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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO


CENTRO DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS
MESTRADO E DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROF. DR. LUIZ ALENCAR LIBÓRIO

PSICOLOGIA DA
RELIGIÃO
(Código: MCR 6204)
2

RECIFE-PE / 2018

1 - EMENTA
Conhecimento das origens e evolução da Psicologia da Religião e de sua
importância na existência do homem. Análise cognitiva, psicanalítica e psicossocial das
motivações, experiências e comportamentos religiosos, em sua fonte interna (vazio
existencial) e externa (influência ambiental), na pluralista convivência humana.
Conscientização da importância das funções psicossociais da religião na vida da pessoa e
grupos religiosos, em busca da plenitude de sua existência.

2 - OBJETIVOS
Geral:
Conhecer a evolução da Psicologia da Religião e analisar, do ponto de vista
cognitivo, psicanalítico e psicossocial, as motivações, experiências e comportamentos da
pessoa que vive determinada fé.
Específicos:
 Conscientizar o aluno da real importância das várias funções da Religião
em sua vida, na busca e vivência de um sentido transcendental para a
existência.
 Levar o aluno a uma vivência mais consciente e madura da sua fé, sabendo
quais são as reais motivações de sua experiência e comportamento
religiosos, para utilizá-las não de modo alienado, mas libertador e
construtivo de sua personalidade, como membro dos grupos humanos.

3 - CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

I - AS RAÍZES DA RELIGIOSIDADE NA EXISTÊNCIA HUMANA


1 - Inícios da Psicologia da Religião.
2- Personalidade e dimensão emotiva do comportamento religioso.
3- Religiosidade, nas fases evolutivas da pessoa humana.

II – ABORDAGEM COGNITIVA E PSICANALÍTICA DA RELIGIOSIDADE HUMANA


1- Dimensão cognitiva e psicanalítica na religiosidade popular e na mística;
2- Motivações, experiências e atitudes religiosas da pessoa e grupos religiosos;
3- Influência ambiental e expressões do comportamento religioso pessoal e grupal.
3

III - FUNÇÕES PSICOSSOCIAS DA RELIGIÃO


1- Religião como oferta de saúde, bem-estar e salvação.
2-Os novos movimentos religiosos: apelo e provocação ao Cristianismo.
3- Formação permanente de uma maturidade religiosa libertadora e
transformadora.

4 - METODOLOGIA
 No processo Ensino-Aprendizagem, vivenciar-se-á a disposição pedagógica
para uma relação educando/educador que propicie um clima de intercâmbio
de conhecimentos e experiências nessas temáticas, visando um
enriquecimento mútuo de professor e alunos.
 Desenvolvimento, em cada tema do Curso, de aulas, com dinâmicas
diferenciadas e complementares: aulas de exposição; aulas com grupos de
leitura dirigida (dinâmica de grupo, seminários) e debates sobre os temas,
com os Recursos Didáticos: quadro de giz, textos, retroprojetor, vídeos,
DVD e outros recursos disponíveis.
 Disponibilidade de tempo para conversas pessoais ou em grupo para
acompanhamento mais eficiente dos alunos.

5 – REFERÊNCIAS:

ALVES, Rubem. O enigma da religião. Petrópolis: Vozes, 1975.


BENKÖ, Antal. Psicologia da religião. São Paulo: Loyola, 1981.
COLLINS, Francis. A linguagem de Deus. São Paulo: Editora Gente, 2007. 280p.
DESROCHE, Henri. O homem e suas religiões. São Paulo: Paulinas, 1985.
DROGUETT, J. G. Desejo de Deus: diálogo entre Psicanálise e fé. Petrópolis: Vozes, 2000.
EDINGER, Edward F. Bíblia e Psique: simbolismo da individuação no Antigo Testamento.
Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulinas, 1990.
ELIADE, Mircea-COULIANO, Ioan P. Dicionário das religiões. São Paulo: Martins Fontes,
1999. 342 p.
ELIADE, Mircea. O mito do eterno retorno. Tradução de Manuela Torres. Lisboa: Ed. 70, 1984.
FILORAMO, Giovanni – PRANDI, Carlo. As ciências das religiões. São Paulo: Paulus, 2003.
296 p.
FREUD, Sigmund (1937). Moisés e o monoteísmo. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu.
Rio de Janeiro: Imago, 1969 (também: Obras completas).
______. Metapsicologia. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Imago, 1974
(também: Obras completas).
FRANKL, Victor E. A presença ignorada de Deus. Petrópolis: Vozes, 1993.
______. Dar sentido à vida: a Logoterapia de Frankl. Petrópolis: Vozes, 1992. 150 p.
______. Psicoterapia e sentido da vida. Fundamentos da Logoterapia e análise existencial. São
Paulo: Quadrante, 1986.352p.
4

______. Um psicólogo no campo de concentração. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1993. 136p.


HOONAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo brasileiro: 1550-1800. Petrópolis: Vozes,
1978.
JUNG, Carl G. A energia psíquica. Petrópolis: Vozes, 1954.
______. Interpretação psicológica do dogma da Trindade. Petrópolis: Vozes, 1983. 100p.
______. Two essays on analytical psychology. New York: Meridian Books, 1956. 347p.
______. O eu e o Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2003. 166p
KÖNIG, Franz - WALDENFELS, Hans. Léxico das religiões. Petrópolis: Vozes, 1998. 622p.
KÜNG, Hans. Religiões do mundo: em busca de pontos comuns. Campinas: Verus Editora, 2004.
283 p.
MÜLLER, Wunibald. Deixar-se tocar pelo sagrado.Petrópolis: Vozes, 2004. 181p.
PADEN,William. Interpretando o sagrado. São Paulo: Paulinas, 2001.
PALMER, Michael. Freud e Jung: Sobre a religião. São Paulo: Loyola, 2001.269 p.
ROSA, Merval. Psicologia da religião. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1979. 2ª ed.
SHERMER. Michael. Cérebro & Crença. São Paulo: Cultura, 2011. 385p.
TEIXEIRA, Faustino (Org.). A(s) ciência(s) da religião no Brasil: afirmação de uma área
acadêmica. São Paulo: Paulinas, 2001. 346 p.
______.Teologia das religiões: uma visão panorâmica. São Paulo: Paulinas, 1985. 241p.
______. Sociologia da religião. Enfoques teóricos. Petrópolis (RJ): Vozes, 2003. 270p.

TEIXEIRA, Faustino; USARSKI, F. (Org.). O espectro disciplinar da Ciência da


Religião. São Paulo: Paulinas, 2007.

TERRIN, Aldo N. Introdução ao estudo comparado das religiões. São Paulo:Paulinas, 2003.
419p.
TILLICH, Paul. A coragem de ser. São Paulo: Paz e Terra, 1992. 146p.
VALLE, J. E. dos Reis. Psicologia e experiência religiosa. São Paulo: Loyola, 1998.

VERGER, Pierre. Notas sobre o culto dos orixás e voduns, no candomblé da Bahia (Brasil) e
na Costa dos Escravos, na África. São Paulo: EDUSP, 2000.
VERGOTE, A. Psicologia religiosa. Torino: Borla, 1967.

VAUGHAN, F. E. “Lo sviluppo del potenziale umano al di là del ego”. In: ROSSELLI, M.
(Org.). I nuovi paradigmi della psicologia. Il cammimo della psicosintesi. Assisi:
Cittadella, 1992, p. 47-61.

Recife, 19 de fevereiro de 2018.


____________________
Prof. Luiz Alencar Libório
5

*****

A EXISTÊNCIA HUMANA E A DIMENSÃO PSICORRELIGIOSA

ABORDAGENS PRELIMINARES:

 As principais semelhanças e diferenças entre homem e animal → Sistema


aberto e fechado, na Biologia, Psicologia e Metafísica (Filosofia e Teologia) 
Filme: 2001: Uma odisséia no espaço (Stanley Kubrick).

 Considerações sobre a visão existencialista (niilista e cristã) do homem: Jean-


Paul Sartre: “O Ser e o Nada” (L’Être et le Néant); Martin Heidegger: “O Ser e
o Tempo” (Sein und Zeit); Gabriel Marcel: “O Homem viajor” (Homo viator).

 Principais características do homem, segundo o Existencialismo (mais


heideggeriano): O “Dasein” (Ser-aí). O homem é, segundo Martin Heidegger:
1. “Existente”(Ex-sistere: estar de pé diante do Nascimento-Morte);
2. “Abandono”(Geworfenheit);
3. “ Ser-no-mundo”(In-der-Welt-sein);
4. “ Projeto” (Entwurf);
5. “Aberto” (Erschlossenheit);
6. “Existência-com”(Mitdasein);
7. ” Co-mundo” (Mitwelt);
8. “Apercepção” (Ausbindung);
9. “ Ser-com-os-outros”(Mitsein);
10. “Expressão” (Aussage);
11. “ Discursividade” (Rede);
12. “ Afeto”-“aproximação” (Gewogenheit) com pulsão de vida e de
morte;
13. “Ser-para-a-Morte” (Sein-zum–Tode);
14. “ Cheio-vazio”(mais-menos) em busca do Todo que plenifica
(Santo Agostinho e Gabriel Marcel);
15. “Uma náusea”: viver é beber água morna sem querer, o inferno é o
outro, a vida não tem sentido (Jean-Paul Sartre).

 Considerações sobre a Psicologia e suas Escolas, especialmente a Psicologia


Cognitiva (como perceber, pensar, representar) e a Psicanálise (tornar o
inconsciente → consciente: catarse).
 Considerações sobre a Religião (Religare, relegere, reeligere e religio).
6

 Que é Psicologia da Religião? R.: Expressão psíquica (fenômeno) da dimensão


religiosa do homem.

I - AS RAÍZES DA RELIGIOSIDADE NA EXISTÊNCIA HUMANA

Introdução Geral: Criacionismo versus Evolucionismo → Evolucionismo


criador (Teilhard de Chardin) e História humana, ao longo do Tempo-Espaço.

I.1 – Inícios da Psicologia da Religião.

a) A religiosidade como campo de Pesquisa (G.W.Allport, C.Y.Glock, R. Stark,


R.A.Hunt, J. Piaget , A. Vergote, L. Kohlberg e outros).

→ Tipologias das relações entre Psicologia e Religião:


1. A psicologia contra a religião (os críticos da religião): Da teologia à
psicologia: Freud e os freudianos, behaviorismos norte-americano,
Erich Fromm: psicologia como religião humanística;
2. A psicologia para a religião (interesse pastoral pela psicologia): Os
primeiros psicólogos norte-americanos da religião: Oskar Pfister
(teologia liberal e psicanálise); C.G. Jung (revolução analítica da
religião); Erik Erikson (psicanálise, sociedade e religião); L.M. Rulla
(Gregoriana) e E. Drewermann (Alemanha);
3. A psicologia da religião (abordagem científica): G. Allport (anos ’50);
A. Vergote: sacerdote e psicólogo → Centro de Psicologia da religião
(Lovaina); Hjalmar Sunden (Escandinávia: psicologia da religião),
Jakob Belzen (Alemanha) e M. Aletti (Itália)1.

 Breve histórico:
1) Do ponto de vista descritivo:

 Segundo Johnson (1959)2: Sócrates (Maiêutica: interiorização); Platão (Céu


das Idéias, demiurgos); Ikhnaton (Trindade); Budha (nirvana); Jeremias
(profeta chorão), como antecessores da reflexão psicológica sobre a religião;
 As Confissões de Santo Agostinho → Busca de Deus; Riacho que quer ser
mar; limalhas → ímã.
 Os místicos medievais: Santa Tereza d’Ávila, São João da Cruz, São Francisco,
Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, Padre Cícero, Luther King, Chico
Xavier, Irmã Dulce e tantos outros, em tantas religiões mundiais.

1
CIOTTI, P.-DIANA, M. Psicologia e religione. Modelli, problemi, prospettive. Bologna: EDB, 2005. 260
p.
2
JOHNSON, P.E. Psychology of Religion. New York: Abingdon Press, 1959.
7

 Escritos de alguns filósofos e teólogos, nos séculos passados: Friedrich


Schleiermacher (1768-1834: VPR, v. 1, p. 72), Sören Aabye Kierkegaard
(1813-1855), Wilhelm Wundt (1832-1920). William James (1842-1910),
Oswald Külpe (1862-1915), Freud (1856-1939), Jung (1875-1961), Karl
Girgensohn (1875-1925) V. Frankl (1905-1997) e tantos outros de tantas
escolas e modelos.

2) Do ponto de vista explicativo:

 Religião homérica e dos racionalistas gregos: fundada sobre a realeza e a


nobreza guerreiras;
 Epicurismo, tematizado pelo filósofo e poeta Lucrécio, afirmava que os deuses
eram frutos dos sonhos ou do medo diante do poder destruidor da natureza;
 O iluminismo: David Hume (filósofo escocês) → Livro: “História natural da
Religião”: coloca o problema da origem do sentimento religioso e as formas
assumidas pela religião → O sentimento religioso não é universal (nem todos
os povos têm uma Idéia de Deus: no mundo quase 1 bilhão são ateus!) → Não
é um impulso espontâneo; Para Hume, a primeira forma religiosa seria o
Politeísmo, transformando-se depois em Monoteísmo.
 Friedrich Nietzsche (morte de Deus), Ludwig von Feuerbach (Deus é projeção
da mente humana) Karl Marx (religião é alienação: ópio do povo e grito da
criatura oprimida) com críticas acerbas à religião e tantos outros teóricos e
praticantes da religião.

N.B.: Ler BENKÖ, A. Psicologia da religião. São Paulo: Loyola,1981, p. 9-21.

***
3)Modelos antropológicos:
 Modelo psicodinâmico;
 Modelo comportamental;
 Modelo sócio-cognitivo;
 Modelo humanístico-existencial

4) Tradições ou Escolas da Religião:


 Tradição anglo-americana;
 Tradição alemã;
 Tradição francesa;
 Tradição italiana.

Do conjunto de pesquisas efetuadas pelas diversas escolas, nos últimos tempos, e


das aplicações que muitos estudiosos fizeram, em contextos culturais diversos e
diferenciados, emergem três características particularmente significativas:

1- A religião tem uma natureza multidimensional que está presente, em diversas


variáveis, com diversos modelos interpretativos;
2- A religião tem um sistema de convicções e motivações existenciais, com um
envolvimento emotivo e um ritual, num contexto sociocultural concreto;
8

3- Os atos morais ou sociais são mais uma variável dependente (conseqüências)


do que uma parte integrante do conceito de religiosidade.

Noutras palavras, as conseqüências morais (comportamentos, atitudes) e sociais


derivam do fenômeno religioso, mas não o constituem.
Diante desses três pontos particularmente significativos nas pesquisas, é possível
indicar cinco diretrizes (dimensões), no estudo da religiosidade:
1- A dimensão psicanalítica;
2- A dimensão cognitiva;
3- A dimensão emotiva;
4- A dimensão motivacional-existencial;
5- A dimensão social.

Essas cinco dimensões juntas permitem um estudo e uma compreensão mais


aprofundados do fenômeno religioso, no grupo humano - tanto ao nível individual quanto
ao nível comunitário e social - ao qual pertence o sujeito religioso.

b) A religião na existência humana

Por exigüidade de tempo, não se pode estudar todos os pesquisadores do fenômeno


religioso (religiosidade), mas lançar-se-á mão de alguns deles que são reconhecidos, entre
os psicólogos da religião, como sendo os mais importantes:

1 – Jean Piaget

As pesquisas dos psicólogos da religião se ativeram, por um longo tempo, aos


aspectos “evolutivos” da religiosidade humana. Os resultados mais significativos são:

a) As crianças não são realmente “religiosas”, pois não compreendem o


significado da experiência religiosa, já que lhes faltam os “instrumentos”
mentais e afetivos adequados à compreensão do mistério de Deus;
b) A religiosidade da criança seria algo “feita”, camuflada pelos desejos e
aspirações dos adultos (avós, pais, amiguinhos, etc.) que a cercam e a
influenciam;
c) Somente na adolescência, se verificaria a possibilidade de uma primeira
abordagem mais estruturada - com conceitos abstratos (devidos à fase formal) -
da experiência religiosa.

1.1- Dados biográficos de Jean Piaget

Jean Piaget, teórico suíço conhecido pelas relevantes contribuições à psicologia e à


educação, mas com uma sólida formação em biologia, filosofia, história, matemática e
sociologia. Ele nasceu, em Neuchâtel, na Suíça, em 1896. Estudou biologia e se formou
na universidade de Neuchâtel, em 1915.
9

Formou-se em psicologia e estudou psicanálise, em Zurique, em 1919. Foi professor


de história do pensamento científico, da matemática, da física e da biologia, em 1929 e sucedeu
a Merleau Ponty, como professor de filosofi, na Sorbonne (Paris), em 1945.

A partir de 1950 aprofundou seus estudos e publicações sobre Epistemologia genética,


inaugurando o Centro Internacional, em 1955 e onde permaneceu até a sua morte, em 1980, em
Genebra. Um génio, cuja questão principal foi “Como tem origem e como evolui o conhecimento?”.
Esta questão embasou a produção intelectual da sua vida.

Ele foi criador de um ramo de epistemologia que ele mesmo chamou Epistemologia
genética. É uma forma de reflexão teórica que analisa a evolução do conhecimento menos
estruturado para o estado de conhecimento mais estruturado. (GOULART, 2005).

Procurou compreender o desenvolvimento do conhecimento desde o nascimento


(estádio sensóno-motor) até o raciocínio complexo (estádio das operações abstratas).
Para Piaget, o seu objeto de estudo e muita pesquisa não era o desenvolvimento, mas o
conhecimento, sua gênese e o processo de formação dos conceitos de tempo, espaço e
causalidade, sem se deter nas variáveis de história, contexto de vida e trabalho, classe social e
condições matérias da vida.

O sistema piagetiano é, também, chamado estruturalista genético, interaciomsta,


construttvista dialético, cujos aspectos principais ou conceitos são assimilação, acomodação e
adaptação. Acontecem numa estrutura psíquica em transformação através da qual cada criança
constrói o seu modelo de mundo.

Por "assimilação", entende-se a incorporação de um novo objeto ou idéia ao que já é


conhecido (esquema existente). A "acomodação" se refere a transformação necessária para se
relacionar com o ambiente, implica em modificação do esquema anterior. A "adaptação" ou
equilíbrio é o processo da organização progressiva do desenvolvimento mental. (GOULART,
2005).

1.2 – Jean Piaget e a epistemologia genética

Para Piaget, a pessoa passa por 4 estádios de desenvolvimento psíquico bem


delineados com funções afetivas, de conhecimento e de representação definidas, mas
interdependentes e progressivas.
Nessa direção, Piaget deu um grande contributo (19503,19564,19575,19596). Eis
sinteticamente a sua contribuição, no que diz respeito ao “desenvolvimento intelectual da
criança, em termos de processo global e totalizante”, na experiência de maturação, como
se vê a seguir com os estádios:

Primeira fase (período): Sensório-motor (0-2 anos):

3
A construção do real na criança (La construction du réel chez l’enfant). 2. éd. Neuchâtel: Delachaux &
Niestlé, 1950.
4
O julgamento e o raciocínio na criança (Le jugement et le raisonnement chez l’enfant). 4. éd. Neuchâtel:
Delachaux & Niestlé, 1956.
5
O julgamento moral na criança (Le jugement moral chez l’enfant). Paris: Presses Universitaires de France
(PUF), 1957.
6
O nascimento da inteligência na criança (La naissance de l’intellingence chez l’enfant). 3. éd. Neuchâtel:
Delachaux & Niestlé, 1959.
10

A inteligência “sensório-motora” da criança é caracterizada pela exploração do


mundo circundante e circunstante, com as primeiras aventuras e conquistas,
através dos órgãos de percepção e dos movimentos.
Neste estádio ou fase sensório-motor, a criança não dispõe da função simbólica,
se apoiando na relação com o meio nos movimentos, sentidos e percepções numa
inteligência anterior a linguagem Há construção de uma base para a organização
da inteligência. O aspecto principal é a assimilação.

