernas. Por sua vez, as bibalves
expostas aos níveis de CO 2 que devem prevalecer no final do século XXI
tiveram conchas malformadas e erodidas. Esses resultados sugerem que a
acidificação do oceano ocorrida nos últimos dois séculos pode estar inibindo o
desenvolvimento e a sobrevivência das larvas de mariscos e contribuindo para
os declínios de algumas populações de bivalves”.

O declínio desses organismos tem repercussões em cadeia, dadas suas


múltiplas funções na biosfera marinha. Muitos deles, como os pterópodes, são
fundamentais seja na alimentação de inúmeras outras espécies, seja na
filtragem das águas, o que as tornam menos tóxicas para os outros organismos
marinhos.

Outros efeitos

A acidificação afeta mais que a capacidade de calcificação dos


organismos marinhos. Sempre segundo a revisão acima citada da National
Academy of Sciences, um menor pH no sangue e nos fluídos celulares de
alguns organismos marinhos pode interferir em seus processos metabólicos e
celulares. Um pH cadente pode afetar a capacidade de captura de oxigênio de
alguns animais marinhos com impacto direto sobre seu metabolismo. As
pesquisas começam a desenhar o amplo arco desses prejuízos à vida marinha,
que incluem a fotossíntese, a respiração, a aquisição de nutrientes, o
comportamento, o crescimento, a reprodução e a capacidade de sobrevivência.
“As larvas do peixe-palhaço e do peixe castanheta mostraram um senso
reduzido de olfato em meios acidificados, que levaram a um comportamento de
maior exposição ao risco. Níveis elevados de CO 2 foram associados a um
comportamento mais ativo nesses peixes, o que os leva a nadar em águas
mais distantes de suas proteções e a não responder adequadamente à ameaça
261

de predadores. Estudos mostraram que 5 a 10 vezes mais peixes morrem por


causa desse comportamento de risco que os que não se encontram em meios
acidificados”1043. Enfim, a acidificação contribui para aumentar a temperatura da
água e para diminuir a velocidade das correntes marinhas, numa típica
dinâmica de efeitos sinérgicos com capacidade potencial de produzir
desequilíbrios ainda mais devastadores na vida marinha.

9.4. Os corais, “ecossistemas zumbis”

Os corais são âncoras de vários sistemas marinhos e seu


desaparecimento pode ser terminal para a vida submarina. Esse é o veredito
final de uma declaração redigida no Congresso realizado em Oxford pela IPSO
(International Program on the State of the Ocean) e assinada em junho de 2011
por 27 cientistas de 18 organizações de 6 países: “o oceano corre alto risco de
entrar em uma fase de extinção das espécies marinhas sem precedentes na
história humana”1044.
Os corais são animais dotados de exoesqueleto formado por calcário
(aragonita) ou por matéria orgânica. As colônias de corais constituídas por
esses exoesqueletos são celeiros incomparáveis de vida marítima. Ken
Caldeira, da Stanford University, cita estimativas segundo as quais “mais de um
quarto de todas as espécies marinhas passam parte de suas vidas em recifes
de coral”1045. Os dados da World Atlas of Coral Reefs da UNEP-World
Conservation Monitoring Center são igualmente sombrios1046: “Considera-se
que os recifes de corais sofreram um declínio global significativo desde os anos
1970 ou desde ainda antes, com uma queda de quase metade dos corais nas
regiões do Indo-Pacífico e do Caribe durante os anos 1980, antes de se
estabilizar, mas sem recobrar os níveis anteriores. Há também indicações de
que tanto a estrutura dos recifes quanto a proporção de recifes com corais
vivos declinou o que tem implicações sucessivas nos níveis de biodiversidade
associados aos recifes”.
A mais importante causa mortis dessas “florestas tropicais do mar” que
são os corais é o aquecimento das águas, que ocasiona a morte das algas
microscópicas coloridas de que se alimentam os pólipos responsáveis pela
construção dos recifes, processo chamado embranquecimento do coral (coral
bleaching). Outras causas da morte dos recifes de corais são a acidificação das
águas por absorção crescente de CO2, a descarga direta de esgoto e efluentes
domésticos e industriais ou o uso de dinamite ou cianeto para matar peixes, o
que destrói ou envenena os recifes. Segundo o ReefBase A Global Information
System for Coral Reefs (a partir de dados do World Atlas of Coral Reefs da
UNEP-World Conservation Monitoring Center) a pesca com dinamite e/ou
cianeto, embora proibida desde 1985, continua a ser largamente praticada, por
exemplo, na Indonésia, a nação que detém, ao lado da Austrália, os maiores
recifes de corais do mundo1047.
Até 90% dos recifes de corais nos mares das ilhas Maldivas no Atlântico
sul e das ilhas Seychelles no Oceano Índico já foram mortos pelo aquecimento
global. O maior conjunto de corais do mundo, a Grande Barreira de Corais, de
dois mil quilômetros na costa leste da Austrália, inscrita na lista da UNESCO
como patrimônio natural global, é outro caso desesperador. Em apenas 27
anos (1985-2012), essa reserva, fundamental para a sobrevivência de 400
262

espécies de corais, 1500 espécies de peixes e 4000 espécies de moluscos, foi


destruída em 50%, vítima dos portos industriais, do aquecimento global, da
acidificação do oceano e do acanthaster, uma estrela do mar por cuja
proliferação o agronegócio é o principal responsável, ao despejar no mar
quantidades crescentes de fertilizantes agrícolas à base de nitrato. Neste ritmo
de destruição, os corais deverão se reduzir novamente pela metade em
20221048.
Pouco mais de dez anos atrás, em 2003, 27% dos corais dos oceanos
já haviam sido destruídos pela poluição e pelo aquecimento global e, segundo
o oceanógrafo australiano Ove Hoegh-Guldberg, estima-se que nos próximos
20 anos a maior parte desses recifes venham a morrer 1049. Projetava-se então
uma situação de risco de mais 14% deles no horizonte de dois a dez anos e de
outros 18% no intervalo de dez a trinta anos. Apenas 41% dos corais
permaneciam então ao abrigo da degradação, conforme mostra o gráfico
abaixo.

Porcentagens de corais destruídos, ameaçados e conservados


em escala mundial

Fonte: International Coral Reef Action Network, 2003

Passados dez anos, as projeções mostraram-se conservadoras. Em julho de


2012, Roger Bradbury, um especialista em corais da Australian National
University, escrevia1050:

“Está mais que na hora de dizer a verdade sobre o estado dos recifes de coral
do mundo, os viveiros dos estoques de peixes dos mares tropicais litorâneos.
Eles se tornaram ecossistemas zumbis, nem mortos nem de fato vivos em
qualquer sentido funcional, e em trajetória de colapso no intervalo de uma
geração. Haverá remanescentes aqui e ali, mas o ecossistema global de
recifes de coral – com seu celeiro de biodiversidade e de peixes que sustentam
milhões de pobres – deixará de existir. Sobrepesca, acidificação oceânica e
poluição estão levando os recifes de coral ao desaparecimento. Cada um
desses fatores sozinho é suficiente para causar o colapso global dos recifes de
coral; juntos, eles o garantem. A evidência científica a respeito é inequívoca e
tem valor probante, mas parece haver uma relutância coletiva em aceitar a
conclusão lógica de que não há esperança de salvar o ecossistema global de
recifes de coral. (...) Os recifes de coral serão os primeiros, mas certamente
263

não os últimos dentre os maiores ecossistemas a sucumbir ao Antropoceno – a


nova época geológica em vias de emergir”.

9.5. Águas-vivas

Em 2010, cientistas da University of British Columbia estabeleceram que


o aquecimento global estava causando a proliferação de duas mil diferentes
espécies de águas-vivas e seu aparecimento no mar cada ano mais cedo 1051.
Mantidas outrora em equilíbrio pelos mecanismos autorreguladores dos
ecossistemas, as águas-vivas, pertencentes ao subfilo Medusozoa do filo
Cnidaria, que remonta a meio bilhão de anos 1052, proliferam hoje
descontroladamente nos oceanos, beneficiando-se: (1) do aquecimento das
águas; (2) de seu transporte para todos os portos do mundo pelos lastros dos
navios; (3) da multiplicação de superfícies duras no mar – cais, cascos de
embarcações, plataformas de exploração de petróleo e lixo – berçários ideais
para seus ovos; (4) do deperecimento das espécies predadoras, como
tubarões, atuns e tartarugas (as quais morrem ao comer pedaços de plástico,
julgando serem águas-vivas); (5) da extinção das espécies concorrentes
causada pela sobrepesca, pela poluição, pelos fertilizantes e pela destruição
dos habitats e (6) das menores concentrações de oxigênio diluído no mar, pois
seu metabolismo é excepcionalmente eficiente.
As águas-vivas devoram imensas quantidades de plâncton, privando de
alimento os pequenos peixes, com impactos em toda a cadeia alimentar. A
Mnemiopsis, uma espécie de água-viva, “age como uma raposa no galinheiro.
Após se esbanjar, ela continua a capturar e a matar mais e mais presas.
Enquanto houver recursos no ecossistema, a água-viva matará, digerindo ou
não seu alimento. Ela irá matando até que nada mais reste. E isto pode
acontecer rapidamente”1053. Livres para se apoderar dos nichos deserdados
pelas espécies marinhas que o homem extinguiu ou está extinguindo, as
águas-vivas terminam o trabalho do homem, seja acabando de extinguir pela
fome as espécies já demasiado pescadas, que, como as anchovas, competem
pelos mesmos alimentos, seja exterminando seus ovos.
Ao mesmo tempo em que aceleram o advento da hipobiosfera, as
águas-vivas mostram-se criaturas dotadas de enormes vantagens adaptativas
nessas novas coordenadas ambientais dos oceanos, caracterizadas por
rarefação ou extinção de espécies mais complexas e por águas mais poluídas,
mais quentes, mais ácidas e menos oxigenadas. Em seu terrível alerta sobre a
devastação causada pela invasão das águas-vivas nos sete mares, Lisa-ann
Gershwin, Diretora do Australian Marine Stinger Advisory Services, resume
admiravelmente o que significa essa nascente hipobiosfera marinha 1054:

“Estamos criando um mundo mais próximo do tardo Precambriano que do tardo


1800 – um mundo onde as águas-vivas dominavam os mares e onde
organismos com conchas não existiam. Estamos criando um mundo onde
humanos possivelmente não poderão, ou não desejarão, sobreviver”.

9.6. Aquecimento das águas e declínio do fitoplâncton

Um exemplo da letalidade do aquecimento das águas é fornecido pelos


organismos adaptados às águas gélidas da Antártica. Os peixes da sub-ordem
264

dos Nototenioidei, tais como o peixe-gelo (icefish), devem-se extinguir em


breve pois são incapazes de sobreviver em temperaturas superiores à -2º
graus centígrados, conforme advertem cientistas da Universidade de Yale em
um artigo publicado na PNAS. Sua anunciada extinção pelo aquecimento das
águas polares repercutirá na cadeia alimentar da Antártica, já que dessas
espécies se alimentam pinguins, focas e cetáceos 1055.
Ao aumentar a estratificação da coluna de água, reduzindo a quantidade
de nutrientes que migram das profundezas para a superfície, o aquecimento
marítimo afeta também o fitoplâncton (algas verdes, diatomáceas,
dinoflagelados, cianofíceas), que, segundo um estudo publicado em 2010 na
revista Nature, está diminuindo a uma taxa de cerca de 1% ao ano. Esse
declínio foi constatado em oito das dez regiões oceânicas mensuradas e,
sempre segundo o mesmo estudo, já 40% do fitoplâncton em escala global
teria diminuido desde os anos 1950. Como mostra o gráfico abaixo, a
densidade de fitoplâncton do Oceano Ártico decaiu em 40 anos (1960-2000) ao
nível da dos oceanos de baixas latitudes.

Declínio do fitoplâncton no Oceano Ártico


(concentrações de clorofila mg m-3)

Fonte: L. David Roper, World Peak Fishing, a partir de Boyce et alia, “Global phytoplankton
decline over the past century”. Nature, 466, 29/VII/2010, pp. 591-596.

O fitoplâncton representa cerca de metade da matéria orgânica


produzida na Terra. Ele é a fonte mais importante, ao lado das florestas, de
produção de oxigênio: “O fitoplâncton é responsável por metade de toda a
atividade de fotossíntese do planeta. A saúde dessas plantas marinhas afeta a
pesca comercial, a quantidade de CO2 que o oceano pode absorver e a
maneira como este responde às mudanças climáticas” 1056. Além disso, ele é a
base da cadeia alimentar oceânica. A se confirmar seu declínio, é possível que
a pirâmide da fauna marítima sofra rupturas cada vez mais intransponíveis,
possibilidade que Daniel Boyce, autor principal desse estudo, não deixa de
explicitar1057:

“fitoplâncton são a base do ecossistema marinho. São o combustível a partir do


qual ele funciona... Mudanças de escala no fitoplâncton afetarão em última
instância tudo que se situa acima dele na cadeia alimentar, desde o minúsculo
zooplâncton até as grandes baleias, a pesca e o homem no topo dessa escala”.
265

As conclusões desse estudo são tão alarmantes que suscitaram uma intensa
discussão, resumida por Dave Cohen, em rede 1058. Novas mensurações
realizadas em 2013 confirmam, segundo Kevin Friedland, um cientista da
National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), os menores níveis
jamais registrados desses organismos no Atlântico Norte 1059. Por causa ainda
do aquecimento das águas o florescimento primaveril do fitoplâncton tem
ocorrido 50 dias antes do que há uma década o que o põe em dessincronia
com os ciclos reprodutivos de vários mamíferos marinhos que deles se
alimentam.

10. Antropoceno. Rumo à hipobiosfera

Há toda uma literatura que começa a trazer à luz a longa pré-história do


conceito de Antropoceno1060. Recordemos seus marcos essenciais. Em 1780,
em sua obra Époques de la nature – sétima e última parte, intitulada Lorsque la
puissance de l’homme a fécondé celle de la Nature – Buffon nota já que “a face
inteira da Terra traz hoje a marca da potência do homem”. Mas ao cantar a
superioridade da natureza “fecundada” sobre a natureza “bruta”, entende ainda
a omnipresença humana como uma potência benfazeja 1061:

“É portanto apenas há cerca de trinta séculos que a potência do homem reuniu-


se à da natureza e estendeu-se sobre a maior parte da Terra; os tesouros de
sua fecundidade, até então ocultos, o homem os revelou. (...) Enfim, a face
inteira da Terra traz hoje a marca da potência do homem, a qual, ainda que
subordinada à da natureza, fez com frequência mais que ela, ou ao menos a
fez maravilhosamente fecundada, pois é com a ajuda de nossas mãos que a
ela se desenvolveu em toda a sua extensão (...) Comparai, com efeito, a
natureza bruta com a natureza cultivada (...)”

Já em finais do século XVIII e inícios do século XIX, diagnósticos do


impacto nefasto sobre o sistema Terra dessa nova potência do homem,
notadamente no que se refere ao desmatamento, começam a surgir da pena
de naturalistas como José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) 1062,
Dietrich Brandis (1824-1907), Gifford Pinchot (1865-1946) 1063 e George Perkins
Marsh (1801-1882). Marsh é talvez o primeiro a perceber que a “potência do
homem” tornara-se uma ameaça à Terra, de modo que seu The Earth as
Modified by Human Action (1874), terá, contrariamente à défense et illustration
dessa potência por Buffon, o objetivo de 1064:

“apontar os perigos da imprudência e a necessidade de cautela em todas as


operações que, em larga escala, interferem nos equilíbrios espontâneos do
mundo orgânico e inorgânico”.

Nesses mesmos anos, isto é, entre 1871 e 1873, o abade Antonio Stoppani
(1824-1891) definirá essa potência emergente como “uma nova força telúrica
que em força e universalidade pode ser comparada às grandes forças da
Terra”, razão pela qual propõe designar a presente era geológica pelo termo
Antropozoico”1065. Enfim, em 1896, Svante Arrhenius (1859-1927) 1066 calcula
com acume os efeitos que uma alteração de caráter antrópico nas
concentrações dos gases que retêm calor na atmosfera poderia provocar em
266

todo o sistema Terra. No inícios dos anos 1920, Vladimir I. Vernadsky, que
havia cunhado o termo biosfera 1067, introduz a ideia de que, assim como a
biosfera havia transformado a geosfera, a emergência do conhecimento
humano (a que Teilhard de Chardin e Édouard Le Roy dariam o nome de
noosfera) estava transformando a biosfera1068.
Essas pontuais e pioneiras contribuições científicas dos anos 1860-1920
vão de par, sobretudo na Inglaterra e nos Estados Unidos, com as primeiras
reações de cunho filosófico e moral à industrialização e à urbanização, de parte
de artistas e intelectuais como Ruskin, Shaw, Thoreau e Muir, bem como as
primeiras iniciativas legais e as primeiras organizações de defesa do meio
ambiente, tais como o Sea Birds Preservation Act (1869), considerada a
primeira lei conservacionista da Inglaterra, a Plumage League (1889), em
defesa dos pássaros e de seus habitats, a Coal Smoke Abatement Society
(1898), o Sierra Club (1892), a Rainforest Action Network (1895), The
Ecological Society of America (1915), o Committee for the Preservation of
Natural Conditions (1917) e o Save the Redwoods League (1918), mobilizada
pela salvaguarda sobretudo das sequoias, etc.
Durante o segundo Pós-Guerra, eventos como o Great Smog de
Londres e o incêndio do rio Cuyahoga em Ohio, ambos ocorridos em 1952, a
retomada do desmatamento causada pelo housing boom (já comentada no
capítulo 1) e o projeto de inundação e de construção de barragens no Grand
Canyon (1963) mobilizam a consciência ambiental. Em 1958, um filme didático
intitulado The Unchained Goddess, produzido pelo cineasta Frank Capra,
previa que o aquecimento da atmosfera e o degelo provocados pela atividade
humana seriam calamitosos para o planeta. Entre 1947 e 1971, nascem assim
oito das mais influentes ONGs ambientais norte-americanas: Defenders of
Wildlife (1947), Nature Conservancy (1950), WWF (1961), Environmental
Defense Fund (1967), Friends of Earth (1969), International Fund for Animal
Welfare - IFAW (1969), Natural Resources Defense Council - NRDC (1970) e o
Greenpeace (1971).
A publicação de Primavera Silenciosa, de Rachel Carson (1907-1964),
constitui, como se sabe, um divisor de águas. Trata-se do primeiro livro de
ciência a suscitar um sobressalto na opinião pública norte-americana, a ser
discutido em uma coletiva de imprensa pelo Presidente John F. Kennedy e a
permanecer longamente em uma lista de best sellers. Ao alertar para a
mortandade dos pássaros e outros animais causada pelo pesticida DDT, Carton
enfatizava – no ano mesmo da crise dos misseis de Cuba –, que os riscos de
aniquilamento da humanidade não advinham já apenas do inverno nuclear,
mas também da primavera silenciosa. Mais que a guerra nuclear, devia-se
doravante temer a guerra menos ruidosa, mas não menos ruinosa, contra a
natureza. Pois o inverno nuclear podia ser evitado, mas não a primavera sem
pássaros, sinédoque de uma natureza morta, se os homens não aprendessem
a conter sua (auto)destrutividade. Em 1968, cria-se no MIT a Union of
Concerned Scientists (UCS), que se propõe a “discernir os meios para desviar
as aplicações da pesquisa da ênfase presente em tecnologia militar para
soluções dos prementes problemas socioambientais” 1069.
Ainda que ocorrendo simultaneamente em relação aos EUA, o despertar
da consciência ambiental na Europa ocidental continental possui menor
ímpeto1070 e características diversas. As duas guerras, os genocídios e o fato de
ser o cenário mais provável de um terceiro confronto militar, no caso de uma
267

derrapagem da guerra fria entre as potências atômicas, tornaram a opinião


pública e a intelectualidade europeias mais sensíveis a Hiroshima que aos
desastres ecológicos, de modo que a reflexão sobre a questão ecológica na
Velho Mundo emerge fortemente de uma meditação sobre a nova precariedade
da condição humana na era nuclear. No âmbito científico, em 1963, a Union
Internacionale pour la Conservation de la Nature (UICN), criada no imediato
pós-guerra, publicou sua primeira Lista Vermelha das espécies ameaçadas, em
vias de extinção ou extintas. Nesses mesmos anos, despontam na Europa o
pensamento e a ação de figuras como Barbara Ward e René Dubos, redatores
do relatório encomendado por Maurice Strong para a seminal Conferência de
Estocolmo de 1972 da qual resultaram os 26 princípios que constituem a
seminal Declaração de Estocolmo e a criação do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente1071. O primeiros desse princípios retoma precisamente a
ideia de Antropoceno:

“O homem adquiriu o poder de transformar seu ambiente em incontáveis


maneiras e numa escala sem precedentes”.

Paralelamente Elisabeth Mann-Borgese e Alexander King participam da


fundação em 1968 do Clube de Roma, de onde viria a nascer outro texto
precursor do conceito de antropoceno, Os Limites do Crescimento, redigido em
1972 por Dennis Meadows, Donella H. Meadows, Jørgen Randers e William W.
Behrens III (veja-se adiante 10.4. Colapso. Iminência e imprevisibilidade). No
âmbito da filosofia e das ciências humanas, avultavam as figuras
extraordinárias de Edward Goldsmith (criador da revista The Ecologist), René
Dumont, Serge Moscovici, Hans Jonas, Lévi-Strauss, e, finalmente, do filósofo
norueguês, Arne Naess (1912-2009).
É preciso manter em mente esses precedentes para não confinar o
conceito de Antropoceno nos limites estritos da terminologia científica. De fato,
embora a International Commission on Stratigraphy (ICS) esteja em vias de
adotá-lo oficialmente, esse conceito não se restringe a uma proposta de
revisão da nomenclatura estratigráfica. Trata-se de uma noção pluriautoral,
vagante pelo Zeitgeist dos anos 1980, mas cuja paternidade remonta sobretudo
a dois biólogos, Eugene F. Stoermer e Andrew C. Revkin, tal como estabelecido
por um recente estudo histórico do termo, de autoria de Will Steffen, Jacques
Grinevald, Paul Crutzen e John McNeill1072:

“O biólogo Eugene F. Stoermer escreveu: ‘Comecei a usar o termo antropoceno


nos anos 1980, mas nunca o formalizei até que Paul [Crutzen] me contactou’.
Nessa época outros autores estavam explorando o conceito de Antropoceno,
embora não usando o termo. Mais curiosamente, um livro popular sobre o
Aquecimento Global, publicado em 1992 por Andrew C. Revkin, continha as
seguintes palavras proféticas: ‘Talvez os cientistas da Terra do futuro chamarão
este novo período pós-Holoceno pelo seu elemento causal: nós. Estamos
entrando numa idade que pode ser algum dia designada como, digamos, o
Antroceno (sic). Afinal, trata-se de uma idade geológica feita por nós’. Talvez
vários leitores ignoraram a pequena diferença linguística e leram o novo termo
como Antro(po)ceno!”

De fato, é a partir das ideias seminais de Stoppani, Vernadsky e Teilhard


de Chardin, mas não menos a partir desse emergente reflexão de biólogos,
químicos, meteorologistas, ambientalistas e filósofos de sua geração 1073, que
268

Paul Crutzen e Eugene Stoermer propuseram, no âmbito do congresso do


Programa Internacional Geosfera-Biosfera (IGBP), em Cuernavaca, em 2000 e,
em seguida num texto de 2002, unicamente de Crutzen, o reconhecimento do
advento de uma nova época geológica, o Antropoceno, caracterizado pelo fato
de que, no conjunto de forças biogeofísicas que moldam o sistema Terra, a
força da ação antrópica prevalece sobre as forças geradas por fatores não-
humanos1074. Segundo Crutzen, a data de nascimento dessa nova época
geológica poderia ser convencionalmente fixada em 1784, ano da patente da
máquina a vapor de James Watt e do nascimento da era da carbonização da
atmosfera. Segundo, de outro lado, Jan Zalasiewicz, diretor do Anthropocene
Working Group, a International Commission on Stratigraphy (ICS), reunida em
Viena em abril de 2014, parece inclinada a datar por volta de 1950 o início do
Antropoceno, elegendo, entre outros critérios, a radioatividade emitida pelos
testes ao ar livre das bombas atômicas, as emissões de gases de efeito estufa
e a poluição atmosférica que causaria 1 entre cada 8 mortes no planet a1075.
Com o conceito de Antropoceno, exprime-se adequadamente a
desmesura das forças antrópicas em relação às demais forças que intervêm na
moldagem do sistema Terra. Alguns dados podem exemplificá-la. “Estamos
movimentando mais rochas e sedimentos que as forças do gelo, do vento e da
água. Em média, construímos uma grande represa por dia ao longo dos útimos
130 anos e estas represas retêm muitas gigatoneladas de sedimentos por
ano”1076. Um artigo da revista Science revela a magnitude da interferência
humana no ciclo hidrológico terrestre: drenagem de metade das zonas úmidas
do planeta e construção de 45 mil barragens de mais de 15 metros de altura,
as quais retêm 6500 km3 de água, ou seja 15% do fluxo hidrológico dos rios do
mundo1077. Outros dados: em 2000 a queima de combustíveis fósseis emitia na
atmosfera cerca de 160 Tg/ano de dióxido de enxofre (SO 2), o que significa
mais que a soma de todas as fontes naturais; mais nitrogênio sintético para
fertilizantes era então produzido e aplicado à agricultura do que é fixado
naturalmente por todos os demais processos terrestres somados; mais da
metade da água doce acessível no planeta já tinha sido utilizada pelo homem e
50% dos mangues haviam sido perdidos nas zonas costeiras do planeta. Ao
menos 50% da superfície da Terra não-coberta de gelo já fora transformada em
2000 pela ação humana e a extensão de terra ocupada pela agricultura dobrou
no último século em detrimento das florestas1078.
A ação antrópica interfere decisivamente não apenas no comportamento
das forças físicas e na extinção vertiginosa das espécies, mas ainda na
biosfera como um todo, infiltrando-se nos tecidos celulares de incontáveis
espécies e alterando seu metabolismo, seus hormônios e balanços químicos,
como discutido no capítulo 3. Segundo os geógrafos Erle C. Ellis e Navin
Ramankutty, os biomas foram de tal modo hominizados que é melhor designá-
los como “antromas” ou “biomas antropogênicos”, termos que fornecem “em
vários sentidos uma descrição mais precisa dos padrões ecológicos amplos no
interior da atual biosfera, do que os sistemas de biomas convencionais que
descrevem os padrões de vegetação baseados em variações de clima e
geologia”1079.
A importância do conceito de Antropoceno é sobretudo filosófica. Com
ele se abole a cisão inaugural entre a esfera do humano e a do não-humano.
No Antropoceno, a natureza deixou de ser uma variável independente do
homem e se tornou, em última instância, uma relação social. Mas o inverso é
269

não menos verdadeiro: as relações sociais em sua mais ampla acepção – da


vida econômica à política, emocional e simbólica – perdem sua autonomia
propriamente humana e tornam-se cada vez mais funções de variáveis
ambientais. No Holoceno, a esfera do simbólico julgou poder se afirmar como
liberdade, em oposição à esfera da natureza, vale dizer, da necessidade físico-
biológica. O Antropoceno nega essa pretensão. Ele abole a tensão entre
necessidade e liberdade, sobre o qual se edificara a longa tradição da reflexão
sobre o livre arbítrio e a condição humana. Essa tensão, da qual o dilema
hamletiano foi em certa medida emblemático, é reduzida no Antropoceno à
simples disjuntiva sobreviver ou se extinguir, própria da esfera da natureza e de
seus outros animais.
Durante o Holoceno, a natureza se apresentava à experiência do
homem sob os aspectos os mais contrastados: como fonte de vigor ou de
doença; como presa ou como predador a espreitá-lo; como força conquistada
ou que o ultrapassa; como estranheza ou como Stimmung, isto é, como
afinação e comunhão no instante lírico, à maneira do Über allen Gipfeln que
Goethe escreveu na parede de uma cabana sobre a montanha de Kickelhahn.
Que o homem se sentisse desunido ou momentaneamente unido à natureza,
ele se percebia, de qualquer modo, como uma entidade ontologicamente
distinta da natureza. É claro que, sendo organismo, o homem é objetivamente
natureza, mas a ideia mesma de hominização era entendida como um lento
processo de diferenciação e distanciamento da espécie humana em relação às
demais espécies e à natureza em geral. Nesse quadro, a natureza significava
ao mesmo tempo o não-humano, o que está à volta do humano e o que é a
origem do humano. Qualquer que seja a acepção – biológica, utilitária ou
simbólica – da palavra origem, o homem era, em suma, efeito dessa origem.
No Antropoceno, ao contrário, é a natureza que se torna efeito do
humano. Por mais longe que nela penetre, o homem encontra doravante –
objetivamente, e não mais apenas como projeção de sua consciência – os
efeitos de si próprio, vale dizer, de sua ação e poluição industrial. La Terre,
jadis notre mère, est devenue notre fille, essa metáfora proposta por Michel
Serres ilustra à perfeição o conceito de Antropoceno. Ela exorta a tomar em
relação a Terra os cuidados que uma criança, “nossa criança”, inspira, segundo
o princípio responsabilidade de Hans Jonas. Mas essa responsabilidade
parental não deve nos induzir em erro: não adquirimos sobre nossa filha
qualquer pátrio poder. Se a Terra tornou-se uma variável dependente da ação
antrópica, isto não significa maior domínio do homem sobre ela. Pelo contrário.
Se outrora a mãe podia ser eventualmente madrasta, a filha em estado de
degradação mostra-se sistematicamente interferente, insubmissa e “vingativa”,
para nos valermos da metáfora usada por James Lovelock em seu The
Revenge of Gaia1080. Doravante, as sociedades serão cada vez mais regidas
por efeitos de bumerangue, isto é, por efeitos de retorno negativo sobre o
homem dos desequilíbrios dos ecossistemas causados por ele (vide 13.5.
Efeitos de retorno negativo). À sua maneira, o Antropoceno realizou o ideal de
unidade da ciência – paulatinamente perdido a partir da segunda metade do
século XIX e que tanto inspirara a Idade Moderna – pois, ao abolir a separação
entre as esferas do humano e do não-humano, aboliu ipso facto as fronteiras
entre ciências da natureza e “ciências humanas”. Como afirma Michel Serres,
hoje “as ciências humanas e sociais tornam-se uma espécie de subseção das
ciências da Vida e da Terra. E a recíproca é verdadeira” 1081.
270

Mais que nunca somos hoje existencialmente vulneráveis ao que se


tornou vulnerável a nós1082. O Antropoceno é, em suma, a revelação da
impotência de nossa potência. Essa impotência nasce da incapacidade de nos
percebermos efetivamente em simbiose com outras espécies. Como será
discutido no capítulo 13, é precisamente essa incapacidade a causa causans
do colapso ambiental vindouro. Rachel Carson já disto se dava conta ao
afirmar em um documentário da televisão norte-americana CBS, realizado em
abril de 19631083:

“Ainda falamos em termos de conquista. Não amadurecemos o suficiente para


nos pensarmos como apenas uma minúscula parte de um vasto e incrível
universo. A atitude do homem em relação à natureza é hoje criticamente
importante porque adquirimos agora o fatídico poder de destruir a natureza.
Mas o homem é parte da natureza e sua guerra contra ela é inevitavelmente
uma guerra contra si próprio”.

Um novo mundo, biologicamente

Se algo se pode supor do colapso a que nos conduz o Antropoceno é


que ele advirá de um conjunto de fatores em sinergia, no centro dos quais se
encontra, como visto no capítulo precedente, a radicalização em curso da
contração das formas de vida no planeta. Rumamos, de fato, para um “novo
mundo, biologicamente”. Uma síntese coletiva das pesquisas desenvolvidas
nos dois últimos decênios, publicada em junho de 2012 na revista Nature,
sugere essa conclusão. Ela mostra que “em poucas gerações” o planeta pode
passar por uma transição brutal rumo a um novo estado da biosfera jamais
conhecido pelo Homo sapiens. O autor principal desse trabalho, Anthony
Barnosky, da University of California, afirma1084:

“Este será realmente um novo mundo, biologicamente. Os dados sugerem que


haverá uma redução na biodiversidade e impactos severos em muito do que
dependemos para sustentar nossa qualidade de vida, incluindo, por exemplo, a
pesca, a agricultura, produtos da floresta e água limpa. Isto poderia acontecer
no intervalo de poucas gerações.”

As formas embrionárias desse “novo mundo” começam já a se precisar à


medida que a atividade econômica em expansão destrói os ecossistemas e os
habitats silvestres, direta ou sistemicamente, isto é, por uma alteração
irreversível nos parâmetros físicos, químicos e biológicos do planeta. Se
comparada com a exuberante biodiversidade do Holoceno, vale dizer, com a
riqueza de formas de vida planetárias imperantes nos últimos onze ou doze
milênios, a do Antropoceno será quase irreconhecível.

Os trópicos

O contraste será mais agudo nos trópicos, porque nele se concentra


ainda a maior biodiversidade do planeta e porque tais latitudes serão mais
rápida e profundamente afetadas pelo aquecimento global e outros fatores de
degradação da biosfera, como mostram três pesquisas publicadas em 2011,
2012 e 2013, a primeira realizada por estudiosos da Stanford University1085:
271

“Em contraste com a percepção comum de que as áreas situadas em altas


latitudes sofrem as respostas mais aceleradas ao aquecimento global, nossos
resultados demonstram que, na realidade, são as áreas tropicais que exibem a
mais imediata e robusta emergência de calor sem precedente, com muitas
áreas tropicais exibindo uma probabilidade de 50% de mudança permanente
em direção a um novo regime sazonal de calor nas próximas duas décadas.
Também obtivemos como resultado que os modelos climáticos globais estão
em condições de bem compreender as condições observadas de intensificação
sazonal de calor, o que aumenta a confiabilidade na projeção de uma iminente
e permanente emergência de calor sem precedentes”.

A segunda pesquisa, publicada em 2013, prevê igualmente que “climas sem


precedentes ocorrerão mais cedo nos trópicos” 1086. A taxa de extinção de
espécies vertebradas – ainda baixa na Amazônia dada a resiliência das
espécies em face do desmatamento –, deve-se ampliar enormemente no
futuro, afirma a terceira pesquisa, publicada em 2012 na revista Science: O
estudo afirma1087:

“extinções locais nas espécies de vertebrados dependentes da floresta têm até


agora sido mínimas (1% das espécies em 2008), com, entretanto, a expectativa
de que estejam ainda por vir mais de 80% das extinções, a partir da perda já
ocorrida de habitat. Cenários realistas de desmatamento sugerem que por volta
de 2050 certas regiões terão perdido em média nove espécies de vertebrados
e terão mais 16 condenadas à extinção”.

Como visto no capítulo anterior, também se verificará uma radical


redução das formas de vida marítimas, inclusive o fitoplâncton. Tanto na terra
como na água, portanto, à medida que a biosfera regride, avançará esse novo
mundo do Antropoceno, uma biosfera diminuída que se poderia talvez chamar
de “hipobiosfera”.

10.1. Espécies funcionais e não-funcionais ao homem

Propõe-se aqui esse neologismo, hipobiosfera, para designar as áreas


crescentes do planeta nas quais a biosfera tiver sido privada de quase todas as
formas evolutivamente superiores de vida animal ainda presentes na natureza.
Os primeiros oito capítulos deste livro não são mais que uma galeria de
anunciações e prefigurações mais ou menos parciais da hipobiosfera.
A hipobiosfera do Antropoceno se dividirá, tal como já se pode hoje
discernir, em dois grandes campos. De um lado, as espécies criadas ou
controladas pelo homem; de outro, as espécies capazes de resistir ao homem,
com menor contato com ele (como nas profundezas oceânicas) ou que
prosperam ao seu contato. Se assim for, deve-se assistir à prevalência de dez
categorias de vida no planeta:

(1) vegetais destinados à alimentação humana e animal;


(2) insumos vegetais destinados à indústria (celulose, etanol, etc.);
(3) animais domésticos;
(4) animais criados para a alimentação humana;
(5) animais criados para experiências científicas;
(6) espécies vegetais e animais infensas aos pesticidas e aos poluentes
humanos;
272

(7) espécies beneficiárias dos desequilíbrios antropogênicos;


(8) espécies que se alimentam de nossos alimentos e de nosso lixo;
(9) espécies que habitam nos abismos oceânicos;
(10) fungos, vermes, microorganismos (vírus1088, bactérias, ácaros, etc.).

Embora essa classificação da hipobiosfera terrestre possa, por sua aparente


arbitrariedade, integrar a galeria de taxonomias absurdas, tal como as
imaginadas por Jorge Luis Borges 1089, ela tem uma lógica rigorosa, pois se
divide, como é de se esperar no Antropoceno, entre espécies dependentes (1 a
5) e independentes (6 a 10) do homem. Ou, se quisermos, entre espécies
vulneráveis e invulneráveis à ação humana ou mesmo beneficiárias dos
desequilíbrios ecossistêmicos de caráter antropogênico.
As cinco últimas categorias dessa classificação (6-10), sobretudo a
última, abrangem milhões de espécies, de modo que esse novo equilíbrio do
biota não será necessariamente hostil à maioria das formas de vida, num
universo estimado, como visto no capítulo anterior, entre 10 e 100 milhões de
espécies. Mas ele será hostil à grande maioria dos vertebrados (peixes,
anfíbios1090, ágnatos, répteis, aves e mamíferos), um subfilo formado, segundo
o relatório da UICN de 2004 por 57.739 espécies descritas, no interior do qual a
classe dos mamíferos – dotada de neocortex –, congrega um número próximo
de 5500 espécies (descritas)1091.
As espécies do filo artrópode (aracnídeos, insetos, crustáceos,
quilópodes, etc) continuarão talvez ainda a dominar a Terra como o fazem
desde o início do Cenozoico1092, mas a hipobiosfera será decerto hostil também
a muitas dessas espécies, envenenadas pela poluição, pelos rejeitos da
indústria química e pelos agrotóxicos.

10.2. O consumo de carne

Como já evocado nos capítulos 5 e 6, o gado é responsável por cerca de


18% das emissões globais de gases de efeito estufa, incluindo 9% das
emissões de dióxido de carbono (CO 2), 37% das emissões de metano (CH 4),
65% das emissões de óxido nitroso (N2O), provenientes sobretudo do esterco e
64% das emissões atmosféricas de amônia, um dos fatores geradores de
chuvas ácidas. A globalização do capitalismo levou à maior exportação de
carne, com maior uso de combustíveis fósseis. Globalmente a fermentação
entérica do gado e seus dejetos geram por ano 104 milhões de toneladas de
metano, um dos mais ameaçadores gases de efeito estufa, atualmente em
crescimento explosivo1093. Haveria ainda que se incluir no passivo ambiental do
consumo de carne, os impactos decorrentes do uso intensivo de antibióticos,
hormônios, fertilizantes e pesticidas usados no gado.
Mas por outras muitas razões os Cavaleiros do Apocalipse do
aquecimento global, dos recursos hídricos, da biodiversidade das florestas, dos
solos e das águas vêm montados em vacas e porcos. Muito se tem falado
acerca da “revolução do gado”, a Livestock Revolution, à imagem da Green
Revolution do passado1094. Trata-se, na realidade, de uma Livestock
Apocalypse. A questão dos direitos animais mobiliza hoje o melhor do
pensamento filosófico, antropológico e biológico, posto constituir um grande
divisor de águas da ética no mundo contemporâneo. Mas ao lado da questão
273

ética, o aumento gigantesco dos rebanhos põe em xeque a sobrevivência


mesma dos demais vertebrados. Como mostra a linha superior do gráfico
abaixo, a produção de carne multiplicou-se por um fator de quase 3,5 nos
últimos 40 anos do século XX.

Aumento global da produção de carne, leite


terras para produção de alimentos agrícolas e
pastagens (índice 100 = 1961)

FAO. Livestock’s Long Shadow. Environmental Issues and Options, 2007 (em rede)

As demais linhas indicam, de cima para baixo, aumentos da produção de leite,


de terras para produção de alimentos agrícolas e pastagens. Segundo o State
of the World de 2012, “desde 2000, a produção mundial de carne aumentou
20%, de modo que mais de 60 bilhões de animais terrestres são usados hoje
para a produção de carne, ovos, leite e derivados” 1095. Em 2012, isto significava
10 animais para cada ser humano. Nos Estados Unidos, o consumo de carne
aumentou aproximadamente 30%, passando de um número já altíssimo de
89,2 kgs per capita em 1961 para 124,8 kgs em 2002. Na China, nesse mesmo
período (1961-2002), o consumo de carne multiplicou-se 14 vezes. Em 1961,
os chineses consumiam apenas 3,8 kgs per capita por ano. Em 2002, eles
consumiram 52,4 kg por ano, sendo que o consumo dobrou de 1990 (25,8 kg
por pessoa) a 2002, atingindo 59,5 kgs em 2005 1096. No Japão, ele sextuplicou,
passando de 7,6 kg por pessoa em 1961 para 43,9 kg por pessoa em 2002.
Também na Espanha ele sextuplicou, passando de 21,8 kg por pessoa em
1961 para 118,6 kg por pessoa em 2002. Na Itália e no Brasil, ele triplicou,
passando na Itália de 30,5 kg por pessoa em 1961 para 90,4 kg por pessoa em
2002, e no Brasil, de 27,8 kg em 1961 para 84 kg em 2002.
Enquanto a população mundial não deve em princípio aumentar mais
que 30% até 2050, estima-se que a produção mundial de carne deve dobrar
até meados do século, passando, segundo a FAO, de 229 milhões de
toneladas em 2000 para 465 milhões de toneladas em 2050, enquanto a
produção de leite passará de 580 para 1043 milhões de toneladas 1097.
Nos países mais ricos da Europa, ele tende a se estabilizar num patamar
de 80 kg de carne por ano por habitante (cerca de 220 gramas por dia), com
pontos muito acima da média, como a Dinamarca, a maior consumidora de
carne per capita do planeta, com um consumo de 146 kg por pessoa (400
gramas por dia). Mas nos países ditos do Terceiro Mundo, ele deve continuar
crescendo a taxas elevadas. No Brasil, nos próximos dez anos (2013-2023),
274

segundo as projeções da Assessoria de Gestão Estratégica (AGE) do


Ministério da Agricultura, deverão ser produzidas mais 9,3 milhões de
toneladas de carnes no país, um aumento de 34,9% em relação à “safra” deste
ano1098.

Carne = desmatamento e desgaste dos solos

Eis alguns dados sobre essa equação, retirados de um estudo da FAO


de 2006, intitulado Livestock long shadow. Environmental issues and
options1099. As terras de pastagens ocupavam nessa data 34 milhões de km 2,
ou seja, 26% das terras emersas. O estudo avalia que 20% dessas terras estão
degradadas, e 73% delas encontram-se em terras secas (dry lands). Nada
menos que 4,7 milhões de km 2 de terras agricultáveis são dedicadas à
produção de alimento para animais, o que representa 33% do total das terras
agricultáveis. Globalmente, cerca de 24 mil km 2 de floresta são substituídas por
pastagens a cada ano e cerca de 70% da área de floresta desmatada na
Amazônia destinou-se à abertura de pasto 1100.
Além de ocupar diretamente as áreas outrora recobertas por florestas, o
gado consome uma quantidade imensa de grãos cujo cultivo destruiu florestas.
Segundo David Pimentel, da University of Cornell, “os sete bilhões de animais
de fazenda (livestock animals) nos Estados Unidos consomem cinco vezes
mais grãos do que é consumido pela inteira população do país. (...) Se todo o
grão atualmente utilizado para alimentar os rebanhos nos Estados Unidos
fosse destinado diretamente ao consumo humano, ele poderia alimentar cerca
de 800 milhões de pessoas”1101.
Após o desmatamento, o sobrepastoreio extermina a biodiversidade
remanescente pela ação do pisoteamento e das fezes e urina em demasia.
Ainda segundo Pimentel, “as terras de pastagens nos EUA estão erodindo a
uma taxa média de 6 toneladas por hectare por ano, mas a erosão pode
exceder 100 toneladas em pastagens com forte sobrepastoreio, e 54% das
terras de pastagens nos EUA estão em situação de sobrepastoreio” 1102.

Carne = esgotamento dos recursos hídricos

Esta segunda equação torna o consumo de carne responsável também


pelo esgotamento dos recursos hídricos, tal como mostra a tabela abaixo.

Consumo de água em galões por libra de alimento


preparado em casa (1 galão = 3,78 litros)
275

Fonte: Water Inputs in California Food Production

A produção de 1 kg (cerca de 2 libras) de pão de trigo integral (Whole Wheat


Bread = 138.78 galões) consome 1049 litros de água; 1 kg de arroz integral
(Rice, Brown = 250,87 galões), quase 2000 litros; 1 kg de filé de carne bovina,
nada menos que 18.624 litros de água.
Essas proporções não espelham o impacto real do gado sobre os
recursos hídricos. Segundo os cálculos de David Pimentel: “A agricultura dos
EUA responde por 87% de toda a água doce consumida por ano. O gado usa,
diretamente, apenas 1,3% dessa água. Mas quando se inclui a água usada
para a produção de forragem e de grão, o uso de água pelo gado aumenta
dramaticamente. Cada 1 kg de filé de carne de vaca consome 100 mil litros de
água”1103. Segundo dados do WWI, reportados pelo Physician Committee for
Responsible Medicine1104:

“A dieta standard de um norte-americano requer 4200 galões [15.876 litros] de


água por dia. Uma dieta vegana requer diariamente 300 galões [1134 litros]”.

Carne = multiplicação descontrolada de dejetos

Segundo um documento da EPA 1105, o rebanho norte-americano produz


3 vezes mais excrementos que a população humana daquele país: “Uma única
fazenda com uma grande população de animais pode produzir tantos dejetos
quanto uma pequena cidade”. E o documento prossegue: “Isto seria um
problema mesmo que o estrume contivesse apenas nutrientes benéficos”, já
que em excesso eles poluem e são fatores de eutrofização dos solos e das
águas. Mas eles contêm, além disso, antibióticos, hormônios sintéticos,
elementos químicos como arsênico, cobre e zinco para apressar o crescimento
dos animais e preservar os alimentos. Estudos realizados por Xu Cheng, da
Universidade Agrícola de Pequim, revelam que o gado chinês produz 2,7
276

bilhões de toneladas de estrume por ano e que entre as 20 mil grandes e


médias fazendas desse país, apenas 3% os tratam 1106.

Carne = ineficiência energética

A carne é sem dúvida a mais ineficiente fonte de energia nutricional


existente. “Em média, a produção de proteína animal nos EUA requer 28
kilocalorias (kcal) para cada kcal de proteína produzida para o consumo
humano. As carnes de vaca e de carneiro são as mais custosas, em termos de
input de energia de combustíveis fósseis para o output de proteína: 54/1 e 50/1,
respectivamente”. Mesmo que muito mais eficiente, a produção de carne de
peru e de frango tem taxas de 13/1 e 4/1, ao passo que, sempre segundo
Pimentel, “a produção de grão, em média, requer 3,3 kcal para cada kcal de
proteína produzida”1107. Os cálculos de eficiência energética de Mia McDonald,
do WWI são igualmente eloquentes: “produzir 1 kcal a partir de carne requer
entre 2 e 5 vezes mais grão que 1 kcal de grão ingerido diretamente por seres
humanos, proporção que sobe para 10 vezes quando se trata de filé de carne
de vaca produzida industrialmente”.1108
Em conclusão, temos o seguinte gráfico com três níveis de impacto da
pecuária sobre as mudanças climáticas, sobre os recursos hídricos e sobre a
biodiversidade, três parâmetros fundamentais da biosfera que o consumo de
carne está degradando.

Três níveis de gravidade de impacto da pecuária sobre


o clima, a água e a biodiversidade

Fonte: FAO. Livestock’s Long Shadow. Environmental Issues and Options, 2007 (em rede)

10.3. Síndrome de Vênus? A hipótese da tanatosfera

Não se pode descartar, com o desenvolvimento do Antropoceno, a


eventualidade extrema de uma tanatosfera, termo que designaria a extinção
dos reinos animalia e plantae, conjectura aventada numa escala de tempo não
cosmológica ou geológica, mas histórica e discernível em poucos séculos.
Em 1990, Michel Serres ecoava uma cogitação que começava então a
se desenhar: “a atmosfera da Terra corre o risco de evoluir em direção à
atmosfera de Vênus, na qual é impossível viver?” 1109. Um ano mais tarde, na
reunião anual da American Association for the Advancement of Science (AAAS)
277

havida em Chicago em 1991-1992, o Greenpeace entrevistou 400


climatologistas presentes, envolvidos no relatório de 1990 do IPCC, além de
cientistas que haviam publicado trabalhos sobre a questão das mudanças
climáticas em 1991 nas revistas Science e Nature. A questão proposta era a
de saber se as emissões de gases de efeito estufa – mantidas as taxas de
então –, “podem desencadear sinergéticas retroalimentações positivas capazes
de gerar um efeito estufa desenfreado” (runaway greenhouse effect)1110. Eis a
distribuição dos pareceres das 113 respostas obtidas: 15 cientistas (13%)
responderam “provável”; 36 (32%) responderam “possivelmente” e 53 (47%)
responderam “provavelmente não”; ou seja, 45% das respostas consideram a
hipótese de um aquecimento global irreversível como possível ou provável.
O efeito estufa desenfreado ocorre quando o aquecimento global
ultrapassa um ponto de não retorno além do qual, por um mecanismo de
sinergia que o retroalimenta positivamente, ele continuaria a aumentar
quaisquer que sejam os esforços para contê-lo: “o aumento da temperatura”,
escreve Hubert Reeves, “tem por resultado aumentar a evaporação da água
nos oceanos. O vapor de água produzido contribui, ele próprio, para o aumento
da temperatura, que, por sua vez, acelera a evaporação, no que se chama um
efeito de bola de neve”1111.
Para que esse efeito de bola de neve cause o chamado efeito estufa
desenfreado, devem, contudo, intervir três fatores: (1) o degelo dos polos, das
mais elevadas latitudes e da Groenlândia; (2) a liberação de gigantescas
quantidades de metano dos pergelissolos e das plataformas oceânicas; (3)
uma forte evaporação oceânica formadora de quantidades crescentes de vapor
de água, um poderoso gás de efeito estufa. A conjugação desses três fatores
levaria a um aquecimento global incompatível com a maior parte das formas de
vida e, em última instância, à transformação da atmosfera em algo semelhante
à atmosfera de Vênus, de onde o efeito estufa desenfreado ser também
chamado “síndrome de Vênus”1112.
Mais próximo do sol que a Terra, Vênus recebe um fluxo energético
quase duas vezes maior que o recebido por nosso planeta, mas sua atmosfera
mais densa reflete 80% dessa irradiação o que faria que a temperatura em
Vênus fosse, em tese, até mais baixa que a da Terra. A síndrome de Vênus
alude à hipótese de que, como escreve Lee Billings, “Vênus parece no início ter
sido habitável, com um oceano e uma atmosfera relativamente semelhantes ao
da Terra. Mas por causa das altas concentrações de CO 2 em sua atmosfera, a
água começou a evaporar dos oceanos, concentrando-se na forma de vapor de
água na atmosfera, onde suas propriedades de reter calor causaram aumentos
ainda maiores de temperatura. O resultado foi um efeito de feedback positivo
que desencadeou um efeito estufa desenfreado (runaway greenhouse effect)
que esterilizou o planeta, à medida que todo o CO 2 foi retirado da terra e
lançado à atmosfera. Sob seu atual céu sufocante formado quase apenas por
CO2, a temperatura na superfície de Vênus é aproximadamente de 460º C –
acima dos pontos de fusão do estanho, do chumbo e do zinco” 1113.
Qual é a probabilidade de que a Terra venha a sofrer nos próximos
séculos um efeito estufa desenfreado, capaz de pô-la na trilha de Vênus?
Como visto acima, quase 45% dos 113 cientistas presentes na reunião da
AAAS de 1991 que responderam à enquete do Greenpeace, consideraram a
hipótese de se chegar a um aquecimento global irreversível como possível ou
provável. Examinemos o que pensam a respeito, desde então, alguns dos mais
278

eminentes cientistas da atualidade: Hubert Reeves, James Hansen, James


Lovelock, Martin Rees e Ken Caldeira. Em graus diversos de probabilidade,
todos eles discernem cenários nos quais os gases de efeito estufa podem
atingir tais concentrações na atmosfera da Terra que esta evolui para um
estado não distante da atmosfera de Vênus.
Hubert Reeves1114 evoca “três cenários catastróficos” produzidos por um
“efeito estufa desenfreado”. “Chamemos o primeiro, o ‘cenário Deserto’. Ele diz
respeito ao aspecto da Terra se, após 2100, a temperatura se elevar mais dez
graus. As extensões desérticas, já hoje em rápida expansão, tomariam
proporções sempre maiores em detrimento das terras agricultáveis. Assistir-se-
ia sem dúvida então a uma migração maciça da fauna e da flora em direção a
regiões polares onde a temperatura permaneceria aceitável. Apenas as
espécies adaptadas aos climas desérticos (insetos, plantas resistentes)
sobreviveriam nas latitudes mais baixas. A transição seria verossimilmente
rápida demais para permitir à grande maioria dos animais e dos vegetais
adaptarem-se. Para o homem, a adaptação, e ainda assim ao preço de uma
aclimatação forçada, estaria ao alcance somente de alguns privilegiados” (...).
“Imaginemos agora que, sob a influência sinérgica dos gases de efeito
estufa, a temperatura aumente ainda mais, isto é, várias dezenas de graus.
Digamos até 60º ou 70º C. É claro que todos os organismos pluricelulares
(animais, plantas) estariam condenados a uma morte quase certa. Mesmo os
insetos. A fração das espécies exterminadas ultrapassaria a de todas as
extinções anteriores. Uma exceção notável: a vida bacteriana. Sua
extraordinária robustez é uma das grandes descobertas da biologia
contemporânea. São os ‘extremófilos’, variedades de bactérias capazes de
viver em condições assombrosas. (...) As águas em ebulição que jorram
esporadicamente dos geysers na Islândia caem em tanques azulados onde se
misturam importantes colônias de algas azuis (...). Elas nos dão uma boa
representação da vida terrestre primitiva e de seu desenvolvimento durante
seus primeiros três bilhões de anos de existência. É o ‘cenário Geyser’. (...)
Teríamos recuado um bilhão de anos na história da biologia”.
No terceiro cenário suposto por Reeves, “ocorreriam temperaturas
superiores a 100º C. Mesmo os mais robustos extremófilos seriam
provavelmente incapazes de sobreviver. Nós o chamaremos o ‘cenário Vênus’.
(...) Vênus é estéril. Observada de perto pelas sondas espaciais, sua superfície
é um inferno. Sua temperatura é de 460º C. Chove ácido sulfúrico. Entretanto,
Vênus é de algum modo uma irmã gêmea da Terra. Sua massa, sua distância
do sol e sua quantidade de carbono não são muito diferentes. Mas a
composição de sua atmosfera o é radicalmente. A atmosfera de Vênus,
composta de gás carbônico, é responsável por esse gigantesco efeito estufa.
Lá nenhuma vida, tal como a conhecemos, é possível. À luz de nossos
conhecimentos presentes, uma situação análoga parece pouco provável para a
Terra. Mas em nossa ignorância da interação dos fatores em jogo, bem
temerário seria quem pretendesse excluí-la definitivamente”.
No mesmo ano do livro de Heeves, 2003, Sir Martin Rees publica Our
Final Century, no qual aventa a possibilidade, que lhe parecia ainda
improvável, do runaway greenhouse effect1115: “a interação entre a atmosfera e
os oceanos é tão complexa e incerta que não podemos descartar o risco de
algo muito mais drástico que ‘a mais provável’ taxa de aquecimento global. Um
aumento até 2100 pode exceder cinco graus. Ainda pior: a mudança de
279

temperatura pode não se dar apenas na proporção direta (ou ‘linear’) do


aumento das concentrações de dióxido de carbono. (...) Outro cenário
(admitidamente improvável) seria o assim chamado “efeito estufa desenfreado”
(runaway greenhouse effect). Nesse caso, temperaturas crescentes causam
retroalimentações positivas (positive feedback) que liberam ainda mais gases
de efeito estufa. A Terra necessitaria estar já substancialmente mais quente do
que está de fato para o risco de uma evaporação desenfreada de água dos
oceanos (vapor de água é um gás de efeito estufa). Mas não podemos excluir
firmemente uma fuga desenfreada dada a liberação de gigantescas
quantidades de metano (ao menos vinte vezes mais eficiente que o dióxido de
carbono como gás de efeito estufa) aprisionado no solo. Tal fuga desenfreada
seria um desastre global”.
Seis anos mais tarde, em 2009, novos dados permitem a James
Hansen, Professor do Department of Earth and Environmental Sciences da
Columbia University e Diretor do Nasa Goddard Institute, ser mais categórico
que Hubert Reeves e Martin Rees a respeito do runaway greenhouse effect e
da consequente equiparação da atmosfera da Terra à de Vênus, se o consumo
de combustíveis fósseis continuar. Ele assim conclui um capítulo de seu livro,
intitulado “The Venus Syndrome”1116:

“após o gelo derreter, encaminhar-se-ia a Terra para a síndrome de Vênus,


para um efeito estufa desenfreado (a runaway greenhouse effect) que destruiria
toda a vida no planeta, talvez permanentemente? Ainda que seja difícil afirmá-
lo a partir das informações atuais, cheguei à conclusão de que, se queimarmos
todas as reservas de petróleo, gás e carvão, há uma chance substancial de
iniciarmos um efeito estufa desenfreado. Se, além disso, queimarmos o
petróleo oriundo das areias betuminosas e do xisto, creio que a síndrome de
Vênus tornar-se-á uma certeza absoluta (a dead certainty)”.

No item intitulado Chasing Venus, num de seus artigos de divulgação


científica, Ken Caldeira retoma o risco metano, insistindo no fato de que,
molécula a molécula, o metano absorve 37 vezes mais calor que o CO 2:
“liberado subitamente, como pode ter ocorrido num evento de aquecimento 55
milhões de anos atrás conhecido como Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno,
poderíamos presenciar um aquecimento verdadeiramente catastrófico. O risco
é considerado remoto, no entanto, pela maioria dos cientistas”. E prossegue:
“Alguns sugeriram também que efeitos de reforço positivo (feedback effects)
tais como o degelo do permafrost poderiam causar um cenário de efeito estufa
desenfreado onde os oceanos tornar-se-iam tão quentes que evaporariam.
Dado que o vapor de água é ele próprio um gás de efeito estufa, um ciclo
hidrológico tão mais forte poderia aquecer de tal modo a Terra, que o vapor de
água persistiria na atmosfera e a chuva se tornaria perene. Nesse caso, o CO 2
dos vulcões e de outras fontes continuariam a se acumular. Os raios cósmicos
quebrariam as moléculas de vapor de água em altas altitudes e o hidrogênio
terminaria por escapar para o espaço sideral. O clima da Terra permaneceria
então num estado que lembraria o de seu vizinho planeta Vênus” 1117.
Embora Ken Caldeira termine por minimizar os riscos de evaporação dos
oceanos, imaginando mecanismos de compensação, o fenômeno extremo em
questão é avaliado em 2012 como de “alto risco” por outros estudiosos da
atmosfera, entre os quais Steven Sherwood, da University of New South Wales
em Sidney, Austrália, que em dezembro desse ano declarou à revista New
280

Scientist: “parece claro que se ‘desenvolvermos’ completamente todo o carvão,


as areias betuminosas, o gás de xisto e outros combustíveis fósseis, corremos
um alto risco de terminarmos em poucas gerações com um planeta largamente
inabitável”1118. Também para o biogeoquímico Robert Howarth, Professor
emérito da Universidade de Cornell, os trabalhos mais recentes, isto é,
próximos a 2012, “mostram que sem uma redução imediata das emissões
globais de metano, o clima se aquecerá em direção a um ponto de
basculamento perigoso nos próximos 18 a 35 anos” 1119.
De seu lado, James Lovelock adverte para “os perigos letais que se
delineiam à frente”1120: “Após 40 anos de convivência com o conceito de Gaia,
eu pensava conhecê-la, mas percebo agora que subestimei a severidade de
sua disciplina. Eu sabia que nossa Terra autorregulada tinha evoluído a partir
das espécies que deixaram um melhor meio ambiente para a sua progênie, e
pela eliminação daquelas que haviam poluído seu habitat, mas nunca tinha
percebido quão destrutivos éramos nós, ou que tínhamos com tal gravidade
degradado a Terra, que Gaia agora nos ameaça com o derradeiro castigo da
extinção”.
A hipótese de um efeito estufa desenfreado na Terra foi descartada em
2005 por Sir John Houghton, da University of Oxford, Prêmio Nobel e editor
coordenador das três primeiras avaliações do IPCC. Segundo Houghton, “não
há possibilidade de ocorrer na Terra as condições de efeito estufa desenfreado
ocorridas em Vênus”1121. A questão foi, contudo, reconsiderada em finais de
2012 num trabalho assinado por Colin Goldblatt da University of
Victoria no Canadá e por Andrew Watson da University of East
Anglia na Inglaterra, trabalho cujos resultados tendem a
minimizar a possibilidade desse efeito estufa desenfreado, sem,
contudo, descartá-la. Os dois autores não incluem em seus
cálculos, por exemplo, a intervenção de variáveis físicas não
ainda modalizadas, tais como o papel desempenhado pelas
nuvens, e que podem acabar favorecendo projeções mais
extremas. Ao final, deixam suas conclusões em suspenso 1122: “Foi
desconsiderado algum processo físico ou foram feitas suposições equivocadas
que, uma vez corrigidas, poderiam significar que o efeito estufa desenfreado
representa um risco maior? Não podemos responder a esta questão com uma
confiança que faria nos sentir mais confortáveis”.
Em conclusão, não há consenso quanto às probabilidades de se
reunirem em dois ou três séculos as condições acima nomeadas para o
desencadeamento de um efeito estufa desenfreado. Contudo, mesmo que esta
hipótese extrema não venha a se verificar, a simples progressão das crises
ambientais presentes e do colapso da biodiversidade em ato bastará para
destruir – na escala de décadas – as bases da existência dos mamíferos e de
uma infinidade de outras espécies no planeta. Não é possível afirmar que a
espécie humana sucumbirá na hipobiosfera, haja vista sua diversidade
genética e seu engenho. Mas o mundo em que ela sobreviverá será
irreconhecível e hostil às sociedades organizadas de nossos dias.
281

11. O salto qualitativo das crises ao colapso

Por necessidade expositiva, os indicadores maiores das crises


ambientais contemporâneas foram tratados separadamente ao longo dos dez
dossiês precedentes. Sua ação sobre a biosfera é, entretanto, conjunta. O que
os dados e análises desses dossiês mostram sobre o estado atual e sobre a
evolução dessas crises é, portanto, muito menos do que deixam oculto, na
medida em que não são capazes de apreender as dinâmicas das interações
entre eles. A biosfera é um todo, e no mundo real “o todo é outra coisa que a
reunião das partes”, como já Aristóteles o afirma no livro H (1045a) da
Metafísica1123.

11.1. O todo é diverso da soma das partes

Em termos modernos, dois princípios caracterizam a diferença


qualitativa entre o todo e a reunião das partes. O primeiro é o que Nicholas
Georgescu-Roegen chama, na trilha aberta por George Henry Lewes1124, uma
emergência1125. Ele denomina esse princípio: “emergência da novidade por
combinação”. Um exemplo desse princípio é o fato que 1126:

“muitas das propriedades da água (...) não são dedutíves por princípios
universais das propriedades elementares de seus componentes, oxigênio e
hidrogênio. Em relação às propriedades destes últimos as da água são,
portanto, novas. Esse princípio é por toda a parte atuante em um grau de
diversidade que aumenta constantemente da física do átomo na esfera do
inorgânico às formas sociais no domínio do superorgânico”.

Pode-se, por extensão, dizer que, muito embora a vida dependa da


matéria, o que define sua especificidade é justamente sua emergência da
matéria inanimada. Assim também, embora a simbolização situada no nível da
consciência animal dependa da atividade eletroquímica das sinapses, ela é
propriamente uma emergência, na medida em que um símbolo não é,
ontologicamente, uma rede de eventos eletroquímicos. Como afirmam Roy
Madron e John Jopling, “propriedades emergentes são o mais importante
conceito em ciências de sistemas porque requerem que pensemos em termos
de sistemas integrais e em suas relações, não apenas em suas partes” 1127.
O segundo princípio pelo qual o todo difere qualitativamente da
somatória de suas partes é o comportamento de sinergia, conceito cunhado por
Richard Buckminster Fuller para estudar interações dinâmicas. Nas palavras do
autor: “sinergia significa comportamento de sistemas totais imprevisto pelo
comportamento de suas partes tomadas separadamente” 1128. Não há nada no
comportamento separado ou nas características dimensionais ou químicas de
uma única entidade com massa que por si só sugira que ela atrai e é atraída
por outra entidade dotada de massa. “Este comportamento imprevisto e que
existe apenas como mútuo é sinergia”.
Em resumo, uma substância e suas propriedades não são: (1) a simples
expressão das moléculas ou átomos que a compõem; (2) suas propriedades e
comportamento não podem ser estudados fora do âmbito de suas interações
com as propriedades e comportamentos de outras substâncias e entidades.
282

Esses dois princípios podem ser generalizados para os organismos, as


sociedades e para a própria biosfera. Em qualquer desses sistemas, o impacto
conjunto de dois ou mais fenômenos em sinergia é maior ou qualitativamente
diverso que a soma de seus impactos separados1129.
Bem antes de Buckminster Fuller e de Georgescu-Roegen, Hegel
descobriu e desenvolveu a ideia de que o particular, tomado fora de suas
interações com os demais elementos particulares e com o todo, é uma
abstração desprovida de real potência cognitiva e que, na verdade, a única
instância real e concreta é o todo. Uma imagem dessa intuição fundante de seu
pensamento é proposta por Alexandre Kojève 1130:

“Tomemos uma árvore dita ‘concreta’, esta, por exemplo, que cresce ao lado de
minha janela. Se esta árvore é ‘particular’, é porque ela difere de tudo o que
não é ela. É preciso, portanto, para ser particular, que ela seja ‘separada’ do
resto do mundo. Ela é isolada ‘pelo pensamento’, quando dela se fala como de
uma coisa ‘particular’ e ‘concreta’. Mas tentemos isolá-la realmente. No estado
atual da técnica, trata-se de algo rigorosamente impossível. Com efeito, como
extrair a árvore do solo sem a arruinar de algum modo? Supondo-se que se
consiga, como retirar a terra que adere às suas raízes e a poeira depositada
em seu tronco e em suas folhas, sem falar do ar que já penetrou na árvore,
mas não foi ainda assimilado por ela? Suponhamos, hipótese impossível, que
se consiga tudo isso. O que ocorre? Nossa árvore morre instantaneamente e
se decompõe muito rapidamente, vale dizer, deixa de ser uma Árvore. A árvore
‘particular’, ou seja, isolada de tudo o que não é ela, não é, portanto, nem ‘real’,
nem ‘concreta’: ela é o produto de uma ‘abstração’, de fato irrealizável. Se se
pudesse realmente ‘fazer abstração’ do resto do mundo, aniquilar-se-ia a
árvore que nele cresceu. Na medida em que a árvore existe, ela está ligada ao
que não é ela”.

Elementos particulares, sejam objetos ou classes específicas de


fenômenos, não existem senão como resultado de uma operação de abstração,
incapaz de aceder ao todo. A biosfera como um todo é a única realidade
concreta. Suas propriedades são uma emergência, posto serem inapreensíveis
pelas propriedades dos elementos da combinação dos quais ele emerge. Além
disso, as propriedades e os comportamentos dos elementos que compõem
esse todo só podem ser apreendidos em suas relações mútuas e em suas
relações com o todo.
Aplicados esses princípios fundamentais à questão em pauta, tornam-se
claras as insuficiências de uma abordagem descritiva das crises ambientais por
dossiês isolados, tais como os propostos nos 10 capítulos precedentes. A
simples somatória desses dossiês sobre as crises ambientais não apenas não
permite entendê-las como um todo concreto, como cada um deles, isolado dos
demais, não é sequer de fato autocompreensivo.

11.2. Algumas interações potenciadoras das crises

A – A reação do capitalismo à escassez dos recursos naturais

Entre as interações que conferem ao todo uma dinâmica que a


abordagem em dossiês isolados não permite abarcar ressalta a sinergia entre a
reação do capitalismo à escassez dos recursos naturais e o agravamento das
crises ambientais. De modo geral, essa sinergia pode ser ilustrada pela figura
283

da “pirâmide de recursos”, descrita por Richard Heinberg em seu importante


livro, Peak Everything: Waking Up to the Century of Declines 1131:

“a pedra do ápice representa a porção dos recursos que se pode extrair


facilmente e a baixo custo. O extrato abaixo é a porção que se pode extrair
com mais dificuldade e mais custo e com piores impactos ambientais”.

Exemplos de que a reação do capitalismo à escassez de recursos


naturais tende a agravar seu impacto ambiental abundam nas páginas
precedentes. Pense-se desde logo no recurso a reservas de carvão mais
“sujo”, discutido no capítulo 5, após a exploração de reservas menos poluentes.
Tome-se, de modo geral, o exemplo do EROEI (energy returned on [energy]
invested), abordado no capítulo 4, vale dizer, a ratio declinante de retorno de
energia petrolífera a partir da energia investida para obtê-la: 100:1 na primeira
metade do século XX, contra 11:1 ou 18:1 em 2005. As alternativas ao petróleo
líquido – areias betuminosas, petróleo de xisto, petróleo de coque e pré-sal –,
lançam mão de tecnologias mais destrutivas e de maior risco que as
empregadas na exploração do petróleo convencional. O EROEI declina
também em outros setores cruciais da atividade econômica, via de regra com
intensificação do impacto ambiental: (1) a escassez de outras commodities1132
além do petróleo líquido, imprescindíveis para a indústria, estimula sua
exploração em condições mais difíceis e, com frequência, de maior risco
ambiental; (2) a escassez de recursos hídricos gera reações mais destrutivas,
favorecendo projetos faraônicos de engenharia que, na maioria dos casos,
interferem negativamente nos próprios recursos hídricos e nos equilíbrios
ecossistêmicos; (3) o empobrecimento da biomassa nos solos provoca o uso
mais intenso de fertilizantes, com seus conhecidos impactos sobre o próprio
solo e sobre as águas; (4) a especialização genética das plantas no objetivo de
otimizar sua produtividade torna-as mais vulneráveis a agentes patogênicos, o
que implica maior dependência de agrotóxicos.
Para cada um desses dossiês, investimentos cada vez maiores de
energia em geral são requeridos para os mesmos retornos ou para aumentos
diminutos deles. Essa tendência geral pode ser assim formulada: quanto
menor o retorno obtido, em termos absolutos ou relativos, maior se torna a
pressão antrópica sobre os ecossistemas para obtê-los. Pode-se dizer que o
EROEI do capitalismo como um todo é declinante e que, portanto, seu
crescimento será obtido a custos econômicos e ambientais cada vez maiores,
justamente por causa do aumento da densidade tecnológica, vale dizer, da
potência da atividade econômica.
Essa interação sinérgica entre capitalismo em fase de escassez e crises
ambientais produz não raro círculos viciosos, isto é, conduzem a dinâmicas de
retroalimentação positiva da crise independentes da própria atividade
econômica. O relatório do Millenium Ecossystem Assessment de 2004 põe em
relevo um desses mecanismos de reforço positivo 1133:

“O desmatamento geralmente leva a um decréscimo de chuvas. Como a


existência da floresta depende crucialmente da chuva, a relação entre perda de
floresta e decréscimo de precipitações pluviais pode formar um reforço positivo
(positive feedback), o qual em certas condições pode levar a uma mudança
não-linear na cobertura florestal”.
284

B – A “memória” dos ecossistemas: a desaceleração da regeneração

Além disso, “em um amplo arco de condições, a recuperação de


pequenas perturbações torna-se mais lenta à medida que o sistema aproxima-
se do ponto crítico”1134. Em outras palavras, quanto mais degradamos um
sistema vivo, seja ele um organismo, uma floresta, uma espécie, um
ecossistema ou um biota, menos energia disponível esse sistema tem para se
refazer, mais tempo requer para se restaurar e, portanto, mais rapidamente
uma próxima crise o impulsiona em direção a seu ponto de colapso. Isto
implica que um modelo de comportamento de um ecossistema não pode mais
se pretender como uma avaliação puramente sincrônica de suas variáveis. Ele
tem doravante que incorporar a dimensão diacrônica, isto é, o histórico de
investimentos já dispendidos por esse sistema para se recuperar das
agressões passadas.

C – Correlação linear e causa sistêmica

É preciso também entender a diferença entre correlação linear e causa


sistêmica. Os buracos nas camadas de ozônio da Antártica e do Ártico,
tratados no capítulo 6, fornecem um bom exemplo dessa diferença. A relação
de causa a efeito observada na Antártica era ainda interpretável em termos de
ação de um fato sobre outro, de modo que bastava suprimir o fator isolado
como causa do buraco de ozônio na Antártica (os ODCs) para se obter o efeito
desejado. Já a causa do buraco na camada de ozônio sobre os céus do Ártico
é sistêmica. Segundo os registros disponíveis, o buraco na camada de ozônio
sobre o Círculo Polar Ártico nunca foi grande porque as temperaturas no Ártico
nunca foram tão baixas, no período observado, quanto as temperaturas na
Antártica. Com a maior densidade dos gases de efeito estufa na atmosfera, a
retenção do calor por menor reflexividade da irradiação solar nas camadas
baixas da atmosfera produz um resfriamento da estratosfera e este
resfriamento, por sua vez, favorece as condições para a ocorrência de reações
químicas destrutivas do ozônio no hemisfério norte. “Preveem-se mais baixas
temperaturas na estratosfera” [do Ártico], afirma Hideaki Nakajima, diretor do
Instituto Nacional de Estudos Ambientais do Japão. “Assim”, prossegue ele,
“mesmo que os ODC sejam reduzidos, buracos na camada de ozônio podem
se tornar mais frequentes. Essa é nossa maior preocupação agora” 1135. Assim,
enquanto o fenômeno na Antártica era efeito de uma causa isolada, uma
perturbação antrópica no sistema (o aumento de ODC na atmosfera), o
fenômeno no Ártico deriva de um novo equilíbrio do próprio sistema, que
favorece espontaneamente reações químicas destrutivas do ozônio.

D - Por que as predições científicas têm sido com frequência conservadoras

Esses e outros mecanismos de interação e potenciação nos


desequilíbrios biofísicoquímicos do planeta tornam difícil precisar a dinâmica
real das combinatórias em jogo a partir dos modelos teóricos e dos
instrumentos de aferição disponíveis. O Millenium Ecossystem Assessment
admite que1136:
285

“Os modelos quantitativos têm uma capacidade limitada de incorporar


respostas adaptativas e mudanças em atitudes humanas e comportamentos
modelizados, bem como de incorporar retornos críticos (critical feedbacks)”.

É fato que entender o conjunto das interações sinérgicas e as propriedades


emergentes de um sistema permanece o objetivo último dos modelos
científicos. Mas é impossível para eles captar a totalidade concreta dos
sistemas dinâmicos que estudam. Modelos matemáticos são uma tentativa de
recriar a complexidade qualitativa do real, traduzindo-a no mais das vezes em
variáveis quantitativas, objetivo permanente no horizonte ideal da ciência, mas
impossível, pois não há tradução sem resíduo da qualidade em quantidade.
Assim, por exemplo, não é possível para os modelos integrarem todas as
variáveis que determinam quão mais vulnerável é o novo equilíbrio
ecossistêmico reconfigurado de uma floresta a cada amputação por
desmatamento ou incêndio. Portanto, é impossível determinar se ou quando
ocorrerá o que os cientistas chamam de forest dieback ou morte espontânea
das florestas, tal como discutido no capítulo 1. Além disso, um modelo
dificilmente conseguirá prever o quanto o dieback da floresta amazônica
impactará as mudanças climáticas, pois, saudáveis, as florestas sequestram e
armazenam CO2, enquanto que em declínio ou em fogo liberam-no
catastroficamente na atmosfera1137.
Além dessas insuficiências inerentes aos modelos científicos, há ainda
outras, contingentes, que explicam o caráter preponderantemente conservador
das previsões científicas nos diversos subsistemas do sistema Terra. Os cinco
sucessivos relatórios do IPCC 1138, por exemplo, lidam com condicionantes que
aumentam a probabilidade de diagnósticos conservadores. Isto porque esse
notável coletivo científico deve atender ao preceito do “mais baixo denominador
comum” (lowest common denominator) quando compila, analisa, pondera e
sintetiza os resultados obtidos pelos milhares de experimentos ao longo de
certo período. A agravar esse caráter conservador está outro fato, observado
por Joe Romm1139:

“todo relatório do IPCC (...) é um instantâneo imediatamente ultrapassado que


subestima o aquecimento futuro porque continua a ignorar grande parte da
literatura recente e omite o que não pode modalizar. Por exemplo, sabemos há
anos que talvez a mais importante retroação (feedback) do ciclo do carbono é o
degelo dos pergelissolos setentrionais. Os modelos da Quinta Avaliação do
IPCC ignoram completamente isto.”

O caso da elevação do nível do mar fornece um exemplo das projeções


conservadoras do IPCC:

(1) Segundo Eric Rignot, da University of California Irvine, a velocidade do


derretimento das camadas polares de gelo e da Groenlância implica, caso
venha a se manter, que “o nível do mar será significativamente mais elevado
que os níveis projetados pelo IPCC”1140.

(2) Enquanto o IPCC previa em 2007 um aumento dos níveis dos oceanos de
20 a 60 cm até 2100, todos os estudos publicados após 2007 (ao menos sete)
propõem um aumento de 50 cm a 2 metros no mesmo período 1141.
286

(3) Os resultados de pesquisas empreendidas por uma equipe de cientistas


coordenada por Stephan Rahmstorf e comentadas no sítio do Potsdam Institute
of Climate Impact Research em 28 de novembro de 2012 afirmam algo similar:
“Os oceanos estão se elevando 60% mais rápido que as últimas e melhores
estimativas do IPCC”1142.

(4) Segundo uma pesquisa de 2011, coordenada por Pierre Rampal, do MIT e
publicada no Journal of Geophysical Research - Oceans, a camada de gelo do
Ártico está perdendo espessura a um ritmo em média quatro vezes superior ao
previsto pelos modelos considerados pelo IPCC 1143.

Os cientistas têm se surpreendido mais frequentemente pela aceleração


que pela lentidão no ritmo das mudanças projetadas por seus modelos. Como
bem sintetiza Jérôme Chave, do CNRS, “os cenários em que se baseiam os
governos em suas negociações climáticas são certamente demasiado
otimistas”1144.

11.3. Mudanças não-lineares nos ecossistemas e nas sociedades

Os mecanismos acima mencionados são comuns tanto aos


ecossistemas quanto às sociedades humanas. O acúmulo dessas interações
pode favorecer ou mesmo desencadear evoluções não-lineares no ritmo das
mudanças observadas. Tanto os sistemas naturais quanto as sociedades
humanas não se transformam segundo dinâmicas uniformes, mas segundo
uma imprevisível combinação entre mudanças graduais e mudanças
descontínuas ou mesmo catastróficas. Essas mudanças bruscas e não-lineares
nos equilíbrios fundamentais das sociedades e dos ecossistemas tendem a
ocorrer quando os círculos virtuosos se transformam em círculos viciosos.
Círculos virtuosos consistem em alças de retroalimentação negativa
(negative feedback) que se associam para reequilibrar distúrbios,
aperfeiçoando sistemas ou retardando o quanto possível seu declínio. Eles
consistem, não em manter sistemas em estado fixo – inexistente em
organismos vivos e nas sociedades –, mas em recompor incessantemente
seus equilíbrios internos de modo a melhorar ou prolongar ao máximo sua
eficiência. À medida, contudo, que as influências perturbadoras assumem
proporções maiores, e que as retroalimentações negativas, isto é, os
mecanismos de reequilibração ou de homeostase começam a se tornar
inefetivos, ocorre uma inversão nessa dinâmica e o próprio sistema passa a
retroalimentar e a magnificar os estímulos perturbadores de seu equilíbrio.
Quando um buraco aberto no gelo deixa exposto o solo, não apenas o solo
exposto diminui naquele ponto o albedo – a fração da irradiação incidente que
é refletida por uma determinada superfície, no caso presente a superfície do
gelo –, como acelera o degelo à sua volta, desencadeando um círculo vicioso
de aceleração do degelo (ice-albedo feedback).
Instalada a dinâmica de retroalimentação positiva das influências
perturbadoras, atingem-se finalmente níveis críticos de estresse que não
podem mais se “resolver” senão por rupturas nas dinâmicas uniformes, isto é,
por saltos ou colapsos. É o que, desde Hegel e Marx, os historiadores chamam
de crises de legitimidade que escapam à esfera da negociação e que
desencadeiam soluções do continuum histórico: revoluções, guerras ou
287

estados de anomia; e o que os cientistas da natureza designam por termos


como tipping point1145, critical transition ou breakpoint, a partir do qual podem-se
desencadear mudanças não-lineares de estado de um dado sistema (non-
linear shift, state-shift, regime-shift, quantum jump, etc).
Do organicismo de Auguste Comte a Fritjof Capra1146, muitas têm sido as
tentativas de edificar analogias mais ou menos ambiciosas entre organismos
naturais e sociedades humanas. Georges Canguilhem 1147 lança luz sobre essas
possibilidades, sem esquecer de alertar para seus limites, já que não é possível
definir o “estado de saúde” do organismo social, algo dado no organismo
natural. Não é aqui o caso, portanto, de insistir a respeito. Qualquer que seja,
contudo, seu alcance, há algo nesse paralelo que importa reter: não é possível
pensar um colapso ambiental desvinculado de um colapso social global, e vice-
versa. Se a máquina da acumulação capitalista não for detida em tempo hábil –
um tempo que se mede provavelmente na escala de poucas décadas –, se não
se romper com o axioma do incremento constante de energia, de excedente e
de consumo, então, com toda a probabilidade, uma ruptura ocorrerá nos
ecossistemas e nas sociedades do planeta, ruptura que desencadeará um
colapso ao mesmo tempo social e natural.