Segunda fase: Pré-operatória (2-7 anos):


A criança alimenta a “capacidade intuitiva”, no contato com a realidade
circundante, e adquire um significativo senso de “egocentrismo cognitivo”,
graças ao qual o mundo é compreendido a partir da percepção que ela tem das
coisas e do critério de “pré-causalidade”, isto é, ela não vê uma causalidade
direta nos acontecimentos cotidianos.

Neste estádio ou fase objetivo - simbólico ou pré-operatório, inicia-se a função


simbólica, especialmente o uso da linguagem, através de um contato maior com o
inundo exterior, ou objetivo. A criança ainda não vê uma causalidade direita nas
atividades cotidianas, embora tem uma "socialização de ação" (GOULART, 2005,
p.26) ou reconstituição de experiências no plano intuitivo (a capacidade intuitiva).
A afetividade evidencia sentimentos interindividuais e interiores.

Terceira fase: Operatório-concreta (7-11 anos):


A criança já tem o “pensamento operatório concreto”, com o qual ela efetua as
“associações” que lhe permitem distinguir o próprio ponto de vista do dos
outros. Já sabe bem correlacionar um efeito com sua própria causa. Há o
princípio de causalidade. Já está bem marcada pela realidade.

Neste estádio ou fase operacional concreto, a criança efetua operações iógicas ou


associações na manipulação e contato direto com o concreto, o reai, onde consegue
distinguir o seu ponto de visto dos outros. Esta forma de abordar o mundo
permite organizá-lo - interiorizar, agrupar, construir, anular - através de operações
lógicas chamadas "classificação, sedação, compensação, razão-proporção,
probabilidade" (GOULART, 2005, p.26).

Quarta fase: Operatório-formal (11-13 anos e mais):


Estádio ou fase das operações abstratas ou formais: operatório - formal (11-13
anos e mais). O essencial desta fase é a capacidade de distinguir entre o
concreto (real) e o possível, podendo prever s avaliar o que poderia acontecer no
futuro. A jovem é capaz de raciocinar lógico - e abstratamente, de elaborar
representações e conceitos, resolver problemas complexos cotidianamente. A
adolescência (14-18) e juventude (18-25) ainda estão muito influenciadas pelas
emoções e sentimentos, mas seu pensamento está se libertando do concreto, se
orientando para o futuro.
11

O rapaz já é capaz do raciocinar abstratamente, resolver silogismos, é capaz de


representações e abstração de conceitos. Já é capaz de filosofar e resolver
problemas complexos, no dia-a-dia de sua existência, embora esteja muito
condicionado ainda pelos sentimentos e afetos e todas as outras características
de que trata a psicologia do adolescente (14-18 anos) e do jovem (18-25).

Piaget realiza muitas pesquisas concernentes à experiência religiosa da criança e do


adolescente, em cada fase do seu desenvolvimento e de faixa etária, vendo as capacidades
mentais e comportamentais.
Ele associa o desenvolvimento religioso da criança ao seu desenvolvimento
intelectual, considerando como irrelevante a experiência religiosa da criança se não estiver
ligada à modalidade global de organização do pensamento, inclusive o que se refere à
religião.

Em geral, as crianças não compreendem o significado da experiência religiosa,


não são realmente religiosas, não compreendem o mistério de Deus, pois, não têm os
instrumentos mentais afetivos para compreender Deus.

A formação do conceito de Deus depende do contributo do ambiente, da família e


da própria criança ao ní ve l simbólico-genético.
Para o interacionahsmo simbólico é decisiva a influência do grupo familiar
para que a criança desenvolva suas perspectivas de Deus e do mundo. O desenvolvimento do
pensamento religioso da criança está de acordo com o seu desenvolvimento cognitivo.

Em pesquisa experiencial, Deus é concebido pela criança em forma humana A


percepção mágica de Deus, transmitida pelos pais é de que Ele é um Ser Grande, Velho
que perdoa e pune.
Em pesquisa fenomenológica, as respostas dadas pelas crianças evidenciam a
relação entre "experiência e credo religioso e, entre "cotidianidade e fé". As crianças
sofrem influências educativas familiares, escolares, ambientais e sociais, tendo mais forte
influxo no período de escolarização que permanecem a vida toda.

As pesquisas de Piaget ajudaram a ampliar a reflexão sobre a religiosidade infantil,


superando os estreitos limites de uma interpretação muito ligada aos esquemas da
religiosidade do adulto.

Com essa ajuda de Piaget (as categorias do desenvolvimento mental), muitas


pesquisas foram feitas concernentes à experiência religiosa da criança e do adolescente,
em cada fase de desenvolvimento e de faixa etária, vendo as capacidades mentais e
comportamentais (Elkind, 1964a7; Aletti, 19788; Fizzotti, 1974,19819, entre outros).

7
ELKIND, D. Piaget’s Semi-Clinical Interview and the Study of Spontaneous Religion, In: “Journal for the
Scientific Study of Religion”, 1964a, 4, p. 40-47.
8
ALETTI, M. La religiosità infantile: Un approccio psicologico, In: “Riflessi”, 1978, 30,1-2, p. 39-61.
9
FIZZOTTI, E. Genesi e sviluppo della coscienza morale, In: “Anime e Corpi”, 1974, 12, 255-289. / Lottare
per l’uomo: Coscienza e responsabilità. Napoli: Dehoniane, 1981.
12

1.3 Ultrapassando Piaget

Piaget foi criticado por Murphy (1977b)10, Silvestri (1977)11 e por Francis (1979a,
1979b,1979c)12 que afirmam haver três tipos de linguagem religiosa:
a) Pensar sobre a religião;
b) Pensar religiosamente;
c) Pensar em linguagem religiosa.

Piaget é criticado por ter associado o “desenvolvimento religioso” da criança ao


seu “desenvolvimento intelectual”, considerando como irrelevante a experiência religiosa
da criança se não estiver ligada à modalidade global de organização do pensamento,
inclusive o que se refere à religião.

Segundo esses críticos (Murphy e Silvestri), a dimensão religiosa da criança


transferiria e atribuiria a Deus aqueles poderes que, diferentemente do nível cognitivo, não
consegue explicar (Murphy, 1977a, p. 18; Silvestri, 1977, p.71).

Francis, nos trabalhos científicos, acima citados, como afirma Fizzotti13:

[…] analisou a especificidade “religiosa” dos conteúdos da experiência do


sagrado, vivida pela criança, e especifica três áreas de investigação que
evidenciam a centralidade da linguagem religiosa que é diferente dos outros
tipos de linguagem… distinguindo um “pensamento sobre a religião”, um
“pensar religiosamente” e um “pensar em linguagem religiosa”, colocando
assim as premissas para a pesquisa que verificará a possibilidade de mediação
entre a pesquisa puramente religiosa da religiosidade infantil e a teoria
piagetiana (Francis 1979a, b,c)14.

Outra pesquisa foi realizada por Murphy (1977b)15 sobre a “Capacidade de


compreensão das parábolas de Jesus” por parte das crianças, verificando que a
compreensão do “significado das estórias de Jesus” começa somente lá pelos 9 anos de
idade.

É somente a partir dessa idade que o pensamento permite a interpretação das


parábolas além das simples palavras que as acompanham, começando a criança a

10
MURPHY, R. Does Children’s Understanding of Parables Develop in Stages? In: “Learning for Living”,
16, p.168-172.
11
SILVESTRI, D. Problemi di una psicologia genetica della religiosità, In: “Scuola e Vita”, 18, 3, p. 63-72.
12
FRANCIS, L. J. Research and Development of Religious Thinking, In: “Educational Studies”, 1979a, 5, p.
109-115./ The Child’s Attitude toward Religion: a Review of Research, In: “Educational Research”, 1979b,
21, p. 103-108./ School Influences and Pupil Attitude toward Religion, In: “British Journal of Educational
Psychology”, 1979c, 49, p. 107-123.
13
Tomar-se-á como básico, nesse Curso, o livro de Eugênio Fizzotti (em italiano), abaixo citado, cujos
principais temas foram traduzidos pelo professor para os alunos do Mestrado de Ciências da Religião da
UNICAP (N. do T).
14
FIZZOTTI, E. Verso una psicologia della religione (VPR): Il cammino dela religiosità. V. II. Torino: Elle
Di Ci, 1995, p.18.
15
MURPHY, R. Does Children’s Understanding of Parables Develop in Stages?, In: “Learning for Living”,
1977b, 16, p. 168-172.
13

padronizar um tipo de linguagem diferente do comum e mais típico do indivíduo


religioso16.

3 – A mediação dos pais segundo Freud e Jung

Pergunta básica: A criança é religiosa “por natureza” ou sua religiosidade vem das
influências que recebe?
Muitos são os psicólogos que tentam responder a esses questionamentos. O que
dizem Sigmund Freud e Carl Gustav Jung.

FREUD: Para o pai da psicanálise, Deus é projeção da imagem paterna (Freud,


1912-191317; Fizzotti, 1992a18 ; Aletti, 197819).

JUNG: Para ele, o arquétipo de Deus está ligado à reativação da simbologia


materna, entendida como fonte da vida, enquanto referente ao calor e à fecundidade do
útero materno (Jung, 193920; Fizzotti, 1992a21).

Em ambas as abordagens (Freud e Jung), há um denominador comum: “O


conhecimento de Deus não é imediato”, mas é fruto da mediação familiar e do ambiente
circunstante que forjam a vivência religiosa do indivíduo, apesar de Jung ter uma
dimensão mais profunda (arquetípica), como se verá mais adiante, da dimensão religiosa
humana.
Do ponto de vista cognitivo, pois, a criança está ligada ao ambiente circunstante
(Elkind, 197022; Becattini, 198723).
Passa-se, portanto, de um “objetivo puramente funcional” (interpretação
psicanalítica do simbolismo) a uma interpretação que evidencia a “valência positiva das
representações simbólicas da criança” (Piaget), acontecendo isso principalmente com o
trabalho de Antoine Vergote.

→ N.B.: Leitura de textos de Freud e Jung: PALMER, Michael, Freud e Jung:


sobre a religião. São Paulo: Loyola, 2001, especialmente p. 141-146: “Algumas diferenças
entre Freud e Jung quanto à religião”.

4 – Antoine Vergote: A imagem simbólica de Deus

16
FIZZOTTI, E. Verso una psicologia … V. II. p. 18-19.
17
FREUD, S. Totem e Tabu: algumas concordâncias na vida psíquica dos selvagens e neuróticos, In: Obras,
v. VII p. 1-164 (Trad. em Italiano, Torino: Boringhieri, 1977).
18
FIZZOTTI, E. Verso una psicologia della religione: Problemi e protagonisti. V. I. Torino: Elle Di Ci,
1992a, p. 117-137.
19
ALETTI, M. La religiosità infantile… p. 52-54.
20
JUNG, C.G. Zur Psychologie Westlicher und Östlicher Religion (1939). Olten: Walter Verlag (1971).
Obras completas, v. XI: Parte I: Psicologia e Religião. Petrópolis: Vozes, 1983.
21
FIZZOTTI E. Verso una psicologia…. V. I, p. 139-151.
22
ELKIND, D. The Origins of Religion in the Child, In: “Review of Religious Research”, 1970, 12, p. 35-42.
23
BECATTINI, Immagine di Dio e percezione dei genitori, In: “Teresianum”,1987, 38, 1, p. 127-137.
14

Para Vergote24, como a criança depende do mundo externo e dos pais


(heteronomia), no que diz respeito à religiosidade, não é excluído que ela tenha, em sua
realidade, uma “percepção funcional” de Deus, como expressão simbólica, não real, das
figuras parentais idealizadas, e, em particular, a percepção da figura paterna (Vergote,
198125).

No entanto, não se pode reduzir a religiosidade infantil a um puro processo


determinístico, causado unicamente pela imagem real do pai, pois, a criança é capaz de ter
também uma religiosidade autêntica e respondente à vivência do indivíduo (Vergote,
196726, 198127; Aletti, 197828; Hyde, 199129).
O desenvolvimento da religiosidade infantil, numa abordagem genética, é
influenciado positivamente pelos fatores psicológicos, especialmente a carga de
afetividade que a criança recebe, num contexto de interação positiva com o mundo
externo, levando em conta o desenvolvimento psicológico da criança e a sua experiência
religiosa.
Deve-se olhar não tanto a religião (sistematização teológica) ou um psicologismo
aprioristicamente redutor, mas a lógica da “dinâmica da maturação pessoal” da criança, na
sua vivência religiosa (Silvestri, 197730).
A influência exercida pelo meio ambiente na formação da religiosidade da criança
se estende também ao “significado” que é atribuído à “linguagem simbólica” da religião.
A criança capta os significados simbólicos que vão além da interpretação que os
adultos dão deles, concluindo-se que o desenvolvimento da consciência simbólica da
criança segue fundamentalmente o desenvolvimento de seu próprio pensamento (Elkind,
197031), pois, diante das “informações” religiosas passadas pelos adultos, é difícil para a
criança ter uma mediação cognitiva direta entre o objeto simbólico (que vai além do
significado imediato) e o conhecimento real que pode ter dele (Davies, 198532).

No que diz respeito à linguagem religiosa e ao interacionismo simbólico, Mead


33
(1943 ) afirma que a criança, através da influência ambiental e familiar, desenvolve uma
mentalidade própria sobre Deus, formando um conceito “todo seu” sobre Deus, ao nível
mental.
24
Padre belga e psicólogo católico da religião (Vide FILORAMO, G. - PRANDI, C. As ciências da religião.
3a. ed. São Paulo: Paulus, 2003, p. 195-196 e 202. É um dos mais conceituados psicólogos da Religião.
25
VERGOTE, A. The Parental Figures and the Representation of God: Overview and Theoretical
Perspective, In: VERGOTE, A. – TAMAYO, A. The Parental Figures and the Representation of God: A
Psychological and Cross-Cultural Study. The Hague: Mouton, 1981, p. 185-225.
26
VERGOTE, A. Psicologia religiosa. Torino: Borla, 1967.
27
VERGOTE, A. The Parental Figures… 1981 (Vide nota acima).
28
ALETTI, M.-VIANELLO, R. Ricerche di psicologia sulla religiosità infantile. Indicazioni bibliografiche,
In: BOMBI, A.S. – TALLANDINI, M. - VIANELLO, R. (Ed.). Probemi di psicologia dell’età evolutiva. V.
II. Padova: CLEUP, 1978, p. 55.
29
HYDE, K.E. Adolescents and Religion, In: RATCLIFF, D. - DAVIES, J.A (Ed.). Handbook of Youth
Ministry. Birmingham: Religious Education Press, 1991, p. 119-161 (133-134).
30
SILVESTRI, D. Problemi di una psicologia genetica della religiosità, In: “Scuola e Vita”, 1977, 18, 3, p.
63.
31
ELKIND, D. The Origins of Religion in the Child, In: “Review of Religious Research”, 1970, 12, p. 38-39.
32
DAVIES, D. Symbolic Thought and Religious Knowledge, In: “British Journal of Religious Education”,
1985, 7, p. 76-80.
33
MEAD, G.H. Mind, Self and Society. Chicago: University of Chicago Press, 1943.
15

Portanto, há, na formação do conceito de Deus, um contributo do ambiente, da


família e da própria criança, ao nível simbólico-genético.
No entanto, para o interacionismo simbólico, a influência do grupo familiar (gestos
religiosos, símbolos, etc.) é decisiva para que a criança desenvolva suas perspectivas
(percepções) de Deus e do mundo (Day, 197534).

A criança também compreende (racional e simbolicamente) os contos do Antigo e


Novo Testamento (Fizzotti, 198935; 199036).

5 – O desenvolvimento da identidade religiosa infantil (D. Elkind)

Segundo Elkind, após os trabalhos de Piaget, várias pesquisas correlacionadas


foram aplicadas, tentando ver a correlação entre o desenvolvimento cognitivo e o
desenvolvimento religioso da criança.
O próprio Elking fez várias pesquisas sobre o desenvolvimento da identidade
religiosa das crianças pertencentes a diversos credos religiosos, tentando especificar as
suas idéias sobre Deus e a influência que o grupo de pertença religiosa exercia sobre esses
conceitos e idéias de Deus, chegando Elkind às seguintes conclusões:

 As crianças e os adolescentes parecem mais semelhantes aos adultos, no


seu modo de “perceber” e “sentir” (emocional);
 Eles diferem dos adultos, em sua “dimensão cognitiva”, confirmando a
teoria piagetiana que vê, no “desenvolvimento intelectual” do pré-
adolescente, um desenvolvimento adequado às diversas idades.

Portanto, as crianças colhem (dos adultos) as idéias religiosas (em cada faixa etária
piagetiana) e entram em contato com elas, ao nível emocional, podendo-se, assim, dar um
passo em frente e falar da religiosidade infantil nas diversas fases piagetianas, o que foi
feito por Goldman (1964, 1965, 1966)37, sendo confirmada a tese de que o
desenvolvimento do pensamento religioso da criança está em conformidade com o
desenvolvimento cognitivo.

6 – As fases do desenvolvimento cognitivo, segundo James W. Fowler

34
DAY, L.G. The Development of the God Concept: A Symbolic Interaction Approach, In: “Journal of
Psychology and Theology”, 1975, 3, p. 173-178.
35
FIZZOTTI, E. Il fanciullo e la ricerca sul testo sacro. Aspetti psicologici, In: FIZZOTTI, E. Il testo sacro.
Documento di ricerca nell’esperienza scolastica. Roma: Edizioni Ecogeses AIMC, 1989, p.41-98.
36
FIZZOTTI, E. Il fanciullo e la scoperta del sacro, In: “Fogli”, 1990, 17, 148, p. 3-47.
37
GOLDMAN, R.G. Religious Thinking from Childhood to Adolescence. London: Routledge and Kegan
Paul, 1964.// Readiness for Religion. London: Routledge and Kegan Paul, 1965.// The Reformation of
Religious and Moral Education, In: “Learning for Living”, 1966, 6, p. 14-16.
16

Fowler destacou (1981,1982,1988)38 seis fases de desenvolvimento, no


crescimento da fé religiosa, especificando seu “caráter universal”, como categoria inserida
na exigência de transcendência que caracteriza a “natureza humana”(Bucher, 198939).

As fases do “desenvolvimento religioso” são, segundo Fowler:


Primeira fase: Intuitiva (3-6 anos): Está baseada na “fantasia” e “capacidade de
imaginação” da criança.

Segunda fase: Mítico-literal (7-11 anos): Nessa fase, a criança consegue distinguir
os “fatos” da “fantasia”. O credo e os símbolos religiosos são percebidos pela
criança de maneira representativa, graças ao pensamento lógico-concreto que a
caracteriza e com o qual (pensamento) entra em contato com os contos e os mitos
religiosos, visando dar coerência às suas experiências de vida.

Terceira fase: Sintético-convencional (12-18 anos): É o período no qual os “fatos”


são diferenciados dos “valores” que representam e estão correlacionados com a
capacidade de envolvimento do adolescente.

Quarta fase: Individual e reflexiva (19-30 anos): O jovem é mais “individualista” e


tem uma “capacidade de reflexão”, sentindo-se responsável pelo próprio credo
religioso e pelos próprios comportamentos.

Quinta fase: Símbólica (após 30 anos): Aparece “certo simbolismo” referente a


uma fé mais madura, sobretudo após os 30 anos.

Sexta fase: Fideística: Valor “universal” da fé, com sua dimensão unificante,
acontecendo, geralmente, um relacionamento mais profundo e pessoal com o
transcendente.

Conclusão: O construto da fé, formulado por Fowler, permite ampliar o estudo da


religiosidade pessoal, seja porque “não se refere unicamente ao indivíduo que pratica a
religião e vive o processo de maturação da própria personalidade”, seja também porque
ressalta uma “progressiva dinâmica” em direção a uma expressão sempre mais ligada ao
significado religioso da pessoa que amadurece.