11.4. Colapso. Emergência do conceito e imprevisibilidade do fenômeno

Embora o termo colapso seja auto-explicativo, convém se deter um


momento sobre seu significado e seu emprego sempre mais frequente nas
análises das crises ambientais. Empregado primeiramente na esfera da
patologia e da medicina, ele designa, segundo o dicionário Houaiss,
“prostração extrema”, “achatamento conjunto das paredes de uma estrutura”,
mas também, em sentido figurado, “derrocada, desmoronamento, ruína”. Ele
guarda, portanto, o sentido originário de collapsus, particípio passado do verbo
collabor, que significa “cair conjuntamente ou ao mesmo tempo ou de uma só
vez, ruir”1148. Colapso ocorre quando um conjunto de rupturas parciais
engendram, em geral por efeito de retroação positiva (positive feedback), uma
falência das estruturas portantes ou da funcionalidade de um sistema. À
iminência de um colapso se referem, por exemplo, Ban Ki-moon, Secretário
Geral da ONU, e Achim Steiner, Sub-Secretário Geral da ONU e Diretor do
PNUMA. O primeiro assim avaliava, em 2010, o declínio da biodiversidade
durante o primeiro decênio do século1149:

“As tendências atuais estão nos levando cada vez mais perto de uma série de
potenciais pontos de ruptura, que reduziriam de maneira catastrófica a
capacidade dos ecossistemas de prestarem (...) serviços essenciais”.

Em 2007, Achim Steiner abria o documento do Global Environment Outlook


Geo4 com a advertência1150: “se nada for feito, o colapso dos serviços
prestados pelos ecossistemas é uma clara possibilidade”. Ao longo desse
documento o termo colapso é usado mais de uma vez no mesmo sentido, isto
é, como uma ruptura geral ocasionada por várias rupturas parciais que, juntas,
ultrapassam a capacidade de resiliência de um sistema:

“o conceito complementar de resiliência foi usado para caracterizar a habilidade


de um sistema de retornar a um estado de referência após uma perturbação, e
288

a capacidade de um sistema de manter certas estruturas e funções a despeito


dessa perturbação. Se a resiliência é excedida, pode ocorrer colapso”.

Em 4 de agosto de 2012, a revista britânica New Scientist dedicou à


noção de colapso seu ensaio de capa, escrito por Michael Marshall, que assim
o concluía: “A conectividade extrema de nossa sociedade nem sempre é uma
força. Ela pode transmitir choques. (...) Ao invés de nos tornar menos
vulneráveis, a crescente complexidade da sociedade moderna nos torna mais
vulneráveis ao colapso”1151.

Crescente verossimilhança da iminência de um colapso global

Quando, em 1972, Dennis Meadows, Donella H. Meadows, Jørgen


Randers e William W. Behrens III publicaram, por encomenda do Clube de
Roma, seu clássico Os Limites do Crescimento, parecia-lhes remota a
possibilidade de que as sociedades estivessem rumando para um colapso
global. Tratava-se do primeiro estudo que analisava os pressupostos teóricos
do crescimento econômico a partir de uma teoria de sistemas dinâmicos
consubstanciada num modelo computacional elaborado no MIT e intitulado
World3, que propunha doze cenários futuros. No livro publicado em 2004 – The
Limits of Growth. The 30-Year Update –, eles reconheciam que o livro de 1972
limitava-se a desenhar, numa perspectiva de longo prazo, vale dizer de 50
anos, limites intransponíveis para o crescimento econômico. Mesmo o mais
pessimista de seus doze cenários contemplava o colapso apenas como uma
eventualidade teórica, que uma ação racional evitaria sem dificuldades
maiores1152:

“Embora o desafio global fosse apresentado como grave, o tom de The Limits
of Growth era otimista, sublinhando reiteradamente o quanto se poderia reduzir
com medidas imediatas o dano causado pelo fato de estarmos nos
aproximando (ou excedendo) os limites ecológicos globais”.

Ainda em 1987, o Relatório Brundtland compartilhava da ilusão de que os


limites do crescimento não eram absolutos, mas relativos a cada estágio da
tecnologia e que uma nova era de crescimento econômico ainda era
possível1153:

“O conceito de desenvolvimento sustentável sem dúvida implica limites – não


limites absolutos, mas limitações impostas aos recursos ambientais pelo estado
presente da tecnologia e da organização social e pela habilidade da biosfera de
absorver os efeitos das atividades humanas. Mas a tecnologia e a organização
social podem ambas ser administradas e aperfeiçoadas de modo a abrir
caminho para uma nova era de crescimento econômico”.

Em 1992, Limites do Crescimento completava 20 anos e era chegado o


momento de um primeiro balanço. O ceticismo de outrora em relação ao
colapso começava a dar lugar ao alarme num livro que o atualizava. Já seu
título – Beyond the Limits. Global Collapse or a Sustainable Future – chamava
a atenção para o fato de que os limites da sustentabilidade haviam sido
ultrapassados e que a humanidade estava agora diante da encruzilhada:
sustentabilidade ou colapso global. No aniversário de vinte anos dessa primeira
289

atualização, em 2012, Dennis Meadows declarou: “Vejo o colapso já


acontecendo”1154. A declaração foi reiterada em uma entrevista concedida ao
jornal Le Monde, na mesma ocasião1155:

“a ultrapassagem dos limites físicos do sistema conduz a um colapso


(effondrement). Tecnicamente, um colapso é um processo que implica o que se
chama uma retroação positiva, ou seja, um fenômeno que reforça o que o
provoca. Em termos não-técnicos, o colapso caracteriza uma sociedade que se
torna cada menos capaz de satisfazer às necessidades elementares:
alimentação, saúde, educação, segurança (...) Certos países estão já nesta
situação, como a Somália. Assim também, os países da ‘primavera árabe’ (...).
Outros países como os Estados Unidos estão menos próximos do colapso,
mas estão a caminho”.

Em Collapse, Jared Diamond examinou o peso dos fatores ambientais


no declínio e extinção de cinco civilizações passadas – sobretudo a ilha de
Páscoa, os polinésios das ilhas Pitcairn, os Anasazis do sudoeste dos EUA, os
Maias e os Vikings da Groenlândia – elencando “oito categorias, cuja
importância relativa difere de caso para caso: desmatamento e destruição do
habitat, problemas no solo (erosão, salinização e perda de fecundidade),
problemas de manejo da água, sobrecaça, sobrepesca, efeitos da invasão de
novas espécies, crescimento populacional e aumento do impacto per capita
das pessoas”1156. Quaisquer que sejam a superficialidade, a ingenuidade e as
imprecisões históricas passadas e presentes em que o livro possa ter
incorrido1157, esse leque de oito fatores privilegiados por Diamond afigura-se
correto. Ele sublinha, ademais, acertadamente, que as crises ambientais que
ameaçam de colapso o capitalismo global não resultam apenas dessas oito
categorias, mas de outras quatro suplementares 1158:

“os problemas ambientais com os quais nos defrontamos hoje incluem os


mesmos oito que minaram as sociedades passadas, mais quatro novos:
mudanças climáticas causadas pelo homem, acúmulo de substâncias químicas
tóxicas no ambiente, escassez energética e utilização total pelo homem da
capacidade de fotossíntese da Terra”.

Podem-se acrescentar a essas doze categorias constitutivas da lógica que


conduz a um colapso outras duas igualmente típicas do capitalismo global:

(1) as crises ambientais não afetam apenas uma civilização, nem um


ecossistema, mas várias nações, culturas e regiões do planeta, além de vários
ecossistemas, comprometendo as condições de possibilidade de toda
civilização;

(2) contrariamente aos colapsos anteriores, a tendência ao colapso vem sendo


prevista pela ciência. A inação a respeito tem, portanto, um caráter suicida;

Não é clara a linha que separa crises múltiplas e colapso locais do


colapso global. Por vezes, o colapso global é apenas, como nota Diamond,
“uma forma extrema de vários tipos mais suaves de declínio, e torna-se
arbitrário decidir quão drástico o declínio de uma sociedade deve ser antes que
se possa considerá-la em colapso”1159.
290

Da impossibilidade de demarcar a linha vermelha a não ser ultrapassada


– a linha que ainda nos separa do terreno cujo declive nos impele
irresistivelmente para o colapso –, decorre a imprevisibilidade de sua forma e
de seu tempo. Pois se é provável que o colapso global advenha da proliferação
conjugada das crises e dos colapsos locais, seu momento de irrupção e a
forma concreta que o manifesta são imprevisíveis. Gavin Schmidt e Peter
Gleick diferenciam, no âmbito dos prognósticos científicos, uma previsão
(forecast), isto é, o que se pensa que acontecerá em termos probabilísticos,
sem avançar nada além disso, de uma predição (prediction), que significa uma
categoria muito mais ampla de afirmação científica, a qual implica uma
completa especificação das circunstâncias nas quais algo acontecerá 1160. Pode-
se dizer, nesse sentido, que é possível prever o advento do colapso, mas não é
possível predizê-lo.
Outra formulação possível desse hiato entre a previsão e a predição é
fornecida pelo conceito de entropia. Segundo a tese de Nicholas Georgescu-
Roegen, largamente compartilhada por economistas e cientistas 1161, a
economia global contemporânea acelera o incremento da entropia. Ora, sendo
a entropia um índice da distribuição da energia total disponível de um sistema,
não é próprio dessa lei determinar quando algo ocorrerá, ou por que preciso
fenômeno ela se manifesta. “A despeito de tais desvantagens” escreve
Georgescu-Roegen, “a lei da entropia não é supérflua: ela determina a direção
geral do processo entrópico de um dado sistema isolado” 1162.
291

12. A ilusão de um capitalismo sustentável

O presente capítulo aborda a primeira tese central desse livro, qual seja
a de que a crença de que o capitalismo pode se tornar ambientalmente
“sustentável” exprime a maior ilusão do pensamento político, social e
econômico contemporâneos. Que o capitalismo não pode reverter a tendência
a um colapso ambiental global eis algo que não deveria ser considerado uma
tese, mas um dado elementar de realidade a dispensar qualquer
argumentação, tal sua evidência. Até um prócer do capitalismo global como
Pascal Lamy, ex-Diretor Geral do Crédit Lyonnais e ex-Diretor Geral da
Organização Mundial do Comércio, afirma numa entrevista de 2007 1163:

“O capitalismo não pode nos satisfazer. (...) Um só exemplo: se não se põe


vigorosamente em causa a dinâmica do capitalismo, você acredita que
chegaremos a controlar as mudanças climáticas? (...) Você tem, de resto,
eventos que demonstram o aspecto dificilmente sustentável do modelo: seja os
extravios intrínsecos como a crise dos subprimes, seja fenômenos que o
capitalismo e seu sistema de valorização não permitem tratar, o mais evidente
sendo o aquecimento global”.

Essa evidência é compartilhada pelos mais diversos campos do saber – das


ciências da natureza aos estudos sociais –, de Nicolas Georgescu-Roegen,
Herman Daly, René Dumont, André Gorz e Michel Bosquet, nos anos 1970, a
Thijs de la Court, Fred Maddoff, John Bellamy Foster, Félix Guattari, Robert
Kurz, Patrick Vassort, Hervé Kempf, Dmitry Orlov, Michel Löwy 1164, entre muitos
outros em nossos dias. Hervé Kempf, por exemplo, não hesita em intitular seu
belo livro: Pour sauver la planète, sortez du capitalisme 1165. O que ainda retarda
uma mais ampla percepção dessa evidência não se deve a um mérito qualquer
do capitalismo, mas ao fracasso da experiência socialista no século passado.
Esse fracassso foi tão retumbante que mesmo os mais preparados estudiosos
dos vínculos entre crise ambiental e atividade econômica apegam-se, por não
verem alternativa, ao oximoro de um “capitalismo sustentável”. Ocorre que o
fracasso de uma experiência histórica não significa automaticamente a
viabilidade de outra.
Por diversas vias demonstra-se a insustentabilidade constitutiva do
capitalismo, mas todas reduzem-se no limite ao assim chamado teorema da
impossibilidade de Herman Daly, formulado há mais de 20 anos. Ele afirma que
a impossibilidade de uma economia baseada na reprodução ampliada do
capital em um meio ambiente limitado ocupa na teoria econômica posição
equivalente às impossibilidades fundamentais na física 1166:

“Enunciados de impossibilidade constituem os verdadeiros fundamentos da


ciência. É impossível viajar a uma velocidade maior que a da luz, criar ou
destruir matéria-energia, fabricar uma máquina de moto perpétuo, etc. Ao
respeitar teoremas de impossibilidade, evitamos desperdiçar recursos em
projetos condenados de antemão ao fracasso. Por isso economistas deveriam
se interessar particularmente por teoremas de impossibilidade, especialmente o
que aqui se deve demonstrar, nomeadamente, de que é impossível para a
292

economia crescer para além da pobreza e da degradação ambiental. Em outras


palavras, o crescimento sustentado é impossível”.

O capitalismo expandiu-se de modo espetacular na segunda metade do


século XX. Segundo o CIA World Fact Book, em termos nominais, o PIB
mundial (Gross World Product) de 1950 foi de cerca de 2,5 trilhões de dólares,
enquanto o de 2012 foi de 71,83 trilhões de dólares. No intervalo de 62 anos, a
economia mundial multiplicou-se nominalmente por 28, enquanto a população
mundial multiplicou-se dez vezes menos, isto é, por um fator de “apenas” 2,8:
de 2,5 para 7 trilhões de pessoas. Mesmo que os próprios limites naturais do
planeta imponham doravante um diminuendo das taxas de aumento do PIB
mundial, poucos duvidam de que há uma relação de causa a efeito entre a
simples manutenção dessa escala de exploração dos recursos naturais do
planeta e a degradação crescente do sistema Terra.
A única forma de minorar o efeito é minorar sua causa, vale dizer, a
implantação de marcos regulatórios que permitam diminuir a escala dessa
exploração e, sobretudo, eliminar suas formas mais destrutivas. O capitalismo
pode funcionar a partir de tais marcos regulatórios? Ou, dito de outro modo:
uma economia funcionando no âmbito de tais marcos seria ainda capitalista? A
história ensina que não: desde o segundo pós-guerra, as legislações nacionais
e os organismos multilaterais vêm tentando implantar alguns desses marcos.
Com exceção, talvez, do buraco na camada de ozônio na estratosfera da
Antártica que ao menos parou de crescer (vide capítulo 6.6), a degradação do
sistema Terra, por qualquer parâmetro, não está se desacelerando. Também a
lógica ensina que não. Este capítulo analisa as três possibilidades lógicas de
concepção e implantação desses marcos regulatórios no âmbito do sistema
econômico capitalista:

(1) a regulação imposta pelo Estado;

(2) a autorregulação induzida pelo mercado;

(3) a regulação induzida por um mecanismo misto no qual o Estado, a


sociedade civil e o mercado encontrem soluções negociadas em direção à
sustentabilidade.

O primeiro caso pode ser descartado. As experiências históricas


socialistas mais conhecidas – as da ex-URSS e da China – demonstraram que
o projeto de um Estado socialista perdeu sua identidade e seus mecanismos de
gestão democrática e acabou se comportando como uma super-corporação,
diferindo dos Estados capitalistas apenas por seu maior autoritarismo e por seu
ainda maior poder de devastação ambiental.

12.1. O mercado capitalista não é homeostático

Iniciemos, portanto, a análise com a segunda alternativa: a


autorregulação induzida pela presença de mecanismos emanando do próprio
mercado. Trata-se de algo inconcebível, pois, por definição, a ideia de
autorregulação – se por isto se entende alguma forma de autocontenção
293

visando não ultrapassar os limites da sustentabilidade –, não se aplica ao


mercado capitalista.
O mercado capitalista ufana-se de otimizar a alocação de recursos, o
que é verdade, se por otimizar se entende a mais ágil exploração das situações
de desigualdade de vantagens no fito de maximizar a rentabilidade do capital.
Disto, entretanto, não se segue que se lhe possa aplicar a capacidade de
homeostase, própria das dinâmicas de otimização da estabilidade interna de
um organismo. Desde Adam Smith, essa tese tem valor de postulado na
economia política clássica, e é ainda hoje compartilhada por diversos
estudiosos. Um exemplo recente do uso dessa analogia entre os mecanismos
de funcionamento do mercado capitalista e do organismo encontra-se em
Eduardo Giannetti1167:

[O mercado] “tem uma lógica de funcionamento dotada de surpreendentes


propriedades do ponto de vista de eficiência produtiva e alocativa. É um
sistema homeostático regido por feedback negativo. Toda a vez que o sistema
torna-se perturbado, busca voltar ao equilíbrio”.

Tal analogia é um equívoco. Desde a ideia de meio interno (milieu intérieur) de


Claude Bernard1168, desde que Walter Cannon desenvolveu a noção de
homeostase, sabemos que toda influência perturbadora (déficits ou excessos)
do equilíbrio das funções vitais em um organismo ou sistema orgânico
desencadeia nele atividades regulatórias e compensatórias que tendem a
neutralizá-la, o que redunda em recuperação do equilíbrio ou, melhor dizendo,
em novo equilíbrio (alostase). A manutenção dessa estabilidade eficiente do
meio interno em suas constantes trocas com o meio externo é o que orienta a
atividade de todo organismo. Ainda que dependa do meio externo, ainda que
seja, portanto, um sistema “aberto”, todas as energias de um organismo são
em última instância centrípetas, isto é, direcionadas para a sobrevivência, a
segurança e o reforço de sua própria identidade, de sua própria centralidade.
Ora, o mecanismo básico de funcionamento do mercado capitalista não
apenas não funciona por feedback negativo, mas é mesmo oposto ao
mecanismo da homeostase dos organismos. Isto por duas razões. Primeiro
porque, enquanto as forças do organismo são centrípetas, as do mercado
capitalista são centrífugas. Ao contrário do organismo, que, reagindo à
desestabilização, visa recuperar a estabilidade, o mercado capitalista não visa
o equilíbrio, mas o desequilíbrio. Pois é forçando e explorando deliberadamente
as situações de sua própria instabilidade, é aumentando a assimetria entre os
agentes econômicos e buscando maximizar a desigualdade de vantagens, que
se gera no mercado o ambiente em que o capital encontra suas formas ótimas
de remuneração. Ao contrário do organismo, que busca a condição-média, o
mercado capitalista busca a condição-limite, a única que lhe oferece a máxima
possibilidade de rentabilidadade.
O segundo erro de se atribuir ao mercado as competências da
homeostase evidencia-se no fato de que, atingido sua escala ideal, todo
organismo cessa espontaneamente de crescer e passa à fase em que
prevalecem adaptações conservativas, ao passo que o capitalismo, ao
contrário, ordena-se segundo forças internas que o impelem na direção de um
crescimento ilimitado. O tamanho ideal do mercado capitalista é por definição,
e em seus sonhos, o infinito. Desde os anos 1970, Ivan Illich, um autor hoje
menos lido, bem fazia notar que1169:
294

“Aberto, o equilíbrio humano é susceptível de se modificar em função de


parâmetros flexíveis, mas finitos; se os homens podem mudar, eles o fazem no
interior de certos limites. Ao contrário, a dinâmica do sistema industrial funda
sua instabilidade: ele é organizado em vista de um crescimento indefinido e da
criação ilimitada de novas necessidades – que se tornam rapidamente
obrigatórios no quadro industrial”

O próprio Giannetti mostra, com acerto, o equívoco da analogia entre mercado


e homeostase. Pois se a lei da oferta e procura – concebida in vitro, em
condições de simetria jamais de fato existentes, e hoje definitivamente
abolidas, dados os indutores artificiais de demanda – poderia guardar alguma
analogia formal com o regime de reequilibração homeostática, na realidade o
mercado não reconhece esta lei no que tange aos recursos naturais e aos
custos ambientais, já que não os precifica adequadamente 1170. A única
precificação operada pelo mercado é a da relação entre custos econômicos e
taxa de lucro. Assim, por exemplo, como visto nos capítulos 4 e 5, enquanto os
combustíveis fósseis forem disponíveis a preços que garantam uma margem
de lucro, o capitalismo fará uso deles, qualquer que seja seu custo ambiental. A
Redução Certificada de Emissões (RCE), os moribundos “créditos de carbono”
suscitados pelo Protocolo de Kyoto, a serem negociados no mercado
internacional, é outra típica demonstração do absurdo de se atribuir aos
mecanismos de mercado o poder de induzir espontaneamente a redução das
emissões de gases de efeito estufa. Seu preço caiu de 27 euros a tonelada em
2008 a menos de 5 euros em 2014. As medidas propostas em 2014 pela
Comissão Europeia para revitalizar esse mercado devem, se aceitas, entrar em
vigor em... 20211171. Da mesma maneira, o mercado não precifica
adequadamente a disponibilidade de água doce acessível e não-poluída, o
potencial biológico do solo e os serviços prestados à biosfera, e portanto à
economia, pelas florestas, mas continua a explorar e a consumir esses
recursos como se fossem gratuitos e infinitos.

12.2. Milton Friedman

“O domínio dos fenômenos que a ecologia abrange é mais amplo que o


domínio coberto pela ciência econômica”, de tal modo, afirma Georgescu-
Roegen, que “a economia deverá ser absorvida pela ecologia”. O organismo é
um subsistema de seu meio físico. Ocorre que no capitalismo, dado ser
comandado pela lógica centrífuga da infinitude, oposta à lógica
autoconservadora e centrípeta do organismo, o meio físico é reduzido a um
subsistema do sistema econômico. Há aqui uma inversão da taxis que resulta
em dois ordenamentos hierárquicos do mundo incompatíveis. Dito em outras
palavras, não está no repertório mental do capitalismo a faculdade de
subordinar suas metas de rentabilidade ao imperativo ambiental.
Aqui é preciso antecipar-se à objeção de um juízo moral. O capitalismo é
por certo um sistema amoral, mas não é essa a razão de sua
insustentabilidade. O capitalismo é insustentável, não porque os controladores
das corporações sejam inescrupulosos. Seria absurdo supor que os
proprietários, acionistas e diretores executivos das corporações sejam pessoas
desprovidas de senso moral. Nada permite afirmar que se encontrem nos altos
295

círculos empresariais menos senso moral que em qualquer outro meio da


sociedade civil, por exemplo, o sindical, o universitário, o artístico ou o
esportivo. Não há, portanto, nenhuma demonização na afirmação de que os
dirigentes das corporações não podem se permitir subordinar suas metas
empresariais ao imperativo ambiental.
Para demonstrar essa impossibilidade, há que se partir de uma
trivialidade: o dinheiro perde poder aquisitivo por causa da inflação e/ou por
causa das oportunidades desiguais oferecidas pelo mercado. Para evitar sua
depreciação ou seu emprego em condições desvantajosas, todo detentor de
certa soma de dinheiro deve escolher no mercado, a cada momento, as
melhores opções de troca. Isto é válido tanto para o trabalhador que procura
trocar seu salário pelo maior número possível de bens, quanto para o investidor
que escolhe os fundos mais promissores. Em face dessa elementar realidade
do mercado, as corporações devem apresentar vantagens comparativas a seus
investidores e acionistas atuais ou futuros em relação a outras oportunidades
de investimento. Se a British Petroleum, por exemplo, renunciar a um
investimento potencialmente lucrativo por causa de seu impacto ambiental, os
investidores terão duas alternativas: substituirão o responsável por essa
decisão “verde”, se tiverem poder para tanto; ou, se não tiverem, reorientarão
seus investimentos para outras corporações que apresentem melhores
possibilidades de remuneração de seu dinheiro.
No capitalismo, tanto os ofertadores quanto os captadores de recursos
subordinam-se a essa implacável racionalidade. Ela explica porque as
corporações não podem se autorregular em função de variáveis outras que a
maximização do lucro, independentemente das variáveis ambientais em jogo.
Elas possuem uma margem mínima de manobra para adotar o que Seev
Hirsch chama de Enlightened self interest, isto é, autointeresse iluminista de
longo prazo, pois este implica, no mais das vezes, sacrifícios de oportunidades
de investimento, aumento de custos, perda de competitividade ou
autolimitações do lucro no curto prazo 1172. Aqui, críticos e defensores do
capitalismo concordam. Em 1876, Friedrich Engels escrevia 1173:

“Dado que capitalistas engajam-se na produção e no comércio em busca de


lucro imediato, apenas o mais imediato resultado deve ser levado em
consideração. Enquanto um industrial ou um comerciante obtém o lucro usual
ambicionado ao vender ou comprar uma mercadoria, ele se sentirá satisfeito e
não se procupará com o que vier sucessivamente a ocorrer com a mercadoria
e seus compradores. O mesmo se aplica aos efeitos naturais das mesmas
ações”.

Esse passo poderia ser subscrito por Milton Friedman (1912-2006), Prêmio
Nobel de Economia em 1976, conselheiro de Ronald Reagan, professor da
Chicago School of Economics e, segundo o The Economist, "o mais influente
economista da segunda metade do século XX”. Friedman qualifica justamente
como “imoralidade” qualquer iniciativa de um dirigente de corporação visando
atenuar impactos ambientais, se tal iniciativa implicar diminuição dos lucros.
Indagado em 2004 sobre se John Browne, então Presidente da British
Petroleum, tinha o direito de adotar medidas ambientalistas susceptíveis de
afastar a BP de seu lucro ótimo, Friedman respondeu 1174:
296

“Não... Ele pode fazer isso com seu próprio dinheiro. Se ao se deixar guiar por
interesses ambientais, ele dirigir a corporação de maneira a obter resultados
menos efetivos para seus acionistas, estará sendo, penso eu, imoral. Por mais
alta que pareça sua posição, ele é um empregado dos acionistas. Como tal,
tem uma responsabilidade moral muito forte em relação a eles”.

A resposta de Friedman é impecavelmente lógica. Ela define com máximo rigor


e precisão como, no capitalismo, “responsabilidade moral” significa o
compromisso do dirigente de uma corporação, não com a sustentabilidade
ambiental, mas com seus acionistas. Essa lógica e essa concepção de
responsabilidade moral foi muito coerentemente defendida pela New
Individualist Review, de cujo conselho editorial Friedman foi membro 1175. Ela é
bem ilustrada por outro caso analisado pela revista The Economist em uma
reportagem de 2012 sobre os níveis crescentes de obesidade no planeta: “para
as corporações de alimentos e bebidas, as taxas atuais de obesidade
apresentam um dilema. As corporações têm para com seus acionistas um
dever de fazer dinheiro”. Assim, narra o artigo, uma dirigente da PepsiCo
desistiu em 2010 de tornar seus produtos um pouco mais saudáveis, pois “os
acionistas começaram a se revoltar” 1176. E com razão, diria Friedman, já que
não há maior responsabilidade de uma corporação que o compromisso com a
rentabilidade de seus acionistas, pois estes nela depositaram seus recursos e
confiança justamente porque esta lhes prometia a melhor expectativa de
retorno disponível no mercado.
Eis outro exemplo dessa impossibilidade de conciliar a razão de ser do
capitalismo com o meio ambiente. Para manter altos os preços de suas ações,
e assim honrar seus contratos e seus compromissos com seus acionistas, as
corporações precisam queimar as 2795 gigatoneladas de carbono das reservas
de carvão, petróleo e gás detidas por elas e pelos Estados-Corporações que
vivem da venda desses combustíveis1177. Isto significa quase cinco vezes mais
do que as 565 gigatoneladas de CO 2 que, segundo os cientistas, a atmosfera
pode ainda suportar antes que se perca qualquer chance de um aumento das
temperaturas médias do planeta até 2º C em relação ao período pré-industrial.
Como afirma a carta aberta à Christiana Figueres, Secretária-Executiva da
United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC), escrita
por Cameron Fenton, Diretor do Canadian Youth Climate Coalition e co-
assinada por mais de 160 personalidades e ONGs: “O preço das ações [das
corporações] depende da exploração dessas reservas. (...) O plano de negócio
delas é incompatível com nossa sobrevivência”1178.

12.3. Insustentabilidade constitutiva

Uma pesquisa realizada pela escola de negócios da Fundação Dom


Cabral, de Minas Gerais, com 400 companhias de diferentes tamanhos
mostrou que “para 91% das empresas, o que está por trás da preocupação
com a sustentabilidade é o benefício para a imagem da empresa” 1179. Nada
impede a possibilidade de generalizar para o universo empresarial essa ideia
de que a preocupação pela sustentabilidade não lhe é genuína, mas em geral
apenas uma questão de imagem. Até aqui nada há que contrarie o senso
comum, lembrado pelo corajoso statement de Milton Friedman publicado em
1970 pelo The New York Times Magazine1180:
297

“Há uma e apenas uma responsabilidade social dos negócios: usar seus
recursos e engajar-se em atividades concebidas para aumentar seus lucros,
desde que respeitando as regras do jogo, o que significa engajar-se em
competição livre e aberta sem engano ou fraude”.

Isso posto, são numerosos os que advogam a ideia de que é possível


compatibilizar sustentabilidade e aumento de lucros. Avançam eles em resumo
dois argumentos: (1) pode ser mais eficiente, e portanto mais lucrativo, adotar
nas diversas fases do processo econômico inovações ou práticas mais
“sustentáveis”; (2) pode ser lucrativo “sair na frente” na exploração de
atividades econômicas de menor impacto ambiental. As ONGs que trabalham
pela adoção dessas estratégias pelas empresas prestam um enorme serviço à
sociedade. Seus êxitos são, contudo, limitados por várias razões.

1. Coincidência não é tendência: a lei da pirâmide de recursos

Empresas sobrevivem se mantiverem suas margens de lucro. Para


tanto, precisam ter vantagens comparativas, o que em geral significa obter
aumentos de produtividade ou diminuições de custos ou ainda oferecer
vantagens (reais ou imaginárias) na acessibilidade ou desempenho de seus
produtos. Iniciativas “verdes” não implicam necessariamente qualquer dessas
três vantagens e, portanto, não constituem estímulos reais para uma
corporação. Pode ocorrer a coincidência de que um avanço tecnológico ou uma
diminuição de custo seja também um avanço na economia “verde”. Mas
coincidência não é tendência. A constante pressão pela diminuição dos custos
dita, na realidade, a tendência contrária, isto é, que esses avanços no
desempenho de uma empresa sejam não raro obtidos a expensas do meio
ambiente. Dado que o capitalismo global encontra-se hoje sob crescente
pressão de escassez de recursos naturais estratégicos – petróleo, alguns
minerais, água, solo agricultável e alimentos – é verossímil que a coincidência
acima mencionada repita-se cada vez mais raramente.

2. Regras do jogo

Imaginemos que uma corporação, impelida por um excepcional senso de


responsabilidade social, assuma o custo de iniciativas “verdes”, na esperança
de que a vantagem intangível da imagem pública de empresa responsável
acabe gerando, cedo ou tarde, benefícios tangíveis. Tais iniciativas têm um
limite. Como bem mostra Milton Friedman no item anterior (12.2.), uma
empresa não pode arcar sozinha, a longo prazo, com um iniciativa “verde” que
a coloque em situação de desvantagem de rentabilidade em relação às demais.
Para que sua iniciativa “verde” se generalize, é preciso que seja encorajada
pelo Estado com uma legislação que a torne uma nova regra do jogo. Mas o
Estado-Corporação não tem mais força para impor regras que as corporações
considerem como susceptíveis de diminuir suas margens de lucro. Nem força,
nem interesse, pois tais regras incidiriam negativamente sobre os custos de
suas próprias corporações. Na melhor das hipóteses – a de uma pressão da
sociedade sobre o Estado capaz de produzir avanços efetivos –, as
associações representativas das corporações acabarão por aceitar, em tese,
essas regras do jogo mais “verdes”, mas conseguirão retardar por anos sua
298

implantação ou torná-la tão gradual, que estas acabarão sendo incapazes de


deter o agravamento das crises ambientais.

3. A impossibilidade de internalizar o custo ambiental

Uma impossibilidade específica para as corporações de se subordinar


ao imperativo ambiental é a impossibilidade de “internalizar” os custos dos
danos ambientais crescentes que elas “socializam”. Multiplicam-se hoje as
metodologias de precificação do patrimônio natural. Mas qualquer que seja a
metodologia (e a se supor que o valor da natureza seja redutível a um preço de
mercado), o resultado é o mesmo: é impossível para as corporações
internalizar seu custo ambiental, pois o valor total gerado por sua atividade é,
com frequência, menor que o valor econômico do patrimônio da biosfera
destruído por essa mesma atividade 1181. Um relatório elaborado para o TEEB
(The Economics of Ecosystems and Biodiversity), intitulado Natural Capital at
Risk. The top 100 externalities of business, mostra que “os custos não
precificados do capital natural” (unpriced natural capital costs), vale dizer, o
valor do patrimônio natural degradado e não contabilizado (ou externalizado)
pelas corporações, montava em 2009 a 7,3 trilhões de dólares, o que equivalia
nesse ano a 13% do PIB global. O estudo conclui que: “Nenhum setor regional
de alto impacto gera lucros suficientes para cobrir seus impactos
ambientais”1182.
Entre os setores mais impactantes, especifica o estudo, estão o carvão e
a pecuária, esta última, sobretudo, na América do Sul e no Sudeste Asiático.
De fato, poderia o agronegócio brasileiro internalizar os custos da devastação
da vegetação do cerrado e da floresta amazônica, da degradação dos solos e
recursos hídricos e da diminuição da biodiversidade, e ainda assim se manter
rentável? A pergunta é retórica. É necessário, portanto, para ele e para o
Estado-Corporação que dele depende, colocar esses custos na conta a ser
paga pela sociedade presente e futura, o que supõe mantê-los conceitualmente
fora da esfera do cálculo econômico.
O mesmo vale para as contabilidades nacionais. Conforme reporta
Achim Steiner, executivo-chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), se fossem incluídos na contabilidade nacional os custos
ambientais1183:

“o crescimento do PIB da Índia em 50 anos cairia da média de 2,96% ao ano


para 0,31%; na China, só a inclusão dos custos na saúde gerados pela má
qualidade da água significaria cem bilhões de dólares anuais, em torno de
5,8% do produto bruto; e no Brasil, a redução no período de 1990/2008 seria
de 34% para 3%, se incluídas perdas de ‘capital natural’”.

4. A impossibilidade de uma economia circular

O projeto Mainstream em prol de uma transição acelerada para uma


economia circular, baseada em reciclagem, reutilização e refabricação
(recycling, reuse and remanufacture), evitaria, se levado a efeito, a produção
de 100 milhões de toneladas de lixo. Em paralelo com o lançamento do terceiro
volume da série Towards a Circular Economy1184, o estudo foi lançado no
encontro de Davos de janeiro de 2014. Obviamente, o projeto não confessa
seu caráter utópico. Mas tampouco esconde sua inviabilidade a curto e médio
299

prazo. Como visto no capítulo 3, mais de 90% de todo o lixo produzido no atual
sistema econômico é industrial e mais de 90% da energia e de todo o material
convocados na fabricação de produtos manufaturados são transformados em
lixo. Uma economia baseada na reciclagem suporia, portanto, mudanças
sistêmicas no capitalismo, tais como a erradicação de centenas de toxinas
existentes mesmo nos produtos mais simples. Isso é inviável, em primeiro lugar
porque novos aditivos, sem teste de toxicidade, são acrescentados
constantemente aos produtos, e em segundo lugar porque a legislação protege
a confidencialidade comercial1185.

5. Investir em lobbies

A insustentabilidade e a nocividade ambiental das corporações,


sobretudo as ativas nos setores de energia fóssil, hidrelétricas, aço, mineração,
petroquímica, fertilizantes, pesticidas, agronegócio, madeira, cimento e defesa,
é tão incontornável, que a única alternativa para esses setores é tentar
neutralizar a pressão popular e legislativa, investindo em lobbies e em
desinformação. Não por outra razão, a indústria do petróleo dos EUA triplicou
seus investimentos desde 2004 nos lobbies. Em 2009, eles atingiram mais de
174 milhões de dólares e em 2012, mais de 139 milhões de dólares, conforme
mostra o gráfico abaixo.

Evolução anual das despesas em lobbying nos EUA


das companhias de petróleo, em milhões de dólares

Fonte: OpenSecrets.org. Centre for Responsible Politics, a partir de dados do Senate Office of Public Records
http://www.opensecrets.org/lobby/indusclient.php?id=E01&year=2009

6. Investir em censura, desinformação e em “mercadores de dúvida”

Essa carteira de investimentos é variada. Ela começa pela intimidação e


pela censura na mídia ou através de pressões sobre os governos, por exemplo,
dos EUA e do Canada. Em 2006, James Hansen denunciou uma tentativa da
Casa Branca, então ocupada por George W. Bush, de censurá-lo 1186. De 2006
data também uma instrução do governo do Canadá, atualizada em 2012,
proibindo cientistas federais de falar à imprensa sem a mediação de uma
assessoria de imprensa. De quatro mil cientistas canadenses entrevistados por
Mark Frary numa pesquisa publicada em 2014 no Index on Censorship, apenas
14% responderam “sentirem-se aptos a compartilhar uma preocupação sobre
300

saúde pública e segurança ou uma ameaça ao meio ambiente sem medo de


retaliação ou censura por parte de seu departamento ou agência” 1187.
As corporações investem também, e sobretudo, na desmoralização de
cientistas por colegas que se prestam à função de “mercadores de dúvidas”,
pratica que vitimou, entre tantos casos, Ben Santer, em relação ao relatório de
1995 do IPCC, ou Michael Mann em relação ao “taco de hockey” 1188. Além
disso, as corporações financiam e tentam monitorar as pesquisas
universitárias1189, e, fora da Universidade, promovem think tanks cujo objetivo é
fomentar, nas palavras da Academia de Ciências dos Estados Unidos: “uma
ação organizada e deliberada para induzir o debate público em erro e distorcer
a representação que a opinião pública se faz das mudanças climáticas”. Uma
centena desses think tanks norte-americanos receberam em torno de 120
milhões de dólares entre 2002 e 2010, informa o jornal The Guardian. Whitney
Ball, Presidente da Donors Trust and the Donors Capital Fund, uma empresa
que canaliza doações de ao menos um milhão de dólares para esses grupos,
explicou ao jornal britânico o quanto a questão ambiental é uma bandeira
unificadora do espectro ideológico da direita norte-americana 1190:

“se você olha para os libertarians [termo que designa nos EUA a extrema
direita], tenderá a ver muitas diferenças em relação aos conservadores no que
se refere a questões como defesa, imigração, drogas, guerra, etc. Mas quando
se trata de questões ambientais, as diferenças, se houver, não são tão
pronunciadas”.

Robert Brulle, da Drexel University, em Philadelphia, traçou um mapa de 91


ONGs e associações profissionais ativamente negacionistas e de suas vias de
financiamento por 140 fundações, identificando nessas instituições o que ele
chama de um “contra-movimento das mudanças climáticas” (climate change
counter-movement ou CCCM). Ao analisar a documentação disponível
(relatórios de corporações e documentos fiscais) entre 2003 e 2010, Brulle
chega a cifras mais precisas e expressivas1191:

“essas 91 organizações de CCCM têm uma receita anual de pouco mais de


US$ 900 milhões, com uma média anual de US$ 64 milhões em patrocínios
indentificáveis por fundações. A esmagadora maioria desse patrocínio provém
de fundações conservadoras. Além disso, há uma documentada tendência em
ocultar as fontes de financiamento das organizações de CCCM por meio de
doações diretas de doadores”.

Ao somarmos o que as corporações investem na mídia, em lobbies, em


pesquisas monitoradas e em desinformação chegamos a cifras provavelmente
muito mais vultosas que as que as corporações investem em sustentabilidade.
Nada mais coerente. Investimentos para se furtar às pressões científicas e
sociais por sustentabilidade estão diretamente vinculadas à rentabilidade de
seu negócio, ao passo que investimentos em sustentabilidade não implicam,
salvo em casos excepcionais, aumento dessa rentabilidade. As corporações
podem reservar recursos para iniciativas “verdes” e o fazem com grande senso
de propaganda. Podem, quando sob forte exposição à mídia, adotar atitudes
ambientalmente “virtuosas”. Mas definitivamente não podem, sob pena de
autonegação, contrariar: (1) a expectativa de ganho de seus acionistas,
fazendo-os aceitar dividendos diminuídos por causa de escrúpulos com
301

externalidades; (2) a lógica do aumento ilimitado de sua atividade, a qual,


justamente por isso, será, cedo ou tarde, insustentável.

12.4. A regulação por um mecanismo misto

Vejamos, enfim, a terceira via enunciada no início deste capítulo: a


regulação do capitalismo por um mecanismo misto no qual o Estado, a
sociedade civil e as corporações encontram soluções negociadas em direção à
sustentabilidade. Sem dúvida, uma atividade econômica regulamentada e
efetivamente fiscalizada pelos poderes públicos, fiscalizados eles próprios pela
sociedade civil, seria muito menos destrutiva que a que hoje prevalece. No
limite, ela poderia impulsionar efetivamente o capitalismo em direção à
sustentabilidade. Tocamos aqui o punctus dolens de toda a problemática
discutida neste capítulo. A impossibilidade dessa terceira via advém da falta de
paridade de poderes entre as partes, condição imprescindível de toda
negociação efetiva.
As preocupações e reivindicações da sociedade civil não têm na
degradação da biosfera seu foco maior. Necessitada de melhores salários e de
serviços públicos de qualidade, inebriada também pelo desejo de consumo que
as técnicas publicitárias reforçam, ela não está psiquicamente disponível para
liderar um debate nacional e internacional sobre a questão ambiental. A ideia
de assumir o controle político e ideológico dos fluxos estratégicos de
investimento da sociedade de modo a reorientá-los para atividades de menor
impacto ambiental não ocupa uma posição de destaque (para dizer o menos)
em seu ideário e em suas motivações políticas. Mesmo os setores
sensibilizados por essa questão veem-se pouco municiados para agir na cena
política, haja vista a incipiência de plataformas institucionais de organização
que representem esse ideário.
O Estado, por sua vez, está cada vez menos apto a liderar essas
negociações. Vimos, na Introdução (item 2), que, de um lado, sua autonomia
política e financeira em relação ao poder das corporações é pequena e que, de
outro, seus interesses vêm-se aproximando dos da rede corporativa, no que
parece despontar como uma verdadeira transformação de sua identidade
histórica em direção a um novo tipo de Estado, sócio, credor e devedor das
corporações: o Estado-Corporação. Não há base comum de interesses para
uma aliança entre os setores politicamente mais avançados da sociedade civil
e este novo Estado. Não se pretende com isso fazer tabula rasa das diferenças
entre os partidos e coalizões que participam do quadro político-eleitoral, nem
desconhecer as especificidades das situações políticas de cada país.
Pretende-se apenas afirmar que as coalizões políticas que se revezam no
comando do Estado veem hoje muitíssimo diminuída sua capacidade e
interesse de fazer prevalecer os imperativos ambientais em detrimento dos
interesses imediatos das corporações. Assim, ainda quando afloram
divergências entre as corporações e o Estado, parecem hoje remotas as
chances de que este possa conduzi-las ao leito de uma atividade de baixo
impacto ambiental.

O Estado e o Sistema financeiro


302

O mais recente indício de que o Estado está perdendo seu poder e sua
identidade é sua reação à crise financeira desencadeada em 2007-2008. Ao
invés de regulamentar a atividade financeira, o Estado lançou-se na mais
abrangente operação de sauvetage dos bancos. Desde setembro de 2008, o
essencial dos recursos financeiros dos Estados Unidos e da Europa tem sido
alocado para socorrer o sistema bancário e “acalmar os mercados”. Conforme
demonstra um documento de julho de 2011 do GAO (Government
Accountability Office) dos Estados Unidos, entre 1º de dezembro de 2007 a 21
de julho de 2010, o Federal Reserve Bank (FED) havia emprestado, através de
diversos programas emergenciais a bancos com problemas de liquidez
(emergency programs and other assistance provided directly to
institutions facing liquidity strains) a quantia de 1 trilhão cento e
trinta e nove bilhões de dólares1192. A adrenalina da crise levou os
bancos a assumirem mais que nunca o controle do Estado e a tomar
de assalto seus recursos. Segundo um relatório sobre conflito de
interesses requerido ao GAO pelo Senador Bernard Sanders, e por ele
publicado em 12 de Junho de 20121193:
“Durante a crise financeira, ao menos 18 antigos ou atuais diretores dos
Federal Reserve Banks [os Bancos Centrais dos estados norte-americanos]
trabalharam em bancos privados e corporações que coletivamente receberam
mais de 4 trilhões de empréstimos do Federal Reserve”.

Até março de 2009, segundo informações reveladas pelo jornal Bloomberg, o


Federal Reserve comprometera com o sistema financeiro norte-americano
garantias e limites de crédito no valor de 7.7 trilhões de dólares 1194:

“O montante de dinheiro que o Banco Central dispensou [aos bancos privados]


em parcelas foi uma surpresa mesmo para Gary H. Stern, presidente do
Federal Reserve Bank de Minneapolis de 1985 a 2009, o qual declarou ‘não
estar a par de tal magnitude’. Isto apequena os mais conhecidos 700 bilhões de
dólares do Troubled Asset Relief Program, ou TARP [Programa de Alívio dos
Ativos em Dificuldade], do Departamento do Tesouro. Acrescentem-se a isso
garantias e limites de crédito e o FED [Federal Reserve Bank] comprometeu 7
trilhões e 770 bilhões de dólares até março de 2009 para resgatar o sistema
financeiro, mais da metade de tudo o que se produziu nos Estados Unidos da
América naquele ano”.

Conforme mostra a tabela 8 do documento “Report to Congressional


Addressees” do GAO, acima citado, entre 1º de dezembro de 2007 e 21 de
julho de 2010, vinte e um bancos norte-americanos e europeus mobilizaram
recursos em transações provenientes de programas emergenciais do FED, na
forma de empréstimos overnight (not term-adjusted transactions), no valor
agregado de dezesseis trilhões, cento e quinze bilhões de dólares.
Por que é tão fácil salvar os bancos, mas tão difícil salvar a biosfera,
perguntava-se George Monbiot, um jornalista do The Guardian1195. A questão
colocada por Monbiot tem uma resposta inequívoca: porque salvar os bancos e
as demais corporações tornou-se uma função precípua dos Estados-
Corporações. Segundo uma avaliação de sete bancos da Alemanha pela
agência Moody’s em junho de 2012, e de mais 17 bancos em julho de 2012
(além de outros 7 na Holanda), mesmo os bancos mais ricos da Europa não
303

podem gerir sozinhos suas perdas e estrategicamente não poderão sobreviver


sem a rede de segurança do Estado-Corporação 1196.

Obsolescência da representação política e do estadista

Não há mais lugar no Estado-Corporação para a clássica figura do


estadista. Os eleitores queixam-se da incompetência gerencial, deslealdade ou
falta de liderança de seus chefes de Estado, que traem seus perfis ideológicos
e descumprem as promessas que motivaram suas vitórias eleitorais. Tornou-se
um lugar comum a comparação entre os estadistas de ontem e seus
sucessores, sempre desvantajosa para os últimos: entre De Gaulle e Hollande,
entre Churchill e Cameron, entre Franklin D. Roosevelt e Obama. Mas as
sociedades não perderam a capacidade de produzir temperamentos à altura
dos grandes estadistas que lideraram as democracias ocidentais no século XX
em momentos críticos de sua história. O que se perdeu foi a força do Estado
como o lugar por excelência do poder e da representação política.
Ao desterritorializar o poder, ao deslocar para os anônimos conselhos
administrativos das corporações as decisões estratégicas, para o
financiamento e a execução das quais os Estados e seus recursos são
acionados, a globalização do capitalismo está acarretando, junto com a
depauperação econômica dos Estados nacionais, a progressiva obsolescência
de seu poder político. Incapazes de ditar condutas e limites às corporações, as
instituições políticas e os mandatos populares são cada vez mais lugares de
ritualização do poder e seus dignatários, os atuais chefes de Estado, cada vez
mais mestres da arte gesticulatória. No mundo contemporâneo, a
“representação” politica, pedra angular da tradição democrática nascida em
Atenas e cultuada pela Tradição Clássica na Idade Moderna, entende-se cada
vez mais na acepção teatral ou pantomímica do termo.
O pacto político entre governantes e governados é, progressivamente,
substituído pela simbiose entre o Estado e a rede corporativa, simbiose
funcional aos interesses de ambos. Já se evocou na Introdução o advento de
novos mecanismos de gestão compartilhada entre os Estados e as
corporações, tais como o TPP (Trans-Pacific Partnership) e o TTIP
(Transatlantic Trade and Investment Partnership), em vias de negociação entre
os EUA e a União Europeia. Mas essa cooperação se dá também no nível da
chamada “segurança” do Estado, haja vista a operação Prism, pelo qual a
National Security Agency (NSA), o FBI e as Inteligências britânica e israelense
supriram-se de dados extraídos de documentos de áudio e de vídeo, chats,
fotografias, e-mails, documentos e endereços eletrônicos armazenados nos
servidores de nove corporações – Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, Apple,
PalTalk, AOL, Skype e YouTube –, invadindo, analisando e armazenando por
dia 1,7 bilhão de e-mails e telefonemas realizados nos EUA, numa forma
crescentemente distópica de controle do cidadão pelo Estado 1197. Como bem
faz notar Julian Assange, há uma “sempre mais estreita união entre o
Departamento de Estado [dos EUA] e o Silicon Valley” 1198.
As corporações sabem mais sobre os cidadãos que os serviços de
inteligência do Estado. A Acxiom Corporation, com um faturamento de mais de
um bilhão de dólares e escritórios nos EUA, Austrália, Nova Zelândia, França,
Alemanha, Reino Unido, Polônia, Brasil e China, gere mais de 23 mil
computadores que funcionam como servidores capazes de processar 50
304

trilhões de transações de dados por ano. Seu banco de dados acumula


informações sobre 500 milhões de consumidores em todo o mundo (190
milhões nos Estados Unidos), com cerca de 1500 pontos de dados sobre cada
indivíduo. Cada cidadão é colocado em um dos 70 grupos socioeconômicos,
para os quais se elaboram mensagens publicitárias customizadas e a cada
momento do dia. A Igreja jamais conseguiu tal controle da psique de seus fieis
pelo sacramento da confissão. A Acxiom refina constantemente as assim
chamadas “multiplataformas de previsão do comportamento dos
consumidores”. Graças a seus dados, o Estado norte-americano pôde precisar
o perfil de 11 dos 19 sequestradores dos aviões que atacaram o Pentagono e
as duas torres do World Trade Center em 11 de setembro de 2001 1199.

O endividamento dos Estados

As corporações controlam o Estado através, sobretudo, de um


endividamento que se tornou crônico após os anos 1980. Das 153 nações
arroladas pelo FMI ou pelo CIA World Factbook1200, 64 têm hoje divídas
públicas superiores a 50% de seu PIB, 29 têm dívidas acima de 80% de seu
PIB e nada menos que 15 delas têm dívidas acima de 100% de seu PIB, aí
incluídas as maiores economias do mundo – os Estados Unidos e o Japão – e
várias economias da Europa (Itália, Bélgica, Islândia, Irlanda, Portugal e a
Grécia), como mostra o gráfico abaixo.

Evolução da Dívida de Cinco Países Europeus


em porcentagem do PIB

Fonte: Natixis, Datastream, 12/VII/2013, n. 535, Le Monde, 16/VII/2013

A Europa reage a esse endividamento através de um círculo vicioso: (1)


proibido por seus estatutos e pelo Tratado de Lisboa de comprar títulos da
dívida pública diretamente dos Estados insolventes, o Banco Central Europeu
(BCE) deve comprá-los dos bancos no mercado secundário, de modo a
melhorar seus balanços e evitar a próxima crise bancária sistêmica. Além
disso, o BCE empresta aos bancos a taxas de 1% a 1,5%, obtendo em garantia
títulos “podres” ou de alto risco dos Estados 1201; (2) assim recapitalizados, os
bancos emprestam dinheiro “novo” aos Estados inadimplentes para que estes
(3) evitem o default e paguem os credores; (4) os bancos podem assim
continuar a financiar os Estados, a juros elevados, já que o Estado é mal
305

avaliado pelas agências de rating. Para conseguir saldar suas dívidas, os


Estados (5) sacrificam seus investimentos e seus serviços públicos ao
imperativo da diminuição do déficit orçamentário e da dívida pública. A
austeridade (6) debilita a economia e faz diminuir a arrecadação, o que (7)
empurra os Estados para a inadimplência, completando-se o círculo vicioso
num nível mais elevado.
O patrimônio natural, territorial e cultural da Europa mediterrânea é
considerado pouco mais que massa falida pelos credores. “Os insolventes
devem vender tudo o que têm para pagar os credores”, declarou Joseph
Schlarmann, dirigente da União Democrata-Cristã, o partido que dirige a
coalizão de Angela Merkel na Alemanha. Esse diktat levou à venda da ilha de
Oxia no mar Jônico (a 20 kms de Ítaca...) ao xeque Hamad bin Khalifa al-Thani,
o emir do Catar, que a arrematou por irrisórios 5 milhões de euros. Outras das
6 mil ilhas gregas, como Dolicha, estão à venda 1202. O mesmo tipo de alienação
do patrimônio civilizacional do Mediterrâneo suscitou os dolorosos balanços
propostos por Salvattore Settis e Silvia Dell’Orso em 2002, desta feita sobre a
abdicação das responsabilidades do Estado italiano em relação à prodigiosa
memória cultural dessa nação 1203. Outrora, o Estado, através dos museus e do
sistema educacional, garantia aos cidadãos a fruição de seu patrimônio e o
culto de seus monumentos. Ele era o trait-d’union entre as gerações, através
da custódia e conservação dessa memória, e era propulsor, através da
pesquisa, da atualização crítica do sentido histórico desse patrimônio 1204. Hoje,
mesmo quando não vende simplesmente esse patrimônio, natural, territorial ou
cultural, o Estado-Corporação desnatura-o, ao concebê-lo como um insumo do
turismo de massa a ser gerido segundo os imperativos de lucratividade dessa
indústria.

A evasão fiscal

A depauperação dos Estados-Corporações advém, acima de tudo, da


evasão fiscal. Os dados falam por si. Segundo um relatório da OCDE de abril
de 1998, “o investimento direto estrangeiro dos países do G7 em países do
Caribe e em Estados insulares da Ásia, geralmente considerados como países
de fiscalidade pouco elevada, mais que quintuplicou entre 1985 e 1994”. Em
2000, um artigo publicado no jornal Libération estimava em aproximadamente 6
trilhões de euros os recursos desviados para 65 paraísos fiscais, com uma
progressão de 12% ao ano nos três anos anteriores (1997-1999). Enfim,
segundo um relatório preparado em julho de 2012 pelos economistas da Tax
Justice Network (TJN)1205:

“ao menos 21 trilhões de dólares de riqueza financeira não declarada estava


em propriedade de indivíduos em paraísos fiscais ao final de 2010. Esta soma
é equivalente ao tamanho das economias dos Estados Unidos e do Japão
somadas. Pode haver na realidade 32 trilhões de dólares em ativos financeiros
mantidos offshore por indivíduos de alta renda segundo nosso relatório The
Prices of Offshore Revisited (...) Consideramos esses números conservadores,
pois dizem respeito apenas à riqueza financeira e excluem o patrimônio
imobiliário, iates e outros ativos não-financeiros possuídos em estruturas
offshore”.
306

Em um documento anterior, os economistas do TJN afirmam que “os ativos


mantidos offshore, ao abrigo de taxação efetiva, equivalem a um terço dos
ativos globais”1206. Apenas entre 2007 e 2009, aproximadamente 6 trilhões de
dólares foram transferidos para paraísos fiscais 1207. Em 2008, Edouard
Chambost, um especialista do tema, afirmava que “55 % do comércio
internacional ou 35 % dos fluxos financeiros transitam por paraísos fiscais” 1208.
Depauperados de recursos fiscais em decorrência dessa hemorragia de
riqueza não tributada, os governos são obrigados a aumentar os impostos
diretos e indiretos pagos na base da pirâmide de renda, a manter demasiado
baixo o limite de isenção fiscal, a desestimular os pequenos e médios
empresários e, sobretudo, a recorrer ao mercado financeiro, contraindo
colossais dívidas “soberanas” a juros tanto mais escorchantes quanto mais as
agências de rating rebaixam a credibilidade de seus títulos.
Instala-se, assim, outro círculo vicioso, complementar ao acima descrito:
as corporações, os investidores e as grandes fortunas: (1) desviam parte
ponderável de seus impostos para paraísos fiscais e, através dos bancos que
captam esses recursos nos paraísos fiscais, (2) emprestam aos Estados a
taxas de juros de alta rentabilidade. Esses juros (3) põem os Estados ainda
mais a mercê dos credores. De credores de jure das corporações, os Estados
tornam-se seus devedores crônicos, o que, enfim, (4) fomenta a ideologia
segundo a qual a social-democracia é inviável posto que geradora de Estados
Leviatãs, gigantescos e perdulários.
E como se não bastasse esse círculo vicioso, parte da arrecadação do
Estado é orientada para subsidiar ou financiar – através do erário público, de
bancos públicos de “desenvolvimento" e de isenções fiscais – o agronegócio, a
indústria automobilística, os grandes projetos de mineração e de energia, o
complexo militar-industrial e outros ramos de alta concentração de capital
corporativo e de mortífero impacto ambiental, com especial ênfase para a
indústria de combustíveis fósseis, subsidiadas em 312 bilhões de dólares em
2009, em 470 bilhões em 2010 e em 775 bilhões a 1 trilhão de dólares em
20121209.
Um indício da forte interrelação entre hipertrofia das corporações e
vulnerabilidade financeira dos Estados é o fato que esses dois fenômenos
estão em perfeita sincronia a partir dos anos 1980, pois é partir desses anos de
ascensão global das corporações que a relação Dívida Pública/PIB vem se
degradando, como mostra o gráfico abaixo do FMI, com dados atualizados até
2011. Percebe-se por ele que essa degradação das possibilidades financeiras
dos Estados nacionais só é comparável à conjuntura do final da Segunda
Grande Guerra Mundial, quando as finanças públicas haviam sido destroçadas.
A diferença, porém, é que a degradação da biosfera elimina a perspectiva de
um novo ciclo de crescimento econômico como o que caracterizou os anos
1947-1973.

Evolução do Débito Público como Porcentagem do PIB


em economias selecionadas 1880-2011
307

Fonte: FMI (http://www.imf.org/external/pubs/ft/survey/so/2012/res092712b.htm)

O que esperar dos Estados?

Nesse contexto, que regulamentação esperar de um Estado como o


norte-americano cuja dívida de 16,4 trilhões de dólares em julho de 2013
aumenta 100 bilhões por mês, e que em 2011 gastou 711 bilhões em “defesa”
(41% das despesas mundiais neste setor) apenas para sustentar o complexo
corporativo industrial-militar, um dos mais poluentes e insustentáveis do
planeta? Já Dwight D. Eisenhower alertava seus cidadãos, em seu célebre
último discurso à nação em 1961, para a “indevida influência” desse complexo
sobre o governo norte-americano e para a perigosa “conjunção de um imenso
establishment militar e uma grande indústria de armas”1210.

“Essa conjunção de um imenso establishment militar e uma grande indústria de


armas é algo novo na experiência norte-americana. Sua influência total –
econômica, política, mesmo espiritual – é sentida em cada cidade, cada
governo estadual, cada escritório do governo federal... temos que compreender
suas graves implicações. Nosso labor, recursos e meios de subsistência estão
envolvidos nisso, como o está a própria estrutura de nossa sociedade. Nos
conselhos governamentais, precisamos evitar a aquisição de uma indevida
influência, deliberadamente buscada ou não, do complexo industrial-militar”.

A evolução das despesas militares dos EUA de 1962 a hoje, indicada no gráfico
abaixo, mostra quão profético era o discurso de Eisenhower.

Evolução das despesas militares dos Estados Unidos em dólares de 2011


(1962 – 2015)
308

Fonte: Military Budget of the United States. Wikipedia (em rede).

Como se percebe, somado o orçamento do Ministério da Defesa (682 bilhões


de dólares em 2012) a todas as demais despesas relacionadas à defesa,
passa-se de uma despesa total de cerca de 500 bilhões de dólares (em dólares
constantes) nos dias de Eisenhower a mais de 1,3 trilhão de dólares em nossos
dias, o que equivale a quase 10% do PIB daquele país. O que Eisenhower
chamava em 1961 de complexo industrial-militar (military-industrial complex)
apoderou-se completamente do Estado e é hoje mais conhecido pela siga
MICC (military-industrial-congressional complex). O Congresso aprova receitas
para a fabricação de armas inclusive não requeridas pelo exército, tais como a
fabricação de uma nova geração de tanques de guerra Abrams, que o exército
declara não desejar, já que a frota existente de 2400 unidades desses tanques
tem em média apenas 3 anos1211.
O MICC existe, hoje, sob diversas formas, em todos os países partícipes
do capitalismo global. No Brasil, por exemplo, ele adquire a forma mais típica
de uma simbiose entre o Estado, o agronegócio, a mineração, o petróleo, a
petroquímica, a indústria bélica, o cimento, as grandes empreiteiras e o capital
financeiro. O Estado-Corporação brasileiro protegerá os ecossistemas do país
contra o comportamento ambientalmente devastador das corporações da
mineração, do cimento, do agronegócio, da indústria automobilística, da
petroquímica, do amianto, entre tantos outros? Ao contrário. Ele as protege por
todos os meios disponíveis, em termos legislativos, orçamentários, fiscais e de
financiamento público. O governo francês deixará de subvencionar suas
fábricas de motores a diesel em face das advertências do Centre international
de recherche sur le cancer (CIRC) que desde 1988 publicita a certeza absoluta
de que o diesel é cancerígeno? A própria Cour de Comptes (o Tribunal de
Contas francês) critica sua política fiscal, que, em suas palavras, “responde
mais ao cuidado de preservar certos setores da atividade econômica que a
objetivos ambientais”1212. O governo norte-americano apoiará as políticas
preconizadas por sua própria Agência de Proteção Ambiental (EPA) no sentido
de proibir ou enquadrar mais estritamente a atividade das corporações, por
exemplo, de energia fóssil, de agrotóxicos e fertilizantes? Pode-se esperar, em
suma, dos Estados-Corporações do planeta que imponham controles
ambientais eficientes às grandes corporações das quais são, ao mesmo tempo,
309

sócios, devedores e credores? Não obstante tímidos, raros e pontuais avanços,


a resposta é fundamentalmente negativa.

12.5. Plutosfera: 147 conglomerados e 1426 indivíduos

A força das corporações é, hoje, sabidamente superior à dos Estados 1213.


Se as receitas das corporações forem comparadas com as receitas/orçamentos
dos governos nacionais, a balança de poder penderá fortemente para as
corporações1214. Esse poder mostra-se ainda mais cruamente quando se
comparam suas receitas com os PIBs nacionais. Se o número de PIBs
nacionais levados em consideração for cento e cinquenta, 59% deles são
corporações. Em 2009, das cem maiores economias do planeta 44 eram
corporações. Nesse ano, essas 44 maiores corporações do mundo tinham
receitas da ordem de 6,4 trilhões de dólares, o equivalente então a 11% do PIB
global.
Pensemos na força de corporações isoladas, tais como Wal-Mart, ou JP
Morgan ou Goldman Sachs. Em 2000, se a Wal-Mart fosse um país, sua receita
equivaleria ao 25º PIB do mundo. Em 2013, sua receita foi de 460 bilhões de
dólares, maior que o PIB da Áustria (394 bilhões em 2012) 1215. Em 2007, a
receita do banco Goldman Sachs foi de 46 bilhões de dólares, uma quantia
superior ao PIB de mais de cem países. A totalidade dos ativos do banco
ultrapassaram então 1 trilhão de dólares1216.
As 2000 maiores corporações do mundo (Forbes, 2014) tiveram um
lucro de 3 trilhões e uma receita de 38 trilhões de dólares, mais de 60% do PIB
mundial. Em 2011 tão somente as 20 maiores corporações somaram receitas
superiores a 4 trilhões de dólares, valor bem superior ao PIB da Alemanha, o
quarto maior do mundo. Segundo os cálculos de um estudo, hoje clássico,
publicado por Frances Moore Lappé, Joseph Collins e Peter Rosset, “40 mil
corporações controlam 2/3 de todo o comércio mundial de bens e serviços e a
maior parte delas estão nas mãos de alguns poucos conglomerados” 1217. De
fato, essas corporações, são controladas, elas próprias, por uma rede de
conglomerados dominada por uma casta inatingível pelas pressões dos
governantes e das sociedades. As decisões dessa casta definem os destinos
da economia mundial. É o que mostra a pesquisa de Stefania Vitali, James B.
Glattfelder e Stefano Battiston, da Eidgenössische Technische Hochschule
(ETH) de Zurique, confortada por outra pesquisa publicada no arXiv.org da
Cornell University Library. Em 2007, 147 conglomerados controlavam
aproximadamente 40% do valor monetário de 43 mil corporações
multinacionais1218. Estes 147 conglomerados estão no centro de um poder
tentacular cujo núcleo duro é densamente interconectado. Como afirmam os
três pesquisadores do ETH de Zurique1219:

“Este núcleo é muito pequeno. (...) Ele é também muito densamente


interconectado, sendo que seus membros têm em média vínculos com outros
vinte membros. Disso resulta que, a cada 4 propriedades de empresas, 3
permanecem nas mãos de empresas do próprio núcleo. Em outras palavras,
trata-se de um grupo estreitamente interligado de corporações que
cumulativamente possue a maioria das ações de cada uma delas”.

O maior nível de desigualdade da história humana


310

A concentração de tanto poder econômico nas mãos de uma casta


numericamente insignificante é sem precedentes na história humana. Ela pode
ser avaliada segundo duas listagens, a da Forbes Magazine e a do Bloomberg
Billionaires Index. A Forbes Magazine de 2013 lista 1426 indivíduos detentores
de 5,4 trilhões de dólares, montante superior ao PIB do Japão (5,39 trilhões de
dólares, segundo o CIA World Fact Book), o terceiro PIB do mundo. O
Bloomberg Billionaires Index ocupa-se de uma lista ainda mais exclusiva: os
300 indivíduos mais ricos do mundo, detentores em 31 de dezembro de 2013
de $3,7 trilhões de dólares. Essas 300 pessoas ficaram ainda mais ricas ao
longo de 2013, acrescentando aos seus ativos líquidos (net worth) mais 524
bilhões de dólares. A fortuna de Bill Gates, avaliada em 78,5 bilhões de dólares
(Bloomberg) é maior que o PIB de 66% dos países do mundo. Ela é o triplo do
PIB do Paraguai e é superior à soma dos PIBs da Croácia, Bulgária e Sérvia.
Outra forma de se perceber essa concentração extrema de riqueza é
examinar as grandes holdings financeiras internacionais. Sete dentre as
maiores holdings financeiras dos EUA (JP Morgan Chase, Bank of America,
Citigroup, Wells Fargo, Goldman Sachs, Metlife e Morgan Stanley) detêm mais
de 10 trilhões de dólares de ativos consolidados, o que corresponde a 70,1%
de todo os ativos financeiros daquele país 1220.
Essas 1426 pessoas, esses 147 conglomerados e esse punhado de
holdings financeiras são os imperadores do planeta. Seu poder econômico e
político é maior que os detentores de um mandato popular nos Estados
nacionais. Ele ultrapassa em escala, alcance, transversalidade e penetração,
ao mesmo tempo capilar e tentacular, tudo o que os mais poderosos
imperadores na história das sociedades pré-capitalistas jamais puderam
conceber ou tiveram razão para desejar 1221. Elas compõem a plutosfera, a casta
cujos interesses são incompatíveis com os da conservação da biosfera.

Conclusão

A primeira tese deste livro, aqui tematizada, é de que o capitalismo não


é, por definição, um sistema socioeconômico ambientalmente sustentável. Ele
não o é, obviamente, se os marcos regulatórios capazes de trazê-lo de volta à
sustentabilidade forem deixados ao encargo das corporações. Ele talvez
pudesse se aproximar da sustentabilidade se sua regulação fosse conduzida
por um mecanismo misto, no qual o Estado e a sociedade civil tivessem peso
suficiente para contrabalançar a ação das corporações. Tal não é
presentemente o caso, não apenas porque os Estados-Corporações em fase
de emergência não têm mais interesse em confrontar as corporações, como
também, e sobretudo, porque, se tivessem, não disporiam de força para tanto.
Recai, assim, sobre os ombros da sociedade civil a tarefa imensa de confrontar
tais interesses. É ainda uma incógnita se será capaz de encontrar um novo
instrumental político capaz de organizar sua ação. E, sobretudo, se será capaz
de se atribuir esta tarefa, o que pressupõe renunciar ao fascínio do
consumismo.
311

13. Mais excedente = mais segurança? A ilusão do ilimitado

La pensée occidentale est centrifugue

Claude Lévi-Strauss

Este capítulo ocupa-se da segunda tese central deste livro: o sistema


capitalista que se apoderou progressivamente do planeta no último meio
milênio é a forma histórica última de uma estrutura psíquica e comportamental
muito primitiva, consoante a qual haveria uma relação direta entre excedente e
segurança.
Mesmo correndo o risco de retornar ao que é sobejamente conhecido, é
útil recapitular as razões do êxito histórico do capitalismo. O capitalismo
triunfou em toda a parte na Idade Contemporânea porque foi capaz de oferecer
à sociedade europeia e depois à esmagadora maioria das sociedades a
resposta mais eficaz – ou ao menos a que aparentava sê-lo até meados do
século XX –, aos perenes problemas da escassez, das forças hostis da
natureza, da agressividade humana e das outras espécies. Essa resposta
consistiu na generalização de um modo de produção capaz: (1) de fazer da
maximização do lucro pela acumulação contínua de excedente sua razão de
ser; (2) de redistribuir parte desse excedente na forma de renda e salários.
A complementaridade entre aumento e distribuição do excedente é
fundamental no mecanismo da acumulação. Tudo no capitalismo, mesmo (ou
principalmente) as crises cíclicas, as crises sociais e as guerras, redundam,
historicamente, no incremento do excedente e de sua distribuição. Em
particular, as crises sociais: o capitalismo é um modo de produção no qual a
luta de classes – toda pressão por redistribuição de renda em benefício dos
não-proprietários do capital – implica cedo ou tarde aumento do consumo, o
que realimenta, sucessivamente, pelo lado da demanda, o mecanismo de
acumulação. Mesmo que a participação dos não-proprietários do capital na
apropriação do excedente seja sempre menor relativamente ao aumento do
excedente, ela tem sido (ao menos até há pouco) tendencialmente maior em
termos absolutos.
Assim sendo, o capitalismo satisfaz melhor que os sistemas de produção
sobre os quais ele triunfou o axioma segundo o qual quanto maior for: (1) a
acumulação de excedente material, energético e informacional, e (2) a
redistribuição desse excedente, maior será a segurança dos grupos que dele
se beneficiarem – ainda quando muito desigualmente –, em face dos perenes
problemas de escassez e de hostilidade natural e humana, acima citados. O
capitalismo não é, portanto, um sistema adventício, nascido apenas de uma
sucessão de acasos e imposto de fora para dentro por um grupo humano às
sociedades europeias e em seguida à humanidade. Ele é a forma histórica a
que conduziu nos últimos séculos uma busca ancestral do homem para se
resguardar de sua precariedade existencial.

Convicção dos conquistadores, sedução dos conquistados

É claro que o capitalismo industrial não teria consolidado sua expansão


mundial se não dispusesse de uma indisputável superioridade militar. Mas sua
vitória não seria duradoura se não houvesse de parte dos conquistadores, ao
lado das armas e do lucro, a convicção de que sua tecnologia era capaz de
312

assegurar, pela maior produção de excedente, uma civilização superior. O


capitalismo dos séculos XVIII e XIX acreditava – e continua acreditando ainda
no século XXI – na superioridade e na bondade de seu sistema sócio-
econômico com a mesma intensidade que os Cruzados dos séculos XII e XIII e
os jesuítas dos séculos XVI e XVII acreditavam na superioridade e na bondade
de sua religião. A missão dos ideólogos de ontem era levar às almas do
“gentio” a salvação pela religião revelada. Aos olhos dos ideólogos de hoje,
essa missão civilizatória consiste na não menos nobre missão de exportar o
axioma da acumulação de excedente. Os primeiros e mais fundamentais
críticos do sistema capitalista – Marx e Engels – foram também os que mais
entusiasticamente proclamaram essa identidade entre expansão capitalista e
processo civilizatório, quando, no Manifesto Comunista, não hesitam em
afirmar:

“A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos;


aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação à dos campos
e, com isso, arrancou uma grande parte da população do embrutecimento da
vida rural. Do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, os países
bárbaros ou semibárbaros aos países civilizados, subordinou os povos
camponeses aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente”.

A contrapartida dessa convicção dos conquistadores de ontem e de hoje


é, de parte dos conquistados, ao lado da impotência e do terror, certa dose de
sedução pela promessa do capitalismo de um aumento contínuo do excedente
e de uma consequente apropriação absoluta maior desse excedente. E isto
parece explicar por que mesmo os que não se apropriam senão muito
residualmente do excedente – como visto na Introdução, 91,6% da humanidade
adulta possui apenas 16,7% da riqueza global – viram e persistem ainda em
ver o capitalismo como um bem ou como um mal menor e, em todo o caso,
inelutável.
Não apenas as classes subalternas da sociedade ocidental, mas
numerosas sociedades não-ocidentais do século XIX foram militarmente
sujeitas, economicamente espoliadas e, em seguida, seduzidas pelo
capitalismo. Além da pólvora e do aço, uma arma fundamental dessa conquista
foi a capacidade do capital de evacuar de sentido as formas simbólicas e os
tesouros das sociedades “arcaicas” e de substituir essas formas e esses
tesouros pelo mecanismo de acumulação como uma finalidade em si, isto é,
como um objetivo que não necessita de um substrato ideológico ou religioso
para se legitimar. Novamente é noutra memorável passagem do Manifesto
Comunista que encontramos o mais inequívoco elogio dessa capacidade do
capitalismo de dissolver estruturas civilizacionais estratificadíssimas e
sofisticadíssimas como as da China, do Japão, da Índia e do Sudeste Asiático.
O valor simbólico e ritual das estruturas de poder dessas sociedades tornava-
as outrora relativamente infensas à ideia de subordinar sua tecnologia e seus
valores ao imperativo da acumulação de capital:

“Com o rápido aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e o constante


progresso dos meios de comunicação, a burguesia arrasta para a torrente da
civilização todas as nações, até mesmo as mais bárbaras. Os baixos preços de
seus produtos são a artilharia pesada que destroi todas as muralhas da China
e obriga à capitulação os bárbaros mais tenazmente hostis aos estrangeiros”.
313

13.1. Efeito-teto e acumulação ilimitada

De fato, nas sociedades pré-capitalistas, pouco monetizadas e não


totalmente regidas pelo mercado, a acumulação e a concentração de riqueza
nas mãos de uma pessoa, de um grupo social ou de uma casta, era, mesmo
quando enorme, mais simbólica que quantitativa. Antes ainda de qualquer
razão material ou tecnológica, o grande limitador dessa acumulação e
concentração de riqueza era a ausência de função. Para um Imperador
romano, chinês ou carolíngio, para suas famílias e suas cortes, não fazia
sentido acumular mais que certo limite de terras, palácios, rebanhos, grãos,
tesouros, objetos suntuários, minas de cobre ou ferro, moedas de ouro,
camponeses, soldados e escravos. A partir de certo limite, a acumulação batia
num efeito-teto, além do qual não agregava mais poder material ou simbólico
efetivo a seus detentores. Pelo contrário, ultrapassados certos limites
geopolíticos, militares, financeiros, administrativos, sociológicos, religiosos, etc,
a acumulação podia se tornar demasiado custosa e, finalmente,
desagregadora, contraproducente e autodestrutiva. Tal como a escala ideal de
um dado organismo na história da evolução, a acumulação e concentração de
riqueza, bem como o perímetro dos impérios e a segurança de suas fronteiras,
obedecem a esses critérios e limites de funcionalidade. Desrespeitá-los foi com
frequência um fator de desequilíbrio e declínio.
A desmaterialização final dos valores reais e da moeda e a abstração
extrema dos títulos contratuais do capitalismo contemporâneo foram capazes
de suprimir esse efeito-teto da acumulação e da concentração de riqueza. Livre
da gravidade da matéria, isto é, dos produtos, bens e serviços reais, e
finalmente mesmo da moeda, a acumulação galgou abstrações estratosféricas.
Hoje, a magnitude do que está em jogo na economia mundial não se mede
mais por seus ativos, isto é, por seus bens e serviços reais, nem por valores
monetários in presentia, mas pelos contratos, os quais, por definição, são algo
que não têm valor em si, mas derivam seu valor do pressuposto de que a
economia continuará a crescer e de uma estimativa de valorização do preço de
mercado a ser alcançado por algum ativo: um imóvel, a ação de uma
corporação, uma commodity na bolsa de Chicago, a taxa de juros futura, a taxa
de câmbio de uma moeda, etc. Assim, enquanto o PIB global (isto é, a soma
dos bens e serviços reais gerados pela atividade econômica) está hoje na casa
dos 70 trilhões de dólares, o Bank for International Settlements, em Basileia,
calcula que o valor dos contratos de derivativos seria, “nocionalmente”, isto é,
supostamente, de 708 trilhões de dólares, sendo que nos EUA “95% dos
contratos de derivativos são monopolizados por apenas cinco megabancos e
suas holdings”1222:

“após um aumento de apenas 3% na segunda metade de 2010, os montantes


totais nocionais de derivativos over-the-counter [OTC = ações, bônus,
commodities, swaps, etc. negociados diretamente entre agentes, i.e., fora das
Bolsas de Valores] aumentaram 18% na primeira metade de 2011, atingindo
708 trilhões de dólares ao final de junho de 2011”.

13.2. O caráter primitivo da pulsão de acumulação


314

Separada da esfera da experiência humana e sem medida comum com


as necessidades humanas (como quer que as definamos), a progressão
dessas cifras virtuais que não exprimem valor efetivo adquire uma dinâmica
autônoma e uma espessura ontológica própria, quase desvinculada, ao menos
na consciência dos agentes econômicos, da atividade econômica que lida com
bens tangíveis. A medida monetária ou pós-monetária em que se exprime
virtualmente o valor dessa “riqueza” – seja ela uma ação, um direito futuro de
comprá-la ou vendê-la por uma cifra pactuada, ou um seguro contra uma
eventual desvalorização futura dessa ação, etc – é a forma última e superior de
alienação do trabalho e de fetiche da mercadoria. Embora se movendo ainda
na sociedade de mercadorias concretas e pertencentes ao “mundo sensível”, o
pensamento de Marx acerca da alienação do trabalho e do fetiche da
mercadoria permanece, se não erro, insuperado, no que tange à decifração do
mecanismo pelo qual o valor social do trabalho é estranhado e ocultado na
mercadoria produzida sob o regime capitalista. Mas a contribuição de Freud
não é menor. A riqueza expressa na moeda, ao mesmo tempo que toma a
forma de uma espiral ilimitada e se sublima na pós-moeda, oculta sua natureza
de pulsão anal a mais primitiva1223:

“As relações entre os complexos aparentemente tão díspares do interesse pelo


dinheiro e pela defecação se revelam das mais abundantes. (...) Na verdade,
onde quer que tenham predominado ou ainda persistam, as formas arcaicas do
pensamento – nas antigas civilizações, nos mitos, nos contos de fadas e
superstições, no pensamento inconsciente, nos sonhos e nas neuroses – o
dinheiro é intimamente relacionado com a sujeira. Sabe-se que o ouro entregue
pelo diabo a seus bem-amados converte-se em excremento após sua partida e
o diabo não é senão a personificação da vida pulsional inconsciente recalcada.
Conhecemos, além disso, a superstição que aproxima a descoberta de
tesouros e a defecação, e todos estão familiarizados com a figura do ‘cagador
de ducados’. De fato, já na doutrina da antiga Babilônia, o ouro é o excremento
do inferno, Mammon = ilu manman (...).
Como é sabido, o interesse originariamente erótico pela defecação é
destinado a se extinguir nos anos da maturidade. Aparece então, como algo
novo que justamente faltava à criança, o interesse pelo dinheiro. Isto facilita o
fato de que a aspiração anterior, que está em vias de perder seu objetivo, é
redirigida para o objetivo que está em vias de emergir”.

Mas não é apenas como alienação do trabalho, como fetiche da mercadoria e


como pulsão anal transfigurada que a pulsão acumulativa revela sua natureza
primitiva. Ela é primitiva também porque emana dos medos primais da espécie
humana: o medo do escuro, do desconhecido, da escassez, das forças
adversas da natureza e da agressividade do “outro” (seja ele homem ou outra
criatura, real ou fantástica). Jean Baudrillard bem o percebe quando
escreve1224:

“O medo obsessivo dos norte-americanos é que as luzes possam se apagar.


(...) Os perfis da cidade iluminados nas mais altas horas da noite, os sistemas
de ar-condicionado refrescando hotéis vazios no deserto e a luz artificial em
pleno dia, há algo nisso tudo de ao mesmo tempo demente e admirável: o luxo
despreocupado de uma civilização rica, e, entretanto, talvez tão assustada com
315

a possibilidade de ver as luzes se apagarem quanto o caçador em sua noite


primitiva. Há alguma verdade nisso”.

Se a expectativa de acumular dinheiro é capaz de disparar altas doses


de adrenalina, se reforça uma tendência à desonestidade, como demontrado
por uma experiência publicada na Psychological Science1225, se é causa de
terríveis dependências psicológicas, se é, em suma, a mais viciante das
drogas, é porque nele se condensa uma primitiva e elementar constante
psíquica: mais excedente = mais segurança, constante baseada, como mostra
Freud, na permanência transfigurada do erotismo infantil, mas também no
sentimento de precariedade existencial de cada um diante do outro e da
natureza.
A lógica elementar de que se nutre e em que se legitima o capitalismo
continua, portanto, a mesma, tanto em termos históricos quanto em termos
psíquicos, vale dizer, desde os primórdios da economia do excedente e desde
as primeiras fases da psique. Ela se impõe às consciências dos dominantes e
dominados como algo inerente à história de nossa organização social ou
mesmo à nossa espécie.

13.3. O efeito oposto

Não é necessário insistir sobre a óbvia dívida do progresso material à


pulsão acumulativa. Mas a associação entre acumulação e segurança começa
a mostrar, hoje, o reverso da medalha. Começa a mostrar-se destrutiva e
autodestrutiva, mesmo para as sociedades e as classes que, historicamente,
dela mais se beneficiaram. Revela-se hoje, com efeito, cada vez mais ilusória a
crença de que a pulsão acumulativa possa continuar a aumentar a segurança
existencial dos homens. A partir de certo nível de acumulação de excedente –
nível que começamos a ultrapassar, verossimilmente, na segunda metade do
século XX –, a pulsão acumulativa começa a nos trazer mais insegurança que
segurança. À força de aumentar a abundância e de investir na miragem de
mais abundância, a acumulação capitalista acaba por produzir o efeito oposto
ao perseguido. Ao invés de minimizar a insegurança, ela a maximiza, ao
“produzir” uma natureza mais hostil, inclemente e avara para os homens que a
que outrora nos ameaçava. Em 1989 em seu clássico livro, The End of Nature,
Bill McKibben bem resumia o preço que começamos a pagar por essa ilusão:
“we have built a new Earth; it is not as nice as the old one”.

O esgotamento das energias centrífugas

Na Introdução (item 6), propôs-se o surgimento de uma nova lei do


capitalismo que convém aqui retomar e da qual cumpre doravante repartir: a
escassez e/ou poluição dos recursos naturais, as mudanças climáticas e
demais desequilíbrios ambientais serão doravante cada vez mais as variáveis
decisivas na determinação da taxa de lucro do capital. Essa lei é nova porque,
historicamente, sempre que o capitalismo se defrontou com o problema do
esgotamento de seu habitat imediato – a escassez de matérias-primas, de
recursos naturais e de mercados de consumo –, ele foi capaz de manter ou
aumentar sua taxa média de lucro, valendo-se de suas energias centrífugas,
isto é, da expansão militar e comercial de suas fronteiras.
316

A globalização é um fenômeno que acompanha a lenta formação do


ecúmeno desde que o Homo sapiens saiu da África mais de 100 mil anos atrás.
Mas ela não se compara em escala e rapidez com a globalização das Idades
Moderna e Contemporânea. Desde 1795, houve três ondas maiores de
globalização estrutural, entendida como saltos na relação entre o valor do
comércio global e o da produção global: 1830-1885, 1905-1914 e após
19451226. A globalização estrutural da economia a partir do segundo pós-guerra
foi a última grande expansão possível. Já em 1931, intuindo o advento de uma
nova situação histórica do homem, Paul Valéry cunhava uma de suas fórmulas
lapidares: Le temps du monde fini commence 1227. Em 2008, não é mais o
homem de letras, mas o geofísico André Lebeau que afirma no início de seu
L’enfermement planétaire: “O encontro da humanidade com os limites do
planeta é um fenômeno sem precedente na história da espécie” 1228. Como se
viu nos capítulos 8, 9 e 10, o colapso da biodiversidade, em particular dos
primatas, anfíbios, insetos polinizadores, grandes mamíferos e mais
generalizadamente da vida marinha, é o exemplo consumado, e hoje já o mais
tangível, desses limites. Os últimos grandes repositórios de diversidade
biológica – a Amazônia, algumas regiões do Ártico, da África e da Ásia tropical
– são os Rubicões extremos que a lógica centrífuga da acumulação está
ultrapassando.
O capitalismo está em vias de esgotar seu “espaço vital”. Mas ao
esgotá-lo, ele esgota correlativamente seu “tempo vital”, isto é, começa a sacar
a descoberto os recursos pertencentes às gerações vindouras. Os cálculos do
Living Planet Report de 2012, elaborado por um conjunto de instituições que
avaliou 121 países, mostram-no claramente: “estamos utilizando recursos da
ordem de 50% a mais do que a Terra pode produzir e se não mudarmos de
curso o número crescerá rapidamente. Até 2030, nem mesmo dois planetas
serão suficientes”1229. Esse déficit estrutural e em aceleração é formulado por
Paul Gilding em seu livro, The Great Disruption, nestes termos: nossa geração
é “a primeira que, ao invés de se sacrificar pelo futuro dos filhos, sacrifica o
futuro dos filhos em nosso próprio proveito” 1230. No mesmo sentido, Henrique
Lian, do Instituto Ethos, adverte que1231:

“Falar em sustentabilidade, hoje, é talvez reconhecer que se chegou a um


ponto crítico, ou limite – a partir do qual a própria sobrevivência da espécie se
encontra ameaçada –, marcado pela cada vez mais provável interferência da
geração atual sobre a expectativa de direitos de eventuais gerações futuras”.

Lester Brown é mais radical acerca do tempo vital do capitalismo:


“costumávamos pensar que seriam nossos filhos que teriam de lidar com as
consequências de nossos déficits, mas ficou agora claro que quem terá de lidar
com eles será já a nossa geração. Déficits ecológicos e econômicos estão hoje
moldando não apenas nosso futuro, mas nosso presente” 1232.
Hoje, quando a demanda por recursos naturais aproxima-se da escala
falimentar, a ameaça ao direito das gerações futuras a desfrutar desses
recursos assume um caráter concreto e iminente 1233. “Não herdamos a Terra de
nossos pais; tomamo-la emprestada de nossos filhos” 1234. Severn Cullis-Suzuki
bem percebia aos 12 anos que a geração de seus pais não lhe devolveria a
Terra que lhe tomara emprestada quando pronunciou um famoso discurso no
encerramento da seção plenária da Eco-92: “Vindo aqui hoje, não trago uma
agenda secreta. Estou apenas lutando pelo meu futuro”.
317

13.4. Predominância das forças centrípetas na Antiguidade mediterrânea

Uma visão histórica, em escorço extremo, da lógica que leva da equação


mais excedente = mais segurança à equação mais excedente = mais
insegurança, vale dizer, da Antiguidade à Idade Contemporânea, tem no século
XVI um divisor de águas. Pois é este o momento em que a sociedade europeia
começa a se orientar não mais por mitos de origem, mas por mitos de futuro,
não mais pela predominância de forças centrípetas, típicas do legado do
mundo antigo, mas pela predominância de forças centrífugas, que a impeliriam
em direção ao triunfo do sistema econômico capitalista.
Como é amplamente sabido, as condições históricas de possibilidade do
capitalismo são as revoluções científicas e tecnológicas dos séculos XVII e
XVIII. Mas é ao século XVI que é preciso remontar para surpreender em seu
nascedouro essa mutação fundamental. É claro que quem fala em expansão
europeia fala nas grandes navegações ibéricas, a tal ponto que estas se
tornaram expressões quase sinônimas. Não se trata aqui de rediscutir os
fatores geográficos, econômicos, geopolíticos e religiosos normalmente
evocados quando se procura explicar a gênese do processo histórico das
grandes navegações. Trata-se de entender como o impulso do homem europeu
em direção ao domínio de novos espaços e de novas paisagens é parte de
uma descontinuidade civilizacional maior, a separar um mundo dominado por
forças centrípetas, o mundo mediterrâneo criado pela Antiguidade, de um
mundo dominado pelas forças centrífugas geradoras, em última instância, do
capitalismo contemporâneo, o mundo norte-atlântico (hoje em vias de se tornar
norte-pacífico). Em 1971, em sua aula inaugural no Collège de France, André
Chastel refere-se a esta descontinuidade civilizacional entre mundo
mediterrâneo e mundo norte-atlântico em termos certeiros 1235:

“A civilização industrial, fundamentalmente setentrional e atlântica, não podia


senão esmagar até suas últimas articulações os sistemas das formas
mediterrâneas que se haviam imposto na Idade anterior; a eloquência e o
formalismo do mundo meridional não mais se impunham”.

Como outras civilizações, também as da Antiguidade mediterrânea


continham em si forças centrífugas que lhe infundiram dinâmicas
expansionistas. Circunstâncias geográficas e geopolíticas estabeleceram,
entretanto, freios e limites à tendência dos povos do Mediterrâneo a sair de si.
Assim, as forças centrífugas que levaram à expansão do reino da Macedônia
em direção à Ásia Central foram de natureza apenas espasmódica e episódica.
Desde meados do século III a.C. o novo Império parta restaurara as tradições
iranianas, reconstituindo a barreira que vedaria sucessivamente ao Império
Romano qualquer pretensão de influência duradoura além da província romana
da Síria. A civilização que desde Johann Gustav Droysen chamamos
helenística concentrou-se finalmente nas margens orientais do Mediterrâneo,
entre Atenas, Alexandria, Antióquia, Pérgamo, Éfeso e demais cidades
portuárias do Mar Egeu na Ásia Menor (Mileto, Esmirna, Halicarnasso, etc). No
que se refere à expansão do império romano, a reequilibração das forças
centrífugas pelas centrípetas implicará a estabilização do limes imperial, ao
longo das dinastias julio-claudiana e antonina, com a grande exceção das
318

campanhas de Trajano. De fato, barreiras político-militares e físicas ao norte,


sul e oeste induziram rapidamente o Império romano a concentrar suas
ambições e sua identidade no Mare nostrum e em seus territórios adjacentes, e
a investir, sobretudo após Adriano (117-138), em suas forças centrípetas, vale
dizer, numa reconversão ao eixo Roma-Atenas, mais que em suas forças
centrífugas1236.
Essa predominância do centrípeto sobre o centrífugo não foi moldada,
entretanto, apenas por barreiras “externas”, tais como a geografia ou a força
político-militar dos partas. A Antiguidade mediterrânea fez da necessidade
virtude, ao colocar no centro de sua aspiração à sabedoria, o primado da
parcimônia, do equilíbrio e do autoconhecimento, valorizando para tanto as
forças centrípetas de modo a contrabalançar suas mais primitivas pulsões
centrífugas. Essa valorização se verifica nas mais diversas manifestações da
vida mediterrânea: da forma urbis à política e à arte, da religião à filosofia.
Não apenas o geocentrismo sugere uma visão centrípeta do cosmos,
mas o próprio cosmos se constitui – nessa grande síntese filosófica da
Antiguidade que é a cosmologia de Plotino – como uma superação do
centrífugo pelo centrípeto, vale dizer, como o duplo movimento pelo qual as
hipóstases, emanadas do Um (En) e tendo dele se afastado na procissão
(proodos), retornam a ele na conversão (epístrofe). Este movimento contrário
das hipóstases de se afastar da origem e retornar a ela “não deve”, como bem
faz notar Pierre Aubenque1237, “se entender no sentido de uma relação
mecânica de inversão entre uma ida e um retorno ou uma descida e uma
subida. Pois não há aqui, como na alegoria platônica da caverna, uma
topografia pré-existente: é o caminhar (cheminement) que precede e constitui o
caminho. Deve-se representar a conversão como o ato pelo qual o fluxo se
recolhe, ‘recorda-se’ de sua fonte e, neste ato, fixa-se. (...) A conversão
estrutura assim a procissão e a torna constituinte”. Esse movimento de sístole
e diástole do pneuma cósmico de procissão expansiva, recordação da origem e
conversão à origem, constituinte do mundo, reproduz-se no movimento da alma
que desce no corpo para depois retornar à sua origem celeste, como propõe
Sócrates no Fedon, por exemplo1238. Ainda nesse sentido psicológico, a
conversão está presente já na experiência fundamental de iluminação do
filósofo, que se recolhe do mundo sensível para ter acesso ao mundo inteligível
(República, 518c) ou à intuição extática do Um, como em Plotino, segundo o
que dele escreve seu biógrafo, Porfírio. Essa experiência designa, tanto para
Platão como para Plotino, a essência do processo de conhecimento, que não é
exploração ad extra, mas reminiscência.
Na cultura greco-latina, urbana por excelência, as forças centrípetas
exercem-se já na forma concêntrica da polis grega, gravitante em torno de sua
acrópole, bem como na assim chamada “Roma quadrata” e em geral na
localização do mondus, o buraco aberto no exato centro do pomerium, que
devia abrigar os objetos sacrificiais e propiciadores durante os ritos de
fundação das cidades. A imbricação até a saturação da cultura grega na cultura
latina, a autossuficiência alimentar, as generosas coordenadas climáticas e a
forma geográfica “fechada” do Mediterrâneo, promotora de interações entre as
civilizações que o bordejam, tudo favorece aqui o prevalecer de concepções
centrípetas do mundo.
O imaginário e as formas artísticas fundamentais da cultura greco-
romana conformam-se a essa concepção. A tragédia era, como se sabe, uma
319

advertência contra o impulso de se aventurar para fora do limite assinalado à


condição humana, contra o crime da desmedida (hybris), punido pela justiça
reparadora de Nêmesis. A epopeia exprimia igualmente energias centrípetas.
Na Ilíada, não é uma força centrífuga que leva os gregos à sua expedição
contra Troia, mas uma força centrípeta: a necessidade de restaurar a ordem,
transgredida por Páris. A mais paradigmática matéria da épica antiga, a viagem
de Ulisses, não conta a ousadia de se aventurar para fora dos limites do
próprio mundo, mas narra, ao contrário, seu retorno a Ítaca, ao próprio reino e
lar. Das fabulosas viagens que Ulisses narra na corte de Alcinous e de
narrativas congêneres, como as de Ctésias no país dos Indianos e de Jâmbulo
no “Mar grande”, Luciano fará em Uma História verdadeira uma paródia que
bem ilustra a falta de interesse dos gregos pela efetiva exploração do mundo
não-mediterrâneo.
A viagem que a gesta antiga narra, em suma, é menos exploratória que
iniciática. A viagem do herói – Ulisses, Hércules, Teseu, Jasão, Eneias ou
Psiquê – não tem por fim senão o retorno à origem, ao mundo no qual o herói
é, enfim, reconhecido e se reconhece. A tal título, a experiência do herói épico
é susceptível de ser resumida pela máxima da sabedoria délfico-socrática 1239,
inscrita, segundo Pausânias (10.24.1), no pronaos do Templo de Apolo em
Delfos: gnōthi seautón ou nosce te ipsum, isto é, conhece-te a ti mesmo. Todas
as provas e provações de Lucius e de Psiquê nas Metamorfoses de Apuleio
nascem de sua nimia curiositas, definida como incapacidade de perceber a
antinomia entre o saber centrífugo de muitas coisas (multiscius) e o
conhecimento centrípeto da sabedoria (prudentia)1240. Confundir conhecimento
com a exploração de domínios outros que o próprio é, para a Antiguidade, o
signo distintivo da perda da Idade de Ouro. Nas Metamorfoses (I,89-90), Ovídio
caracteriza essa Idade como aquela na qual jamais ainda “o pinheiro descera
para as líquidas ondas e nenhum mortal conhecera outras praias que as suas”
(Montibus in liquidas pinus descenderat undas / Nullaque mortales praeter sua
litora norant).
Mesmo a viagem de Eneias não é exporatória, simples errança, mas um
retorno iniciático a Troia. O que assegura a continuidade de Troia em Roma é a
translatio das relíquias sagradas, os objetos sacros e os “penates pátrios”, os
deuses tutelares de Troia, que Anquise deve carregar, posto que Eneias não
pode tocá-los, sob pena de sacrilégio, enquanto tiver as mãos sujas de sangue:

Tu, genitor, cape sacra manu patriosque penatis;


me, bello e tanto digressum et caede recenti,
attrectare nefas, donec me flumine vivo
abluero

Tu, padre, o que há de sacro e os divos toma:


Eu da matança tinto, ímpio é tocá-los,
Sem que me expurgue em vívida corrente
(tradução de Odorico Mendes)

Não a viagem em si, mas a translação dos penates é a matéria do poema de


Virgílio e, por conseguinte, estes comparecerão indefectivelmente na
abundante iconografia romana conservada desde o século I d.C.. Essa
operação de transplante dos deuses tutelares de um lar ou de um Estado é o
que garante e sacramenta a ideia de refundação do centro, totalmente estranha
320

à de expansão do limite. Embora no canto VI, Anquise formule o mito do futuro


de Roma, este podia ter força de mito tão somente na medida em que se
fundava num mito de origem. A translatio de Troia ao Lácio não pode ser assim
entendida como o resultado de uma força expansionista, tal como na moderna
conquista do continente americano pelas sociedades europeias. Ela é ao
contrário uma operação de restauração de Troia, rediviva em Roma, estratégia
particularmente apta a superar o complexo de inferioridade dos romanos em
relação à maior antiguidade dos gregos 1241. Os romanos não se consideram,
assim sendo, superiores aos gregos por serem mais modernos que eles (como
os norte-americanos do Novo Mundo em relação aos europeus), mas por
serem, como suas origens troianas podiam atestá-lo, mais antigos que eles.
Malgrado as tentativas isoladas de Heródoto e de Tácito de
compreender culturas situadas fora de suas coordenadas civilizacionais, para o
homem mediterrâneo antigo não há civilização possível longe das margens de
seu mar. À medida que se afasta dele, o mundo é desabitado ou habitado por
povos e animais monstruosos, isto quando não assume, fisicamente, formas
deliquescentes. Em uma passagem do seu livro, atinente à geografia da
Europa (XXXIV, 3-4), Políbio transmite o relato de Píteas de Massália de sua
viagem marítima à Thule, os limites setentrionais do continente europeu:

“regiões nas quais não há mais propriamente terra, nem mar, nem ar, mas uma
mistura das três da consistência de uma água-viva, na qual não se pode nem
andar, nem navegar, pois tudo se mistura, por assim dizer. Ele [Píteas] afirma
ter visto, ele próprio, essa substância semelhante à água-viva, mas que do
resto apenas ouviu falar”.

O limite espacial como signo da sabedoria: as colunas de Hércules

Esse limite espacial ocidental do mundo antigo era estabelecido, como


se sabe, pelas colunas que Hércules havia erigido sobre os rochedos de
Gibraltar, após roubar os bois do monstro Gerião que habitava em Eriteia,
(“país vermelho”), a mítica ilha próxima de Gades, no extremo oeste do
Mediterrâneo. Segundo uma perdida referência de Píndaro recolhida no livro III
da Geographia de Estrabo (3.5.5.), Hércules haveria erigido suas colunas no
limite extremo de seu mundo:

“os pilares que Píndaro chama ‘as portas de Gades’ quando afirma que
que elas são o ponto extremo atingido por Héracles”.

Em conformidade com o saber geográfico de Anaximandro e de Hecateus de


Mileto, consignado no Periodos Ges, de inícios do século V, Heródoto (IV, 42)
relata que essas colunas haviam sido ultrapassadas, primeiramente, por uma
expedição fenícia que completara o périplo da Líbia e, numa segunda vez, por
uma expedição cartaginense, que havia, contudo, desistido de completar a
viagem, “aterrorizada pela distância a percorrer e pela solidão”. Além disso,
sempre segundo Heródoto, os cartaginenses comercializavam habitualmente
com certos povos no litoral atlântico da África, informação confortada pelo
Periplus de Hanno II Cartaginense que data de 500 a.C. circa.
Esse limite era, portanto, um limite especificamente grego (e depois
romano) e o era não apenas em termos geográficos, mas também no sentido
em que ultrapassá-los era algo que transgredia o ideal filosófico e moral de
321

uma sabedoria que consistia em viver dentro dos próprios limites. De fato, o
próprio Píndaro afirma nos versos finais da terceira das Odes olímpicas que:

“a virtude de Teron vai longe de sua casa, toca as colunas de Héracles, além
das quais não há via, nem para os tolos, nem para os sapientes, e seria
loucura se eu nela prosseguisse”.

As colunas de Hércules eram na Antiguidade, em suma, um Nec plus ultra, um


marco a ser entendido em duas acepções. Antes de mais nada, elas eram um
Non Terrae Plus Ultra, vale dizer, uma advertência cosmográfica, um marco
espacial a não ser ultrapassado, posto que o próprio Hércules, herói por
excelência, não a ultrapassara.
Mas elas exprimiam igualmente uma dimensão filosófica e moral, pois
assinalavam um traço distintivo do nada em excesso, o "nada demais" (mêdén
ágan) da prudência délfico-socrática. A dupla dimensão cosmográfica e
filosófico-moral desse Nec plus ultra estabelecido por Hércules transmitia em
suma uma constelação de noções centrais do pensamento grego e latino,
condensados nos conceitos de sophrosyne, phronesis ou prudentia, que
exortavam o homem antigo a conservar, ou restaurar quando transgredidas, as
ideias de origem e de limite.
A essência dessas noções era a aceitação pelo homem do lote que lhe
cabe na existência, essência que se exprime tanto na lei divina (themis),
quanto na lei humana (nomos) e em outras figuras filosóficas, religiosas e
jurídicas do mundo greco-romano. Mencionemos rapidamente algumas delas, a
começar pelo mito dos dois cântaros nos umbrais de Zeus, que Homero
relembra no patético discurso de Aquiles a Príamo:

Mas senta agora neste trono: aflitos ambos,


deixemos que serene a dor no coração,
pois do pranto glacial não deriva nenhum
proveito. Assim os deuses urdem o fadário
dos infaustos mortais: um viver agoniado,
sendo os númes incólumes; pois há dois cântaros
nos umbrais de Zeus, cheios de dons que ele nos dá,
um de ruins, de bons o outro. Mescla-os Zeus fulmíneo
e os versa: ora o mal, ora o bem, deparará
quem os receba; quando maldosos opróbios
apenas colha, malsinado vagará
pela terra divina, famélico,
menosprezado por mortais e deuses
(tradução de Haroldo de Campos)

A mesma ideia exprime-se na balança fatídica de Hermes psicopompos, que


vemos pintado em vasos gregos desde ao menos o século VI. Exprime-se
ainda em Têmis, divindade abstrata, de cuja união com Zeus nascerá, segundo
Hesíodo (Theog. 901-906), as Horas e as Parcas, irmãs que regulam a boa e a
má hora do homem. Toda uma série de divindades. Pense-se, enfim, nessas
divindades pré-olímpicas que administram a justiça divina e o destino dos
homens e das cidades – Tyké e Nêmesis – fiadoras da justiça distributiva dos
deuses, divindades tão frequentemente presentes nos emblemas das cidades
quanto na iconografia funerária.
322

Em Os Trabalhos e os Dias (v. 40), Hesíodo exclama contra os que


pretendem transgredir esse ideal da moderação, o culto do limite e aceitação
da justiça distributiva: “Tolos! Não sabem como a metade vale mais que o
todo”. Em Roma, as noções de sophrosyne, phronesis e prudência
consubstanciavam-se nas Terminalia em honra a Terminus, divindade tutelar,
primordial e inamovível, do limite entre as propriedades, instituída por Numa, e
cuja imagem era cultuada no interior do templo de Jupiter Optimus Maximus.
Elas ecoam na lapidar máxima jurídica dos romanos: Suum cuique tribuere,
atribuir a cada um o seu. E novamente na famosa invectiva de Plínio o Antigo
(H.N., 35,1) contra a profanação da terra, contra a cobiça que o ouro e outros
minerais das entranhas da terra atiça nos homens:

Quam innocens, quam beata, immo uero etiam delicata esset uita, si nihil
aliunde quam supra terras concupisceret, breuiterque, nisi quod secum est!

“Quão inocente, quão feliz, ou antes quão delicada seria a vida, se ninguém
cobiçasse outra coisa que as terras superficiais, em suma, senão o que está
consigo!”

Dante

Dante não conheceu os acima citados versos finais da terceira Olímpica


de Píndaro, sobre a insanidade de se aventurar além das colunas de Hércules,
mas parece a eles aludir quando, chegado ao círculo dos conselheiros pérfidos,
ouve da alma de Ulisses, transformado numa chama, como extraviou seus
velhos companheiros, exortando-os a navegar além das colunas de Hércules:

Io e i compagni eravam vecchi e tardi


Quando venimmo a quella fosse stretta,
Ov’Ercole segnò li suoi riguardi,
Acciò che l’uom più oltre non si metta

Éramos, eles e eu, velhos e tardos


Quando chegamos à estreita passagem
Em que Hércules ergueu suas guardas
Para que o homem mais além não avance.

Dante conclui o episódio, narrando como o redemoinho fatal que envolve a


nave de Ulisses e de seus companheiros surge justamente no momento em
que os heróis exultam à vista da ilha do Purgatório, que eles julgam
erroneamente ser a ilha de um novo mundo e de sua salvação. A euforia pela
imprudente tentativa de dilatação do cosmos antigo revela-se ser, para Dante,
uma hybris, uma profanação do lugar em que se exerce a justiça divina,
vedado aos homens. Quase dois milênios após Píndaro, Dante reitera mais
uma vez como as colunas de Hércules condensam a lição da superioridade
filosófica, moral e religiosa das forças centrípetas sobre as forças centrífugas.

Da cosmografia de Dante à psicologia de Petrarca

Essa superioridade admonitória está presente também na tradição


cartográfica conservada dos séculos X ao XIV. Tal como na Antiguidade, a
323

cosmografia medieval é impregnada de sentido moral. Observe-se em especial


no Mapa-múndi de Hereford, de 1280 (fig. 1), como tudo converge para o
centro, que é Jerusalém, origem do Cristianismo, e que as forças centrípetas
desse mapa não são senão uma metáfora das forças centrípetas que atraem o
homem a Deus, representado no Juízo Final, que preside toda a composição.
Na extremidade inferior do mapa, com as colunas de Hércules, temos assim o
fim do espaço geográfico, o espaço que a justiça divina concede ao homem,
enquanto na extremidade superior, temos o fim do tempo histórico, o Juízo
Final. Espaço e tempo não são aqui senão expressões de uma mesma
estrutura centrípeta que ordena o homem antigo e medieval.
Não é surpreendente, assim, que a autorecriminação de Ulisses na
Divina Comédia se traduza na crise de consciência de Petrarca – a primeira
crise de consciência do homem moderno – em face da tentação, e da
vanidade, de outra transgressão espacial: sua escalada do Monte Ventoux,
ocorrida supostamente em 13361242. Numa epístola a Dionigio da Borgo San
Sepolcro, Petrarca assim inicia essa fábula moral sobre “seus próprios afãs”, já
magistralmente comentada por Jacob Burckhardt 1243:

Altissimum regionis huius montem, quem non immerito Ventosum vocant,


hodierno die, sola vivendi insigni loci altitudinem cupiditate ductus, ascendi

Hoje, tão somente pelo desejo de visitar um lugar famoso pela altura, subi na
mais alta montanha desta região, que não por acaso chamam Ventoso.

E, atingido o ápice de sua esfalfante subida, Petrarca, abrindo ao acaso o


volume das Confissões que lhe dera Dionigio e que levava como um vade
mecum, é fulminado por Agostinho:

“As primeiras palavras que li foram: ‘E os homens vão admirar os cimos das
montanhas, as vagas do mar, o vasto curso dos rios, o circuito do Oceano e o
movimento dos astros, e esquecem-se deles mesmos’. Fiquei estarrecido,
confesso, e dizendo a meu irmão, desejoso que eu continuasse a ler, que não
me incomodasse, fechei o livro, enraivecido contra mim mesmo por admirar
ainda as coisas terrenas, quando desde há muito deveria ter aprendido,
inclusive dos filósofos pagãos, que nada é digno de admiração senão a alma,
para a qual nada é demasiado grande”.

13.5. O emblema de Carlos V

Ao longo do século XV, as colunas de Hércules perderam seu significado


de marco geográfico. Mas essa perda, de um lado, aguçou sua dimensão
simbólica e, de outro, inverteu seu significado antigo, quando, em outubro de
1516, Luigi Marliano forjou para o futuro Imperador Carlos V o mote: Plus
Oultre. Nessa forma francesa, essa impresa conserva-se ainda no teto de seu
palácio de Alhambra, em Granada, mas a divisa viria a se fixar já em 1518 na
forma alemã, Noch Weiterer no retrato de Carlos V pintado por Hans Weidtiz,
ou na forma latina mais habitual, Plus Ultra. Por vezes, a divisa Plus Ultra é dita
apenas pelo ícone das duas colunas, como na moeda cunhada para a
coroação de Carlos V em Bolonha em 1530, ou ainda numa célebre água-forte
324

de 1556, pertencente à série das vitórias de Carlos V, onde as duas colunas de


Hércules servem de dossal do trono do imperador.
É improvável, como argumenta Earl Rosenthal 1244, que em 1516, a
impresa de Carlos V já aludisse às colônias da Nova Espanha. Ela traduzia a
ideia geral e abstrata de uma nova concepção da virtù a qual consistia,
doravante, no predomínio do ímpeto sobre a autocontenção, predomínio que
doravante desafiava, recusava e se contrapunha abertamente à tradição do
sophrosyne, da phronesis e da prudentia. Esse ímpeto centrífugo podia se
esquivar sem dificuldade da acusação de soberba já que seu álibi era a santa
ambição de universalizar o Cristianismo, como num movimento de
compensação pelas perdas sofridas no Mediterrâneo oriental. Mas ele não
podia fazer triunfar sobre o gentio sem sacrificar, para si próprio, ao menos
duas das virtudes cardinais platônicas acolhidas pela teologia cristã: a
prudência e a temperança.
É claro que os mitos de origem continuarão a existir ao longo do século
XVI. Lisboa teria sido fundada por Ulisses, os Tudor teriam sua remota origem
no rei Artur e, para além dele, em Troia 1245, diversas linhagens italianas tinham
seu capostipite em personagens da mitologia greco-latina. Mas tudo isso vai se
tornando irremediavelmente apenas matéria de genealogias e de elogios
poéticos. São os mitos de futuro que começam doravante a operar e não é aqui
o momento e lugar para inventariar a recorrência do topos da superação da
Antiguidade a partir de meados do século XVI, incansavelmente repetido por
Vasari, Giovio, Cardano e tantos outros.
Se a Idade Moderna, que se abre com a definitiva dominação hispano-
habsbúrgica sobre a Itália a partir do terceiro decênio do século XVI, pode ser
justamente chamada “moderna”, é porque com ela se afirma esse imperativo
das forças centrífugas. Assim, nada resta do sentido restaurador da épica
antiga na epopeia ibérica. A matéria d’Os Lusíadas de Camões não evoca a
reparação de uma transgressão como a de Páris, o retorno a casa como o de
Ulisse ou um mito de origem como a fundação de Roma. O que o poema canta
é, de fato, a superação da Antiguidade, e desde logo nos celebérrimos versos
do seu exórdio:

Cessem do sábio grego e do Troiano


As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

Os heróis camonianos já não têm ouvidos para os vitupérios contra a expansão


marítima lançados da praia por um ancião, anônimo representante do povo, o
Velho do Restelo – “velho d’aspeito venerando (...) C’um saber só de
experiências feito”:

A que novos desastres determinas


De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
325

As oitavas do Velho do Restelo são o último eco da antiga advertência délfico-


socrática, agora abandonada, e não por acaso o Velho do Restelo compara
Vasco da Gama e os seus a Fetonte e a Ícaro, culpados da hybris de um plus
ultra, punida pelos deuses:

Não cometera o moço miserando


O carro alto do pai, nem o ar vazio
O grande arquitector co’ filho, dando,
Um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio

Em meados do século seguinte, Pascal (Pensées, 139) renovará a ideia da


Idade de Ouro de Ovídio e a censura do Velho do Restelo, e julgará descobrir
no ímpeto de sair de casa a fonte de toda infelicidade humana:

J’ai découvert que tout le malheur des hommes vient d’une seule chose, qui est de
ne savoir pas demeurer en repos dans une chambre. Un homme qui a assez de
bien pour vivre, s’il savait demeurer chez soi avec plaisir, n’en sortirait pas pour
aller sur la mer ou au siège d’une place.

Descobri que toda a infelicidade dos homens provém de uma só coisa, que é a de
não saber ficar em repouso numa sala. Um homem que tem o suficiente para viver,
se soubesse ter prazer em ficar em casa, não se lançaria ao mar ou ao assalto de
uma praça forte.

É tentador ver nesse divertissement serieux de Pascal uma crítica ao


frontispício da Instauratio magna (fig. 2), publicado em 1620, no qual Sir
Francis Bacon (1561-1626) retorna à imagem das colunas de Hércules, desta
feita, contudo, para identificá-las com a ciência de Aristóteles que o Novo
Organon Scientiarum está ultrapassando ao se lançar justamente no mar
aberto do futuro. Para tornar ainda mais explícita essa alegoria, Bacon
escreverá em baixo, sempre no tempo futuro:

Multi pertransibunt & augebitur scientia

Muitos ultrapassarão [as colunas de Hércules] e a ciência será aumentada.

O aforisma de Bacon segundo o qual ipsa scientia potestas est1246 (o


conhecimento é, ele próprio, poder) conhecerá uma enorme fortuna, sendo
repetido quase ipsis verbis por Thomas Hobbes em seu De homine de 1658.
Ele formula em sua essência o mito do futuro: a transformação do
conhecimento em operação, em apropriação técnica da relação causa-efeito,
graças à qual o aumento do conhecimento científico redundará em correlativo
aumento do poder sobre a natureza. Bacon o diz melhor que ninguém 1247:

Human knowledge and human power meet at a point; for where the cause isn’t
known the effect can’t be produced

“O conhecimento humano e o poder humano encontram-se num ponto; pois


onde a causa não é conhecida o efeito não pode ser produzido”.
326

Para que a reprodução ampliada do capital viesse a constituir o telos do


sistema econômico capitalista era antes necessário que o poder sobre a
natureza viesse a constituir o telos do conhecimento. Heidegger bem percebe
isso em seu ensaio sobre a questão da técnica 1248:

“A física moderna não é experimental por usar, nas investigações da natureza,


aparelhos e ferramentas. Ao contrário: porque, já na condição de pura teoria, a
física leva a natureza a expor-se como um sistema de forças que se pode
operar previamente, é que se dispõe do experimento para testar se a natureza
confirma tal condição e o modo em que o faz”.

Para o capitalismo, o saber será, doravante, “saber como”, será know-how, e a


tecnologia acabará por se converter na instância definidora da natureza
humana. Numa nota do capítulo XIII do livro I do Capital, Marx distingue com
seu habitual humor o homem antigo do burguês de seu século 1249:

“A definição de Aristóteles [do homem] é propriamente a que ele é por natureza


um habitante da pólis. Essa definição caracteriza a Antiguidade clássica tão
bem quanto a definição de [Benjamin] Franklin – segundo a qual o homem é
por natureza um fabricante de ferramentas –, caracteriza o Yankee”.

Nesse contexto, não há mais lugar para os valores a que remetem as colunas
de Hércules, a sophrosyne, a phronesis e a prudentia greco-latinas. Na
alvorada do capitalismo industrial a virtude da prudência, central na tradição
clássica, perde muito de seu valor. Voltaire a considerava “une sotte vertue” 1250
(uma tola virtude) e “Kant a baniu da moralidade porque seu imperativo não era
senão hipotético”1251. A prudência não podia evidentemente se sobressair na
escala de valores desse Yankee “fabricante de ferramentas” em que se tornara
o Homo sapiens.

13.6. Tecnolatria e distopia

A partir de meados do século XX, o homem contemporâneo começa a se


defrontar com o fato de que a potenciação contínua dessas “ferramentas”
começa a trabalhar contra ele. O fato foi sublinhado não apenas por Heidegger
no ensaio de 1953 acima citado, mas por diversos pensadores depois dele, e
de diversos pontos de vista, desde cientistas como Rachel Carson, até filósofos
situados em posições muito diversas no arco ideológico do pensamento crítico
da segunda metade do século XX, digamos de Marcuse a Jacques Ellul 1252 e
Hans Jonas1253, que sublinha numa passagem de seu The Imperative of
Responsability, justamente o lado ominoso do ideal baconiano (the ominous
side of the Baconian ideal)1254:

“O perigo deriva das dimensões excessivas da civilização científico-tecnológica


e industrial. O que poderíamos entender por um programa baconiano –
nomeadamente, orientar o conhecimento para o poder sobre a natureza, e
utilizar o poder sobre a natureza para a melhora do destino humano – carece
desde o início em sua execução capitalista da racionalidade e da justiça com a
qual ele poderia ter-se associado”.
327

De seu lado, em sua crítica do conceito weberiano de racionalidade, Herbert


Marcuse, por exemplo, afirma que1255:

“O conceito de razão técnica é talvez também em si mesmo ideologia. Não só


sua aplicação, mas já a própria técnica é dominação metódica, científica,
calculada e calculante (sobre a natureza e sobre o homem). Determinados fins
e interesses da dominação não são outorgados à técnica apenas
‘posteriormente’ e a partir de fora – inserem-se já na própria construção do
aparelho técnico”.

O ideal moderno do Plus ultra desaguará enfim nos mitos tipicamente


norte-americanos da conquista incessante de “novas fronteiras”. Tanto quanto a
ideia admonitória de limite suscitada pelas colunas de Hércules até o século
XV, esse ideal da ultrapassagem permanente constitui, inversamente, a pedra
de toque da Weltanschauung contemporânea.

Do domínio ao autodomínio: a audácia da prudência

Diante, contudo, da potência destrutiva dessas forças centrífugas,


começa a despertar no homem contemporâneo a percepção de um excesso e,
com ela, a reminiscência da lição greco-latina da autogestão prudente de seu
engenho. Para sobreviver à armadilha de seu próprio poder, o homem
contemporâneo começa a perceber que a prudência de romper o bloqueio
filosófico e ideológico da acumulação e da razão técnica é na realidade algo
que requer uma audácia extrema. Pois não há audácia maior que conquistar
poder sobre seu próprio poder. Longe de ser confundida com falta de audácia,
a conquista sobre o próprio poder era considerada na Antiguidade a máxima
demonstração de grandeza. Na Historia natural (XXXV, 87), Plínio dá
expressão lapidar a esse topos essencial da sapiência antiga ao dizer que
Alexandre Magno fora magnus animo, maior imperio sui, isto é, grande em
ânimo, mas ainda maior pelo império conquistado sobre si próprio. Assim, a
verdadeira “nova fronteira” do homem é a tomada de consciência do caráter
fútil, pueril e autodestrutivo dessa fuite en avant. Como bem escreve Michel
Serres1256:

“Por que é preciso, doravante, tentar dominar nosso domínio? Porque,


desregrado, exorbitando de seu objetivo, contraproducente, o domínio puro
volta-se contra si”.

Se o ideal délfico-socrático de medida, autodomínio e conhecimento de


si inspirou o pensamento e a arte da Antiguidade, as obras literárias e
cinematográficas mais penetrantes e impactantes do mundo contemporâneo a
partir do primeiro pós-guerra serão advertências e reações justamente à
ausência desse ideal. Os grandes ícones dos anos 1920-1960 serão análises
distópicas do mundo criado pela técnica, plasmada na máquina ou na
manipulação dos dispositivos psíquicos: Metropolis de Fritz Lang (1926),
Tempos Modernos (1933-1936) de Chaplin, Admirável Mundo Novo de Huxley
(1932), 1984 de Orwell (1949), o díptico de Stanley Kubrik, Dr. Strangelove
(1964) e 2001 – Odisseia no espaço (1968), One-dimensional man de Marcuse
(1964)1257 e La Société du Spectacle (1967) de Guy Debord.
328

A partir dos anos 1970, surgirão as grandes distopias de John Brunner,


Philip Dick e William Gibson, além do revival de outro subgênero da ficção
científica, chamado pós-apocalíptico, no qual o mundo que conhecemos é
destruído, não mais por qualquer agente exógeno, e sim pela própria
engrenagem da técnica, através de um cataclisma nuclear, uma singularidade
cibernética ou um colapso ambiental. Este subgênero conheceu momentos de
grande êxito, desde Terminator (1984) de James Cameron e Matrix (1999) dos
irmãos Andy e Larry Wachowski, ao romance The Road de Cormac McCarthy
(2006) e à animação Wall-E (2008) de Andrew Stanton, que merecidamente
encabeça a lista da revista Time dos “Melhores Filmes da Década”. Na mesma
linha de reflexão sobre o colapso ambiental é outra animação, The Lorax
(2012), ambientada em Thneed-Ville, uma cidade igualmente pós-apocalíptica,
feita de plástico, onde seus inocentes habitantes vivem enclausurados, não já
numa nave espacial, mas numa muralha que os separa de um mundo sem
vida.

Um caveat final

Um denominador comum a toda essa enorme produção ficcional é, por


certo, a crítica à técnica, que nela assume, como dito acima, uma forma
equivalente à da hybris na economia da tragédia grega 1258. Ora, é fundamental,
antes de passar ao último capítulo, evitar o mal-entendido que consiste em
atribuir a crise ambiental ao desenvolvimento técnico, como se a técnica fosse
uma instância originária.
Seria tão pueril criticar a técnica, quanto defendê-la. A técnica e a
racionalidade que a preside não necessitam de advogados de defesa, tal é a
evidência com que seus feitos se impõem à admiração geral. Desde o
machinisme do século XVII1259, sua capacidade de pensar e constituir o mundo
como mecanismo e, em seguida, como um sistema termodinâmico permitiu ao
homem penetrar de modo cada vez mais aprofundado nas engrenagens do
mundo físico. Quando a evolução vertiginosa da técnica contemporânea
desorienta os parâmetros do conhecido e evoca medos primais de um Golem
cibernético, é mais que nunca necessária a advertência de Gérard Lebrun 1260
de que a crítica à técnica não resvale numa tecnofobia, no limite numa
tecnoclastia, não distante do oitocentista fetichismo dos luddistas contra a
máquina em si. É fato. Mas Lebrun parece mais atento aos tecnófobos que aos
tecnólatras. Ora, tão ou mais fetichista que a tecnofobia é a tecnolatria, que se
prostra diante da técnica como se esta fosse capaz de oferecer um desenlace
feliz à tragédia do homem náufrago da destruição de seu habitat.
Objetivação do engenho humano, a técnica é um bem. E é mais que
nunca imprescindível, pois a desaceleração do processo entrópico passa pela
aceleração da inovação técnica. Só com o uso intensivo de tecnologias novas e
de mínimo impacto ambiental conseguiremos retardar, ou quem sabe mesmo
reverter, o curso da destruição da biosfera. Mas, por enquanto, em sua
“execução capitalista” para dizê-lo com Hans Jonas, a técnica tem sido
empregada, sobretudo, para a aceleração desse processo, vale dizer, para
potenciar a intromissão violenta e devastadora do homem nos equilíbrios
ecossistêmicos planetários. Esse “mau uso” da técnica não decorre de um
equívoco a ser corrigido por um gradual auto-aperfeiçoamento do capitalismo.
Esse “mau uso” da técnica é uma determinação essencial do capitalismo. Não
329

há bom uso possível da técnica no capitalismo pela simples razão de que este
a concebe como uma alavanca para a potenciação do excedente e para o
aumento do consumo. Pôr o engenho humano a serviço da radical diminuição
da pressão antrópica sobre a biosfera e adotar um ideal e um programa
concreto e urgente de autolimitação da produção, com uma radical diminuição
e redistribuição social do consumo 1261, tais são as questões definidoras de uma
nova agenda e de um novo espectro político-ideológico inconcebíveis enquanto
perdurar a ilusão do ilimitado.
330

14. A ilusão antropocêntrica

Vimos nos dois capítulos precedentes o quanto a crença na ideia da


possibilidade de um “capitalismo sustentável” é uma ilusão do pensamento
político, social e econômico contemporâneos, provavelmente a maior delas.
Vimos em seguida como essa ilusão assenta-se sobre outra, radicada em
fases primitivas da psique e de comportamentos de espécie: a ilusão de que
nossa segurança é diretamente proporcional ao aumento do excedente. Trata-
se, neste capítulo, de situar essas duas ilusões no âmbito de uma terceira, de
caráter metafísico e religioso, que as gera, acolhe, sustenta e engloba: a ilusão
antropocêntrica.

14.1. Eminência e transcendência

O termo antropocentrismo tem acepções diversas e convém de início


precisá-las para evitar mal-entendidos. Num primeiro sentido, o
antropocentrismo é o cárcere mental inescapável de toda identidade. Em 1899,
Sully Prudhomme assinalava a constante mental dos homens que consiste em
“conceber toda atividade do mundo externo a partir da sua própria, tal como a
revela sua consciência”1262. Nesse sentido, tem razão Serge Moscovici quando
se antecipa à acusão de antropocentrismo ao reivindicá-lo: “Todos os nossos
modelos da natureza são antropocêntricos, sob uma forma ou outra” 1263. Por
certo, não pode haver para o homem senão uma história humana da natureza,
de tal modo que o título da obra de Moscovici – Essai de l’histoire humaine de
la nature – é evidentemente redundante. Não diversamente o físico Carl
Friedrich von Weizsäcker afirma: “Conhecemos a natureza tão somente por
intermédio da experiência humana”1264.
Tais afirmações são, contudo, no limite, tautológicas, pois se limitam a
afirmar que a concepção que o homem tem da natureza não pode senão ser a
concepção humana da natureza. Como justamente nota Georgescu-Roegen ao
refutar a crítica de que a termodinâmica “sabe a antropomorfismo” (termo que
ele emprega no sentido de antropocentrismo): “a ideia de que o homem pode
pensar a natureza em termos inteiramente não antropomórficos é uma patente
contradição nos termos”1265. De fato, o ponto de vista a partir do qual
percebemos o mundo não pode senão ser antropocêntrico, dado que,
justamente, é o nosso, da mesma maneira que o pensamento de um cão não
pode não ser “caninocêntrico”. Apenas na qualidade de metáfora podemos
pensar como se fôssemos o vento ou uma montanha, para recordar as belas
imagens empregadas por Aldo Leopold 1266. Essa acepção de antropocentrismo
tem sem dúvida o valor de um caveat epistemológico, ao nos lembrar que
estamos enclausurados no princípio de identidade, mas nada dizem de
substancial sobre o que o termo antropocentrismo designa dentro desse
princípio de identidade.
Abramos ao acaso dois dicionários de filosofia. O primeiro define o
antropocentrismo como: “toda orientação de pensamento que coloque o
homem no centro da realidade e considere o bem da humanidade como a
causa final de todas as coisas”1267. O segundo reitera os termos do primeiro: “O
antropocentrismo designa uma doutrina que coloca o homem no centro do
mundo. (...) O antropocentrismo enuncia, além disso, a ideia segundo a qual
todas as coisas do universo (minerais, vegetais, animais) são subordinadas ao
331

homem”1268. Como se vê, o antropocentrismo não se resume ao princípio de


identidade pois identidade e presunção de centralidade não são sinônimos.
Uma coisa é admitir que estamos inescapavelmente presos ao ponto de vista
humano; outra, bem diversa, é pretender que esse ponto de vista desfrute do
privilégio da centralidade e de uma finalidade última, capaz de relegar os
demais a posições subordinadas periféricas e instrumentais. O
antropocentrismo é indissociável de uma, tácita ou declarada, teleologia
triunfante que Arthur O. Lovejoy bem definiu como one of the most curious
monuments of human imbecility 1269. Esse monólogo de Narciso peca, antes de
mais nada, por ser um paradoxo de autoreferência do tipo da famosa gravura
Mãos desenhando-se de Escher: o homem se desenha no centro de um
universo desenhado por ele com a finalidade de se colocar em seu centro. No
pensamento ocidental, esses strange loops, esses efeitos de miroirs en abyme
repetem-se incessantemente, tanto no mundo clássico quanto na tradição
cristã. Ela se encontra in toto, por exemplo, na Oratio de hominis dignitate
(1486), na qual Giovanni Pico della Mirandola cria o discurso de um deus que
coloca o homem acima das leis da natureza e no centro do mundo para que ele
tenha o direito de se colocar acima das leis da natureza e no centro do
mundo1270:

“Não te dei, oh Adão, nem lugar determinado, nem aspecto próprio, nem
prerrogativa tua, para que o lugar, o aspecto, e as prerrogativas que desejares,
segundo seu voto e sentença, tenhas e possuas. A natureza limitada dos outros
está contida nas leis por mim prescritas. Tu as determinarás para ti, não
coagido por nenhuma barreira, segundo teu arbítrio, cujo poder depositei em
tuas mãos. Coloquei-te no meio do mundo para que dessa posição melhor
possas divisar o que há no mundo”.

Evidentemente, a ideia de uma descontinuidade qualitativa – e não


apenas de grau – entre nossa espécie e a teia da vida assume formas muito
variadas. Elas foram desde logo percebidas segundo diversas combinações de
um mito de duas vertentes: a Idade do Ouro de Hesíodo e o Paraíso Perdido,
seu correlativo vétero-testamentário. Em ambas as vertentes desse mito, os
homens gozaram num remoto início da benevolência divina e de um estatuto
próximo ao da divindade. Mas um cataclisma arremessou-os a um nível
próximo dos animais, do qual ele conseguiu se sorguer apenas gradualmente,
graças à sua techné ou suas artes, até atingir o estado de civilização. Thomas
Cole faz remontar ao século XIX a origem da ideia de que o pensamento grego
se forma na tensão, frequentemente complementar, entre esses dois mitos 1271:

“Discussions of Greek thought relating to the origins of culture often begin by


distinguishing its two main currents or conter-currents; the myth of the Golden
Age and the myth of human progress – Hesiodic fantasy and Ionian science.”

Sobre essa primeira tensão constitutiva do antropocentrismo antigo, erige-se


outra, mais funcional para o que segue: a tensão entre o antropocentrismo por
eminência, de preponderância clássica, e o antropocentrismo por
transcendência, de preponderância judaico-cristã.

A descontinuidade por mediação e eminência


332

A primeira, de cunho metafísico, atribui ao homem o estatuto de


microcosmos em que se espelha a totalidade do cosmos, ideia que parece
remontar a Demócrito (frg. B 34), consoante uma passagem dos Prolegômenos
a Aristóteles (38, 14), de Davi1272:

“E assim como no Universo vemos seres que, como os deuses, apenas


governam, seres que ao mesmo tempo governam e são governados, como os
homens (estes são, de fato, governados pelos deuses e governam os animais
sem linguagem / alogon zoion) e, enfim, seres que são apenas governados,
como os animais sem linguagem, assim também observamos no homem, que
segundo Demócrito, é um microcosmos, essa mesma repartição” [mente,
coração e paixões].

Essa ideia, recolhida por Platão ao identificar o universo como um


macrosantropos, passará ao neoplatonismo, como um lugar-comum que
atravessará o mundo latino e todo o cristianismo até ao menos o século XVI, de
Máximo o Confessor a Boécio, de Bernardo Silvestre (que escreverá um De
mundi universitate sive megacosmus et microcosmus) ao Homo quadratus
vitruviano de Leonardo da Vinci.
Na abertura de seu tratado, acima citado, Giovanni Pico della Mirandola
faz o inventário das formas tradicionais de definir o homem como centro e
mediador no grande continuum hierárquico da criação1273:

“vínculo das criaturas, familiar às superiores, soberano das inferiores;


intérprete da natureza pela perspicácia dos sentidos, pela interrogação
da razão, pela luz do intelecto, intermédio entre o tempo e a eternidade
e, como dizem os Persas, cópula ou antes Imeneu do mundo, de pouco
inferior aos anjos, segundo o testemunho de Davi”.

Observe-se, entretanto, que, mesmo ocupando a posição a mais eminente


dessa hierarquia das criaturas dotadas de corpo, o homem, aqui, ainda aceita
se conceber ontologicamente como pertencente à série que ele coroa, vale
dizer, como um animal racional. O modelo desse antropocentrismo por
mediação e eminência remonta a Platão e a Aristóteles. No Timeu (90e - 92),
Platão elabora sua zoogonia a partir da ideia do Urtier – o protótipo do animal
humano masculino – e de sua cadeia do ser segundo uma curva de
transmutações degenerantes:

“Dentre os nascidos homens, os que eram covardes e passavam a vida na


injustiça, é verossímil que tenham sido transformados em mulheres no segundo
nascimento (...). Quanto à raça dos pássaros, ela provém, por uma ligeira
metamorfose (de plumas no lugar dos pelos) de homens sem maldade, mas
ligeiros, que são curiosos das coisas de cima, mas que imaginam que é pela
vista que se obtém delas as demonstrações mais firmes: tal é sua ingenuidade.
A espécie pedestre, por sua vez, a das bestas, nasceu daqueles que não se
valem em nada da filosofia e não contemplam a natureza das coisas celestes.
Abandonando os circuitos mentais, eles seguem as partes da alma que se
encontram no peito. Em consequência de tais práticas, seus membros
superiores e sua cabeça, atraídos à terra por uma comunidade de natureza,
devem nela se apoiar. Seus crâneos alongaram-se e tomaram formas variadas
(...) Com quatro pés se formava portanto um tipo de tais animais, ou com mais
pés, sempre pelo mesmo motivo: pois o deus sustentava com suportes mais
333

numerosos os mais insensatos, posto que mais atraídos em direção à terra.


Quanto aos mais insensatos de todos (...) eles rastejavam. A quarta espécie, a
aquática, nasceu de homens caídos no último grau da estupidez e da
ignorância. Eles não eram sequer dignos de continuar a respirar o ar puro,
segundo o julgamento dos autores de sua metamorfose, tal a impureza de suas
almas, plenas de desordem. Daí nasceu o povo dos peixes, das ostras e de
todos os seres aquáticos. (...) E é segundo essas regras que todos os seres
vivos transmutam-se uns nos outros”.

Em outro diálogo, Fedro (249b), insinua-se, todavia, a possibilidade não já de


uma degradação, mas de uma circularidade entre as espécies, incluída a
humana, possibilidade que integra mais intimamente nossa espécie na
animalidade: “uma alma pode passar a uma vida ferina e a alma de uma besta
que foi no passado homem pode tornar a ser homem”. A ideia seria
remanescente de uma mais arcaica transitividade entre homem e outros
animais, presente em Empédocles, que afirmava ter sido um pássaro ou um
peixe (DK B117)1274 e, sobretudo, em Pitágoras, vegetariano, que reconhece
um parentesco entre todos os seres vivos, sendo capaz de falar aos animais e
de reconhecer a alma de um amigo num filhote de cão (Xenófanes, DK B7).
Com Aristóteles (Política, 1.5, 1254b13), a ideia de hierarquia dos seres
a partir do macho humano consolida-se e se enrijece: “o animal está sujeito ao
homem mais que o escravo ao seu dono e a mulher ao homem”. Mais adiante
(Política, 1.8, 1256b15), ele não apenas calcifica ainda mais sua hierarquia
antropocêntrica, mas torna o homem a razão de ser dos não-humanos:

“É preciso admitir claramente (...) que as plantas são feitas para os animais e
os animais, para os homens: os animais domésticos para que estes os usem e
deles se nutram; os selvagens, se não todos, ao menos a maior parte, para que
deles se nutra e se sirva para outras necessidades, faça suas roupas e outros
utensílios, etc. E como a natureza nada faz de imperfeito e sem escopo, é para
o homem que fez tudo”.

O que implica uma inexistência de direito para o não-homem e, portanto, uma


inexistência de ética do macho-humano-livre em relação às demais criaturas,
como é claro na Ética a Nicômaco, VIII, 11, 6:

“Não existe amizade nem vínculos jurídicos com as coisas inanimadas, e nem
com um cavalo ou com um boi, ou com um escravo enquanto escravo: não
temos de fato nada em comum com eles”.

A descontinuidade por transcendência

A segunda forma fundamental de descontinuidade qualitativa entre os


homens e os demais animais é de cunho religioso. Trata-se da descontinuidade
por transcendência. Seu modelo é, ao menos no Ocidente, a antropologia
judaico-cristã, para a qual o homem não é apenas a mais eminente das
criaturas, mas as transcende ontologicamente. Essa transcendência funda-se
no privilégio, se não de uma paridade, ao menos de uma “semelhança”
antropomórfica do homem com o demiurgo do mundo (Gn, 1,26): “Deus disse:
Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, e que ele domine sobre os
peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos
os répteis que rastejam sobre a terra”.
334

Se é verdade que o cristianismo soube evitar uma interpretação literal


desse versículo (a heresia dos antropomorfitas, segundo a qual Deus teria
definido seu aspecto nesse versículo, jamais ameaçou seriamente a exegese
cristã), não é menos verdade que a teologia judaico-cristã jamais negou essa
predileção divina pelo homem, a identificação do criador com a criatura, seu
amor excepcional por ela, seu cuidado em lhe inocular um exclusivo “sopro” de
imortalidade e, enfim, sua vontade de que seja através da presença do homem
no mundo que se opere uma espécie de contínua teofania. Tanto assim que,
desde os Apólogos, o dogma da encarnação, essência e razão de ser dessa
religião, viria sem dúvida confirmar a passagem do Gênesis acima citada.
Segundo, por exemplo, Ireneu de Lião, a genealogia de 72 gerações do incipit
de Lucas – de Adão a Cristo – mostra “a união do fim ao princípio, para fazer
entender que o Senhor é aquele que recapitulou em si mesmo todas as nações
dispersas desde Adão, todas as línguas e gerações dos homens, inclusive
Adão. Por isso Paulo chama Adão de figura daquele que devia vir, porque o
Verbo, Criador de todas as coisas, prefigurara nele a futura economia da
humanidade de que se revestiria o Filho do Homem” 1275. É, assim, por amor ao
homem e na forma de homem, vale dizer, na figura humana de Jesus, que se
resolve e é novamente superada a antinomia entre criador e criatura, entre
inteligível e sensível, entre unidade e multiplicidade.

A síntese cristã

Como é fácil perceber, S. Tomás de Aquino formula um antropocentrismo


em que se fundem, de um lado, as argumentações de Demócrito (consoante o
fragmento acima citado), de Platão e de Aristóteles e, de outro, a Providência
cristã. Assim, a Summa contra gentiles (III, 111-112) sustenta que, embora a
Providência se estenda a todas as coisas1276:

[III, 111] “as criaturas dotadas de razão são submetidas à divina Providência
segundo um regime especial diverso do de outras criaturas. Pois elas as
ultrapassam pela perfeição de sua natureza e pela dignidade de seu fim. Pela
perfeição de sua natureza, pois apenas a criatura dotada de razão tem domínio
de seu agir (...). Pela dignidade de seu fim, pois só ela, por sua operação, pelo
conhecimento e o amor de Deus, atinge o fim último do universo. As demais
criaturas não atingem esse fim senão por certa participação à sua semelhança.
[III, 112] O fato que as outras naturezas não tenham domínio sobre seu agir
indica que não são dignas de atenção por elas mesmas, mas que são
subordinadas a outras. O ser que apenas é movido a partir de outro tem valor
de instrumento; o que, ao contrário, move-se por si próprio tem valor de agente
principal. Ora, o instrumento não é objeto de interesse por si mesmo, mas só
enquanto é utilizado pelo agente principal. De onde decorre que todos os
cuidados de que cercamos os instrumentos em todas as operações referem-se,
em sua finalidade, ao agente principal. Por outro lado, toda a atenção colocada
sobre este último, seja por ele próprio, seja por outras criaturas, é por causa
dele mesmo, enquanto agente principal. (...) Entre todos os elementos do
universo, as mais nobres são as criaturas intelectuais porque mais têm acesso
à similitude divina. (...) O fato de que todas as partes do universo sejam
ordenadas para a perfeição do conjunto não contradiz os argumentos
precedentes, pois todas as partes concorrem para a perfeição justamente pelo
fato de que uma é a serviço da outra. (...) Essas afirmações excluem o erro
daqueles que pretendem que o homem peca ao matar os animais. Pela divina
335

Providência, segundo a ordem natural das coisas, os animais existem para o


uso dos homens”.

O mesmo podia se ler no Libri sententiaruam (II, 1, 8) de Pietro Abelardo, o


principal manual de teologia das Escolas1277:

“Assim como o homem é feito para Deus, nomeadamente, para que o sirva,
assim também o mundo é feito para o homem, para que possa servi-lo”.

Fundamentado nessa antropologia ao mesmo tempo antiga e judaico-cristã


que, dito em nossos termos, reduz a biosfera à pura disponibilidade, Giannozzo
Manetti (1396-1459) pode reivindicar a propriedade humana do mundo, em seu
De dignitate et excellentia hominis (1453)1278:

Nostre sunt terre, nostri agri, nostri campi, nostri montes (...) nostri boves,
nostri tauri, nostri cameli (...) nostra maria, nostri omnes pisces

“Nossos são as terras, os campos, as pradarias, os montes (...) nossos são os


bois, os touros, os camelos (...) nossos, os mares e todos os peixes”.

Da mesma maneira, no outro extremo da parábola “renascentista”, Francesco


Buonamici em 1591 pontifica1279:

Homini elementa serviunt (...) multis etiam plantis lapidibusque atque metallis
medicae vires datae sunt ad unam eius salutem.

“Os elementos servem ao homem (...) também aos homens são dados, para a
sua saúde, muitas plantas e pedras e metais medicinais”.

O antropocentrismo moderno

Como é de todos sabido, o saber das Idades Moderna e Contemporânea


– de Bacon e Descartes à ciência de nossos dias baseada na experimentação
animal – não fundará mais seu antropocentrismo nessa síntese tomista do
legado antigo e cristão. Em seu best seller pedagógico de 1609, reeditado em
1638, Wisdom of the Ancients, Francis Bacon detém-se ainda, e talvez pela
última vez, no topos do microcosmo ao analizar longamente o mito de
Prometeu1280:

“O objetivo principal da parábola parece ser que o Homem, se atentarmos para


as causas finais, pode ser visto como o centro do mundo, tanto que, se
desaparecesse, o resto careceria de finalidade (...). De fato, o mundo inteiro
opera de concerto a serviço do homem, e de tudo ele retira uso e proveito (...)
Plantas e animais de todos os gêneros fornecem-lhe abrigo, vestuário,
alimentos e remédios, ou aligeiram-lhe o trabalho, ou lhe dão prazer e conforto
– a tal ponto que as coisas parecem obedecer às necessidades do homem e
não às suas próprias. (...) De todas as coisas do universo o homem é a mais
compósita, donde chamarem-no os antigos com acerto de Mundus minor. Os
alquimistas, ao sustentar que se encontram no homem todos os minerais,
vegetais, etc. ou algo que lhe corresponda, tomam a palavra microcosmo num
sentido excessivamente amplo e literal, roubando sua elegância e distorcendo
seu significado; ainda assim, o fato de o homem, entre todas as coisas
336

existentes, ser ao mesmo tempo a mais mista e a mais orgânica permanece


uma verdade sã e sólida”.

Na realidade, com o fim do geocentrismo, com o fim das hierarquias


celestes de parte dos teólogos da Reforma 1281, com a crescente crise da
alquimia e da correlativa teoria da correspondência geral entre os quatro
humores, os quatro elementos, as quatro estações do ano e os quatro estados
da matéria (frio, quente, seco, úmido), a figura do homem como microcosmo
perdia seu argumento cosmológico e, com ele, muito de seu poder de
persuasão. Pascal, como se sabe, será a expressão máxima da angústia
provocada por essa perda. Reduzido à ideia de alma como dádiva divina e
essência fundante e distinta do homem, o antropocentrismo devia desde então
sofrer uma mutação essencial. A partir de Descartes, o antropocentrismo
defenderá não mais uma continuidade entre homem e natureza, sendo o
homem a quintessência metafísica ou religiosa do universo, mas uma
descontinuidade radical: a distinção ontológica inaugural entre a alma (res
cogitans ou substância cogitante, exclusiva do homem) e o corpo (res extensa).
Apartando-se da filosofia das escolas, segundo a qual todos os animais
seriam dotados de alma vegetativa e sensitiva, cabendo apenas ao homem
também a alma racional, Descartes reduz o não-humano a corpos cujo único
atributo próprio será a extensão, o que permite concebê-los em termos de
puras forças mecânicas e mensuráveis, operação decisiva graças à qual
podemos, no âmbito de uma concepção doravante utilitária do saber: “nos
tornar como mestres e possuidores da natureza” 1282. Dessa distinção inaugural
decorre que os animais, posto que desprovidos de alma, devem ser entendidos
como entidades puramente mecânicas. Como se sabe, na muito citada carta ao
marquês de Newcastle, de 23 de novembro de 1646, Descartes arremessa
sem hesitação os animais no Tártato do automatismo 1283:

“Sei bem que os animais fazem muitas coisas melhor que nós, mas isto
não me surpreende, pois justamente isso prova que agem naturalmente
e por molas, assim como um relógio, que mostra as horas bem melhor
do que nosso entendimento é capaz de nos instruir”.

Essa redução do animal a um autômato destituído de sensibilidade, de


emoção, de consciência e de própria finalidade estabelece o terreno sobre o
qual viceja o antropocentrismo moderno, que é também o mais extremo,
emblematicamente formulado por Kant no parágrafo 86 da Crítica do Juízo1284:

“Há um juízo que em si mesmo o mais comum entendimento não pode evitar
quando medita sobre a existência das coisas no mundo e sobre a existência
mesma do mundo. Trata-se nomeadamente do fato de que todas as diversas
criaturas – por maior que seja sua complexidade e por várias que possam ser
as relações orientadas a um fim que entretenham umas com as outras, e
inclusive o próprio todo de seus tantos sistemas que, de modo incorreto,
chamamos mundos – nada seriam se neles não houvesse o homem (seres
dotados de razão em geral). Sem os homens a inteira criação se tornaria um
mero deserto, vão e sem finalidade”.

Leonel Ribeiro dos Santos persegue e examina a fundo as diversas nuances


que assume na obra de Kant a proclamação, presente já na Crítica da Razão
Pura, de que o homem é Herr der Natur, Meister über die Natur 1285. Ele faz
337

notar que Kant admite em sua tardia Antropologia segundo um Ponto de Vista
Pragmático, que “pode muito bem acontecer que existam seres racionais em
algum outro planeta”. Além disso, esse domínio do homem sobre a natureza é
limitado por sua ignorância de sua Verdade, já que seu conhecimento limita-se
aos fenômenos. Enfim, sua posição diante da natureza não a ameaça, não é
de ordem potencialmente nociva. Homem de seu século, Kant concebe essa
relação de modo não substancialmente diverso da de Buffon, para quem a
natureza “fecundada” pelo homem é superior à natureza bruta, tal como já visto
no início do capítulo 12. Por alguns aspecto, frisa o estudioso português, Kant
retorna à ideia antiga e medieval de um homem “suspenso entre dois mundos,
um ser anfíbio, colocado numa ‘situação média’ (Mittelstand) igualmente
afastada dos extremos, situado no «perigoso ponto intermédio» (gefährliche
Zwischenpunkt) ou na ‘perigosa via média’ (in der gefährlichen Mittelstrasse) da
cadeia dos seres. Por isso mesmo, ele é o ser da mediação, o istmo, a copula
mundi, o terminus medius1286. Isto posto, em nosso planeta, o homem, se
entendido como receptáculo da lei moral, é, para Kant, o único doador de
sentido e o único ser dotado de razão o que lhe confere, e apenas a ele,
inalienável finalidade própria. Como afirmam vários comentadores de Kant,
entre os quais Hannah Arendt, “a mesma operação que estabelece o homem
como ‘fim supremo’ permite-lhe (...) degradar a natureza e o mundo à condição
de meros meios, destituindo-os de dignidade independente” 1287.
Se a filosofia cartesiana partia da separação entre res cogitans e res
extensa, em Kant, esta última – a natureza –, está a tal ponto alijada da
reflexão filosófica que, como sublinha ainda Ribeiro dos Santos, ela é
inteiramente absorvida pelo primeiro polo: “a primeira separação que Kant nos
propõe não é entre homens e coisas, mas sim, no próprio homem, entre
Homem e Humanidade (entre o homem, enquanto ser físico sensível e
racional, e o homem enquanto pessoa ou ser racional moral), entre homo
phaenomenon e homo noumenon”1288. O homem não afirma mais sua
humanidade, portanto, negativamente, em oposição ao não-humano, mas a
afirma na tensão entre seu ser empírico e seu ser transcendental. É inevitável
encontrar nessa forma de “hiperantropocentrismo” de Kant, que lhe garante a
evacuação final da natureza do campo de reflexão sobre o homem como ser
moral, uma insuspeita afinidade com a distinção inicial estabelecida por Hegel,
nas Lições sobre Estética, entre o belo espiritual e o belo natural, o qual é
cirurgicamente expelido da reflexão filosófica sobre o belo.

14.2. Dissonâncias
338

“Toda a ética tradicional é antropocêntrica” afirma com razão Hans


Jonas1289. Mas por monolítica que seja essa tradição, é possível nela identificar
fissuras e dissonâncias, seja na tradição antiga, seja na cristã.

Denegação

A presunção de descontinuidade qualitativa entre o homem e os outros


animais foi desde há muito percebida como denegação, vale dizer como um
sentimento de inferioridade e de precariedade diante da natureza e das outras
espécies que se manifesta como seu contrário. Assim, por exemplo, para citar
um exemplo em mil, é possível recordar os versos de Eurípedes citados por
Plutarco1290:

“Curto vigor, é fato, o do homem. Mas os recursos infinitos de seu espírito lhe
permitem domar as apavorantes criaturas do mar, da terra e do ar”.

Esse sentimento de fraqueza que encontra revanche na crueldade em relação


aos animais foi posto em evidência por Plutarco, o qual deplora o prazer de
seus contemporâneos em assistir ao espetáculo de animais massacrados e
agonizantes. Essa dominação brutal sobre o que é temido como brutalidade foi
notada na Idade Moderna por Montaigne em mais de uma passagem de seus
Essais, a mais famosa delas sendo a Apologie de Raymond Sebond (livro II,
capítulo XII):

La presomption est nostre maladie naturelle et originelle. La plus calamiteuse


et fraile de toutes les creatures, c'est l’homme, et quant et quant la plus
orgueilleuse.

“A presunção é nossa doença natural e originária. A mais calamitosa e frágil de


todas as criaturas é o homem, e quanto e quanto a mais orgulhosa!”

Não é difícil encontrar as raízes do paradoxo apontado por Montaigne. Longe


de ser efetivamente para o homem (como de resto para todos os seres vivos)
apenas alma mater, a natureza é também a inclemência dos elementos e é a
contínua absorção de um organismo por outro. Desde 1838 1291, Darwin começa
a estender as teorias de Malthus ao conjunto da biosfera: a natureza é o teatro
de uma impiedosa struggle for existence, uma luta incessante pela existência
na esfera da escassez, em que há decerto interdependência, colaboração e
altruismo, mas, sobretudo, competição, parasitismo e predação, seja entre as
espécies, seja no âmbito da mesma espécie, pelo controle de nichos
ecológicos e pela sobrevivência da progenitura 1292. Ela é, enfim, dominada
pelas espécies mais antigas do planeta, as bactérias, cuja existência é
condição de possibilidade da existência do homem e de outros animais, mas os
condena também à doença e à morte. Contra essa percepção da fragilidade e
da precariedade de sua existência no mundo, o homem desenvolveu um tácito
ódio à natureza1293 e uma ilusão de não-pertinência a ela, à qual ele contrapõe
seus mitos de exclusividade e de excepcionalidade.
339

Em 1973, a noção de deep ecology cunhada por Naess1294 explicita um


divisor de águas no significado das relações entre o homem e a natureza.
Enquanto a ecologia rasa (shallow) valoriza a biodiversidade como um valor
instrumental, isto é, como fonte de recursos para o homem – trata-se da
abordagem consubstanciada no Relatório Brundtland de 1987 –, a ecologia
profunda considera cada membro da comunidade biótica como dotado de valor
intrínseco, como um sujeito de direito ou, nas palavras de Paul Taylor, como um
“centro teleológico de vida”1295. Isto inclui a ideia de que cada sujeito é fonte de
recursos, mas não apenas para o homem, e sim para todos os seres vivos e
essa interdependência entre as espécies permite conciliar, ao menos até certo
ponto (precisa-lo é difícil, talvez impossível), a ideia de irredutibilidade do
indivíduo com a de equilíbrio ecossistêmico. Naess imprime a marca de seu
pensamento numa tradição que remonta, se quisermos, a Lucrécio e a Celso, e
que modernamente se reencontra num crescente número de reflexões
filosóficas sobre a ética ambiental, i.e., sobre o valor intrínseco da vida não-
humana1296, reflexões não destituídas por vezes de explícita dimensão religiosa,
como é o caso, entre outros, de Albert Schweitzer 1297 e Hans Jonas1298. Dessas
contradições entre ecologia rasa e profunda e das tentativas imprescindíveis de
conciliá-las no âmbito de compromissos políticos, surgem nos anos 1970 –
sintoma da crise dos partidos de esquerda tradicionais, dinamitados por 1968 e
pelo autoritarismo das burocracias socialistas – os movimentos ecológicos e os
Partidos Verdes europeus. Ao exame dessa tradição filosófica a que se filia
Naess se retornará brevemente no último capítulo, consagrado à ilusão
antropocêntrica (ver 14.2. Dissonâncias).

14.3. A quarta afronta

Num célebre texto de 1917, intitulado “Uma dificuldade da psicanálise”,


Freud assinalava que o “narcisismo geral” (allgemeine Narzissmus) do homem,
“o amor-próprio da humanidade”, viveu na Idade Moderna “três graves
afrontas” (drei schwere Kränkungen): o heliocentrismo copernicano, a evolução
darwiniana e a preeminência, sobre as representações intelectuais, da
instância da vontade ou do inconsciente, proposta por Schopenhauer e pela
própria psicanálise1299. Essas três descobertas abalaram o antropocentrismo ao
destituir o Homo sapiens de três ilusões: a ilusão de centralidade cosmológica,
a ilusão de excepcionalidade biológica e a ilusão do controle consciente de
suas energias pulsionais.
A crise ambiental de finais do século XX e de inícios do século XXI não
apenas confirma essas três descobertas, mas acrescenta um novo aspecto à
ilusão antropocêntrica. Esse novo aspecto, essa quarta descoberta ou quarta
“afronta” ao nosso narcisismo, é a afronta à velha convicção de que nossa
espécie caracteriza-se por uma singular capacidade de adaptar seu habitat às
suas próprias necessidades, mais que por se adaptar a ele.
Ao interagir com seu habitat, cada espécie o transforma ao mesmo
tempo em que se transforma. O século XIX não terá talvez sido o primeiro a
realizar esta descoberta, mas ele a reivindica e a tematiza de modo exaustivo.
Já na “Fenomenologia do Espírito” (1806), Hegel desenvolve essa ideia de que
340

o homem transforma-se a si próprio, e mesmo funda-se como homem, no


trabalho de transformar a natureza exterior. Antes de analisar o trabalho
humano no processo produtivo capitalista, Marx retoma e reconhece essa
descoberta geral nestes termos1300:

“O trabalho é, desde logo, um processo entre o homem e a natureza (...). Ele [o


homem] se confronta com os produtos da natureza como uma própria força da
natureza, pondo em movimento as forças naturais a que pertence sua própria
corporeidade, braços e pernas, cabeça e mãos, de modo a se apropriar das
produções da natureza em uma forma adaptada à sua própria vida. Na medida
em que age através desse movimento sobre a natureza exterior e a transforma,
transforma ele ao mesmo tempo sua própria natureza”.

Marx não está ainda se referindo, aqui, especificamente ao processo de


trabalho humano no modo de produção capitalista, pois, na dialética da
adaptação recíproca, o trabalho do homem não se distingue do trabalho de
outras espécies. Apenas no parágrafo seguinte ele estabelecerá uma diferença
a priori entre o trabalho humano e o trabalho dos demais animais com a
célebre comparação (tão antiga, diga-se de passagem, quanto a ideia de
disegno tão cara aos teóricos da arte do século XVI, de Vasari a Zuccari) entre
o trabalho do homem, desenvolvido a partir de um projeto mental e o trabalho
instintivo da aranha ou da abelha, pois o que “distingue o pior arquiteto da
melhor abelha é que ele construiu sua célula em sua cabeça, antes de a
construir na colmeia”1301. Haveria, de fato, uma diferença substancial entre o
trabalho humano e o trabalho animal? Talvez sim, mas os estudos
contemporâneos sobre os processos cognitivos e os padrões de
comportamento nos diferentes animais vêm cada vez mais estreitando e
nuançando essa diferença. Habilidades e estratégias cognitivas, capacidade de
simbolização, bem como padrões de comportamento nos homens e nos
demais animais mostram-se cada vez mais aparentados, quando não
francamente semelhantes.
Mas a discussão dessas decrescentes diferenças nos afastaria do nosso
presente propósito. Pois este é, aqui, pôr em discussão outra tese, que se
apresenta como um corolário dessa descoberta da dialética da transformação
recíproca. Trata-se da afirmação de que, na interação espécie/habitat, há uma
diferença de qualidade entre o Homo sapiens e as outras espécies, já que a
nossa é capaz de transformar seu habitat às suas necessidades, ao invés de
se adaptar a ele.
Em nossos dias, esta tese começa a ruir. Se ela descreve de modo
efetivo o comportamento de nossa espécie desde ao menos o surgimento da
agricultura, a crise ambiental contemporânea convida a pôr em dúvida sua
atualidade. Isso porque há um ponto crítico de adaptação do habitat ao homem
além do qual esta se torna contraproducente, torna-se, em suma, em algo que
se poderia chamar de uma contra-adaptação, na medida em que o habitat
resultante será, provavelmente, mais desfavorável ao homem que o anterior.
Quando o homem destrói os habitats das outras espécies, pesca numa
escala superior à capacidade reprodutiva da fauna marítima, corta mais árvores
que a capacidade das florestas de repô-las, despeja lixo no ambiente numa
escala e ritmo superiores à capacidade deste se regenerar, esgota os aquíferos
fósseis e consome água dos aquíferos renováveis numa escala superior à de
seu reabastecimento, concentra na atmosfera gases de efeito estufa além do
341

limite de estabilidade das temperaturas médias do planeta, etc, essas


adaptações impostas pelo homem à biosfera tendem a nela desencadear
mecanismos de ruptura que a conduzem a outros pontos de equilíbrio, os quais
serão, com grande probabilidade, mais hostis ao homem. O que o leva a um
esforço ainda maior de manipular as coordenadas ambientais, esforço que, por
sua vez, leva a natureza a pontos de reequilíbrio, com toda a probabilidade,
ainda mais problemáticos para o homem. Essa dinâmica em espiral acaba por
causar uma mutação maior nas relações do homem com seu habitat planetário:
a relação do homem com a natureza deixou de ser reciprocamente adaptativa
para se tornar uma interação reciprocamente destrutiva.