7 – As contribuições de F. Oser e L. Kohlberg

38
FOWLER, J.W. Stages of Faith: The Psychology of Human Development and the Quest for Meaning. San
Francisco: Harper and Row, 1981. // Teologia e psicologia nello stadio dello sviluppo della fede, In:
“Concilium”, 1982, 18, p. 915-921.// Die Berufung der Theorie der Glaubensentwicklung: Richtungen und
Modifikationen seit 1981, In: NIPKOW, K.-SCHWEITZER, F. - FOWLER, J.W. (Ed.).Glaubensentwicklung
und Erziehung. Gütersloh: Gütersloher Verlagshaus Gerd Mohn, 1988, p. 29-47.
39
BUCHER, A. Fasi dello sviluppo religioso secondo James W. Fowler e Fritz Oser, In: “Orientamenti
Pedagogici”, 1989, 36, p. 1090-1121.
17

Fritz Oser (1980, 1985,1990)40, refazendo o trabalho de L. Kohlberg (1976)41 sobre


o desenvolvimento moral da criança, no processo de crescimento e consciência de si,
hipotizou uma seqüência de “estados sucessivos”, através dos quais cresce a religiosidade
da criança e do pré-adolescente e que caracterizam, de maneira especial, o
desenvolvimento da “religião-moral” (“juízo moral” do pré-adolescente).

Kohlberg indicou três níveis através dos quais acontece a diferenciação entre o self
individual e as “normas sociais”.

Os níveis de Kohlberg são os seguintes:


Primeiro nível: Pré-convencional (0-9 anos): Há uma “moralidade”, com o
domínio da obediência e do medo, tornando a criança dependente dos adultos e
regida por eles.

Segundo nível: Convencional (10-20 anos): O jovem é muito “consciente e


dependente” das relações com os adultos, através das normas fixadas pelos adultos
e por eles próprios, com as devidas sanções de ambos. Nesse processo de
regulamentação do próprio comportamento, o sujeito percebe que tudo o que vem
dos adultos é justo (?!).

Terceiro nível: Pós-convencional (20 anos em diante): Há a passagem da


“exteriorização” (dependência) para a “interiorização” das regras que se tornam
“valorosas” porque são “convenções sociais úteis” às quais devem os jovens
conformar o próprio comportamento (Kohlberg, 1976; Fizzotti, 197442; Makhoul-
Mirza, 199243).

Kohlberg deu um grande contributo educativo, nesse campo do juízo moral, sendo
o grande mérito de seu trabalho ter demonstrado que a religiosidade e a fé não são algo
“estático”, mas “dinâmico”, num real intercâmbio entre sujeito, família e sociedade.

8 – Pesquisas sobre a religiosidade da criança

As pesquisas, de feitio “experiencial”, mostram o potencial vivido pela criança no


que diz respeito à sua percepção de Deus. Nesse campo, surgem concepções
antropomórficas (Deus concebido em forma humana) de Deus.

40
OSER, F. Stages of Religious Judgement, In: BRUSSELMANS, C. (Ed.). Toward Moral and Religious
Maturity. Morristown (N.J.): Silver Burdett, 1980, p. 277-315.// Religious Dilemmas: The Development of
Religious Judgement, In: HARDING, C. (Ed.). Moral Dilemmas. Philosophical and Psychological Issues in
the Development of Moral Reasoning. Chicago: Precedent Publishing, 1985, p. 175-190. //Wieviel Religion
braucht der Mensch? Studien zur Religiöse Autonomie. Gütersloh: Gütersloher Verlagshaus Gerd Mohn,
1990.
41
KOHLBERG, L. Moral Development and Behavior. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1976.
42
FIZZOTTI, E. Genesi e sviluppo della coscienza morale, In: “Anime e corpi”, 1974, 12, p. 255-289.
43
MAKHOUL-MIRZA, H. Pédagogie de l’éveil et croissance spirituelle des tout-petits. Montréal: Éd.
Paulines, 1992, p. 106-112.
18

Deus é um ser grande, velho, que perdoa ou que pune. Essas percepções estão
ligadas também a uma “percepção mágica” de Deus, transmitida pelos pais.

As pesquisas, de cunho “fenomenológico”, visando verificar os resultados das


respostas dadas pelas crianças, evidenciam a relação entre “experiência” e “credo
religioso”, entre “cotidianidade” e “fé”.
Apesar das muitas críticas a esse tipo de pesquisa, por forçar a percepção a moldes
teológicos (Hyde, 199044), aparecem as influências educativas familiares, escolares,
ambientais e sociais, tendo mais forte influxo na criança, no período de escolarização.
No que concerne às pesquisas de “grupos religiosos” que formam “suas crianças”,
os resultados, segundo Heller (1991)45, mostram que:
 As crianças judaicas vêem Deus ativo na história;
 As crianças católicas, influenciadas pela família, vêem Deus mais como alguém
que pune, premia ou perdoa;
 As crianças batistas enfatizam a capacidade de cura e de assistência de Deus que
essencialmente é caracterizado pela organização e ordem;
 As crianças hindus apresentam um forte sentido de comunidade e de comunhão
entre elas.

N.B.: A experiência que a criança, o jovem e o adulto têm de Deus é bem diferente.
Daí a necessidade metodológica de pesquisar a experiência religiosa (vivência
interior) deles, de modos diferentes: Contos, desenhos, colóquios, questionários,
recordações de infância, comportamentos e atitudes religiosas, etc.

Todos esses métodos têm suas vantagens e desvantagens no que concerne a certos
métodos empregados, nas pesquisas realizadas (Vide: FIZZOTTI, E. Verso una psicologia
della religione, v. II, 1995, p. 26-28).

9 – A pré-adolescência e idade juvenil

Pouco a pouco, nessas duas fases, vai surgindo, em geral, um “comportamento


superficial e frio” com relação à religião (Francis, 1979c)46. Também há jovens que
passam do período da heteronomia religiosa para uma autonomia interiorizada de sua fé,
de seu credo sem muitos problemas.

Em geral, há o fenômeno do “distanciamento”, no que concerne às “expectativas”


dos adultos (período de auto-afirmação também nesse campo religioso), e o modo de crer
passa a ser mais “funcional” e mais “relacionado” ao contexto ambiental, ao grupo de
pares e amigos.

44
HYDE, K.E. Religion in Childhood and Adolescence. A Comprehensive Review of the Research.
Birmingham: Religious Education Press, 1990.
45
HELLER, D.I. Il Dio dei bambini. Indagine scientifica sull’idea di Dio in bambini di diverse religioni.
Torino: Elle Di Ci, 1991, p. 23-42.
46
FRANCIS, L.J. School Influences and Pupil Attitude toward Religion, In: “British Journal of Educational
Psychology”, 1979c, 49, p. 107-123.
19

a) Período da Pré-adolescência

Há uma ambigüidade, no momento de passagem da Infância  Adolescência, já


que o pré-adolescente se sente fascinado pelo “novo”, embora não esteja com coragem
para enfrentar esse “novo” sozinho.

O jovem fica inseguro entre as orientações familiares e escolares não muito


seguras (ao nível de conteúdo e vivência) e a procura do “novo” (COSPES, 1986)47.
De certo modo, o pré-adolescente rejeita o que foi dado na infância, embora não
tenha ainda um novo tipo de fé.

b) Período da Adolescência

As pesquisas sobre o adolescente religioso vêem mais como os jovens


“personificam” o seu credo religioso e o “significado para ele” de sua experiência
religiosa, nessa idade de transformações físicas, psíquicas e motivacionais.

A maior parte dos pesquisadores concorda que, com o aumento da idade dos
jovens, há o desenvolvimento do comportamento religioso, especialmente, na
adolescência, período em que diminuem “quantitativamente” os jovens que crêem em
Deus, permanecendo a fé deles, em nível “qualitativo”, mais específica e pessoal,
individual (Tamminen, 199148).

Num primeiro momento, os jovens “generalizam” o conceito de Deus. Num


segundo momento, há algo “mais pessoal e individual”, na relação com Deus que escuta
os próprios desejos e necessidades e que, ao mesmo tempo, é percebido como um “ideal
de vida” (Babin, 1962, 1963, 1966)49.

10 – A pesquisa nas experiências juvenis significativas

Algumas pesquisas foram feitas, nesse campo das experiências juvenis, com os
seguintes resultados gerais: Há um aumento de jovens que crêem cada vez menos ou que
deixam de crer e professar a sua fé.

No entanto, há também jovens que continuam crescendo na fé, maduramente, sem


rupturas. Eles são numericamente inferiores, mas qualitativamente significativos.

a) Experiência mística dos jovens

São experiências religiosas muito marcadas pela dimensão sentimental (Godin,


198350). Experiências religiosas vividas como “momentos culminantes” (fortes, grávidos
de Deus) e que dão uma resposta afetiva em função do aprofundamento da própria fé
47
COSPES (Ed.). L’età negata. Ricerca sui preadolescenti in Italia. Torino: Elle Di Ci, 1986, p. 104-105.
48
TAMMINEN, K. Religious Development in Childhood and Youth. Helsinki: Suomalainen Tiedeakatemia,
1991, p.309.
49
BABIN, P. I giovani e la fede. Roma: Paoline, 1962.// Crisis of Faith. New York: Herder and Herder,
1963.// L’adolescente davanti a Dio. Roma: Paoline, 1966.
20

(Rede Vida, Canção Nova, Movimento Carismático, pessoas exóticas: Sadhus, Sanyasis,
etc.).

A sexualidade também entra em jogo nesse mundo, marcado pela experiência


religiosa juvenil. Há muitas dessas experiências místicas que estão ligadas ao tipo de
personalidade do jovem (Hood et alii, 197951) e há experiências que dependem do
contexto cultural do jovem, com sua experiência religiosa (Hood, 197652).

Há pessoas mais “pré-dispostas” à religião? Há um homem geneticamente


“piedoso”? Veja-se isso, na temática que segue!

b) Personalidade e Religiosidade

Pessoas - maiormente mais controladas, sensíveis e mais maduras emocionalmente


- vivem uma religiosidade mais profunda (Barthon-Vaughan, 197653; Hyde, 199154).

Também foi encontrada uma correlação positiva entre a “auto-estima positiva”,


fruto de uma boa educação, na infância, e a “orientação religiosa de vida”, sendo mais
constante nos rapazes que nas moças (Moore-Stoner, 197755).
Os que têm uma baixa estima de si inibem os próprios ideais, especialmente os
ligados à experiência religiosa, enquanto que os que têm uma boa auto-estima percebem
Deus como amoroso (Spilka-Addison-Rosensohn, 197556).

Mais recentemente, o enfoque de pesquisas “sobre as características da


personalidade” chamou a atenção sobre o fator locus of control, ou seja, o “modo com o
qual as pessoas percebem o que lhes acontece”, levando em conta as capacidades das
pessoas mesmas e a influência externa sobre as quais elas não têm nenhuma
responsabilidade.
Focalizando o locus of control, percebeu-se, nessas pesquisas, que os jovens que
têm uma sólida formação religiosa mostram uma pontuação mais alta nas escalas de
medição (Gladding-Lewis-Adkins,198157; Tipton-Harrison-Mahoney, 198058).
50
GODIN, A. Psicologia delle esperienze religiose. Il desiderio e la realtà. Brescia: Queriniana, 1983, p. 83-
95.
51
HOOD, R. W. et alii. Personality Correlates of the Report of Mystical Experieneces, In: “Psychological
Reports”, 1979, 44, p. 804-806.
52
HOOD, R. W. Mystical Experience as related to Present and anticipates Church Participation, In:
“Psychological Reports”, 1976, 39, p. 1127-1136.
53
BARTON, K. - VAUGHAN, G. M. Church Membership and Personality. A Longitudinal Study, In:
“Social Behavior and Personality”, 1976, 4, p. 11-16.
54
HYDE, K. E. Adolescents and Religion, In: “RATCLIFF, D. - DAVIES, J.A. Handbook of Youth Ministry.
Birmingham: Religious Education Press, 1991, p. 119-161.
55
MOORE, K. - STONER, S. Adolescent Self-Respect and Religiosity, In: “Psychological Reports”, 1977, 4,
p. 55-56.
56
SPILKA, B. - ADDISON, J. - ROSENSOHN, M. Parents, Self and God: A Test of Competing Theories of
Individual-Religion Relationships, In: ‘Review of Religious Research”, 1975, 16, p. 154-165.
57
GLADDING, S. T. – LEWIS, E. L – ADKINS, L. Religious Beliefs and Positive Health: The G.L.A. Scale
and Counseling, In: “Counseling and Values”, 1981, 25, p. 206-215.
58
TIPTON, R. M. - HARRISON, B.M. – MAHONEY, J. Faith and Locus of Control, In: “Psychological
Reports”, 1980, 46, p. 1151-1154.
21

O tema sobre Religião e Maturidade sexual tem sido contemplado por poucas
pesquisas significativas (Hyde, 1990)59.

I . 2 – Personalidade e dimensão emotiva do comportamento religioso

Introdução: Definições (etimológica e ampla) de: Personalidade, Emoção


(emotividade), Comportamento e Religião.

1- → Os elementos constitutivos da Personalidade: Temperamento (inato) e


Caráter (adquirido).

2- → Os oito tipos de Temperamento: E= Emotividade; A= Atividade; R=


Ressonância: {P= Primária e S= Secundária). Exemplos, no dia-a-dia.

Como já aludimos anteriormente, os elementos do temperamento são


essencialmente: E: Emotividade; A: Atividade; R: Ressonância: Primária (P) e Secundária
(S). Primária: passa logo; Secundária: demora muito para esquecer.

A junção desses elementos caracterológicos dão 8 tipos de temperamentos: E-nA-P


(Nervoso); E-nA-S (Sentimental); E-A-P (Colérico); E-A-S (Apaixonado); nE-A-P
(Sanguíneo); nE-A-S (Fleugmático); nE-nA-P (Amorfo) e nE-nA-S (Apático) →(Rossetti,
1966).

Essas tendências à Emotividade, Atividade e tipos de Ressonância (Primária ou


Secundária) nós já nascemos com elas, seja por fator hereditário ou por experiências intra-
uterinas (congênitas).
Mas é uma “bagagem dada” que será bem ou mal trabalhada pelo sujeito e família,
em suas inter-relações, ajustando-a bem ou mal, mas nunca mudando totalmente de um
extremo para outro.

Por exemplo, um marido que é nE-A-P (Nervoso) e se casou com uma esposa E-A-
S (Apaixonada), se não houver um bom ajuste (com virtudes), dificilmente darão certo, em
sua convivência conjugal e familiar.

Em outro casal, o marido é E-A-S (Apaixonado) e a mulher é nE-nA-P (Amorfa)


dificilmente darão certos, no dia-a-dia, pois, os elementos caracterológicos são opostos. É
muito difícil o equilíbrio que leva à almejada harmonia conjugal e familiar.

No Brasil, uma das principais causas de separação e divórcio é a chamada


“incompatibilidade de gênios” (temperamento).

59
HYDE, K.E. Religion in Childhood and Adolescence… 1990, p. 200.
22

3- → Que é Religião, Fé (Tipos), Crença, Religiosidade e pessoa humana


(’ + prósopon: Máscara  “per-sonare” (soar através de) 
“persona” Pessoa ( Deus soa através do outro: Mt. 25,31-46).

4- → Comportamento: Invariantes funcionais (Piaget): Organismo vivo:


Organização e Adaptação (Assimilação e acomodação)  Estruturas
mentais: Esquemas (intelectuais, éticos, morais, afetivos, etc.).

N.B.: Leitura de Textos atinentes aos temas acima elencados a serem indicados
pelo Professor aos alunos do Mestrado.

I. 3 – A religiosidade nas fases evolutivas da pessoa humana

Introdução: O código genético e sistema fechado e aberto: Evolução da pessoa.

1 – A dimensão emotiva do comportamento religioso na infância

a) A religiosidade da criança e a mediação dos pais

Cientificamente, é difícil dizer que a criança é “pré-disposta” afetivamente para


Deus! Confirmou-se, no entanto, uma “gradual ligação a Deus”, mediada por “uma relação
afetivamente gratificante, uma experiência de amor vivido constantemente pelos pais,
também no campo religioso” (Silvestri, 197760).

A criança se volta para Deus, com um comportamento positivo, na medida em que


“experimenta” nos pais o mesmo amor e bondade.

Nos primeiros anos da Infância, Deus aparece como um ser que se preocupa com a
criança, como o papai e a mamãe se preocupam com suas necessidades.
O influxo dos pais na criança, no que concerne à sua “dimensão afetiva” e
“representativa” (simbólica) de Deus, tem vários níveis, a saber:

1) Criança versus mãe: A mãe, fonte de ternura e satisfação, de alegria e


segurança constitui o “eixo materno” da religiosidade da criança e gera na
criança o “sentido” de procura de Deus que se desenvolverá até chegar a uma
religiosidade madura e pessoal.

Essa influência da mãe é mais marcante nos homens (Édipo!) que nas
mulheres (Godin-Hallez, 196461), havendo certa “marca materna”, no que diz

60
SILVESTRI, D. Problemi di una psicologa genetica della religiosità, In: “Scuola e Vita”, 1977, 18, 3, p.
63-72.
61
GODIN, A. – HALLEZ, M. Images parentales et paternité divine, In: “Lumen Vitae”, 1964, 19, p. 243-
276.
23

respeito à representação de Deus, com certa “disponibilidade” para com as


pessoas (Vergote, 198162; Becattini, 198763, p. 131).
A influência da mãe na religiosidade da criança faz com que ela enfatize os
aspectos “maternos” de Deus: proteção e amor para com as pessoas (Greeley,
198164).

2) Criança versus pai: A criança tende a ser praticante se o pai o é,


especialmente no que diz respeito ao culto (Milanesi-Aletti, 197765 , p.
125). Essa influência dos pais é mais forte nas meninas (Electra!) 66, mas
quando a figura do pai é vivida e vista como “controladora”, no contexto
familiar, tanto os meninos quanto as meninas tendem a ter uma imagem de
Deus como “punidor” (Potvin, 197767). Se o pai é um tipo “desligado”, na
dimensão religiosa, a ligação afetiva da criança para com o divino aparece
como “indiferente” ou “conformista”.

É claro que, nesse período, a criança se liga a Deus com uma “sensibilidade
imitativa”, segundo Piaget e a psicanálise (Fase fálica: Imitação). Essa sensibilidade, no
entanto, não está ainda carregada de “afetividade” porque tem muito pouco
“conhecimento” de Deus. Não se ama a quem não se conhece.

Numa relação “afetiva” com Deus, prevalecem os aspectos “cognitivo, intuitivo e


atributivo” (qualidades de Deus) que a criança ainda não os tem, mas sim uma
religiosidade “primitiva, imitativa, mas sensível” (não afetiva), tornando-se mais tarde
“pessoal e afetiva”.

A visão “sensível” de Deus depende, pois, segundo as pesquisas, do


relacionamento da criança com seus pais (Vergote,1969 68, p.170; Day,197569, p.172;
Ronco-Fizzotti-Amenta, 199370).

Portanto, os “relacionamentos” que os pais têm com as crianças constroem dentro


delas um conceito “afetivo” de Deus, veiculado pela “gestualidade” (comportamento,
gestos) religiosa, entendida como simbolização das relações religiosas presentes, na
família da criança.