14.4. A cisão esquizofrênica da ciência

Em face das crises ambientais, a própria compreensão de si da ciência


tem-se cindido esquizofrenicamente. De um lado, por sua denúncia do
establishment corporativo, principal fautor dessas crises, os cientistas situam-
se hoje na vanguarda do pensamento crítico. Mas, de outro lado, eles parecem
abundar num erro que James Lovelock identificou como “uma consequência do
fato que a maioria dos cientistas americanos, à sua maneira francamente bem-
sucedida e reducionista, consideram a Terra algo que eles poderiam melhorar
ou controlar”1302.
Essa forma de entender a relação entre o homem e a natureza está na
base de uma reação oposta à do espírito crítico e autocrítico, tão essencial à
ciência. Uma reação insensata que consiste, numa palavra, em se obstinar na
ilusão antropocêntrica de que podemos domar as forças da natureza como se
encilha e se doma um cavalo, que podemos manejar as variáveis naturais em
função do que supostamente seriam as “necessidades” humanas. Essas
manipulações de sistemas infinitamente complexos a partir de modelos teóricos
e de práticas experimentais – o todo entendido como scientific management –
acabam em geral por acrescentar à pressão antrópica sobre a biosfera ainda
mais pressão.
Dois argumentos aqui parecem ser os mais sedutores para os
partidários da pretensão ao scientific management. O primeiro é positivo e os
coloca na ofensiva: os progressos no conhecimento das mais diversas
dimensões da natureza realizados nos últimos dois séculos e em particular nos
últimos decênios são tão espetaculares, que só podemos esperar doravante
sua aceleração exponencial. O homem estaria hoje mais próximo que nunca de
penetrar os segredos últimos e mais recônditos das forças que regem o
funcionamento do universo. Graças à ciência, o celebérrimo fragmento 123 de
Heráclito segundo o qual a natureza ama se esconder estaria a ponto de ser
arremessado definitivamente ao passado da história humana.
Na realidade, tudo convida, ao contrário, a afirmar que os mecanismos
fundamentais da vida, da consciência, da emoção estética, da matéria e do
universo mantêm-se ainda fundamentalmente inacessíveis ao conhecimento
humano e se manterão assim por muito tempo, possivelmente para sempre. A
natureza mostra-se sempre mais complexa do que a imaginamos. Será talvez
mais complexa do que podemos imaginá-la.
O segundo argumento dos partidários da “manipulação científica” é
negativo e, por assim dizer, defensivo: já que o mal está feito, já que homem
alterou de modo irreversível os equilíbrios dinâmicos do meio ambiente, não lhe
342

resta agora senão tentar “consertá-lo”. Ambos os argumentos, o ofensivo e o


defensivo, assentam-se sobre uma premissa fundamentalmente correta: ao
menos em nosso planeta, as dinâmicas da natureza tornaram-se de tal modo
dependentes da atividade antrópica, que não se pode mais, no limite, falar
propriamente de “natureza” como algo irredutivelmente diverso da esfera do
humano. Mas dessa premissa, os dois argumentos saltam para uma mesma
conclusão de incrível leviandade: seja por ius victoriae, seja por necessidade
de remediar os desequilíbrios ambientais que o homem provocou
involuntariamente, cabe à ciência assumir o controle da biosfera.
Esta pretensão é absurda. Não apenas é impossível controlar a
infinidade de variáveis de que resulta o comportamento da natureza, mas o
risco de desencadear uma situação pior que a que se quer “remediar” é
imenso. É claro que todos admitem, teoricamente, o imperativo da minimização
dos riscos. Mas na prática isso é impossível, dado que não se tem de antemão
consciência dos riscos e das consequências em jogo. Além disso, tais riscos só
podem ser monitorados por outros cientistas, os únicos capazes de conversar
na linguagem em que esses riscos são cogitados, e sabemos bem o papel
desempenhado pelo esprit de corps numa comunidade relativamente fechada.
Os casos mais típicos dessa reação científica aos desequilíbrios ambientais em
curso são as novas tentativas de intervenção de bioengenharia e de
geoengenharia, cujas consequências comportam riscos altíssimos de
intensificar ainda mais a dinâmica da destruição recíproca. No que se refere à
bioengenharia não é necessário se estender. No capítulo 3 (3.5. Pesticidas
industriais), vimos como as sementes transgênicas desencadeiam um círculo
vicioso de intoxicação da natureza e do homem pelo uso crescente de
inseticidas e de herbicidas industriais à base de glifosato. Trata-se de um caso
típico de destrutividade recíproca, no qual os eventuais benefícios imediatos da
manipulação são, cedo ou tarde, anulados por reações da natureza que
agravam os problemas que a manipulação devia supostamente resolver, numa
espiral de destruição recíproca da natureza e do homem.
No que se refere à geoengenharia, as diversas propostas em curso para
resfriar a atmosfera são todas potencialmente perversas, além de ineficazes,
caríssimas e inexequíveis. Uns cogitam aumentar a reflexividade da luz solar,
pintando de branco os telhados das cidades e as estradas, ou cobrindo os
desertos com plástico reflexivo, ou espreiando partículas de sal nas nuvens
para branqueá-las ou esguichando ácido sulfúrico na estratosfera, ou
colocando espelhos na órbita da Terra. Um exemplo desse gênero de
experiência é o SPICE Project (Stratospheric Particle Injection for Climate
Engineering), desenvolvido por diversas Universidades inglesas (Cambridge,
Oxford, Reading e Bristol), cujo objetivo é “investigar a efetividade do manejo
da radiação solar (Solar Radiation Management, SRM) usando partículas
estratosféricas”1303.
Outros experimentam “adubar” com ferro os oceanos de alta latitude,
onde há muitos nutrientes, mas pouca clorofila, no objetivo de sequestrar mais
CO2 pela proliferação de algas unicelulares. Várias tentativas de fertilização
com ferro foram já feitas nos oceanos setentrionais e pode-se lembrar o
grande, e fracassado, experimento Lohafex, conduzido no Atlântico Sul em
2009 por cientistas do Instituto Alfred Wegener, da Alemanha, e do Instituto
Nacional de Oceanografia de Goa1304. Despejaram-se do navio quebra-gelo
Polarstern seis toneladas de ferro ao longo de 300 quilômetros quadrados.
343

Como previsto, o ferro estimulou o crescimento de fitoplâncton, que dobrou sua


biomassa em apenas duas semanas. Mas isto só aumentou a população de
copépodes, microcrustáceos que deles se alimentam, o que incidiu por sua vez
no aumento de anfípodes, o grupo de crustáceos maiores. Após 39 dias, o
oceanógrafo Victor Smetacek e o Instituto Wegener comunicaram que o
sequestro de CO2 obtido com o experimento foi “desprezível”. Como afirma
Stephen Battersby, que sumarizou essas tentativas na revista New Scientist,
“estes esquemas são engenhosos, mas algum deles funcionaria? Ou apenas
fariam as coisas piorarem e apressariam a catástrofe?”. Não sabemos, porque
simplesmente ignoramos os diversos mecanismos desencadeados por tais
intervenções, ignorância que não será dissipada por simulações de
computadores, por mais complexas que sejam. Battersby acolhe o ceticismo de
diversos especialistas em relação à geoengenharia. Mylles Allen, de Oxford,
diretor do Environmental Change Institute, analisou os efeitos de algumas
dessas propostas e concluiu que não há nenhuma solução universalmente
válida. Uma intervenção vantajosa para a China poderia ser prejudicial para a
Índia. Tim Lenton, da University of Exeter, especialista em mudanças climáticas
e em geociências, é expeditivo: “Isto é completa ficção científica. Temos que
parar de falar nessas coisas”1305.
Não ocorrerá, de fato, aos defensores de tais propostas que o
aquecimento global é um efeito que só se estanca se se estancar sua causa, a
emissão de gases de efeito estufa? É claro que isto supõe produzir menos,
consumir menos, deixar de desmatar, transferir os subsídios à indústria
automobilística e de combustíveis fósseis para o transporte público e para as
energias menos impactantes. Ou talvez percebam – não sem certa razão – que
tais mudanças de paradigma são ainda mais inexequíveis que suas insensatas
propostas. Algumas dessas manipulações talvez encerrem algum grau de
atratividade econômica para as corporações. Isto, não obstante a prudente
advertência de James Hansen1306: “É geralmente uma má ideia tentar encobrir
um efeito de poluição introduzindo outro; tal abordagem terá provavelmente
muitos efeitos inesperados. É difícil equiparar-se à natureza”.
A advertência desse grande cientista não é nova. Em substância, a
passagem da dinâmica reciprocamente adaptativa à dinâmica reciprocamente
destrutiva já fora detectada por Friedrich Engels, ao escrever 1307:

“Não nos congratulemos, entretanto, com nossas vitórias humanas sobre a


natureza. Pois a cada vitória a natureza vinga-se de nós. Cada vitória, é
verdade, traz numa primeira instância os resultados esperados, mas em
segunda e terceira instâncias, ela engendra efeitos muito diferentes e
imprevistos, que, com frequência, anulam os primeiros”.

Até o ponto, enfim, dirá o observador contemporâneo, em que a ilusão


de máxima hegemonia da técnica humana sobre a natureza converte-se aos
poucos, ou catastroficamente, em seu contrário, isto é, numa máxima
hegemonia da natureza sobre o homem (ou mesmo de uma natureza sem o
homem). Essa dinâmica de aprendiz de feiticeiro começa a ser agora estudada
no âmbito do projeto do Centre for the Study of Existential Risk (CSER), um
centro de pesquisas da University of Cambridge, posto sob a iniciativa
colegiada de Sir Martin Rees, Huw Price, Professor de Filosofia dessa
Universidade, e Jaan Tallinn, um dos criadores do Skype e membro da Lifeboat
Foundation. Eis o statement inaugural desse centro1308:
344

“Muitos cientistas preocupam-se que desenvolvimentos em tecnologia humana


possam colocar novos riscos de extinção de nossa espécie. Tais perigos têm
sido sugeridos pelos progressos em inteligência artificial, por desenvolvimentos
em biotecnologia e em vida artificial, pela nanotecnologia e por possíveis
efeitos extremos das mudanças climáticas antropogênicas. A seriedade desses
riscos é difícil de avaliar, mas justamente por isso são causa de preocupação,
dado o que está em jogo”.

13.5. Efeitos de retorno negativo

Por difícil ou impossível que pareça a avaliação desses riscos, deve-se


manter em mente uma constante histórica geral: quanto mais o homem tenta
submeter a natureza à sua lei, mais ela o submete à sua. Michel Serres formula
bem este efeito de retorno ao escrever 1309: “À força de dominá-la, tornamo-nos
tanto e tão pouco mestres da Terra, que ela nos ameaça, por sua vez, de nos
dominar de novo”.
Esses efeitos de retorno negativo confirmam-se num sem número de
exemplos que podem ser expressos na forma de constantes particulares.
Quanto mais o homem se deleita com a gesta heroica de seu poderio técnico,
mais revela em si a incapacidade do bebê de se limpar de seus dejetos, como
mostram, no capítulo 3, os indicadores do acúmulo de lixo e de
envenenamento químico do planeta.
Quanto mais o homem industrial “enriquece” o solo com fertilizantes,
mais este se empobrece e mais se empobrece também, pela eutrofização e
outros mecanismos deletérios, o potencial da natureza de alimentar o homem.
Quanto mais o homem industrial acredita defender sua agricultura com
“defensivos”, mais agressivos se tornam os insetos e mais brutais devem ser
as doses de inseticidas; ou menos abundantes se tornam os polinizadores
silvestres destruídos pelos inseticidas, que poderiam, por seu insubstituível
serviço de polinização, justamente aumentar as colheitas. Demonstra-o, como
já mencionado no capítulo 1, o fundamental trabalho publicado no número de
28 de fevereiro de 2013 da revista Science cujos resultados são assim
discutidos por Lawrence D. Harder, um de seus autores: “Paradoxalmente, as
abordagens mais comuns para aumentar a eficiência da agricultura reduzem a
abundância e a variedade dos insetos silvestres que poderiam aumentar a
produção dessas culturas agrícolas”1310.
Quanto mais o homem industrializa sua alimentação, menos nutritiva e
menos saudável ela se torna. Quanto mais o homem contemporâneo acredita
deter ou estar prestes a deter a chave que lhe dará acesso a recursos
energéticos quase infinitos da natureza, mais se vê ameaçado pelo declínio
desses recursos energéticos. Quanto mais se sofisticam as formas corporativas
de extração de energia da natureza (enriquecimento de urânio, gigantescas
barragens, fracking, extração de gás e de petróleo não convencionais ou em
reservas mais remotas ou semi-exauridas), mais energia é necessária: (1) para
obter o mesmo montante de energia e (2) para gerir o nível de desordem na
natureza e na sociedade produzido pela produção dessa energia (poluição
atmosférica, da água e dos solos, resíduos nucleares, segurança e
desmontagem de usinas nucleares, conservação de barragens, reutilização do
ambiente devastado pela extração de recursos naturais, etc).
345

Quanto mais o homem contemporâneo se vangloria de penetrar mais


profundamente as leis de comportamento da vida, mais este comportamento se
lhe revela, em última instância, hostil. Quem o diz é o Global Burden of
Disease Report (GBD 2010), uma pesquisa envolvendo quase 500 cientistas
em 50 países e considerada por Richard Horton, editor da revista Lancet que a
publicou: “a mais abrangente avaliação da saúde humana na história da
medicina”. As conclusões dessa pesquisa, que confrontou dados de 2010 com
dados de 1970 e 1990, foram assim resumidas1311:

“o controle que temos agora sobre algumas doenças infecciosas comuns


salvou milhões de crianças de mortes prematuras. Entretanto, coletivamente,
estamos dispendendo mais de nossas vidas vivendo com má saúde e
incapacitação”.

Outra formulação dos pesquisadores é lapidar 1312:

“Globalmente, avanços na saúde apresentam-se à maioria das pessoas


com uma devastante ironia: evitam a morte prematura, mas fazem viver
mais e mais doentiamente”.

O exemplo mais notável disso, aponta a pesquisa, é o aumento epidêmico da


obesidade e de doenças relacionadas à obesidade (como o diabetes, a
pressão alta e as cardiopatias), as quais, pela primeira vez na história humana
e em escala global, representam um problema de saúde pública maior que a
desnutrição. Acrescentem-se a isso o declínio acentuado da fertilidade
masculina, já abordado no capítulo 3 (possivelmente um efeito de disfunções
endócrinas ocasionadas por intoxicação química), e a proliferação de doenças
músculo-esqueléticas, mentais, respiratórias, alérgicas e autoimunes 1313, além
da maior transmissibilidade de doenças tropicais, virais e bacterianas em
latitudes mais amplas do planeta 1314. Dois exemplos particularmente letais
dessa hostilidade da natureza despontam como cruciais no presente e no
futuro próximo:

(1) A resistência a antibióticos, tanto mais rápida e nefasta quanto mais a


indústria farmacêutica induz os médicos a administrar rotineiramente
antibióticos aos humanos e a animais de criação, neste último caso de modo
apenas preventivo, para o maior lucro, não apenas da própria indústria
farmacêutica, mas também dos grandes “processadores de proteína animal”. O
resultado de tais práticas é, como se sabe, a geração de bactérias super-
resistentes, tais como as assim chamadas CRE (Carbapenem-Resistant
Enterobacteriaceae), uma família de mais de 70 bactérias, incluindo E. coli, que
progressivamente adquiriram resistência aos antibióticos Carbapenems que
infectaram o grande complexo do NIH (National Institutes of Health) em
Washington, matando 12 dos 19 pacientes infectados, e que se expandiram
desde então por hospitais de ao menos 42 Estados nos EUA. Durante o
primeiro semestre de 2012, quase 200 hospitais norte-americanos tiveram ao
menos um paciente infectado com essas bactérias. Segundo Thomas Frieden,
diretor do Centers for Disease Control and Prevention (uma agência federal
pertencente ao Ministério da Saúde naquele país), tais bactérias representam
uma tripla ameaça: elas são resistentes a praticamente todos os antibióticos,
mesmo os mais potentes; elas matam metade dos pacientes se provocarem
346

infecções sanguíneas; elas podem transferir sua resistência aos antibióticos a


outras bactérias de mesma família, tornando-as potencialmente também
intratáveis. Por exemplo, as bactérias Klebsiella, que infectaram o NIH, podem
passar seus genes que destróem os antibióticos mais avançados para
bactérias como E. coli, tornando-o igualmente resistente aos antibióticos. Em
dez anos, a porcentagem de Enterobacteriaceae resistestes aos antibióticos
aumentou quatro vezes, de 1,2% em 2001 a 4,2 em 2011. E a cepa que causou
a infecção no NIH aumentou sete vezes no mesmo período 1315.
Observa-se, além disso, o recrudescimento de novas cepas de
tuberculose por bactérias multirresistentes (multidrug-resistent ou MDR-TB e,
em casos extremos, extensively drug-resistent ou XDR-TB). Um estudo
realizado em oito países entre 2005 e 2008, e publicado em agosto de 2012 na
revista Lancet, mostra que os casos de tuberculose multiresistente atingem
níveis alarmantes: 43,7% dos pacientes não reagem a um medicamento de
segunda linha (administrado após o fracasso do isoniazid ou rifampin)1316.
Um milhão de pessoas desenvolveram tuberculose em 2012 na China. Desse
total, ao menos 110 mil eram vítimas de MDR-TB e ao menos 8200, de XDR-
TB1317.

(2) o aumento da ocorrência de diversos tipos de câncer motivados ao


menos em parte à exposição do homem às substâncias criadas pela sociedade
industrial. O Centre International de Recherche sur le Cancer de Lyon, ligado à
OMS (CIRC/OMS), classifica os fatores ambientais em cinco grupos de
periculosidade. Como assinalado por Catherine Vincent, “desde 1971, mais de
900 agentes químicos, físicos ou biológicos foram assim classificados, dentre
os quais mais de 100 são considerados como cancerígenos (grupo 1), e mais
de 300 como provavelmente cancerígenos ou talvez cancerígenos para o
homem (grupos 2A e 2B)”1318. Como visto nos capítulos anteriores, há alta
correlação ou certeza de uma maior probabilidade de câncer em organismos
expostos a substâncias como o bisfenol-A (BPA), os ftalatos, o glifosato, os
poluentes orgânicos persistentes (POPs), os compostos tóxicos voláteis como
o trimetilbenzeno, o xyleno e os hidrocarbonetos alifáticos ligados à exploração
do petróleo e do gás de xisto, a incineração de lixo em geral (e em particular de
lixo eletrônico), ou à irradiação dos raios UV-B e UV-C na Antártica e no Ártico
onde a camada protetora de ozônio na estratosfera foi destruída pelas ODCs
(ozone depleting chemicals), sobretudo os clorofluorcarbonos.
Foi constatada também a responsabilidade da carne industrialmente
processada pela indústria alimentícia no aumento da mortalidade por
cardiopatias e por câncer. Quem o afirma, agora mais categoricamente, é
Sabine Rohrmann à frente de uma equipe de 47 pesquisadores num trabalho
publicado em 7 de março de 2013 na revista BMC Medicine: “os resultados de
nossa análise”, escrevem eles, “traçam uma associação positiva moderada
entre consumo de carne processada e mortalidade, em particular devido a
cardiopatias, mas também ao câncer”1319.
No que se refere ao aumento do câncer do pulmão, a responsabilidade
da indústria do cigarro foi de há muito estabelecida, mas ela tem coadjuvantes
importantes, entre os quais a indústria automobilística. A intoxicação por gases
liberados na queima de gasolina e do diesel é hoje largamente demonstrada,
malgrado a denegação das corporações que remonta ao menos a 1966. Neste
ano, os indícios de intoxicação pelo chumbo tetraetila usado como aditivo na
347

gasolina foram descartados em um depoimento de um representante da


indústria química ao Senado dos Estados Unidos, no qual se afirmava
solenemente que não havia evidência de qualquer perigo dessa substância
para a saúde das pessoas e para o meio ambiente. Não por acaso, as
pesquisas nessa área eram conduzidas pelo Kettering Laboratory, uma
instituição afiliada àquela indústria1320. Em 12 de junho de 2012, os cientistas do
CIRC/OMS de Lyon emitiram um documento cuja “conclusão é unânime: os
gases de escapamento dos motores a diesel são uma das causas do câncer do
pulmão” (em 1989, o CIRC/OMS declarava esses gases apenas como
“provavelmente cancerígenos para o homem”) 1321. Mas ao lado do cigarro e do
diesel, agem com toda a probabilidade muitas outras substâncias tóxicas, que
explicam porque a curva ascendente da industrialização da China implicou uma
curva ascendente de câncer de pulmão que levou, apenas em 2010, a 600 mil
mortes por esse tipo de câncer1322.
De resto, não apenas de câncer de pulmão. Em outubro de 2011, o
China Daily publicou estatísticas do Instituto de Pesquisa sobre o Câncer, de
Pequim, mostrando um aumento nessa cidade, entre 2000 e 2009, de 56% de
casos de câncer no pulmão (com consumo de tabagismo estável no período) e
de 127% de casos de câncer de mama. O jornal menciona “rápidos aumentos”
de câncer também de útero e da tiroide naquela cidade. Segundo o autor do
relatório, Li Pingping, médico do Hospital do Câncer da Universidade de
Pequim, “a poluição e estilos de vida não saudáveis são as causas primárias
das altas taxas de câncer”1323.
Em vários países, no Brasil, em Portugal, na França e nos EUA, por
exemplo, a poluição dos lençóis freáticos por nitrato (NO 3) está acima dos
níveis aconselhados, fixados internacionalmente em 10 mg/L ou 10 ppm.
Concentrações acima desse nível estão relacionadas à incidência de câncer no
estômago ou a graves doenças em bebês abaixo de seis meses. Em Natal, no
Rio Grande do Norte, 38 poços tiveram de ser desativados entre 2000 e 2009
por causa da alta concentração de nitrato registrada nas águas retiradas
dessas fontes.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS): “o câncer é uma das
principais causas de morte em todo o mundo e o número total de casos está
aumentando. Estima-se que o número de mortes por câncer cresça 45% de
2007 a 2030 (de 7,9 milhões a 11,5 milhões de mortes). (...) Estima-se que
novos casos nesse mesmo período saltem de 11,3 milhões em 2007 para 15,5
milhões em 2030”1324. Para o World Cancer Report, em seu relatório de 2003,
as taxas de aumento de câncer podem ser de 50% até 2020, atingindo 15
milhões de novos casos já em 20201325. Uma pesquisa publicada na Lancet
Oncology, coordenada por Freddie Bray, da International Agency for Research
on Cancer (IARC) em Lyon, afirma que “a expectativa é de um crescimento de
incidência de câncer de mais de 75% em 2030 nos países desenvolvidos e de
mais de 90% nos países em desenvolvimento”1326.

Expectativa de vida e declínio da fertilidade humana

Citem-se, enfim, o primeiro declínio da expectativa de vida nos Estados


Unidos e na Alemanha, bem como o declínio da fertilidade humana. Em 1992,
uma equipe de pesquisadores dinamarqueses coordenada por Niels
Skakkebaek pôs em evidência uma baixa da concentração de espermatozoides
348

na população pesquisada. Uma pesquisa realizada pelo Institut national de


Veille sanitaire (InVs) numa amostragem de 26 mil homens na França e
publicada no número de dezembro de 2012 da revista Human Reproduction
demonstra que em 16 anos, entre 1989 e 2005, o número de espermatozoides
no esperma diminuiu 32,2%. Em 1989, a concentração média de
espermatozoides em homens de 35 anos era de 73,6 milhões por milímetro de
esperma; em 2005, ela descera a 49,9 milhões/ml. Segundo a OMS, a
infertilidade masculina ocorre definitivamente abaixo de 15 a 20 milhões/ml.
Estamos, portanto, ainda longe de sermos uma espécie em vias de extinção,
mas o decréscimo de espermatozoides prossegue regularmente a uma taxa de
1,9% ao ano.
Como afirma um editorial do Le Monde, a questão não é apenas de
baixa do número de espermatozoides, mas também de uma baixa quase
igualmente espetacular nos espermatozoides com morfologia normal, que
passaram de 60,9% em 1989 a 39,2% em 2005. Não é, portanto, apenas a
quantidade, mas também a qualidade das células reprodutoras, aí incluídos os
óvulos. Enfim, um estudo dinamarquês citado por esse jornal mostra uma
correlação entre a qualidade do esperma e a esperança de vida. Embora não
se tenha certeza das causas do conjunto desses fenômenos, Joëlle Le Moal,
epidemiologista do InVs, afirma que “a hipótese de perturbações endócrinas é
forte, dados os produtos químicos globalmente difusos no meio ambiente aos
quais a população é exposta por todas as vias possíveis, seja pela
alimentação, seja pelo ar”1327.
Nos EUA, a expectativa de vida caiu de 77,9 anos em 2007 para 77,8
anos em 20081328 e muito mais acentuadamente entre os brancos de ambos os
sexos de baixa escolaridade, cuja expectativa de vida declinou 4 anos de 1990
a 2008 (5 anos para as mulheres desse grupo) 1329. Na Alemanha, as camadas
de baixa renda da população podiam em 2001 esperar viver em média 77,5
anos, mas apenas 75,5 anos em 2010. Na ex-Alemanha Oriental, o declínio foi
ainda mais acentuado sempre entre as camadas sociais de baixa renda, pois
se passou nesse grupo de uma expectativa de vida de 77,9 anos para 74,1
anos ao longo da primeira década do século XXI 1330.
Ilusão semelhante à de uma sempre maior expectativa de vida é a
presunção científica de “manejar” a eletroquímica do cérebro. Quanto mais a
indústria farmacêutica induz a medicina a se valer de drogas atuantes no
sistema nervoso central para tratar inclusive perturbações relativamente leves,
mais aumenta o descompasso entre as pesquisas sobre a circuitaria cerebral e
os diagnósticos categorizados nos manuais de classificação das doenças
mentais. Uma petição assinada por 14 mil profissionais da área da saúde
mental reivindica uma mudança profunda (a critical change) do DSM-5, a última
edição (maio de 2013) do Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders, estabelecido pela American Psychiatric Association (APA). A
perplexidade é tanta, que “alguns críticos argumentam ser chegada a hora de
rasgar esse manual e começar tudo de novo” 1331. Quando do lançamento da
penúltima revisão do DSM, em 1994, seus autores esperavam que o manual
promovesse uma maior harmonização entre a neurobiologia e a psiquiatria. Um
deles, Michael First, Professor de Psiquiatria Clínica da Columbia University
(NY), declarou em dezembro de 2012: “Fui ingênuo em pensar que isto era
apenas uma questão de tempo” (I was naive enough to think it was just a
matter of time). Como afirma Allen Frances, Professor Emérito do
349

Departamento de Psiquiatria da Duke University School of Medicine, em


Durham, North Carolina, é clara a pressão da indústria farmacêutica para
ampliar o espectro do que se considera doença mental: “O DSM-5 abre a
possibilidade de que milhões e milhões de pessoas atualmente consideradas
normais sejam diagnosticadas como tendo desordens mentais e recebam
medicações e estigmas desnecessários”1332. Não por acaso, o número de
pessoas inscritas como doentes mentais no Supplemental Security Income
(SSI) ou no Social Security Disability Insurance (SSDI) nos EUA, entre 1987
(data do lançamento do Prozac) e 2007, aumentou duas vezes e meia, de uma
em cada 184 para uma em cada 76 americanos. Entre crianças esse aumento
foi de 35 vezes, de modo que a doença mental passou a ser a principal causa
de incapacitação nessa faixa etária1333.
Entre a ganância das corporações farmacêuticas e impasses
epistemológicos sobre os critérios de categorização e sobre diagnóstico,
alastram-se as neuroses, depressões, obsessões, ansiedades, transtorno por
estresse pós-traumático (TEPT), fobias, pânico, desordens bipolares,
distúrbios cognitivos, insônias, hiperatividade e déficit de atenção (ADHD),
síndrome de burnout, além de molésticas funcionais e psicossomáticas, como a
síndrome de fadiga crônica, a síndrome de visão do computador ( Computer
Vision Syndrome, CVS), etc. E na mesma proporção se agravam os
fenômenos de tolerância e dependência a psicotrópicos, além do espectro de
efeitos colaterais, incluindo suicídio e violência homicida. O mesmo ocorre com
as psicoses. Segundo Marcia Angell, acima citada, antipsicóticos como
Risperdal, Zyprexa e Seroquel são hoje mais vendidos nos EUA que os
medicamentos de controle do colesterol, até há pouco os best-sellers nas
farmácias daquele país.
Apenas no que se refere às síndromes depressivas, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) as caracterizava em 2011 como a quarta maior causa
de incapacitação funcional (functional disability) no mundo todo e projetava que
em 2020 elas se tornarão a segunda maior causa 1334. Ainda segundo a OMS, a
depressão clínica está se tornando a maior epidemia da história da
humanidade. No Reino Unido, o uso de antidepressivos aumentou 234% entre
1992 e 2002. O número de antidepressivos prescritos pelo National Health
Service do Reino Unido quase dobrou no primeiro decênio do século XXI,
atingindo 39,1 milhões de prescrições em 2009. Nos EUA, um estudo de 2005
reporta que no universo da população civil não institucionalizada (isto é, civis
maiores de 16 anos não internados em instituições criminais ou de saúde), 11%
das mulheres e 5% dos homens tomavam antidepressivos em 2002 1335. Em
2011, 10% dos americanos em geral acima dos seis anos tomam
antidepressivos. Segundo a OMS, 21% das mulheres e 12% dos homens nos
EUA sofrem uma síndrome depressiva em um ou mais momentos de sua vida.
Que os antidepressivos propostos pelas corporações, além de seus malefícios,
sejam pouco mais que uma confortável fonte de lucro sem benefício real para a
maioria dos pacientes, demonstra-o o fato que a diferença de eficácia entre
essas drogas e o placebo é pequena. Segundo David Healy, Professor de
Psiquiatria da University of Cardiff, 50% dos pacientes incluídos em estudos
clínicos sobre antidepressivos reconhecem uma melhora mensurável na escala
Hamilton, contra 40% dos pacientes que receberam um placebo 1336.
Quanto mais o homem contemporâneo se proclama o único ser racional
da biosfera, mais revela sua vulnerabilidade psíquica e sua irracionalidade, e
350

mais se deixa dominar por pulsões primárias e “naturais” de territorialidade,


fuga ou agressão diante do “desconhecido” (pessoas com outras
características fenotípicas, outras religiões, outra línguas, etc), com suas
manifestações endêmicas ou epidêmicas nos séculos XX e XXI:
comportamento supersticioso, obscurantismo religioso, ódios sectários,
racismo, xenofobia, genocídios, limpezas étnicas e religiosas, etc. Quanto
mais, enfim, o homem contemporâneo cultua o orgulho de sua singularidade na
natureza, mais se acumulam as evidências de que tal singularidade é apenas
residual e resulta muito mais da operação pueril do antropocentrismo, que
consiste em se colocar no topo de uma escala de valores definida a partir de si
próprio.

13.6. O grande bloqueio

O que concluir dessa constelação de constantes, que poderia se


prolongar indefinidamente? As duas Guerras Mundiais e tantas outras
sucessivas e equiparáveis em atrocidade, os totalitarismos e genocídios, o
fracasso dos projetos socialista e democrático-liberal e, sobretudo, as crises
ecológicas atuais não foram suficientes para arruinar o edifício iluminista. Ainda
que profundamente abalada, não se obnubilou a herança da operação mental
de laicização da história providencial pelo conhecimento científico, realizada
entre grosso modo 1750 e 1870. Quaisquer que tenham sido os prismas
filosóficos e os protagonistas dessa laicização – Voltaire, Turgot, os
Enciclopedistas, Condorcet, Saint-Simon, Kant, Hegel, Marx, Proudhon, Comte,
Cournot, etc. – a resultante final foi sempre no sentido de reforçar a convicção
de que a história humana, não obstante suas catástrofes, está destinada a
progredir e a se redimir por uma sorte de razão salvífica 1337.
Continuamos no século XXI a ser educados prevalentemente na
convicção de que desde meados do século XVIII a ciência foi capaz de nos
elevar aos poucos a um patamar de racionalidade e bem-estar jamais
conhecido pelo homem anterior à Revolução Industrial. Ainda é central em
nossa forma mentis a convicção de que continuaremos no futuro a “progredir”
como no passado, posto que não haveria limites para a adaptação da natureza
(de suas forças, de seus códigos, de suas leis e de seus equilíbrios sistêmicos)
ao engenho e à demanda do homem por mais energia, mais produção e mais
consumo. E não faltam, a alimentar essa ilusão, os espetaculares índices dos
últimos dois séculos de aumento da produção e consumo de energia per
capita, menores índices de mortalidade abaixo dos 5 anos (que não cessam de
regredir, pois se passou globalmente de 12 milhões em 1990 para 7,6 milhões
em 2010), acesso de maiores contingentes populacionais à educação, à
informação e à assistência médica (benefícios, é claro, não plenamente
extensíveis aos “perdedores”, os povos “periféricos”, extintos ou degradados
pelo rolo compressor da expansão capitalista).
O que nossa educação iluminista, contudo, não nos inculcou é que esta
racionalidade tem sido até agora, mesmo para seus beneficiários,
fundamentalmente uma espécie de otimização de curto prazo da alocação de
“recursos e serviços prestados” pela natureza. Não percebemos que esses
índices positivos trazidos pela ciência e pela técnica foram alcançados a um
custo real excessivo, se nele se contabilizar a destruição da biosfera,
destruição até há pouco ofuscada pelo espetáculo empolgante do progresso. E
351

porque esse custo real além de excessivo é crescente, porque a conquista foi
feita a expensas da cadeia da vida, esses índices positivos de curto prazo
estão se convertendo em seus respectivos reversos da medalha. O que
transparece cada vez mais claramente em todas as constantes particulares
acima evocadas é, numa palavra, que o avanço do conhecimento técnico-
científico baseado na ideia de “manejo” científico da biosfera e voltado para a
potenciação incontida da energia, da produção e do consumo não suprime e
nem mesmo diminui as adversidades da natureza que ele apregoa ser capaz
de combater – a escassez, os rigores climáticos, a doença e a agressividade
humana – mas apenas as transforma aos poucos em outras formas
equivalentes, ou piores, de escassez, de doença, de rigores climáticos, de
agressividade e de pulsões primitivas.
É com imensa dificuldade que começamos, em suma, a compreender o
equívoco em que se incorre quando nos limitamos a entender a natureza de
um ponto de vista útil antropocêntrico. A mais forte voz dissonante no coro do
antropocentrismo desde o Iluminismo foi, sem dúvida, a de Rousseau, que, no
Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens, elabora a mais
empolgante defesa, no pensamento moderno, do direito natural das criaturas
não-humanas1338:

“Tout animal a des idées puisqu’il a des sens, il combine même ses idées
jusqu’à un certain point, et l’homme ne diffère à cet égard de la bête que du
plus au moins. Quelques philosophes ont même avancé qu’il y a plus de
différence de tel homme à tel homme que de tel homme à telle bête”.

“Todo animal tem ideias, pois tem um sentido; ele combina mesmo suas ideias
até certo ponto: e o homem não difere a esse respeito dos animais senão pela
escala do mais ao menos. Alguns filósofos chegaram a avançar que pode
haver mais diferença entre homens que entre homens e animais”.

Como se sabe, o repto lançado por Rousseau ao narcisismo humano levou


Voltaire a ridicularizar o Discurso e a considerá-lo, numa carta célebre, uma
obra “contra o gênero humano”. A seu modo, ele percebeu a envergadura
imensa da ruptura filosófica operada por Rousseau e colocada em relevo por
Lévi-Strauss1339:

L’appréhension globale des hommes et des animaux comme êtres sensibles,


en quoi consiste l’identification, précède la conscience des oppositions:
d’abord, entre des propriétés communes; et ensuite, seulement, entre humain
et non-humain. C’est bien la fin du Cogito que Rousseau proclame ainsi (...).
Car jusqu’alors, il s’agissait surtout de mettre l’homme hors de question, c’est-
à-dire de s’assurer, avec l’humanisme, une «transcendance de repli».

“A identificação, que consiste na apreensão global dos homens e dos animais


como seres sensíveis, precede a consciência das oposições; primeiro, entre as
propriedades comuns; e em seguida, apenas entre humano e não-humano. É
exatamente o fim do Cogito que Rousseau proclama. (...) Pois até então,
tratava-se, sobretudo, de colocar o homem fora de questão, isto é, de
assegurar-se, com o humanismo, uma transcendance de repli”.
352

Essa transcendance de repli, traduzível como transcendência de refúgio, seria


justamente essa operação de recuo estratégico pela qual o homem se abriga
no pressuposto de uma transcendência exclusiva e não discutida.
Outra voz discrepante da autocelebração antropocêntrica é a
interpretação heterodoxa de Heidegger do célebre verso do coro da Antígona
de Sófocles – polla ta deina kouden anthropou deinoteron pelei (muitos os
prodígios, mas nada de mais prodigioso que o homem), quando traduz deinon,
não por prodígio, mas por das Unheimliche: o que inspira temor, o terrível, o
assustador, e conclui1340:

Das Unheimlichste zu sein ist der Grundzug der Menschenwesens (...) Der
Spruch: “Der Mensch ist der Unheimlichste” gibt die eigentliche grieschische
Definition des Menschen

“O ser o mais assustador é o fundamento da essência do homem (...) O dito: ‘O


Homem é o mais assustador’ dá a definição propriamente grega do homem”.

Isto posto, o bloqueio mental, a grande resistência que o homem


contemporâneo opõe à crítica do antropocentrismo é da mesma natureza e
tenacidade que as resistências opostas àquelas “três graves afrontas” ao
“narcisismo geral” do homem, a que se refere Freud no famoso texto de 1917
que serve de ponto de partida a este último capítulo.

O obscurantismo que se exerce em nome da ciência

A crítica mais eficaz do antropocentrismo será feita pela ciência, desde o


momento em que se livrar de suas pretensões sotereológicas ao scientific
management de uma natureza compartilhada com outras espécies que o
homem deve respeitar. Criticar essas pretensões antropocêntricas da ciência
não significa desmerecer suas conquistas. Muito pelo contrário, significa
reivindicá-las. Malgrado o ressurgimento recente do criacionismo e do
obscurantismo religioso em geral (previsíveis num mundo cada vez mais
inseguro1341), a ciência continua desafiando e vencendo, batalha após batalha,
os sistemas religiosos de poder. Essa foi e continua sendo a verdadeira
epopeia do homem antigo e moderno. Mas de que valeria a vitória da ciência
sobre a descabida autoridade da religião, se não se destronasse a religião
senão para reentronar a ciência? Diante da complexidade da natureza, toda
tentação de entronamento é descabida. Tal tentação, de resto, não é nova.
Desde Saint-Simon (1760-1825) e de seu secretário, Auguste Comte, a ciência
aspira a ganhar foros de nova religião, portadora de uma espécie de “Quinto
Evangelho”. Uma coisa apenas é certa: se há algo mais insultuoso à ciência
que o obscurantismo religioso, é o obscurantismo que se exerce em nome da
ciência.
A esta nova religião que não ousa dizer seu nome não faltam zelotas.
Alex Berezow e Hank Campbell 1342, por exemplo, não hesitam em taxar de
espírito anticientífico e de lançar anátemas a toda oposição aos riscos elevados
da energia nuclear, aos efeitos eventualmente danosos ao meio ambiente dos
OGM e à experimentação científica em outras espécies. Não percebem que
seus anátemas só se sustentam a partir de uma profissão de fé
antropocêntrica, e que esta emana, como visto acima, de um fundo religioso,
claramente, portanto, anti-científico.
353

A conquista mais decisiva – ao mesmo tempo a mais dolorosa e a mais


libertadora – da história recente do espírito humano, ao menos no Ocidente, foi
a superação pela ciência da concepção religiosa e metafísica do mundo, o que
significa, numa palavra, a “desistência” do absoluto. Mas não teremos de fato
superado a religião e a metafísica se colocarmos subrepticiamente em seu
lugar a ilusão e a pretensão de que através da ciência podemos reaver a
religiosa aspiração antropocêntrica à onipotência e ao absoluto. Pois isto
significaria uma contradição nos termos, pois é o espírito científico que nos
ensinou que não estamos no centro do cosmos, não somos a razão de ser da
evolução da biosfera, não somos os donos das outras espécies, não estamos
no controle das energias pulsionais que moldam nosso comportamento e,
sobretudo, não somos capazes, em nosso habitat finito, de adaptar os
equilíbrios ecossistêmicos à demanda ilimitada de energia e de excedente a
que nossas pulsões e ilusões nos induzem e que o capitalismo permitiu até
agora perseguir.
Se é útil lançar mão de emblemas literários para descrever o lento
declínio da ilusão antropocêntrica, caberia dizer que o homem sedento de
absoluto que Goethe desenha em seu Faust desperta aos poucos de sua
ilusão narcísica para se dar conta de que sua melhor imagem é a do retrato de
Dorian Gray de Oscar Wilde, retrato que, quanto mais se oculta, mais revela a
impossibilidade do homem de se furtar a seus limites. Se a ciência tem hoje
uma missão, esta é ensinar a nos reconciliar com a ideia de limite.

Conclusão. Do contrato social ao contrato natural

O Antropoceno, um mundo feito à imagem e semelhança do homem


contemporâneo, está nascendo sob nossos olhos. Dia a dia suas feições se
precisam nos dados da natureza, nem sempre acessíveis aos sentidos, mas
observados e analisados segundo diversos modelos e metodologias por
equipes de cientistas que se valem de instrumentos cada vez mais sofisticados
de mensuração. E quanto mais sofisticado é esse aparato, mais
implacavelmente os resultados confirmam o que os cientistas não cessam de
advertir: o século XXI coloca a espécie humana na mais crucial das
encruzilhadas de sua história. Stephane Hessel e Edgar Morin exprimem-na
em sua forma mais adequada: “nossas sociedades devem agora escolher: a
metamorfose ou a morte”1343. As vozes que subscrevem essa disjuntiva
354

começam a se adensar desde os anos 1960, com intervenções decisivas como


as de Rachel Carson, Ivan Illich, Michel Serres e Edward Goldsmith, cujo
célebre Blueprint for survival de 1972 foi co-assinado por mais de trinta
cientistas eminentes, entre os quais Julian Huxley, Frank Fraser Darling, Peter
Medawar e Peter Scott. Eis como se inicia sua Intrdução, intitulada the need for
change1344:

“O principal defeito do modo de vida industrial com seu ethos de expansão é


que ele não é sustentável. Seu término durante os anos de vida de alguém
nascido hoje é inevitável, salvo se uma minoria entrincheirada o mantiver ainda
um pouco mais ao custo de impor grande sofrimento ao resto da humanidade.
Podemos estar seguros, entretanto, que cedo ou tarde ele terminará (há
dúvidas apenas quanto ao tempo preciso e às circunstâncias desse fim), e que
terminará em um dos dois modos: seja contra nossa vontade, em uma
sucessão de fomes, epidemias, crises sociais e guerras; ou porque queremos
esse fim, porque desejamos criar uma sociedade que não imponha sofrimento
e crueldade a nossos filhos, a partir de uma série de mudanças ponderadas e
humanas”.

Mais que nunca é impreterível a escolha entre viver civilizadamente nos


limites da biosfera ou se condenar a uma hipobiosfera que nos imporá, no
melhor dos casos, condições de vida muito adversas. A nova agenda que esse
mundo de crises ambientais múltiplas, convergentes e sinérgicas impõe
encontra receptividade num sem número de iniciativas de parte da sociedade
civil, dos Estados e mesmo de algumas corporações. Todas essas iniciativas,
desde que tendentes a atenuar a destrutividade da ação humana sobre a
biosfera, são absolutamente preciosas. Do conjunto delas depende nossa
capacidade de retardar e minorar o colapso ambiental vindouro. Tudo aqui,
portanto, mesmo a iniciativa mais modesta, individual e local, é importante.
Mas retardar e minorar o colapso é o que está hoje ao alcance dessas
iniciativas. Pois o que o conjunto das páginas precedentes pretende ter
demonstrado é que não é possível reverter a tendência ao colapso ambiental
no âmbito do capitalismo. Não há capitalismo sustentável porque não pode
haver sustentabilidade: (1) quando a ordem jurídica garante que as decisões
sobre os fluxos fundamentais de investimento emanem, sem controle social, de
um grupo diminuto de pessoas; (2) quando a razão de ser desses
investimentos é a remuneração/reprodução ampliada do capital, seja este
propriedade privada ou estatal. A insustentabilidade do capitalismo, vale repetir,
lhe é constitutiva. A ideia de “educar” o capitalismo para a sustentabilidade é,
portanto o que chamei nesse livro a maior ilusão do pensamento político, social
e econômico contemporâneos.
Resta a alternativa de superar o capitalismo. Mas antes ainda de tentar
definir o sentido, ao mesmo tempo preciso e extremamente ambicioso, do que
aqui se entende por isso, é preciso definir preliminarmente o que não é superar
o capitalismo. As diversas experiências socialistas do Novecentos não
representaram uma superação do capitalismo. O socialismo, o mais audacioso
legado das Luzes, o mais generoso projeto de superação dos sistemas de
exploração e alienação do trabalho jamais empreendido pelo homem,
sucumbiu à burocracia, à tirania totalitária e, finalmente, ao mercado. Desse
fracasso resultou uma convicção exultante à direita, e uma resignação
largamente compartilhada à esquerda, de que o capitalismo não é um sistema
355

transitório, mas o lugar “natural” para o qual tende toda civilização capaz de
gerar excedente e, assim, satisfazer a demanda de grandes contingentes
populacionais. Com todos os seus defeitos, ele seria o mais eficiente alocador
de recursos e o melhor sistema de organização social de que a humanidade
pôde se dotar desde a assim chamada revolução neolítica, dado espelhar
fielmente as contradições da própria espécie humana, seu caráter ao mesmo
tempo vulnerável e engenhoso, individualista e gregário, agressivo e
cooperativo.
A partir da crise aberta em 2007-2008 começam a se produzir fissuras
nessa convicção. Os sinais de declínio ou esgotamento dos recursos naturais e
os efeitos de retorno negativo aos desequilíbrios antropogênicos da biosfera,
com todo o sofrimento e todos os prejuízos materiais aí implicados, começam a
sair do rol circunscrito das revistas científicas e a fazer manchete na grande
imprensa. Mais importante ainda: a fazer a pauta de Davos. Ouviram-se no
encontro de Davos de 2014 declarações de Jeffrey Seabright, representante da
Coca-Cola1345, e de executivos da Nike e de outras das maiores corporações
sobre o risco crescente de crises, por exemplo, de abastecimento hídrico, de
segurança energética e alimentar, capazes de prejudicar e mesmo inviabilizar
seus negócios. Também projetos como os de transição acelerada para uma
“economia circular” (vide 12.3. Insustentabilidade constitutiva) e intervenções
como a de Al Gore, prestigiada por Ban Ki-Moon e Bill Gates, com o singelo
título: Changing the Climate for Growth and Development, arrancaram aplausos
de auditórios cheios1346.
Paralelamente ao receio de que crises ambientais assumam doravante
magnitudes incontornáveis, crescem fermentos de desencanto diante da
declinante capacidade do capitalismo de abastecer a sociedade de consumo
com a droga de que se tornou adicta, justamente o consumo. A classe média
empobrecida na Europa, nos Estados Unidos e em outros países, assim como
os pobres e “emergentes” aspirantes à terra prometida começam a descobrir
que a sociedade afluente do segundo pós-guerra pertence definitivamente ao
passado. É necessário recordar a conclusão de um estudo da Oxfam, Working
for the few, já citado na Introdução: sete entre dez pessoas vivem em países
onde a desigualdade econômica aumentou nos últimos 30 anos. Em suma, há
um inegável, embora ainda difuso, “mal-estar no capitalismo”.
De outro lado, a resignação começa a ser contestada por setores
crescentes da sociedade à medida mesmo que a velha esquerda se fossiliza
ou se converte às políticas da direita, como é, no Brasil, os casos do PT e do
PCdoB, hoje forças instrumentais da mineração, das empreiteiras e do
agronegócio. Nesse contexto, a capitulação final das sociedades socialistas ao
mercado global revelou-se um bem, porque liberou o pensamento crítico do
peso da herança dos regimes socialistas, de que ele se sentia tributário ou era
acusado de sê-lo. Nos últimos vinte anos, a denúncia do caos a que as
corporações estão conduzindo o planeta vem assumindo formas e discursos
que já nada têm a ver com a velha retórica socialista. As campanhas
ambientalistas na rede e nas ruas, a mobilização da sociedade civil por
milhares de ONGs, as manifestações de protesto dos altermundialistas, dos
anti-consumistas, dos “Indignados”, o movimento Occupy Wall Street e seus
congêneres em vários países, as reivindicações na China, nos EUA, na
Europa, no Brasil e em tantos outros países por políticas públicas que
356

detenham a tendência ao colapso da biosfera, são preciosos sinais vitais de


uma renovada energia crítica.

A lição do fracasso

Mas não basta se liberar da herança dos regimes socialistas. É preciso


entender porque o socialismo fracassou. Malgrado os poderosos fatores
externos intervenientes em seu naufrágio, seu mais poderoso adversário foi um
fator interno: os regimes resultantes das grandes revoluções do século XX não
alvejaram o centro vital e princípio constitutivo do capitalismo, qual seja, o
princípio da acumulação incessante de excedente, de energia e de consumo.
Alvejá-lo, é verdade, era então impossível. Em primeiro lugar porque até os
anos 1960 a crise ambiental não estava na ordem do dia e não se desenhava
ainda para as consciências com a centralidade e a força impositiva de hoje. Em
segundo lugar porque as sociedades recém-saídas de revoluções socialistas
não podiam enfrentar o problema do crescimento ilimitado do excedente
quando ainda lutavam apenas para criar um mínimo de excedente, isto é, para
conseguir manter funcionando as mais elementares atividades econômicas,
sem as quais não sobreviveriam fisicamente às catástrofes das guerras civis,
das duas Guerras Mundiais e das guerras sucessivas a 1945.
O fracasso do socialismo não reside, portanto, no fato de não ter
rompido com a lógica do aumento contínuo do excedente. Reside no fato de
não ter sido sequer capaz de reconhecê-la como problema, ainda que num
distante horizonte. As burocracias socialistas ativeram-se à ingrata obsessão
de superar o desempenho capitalista em seu próprio terreno. O socialismo
acabou por acelerar a industrialização da Rússia e da China 1347. Mas como sua
crítica ao capitalismo ateve-se à esfera do controle privado do excedente, sem
atacar a lógica mesma da acumulação, essa industrialização em marcha
forçada acabou produzindo nesses países, e continua a produzir, desastres
socioambientais tão ou mais devastadores que os em curso nos países
“tradicionalmente” capitalistas.
Isto posto, se superar o capitalismo é algo radicalmente diferente das
ideologias e programas implantados pelos países que compunham outrora o
bloco socialista, deve-se admitir que não se sabe ainda qual será a fisionomia
de uma eventual sociedade pós-capitalista. Definir e construir uma lógica
socioeconômica alternativa à das corporações que comandam a economia, a
política e a vida da humanidade permanece o maior desafio do pensamento e
da prática política contemporâneos. Na realidade, o maior desafio da história
humana. Para enfrentá-lo, é preciso encetar uma dupla e sincrônica discussão
sobre como chegar a onde se pretende chegar.

Descentralização e compartilhamento do poder

No que se refere a como chegar a essa sociedade, tudo o que, a nosso


ver, é possível dizer no momento baseia-se no princípio da descentralização e
do compartilhamento do poder em todos os seus níveis. É necessário transitar
para uma ordem internacional descentralizada e compartilhada, isto é, não
mais emanando em última instância do poder dos Estados nacionais. Esse
poder supremo do Estado-Nação, indissociável da história do capitalismo, deve
ir-se com ele, pois são ambos manifestações da mesma matriz primitiva,
357

territorial, militarista, acumulativa e expansionista. O postulado do Estado-


Nação como autoridade não sujeita a valores supranacionais é a negação do
humanus qua humanus. Ele deve dar lugar ao reconhecimento pleno do
princípio do direito internacional, vale dizer, do poder compartilhado. É a própria
globalização final do capitalismo a partir dos anos 1980 que, paradoxalmente,
colocou na ordem do dia a exigência desse poder compartilhado, na medida
em que é apenas nesse mundo unificado pelo capital e homogeneizado pelas
commodities que pode prosperar a consciência de um destino político comum e
de uma comunidade planetária de interesses.
Além do fracasso do socialismo, a outra grande lição que se encerra na
história do século XX é que os nacionalismos e seus desdobramentos
imperialistas fizeram desse século, provavelmente, o mais violento da história
da humanidade. Imperialistas, coloniais, neocoloniais, locais, regionais ou
mundiais, as mais execráveis guerras do século XX – de um horror inaudito, de
que, de resto, sequer nos pensávamos capazes como espécie – foram feitas
invariavelmente em nome da nação. A proposta de Kant, de 1795, de que “a lei
das nações deve se fundar numa federação de Estados livres”, e a exortação
de Marx, em 1848, em prol de uma união internacional dos povos têm em
comum a percepção de um vínculo indissociável entre guerra e nação. São
ambas mais que nunca atuais 1348. Nos anos 1930, Arnold Toynbee definia seu
Study of History como uma advertência moral em relação à incapacidade das
nações de responder ao desafio das “Guerras de Nacionalidade, que
começaram no século XVIII e são ainda o flagelo do século XX” 1349. Desse jogo
de beligerância contínua, em que apenas as corporações ganham, é epítome
essa espécie de declaração de guerra ao mundo lançada por Theodore
Rosevelt em 1899: “Se nos encolhermos em face das duras lutas que os
homens devem vencer, pondo em jogo suas vidas e em risco todos os entes
que lhes são mais caros, então os povos mais ousados e mais fortes ganharão
para eles o domínio do mundo”1350.

Nem Nação, nem Império

A história do século XX e a atual precariedade socioambiental global


ensinam que nenhuma nação ou grupo de nações tem mais a capacidade de
tentar impor sua hegemonia sobre o mundo, mesmo que detenha uma clara
superioridade militar. É preciso, portanto, evoluir para uma governança
compartilhada do planeta, na qual o Estado-nação não seja mais a última
instância do direito à autodeterminação, mas na qual cada nação tenha
garantido o direito a manter suas tradições e perfis culturais próprios e, ao
mesmo tempo, a pesar na balança das decisões internacionais.
Ressurgida das cinzas da Liga das Nações, a ONU pouco tem
conseguido avançar, em seus quase 70 anos de vida, na direção do poder
compartilhado. Sua insuficiência advém do fato de constituir, no mais das
vezes, pouco mais que uma instância de legitimação internacional das
decisões de seu excludente Conselho de Segurança. Em sua forma atual, a
ONU não é de fato a expressão de uma descentralização do poder, mas de
uma máxima concentração de poder. É preciso descentralizá-la e atribuir-lhe
um poder superior ao das soberanias nacionais e ao de seu Conselho de
Segurança, caso se deseje de fato afrontar pacífica e racionalmente problemas
que não podem sê-lo apenas em âmbito nacional, como o são as crises
358

ambientais e o colapso que se avizinha. Exemplos pontuais, mas bem


sucedidos, de exercício de direito internacional sobre uso de recursos hídricos
e poluição das águas e da atmosfera, como o veredito emitido em 1941 pela
International Joint Commission no famoso caso da Trail Smelter Dispute,
apontam o caminho. O conceito de ecocídio deve imperativamente passar a ter
valor jurídico e penal. Em 30 de janeiro de 2014, com o lançamento da Carta
de Bruxelas – apoiados por ONGs de grande autoridade moral como End
Ecocide in Europe, o Tribunal International de conscience des crimes relatifs à
la Nature, o Réseau des Procureurs Européens pour l’Environnement, SELVAS,
entre outros –, esboça-se um primeiro passo para a criação de uma Corte
Penal Internacional do Meio Ambiente e da Saúde (Cour Pénale Internationale
de l’Environment et de la Santé). Ela será, em princípio, votada na ONU em
setembro de 2014. Urge dotá-la de mandato, transformá-la num órgão de
arbitragem internacional e atribuir a seus vereditos poder coativo apoiado em
força militar internacional, a exemplo dos Capacetes Azuis. Não é porque o
Canada possui areias betuminosas, a Austrália, a Mongólia e os EUA, grandes
reservas de carvão, e a China, suas terras raras, que poderão se permitir, com
sua exploração, condenar o planeta a um colapso ambiental. Não é porque o
Brasil e outros países da América do Sul, da África, do Sudeste Asiático e da
Malásia possuem as últimas grandes reservas de florestas tropicais, que
poderão se permitir devastar os ecossistemas que delas dependem para
satisfazer a ganância de interesses privados que, de resto, não geram riqueza
real e duradoura nem para seus povos.

Um poder de arbitragem e de veto emanando da sociedade

Essa descentralização do poder político internacional não sobrevirá se


não ocorrer paralelamente no âmbito dos territórios nacionais, em termos
políticos e econômicos. Ao contrário das agendas revolucionárias do século
XX, que visavam a tomada do poder e a máxima concentração de poder
político e econômico nas mãos dos revolucionários, princípio que continha em
si o embrião da tirania e da burocracia, isto é, a negação da própria revolução,
a agenda política de hoje é exatamente o contrário: a descentralização do
Estado e dos centros de tomada de decisão econômica, hoje concentrados nas
mãos das burocracias estatais e das corporações que as controlam.
O controle do Estado pelas corporações é a negação da democracia.
Estas o controlam já ao influir fortemente sobre o eleitorado por meio de
campanhas eleitorais movidas a doações multimilionárias e transformadas em
operações de mídia e de “marketing político” (locução que nega o significado
do termo política). É preciso devolver ao sufrágio universal seu sentido e
legitimidade, concebendo-o como um rito sóbrio e um embate em torno de
ideias e programas de governo, não de slogans. Mas é, sobretudo, o processo
de concentração econômica – do capital, dos fluxos de investimento, da
riqueza mundial e da renda – que é preciso reverter, pois há uma evidente
correlação entre concentração de poder econômico e colapso socioambiental.
É certo que, como visto no capítulo 8, a pressão demográfica é um acelerador
poderoso do colapso, razão pela qual é preciso garantir, contra o
obscurantismo religioso, o elementar direito humano à contracepção, ao aborto
assistido, ao planejamento familiar e a todos os recursos da ciência, da
medicina e da assistência social para um inadiável e abrangente controle da
359

natalidade. Mas mais urgente ainda é o controle da concentração da riqueza.


Porque reverter essa concentração é já em si mesmo, como bem sabem os
demógrafos, um poderoso e rápido indutor de autocontrole da natalidade e de
transição demográfica.
A causa óbvia e imediata da insustentabilidade ambiental da economia
global, tal como visto na Introdução e no capítulo 12, é a concentração de
83,3% da riqueza global nas mãos de 8,4% da humanidade adulta. Os padrões
de consumo de energia, bens e serviços de uma parcela diminuta da
humanidade, em torno de cuja demanda gravita parte preponderante da
economia global, são os principais aceleradores da tendência ao colapso. Essa
pirâmide de riqueza é absolutamente incompatível com uma economia
respeitosa da biosfera. Um retorno à velha política fiscal progressiva, com
taxação confiscatória para as rendas e fortunas excessivas, eliminaria a
aberração moral e socioambiental a que chegou a humanidade do século XXI,
na qual 0,7% dos indivíduos adultos são proprietários de 41% da riqueza
global. Eliminar essa aberração nada tem, de resto, de “socialista”. Como
lembra Thomas Piketty: “Quando examinamos a história da taxação
progressiva no século XX, é notável ver como a Grã-Bretanha e os EUA
estavam extremamente adiantados, especialmente os últimos, que inventaram
o imposto confiscatório sobre ‘rendas e fortunas excessivas’” 1351.
Ocorre que descentralizar a riqueza mundial requer algo muito mais
efetivo que pôr em ação mecanismos de distribuição de renda. Requer a
descentralização das tomadas de decisão econômica e do saber sobre o qual
elas se baseiam. O centro nevrálgico do poder não está sequer mais hoje no
Estado, e sim na plutosfera, vale dizer, nas corporações e nos 147
conglomerados e 1426 indivíduos que as controlam (tal como visto no capítulo
12.5. Plutosfera: 147 conglomerados e 1426 indivíduos).
E aqui se chega ao cerne de uma primeira definição do que significa
superar o capitalismo. Trata-se de refundar o pacto constitucional em escala
nacional e internacional, dotando a sociedade de mecanismos que retirem
dessa plutosfera o monopólio das decisões econômicas estratégicas da
economia, e atribuam uma participação efetiva dos trabalhadores, de
representantes de entidades diversas da sociedade civil e do Estado nas
principais decisões econômicas, seja diretamente nos conselhos das grandes
corporações, seja no âmbito das entidades representativas dos diversos
setores econômicos, seja ainda na administração pública.
Por participação efetiva entenda-se, concretamente, não a expropriação
dos pequenos e médios acionistas pelo Estado, nem a gestão técnica das
corporações por burocracias estatais (ambas as medidas nos remeteriam de
volta ao socialismo do século XX), mas um inapelável poder de arbitragem e de
veto emanando paritariamente dos representantes da sociedade civil, das
instituições científicas, do Estado e, como propõem Andrew Dobson e Robyn
Eckersley1352, de representantes de algumas espécies não-humanas e das
gerações futuras, em todas as decisões operacionais e de investimento que
impliquem:
(1) a manutenção da engrenagem da acumulação;
(2) aumento da poluição e desperdício de recursos;
(3) impacto da atividade econômica sobre os recursos naturais e os equilíbrios
ecossistêmicos além do limite preconizado pelos consensos científicos de
360

instituições internacionais pertencentes a ONU ou credenciados por seus


tratados e convenções1353.

A ideia de dar poder de arbitragem e de veto, num sistema de governança


global, também a quem não pode se fazer representar diretamente, isto é, a
representantes das gerações futuras e de animais não-humanos, está
implicada na definição mesma de “desenvolvimento sustentável”, avançada na
Introdução: (1) um desenvolvimento socialmente satisfatório, mas não
destrutivo da biodiversidade; (2) uma atividade econômica capaz, nas palavras
do famoso Relatório Brundtland, de “satisfazer as necessidades do presente
sem comprometer a habilidade das gerações futuras de satisfazer as suas
próprias”. Isto significa, em outras palavras, um desenvolvimento sem
crescimento, único capaz de compatibilizar o homem de hoje e o de amanhã.

Contrato natural

Essa nova estrutura política democrática dotada do poder de cercear as


três categorias acima elencadas remete ainda a um conceito negativo de
superação do capitalismo, isto é, à necessidade de negar a lógica da
devastação antropocêntrica. Uma segunda abordagem do que significa superar
o capitalismo deve permitir apontar o princípio positivo sobre o qual assentar a
refundação do pacto constitucional. Há a nosso ver aqui uma premissa única,
mas pétrea, sem a qual não se edificará uma alternativa mental ao capitalismo
susceptível de afastar a ameaça de um colapso socioambiental: a redefinição
do contrato social deve passar pela redefinição do contrato natural, termo de
filosofia do direito que devemos modernamente a Michel Serres, mas que
remonta, como lembra ele próprio, à Antiguidade e a seu legado: à foedera
naturae de Lucrécio e ao panteísmo do Cantico delle Creature de S. Francisco
de Assis para lembrar os paradigmas mais importantes 1354.
Esse contrato reza que as relações sociais entre os homens não podem
mais ser regidas pela premissa de que a natureza é apenas o ponto de partida
do processo de produção. A natureza é o ponto de partida e de chegada de si
mesma, pois é, em sua acepção etimológica, justamente natura, isto é, “ação
de fazer nascer”1355. Não se pode fazer morrer o que (nos) faz nascer, apenas
para que adquira a forma de mercadoria, de lucro e de lixo.
Numa palavra, esse novo contrato natural significa a superação do
antropocentrismo em benefício do biocentrismo; ou em outras palavras, a
superação da democracia clássica, de matriz antropocêntrica, em benefício da
biocracia. Esta foi bem definida por Terence Ball 1356 como o regime que
“considera os interesses humanos como um conjunto no seio de uma rede
complexa de interesses interdependentes”. É sobre o modelo da expoliação da
natureza que se edifica o modelo de expoliação social, e vice-versa. De modo
que toda democracia implica uma biocracia, e vice-versa. Essencialmente, a
biocracia é o princípio de governo segundo o qual a natureza como um todo e
em particular a biosfera – o conjunto da vida humana e não-humana – são
irredutíveis à lógica autopropulsiva da acumulação capitalista. A irredutibilidade
a essa lógica não emana mais apenas da filosofia do direito; não é mais
apenas o último capítulo da longa historia da universalização dos sujeitos de
direito: dos escravos ao estrangeiro, ao mais fraco, à mulher, ao velho, ao
deficiente físico, ao mentalmente enfermo, à criança e, finalmente, à vida não-
361

humana. Ela emana de uma nova, imperiosa, incontroversa e urgente


exigência de conservação do que resta do biota planetário. Conservá-lo não já
mais apenas pensando na sustentabilidade futura, mas o conservar para a
sobrevivência da sociedade atual.
Essa última afirmação é importante porque mostra uma diferença
fundamental entre a situação do homem e de suas aspirações sociais no
século XX e no século XXI. O século XX nos ensinou, e o fez à maneira dura, a
não mais aceitar a vanidade e a arrogância de quem se julga no direito de tirar
da cartola a receita do que é “melhor” para a sociedade, seja ele o filósofo, o
cientista, o economista, o líder religioso ou o partido “de vanguarda” de Lênin.
Disto se dava conta, entre outros, Cornelius Castoriadis quando afirmava em
1980 que uma melhor sociedade “sairá da própria sociedade ou não sairá.
Reconhecer esse limite ao pensamento e à ação política é não se permitir
refazer o trabalho dos filósofos políticos do passado, substituindo-se à
sociedade e decidindo, como Platão e mesmo Aristóteles, que tal escala
musical é boa para a educação dos jovens, enquanto tal outra é má e deve ser
portanto banida da polis”1357. Palavras que conviria não esquecer. Pronunciadas
há apenas pouco mais de 30 anos, já não é mais atual, contudo, o contexto
que as suscitou, qual seja o da reflexão sobre os erros cometidos pelos
projetos revolucionários do século XX. Não é mais ponto da pauta de hoje
debater sobre a “melhor” sociedade. O que hoje está em pauta é apenas como
evitar o colapso ambiental iminente e acabrunhante que põe criticamente em
risco a sobrevivência de qualquer sociedade complexa. A utopia de nossos dias
é apenas essa sobrevivência. Mas o grande paradoxo dos tempos que nos foi
dado viver é que a arruinada ideia de revolução, expulsa pela porta da frente
no final do século XX, retorna, ainda que profundamente diversa, pela porta
dos fundos. Pois para tão somente reverter a tendência ao colapso
precisaremos instituir um contrato natural que não será politicamente factível,
nem filosoficamente concebível, sem a mais radical redefinição da posição de
nossa espécie na teia da vida, redefinição que equivale a uma revolução, mais
ambiciosa que as do século XX, em nosso universo econômico, social, político
e moral.
Têm razão os que consideram escassas, para dizer o menos, as
probabilidades de que se venha a firmar esse contrato natural pós-
antropocêntrico e, a fortiori, pós-capitalista. Esse ceticismo é fácil porque tem
tudo a seu favor e, sobretudo, o fato de que esse contrato não se limita a uma
mera nova delegação de poder, no sentido hobbesiano, a um super-Estado
internacional ou a um comitê de peritos em scientific management das crises
ambientais, receita para novas distopias e para desastres ainda maiores que os
que nos aguardam. O que esse contrato natural supõe é algo mais difícil. É a
autonomia, no sentido primeiro do termo. É a decisão política de autogestão,
de renunciar aos nacionalismos e imperialismos em prol do interesse comum,
de decrescer econômica e demograficamente de modo concertado, de retornar
aos limites da biosfera de maneira a nos definirmos como comunidade entre
comunidades e como espécie entre espécies, decisões estas de que as
sociedades não se têm demonstrado capazes e nem mesmo, aparentemente,
desejosas. E isto no curto espaço de tempo de que ainda dispõem antes de
colapsarem.
Mas é justamente porque não resta à sociedade global contemporânea
mais tempo e porque não lhe resta outra escolha senão um salto sem
362

precedentes de autosuperação, que é possível imaginá-lo. A história, como dito


e redito na Introdução, é imprevisível, e quando as situações são extremas e as
tensões atingem o ponto de não-retorno, as mais inverossímeis soluções do
continuum histórico podem subitamente encontrar seu caminho. É quando,
para dizê-lo com as palavras de um conservador, “o politicamente impossível
torna-se politicamente inevitável”1358. Mais que nunca, a política hoje é a
hipótese de que o inverossímil não apenas não é impossível, mas é inevitável.
“Sem a hipótese de que outro mundo é possível, não há política”, ensina Ernst
Bloch, “há apenas gestão administrativa dos homens e das coisas” 1359. O fato
simples e insofismável de nossos dias é que ao homem contemporâneo não
resta outra alternativa senão tentar o inverossímil, vale dizer, tentar superar o
capitalismo, se por isso se entende superar o que há de mais primitivo em si
mesmo. Ou, em caso contrário, abandonar suas pretensões a fazer jus ao título
de Homo sapiens e conformar-se com sua condição atual de Homo
exstinguens, denominação possivelmente transitória, já que em latim o verbo
exstinguo admite também o sentido reflexivo.

Índice dos principais termos e conceitos

A
Acidificação oceânica
Acumulação
(ver também Excedente)
Agricultura
Agrotóxicos
Alimentos
(ver também Carne, Insegurança alimentar)
Anóxia, ver Hipóxia
Antropocentrismo
(ver também Ilusão antropocentrica)
Aquecimento global
Aquíferos
363

B
Biosfera

C
Capitalismo
Capitalismo de Estado
Carne
Carvão
Carvão vegetal
Chuvas ácidas
Chuvas torrenciais
Ciência, cisão esquizofrênica
Colapso
Colapso da biodiversidade
Commodities
Contrato natural
Corais
Corporações

D
Demografia
Desertificação
Desigualdade econômica
Desmatamento
Dieback
Distopias

E
Efeitos de retorno negativo
Elevação do nível do mar
Entropia
Envenenamento, ver Intoxicação
Esgotos
Estados-Corporações
Eutrofização
Excedente

F
Fertilizantes
Forças centrífugas
Forças centrípetas

G
Gás
Gás não convencional
Gás hidrofracionamento (fracking)
H
Hidrelétricas
Hipobiosfera
Hipóxia
Homeostase

I
Ilusão antropocentrica
Insegurança alimentar
Insustentabilidade
Interações
Intoxicação

L
Lixo
Lixo eletrônico
Lixo nuclear
Lixo, Resíduos Sólidos Urbanos

M
Matérias-primas
Mercúrio
Metano
Ministério do Meio Ambiente
Mudanças climáticas
Mudanças não-lineares
364

O-P
Ozônio
Pesticidas industriais
Petróleo
Petróleo, derramamentos
Petróleo líquido, escassez
Petróleo não convencional:
areias betuminosas, petróleo de coque, petróleo de xisto
Petróleo, subsídios
Plástico
Plus ultra
Plutosfera
Poluição atmosférica
Poluição das águas
Poluição por combustíveis fósseis
POPs, ver Intoxicação

R
Recursos hídricos
Resíduos Sólidos Urbanos, ver Lixo
Revoltas da fome, ver Insegurança alimentar

S
Secas
Sexta extinção, ver Colapso da Biodiversidade
Síndrome de Vênus
Sinergia
Solos (empobrecimento, erosão e degradação)

T
Tanatosfera, ver Síndrome de Vênus
Termelétricas
Terras raras
Tipping point

U
Urbanização

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1

NOTAS

Livros e artigos impressos são citados por extenso na bibliografia ao final do volume. Artigos de imprensa (jornais e
revistas) e textos de sítios na internet são referenciados apenas nas notas. Estes últimos foram consultados pela última vez
em maio de 2014.

Principais abreviações:

EPA – Environmental Protection Agency (EUA)


FDA – U.S. Food and Drug Administration
IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change
NOAA – National Oceanic and Atmosphere Administration
PNAS – Proceedings of the National Academy of Sciences
PNUMA – Programa das Naçoes Unidas para o Meio Ambiente
UICN – Union Internationale pour la Conservation de la Nature
USGS - United States Geological Survey
WMO – World Meteorological Organization
WRI - World Resources Institute
WWF – World Wildlife Fund