62
VERGOTE, A. The Parental Figures and the Representation of God: Overview and Theoretical
Perspective, In: VERGOTE, A – TAMAYO, A. The Parental Figures and the Representation of God. A
Psychological and Cross-Cultural Study. The Hague: Mouton, 1981, p. 185-225.
63
BECATTINI, C. Immagine di Dio e percezione dei genitori, In: “Teresianum”, 1987, 38, 1, p. 127-137.
64
GREELEY, A. M. The Religious Imagination. New York: Sadlier, 1981.
65
MILANESI, G. – ALETTI, M. Psicologia della Religione. Torino: Elle Di Ci, 1977.
66
Vide GODIN-HALLEZ, obra já citada (1964).
67
POTVIN, R. H. Adolescent God Images, In: “Review of Religious Research”, 1977, 19, p. 43-53.
68
VERGOTE, A. The Religious Man: A Psychological Study of Religious Attitude. Dayton (Ohio): Pflaum
Press, 1969, p. 170.
69
DAY, L.G. The Development of the God Concept: A symbolic Interaction Approach, In: “Journal of
Psychology and Theology”, 1975, 3. P. 173-178.
70
RONCO, A. - FIZZOTTI, E. - AMENTA, E. Immagini di Dio, percezione dei genitori, conoscenza e stima
di sé, In “Orientamenti Pedagogici”, 1993, 40, p. 661-679.
24

b) Antropomorfismo afetivo da criança

A criança consciente ou inconscientemente vai estruturando dentro de si o que


viveu “afetivamente” com os pais e projeta isso em Deus, formando d’Ele uma concepção
antropomórfica afetiva de cunho protetor, amoroso ou punitivo (Milanesi-Aletti, 1977, p.
137)71.
A criança vê Deus, portanto, como “bom, perdoador, juiz justo, preocupado com a
sorte das pessoas e que cuida de nossas necessidades” (Tamminen, 1991, p. 63) 72 e ajuda
as pessoas nas doenças, perigos, etc.

Como os meninos têm “menos relacionamento com seus pais”, geralmente tendem
a ver Deus como alguém “distante e com quem é difícil manter um relacionamento”.
As meninas, ao contrário, vêem Deus como um “amigo” (Tamminen, 1991, p.
73
63) que não é tão ativo, mas mais um observador que dá segurança no dia-a-dia. As
meninas concebem Deus mais próximo no relacionamento afetivo, enquanto que os
meninos o vêem mais distante (Deconchy, 196774).

c) A religiosidade egocêntrica da criança

A criança modela a realidade externa em cima de suas experiências afetivas. Nesse


relacionamento, não é tanto Deus que ilumina o homem, mas é antes o homem que dá
significado ao divino, através de sua obra interpretativa.
Se a criança vai crescendo, com uma imagem positiva (boa) de si, tenderá a ver
Deus, como Alguém que é bom, que dá afeto e proteção (Ronco-Fizzotti-Amenta, 1993, p.
677)75.

Resumindo, do ponto de vista afetivo-religioso, a criança passa de uma


“assimilação passiva” a uma “concepção mais rica” de Deus, através de uma modelação
egocentrada, no seu relacionamento afetivo com Deus, participando mais tarde de modo
ativo (freqüência, orações, etc.), na Igreja (Tamminen, 1991, p.63).
No entanto, há uma distância muito grande entre o que as crianças vivem
religiosamente e o que elas expressam. Esse é um grande problema metodológico.
As crianças têm com o “sagrado” um relacionamento mais “funcional”(fazer o que
mandam, funcionar como os adultos querem), com certa valência afetiva, principalmente
com os objetos sagrados (dimensão simbólica).

d) Dimensão animista do pensamento da criança (Piaget, 197476).

71
MILANESI, G. - ALETTI, M. Psicologia della religione…, 1977, p. 137.
72
TAMMINEN, K. Religious Develpoment…, 1991, p. 63.
73
TAMMINEN, K. Religious Development…, 1991, p. 63.
74
DECONCHY, J.-P. Structure génétique de l’idée de Dieu chez des catholique français, garçons et filles de
8 à 16 ans. Bruxelles: Lumen Vitae, 1967.
75
RONCO,A- FIZZOTTI,E-AMENTA,E. Immagini di Dio…, 1993.
76
PIAGET, J. La représentation du monde chez l’enfant. Paris: F. Alcan, 1938.
25

As crianças descrevem um objeto inanimado como animado (Piaget, 1938). Esse


“animismo” faz com que a criança se “integre” ao seu “sagrado” e interaja com ele. É uma
“distorção do pensamento”, mas que é um instrumento de “mediação cognitiva” e um
“modo de envolvimento afetivo”.
Noutras palavras, através dos processos intelectivos, típicos de sua idade, a criança
tende a formular um “modo seu” de sentir-se afetivamente envolvida, no próprio
relacionamento com Deus, principalmente por meio dos aspectos práticos de sua
religiosidade.

2 – O papel da emotividade na religiosidade do pré-adolescente

O pré-adolescente já percebe mais a sua “dimensão afetiva” com Deus, já que


passa por dificuldades de sua idade e se sente mais livre para se ligar a Deus quando quiser
e necessitar, em suas dificuldades e necessidades de segurança (Tamminen, 1991, p.302).

A idéia de um Deus que protege substitui aquela de um Deus juiz do período


precedente. Deus é um pai que dá segurança mais completa que o próprio pai.
O começo da “autonomia” (própria lei) - distanciando-se da “heteronomia” (a lei
dos outros), começando a auto-afirmação da personalidade do pré-adolescente – também
repercute em sua relação com Deus.

Dos dez anos em diante, o pré-adolescente crê menos que Deus intervenha
diretamente no mundo das pessoas, mas intervém indiretamente, através das pessoas e
situações, tendo os homens de se arranjar sozinhos.
Por isso, na pré-adolescência, diminui o comportamento religioso, como resposta
“funcional” que os adultos esperam do garoto. Devagarzinho, ele vai criando relações de
maior intimidade com Deus, de forma crítica ou não (COSPES, 1986)77.

O pré-adolescente começa a ter crises com seus pais e dirigir-se mais a Deus, ao
seu modo.
De um lado, o pré-adolescente ainda está ligado ao que lhe ensinaram e, de outro
lado, deseja ser muito mais autônomo, em seu credo e até mesmo chega a criticar aquilo
que não lhe é claro, podendo participar também de grupos eclesiais (COSPES, 1986, p.
113).

O pré-adolescente, portanto, torna-se mais dinâmico, em sua religiosidade e, ao


mesmo tempo, mais consciente e com senso de maior pertença religiosa, mediatizada pelo
relacionamento com os amigos e instituições religiosas que o educam (Milanesi-Aletti,
1977, p. 172)78.

O pré-adolescente percebe, portanto, a “novidade afetiva” de seu credo religioso e


se abre a um relacionamento maior e mais significativo com Deus.

77
COSPES (Ed.). L’età negata…, 1986.
78
MILANESI, G. - ALETTI, M. Psicologia della religione…, 1977.
26

3 – O papel da emotividade na religiosidade do adolescente

O adolescente ainda crê em Deus. A adolescência é um período privilegiado de


“discernimento da religião”, em vista de uma “escolha mais convicta e madura”. É um
período em que aparece, com mais clareza, “a religião do grupo”, graças à mediação
significativa dos amigos e ao desaparecimento lento das velhas formas de religiosidade
institucional.
Na adolescência, aparece de modo muito evidente a diferenciação a respeito da
“percepção” da vivência afetiva da própria fé.

Há jovens que são “religiosos”, manifestando com atos a sua religiosidade e há


jovens “a - religiosos”, numericamente inferiores aos primeiros, mas conhecidos pelos
seus comportamentos negativos, conforme uma grande amostra feita (Zavalloni, 1968, p.
378)79.
Não se constatou, nessa pesquisa, o número dos indiferentes.

Conclui-se que “diante de Deus se está sempre como num equilíbrio instável”
(Zavalloni, 1968, p. 378).
Também a pesquisa de Grillo confirma que ação vivida, na adolescência, mesmo
com sua ampla mudança de perspectiva, não determina uma ampla oposição ao credo
religioso.

Ao contrário, significativamente, o adolescente responde muito favoravelmente à


“relação amigável e confiante em Deus”, dois comportamentos que parecem ressentir-se
menos do processo de renovação crítica da fé juvenil e que sustentam uma relação pessoal
com um Deus vizinho (Grillo, 1986-1987, p. 118)80.
Os jovens crentes, portanto, situam a componente emocional dentro da vivência
religiosa, dentro da “experiência do sagrado”, ligadas aos processos de transformação
psicoafetiva própria dessa fase.
O adolescente exprime a sua rica afetividade, em diversos períodos, dependendo de
como se desenvolve “esse despertar religioso” (Zavalloni, 1968, p. 359).

“A religiosidade subjetiva do adolescente tem, muitas vezes, uma forte conotação


emotiva e afetiva” (Milanesi-Aletti, 1977, p. 182) que é projetada em sua religiosidade,
dando sentido ao mundo dos afetos que está se diferenciando e enriquecendo (Ibidem).

Junto às mudanças psicofísicas, também as influências ambientais, especialmente


as familiares, contribuem para o aumento da vivência religiosa afetiva mais intensa, na
percepção da religiosidade adolescencial.

Se, por exemplo, as relações familiares são conflitivas, isso repercute


negativamente (insegurança juvenil) sobre a religiosidade do jovem (Rochedieu, 196281;
Zavalloni, 1968, p. 363).
79
ZAVALLONI, R. Gli atteggiamenti etico-religiosi dei giovani, In: “Pedagogia e Vita”, 1968, 29, 356-382.
80
GRILLO, A. Come cambia l’idea di Dio negli studenti delle superiori, In: “Religione e Scuola”, 1986-
1987, 14, 3, p.116-119.
81
ROCHEDIEU, E. Personnalité et vie religieuse chez l’adolescent. Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1962.
27

4 – A emotividade juvenil masculina e feminina

A ligação emocional com Deus se manifesta de modo diferente no jovem e na


jovem (Hyde, 1991, p. 122-123)82.

a) A emotividade nas moças

Nas jovens, há uma sensibilidade ao “relacionamento pessoal e intimista com


Deus” que é percebido como alguém que protege e que é atingido principalmente por suas
orações (Tamminen, 1991, p. 218).

Deus, muitas vezes, é percebido como alguém que está olhando de uma posição
estática e imóvel, de onde oferece proteção e consolação, sobretudo, nos momentos
difíceis, havendo uma maior sensibilidade nas jovens pelas situações vividas.

Entre os adolescentes de ambos os sexos, as jovens têm mais “medo da morte”


porque causa a perda da própria identidade (Florian-Har-Even, 1983) 83.

b) A emotividade nos rapazes

Os rapazes, ao contrário, se mostram mais sensíveis às “conseqüências que a


morte” pode trazer tanto à família quanto aos amigos. Os rapazes manifestam uma maior
disposição para as “ações” e a “ordem” das coisas existentes, em a natureza, concebendo
Deus como uma pessoa que age e se mescla, na realidade do próprio mundo, ajudando na
consecução de seus objetivos de jovem (Babin, 1963, 1966; Hyde, 1991, p. 131).

No entanto, tanto nos rapazes quanto nas moças, a fé está muito ligada aos padrões
de infância (religiosidade infantil) sem muitas influências do idealismo juvenil e das novas
valências afetivas, próprias da adolescência, não havendo ainda uma fé precisa e própria
desse tempo.
Às vezes, os jovens se debatem entre um senso de criticismo que o leva a duvidar
das noções de fé recebidas, no passado, e o desejo de um modo novo de perceber a
aproximação com Deus (Zavalloni, 1968, p. 365).

Embora os jovens vivam uma fé, de modo mais vivo e pessoal (comparado com o
período infantil: heteronomia), é difícil para eles comunicá-la adequadamente, através de
conceitos abstratos.
Eles são levados a sentirem mais claramente a responsabilidade de vivência do
credo que professam e ao qual são mais sensíveis, principalmente, no campo das
experiências religiosas fortes e significativas, concentradas mais, em vivências imediatas e
intensas, que numa sistemática programação da própria relação com Deus (Fizzotti, 1995,
p. 40-41).
82
HYDE, K.E. Adolescents and Religion… 1991, p. 119-161.
83
FLORIAN, V. - HAR-EVEN, D. Fear of Personal Death: The Effects of Sex and Religious Beliefs, In:
“Omega”: Journal of Death and Dying, 1983, 14, p. 83-91.
28

5 – As experiências religiosas significativas como premissas para um


envolvimento emotivo com Deus

Os pré-adolescentes e adolescentes de ambos os sexos têm experiências religiosas


“particularmente intensas” devidas a essa fase de crescimento que traz tantas incertezas
(Aletti, 1978, p. 56)84.
Hyde (1991, p. 125) diferencia entre experiências religiosas “normativas” (com o
despertar religioso) e as “não normativas”, nas quais prevalecem fatores de crescimento e
consciência psicológica do adolescente.
Esses “momentos fortes” de religiosidade (normativa) se devem, segundo Hyde, à
presença no jovem (crente ou não) de uma específica modalidade de “ser religioso”,
associando a prática religiosa a um relacionamento transcendental com Deus, ao seu modo
(com criatividade individual).

Esses “momentos fortes”, em geral, são vividos como “momentos de solidão e


mistério”, à noite ou de dia, com um comportamento fortemente emocional, manifesto
através da alegria, temor, paz, medo, tristeza, espera, incidindo em sua existência (Hyde,
1991, p.125-127).
Essa dimensão mística envolve os jovens, principalmente, no campo da devoção e
da fé (Thomas-Cooper, 1978) 85. Essas experiências místicas, no entanto, não têm uma
influência duradoura, na vida dos adolescentes (é um pouco “fogo de palha”).
O conteúdo da experiência mística predispõe a uma sensação de bem-estar, de
presença do Absoluto (do Transcendente) que protege e com quem se sente bem
(Beardswort, 1977)86.

A religiosidade do adolescente é, portanto, um mundo de emotividade em


transformação e que não leva muito a uma mudança estrutural do comportamento.
Segundo Hyde (1991, p. 128), a experiência de conversão a Deus se manifesta em
diversos níveis:
a) Nível momentâneo: Esse nível tem uma marca emotiva muito grande e pode
acontecer independentemente do credo religioso do jovem.
b) Nível progressivo: Esse nível permite ao jovem adaptar alguns aspectos de seu
credo religioso a manifestações emotivamente mais intensas.
c) Conversão inconsciente: Nesse nível não aparece nunca uma rejeição do
próprio credo religioso, mas um amadurecimento, através da influência do
ambiente circunstante (Scobie, 1973)87.

Em todo o caso, trata-se de uma experiência que envolve o jovem com uma nova
condição afetiva para com o “sagrado”, visto e sentido, muitas vezes, como invasora e

84
ALETTI, M. La religiosità infantile… 1978.
85
THOMAS, L.E. – COOPER, P.E. Measurement of Incidence of Mystical Experiences. An Exploratory
Study, In: “Journal for the Scientific Study of Religion”, 1978, 17, p. 433-437.
86
BEARDSWORTH, T. A Sense of Presence. Oxford: The Religious Experience Research Unit, 1977.
87
SCOBIE, G.E. Types of Christian Conversion, In: “Journal of Behavioral Science”, 1973,1, p.265-271.
29

imprevisível e que afeta a totalidade do indivíduo, ao nível cognitivo, experiencial e


psicodinâmico (Silverstein, 1988) 88.

Em tal experiência, o jovem exprime também a ambigüidade de sua religiosidade,


cheia de emoções, mas, ao mesmo tempo, muito vulnerável às novas experiências vitais e
cotidianas que enfrenta. Tais ambigüidades estão bem expressas, na seguinte afirmação de
um jovem entrevistado, no que concerne aos seus sentimentos para com Deus: “Às vezes,
sinto-me muito próximo a Ele, outras vezes, penso que, de fato, Ele não existe”
(Tamminen, 1991, p. 177) 89.

Se essas experiências forem bem analisadas, poderão ajudar imensamente a pessoa


do jovem, levando-o a uma fé adulta, amadurecida e realizadora (libertadora), mostrando o
verdadeiro sentido da vida (Viktor Frankl, 1994) 90. Mas, se é o contrário, pode neurotizar,
psicotizar e alienar, destruindo a pessoa humana (Milanesi-Aletti, 1977, p.184).

6 – Emotividade e religiosidade nos jovens

A religiosidade juvenil está em continuidade com a maturação religiosa atingida e


adquirida, nas fases evolutivas precedentes. O tipo de dimensão afetiva é fundamental
nesse processo.

No período juvenil é que se nota o “diferente” no que diz respeito à religiosidade


juvenil: praticar ou não a fé. Os que praticam a fé estão por demais envolvidos
emotivamente (Mion, 1993)91, embora suas experiências de pico (peak experiences) não se
reduzam somente a isso.

Mas, até que ponto essas experiências máximas podem ser consideradas
autênticas?
Os resultados das pesquisas são contraditórios. Às vezes, essas experiências
constituem uma expressão autêntica da religiosidade juvenil e, outras vezes, aparece como
algo externo, superficial que não envolve a pessoa realmente (Hood, 1971, 197292; Mathes,
198293).

Conclui-se, portanto, que há experiências místicas que efetivamente ajudam o


jovem a crescer em sua religiosidade e há outras experiências que são antes frutos de
88
SILVERSTEIN, S.M. A Study of Religious Conversion in North America, In: “Genetic, Social and General
Psychology Monographs”, 1988, 114, p. 261-305.
89
TAMMINEN, K. Religious Development in Childhood and Youth… 1991.
90
FRANKL, V. Senso e valori per l’esistenza. La risposta della logoterapia. Roma: Città Nuova, 1994.
91
MION, R. La religione dei giovani dopo il crollo delle ideologie, In: “Tuttogiovani Notizie”, 1993, 8, 32,
p. 5-26.
92
HOOD, R.W. A Comparison of the Allport and Feagin Scoring Procedure for Intrinsic/Extrinsic Religious
Orientation, In: “Journal for the Scientific Study of Religion”, 1971, 10, p. 370-374.//Normative and
Motivational Determinants of Reported Religious Experience in Two Baptist Samples, In: “Review of
Religious Research”1972, 13, p. 192-196.
93
MATHES, E.W. Mystical Experiences, Romantic Love, and Hypnothic Suggestibility, In: “Psychological
Reports”, 1982, 50, p. 701-702.
30

alguns traços da personalidade que dispõem o jovem a experiências de tipo místico como,
por exemplo, a pertença a certos grupos religiosos (ou associações).

Tudo indica que essas pessoas que se associam a “certos grupos religiosos
estranhos” (Ku-Klux-Kan, Nazismo, etc.) são pessoas com problemas e que querem uma
“mudança religiosa”, com certo tipo de “conversão” (Milanesi, 1981b, p. 175)94 como que
a dizer que a pertença a esse grupo alimenta e estimula a presença e a formação de uma
mais rica problemática e sensibilidade religiosa.

Entre os jovens, a religiosidade se exprime também, através da “privatização” de


sua experiência religiosa num relacionamento emocional, individual e intimista com Deus.

Essa dimensão individual e intimista da experiência religiosa se deve a um


“reviver” das próprias inseguranças, colocando em evidência as contradições ansiogênicas,
derivadas dos problemas interpessoais não resolvidos, no período da adolescência,
repercutindo na experiência religiosa, tentando superar eventuais dificuldades afetivas.
Essa dimensão psicológica faz com que o jovem se concentre no que “sente dentro
de si”, querendo que Deus o ajude a resolver esses problemas não resolvidos antes.

Antes mesmo de o jovem se concentrar no objeto de sua religiosidade (Deus), as


suas experiências de fé estão essencialmente concentradas neles mesmos, como sujeitos
ativos. Esse fenômeno é mais evidente entre os rapazes mais jovens e as moças e não tanto
entre os rapazes mais adultos (Mion, 1993).

Essa focalização “autocêntrica” da própria relação com Deus – sobretudo ao redor


dos 20 anos – confirma a presença de um tipo de religiosidade ainda “imatura” e
tendencialmente “funcional”, isto é, visando satisfazer as “exigências do sujeito” (jovem)
que ser orientada a uma concepção de “fé totalizante”.

É, portanto, uma religiosidade “fragmentada”, com uma tendência a “subjetivizar”,


na multiplicidade das experiências emocionais, a própria questão religiosa, expressa em
interesses autocêntricos, com os quais o jovem tenta interpretar as mediações (familiares e
sociais) da religiosidade juvenil.

O “agregar-se (“jovens engajados”) a um grupo religioso é típico dessa fase,


independentemente de outras variáveis: sexo, idade e atividade desenvolvida, entre outras.
Os jovens “não-agregados” são os mais “indiferentes” à problemática religiosa,
geralmente, por causa das variáveis: sexo (proibições). As moças crêem mais que os
rapazes, tendo mais atividades desenvolvidas (são mais disponíveis), no campo religioso.
Os jovens estudantes são mais engajados que os trabalhadores e os que pertencem
à classe social (econômica) mais alta crêem mais (Fizzotti, 1995, p. 44) o que talvez não
aconteça aqui no Brasil.

Os jovens “agregados críticos” (jovens que pertencem a um grupo religioso e que


sempre criticam a religiosidade tradicional) manifestam uma maior vivacidade e

94
MILANESI, G. (Ed.). Oggi credono così. V. I I risultati. V.II: Approfondimenti. Torino: Elle Di Ci, 1981b.
31

vitalidade, em seu credo religioso, e confirmam a hipótese de uma fé, como experiência
pessoal, entendida mais como procura de “protagonismo positivo” (experiência subjetiva)
e não tanto como consumo individualista do “sagrado”.

Esses jovens “agregados críticos” são os mais sensíveis a uma experiência de fé


menos totalizante porque mais aberta ao próprio conteúdo experiencial e menos ligados ao
“institucional” (Igreja, grupos, etc.). Mas, ao mesmo tempo, são mais dados ao “social”
com implicações políticas de sua própria escolha (Mion, 1993).
O desenvolvimento da componente afetiva, na religiosidade juvenil, está associado
ao modo com o qual os jovens vêem três atribuições fundamentais:
a) Senso de segurança;
b) Reconhecimento e acolhida;
c) Obediência e aceitação acrítica.

Essas são três características do envolvimento emocional dos jovens para com o
“sagrado”.
Noutras palavras, os jovens procuram:
a) “Segurança” que eles percebem como um dos atributos de Deus (os menos
escolarizados);
b) “Reconhecimento/Acolhida” para as pessoas “mais passivas” diante da
Instituição (Igreja), sendo os jovens trabalhadores e os estudantes com maior
escolarização os que mais criticam negativamente a Igreja e as Instituições;
c) “Os passivos” que não criticam nada e obedecem mais cegamente aos seus
pastores (menos cultura, mais submissão)95.

Concluindo, pode-se afirmar que o jovem não “dissocia” a experiência pessoal da


vivência emocional de Deus das características de sua experiência subjetiva.

Noutras palavras, o jovem vive sua experiência emocional de Deus, de modo


subjetivo, aumentando isso cada vez mais quando o jovem tem de enfrentar certas
variáveis existenciais (sexo, afeto e outros problemas).
O jovem, portanto, ao viver a própria fé, procura revalorizar o aspecto “funcional”
da fé, em vista de sua experiência afetiva.

De um lado, a experiência religiosa do jovem traz consigo o risco de certa


“subjetividade” da vivência emocional da fé e, de outro lado, evidencia que não se deve
menosprezar o “protagonismo juvenil” (atores) que o leva a participar de propostas
“alternativas”, mais sociais e altruístas de sua religiosidade ainda juvenil.

Certamente que muitas outras variáveis interferem em todo esse processo visto, a
saber: formação da família de origem (especialmente a avó), família atual, o trabalho
extradoméstico, o poder da mídia, o machismo de nossa cultura e outros valores morais
(relativismo moral versus moralismo, secularização, globalização e uma atuação pastoral
adequada ou inadequada).

95
Cf. FIZZOTTI, E. Verso una psicologia della religione…V. II, p. 9-45.
32

Na idade madura, já há um maior equilíbrio da vivência emocional, dependendo


muito da maturidade afetiva e do crescimento numa fé adulta (sentimental-racional, e não
crendices).
Na senectude (velhice), como o caminho que resta é muito pouco, o passado é
constantemente reeditado, como maior valência (fatos que lhe são importantes!). Há certo
medo do futuro (túmulo) para quem não acredita na parusia, segundo minhas experiências
pastorais.

Observações conclusivas:

N.B.: → Vide outros livros na Bibliografia que tratam dessas temáticas.

N.B. → Estudo de Textos sobre os assuntos anteriormente tratados (GARCÍA,


BARÓ, PANIZO. Experiência religiosa y Ciências humanas. Madrid, PPC, 2001. 153p.

II - ABORDAGEM COGNITIVA E PSICANALÍTICA DA RELIGIOSIDADE


HUMANA

Introdução: Definições e dados históricos.

Que é psicologia cognitiva? R.- “É o estudo do “modo” como as pessoas


percebem, aprendem, recordam, pensam e representam sobre a informação, incluindo
também os fenômenos aparentemente de orientação menos cognitiva, como a emoção e a
motivação “(Sternberg, 2000, p. 38-39) 96.
Noutras palavras, “é o estudo da maneira como as pessoas aprendem, estruturam,
armazenam e usam o conhecimento” (Neisser, 1967) 97.

96
STERNBERG, R. J. Psicologia cognitiva. Porto Alegre: Artmed Editora, 2000. 494 p.
97
NEISSER, U. Cognitive Psychology. Nova York: Appleton-Century Crofts, 1967.
33

Como surgiu a Psicologia cognitiva? R - Já tem seus antecedentes em Platão


(racionalismo) e Aristóteles (empirismo) → Tecer considerações sobre o “Céu das Idéias”
de Platão e os “conceitos” (idéias), vindos dos objetos reais (Aristóteles).

Depois surge de uma convergência de progressos das diversas escolas psicológicas


(Locke, Watson, Skinner, Köhler, Chomsky, etc.), em seus diversos campos, levou ao
surgimento da psicologia cognitiva, liderada por pessoas notáveis como Miller, Pribram,
Newell, Simon e Ulric Neisser, professor de Psicologia da Universidade de Emory.

Seu livro Cognitive Psychology foi o fator desencadeador da revolução cognitiva,


na Psicologia, com suas áreas de pesquisa: bases biológicas da psicologia cognitiva,
atenção e consciência, percepção, representação do conhecimento (imagens e
proposições), representação do conhecimento e processamento da informação, memória
(modelos e estruturas), processos de memória, linguagem (natureza e aquisição),
linguagem contextual, solução de problemas e criatividade, tomada de decisões e
raciocínio, desenvolvimento cognitivo, inteligência e inteligência artificial.
Como se pode notar, a área de pesquisa dessa disciplina é muito vasta e muito atual
em nossos dias.

II. 1- A dimensão cognitiva e psicanalítica na religiosidade popular e na


mística

1 – A dimensão cognitiva da religiosidade humana

a) O papel do desenvolvimento cognitivo na religiosidade infantil

Segundo pesquisas já aludidas, é amplamente aceito que a criança vive a própria


religiosidade, ao nível cognitivo, de acordo com os processos de maturação intelectiva que
caracterizam o relacionamento da criança com o mundo externo.

De fato, de um lado, a criança se aproxima do “sagrado”, através de sua


inteligência e de seu pensamento em formação e, de outro lado, tudo indica que a criança,
por sua natureza, seja sensível ao aspecto do Transcendente: não tanto o Deus pensado
pelo adulto, mas o “diferente de si”, também fisicamente (Milanesi-Aletti, 1977, p. 86;
Aletti, 1978, p. 55-56) que é misterioso e não é captado pelo seu conhecimento, embora
cause fascínio a ela por suas qualidades extraordinárias (Heller, 1991, p. 44-49) 98.

Independentemente das diversas posições teóricas de que a criança tem uma


concepção “inata” ou “derivada” (adquirida) de sua religiosidade, ou uma “disposição
pessoal” para com o sagrado, praticamente todos os pesquisadores estão convictos de que
a criança desenvolve “gradativamente” a sua aproximação à “percepção diferenciada” do
sagrado, segundo a caminhada intelectual na qual se encontra (Milanesi-Aletti, 1977, p.
85-86).

98
HELLER, D.I. Il Dio dei bambini. Indagine scientifica… 1991.
34

b) As etapas do desenvolvimento cognitivo

Segundo Piaget, as etapas do desenvolvimento intelectual (pensamento) da criança


seguem períodos bem precisos, cada um com sua maturação, necessária para atingir a
etapa posterior.
Até os 6-7 anos, a criança se encontra, no período “pensamento pré-operatório” no
qual surge a “função simbólica do pensamento” que se distingue pela “crescente
capacidade intuitiva” para as “ações que a criança realiza” ou para as “impressões que a
criança tem sobre o que a circunda”.

Nessa fase pré-operacional, a criança não consegue ainda elaborar conceitos ou


fazer deduções entre os diversos acontecimentos, embora seja capaz de notar a
contraditoriedade de certos acontecimentos dos quais ela tem experiência.

As duas características que, nesse período, mais influenciam a “representação” que


a criança tem, no seu relacionamento com a realidade externa - incluídas as informações
religiosas que lhe vêm do ambiente – são:

1) Tendência egocêntrica: “Incapacidade de colocar-se num ponto de vista


diferente do seu”, isto é, as “representações mentais” são a “reprodução
imediata da realidade”;
2) A pré-causalidade: “Incapacidade de estabelecer “vínculos adequados” entre si
e o mundo externo, ou entre as coisas e o mundo” (Aletti, 1978, p. 44)99.

A partir desses dois aspectos, acima colocados, a criança percebe as coisas ao redor
de si como “vivas e conscientes” (animismo), ou então pensa que, por trás da realidade
com a qual entra em contato, haja alguém que “construa” as coisas, no sentido material do
termo (artificialismo) ou que haja uma relação causal entre as coisas fabricadas, segundo o
seu esquema mental mágico (magismo).

A manifestação desses traços, na evolução do pensamento infantil – mormente do


pensamento religioso – influenciou particularmente o estudo do “relacionamento da
criança com o mundo” e de sua “relação com alguém ou alguma coisa que a transcende” e
que provoca uma transformação progressiva de sua concepção de onipotência.

No período sucessivo, que vai além dos 6-7 anos, a criança adquire um tipo de
pensamento definitivo chamado de “operatório”, no qual surge a capacidade de
“associação entre os diversos acontecimentos” e também a “capacidade de conclusão
coerente” a partir de algumas premissas concretas.

No entanto, somente, no período que vai dos 9 aos 13 anos, chamado de período do
“pensamento hipotético-dedutivo” é que a criança conseguirá representar para si as
“situações possíveis”, elaborando assim dados também hipotéticos e trazendo-os como
conclusões inerentes à realidade dos fatos.

99
ALETTI, M. La religiosità infantile. Un approccio psicologico, In: “Riflessi”, 1978, 30, 1-2, p. 36-61.
35

É esta a idade na qual a criança consegue colher o significado de “noções mais


abstratas” como: infinito, eterno, espiritual, típicas da religiosidade desta idade.

c) A modificação progressiva do pensamento religioso na criança (Goldman,


1966)100.

Ao redor dos 5-6 anos, a criança tende a focalizar-se sobre seu “pensamento
intuitivo”, dando um tipo de descrição primitiva de Deus e de Suas ações. É a fase pré-
operacional e intuitiva porque assistemática e fragmentária.
Nos anos sucessivos, o desenvolvimento do pensamento religioso da criança
depende da maturidade intelectual adquirida.

Ao redor dos 10 anos, no entanto, começa a surgir uma maior tomada de


consciência de Deus, como “pessoa-diferente-de-si e de seus pais”. É a idade em que se
sublinha uma espécie de “dicotomia” entre o mundo teologicamente definido pelas
religiões e escolas religiosas e o mundo das explicações científicas e racionais no qual a
idéia de Deus encontra bem pouco espaço e é muito criticada.

Segundo Goldman, a maturação religiosa da criança está ligada aos diversos


períodos de sua idade e ao desenvolvimento das habilidades mentais relativas a cada
período, sendo confirmada assim a teoria piagetiana das diferentes fases de
desenvolvimento do pensamento, também no campo religioso.

Segundo Elkind (1970, p. 35)101, as etapas do crescimento cognitivo seriam


acompanhadas também de respostas oportunas oferecidas pela religião.

A uma “primeira fase”, caracterizada pela procura de “conservação do objeto”,


seguiria um “segundo momento” de procura de “representação simbólica” do objeto, ou
seja, um momento de procura de relação com o outro, típica da idade escolar e, enfim, um
“terceiro momento” de procura de compreensão lógica, própria do pensamento
adolescencial.

d) Representações do real e religiosidade infantil

O relacionamento da criança com a realidade é filtrado pelos próprios processos


cognitivos e isso vale também para a religiosidade. A criança tende a reduzir a realidade à
própria experiência perceptiva e “se comporta como se as conotações afetivas, emotivas
das próprias percepções fossem partilhadas por aquelas realidades que ela percebe:
animismo” (Milanesi, 1967a, p. 555).

100
GOLDMAN, R.G. The Reformation of Religious and Moral Education, In: “Learning for Living”, 1966,
6, p. 14-16.
101
ELKIND, D. The Origins of Religion in the Child, In: “Review of Religious Research”, 1970, 12, p. 35-
42.
36

Nessa percepção, a criança e a coisa percebida (de modo animista) não estão muito
diferenciadas, modificando-as magicamente (magismo) de acordo com as próprias
necessidades. A falta de distinção entre o Eu e o Mundo permite-lhe traduzir a onipotência
de seu pensamento na realidade (realismo infantil) e de centralizar no próprio pensamento
a percepção do real no qual o eu é o centro necessário e único (Ibidem, p. 561).

Essas dinâmicas mentais (esquemas) vão devagarzinho contribuindo para a gradual


maturação de sua religiosidade, entendida como “consciência do outro diferente de si”
(Hyde, 1990).

Junto ao “realismo infantil” com o qual se exprime o “egocentrismo infantil”,


surge uma outra dimensão que justifica a crença na onipotência do seu pensamento: o
influxo do ambiente, sobretudo, o dos pais no qual a criança experimenta a eficácia da
própria percepção onipotente, principalmente quando se dá conta que os pais respondem
positivamente aos seus desejos, reforçando-lhe a concepção mágica do próprio influxo
potente sobre o meio familiar.

Nesse período, a criança vive certa ambivalência: “percebe” a sua onipotência


sobre o ambiente e “não compreende cognitivamente” o linguajar e a gestualidade
religiosa dos pais que são diferentes. Há uma dicotomia daquilo que aprende na escola e o
que vê, no mundo real, bem diferente do aprendido na escola ou família (aculturação).
O esforço da criança, portanto, é o de “adaptar o real” às “informações que lhe
chegam”, percebendo como tudo é “funcional e suficiente a si mesmo” (concepção
atomística da realidade).

A criança pode, nesta fase, ver Deus como causa primeira, mas não percebe o papel
fundamental de tal relação causal.
Nessa modalidade de relacionar-se com as coisas do mundo, a criança é ajudada
pelo “realismo infantil” com o qual procura definir a realidade com aquilo que vê
concretamente, atribuindo aos dados perceptivos o primado sobre os representativos.

Essa capacidade de concentrar-se sobre as coisas que vê e toca antes que sobre as
relações existentes entre elas, - percebendo como causa primeira, independentemente das
relações de causalidade existentes - dá à criança a possibilidade de “maximizar” o seu
relacionamento com a realidade (isto é, de tirar o máximo proveito da relação direta com o
real), tendendo a estender tal processo de “acomodação” aos diversos contextos de sua
existência, inclusive o campo religioso (Aletti, 1978, p. 45).

De fato, no relacionamento com a religiosidade que lhe é proposta pelo mundo


circunstante, a criança se esforça por “conciliar” os conceitos e gestos que vêm do exterior
com as “fases de maturação interna”, tentando adaptar-se bem ao ambiente religioso.

Com tal processo de “adaptação do real” ao seu “eu egocêntrico”, a criança realiza
uma espécie de “distorção cognitiva positiva” que propicia uma forma evolutiva mais
positiva de relação com o “outro-diferente-de-si”, saindo do autocentrismo e se dirigindo
para o transcendentalismo.
37

O “antropomorfismo”, “animismo” e “magismo” do pensamento religioso da


criança não são formas distorcidas da realidade sacra, mas etapas úteis e necessárias para o
desenvolvimento “normal” de sua religiosidade, através dos quais ela amadurece a própria
“intencionalidade religiosa” e as modalidades concretas com que “canaliza as
necessidades de compreensão da realidade, de relacionamento criativo e de integração
afetiva” (Milanesi-Aletti, 1977, p. 150).
Isso acontece principalmente no início do período de escolarização (especialmente
aos sete anos).

O seu “realismo” lhe permite de alimentar uma concepção antropomórfica de Deus


e o seu “egocentrismo” o leva a ver Deus como alguém que está a serviço dos homens. O
seu “artificialismo” facilita a aquisição da crença em Deus como criador material do
universo.

“Noutras palavras, o “realismo” e o “egocentrismo” dificultam, na criança de 6-7


anos, a aquisição de quase todas as noções, também a crença na capacidade divina de
ressuscitar os mortos e de ajudar a salvar os homens nos perigos da vida” (Vianello, 1991,
p. 138)102.

e) O pensamento mágico e os primeiros conceitos de Deus

O “pensamento mágico” da criança faz com que ela se relacione com o mundo
externo, transformando as “relações de causalidade” numa prospectiva egocêntrica e
utilitarista (Aletti, 1978, p. 44; Milanesi, 1967a, p. 554-556; Piaget, 1938103).

A formação religiosa da criança depende muito dos adultos. Na idade pré-escolar


(3-5 anos), ela está eivada de “magismo”, manifestando-se, através de cerimônias de
diversos tipos e formas religiosas verbais ensinadas pelos adultos (Godin, 1983, p. 37-
39)104.
A percepção de Deus, neste período, como um “grande mago” não se deve à
atribuição dos poderes mágicos à divindade, mas à tendência de generalizar em Deus as
“qualidades reconhecidas em todos os homens”, a começar pelos pais.

Quando os pais oram a “Deus poderoso” (gigante das virtudes mágicas: Vianello,
105
1974 ), as crianças pensam que as orações suas e de seus familiares devem ser
“necessariamente ouvidas” porque a capacidade de sucesso da oração está ligada à
“capacidade de deformar a realidade”, que é típica do pensamento mágico infantil,
segundo o qual “cada desejo deveria tornar-se realidade”.

102
VIANELLO, R. Ricerche psicologiche sulla religiosità infantile. Firenze: Giunti, 1991.
103
PIAGET, J. La représentation du monde chez l’enfant. Paris: F. Alcan, 1938.
104
GODIN, A. Psicologia delle esperienze religiose. Il desiderio e la realtà. Brescia: Queriniana, 1983.
105
VIANELLO, R. Ricerche psicologiche sullo sviluppo della rappresentazione di Dio nel fanciullo, In:
“Psicologia Contemporanea”, 1974, 3, p. 9-15.
38

Este pensamento mágico da criança começa a diferenciar-se lá pelos 6-8 anos,


aproximando-se a criança de Deus, através da distorção fantástica, criada pela própria
imaginação.
Assim, a criança “entra em contato com a realidade de Deus”, desconhecida para
ela, e, ao mesmo tempo, “age” sobre essa realidade. Deus se torna um homem “especial”,
um “mago” que age de modo misterioso, não encontrando ninguém semelhante entre os
homens e que a criança tenta apossar-se para utilidade própria, através dos ritos e preces
(Aletti, 1978, p. 50).

Com o passar do tempo, o pensamento mágico vai diminuindo, na religiosidade da


criança, pois se torna “mais capaz” de ver as reais ligações causais. Um exemplo para
compreender tal mudança de modalidade cognitiva é a “transformação” de sua
interpretação dos milagres.