Notas da Introdução

Cf. A. de Tocqueville (1856, p. 1): “Il n’y a rien de plus propre à rappeler les philosophes et les hommes d’État à la modestie que
l’histoire de notre Révolution; car il n’y eut jamais d’événements plus grands, conduits de plus loin, mieux préparés et moins prévus”.
2
Veja-se, por exemplo, Condorcet (1793/1993, p. 189: “o homem pode predizer com uma segurança quase integral os fenômenos dos
quais conhece as leis; (...) mesmo quando estas lhe são desconhecidas, ele pode, a partir da experiência do passado, prever com uma
grande probabilidade os acontecimentos do futuro”.
3
“Rien n’a été plus ruiné par la dernière guerre que la prétention de prévoir”. De l’Histoire (1928), republicado em Regards sur le monde
actuel (1931-1945/1960, p. 937).
4
Soam cômicas em 2014 as palavras iniciais do World Economic Outlook do FMI, de abril de 2007: “Notwithstanding the recent bout of
financial volatility, the world economy still looks well set for continued robust growth in 2007 and 2008”.
5
Algumas obras foram justamente celebradas por prever essas grandes rupturas históricas: em Impossibilités techniques et économiques
d’une guerre entre grandes puissances. Paris, Paul Dupont, 1899, Jan de Bloch alertava sobre as consequências terríveis de uma guerra
entre países industrializados, previsões confirmadas com a I Grande Guerra (“Les guerres ne pourront donc se terminer”, concluía de
Bloch, “autrement que par l’épuisement entier des deux adversaires ou par un cataclisme social”). No que respeita à implosão da União
Soviética, cf. Emmanuel Todd, La chute finale: Essais sur la décomposition de la sphère Soviétique. Paris, 1976. Dos poucos estudiosos
que previram a crise financeira de 2007-2008, o mais notório é Nouriel Roubini, apelidado “Dr. Doom” pelo The New York Times. Cf. “8
who saw the crisis coming...” CNNMoney/Fortune, agosto de 2008: “In 2005, Roubini said home prices were riding a speculative wave
that would soon sink the economy. Back then the professor was called a Cassandra. Now he's a sage” . Há também os que previram a
bolha imobiliária, mas se calaram de má-fé, como a Standard & Poor’s, cf. Le Monde, 7/II/2013.
6
Cf. Lamarck (1820, p. 154), apud Bourg, Fragnière (2014, pp. 49-50)
7
Cf. The Nine Planetary Boundaries. Stokholm Resilience Centre. Sustainability Science for Biosphere Stewardship. Esses nove limites
serão tratados nos seguintes capítulos: mudanças no uso do solo (capítulos 1 e 2); declínio dos recursos hídricos (capítulo 2); poluição
química (capítulo 3); poluição atmosférica (capítulo 3); mudanças climáticas e buraco na camada de ozônio (capítulo 6); biodiversidade
(capítulos 8 e 9); acidificação oceânica e eutrofização (capítulo 10).
8
Cf. Energy for All. Financing access for the poor. Special early excerpt of the World Energy Outlook 2011. Dados de 2009.
9
Cf. “10 Facts on Sanitation”. World Health Organization. Março de 2011.
10
“In developed countries, only about 30% of the population fall into this category”. Cf. The Crédit Suisse Global Wealth Report 2013, p.
22 (em rede).
11
Sobre esses dados de concentração da riqueza mundial, cf. The Crédit Suisse Global Wealth Report 2013.
12
Cf. Ricardo Fuentes-Nieva, Nicholas Galasso, Working for the few. Political capture and economic inequality, 2014: “seven out of ten
people live in countries where economic inequality has increased in the last 30 years”.
13
Cf. Paul Krugman, “The Undeserving Rich” The New York Times, 19/I/2014: “incomes of the top 1 percent have nearly quadrupled and
the incomes of the top 0.1 percent have risen even more”. Artigo republicado em português com o título “Os ricos sem mérito”. Folha de
São Paulo, 20/I/2014.
14
Porphyrius ad Marcellam, 27, p. 207, 31 Nauck, in Hermann Usener, Epicurea, p. 161, trad. e ed. Ilaria Ramelli, Milão, Bompiani,
2002, p. 367. Na tradução inglesa: “Wealth, if limits are not set for it, is great poverty”. The Epicurus reader. Selected writings and
testimonia, ed. e trad. por Brad Inwood e L.P. Gerson. Indianopolis, Hackett Publishing Comp., 1994, The Vatican Collection of
Epicurean Sayings, n. 25, p. 37.
15
Cf. La Convivialité (1973 e 1975). Oeuvres complètes, Paris, Fayard, 2003, vol. I, pp. 451-580, p. 508
16
Cf. Beck (1986).
17
Da mesma forma, Paul R. Herlich e Anne H. Ehrlich (1990, p. 18) escrevem: “Em quatro anos, a população do mundo cresce apenas
um pouco mais que 7%. Quem poderia notar isso? Por mais veloz que tenha sido em termos históricos a explosão populacional, ela ocorre
em passo de lesma na percepção de um indivíduo”.
18
Sobre essa noção de dissociação, cf. Worthy (2013) e a resenha de Edward Humes, “Blanking out the mess”. Nature, 500, 7460,
1/VIII/2013, pp. 26-27.
19
Cf. Vicent Di Grande, “Face à la crise, les Français se détournent de l'environnement”. Le Monde, 11/I/2013; Emily Swanson, “Poll
finds Americans less concerned about the environment now than Earth Day began”. Huffington Post, 22/IV/2013.
20
Repete-se o erro histórico que, no século XX e ainda hoje, levou a esquerda a recusar o que chamou de liberdades “burguesas”,
tolerando a tirania exercida em nome do socialismo. Esse constrangido silêncio, por vezes cúmplice de atrocidades, permitiu à direita
vender-se, cúmulo do absurdo, como guardiã das liberdades civis.
21
Cf. B. Fisher, N. Nakicenovic (coord.), “3 - Issues related to mitigation in the long-term context”. International Panel on Climate
Change (IPCC), p. 173: “Using the ‘best estimate’ assumption of climate sensitivity, the most stringent scenarios (stabilizing at 445–490
ppmv CO2-equivalent) could limit global mean temperature increases to 2–2.4°C above the pre-industrial level, at equilibrium, requiring
emissions to peak before 2015 and to be around 50% of current levels by 2050” http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/wg3/ar4-
wg3-chapter3.pdf.
22
IPCC - Special Report on Renewable Energy Sources and Climate Change Mitigation. 11ª Sessão do Grupo de Trabalho III,
apresentado em Abu Dhabi em 9 de maio de 2011: “Close to 80 percent of the world‘s energy supply could be met by renewables by
mid-century if backed by the right enabling public policies” (http://srren.ipcc-wg3.de/).
23
Segundo o The Emissions Gap Report 2012, das Nações Unidas, em 2010, as emissões globais de gases de efeito estufa ultrapassavam
já em 14% o nível de emissões desses gases requerido em 2020 para se manter uma alta probabilidade ( a likely chance) de não ultrapassar
um aquecimento global de 2º C em 2100. O nível das emissões de CO 2-eq em 2010 era 20% mais alto que o nível de 2000, malgrado a
retração econômica iniciada em 2008. Tarde demais para dois graus? é o título de um documento apresentado à 18ª Convenção das Partes
sobre o Clima em Doha (COP 18) em 2012 que assim resume o problema: “Ultrapassamos um limiar crítico (...): a tarefa que agora
enfrentamos é conseguir 5,1% anuais de descarbonização por 39 anos consecutivos”, sendo que a taxa média de descarbonização da
economia desde 2000 é de 0,8%. Cf. L. Johson, Too late for two degrees? Low carbon economy Index 2012. PricewaterhouseCoopers
LLP . Veja-se infra o capítulo 6, em especial o item: O salto de 2,4º a 6º Celsius até 2100.
24
Cf. The Climate Change Performace Index 2013 (http://germanwatch.org/en/download/7158.pdf): “This overall view shows that
climate change protection efforts are still far less than sufficient, not only in specific regions, but all over the world” .
25
O termo aparece em Wilhelm Liebknecht, “Our recent Congress”. Justice, 15/VIII/1896.
26
Cf. “The visible hand”. The Economist, 26/I/2013: “State companies make up 80% of the value of the stockmarket in China,
62% in Russia and 38% in Brazil”.
27
Cf. D. Rajeev Sibal, “The Untold Story of India’s Economy”. LSE, The London School of Economics and Political Science, março de
2012.
28
Cf. Fernando Ulrich, “Uma radiografia do crédito bancário no Brasil”. O Ponto Base , 17/VII/2013.
29
Cf. Pedro Henrique Pedreira Campos, citado por Anne Vigna, “Odebrecht, uma transnacional alimentada pelo Estado”. Le Monde
diplomatique Brasil, 34, 7, 75, outubro de 2013, p. 15. Um estudo de Sérgio G. Lazzarin (2011) descreve os mecanismos de controle
compartilhado e a capilaridade da participação do Estado brasileiro na rede corporativa. Agradeço esta referência a Henrique Lian.
30
Cf. Anderson Antunes, “The 20 Companies That Own Brazil”. Forbes, 23/I/2014; “Quem são os proprietários do Brasil?”
http://www.proprietariosdobrasil.org.br/index.php/pt-br/.
31
Cf. Richard Heede (2014, pp. 229-241).
32
Cf. “The rise of state capitalism”. The Economist, 26/I/2013: “the world's ten biggest oil-and-gas firms, measured by reserves,
are all state-owned”; “The visible hand”. The Economist, 26/I/2013: “The 13 biggest oil firms, which between them have a grip
on more than three-quarters of the world's oil reserves, are all state-backed”.
33
Cf. Angela Bittencourt, “Heróis da Nação”. Valor econômico, 3/VII/2013 .
34
A Lei Orgânica dos Partidos Políticos (9.096/1995) e a Lei das Eleições (9.504/1997) permitem doações financeiras por pessoas
jurídicas e físicas a campanhas eleitorais e a partidos políticos. Em 2010, as campanhas eleitorais foram financiadas em 95% pelas
empresas. A campanha eleitoral de um deputado federal custou em 2010, em média, R$ 1,1 milhão; um senador, R$ 4,5 milhões; um
governador, R$ 23,1 milhões. Além disso, 62% dos deputados federais eleitos – 320 parlamentares – receberam doações de apenas 5%
das empresas que financiaram as campanhas em 2010, as principais sendo: Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez, Siderúrgica
Gerdau, Banco Alvorada (Bradesco), BMG, Itaú/Unibanco, Santander, JBS/Friboi, Ambev e Votorantim, . Para cada real investido num
candidato, as empresas obtêm R$ 8,50 em contratos públicos. Cf. Silvio Caccia Brava, “Uma disputa e tanto”. Le Monde Diplomatique
Brasil, Abril, 2014, p. 3. Segundo a Transparência Brasil, citada por Caccia Brava, o custo total das eleições de 2010 e 2012 chega a R$
10,8 bilhões. Na França, o custo das últimas eleições presidenciais e legislativas foi de US$ 30 milhões. Segundo dados do TSE, entre
2002 e 2010, os gastos declarados nas eleições do Brasil para Deputado Federal e Presidente passaram de R$ 827 milhões para R$ 4,8
bilhões, um aumento de 591%. Cf. Ana Luiza Backes, Luiz Carlos Pires dos Santos, “Gastos em campanhas eleitorais no Brasil”.
Cadernos Aslegis, 46, 2012, pp. 47-59; Daniel Bramatti, “Setor privado dá dinheiro também em ano eleitoral”. Estado de São Paulo,
3/IV/2014, p. 4: “entre 2009 e 2012, as direções nacionais do PT, PSDB e PMDB receberam, juntas, pelo menos R$ 1 bilhão em doações
de bancos, empreiteiras e empresas. Esse valor equivale a quase 2/3 das receitas dos três partidos, em média”. Nos últimos quatro anos, o
PT foi o mais bem aquinhoado: “R$ 551 milhões – 71% de suas receitas - vieram de empresas”.
35
Em 2010, a sentença da Suprema Corte dos EUA, no processo Citizens United v. Federal Election Commission, garantiu às
corporações, associações e sindicatos o direito de injetar dinheiro em campanhas eleitorais. Eis o texto da sentença: “ Political spending is
a form of protected speech under the First Amendment, and the government may not keep corporations or unions from spending money to
support or denounce individual candidates in elections. While corporations or unions may not give money directly to campaigns, they
may seek to persuade the voting public through other means, including ads (...)” . Além disso, a Suprema Corte deve sentenciar em breve
sobre o processo McCutcheon v. FEC, que propõe eliminar os limites dos valores máximos estabelecidos em lei (1970) para os doadores
individuais (individual donors) às campanhas eleitorais. Cf. Jessica Jones, “Citizen United four years later – The Unleashed Tide of Secret
Money”. League of Women Voters, 17/I/2014 .
36
O Acordo de Parceria Transpacífica, proposto pelos EUA é um novo tipo de tratado comercial ‘high standard”, acordado em 2011 e
assinado em Singapura, em sua forma final, em dezembro de 2013, que visa, explicitamente, “regulatory coherence” entre as nações
signatárias. Dele participam, ou devem participar, Japão, México, Canadá, Austrália, Malásia, Chile, Colômbia, Cingapura, Peru, Vietnã,
Nova Zelândia, Coreia e Brunei. Cf. CartaCapital, 20/XI/2013, p. 22. Vejam-se: http://www.ustr.gov/about-us/press-office/fact-
sheets/2011/november/outlines-trans-pacific-partnership-agreement e https://wikileaks.org/tpp-enviro/pressrelease.html.
37
Esse acordo versa, por exemplo, sobre a exploração de combustíveis fósseis, o funcionamento da internet, os OGMs e o tipo e duração
de patentes que, em certos casos, poderão durar até 120 anos. Cf. Maxime Vaudano, “Le traité TAFTA va-t-il délocaliser notre justice à
Washington?” Le Monde, 15/IV/2014: “L'expérience montre que le mise en place de mécanismes d'arbitrage international tend à favoriser
les entreprises, au détriment des Etats”.
38
Final report. High Level Working Group on Jobs and Growth (HLWG): “As Leaders requested, the HLWG has analyzed jointly a wide
range of potential options for expanding transatlantic trade and investment. These included, but were not limited to, the following: (...)
Elimination, reduction, or prevention of unnecessary “behind the border” non-tariff barriers to trade in all categories”.
39
Cf. Lori Wallach, “Um tratado para estabelecer o governo das multinacionais”. Le Monde Diplomatique Brasil, novembro, 2013, p. 6.
40
Em seu Capitalismo de laços, 2011, acima citado, Sérgio G. Lazzarin assim o define: “Trata-se de um modelo assentado no uso de
relações para explorar oportunidades de mercado ou para influenciar determinadas decisões de interesse. Essas relações podem ocorrer
somente entre atores privados, muito embora grande parte da movimentação corporativa envolva, também, governos e demais atores na
esfera pública” (p. 4).
41
Cf. Luigi Zingales, “Crony Capitalism and the Crisis in the West”, The Wall Street Journal, 6/VI/2012: “Seven out of the 10 richest
counties in the U.S. are in the suburbs of Washington, D.C., which produces little except rules and regulations”.
42
Cf. The Power Elite, 1956 . Tradução portuguesa, A Elite do Poder, Rio de Janeiro, Zahar, 1965. Sobre o discurso de Eisenhower, vide
infra o capítulo 12. A ilusão de um capitalismo sustentável. No Brasil, o clientelismo foi objeto de uma ampla literatura em que se
destacam as contribuições de Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro.
43
Cf. Sheldon Wolin (2008): “A symbiotic relationship between traditional government and the system of ‘private’ governance
represented by the modern business corporation. The result is not a system of codetermination by equal partners who retain their
distinctive identities but rather a system that representes the political coming-of-age of corporate power”.
44
O Índex de Percepção de Corrupção de 2013 da Transparência Internacional, abrangendo 177 países e territórios, mostra que dois
terços dos países não atingem a nota 50, numa escala de 0 (máximo de corrupção) a 100 (mínimo de corrupção). Vide
http://cpi.transparency.org/cpi2013/results/.
45
Segundo Jeff Tollefson e N. Gilbert (2012): “The climate numbers are downright discouraging. The world pumped 22.7 billion tonnes
of carbon dioxide into the atmosphere in 1990. (…) By 2010 that amount had increased roughly 45% to 33 billion tonnes. Carbon dioxide
emissions skyrocketed by more than 5% in 2010 alone, marking the fastest growth in more than two decades.”
http://www.nature.com/news/earth-summit-rio-report-card-1.10764.
46
“GIEC: Les émissions de gaz à effet de serre s’accélèrent malgré les efforts de réduction” (em rede).
47
Cf. Stephane Foucart, “40 milliards de tonnes: les émissions de CO 2 atteignent un niveau record”. Le Monde, 20/XI/2013.
48
Entrevista concedida a M.-B. Baudet, Le Monde (13/XI/2012): “L’éfficacité énergétique doit être une priorité pour les États”.
49
Cf. Matthews et al.(15/I/2014).
50
Cf. “U.S. energy-related CO2 emissions in 2013 expected to be 2% higher than in 2012”. U.S. Energy Information Administration
(EIA), 14/I/2014.
51
Dados de um trabalho da University of Wollongong, na Austrália, citados por Bernahard Zand, ‘The Coal Monster”. Spiegel Online
International, 6/III/2013.
52
Cf. Jintai Lin et al. (2007), “China’s international trade and air pollution in the United States”. PNAS: 36% of anthropogenic sulfur
dioxide, 27% of nitrogen oxides, 22% of carbon monoxide, and 17% of black carbon emitted in China were associated with production of
goods for export. For each of these pollutants, about 21% of export-related Chinese emissions were attributed to China-to-US export”.
53
Cf. D. Savoye, “Canada: la justice valide la sortie du protocole de Kyoto”. Le Monde, 22-23/VII/2012.
54
Eis os pontos principais do acordo de Doha: um segundo período do Protocolo de Kyoto se estenderá de 2013 a 2020, mas ele envolve
apenas a União Europeia, a Croácia, a Islândia, e outros oito países industrializados, dentre os quais a Austrália, a Noruega e a Suiça. Os
signatários desse acordo são responsáveis por 15% das emissões globais de gases de efeito estufa. O acordo “insta” os países
desenvolvidos a anunciar novas ajudas financeiras “quando as circunstâncias financeiras o permitirem” e a apresentar em Varsóvia em
2013 “informações sobre suas estratégias para mobilizar fundos de maneira a chegarem a 100 bilhões de dólares por ano de 2013 a 2020”.
Além disso, declara sua ambição de adotar um acordo de limitação de emissões de gases de efeito estufa “dotado de força jurídica” na
Conferência da ONU de 2015, acordo que passaria a vigorar em 2020. Cf. Le Monde, 8/XII/2012.
55
Veja-se, por exemplo, o editorial da revista New Scientist, 9/XI/2013: “Deal or no deal. A global climate pact might be unnecessary
after all”.
56
Cf. “Relations commerciales EU-Chine”. Parlement européen. Département thématique, 2011.
57
“Emissão de CO2 cresceu 62% no Brasil entre 1990 e 2005”. O Globo, 26/11/09.
58
Cf. M. Lima, Emissão de metano pela pecuária, Embrapa, 2008, em rede. Sobre as emissões de metano pelas hidrelétricas, vejam-se
em especial as pesquisas de Philip M. Fearnside, discutidas no capítulo 6.
59
Folha de São Paulo. 13/VII/2012, p. 2.
60
Cf. “OEA pede que Brasil suspenda Belo Monte, e governo se diz perplexo”. BBC Brasil. Em nota, o Itamaraty considerou o pedido
impertinente, afirmando: “Sem minimizar o papel que desempenham os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, o
governo brasileiro recorda que o caráter de tais sistemas é subsidiário ou complementar, razão pela qual sua atuação somente se legitima
na hipótese de falha dos recursos de jurisdição interna”.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/04/110405_belomonte_oea_pai.shtml.
61
Cf. L. Coelho, “OEA cancela audiência sobre Belo Monte após Brasil se negar a ir”. Folha de São Paulo, 26/10/2011.
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/997180-oea-cancela-audiencia-sobre-belo-monte-apos-brasil-se-negar-a-ir.shtml.
62
Cf. D. Chrispim Marin, “Brasil não paga OEA por causa de Belo Monte”. Estado de São Paulo, 20/X/2011.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,brasil-nao-paga-oea-por-causa-de-belo-monte-,787892,0.htm.
63
“The EU climate and energy package”. European Commission.
64
Cf. “Greenpeace comment on state of Rio+20 negotiations text for adoption”. Greenpeace, 19/VI/2012.
65
“Let me be frank. Our efforts have not lived up to the measure of the challenge (…). Nature does not wait. Nature does not negotiate
with human beings”. Citado pela Agência Reuters, em “Rio+20 summit begins under a cloud of criticism”, 20/VI/2012.
http://af.reuters.com/article/worldNews/idAFBRE85J1H720120620.
66
“We need urgent action. We can not have a Rio+40, there is no time. We are behaving like idiots. The issue of sustainable development
is not for the next generation, it is for ours”. Entrevista publicada em:
http://albeliodias.blogspot.com.br/2012/06/pavan-sukhdev-there-will-be-time-for.html.
67
Cf. Bai et al. (2008). Segundo Nkonya et al. (2011): “For a global assessment of land degradation, remote sensing and georeferenced
data are definitely needed”.
68
Cf. Fred Pearce, “Summit? More like nadir”. New Scientist, n. 2871, 30/VI/2012, Editorial, p. 3.
69
Cf. V. Shiva, Time To End War Against The Earth. Discurso pronunciado na seção de recepção do Sydney Peace Prize em 4 de
novembro de 2010: “When we think of wars in our times, our minds turn to Iraq and Afghanistan. But the bigger war is the war against
the planet. This war has its roots in an economy that fails to respect ecological and ethical limits - limits to inequality, limits to injustice,
limits to greed and economic concentration. A handful of corporations and of powerful countries seeks to control the earth's resources and
transform the planet into a supermarket in which everything is for sale. They want to sell our water, genes, cells, organs, knowledge,
cultures and future”.
70
Monitoradas pelo programa “O Homem e a Biosfera” (MAB), em cooperação com o PNUMA, a UICN e outras agências
internacionais. http://www.unesco.org/new/fr/natural-sciences/environment/ecological-sciences/biosphere-reserves/.
71
Para a situação crítica dessas Reservas na África Ocidental, cf. Amadou Boureima, Réserves de la biosphère em Afrique de l’Ouest,
2008. No que se refere à Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, o INPE
72
Declaração de Manuela Carneiro da Cunha a Daniela Chiaretti, “Cresce disputa pelas terras dos índios no país”. Valor econômico,
17/IV/2014, p. 4.
73
Dados de um levantamento realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco. Cf. M. T. Pádua, “Campeonato de
redução das unidades de conservação”. O Eco; D. Bragança, “Dilma apresenta pacote de bondades de olho na Rio +20”. O Eco.
74
Cf. S. Landrin, “Les périls se multiplient sur les sites naturels du Patrimoine mondial”. Le Monde, 28/VI/2012.
75
Cf. C. Toropova, I. Meliane, D. Laffoley, E. Matthews, M. Spalding, Global Ocean Protection. Present Status and Future Possibilities.
Gland, IUCN, 2010: “Although it is not possible to develop an exact account, fully protected, no-take areas cover only a small portion of
MPA coverage, while a large proportion of MPAs are ineffective or only partially effective”. Veja-se: http://data.iucn.org/dbtw-
wpd/edocs/2010-053.pdf.
76
Cf. Engelman (2013).
77
Tal é a definição proposta pelo Relatório Brundtland de 1987, Our Common Future, para o qual uma sociedade sustentável “meets the
needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs”.
78
Cf. Daly (1990/1993, p. 268). Há uma imensa literatura econômica sobre o conceito e as políticas de “desenvolvimento sustentável”.
Veja-se, no Brasil, por exemplo, Veiga (2005); Abramovay (2012).
79
Lovelock (2006, p. 3).
80
Cf. Georgescu-Roegen (1971).
81
“World Bank Group President: This is the Year of Climate Action”. The World Bank News, 23/I/2014.
82
Apud Coral Davenport, “Industry awakens to threat of climate change”, The New York Times, 23/I/2014: “There are a lot of really
significant, monumental issues facing the global economy, but this supersedes all else”.
83
Cf. Interagency Working Group on Social Cost of Carbon, “Social Cost of Carbon for Regulatory Impact Analysis Under Executive
Order 12866”, 2010 . As instâncias governamentais que firmam esse documento são: Council of Economic Advisers, Council on
Environmental Quality, Department of Agriculture, Department of Commerce, Department of Energy, Department of Transportation,
Environmental Protection Agency, National Economic Council, Office of Energy and Climate Change, Office of Management and
Budget, Office of Science and Technology Policy, Department of the Treasury.
84
“The SCC is an estimate of the monetized damages associated with an incremental increase in carbon emissions in a given year. It is
intended to include (but is not limited to) changes in net agricultural productivity, human health, property damages from increased flood
risk, and the value of ecosystem services due to climate change”.
85
Cf. Brad Plumer, “An obscure new rule on microwaves can tell us a lot about Obama’s climate policies”. The Washington Post,
5/VI/2013.
86
“carbon economy- and climate change related losses amounted to over 1.2 trillion dollars in 2010”. Cf. 2nd Climate Vulnerability
Monitor. DARA https://s3.amazonaws.com/daraint/CVM2ndEd-ExecutiveSummary.pdf.
87
Cf. M. A. Sutton, et al., Our Nutrient World: The challenge to produce more food and energy with less pollution. Centre for Ecology
and Hydrology, Edinburgh, 2013.
88
Cf. Andrew Metcalf, “Water Scarcity to Raise Capex and Operating Costs, Heighten Operational Risks”. Moody’s Investor Service,
Report n. 149714, 13/II/2012. Da mesma maneira, os níveis decrescentes do sistema Cantareira, que provê de água a região de Campinas,
em São Paulo, estão ameaçando a rentabilidade de corporações como a Ambev S/A e a Petro Brasileiro S/A (Petr4).
89
Cf. Pavan Sukhdev et al., TEEB (2010) The Economics of Ecosystems and Biodiversity: Mainstreaming the Economics of Nature: A
synthesis of the approach, conclusions and recommendations of TEEB.
90
Cf. UNISDR GAR 13 - Global Assessment Report on Disaster Risk Reduction: “wild-land fires now affect all continents with the cost
of damage to tropical ecosystem services alone potentially exceeding US$3 trillion per year”.
91
Cf. WWF Living Planet analysis shows looming ecological credit crunch: “The world is currently struggling with the consequences of
over-valuing its financial assets, but a more fundamental crisis looms ahead -- an ecological credit crunch caused by under-valuing the
environmental assets that are the basis of all life and prosperity”.
92
Cf. Lester R. Brwon, World on the edge, How to Prevent Environmental and Economic Collapse, New York, Londres, W.W. Norton,
2011: “As we think about the ecological déficits that are leading the world toward the edge, it becomes clear that the values generating
ecological déficits are the same values that lead to growing fiscal déficits”.
93
Citado por Thomas L. Friedman, “The Earth is Full”. The New York Times, 7/VI/2011: “The depletion, deterioration and exhaustion of
resources and the worsening ecological environment have become bottlenecks and grave impediments to the nation’s economic and social
development.”
94
Cf. R. M. Solow, “A Contribution to the Theory of Economic Growth”. The Quarterly Journal of Economics, 1956, 70, 1, pp. 65-94.
95
“Commodity prices overall rose by almost 150% from 2002 to 2010, erasing the real price declines of the last 100 years. Essas
estimativas encontram-se em Towards the Circular Economy. Volume 3:Accelerating the scale-up across global supply chains, 2013.
Uma publicação da Ellen MacArthur Foundation.
96
Maiakóvski, Poemas, São Paulo, Perspectiva, 1989, p. 82: “Come ananás”, traduzido por Augusto de Campos.
97
Economistas conservadores como Claude Jessua, Professor emérito da Université Panthéon-Assas (Paris II), apressam-se em
circuncrever a crise aberta em 2007-2008, afirmando: “Contudo, trata-se de uma crise dentro do capitalismo e não do capitalismo”. Cf.
C. Jessua, Le capitalisme. Paris: PUF, 2010, trad. port., O Capitalismo, São Paulo: L&PM, 2011, p. 113.
98
Cf. Thomas L. Friedman, “The Earth is Full”. The New York Times, 7/VI/2011.
99
Cf. Ricardo Abramovay, Muito além da economia verde, São Paulo, 2012, p. 86: “O problema é que esses avanços [da economia verde]
nem de longe são suficientes para permitir que o crescimento econômico prossiga sem que o equilíbrio climático, a biodiversidade e a
própria oferta de materiais e energia sejam seriamente ameaçados”.
100
Desde 2007, os invernos setentrionais têm sido mais frios que a média dos últimos decênios. O fenômeno se explicaria, segundo
alguns estudiosos, por alterações negativas na Oscilação Ártica (AO) e na Oscilação Norte-Atlântica (NAO) geradas pelo degelo do
Ártico, que permitem às correntes de jato do Ártico invadirem zonas subtropicais, descrevendo uma curva sinoidal que inclui vastas áreas
dos Estados Unidos e da Europa. Cf. C. H. Greene, “The Winters of Our Discontent”. Scientific American, 307, 13/XI/2012: ‘Extensive
losses of Artic summer sea ice have altered the climate in ways that favor the development of negative AO and NAO conditions leading to
more severe winters” ; Stéphane Foucart, “”Nos hivers seront-ils plus froids dans un monde plus chaud?” Le Monde, 29/III/2013.
101
Citado por Ginzburg (2008/2014, pp. 12, 25-26).
102
Veja-se, por exemplo: “Mitigation does not mean the world has to sacrifice economic growth”. Tal quadratura do círculo encontra
ainda seus defensores mesmo em cientistas como Ottmar Edenhofer, do importante Potsdam Institute for Climate Impact Research.
103
“World Energy Outlook 2009”. International Energy Agency (IEA): “Saving the planet cannot wait. For every year that passes, the
window for action on emissions over a given period becomes narrower – and the costs of transforming the energy sector increase. We
calculate that each year of delay before moving onto the emissions path consistente with a 2º C temperature increase would add
approximately $ 500 billion to the global incremental investment cost of $10,5 trillion for the period 2010-2030. A delay of just a few
years would probably render that goal completely out of reach. If this were the case, the additional adaptation costs would be many times
this figure. Countries attending the UN Climate Change Conference [the 15th Conference of the Parties (COP 15) in december 2009 in
Copenhagen] must not lose sight of this. The time has come to make the hard choices needed to turn promises into action”. Veja:
http://www.worldenergyoutlook.org/media/weowebsite/2009/WEO2009.pdf.
104
Cf. IPCC, Climate Change 2013. The Physical Science Basis, p. v (em rede).
105
K. Marx, Zur Kritik der politischen Ökonomie (1859), Vorwort: “die Menscheit immer nur Aufgaben, die sie lösen kann, denn genauer
betrachtet wird sich stets finden, dass die Aufgabe selbst nur entspringt, wo die materiellen Bedingungen ihrer Lösung schon vorhanden
oder wenigstens im Prozess ihres Werdens begriffen sind” (“a humanidade só se coloca tarefas que ela pode resolver, pois, a se as
considerar de perto, se verificará que a própria tarefa surge apenas quando as condições materiais para sua resolução já existem ou ao
menos estão em vias de vir a se constituir”.
106
Cf. Toynbee (1976, p. 9).
107
Cf. Nafeez Mosaddek Ahmed, A User's Guide to the Crisis of Civilization: And How to Save it. Pluto Press, 2010, Introdução (e-book,
3%): “This book explores the hypothesis that these seemingly separate crises are in fact manifestations of the dysfunctional global,
political, economic, ideological, and ethical system that caracterizes industrial civilization in toto”.
108
Há uma biblioteca em crescimento sobre o decrescimento administrado (décroissance, degrowth, managing contraction). Veja-se, por
exemplo, Nicholas Georgescu-Roegen, La Décroissance (1979), Paris, Sang de la Terre, 1995; Serge Latouche, Petit traité de la
décroissance sereine, Paris, Mille et une nuits, 2007; Richard Heinberg, Peak Everything: Waking Up to the Century of Declines. Gabriola
Island, New Society Publishers, 2007; Idem, The End of Growth. Adapting to Our New Economic Reality. Gabriola Island, New Society
Publishers, 2011, cap. 6, parte 1. Na França, o grupo reunido em torno da revista Entropia. Revue d’étude théorique et politique de la
décroissance, dirigida por Jean Claude Besson-Girard. Etapas importantes na formação desse novo pensamento econômico foram o I
Congresso Internacional Economic De-Growth for Ecological Sustainability and Social Equity, Paris, 2008 (Atas em: http://events.it-
sudparis.eu/degrowthconference/appel/Degrowth%20Conference%20-%20Proceedings.pdf) e o II Congresso, que gerou o documento
Degrowth Declaration in Barcelona, de 2010. Isto posto, a ideia de uma incompatibilidade entre capitalismo e decrescimento
administrado (ou “sereno”) é raramente admitida, de onde a importância do ensaio de John Bellamy Foster intitulado: “Capitalism and
Degrowth: An Impossibility Theorem”. Monthly Review, 62, 8, 2011..
109
Cf. John Stuart Mill, Essays on some Unsettled Questions of Political Economy (1844), Londres, Longmans, Green, Reader and Dyer,
1874, pp. 137-140, retomado em A System of Logic Ratiocinative and Inductive, 8ª edição, Londres, Longmans, Green, Reader and Dyer,
2 volumes, 1872, vol. II, pp. 1093-1095: ““man is a being who is determined, by the necessity of his nature, to prefer a greater portion of
wealth to a smaller”. A crítica desse pressuposto foi avançada por Georgescu-Roegen (1971, p. 323).
110
Sobre a diferença entre fluxos de energia e estoques de energia, cf. Georgescu-Roegen (1971, pp. 220-223).
111
Lucrécio, De rerum natura, V, 156-165: Dicere porro hominum causa voluisse parare / praeclaram mundi naturam (...), Memmi,
desiperest.
112
Cf. Hessel, Morin (2011, p. 37): “Ceux qui dénoncent le capitalisme sont incapables d’énoncer la moindre alternative crédible; ceux
qui le considèrent comme immortel s’y résignent”.
113
1. Desaparecimento das mantas vegetais nativas do planeta

Cf. FAO, State of the World’s Forests, Roma, 2012, p. 25: “an estimated 1 billion people depend on forests for subsistence, as an
economic safety net or as a direct source of income” . A afirmação sustenta-se na pesquisa publicada por S. Scherr, A. White, D.
Kaimowitz, A new agenda for forest conservation and poverty reduction: making markets work for low-income producers. Washington,
DC, Forest Trends and CIFOR.
114
Cf. FAO, cit., p. 27: “About 350 million of the world’s poorest people, including 60 million indigenous people, use forests intensively
for their subsistence and survival”.
115
Cf. Butler, Rhett A. “Where Are All These Disappearing Species?” Mongabay.com / A Place Out of Time: Tropical Rainforests and
the Perils They Face. 9 January 2006 http://rainforests.mongabay.com/09where.htm.
116

Cf. FAO, State of the World’s Forests, 2012, p. 28.


117
Millenium Ecosystem Assessment, 2004, p. 2: “More land was converted to cropland in the 30 years after 1950 than in the 150 years
between 1700 and 1850”.

1.1. A curva global ascendente do desmatamento


118

Cf. Matthew C. Hansen et al., “High-Resolution Global Maps of 21st-Century Forest Cover Change”. Science, 342, 6160, 15/XI/2013,
pp. 850-853; Florence de Changy, “La déforestation sous l’oeil de Google”. Le Monde, 23/II/2014.
119
Cf. Reducing emissions from deforestation in developing countries: approaches to stimulate action (fevereiro de 2011):
“Deforestation, mainly conversion of forests for agriculture activities, has been estimated at an alarming rate of 13 million hectares per
year (in the period 1990-2005)”.
http://unfccc.int/files/press/backgrounders/application/pdf/fact_sheet_reducing_emissions_from_deforestation.pdf.
120
Cf. OECD Environmental Outlook to 2050: The Consequences of Inaction, 2012, pp. 22.
121
“World deforestation decreases, but remains alarming in many countries”. FAO. The Global Forest Resources Assessment 2010:
“Globally, around 13 million hectares of forests were converted to other uses or lost through natural causes each year between 2000 and
2010 as compared to around 16 million hectares per year during the 1990s”. Em rede
(http://www.fao.org/news/story/en/item/40893/icode/).
122
Cf. OECD Environmental Outlook to 2050: The Consequences of Inaction, 2012, pp. 22 e 157: “Primary forests, which are rich in
biodiversity, are projected to shrink in area by 13% (p. 22). Primary forests (...) have been on the decline and are projected to decrease
steadily to 2050 in all regions under the Baseline scenario”
123
Cf. Tollefson, “Plastic wood is no green guarantee”. Nature, 498, 6/VI/2013, p. 13.
124
Cf. Rhett A. Butler, “Where Are All These Disappearing Species?” Mongabay.com / A Place Out of Time: Tropical Rainforests and
the Perils They Face. 9/I/2006.
125
Cf. Jennifer Medina, “Fire Season Starts Early, and Fiercely”. The New York Times, 15/V/2014.
126
Cf. Arctic Climate Impact Assessment, Cambridge University Press, 2005, em especial o capítulo 14, coordenado por Glenn P. Juday,
“Forests, Land Management, and Agriculture”, p. 835: "The total area burned in North America has been increasing concurrently with
recent temperature increases and other climatic changes (...). The annual area burned in western North America doubled in the last 20
years of the 20th century (...). Based upon less precise statistics there appears to be a similar trend in the Russian Federation (...)”.
127
Cf. Litschert, Brown, Theobald (2012, pp. 124-133).
128
Cf. The Age of Western Wildfires. Climate Central, Princeton e Palo Alto, Setembro de 2012: “7 times more fires greater than 10,000
acres each year. Nearly 5 times more fires larger than 25,000 acres each year. Twice as many fires over 1,000 acres each year, with an
average of more than 100 per year from 2002 through 2011, compared with less than 50 during the 1970’s. In some states the increase in
wildfires is even more dramatic. Since the 1970’s the average number of fires over 1,000 acres each year has nearly quadrupled in
Arizona and Idaho, and has doubled in California, Colorado, Montana, New Mexico, Nevada, Oregon, Utah and Wyoming”.
129
Cf. Pierre Le Hir, “Climat et habitat attisent les risques de feux dans les forêts méditerranéennes”. Le Monde, 8/VIII/2013.

130
Cf. “Número de queimadas no Brasil cresce 53% em cinco anos, diz INPE”. Jornal Terceira Via online, 15/VIII/2012.
131
Cf. “Wildfires: A Symptom of Climate Change”. NASA: “What we found is that 90 percent of biomass burning is human instigated”.
http://www.nasa.gov/topics/earth/features/wildfires.html.
132
Cf. Daniel C. Nepstad et al., “Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire”. Nature, 398, 1999, pp. 505-508;
M.A. Cochrane et al., “Fire science for rainforests”. Nature, 421, 2003, pp. 913-919.
133
Cf. Arctic Climate Impact Assessment, Cambridge University Press, 2005, em especial o capítulo 14, coordenado por Glenn P. Juday,
“Forests, Land Management, and Agriculture”, p. 844: “In the tropics, forests contain 20 to 50 times more carbon per unit area than
agricultural land”.
134
Cf. Reducing emissions from deforestation in developing countries: approaches to stimulate action (fevereiro de 2011): “The total
carbon content of forests has been estimated at 638 Gt for 2005, which is more than the amount of carbon in the entire atmosphere” (…) It
is estimated that deforestation contributed approximately 5.8 GtCO2/yr to global greenhouse gas emissions in the 1990s”.
http://unfccc.int/files/press/backgrounders/application/pdf/fact_sheet_reducing_emissions_from_deforestation.pdf.
135
European Commission. Environment. Nature and Biodiversity. Forests: “Deforestation: forests and the planet's biodiversity are
disappearing”: http://ec.europa.eu/environment/forests/deforestation.htm.
136
Cf. G. R. van der Werf et al., “CO2 emissions from forest loss”. Nature Geoscience, 2, 2009, pp. 737-739.
137

1.2. O desmatamento por regiões

FAO, How much Earth’s land is covered by forests: “In 2005, the total amount of forests worldwide was just under 4 billion hectares.
This is equal to about 30 percent of the land area on Earth”. Vide ftp://ftp.fao.org/docrep/fao/010/i0105e/i0105e03.pdf.
138
Cf. Peter J. Bryant, Biodiversity and Conservation. A hypertext book, University of California Irvine, 2003: “In the last 5,000 years,
humans have reduced forests from roughly 50% of the earth's land surface to less than 20%”. Em rede
http://darwin.bio.uci.edu/~sustain/bio65/lec15/b65lec15.htm.
139
Cf. Bryant, op. cit. (2003): “If deforestation continues at present rates, Thailand will have no forest left in 25 years; the Philippines in
less than 20 years, and Nepal in 15 years.
140
Cf. John Vidal, “Greater Mekong countries lost one-third of forest cover in 40 years”. The Guardian, 2/V/2013.
141
Cf. Beaumont Smith, “A tree falls in Laos”. Asia Times Online, 5/X/2010; Bruno Philip, “Au Laos, une déforestation massive et
silentieuse”. Le Monde, 3/I/2014.
142
Citado por Rhett A. Butler, “80% of rainforests in Malaysian Borneo logged”, Mongabay.com, 17/VII/2013: "Only small areas of
intact forest remain in Malaysian Borneo, because so much has been heavily logged or cleared for timber or oil palm production”.
143
Cf. Gilles van Kote, “Le pillage des forêts de Papouasie-Nouvelle Guinée s’accelère”. Le Monde, 12/XII/2013.
144
“NASA: Deforestation jumps in Malaysia”. Mongabay.com, 10/VI/2013.
145
http://www.fao.org/docrep/016/i3010e/i3010e.pdf.
146
Cf. Gert-Jan Nabuurs et al., “First signs of carbono sink saturation in European forest biomass”. Nature Climate Change, 3,
18/VIII/2013, pp. 792-796: “Overlaying the 1990, 2000 and 2006 CLC data sets revealed an average annual loss of forest and woodlands
of 98,000 ha for all countries together. The country submissions to the Kyoto Protocol in 2012 (for 1990–2010) indicate an average yearly
gross deforestation of about 97,000 ha”.
147
Cf. Perry Anderson, “A Pátria Americana”. Piauí, 85, outubro, 2013, pp. 72-79, p. 74.
148
Veja-se “Interstate Highway System”. Wikipedia.
149
Cf. J. Ridgeway, J. St. Clair, A pocket guide to Environmental Bad Guys. New York: Thunder’s Mouth Press, 1998, p. 37, que segue
dados fornecidos pela Native Forest Action Council, 1997.
Veja-se também http://www.globalchange.umich.edu/globalchange2/current/lectures/deforest/deforest.html
150
European Commission. Environment. Nature and Biodiversity. Forests: “Deforestation: forests and the planet's biodiversity are
disappearing”: “Some 96% of deforestation occurs in tropical regions”.
http://ec.europa.eu/environment/forests/deforestation.htm.
151
Segundo uma declaração feita em 4 de dezembro de 2011 na COP17 de Durban por Helen Gichohi, Presidente da African Wildlife
Foundation: “Deforestation rates in Africa are accelerating (...); 9% of forest cover has been lost between 1995 and 2005 across sub-
Saharan Africa, representing an average loss of 40,000 square kilometres of forest per year (…).” http://www.fao.org/forestry/30071-
b6dab35a5dfc1cb9f4a6283691f9e952.pdf. Sobre o Kenya, cf. Rhett A. Butler, Kenya Forest Information and Data
http://rainforests.mongabay.com/deforestation/2000/Kenya.htm. Sobre o Congo, cf. Idem, “Congo Forest Information and Data”
http://rainforests.mongabay.com/deforestation/2000/Congo.htm. Ambos os artigos com dados fornecidos pela FAO.
152
Cf. Rhett A. Butler, “Nigeria has worst deforestation rate, FAO revises figures”, November 17, 2005, in
http://news.mongabay.com/2005/1117-forests.html.
153
Com suas diversas fitofisionomias, o Bioma Mata Atlântica foi descrito pelo IBGE em 1993 e sua extensão estabelecida pela Lei
Federal 11428/2006, Decreto 6660/2008.
154
Cf. M. Leitão, “A Insensatez”. Jornal O Globo, de 5 de junho de 2009; Fernando Tadeu Moraes, “Desmatamento na mata atlântica é o
maior desde 2008”. Folha de São Paulo, 4/VI/2013; Atlas dos remanescentes florestais da Mata Atlântica. Fundação SOS Mata Atlântica
e INPE, 2011.
155
Cf. Jeffrey Brawn, Michael Ward, Angela Kent, “Biodiversity, Species Loss, and Ecosystem Function”. Connexions.
156
Cf. Rafaela Céo, “Desmatamento do cerrado tem queda de 15%, aponta Ministério”. O Estado de São Paulo, 13/IX/2011.
157

1.3. O caso brasileiro

Cf. Paulo Barreto et al., Human Pressure on the Brazilian Amazon Forests trad. port., Pressão Humana na Floresta Amazônica
Brasileira, Imazon, Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, Global Forest Watch, World Resources Institute, Belem, WRI,
Imazon, 2005, p. 19 .
158
Cf. Hans ter Steege et al., “Hyperdominance in the Amazonian Tree Flora”. Science, 342, 6156, 18/X/2013.
159
Foco de corrupção, a SUDAM foi extinta em 2001, mas recriada em 2007. Veja-se o histórico dessa instituição em
http://www.ada.gov.br/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=2&Itemid=2.
160
Cf. A. Brandão Jr., C. Souza Jr. “Desmatamento nos assentamentos de reforma agrária na Amazônia”. O Estado da Amazônia 7.
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), Belém.
161
Cf. “O Xingu na mira da soja”. Instituto Socioambiental. http://www.socioambiental.org/esp/soja/8.shtm
162
Cf. G. Vasconcelos, “Amazônia e os 3 mil quilômetros de rodovias asfaltadas pelo PAC”. Instituto Envolverde
http://institutoenvolverde.blogspot.com/2008/10/amaznia-e-os-3-mil-quilmetros-de.html.
163
Cf. Sadia E. Ahmed et al., “Temporal patterns of road network development in the Brazilian Amazon”. Regional
Environmental Change, 13, 5, X/2013, pp. 927-937; “50.000 km of roads built across Brazilian Amazon in 3 years”.
Mongabay, 29/X/2013.
164
Cf. “Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite”. Projeto PRODES, Instituto Nacional de Pesquisas Especiais INPE
www.obt.inpe.br/prodes/ Esse monitoramento da floresta é realizado ano a ano pelo INPE desde 1988.
165
Segundo a definição do CCSIVAM, Comissão para Coordenação do Projeto do Sistema de Vigilância da Amazônia, “a região chamada
Amazônia Legal é composta dos seguintes Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, além de parte dos Estados de
Mato Grosso, Tocantins e Maranhão”. Uma área de 5.217.423 km², correspondente a 61% do território nacional. Cf.
http://www.sivam.gov.br.
166
“Choose it or lose it”. Nature, editorial, 23/III/2006: “A new estimate of forest losses made using the SimAmazonia1 computer model
suggests that by 2050, agricultural expansion will eliminate two-thirds of the forest cover of five major watersheds and ten ecoregions.
One in four mammalian species examined will lose 40% of their forest habitat”.
http://www.nature.com/nature/journal/v440/n7083/edsumm/e060323-12.html. Cf. M. Leite, “Simulação inédita aponta alternativas para
desastre anunciado na Amazônia”, in IPAM, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, http://www.ipam.org.br/; SIMAMAZONIA. A
Scientific Framework for Basin-wide Conservation. Spatially Explicit Simulation Model of Deforestation for the Amazon Basin.
http://www.csr.ufmg.br/simamazonia/
167

1.4. O recrudescimento do desmatamento na Amazônia


Cf. Larry Rother, “Amazon Forest Still Burning Despite the Good Intentions”. The New York Times, 23/VIII/2002: “The deforestation is
likely to accelerate, environmentalists warn, as the government moves ahead with an ambitious $43 billion eight-year infrastructure
program known as Brazil Advances”.
168
Explicação proposta por Alexandre Mansur, “O desmatamento cresceu 88% em um ano”. Época, 21/V/2013 .
169
Segundo o clipping do Ministério do Planejamento, de 28/XI/2012.
170
Apud J. Fellet, “Entre 2000 e 2010, Amazônia perdeu uma ‘Grã-Bretanha’, diz estudo”. BBC Brasil, 4/XII/2012.
171
Cf. Giuliana Miranda, “Desmatamento na Amazônia está em alta, indica ONG”. Folha de São Paulo, 17/VII/2013.
172
Cf. F. Fabrini, C. Froufe, “Desmatamento cresce e governo anuncia pacote”. O Estado de São Paulo, 10/X/2012.
173
Apud Fabrini e Froufe, citado na nota anterior.
174
Cf. C. E. Young, “Enquanto o PAC engorda, gastos ambientais estão estagnados”. O Eco, 1/XI/2011.
http://www.oeco.com.br/carlos-eduardo-young-lista/25404-enquanto-o-pac-engorda-gastos-ambientais-estao-estagnados.
175
Cf. D. Bragança, “Orçamento do Ministério do Meio Ambiente diminui novamente”. O Eco, 24/II/2012.
http://www.oeco.com.br/salada-verde/25739-orcamento-do-ministerio-do-meio-ambiente-diminui-novamente.
176
Cf. W. Novaes, “Mais uma lei que não pegou?”. O Estado de São Paulo, 13/VII/2012.
177
Cf. Washington Novaes, “Brasil desmata 20 mil quilômetros quadrados por ano”. Série Milênio: http://globotv.globo.com/globo-
news/milenio/v/brasil-desmata-20-mil-quilometros-quadrados-por-ano-diz-jornalista-washington-novaes/1927040/.
178

1.5. A grande coalizão do desmatamento

Cf. Alceu Luís Castilho, Partido da Terra. Como os políticos conquistam o território brasileiro. São Paulo, Ed. Contexto, 2012.
179
A divisa “integrar para não entregar” dos generais foi atualizada pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula.
Respondendo oficialmente a um estudo do Smithsonian Institute, publicado pela revista Science em janeiro de 2001, o Ministério da
Ciência e Tecnologia declarou então à imprensa: "Existe a clara percepção por parte do Governo de que não podemos tratar a Amazônia
como um santuário intocável. Existem 20 milhões de brasileiros que vivem lá". Cf. “Brasil estuda impacte ambiental de plano de
desenvolvimento na Amazónia” 25/I/2011. Público Portugal. Em 12 de fevereiro de 2008, Lula repetiu quase ipse litteris as palavras de
seu antecessor: ''Não somos daqueles que defendem a Amazônia como um santuário da humanidade''. Cf. L. N. Fabíola Salvador,
“Amazônia não é um santuário”. O Estado de São Paulo, 13/II/2008.
180
Cf. Agência Brasil, “Incra contesta denúncia de que é responsável por desmatamento na Amazônia” DCI, 9/VII/2012.
http://www.dci.com.br/incra-contesta-denuncia-de-que-e-responsavel-por-desmatamento-na-amazonia-id301854.html.
181
Cf. PRODES 2011 ‐ Estimativa da taxa de desmatamento da Amazônia em 2010‐2011 (PDF).
182
P. M. Fearnside, “Desmatamento na Amazônia brasileira: história, índices e consequências” (INPA). Megadiversidade, I, 1, Julho,
2005, pp. 113-123: http://www.conservation.org.br/publicacoes/files/16_Fearnside.pdf.
183
Ver também Philip M. Fearnside, “Soybean cultivation as a threat to the environmental in Brazil”. Environmental Conservation, 28,
2001, pp. 23-38.
184

1.6. O desmatamento total

Cf. Enock Cavalcanti, “A volta do agente laranja. Utilização por sojicultores de veneno proibido na Europa e em plantações no Sul do
Brasil ameaça a friticultura de Mato Grosso” 3/VII/2010 .
185
Cf. “Fazendeiros estão usando o Agente Laranja para desmatar a Amazônia”, mongabay.com, 5/X/2011.
186
Cf. Claire Perlman, “Amazon facing new threat”. The Guardian, 14/VII/2011, cita Jefferson Lobato, do IBAMA: “They have changed
their strategy because, in a short time, more areas of forest can be destroyed with herbicides. Thus, they don't need to mobilize tree-
cutting teams and can therefore bypass the supervision of IBAMA".
187
Cf. Eduardo Carvalho, “Área no Amazonas é desmatada com técnica usada na Guerra do Vietnã”. O Globo, 3/VII/2011.
188
Cf. Francesca Grassi, “O missionário italiano que arrisca a vida pela Amazônia”. Instituto Humanitas Unisinos, 7/VII/2010.
189
Sebastião Pinheiro, Tucuruí. O agente laranja em uma República de Bananas. Porto Alegre, Editora Sulina, 1989.
190
Cf. Laurence Caramel, “Le trafic du bois tropical sape la lutte contre la déforestation”, Le Monde, 28/IX/2012.
191

1.7. Fragmentação e degradação das florestas

Cf. D. Bryant, D. Nielsen, L. Tangley, The Last Frontier Forests: Ecosystems and Economies on the Edge. What is the Status of the
World’s Remaining Large Natural Forest Ecosystems? World Resources Institute, 1997: “We have lost almost half -- almost 3 billion
hectares -- of the forests that once blanketed the earth (…), much of it destroyed within the past three decades. Today, just one fifth of the
world's original forest cover remains in large tracts of relatively undisturbed forest. (…) Of the forests that do remain standing, the vast
majority are no more than small or highly disturbed pieces of the fully functioning ecosystems they once were”.
http://www.globalforestwatch.org/english/pdfs/Last_Frontier_Forests.pdf.
192
William F. Laurance et al., “The fate of Amazonian forest fragments: A 32-year investigation”. Biological Conservation, 144, 2011,
pp. 56-67 (PDF).
193
Loc. cit.: “Even a fragment of 10,000 ha in area would be expected to lose a substantial part of its bird fauna within one century”.
194
Cf. Carlos Fioravanti, “Amazônia em 3 dimensões”. Pesquisa FAPESP, 205, março, 2013, pp. 44-49.
195
Laurance et al., loc. cit. (2011): “Field observations and heat-flux simulations suggest that desiccating conditions can penetrate up to
100–200 m into fragments from adjoining clearings”.
196
Mapeamento da Degradação Florestal na Amazônia Brasileira DEGRAD http://www.obt.inpe.br/degrad/.
197
Cf. B. Deiro, H. Escobar, “Brasil perdeu um RJ de áreas protegidas”. O Estado de São Paulo, 19/XII/2012.
198
Cf. M. T. Pádua, “Campeonato de redução das unidades de conservação”. O Eco; D. Bragança, “Dilma apresenta pacote de bondades
de olho na Rio+20”. O Eco.
199

1.8. Ponto crítico: a floresta colapsa por si mesma

Cf. Vergara, Scholz (2011).


200
“Desmatamento pode acabar com 95% da Amazônia até 2075”. O Estado de São Paulo, 22/II/2010.
201
Cf. B. Choat, S. Jansen et ali, “Global convergence in the vulnerability of forests to drought”. Nature, 21/XI/2012.
202
“Que les forêts de type méditerranéen, soumises à des sécheresses, soient proches de ce seuil n’est sans doute pas étonnant. Mais
même les forêts tropicales ont peu de marge de manoeuvre”. Citado por D. Laousserie, “Les deux tiers des arbres dans le monde”. Le
Monde, 24/XI/2012. O trabalho mereceu também o editorial do jornal.
203
“Tous les arbres et toutes les forêts du globe vivent en permanence à la limite de leur rupture hydraulique.Il y a donc une convergence
fonctionnelle globale de la réponse de ces écosystèmes à la sécheresse”.
204
Cf. B. M.J. Engelbrecht, “Plant ecology: Forests on the brink”. Nature, 21/XI/2012. doi:10.1038/nature11756.
205
“the majority of species appear to be right on the edge. Just a little more drought will push them over.” Citado por M.D. Lemonick,
“Drought Puts Trees the World Over ‘At the Edge’”. Climate Central, 21/XI/2012, em rede. Veja-se também W. A. Hoffmann, et al.
“Hydraulic failure and tree dieback are associated with high wood density in a temperate forest under extreme drought”. Global Change
Biology, 21/II/2011, DOI: 10.1111/j.1365-2486.2011.02401.x.
206
Cf. William R. L. Anderlegg et al., “The roles of hydraulic and carbon stress in a widespread climate-induced forest die-off”. PNAS,
109, 1, 13/XII/2011: “We find substantial evidence of hydraulic failure of roots and branches linked to landscape patterns of canopy and
root mortality in this species”. Veja-se também: “Tree deaths a warning sign for world’s forests”. New Scientist, 8/XII/2012, p. 11.
207
C. Allen et al., “A global overview of drought and heat-induced tree mortality reveals emerging climate change risks for forests”.
Forest Ecology and Management, 259, 2010, pp. 660-684: “studies compiled here suggest that at least some of the world’s forested
ecosystems already may be responding to climate change and raise concern that forests may become increasingly vulnerable to higher
background tree mortality rates and die-off in response to future warming and drought, even in environments that are not normally
considered water-limited”.
http://www.fort.usgs.gov/Products/Publications/22509a/22509a.pdf.
208
Citado por D. Laousserie, “Les deux tiers des arbres dans le monde”. Le Monde, 24/XI/2012.
209
Cf. Justin Gillis, “With Deaths of Forests, a Loss of Key Climate Protectors”. The New York Times, 1/X/2011.
210

1.9. O câncer socioambiental do desmatamento

Cf. Marina Silva, “Aos jovens do presente”. Folha de São Paulo, 9/XII/2013.
211
Cf. Adriano G. Chiarello, Ludmilla M. de S. Aguiar, Rui Cerqueira, Fabiano R. de Melo, Flávio H. G. Rodrigues, Vera Maria F. da
Silva, “Mamíferos ameaçados de extinção no Brasil”. Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, MMA, Brasília, 2008,
p. 685 .
212

2. Água, solos e insegurança alimentar

Cf. Paul Comstock, “An interview with Fred Pearce”. California Literary Review, 3/IV/2007: Cf. Pearce (2006).
213
O projeto é coordenado pelo Potsdam Institute of Climate Impact Research. Cf. http://www.isi-mip.org/ e Schellnhuber, Frielera,
Kabatatc (2014).
214
Cf. Schewe et al. (2013)
215
Cf. Schiermeier (2014, p. 10)
216
O degelo sazonal supre de água várias regiões populosas do planeta, entre as quais as dependentes do Himalaia, dos Andes e demais
cordilheiras. Apenas para dar um exemplo, 75% da água que serve a Califórnia, inclusive para a irrigação de sua agricultura, provém do
degelo da neve de Sierra Nevada. Cf. Paul Marks, “Fly-bys warn of water sortages”. New Scientist, 15/VI/2013.
217
UNEP – Global Water Resources: “The total usable freshwater supply for ecosystems and humans is about 200 000 km3 of water - less
than 1 percent of all freshwater resources” .
218

2.1. Declínio dos recursos hídricos


Cf. Spring, Cohen (2011, p. 5).
219
Cf. Alex Kirby, “Water scarcity: A looming crisis?” BBC, 19/X/2004.
220
Peter H. Gleick, "Basic Water Requirements for Human Activities: Meeting Basic Needs." Water International (IWRA), 21, 1996, pp.
83-92.
221
Cf. Vörösmarty et al., “ Global threats to human water security and river biodiversity”. Nature, 467, 30/IX/2010, pp. 555-561: “nearly
80% of the world’s population is exposed to high levels of threat to water security”.
222
“the global average water consumption per person and year is roughly 1200 cubic meters, and significantly more in many
industrialized countries”, cf. “Climate change puts forty percent more people at risk of absolute water scarcity: study”, in
http://www.isi-mip.org/.
223
http://www.dni.gov/files/documents/Newsroom/Press%20Releases/ICA_Global%20Water%20Security.pdf.
224
Atlas Brasil Abastecimento Urbano de Água, Agência Nacional de Águas, 2010.
225
Cf. Ricardo Brandt, “Volume morto do Cantareira ameaça espécies em extinção”. O Estado de São Paulo, 6/IV/2014.
226
Citado por A. Coghlan, “Global water crisis looms larger”. New Scientist, 28/VIII/2006: “One-third of the world's population is short
of water - a situation we were not predicted to arrive at until 2025 - according to a disturbing new report on the state of the world's water
supplies”.
227
Cf. United Nations Department of Economic and Social Affairs (UNDESA). International Decade for Action Water for Life 2005-
2015: “By 2025, 1.8 billion people will be living in countries or regions with absolute water scarcity”.
http://www.un.org/waterforlifedecade/scarcity.shtml.
228
Cf. Global Water System Project (GWSP). The Bonn Declaration on Global Water Security, maio de 2013.
229

2.2. Rios e Lagos

Cf. A. Y. Hoekstra et al., “Global Monthly Water Scarcity: Blue Water Footprints versus Blue Water Availability”. PlosOne, 29/II/2012:
“We analyzed 405 river basins for the period 1996–2005. In 201 basins with 2.67 billion inhabitants there was severe water scarcity
during at least one month of the year. The ecological and economic consequences of increasing degrees of water scarcity – as evidenced
by the Rio Grande (Rio Bravo), Indus, and Murray-Darling River Basins – can include complete desiccation during dry seasons,
decimation of aquatic biodiversity, and substantial economic disruption”.
230
Cf. Ursula Oswald Spring, Ignácio Sanchez Cohen, “Water resources in Mexico. A Conceptual Introduction”. In, Ursula Oswald
Spring (ed.), Water Resources in Mexico: Scarcity, Degradation, Stress, Conflicts, Management, and Policy, Heildelberg, Springer Verlag,
2011, p. 5.
231
Cf. R. Seager et al., “Projections of declining surface-water availability for the southwestern United States”. Nature Climate Change
23/XII/2012: “Over southwest North America, models project a steady drop in precipitation minus evapotranspiration, P - E, the net flux
of water at the land surface, leading to, for example, a decline in Colorado River. This would cause widespread and important social and
ecological consequences. (...) Focusing on the near future, 2021–2040, the new simulations project declines in surface-water availability
across the southwest that translate into reduced soil moisture and runoff in California and Nevada, the Colorado River headwaters and
Texas” (PDF).
232
“The Flint is a river running dry. The reasons are many, and include urbanization at the river’s headwaters, water demand from
communities in the upper Flint basin, intensive agricultural water use in the lower basin, and frequent and prolonged drought. The Flint’s
low-flow problems are a reminder that water scarcity is increasingly a serious issue in all regions of the country”. American Rivers.
America’s Most endangered rivers for 2013.
233
“unregulated pumping in the last twelve years has almost dried up over 50 miles of the [San Saba] river for an average of five months
of the year”. American Rivers. America’s Most endangered rivers for 2013.
234
“Mississipi River Levels Likely to Limit Barges in 2013”. Bloomberg, 22/II/2013.
235
Cf. “All dried up”. The Economist, 12/X/2013: “The number of rivers with significant catchment areas has fallen from more than
50,000 in the 1950s to 23,000 now”. Salvo menção expressa, os dados subsequentes provêm em parte desse artigo.
236
Cf. Hamza Mohamed, “Millions face arsenic contamination risk in China, study finds”. The Guardian, 22/VIII/2013.
237
Cf. Nicola Davison, “Rivers of blood: the dead pigs rotting in China’s water supply”. The Guardian, 29/III/2013.
238
“Des cadavres de porcs à nouveau retrouvés dans les rivières chinoises”. Le Monde, 26/III/2014.
239
Cf. Mike Ives, “Melting Glaciers May Worsen Northwest China’s Water Woes”. Yale Environment 360
240
Cf. Luciana Sgarbi, “O Rio São Francisco evapora”, Isto é, 22/VIII/2008.
241
Cf. Diego Souza, “Estudo mostra que volume de água do Rio Doce está diminuindo”. Globo G1 Vales de Minas Gerais, 18/IX/2012.
242
Cf. José A. Marengo (INPE), Roberto Schaeffer (UFRJ/IPCC), Hilton Silveira Pinto (Unicamp) e David Mann Wai Zee (UERJ),
“Mudanças Climáticas e Eventos Extremos no Brasil”. Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), 2009.
243
Cf. Schneider, Hook (2010); Richard A. Lovett, “Global Warming Burning Lakes?” National Geographic, 2/XII/2010.
244
Cf. C. Williams, “Long time no sea”. New Scientist, 2376, 4/I/2003.
245
Cf. Guillaume Le Sourd, Diana Rizzolio, Global Resource Information Database (GRID), PNUMA, 2004.
http://www.grid.unep.ch/activities/sustainable/balkhash/index.php.
246
Cf. Thomas Erdbrink, “Its Great Lake Shriveled, Iran Confronts Crisis of Water Supply”. The New York Time International, 30/I/2014.
247
“Lake Hamoun Has Completely Dried”. Khoorseed.com. http://khorsheed.com/pages/702-sci-drylake.html.
248
Cf. Sanyukta Dasgupta, “Chandola Lake turns into dust bowl”. Down to Earth. 7/X/2011 .
249
Citado por China English News, 27/VIII/2012 : "Poyang has been drying up over the past decade, particularly from 2003 to 2008.
During that time, its annual runoff was 23.2 billion cubic meters, or 15 percent, less than the average of previous years".
250
Cf. Adam Vaughan, “China's largest desert freshwater lake shrinking faster than ever”. The Guardian, 29/XI/2013; “China's largest
desert freshwater lake shrinking”. News Xinhuanet, 28/XI/2013 ; “China’s largest desert lake could vanish in 10 years”. Want China
Times, 24/XII/2011: "Unless adequate measures are taken, Hongjiannao may vanish in just 10 years" .
251
Cf. Jonathon A. Foley, Michael T. Coe, Journal of Geophysical Research, 2001.
252
Cf. Kirk Siegler, “Owens Valley Salty As Los Angeles Water Battle Flows Into Court”. NPR, 11/III/2013.
253
Cf. Rachael Glazon, “Drought causes water level drops in Minnesota and Wiscounsin lakes”, Great Lakes Echo, 25/XI/2009 .
254
Cf. Scott Sutherland, “Lake Michigan, Lake Huron now at lowest levels on record”. Geekquinox. Science and Weather, 6/II/2013 :
“Currently, Lake Michigan and Lake Huron measure nearly 74 cm below their long-term average for the month of February. That's the
lowest level in those lakes since 1918, when record-keeping started, and nearly half of that was lost just in the past year. Levels in Lake
Superior, Lake Erie and Lake Ontario are also below the long-term February average (~28 cm, ~15 cm and ~15 cm, respectively)”.
255
Cf. Borre (2012).
256
Cf. Mark Torregrossa, “Lake Michigan and Lake Huron water levels; where is our water going?”. MLive.com, 7/12/2012
http://www.mlive.com/weather/index.ssf/2012/12/lake_michigan_and_lake_huron_w.html.
257
Uma discriminação detalhada da distribuição da água no planeta encontra-se em Gleick, Palaniappan (2010).
258

2.3. Aquíferos fósseis e renováveis

Cf. Brown (2004, p. 9): “The world is incurring a vast water deficit. But because this deficit takes the form of aquifer overpumping and
falling water tables, it is nearly invisible. Falling water levels are often not discovered until wells go dry”.
259
Cf. Brown, “Aquifer Depletion”. Encyclopedia of Earth (2010). Ed. Cutler J. Cleveland, Washington, 28/III/2013.
260
Cf. Y. Wada, L. P. H. van Beek, M. F. P. Bierkens, “Nonsustainable groundwater sustaining irrigation: A global assessment”. Water
Resources Research, 48, 2012.
http://www.agu.org/cgibin/highlights/highlights.cgi?action=show&doi=10.1029/2011WR010562&jc=wr.
261
Cf. Julien Bouissou, “L’ouest de l’Inde fait face à sa plus grave sécheresse depuis plus de 40 ans”. Le Monde, 15/III/2013; Aarefa
Johari, “Maharashtra: State of despair”. Hindustan Times, 30/III/2013.
262
Cf. Somini Sengupta, “Thirsty Giant: India Digs Deeper, but Wells Are Drying Up”. The New York Times, 30/IX/2006.
263 Cf. Steven Mufson, “As economy booms, China faces major water shortage”. Washington Post, 16/III/2010; Brown (23/XI/2011).

264
Cf. Jonathan Kaiman, “China says more than half of its groundwater is polluted”. The Guardian, 23/IV/2014.
265
O relatório foi custeado pelo Open Society Institute, editado por Dai Qing e traduzido do chinês pela Probe International, do Canadá,
uma divisão da Energy Probe Research Foundation. Disponível em rede em:
http://www.chinaheritagequarterly.org/016/_docs/BeijingWaterCrisis1949-2008.pdf..
266
Cf. “China Water Risk” http://chinawaterrisk.org/notices/north-china-plain-groundwater-70-unfit-for-human-touch/.
267
Cf. David R. Steward et al., “Tapping unsustainable groundwater stores for agricultural production in the High Plains Aquifer of
Kansas, projections to 2110”. Proceedings of National Academy of Sciences, 26/VIII/2013: “The High Plains Aquifer supplies 30% of the
nation’s irrigated groundwater (...) So far, 30% of the groundwater has been pumped and another 39% will be depleted over the next 50
years given existing trends. Recharge supplies 15% of current pumping and would take an average of 500–1,300 years to completely refill
a depleted aquifer”. Veja-se também “The New Dust Bowl. High Plains Acquifer Pumped Dry”. Daily Kos, 20/V/2013.
268
Cf. Leonard Konokow, Groundwater depletion in the United States (1900-2008). Scientific Investigations Report. Virginia,
Department of Interior, U.S. Geological Survey.
269
Cf. Bridget R. Scanlon, “Groundwater depletion and sustainability of irrigation in the US High Plains and Central Valley”. PNAS,
29/V/2012: “Extrapolation of the current depletion rate suggests that 35% of the southern High Plains will be unable to support irrigation
within the next 30 y. Reducing irrigation withdrawals could extend the lifespan of the aquifer but would not result in sustainable
management of this fossil groundwater”.
270
Cf. Craig S. Smith, “Saudis Worry as They Waste Their Scarce Water”. The New York Times, 26/I/2003.
271
Veja-se o estudo do Gravity Recovery and Climate Experiment da NASA. Em Water Resources Research (American Geophysical
Union), 15/II/2013 .
272

2.4. Secas

Cf. Martin Jung et al., Nature, 2010 apud M. Marshall, “Water cycle goes bust as the world gets warmer”. New Scientist, 10/X/2010.
273
Cf. A. Dai, “Drought under global warming: a review”. WIREs Climate Change, 2, 2011, pp. 45–65: “Global aridity has increased
substantially since the 1970s (…) Climate models project increased aridity in the 21 st century over most of Africa, southern Europe
and the Middle East, most of the Americas, Australia, and Southeast Asia”.
274
Sobre o Palmer Drought Severity Index (PDSI), a escala de mensuração de secas, sobretudo de longo prazo, desenvolvida por Wayne
Palmer nos anos 1960, veja-se http://www.drought.noaa.gov/palmer.html.
275
Cf. “Cambio climático amenaza ampliar sequias y pobreza em América Latina, según ONU”, SPDA. Actualidad Ambiental, 4 de
setembro de 2009 .
276
Cf. “Pior seca em 50 anos” AgroAnalysis, fevereiro de 2009: “Segundo o Departamento de Climatologia do Serviço Meteorológico
Nacional, em 2008 choveu 70% a menos que o normal, reduzindo, em média, 20% da área plantada de milho e soja. A produção agrícola,
que já teve encolhimento de 35% na safra 2007/08, deverá recuar em mais de 20% na safra 2008/09” .
277
“México enfrenta la peor sequía de su historia”, 13/I/2012 http://www.altonivel.com.mx/18544-mexico-enfrento-la-peor-sequia-de-su-
historia.html.
278
Cf. José A. Marengo (INPE), Roberto Schaeffer (UFRJ/IPCC), Hilton Silveira Pinto (Unicamp) e David Mann Wai Zee (UERJ),
“Mudanças Climáticas e Eventos Extremos no Brasil”. Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), 2009.
279
Cf. S. Torres, “Morte de bovinos é a cara da seca”. O Estado de Sâo Paulo, 19/XII/2012.
280
Cf. W. Novaes, “Mais chuva, mais seca, muito mais preocupação”. O Estado de São Paulo, 20/VII/2012.
281
Cf. Michelly Oda, “Semiárido mineiro vai receber R$ 8 milhões para enfrentamento da seca”. Globo Notícias, 3/IV/2013.
282
“Térmicas podem ter que funcionar por mais tempo”. Folha de São Paulo, 18/XII/2012.
283
S. L. Lewis et al., “The 2010 Amazon Drought”. Science, 331, 6017, 4/II/2011, p. 554. DOI: 10.1126/science.1200807.

284
Citado em “Cheias dos rios no Amazonas e seca no Nordeste do Brasil espanta cientistas”. Agência Globo, 19/V/2012
http://www.d24am.com/amazonia/meio-ambiente/cheia-dos-rios-no-amazonas-e-seca-no-nordeste-do-brasil-espanta-
cientistas/59204.
285
Cf. V.A., “Carenza idrica e siccità nell’Unione europea”. Commissione europea, agosto de 2010: “Dal 1980, il numero dei casi di
siccità in Europa ha registrato un aumento e un aggravarsi degli episodi, che hanno comportato costi stimati in 100 miliardi di euro negli
ultimi trent’anni. (...) Negli anni tra il 1976 e il 2006, il numero delle aree e degli abitanti colpiti da siccità è salito all’incirca del 20 % e il
costo medio annuale è quadruplicato”.
286
R. Barrou, “Un immense incendie ravage la Catalogne espagnole”. Le Monde, 23/VII/2012. O incêndio pôde se alastrar também pela
exiguidade dos recursos dos bombeiros, em decorrência da profunda crise financeira do Estado espanhol.
287
Cf. Colin Foliot, “L’Australie touchée par une canicule record due au dérèglement climatique”. Le Monde, 17/I/2014.
288
Cf. Michel Sezak, “Australian inferno previews fire-prone future”. New Scientist, 17/I/2013: “fires are more likely, and likely to be
bigger”.
289
“Middle East and Central Asia: Continued Drought in 2009/10 Threatens Greater Food Grain Shortages”. US Department of
Agriculture: http://www.pecad.fas.usda.gov/highlights/2008/09/mideast_cenasia_drought/.
290
Cf. “China drought forces huge water cutbacks”. New Scientist, 2696, 18/II/2009: “Official statistics show the country's urban supply
systems and irrigation networks are falling short by 40 cubic kilometres of water a year”.
291
Cf. “China suffers worst drought in 60 years”. English.xinhaunet.com, 7/II/2011: “Minimal rainfall or snow this winter has crippled
China's major agricultural regions, leaving many of them parched. Crop production has fallen sharply, as the worst drought in six decades,
shows no sign of letting up”.
292
Cf. Madeleine C. Thomson, Gilma C. Mantilla, “EPID: Focus on Surveillance. Integrating Climate Information into
Surveillance Systems for Infectious Diseases: New Opportunities for Improved Public Health Outcomes in a Changing
Climate”. ISGP Institute on Science for Global Policy .
293
“in respect of Africa it was stated that by 2020, between 75 and 250 million people are projected to be exposed to increased water
stress due to climate change”.
294
O paralelismo entre Vinhas da Ira e Vidas Secas de Graciliano Ramos, de 1938, é evidente, desde logo na intensidade dramática,
humana e social, de ambas as situações de “retirantes”, mas também na ausência de reflexões de parte dos romancistas sobre a dimensão
ambiental do drama.
295
Cf. “The New Dust Bowl. High Plains Acquifer Pumped Dry”. Daily Kos, 20/V/2013; Bryan Walsh, “Rising Temperatures and
Drought Create Fears of a New Dust Bowl”. Times, 5/VII/2012.
296
Cf. Sasha Abramsky, “Dust Bowl Blues”. The Nation, 17/VII/2013: “By the end of 2012, the USDA had declared 2,245 counties
(representing 71 percent of the country’s landmass) disaster areas because of drought. No other year in history has come close to having
so many USDA-designated disaster áreas” .
297
Cf. A. Agudo, “El calor refuta a los ‘climaescépticos’” El País, 10/VIII/2012: “Los peces no han podido soportar la ola de calor y la
peor sequía de los últimos 50 años en Estados Unidos. Miles de bagres, carpas y esturiones han aparecido muertos en las aguas de sus ríos
y lagos”.
http://sociedad.elpais.com/sociedad/2012/08/07/actualidad/1344369168_967859.html.
298
Cf. Stéphane Foucart, “Presque la moitié du territoire des Etats-Unis est en état de sécheresse”. Le Monde, 23/VII/2013.
299
Cf. Bobby Magill, Is the West’s Dry Spell Really a Megadrought? Climate Central, 12/XII/2013.
300
Citado por S. Cypel, “Une sécheresse historique aux Etats-Unis”. Le Monde, 19/VII/2012.
301

2.5. As grandes hidrelétricas

Cf. José Antonio Herrera, “As múltiplas transformações no território amazônico: Xingu face ao empreendimento Belo Monte”.
GEDTAM, 3/X/2013.
302
“Belo Monte vai exportar empregos”. Entrevista concedida a Karina Ninni e publicad n’O Estado de São Paulo, 11/IV/2011.
303
Cf. Icelandic Association of Aluminium Production (IAAP): “Eight thousand tons were produced in 1900; by 1950, production had
risen to 5 million tons, and by 2010 global production reached over 40 million tons. It is estimated that the amount of new aluminum will
reach 60 million tons by 2030” .
304
“Energia para quem?”. Instituto Socioambiental. http://www.socioambiental.org/esp/bm/dest.asp#.
305
“Agenda elétrica sustentável 2020. Relatório do WWF-Brasil aponta economia de R$ 33 bi com adoção do cenário Elétrico
Sustentável”. WWF, 2006 .
306
Citado por Washington Novaes, “Belo Monte será ‘uma vergonha’?”. O Estado de São Paulo, 28/VIII/2010. Trata-se da edição de
junho/julho de 2010 do Jornal do Instituto de Engenharia de São Paulo que traz, em duas páginas, uma "Opinião" na qual, a partir de
dados expostos pelo engenheiro Walter Coronado Antunes, ex-presidente da Sabesp e ex-secretário de Obras e Meio Ambiente do Estado,
se lê: "nos anos em que ocorrerem vazões mínimas, Belo Monte será desastroso; durante oito meses a água não será suficiente para
acionar a plena carga nem mesmo a casa de força complementar; ficarão paradas todas as unidades geradoras da casa de força principal,
com 11 mil MW de potência instalada, durante esses oito meses"! E conclui: "a construção do referido aproveitamento hidrelétrico está
longe de ser do interesse nacional".
307
Cf. “Brasil: Índios resistem contra “desenvolvimento” liderado pelo Estado”. Dossiê Belo Monte. Global Voices, 10/V/2013.
Resistindo a uma das mais emblemáticas violências contra os índios na história recente do país, os povos do Rio Xingu invadiram
os canteiros de obras de Belo Monte em 2 de maio de 2013. Cerca de 200 indígenas de diversas etnias lançaram então um
manifesto, denunciando a situação de violência a que estão sendo submetidos: “Vocês estão apontando armas na nossa cabeça.
Vocês sitiam nossos territórios com soldados e caminhões de guerra. Vocês fazem o peixe desaparecer. Vocês roubam os ossos dos
antigos que estão enterrados na nossa terra. Vocês fazem isso porque tem medo de nos ouvir. De ouvir que não queremos
barragem. De entender porque não queremos barragem”. Eis o depoimento do jornalista Ruy Sposati sobre as violências
cometidas contra os jornalistas: “Não é trivial. É a expulsão de jornalistas, em plena democracia, pelo aparato policial do Estado,
do sítio de construção da obra mais cara da história do Brasi, feita com dinheiro público, com seríssimos impactos humanos e
ambientais, escassa demonstração de sua utilidade, inúmeras acusações de violação da lei e, neste fim de semana, a incrível
novidade de jornalistas expulsos por forças policiais, em plena democracia. Cabe lembrar que Belo Monte foi inicialmente orçada
em R$ 4,5 bilhões e já se encontra em quase R$ 30 bilhões”. Cf. Rodrigo Vianna, Escrevinhador, 6/IV/2012 .
308
Cf. Paulo Peixoto, “Ministra do Meio Ambiente critica ‘achismo ambiental’ sobre Amazônia”. Folha de São Paulo, 14/VI/2012.
309
Cf. Energy for All. Financing access for the poor. Special early excerpt of the World Energy Outlook 2011, p.21: “Mini grids,
providing centralised generation at a local level and using a village level network, are a competitive solution in rural areas, and can allow
for future demand growth, such as that from income-generation activities” .
310
Martin Heidegger, “Die Frage nach der Technik” (1953). In: Vorträge und Aufsätze. Neske: Pfullingen, 1954. Tradução portuguesa “A
questão da técnica”. In, Ensaios e conferências. Petrópolis: Editora Vozes, 2002, pp. 11-37. A decisão de Patrice Chéreau (e de Pierre
Boulez?) de mostrar o Reno como uma usina hidrelétrica na encenação do Das Rheingold do Festival de Bayreuth de 1980 parece
proceder dessa passagem.
311
Cf. Philippe Mesmer, “En Corée du Sud, le ‘projet des quatre fleuves’ vire au desastre écologique”. Le Monde, 14/IX/2013,
312
“Le barrage des Trois-Gorges assèche le lac Poyang”. JOL Press s/d .
313
Apud Liz Kimbrough, “Africa to build world’s largest dam. But who will benefit?” Mongabay.com, 17/XII/2013: "The Bundu Valley
(that will be flooded to create a reservoir for the power plants) is largely a natural landscape interspaced with cultivated fields belonging
to communities that live nearby. These communities will have to be resettled. The resettled people will face many social impacts (...) The
general people in DRC will really not benefit from the Grand Inga and may be impoverished as they incur an additional debt burden."
314
Cf. Kate Showers, “Grand Inga: WillAfrica’s Mega Dam have Mega Impacts?”, International Rivers , já publicado em Stanley D.
Brunn (org.) Engineering Earth: The Impacts of Megaengineering Projects. Dordrecht, Springer, 2011.
315
Cf. Gwynne Dyer, Climate Wars. The Fight for survival as the world overheats. Random House, 2008; Fred Pearce, “Stormy outlook”,
resenha a G. Dyer, “The Climate Wars”. New Scientist, 2755, 10/IV/2010, p. 40.
316
Citado por Justine Canonne, “Guerres et migrations : la faute au réchauffement climatique?”. Sciences humaines, 226, V/2011
http://www.scienceshumaines.com/guerres-et-migrations-la-faute-au-rechauffement-climatique_fr_27101.html.
317
Cf. Manu Aiyappa, “Time we put an end to water wars”. The Times of India, 23/IX/2012.
318
Cf. Aziz Nayani, “Pakistan’s New Big Threat isn’t Terrorism – It’s water”. Atlantic, 19/VII/2013.
319
Citado por G. Dyer, op. cit. (2008), p. 111, a partir do documento The Final Settlement: Restructuring India-Pakistan Relations,
publicado pelo Strategic Foresight Group do International Center for Peace Initiatives (ICPI): “the Indian government had plans to use
the water weapon. A participant warned that any conflict over water would lead to Pakistan using nuclear weapons on a first strike basis
against India”.
320
Sobre a eleição de Narendra Modi, envolvido em pogroms contra muçulmanos (14% da população do país), à posição de Primeiro
Ministro da Índia, cf. Frédéric Bobin, “La réhabilitation diplomatique d’un ancien paria pour les Occidentaux”. Le Monde, 17/V/2014.
321
Cf. Laghari (2013, pp. 617-618).
322
Cf. Steven Solomon, “Drowning Today, Parched Tomorrow”. The New York Times, 15/VIII/2010.
323
Cf. Asian Development Bank. Asian Development Outlook 2013: “Pakistan is one of the most water-stressed countries in the world
(...). At present, Pakistan’s storage capacity is limited to a 30-day supply, well below the recommended 1,000 days for countries with a
similar climate. Climate change is affecting snowmelt and reducing flows into the Indus River, the main supply source” .
324
Cf. Laghari (2013, pp. 617-618).
325
Cf. Walter W. Immerzeel, Ludovicus P. H. van Beek, Marc F. P. Bierkens, “Climate Change Will Affect the Asian Water Towers”.
Science, 11/VI/2010, pp 1382-1385; S. Barley, “Himalayan ice is stable, but Asia faces drought”. New Scientist, 10/VI/2010.
326
Cf. Government of India. Ministry of Water Resources. Draft National Water Policy, 2012 (pdf): “India has more than 17 percent of
the world‟s population, but has only 4% of world‟s renewable water resources”.
327
Cf. Fred Pearce, “China is taking control of Asia’s water tower”. New Scientist, 2862, 26/IV/2012. Os próximos parágrafos apoiam-se
inteiramente neste artigo.
328
Citado por Fred Pearce, vide nota anterior: "a 10 to 20 per cent reduction in the river's flow could dry out great areas [of Bangladesh]
for much of the year". Without the flow of fresh water, salt from the Bay of Bengal would invade the large river delta, causing "an
environmental catastrophe".
329

2.6. Degradação dos solos e desertificação

Cf. Alex Kirby e Karen Landmark, Global Drylands, UNCCD, 2011 .


330
Veja-se uma definição idêntica em Report of the United Nations Conference on Environment and Development. Capítulo 12 -
Managing Fragile Ecosystems: Combating Desertification and Drought. Rio de Janeiro, 1992.
331
Cf. C.W. Thorntwaite, Atlas of climatic types in the United States 1900-1939, U.S.D., Misc. Publ., 1941.
332
Cf. The United Nations Convention to Combat Desertification (UNCCD), 2003.
333
http://www2.tvcultura.com.br/reportereco/artigo.asp?artigoid=196
334
Cf. Washington Novaes, “A perplexidade pode explicar a modéstia”. Estado de São Paulo, 22/VI/2012, p. 2.
335
“10 million hectares of farmland are lost every year due to ecosystem degradation”. Cf. International Water Management Institut
(IWMI) http://www.iwmi.cgiar.org/Topics/Ecosystems/index.aspx.
336
“Although estimates vary, over 20% of the planet’s land is considered degraded. (...) Land degradation over the next 25 years may
reduce global food production by up to 12% resulting in an increase of up to 30% in world food prices”.
http://www.unccd.int/Lists/SiteDocumentLibrary/secretariat/2012/ZNLD%20Summary%20final.pdf.
337
Land and Rio+20. Protecting an Irreplaceable Resource (IFPRI), 13/VI/2012. http://www.ifpri.org/blog/land-and-rio20: “About 24
percent of global land area has been affected by land degradation.”
338
Cf. Santana (2007).
339
Citado por Cleide Carvalho, “Desertificação já atinge uma área de 230 mil km² no Nordeste”. O Globo, 9/VII/2013. Outros dados
citados abaixo baseiam-se nesse artigo.
340
Cf. Washington Novaes, “Mudou o jornalismo, não o semi-árido”. O Estado de São Paulo, 13/VIII/2010.
341
Cf. Lester R. Brown, Janet Larsen e Bernie Fishlowitz-Roberts, The Earth Policy Reader, 2002: “The process of desertification itself
directly affects 40 percent of China’s landmass, including Sinkiang Province and Tibet in the far west and Qinghai, Gansu, Ningxia, and
Inner Mongolia Provinces in the north-central region. Although desertification is concentrated in these six provinces, it is now spreading
into Sichuan, Shaanxi, Shanxi, and Hebei Provinces as well”.
342
Citado por Lester R. Brown, Janet Larsen e Bernie Fishlowitz-Roberts, The Earth Policy Reader, 2002 http://www.earth-
policy.org/books/epr/Epr1_ss2.
343
Citado por David L. Alles, “Freshwater Shortage and Desertification”. 2012. Western Washington University : “According to China's
Environmental Protection Agency, the Gobi Desert grew by 20,000 square miles (51,800 sq. km) from 1994 to 1999, and its steadily
advancing edge now sits 150 miles (241 km) north of Beijing”.
344
Fonte: China Meteorological Administration, citada pelo relatório da Embaixada dos Estados Unidos intitulado “Grapes of Wrath in
Inner Mongolia”, Pequim, 2001 e por Lester R. Brown, Janet Larsen e Bernie Fishlowitz-Roberts, The Earth Policy Reader, 2002
http://www.earth-policy.org/books/epr/Epr1_ss2.
345
Cf. Caroline Williams, New Scientist, 2502, 4/VI/2005: “Whatever the story in China, the amount of airborne dust globally is on
the rise, and estimates suggest that the amount of soil blown away every year adds up to about 3 billion tonnes”.
346
Cf. T. Hilker, E. Natsagdorj, R.H. Waring, A. Lyapustin, Y, Wang, “Satellite observed widespread decline in Mongolian grasslands
largely due to overgrazing”. Global Change Biology, 14/VIII/2013: “While we found considerable regional differences in the causes of
landscape degradation, about 80% of the decline in NDVI [Normalized Difference Vegetation Index] could be attributed to increase in
livestock” .
347
Cf. Audrey Garric, “Comment chèvres et moutons accélèrent la désertification de la Mongolie”. Le Monde, 7/IX/2013.
348

2.7. Insegurança alimentar e revoltas da fome

“The WFS target of reducing the number of the undernourished by half by 2015, reaffirmed by the Millennium Declaration, will not be
attained”.
349
WFS – 2009: “In adopting this declaration we agree to undertake all necessary actions required at national, regional and global levels
and by all States and Governments to halt immediately the increase in – and to significantly reduce – the number of people suffering from
hunger, malnutrition and food insecurity”.
350
Cf. Gilles van Kote, “Il faut préparer les populations à faire face aux crises alimentaires” Le Monde, 28/IV/2013.
351
Cf. FAO – How to Feed the World in 2050 : By 2050 the world’s population will reach 9.1 billion, 34 percent higher than today.
Nearly all of this population increase will occur in developing countries. Urbanization will continue at an accelerated pace, and about 70
percent of the world’s population will be urban (compared to 49 percent today). Income levels will be many multiples of what they are
now. In order to feed this larger, more urban and richer population, food production (net of food used for biofuels) must increase by 70
percent. Annual cereal production will need to rise to about 3 billion tonnes from 2.1 billion today and annual meat production will need
to rise by over 200 million tonnes to reach 470 million tonnes.
352
FAO, “Mai così alto il numero di malnutriti”: “Cifra histórica de 1.020 milhões (...). Tal cifra supera em mais de 100 milhões o nível
do ano passado e representa cerca de 1/6 da população mundial .
353
Cf. Gilles van Kotte, “Alimentation: ‘Notre modele agricole est à bout de souffle’” (entrevista com Olivier De Schutter). Le Monde,
30/IV/2014.
354
Cf. Lester R. Brown, Outgrowing the Earth. The Food Security Challenge in an Age of Falling Water Tables and Rising Temperature.
New York: W.W. Norton, 2004, p. 5.
355
Cf. Duncan Walker, “The children going hungry in America”. BBC News, 6/III/2013 : “Child poverty in the US has reached record
levels, with almost 17 million children now affected. A growing number are also going hungry on a daily basis (...) 47 million Americans
are now thought to depend on food banks. One in five children receives food aid. (...) That's not only because so many people have lost
their jobs, it's also because the jobs that are replacing them are low paying”. http://www.bbc.co.uk/news/magazine-21636723.
356
Citado pela Feeding America: “According to the USDA, more than 17 millions children are living in food-insecure households”
http://feedingamerica.org/hunger-in-america/hunger-facts/quiz.aspx.
357
Cf. “Food Security in the USA. USDA: “50.1 million people lived in food-insecure households”.
http://www.ers.usda.gov/topics/food-nutrition-assistance/food-security-in-the-us/key-statistics-graphics.aspx.
358
Cf. Paul Krugman, “Free to be hungry”. The New York Times, 22/IX/2013.
359
Cf. John Wihbey, “Do high food prices increase food insecurity in the United States?” Journalist’s Resources, 24/X/2013.
360
Cf. Gregory, Coleman-Jensen (2013).
361
Anne Lowery, “The rich get richer through the recovery”. The New York Times, 10/IX/2013.
362
“The official poverty rate will rise from 15.1 percent in 2010, climbing as high as 15.7 percent, (…) the highest level since 1965
(…) poverty never fell below a 1973 low of 11.1 percent.” Washington Post, 23/VII/2012.
http://www.washingtonpost.com/politics/us-poverty-on-track-to-reach-46-year-high-suburbs-underemployed-workers-children-hit-
hard/2012/07/23/gJQAoE6i3W_story.html.
363
“Poverty in the United States. A snapshot”. National Center for Law and Justice http://www.nclej.org/poverty-in-the-us.php.
364
“Increases in Homelessness on the Horizon”. National Alliance to End Homelessness, 28/IX/2011 .
365
Cf. K. Santich, “Latest report: More than 1 million U.S. students are homeless”. Orlando Sentinel, 15/IX/2012: “According to the
federal government, 44 states had an increase in the number of homeless students compared to 2009-2010The number of homeless
children enrolled in public schools nationwide has increased 57 percent since the recession began in the 2006-2007 school year”.
366
Cf. The National Center on Family Homelessness http://www.familyhomelessness.org/index.php.
367
“La France a faim”, Secours populaire français,16/III/2013 ; Sylvain Mouillard, “L’Europe va-t-elle couper les vivres à ses pauvres?”
Libération, 22/XI/2012.
368
“Caritas assists over 1 million people in Spain”. Latin America Herald Tribune, 30/IV/2013.
369
Cf. Vincenzo Pricolo, “Anche in Italia c’è chi soffre la fame”. Il Giornale.it, 17/X/2012.
370
“La crisi fa radoppiare gli italiani poveri: in difficoltà 5 millioni di persone, una su 10”. La Repubblica, 22/IX/2013.
371
Cf. Esther Bintliff, “More hard-up Britons turn to food banks”. Financial Times, 24/IV/2013.
372
Cf. Joel Berg, “A Special Hollyday Appeal: A Tale of Two Cities”. New York Coalition Against Hunger: “The city’s median household
income is $48,743, five percent lower than 2007; and 75,000 more New Yorkers fell below the meager federal poverty line ($18,310 for a
family of three) this year, the largest yearly hike in two decades. The total population of poor New Yorkers is now 1.6 million, equaling
one in five residentes. And now 1 in 4 children live in food insecure homes” .
373
Citado por Lester Brown, op. cit. Outgrowing (2004), p. 11.
374
Cf. Justin Gillis: “Panel warns of Risks to Food Supply from Climate Change”. The New York Times, 1/XI/2013: “climate change
could reduce agricultural output by as much as 2 percent per decade for the rest of this century, compared with what output would be
without climate change”.
375
Arctic Methane Emergency Group (AMEG), Announcement. Governments must put two and two together and pull out all the stops to
save Arctic ice or we will starve” (abril de 2013): "The weather extremes from last year are causing real problems for farmers, not only in
the UK, but in the US and many grain-producing countries. World food production can be expected to decline, with mass starvation
inevitable. The price of food will rise inexorably, producing global unrest and making food security even more of an issue." .
376
Cf. Kate Ravilious, “Over half the world’s population could rely on food imports by 2050 – study”. The Guardian, 7/V/2013.
377
"China's population will rise to 1.6 billion by 2035. If per capita grain consumption in China were to equal the current level of 400 kg
per year, China would need nearly 650 million metric tons of grain by that time." China Daily, 10/III/2013 .
378
Cf. Josh Chin, Brian Spegele, “Zona rural da China vira desastre ambiental”. Valor econômico, 5/VIII/2013, artigo traduzido do The
Wall Street Journal.
379
Cf. Colleen Scherer, “China no longer to be self sufficient in food”. AG Professional, 30/I/2013 ; Leslie Hook, “Chinese grain imports
hit record high”. Financial Times, 10/IV/2012; Lester R. Brown, Can the United States Feed China? Earth Institute Policy, 23/III/2011.
380
Cf. C. Brown-Lima, M. Cooney, D. Cleary, “An overview of the Brazil-China soybean trade and its strategic implications for
conservation”. The Nature Conservancy, 2011: “By 2009, China imported 41 million tons of soybeans, mostly from the US, Brazil and
Argentina. In 2009, soy represented 31% of the total Brazilian exports to China. From 2000 through 2009, Brazil’s overall soybean
exports rose from US$2.2 billion to $11.4 billion”. http://www.nature.org/ourinitiatives/regions/southamerica/brazil/explore/brazil-china-
soybean-trade.pdf.
381
Cf. Lester R. Brown, “Aquifer Depletion”. Encyclopedia of Earth. Ed. Cutler J. Cleveland (Washington, D.C., 2010, última revisão,
28/III/2013 .
382
Cf. L. Hook, “Chinese grain imports hit record high”: Financial Time, 10/IV/2012: “China’s grain imports hit a record high in March,
as the world’s most populous country increasingly turns to overseas markets to meet its agricultural needs. Customs data from Beijing
revealed that grain imports reached 1.64m tonnes in March, up sixfold from a year earlier and up 50 per cent from the previous month”.
383
Cf. R.S. Zeigler, “China’s grain situation is critical to the rest of the world — if they are forced to go out on the market to procure
adequate supplies for their population, it could send huge shock waves through the world’s grain markets”. Citado por K. Bradsher, “U.N.
Food Agency Issues Warning on China Drought”. The New York Times, 8/II/2011.
384
Cf. “Who will feed China: Agribusiness or its own farmers? Decisions in Beijing echo around the world” www.farmlandgrab.org.
385
Citado em "Marubeni bets on China with Gavilon deal". Financial Times, 29/V/2012: “I see China’s increasing demand for corn as
inexorable”
386
Cf. Pearce (2012).
387
Cf. Fred Pearce, “Stealing the Earth”. The New Scientist, 23/VI/2012, pp. 28-29.
388
Citado por John Vidal, “UN warns of looming worldwide food crisis in 2013”. The Observer, 13/X/2012: “Countries have run
down reserves from an average of 107 days of consumption 10 years ago to under 74 days recently”.
389
Cf. Stéphane Foucart, “Notre civilisation pourrait-elle s’effondrer? Personne ne veut y croire”. Le Monde, 9/II/2013.
390
Cf. Welch et al. (2010).
391
Cf. F. Kaufman, “The food bubble. How Wall Street starved millions and got away with it”. Harper’s Magazine, julho de 2010.
http://frederickkaufman.typepad.com/files/the-food-bubble-pdf.pdf.
392
Citado por Anne Michel, “Des établissements accusés de spéculer sur la faim”. Le Monde, 12/II/2013: “La majorité de ces fonds ont
été créés depuis la crise alimentaire de 2008, dans le but manifeste de faire des profits sur la hausse tendancielle des marches agricoles”.
393
“It may be hard to imagine commodity prices advancing another 460 percent above their mid-2008 price peaks. But the fundamentals
argue strongly that these sectors have significant upside potential”. Apud F. Kaufman, citado na nota anterior.
394
Cf. Nafeez Mosaddeq Ahmed, “Why food riots are likely to become the new normal”. The Guardian, 6/III/2013.
395
“Over the next several decades, food prices are predicted to rise by another 30-50% due to the inability of food production to keep up
with growing demand”. Cf. Christian Nellemann (ed), The environmental food crisis – the environment’s role in averting future food
crises. A UNEP rapid response assessment. UNEP, GRID-Arendal, 2009, citado por E. Boelee, T. Chiramba e E. Khaka (eds), “An
ecosystem services approach to water and food security”. Nairobi: UNEP, Colombo, International Water Management Institute, 2011.
An_Ecosystem_Services_Approach_to_Water_and_Food_Security_2011_UNEP-IWMI.pdf.
396
“Extreme weather, extreme prices. The costs of feeding a warming world”, Oxfam, setembro de 2012: “the world lurches into a third
food price spike in four years” http://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/20120905-ib-extreme-weather-extreme-prices-en.pdf.
397
Cf. C.F. Runge, B. Senauer, “How Biofuels Could Starve the Poor”. Foreign Affairs, 86, 3, 2007.
398
Cf. B. Senauer, M. Sur, “Ending Global Hunger in the 21st Century: Projections of the Number of Food Insecure People”. Review of
Agricultural Economics, 23, 1, 2001, pp. 68-81.
399
Cf. Gilles van Kotte, “Alimentation: ‘Notre modele agricole est à bout de souffle’” (entrevista com Olivier De Schutter). Le Monde,
30/IV/2014.
400
Autor de The Ultimate Resource (1981) e de The Ultimate Resource 2 (1996), livros em que advoga a ideia de que o mercado e a
tecnologia podem garantir um crescimento econômico ilimitado, Julian Simon notabilizou-se por ter ganhado a aposta feita com Paul
Ehrlich de que os preços internacionais de cinco metais – cobre, crômio, níquel, estanho e tungustênio – iriam diminuir ao longo dos anos
1980.
401
Cf. Gurdev S. Khush, “Green Revolution: Preparing for the 21th Century”. Genome, 42, 4, 1999, pp. 646-655.
402
Citado por Stéphane Foucart, “Notre civilisation pourrait-elle s’effondrer? Personne ne veut y croire”. Le Monde, 9/II/2013.
403

3. Lixo, efluentes e intoxicação industrial do planeta

Mais recentemente, acrescentaram-se a essa lista peculiaridades biológicas, como a forma da laringe ou a ausência do cio nas mulheres,
hipótese que Lévi-Strauss (1995/2013, p. 211) qualificou de robisonnade génitale.
404
Cf. Tomasello (2014, p. 9): “One new finding is the surprisingly sophisticated cognitive abilities of nonhuman primates, which have
been discovered mostly in the last few decades. Thus, great apes, as the closest living relatives of humans, already understand in human-
like ways many aspects of their physical and social worlds, including the causal and intentional relations that structure those worlds”.
405
Cf. Serres (1998, p. 8): “Sans doute sommes-nous devenus les hommes que nous sommes pour avoir apris – comment, le saurons-nous
jamais? – que nous allions mourir”.
406
O lixo seria o “mal próprio” de nossa espécie, a forma propriamente humana de “marcar” seu território. Cf. Serres (2012).
407
Cf. Ray Anderson, Confessions of a Radical Industrialist. New York, St. Martin’s Press, 2009, citado por Annie Leonard, The Story of
Stuff. Londres, Constable, 2010, pp. 237-238.
408
Apud Annie Leonard, cit., p. 238, cf. Joel Makower, Strategies for the Green Economy :Opportunities and Challenges in the New
World of Business, McGrawHill, 2009.
409
Cf. Helmut Höge, citado por Cosima Dannoritzer, Prêt à Jéter, documentário de 2010 (youtube).
410
Citado por C. Dannoritzer, ver nota precedente: “the article which refuses to wear out is a tragedy of business”.
411
Cf. Bernard London, Ending the Depression Through Planned Obsolescence, 1932 . O artigo viria a ser o primeiro capítulo do
livro The new prosperity. Permanent employment, wise taxation and equitable distribution of wealth. New York, 1933.
412
Cf. London, art. cit. na nota precedente.
413
Cf. Galbraith (1958/1998); Packard (1962); Slades (2006); Latouche (2012) e o documentário de Cosima Dannoritzer, Prêt à Jéter
(2010) acima citado.
414
István Meszáros, Beyond Capital – Towards a Theory of Transition. Londres, Merlin Press, 1995. Tradução portuguesa, Para além do
Capital, São Paulo, Boitempo Editorial e Editora da Unicamp, 2002, p. 987.
415
Cf., por exemplo, Anders (1956/2002); Marcuse (1964/1967).
416
Citado por Vance Packard (1962), op. cit, p. 151 e por Serge Latouche, op. cit. (2012), p. 30.
417
Cf. Gillian Tett, “West’s debt explosion is real story behind Fed QE dance”. Financial Times, 19/IX/2013, artigo reproduzido em
português pelo jornal Valor econômico, 23/IX/2013.
418
Wall-E merecidamente encabeça a lista da revista Time dos “Melhores Filmes da Década” e obteve, além disso, o Golden Globe
Award de melhor filme de animação, o Hugo Award de Melhor Apresentação Dramática, Forma Longa, e o Oscar de Melhor Filme de
Animação.
419
Citado por Rebecca Cathcart, “ Borrowing an idea from Los Angeles, 2091”, The New York Times, 22/V/2008.
420
Cf. Philippe Mesmer, “Le mont Fuji est victime de son succès”. Le Monde, 29/VIII/2013.
421
Citado por David Chazan, “A World Drowning in Litter”. BBC, 4/III/2002: "Every day, the average American uses 101 kilograms of
stuff - that's approximately the weight of a large man” .
422
European Commission. Waste. http://ec.europa.eu/environment/waste/index.htm: Each year in the European Union alone we throw
away 3 billion tonnes of waste - some 90 million tonnes of it hazardous. This amounts to about 6 tonnes of solid waste for every man,
woman and child, according to Eurostat statistics. It is clear that treating and disposing of all this material - without harming the
environment - becomes a major headache.
423

3.1. Esgotos

Cf. David Quenta, “El problema del lago Titicaca” .