Entre 8-9 anos, a criança evita recorrer ao milagre, quando se trata de explicar
situações particularmente difíceis ou perigosas (Vianello, 1991, p. 249). Quando a criança
é mernorzinha atribui excessiva importância aos milagres como “algo mágico” que Deus
faz porque é grande (Tamminen, 1991, p. 208).
A partir do pensamento mágico, surgem os primeiros conceitos de Deus. Os
estudos da psicologia religiosa concordam sobre o fato de que a criança acredita na
existência de Deus.
Nos primeiros anos de vida, ela tem uma idéia de Deus muito simples: associa-o à
natureza e o percebe como alguém que “vive no céu, na igreja ou noutra parte”.
Aos 4 anos, a criança o percebe como um ser que se manifesta de “modo
concreto” e não abstrato (Heller, 1991, p. 58)106.

Entre os 5-6 anos, surge nela uma curiosidade para o “papel” que a divindade pode
assumir com as pessoas. Em sua mente, Deus se torna uma pessoa poderosa que controla o
que os outros fazem e os pune quando fazem coisas más. Mas, as “características divinas”
são ainda semelhantes às “grandes capacidades” que ela reconhece nos adultos, sobretudo,
nos pais (Heller, 1991, p. 48-58).
A religiosidade da criança é essencialmente heterônoma (depende dos outros).

Deus se torna para ela “alguém onisciente” (que sabe tudo). Quanto à sua
capacidade concreta, a criança mostra certa contraditoriedade: Deus é todo poderoso, mas
não pode fazer tudo, por exemplo, não pode salvar quem morre, nem mesmo ressuscitá-lo
simplesmente porque não é possível, em a natureza (Vianello, 1991, p. 83-87).

Dos 6-7 anos até os 10-11 anos, a criança nega a “possibilidade da ressurreição”
porque começa a assimilar as noções religiosas de modo “mais crítico” e mais pessoal
(Vianello, 1991, p. 131).

A independização religiosa dos adultos é facilitada ou não (se são legalísticos,


radicais ou tiranos) pela interferência dos pais e educadores, passando a ter uma

106
HELLER, R. Il Dio dei bambini… nelle diverse religioni. 1991.
39

religiosidade mais madura e realística (também a idéia de Deus) ou uma visão de Deus
imatura, irrealística e fantástica (Stickler, 1974) 107.

Segundo a pesquisa de Stickler, poder-se-ia dizer que a onisciência de Deus é


inversamente proporcional à onisciência dos pais. Quando a criança percebe as limitações
dos pais, coloca as próprias expectativas em Deus, aparecendo isso mais entre os 8-9 anos,
idade essa na qual Deus, além de ser onisciente, é concebido como “onipotente”: capaz de
fazer tudo o que os pais não sabem e não podem fazer.

A criança vive a evolução do seu pensamento religioso como um fato progressivo e


não dissociado da percepção dos outros conhecimentos concretos que vai adquirindo
(Makhoul-Mirza, 1992, p. 154-155)108.
A ação de Deus, no mundo, se assemelha ao pai que vem de fora, do trabalho e traz
coisas de que ela necessita (Ludwig-Weber-Iben, 1974) 109.

Na idade de 7-8 anos, a criança percebe de modo mais claro a contradição entre um
“credo essencialmente idealístico” (tempo de aculturação religiosa) e o início de suas
dúvidas concernentes a essas “idéias de Deus”.

Em geral, a criança tende a conciliar as duas coisas (noções e credo religioso),


tentando aceitar, sobretudo, aquelas idéias que não contrastem com sua visão do mundo,
adaptando-se e reelaborando, de modo pessoal, as idéias que vêm da formação religiosa
em vista de uma concepção de Deus mais correspondente à vivência interior.

À medida que se aproxima a pré-adolescência, a criança vai superando essa “noção


idealística” de Deus, tornando-se mais “realista” a sua concepção de Deus e de sua atuação
no mundo, tentando conciliar a idéia do divino com o humano e entendendo melhor a
problemática da criação do mundo, da existência humana e da morte (Vianello, 1991, p.
298).
Deus vai participando menos nas ações que são realmente da esfera humana. A
tarefa de Deus essencialmente para ela é a de “observar e proteger as pessoas” ( Fizzotti,
1995, p. 86-90).

f) As diversas concepções de Deus

À medida que a criança vai amadurecendo biopsiquicamente, novos conceitos de


Deus vão surgindo do encontro adaptativo com a realidade global (pais, escola, meio
ambiente, etc.):

107
STICKLER, G. Rappresentazioni di Dio e immagine dei genitori nella esperienza degli adolescenti.
Ricerca effettuata su 2.255 adolescenti dai 14 ai 20 anni, In: “Rivista di Pedagogia e Scienze religiose”,
1974,12, p. 39-75.
108
MAKHOUL-MIRZA, H. Pédagogie de l’éveil et croissance spirituelle des tout-petits. Montréal:
Paulines, 1992.
109
LUDWIG, D. J. - WEBER, T. – IBEN, D. Letters to God: A Study of Children’s Religious Concepts, In:
“Journal of Psychology and Theology”, 1974, 2, p. 31-35.
40

1) Do “Deus-construtor” ao “Deus- criador”

Ao nível cognitivo e teológico, com o aumentar da idade, cresce também, na


criança, a capacidade de compreender as coisas de Deus.
Com o catecismo, a criança apreende a idéia de Deus criador que é a noção mais
freqüente (Graebner, 1964110; Braido-Sarti, 1967111, p. 1.139). O processo de “assimilação”
de tal conceito é gradual, segundo a sua maturação intelectiva (Hyde, 1991, p. 138).

No início (3-5 anos), a criança acha que Deus construiu materialmente as coisas do
mundo (Makhoul-Mirza, 1992, p. 165), como se fosse um artesão ou um mágico que
“fabrica” as coisas do mundo, de modo milagroso (Aletti, 1978, p. 47).

Lá pelos 6 anos, a criança pensa que Deus seja artífice da natureza e, portanto,
criador de todas as coisas, uma concepção derivada da mentalidade artificialista típica
desta idade, premissa para a descoberta de um Deus que opera verdadeiramente a partir do
nada.

Após os 8 anos, a criança chega a uma percepção mais “divinizada” do ato criador
e assimila mais facilmente a noção de Deus criador, influenciada também pelo
ensinamento religioso recebido (Aletti, 1978, p.48).

Pouco a pouco, quando vai aprendendo novos conhecimentos científicos sobre a


origem do mundo e dos planetas, começam a aparecer as primeiras dúvidas sobre o
ensinamento precedente, não aceitando mais acriticamente a “idéia de Deus criado” sem
confrontá-la com as novas descobertas cognitivas.

De 10-11 anos, a intervenção divina é sempre menos concebida em termos de


“fabricação” e sempre mais em termos de “criação do nada”(Vianello, 1991, p. 242).

2) Do “Deus-fantasma” ao “Deus-Espírito”

O Deus criador é também percebido como “grandiosíssimo”, percebendo a criança


a onipresença de Deus, lá pelos 9-10 anos, sendo Deus tão imenso que “não pode mover-
se porque é tão grande como o mundo” (Braido-Sarti, 1967, p. 1.138).

Não se trata ainda de uma “visão espiritualizada”. Antes dos nove anos, falar de
espírito leva a criança a ligar essa propriedade a uma característica mais “humanizada”: o
Deus-espírito é concebido pela criança como um Deus-fantasma, i. é, o homem que não se
vê, que não se toca e que consegue passar por toda a parte (Vianello, 1991, p. 86),
passando, às vezes, via catecismo, para morar dentro da alma do homem.
Deus é visto como poderoso, como o é o pai da criança, só que o seu pai ela pode
tocar.

110
GRAEBNER,O.E. Child Concepts of God, In: “Religious Education”, 1964, 59, p. 234-241.
111
BRAIDO, P. – SARTI, S. L’idea di Dio presso ragazzi italiani della scuola dell’obbligo, In:
“Orientamenti Pedagogici”, 1967, 14, p. 1.128-1.157.
41

Finalmente, a criança passa a conceber Deus como “espírito”, exprimindo, assim,


uma concepção mais madura de sua religiosidade. Até os 10 anos, são poucas as crianças
que têm uma “idéia abstrata” de Deus e que não o confinam num “lugar preciso”, graças à
capacidade fantástica que lhes permite materializar o trabalho da fantasia.

É mais ou menos lá pelos 10 anos que aflora, na criança, um senso de maior


responsabilidade pessoal para com Deus e para com as atividades religiosas, formulando
novas modalidades de contato na polaridade “Deus-mundo”.

Aos 11 anos, começa a criança a ter uma maior ligação com Deus, aparecendo, ao
mesmo tempo, as primeiras dúvidas sobre a “natureza de Deus” e sua “localização”.
É o período no qual, com a pré-adolescência, florescerá uma opção por uma
expressão de fé, mais ligada à humanidade e à experiência cotidiana e menos interessada
com a natureza de Deus (Wright-Koppe, 1964)112.

3) Do “Deus sobre as nuvens” ao “Deus vizinho”

Entre os 3-6 anos, as crianças têm um senso natural e espontâneo de Deus e de sua
proximidade naquilo que fazem, passando a localizá-lo “sobre as nuvens ou na igreja”.

Aos poucos, as crianças passam a ver Deus como muito vizinho a quem os pais e
outras pessoas recorrem e que elas os imitam inclusive, com os gestos religiosos dos
adultos. Essa imitação é corroborada pela fantasia e pelos símbolos mediadores da
religiosidade: imagens sacras, cruz, etc., mas das quais elas não têm ainda uma concepção
personalizada (Tamminen, 1991, p. 205; Braido-Sarti, 1967, p. 1.142; Wright-Koppe,
1964).
As crianças exprimem o seu “senso da presença de Deus”, através dos desenhos
vivazes e atraentes, com os quais podem exprimir um contato “mais seguro” (porque mais
real e mais vizinho a elas), com os diversos aspectos de Deus, reproduzindo vivências
familiares (Pitts, 1976-1977, p. 127)113.

Ao nível cognitivo, esse relacionamento com Deus é muito facilitado ou


dificultado a depender dos adultos que a circundam, se são religiosos ou não. Quanto mais
positivo, próximo e significativo é o relacionamento dos adultos com Deus, tanto mais
positivo é o relacionamento da criança com Deus, estimulando a sua capacidade cognitiva
e também a sua própria fantasia (Vianello, 1991, p. 36).

A representação de Deus, portanto, nas crianças, vai depender muito de como os


adultos e o ambiente a influenciaram (Hyde, 1990, p. 70).

g) A evolução da concepção infantil do Deus juiz

112
WRIGHT, H.D. - KOPPE, W.A. Children´s Potential Religious Concepts, In: “Character Potential”, 1964,
2, p. 83-90.
113
PITTS, V.P. Drawing Pictures of God, In: “Learning for Living”, 1976-1977, 16, p.123-129.
42

Pouco a pouco, a criança vai vivendo, do ponto de vista cognitivo, uma


metamorfose (transformação) que permite a evolução do nível de compreensão da
religiosidade de “formas hétero-dependentes e defensivas” para “formas mais
personalizadas e mais correspondentes à vivência cognitiva”.

Para entender a concepção do Deus-juiz por parte da criança, deve-se referir ao


conceito de justiça imanente que é muito significativo na experiência prática da criança.
Sabe-se que, na idade pré-escolar, a criança é um ser hétero-dependente, ligada
completamente ao mundo externo e às suas leis, ainda não totalmente interiorizadas.

A dependência do mundo externo, associada ao “realismo infantil” - típico da fase


do pensamento pré-lógico - permite à criança contatar a realidade, essencialmente, do “seu
ponto de vista” (egocentrismo infantil).
Partindo de tal pensamento egocêntrico, a criança pressupõe que o mundo real aja
em função de si mesma. Tal interpretação “realística” se reflete também no campo do
pensamento moral.

De fato, com o realismo moral, a criança tende a “objetivar” as próprias


responsabilidades, dando antes prioridades aos “efeitos” das ações realizadas que às
“intenções”. Com esta impostação, aquilo que ela considera “justo ou injusto” dependerá
do “significado” que tem o acontecimento para ela e para suas categorias psicomorais das
quais se sente “imediatamente responsável” (Aletti, 1978, p. 44)114.

A acentuação da abordagem realística, no desenvolvimento do juízo moral infantil,


torna-se mais clara quando se refere às conseqüências de uma “ação errada”, pois, uma
ação errada é uma ação punida e vice-versa. (Makhoul-Mirza, 1992, p. 108).

Segundo Piaget, a criança crê que, após ter feito uma coisa errada do ponto de vista
moral, acontecerá algo que lhe permita “expiar” o dano cometido, como uma espécie de
“sanção ou punição automática” que serve para restaurar o equilíbrio interrompido com a
ação errada.
Desse modo, a criança confere propriedade “animista” aos objetos/pessoas que são
mediadores, na ação de expiação, atribuindo uma eficácia intrínseca às coisas, na
restauração do equilíbrio desfeito com a ação errada.

Como se vê, a idéia de justiça imanente, associada àquela de animismo que,


segundo a criança, restabelece o equilíbrio perdido, permite à criança de sentir-se
diretamente envolvida com o mundo circunstante e de interagir, de modo pessoal, com a
realidade (Piaget 1972 a; Vianello, 1991; Makhoul-Mirza, 1992 p. 108-110).

À medida que a criança cresce, começa a acontecer uma justiça “por ação punitiva
de Deus” para castigar as ações erradas que as pessoas cometeram e que não são justas
(Loves, 1957) 115, passando a criança de uma justiça “imanente ao objeto” a uma justiça
feita por uma “intenção pessoal”(Milanesi-Aletti, 1977, p. 43) que vem atribuída ao Deus-
juiz que, com o tempo, é visto como alguém que age para proteger as necessidades
114
PIAGET apud ALETTI, M. La religiosità infantile... 1978, p. 44.
115
LOVES, H. Croyances ancestrales et catéchése chrétienne, In: “Lumen Vitae”, 1957, 12, p. 365-389.
43

importantes da criança, tornando-se a religião para ela uma possível resposta às suas
exigências de proteção e segurança, sendo chamado isso de “intencionalismo protetivo”
(Godin-Van-Roey, 1959; Aletti, 1978, p. 48-49).

A sensação de um Deus que protege – devida à instrução religiosa recebida – se


assemelha àquela de um Deus que intervém e pune.
Nessa dicotomia, vai navegando a criança, passando de uma visão mais “passiva”
de Deus para uma visão mais “ativa e envolvente”: “Se Deus pune... é melhor ter as suas
simpatias” (Aletti, 1978, p.49).

Por isso, nesse período, há uma série de orações que são feitas pela criança que
demonstram essa atuação mais ativa com Deus, sendo “permeada” essa relação com Deus,
já no período escolar, de animismo e magismo que permitem à criança um
“comportamento religioso que a aproxime à transcendência de Deus” (Milanesi – Aletti,
1977, p. 145).

Ao nível comportamental, a criança entre os 7-9 anos, prefere ter uma “idéia
legalística” de Deus que vai, aos poucos, desaparecendo quase completamente
(Tamminen, 1991, p. 80; Ronco-Fizzotti-Amenta, 1993, p. 677)116.

Tal idéia de Deus se diferencia da concepção de um Deus que “faz medo” – não
muito presente entre as crianças, mesmo as menorzinhas – pois quando elas falam de
“medo de Deus” entendem um tipo de temor geral, sem especificação de conteúdo
(Braido-Sarti, 1967, p. 1.154), concluindo-se que a “idéia legalística” não se deve tanto ao
“pavor de um Deus que pune”, mas à “função” daquilo que Deus faz, opera justamente e
faz o bem (Tamminen, 1991, p. 81), intervindo Deus no humano o estritamente necessário,
seja através da natureza, seja através das pessoas, segundo os esquemas infantis (Vianello,
1991, p. 156-159).
Portanto, a “justiça imanente” de Deus persiste, com o passar dos anos (até os 10
anos), alimentada, com o ensinamento catequético, que incrementa a concepção de um
Deus que age, de modo justo, através de uma ação direta, mediada pelas pessoas e
circunstâncias concretas (Vianello-Marin, 1989b117; Vianello-Tamminen-Ratcliff, 1991118).

De fato, entre 6-7 anos, a criança crê, com uma percepção um pouco “artificial”,
nas intervenções de Deus que exerce certo controle na vida das pessoas, punindo quem é
ruim e premiando quem é bom.
Dos 8-9 anos, tal crença é alimentada pelas noções religiosas catequéticas.
Dos 9-11 anos, ela fundamenta a própria fé na presença de Deus, promotor da
justiça, a quem atribui características mais personalizadas e mais vizinhas à sua

116
RONCO, A.- FIZZOTTI,E.- AMENTA, E. Immagine di Dio, percezione dei genitori,conoscenza e stima
di sé, In: “Orientamenti Pedagogici”, 1993, 40, p. 661-679.
117
VIANELLO, R - MARIN, M. Belief in a Aid of Justice Immanent in Things: A Revision of the Piagetian
Hypotesis, In: “Early Child Development and Care”, 1989b, 46, p. 57-61.
118
VIANELLO, R. – TAMMINEN, K. – RATCLIFF, D. The Religious Concepts of Children, In: RATCLIFF,
D. (Ed.). Handbook of Children´s Religious Education. Birmingham: Religious Educaction Press, 1991, p.
155-176.
44

experiência, mesmo com as definições que têm de Deus, através do ensino religioso
(Vianello, 1991, p. 142-155).
O “juízo de Deus”, enfim, está ligado também à vida além da terra e à concepção
que a criança tem daquilo que acontecerá, após a morte, onde Deus é tido como autor da
imortalidade e da vida eterna.
De 6-7 anos, a criança, influenciada pela sua visão antropomórfica, afirma que
depois da morte, há o paraíso, lugar em que se encontram coisas agradáveis.
De 7-8 anos, a criança se concentra na “localização do paraíso”, de como pode ser
feito e como se chega ali, focalizando a sua atenção sobre a estruturação física.
De 8-9 anos, o Deus-juiz é aquele que, neste lugar (o paraíso), opera e explicita a
sua ação de perdão e de proteção para com as pessoas.
De 10-11 anos, enfim, a criança tende a confrontar tais “crenças nocionais” com as
“dúvidas emergentes” de seu conhecimento extra-religioso (Vianello, p. 303; Tamminen,
1991, p. 256).

Pode-se concluir que também a concepção da “vida após a morte” - uma crença
que não diminui com o aumentar da idade (Tamminen, 1991, p. 85) – está ligada à idéia de
um Deus-juiz, isto é, ao prêmio e ao castigo de Deus para os bons e para os maus (Braido-
Sarti, 1967, p. 1.142).

h) A evolução da concepção de Deus autor da morte

A criança percebe que há coisas que são vivas e não se movem (plantas) e coisas
que vivem e se movem (animais).
Quando a planta e o animal morrem, isso afeta muito a criança, mas o que mais a
afeta é o desaparecimento de um ente querido, principalmente quando ela está, na fase
primeira, em que tende a perceber e a sustentar a conservação dos objetos, em torno a si,
para confirmar a sua existência.
Com o desaparecer de pessoas queridas, a criança vê desvanecer essa conservação
e descobre de improviso o sentido, até agora desconhecido, da “transitoriedade” da vida.
Em tais condições, a religião oferece uma “solução” à sua desorientação e, através
de uma concepção de Deus que conserva a vida, a religião a ajuda a integrar as próprias
necessidades, num sistema religioso que sustenta as suas necessidades interiores (Elkind,
1970, p. 37)119.

i) A representação antropomórfica de Deus

O conceito de realismo infantil, de fato, permite “reelaborar” a realidade,


conferindo-lhe “finalidades” que permitam um maior contato com as coisas e com as
situações externas que, de outro modo, seriam incompreensíveis para a criança.

119
ELKIND, D. The Origins of Religion in the Child, In: “Review of Religious Research”, 1970, 12, p.35-
42.
45

Assim, a criança “personaliza” o mundo real, inclusive o universo religioso,


manifestando uma “ativa capacidade fantástica”, com a qual atribui uma dimensão “real,
pessoal e intencional” ao que a circunda (Milanesi-Aletti, 1977, p. 139).

Pode-se afirmar que o antropomorfismo infantil é o meio inicial com o qual a


criança se coloca “em relação” com a divindade, que passa a ser concebida, com
“qualidades físicas”, assemelhando-se, assim, aos homens, fisicamente, e “qualidades
psicológicas”, como: sabedoria, gentileza, prudência, bondade, etc.

Graças a isso, a criança assimila as informações sobre religião que lhe são
transmitidas pela família e pela escola e que nem sempre são compreendidas por ela.

No período pré-escolar (3-5 anos), Deus é percebido pelas crianças como um


“menino” pelos meninos e como uma “menina” pelas meninas (Mailhiot, 1962120).
Pelos 6-7 anos, tempo de escolarização, emerge, devagarzinho, uma concepção
antropomórfica de Deus (Wright-Koppe, 1964).

Aos 8 anos, há uma maior maturação, na criança, e Deus passa a ser visto com as
mesmas qualidades humanas (Deconchy, 1964121), embora também a criança reconheça
que Deus tenha outras características que o ser humano não tem, como sua extraordinária
grandeza e capacidades, permitindo-lhe diferenciar a própria visão de Deus das existentes,
em seu ambiente de vida.
Essa concepção antropomórfica de Deus vem da influência da catequese e não é
ainda uma “concepção espiritualizada” de Deus (Vianello, 1991, p. 231).
Nesse período, a criança “aprende a conhecer certa terminologia religiosa, embora
a sua compreensão seja ainda muito pobre a respeito daquilo que aprende em casa ou na
igreja” (Hyde, 1990, p. 115).

Portanto, a “ambivalência” da religiosidade infantil se revela nessa dupla


polaridade, faltando-lhe de fato uma “verdadeira religiosidade” porque privada da
atividade volitiva e intelectiva (Vianello, 1991, p. 38).
A criança, portanto, tem predisposições com as quais percebe e acolhe a
“causalidade direta” do sagrado, a quem dá resposta de tipo imitativo e antropomórfico,
abrindo-se, assim, para a criança um caminho para a maturação do próprio credo.
Tal crescimento segue essencialmente dois critérios:

1- Aprendizagem por assimilação e adaptação: a criança assimila o que é ensinado


e também as experiências religiosas com as quais entra em contato e “adapta”
tudo às próprias capacidades intelectivas;
2- A criança aprende “gradualmente”, pois a passagem de uma etapa a outra
pressupõe um momento de crise da etapa precedente (Vianello,, 1991, p.99).

120
MAILHIOT, B. And God became a Child: The Reactions of Children and Child-Groups under School
Age, In: “ Lumen Vitae”, 1962, 16, p. 277-288.
121
DECONCHY, J.-P. The Idea of God: Its Emergency between 7 and 16 years, In: “Lumen Vitae”, 1964, 19,
p. 285-296.
46

Desse modo, desenvolve-se a idéia de um Deus que não somente é semelhante a


outras pessoas (particularmente aos próprios pais), mas que possui certas características
que o tornam muito mais importante que os outros.

Segundo Piaget, as crianças de 7-9 anos têm um pensamento mais concreto,


associando as “imagens visíveis” (parte de suas experiências) e dando-lhes (junto com as
características antropomórficas) certas características psicológicas quais sejam: a
confiança, o amor, a dedicação altruísta, a ternura, etc. (Tamminen, 1991, p. 301).

Nos desenhos dessa idade (7-9 anos), as crianças representam Deus com uma longa
barba branca ou com o rosto de um velho sábio que é “o outro diferente delas mesmas”,
capaz de ajudar as pessoas, gentil e invisível porque está em toda a parte e que é espiritual
(menos material do que as outras pessoas) e, por isso, onipresente.

A progressiva evolução do “antropomorfismo infantil” - (da percepção de um Deus


que mora em lugares concretos e que faz ações concretas à percepção de Deus como um
ser humano que não é como todos os outros e que é diferente dela) – é uma etapa
fundamental da evolução do pensamento religioso da criança, definido como pseudo-
antropomorfismo, mormente entre 10-11 anos (Vianello, 1991, p. 234): Deus está lá em
cima, entre os anjos (embora a crença nos anjos diminua com a idade (Tamminen, 1991, p.
85), não sendo possível encontrá-lo, tocá-lo porque é imenso.

Nesse período (10-11 anos), há também “projeções” das qualidades psicológicas e


morais sobre Deus que são importantes para a criança, a saber: bravura, inteligência,
ajuda, bondade, etc.

Tal processo evolutivo e de maturação religiosa assinala a passagem da


mentalidade autocêntrica à convicção de que Deus é algo/alguém transcendente, havendo
ainda uma certa contradição por causa da alteridade de Deus e as soluções mágicas que
não desapareceram totalmente de seu pensamento (Van Bunner, 1964)122.

Em síntese, sobretudo nessa idade (8 anos), a criança começa a entender, de


maneira clara, a diferença entre Deus e o homem e si mesma, nascendo os primeiros
sintomas de autonomia da criança, nesse campo religioso (Fizzotti, 1995, p.99).

j) O Deus da Bíblia

A compreensão que as crianças têm da Bíblia está dentro dos processos evolutivos
já aludidos, especialmente no que concerne à “concepção” de Deus.

No início, a criança amadurece a própria “representação humana” do divino,


influenciada pelos relatos e fatos bíblicos com os quais entra em contato. De fato, nas
crianças e adolescentes de 6-16 anos, a compreensão das histórias bíblicas apresenta um
equívoco de fundo, porque eles têm uma idéia irreal da Bíblia.
122
VAN BUNNER, CH. Le buisson ardent: ses implications symboliques chez des enfants de 5 à 12 ans, In:
“Lumen Vitae”, 1964, 19, p. 341-354.
47

Os jovens percebem a Bíblia e a definem pelos atributos externos: um livro


volumoso, colorido, cheio de figuras, escrito, de maneira mágica, e são tocados pelos
diversos modos como as pessoas a manuseiam: pais, padre, pastor e outras pessoas.
Para os menores, tudo o que é descrito nesse livro é verdadeiro (Fizzotti, 1989 123,
124
1990 ).
No seu comportamento religioso, eles associam Deus a um grande rei “barbudo”
que vive, no céu, e que é sério e digno de respeito - o que, na idade pré-escolar,
caracterizou o sentido de “distância” entre Deus e o mundo da criança - diferente do modo
como percebem outros personagens importantes das fábulas onde também há reis e
personagens poderosas (Hyde, 1990, p. 74)125.

Também foi pedido, numa pesquisa, que crianças de 6-8 anos desenhassem duas
figuras: uma correspondente a Deus e outra figura diferente de Deus.
Mesmo os pequenos, tendo certa dificuldade de diferenciar as duas figuras
(desenhando menos particularidades na figura que representava Deus), atribuíram a Deus
características próprias de Deus (cruz, igreja, etc.), próprias do conhecimento adquirido,
através dos relatos bíblicos (Pitts, 1976-1977)126.
Isso indica que, mesmo numa idade tenra, as crianças exprimem a “concepção e
experiência interiores” de sua religiosidade, quase sempre concebendo Deus como “um
grande rei”, afirmado, várias vezes, pela Bíblia.

Os rapazes, no entanto, influenciados pela “terminologia espiritual” do catecismo e


pelos conhecimentos científicos que adquiriram, têm mais dificuldades de compreender o
subjacente e verdadeiro significado da história bíblica.
Para isso, contribui em parte a concepção antropomórfica do sagrado com maiores
características humanas: um Deus que faz, que cria, trabalhador braçal, alguém que dá a
vida e salva o povo de Israel (Fizzotti, 1989, 1990).

Pouco a pouco, quando se atribui a Deus características mais especificamente


psicológicas e especiais, também o Deus da Bíblia se transforma naquele que faz prodígios
fascinantes.

A esse ponto, as crianças imaginam Deus como um superman, dotado de poder


especial e capaz de fazer grandes coisas, na história bíblica, como curar pessoas, destruir
os maus, acabar com as guerras, etc. Uma espécie de “super-antropomorfismo” pelas
qualidades particulares sobre-humanas que lhe são atribuídas.

Aos 10 anos (começo da fase das aventuras), aflora na criança uma concepção
mais “realista” de um Deus pessoal, poderoso, grande, inteligente, todo-poderoso, que
satisfaz as necessidades das pessoas que ficam fascinadas por Ele (Ludwig-Weber-Iben,
1974).
123
FIZZOTTI, E. Il fanciullo e la ricerca sul texto sacro. Aspetti psicologici, In: Il testo sacro. Documento di
ricerca nell’esperienza scolastica. Roma: Ed. Ecogeses AIMC, 1989, p. 41-98.
124
FIZZOTTI, E. Il fanciullo e la scoperta del sacro, In: “Fogli”, 1990, 17, 148, p.3-47.
125
HYDE, K.E. Religion in Childhood and Adolescense... 1990.
126
PITTS, V. P. Drawing Pictures of God, In: “Learning for Living”, 1976-1977.
48

As crianças menores tendem a tomar os mitos presentes, na Bíblia (por exemplo, o


mito da criação), no seu significado literal (Greer, 1972b127) e acham que são verdadeiros.
A maior parte das crianças respondeu afirmativamente, numa pesquisa, que “cada
história da Bíblia e os milagres realizados” eram verdadeiros (Tamminen, 1991, p. 147 e p.
199).

Nos anos seguintes, a veracidade das histórias bíblicas se funda, sobretudo, na


percepção “autorizada” da Bíblia, enquanto livro sagrado (o que é contado “deve ser
verdadeiro”), diminuindo essa realidade com o passar dos anos e dando lugar a uma visão
mais cética e crítica.

Ao nível de vivência da fé, a criança se deixa “fascinar” pelo sagrado, contado e


vivido pelos adultos, embora ainda seja difícil verbalizá-lo e integrá-lo aos seus processos
evolutivos.
Foi constatado, em pesquisa, que quando os relatos fantásticos bíblicos são
correlacionados com a realidade concreta do pré-adolescente, ele compreende melhor o
seu significado metafórico.

Noutras palavras, o uso de imagens é uma premissa para uma melhor


“compreensão cognitiva” das histórias bíblicas (Fizzotti, 1989, 1990; Fagerlind, 1974128).
Pouco a pouco, o pensamento religioso se enriquece, com novas terminologias,
metáforas e imagens que a criança tenta compreender pela influência da formação
religiosa: Bíblia, catequese, parábolas, etc. (Murphy, 1978, p. 21) 129.

Nesse contexto, sobretudo, na tardia pré-adolescência (aos 10 anos), não é tanto o


“impacto emocional” que é significativo para o crescimento religioso (por exemplo, o que
a criança “sente” com relação aos personagens bíblicos), mas é o “grau de crescimento
intelectual” que maturou e que define a sua capacidade de compreensão da imagem bíblica
de Deus, graças ao desenvolvimento das diversas atitudes mentais, como a capacidade de
leitura, de associação, de percepção (Fizzotti, 1995, p.99-101).

k) A idéia de Jesus e o seu relacionamento com Deus, na mentalidade infantil

A criança, segundo Piaget, por não ter ainda a maturação biopsíquica bem
desenvolvida, aprende certo vocabulário religioso, ensinado pelos adultos, que não
corresponde, de fato, à evolução cognitiva de seu pensamento.
Isso se torna patente quando se refere à evolução da idéia que a criança faz de
Jesus, como figura diferente de Deus.

127
GREER, J.E. The Child’s Understanding of Creation, In: “Educactional Review”, 1972b, 24, p. 99-110.
128
FAGERLIND, I. Research on Religious Education in the Swedish School System, In: Character
Potential”, 1974, 7, p. 38-47.
129
MURPHY, R. A New Approach to the Study of the Development of Religious Thinking in Children, In:
“Educational Studies”, 1978, 4, p. 19-22.
49

Entre os 3-6 anos, Jesus e Deus não são ainda diferenciados, em sua mente
(Makhoul-Mirza, 1992, p. 176), e, assim, continua (nem sempre muito clara), ao menos,
durante a pré-adolescência (Braido-Sarti, 1967, p. 1.137).

A incongruência entre a percepção infantil do “sagrado” (religioso) e a formação


recebida do ambiente externo explica porque para o pequeno é difícil perceber a diferença
entre Jesus e Deus, pois, de fato, a criança absolutiza a relação com Jesus, entendendo-o
como o Deus criador, o Deus da Bíblia.

No entanto, essa atuação de Jesus a criança a vê como limitada ao espaço onde


Jesus atua e faz os milagres, sem ampliar a sua percepção para o campo abstrato, como a
sua onipotência e onipresença, sendo exceção (devido à formação religiosa), a figura de
“Filho de Deus”, “onipotente”, mas com “atribuições concretas”: Ele “faz obras de
caridade” e “ajuda as pessoas” (Tamminen, 1991, p.199-201) e que tem “poderes
extraordinários” que a criança também gostaria de tê-los.

A partir dos 6 anos, a criança se aproxima e conhece a Jesus sempre mais


claramente pelas ações que ela realiza: “a criança diz sempre a verdade, ajuda as pessoas,
etc. (Makhoul-Mirza, 1992, p. 176).
Lá pelos 10 anos de idade (9-11 anos), as concepções sobre Jesus vão se tornando
mais concretas, passando Jesus a ser para a criança dessa idade “um herói corajoso” que
“morreu por nós na cruz”.
Quando a criança dessa idade faz generalizações do conceito de Deus, ela se refere
sempre à “relação cognitiva direta” que ela tem com as coisas e, portanto, à “percepção
concreta” que ela tem de tais termos abstratos. “Jesus-Filho-de-Deus” é alguém que pode
ajudar e salvar como o papai fará se ela cair na água e começar a se afogar ou que ajuda
num acidente, etc.
Mas, a onipotência de Deus para ela termina diante dos limites que o seu processo
cognitivo atual não pode captar: “Deus não pode parar um avião porque é muito pesado”
(Vianello, 1991, p. 77).
Aflora novamente a relação particular entre as imagens abstratas, comunicadas
pelo processo de aculturação religiosa, e a característica do contato cotidiano com o qual a
criança filtra tais conceitos de Deus.
A dificuldade de “integrar” as noções aprendidas e a realidade concreta evidencia a
discrepância entre o “modo” com o qual a criança liga o seu credo, na história de Jesus e
de Deus, e a realidade cotidiana com a qual está familiarizada.

Disso resulta que ela faz confusão entre Jesus e Deus e a conceber a vida de Jesus
de modo fantástico e irreal (o menino Jesus é modelo de obediência, não faz mal a si
mesmo, etc.), graças aos contos irreais e fantásticos que circundam a Sua figura e que
enriquecem a inculturação religiosa dessa idade (Milanesi-Aletti, 1977, p. 158).

 Ler diálogo com uma criança de quase 5 anos (Fizzotti, v. 2, 1995, p. 103) onde
se percebe muito claramente essa ambigüidade acima descrita.

Portanto, nessa idade (5 anos), a história de Cristo torna-se uma história


verdadeira, mas terminada, onde a morte, a ressurreição e os milagres são percebidos
50

como a história de um acontecimento humano, no qual o mundo religioso parece pertencer


a uma realidade particular, privada dos verdadeiros laços, com a atual experiência vivida
cotidianamente pela criança.

l) A metamorfose das parábolas

A assimilação das parábolas por parte das crianças permitiu verificar, de modo
mais concreto, os processos do desenvolvimento intelectual da compreensão simbólica
(Murphy, 1977a)130.
De fato, o desenvolvimento da religiosidade infantil pressupõe não somente um
simples “desenvolvimento cognitivo”, mas também o apropriar-se da linguagem religiosa
típica e suficiente para entrar em contato com a realidade significada pelas palavras
evangélicas.
Verificou-se, portanto, a necessidade da complementaridade entre o
desenvolvimento do pensamento religioso e o de uma linguagem que tipifica a
compreensão, como, por exemplo, as parábolas com as quais a criança se familiariza com
seu significado alegórico, com as imagens específicas e com as eventuais semelhanças que
a criança encontra, na sua vida diária (Francis, 1979ª, p. 112)131.

A parábola da ovelha perdida, por exemplo, é um caso bem típico.


Antes dos 5 anos, a criança utiliza, sobretudo, um “estilo imaginativo” porque ela
se concentra essencialmente sobre as “ações” e sobre os “objetos” presentes na parábola.

Entre os 5-8 anos, a criança começa a empregar um estilo mais concreto,


organizado segundo a sua lógica de classificação, efetuando as primeiras analogias entre
as diversas partes da parábola.
Após os 10 anos, a criança procura dar uma interpretação mais ligada ao sentido
bíblico e simbólico da parábola, confrontando-o com a sua realidade (Ratcliff, 1987)132.

Noutras palavras, em cada etapa do desenvolvimento infantil, a criança tem seu


modo de expressar a sua religiosidade, interpretando as várias mensagens bíblicas a partir
daquilo que os adultos (pais, professores) lhe ensinaram, fundindo-se os ensinamentos
com os processos de assimilação e com os esquemas reprodutivos do pensamento infantil.

Portanto, até a pré-adolescência, a religiosidade infantil está essencialmente eivada


de “imitação conceitual” e assim “expressa” como os adultos lhe ensinaram (Fizzotti,
1995, p.103-104).

m) A maturação cognitiva, na pré-adolescência

130
MURPHY, R. The Development of Religious Thinking in Children in Three Easy Stages?, In: “Learning
for Living”, 1977a, 17, p. 16-19.
131
FRANCIS, L.J. Research and Development of Religious Thinking, In “Educational Studies”, 1979a, 5, p.
109-115.
132
RATCLIFF, D. Teaching the Bible developmentally, In: “Christian Education Journal”, 1987, 7, p. 21-32.
51

A representação de Deus, como alguém que está próximo à experiência cotidiana


da criança, torna-se mais clara, na pré-adolescência, que é um período que já apresenta as
primeiras dúvidas e é marcado por uma forte ambivalência.
De fato, o pré-adolescente, de uma parte vê Deus, como um pai amoroso, que o
ajuda, que o socorre e que atenua as dificuldades encontradas, no dia-a-dia e, de outra
parte, começa a duvidar de sua existência e de seus reais poderes.

Contudo, na maioria dos casos, o pré-adolescente vivencia o que foi dito


anteriormente, mormente, no que concerne ao conhecimento e pensamento religiosos
adquiridos anteriormente e à expressão verbal de tais conhecimentos (Graebner, 1964)133.

Na pré-adolescência, os rapazes continuam a dar a Deus e à sua existência, de


modo mais constante, as mesmas definições da idade precedente, graças á forte
homogeneidade de seu pensamento religioso, tanto no conteúdo, quanto no caráter
nocionístico (conceitos) dos conhecimentos religiosos aprendidos (principalmente as
moças).

Esse fenômeno da “uniformidade conceitual” é confirmado também por aquelas


pesquisas que sondaram as repercussões das diversas confissões religiosas às quais
pertencem os rapazes pré-adolescentes.
A diferença, de fato, dos vários grupos de pertença é vivida mais como fator de
socialização que de interiorização, indicando, portanto, que, com um ambiente
culturalmente diferente, os rapazes apresentam aspectos comuns de sua religiosidade
(Heller, 1991, p. 41-42) que faz parte daquela “ortodoxia formal” que caracteriza a
dimensão cognitiva do pré-adolescente para o qual Deus não é alguém tanto “vivido
relacionalmente”, mas mais “conhecido” como tarefa, através do Catecismo (COSPES,
1986, p. 115)134.

No entanto, os pré-adolescentes vivem uma maior “interiorização” de Deus do que


a criança, interiorização essa expressa pelo reconhecimento de Deus “como diferente de
si”: a “fase da personalização” (Deconchy, 1967), Deus “diferente de si e das forças da
natureza” (Hyde, 1991, p. 131) e de quem se pode “sentir a presença, aproximação e
experimentá-lo” (Tamminen, 1991, p. 302).

n) O Deus bom do pré-adolescente, entre a ortodoxia e a personalização

O pré-adolescente tende a ter uma idéia de Deus mais evoluída, aproximando-se


muito daquilo que, de fato, Deus realisticamente faz por ele.
Deus, para o pré-adolescente, tem uma carga bastante emocional: um Deus bom a
quem quero bem, com características espiritualizadas (maior nas meninas que nos
meninos), segundo a pesquisa de Braido-Sarti (1967, p. 1.141) e visto como “Aquele que
está presente em qualquer lugar, invisível, mas presente”.