424
Veja-se Instituto Trata Brasil http://www.tratabrasil.org.br/detalhe.php?secao=20. Cf. Washington Novaes, “Os custos pesados do
trivial variado”. O Estado de São Paulo, 26/X/2012.
425
Cf. Stela Goldenstein, depoimento na rádio Trip FM, 15/VI/2012 .
426
Cf. Arnaldo Comin, “O maior dos atrasos”. Carta Capital, 20/III/2013.
427

3.2. Resíduos sólidos urbanos

Cf. Worldwatch Institute, “Global Municipal Solid Waste Continues to Grow” (em rede).
428
Cf. Hoornweg, Bhada-Tata, Kennedy (31/X/2013, pp. 615-617).
429
Cf. Douglas (1992, pp. 150-171).
430
“It is further estimated that between 2007 and 2011, global generation of municipal waste will rise by 37.3%, equivalent to roughly
8% increase per year”.
http://www.unep.or.jp/ietc/publications/spc/iswmplan_vol4.pdf.
431
“the doubling of waste that current projections indicate would bring the volume of municipal solid waste, or MSW, from today’s 1.3
billion tons per year to 2.6 billion tons. Cf. Worldwatch Institute, “Global Municipal Solid Waste Continues to Grow” .
432
Cf. PNUMA, “The Global Garbage Crisis: No Time to Waste”, 6/XI/2012 .
433
Cf. Hoornweg, Bhada-Tata, Kennedy (31/X/2013, pp. 615-617).
434
Cf. Jöstrom, Östblom (15/V/2010, pp. 1545-1552); Marcos Vinicius Godecke, João Alcione Sganderla Figueiredo, Roberto Harb
Naime, “O consumismo e a geração de resíduos sólidos urbanos no Brasil”, EcoDebate, 5/II/2013.
435
Cf. Heliana Kátia Tavares Campos, “Evolução da geração per capita de resíduos sólidos em países desenvolvidos e emergentes”.
Resíduos sólidos e saneamento (em rede).
436
Maurício Waldman, Lixo. Cenários e Desafios, São Paulo, 2010; Ricardo Abramovay (dir.), Cécile Petitgand, Juliana Simões
Speranza, Lixo Zero, São Paulo, Instituto Ethos, 2013.
437
Cf. Comlurb, apud Abramovay (2013), p. 23, citado na nota anterior.
438
Cf. Abrelpe, Atlas Brasileiro de GEE e Energia Destinação Final de Resíduos Sólidos Urbanos, Rio de Janeiro, 28/II/2013 .
439
Segunda a definição do IPT (1995), lixão é uma forma inadequada de disposição final de resíduos sólidos sobre o solo, sem medidas
de proteção ao meio ambiente e à saúde pública. O mesmo que descarga de resíduos a céu aberto.
440
Citado por Laura Maia de Castro, “Cidades pedem mais prazo para fim de lixões”. Estado de Sâo Paulo, 27/III/2014, p. 22.
441
Já citado por Abramovay (2013), cit. p. 21.
442

3.3. Plástico

Robert Boyle, Considerations touching the Usefulness of Experimental Natural Philosophy (1663), apud Moscovici (1968) e Lebrun
(1977, p. 48).
443
Cf. Rocke (1993).
444
“A subjugação das forças da natureza, as máquinas, a aplicação da química na indústria e na agricultura, a navegação a vapor, as
estradas de ferro, o telégrafo elétrico, a exploração de continentes inteiros, a canalização dos rios, populações inteiras brotando da terra
por encanto – que século anterior teria suspeitado que semelhantes forças produtivas estivessem adormecidas no seio do trabalho social?”.
O Manifesto Comunista (1848), São Paulo, Editora Boitempo, 1998, p. 44.
445
Cf. Jeffrey L. Meikle, American Plastic. A Cultural History. Rutgers Univversity Press, 1997, pp. 98-100.
446
Vide “TED: Captain Charles Moore on the seas of plastic”. https://www.youtube.com/watch?v=M7K-nq0xkWY
447
Cf. Christian Godin, La Haine de la Nature, Seyssel, Éditions Champ Vallon, 2012.
448
Sobre o impacto do plástico sobre o meio ambiente as referências centrais aqui utilizadas são a coletânea de ensaios organizada por
Andrady (2003) e as Atas da Plastic Debris Rivers to Sea Conference (2005). Outras referências são Mato (2001); Moore (2001); Moore
(2003) e Weisman (2007), capítulo 9 - “Polymers are forever”.
449
Cf. Bettina Wassener, “Raising Awareness of Plastic Waste”. The New York Times, 14/VIII/2011.
450
Cf. Charles Hero, “Putting Plastic on the Agenda at UN Rio+20”,UNEP: “Some estimates are that over 85% of all plastic made does
not actually get recycled today”. http://www.unep.org/wed/voices/plastic.asp.
451
Trata-se da National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III). Veja-se o sítio do National Institute for Environmental
Health do NIH.
452
Cf. Saal, et al. ((2007, pp. 131-138).
453
Cf. Amanda Gardner, “Studies Report More Harmful Effects From BPA”. US News, 10/VI/2009; Stéphane Foucart, “Le bisphénol A
réduit la testostérone chez le foetus humain”. Le Monde, 20/I/2013.
454
Cf. Hervé Morin, “Nouveaux soupçons sur le bisphénol A”. Le Monde, 25/IV/2014.
455
Cf. “Where BPA is hiding - Still”. One Thing New (em rede).
456
Cf. Kuruto-Niwa et al. (2005, pp. 121-130); Viñas, Watson (2013)..
457
Cf. Frederiksen et al. (2007, pp. 899-911).
458
Cf. Carlstedt, Jönsson, Bornehag (23/II/2013).
459

3.4. A plastificação dos cinco giros oceânicos

Cf. Ljubomir Jeftic, Seba Sheavly, Ellik Adler, Marine Litter: A Global Challenge, UNEP, 2009 (em rede).
460
Sobre a plastificação dos oceanos e o impacto do plástico sobre o meio ambiente marinho as referências centrais aqui utilizadas são a
coletânea de ensaios organizada por Andrady (2003), as Atas da Plastic Debris Rivers to Sea Conference (2005) e Pham et al. (2014).
Outras referências são Mato (2001); Moore (2001); Moore (2003) e Weisman (2007), capítulo 9 - “Polymers are forever”; Bettina
Wassener, “Raising Awareness of Plastic Waste”. The New York Times, 14/VIII/2011: “Of the plastic that is simply trashed, an estimated
seven million tons ends up in the sea each year”.
461
Cf. K. Marks, “The world's rubbish dump: a tip that stretches from Hawaii to Japan”. The Independent, 5/II/2008.
462
"Humanity's plastic footprint is probably more dangerous than its carbon footprint". Citado em “Atlantic plastic garbage patch found”
CBC News 16/IV/2010. Veja: http://www.cbc.ca/news/technology/story/2010/04/16/tech-atlantic-garbage-patch.html.
463
Cf. Oliver Milman, “Yatchman describes horror at ‘dead’, rubbish strewn Pacific Ocean”. The Guardian, 21/X/2013; Greg Ray, “The
ocean is broken”. Newcastle Herald, 18/X/2013 : "On the bow, in the waters above Hawaii, you could see right down into the depths. I
could see that the debris isn't just on the surface, it's all the way down. And it's all sizes, from a soft-drink bottle to pieces the size of a big
car or truck”.
464
A descoberta foi apresentada no Oceans Sciences Meeting de 2010 em Portland, Oregon Cf. “Atlantic plastic garbage patch found”.
CBC News, 16/IV/2010.
465
Cf. Audrey Garric, “Peut-on nettoyer les océans des déchets plastiques?” . Le Monde, 3/IV/2013.
466
“Each contains so much plastic that if you were to drag a net through these areas you would pull up more plastic than biomass”.
http://inhabitat.com/even-if-we-stopped-polluting-today-ocean-garbage-patches-would-linger-for-hundreds-of-years.
467
O trabalho foi publicado em abril de 2012 na Geophysical Research Letters. Cf. New Scientist, 5/V/2012, p. 5 e CBC News, “Plastic
garbage in oceans 'vastly' underestimated”, de onde se retira a citação de Proskurowski: “Almost every tow we did contained plastic
regardless of the depth (…) If it’s a particularly windy day, there could be as much as 17 times more plastic in the water than would be
detected at the surface. Veja-se: http://www.cbc.ca/news/technology/story/2012/04/27/plastic-garbage-oceans.html.
468
Cf. Tara Oceans em http://oceans.taraexpeditions.org/en/the-expeditions/tara-oceans/the-expedition.php?id_page=24.
469
Cf. Z. Holman, “Plastic debris reaches Southern Ocean, previously thought to be pristine”. The Guardian, 2/X/2012: "The fact that we
found these plastics is a sign that the reach of human beings is truly planetary in scale."
http://www.guardian.co.uk/environment/2012/sep/27/plastic-debris-southern-ocean-pristine?INTCMP=SRCH.
470
Cf. “Marine Debris”, in NOAA: http://marinedebris.noaa.gov/info/faqs.html#1: “Up to one hundred thousand marine mammals and
possibly more die each year. Half or more of the individuals of certain marine reptile species are affected by the plastic litter, and
beachcombing land mammals become snarled in nets and die.” (…) “214,500 to 763,000 seabirds are killed annually incidental to driftnet
fishing by Japanese fishermen in the North Pacific Ocean” (…)Ingestion of debris may cause a blockage in the digestive tract, perforate
the gut, result in a loss of nutrition (due to displacement of food), or cause a false feeling of being “full”..
471
Cf. Wright, Rowe, Thompson, Galloway (2012). Declaração de Galloway a Nicholas Barrett, “Plastic waste ingested by worms
threatens marine food chains”. Mongabay, 26/II/2014: “These animals tend to play important roles at the base of marine food webs”.
472
Cf. P. Gravel, “Alerte en Arctique”, Le Devoir, 25/X/2012 http://www.ledevoir.com/environnement/actualites-sur-l-
environnement/362289/alerte-en-arctique.
473
Cf. Lusher, McHugh, Thompson (26/XII/2012) .
474
Cf. Browne et al. (23, 23, dezembro de 2013, pp. 2388-2392).
475

3.5. Pesticidas industriais

Cf. Edwards (1993, p. 13).


476
Eric Croddy cita um despacho do comandante em chefe das operações de Tambov, o general Tuckhachevisky, atestando a ordem para
o uso de gases: “the forests where the bandits are hiding are to be cleared by the use of poison gas. This must be carefully calculated, so
that the layer of gas penetrates the forests and kills everyone hiding there”. Cf. Croddy, Perez-Armendariz, Hart (2002, p. 151).
477
O termo pesticida abrange herbicidas, inseticidas e fungicidas, aplicados os dois últimos em plantas e em animais. Pesticidas são
usados também contra pássaros (corbicidas, por exemplo), vermes (nematicidas), mamíferos roedores (rodenticidas), microorganismos,
etc.
478
Veja-se, por exemplo, Dich et al. (1997, 8, pp. 420-443); Idem (23/I/2013).
479
Cf. EPA, Assessing Health Risks from Pesticides: “There are more than 1055 active ingredients registered as pesticides, which are
formulated into thousands of pesticide products that are available in the marketplace” .
480
Report of the First External Review of the Systemwide Programme on Integrated Pest Management (SP-IPM). Interim Science
Council Secretariat – FAO, agosto de 2003 : “Interestingly, the increase in crop loss is accompanied by a growth in the rate of pesticides
use”.
481
Report of the First External Review of the Systemwide Programme on Integrated Pest Management (SP-IPM). Interim Science
Council Secretariat – FAO, agosto de 2003 : “Interestingly, the increase in crop loss is accompanied by a growth in the rate of pesticides
use”.
482
Cf. “Superficial Safeguards. Most Pesticides Are Approved by Flawed EPA Process”. NRDC ; Audrey Garric, “Plus de 11.000
pesticides sont vendus aus États-Unis sans avoir été bien testés”. Le Monde, 30/III/2013.
483
“A saúde ameaçada pelos agrotóxicos”. Brasil de Fato, 13/VI/2012.
484
Cf. Bombardi (2011).
485
Cf. Brett Lorenzen, “Much Ado about Giving Consumers What They Want”. Environmental Working Group EWG), 20/VII/2011 .
486
Cf. JP Gené, “Vins et pesticides, la loi du silence”. Le Monde, 5/IV/2013.
487
Dados da ANVISA, citados em “Brasil faz uso descontrolado de agrotóxicos”. Reentrâncias. Centro de Apoio e Articulação
aos Movimentos Socioambientais e Populares, 30/IV/2012.
488
Cf. Larissa Mies Bombardi, “Intoxicação e morte” (art. cit.), 2011, p. 7 .
489
Cf. Mikhail A. Beketov et al., “Pesticides reduce regional biodiversity of stream invertebrates”. PNAS, online, 17/VI/2013:
“Pesticides caused statistically significant effects on both the species and family richness in both regions, with losses in taxa up to
42% of the recorded taxonomic pools. Furthermore, the effects in Europe were detected at concentrations that current legislation
considers environmentally protective. Thus, the current ecological risk assessment of pesticides falls short of protecting
biodiversity, and new approaches linking ecology and ecotoxicology are needed”. Veja-se também Sharon Oosthoek, “Pesticides
spark broad biodiversity loss”. Nature, 17/VI/2013.
490
Cf. Grégoire Allix, “Aux États-Unis, une loi laisse le champ libre aux OGM”. Le Monde, 7/IV/2013.
491
Cf. Dario Aranda, “Lo que sucede en Argentina es casi un experimento masivo”. Pagina 12, 3/V/2009 : “No descubrí nada
nuevo. Sólo confirmé lo que otros científicos descubrieron. Creen que pueden ensuciar fácilmente treinta años de carrera. Son
hipócritas, cipayos de las corporaciones, pero tienen miedo. Saben que no pueden tapar el sol con la mano. Hay pruebas
científicas y, sobre todo, hay centenares de pueblos que son la prueba viva de la emergencia sanitaria.”
492
Cf. Charles Benbrook, Impacts of Genetically Enginereed Crops on Pesticide Use: The First Thirteen Years”. The Organic Center,
2009: “GE (genetically engineered) crops have been responsible for an increase of 383 million pounds of herbicide use in the U.S. over
the first 13 years of commercial use of GE crops (1996-2008)”; Carey Gilliam, “Pesticide use ramping up as GMO crop technology
backfires: study”. Reuters, 1/X/2012.
493
Cf. Natasha Gilbert, “A Hard Look at 3 Myths about Genetically Modified Crops”. Scientific American, 1/V/2013:
“glyphosate-tolerant plants could be considered victims of their own success”.
494
Cf. David Mortensen, “Navigating a Critical Juncture for Sustainable Weed Management”. BioScience, 62, 1, janeiro de 2012 .
495
Cf. Bruce E. Tabashnik, Thierry Brévault, Yvez Carrière, “Insect resistance to Bt crops: lessons from the first billion acres”. Nature
Biotechnology, 31, 510–521, 10/VI/2013: Although most pest populations remained susceptible, reduced efficacy of Bt crops caused by
field-evolved resistance has been reported now for some populations of 5 of 13 major pest species examined, compared with resistant
populations of only one pest species in 2005”.
496
Cf. Gilles van Kote, “Monsanto tente d’endiguer la résistance d’un coléoptère à son ‘maïs insecticide’ trangénique” Le Monde,
23/I/2013.
497

3.6. POPs e mercúrio

Cf. L. Ritter, K.R. Solomon, J. Forget, “Persistent Organic Pollutants”. The International Programme on Chemical Safety (IPCS, orgão
estabelecido pela UNEP, ILO, FAO, WHO, UNIDO e OECD): “POPs are often halogenated and characterised by low water solubility and
high lipid solubility, leading to their bioaccumulation in fatty tissues. They are also semi-volatile, enabling them to move long distances in
the atmosphere before deposition occurs” .
498
Cf. Anne-Lise Bjorke Monsen, do Hospital Universitário Haukeland de Bergen, na Noruega apud Michael Sandelson, “Norway
researches’ toxic salmon warning creates wave”. The Foreigner, 25/XII/2013.
499
Cf. Laurece Girard, “Alerte rouge sur le saumon”. Le Monde, 24/XII/2013.
500
Veja-se http://chm.pops.int/Home/tabid/2121/Default.aspx.
501
EPA - Persistent Organic Pollutants: A Global Issue, A Global Response: “The U.S. Senate has not yet ratified the Stockholm
Convention nor has implementing legislation been passed by the relevant committees of jurisdiction. Once those steps have been taken,
the United States can deposit its instrument of ratification to become a Party of the Stockholm Convention on Persistent Organic
Pollutants”.
502
Cf. Kallenborn (2006, pp. 100-107): “Organochlorines have been found in virtually all environmental compartments on the globe”.
503
Cf. M. Jégo, “Les villages de Sibérie, cimetières des déchets toxiques de l’ex-URSS”. Le Monde, 13/XI/2012.
504
Cf. C. Williams, “Long time no sea”. New Scientist, 2376, 4/I/2003.
505
Cf. Audrey Garric, “Dans les sous-sols de Stocamine, la bombe à retardement alsacienne”. Le Monde, 28/II/2014.
506
Évaluation mondiale du mercure, PNUMA, Genebra, 2002 ; The Global Atmospheric Mercury Assessment: Sources, Emissions and
Transport, 2008; Global Mercury Assessment 2013: Sources, Emissions, Releases and Environmental Transport. PNUMA, 2013 .
507
Cf. Heidi Larson (London School of Hygiene and Tropical Medicine), “Mercury falling”. New Scientist, 12/I/2013, p. 24.
508
Cf. Silvio Assunção, “Grupo revela que queimadas lançam 12 t. de mercúrio por ano na atmosfera”. Jornal da Unicamp, 8-
14/IV/2013.
509
Cit.: “Overall, indications are that emissions from industrial sectors have increased again since 2005”.
510
PNUMA, 2002, cit.:“les données disponibles laissent supposer que les concentrations de mercure dans l’atmosphère ont augmenté
d’un facteur de 3 environ”.
511
Cf. “Mercury Converted to its Most Toxic Form in Ocean Waters: New Study”. Got Mercury? Uma pesquisa realizada por uma equipe
de cientistas da University of Alberta, no Canadá, mostra que: “a relatively harmless inorganic form of mercury found worldwide in ocean
water is transformed into a potent neurotoxin in the seawater itself. After two years of testing water samples across the Arctic Ocean, the
researchers found that relatively harmless inorganic mercury, released from human activities like industry and coal burning, undergoes a
process called methylation and becomes deadly monomethylmercury”. Veja-se: http://phys.org/news/2011-04-mercury-toxic-ocean.html.
512
Cf. A. Pélouas, “L’accumulation inquiétante du nombre de polluants dans l’Arctique”. Le Monde, 28/IV/2012.
513
Cf. “What You Need to Know About Mercury in Fish and Shellfish” FDA / EPA, III/2004 “Some fish and shellfish contain higher
levels of mercury that may harm an unborn baby or young child's developing nervous system. (…) Do not eat Shark, Swordfish, King
Mackerel, or Tilefish because they contain high levels of mercury”.
514
Citado por Gilles van Kote, “Un traité international contre le mercure”. Le Monde, 20/I/2013.
515
3.7. Material particulado e ozônio troposférico

Cf. “Ares irrespiráveis”. El País. Editorial, 27/III/2014.


516
Cf. “WHO names and shames UK cities breaching safe air pollution levels”. The Guardian, 7/V/2014.
517
Cf. Laetitia Van Eeckhout, “La pollution de l'air touche 9 citadins sur 10 dans le monde”. Le Monde, 8/V/2014.

518
WHO Air Quality Guidelines for particulate matter, ozone, nitrogen dioxide and sulfur dioxide, 2005. Global update. Summary of Risk
Assessment (em rede).
519
Cf. “Contaminação mata 7 milhões de pessoas por ano, segundo a OMS”. El País, 25/III/2014.
520
“Air quality deteriorating in many of the world’s cities”. News Release. OMS, 7/V/2014.
521
Entre os compostos orgânicos voláteis, contam-se hidrocarbonetos como o carcinogênico benzeno (C 6H6), liberado pelos motores de
explosão, e o diclorometano (CH2Cl2), um hidrocarboneto clorado, usado como decapante e desengordurante, entre outras funções.
522
Cf. R.B. Devlin et al., “Controlled Exposure of Healthy Young Volunteers to Ozone Causes Cardiovascular Effects”. Circulation
(American Heart Association), 25/VI/2012. Doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.112.094359.
523
Cf. Jeannie Allen, “The Ozone We Breathe”. NASA Earth Observatory, 19/IV/2002: “The U.S. Environmental Protection Agency
(EPA) has established 80 ppb of ozone exposure over eight hours as the National Ambient Air Quality Standard, but recognizes the
possibility that ozone exposure at lower levels over several years can significantly impair human health, especially the health of children”.
524
Cf. S. Foucart, “La pollution mondiale à l'ozone stagne depuis une décennie”. Le Monde, 17/XII/2012.
525
Cf. “Tropospheric Ozone a Growing Threat”. Acid Deposition and Oxidant Research Center p. 4: “ground-level ozone concentrations
have increased to four to five times the levels in the preindustrial era”.
http://www.acap.asia/publication/pdf/Ozone.pdf.
526
Cf. OF.PROAM 01- 090813. Manifestãção PROAM sobre proposta de criação de Grupo de Trabalho Conama visando à atualização
dos padrões nacionais de qualidade do ar (PQAr) estabelecidos pela Resolução Conama 003 de 28 de julho de 1990.
http://www.mma.gov.br/port/conama/processos/409C7877/Of_PROAM.pdf.
527
Cf. Mateus Parreiras, Tiago de Holanda, “Internações por problemas respiratórios aumentam 13% em BH, Betim e Ibirité”.
em.com.br, 08/V/2013.
528
“Grande SP tem pior qualidade do ar em dez anos, diz CETESB”. UOL Notícias, 23/IV/2013.
529
Cf. S. Foucart, “La pollution mondiale à l'ozone stagne depuis une décennie”. Le Monde, 17/XII/2012.
530
Cf. P. Humblot et al., “Assessment of ozone impacts on farming systems: A bio-economic modeling approach applied to widely
diverse French case (2012). Ecological Economics, 85, 2013.

3.8. Terras raras


531
São eles: Cério (Ce), Praseodímio (Pr), Neodímio (Nd), Promécio (Pm), Samário (Sm), Európio (Eu), Gadolínio (Gd), Terbio (Tb),
Disprósio (Dy), Holmio (Ho), Erbio (Er), Tulio (Tm), Itérbio (Yb) e Lutécio (Lu).
532
Cf. James Regan, “Factbox: How various industries use rare earth elements”. Reuters Edition U.S., 29/XII/2010; “What are rare Earth
used for?” BBC, 13/III/2012.
533
Cf. Keith Bradsher, “China Tries to Clean Up Toxic Legacy of Its Rare Earth Riches”. The New York Times, 22/X/2013.
534
Cf. Mike Ives, “Boom in Mining Rare Earths Poses Mounting Toxic Risks”. Environment 360 28/I/2013.
535
Cf. “Rare Earth bounty”. New Scientist¸ 6/IV/2013, p. 7.
536
Cf. Tai et al. (2010)
537
“The Neural Toxicitiy of Lanthanides: An Update And Interpretations” RedOrbit, 29/XI/2012
http://www.redorbit.com/news/science/1112738864/the-neural-toxicity-of-lanthanides-an-update-and-interpretations/.
538
Veja-se MIT: http://web.mit.edu/12.000/www/m2016/finalwebsite/problems/environment.html.
539
Cf. Keith Bradsher, “In China, Gang-Run Illegal Rare Earth Mines Face a Crackdown”. The New York Times, 29/XII/2010.
540
Apud Hurst (2010, pp. 15-16).
541
Cf. C. Bontron, “En Chine, les terres rares tuent des villages”. Le Monde, 20/VII/2012.
542
Cf. Keith Bradsher, “After China’s Rare Earth Embargo, a New Calculus”. The New York Times, 30/X/2010; Idem, “China Tries to
Clean Up Toxic Legacy of Its Rare Earth Riches”. The New York Times, 22/X/2013.
543

3.9. Lixo eletrônico

Cf. Mathias Schluep et al., Recycling. From E-waste to resources. UNEP / StEP, julho de 2009.
544
“Worldwide Smartphone Shipments Top One Billion Units for the First Time, According to IDC”. IDC Analyze the Future, Press
Release, 27/I/2014.
545
Cf. Mathias Schluep et al., Recycling. From E-waste to resources. UNEP / StEP, julho de 2009; Eric Albert, “Les déchets électrôniques
intoxiquent le Ghana”. Le Monde, 28/XII/2013.
546
Cf. Jaco Huisman et al. 2008 Review of Directive 2002/96 on Waste Electrical and Electronic Equipment (WEEE). Bonn: United
Nations University, 2007.
547
Cf. Philippe Rakacewicz, “What is in a computer”. Vital Waste Graphics, UNEP/GRID-Arendal, 2005
http://www.grida.no/graphicslib/collection/vital-waste-graphics?p=2.
548
Cf. List of Industrial Disasters. Wikipedia
549
Cf. Eric Albert, “Les déchets électrôniques intoxiquent le Ghana”. Le Monde, 28/XII/2013.
550
“Smuggling Europe’s Waste to Poorer Countries”. The New York Times, 26/IX/2009: “it is four times as expensive to incinerate trash in
the Netherlands as to put it — illegally — on a boat to China. (...) Paper, plastic and metal trash exported from Europe rose tenfold from
1995 to 2007, the agency says, with 20 million containers of waste now shipped each year either legally or illegally (...).
551
Cf. Latouche (2012, p. 35). O autor baseia-se em dados fornecidos por Alain Gras, “Internet demande de la sueur”. La Décroissance,
35, dezembro de 2006.
552
Cf. Basel Action Network, BAN Report, 2005, “The Digital Dump: Exporting Re-Use and Abuse to Africa”: as much as 75% of the
imports are “junk” and are not economically repairable or marketable. Consequently, this e-waste, which is legally a hazardous waste is
being discarded and routinely burned in what the environmentalists call yet “another “cyber-age nightmare now landing on the shores of
developing countries.”
553
Cf. Mariangela Latella, “I rifiuti (tossici) scomparsi”. Legambiente. In, Golem. Dalla notizia all’informazione, 13/VII/2012.
554
Cf. Vera Viola, “A Napoli i rifiuti tornano in strada”. Il Sole 24 Ore, 8/I/2013; Antonio Crispino, “Nel triangolo della morte, dove
bruciano i rifiuti tossici”. Corriere della Sera. Le Inchieste, 11/X/2012.
555
Cf. “Where does e-waste end-up?”, Greenpeace, 24/II/2009: “Inspections of 18 European seaports in 2005 found as much as 47
percent of waste destined for export, including e-waste, was ilegal”.
556
Os dados da EEA são citados por Elisabeth Rosenthal, “Smuggling Europe’s Waste to Poorer Countries”. The New York Times,
26/IX/2009.
557
“Europol warns of increase in illegal waste dumping”. Europol, 30/VIII/2011: “increase in the volume of illegal waste shipments
across borders, spurred by economic growth and globalisation. Driven by an exceptional ‘low risk – high profit’ margin, illegal waste
trafficking and disposal activities have become one of the fastest growing areas of organised crime. (...) North West Europe plays an
important role in exporting waste to non-EU countries, especially in West Africa and Asia”. .
558
Regulamentação (EC) n. 1013/2006 do Parlamento e do Conselho da Europa de 14 de junho de 2006 sobre carregamentos de lixo (OJ
L 190, 12.7.2006, pp. 1–98).
559
“EU exporting more waste, including hazardous waste”. European Environment Agency, 18/XI/2012: “A large volume of used
electrical products are shipped out of the EU to West Africa and Asia, much of them falsely classified as ‘used goods’ although in reality
they are non-functional. The report estimates this trade to be at least 250 000 tonnes every year, possibly much more. (...) The illegal
waste trade seems to be growing” .
560
Cf. Cahal Milmo, “Britain’s waste”. The Independent, 26/V/2012: “The criminal trade, estimated to be worth at least £300m
worldwide, ranges from hundreds of thousands of broken computers and televisions – so-called "e-waste" – sent to west Africa to be
stripped of their heavy metals in unsafe conditions, to domestic waste smuggled out of Britain under the guise of recyclable paper or
plastic. Used car tyres form an increasingly lucrative illicit Market”.
561
Cf. Sophie Landrin, “Des millions de conteneurs maritimes hautement toxiques”. Le Monde, 2/I/2013.
562
Cf. Jinglei Yu et al., “Forecasting Global Generation of Obsolete Personal Computers”. Environmental Science and Technology,
2010, 44 (9), pp. 3232–3237: “the volume of obsolete PCs generated in developing regions will exceed that of developed regions by
2016−2018. By 2030, the obsolete PCs from developing regions will reach 400−700 million units, far more than from developed regions
at 200−300 million units”.
563

4. Combustíveis fósseis

4.1. A poluição nos processos de extração e transporte

Cf. James Gerken, “Oil Trains Spilled More Crude Last Year than in the Previous 38 Years Combined”. The Huffington Post, 22/I/2014.
564
Cf. Moving Crude by Rail, AAR, dezembro de 2013 (em rede).
565
Cf. Dan Frosch, Janet Roberts, “Pipeline Spills Put Safeguards Under Scrutiny”. The New York Times, 9/IX/2011.
566
World Ocean Review. Cap. 4, Pollution (em rede).
567
Cf. GEO/SAT 2: “An estimated quarter of milion barrels of oil pollute the Gulf each year” .
568
Cf. Jesica E. Seacor, “Environmental Terrorism: Lessons from the Oil Fires of Kuwait”. American University International Law
Review, 10, 1, 1994.
569
Mati Milstein, “Lebanon Oil Spill Makes Animals Casualties of War” National Geographic, 31/VII/2006.
570
http://www.itopf.com/information-services/data-and-statistics/statistics/index.html: “Approximately 5.7 million tonnes of oil were lost
as a result of tanker incidents from 1970 to 2011”.
571
ITOPF, loc. cit. (em rede).
572
Declaração publicada no Le Monde, 3/XI/2012.
573
Cf. A. Levin, “Oil spills escalated in this decade”, USA Today, 08/VI/2010.
574
Cf. T.J. Crone, M. Tolstoy, “Magnitude of the 2010 Gulf of Mexico Oil Leack”, Science, 330, Outubro de 2010, p. 634.
http://erf.org/system/files/magnitude_of_leak_ScienceVol330.pdf.
575
Cf. R. Kistner, “The Macondo Monkey on BP’s Back” Huffington Post, 30/IX/2011. http://www.huffingtonpost.com/rocky-kistner/the-
macondo-monkey-on-bps_b_988262.html.
576
Cf. S. Goldenberg, “Deepwater Horizon pipe 'responsible for new oil slick in Gulf of Mexico'”. The Guardian, 12/X/2012.
http://www.guardian.co.uk/environment/2012/oct/12/deepwater-horizon-oil-slick-gulf-mexico.
577
Cf. G. Allix, S. Foucart, C. Imbert, “Dossier Marée Noire record de 2010 aux États Unis”, Le Monde, 19/IV/2011.
578
Cf. Stuart Smith, “More Evidence that BP’s Oil Is Blanketing the Ocean Floor and Killing Sea Organisms En Masse; UGA Professor
Samantha Joye: “It looks like everything is dead”. The Stuart Smith Blog, 6/XII/2010.
579
Cf. N. Buskey, “Nearly two years later, oil remains”. DailyComent.com, 12/IV/2012.
580
“Settlement Protects Sea Turtles, Whales, Other Rare Wildlife From Oil-spill Dispersants”. Center for Biological Diversity,
30/V/2013: “Studies have found that oil broken apart by the dispersant Corexit 9527 damages the insulating properties of seabird feathers
more than untreated oil, making the birds more susceptible to hypothermia and death. Studies have also found that dispersed oil is toxic to
fish eggs, larvae and adults, as well as to corals, and can harm sea turtles’ ability to breathe and digest food”.
581
Cf. Wilma Subra, “Summary of Human Health Impacts of the BP Deepwater Horizon Disaster”, Fórum,
Subra Company/Louisiana Environmental Action Network, New Iberia, 19/IV/2011.
582
Cf. B. Reddall, “Analysis: Oil firms hurt by Gulf spill welcome back drill rigs”: “Oilmen deride that period as the permitorium”
Veja-se http://www.reuters.com/article/2012/04/10/us-usa-gulfofmexico-idUSBRE8390IG20120410.
583
Cf. Amy Goodman and Jeremy Scahill, Drilling and Killing. Youtube: "they are simply continuing what the Transatlantic slave trade
and British colonialism did to us in the past." (Youtube).
584
Cf. Bronwen Manby, The Price of Oil. Corporate Responsiblity and Human Rights Violations in Nigeria’s Oil Producing
Communities. Human Rights Watch. New York, Londres, janeiro de 1999, p. 12.
585
Cf. John Entine, “Seeds of NGO Activism: Shell Capitulates in Saro-Wiwa Case”. NGO Watch, 18/VI/2009.
586
Cf. PNUMA, Environmental Assessment of Ogoniland, 2011 : “UNEP’s field observations and scientific investigations found that oil
contamination in Ogoniland is widespread and severely impacting many components of the environment. Even though the oil industry is
no longer active in Ogoniland, oil spills continue to occur with alarming regularity. The Ogoni people live with this pollution every day”.
(...) In 49 cases, UNEP observed hydrocarbons in soil at depths of at least 5 m. (...) At 41 sites, the hydrocarbon pollution has reached the
groundwater. Oil pollution in many intertidal creeks has left mangroves denuded of leaves and stems, leaving roots coated in a bitumen-
like substance sometimes 1 cm or more thick. Mangroves are spawning areas for fish and nurseries for juvenile fish and the extensive
pollution of these areas is impacting the fish life-cycle. Any crops in areas directly impacted by oil spills will be damaged, and root
crops, such as cassava, will become unusable. When farming recommences, plants generally show signs of stress and yields are reportedly
lower than in non-impacted areas. When an oil spill occurs on land, fires often break out, killing vegetation and creating a crust over the
land, making remediation or revegetation difficult”.
587
Cf. World Bank, Defining an Environmental Strategy for the Niger Delta. Washington, D.C., maio de 1995; David Moffat, Olof
Lindén, “Perception and reality: Assessing priorities for sustainable development in the Niger River Delta”. Ambio. A Journal of the
Human Environment, 24, 7-8, dezembro de 1995, pp. 527-538.
588
Cf. Ole Nielsen, “Nigerian oil spills again”. Olelog. What on Earth, 27/XII/2011: “Possibly as much as 550 million gallons of oil
poured into the delta during Shell's roughly 50 years of production in Nigeria a rate roughly comparable to one Exxon Valdez disaster per
year”.
589
“Chevron enfrenta multa de $30 bilhões por problemas ambientais na América Latina, diz Coalizão de Defesa da Amazônia” PR
Newswire, 15/XII/2011 .
590
“Veja os principais vazamentos da Petrobras nos últimos 25 anos”. Folha de São Paulo, 23/VII/2000
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u5494.shtml.
591
Relatório sobre o Impacto Ambiental causado pelo Derramamento de Óleo na Baía da Guanabara”, MMA, 2001, em rede.
592
Citado na BBC Brasil, 21/III/2012 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/03/120321_mpf_denuncia_chevron_cc.shtml.
593
“Óleo vaza de terminal da Petrobrás em São Sebastião”. O Globo, 6/IV/2013.
594
Cf. Heather Libby, “13 oil spills in the last 30 days”. Huffington Post, 12/IV/2013.
595
Cf. Peterson (2003).
596
Cf. Charles Emmerson, Glada Lahn, Arctic Opening: Opportunity and Risk in the High North. Lloyd’s, Chatham House; Gail
Whiteman, Chris Hope, Peter Wadham, “Vast costs of Arctic change”. Nature, 7459, 499, 25/VII/2013, pp. 401-403. “Even major oil
company warns of a potential disaster of Arctic oil drilling”. The Watchers, 1/X/2012.
597
Cf. Terry Macalister, “City investors are getting cold feet about Arctic oil prospecting”. The Guardian, 21/VI/2012: "risks and costs are
simply too high".
598
Cf. Guy Chazan, “Total warns against oil drilling in Arctic”. Financial Times, 25/IX/2012.
599
Cf. Le Monde de 24 de janeiro de 2012.
600
Cf. B. Bidder, M. Schepp, G. Traufetter, “The Black Plague. Russia Plays Game of Arctic Roulette in Oil Exploration”. Der
Spiegel Online, 24/VIII/2012. http://www.spiegel.de/international/business/russian-oil-exploration-in-arctic-circle-causes-
major-environmental-damage-a-851617.html.
601
“Perigo iminente no Mar Pechora. Plataforma de perfuração de petróleo no Ártico Russo ignora segurança ambiental”. Visão Verde,
2/IX/2011; Jeremy Hance, “World first: Russia begins pumping oil from Artic seabed”. Mongabay, 23/XII/2013 .
602
Citado pelo Le Monde de 24 de janeiro de 2010, ver nota precedente.
603

4.2. A escassez de petróleo líquido

Cf. Jean Michel Bezat, Anne Eveno, “Les profits de Total amputés de 20% en 2013”. Le Monde, 13/II/2014.
604
Cf. “Global Crude Oil and Liquid Fuels Consumption” EIA: “World liquid fuels consumption grew by 0.7 million bbl/d in 2012
to reach 89.0 million bbl/d. EIA expects growth will be higher over the next two years because of a moderate recovery in global
economic growth so that world consumption grows by 0.9 million bbl/d in 2013 and by 1.2 million bbl/d in 2014”.
605
Cf. Transportation Road Map, International Council on Clean Transportation (ICCT), 2010: “In 2030 the number of motor vehicles on
the world’s roads will roughly double from what it was in 2010—from 1.4 billion to about 2.8 billion cars, trucks, motorcycles, and other
vehicles” .
606
Cf. David Strahan, “Dump the pump”. New Scientist, 19/V/2012, pp. 34-38: “Although most governments have policies to encourage
electrification, they are very unlikely to achieve their targets. Even if they do, says Birol, the number of electric vehicles on the road in
2020 will be just 20 million – about 2 per cento f the total fleet”.
607
Cf. C.J. Cleveland, “Net energy from oil and gas extraction in the United States, 1954–1997”. Energy, 30, 2005, pp. 769–782. Citado
por Ajay K. Gupta e Charles A.S. Hall, “A Review of the Past and Current State of EROI Data”. Sustainability, 3, 2011, pp. 1796-1809.
608
Cf. N. Gagnon, C.A.S. Hall, L.A. Brinker, “A preliminary investigation of energy return on energy investment for global oil and gas
production”. Energies, 2, 2009, pp. 490-503. Citados por Gupta e Hall, cit. nota anterior: “These authors [Gagnon, Hall, Brinker] also
estimated through linear extrapolation that the EROI for global oil and conventional natural gas could reach 1:1 as soon as about 2022”.
609
Cf. Kenneth S. Deffeyes, Hubbert’s Peak: The Impendig World Oil Shortage, Princeton, 2001; Richard Heinberg, The Party’s over.
Oil, War and the Fate of Industrial Societies, Gabriola Island, New Society Publishers, 2003; Paul Roberts, The End of the Oil. On the
Edge of a Perilous New World, Boston, Houghton Mifflin, 2004; Colin J. Campbell, The Coming Oil Crisis. Multi Science Publishing,
2004; Idem, Oil Crisis, 2005; James Howard Kunstler, The Long Emergency: Surviving the Converging Catastrophes of the Twenty-First,
Grove-Atlantic, 2005; Richard Heinberg e Colin J. Campbell, The Oil Depletion Protocol. A Plan to Avert Oil Wars, Terrorism and
Economic Collapse, Gabriola Island, New Society Publishers, 2006; Kenneth S. Deffeyes, Beyond Oil: The View from Hubbert's Peak,
Princeton, 2006; Kenneth S. Deffeyes, When Oil Peaked, New York, Hill and Wang, 2010.
610
Cf. Heinberg, Campbell, The Oil Depletion Protocol. A Plan to Avert Oil Wars, Terrorism and Economic Collapse, Gabriola Island,
New Society Publishers, 2006.
611
Cf. Jeremy Leggett, “Burn and crash”. The New Scientist, 2/XI/2013, pp. 28-29.
612
Cf. When oil peaked. New York, Hill and Wang, 2010. Prefácio: “From 2005 onward, oil production has shown no growths” . (…)
Capítulo 1: “A few years ago, Chevron ran a series of ads saying that we were burning two barrels of oil for every new barrel we found.
Today we may be birning five barrels for each newly barrel found”.
613
Apud Heinberg, Campbell, cit., 2006 (e-book: 16%).
614
“World Oil Production Capacity Model Suggests Output Peak by 2006-2007. Oil and Gas Journal, April, 26, 2004 .
615
Apud Heinberg, cit., 2006, nota 45.
616
Apud Heinberg, cit., 2006, nota 46.
617
Cf. Colin Campbell, “Peak Oil Time for ExxonMobil”. ASPO International. “Even though ExxonMobil never will use the word
Peak Oil they have in fact used it by saying that the production will stay flat to 2012”.
618
Apud Heinberg, cit., 2006, nota 48.
619
Apud Heinberg, cit., 2006, nota 49.
620
Apud Heinberg, cit., 2006, notas 39 e 50.
621
Cf. R. Hirsch, R. H. Bezdek, R.M. Wendling The Impendig World Energy Mess. What it is and what it means to you! Apogee Prime,
2010, p. 128.
622
Cf. BP Statistical Review of World Energy June 2013 (em rede): “Oil remains the world’s leading fuel, at 33.1% of global
energy consumption, but it also continued to lose market share for the 13th consecutive year and its current market share is the
lowest in our data set, which begins in 1965”.
623
Citado em Earth, A Graphic Study of the State of the World: “by 2010 we will need on the order of na additional fifty million barrels a
day. This is equivalente to more than six Saudi Arabias of today’s size”.
http://www.theglobaleducationproject.org/earth/energy-supply.php.
624

4.3. Subsídios aos combustíveis fósseis

Cf. IEA, World Energy Outlook. http://www.worldenergyoutlook.org/resources/energysubsidies/.


625
Cf. “World Energy Outlook 2010”. International Energy Agency: “Fossil-fuel consumption subsidies worldwide amounted to US$ 312
billion” http://www.iea.org/Textbase/npsum/weo2010sum.pdf; Bertrand d’Armagnac, “G20 fails to curb fossil fuels. Subsidies rise to
$470bn despite deal to phase them out”. The Guardian, 11/X/2011. Para avaliações entre 775 bilhões e 1 trilhão de dólares em 2012, veja-
se: “No Time to Waste: The Urgent Need for Transparency in Fossil Fuel Subsidies”. OilChange International: “The figures below
estimates of various groupings of subsidies, showing a range of existing subsidies from at least $775 billion to perhaps $1 trillion or more
in 2012” http://priceofoil.org/wp-content/uploads/2012/05/1TFSFIN.pdf.
626
Cf. “Big Oil’s Banner Year. Higher Prices, Record Profits, Less Oil”. Center for American Progress .
627
“Conférence environnementale : les sujets conflictuels abondent”. Le Monde, 13/IX/2012: “ Le total de ces dépenses atteindrait de 21
à 33,5 milliards d'euros par an, selon les modes de calcul”.
628
Cf. Sarah Guillou, “Le crépuscule de l’industrie solaire”. Les Notes. Ofce (Observatoire français des conjonctures economiques), n.
32, 6 de setembro de 2013 .
629
Cf. James Isola, “New investment in clean energy fell 11% in 2012”. Bloomberg New Energy Finance, 14/I/2013.
http://about.bnef.com/2013/01/14/new-investment-in-clean-energy-fell-11-in-2012-2/.
630
Cf. Sally Bakewell, “Clean Energy Investment Headed for Second Annual Decline”. Bloomberg, 13/X/2013: “Clean-energy
investment fell 14 percent in the third quarter from the prior three months as Europe curbed subsidies and cheaper U.S. natural gas lured
investment”.
631
Tracking Clean Energy Progress, 2013, Nova Deli (em rede).
632

4.4. Petróleo e gás não-convencionais. A devastação maximizada

Cf. C. Hall, “Unconventional Oil: Tar Sands and Shale Oil”. The Oil Drum: Net Energy (em rede).
633
Cf. Marie-Béatrice Baudet, Jean-Michel Bezat, Stéphane Foucart, Hervé Kempf, “Faut-il avoir peur du gaz de schiste?”. Le Monde,
14/IX/2012.
634
Cf. Lorne Stockman, Petroleum coke: the coal hiding in tar sands. OilChange International, janeiro de 2013: “Emissions from tar
sands extraction and upgrading are between 3.2 and 4.5 times higher than the equivalent emissions from conventional oil produced
in North America”.
635
Cf. James Hansen, “Game over for the climate”. The New York Times, 9/V/2012: “Canada’s tar sands, deposits of sand saturated
with bitumen, contain twice the amount of carbon dioxide emitted by global oil use in our entire history (...) The tar sands contain
enough carbon — 240 gigatons — to add 120 p.p.m.”.
636
Cf. Erin N. Kelly et al., “Oil sands development contributes elements toxic at low concentrations to the Athabasca River and its
tributaries”. PNAS, 30/VIII/2010: “We show that the oil sands industry releases the 13 elements considered priority pollutants (PPE)
under the US Environmental Protection Agency's Clean Water Act, via air and water, to the Athabasca River and its watershed”.
637
Veja-se “Tar Sands Oil Extraction - The Dirty Truth”: https://www.youtube.com/watch?v=YkwoRivP17A.
638
Cf. Keranen (2013).
639
Cf. Holland (2011).
640
Cf. Stéphane Foucart, “Quand le gaz de chiste fait trembler la terre”. Le Monde, 29/III/2013.
641
Cf. Won-Young Kim (2011).
642
Cf. Norimitsu Onishi, “California’s Thirst Shapes Debate Over Fracking”. The International New York Times, 14/V/2014.
643
Cf. “Hydraulic Fracturing 101”. Earthworks .
644
Cf. Mike Soraghan, “Two Oil-Field Companies Acknowledge Fracking With Diesel”. The New York Times, 19/II/2010 .
645
Cf. Tollefson (2013, p. 147).
646
Cf. McKenzie, Witter, Newman, Adgate (2012).
647
Cf. Paul Gallay, “Gas Industry Spin Can’t Cover Up Problems Caused by Fracking”. EcoWatch 3/IV/2012.
648
Relatório da AEA Technology encomendado pela Comissão Europeia, citado no estudo conjunto publicado no Le Monde de setembro
de 2012.
649
Citado por Hervé Kempf, “L'exploitation du gaz de schiste serait aussi nocive pour le climat que le charbon”. Le Monde, 29/V/2012.
650
Cf. Jeff Tollefson et al., “Methane leaks erode green credentials of natural gas”. Nature, 493, 7430, 2/I/2013.
651
Cf. Caulton et al. (2014).
652
Cf. Hervé Kempf, “L'exploitation du gaz de schiste serait aussi nocive pour le climat que le charbon”. Le Monde,
29/V/2012.
653
Cf. R.A. Alvarez, et al., “Greater focus needed on methane leakage from natural gas infrastructure”. PNAS, 109, 17, 2012, pp.
6435-6440.
654
Como afirma Lorne Stockman, “o incremento do uso do petróleo de coque é uma clara resultante do incremento da produção de
betume a partir de areias betuminosas”.Cf. Petroleum coke: the coal hiding in tar sands. OilChange International, janeiro de 2013.
655
Segundo Kerry Satterthwaite, uma especialista da Roskill Information Services, citado por Ian Austen, “A Black Mound of Canadian
Oil Waste Is Rising Over Detroit”. The New York Times, 17/V/2013 As demais informações desse parágrafo são retiradas desse artigo.
656
Medições realizadas por pesquisadores da Universidade de Ciência e Tecnologia de Huazhong, em Wuhan. Cf. Yu Dawei, “As US
Refuses a Dirty Fuel, China Only Too Ready to Increase Imports”. The New York Times, 12/III/2013.
657
Cf. Stockman, cit., janeiro de 2013: “on a per-unit of energy basis petcoke emits 5 to 10 percent more carbon dioxide than coal. A ton
of petcoke yields on average 53.6 percent more CO 2 than a ton of coal. The proven tar sands reserves of Canada will yield roughly 5
billion tons of petcoke – enough to fully fuel 111 U.S. coal plants to 2050. Because it is considered a refinery byproduct, petcoke
emissions are not included in most assessments of the climate impact of tar sands or conventional oil production and consumption. Thus
the climate impact of oil production is being consistently undercounted”.
658
Cf. James Burges, “British MoD Predicts Oil Prices to Reach $500 a Barrel by 2040”. OilPrice.com .
659
Cf. “Petrobras completes record bond offering and collects 11 billion dollars”. Mercopress. South Atlantic News Agency, 8/I/2014:
“The oil giant is seeking to spend 237 billion dollars through 2017 in what is considered the world’s largest corporate investment plan by
a single company”.
660
Cf. Sophie Landrin, “Des millions de conteneurs maritimes hautement toxiques”. Le Monde, 2/I/2013; “Le transport par conteneur:
perspectives”. Port Montréal: “Un demi-milliard de conteneurs circulent actuellement sur la planète”; Planetoscope: “Le cabinet Drewry
Shipping Consultants évalue ainsi le nombre de containers manutentionnés sur les ports à 494.4 millions pour l’année
2007”. http://www.planetoscope.com/Commerce/1067-nombre-de-containers-transitant-dans-les-ports-du-monde-entier.html.
661
Cf. Richard C. Duncan, The Olduvai Theory. Sliding Towards a Post-Industrial Stone Age. Institute on Energy and Man, 1996 .
662
Citado por Richard Duncan, ibid: “We have, or soon will have, exhausted the necessary physical prerequisites so far as this planet is
concerned. With coal gone, oil gone, high-grade metallic ores gone, no species however competent can make the long climb from
primitive conditions to high-level technology. This is a one-shot affair. If we fail, this planetary system fails so far as intelligence is
concerned”.
663

5. A regressão ao carvão
Cf. Maria van der Hoeven, Discurso de lançamento do livro de Keisuke Sadamori et al., Medium-Term Coal Market Report 2013.
Market Trends and Projections to 2018. International Energy Agency, Paris, 16 de dezembro de 2013: “More than three-fifths of the rise
in global CO2 emissions since 2000 is due to the burning of coal to produce electricity and heat”.
664
Cf. World Coal Association http://www.worldcoal.org/resources/frequently-asked-questions/.
665
Cf. Juliet Eilperin, “Obama to take sweeping action on climate”. The Washington Post, 22/VI/2013: “According to the Edison Electric
Institute, a utility trade group, there are 1,142 coal-fired utilities in the United States”.
666
Cf. Aaron Blake, “Obama Science adviser calls for ‘war on coal’. The Washington Post, 25/VI/2013: "The one thing the president
really needs to do now is to begin the process of shutting down the conventional coal plants. Politically, the White House is hesitant to say
they’re having a war on coal. On the other hand, a war on coal is exactly what’s needed.” . Na imprensa republicana, o tema assumiu tons
de denúncia. Veja-se, por exemplo, Phil Kerpen, “Obama declares war on coal”. Fox News, 25/VI/2013.
667
Cf. Juliet Eilperin, “Boehner thinks new White House climate rules would be ‘crazy’. But Obama may not have a choice”. The
Washington Post, 20/VI/2013.
668
Cf. Pilita Clark, James Wilson, Lucy Hornby, “Energy: The toll on coal”. Financial Times, 30/IX/2013.
669
Cf. John Finnerty, “‘Coal Caucus’ formed to oppose new strict federal emission limits on coal plants”. Register
Herald.com, 28/IX/2013.
670
Art. cit.: “Like it or not, coal is here to stay for a long time to come”.
671
Cf. Clifford Krauss, “U.S. Coal Companies Scale Back Export Goals”. The New York Times, 13/IX/2013: “We continue to believe that
West Coast exports represent a good long-term opportunity”. (...) “If history means anything, the world in a few years will need more
commodities, both metals and energy including coal.”
672
Apud Clark, Wilson, Hornby, art. cit. Financial Times, 30/IX/2013: “Growth will be lower but it is still going to grow and we just do
not see peak coal”.
673
Cf. Coal Facts. World Coal Association (em rede).
674
Cf. James Syvitski, Charles Vörösmarty, Sina Marx and Anik Bhaduri, “Changing the History of the Earth. The Role of Water in the
Anthropocene”. Global Water System Project (GWSP), Bonn, maio de 2013: “We mine 8 to 9 Gt/y of coal and by 2030 this is expected to
reach 13 Gt/y (…) 1 GT is more than two Great Walls of China which is 6250 km long”.
675
Cf. BP Statistical Review of World Energy June 2013 (em rede)
http://www.bp.com/content/dam/bp/pdf/statistical-review/statistical_review_of_world_energy_2013.pdf.
676
BP Statistical Review of World Energy June 2013 : “Coal reached the highest share of global primary energy consumption (29.9%)
since 1970” (1970 é a data de início dos registros da BP Statistical Review).
677
Cf. Coal Statistics. World Coal Association: “Coal is used in the production of 70% of the world's steel”.
http://www.worldcoal.org/resources/coal-statistics/.
678
Key Workd Energy Statistics 2012
679
Cf. Keisuke Sadamori et al., Medium-Term Coal Market Report 2013. Market Trends and Projections to 2018. International Energy
Agency, 2013.
680
Cf. Milena Gonzalez, Matt Lucky, “Fossil Fuels Dominate Primary Energy Consumption”. WorldWatch Institute (WWI), 24/X/2013 :
“The International Energy Agency predicts that by 2017, coal will replace oil as the dominant primary energy source worldwide”.
681

5.1. Os quatro fatores que favorecem o avanço do carvão

Cf. “Is coal seeing a comeback?” Centre for Global Energy Studies, 11/X/2011: “Without doubt the rise in oil prices has induced a
market shift towards the use of cheaper fuels such as coal” .
682
Cf. World Coal Association: “It has been estimated that there are over 861 billion tonnes of proven coal reserves worldwide. This
means that there is enough coal to last us around 112 years at current rates of production” .
683
Cf. S. J. Keller, “The Next Climate War”. New Scientist, 13/X/2012, pp. 10-11.
684
Cf. US.EIA: http://www.eia.gov/totalenergy/data/annual/pdf/sec7_9.pdf.
685
Cf. Julien Bouissou, “En Inde, un nouveau Ministre de l’écologie pas ‘vert’ du tout”. Le Monde, 9/II/2014.
686
Cf. Krauss, art. cit. na nota anterior.
687
Cf. Pilita Clark, James Wilson, Lucy Hornby, “Energy: The toll on coal”. Financial Times, 30/IX/2013.
688
“En dépit de la pollution, Pékin continue d’investir des milliards dans le charbon”. La Tribune, 8/I/2014.
689
Cf. Centre for Global Energy Studies, 11/X/2011: “This trend will continue in the future since China’s electricity and industrial sectors
depend heavily on coal and displacement is not easily feasible. Furthermore, domestic coal reserves are not abundant: the Reserves to
Production ratio is 35 years in China compared with 240 years in the US and 500 in Russia. This means that by 2015 China can be
expected to import 2 to 3 times more coal than it does today” .
690
Cf. Arnaud de La Grange, “La Mongolie, futur émirat des steppes”. Le Figaro, 26/VI/2012.
691
Cf. Bridie Jabours, Oliver Milman, “Clive Palmer's Galilee Basin mine given green light by Greg Hunt”. The
Guardian, 20/XII/2013.
692
Cf. Oliver Milman, “Conservationists to fight on against China First mine despite legal change”. The Guardian, 23/XII/2013.
693
Cf. Graham Readfearn, “The whopping climate change footprint of two Australian coalmining projects”. The Guardian, 7/XI/2013;
Greenpeace, setembro de 2012: “Cooking the climate, wrecking the reef. The global impact of coal exports from Australia’s Galilee
Basin” .
694
Dados da Australian Coal Association, in http://www.australiancoal.com.au/exports.html.
695
Cf. Jenny Denton, “A hunger for coal threatens the Heart of Borneo”. Jakarta Post, 20/V/2014.
696
Cf. nota anterior e o Projeto Indomet em http://www.sourcewatch.org/index.php/IndoMet_Coal_Project.
697
Cf. B. Radowitz, “Germany Looks to Fossil Fuel Amid Nuclear Exit”. The Wall Street Journal¸ 10/VI/2011.
698

5.2. 1199 novas usinas termelétricas movidas a carvão

“China is currently constructing the equivalent of two, 500 megawatt, coal-fi red power plants per week. One 500 megawatt coal-fired
power plant produces approximatively 3 million tons/year of carbon dioxide”. The future of coal. Option for a carbono-constrained
world. An interdisciplinar MIT study, 2007 .
699
Cf. Fred Pearce, “A new course for global emissions? New Scientist, 9/IX/2013, p. 7: “China has been vilified for building two new
coal-fired power stations every week. That’s now down to one”.
700
Cf. “China approves massive new coal capacity despite pollution fears”. Reuters, 7/I/2014.
701
Cf. Ailun Yang, Yiyun Cui, “Global Coal Risk Assessment. Data Analysis and Market Research”. World Resources Institute, novembro
de 2012: “According to WRI’s estimates, 1,199 new coal-fired plants, with a total installed capacity of 1,401,278 megawatts (MW), are
being proposed globally. These projects are spread across 59 countries. China and India together account for 76 percent of the proposed
new coal power capacities” .
702
Cf. Greenpeace, “China’s coal rush faces conundrum”: “Greenpeace East Asia’s coal power plants database estimates that 570 new
coal power plants, with a total installed capacity of 650GW, are proposed, commissioned or under construction in China” .
703
Cf. Marion Guénard, “L'Egypte préfère le charbon aux énergies renouvelables”. Le Monde, 26/IV/2014.
704
“Carvão Mineral já pode ser competitivo no próximo leilão”. Associação Brasileira do Carvão Mineral (ACBM), 24/VII/2013 .
705
“Brasil deve comprar mais carvão da Colômbia em 2013”. Terra, 5/IV/2013.
706
Cf. Luís Paulo de Oliveira Araújo, “Carvão Mineral”. Departamento Nacional de Produção Mineral / Rio Grande do Sul (DNPM/RS),
2012 .
707
Cf. Carlos Eugênio, “Termoelétricas vão operar até 2014”. Diário do Nordeste. 24/V/2013.
708

5.3. “A nuvem começa com o carvão”

Cf. Mark P. Mills, The cloud begins with coal. Big Data, Big Networks, Big Infrastructure and Big Power. An Overview of the Electricity
Used by the Global Digital Ecosystem. Agosto de 2013 : “Based on a mid-range estimate, the world’s Information-Communications-
Technologies (ICT) ecosystem uses about 1,500 TWh of electricity annually, equal to all the electric generation of Japan and Germany
combined – as much electricity as used for global illumination in 1985. The ICT ecosystem now approaches 10% of world electricity
generation. (...) The growth in ICT energy demand will continue to be moderated by efficiency gains. But the historic rate of improvement
in the efficiency of underlying ICT Technologies started slowing around 2005, followed almost immediately by a new era of rapid growth
in global data traffic, and in particular the emergence of wireless broadband for smartphones and tablets. (...) Trends now promise faster,
not slower, growth in ICT energy use”.
709
“How Coal Works”. Union of Concerned Scientists: “While coal mining has long caused environmental damage, the most destructive
mining method by far is a relatively new type of surface mining called mountaintop removal (MTR). Currently practiced in southern
West Virginia and eastern Kentucky, this method requires stripping all trees from the mountaintop and then blasting away the top several
hundred feet with explosives. The resulting debris is dumped into an adjacent valley, burying the streams and destroying everything that
once grew there. The practice leaves behind a flattened area with soils so poor they can only support exotic grasses, a profound change
from a once diverse and heavily forested ecosystem” .
710

5.4. O mais poluente dos combustíveis fósseis

Cf. Flávia M. F. Nascimento et al., “Impactos ambientais nos recursos hídricos da exploração de carvão em Santa Catarina”.
http://www.cprm.gov.br/publique/media/evento_nascimento.pdf.
711
Cf. Carolina Resmini Melo, Morgana Nuernberg Sartor Faraco, “Carvão”. Universidade Federal de Santa Catarina, s.d.
http://pt.slideshare.net/materiaissustentabilidade/carvo-9837000.
712
Cf. Dina Cappiello, Seth Borenstein, “More water pollution can be blamed on coal”. The Columbus Dispatch, 19/I/2014: “I’ve made a
career of body counts of dead fish and wildlife made that way from coal”. As citações sucessivas provêm desse artigo.
713
Cf. Michael Brooks, “Frack to the future”. New Scientist, 10/VIII/2013, pp. 36-41.
714
Cf. Michelle L. Bell, Devra L. Davis, Tony Fletcher, “A retrospective assessment of mortality from the London smog episode of 1952:
the role of influenza and pollution”. Environmental Health Perspectives, 2004, Janeiro, 112, 1, pp. 6-8: . “If the excess deaths in the
months after the 1952 London smog are related to air pollution, the mortality count would be approximately 12,000 rather than the 3,000–
4,000 generally reported for the episode”.
715
“Pollution em Chine: pour la première fois, um citoyen poursuit le gouvernement”. Le Monde, 25/II/2014.

716
5.5. Chuvas ácidas

“Rearing cattle produces more greenhouse gases than driving cars”. United Nations News Centre.
http://www.un.org/apps/news/story.asp?newsID=20772&#.U3O-Q_ldWSr.
717
Cf. Kenneth S. Deffeyes, When oil peaked, New York, Hill and Wang, 2010, capítulo 6, posição 929.
718
“Onde ocorre chuvas ácidas no Brasil”. Pensamento verde, 25/VI/2013.
http://www.pensamentoverde.com.br/meio-ambiente/onde-ocorre-chuva-acida-no-brasil/.
719
Cf. David W. Schindler, Peter J. Dillon, Hans Schreier, “A review of anthropogenic sources of nitrogen and their effects on Canadian
aquatic ecosystems”. Biogeochemistry, 79, 2006, pp. 25-44: “In parts of Ontario and Quebec (...), combined inputs of sulphuric and nitric
acids are (...) keeping some lakes at pH values too low to allow the recovery of biological communities”.
720
Cf. “Acid rain in Asia is likely to increase”. World Resources Institute. World Resources 1998-1999: “By 2020, Asian SO2 emissions
could reach 110 million metric tons if no action is taken beyond current levels of control. As a result, damage to natural ecosystems and
crops is likely to increase dramatically”.
http://www.wri.org/publication/content/8435.
721
Cf. Wayne Ma, “China Far From Meeting Environmental Targets”. China Real Time (Wall Street Journal), 26/XII/2013: “Nitrogen-
oxide emissions, which affect air quality, rose by 2.8% in 2012 from 2010 levels (...). China is targeting a reduction of 10% by 2015”.
722
Apud Christopher Joyce, “Rivers on Rolaids: How Acid Rain is Changing Waterways”. NPR, 13/IX/2013:
"The impacts are large, larger than we ever thought 50 years ago they might be."

723
5.6. O Brasil, a siderurgia e o carvão vegetal

Cf. Thiago Medaglia, “A ferro e fogo”. National Geographic, fevereiro de 2013, pp. 89-103.
724
Veja-se Public Eye: “More then 88,000 people participated in the voting for the worst company of the year. The winner of the Public
Eye People's Awards is Vale with 25.042 votes”. (...) “The corporation’s 60-year history is tarnished by repeated human rights abuses,
inhumane working conditions and the ruthless exploitation of nature. Vale is currently taking part in the construction of the Belo Monte
Dam in the Amazon. The dam is likely to result in the forced relocation of 40,000 people, who have neither a voice in the matter nor will
they likely receive compensation”. http://www.publiceye.ch/en/ranking/.
725
Cf. Medaglia, art. cit. p. 90.
726

6. Mudanças climáticas

Cf. IPCC, Climate Change 2007. The Physical Science Basis.


727
Cf. IPCC, Climate Change 2013. The Physical Science Basis (em rede).
728
Cf. “A WMO Information Note”. Março de 2013.
729
Climate Change. Evidence and Causes, março de 2014, NAS/RA (em rede).
730
Apud Barros de Oliveira (2011, p. 20).
731
“El Niño é um fenômeno atmosférico-oceânico caracterizado por um aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico
Tropical, e que pode afetar o clima regional e global, mudando os padrões de vento em nível mundial, e afetando assim, os regimes de
chuva em regiões tropicais e de latitudes médias (...) Na atualidade, as anomalias do sistema climático que são mundialmente conhecidas
como El Niño e La Niña representam uma alteração do sistema oceano-atmosfera no Oceano Pacífico tropical, que tem consequências no
tempo e no clima em todo o planeta. Nesta definição, considera-se não somente a presença das águas quentes da Corriente El Niño mas
também as mudanças na atmosfera próxima à superfície do oceano, com o enfraquecimento dos ventos alísios (que sopram de leste para
oeste) na região equatorial. Com esse aquecimento do oceano e com o enfraquecimento dos ventos, começam a ser observadas mudanças
da circulação da atmosfera nos níveis baixos e altos, determinando mudanças nos padrões de transporte de umidade, e portanto variações
na distribuição das chuvas em regiões tropicais e de latitudes médias e altas. Em algumas regiões do globo também são observados
aumento ou queda de temperatura”. Cf. Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos / INPE http://enos.cptec.inpe.br/.
732
Cf. http://volcanoes.usgs.gov/hazards/gas/climate.php.
733
O impacto sobre o aquecimento global da perfluorotributilamina PFTBA, utilizada desde meados do século XX na indústria eletrônica
sob o nome de Fluorinert FC-43, permanece irrelevante, já que suas concentrações atmosféricas (ao menos na região de Toronto) são de
0,18 partes por trilhão, concentração ínfima, se comparada às 400 partes por milhão do CO 2. Ainda assim, o PFTBA permanece na
atmosfera por 500 anos e, contrariamente ao CO2, não é absorvido por nenhum mecanismo natural. Cf. Hong et al. (2013, pp. 6010-6015).
734
Cf. IPCC, Climate Change 2013. The Physical Science Basis, p. 11 (em rede).
735
Os dados desse parágrafo são propostos por Édouard Bard, que cita Kiehl e Trenberth, Bulletin of the American Metereological
Society, 78, 197-208, 1997. Cf. Édouard Bard, Évolution du climat et de l’océan. Leçon inaugurale du Collège de France (2002). Paris,
Fayard, 2003, p. 18.
736
“Greehhouse gases rise by record amount”. The Guardian, 4/XI/2011: “Levels of greenhouse gases are higher than the worst case
scenario outlined by the climate experts just four years ago”.
737
Cf. Lewis (2009, pp. 1003-1006).
738
Cf. “Carbon dioxide milestone”. New Scientist, 2868, 9/VI/2012, p. 4: “During the mean of April, the mean was over 400 ppm for the
first time, throughtout the Artic”.
739

6.1. O aquecimento global. Dados e comprovações

Cf. “State of Global Temperatures in 2012”. MET Office: “The current 2012 global average temperature is 14.45 °C. This is 0.45 ± 0.10
°C above the 1961-1990 average. Taking into account the range of uncertainty in observing global surface temperature, scientists from the
Met Office suggest that 2012 is very likely to be between the 4 th and 14th warmest year in a record dating back to 1850. Due to a La Niña
through the first part of the year, 2012 is shaping up to be cooler than the average for the past decade”.
740
Cf. Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) Climate Change 2007. Synthesis Report. Summary for Policymakers.
http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/syr/ar4_syr_spm.pdf..
741
Cf. S. Rahmstorf et al., “Projected sea-level rise may be underestimated” Potsdam Institute of Climate Impact Research: “The results
confirm that global warming, which was predicted by scientists in the 1960s and 1970s as a consequence of increasing greenhouse
concentrations, continues unabated at a rate of 0.16 °C per decade and follows IPCC projections closely”. http://www.pik-
potsdam.de/news/press-releases/projektionen-zum-meeresspiegelanstieg-koennten-unterschaetzt-worden-sein.
742
Cf. G. Foster, S. Rahmstorf, “Global temperature evolution 1979-2010”. 2011 Environ. Res. Lett. 6 044022 doi:10.1088/1748-
9326/6/4/044022.
743
Cf. National Climatic Data Center, NOAA. Global Analysis, November 2013: “The combined global land and ocean average surface
temperature for the year-to-date (January–November) was 0.62°C above the 20 th century average of 14.0°C, tying with 2002 as the fourth
warmest such period on record” .
744
Cf. J. Hansen, M. Sato, R. Ruedy, “Perception of climate change”. PNAS, 29/III/2012: “The distribution of seasonal mean
temperature anomalies has shifted toward higher temperatures and the range of anomalies has increased. An important change is the
emergence of a category of summertime extremely hot outliers, more than three standard deviations (3 σ) warmer than the
climatology of the 1951–1980 base period. This hot extreme, which covered much less than 1% of Earth’s surface during the base
period, now typically covers about 10% of the land area. It follows that we can state, with a high degree of confidence, that extreme
anomalies such as those in Texas and Oklahoma in 2011 and Moscow in 2010 were a consequence of global warming because their
likelihood in the absence of global warming was exceedingly small”.
745
“June 2012 was the 328th consecutive month with a global temperature above the 20 th century average”. Vide Oxfam, “Extreme
weather, extreme prices. The costs of feeding a warming world”, Oxfam, setembro de 2012.
http://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/20120905-ib-extreme-weather-extreme-prices-en.pdf.
746
Cf. Seth Borenstein, “April Ties for Hottest Ever on record for the Globe”. The Huffington Post, 20/V/2014.
747
Cf. National Climatic Data Center, NOAA. Global Analysis, Annual 2012: “All 12 years to date in the 21 st century (2001–2012) rank
among the 14 warmest in the 133-year period of record. Only one year during the 20 th century—1998—was warmer than 2012” .
748
Cf. Katy Vincent, “State of the Climate in 2012: Highlights”. NOAA. Climate.gov., 2/VIII/2013: “Worldwide, 2012 was among
the 10 warmest years on record” ; Andrew Freedman, Climate Central: “the world has continued to see above-average
temperatures overall, with 2013 expected to wind up among the top 10 warmest on record”.
749
Cf. G. Foster, S. Rahmstorf, “Global temperature evolution 1979-2010”. 2011 Environ. Res. Lett. 6 044022 doi:10.1088/1748-
9326/6/4/044022.
750
Cf. D. H. Bromwich et al., “Central West Antarctica among the most rapidly warming regions on Earth”. NatureGeoScience, 2012,
23/XII/2012; “West Antarctica Warming Three Times Faster Than Global Average, Threatening To Destabilize This
Unstable Ice Sheet”. Climate Progress, 27/XII/2012..
751
Cf. State of the Climate Global Analysis. July 2012. NOAA: “The Northern Hemisphere land surface temperature for
July 2012 was the all-time warmest July on record, at 1.19°C (2.14°F) above average”.
http://www.ncdc.noaa.gov/sotc/global/2012/7.
752
Cf. Jeremy Hance, “2013 was the seventh hottest year yet”. Mongabay.com, 27/I/2014.
753
Cf. Michel Sezak, “Australian inferno previews fire-prone future”. New Scientist, 17/I/2013: “The heatwave smashed records and
Australia's Bureau of Meteorology has called it "consistent" with climate change. The average temperature across the country
reached 40.33 "We are absolutely annihilating records." says Pitman. “So fires are more likely, and likely to be bigger”.
754
Cf. http://nsidc.org/arcticseaicenews: “Arctic sea ice extent for October 2012 was the second lowest in the satellite record, above 2007.
Through 2012, the linear rate of decline for October Arctic ice extent over the satellite record is -7.1% per decade”.
755
Cf. M. La Page, “Global Warm/ning”. New Scientist, 17/XI/2012, p. 35: “The latest models, which include more processes, still
suggest it will be several decades before the first largely ice-free summer occurs. But if current trends are a reliable guide, such summers
will happen within a decade”. Sobre a declaração de Peter Wadhams, veja-se J. Beilin Nicolas Imbert, “Il faut de toute urgence sauver
l'Arctique!” Le Monde, 27/XII/2012.
756
Cf. Carlos Duarte, “Final frontiers: the Artic”. The Conversation, 4/IV/2013: “the Arctic could be free of ice in summer by 2015”.
“2015 is a very serious prediction and I think I am pretty much persuaded that that’s when it will be happen”.
757
Cf. Richard Milne, “Arctic shipping set for record as sea ice melt”. Financial Times, 21/VII/2013. O editorial do jornal Le Monde de
23 de novembro de 2012 conclui: “Colocar o Ártico sob um regime similar ao do continente branco, onde a exploração de recursos
minerais é proscrita pelo Tratado da Antártica, seria sem dúvida a medida mais sábia. Infelizmente é também a mais irrealista”.
758
Cf. “Climate Hot Map. Global Warming Effects Around the World. Chicago, IL”. Union of Concerned Scientists .
759
Cf. D. Zabarenko, “Warmest U.S. spring on record: NOAA”. Agência Reuters, 7/VI/2012: "This warmth is an example of what we
would expect to see more often in a warming world”.
760
Citado por D. Zabarenko, “West's wildfires a preview of changed climate: scientists”. Agência Reuters, 28/VI/2012 “What we’re
seeing is a window into what global warming really looks like. It looks like heat, it looks like fires, it looks like this kind of environmental
disaster … This provides vivid images of what we can expect to see more of in the future.”
761
Cf. “July 2012 Marked Hottest Month On Record for Contiguous U.S.; Drought Expands to Cover Nearly 63 Percent of the Lower
48”. In, ScienceDaily 8/VIII/2012: “According to NOAA scientists, the average temperature for the contiguous U.S. during July was
77.6°F, 3.3°F above the 20th century average, marking the hottest July and the hottest month on record for the nation. The previous
warmest July for the nation was July 1936 when the average U.S. temperature was 77.4°F. The warm July temperatures contributed to a
record-warm first seven months of the year and the warmest 12-month period the nation has experienced since recordkeeping began in
1895”. Veja-se também: “Past 12 months warmest ever recorded in United States”. CNN Wire Staff, 10/VII/2012.
http://edition.cnn.com/2012/07/09/us/extreme-heat/index.html
762
Cf. G. A. Meehl et al., “Relative increase of record high maximum temperatures compared to record low minimum temperatures in the
U.S.”. Geophysical Research Letters, 36, L23701, 2009. doi:10.1029/2009GL040736: “The current observed value of the ratio of daily
record high maximum temperatures to record low minimum temperatures averaged across the U.S. is about two to one”.
763
Citado em Mudanças climáticas. 26/IV/2014. http://www.mudancasclimaticas.andi.org.br/node/147
764
Cf. “China endures the worst heat wave in 140 years”. USA Today, 1/VIII/2013 ; Nick Wiltgen, “Shanghai still broiling as deadly,
relentless heat wave grips China”. The Weather Channel, 14/VIII/2013 .
765
Cf. Saleem Shaikh, Sughra Tunio, “Pakistan wilts under under record heat wave”. Thomson Reuters Foundation, 4/VI/2013.
766
“Heatwave hits inland Australia” ABC News, 3/I/2014; Josh Bavas, “About 100,000 bats dead after heatwave in Southern
Queensland”. ABC News, 8/I/2014 .
767
Cf. Colin Foliot, “L’Australie touchée par une canicule record due au dérèglement climatique”. Le Monde, 17/I/2014
768
Cf. Chris Dolce, “NOAA: July 2012 was the hottest month on record”. NOAA News, 8/VIII/2012 .
769
Cf. Jason Samenow, “Confirmed: Greenland reached hottest temperature in modern record this summer” . The Washington Post,
10/IX/2013.
770
Cf. Michel La Page, “Global Warm/ning”. New Scientist, 17/XI/2012, p. 39: “A study in 2008 concluded that the total death toll was
around 70,000”.
771
“Heatwave kills seven in Argentina”. BBC News, 31/XII/2013.
772
Cf. J. Hansen et al., 2007. Climate Change and Trace Gases. Philiosophical Transactions of the Royal Society – A. Vol 365, pp. 1925-
1954. http://pubs.giss.nasa.gov/docs/2007/2007_Hansen_etal_2.pdf: “Civilization developed during a period of unusual climate stability,
the Holocene, now almost 12,000 years in duration. That period is about to end”.
773
Cf. Michael E. Mann, The Hockey Stick and the Climate Wars. Columbia University Press, 2012; Michael Marshall, “The man behind
the hockey stick graph”. New Scientist, 6/III/2012.
774
Citado por Stéphane Foucart e Pierre Le Hir, “Un réchauffement sans précédent depuis 11 mille ans”. Le Monde, 9/III/2013. Veja-se
também Michael Marshall, “The true face of climate’s hockey stick revealed”. New Scientist, 16/III/2013.
775
Cf. Ken Caldeira, “The Great Climate Experience. How far can we push the climate”. Scientific American, setembro de 2012: “In
geologic history, transitions from low- to high-CO2 atmospheres typically happened at rates of less than 0.00001 degree a year. We are re-
creating the world of the dinosaurs 5,000 times faster”.
776
“Perhaps more significant is the rapid rate of increase in atmospheric CO 2 concentration, a rate that is unprecedented over the last 55
million years of the Earth’s history”. Review of the Federal Ocean Acidification Research and Monitoring Plan , 2013 .
777
Ibid: “The rate is far greater than occured in even the most rapid events known from Earth history, and each of these past events were
accompanied by importante changes in ocean chemistry and mass extinctions of ocean or terrestrial life or both”.
778
Citado por C. Wellner, “Global Warming ‘Irreversible’, Warns Scientific Body”. Care2, 28/VIII/2012 .
779

6.2. Desaceleração do aquecimento global desde 1998?


Cf. Michael Le Page, “The heat is still on”. New Scientist, 7/XII/2013, pp. 34-38. Os dados discutidos nesse parágrafo baseiam-se neste
ensaio de Le Page, um balanço sobre a controversa questão da desaceleração do aquecimento global desde 1998.
780
“The UK Met Office has revised one of its forecasts for how much the world may warm in the next few years. It says that the average
temperature is likely to be 0.43 C above the long-term average by 2017 - as opposed to an earlier forecast that suggested a warming of
0.54C. The explanation is that a new kind of computer model using different parameters has been used. The Met Office stresses that the
work is experimental and that it still stands by its longer-term projections. These forecast significant warming over the course of this
century”. Citado por Leo Hickman, “Global warming: has the rise in temperatures 'paused'?”. The Guardian, 10/I/2013.
781
Cf. Kevin Cowtan, Robert G. Way, “Coverage bias in the HadCRUT4 temperature series and its impact on recent temperature
trends”. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society. DOI: 10.1002/qj.2297. http://www.see.ed.ac.uk/~shs/Climate
%20change/Data%20sources/Temperaure%20correction.pdf.
782
Citado por Chris Mooney, “Who created the Global Warming ‘Pause’?”. Mother Jones, 7/X/2013: "If you shift just 2 years earlier, so
use 1996-2010 instead of 1998-2012, the trend is 0.14 C per decade, so slightly greater than the long-term trend".
783
Cf. Le Page, art. cit. 7/XII/2013, pp. 36: “If just a little more heat than usual has been going into the oceans, it will have only a slight
effect on ocean temperatures, because of water’s huge capacity to absorb heat, but a large effect on atmospheric temperature”.
784
Cf. Yu Kosaka, Shang-Ping Xie, “Recent global-warming hiatos tied to equatorial Pacific cooling”. Nature, 501, 28/VIII/2013, p. 403.
785
“In fact, consistent with rising greenhouse gases, heat is continuing to build up beneath the ocean surface”. Apud Nick McDermott,
“Global warming has stalled since 1998: Met Office admits Earth's temperature is rising slower than first thought”. Mail Online, 8/I/2013.
786
Cf. Magdalena A. Balmaseda, Kevin E. Trenberth, Erland Källen, “Distinctive climate signals in reanalysis of global ocean heat
content.” Geophysical Research Letters. 40, 9, 16/V/2013, pp. 1754-1759: “In the last decade, about 30% of the warming has
occurred below 700 m”. DOI: 10.1002/grl.50382.
787
Cf. Stéphane Foucart, “Vecteur de catastrophes, El Niño pourrait être de retour cet été”. Le Monde, 16/IV/2014.

788
6.3. Projeções para 2050 e para 2100

Cf. Camilo Mora et al., “The projected timing of climate departure from recente variability”. Nature, 502, 10/X/2013, pp. 183-187: “The
coldest year in the future will be warmer than the hottest year in the past. (...) Unprecedented climates will occur earliest in the tropics.
(...) “I am certain there will be massive biological and social consequences. The specifics, I cannot tell you”. As declarações de Mora
foram recolhidas por Justin Gillis e publicadas pelo The New York Times, 9/X/2013.
789
Cf. Sokolov, A.P. (et al.), “Probabilistic Forecast for 21st Century Climate Based on Uncertainties in Emissions (without Policy)
and Climate Parameters”. The MIT Joint Program on the Science and Policy of Global Change, Janeiro, 2009. Report 169.
Resumindo os resultados dessa pesquisa, Brad Plumer, do Washington Post (11/04/2011), escreve: “if emissions keep growing at
their current pace, then the average prediction from MIT’s modeling is that the world could heat up 5.2°C by 2100. But that’s just
the average. There’s a 9 percent chance that global surface temperatures could rise more than 7°C.”
790
Cf. Perspectives de l'environnement de l'OCDE à l'horizon 2050 : Les conséquences de l'inaction.
http://www.oecd.org/dataoecd/54/8/49884240.pdf.
791
Cf. Dim Coumou, Alexander Robinson, “Historic and future increase in the global land area affected by monthly heat extremes”.
Environmental Research Letters, 8, 034018, 14/VIII/2013: “Over the same period, more-extreme events will emerge: 5-sigma events,
which are now essentially absent, will cover a small but significant fraction (~3%) of the global land surface by 2040”. (...) Under the low
emission scenario (RCP2.6), the number of extremes stabilizes at 2040-levels. This implies that in the tropics, including South America,
western Africa and the Maritime continent, 3-sigma heat effectively becomes the new norm (about 50% of summer months) and 5-sigma
heat will be common (about 20% of summer months). In the extra-tropics, 3-sigma extremes will also increase, occurring for example in
western Europe in roughly 20% of summer months, but 5-sigma events will still be essentially absent”.
792
Cf. Marcos Pivetta, “Extremos do Clima”. Pesquisa Fapesp, agosto de 2013, pp. 16-21.
793
6.4. Descarbonização. Probabilidades de aumentos no topo das projeções

IPCC Fourth Assessment Report: Climate Change 2007. Working Group III: Mitiagation of Climate Change. 3.4.1 – Carbon-free energy
and decarbonization http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg3/en/ch3s3-4-1.html.
794
Turn Down the Heat: Why a 4°C Warmer World Must be Avoided. A Report for the World Bank by the Potsdam Institute for Climate
Impact Research and Climate Analytics. Novembro de 2012 (em rede).
795
“This year we estimated that the required improvement in global carbon intensity to meet a 2°C warming target has risen to 5.1% a
year, from now to 2050. We have passed a critical threshold – not once since World War 2 has the world achieved that rate of
decarbonisation, but the task now confronting us is to achieve it for 39 consecutive years”.
Cf. L. Johson, Too late for two degrees? Low carbon economy Index 2012. PricewaterhouseCoopers LLP .
796
“The 2011 rate of improvement in carbon intensity was 0.7%, giving an average rate of decarbonisation of 0.8% a year since 2000. If
the world continues to decarbonise at the rate since the turn of the millenium, there will be an emissions gap of approximately 12 GtCO2
by 2020, 30GtCO2 by 2030 and nearly 70GtCO2 by 2050, as compared to our 2-degree scenario. Even doubling our current rate of
decarbonisation, would still lead to emissions consistent with 6 degrees of warming by the end of the century”.
797
Apud B. McKibben, cit.: "The new data provide further evidence that the door to a two-degree trajectory is about to close.
(...) "When I look at this data, the trend is perfectly in line with a temperature increase of about six degrees." .
798

6.5. Um aquecimento de 2º C é ainda seguro?

Cf. IPCC, Climate Change 2013. The Physical Science Basis, p. v (em rede).
799
Cf. UNFCCC. http://unfccc.int/resource/docs/2009/cop15/eng/l07.pdf.
800
As três declarações são citadas por Bill McKibben, “Global Warming's Terrifying New Math”. Rolling Stones, 19/VII/2012: "Any
number much above one degree involves a gamble" (Kerry Emanuel); "If we're seeing what we're seeing today at 0.8 degrees
Celsius, two degrees is simply too much." (Thomas Lovejoy); "The target that has been talked about in international
negotiations for two degrees of warming is actually a prescription for long-term disaster." (James Hansen)
http://www.rollingstone.com/politics/news/global-warmings-terrifying-new-math-20120719.
801
Cf. B. McKibben, “Global Warming's Terrifying New Math”. Rolling Stones, 19/VII/2012 “even if we stopped increasing CO 2 now,
the temperature would likely still rise another 0.8 degrees, as previously released carbon continues to overheat the atmosphere. That
means we're already three-quarters of the way to the two-degree target”.

802
6.6. O buraco na camada de ozônio no Ártico

Vejam-se os dados expostos em http://www.theozonehole.com/2011.htm.


803
Cf. Jeffrey Masters, FAQ about the Ozone Hole. Weather Underground, Inc.
804
Cf. Guus J.M. Velders et al., “Preserving Montreal Protocol Climate Benefits by Limiting HFCs” Science, 24, 335, 6071, fevereiro de
2012, pp. 922-923: “The Montreal Protocol is perhaps the most successful international environmental treaty, responsible for global
phaseout of the consumption and production of ozone-depleting substances (ODSs), e.g., chlorofluorocarbons (CFCs) and
hydrochlorofluorocarbons (HCFCs). Hydrofluorocarbons (HFCs), which do not destroy stratospheric ozone, were considered long-term
substitutes for ODSs and are not controlled by the Montreal Protocol. Because most HFCs are potent greenhouse gases (GHGs), they are
included in the Kyoto Protocol. But climate benefits provided by this protocol are limited as they apply only to developed countries and
over a short time (2008–2012). (...) Inclusion of HFCs under the Montreal Protocol offers a path, starting in the short term, to preserve the
climate benefits already achieved by this protocol”.
805
Citado em http://www.theozonehole.com/2011.htm: “The formation of an Ozone Hole occurring over the Arctic will likely happen
within the next 20 years”.
806
Cf. N. R. P. Harris, R. Lehmann, M. Rex, and P. von der Gathen, “A closer look at Arctic ozone loss and polar stratospheric clouds”.
Atmosphere Chemistry and Physics, 10, 8499-8510, 2010
www.atmos-chem-phys.net/10/8499/2010/doi:10.5194/acp-10-8499-2010.
807
Cf. G. Manney et al., “Unprecedented Arctic ozone loss in 2011”. Nature, 478, 469-475, 27/X/2011: “Chemical ozone destruction
occurs over both polar regions in local winter–spring. (…) In Arctic, ozone loss is highly variable and has until now been much more
limited. Here we demonstrate that chemical ozone destruction over the Arctic in early 2011 was – for the first time in the observational
record – comparable to that in the Antarctic ozone hole”.
808
Citado em http://www.theozonehole.com/arcticozone.htm.
809
Cf. R. Waugh, “Ozone hole above the Arctic has actually been caused by cold weather, say scientists after high-altitude aircraft
survey”. Mail Online Science & Tech, 20/01/2012: “further decrease in temperature by just 1° C would be sufficient to cause a nearly
complete destruction of the Arctic ozone layer in certain areas”.
http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-2089537/Ozone-hole-Arctic-actually-caused-COLD-weather.html.
810

6.7. Elevação do nível do mar

Cf. “Sea level rise”. Greenpeace, 4/VII/2012


http://www.greenpeace.org/international/en/campaigns/climate-change/impacts/sea_level_rise/.
811
Cf. A. C. Revkin, “Climate Data Hint at Irreversible Rise in Seas”. The New York Times, 24/III/2006: One team, using computer
models of climate and ice, found that by about 2100, average temperatures could be four degrees higher than today and that over the
coming centuries, the oceans could rise 13 to 20 feet — conditions last seen 129,000 years ago, between the last two ice ages”.
http://www.nytimes.com/2006/03/24/science/earth/24melt.html?_r=2
812
Cf. Coral Davenport, “Rising Seas”. The New York Times International, 28/III/2014.
813
Cf. Rahmstorf et al. (28/XI/2012).
814
Cf. Rebecca Lindsey, “2012 State of the Climate: Global Sea Level”. NOAA Climate.gov, 31/VII/2013 .
815
Cf. Stéphane Foucart, “Météo extreme: oeuvre du rechauffement?”. Le Monde, 17/II/2014; Catherine Brahic, “Live with it or move
out”. New Scientist, 22/II/2014, pp. 8-9.
816
Cf. Stéphane Lauer, “La Floride de plus en plus fragilisée par la hausse du niveau de la mer”. Le Monde, 7/V/2014.
817
Globalmente, as geleiras perderam em média 6 metros de espessura entre 1980 e 2001. Cf. Navin Singh Khadka, Himalayan melting
risk surveyed”. BBC, 5/III/2006.
818
Cf. Gardner et al. (2013).
819
Cf. Ricardo Zorzetto, “Thaw in the Andes”. Revista FAPESP, 206, abril de 2013.
820
Cf. Sophie Landrin, “Le réchauffement climatique à l’assaut du Mont Blanc”. Le Monde, 27/V/2013.
821
Cf. Tandong Yao et al. (2012).
822
Cf. Qiu (2012): “The majority of glaciers on the Tibetan plateau and in the surrounding region are retreating rapidly, according to a
study based on 30 years of satellite and field measurements”.
823
Cf. Gadelle et al. (2013, pp. 1263-1286).
824
“Scientists Find Extensive Glacial Retreat in Mount Everest Region” ScienceDaily, 13/V/2013.
825
Cf. Laghari (2013, pp. 617-618). O autor baseia-se nos dados de Gardner (2013, pp. 852-857, acima citado.
826
Citado por Steve Connor, “Fears of faster rising global sea levels as ‘stable’ Greeland ice sheet starts to melt”. The Independent,
16/III/2014.
827
“Extreme Melting on Greenland Ice Sheet, Reports CCNY Team”, 13/X/2012.
http://www1.ccny.cuny.edu/advancement/news/Extreme-Melting-on-Greenland-Ice-Sheet.cfm.
828
Cf. S. Goldenberg, “The Greenland ice sheet melted at a faster rate this month than at any other time in recorded history, with virtually
the entire ice sheet showing signs of thaw. The rapid melting over just four days was captured by three satellites”. The Guardian,
24/VII/2012: http://www.guardian.co.uk/environment/2012/jul/24/greenland-ice-sheet-thaw-nasa.
829
Cf. Kahn (2014, pp. 292–299).
830
Cf. Straneo, Heimbach (5/XII/2013, pp. 36-43).
831
Cf. “Greenland ice is melting - even from below”. IceGeoHeat, Helmoltz Zentrum de Potsdam, 7/VIII/2013.
832
Citado por Oliver Milmann, “Five basic Antarctic facts for climate change sceptics”. The Guardian, 2/I/2014: “there is high
confidence that ice shelves around the Antarctic peninsula continue a long-term trend of retreat and partial collapse".
833
Cf. “Antarctic Peninsula’s Thaw Speeds Up”. Climate Himamalya, 15/IV/2013.
834
Cf. Joughin, Smith, Medley (2014); Rignot (2014): “Except possibly for the lowest-melt scenario, the simulations indicate early-stage
colapse has begun”. Veja-se também: “La fonte de glaciers de l’Ouest de l’Antarctique ‘a atteint un point de non-retour’”. Le Monde,
13/V/2014.
835
Citado em “Huge Antarctic ice sheet collapsing”. CBC News 12/V/2014.
836
Cf. IPCC Climate Change 2013: The Physical Science Basis. Capítulo 13: Sea Level Change, p. 1140.
http://www.climatechange2013.org/images/report/WG1AR5_Chapter13_FINAL.pdf.
837
Cf. S. Foucart, “L’élévation des mers ‘au doigt mouillé’’. Le Monde, 8/I/2013.
838
Cf. A.C. Mulkern, “Scientists Seek Strategy to Convey Seriousness of Sea-Level Rise”. Scientific American, 10/IX/2012.
839
Cf. “Seas may rise 2.3 metres per degree of global warming: report”. World Bulletin, 13/VII/2013.
840
NOAA, Global Sea level Rise Scenarios for the United States National Climate Assessment, 6/XII/2012: “We have very high
confidence (>9 in 10 chance) that global mean sea level will rise at least 0.2 meters (8 inches) and no more than 2.0 meters (6.6 feet) by
2100” (using mean sea level in 1992 as a starting point).
841
NOAA (2012): “Our Intermediate-Low and Lowest Scenarios are optimistic scenarios of future environmental change assuming rates
of ice sheet loss and ocean warming slightly higher or similar to recent observations”.
842
Cf. Julien Bouissou, “Au Bangladesh, survivre avec le changement climatique”. Le Monde 12/II/2013.
843
Cf. James Syvitski, Charles Vörösmarty, Sina Marx and Anik Bhaduri, “Changing the History of the Earth. The Role of Water in the
Anthropocene”. Global Water System Project (GWSP), Bonn, maio de 2013: “By pumping groundwater and hydrocarbon from low lying
coastal areas, we are sinking deltas four times faster on average than global sea level is rising”.
844
Cf. James Syvitski, Stephanie Higgins, “Swamped”. New Scientist, 1/XII/2012, pp. 40-43.
845
Cf. Fred Pearce, “Cities may be abandoned as salt water invades”. New Scientist, 2495, 16/IV/2005.
846
Cf. Jonathan D. Woodruff, Jennifer L. Irish, Suzana J. Camargo, “Coastal flooding tropical cyclones and sea-level rise” (Review).
Nature, 504, 5/XII/2013, pp. 44-52.
847
(…) “on note une hausse des cyclones les plus intenses, qui s'explique notamment par l'augmentation des températures des océans et la
montée du niveau des eaux. On va aller vers des phénomènes plus puissants, associés à des pluies plus intenses, d'environ 20 %
supérieures”. Entrevista concedida a Audrey Garric, Le Monde, 7/XII/2012.
848
Cf. Kossin et al. (2014); Stéphane Foucart, Le Monde, 9/XII/2012.
849
Cf. M.D. Lemonick, “The Future is Now for Sea Level Rise in South Florida”. Climate Central, 6/IV/2012.
850
Cf. Rob Edwards, “UK nuclear sites at risk of flooding, report shows”. The Guardian, 7/III/2012: “As many as 12 of Britain's 19 civil
nuclear sites are at risk of flooding and coastal erosion because of climate change, according to an unpublished government
analysis obtained by the Guardian. Nine of the sites have been assessed by the Department for Environment, Food and Rural Affairs
(Defra) as being vulnerable now, while others are in danger from rising sea levels and storms in the future”.
851
Cf. A. Pereira, “Glub, glub, glub”. Folha de São Paulo, 6/XII/2012. http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1196650-
tendenciasdebates-glub-glub-glub.shtml.
852

6.8. A bomba-relógio do metano

Cf. EPA: http://epa.gov/climatechange/ghgemissions/gases/ch4.html..


853
Cf. Natalia Shakhova, International Arctic Research Centre, University of Alaska Fairbanks: “The concentration of atmospheric
methane increased unto three times in the past two centuries from 0.7 parts per million to 1.7 ppm, and in the Arctic to 1.9 ppm. That's a
huge increase, between two and three times, and this has never happened in the history of the planet". Declaração recolhida por S.
Connor, “Vast methane 'plumes' seen in Arctic ocean as sea ice retreats”. The Independent, 13/XII/2011.
854
M. Rigby et al., “Renewed growth of atmospheric methane”. Geophysical Research Letters, 35, 2008. Em rede:
http://liveweb.archive.org/http://mrigby.scripts.mit.edu/blog/publications/2008GL036037.pdf.
855
Cf. Harvey Augenbraun, Elaine Matthews, and David Sarma, “The Global Methane Cycle”. The Goddard Institute for Space
Research, NASA, 1997 .
856
FAO News room: “Livestock a major threat to environment”, 29/XI/2006.
857
FAO. Livestock’s Long Shadow. Environmental Issues and Options, 2007 .
858
“Scientists blame global warming on rice”. Tampa Bay Times, 2/V/2007
http://www.sptimes.com/2007/05/02/Worldandnation/Scientists_blame_glob.shtml.
859
Cf. The World Bank, 2012.What a Waste. A Global Review of Solid Waste Management : “Methane from landfills represents 12% of
total global methane emissions (EPA 2006b) (...) Landfill gas, a by-product of the anaerobic decomposition is composed of methane
(typically about 50%) with the balance being carbon dioxide and other gases”.
860
Cf. A. Kemenes, B. Rider Forsberger, J. M. Melak, “Methane release below a tropical hydroelectric dam”. Geophysical Research
Letters, 34, 23 de junho de 2007, L12809, doi:10.1029/2007GL029479, 2007.
861
Cf. Ph. M. Fearnside, “Why Hydropower is not clean energy”. Scitizen, 9/I/2007: http://scitizen.com/future-energies/why-hydropower-
is-not-clean-energy_a-14-298.html.
862
Cf. Philip M. Fearnside, “Greenhouse Gas Emissions from a Hydroelectric Reservoir (Brazil’s Tucuruí Dam) and the Energy
Policy Implications”. Water, Air, and Soil Pollution, Janeiro, 2002, 133, 1-4, pp. 69-96:
“Tucuruí’s emission of greenhouse gases in 1990 is equivalent to 7.0–10.1 × 10 6 tons of CO2-equivalent carbon, an amount substantially
greater than the fossil fuel emission of Brazil’s biggest city, São Paulo”.
863
Cf. Simeon Tegel, “Brazil's hydro dams could make its greenhouse gas emissions soar”. Global Post, 1/VII/2013: “Fearnside says the
Belo Monte complex, including another dam upriver to regulate flow, will also give off 11.2 million tons of carbon per year for its first
decade in operation — the equivalent annual emissions of 2.3 million cars. Worse still, it will take Belo Monte 41 years before its
greenhouse gas emissions break even with those of a fossil fuel plant generating the same amount of power.
864
Citado por Steve Connor, “Exclusive. The methane time bomb”, The Independent, 2008: "An extensive area of intense methane
release was found. At earlier sites we had found elevated levels of dissolved methane. Yesterday, for the first time, we documented a field
where the release was so intense that the methane did not have time to dissolve into the seawater but was rising as methane bubbles to the
sea surface. These 'methane chimneys' were documented on echo sounder and with seismic [instruments]” .
865
Citado por Steve Connor, “Danger from the deep: New climate threat as methane rises from cracks in Arctic ice”. The
Independent, 23/IV/2012: “"when we flew over areas were the sea ice had melted, or where there were cracks in the ice, we
saw the methane levels increase. We were surprised to see these enhanced methane levels at these high latitudes”.
866
Cf. Ken Caldeira, “The Great Climate Experience. How far can we push the climate”. Scientific American, setembro de 2012.
867
“The amount of carbon trapped in some types of permafrost – called yedoma – is much more prevalente than originally thought and
may be 100 times the amount of carbono released into the air each year by the burning of fóssil fuels (...) “It’s coming out a lot and there’s
a lot more to come out.” Cf. S. Borenstein, cit, The Washington Post, 6/XI/2012.
868
Lagos termocásticos são grandes produtores de metano produzido pela decomposição de matéria orgânica previamente sequestrada em
pergelissolos.
869
Schuur, da Universidade da Flórida, é co-autor de um trabalho a respeito da liberação de metano publicado na edição de 16 de julho
de 2006 da revista Science, reportado por Seth Borenstein, “Study Says Methane a New Climate Threat”. The Washington Post,
6/IX/2006: “Global warming gases trapped in the soil are bubbling out of the thawing permafrost in amounts far higher than
previously thought and may trigger what researchers warn is a climate time bomb”.
http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2006/09/06/AR2006090601024.html.
870
Cf. Fred Pearce, “Climate warning as Siberia melts”. New Scientist, 2512, 11/VIII/2005, p. 12. Veja-se também Denise de Brum
Ferreira, “Os hidratos de metano: fonte energética do futuro ou fonte de risco ambiental?” Finisterra, XLII, 83, 2007, pp. 79-90,
871
Cf.Fred Pearce, “Vast methane belch possible any time”. New Scientist, 27/VII/2013; Amanda Leigh Mascarelli, “A sleeping giant?”.
Nature Reports Climate Change, 5/III/2009.
872
Cf. Nicholas Stern, The Economics of Climate Change. Cambridge University Press, 2007.
873
Cf. Gail Whiteman, Chris Hope, Peter Wadham, “Vast costs of Arctic change”. Nature, 7459, 499, 25/VII/2013, pp. 401-403: “We
calculate that the costs of a melting Arctic will be huge, because the region is pivotal to the functioning of Earth systems such as oceans
and the climate. The release of methane from thawing permafrost beneath the East Siberian Sea, off northern Russia, alone comes with an
average global price tag of $60 trillion in the absence of mitigating action — a figure comparable to the size of the world economy in
2012 (about $70 trillion). The total cost of Arctic change will be much higher. (...) As the amount of Arctic sea ice declines at an
unprecedented rate4, 5, the thawing of offshore permafrost releases methane. A 50-gigatonne (Gt) reservoir of methane, stored in the form
of hydrates, exists on the East Siberian Arctic Shelf. It is likely to be emitted as the seabed warms, either steadily over 50 years or
suddenly (...) The methane pulse will bring forward by 15–35 years the average date at which the global mean temperature rise exceeds
2°C above pre-industrial levels. (...) The economic consequences will be distributed around the globe, but the modelling shows that about
80% of them will occur in the poorer economies of Africa, Asia and South America. The extra methane magnifies flooding of low-lying
areas, extreme heat stress, droughts and storms. (...) It will be difficult — perhaps impossible — to avoid large methane releases in the
East Siberian Sea without major reductions in global emissions of CO 2. (...) Methane emerging in a sudden burst could linger for longer in
the atmosphere, and trigger more rapid temperature changes than if the gas were released gradually”.
874
Veja-se Arctic Methane Emergence Group. Declaration of Emergency (revisada em setembro de 2012):
http://ameg.me/index.php/about-ameg/13-ameg-declaration-of-emergency.
875
Cf. Freya Roberts, “How likely is a huge Arctic methane pulse? We find disagreement among scientists”. Carbon Brief, 24/VII/2013 .
876
Cf. Chris Stringer, “A human perspective. Interview with Chris Stringer”. Nature Climate Change, 1, setembro de 2011.
877

7. Agravamento da pressão demográfica

Agradeço ao Prof. Roberto do Carmo pelas correções e observações críticas feitas a uma primeira redação deste capítulo, que levaram à
reformulação de alguns de seus aspectos. Os eventuais equívocos persistentes são de minha inteira responsabilidade.
878
Citado em Return of the Population Growth Factor. Its impact upon the Millennium Development Goals. Report of Hearings by the All
Party Parliamentary Group on Population, Develop. and Reproduct. Health. Janeiro de 2007
http://www.populationconnection.org/site/DocServer/Return_of_the_Population_Growth_Factor.pdf?docID=224.
879
Cf. Ehrlich (1974/1990, p. 58). Veja-se também Ehrlich, Holdren (1971, pp. 1212-1217).
880

7.1. O fim do otimismo demográfico

Cf. World Population Prospects. The 2012 Revision. Key Findings and Advance Tables. ONU (em rede).
881
Cf. Gerhard K. Heilig (dir.), Population Estimates and Projections Section. Work Program, Outputs, Challenges, Uncertainties. United
Nations, Department of Economic and Social Affairs (DESA), Population Division (www.unpopulation.org).
882
Cf. Alexandra Geneste, “Onze milliards d’habitants sur la planète en 2100”. Le Monde, 27/VII/2013
883
Cf. Justin Gillis, Celia W. Dugger, “U.N. Forecasts 10.1 Billion People by 2100”. The New York Times, 3/V/2011.
884
Cf. Population Matters for Sustainable Development. (UNFPA), junho de 2012 : “contrary to common perceptions, demographic
change in the medium- and long-term is not destiny. Whether the world population will indeed grow to over 9 billion by midcentury and
level off at about 10 billion by the end of the century, or grow instead to over 10 billion by midcentury and to about 16 billion by the end
of the century depends on policies that countries pursue today”.
885
Cf. “Religious views on birth control”. Wikipedia; Sami Goldstein, “A mulher sob o enfoque judaico”. Semana Judaica: “podemos
afirmar veemente que o judaísmo é totalmente contra o aborto e o planejamento familiar” ; Yiossuf Adamgy, “Conceito do aborto no
Islão”: “A regra geral, por isso, é que o aborto não é permitido no Islão” http://www.estudos-biblicos.net/aborto-YA.html.
886
Cf. “Religious views on birth control”. Wikipedia; Sami Goldstein, “A mulher sob o enfoque judaico”. Semana Judaica: “podemos
afirmar veemente que o judaísmo é totalmente contra o aborto e o planejamento familiar” ; Yiossuf Adamgy, “Conceito do aborto no
Islão”: “A regra geral, por isso, é que o aborto não é permitido no Islão” http://www.estudos-biblicos.net/aborto-YA.html.
887
Cf. Stuart Basten, Wolfgang Lutz, Sergei Scherbov, “Very long range global population scenarios to 2300 and the implications of
sustained low fertility”. Demographic Research, 28, 39, Maio de 2013, pp. 1145-1166 : “Depending on whether the global level of
fertility is assumed to converge to the current European TFR (~1.5) or that of Southeast Asia or Central America (~2.5), global population
will either decline to 2.3-2.9 billion by 2200 or increase to 33-37 billion, if mortality continues to decline”.
888

7.2. Além da adição aritmética: urbanização, automóveis e consumo

Cf. Demographia World Urban Areas. (World Agglomerations). 9th Annual Edition, March, 2013 http://www.demographia.com/db-
worldua.pdf.
889
Dados citados por Bernhard Zand, ‘The Coal Monster”. Spiegel Online International, 6/III/2013.
890
Cf. Nick Mead, “The Rise of Megacities”. The Guardian, 4/X/2012 .
891
Cf. Cf. Carlos Gomes, “Global Auto Report”. Scotia Bank Economics, 30/XII/2013; “Boom here, bust there”. The Economist,
2/II/2013; Bernie Woodall, Laurence Frost, “Global auto sales forecast rosy, with reservations, for 2014”. Reuters, 12/I/2014:
“Worldwide, auto sales in 2014 are seen rising 3.4 percent, according to research firm IHS, while LMC Automotive sees an increase of 5
percent”; Mike Ramsey, Neal Boudette, “Global Car Sales Seen Rising to 85 Million in 2014”. The Wall Street Journal, 16/XII/2013:
“The global auto industry is expected to produce 85 million sales in 2014, up from an estimated 82 million this year”.
892
Cf. Deborah Gordon e Daniel Sperling, “Surviving Two Billion Cars”. Environmental360 .
893
Cf. International Transport Forum. Meeting the needs of 9 billion people. OCED, 2011 .
894
Cf. Daniel Sperling, Two Billion Cars, Transforming Transportation. Chicago, University of Illinois, 2010;
Daniel Tencer, “Number of Cars Worldwide Surpasses 1 Billion; Can the World handle this many wheels?” Huff Post, Canadá, Business,
23/VIII/2011.
895
Dados da Anfavea, Le Monde, 6/VII/2013.
896
Cf. Reinaldo Canto, “Parabéns São Paulo chegamos aos 7 milhões de carros”. Carta Capital, 11/III/2011.
897
Evolução da frota de automóveis no Brasil 2001-2012 (Relatório 2013). Observatório das Metrópoles. Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia, 2013 .
898
Cf. Nicolas Bourcier, “São Paulo, monstre urbain, cherche à en finir avec le tout-automobile”. Le Monde, 29/XI/2013.
899
USGS http://minerals.usgs.gov/minerals/pubs/commodity/cement/mcs-2013-cemen.pdf.
900
Environmental impact of cement. Geos http://geostechnologies.com/about-geos/environmental-impact-of-cement.

901
8. Colapso da biodiversidade

Na definição da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), “biodiversidade é a variabilidade entre as espécies vivas
de todas as fontes, incluindo as espécies terrestres, marinhas e de outros ecossistemas aquáticos, e entre os complexos ecológicos de que
elas são partes. Isto inclui diversidade no interior de cada espécie, entre espécies e entre ecossistemas”. A biodiversidade contempla
variação, portanto, desde o nível dos genes e dos genomas até o nível dos biomas.
902
Veja-se http://www.cbd.int/convention/parties/list/.
903
http://www.cbd.int/doc/legal/cbd-en.pdf
904
http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_chm_rbbio/_arquivos/gbo3_72.pdf.
905
Cf. Leakey, Lewin, op. cit. (1996), pp. 27.
906
Cf. Leakey, Lewin, op. cit. (1996), pp. 56-57.
907
Cf. May (1988, pp. 1441-1449).
908
Cf. Leakey, Lewin (1996, pp. 38-39 e p. 125).
909
Cf. Collins, Crump (2009, p. 26).
910
“Estimates are up to 100 million of which only about 1.8 million have been named so far. (…) An unprecedented mass extinction of
life on Earth is occurring. Veja-se UNEP: http://www.unep.org/wed/2010/english/biodiversity.asp.
911
Cf. Mora et al. (2011). Esse estudo sugere a existência global de aproximadamente 8,7 milhões (com uma margem de erro de 1,3
milhão para cima ou para baixo) de espécies eucariótidas (organismos dotados de células com núcleo definido e protegido por envoltório
nuclear), das quais aproximadamente 2,2 milhões são marinhas. “Malgrado 250 anos de classificação taxonômica e mais de 1,2 milhão de
espécies já catalogadas”, afirmam os autores, “nossos resultados sugerem que algo como 86% das espécies terrestres existentes e 91% das
espécies oceânicas ainda aguardam descrição”. O trabalho suscitou reações diversas, algumas das quais contendo críticas à metodologia
empregada, que não daria conta de uma biodiversidade global na realidade muito maior. David Pollock, um estudioso de fungos, discorda
dessas projeções no que se refere ao seu domínio de pesquisa: “a abordagem [desse trabalho] parece incrivelmente infundada. Há 43.271
espécies catalogadas de fungos. Dr. Mora e seus colegas estimam que há 660.000 espécies de fungos na Terra. Mas outros estudos
sugerem a existência de até 5,1 milhões de espécies de fungos”. Apud Carl Zimmer, “How Many Species? A Study Says 8.7 Million, but
It’s Tricky”. The New York Times, 23/VIII/2011.
912
Cf. W. Appeltans, “At Least One-Third of Marine Species Remain Undescribed”. WoRMs, 15/11/2012.
http://www.marinespecies.org/news.php?p=show&id=3246.
913
Cf. Diana R. Nemergut et al., “Global patterns in the biogeography of bacterial taxa”. Environmental Microbiology, 1/VIII/2010: “We
know relatively little about the forces shaping their large-scale ecological ranges”.
914
Veja-se UNEP: http://www.unep.org/wed/2010/english/biodiversity.asp.
915

8.1. A sexta extinção

Cf. Leakey, Lewin (1996, pp. 38-39 e 125).


916
Cf. Jones (2011).
917
Citado por Thomas L. Friedman, “In the Age of Noah”. The New York Times, 23/XII/2007.
918
Cf. http://www.ouramazingplanet.com/3060-updated-list-threatened-species.html
919
Citado por Friedman, “In the Age of Noah”. The New York Times, 23/XII/2997.
920
Veja-se http://www.unep.org/wed/2010/english/biodiversity.asp.
921
As sete categorias são: Extinct (Ex), Extinct in the Wild (EW), Critically Endangered (CR), Endangered (EN), Vulnerable (VU), Near
Threatened (NT), Least Concern (LC). Além dessas sete categorias, há uma oitava reunindo as espécies sobre as quais não há dados
suficientes para uma avaliação: Data Deficient (DD). Uma espécie está “criticamente ameaçada” quando: (a) tem menos de 250
indivíduos maduros, ou (b) perdeu no mínimo 90% de sua população por mais de dez anos ou por três gerações (o que for mais longo), se
tal redução for considerada reversível, ou (c) perdeu 80% se tal perda, observada ou projetada, for considerada irreversível, ou (d) se sua
extensão geográfica for demasiado reduzida ou fragmentada, ou (e) se uma análise quantitativa mostrar que a probabilidade de extinção
na natureza for de ao menos 50% no intervalo de 10 anos ou 3 gerações (o que for mais longo). Veja-se:
http://www.iucnredlist.org/technical-documents/categories-and-criteria/2001-categories-criteria#critical.
922
Veja-se http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?DocumentID=602&ArticleID=6360&l=en.
923
Citado pela BBC News, 3/XI/2009: "The scientific evidence of a serious extinction crisis is mounting" .
924
Cf. John R. Platt, “Critically Endangered Purring Monkey and 1,900 Other Species Added to IUCN Red List”. The Scientific
American, 19/VI/2012.
925
Cf. Wilson (1992/2001), capítulo 12: Biodiversity threatened.
926
Cf. The IUCN Red List of Threatened Species (http://www.iucnredlist.org/about/summary-statistics#How_many_threatened): “Since
extinction risk has been evaluated for less than 5% of the world's described species, IUCN cannot provide an overall estimate for how
many of the planet's species are threatened”.
927
“Estimates are up to 100 million of which only about 1.8 million have been named so far. (…) An unprecedented mass extinction of
life on Earth is occurring. Veja-se UNEP: http://www.unep.org/wed/2010/english/biodiversity.asp.
928
Cf. Mark Kinver, “Illegal tiger trade killing 100 big cats each year”. BBC, 9/XI/2010.
929
WWF - Fighting illicit wildlife trafficking: A consultation with governments, 12/XII/2012 .
930
Cf. Laurence Caramel, “Le trafic du bois tropical sape la lutte contre la déforestation”, Le Monde, 28/IX/2012.
931

8.2. As duas vias da extinção

Cf. Catherine Vincent, “Constat d’échec pour la défense du monde sauvage”. Le Monde, 3/III/2013.
932
Cf. Debbie Banks et al., Environmental Crime. A threat to our future. EIA – Environmental Investigation Agency, Londres,
Emmerson Press, 2008: “The vast profits from this illegal trade accrued in bank accounts in Singapore and Hong Kong” .
933
Cf. Charles Ferguson, “Bare-faced bankers should be treated as criminals: prosecuted and imprisoned”. The Guardian, 20/VII/2012
.
934
Cf. Neil Barofsky, The New Republic, 12/XII/2012.
935
Cf. Lenzen et al.(2012, pp. 109-112).
936

8.3. Anfíbios

Cf. P.J. Bishop et al., “The Amphibian Extinction Crisis - What will it take to put the action into the Amphibian Conservation Action
Plan?”. Sapiens, 5, 2, 2012 IUCN Commissions: “Although amphibians have survived multiple previous global mass extinctions, in the
last 20-40 years precipitous population declines have taken place on a scale not previously seen” .
937
J.L. Vial, L. Saylor, The Status of Amphibian Populations: a Compilation and Analysis. IUCN/SSC Declining Amphibian Taskforce,
1993.
938

8.4. Primatas

“The great apes are our kin. Like us, they are self-aware and have cultures, tools, politics, and medicines; they can learn to use sign
language, and have conversations with people and with each other. Sadly, however, we have not treated them with the respect they
deserve”.
939
Cf. R. Black, “Apes extinct in a generation”, 01/09/2005, BBC News. http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/nature/4202734.stm
940
UICN, Red List: http://www.iucnredlist.org/details/914/0.
941
Cf. R. Black, “Lemurs sliding towards extinction”, BBC 13/VII/2012 http://www.bbc.co.uk/news/science-environment-18825901.
942
Cf. Adriano G. Chiarello, Ludmilla M. de S. Aguiar, Rui Cerqueira, Fabiano R. de Melo, Flávio H. G. Rodrigues, Vera Maria F. da
Silva, “Mamíferos ameaçados de extinção no Brasil”. Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, MMA, Brasília, 2008,
p. 685 .
943
UICN, Red List: http://www.iucnredlist.org/details/918/0.
944

8.5. Outros mamíferos terrestres

William J. Ripple et al., “Status and Ecological Effects of the World’s Largest Carnivores”. Science, 10/I/2014.
A declaração de Ripple foi recolhida por Jeremy Hance, “Over 75 percent of large predators declining”. Mongabay.com, 9/I/2014.
945
Cf. Adriano G. Chiarello, Ludmilla M. de S. Aguiar, Rui Cerqueira, Fabiano R. de Melo, Flávio H. G. Rodrigues, Vera Maria F. da
Silva, “Mamíferos ameaçados de extinção no Brasil”. Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, MMA, Brasília, 2008,
p. 681 .
946
“Sahara mammals decline”. New Scientist, 14/XII/2013.
947
Cf. Mark Kinver, “Illegal tiger trade killing 100 big cats each year”. BBC, 9/XI/2010.
http://www.bbc.co.uk/news/science-environment-11718648.
948
Cf. Rayane A. Jaoude, “Illegal animal trafficking running rampant in Lebanon”. The Daily Star, 31/VII/2013.
949
Cf. Jeremy Hance, “Lions face extinction in West Africa: less than 250 survive”. Mongabay, 8/I/2014.
950
Cf. Tony Carnie, “Huge decline in big cat numbers”. Iolscitech, 30/IV/2014
http://www.iol.co.za/scitech/science/environment/huge-decline-in-big-cat-numbers-1.1681774#.U2-Ae_ldWSo.
951
Cf. J. Eilperin, “Study: African lion population shrinks to 32,000”. The Washington Post, 5/XII/2012.
952
Cf. John Platt, “Boas notícias para duas espécies raras de leopardo”. Scientific American Brasil, 27/VII/2011. Infelizmente a boa
notícia anunciada nesse artigo não se confirmou.
953
Cf. Carlos Fioravanti, “De olho no gato”. Pesquisa FAPESP, janeiro de 2014, pp. 60-63.
954
Cf. Catherine Vincent, “Constat d’échec pour la défense du monde sauvage”. Le Monde, 3/III/2013.
955
Cf. Maisels, Strindberg, Blake, Wittemyer, Hart et al. (2013).
956
Cf. Laurence Caramel, “Quel avenir pour les ‘big five’ de la savanne?”. Le Monde, 13/II/2014.
957
“Les éléphants pourraient disparaître de Tanzanie dans sept ans”. Le Monde, 9/V/2014.
958
Cf. Michael Graham Richard, “Poachers kill 300 elephants with cyanide in worst massacre in southern Africa for 25 years”.
TreeHugger, 21/X/2013.
959
Cf. “Ivory-for-arms deal”. The Zimbabwean, 23/IV/2008 .
960
Citado em Mongabay (http://news.mongabay.com/2013/0304-forest-elephant-decline.html) “62% of all Africa’s forest elephants killed
in 10 years”: “The analysis confirms what conservationists have feared: the rapid trend towards extinction – potentially within the next
decade – of the forest elephant”.
961
Cf. Bryan Christy, “Blood Ivory”. The National Geographic, outubro, 2012, o documentário The Battle for Elephants, produzido pela
The National Geographic Television e lançado pela BPS em 27 de fevereiro de 2013, e o verbete “Ivory Trade” do Wikipedia.
962
“Between 2007-2012, the number of rhinos poached in South Africa has risen by 5000% anda t presente several rhinos are killed every
day for their horns. Rhino poaching statistics released today [11th january 2013] by the South African government reveal that a record 668
rhinos were killed across the country in 2012, an increase of nearly 50 per cent from the 448 rhinos lost to poachers in 2011”. WWF
Newsletter 11/I/2013.
https://mail.google.com/mail/u/0/?tab=wm#inbox/13c29d40dec85372.
963
Dados da African Wildlife Foundation (AWF). Veja-se http://awf.org/section/save_rhino.
964
https://mail.google.com/mail/u/0/?shva=1#inbox/141e4fd710ff81d9.
965
Cf. UICN. Grévy’s Zebra Trust. “Towards the end of the 1970s, the global population of Grevy's zebra was estimated to be
approximately 15,000 animals; in 2008 an updated survey estimated approximately 2,500 animals representing more than an 80% decline
in global numbers over the past three decades."
http://www.grevyszebratrust.org/status.html.
966
Cf. GCF, Giraffe Conservation Foundation. http://www.giraffeconservation.org/giraffe_facts.php?pgid=40.
967
Cf. Jim Robbins, “Moose Die-Off Alarms Scientists”. The New York Times, 13/X/2013.
968

8.6. Aves e polinizadores

Ver o verbete inglês da BirdLife no Wikipedia.


969
Cf. S. Dalvi, R. Sreenivasan, “Schoking Amur falcon massacre in Nagaland”. Conservation India, outubro de 2012. Veja-se:
http://www.conservationindia.org/campaigns/amur-massacre.
970
Cf. Mangat (2013).
971
Cf. S. Williams, “44 Million British Birds Lost Since 1966”. Care2Causes, 24/XI/2012.
http://www.care2.com/causes/44-million-british-birds-lost-since-1966.html.
972
Cf. F. Harvey, “Nearly 100 bird species face increased risk of extinction in the Amazon. The Guardian, 7/VI/2012: “We have
previously underestimated the risk of extinction that many of Amazonia's bird species are facing. However, given the recent weakening of
Brazilian forest law, the situation may be even worse than recent studies have predicted”.
http://www.guardian.co.uk/environment/2012/jun/07/amazon-bird-species-extinction
973
Cf. Rocha (2012, p. 17).
974
Cf. Brosi, Briggs (20/VI/2013).
975
UNEP Emerging Issues: Global Honey Bee Colony Disorder and Other Threats to Insect Pollinators, 2010: “FAO estimates that out of
some 100 crop species which provide 90% of food worldwide, 71 of these are bee-pollinated. In Europe alone, 84% of the 264 crop
species are animal pollinated and 4 000 vegetable varieties exist thanks to pollination by bees”.
http://www.unep.org/dewa/Portals/67/pdf/Global_Bee_Colony_Disorder_and_Threats_insect_pollinators.pdf.
976
Cf. Gallai, Salles, Settele, Vaissière (2008).
977
“L’activité pollinisatrice des insectes représente 153 milliards d’euros par an”. Pollinis
http://www.pollinis.org/spip.php?page=article&id_article=67.
978
Cf. Beatriz Moisset, Stephen Buchmann, Bee Basics. An Introduction to our Native Bees. USDA, 2011 .
979
Cf. G.P. Nabhan, “Global list of threatened vertebrate wildlife species serving as pollinators for crops and wild plants”. Forgotten
Pollinators Campaign, Arizona-Sonora Desert Museum, Tucson, 1996. Apud UNEP Emerging Issues: Global Honey Bee Colony Disorder
and Other Threats to Insect Pollinators, 2010. Veja-se também Allen-Wardell, Bernhardt et al. (2008, pp. 8-17).
980
Cf. Patrick Barkham, “Almost 10% of Europe's butterflies face extinction”. The Guardian, 16/III/ 2010: “Hundreds of butterflies,
beetles and dragonflies are at risk of extinction across Europe with almost one-third of 435 butterfly species in decline”.
981
Cf. The European Grassland Butterfly Indicator: 1990-2011, Agência Europeia do Ambiente (EEA), 23/VII/2013.
982
Cf. Curtis Morgan, “Butterflies in decline in South Florida?”. Miami Herald, 26/IV/2013.
983
Cf. Alexander Holmgren, “Florida declares two butterfly species extinct as pollinator crisis worsens”. News Mongabay, 1/VIII/2013 .
984
“Pesquisadores da Unicamp elaboram plano contra extinção de borboletas”. Globo.com G1, 12/IX/2012.
985
Cf. “Populations of grassland butterflies decline almost 50 % over two decades”. European Environment Agency, 23/VII/2013.
986
Cf. Harold Thibault, “Dans le Sichuan, des ‘femmes-abeilles’ pollinisent à la main les vergers”. Le Monde, 24/IV/2014.
987
Cf. Stéphane Foucart, “En Europe, le déclin des abeilles frappe lourdement les pays du Nord”. Le Monde, 8/IV/2014.
988
Cf. Kim Kaplan, “USDA/AIA Survey Reports 2010/2011 Winter Honey Bee Losses”, Agricultural Research Center. 23/V/2012;
Suzanne Goldenberg, “Rate of US honeybee deaths ‘too high for long-term survival’”. The Guardian, 15/V/2014.
989
Cf. Rocha (2012, p. 42); “Unesp e UFSCarlos estudam efeitos do agrotóxico no organismo das abelhas”. G1. Globo.com, 30/I/2014.
990
Cf. Juliet L. Osborne, “Ecology: Bumblebees and pesticides”. Nature, 21/X/2012.
991
Cf. Gill, Ramos-Rodriguez, Raine (2012).
992
“38 études qui condamnent les pesticides tueurs d’abeilles” Pollinis
http://www.pollinis.org/spip.php?page=article&id_article=74.
993
Cf. Jeffery S. Pettis, et al., “Crop Pollination Exposes Honey Bees to Pesticides Which Alters Their Susceptibility to the Gut Pathogen
Nosema ceranae”. Plos one, 24/VII/2013: “Recent research is uncovering diverse sub-lethal effects of pesticides on bees. Insecticides and
fungicides can alter insect and spider enzyme activity, development, oviposition behavior, offspring sex ratios, mobility, navigation and
orientation, feeding behavior, learning and immune function. Reduced immune functioning is of particular interest because of recent
disease-related declines of bees including honey bees. Pesticide and toxin exposure increases susceptibility to and mortality from diseases
including the gut parasite Nosema”.
994
Cf. S. Foucart, “Pesticides: un risque enfin admis pour les abeilles”. Le Monde, 17/XII/2013.
995
“L’activité pollinisatrice des insectes représente 153 milliards d’euros par an”. Pollinis
http://www.pollinis.org/spip.php?page=article&id_article=67.
996

9. Colapso da biodiversidade no meio aquático

9.1. Sobrepesca e fazendas marinhas

Cf. Edgar (2014, pp. 216-220).


997
Cf. R. Black, “Only 50 years left' for sea fish”, http://news.bbc.co.uk/2/hi/6108414.stm#backup: “in 2003, 29% of open sea fisheries
were in a state of collapse, defined as a decline to less than 10% of their original yield”.
998
“This combined percentage is the highest in the time series”. FAO, The State of World Fisheries and Aquaculture. Fisheries and
Aquaculture Department. Roma, 2010.
http://www.fao.org/docrep/013/i1820e/i1820e00.htm.
999
“The speed and rate of degeneration in the ocean is far faster than anyone has predicted. Many of the negative impacts previously
identified are greater than the worst predictions. (…) Overfishing has reduced some comercial fish stocks and populations of by-catch
species by more than 90%”.
(http://www.stateoftheocean.org/pdfs/1806_IPSOPR.pdf).
1000
O termo técnico é IUU = illegal, unreported, and unregulated fishing. Cf. Richard Conniff, “Unsustainable Seafood: A New
Crackdown on Illegal Fishing” Yale Environment 360, 2/IV/2014.
1001
Cf. “Overfishing causes Pacific bluefin tuna numbers to drop 96%”. The Guardian, 9/I/2013.
1002
Cf. Angela Bolis, “Les requins dans le viseur du government australien”. Le Monde, 20/I/2014.
1003
“Majority of Oceanic Shark Species Face Extinction”. Live Science, 22/V/2008; Charles Q. Choi, “People more Dangerous than
Sharks”. Live Science, 19/VI/2010; Megan Gannon, “100 Million Sharks Killed Each Year, study finds”. Live Science, 1/III/2013.
1004
Cf. Zakaib (2011).
1005
Citado em “Pacifique sud. La ruée sur um poisson menace tous les autres”. Le Monde, 29/I/2012
1006
Cf. M. Valo, “Lutter contre la surpêche créerait à terms des emplois”. Le Monde, 12.02.2012.
http://www.lemonde.fr/journalelectronique/donnees/libre/20120211/index.html?
aaaammjj=20120211&article_id=835232&clef=EMAIL&maintenant=1328888081041
1007
“Overfishing prompts Brazil sardine conservation curbs”, UPI.com, 9/III/2010. http://www.upi.com/Business_News/Energy-
Resources/2010/03/09/Overfishing-prompts-Brazil-sardine-conservation-curbs/UPI-90401268181482/.
1008
BBC News, 5/X/2012 http://www.bbc.co.uk/news/world-asia-india-19840427; e AFOP, “India conducts Ganges River Dolphin
Count, 7/X/2012..
1009
Cf. Douglas Main, “Record 800-Plus Manatees Died in 2013 in Florida”. LiveScience, 20/XII/2013 .
1010
Cf. W. J. Broad, “A Rising Tide of Noise Is Now Easy to See”. The New York Times, 10/XII/2012.
1011
Cf. F. Beinecke, “Stop big oil’s attack on whales!”. Natural Resources Defense Council.
https://mail.google.com/mail/u/0/?tab=wm#inbox/13895c678a33b720.
1012
Editorial: “Marine Mammals and the Navy’s 5-Year Plan”. The New York Times, 12/X/2012: “Sound travels much faster through
water than it does through air, magnifying its impact, and many of the sounds the Navy plans to generate fall in the frequencies most
damaging to marine mammals. More than five million of them may suffer ruptured eardrums and temporary hearing loss, in turn
disrupting normal behavioral patterns. As many as 1,800 may be killed outright”.
http://www.nytimes.com/2012/10/12/opinion/marine-mammals-and-the-navys-5-year-plan.html
1013
Cf. Elliott Norse et al., “Sustainability of deep-sea fisheries”. Marine Policy, 25/VI/2011 : As coastal fisheries around the world have
collapsed, industrial fishing has spread seaward and deeper in pursuit of the last economically attractive concentrations of fishable
biomass. (...) Many deep-sea fisheries use bottom trawls, which often have high impacts on nontarget fishes (e.g., sharks) and
invertebrates (e.g., corals), and can often proceed only because they receive massive government subsidies. The combination of very low
target population productivity, nonselective fishing gear, economics that favor population liquidation and a very weak regulatory regime
makes deep-sea fisheries unsustainable with very few exceptions. Rather, deep-sea fisheries more closely resemble mining operations that
serially eliminate fishable populations and move on.
1014
Cf. Juliet Eilperin, “Scientists call for end to deep-sea fishing”. The Washington Post, 6/IX/2011.
1015
Cf. Martine Valo, “La Ruée des Russes et des Asiatiques sur le Poisson Sénégalais”. Le Monde, 31/I/2014.
1016
Cf. R.L. Naylor et al., “Effect of aquaculture on world fish supplies”, Nature, 405, 1017-1024, junho, 2000: “Global production
of farmed fish and shellfish has more than doubled in the past 15 years. Many people believe that such growth relieves pressure
on ocean fisheries, but the opposite is true for some types of aquaculture. Farming carnivorous species requires large inputs of
wild fish for feed. Some aquaculture systems also reduce wild fish supplies through habitat modification, wild seedstock
collection and other ecological impacts”. http://www.nature.com/nature/journal/v405/n6790/abs/4051017a0.html.
1017
Cf. D. Barboza, “In China, Farming Fish in Toxic Waters”. The New York Times, 15/XII/2007.
1018

9.2. Eutrofização, hipóxia e anóxia

Cf. R.A. Vollenweider, “Scientific fundamentals of the eutrophication of lakes and flowing waters, with particular reference to nitrogen
and phosphorus as factors in eutrophication”. OECD Technical Report. Veja-se também, Idem, “Eutrophication of Waters” (2003):
http://www.chebucto.ns.ca/ccn/info/Science/SWCS/TPMODELS/OECD/oecd.html.
1019
“Excessive use of phosphorus is not only depleting finite supplies, but triggering water pollution locally and beyond while excessive
use of nitrogen and the production of nitrogen compounds is triggering threats not only to freshwaters but the air and soils with
consequences for climate change and biodiversity”. Prefácio a M. A. Sutton, et al., Our Nutrient World: The challenge to produce more
food and energy with less pollution. Centre for Ecology and Hydrology, Edinburgh, 2013 .
1020
Cf. Horrigan, Lawrence, Walker (2002, pp. 445–456).
1021
Cf. Alexander Good, “Fertilizer Companies”. Wiki Analysis .
1022
Cf. Tilman (1998, pp. 211–212).
1023
Cf. M. A. Sutton, et al., Our Nutrient World: The challenge to produce more food and energy with less pollution. Centre for Ecology
and Hydrology, Edinburgh, 2013 .
1024
National Rivers and Streams Assessment 2008-2009. A Collaborative Survey. EPA, 28/II/2013.
1025
Cf. R. Black, “Only 50 years left' for sea fish”, http://news.bbc.co.uk/2/hi/6108414.stm#backup.
1026
Cf. D. Perlman, “Scientists alarmed by ocean dead-zone growth”. SFGate, 15/VIII/2008.
http://www.sfgate.com/cgi-bin/article.cgi?f=/c/a/2008/08/15/MNLD12ADSN.DTL
1027
Cf. R.J. Diaz, R. Rosenberg, “Spreading Dead Zones and Consequences for Marine Ecosystems”. Science, 321, n.
5891, 15/VIII/2008, pp. 926-929. DOI: 10.1126/science.1156401: http://www.sciencemag.org/content/321/5891/926.
1028
Cf. “New Web-Based Map Tracks Marine "Dead Zones" Worldwide”. World Resources Institute, 20/I/2011.
http://www.wri.org/press/2011/01/new-web-based-map-tracks-marine-dead-zones-worldwide:
1029
Cf. E. Gutiérrez, “Aparecen zonas anóxicas en la costa de Chile”. La Jornada. Ciências, 7/XI/2012.
1030

9.3. Até 170% a mais de acidificação oceânica até 2100

Cf. Bednarsek et al., (2014).


1031
Cf. “NOAA-led researches discover ocean acidity is dissolving shells of tiny snails off the U.S. West Coast”. NOAA, 30/IV/2014.
http://www.noaanews.noaa.gov/stories2014/20140430_oceanacidification.html.
1032
Citado por Tracy McVeigh, “Explosion in jellyfish numbers may lead to ecological disaster, warn scientists”. The Guardian,
12/VI/2011.
1033
Cf. Richard E. Feely, NOAA, Ocean Acidification, the other CO2 problem, 18/XI/2013 .
1034
Cf J. A. Kleypas et al., “Impacts of Ocean Acidification on Coral Reefs and Other Marine Calcifiers: A Guide for Future Research”,
2006: “Over the two decades of the 1980s and 1990s only about half of the CO 2 released by human activity has remained in the
atmosphere, with the oceans having taken up about 30% and the terrestrial biosphere 20% (Sabine et al., 2004)” .
1035
Cf. Joan A. Kleypas et al., “Geochemical Consequences of Increased Atmospheric Carbon on Coral Reefs”. Science, 284, 5411,
2/IV/1999, pp. 118-120. DOI: 10.1126/science.284.5411.118: “By the middle of the next century, an increased concentration of carbon
dioxide will decrease the aragonite saturation state in the tropics by 30 percent and biogenic aragonite precipitation by 14 to 30 percent.
Coral reefs are particularly threatened, because reef-building organisms secrete metastable forms of CaCO3, but the biogeochemical
consequences on other calcifying marine ecosystems may be equally severe”.
1036
Cf. Robert H. Byme, “Direct observations of basin-wide acidification of the North Pacific Ocean”. Geophysical Research Letters,
20/I/2010. DOI: 10.1029/2009GL040999.
1037
Cf. Joan A. Kleypas et al., “Impacts of Ocean Acidification on Coral Reefs and Other Marine Calcifiers: A Guide for Future
Research”, 2006 (A report from a workshop sponsored by the National Science Foundation, the National Oceanic and Atmospheric
Administration, and the U.S. Geological Survey): “calcification rates will decrease up to 60% within the 21st century”.
1038
Cf. Richard A. Feely et al., “Evidence for upwelling of corrosive "acidified" water onto the Continental Shelf”. Science, 320, 5882,
2008, pp. 1490-1492, 10.1126/science.1155676: “This increase would result in a decrease in surface-water pH of ~0.4 by the end of the
century, and a corresponding 50% decrease in carbonate ion concentration”.
1039
Cf. Craig Welch, “Oysters in deep trouble: Is Pacific Ocean’s chemistry killing sea life?”. Seattle Times, 14/VI/2009.
1040
Cf. Nina Bednarsek et al., “Extensive dissolution of live pteropods in the South Ocean”. Nature Geoscience, 5, 881-885, 25/XI/2012
doi:10.1038/ngeo1635.
1041
Review of the Federal Ocean Acidification Research and Monitoring Plan , The National Academy Press, 2013, p. 10. Trata-se de
uma avaliação do relatório encomendado ao National Research Concil pelo Congresso dos EUA: Ocean Acidification: A National
Strategy to Meet the Challenges of a Changing Ocean, NRC, 2010, e do documento redigido em conjunto por um grupo de trabalho, o
Interagency Working Group on Ocean Acidification (IWGOA), intitulado Strategic Plan for Federal Research and Monitoring of Ocean
Acidification, 2012: “Since the start of the Industrial Revolution in the mid-18th Century, the average pH of the upper ocean has
decreased by about 0,1 pH unit, corresponding to an approximately 30% rise in acidity, and is projected to decrease by an additional 0.3 to
0.4 units by the end of this century, corresponding to a 100 to 150% rise in acidity since pré-industrial times. (...) This rate of acidification
is faster than any rates inferred from the geological record for at least the past 55 million years”.
1042
Cf. Stephanie C. Talmage, Christopher J. Gobler, “Effects of past, present, and future ocean carbon dioxide concentrations on the
growth and survival of larval shellfish”. PNAS, outubro, 5, 2010, vol. 107, 40, 17246-17251: “Larvae grown under near preindustrial
CO2 concentrations (250 ppm) displayed significantly faster growth and metamorphosis as well as higher survival and lipid accumulation
rates compared with individuals reared under modern day CO 2 levels. Bivalves grown under near preindustrial CO 2 levels displayed
thicker, more robust shells than individuals grown at present CO 2 concentrations, whereas bivalves exposed to CO 2 levels expected later
this century had shells that were malformed and eroded. These results suggest that the ocean acidification that has occurred during the
past two centuries may be inhibiting the development and survival of larval shellfish and contributing to global declines of some bivalve
populations”.
1043
Cf. “Effects of Ocean Acidification on Marine Species and Ecosystems”. Oceana. Protecting the World’s Oceans: “Clownfish and
damselfish larvae have shown a reduced sense of smell in acidified conditions which led to riskier swimming behavior. Increased levels of
carbon dioxide have been associated with these fish being more active, swimming further away from shelter and not responding to threats
such as predators. In studies, five to nine times more fish died because of their risky behavior than those not in acidified conditions”.
1044

9.4. Os corais, “ecossistemas zumbis”

Veja-se: http://www.stateoftheocean.org/ipso-2011-workshop-summary.cfm: “the world’s ocean is at a high risk of entering a phase of


extinction of marine species unprecedented in human history.” Cf. L. Burke, M. Selman, “Shoking New Report Confirms Threats to
World’s Oceans and Reefs”, World Resources Institute 22/VI/2011. http://insights.wri.org/news/2011/06/shocking-new-report-confirms-
threats-worlds-oceans-and-reefs.
1045
Cf. Ken Caldeira, “The Great Climate Experience. How far can we push the climate”. Scientific American, setembro de 2012:
“Scientists estimate that more than a quarter of all marine species spend part of their lives in coral reefs”.
1046
Veja-se http://www.bipindicators.net/marinehabitats: “It is thought that coral reefs have suffered a significant global decline in
biodiversity since the 1970s or earlier, with coral cover in the Indo-Pacific and Caribbean regions falling by almost half during the 1980s
before stabilizing but not recovering to earlier levels. There are also indications that both reef structure and the proportion of reefs with
living coral has declined which has had further ramifications on levels of reef-associated biodiversity”.
1047
“Number of destructive fishing practices, blast and cyanide fishing amongst them, are employed in all [Indonesia] areas, including
many remote reefs and atolls. Blast fishing, in particular, is having an extremely detrimental effect across the country. Although illegal
since 1985, few places have escaped it, even in protected áreas”.
1048
Cf. M.-M. Le Moël, “La moitié des coraux de la Grande Barrière australienne ont disparu”. Le Monde, 4/X/2012; Australian Institue
of Marine Science, “The Great Barrier Reef has lost half of its coral in the last 27 years”, 2/X/2012. Segundo Peter Doherty, um cientista
do AIMS: "If the trend continued coral cover could halve again by 2022”. Veja-se: http://www.aims.gov.au/latest-
news/-/asset_publisher/MlU7/content/2-october-2012-the-great-barrier-reef-has-lost-half-of-its-coral-in-the-last-27-years.
1049
Cf. D. Cooney, “One-Quarter of World’s Coral Reefs Destroyed”. ABC News, 23/X/2000
http://abcnews.go.com/Technology/story?id=119856&page=1#.UM5fIIM0WSp.
1050
Cf. Roger Bradbury, “A World without Coral Reefs”. The New York Times, 13/VII/2012: “It’s past time to tell the truth about the state
of the world’s coral reefs, the nurseries of tropical coastal fish stocks. They have become zombie ecosystems, neither dead nor truly alive
in any functional sense, and on a trajectory to collapse within a human generation. There will be remnants here and there, but the global
coral reef ecosystem — with its storehouse of biodiversity and fisheries supporting millions of the world’s poor — will cease to be.
Overfishing, ocean acidification and pollution are pushing coral reefs into oblivion. Each of those forces alone is fully capable of causing
the global collapse of coral reefs; together, they assure it. The scientific evidence for this is compelling and unequivocal, but there seems
to be a collective reluctance to accept the logical conclusion — that there is no hope of saving the global coral reef ecosystem. (...) Coral
reefs will be the first, but certainly not the last, major ecosystem to succumb to the Anthropocene — the new geological epoch now
emerging”.
1051

9.5. Águas-vivas

Cf. Tracy McVeigh, “Explosion in jellyfish numbers may lead to ecological disaster, warn scientists”. The Guardian, 12/VI/2011.
1052
Cf. Gershwin (2013).
1053
Cf. Tim, Flannery, “They’re Taking Over!”. The New York Review of Books, 26/IX/2013.
1054
Cf. Gershwin (2013).
1055

9.6. Aquecimento das águas e declínio do fitoplâncton

Cf. J. Pasotti, “E' allarme per i pesci-ghiacciolo minacciati dal clima che cambia”. La Repubblica, 14/02/2012.
1056
Cf. NASA Satellite Detects Red Glow to Map Global Ocean Plant Health: “In fact, phytoplankton account for half of all
photosynthetic activity on Earth. The health of these marine plants affects commercial fisheries, the amount of carbon dioxide the ocean
can absorb, and how the ocean responds to climate change” .
1057
Cf. D. G. Boyce, M.R. Lewis, B. Worm, “Global phytoplankton decline over the past century”. Nature, 466, 29/VII/2010, pp. 591-
596: "Phytoplankton are the base of the marine ecosystem. It's the fuel on which it runs .… Changes in phytoplankton abundance will
ultimately affect everything higher in the food chain from tiny little zooplankton all the way up to large whales, valuable fisheries and
humans at the top." http://www.cbc.ca/news/technology/story/2010/07/28/phytoplankton-vanishing.html.
1058
Cf. David Cohen, The decline of the empire .
1059
Cf. Mark Fischetti, “Sweeping Change in Phytoplankton Populations Could Remake Oceans”. Scientific American, 8/VIII/2013; “Has
climate change caused a drop-off in a food source crucial to ocean creatures”. Washington Post, 25/XI/2013; Jeff Spross, “Rapid Plankton
Decline Puts The Ocean’s Food Web in Peril”. ClimateProgress, 26/XI/2013.
1060

10. Antropoceno. Rumo à hipobiosfera

Cf. Lorius, Carpentier (2010); Bonneuil, Fressoz (2013).


1061
Comte de Buffon, Les Époques de la Nature, Paris, Imprimerie Royale, 1780, Tomo II, pp. 184-186.
1062
Cf. Pádua (2002).
1063
Cf. George Perkins Marsh, Man and Nature, 1864; Gifford Pinchot, The Fight for Conservation, 1910 (ambos disponíveis em rede).
1064
George Perkins Marsh, Man and Nature (1864), revisto e republicado em 1874 como The Earth as Modified by Human Action (obra
em domínio público, Kindle Edition): “to point out the dangers of imprudence and the necessity of caution in all operations which, on a
large scale, interfere with the spontaneous arrangements of the organic or inorganic world”.
1065
Antonio Stoppani, Corso di geologia, 1871-1873, apud W.C. Clark, P.J. Crutzen, H.J. Schellnhuber, “Science for Global
Sustainability. Toward a New Paradigm”. Working Paper 120, Março 2005. Center for International Development at Harvard University e
MITpress.
1066
Cf. Arrhenius (1896, pp. 237-276). Os cálculos de Arrehnius sobre o impacto de menores concentrações de gases de efeito estufa
sobre as glaciações foram confirmados experimentalmente 80 anos depois. Da mesma maneira, ele calculou que uma duplicação na taxa
concentração de CO2 na atmosfera implicaria uma elevação de 5º a 6º C nas temperaturas médias do planeta. Cf. Fred Pearce, The Last
Generation. How Nature will take her Revenge for Climate Change. Londres, Eden Project, 2006, pp. 19-23.
1067
Cf. V. I. Vernadsky, The Biosphere (1926), New York, Copernicus, 1998.
1068
Cf. Clark, Crutzen, Schellnhuber, “Science for Global Sustainability” op. cit. (2005): “Along with his French colleagues, the scientist
and mystic P. Teilhard de Chardin and philosopher Édouard Le Roy, Vernadsky (1926) coined the term “noösphere” to suggest a
biosphere in which not only human action, but human thought and reflection on the consequences of its actions, would come to play a
determinative role”. Cf. Pierre Teilhard de Chardin, L’Hominisation, Paris, 1923 e Le Coeur de la Matière (1950), rep. em
Autobiographie spirituelle, Paris, Seuil, 1976, p. 51: “La Réflexion, passage (comme par une seconde naissance) de la Vie simple à la
‘Vie au carré’. La Réflexion, propriété nécessaire et suffisante pour expliquer la discontinuité majeure, et l’espèce de décollement,
expérimentablement reconnaissable entre Bio – et Noosphère”.
1069
"to devise means for turning research applications away from the present emphasis on military technology toward the solution of
pressing environmental and social problems”. http://www.ucsusa.org/about/founding-document-1968.html.
1070
Ainda hoje, a pesquisa europeia a respeito da questão ambiental parece sofrer de um déficit importante em relação à que se
desenvolve nos EUA. Cf. Hicham-Stéphane Afeissa, Qu’est-ce que l’écologie? Paris, Vrin, 2009, p. 13: “Tout se passe comme si un océan
de pensée retenait à domicile, de l’autre côté de l’Atlantique, les problématiques élaborées par l’éthique environmentale”
1071
O relatório, intitulado Only One Earth: The Care and Maintenance of a Small Planet, reunia as contribuições de 152 especialistas de
58 países.
1072
“The Anthropocene: conceptual and historical perspectives”. Philosophical Transactions of the Royal Society, 369, 2011, pp. 842-
867. Veja-se também, Andrew C. Revkin, “Confronting the Anthropocene”. The International New York Times, 11/V/2011.
1073
Em sua autobiografia, no sítio do Prêmio Nobel, Crutzen narra como muitos pesquisadores e amigos do Instituto Meteorológico da
Universidade de Estocolmo, onde fez sua carreira, envolveram-se intensamente em questões como as chuvas ácidas e o ciclo do carbono,
“que atraíram considerável interesse político na primeira Conferência das Nações Unidades para o Ambiente Humano em Estocolmo em
1972”.
1074
Cf. Paul Crutzen, Eugene Stoermer, “The Anthropocene”. Global Change Newsletter, 41, 2000, pp. 17–18; Paul J. Crutzen, “Geology
of mankind: the Anthropocene”. Nature, 415, 6867, 2002, p. 23 (doi:10.1038/ 415023a): “It seems appropriate to assign the term
‘Anthropocene’ to the present, in many ways human-dominated, geological epoch, supplementing the Holocene – the warm period of the
past 10-12 millenia”. Também disponível em: http://www.readcube.com/articles/10.1038/415023a; Idem, “The Anthropocene”, in E.
Ehlers, T. Krafft (orgs.), Earth System Science in the Anthropocene: Emerging Issues and Problems. New York: Springer, 2006. O termo
surge com Andrew Revkin, Global Warming: Understanding the Forecast. American Museum of Natural History, Environmental Defense
Fund. New York: Abbeville Press, 1992. Desde 2008, o conceito difunde-se na comunidade científica. Cf. J. Zalasiewicz et al., “Are we
now living in the Anthropocene?” GSA Today, 18, 2, 2008, pp. 4-8: “The term Anthropocene, proposed and increasingly employed to
denote the current interval of anthropogenic global environmental change, may be discussed on stratigraphic grounds. A case can be made
for its consideration as a formal epoch in that, since the start of the Industrial Revolution, Earth has endured changes sufficient to leave a
global stratigraphic signature distinct from that of the Holocene or of previous Pleistocene interglacial phases, encompassing novel biotic,
sedimentary, and geochemical change”. Veja-se:
http://www.geosociety.org/gsatoday/archive/18/2/pdf/i1052-5173-18-2-4.pdf.
1075
A proposta será formulada no livro A Stratigraphic Basis for the Anthropocene. Cf. Ian Johnston, “The age of Anthropocene: Was
1950 the year human activity began to leave an indelible mark on the geology of Earth?” The Independent, 4/V/2014. Sobre a
responsabilidade da poluição atmosférica, veja-se o último relatório da OMS, intitulado “7 million deaths annualy linked with air
pollution” (em rede): “In new estimates released, WHO reports that in 2012 around 7 million people died - one in eight of total global
deaths – as a result of air pollution exposure. This finding more than doubles previous estimates and confirms that air pollution is now the
world’s largest single environmental health risk”.
1076
Cf. James Syvitski, Charles Vörösmarty, Sina Marx, Anik Bhaduri, “Changing the History of the Earth. The Role of Water in the
Anthropocene”. Global Water System Project (GWSP), Bonn, maio de 2013: “We move more rock and sediment then the forces of ice,
wind and water. (...) On average we have built one large dam every day for the last 130 years. These dams and their reservoirs trap many
Gt/y of sediment”.
1077
Cf. Nilsson et al. (2005, pp. 405-406); Bonneuil, Fressoz (2013, p. 22).
1078
Cf. Crutzen, Stoermer (2000, p. 18); Steffen, Sanderson, Tyson, Jäger, Matson, Moore III, Oldfield, Richardson, Schellnhuber,
Turner, Wasson (2004); “Impacts of a Warming Arctic”, ACIA, Arctic Climate Impact Assessment, 2004. http://amap.no/acia/.
1079
Cf. Ellis, Ramankutty (2008, pp. 439–447).
1080
Cf. Lovelock (2006).
1081
Temps des crises. Paris, Le Pommier, 2009, p. 98.
1082
Cf. Michel Serres, Retour au ‘Contrat naturel, Paris, BNF, p. 14: Nous dépendons nous-mêmes désormais de choses qui dépendent
des actes que nous entreprenons.
1083
Citado por Paul Gilding, The Great Disruption, Nova York, Bloomsbury Press, 2011, p. 13: “We still talk in terms of conquest. We
still haven’t become mature enough to think of ourselves as only a tiny part of a vast and incredible universe. Man’s attitude towards
nature is today critically important simply because we have now acquired a fateful power to destroy nature. But man is part of nature and
his war against nature is inevitably a war against himself”.
1084
Cf. A. Barnosky et al., “Approaching a state shift in Earth’s biosphere” Nature 486, 52-58, 7/VI/2012 doi:10.1038/nature11018:
“It really will be a new world, biologically. The data suggest that there will be a reduction in biodiversity and severe impacts on much of
what we depend on to sustain our quality of life, including, for example, fisheries, agriculture, forest products and clean water. This could
happen within just a few generations”. http://www.nature.com/nature/journal/v486/n7401/full/nature11018.html. Veja-se também B. J.
Cardinale, et al., “Biodiversity loss and its impact on humanity”. Nature, 486, pp. 59-67, doi:10.1038/nature11148
http://www.nature.com/nature/journal/v486/n7401/full/nature11148.html.
1085
Cf. Diffenbaugh, Scherer (2011, pp. 615-624).
1086
Cf. Mora et al. (2013, pp. 183-187), citado por Justin Gillis, The New York Times, 9/X/2013.
1087
Cf. Wearn et al. (2012, pp. 228-232).
1088
10.1. Espécies funcionais e não-funcionais ao homem

Como afirma Luis P. Villarreal, “Are viruses alive?”. Scientific American, 8/VIII/2008: “Regardless of whether or not we consider
viruses to be alive, it is time to acknowledge and study them in their natural context—within the web of life”.
1089
Cf. Jorge Luis Borges, “El idioma analítico de John Wilkins”. Otras inquisiciones (1952). Obras Completas, Barcelona, Emecê
Editores, 1989, vol. II, pp. 84-90.
1090
Cf. J. P. Collins, M. L. Crump, Extinction in our times: global amphibian decline. Oxford University Press, 2009, p. 26.
1091
Os números oscilam entre 5416 e 5488 espécies. Cf. J. E.M. Baillie et al., “A Global Species Assessment”, UICN, 2004. Table 2.1
Numbers of threatened species by major taxonomic group http://data.iucn.org/dbtw-wpd/html/Red%20List
%202004/completed/table2.1.html. Outra avaliação da mesma UICN é de 5488 espécies. Veja-se:
http://www.iucnredlist.org/initiatives/mammals.
1092
Cf. Leakey, Lewin, op. cit. (1996), pp. 27.

10.2. O consume de carne

1093
Vide supra 5.5. Chuvas ácidas e 6.8. O dragão do metano.
1094
Cf. Ch. Delgado, M. Rosengrant, H. Steinfeld, S. Ehui, C. Coubois, Livestock to 2020. The Next Food Revolution, 1999, em rede.
1095
Cf. Mia McDonald, “Food Security and Equity in a Climate-Constrained World”. State of the World 2012. State of the World 2012.
Moving Toward Sustainable Prosperity: “Since the 1970s, global meat production has tripled, increasing 20 percent since 2000 alone.
More than 60 billion land animals are used worldwide for meat, egg, or dairy production” .
1096
Cf. Coco Liu, “As China’s apetite for meat soars, so do its emissions”. ClimateWire, 20/V/2014.
http://www.eenews.net/stories/1059999844.
1097
“Rearing cattle produces more greenhouse gases than driving cars”. United Nations News Centre.
http://www.un.org/apps/news/story.asp?newsID=20772&#.U3O-Q_ldWSr.
1098
Cf. Gleise de Castro, “Oferta de alimento pode triplicar em 10 anos”. Valor econômico, 5/VIII/2013.
1099
ftp://ftp.fao.org/docrep/fao/010/a0701e/a0701e.pdf.
1100
“Rearing cattle produces more greenhouse gases than driving cars”. United Nations News Centre: “Livestock (...) is a major
driver of deforestation, especially in Latin America where, for example, some 70 per cent of former forests in the Amazon
have been turned over to grazing”.
1101
Cf. David Pimentel, “Eight Meaty Facts about Animal Food”. Cornell Chronicle, 7/VIII/1997: “The 7 billion livestock animals in the
United States consume five times as much grain as is consumed directly by the entire American population. (...) If all the grain currently
fed to livestock in the United States were consumed directly by people, the number of people who could be fed would be nearly 800
million” ; David Pimentel, Marcia H. Pimentel, Food Energy and Society (2008), 3ª ed. Boca Raton, CRC Press, 2012, em particular o
capítulo 8. Livestock Production and Energy Use.
1102
Cf. Pimentel, art. cit. (1997): “Pasture lands are eroding (...) at an average of 6 tons per hectare per year. But erosion may exceed 100
ton on severely overgrazed pastures, and 54 percent of U.S. pasture landi s being overgrazed”.
1103
Cornell Chronicle, 1997: “U.S. agriculture accounts for 87 percent of all the fresh water consumed each year. Livestock directly use
only 1.3 percent of that water. But when the water required for forage and grain production is included, livestock’s water usage rises
dramatically. Every kilogram of beef produced takes 100,000 liters of water” .
1104
“Eating for the Health of you and the Earth”. Physicians Committee for Responsible Medicine:“The Standard American Diet requires
4,200 gallons (...) of water per day. A person following a vegan diet requires 300 gallons a day” . Vida World Watch Institute. “Meat, Now
it’s not personal!” World Watch Magazine. Washington, 2004, pp. 12-20.
1105
United States Environmental Protection Agency (EPA), “Risk Assessment. Evaluation for Concentrated Animal Feeding Operations”.
Maio de 2004.
1106
Apud McDonald, art. cit. (2012).
1107
Cf. Pimentel, art. cit. (1997): “On average, animal protein production in the U.S. requires 28 kilocalories (kcal) for every kcal of
protein produced for human consumption. Beef and lamb are the most costly, in terms of fóssil fuel energy input to protein output at 54:1
and 50:1, respectively. (...) Grain production, on average, requires 3.3 kcal of fossil fuel for every kcal of protein produced”.
1108
Cf. McDonald, art. cit. (2012): “Producing one calorie of energy from meat requires between two and five times as much grain as
producing one calorie of grain eaten directly by humans (up to 10 times in industrially produced beef)”.
1109

10.3. Síndrome de Vênus? A hipótese da tanatosfera

Cf. M. Serres, Le contrat naturel. Paris, Éditions François Bourin, 1990; Flammarion, 1992, p. 17: “L’atmosphère de la Terre risque-t-elle
alors de tendre vers celle, invivable, de Vénus?”.
1110
“continuing emissions of greenhouse gases can awaken synergistic feedbacks capable of generating a runaway greenhouse effect”. Cf.
“Many scientists believe runaway greenhouse effect possible”. Greenpeace. Climata Impact Database.
http://archive.greenpeace.org/climate/database/records/zgpz0638.html.
1111
Cf. H. Reeves, F. Lenoir, Mal de Terre, Paris: Éditions du Seuil, 2003, p. 19; R. Madron, J. Jopling, Gaian Democracies. Redefining
Globalisation and People-Power, Londres, Green Books, 2003, p. 38: “Estouros do mercado de ações, enxames de gafanhotos e bolas de
neve rolando montanha abaixo são exemplos de retroalimentação positiva (positive feedback) em ação”.
1112
Didáticas explanações do que se entende por runaway greenhouse effect encontram-se no sítio de Department of Physics and
Astronomy da University of Tennessee: http://csep10.phys.utk.edu/astr161/lect/venus/greenhouse.html e num pequeno filme com James
Hansen no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=ACHLayfA6_4.
1113
Cf. Lee Billings, “Goodbye Goldilocks?”. The New Scientist, 8/VI/2013, pp. 40-43: “Venus seems to have started out habitable, with a
relatively Earth-like ocean and atmosphere. Its proximity to the sun rapidly turned those blessings into a curse. Water began to boil off
from the oceans into the atmosphere, where its heat-retaining qualities caused temperatures to rise still further. The result was a runaway
greenhouse effect that sterilised the planet as all the CO 2 was baked out of its crust and into its atmosphere. Under its stifling sky of
almost purê CO2 today, Venus’s surface temperature is some 460º C – above the melting points of tin, lead and zinc”.
1114
Cf. H. Reeves, F. Lenoir, Mal de Terre. Paris: Éditions du Seuil, 2003, pp. 20-26.
1115
Cf. M. Rees, Our Final Century. Londres: Heinemann, 2003, p. 110: “The interaction of atmosphere and oceans is so complex and
uncertain that we can’t discount the risk of something much more drastic than the ‘best guess’ rate of global warming. The rise by 2100
even exceed five dregrees. Even worse, the temperature change may not be just in direct (or ‘linear’) proportion to the rise in the carbon
dioxide concentration”.
1116
Cf. J. Hansen, Storms of My Grandchildren. The truth about coming climate catastrophe and our last chance to save humanity
(2009). Londres, Bloomsbury, 2011, p. 236: “After the ice is gone, would Earth proceed to the Venus syndrome, a runaway greenhouse
effect that would destroy all life on the planet, perhaps permanently? While that is difficult to say based on present information, I’ve come
to conclude that if we burn all reserves of oil, gas and coal, there is a substantial chance we will initiate the runaway greenhouse. If we
also burn the tar sands and tar shale, I believe the Venus syndrome is a dead certainty”.
1117
Cf. Ken Caldeira, “The Great Climate Experience. How far can we push the climate”. Scientific American, setembro de 2012:
“Molecule for molecule in the atmosphere, methane is about 37 times better at trapping heat than CO 2. Were this methane released
suddenly, as may have occurred in a warming event 55 million years ago known as the Paleocene-Eocene Thermal Maximum, we could
experience truly catastrophic warming. This risk is remote, however, according to most scientists. Some have also suggested that feedback
effects such as melting permafrost could cause a runaway greenhouse scenario where the oceans become so hot they evaporate. Because
water vapor is itself a greenhouse gas, such a stronger water cycle could cause Earth to get so hot that atmospheric water vapor would
persist and never rain out. In this case, atmospheric CO2 from volcanoes and other sources would continue to accumulate. Cosmic rays
would break apart the water vapor at high altitudes; the resulting hydrogen would eventually escape to space. Earth’s climate would then
settle into a state reminiscent of its planetary neighbor Venus”.
1118
“It looks like if we fuly ‘develop’ all of the world’s coal, tar sands, shales and other fóssil fuels we run a high risk of ending up in a
few generations with a largerly unlivable world”. Cf. M. La Page, “Global Warm/ning”. New Scientist, 17/XI/2012, p. 39.
1119
[os trabalhos mais recentes] “montrent que sans une réduction immédiate des émissions globales de méthane, le climat se réchauffera
vers un point de bascule dangereux dans les dix-huit à trente-cinq années qui viennent". Citado por Hervé Kempf, “L'exploitation du gaz
de schiste serait aussi nocive pour le climat que le charbon”. Le Monde, 31/V/2012.
1120
“After forty years living with the concept of Gaia I thought I knew her, but I realize now that I underestimated the severity of her
discipline. I knew that our self-regulating Earth had evolved from those species that left a better environment for their progeny and by the
elimination of those who fouled their habitat, but I never realized just how destructive we were, or that we had so grievously damaged the
Earth that Gaia now threatens us with ultimate punishment of extinction”.
1121
“[There] is no possibility of [Venus's] runaway greenhouse conditions occurring on the Earth". Reports on progress in physics, 68, 6,
2005. Citado no verbete “Runaway Greenhouse Effect” do Wikipedia.
1122
“How Likely Is a Runaway Greenhouse Effect on Earth?” MIT Technology Review, 13/I/2012: “Is there any missed physics or weak
assumptions that have been made, which if corrected could mean that the runaway is a greater risk? We cannot answer this with the
confidence which would make us feel comfortable.”
http://www.technologyreview.com/view/426608/how-likely-is-a-runaway-greenhouse-effect-on-earth/.

11. O salto qualitativo das crises ao colapso

1123
Cf. Aristóteles, Metafísica, livro VIII (H), 1045a. “Aliquid est totum praeter partes”. Aristoteles Metaphysica, edição trilíngue por
Valentín García Yebra. Madri, Editorial Gredos, 1982, p. 431. Na tradução francesa por J. Tricot, Paris, 1975, p. 475: “pour tout ce qui a
pluralité des parties, et dont la totalité n’est pas comme une pure juxtaposition, mais dont le tout est autre chose que l’assemblage des
parties, il y a une cause d’unité”.
1124
Cf. G. H. Lewes, Problems of Life and Mind. Londres, Trübner, 1875, p. 412: “The emergent is unlike its components insofar as these
are incommensurable, and it cannot be reduced to their sum or their difference”.
1125
Cf. C. Lloyd Morgan, “The Case for Emergent Evolution”. Journal of Philosophical Studies, 4, 13, 1929, pp. 23-38, p. 28: “the word
‘emergent’ was suggested by George Henry Lewes for specialized use in contradistinction to ‘resultant’”. Cf. C. Lloyd Morgan, “Mind
and body in their relation to each other and to external things”, Scientia, 1915, citado também no verbete “Emerger, émergence, un
émergent”, in A. Lalande, Vocabulaire technique et critique de la Philosophie, Paris, 1926.
1126
Cf. Georgescu-Roegen, op. cit. (1971), p. 13: “Most of the properties of water, for example, are not deducible by some universal
principles from the elemental properties of its components, oxygen and hydrogen; with respect to the latter properties, the former are
therefore novel. The principle is at work everywhere with a degree of diversity that increases constantly from the physics of the atom in
the inorganic field to the social forms in the superorganic domain”.
1127
R. Madron, J. Jopling, Gaian Democracies. Redefining Globalisation and People-Power, Londres, Green Books, 2003, p. 31.
1128
Cf. Buckminster Fuller (1975, p. 3): “Synergy means behaviour of whole systems unpredicted by the behaviour of their parts taken
separately”.
1129
Uma definição mais simples de sinergia que a de Buckminster Fuller, posto que deixa escapar a diversidade qualitativa dos efeitos de
sinergia (em relação à simples somatória dos fatores), é proposta por Paul R. Ehrlich e Anne H. Ehrlich, The Population Explosion, Nova
York, Simon and Schuster, 1990, p. 22: “Synergisms occur when the joint impact of two (or more) factors is greater than the sum of their
separate impacts”.
1130
Cf. A. Kojève, “Le Concept, le Temps et le Discours. Essai d’une mise à jour du Système hégélien du Savoir” (inédito, pp. 108-109),
apud Auffret (1990, p. 35).
1131

11.2. Algumas interações potenciadoras das crises

Cf. Heinberg (2007).


1132
“Commodity prices overall rose by almost 150% from 2002 to 2010, erasing the real price declines of the last 100 years. Essas
estimativas encontram-se em Towards the Circular Economy. Volume 3:Accelerating the scale-up across global supply chains, 2013.
Uma publicação da Ellen MacArthur Foundation .
1133
“Deforestation generally leads to decreased rainfall. Since forest existence crucially depends on rainfall, the relationship between
forest loss and precipitation decrease can form a positive feedback, which, under certain conditions, can lead to a nonlinear change in
forest cover”. Millenium Ecosystem Assessment, 2004. Vide http://www.maweb.org/documents/document.356.aspx.pdf, p. 11.
1134
Cf. A. J. Veraart et al., “Recovery rates reflect distance to a tipping point in a living system”. Nature, 481, 357-359, 19/I/2012.
1135
Veja-se o sítio da The Ozone Layer Inc. em http://www.theozonehole.com/arcticozone.htm.
1136
“There is limited capability to incorporate adaptive responses and changes in human attitudes and behaviors in models and to
incorporate critical feedbacks into quantitative models”. Vide
http://www.maweb.org/documents/document.356.aspx.pdf, p. 102.
1137
Segundo Jérôme Chave, Directeur de Recherche no CNRS, em entrevista concedida ao Le Monde, 24/XI/2012, este sequestro
ocorreria até certo ponto de saturação desse gás na atmosfera, que se situaria em torno de 600 ppm (estamos hoje com 400 ppm).
1138
Cf. C. B. Field et al. (ed.), “Managing the Risks of Extreme Events and Disasters to Advance Climate Change Adaptation”. Special
Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). Cambridge University Press, 2012:
http://www.ipcc-wg2.gov/SREX/images/uploads/SREX-All_FINAL.pdf.
1139
Cf. Joe Romm: “New IPCC Report. Climatologists More Certain Global Warming is Caused by Humans. Impacts Are Speeding Up”.
Climate Progress, 18/VIII/2013. Veja-se do mesmo autor: “IPCC’s Planned Obsolescence: Fifth Assessment Report Will Ignore Crucial
Permafrost Carbon Feedback!” Climate Progress, 2/XII/2012.
1140
Citado por Doyle Rice, “Study: World’s ice sheet loss accelerating”. Science Fair, 9/III/2011.
1141
“Même s’il est vrai que les glaciers du Groenland n’évoluent pas aussi vite que prévu par Tad Pfeffer et ses coauteurs [ Science, 2008],
ils changent beaucoup plus vite que prévu par le GIEC [IPCC] en 2007”. Citado por S. Foucart, “Montée des oceans. Jusqu’où, quand,
comment”. Le Monde, 5/V/2012, p. 8, que acrescenta: “Plus d’une demi-douzaine d’études ont été publiées sur le sujet depuis 2007.
Toutes concluent à une élévation comprise entre 50 cm et 2 mètres d’ici à la fin du siècle et semblent designer 1 mètre comme la valeur la
plus probable, en dépit d’incertitudes encore considérables. Toutes excèdent de loin les 20 cm à 60 cm calculés en 2007 par le GIEC
[IPCC] sur le même horizon de temps”. Veja-se também S. Rahmstorf, “A semi-empirical approach to projecting future sea-level”, para
quem: “When applied to future warming scenarios of the Intergovernmental Panel on Climate Change, this relationship [between
temperature and sea-level changes] results in a projected sea-level rise in 2100 of 0.5 to 1.4 meters above the 1990 level”. Veja-se
http://www.pik-potsdam.de/~stefan/Publications/Nature/rahmstorf_science_2007.pdf,
extraído de www.sciencemag.org, 19/I/2007.
1142
Cf. S. Rahmstorf, G. Foster, A. Cazenave, “Comparing climate projections to observations up to 2011”. Environmental Research
Letters, 2012. E o texto do Potsdam Institute of Climate Impact Research, intitulado “Projected sea-level rise may be underestimated”, no
qual se lê: “The oceans are rising 60 per cent faster than the IPCC’s latest best estimates” .
1143
Cf. E. Finn, “On thin ice”. MIT News, 10/VIII/2011: “Arctic sea ice is thinning, on average, four times faster than the models say, and
it’s drifting twice as quickly”. http://web.mit.edu/newsoffice/2011/arctic-ice-melt-0810.html.
1144
“Les scénarios sur lesquels discutent les gouvernements dans le cadre des négociations climatiques sont donc certainement trop
optimistes”. Entrevista concedida ao Le Monde, 24/XI/2012.
1145
Cf. Carlos Duarte et al., “Abrupt Climate Change in the Arctic”. Nature. Climate Change. 27/I/2012, 2, 60-62: “Tipping points have
been defined as critical points in forcing or some feature of a system, at which a small perturbation can qualitatively alter its future state”.
1146
Cf. Fritjof Capra, The Hidden Connections: Integrating the biological, cognitive and social dimensions of Life into a Science of
Sustainability, Nova York, Doubleday, 2002.
1147
Cf. G. Canguilhem, Écrits sur la médecine. Paris: PUF, 1989. Tradução espanhola, Buenos Aires: Sables, 1990, em particular o ensaio
“El problema de las regulaciones en el organism y la sociedad”, pp. 99-122.
1148
Cf. F. Gaffiot, Dictionnaire Latin-Français, Paris, Hachette, 1934; L. Castiglioni, S. Mariotti, Vocabolario della Lingua Latina,
Trento, 1966, ad vocem.
1149
A citação completa encontra-se no capítulo 9 - A sexta extinção e o colapso da biodiversidade.
1150
Cf. Global Environment Outlook Geo4, 2007. Apresentação de Achim Steiner: “Ecosystem services collapse is a distinct possibility
if action is not taken”. (...) No Capítulo 7, por exemplo, lê-se: “The complementary concept of resilience has been used to characterize a
system’s ability to bounce back to a reference state after a disturbance, and the capacity of a system to maintain certain structures and
functions despite disturbance. If the resilience is exceeded, collapse can occur”, p. 304. .
1151
Cf. Michael Marshall, “Ruined”. New Scientist, p. 36.
1152
Cf. Meadows, Meadows, Randers (2004), Prefácio.
1153
Cf. Brundtland (1987, p. 17).
1154
Citado por Madhusreee Mukerjee, “Apocalypse Soon: Has Civilization Passed the Environmental Point of No Return?” Scientific
American, 19/XII/2012: “I see collapse happening already”.
1155
Entrevista concedida a S. Foucart e H. Kempf, “La croissance mondiale va s’arrêter”. Le Monde, 26/V/2012.
1156
Cf. Diamond (2005, p. 6)..
1157
Seria errôneo acusar o autor de atribuir o colapso dessas civilizações apenas a questões ambientais.
1158
Cf. Diamond (2005, p. 7).
1159
Cf. Diamond (2005, pp. 3-4).
1160
Cf. Peter Gleick, “(Mis)Understanding Sea-Level Rise (SLR) and Climate Impacts”. Circle of Blue, 26/II/2013.
1161
Veja-se, por exemplo, T. Homer-Dixon, Catastrophe, Creativity, and the Renewal of Civilization, Washington. D.C., Resource and
Conflict Analysis Inc., 2006, pp. 38-43; E. Schneider, J. Kay, “Complexity and Thermodynamics: Towards a New Ecology”. Futures, 26,
6, 1994, pp. 626-647. E os economistas do Institut d’Études Économiques et Sociales pour la Décroissance Soutenable, que se inspiram
explicitamente na obra de Georgescu-Roegen. Vide http://www.decroissance.org/index.php?chemin=accueil.htm.
1162
Cf. Nicholas Georgescu-Roegen, The Entropy Law and the Economic Process, Havard University Press, 1971, p. 12: “But the Entropy
Law constitutes a singular case. It determines neither when (by clock-time) the entropy of a closed system will reach a certain level nor
exactly what will happen. In spite of this drawback (and contrary to what some have contended), the Entropy Law is not idle: it does
determine the general direction of the entropic process of any isolated system”.
1163
Challenges, 6/XII/2007: “On ne peut pas se satisfaire du capitalisme. (...) Un seul exemple: si on n’interroge pas vigoureusement la
dynamique du capitalisme, croyez-vous que nous parviendrons à maîtriser les changements climatiques? (...) Vous avez du reste des
événements qui viennent soutenir l’aspect difficilement soutenable du modele: soit des dérives intrinsèques, telle la crise des subprimes,
soit des phénomènes que le capitalisme et son système de valorisation ne permettent pas de traiter, le plus evidente est le réchauffement
climatique” .
1164
Cf. Dumont (1973, p. 8): “Pour la première fois dans l’histoire, les plus intelligents des représentants du capitalisme avouent
publiquement qu’ils nous mènent à une toute proche catastrophe: il nous faut donc chercher comment sortir vite du système”; Gorz,
Bosquet (1975/1978, p. 87): “nous pouvons vivre mieux tout en consommant et en travaillant moins, mais autrement. (...) La seule
question qui se pose est: peut-on vivre mieux en consommant moins dans le cadre du capitalisme? (itálicos dos autores). In Bourg,
Fragnière (2014, p. 417); Court (1990, p. 135): o “desenvolvimento sustentável vai exigir a solução do problema da dominação nas elites
da sociedade”; Guattari (1989/2013, p. 9): “Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a
condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e
imateriais”. Veja-se ainda Kempf (2009); Magdoff, Bellamy Foster (2011); Kurz (2007/2011); Orlov (2013), Vassort (2014) e Löwy
(2011). Agradeço a Francisco Foot Hardman por esta última referência.
Cf. Kempf (2009).
1165
Paris, Éditions du Seuil, 2009. A entrevista com Pascal Lamy é citada por este autor à p. 122.
1166
Cf. Herman E. Daly, “Sustainable Growth. An Impossibility Theorem” (1990). In, H. Daly, K. N. Townsend (org.), Valuing the Earth:
Economics, Ecology, Ethics. MIT Press, 1993, p. 267: “Impossibility statements are the very foundation of science. It is impossible to:
travel faster than the speed of light; create or destroy matter-energy; build a perpetual motion machine, etc. By respecting impossibility
theorems we avoid wasting resources on projects that are bound to fail. Therefore economists should be very interested in impossibility
theorems, especially the one to be demonstrated here, namely that it is impossible for the world economy to grow its way out of poverty
and environmental degradation. In other words, sustainable growth is impossible”.
1167
Cf. Eduardo Giannetti, “A crise ambiental e a economia de mercado”, in Vários autores, Novo Contrato Social. Propostas para esta
geração e para as outras. São Paulo, Instituto Ethos, 2013, p. 70.
1168
Cf. Cl. Bernard, Introduction à l’étude de la medicine expérimentale” (1865): “La science antique n’a pu concevoir que le milieu
extérieur; mais il faut, pour fonder la science biologique expérimentale, concevoir de plus un milieu intérieur. Je crois avoir le premier
exprimé clairement cette idée”. Citado por G. Canguilhem, “Théorie et technique de l’expérimentation chez Claude Bernard”. Études
d’Histoire et de Philosophie des Sciences (1968). Paris: Vrin, 1983, p. 148.
1169
Cf. La Convivialité (1973 e 1975). Oeuvres complètes, Paris, Fayard, 2003, vol. I, pp. 451-580, p. 507: “Ouvert, l’équilibre humain est
susceptible de se modifier en function de paramètres souples mais finis: si les homes peuvent changer, ils le font à l’intérieur de certaines
limites. À l’inverse, la dynamique du système industriel actuel fonde son instabilité: il est organisé en vue d’une croissance indefinite, et
de la creation illimitée de besoins nouveaux – qui deviennent vite contraignants dans le cadre industriel”.
1170
“O sistema de preços”, afirma com razão Giannetti no mesmo ensaio, “não obstante todos os seus méritos e propriedades
surpreendentes, tem uma falha grave: não dá os sinais corretos em relação ao uso dos recursos ambientais”. Art. cit. (2013), p. 72.
1171
Cf. Laurence Caramel, “Un plan de sauvetage pour le marché carbone européen”. Le Monde, 26/I/2014.
1172
Cf. S. Hirsch, “Making globalization moral?”. Transnational Corporations, 20, 3, 2011, pp. 87-93, p. 91: “Enlightened self interest is
a euphemism for long-term selfinterest. A firm endangers its future if it adopts policies which disregard the negative effects of present
decisions on its long-term chances of survival. Decisions affecting the environment, wage policy, training policy, pricing policies often
fall into this category”.
1173
Cf. Friedrich Engels, “The Part Played by Labour in the Transition from Ape to Man” (1876), citado por Fred Madgdoff, “Ecological
Civilization”. Monthly Review, 62, 8, 2011.
1174
“No… He can do it with his own money. If he pursues those environmental interests in such a way as to run the corporation less
effectively for its stockholders, then I think he’s being immoral. He’s an employee of the stockholders, however elevated his position may
appear to be. As such, he has a very strong moral responsibility to them”. Citado F. Magdoff e J. Bellamy Foster, What every
environmentalist needs to know about capitalism. New York, Monthly Review Press, 2011, pp. 104-105.
1175
Fundada por Ralph Raico, a revista New Individualist Review. A Journal of Classical Liberal Thought, foi publicada entre 1961-1968.
No editorial do primeiro número, declarava-se sua crença programática na: “free, private enterprise, and in the imposition of the strictest
limits to the power of government”. Ao escrever a Introdução do reprint dessa revista em 1981, Friedman declarou que seus artigos
"remain timely and relevant”. Cf. M. Friedman, “Introduction”. In New Individualist Review, Indianapolis, Liberty Press, 1981, pp. ix-xiv.
1176
Cf. “Food for thought”. The Economist, 15/XII/2012: “For food and drinks companies, rising obesity rates present a conundrum.
Companies have a duty to their shareholders to make money. (...) In 2010 PepsiCo declined to advertise its sugary drinks during
America’s Super Bowl, launching a marketing campaign for social causes instead. Shareholders began to revolt. They wanted PepsiCo to
give its full support to money-making products, healthy or not”. O mesmo dossiê sobre obesidade foi publicado em português pela revista
CartaCapital de 26/XII/2012.
1177
Estimativa proposta pela Carbon Tracker Initiative http://www.carbontracker.org/news/climate-trackers-climate-maths-finds-its-way-
to-cop18?.
1178
“According to the best science we have, there is room for 565 gigatonnes more CO2 in our atmosphere before we lose any chance of
keeping global temperature rise below 2 degrees and preventing the enormous damage associated with such a rise. All together, the global
oil, coal and gas industries are planning to burn over five times that amount, roughly 2,795 gigatonnes of carbon. Indeed, their share
prices depend on exploiting these reserves. (...) Their business plan is incompatible with our survival”
1179
Cf. Lucas Rossi, “No discurso é mais fácil”. Exame, 5/III/2014, p. 85.
1180
Apud John Friedman, “Milton Friedman was wrong about Corporate Social Responsability”. HuffPost, 6/XII/2012.
1181
Sobre o conceito e a mensuração do valor econômico da natureza, tal como proposto, entre outros, por Pavan Sukhdev, cf. The
Economics of Ecosystems and Biodiversity in Business and Enterprise e intervenções disponíveis no Youtube, por exemplo:
http://www.youtube.com/watch?v=E2HFbjGQyZ8&feature=related.
1182
Cf. Trucost. Natural Capital at Risk. The top 100 externalities of business. Abril, 2013. O estudo foi elaborado por encomenda do
TEEB – The Economics of Ecosystems and Biodiversity: No high impact region-sectors generate suficiente profit to cover their
environmental impacts”
1183
Citado por W. Novaes, “Complexidade, de um lado, urgência do outro”. O Estado de São Paulo, 15 de junho de 2012, p. 2.
1184
Towards the Circular Economy. Volume 3:Accelerating the scale-up across global supply chains, 2013. Uma publicação da Ellen
MacArthur Foundation .
1185
Cf. Jo Confino, “Circular economy offers business transformation and $1tn of savings”. The Guardian, 24/I/2014.
1186
Cf. Andrew C. Revkin, “Climate Expert Says NASA Tried to Silence Him”. The New York Times, 29/I/2006.
1187
Cf. Rachael Jolley, “Lands of the free?”. The New Scientist, 12/IV/2014, p. 26.
1188
Cf. Mark Bowen, Censoring Science: Inside the Political Attack on Dr. James Hansen and the Truth of Global Warming, New York,
Dutton, 2008; Raymond S. Bradeley, “Global Warming and Political Intimidation”, Thomson Shore, 2011; Naomi Oreskes, Erik. M.
Conway, Les marchands de doute (2010). Paris, Le Pommier, 2012.
1189
Cf. “Heads They Win, Tails We Lose. How Corporations Corrupt Science at the Public’s Expense”. Union of Concerned Scientists,
fevereiro de 2012; Wenonah Hauter, “University Research, Sold Out”. Other Words, 26/XII/2012.
1190
Citado por Suzanne Goldenberg, “Billionaires Secretly Funded Vast Climate Denial Network”. Mother Jones, 15/II/2013: “If you
look at libertarians, you tend to have a lot of differences on things like defense, immigration, drugs, the war, things like that compared to
conservatives. When it comes to issues like the environment, if there are differences, they are not nearly as pronounced" .
1191
Cf. Robert J. Brulle, “Institutionalizing delay: foundation funding and the creation of U.S. climate change counter-movement
organizations”. Climatic Change, 19/XI/2013: “these 91 CCCM organizations have an annual income of just over $900 million, with an
annual average of $64 million in identifiable foundation support. The overwhelming majority of the philanthropic support comes from
conservative foundations. Additionally, there is evidence of a trend toward concealing the sources of CCCM funding through the use of
donor directed philanthropies”.
1192
Cf. “Report to Congressional Addressees. Opportunities exist to Strengthen Policies and Processes for Managing Emergency
Assistance”, Julho de 2011, GAO-11-696. United States Government Accountability Office. Agradeço à Dra. Orice Williams Brown,
Diretora do Financial Markets and Community Investment do GAO, por me ter gentilmente transmitido esse documento. Veja-se:
http://www.gao.gov/products/GAO-11-696.
1193
Cf. U.S. Senator Bernard Sanders (I-Vt.), Washington, D.C., 12/VI/2012, “Jamie Dimon Is Not Alone”: “During the financial crisis,
at least 18 former and current directors from Federal Reserve Banks worked in banks and corporations that collectively received over $4
trillion in low-interest loans from the Federal Reserve”. Veja-se:
http://www.sanders.senate.gov/imo/media/doc/061212DimonIsNotAlone.pdf.
1194
Cf. B. Ivry, B. Keoun, P. Kuntz, “Secret Fed Loans Gave Banks $ 13 Billion Undisclosed to Congress”. Bloomberg, 27/XI/2011:
“The amount of money the central bank parceled out was surprising even to Gary H. Stern, president of the Federal Reserve Bank of
Minneapolis from 1985 to 2009, who says he “wasn’t aware of the magnitude.” It dwarfed the Treasury Department’s better-known $700
billion Troubled Asset Relief Program, or TARP. Add up guarantees and lending limits, and the Fed had committed $7.77 trillion as of
March 2009 to rescuing the financial system, more than half the value of everything produced in the U.S. that year”.
http://www.bloomberg.com/news/2011-11-28/secret-fed-loans-undisclosed-to-congress-gave-banks-13-billion-in-income.html.
1195
Cf. G. Monbiot, “No Bail-Out for the Planet”: Why is it so easy to save the banks, but so hard to save the biosphere? 17/12/2011.
http://www.monbiot.com/2011/12/17/no-bail-out-for-the-planet/
1196
Em junho de 2012, a justificação do Moody’s era “the increased risk of further shocks emanating from the euro area debt crisis, in
combination with the banks’ limited loss-absorption capacity”. The Telegraph, 6/VI/2012. Em 25 de julho, o Moddy’s declara que: “In the
case of Germany, today’s change in outlook to negative affects the long-term debt and deposit ratings or the long-term guaranteed debt
obligations of 17 German banking groups and several subsidiaries, whose ratings incorporate support from the German government
and/or several German federal states or municipalities” http://www.moodys.com/Pages/BankRatings.aspx.
1197
Cf. Barton Gellmann, Laura Poitras, “U.S., British intelligence mining data from nine U.S. Internet companies in broad
secret program”. The Washington Post, 7/VI/2013.
1198
Cf. Julian Assange, “The banality of ‘Don’t be evil’”. The New York Times, 1/VI/2013.
1199
Cf. Natasha Singer, “Mapping, and Sharing, the Consumer Genome”. The New York Times, 6/VI/2012: “It also worked with the
government after the September 2001 terrorist attacks, providing information about 11 of the 19 hijackers”.
1200
Cf. Central Intelligence Agency (CIA). The World Factbook 2012 ; “List of countries by public debt”. Wikipedia.
1201
Entre maio de 2010 e março de 2011, o BCE comprou 66 bilhões de euros dos banqueiros e de outros investidores. Apenas em agosto
de 2011, ele voltou a comprar, sempre no mercado secundário e a um preço muito superior ao negociado nesse mercado, 36 bilhões de
euros de títulos da dívida pública da Grécia, da Irlanda, de Portugal, da Espanha e da Itália. Não satisfeitos com essa operação de resgate,
os bancos aproveitaram para comprar mais títulos podres no mercado secundário, a 42,5% de seu valor de face (valor de 8 de agosto de
2011 e ainda menor sucessivamente), e a revendê-los ao BCE a 80% desse valor. Cf. Eric Toussaint, “La BCE, fidèle serviteur des intérêts
privés”. Entrevista concedida ao CADTM, 16/IX/2011 .
1202
A declaração de Joseph Schlarmann é citada e analisada por Mario Sergio Conti, “Adeus às ilhas”. Piauí, 79, abril, 2013, p. 70.
1203
Cf. Settis (2002); Dell’Orso (2002).
1204
Em “Da utilidade e do dano da história para a vida” (“Vom Nutzen und Nachteil der Historie für Leben”), segunda de suas
“Considerações intempestivas” (Unzeitgemässe Betrachtungen), de 1874, Nietzsche discorre sobre os três sentidos em que a história é
necessária para o homem que vive seu próprio tempo: como ser ativo que tem aspirações (história monumental), como ser que preserva e
venera (história antiquária) e como ser que sofre e tem necessidade de libertação (história crítica). Se na história dos séculos XIX e XX, o
Estado, notadamente social-democrata, aspirou ser mais que simples aparelho repressivo, é por ser o fiador dessas “utilidades” ( Nutzen)
da história que tal aspiração não foi descabida.
1205
http://www.taxjustice.net/cms/upload/pdf/The_Price_of_Offshore_Revisited_Presser_120722.pdf. Cf. Tax Justice Network, em
especial o relatório: “Global superrich has at least $21 trillion hidden in secret tax havens”. Tax Justice Network, 22/VII/2012: “At least
$21 trillion of unreported private financial wealth was owned by wealthy individuals via tax havens at the end of 2010.This sum is
equivalent to the size of the United States and Japanese economies combined. There may be as much as $32 trillion of hidden financial
assets held offshore by high net worth individuals (HNWIs), according to our report The Price of Offshore Revisited (…) We consider
these numbers to be conservative. This is only financial wealth and excludes a welter of real estate, yachts and other non financial assets
owned via offshore structures.
1206
Cf. Tax Justice Network http://www.taxjustice.net/cms/front_content.php?idcatart=2&lang=1: “Assets held offshore, beyond the
reach of effective taxation, are equal to about a third of total global assets”.
1207
Veja-se “O universo em expansão do mundo das finanças”. Le Monde Diplomatique Brasil, Dossiê 10: “Quem manda no mundo”.
Julho/agosto 2012, pp. 22-23.
1208
Citado pelo jornal La Tribune, 16/X/2008, p. 38 e pelo verbete “Paradis fiscal” de Wikipedia.
1209
Cf. “World Energy Outlook 2010”. International Energy Agency: “Fossil-fuel consumption subsidies worldwide amounted to US$
312 billion” http://www.iea.org/Textbase/npsum/weo2010sum.pdf; Bertrand d’Armagnac, “G20 fails to curb fossil fuels. Subsidies rise to
$470bn despite deal to phase them out”. The Guardian, 11/X/2011. Para avaliações entre 775 bilhões e 1 trilhão de dólares em 2012, veja-
se: “No Time to Waste: The Urgent Need for Transparency in Fossil Fuel Subsidies”. OilChange International: “The figures below
estimates of various groupings of subsidies, showing a range of existing subsidies from at least $775 billion to perhaps $1 trillion or more
in 2012” http://priceofoil.org/wp-content/uploads/2012/05/1TFSFIN.pdf.
1210
Veja-se o “discurso de despedida à nação” (farewell address to the nation) proferido em 18 de janeiro de 1961: “This conjunction of
an immense military establishment and a large arms industry is new in the American experience. The total influence – economic, political
even spiritual – is felt in every city, every state house, every office of the Federal Government.... we must not fail to comprehend its grave
implications. Our toil, resources and livelihood are all involved; so is the very structure o four society. In the councils of government, w e
must guard against the acquisition of unwarranted influence, whether sought or unsought, by the military-industrial complex. The
potential for the disastrous rise of misplaced power exists and will persist.". Citado por R. Higgs, “World War II and the Military-
Industrial-Congressional Complex”, 1995, in The Future Freedom Foundation . Cf. Oliver Stone, Peter Kuznick, The Untold History of
the United States, Nova York, Gallery Books, 2012, pp. 288-289.
1211
Cf. Richard Lardner, “Army says no to more tanks, but Congress insists”. Associated Press, 29/IV/2013.
1212
Cf. Audrey Garric, “Les moteurs diesel, entre subventions et dangerosité”. Le Monde, 1/III/2013: "répond davantage au souci de
préserver certains secteurs d'activité qu'à des objectifs environnementaux".
1213
Cf. T. Keys and Th. Malnight, “Corporate Clout. The Influence of the World’s Largest 100 Economic Entities”. Global Trends.
http://www.globaltrends.com/images/stories/corporate%20clout%20the%20worlds%20100%20largest%20economic%20entities.pdf
1214
“If we were to compare government revenues/budgets rather than GDP with corporate revenues, the relative economic power between
nations and corporations would shift strongly in favour of corporations”. Cf. T. Keys and Th. Malnight, “Corporate Clout, op. cit., p. 6.
1215
Cf. Wal-Mart Stores Inc. (WMT) Stock Analysis 2013, Gurufocus, 28/V/2013.
1216
Cf. N. Ferguson, The Ascent of Money. A Financial History of the World. New York, Penguin Press, 2008, p. 2.
1217
Cf. World Hunger. 12 Myths. The Institute for Food and Development Policy. Londres: Earthscan, 1998, 2ª ed. revista, 2012.
1218
Cf. R. Ehrenberg, “Financial world dominated by a few deep pockets”. Science News, 180, 7, 24/IX/2011, p. 13.
http://www.sciencenews.org/view/generic/id/333389/title/Financial_world_dominated_by_a_few_deep_pockets.
1219
Cf. S. Vitali, J.B. Glattfelder, S. Battiston, “The Network of Global Corporate Control”. Eidgenössische Technische Hochschule
Zürich (ETH).
http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0025995: “the strongly connected component, or core, is very
small (…). The core is also very densely connected, with members having, on average, ties to 20 other members. As a result, about 3/4 of
the ownership of firms in the core remains in the hands of firms of the core itself. In other words, this is a tightly-knit group of
corporations that cumulatively hold the majority share of each other”.
1220
Cf. D. Avraham, P. Selvaggi e J. Vickery, “A Structural View of U.S. Bank Holding Companies”. FRBNY Economic Policy Review,
julho de 2012 (em rede); Mark Thoma, “How To (Maybe) End Too Big to Fail”. The Economist’s View, 25/II/2013.
1221
O poder dessas corporações é, de resto, infinitamente desproporcional à sua função social de geração de emprego. Em 2009, as 100
maiores dentre elas empregavam 13,5 milhões de pessoas, isto é, apenas 0,4% da população mundial economicamente ativa, estimada
pela International Labor Organization em 3 bilhões 210 milhões de potenciais trabalhadores.
1222

Notas ao capítulo 14. Mais excedente = mais segurança? A ilusão do ilimitado

Cf. Cf. Karten von Leist, Denis Pêtre, “OTC derivatives market activity in the first half of 2011”. Bank for International Settlements,
Basileia, 2011 http://www.bis.org/publ/otc_hy1111.pdf. Cf. Fred Burks, “Financial time bomb: Five megabanks monopolize $700 trillion
derivatives market”. Examiner.com, 14/II/2012: “Most disturbing is the fact that 95% of all U.S. derivatives are monopolized by just five
megabanks and their holding companies”
1223
Cf. S. Freud, Charakter und Analerotik (1908), trad. francesa, “Caractère et érotisme anal”. Oeuvres Complètes, Paris, PUF, 2007,
vol. VIII, pp. 187-194.
1224
Cf. Amérique. Paris, Bernard Grasset, 1986; trad. inglesa, Londres, New York, Verso, 1989, pp. 15-16: “The obsessive fear of the
Americans is that the lights might go out. (…) The skylines lit up at dead of night, the air-conditioning systems cooling empty hotels in
the desert, and artificial light in the middle of the day all have something both demented and admirable about them: the mindless luxury
of a rich civilization, and yet of a civilization perhaps as scared to see the lights go out as was the hunter in his primitive night. There is
some truth in all of this”.
1225
Cf. Francesca Gino, Cassie Mogilner, “Time, Money and Morality”. Psychological Science, 31/XII/2013 .
1226
Cf. Chase-Dunn, Kawano, Brewer (2000, pp. 77-95): “from the 1830s there was a rise to a high mound between 1850 and the late
1880s, then a decline until 1905, and then another rise before World War I, a small decline during the war, and then another rise for the
roaring twenties. A big downturn corresponded with the crash of 1929. With some wiggles, trade globalization declined to a very low
level in 1945, and then began the most recent great wave of trade globalization”.
1227
“Regards sur le monde actuel” (1931). Oeuvres, II, Paris, Gallimard, 1960, p. 923.
1228
Paris, Gallimard, 2008, p. 13: “La reencontre de l’humanité avec les limites de la planète est um phénomène qui n’a aucun précédent
dans l’histoire de l’espèce”.
1229
Cf. Gianfranco Bologna, diretor científico da WWF na Itália, Living Planet Report 2010 da WWF, e a edição de 2012 deste mesmo
relatório, realizado pela WWF em colaboração com a London Zoological Society, o Global Footprint Network e a Agenzia Spaziale
Europea. Disponível em rede. A declaração de Gianfranco Bologna foi publicada no jornal La Repubblica de 15 de maio de 2012. Veja-se:
http://www.repubblica.it/ambiente/2012/05/15/news/living_planet_rapporto_wwf-35213937/.
1230
Cf. P. Gilding, The Great Disruption. Why the Climate Crisis Will Bring On the End of Shopping and the Birth of a New World. New
York, Bloomsbury Press, 2011, p. xi: “Why are we the first generation that, rather than sacrificing ourselves for our children’s future, are
sacrificing our children’s future for ourselves?”.
1231
Cf. Henrique Lian, “Sustentabilidade como justiça intergeracional”. Vários autores, Novo Contrato Social. São Paulo, Instituto Ethos,
2013, p. 77.
1232
Cf. Lester R. Brown, World on the edge, How to Prevent Environmental and Economic Collapse, New York, Londres, W.W. Norton,
2011: “We used to think it would be our children who would have to deal with the consequences of our deficits, but now it is clear that
our generation will have to deal with them. Ecological and economic déficits are now shaping not only our future, but our present”.
1233
Veja-se a respeito o documento publicado em 1980 pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos
Naturais: “Em seu desejo de realizar seu desenvolvimento econômico e em sua busca de riquezas naturais, a humanidade deve aceitar a
realidade da limitação dos recursos e da capacidade dos ecossistemas. Ela deve levar em conta as necessidades das gerações futuras”.
Intitulado World conservation strategy: Living resources conservation for sustainable development, ele foi publicado pelo WWF, o UICN
e o PNUD, cf. G. Granier, Y. Veyret, Développement durable. Quels enjeux géographiques? Paris, La documentation française, dossier n.
8053, 2006, p. 2.
1234
Esse adágio indígena norte-americano é citado por Lester Brown em Building a Sustainable Society, 1982: "We have not inherited the
earth from our fathers, we are borrowing it from our children".
1235
Cf. A. Chastel, Leçon inaugurale fait ele Mercredi 20 janvier 1971. Collège de France. Chaire d’Art et de Civilisation de la
Renaissance en Italie, 1971.
1236
Cf. Calandra (1996); Marques (2008, p. 61). Como é sabido, a restruturação do establishment politico-militar ambicionada por
Adriano traduzia-se por uma política voltada para a neutralização das forças centrífugas do Império, recentrando-o no eixo greco-romano.
Seu desinteresse pela expansão do limes imperial retomava o que Ânio Floro chamou de inertia Caesarum, cf. Floro, Epitome, I, 8: “A
Caesare Augusto in saeculum nostrum haud multo minus anni ducenti, quibus inertia Caesarum quasi consenuit atque decoxit” (De César
Augusto ao nosso tempo transcorreram não muito menos de duzentos anos, durante os quais a inércia dos Césares como que envelheceu
[o império] e quase o reduziu a nada).
1237
Cf. Aubenque (1972/1999, p. 233); Hadot (2002, pp. 223-238).
1238
E, muito mais tarde, Filo de Alexandria, cf. De somniis, I, 22, 139-140, apud Bussagli (2013, p. 54).
1239
Essa máxima da sabedoria délfica é igualmente socrática e Platão a cita nada menos que seis vezes em seus Diálogos:
Cármides (164D), Protágoras (343B), Fedro (229E), Filebo (48C), Alcibíades I (124A, 129A, 132C) e Leis (II.923A).
1240
Cf. Lara Nicolini, Introduzione a Apuleio, Le Metamorfosi, Roma, BUR, 2005, pp. 40-41.
1241
Cf. Momigliano (1988, p.174).
1242
“Ad Dyonisium de Burgo Sancti Sepulcri ordinis sancti augustini et sacre pagine professorem, de curis propriis”. Familiarum rerum
libri, IV, 1, in Opere, Florença, Sansoni, 1992, pp. 385-392. Sobre uma datação alternativa da carta em 1353, cf. Dotti (1987, pp. 38-39).
1243
Cf. Burckhardt (1860/1958, vol. II, pp. 198-99).
1244
Cf. Rosenthal (1971, p. 227).
1245
Cf. Edmund Spenser, The Faerie Queene (1596): “For noble Britons sprung from Troians bold”.
1246
Francis Bacon, Meditationes Sacrae (1597)
1247
Cf. Francis Bacon, “Aphorisms concerning the interpretation of nature, I, 3.
1248
M. Heidegger, “Die Frage nach der Technik” (1953). In: Vorträge und Aufsätze. Neske: Pfullingen, 1954. Tradução portuguesa
“A questão da técnica”. In, Ensaios e conferências. Petrópolis: Editora Vozes, 2002, pp. 11-37.
1249
Das Kapital. Kritische der politischen Oeconomie, Hamburgo: Verlag Otto Meissner, vol. I, p. 307, nota 13:
“Aristoteles' Definition ist eigentlich die, dass der Mensch von Natur Stadtbürger. Sie ist ebenso charakteristisch für das
klassische Alterthum, als Franklin's Definition, dass der Mensch von Natur lnstrurnentenmacher, für das Yankeethum”.
1250
Voltaire, carta a La Harpe de 31 de março de 1775, apud Aubenque (1963, p. 1).
1251
Aubenque (1963, p. 1).
1252
Cf. J. Ellul, La Technique, ou l’enjeu du siècle. Paris: Armand Colin, 1954, p. 3. Idem, Le système technicien, Paris: Calman-Lévy,
1977 e Id., Le bluff technologique, Paris: Hachette, 1988.
1253
Cf. H. Jonas, The Imperative of Responsibility. In search of an Ethics for the Technological Age (1979). The University of Chicago
Press, 1984; H. Jonas, Sull’orlo dell’abisso. Conversazioni sul rapport tra uomo e natura. Turim: Einaudi, 2000.
1254
Op. cit.: “The danger derives from the excessive dimensions of the scientific-technological-industrial civilization. What we could call
the Baconian program – namely, to aim knowledge at power over nature, and to utilize power over nature for the improvement of the
human lot – lacks in its capitalist execution from the outset the rationality as well as the justice with which it could have been conjoined”.
1255
Cf. H. Marcuse, Kultur und Gesellschaft. Frankfurt, 1965, citado por Habermas (1968/2009, p. 47).
1256
Cf. M. Serres, Le contrat naturel, Paris, Éditions François Bourin, 1990; Flammarion, 1992, p. 61.
1257
Cf. Marcuse (1964).
1258
Sobre a comparação entre a ação nefasta do homem sobre a natureza e a hybris trágica, cf. R. Argullol, “Vers un humanisme
polycentrique”. Diogène n° 206, abril-junho de 2004, pp. 151-156.
1259
Cf. P.-M. Schuhl, Machinisme et philosophie. Paris: PUF, 1947.
1260
Cf. G. Lebrun, “Sobre a tecnofobia”. In, A Filosofia e sua história. São Paulo: Cosacnaify, 2006, pp. 481-508.
1261
Apenas nos países chamados “em desenvolvimento” vivem atualmente 1 bilhão e 400 milhões de pessoas em extrema pobreza
(menos de US$ 1,25 por dia), o que significa 1/5 da população mundial. Cf. The World Bank. “New Data show 1.4 Billion Live on less
than US$ 1,25 a day. But Progress against Poverty remains strong”. 26/VIII/2008.

Notas ao capítulo 15. A ilusão antropocêntrica

1262
Cf. “Anthropomorphisme et causes finales”. Revue scientifique, 4/III/1899, apud A. Chollet, “Anthropomorphisme”. Dictionnaire de
théologie catholique, Paris, 1937, vol. II, p. 1367.
1263
Moscovici (1968, p. 22).
1264
Cf. Die Geschichte der Natur, Göttingen, 1948, apud Moscovici, cit. (1968), p. 40.
1265
Cf. Georgescu-Roegen (1971, pp. 276-277).
1266
Refiro-me aos subtítulos dos capítulos November (If I were the wind) e Arizona and New Mexico. On top (Thinking like a Mountain).
Cf. A. Leopold, A Sand County Almanac. Oxford University Press, 1949.
1267
“Ogni indirizzo di pensiero che ponga l’uomo al centro della realtà e che riconduca al bene dell’umanità la causa finale di tutte le
cose”. Enciclopedia Filosofica. Fondazione Centro Studi Filosofici di Gallarate. Milão, Bompiani, 2006, vol. I, ad vocem.
1268
André Jacob (dir.), Encyclopédie Philosophique Universelle, vol. II – Les Notions Philosophiques, sob a direção de Sylvain Auroux,
Paris, PUF, 1990, p. 105: “L’anthropocentrisme designe une doctrine qui place l’homme au centre du monde. (...) L’anthropocentrisme
énonce, en outre, l’idée suivant laquelle toutes les choses de l’univers (minéraux, végétaux, animaux) sont subordonnées à l’être humain”.
1269
Cf. Lovejoy (1936/1957, p. 186). A obra é uma referência central para a história do antropocentrismo.
1270
Oratio Ioannis Pici Mirandulani Concordia Comitis (1486), edição e tradução por Eugenio Garin, Edizione Nazionale dei Classici
del Pensiero Italiano, Florença, Vallecchi, 1942, p. 107: Nec certam sedem, nec propriam faciem, nec munus ullum peculiare tibi dedimus,
o Adam, ut quam sedem, quam faciem, quae munera tute optaveris, ea, pro voto, pro tua sententia, habeas et possideas. Definita ceteris
natura intra praescriptas a nobis leges coercetur. Tu, nullis angustiis coercitus, pro tuo arbitrio, in cuius manu te posui, tibi illam
praefinies. Medium te mundi posui, ut circumspiceres inde commodius quicquid est in mundo.
1271
Cf. Thomas Cole, Democritus and the Sources of Greek Anthropology, Atlanta, Scholars Press, 1990, p. 1. Entre os precedents citados
por Cole, ressaltem-se: L. Preller, “Die Vorstellungen der Alten besonders der Griechen von dem Ursprunge und den ältesten Schiksale
des menschlichen Geschlechts”. Philologus 7, 1852, pp. 35-60; E. A. Havelock, The Liberal Temper in Greek Politics. New Haven, 1957,
pp. 25-35; G. Boas, Essays on Primitivism and related Ideas in the Middle Ages, Baltimore, 1948, pp. 1-67.
1272
I Presocratici, Hermann Diels, Walther Kranz (eds.), texto original e tradução italiana aos cuidados de Giovanni Reale. Demócrito,
frag. B 34, Milão, Bompiani, 2006, pp. 1364-1365.
1273
Oratio, op. cit., ed. cit. p. 103: esse hominem creaturarum internuntium, superis familiarem, regem inferiorum; sensuum perspicacia,
rationis indagine, intelligentiae lumine, naturae interpretem; stabilis aevi et fluxi temporis interstitium, et (quod Persae dicunt) mundi
copulam, immo hymenaeum, ab angelis, teste Davide, paulo deminutum.
1274
Apud Vegetti, (1979/1996, p. 26).
1275
Ireneu de Lião, Esclarecimento e refutação da pseudo-gnose. Livro III: Doutrina cristã. São Paulo, Paulus, 1995, p. 351.
1276
Summa contra Gentiles cum commentariis Ferrariensis (1258-1265), ed. Leonina, XIII-XV, Roma, 1918-1930: [III, 111] Oportet
tamen aliquem rationem providentiae speciale observari circa intellectuales et rationales naturas, prae aliis creaturis. Praecellunt enim
alias criaturas et in perfectione naturae, et in dignitate finis. In perfectione quidem naturae, qui sola criatura rationalis habet dominium
sui actus (...). In dignitate autem finis, quia sola criatura intellectualis ad ipsum finem ultimum universi sua operatione pertingit, scilicet
cognoscendo et amando Deum: aliae vero creaturae ad finem ultimum pertingere non possunt nisi per aliqualem similitudinis ipsius
participationem. [III, 112] (...) aliorum vero conditio, quae non habent dominium sui actus, hoc indicat, quod eis non propter ipsa cura
impendatur, sed velut ad alia ordinatis. Quod enim ab altero tantum agitur, rationem instrumenti habet: quod vero per se agit, habet
rationem principalis agentis. Instrumentum autem non quaeritur propter seipsum, sed ut eo principale agens utatur. Unde oportet quod
omnis operationis diligentia quae circa instrumenta adhibetur, ad principale agens referatur sicut ad finem : quod autem circa principale
agens vel ab ipso vel ab alio adhibetur, inquantum est principale agens, propter ipsum est. (...) Inter omnes autem partes universi,
nobiliores sunt intellectuales creaturae; quia magis ad similitudinem divinam accedunt. (...) Non est autem ei quod praemissis rationibus
est ostensum contrarium, quod omnes partes universi ad perfectionem totius ordinantur: sic enim ad perfectionem totius omnes partes
ordinantur, inquantum una deservit alteri. (...) Per haec autem excluditur error ponentium homini esse peccatum si animalia bruta
occidat. Ex divina enim providentia naturali ordine in usum hominis ordinantur.
1277
Citado por Lovejoy (1936/1957, p. 187)
1278
Apud, Jill Kraye, “Moral Philosophy”, in Charles B. Schmitt, The Cambridge History of Renaissance Philosophy. Cambridge
University Press, 1988, pp. 301-386, p. 310.
1279
De motu libri I (1591), Florença, 1591, p. 1001, apud, Kraye, citado na nota antetior, p. 310.
1280
Cf. Francis Bacon, The Wisdom of the Ancients (1609), trad. portuguesa, A Sabedoria dos Antigos. São Paulo, Editora da UNESP,
2002, pp. 75-85. Sobre a importância e o sucesso da obra, cf. Michel Malherbe, La philosophie de Francis Bacon, Paris, Vrin, 2011, pp.
131-134.
1281
Cf. F.S. Mason, “Scienza e religione nell’Inghilterra del XVII secolo”. In, Christopher Hill, Saggi sulla rivoluzione inglese (1957),
Milão, Feltrinelli, 1971, pp. 283-303.
1282
Esse locus classicus da moderna concepção antropocêntrica da natureza encontra-se na sexta e última parte do Discours de la
Méthode (1637) de Descartes: “il est possible de parvenir à des connaissances qui soient fort utiles à la vie, et qu’au lieu de cette
philosophie spéculative qu’on enseigne dans les écoles, on en peut trouver une pratique, par laquelle, connaissant la force et les actions du
feu, de l’eau, de l’air, des astres, des cieux et de tous les autres corps qui nous environnent, aussi distinctement que nous connaissons les
divers métiers de nos artisans, nous les pourrions employer em même façon à tous les usages auxquels ils sont propres, et ainsi nous
rendre comme maîtres et possesseurs de la nature”. Oeuvres et lettres, Paris, Gallimard, Pléiade, 1953, p. 168. A passagem é citada, entre
outros, por P.-M. Schuhl em Machinisme et Philosophie, Paris, PUF, 1947, p. 40.
1283
Oeuvres et lettres, Paris, Gallimard, Pléiade, 1953, p. 1256: Je sais bien que les bêtes font beaucoup de choses mieux que nous, mais
je ne m’entonne pas; car cela même sert à prouver qu’elles agissent naturellement et par ressorts, ainsi qu’une horloge, laquelle montre
bien mieux l’heure qu’il est, que notre jugement ne nous l’enseigne. Veja-se também a carta de Descartes a Henri Morus, de 5 de fevereiro
de 1649, loc. cit., p. 1312.
1284
Cf. Immanuel Kant, Kritik der Urteilskraft (1790, Ak V,442): Es ist ein Urtheil, dessen sich selbst der gemeinste Verstand nicht
entschlagen kann, wenn er über das Dasein der Dinge in der Welt und die Existenz der Welt selbst nachdenkt: dass nämlich alle die
mannigfaltigen Geschöpfe, von wie grosser Kunsteinrichtung und wie mannigfaltigem zweckmässig auf einandere bezogenen
Zusammenhange sie auch sein mögen, ja selbst das Ganze so vieler Systeme derselben, die wir unrichtiger Weise Welten nennen, zu
nichts da sein würden, wenn es in ihnen nicht Menschen (vernünftige Wesen überhaupt) gäbe; d. i. dass ohne den Menschen die ganze
Schöpfung eine blosse Wüste, um sonst und ohne Endzweck sein würde.
1285
Cf. Leonel Ribeiro dos Santos, Regresso a Kant. Ética, estética, filosofia política, Lisboa. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2012,
p. 139. Agradeço ao autor a cortesia de me dar a conhecer seu livro, que tomo por guia na discussão sobre o antropocentrismo de Kant.
Veja-se sobretudo o capítulo 3: “Kant e os limites do Antropocentrismo ético-jurídico”.
1286
Cf. Ribeiro dos Santos, op. cit. p. 144.
1287
Apud Ribeiro dos Santos, p. 125: “The same operation which establishes man as the ‘supreme end’ permits him […] to degrade nature
and the world into mere means, robbing both of their independent dignity”. The Human Condition, Chicago University Press, 1958, pp.
155-156.
1288
Cf. Ribeiro dos Santos, op. cit. p. 145.
1289
The Imperative of Responsability (1979), The University of Chicago Press, 1984, p. 4.
1290
Plutarco, L’intelligence des animaux (959 B). Tradução francesa, Paris, Les Belles Lettres, 2012, p. 3.
1291
Cf. Ch. Darwin, Autobiography (1876): "In October 1838, that is, fifteen months after I had begun my systematic inquiry, I happened
to read for amusement Malthus on Population, and being well prepared to appreciate the struggle for existence which everywhere goes on
from long-continued observation of the habits of animals and plants, it at once struck me that under these circumstances favourable
variations would tend to be preserved, and unfavourable ones to be destroyed. The results of this would be the formation of a new species.
Here, then I had at last got a theory by which to work".
1292
Cf. Ch. Darwin, The Origin of Species, chapter III: “I use the term Struggle for Existence in a large and metaphorical sense, including
dependence of one being on another, and including (which is more important) not only the life of the individual, but success in leaving
progeny” (…) A struggle for existence inevitably follows from the high rate at which all organic beings tend to increase. (…) Hence, as
more individuals are produced than can possibly survive, there must in every case be a struggle for existence, either one individual with
another of the same species, or with the individuals of distinct species, or with the physical conditions of life. It is the doctrine of Malthus
applied with manifold force to the whole animal and vegetable kingdoms”.
1293
Cf. Christian Godin, La Haine de la Nature, Seyssel, Éditions Champ Vallon, 2012.
1294
Cf. Naess (1973, pp. 95-100); Idem (1984, pp. 256-270).
1295
Cf. Taylor (1981, pp. 134-137).
1296
Sobre a noção de ética ambiental, vejam-se as antologias organizadas por Callicott, Rocha (1996), Afeissa (2007, pp. 95-228) e
Bourg, Fragnière (2014, pp. 593-605), bem como as Introduções e as bibliografias propostas por esses autores.
1297
Cf. Albert Schweitzer, “Die Ehrfurcht vor dem Leben”. Tradução francesa, “Le respect de la vie”. Sermão pronunciado em 23 de
fevereiro de 1919 na igreja Saint-Nicolas de Estrasburgo: “O respeito da vida e a empatia por outra vida, eis o grande evento para o
mundo”. In, Bourg, Fragnière (2014, pp. 605-610).
1298
Cf. Hans Jonas, La domanda senza risposta. Alcune riflessioni su scienza, ateismo e la nozione di Dio. Gênova, Il Melangolo, 2001.
1299
Freud é o primeiro a reconhecer, nesse mesmo texto e em outros, a precedência de Schopenhauer: “Poucos homens puderam discernir
a importância enorme que a admissão de processos mentais inconscientes teria para a ciência e a vida. Acrescentemos logo, no entanto,
que não foi a psicanálise que deu o primeiro passo neste sentido. Filósofos de renome podem ser citados como precursores, sobretudo o
grande pensador Schopenhauer, cuja ‘vontade’ inconsciente se equipara aos instintos da mente na psicanálise”. Eine Schwierigkeit der
Psychoanalyse (1917), trad. port. “Uma dificuldade da psicanálise”, Obras completas, XIV (1917-1920), São Paulo: Companhia das
Letras, 2010, p. 251. Freud reitera o reconhecimento dessa precedência em outros textos, tais como “Contribuição à história do
movimento psicanalítico” (1914) e “Além do Princípio do Prazer” (1920). Em sua “Autobiografia” (1925), ele precisa a natureza das
afinidades entre seu pensamento e o de Schopenhauer: “As profundas concordâncias entre a psicanálise e a filosofia de Schopenhauer –
ele não apenas defendeu a primazia da vontade e a extraordinária importância da sexualidade, como reconheceu inclusive o mecanismo da
repressão – não podem ser atribuídas a meu conhecimento de sua teoria. Li Schopenhauer bastante tarde em minha vida”.
1300
Cf. Karl Marx, Das Kapital (1867), Parte 3: A Produção de Mais Valia Absoluta; capítulo 7: O Processo de Trabalho e o Processo de
Produção de Mais Valia: “Die Arbeit ist zunächst ein Prozess zwischen Mensh und Natur (...). Er tritt dem Naturstoff selbst als eine
Naturmacht gegenüber. Die seiner Leiblichkeit angehörigen Naturkräfte, Arme und Beine, Kopfe und Hand, um sich den Naturstoff in
einer für eignes Leben brauchbaren Form anzueignen. Indem er durch diese Bewegung auf die Natur ausser ihm wirkt und sie verändert,
verändert er zugleich seine eigne Natur” .
1301
“Was aber von vornherein den schlechtesten Baumeister vor der besten Biene auszeichnet, ist, daß er die Zelle in seinem Kopf gebaut
hat, bevor er sein Wachs baut”.
1302
Cf. James Lovelock, The Vanishing Face of Gaia: A final warning (2009), trad. port., São Paulo, Editora Intrínseca, 2010, p. 35.
1303
“The SPICE project will investigate the effectiveness of Solar Radiation Management (SRM) using stratospheric particles. It
addresses the three grand challenges in solar radiation management: 1. How much, of what, needs to be injected where into the
atmosphere to effectively and safely manage the climate system? 2. How do we deliver it there? 3. What are the likely impacts?”
http://www2.eng.cam.ac.uk/~hemh/climate/Geoengineering_RoySoc.htm. Veja-se George Monbiot, ‘Ballon debate” 2/IX/2011
http://www.monbiot.com/2011/09/02/balloon-debate/.
1304
Cf. “Sequestro de CO2 por fertilização dos oceanos falha em teste” Veja-se: http://www.ecodebate.com.br/2009/03/26/sequestro-
de-co2-por-fertilizacao-dos-oceanos-falha-em-teste/.
1305
“This is complete science fiction. We ought to stop talking about it”. Citado em Stephen Battersby, “Cool it”. New Scientist,
22/IX/2013, p. 32.
1306
Cf. J. Hansen, Storms of My Grandchildren. The truth about coming climate catastrophe and our last chance to save humanity
(2009). Londres, Bloomsbury, 2011, p. 230: “It is generally a bad idea to try to cover up one pollution effect by introducing another; such
an approach is likely to have many unintended effects. It is hard to match nature”.
1307
Cf. F. Engels, “Anteil der Arbeit an der Menschwerdung des Affen”. Dialektik der Natur (1873-1883). K. Marx, F. Engels, Werke.
Berlim: Dietz Verlag, vol. 20, 1962, p. 452. Cf. http://www.mlwerke.de/me/me20/me20_444.htm: “Schmeicheln wir uns indes nicht zu
sehr mit unsern menchschlichen Siegen über die Natur. Für jeden solchen Sieg rächt sie sich an uns. Jeder hat in erster Linie zwar die
Folgen, auf die wir gerechnet, aber in zweiter und dritter Linie hat er ganz andre unvorhergesehene Wirkungen, dir nur oft jene ersten
Folgen wieder aufheben”. Já citado por F. Magdoff, J. Bellamy Foster, What every environmentalist needs to know about capitalismo, op.
cit. 2011, p. 11
1308
The Cambridge Project for Existential Risk (2013): “Many scientists are concerned that developments in human technology may soon
pose new, extinction-level risks to our species as a whole. Such dangers have been suggested from progress in AI, from developments in
biotechnology and artificial life, from nanotechnology, and from possible extreme effects of anthropogenic climate change. The
seriousness of these risks is difficult to assess, but that in itself seems a cause for concern, given how much is at stake”
http://cser.org/index.html.
1309
Cf. M. Serres, Le contrat naturel, op. cit. (1990/1992), p. 61: “À force de la maîtriser, nous sommes devenus tant et si peu maîtres de
la Terre, qu’elle menace de nous maîtriser de nouveau à son tour”.
1310
“Paradoxically, most common approaches to increase agricultural efficiency, such as cultivation of all available land and the use of
pesticides, reduce the abundance and variety of wild insects that could increase production of these crops”. A afirmação de Lawrence D.
Harder, da University of Calgary, em Alberta no Cabadá foi citada por Red Orbit. Your Universe online
http://www.redorbit.com/news/science/1112794650/wild-bee-loss-affecting-crop-pollination-030113/. Sobre o artigo em questão, cf.
Lucas A. Garibaldi et al.. “Wild Pollinators Enhance Fruit Set of Crops Regardless of Honey Bee Abundance”, Science, 28/II/2013 .
1311
Cf. Jessica Hamzelou, “Global health report card”. New Scientist, 22-29/XII/2012, p. 6: “we now have a grip on some common
infectious desease, which have saved millions of children from early deaths. Collectively, however, we are spending more o four lives
living in poor health and with disability”.
1312
Cf. “Global Burden of Disease: Massive shifts reshape the health landscape worldwide”. Institute of Health Metrics and Evaluation
(IHME), University of Washington, Washington D.C.: “Globally, health advances present most people with a devastating irony: avoid
premature death but live longer and sicker” .
1313
Cf. D. Kerr, Prefácio a D. Jackson Nakazawa, The Autoimmune Epidemic, Touchstone/Simon and Schuster, 2007: “The prevalence of
autoimmune diseases like systemic lupus erythematosus, or lupus, multiple sclerosis, and type 1 diabetes is on the rise. In some cases,
autoimmune diseases are three times more common now than they were several decades ago. These changes are not due to increased
recognition of these disorders or altered diagnostic criteria. Rather, more people are getting autoimmune disorders than ever before.”
1314
Cf. M. Pongsiri, et al., “Biodiversity Loss Affects Global Disease Ecology”. Bioscience, 59/11, 2009, pp. 945-954.
1315
Todos os dados citados estão em Lena H. Sun, “CDC says ‘nightmare bactéria a growing threat”. The Washington Post, 5/III/2013 .
1316
Cf. “Tuberculose: les cas de résistance atteignent des niveaux alarmants”. Le Monde, 31/VIII/2012. Veja-se também “Alarming levels
of drug-resistant TB found worldwide”. The Economic Times, 30/VIII/2012: “In a large international study published in the Lancet
medical journal on Thursday, researchers found rates of both multi drug-resistant TB (MDR-TB) and extensively drug-resistant TB
(XDR-TB) were higher than previously thought and were threatening global efforts to curb the spread of the disease. Most international
recommendations for TB control have been developed for MDR-TB prevalence of up to around 5 per cent. Yet now we face prevalence up
to 10 times higher in some places, where almost half of the patients ... are transmitting MDR strains, Sven Hoffner of the Swedish
Institute for Communicable Disease Control, said in a commentary on the study. TB is already a worldwide pandemic that infected 8.8
million people and killed 1.4 million in 2010”. E ainda R. Loddenkemper, G. Sotgiu, C. D. Mitnick, “Cost of tuberculosis in the era of
multidrug resistance: will it become unaffordable?”. European Respiratory Journal, 40, 1/VII/2012: “In 1905, Robert Koch ended his
Nobel Lecture on “The current state of the struggle against tuberculosis” with the optimistic sentence: “If the work goes on in this
powerful way, then the victory must be won”. At the end of the 1970s and the beginning of the 1980s, many believed that tuberculosis
(TB) was nearly vanquished. Now, more than 100 years after Koch’s Nobel Lecture, TB has emerged as an even greater public health
problem, mainly for two reasons: co-infection with HIV and the development of complex mycobacterial drug resistance patterns. The
World Health Organization (WHO) estimates that of the 8.8 million new cases in 2010, 3% were caused by multidrug-resistant (MDR)
strains of Mycobacterium tuberculosis, defined as resistance to at least the two most powerful anti-TB drugs (…). Furthermore, 30,000
cases were thought to be due to extensively drug-resistant (XDR) strains, defined as MDR plus resistance to any fluoroquinolone and at
least one second-line injectable anti-TB drug (…). The estimated prevalence of MDR-TB in new and previously treated cases in 2010 was
650,000 worldwide. MDR- and XDR-TB are man-made phenomena that emerge as a result of inadequate treatment of TB and/or poor
airborne infection control in healthcare facilities and congregate settings”.
http://erj.ersjournals.com/content/40/1/9.short
1317
Cf. Richard Knox, “Drug-Resistant Tuberculosis A 'Serious Epidemic' In China”. NPR, 6/XII/2012.
1318
Cf. Catherine Vincent, “Les gaz émis par les moteurs diesel reconnus comme cancérogènes”. Le Monde, 13/VI/2012.
1319
Cf. Sabine Rohrmann et al., “Meat consumption and mortality. Results from the European Prospective Investigation into Cancer and
Nutrition”, BMC Medicine, 7/III/2013: “The results of our analysis support a moderate positive association between processed meat
consumption and mortality, in particular due to cardiovascular diseases, but also to câncer”. http://www.biomedcentral.com/1741-
7015/11/63.
1320
“There is no evidence that [leaded gasoline] has introduced a danger in the field of public health.” Citado em A Climate of Corporate
Control. How Corporations Have Influenced the U.S. Dialogue on Climate Science and Policy, documento em rede publicado pela Union
of Concerned Scientists, veja-se: http://www.ucsusa.org/assets/documents/scientific_integrity/a-climate-of-corporate-control-report.pdf.
1321
Cf. Catherine Vincent, “Les gaz émis par les moteurs diesel reconnus comme cancérogènes”. Le Monde, 13/VI/2012.
1322
Cf. Shan Juan, Wang Qian, “Exposure to smog is severe hazard”. China Daily, 12/VI/2011 .
1323
Cf. Cheng Yingqi, “Beijing residents face rising cancer threat” China Daily. 12/X/2012 : "Pollution and unhealthy lifestyles are the
primary causes for the high cancer rate".
1324
Veja-se http://www.who.int/features/qa/15/en/index.html: “Cancer is a leading cause of death worldwide and the total number of cases
globally is increasing. The number of global cancer deaths is projected to increase 45% from 2007 to 2030 (from 7.9 million to 11.5
million deaths). (...) New cases of cancer in the same period are estimated to jump from 11.3 million in 2007 to 15.5 million in 2030.
1325
Esta estimativa é citada pela própria OMS no artigo “Global cancer rates could increase by 50% to 15 million by 2020”: Cancer rates
could further increase by 50% to 15 million new cases in the year 2020, according to the World Cancer Report, the most comprehensive
global examination of the disease to date”.
1326
Sobre o artigo de Freddie Bray e de sua equipe publicado na Lancet Oncology, veja-se “Cancer Rates Expected To Increase 75% By
2030” Medical New Today: “the incidence of cancer is expected to increase by more than 75% by the year 2030 in developed countries,
and over 90% in developing nations. http://www.medicalnewstoday.com/articles/246061.php.
1327
Cf. Paul Benkimoun, “Chute spectaculaire de la qualité du sperme”. Le Monde, 6/XII/2012; “Alerte sur le sperme”. Le Monde,
6/XII/2012
1328
Cf. E. Craig, “After Years of Edging Up, Life Expectancy in the U.S. Dips, Report Says”. Fair Warning 10/XII/2010 .
1329
Cf. Sabrina Tavernese, “Life Spans Shrink for Least-Educated Whites in the U.S.”. The New York Times, 20/IX/2012.
1330
Cf. “Marked Fall in Last 10 Years: Life Expectancy Shrinks for Germans on Low Incomes”. Spiegel Online International,
12/XII/2011: “those on low earnings could expect to live an average of 77.5 years in 2001 but only 75.5 years in 2010. (...) The former
communist east of Germany saw an even more dramatic decline in life expectancy among those on low earnings. In the east, life
expectancy shrank from 77.9 years to 74.1 years over the decade to 2010”.
1331
Cf. Peter Aldhous, “Forget labels, taget faulty wiring to help mental illness”. New Scientist, 15/XII/2012, p. 12: “Some critics argue
that it’s time to rip up the manual and start again”.
1332
Citado por Debora Brauser, “Experts React to DSM-5 Approval”. Medscape Medical News, 3/XII/2012 : "DSM-5 opens up the
possibility that millions and millions of people currently considered normal will be diagnosed as having a mental disorder and will receive
medication and stigma that they don't need".
1333
Cf. Marcia Angell, “The Epidemic of Mental Illness. Why?”. The New York Review of Books, 23/VI/2011.
1334
Cf. Cf. E. Bromet et al., “Cross-national epidemiology of DSM-IV major depressive episode”. BMC Medicine, 9, 90, 2011: “The
World Health Organization ranks depression as the fourth leading cause of disability worldwide, and projects that by 2020, it will be the
second leading cause” ; C.J. Murray, A.D. Lopez (eds.), The Global Burden of Disease: A Comprehensive Assessment of Mortality and
Disability from Diseases, Injuries, and Risk Factors in 1990 and Projected to 2020 Cambridge (Mass), Harvard University Press, 1996.
1335
Cf. M. N. Stagnitti, “Antidepressant Use in the U.S. Civilian Noninstitutionalized Population, 2002” Medical Expenditure Panel
Service¸ 9/V/2005 .
1336
Cf. D. Healy, Les Médicaments psychiatriques démystifiés, Elsevier, 2009; M. Angell, The Truth About the Drug Companies: How
They Deceive Us and What to Do About It. Londres, Random House, 2004. Segundo Marcia Angell, Professora da Harvard University,
dos 170 experts que contribuíram à redação da 4ª edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) publicado pela
American Psychiatric Association, 95 mantinham laços financeiros com as corporações farmacêuticas. Quanto aos autores dos capítulos
sobre esquizofrenia e perturbações do humor, 100% deles estavam ligados a essa indústria. Cf. M. Angell, “Industry- Sponsored Clinical
Research, A Broken System”. The Journal of the American Medical Association, 300, 9, 2008, pp. 1069-1071 .
1337
Essa “secularização” da concepção providencialista da história foi bem dissecada por Karl Löwith em Weltgeschichte und
Heilgeschehen. Die theologischen Voraussetzungen der Geschichtsphilosophie. Tradução francesa: Histoire et Salut. Les présupposés
théologiques de la philosophie de l’histoire. Paris, Gallimanrd, 2002.
1338
Cf. Jean-Jacques Rousseau, Discours sur l’origine et les fondements de l’inégalité parmi les hommes (1754)
1339
“Rousseau père”. Le Courrier de l’Unesco, março, 1963; Anthropologie structurale deux, Paris, 1973. Agradeço Nádia Farage por
essa indicação.
1340
Cf. M. Heidegger, Einführung in die Metaphysik (1934), Tübingen: Niemeyer, 1957, pp. 112-116. Apud D. Janicaud, “L’humanisme:
des malentendus aux enjeux”. Revue philosophique de Louvain, 99, 2, 2001, p. 191.
1341
Segundo o Public Religion Research Institute, 36% dos norte-americanos acreditam que o aquecimento global é signo de uma
iminente parousia, isto é, do retorno de Cristo. O Instituto Gallup, em pesquisa de junho de 2012, mostra que 46% da população dos
Estados Unidos acredita que o homem e o universo foram criados em sua presente forma há menos de dez mil anos. Apenas 15% dos
entrevistados não acreditam em um fiat divino. As onze pesquisas realizadas pela Gallup a respeito nos últimos 30 anos (1982-2012)
indicam que 40% a 47% dos entrevistados naquele país professam tais crenças. A exportação do obscurantismo norte-americano tem dado
seus frutos. Seguindo o exemplo da Louisiana e do monkey bill promulgado em abril de 2012 no Tennessee, a Coreia do Sul, por exemplo,
acaba de adotar textos escolares criacionistas. Cf. D. Merica, “Survey: one in three Americans see extreme weather as a signo f biblical
end times”. CNN, 13/XII/2012; F. Newport, “In U.S., 46% hold creationist view of Human Origins”, Gallup Politics, 1/VI/2012; H.
Thompson, “Tennessee ‘monkey bill’ becomes law”. Nature, 11/IV/2012; P. Barthélémy, “Offensive anti-Darwin en Corée du Sud”, Le Monde,
10/VI/2012.
1342
Cf. Alex Berezow, Hank Campbell, “Science left out”. New Scientist, 2/II/2013, pp. 24-25.
1343
Cf. Hessel, Morin (2011): “Maintenant nos sociétés doivent choisir: la métamorphose ou la mort”.
1344
Cf. Goldsmith et al. (1972) http://www.theecologist.info/page33.html.
1345
“Increased droughts, more unpredictable variability, 100-year floods every two years. When we look at our most essential
ingredients, we see those events as threats.” Apud, Coral Davenport, “Industry awakens to threat of climate change”, The New York Times,
23/I/2014.
1346
Cf. Manuela Kasper-Claridge “Cost of climate change high on Davos agenda”. Sítio da DW, 24/I/2014.
1347
O que não é, de resto, um fenômeno exclusivo do socialismo, pois ocorreu de modo equivalente em países capitalistas como o Japão,
a Coreia do Sul e a China insular.
1348
Immanuel Kant, Zum ewigen Frieden. Ein philosophischer Entwurf (1795); Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto Comunista.
1349
Cf. Arnold J. Toynbee, A Study of History, Oxford: Oxford Univ. Press, 1935, Vol. I, p. 147: "the Wars of Nationality, which began in
the eighteenth century and are still the scourge of the twentieth."
1350
Cf. Theodore Roosevelt, The Strenuous Life, 1899, citado em epígrafe por Dambisa Moyo, Winner take All: China’s Race for
Resources and What It Means for the World . Basic Books, 2012. Tradução portuguesa, O vencedor leva tudo. Rio de Janeiro, Objetiva,
2012, p. 5.
1351
Cf. Piketty (2013), capítulo 14 de seu livro, seção: “Taxação confiscatória de rendas excessivas: uma invenção americana”), citado por
Paul Krugman, “EUA, onde o capital é rei”. CartaCapital, 9/IV/2014, p. 50.
1352
Cf. Andrew Dobson, “Representative Democracy and the Environment” (em rede); Robyn Eckersley (2004, capítulo 5.4.
Representing ‘Exclude Others’: the Political and Institutional Challenges): “Andrew Dobson has defended the provocative idea of proxy
representation of both non-human animals and future generations in representative assemblies by deputies”
1353
Tais como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a United Nations Framework Convention on Climate
Change (UNFCCC), o International Panel on Climate Change (IPCC), a Food and Agriculture Organization (FAO), a United Nations
Convention to Combat Desertification (UNCCD), a World Meteorological Society (WMO), a Organização Mundial da Saúde (OMS), o
Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) etc.
1354
Michel Serres, Le Contrat naturel. Paris, Éditions François Bourin, 1990; Flammarion, 1992; Idem, Retour au ‘Contrat naturel’.
Paris, Bibliothèque Nationale de France, 1998.
1355
Forma nominal do verbo nascor, nascer; “natura: action de faire naître”. Cf. Alfred Ernout, Antoine Meillet, Dictionnaire
étymologique de la langue latine (1932), Paris, Klincksieck, 2001, p. 430. Cf. Michel Serres, Retour au ‘Contrat naturel, Paris, BNF,
1998, p. 15: “Nous avons assez agi sur les choses, nous avons tenté d’examiner ses objets, il est temps de connaître le monde; je préfère
parler, plutôt, de nature, non point aux sens ordinaires, mais dans le pur sens etymologique, puisqu’elle est en train de naître, tout à fait
nouvelle pour nous, nos connaissances et nos actes globalisés”
1356
Cf. “Democracy”, in A. Dobson, R. Eckersley (orgs.), Political Theory and the Ecological Challenge. Cambridge, University Press,
2006, p. 135. In D. Bourg, A. Fragnière (org.), La pensée écologique. Une anthologie. Paris, PUF, 2014, p. 832.
1357
Palestra proferida em 27 de fevereiro de 1980 para os estudantes de Louvain-la-Neuve sobre o tema “Luta anti-nuclear, ecologia e
política”, in Cornelius Castoriadis, Daniel Cohn-Bendit, De l´écologie à l’autonomie. Lormont, Le bord de l’eau, 2014, p. 45.
1358
Milton Friedman, citado por Richard Heinberg, The End of Growth, op. cit., 2011, p. 231.
1359
Cf. Ernst Bloch, “Redonner ses chances à l’utopie”. Entropia, 1, Lyon, citado por Serge Latouche, “L’État et la révolution (de la
décroissance)”. Entropia. Revue d’étude théorique et politique de la décroissance, 13, outono, 2012, pp. 74-86.

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