133
GRAEBNER, O.E. Child Concepts of God, In: “Religious Education”, 1964, 59, p. 234-241.
134
COSPES (Ed.) L’età negata. Ricerca sui preadolescenti in Itália. Torino: Elle Di Ci, 1986.
52

Embora o pré-adolescente critique muita coisa de sua infância, no que diz respeito
a Deus, no entanto, termina navegando em características infantis, criando isso nele um
certo comportamento de perplexidade e de crítica (Tamminen, 1991, p. 79).

Por isso, devido a essa contraditoriedade interior, existem no pré-adolescente,


certas idéias antropomórficas de Deus, como resíduos da concepção originária de Deus
que ele teve na infância (Tamminen, 1991, p. 193) e que tendem a persistir,
principalmente, quando ele cessa de praticar a religião.
De fato, afastando-se da fé e da prática religiosa, ele tende a ficar ancorado em
idéias antropomórficas não evoluídas de Deus, permanecendo a sua religiosidade imatura.
O pré-adolescente que, ao contrário, é estimulado, em seu crescimento espiritual,
pelo ambiente externo (família, sociedade, escola, Igreja...) amadurecerá mais rapidamente
a sua fé e terá, no processo de individuação, uma visão “mais personalizada” de Deus,
uma maior crítica para com as Instituições e o credo religioso em geral.

Pode-se, pois, dizer que, na pré-adolescência, Deus é um indivíduo poderoso, mas


concreto, que explica o próprio poder no plasmar o universo e todas as coisas, sendo essa a
principal característica religiosa do pré-adolescente (Graebner, 1964).
De um lado, pois, o pré-adolescente quer ter uma relação com Deus/pessoa e, de
outro lado, ainda reveste o “sagrado” de características nitidamente “materiais”, derivado
tudo isso de seu relacionamento de dependência dos outros.

O pré-adolescente ainda está marcado por conceitos ortodoxos, propostos pela


cultura religiosa, tendendo ele, como as crianças, a interpretar os conceitos de Deus, com
sua estrutura cognitiva, marcada progressivamente pelo pensamento dedutivo e lógico,
tentando conciliar as definições catequéticas com os processos de maturação intelectual.

Isso acontece com a progressiva passagem da ortodoxia catequética à fase de


relativa “personalização” (diminuição do pensamento mágico, idealização das qualidades
de Deus pela catequese: bondade de Deus, milagres de Jesus) com o esforço de
“humanização” de suas ações.
O pré-adolescente ainda atribui a Deus características idealizadas como: a
bondade, a grandeza, a justiça, etc., mas, ao mesmo tempo, sente surgir uma diferenciação
avaliadora.
Se, de uma parte, o Deus bom é para ele uma forma evoluída do pensamento
antropomórfico antecedente, de outra parte, ele o concebe de um modo mais “humano” e
menos fantástico (Hyde, 1991, p. 131), assumindo essa concepção, entre os 11-13 anos, o
significado do reconhecimento de Deus como alguém a quem pode referir, de modo mais
concreto, os atributos genéricos concebidos em Deus, na fase precedente, embora sem os
compreender ainda (Deconchy, 1967)135.

Portanto, o pré-adolescente, de um lado, se mantém ligado a formas definições


simplistas catequéticas, de outro lado, começam a surgir os primeiros sinais de dúvidas
sobre a verdade da fé. Se, de um lado, participa das atividades paroquiais, de outro lado,
percebe a exigência de um novo envolvimento, com formas alternativas de presença.

135
DECONCHY, J.-P. Structure génétique de l’idée de Dieu... Bruxelles: “Lumen Vitae”, 1967.
53

Quando se pede ao pré-adolescente para descrever o Deus onipresente e


“espiritualizado” no qual crê, ele se recusa, dizendo que “tem tarefas escolares a fazer”
(Aletti, 1978, p. 46), quando percebe que a concepção que os outros têm de Deus é
diferente da sua concepção e que ele não é capaz de explicar e então aí surgem as dúvidas.

Parece que o pré-adolescente é sensível para a diferença entre a fé “dita” (no


ensino recebido, com a influência dos pais...) e aquela fé “não-dita”, mas que está
amadurecendo dentro dele (Fizzotti, 1991, p. 106-107).

o) A idade das dúvidas

A pré-adolescência é, pois, o período privilegiado no qual o pré-adolescente


começa a maturar as primeiras dúvidas sobre tantos questionamentos que antes eram tidos
como não existentes, entrando em jogo também os novos conhecimentos científicos
adquiridos na escola que enriquecem a sua bagagem cognitiva e o levam a procurar novas
explicações (Argyle-Beit-Hallahmi, 1975136; Braido-Sarti, 1967, p. 1.152).

O progressivo surgir da “capacidade de abstração” e de “crítica” lhe propicia, de


fato, fazer associações lógicas entre os novos conhecimentos e as antigas definições
religiosas, abandonando cada vez mais o recurso ao pensamento mágico, típico da fase
infantil, verificando mais criticamente os conceitos antes recebidos e, surgindo, então, as
dúvidas que têm um papel muito positivo no seu desenvolvimento cognitivo-religioso,
embora possa levar a um afastamento da religião que se torna negativo para ele, como já
se viu (falta de amadurecimento intelectual).

O encontro da gama de normas religiosas adquiridas (catequéticas) com os novos


conhecimentos científicos joga o pré-adolescente num mar revolto de dúvidas e
ambivalências (Goldman, 1964; Greer, 1972b137).
Isso se nota bem, quando o pré-adolescente se refere à Bíblia. A Bíblia para ele é
um livro “verdadeiro” do qual se pode aprender tanta coisa sobre Deus ou sobre Jesus
(Hyde, 1991, p. 136).
À medida que o pré-adolescente cresce, ele se torna mais preciso sobre os
“significados religiosos” do livro sagrado (Goldman, 1964), percebendo que ele foi escrito
por muitas pessoas e que “é um livro muito velho, mas também muito belo”, “é um livro
para velhos”, “é um livro importante, mas chato” (Tamminen, 1991, p. 144-145).

Deus, para o pré-adolescente, é a origem de todas as histórias que estão descritas


na Bíblia, embora, após os 10 anos, os pré-adolescentes tenham sempre mais o significado
simbólico dessas histórias, a partir da bagagem científica adquirida (Hyde, 1991, p. 138).

Sobre a pessoa de Jesus, os pré-adolescentes são bastante críticos, principalmente


no que se refere aos milagres e à morte na cruz, etc. (Tamminen, 1991, p. 208). Para eles,
136
ARGYLE, M - BEIT-HALLAHMI, B. The Social Psychology of Religion. London: Routledge & Kegan
Paul, 1975.
137
GREER, J.E. The Child’s Understanding of Creation, In: “Educational Rewiew”, 1972b, 24, p. 99-110.
54

mais ao nível ortodoxo, Jesus é alguém que ensina coisas importantes, tendo eles uma
atitude (comportamento) “pessoal” para com o personagem Jesus.
Para os rapazes, Jesus “é o herói a quem se pode referir”, “aquele que dá coragem
à nossa vida” (Tamminen, 1991, p. 303). Para as moças, no entanto, “ele é o amigo por
quem é belo comprometer-se”, “aquele me ensina a ser melhor” (COSPES, 1986, p. 118).

O que também desperta o senso crítico no pré-adolescente é o “fator social”, no


intercâmbio com o mundo externo, sobretudo, com os amigos da mesma idade que nem
sempre falam de fé, mas mais de elementos leigos da vida, havendo cada vez mais uma
fissura entre o aspecto religioso e o aspecto social (Vianello, 1991)138.

As dúvidas do pré-adolescente, às vezes, reconhecidas e declaradas e, outras vezes,


subentendidas, se situam no esforço de viver a sua “própria religiosidade”, com certa
independência dos ensinamentos recebidos sobre a religião e Deus (Heller, 1991, p. 58) e
o seu desejo de participar dos novos fenômenos psicológicos e sociais que o estão
bombardeando, querendo uma participação pessoal, como ocasião de “protagonismo”
(COSPES, 1986, p. 49).
As dúvidas atinentes à existência de Deus revelam uma urgência de exprimir, de
modo mais pessoal, a sua religiosidade, tentando ir além da confiança ingênua no adulto
(COSPES, 1986, p. 116).

Tal dúvida acontece não tanto como rejeição da religião, mas, na maioria das
vezes, como uma tentativa de “mediação” entre as propostas de educação religiosa
recebida e a personalização da experiência religiosa.
As contradições do credo religioso do pré-adolescente se revelam tanto nos
rapazes, quanto nas moças, embora, entre as moças, no começo da pré-adolescência, esse
ceticismo sobre as coisas ensinadas seja muito menor que nos rapazes (Daines, 1966) 139,
tendo as moças menos pensamento mágico que os rapazes (Milanesi, 1967 a, p. 573)140.

Geralmente, a atitude religiosa das moças, com o aumento da idade, declina com
menos evidência do que a dos rapazes (Hyde, 1963141; Francis, 1977, p. 113; 1979, p. 104),
tendo um linguajar mais espiritualizado, claro e desenvolvido do que o dos rapazes
(Tamminen, 1991, p. 398).
Enquanto as moças sublinham mais a “aproximação de Deus”, a sua “capacidade
de perdoar e de cuidar”, os rapazes são mais afeitos ao aspecto “legalístico e prático” de
sua concepção de Deus (Fizzotti, 1995, p. 107-109).

p) O pensamento religioso do adolescente

Definir e tipificar a religiosidade no período da adolescência não é coisa muito


fácil, como demonstra a literatura a isso atinente. É a idade das crises, principalmente
138
VIANELLO, R. Ricerche psicologiche sulla religiosità infantile. Firenze: Giunti, 1991.
139
DAINES, J.W. Meaning or Muddle. Nottingham: University of Nottingham, Institute of Education, 1966.
140
MILANESI, G. Il pensiero mágico nella preadolescenza, In: “Orientamenti Pedagogici”, 1967a, 14, p.
547-587.
141
HYDE, K. E. Religious Concept and Religious Attitudes, In: “Educational Review”, 1963, 15, p. 132-227.
55

aquela que diz respeito aos valores religiosos, levando o jovem a chegar a um sentido mais
“pessoal” da dimensão religiosa.

Quais as linhas essenciais do desenvolvimento da dimensão cognitiva, na


religiosidade adolescencial?

Primeiramente, aparece uma clara tendência à “subjetivização” que permite ao


rapaz o desenvolvimento de um certo protagonismo, na expressão da própria fé, através de
respostas diferenciadas que respondem aos seus novos esquemas cognitivos (Milanesi-
Aletti, 1977, p. 181)142.
As noções religiosas adquiridas antes, às vezes, o “adolescente se apropria delas
por meio de uma assimilação pessoal, às vezes, as nega, não lhe dizendo mais nada,
sentindo o adolescente, muitas vezes, uma inquietude, ao ver as antigas convicções
diminuírem” (Zavalloni, 1968, p. 358)143.

Tal processo é incrementado pela “conflitualidade” entre o pensamento religioso,


alimentado pelo que lhe foi ensinado e os novos conhecimentos científicos, percebendo
que algumas teses religiosas que lhe foram transmitidas pela catequese e escola não são
mais coerentes com os novos conhecimentos científicos do mundo e da própria
religiosidade.

Um outro fenômeno que caracteriza o pensamento religioso do adolescente é o


desenvolvimento de uma certa “relativização”, como conseqüência direta da maturação
cognitiva e dos novos conhecimentos adquiridos: a religião não é mais a única resposta
possível, mas uma das respostas aos problemas do mundo.

Em tal processo de relativização, que se traduz concretamente na tomada de


consciência da disfuncionalidade da religiosidade infantil precedente (Milanesi-Aletti,
1977, p. 181), tem sentido a afirmação de Zavalloni que vê, na mudança adolescencial,
uma transformação do “modo novo”, a partir de dentro, de “considerar a religiosidade” do
que mesmo uma “mudança de conteúdo” ( Zavalloni, 1968, p.358).

Tais características interpretativas são expressões de um novo comportamento


“autocêntrico e subjetivista” que leva o adolescente a rever as próprias concepções de
acordo com os próprios esquemas mentais e as novas convicções que ele passa a ter.
Noutras palavras, ele - com a aquisição de conhecimentos cientificamente
comprovados e com a própria capacidade crítica, típica de sua estrutura cognitiva –
reavalia a “própria adesão” ao credo religioso em vista de uma impostação diferente.

Neste processo de desenvolvimento, adquire uma importância específica a “dúvida


religiosa” (Hyde, 1991, p. 130), um processo que já começou na pré-adolescência e que
agora é visto como “revisão da religiosidade precedente” até estender-se às diversas
dimensões de sua experiência religiosa, tanto ao nível cognitivo, quanto motivacional,
valorativo e operacional.
142
MILANESI, G. – ALETTI, M. Psicologia della religione. Torino: Elle Di Ci, 1977.
143
ZAVALLONI, R. Gli atteggiamenti etico-religiosi dei giovani, In: “Pedagogia e Vita”, 1968, 29, p. 356-
382.
56

De fato, enquanto emerge, no adolescente, a tendência a “racionalizar” (fase formal


atuando) a crise religiosa que vive (Grillo, 1986-1987, p. 111) 144 e isso principalmente
graças à nova dimensão cognitiva, com a qual coloca em crise a “adesão passiva” à fé do
período da infância.

Poder-se-ia dizer que a crítica dos adolescentes recai mais sobre aqueles problemas
aos quais ele é mais “sensível”, a saber: sentido da vida, seu futuro e sobretudo o
significado da morte (Major, 1978145; Tamminen, 1991, p. 306; Nelson-Cantrell, 1980146).

A possibilidade de que tal comportamento de revisão possa evoluir para uma


religiosidade mais madura dependerá da capacidade do adolescente de “desenraizar-se”
dos resíduos das características infantis da religiosidade (magismo, antropomorfismo e
ritualismo) para entrar na ótica de uma concepção mais “totalizante” de sua fé (Milanesi-
Aletti, 1977, p. 196).

q) Por uma religiosidade mais pessoal do adolescente

Lá pelos 14 anos, a concepção “material” que o pré-adolescente tem de Deus


começa a desaparecer para dar lugar a um conceito mais “personalizado” e correspondente
á sua “experiência” de Deus, como alguém que quer bem e cuida das pessoas, uma espécie
de “pai ideal”.
Tal conceito é destinado, porém, a mudar muito rápido, para dar lugar à duvida
concernente ao crer em Jesus “como Deus” (Hyde, 1990, p. 76; 1991, p. 132).
Uma das conseqüências mais significativas diz respeito a algumas características
atribuídas a Deus, como, particularmente: onipotente, pai e criador que, na pré-
adolescência, eram importantes porque “davam segurança, autoridade e significado na
existência do mundo para o pré-adolescente” (Hyde, 1990, p. 76).

Surge, então, na adolescência um conceito de Deus mais “personalizado”, mais


envolvido com a história humana, embora ainda restem certas idealizações de suas
qualidades: ser grande, poderoso, guia e ideal de vida ( Hyde, 1991, p. 133; Babin,
1963;147 Stubblefield-Richard, 1965148).

Também, segundo a pesquisa de Deconchy (1967), a evolução do conceito de


Deus, na adolescência, passa por uma progressiva mudança de um Deus “geral” a um
Deus “pessoal”.
Nos primeiros anos, o rapaz continua a pensar em Deus de modo antropomórfico,
depois, de modo dual, sobretudo, como um pai em que se pode confiar e depois como
144
GRILLO, A. Come cambia l’idea di Dio negli studenti delle superiori, In: “Religione e Scuola”, 1986-
1987, 14, 3, p. 110-119.
145
MAJOR, S. Statistcal Analysis, In: SPAIN, M (Ed.), What I believe? Answers from the Young. London:
Stephen and Walyn, 1978, p. 175-192.
146
NELSON, L.D. – CANTRELL, C.H. Religiosity and Death Anxiety: A multi-dimensional Analysis, In:
“Review of Religious Research, 1980, 21, p. 148-157.
147
BABIN, P. Crisis of Faith. New York: Herder and Herder, 1963.
148
STUBBLEFIELD, H. W. – RICHARD, W.C. The Concept of God in Mentally Ritarded, In: “Religious
Education”, 1965, 60, p. 184-188.
57

aquele que compreende os problemas das pessoas, sobrecarregando Deus com a


afetividade e subjetividade próprias da adolescência (Elkind, 1970, p. 41).

Portanto, os adolescentes vivem um relacionamento com Deus, de modo mais


individualizado e subjetivo, com uma “sensibilidade” que depende da constituição própria
de cada adolescente (Thun, 1963149; Babin, 1966150).

A prospectiva da personalização - assumida como progressiva presença de


consciência daquilo que Deus representa na vida do adolescente, a partir de seus
problemas e suas experiências emocionais particularmente intensas – torna-se acentuada
naqueles adolescentes que fazem uma “revisão de sua religiosidade infantil”, visando uma
forma mais madura, onde a religião serve como fator de “integração da personalidade” que
é percebido pelo adolescente como altamente funcional aos processos de maturação
(Milanesi-Aletti, 1977, p. 182).

Neste caso, não se trata de uma consideração adquirida, mas antes de um


progressivo crescimento do adolescente, visando um relacionamento mais autêntico com
Deus.

r) Algumas formas de personalização da experiência religiosa do adolescente

Dependendo da idade do adolescente (15 ou 18 anos), o panorama dessa


personalização varia muito. Num momento de dificuldade que o adolescente vive, o
relacionamento pessoal com Deus pode ser um, enquanto que, em momentos de calmaria,
o relacionamento pode ser outro, independentemente de sua prática religiosa.

Nesses casos, a sua religiosidade responde antes de tudo a impulsos interiores que,
com o tempo, pode se tornar um comportamento, uma atitude mais constante. Também
pode se tratar de uma religiosidade centrada na percepção de Deus, como um ser
confidente, deixando transparecer sua própria subjetividade, quando se relaciona com
Deus, parecendo mais com um “eu individual” relacional.

Nesse caso, trata-se de um Deus que responde às “expectativas individuais” do


adolescente e que está presente nos diversos aspectos de sua vida cotidiana.

Mesmo quando o adolescente diminui a sua freqüência ao culto e aos vários ritos
institucionais, igualmente está presente nele uma forma de “religiosidade individua”,
vivida na privacidade de sua existência (Elkind, 1970, p. 40)151.

A “personalização” do fenômeno religioso, no adolescente, repercute também em


seu comportamento, no seu relacionamento consigo mesmo e com os outros colegas.
Numa prospectiva de “revisão da religiosidade infantil”, ele privilegia o âmbito
dos valores e o do assumir modelos “partilhados” e ativa dentro de si de tal modo um
149
THUN, Th. Die religiöse Entscheidung der Jugend. Stuttgart: Ernst Klett, 1963.
150
BABIN, P. L’dolescente davanti a Dio. Roma: Paoline, 1966.
151
ELKIND, D. The Origins of Religion in the Child, In: “Review of Religious Research”, 1970, 12, p. 35-
40.
58

“senso de respeito e de obediência” àquilo que vem de Deus a quem concebe como
garantia de uma certa “segurança pessoal”.

É interessante notar que o adolescente manifesta a percepção de Deus como fonte


de “segurança pessoal” (pois vive um período de insegurança e instabilidade),
principalmente se está inserido num grupo de amigos do qual recebe energia e estímulos
para amadurecer positivamente o processo de “des-satelização” (afastamento) do núcleo
familiar (Vide parábola do Filho pródigo).
Se, ao contrário, se sente ainda fortemente dependente das figuras dos pais,
exigentes e controladores, no que concerne ao aspecto das responsabilidades morais, o
adolescente tende a “conservar” uma concepção “alternativa” de Deus, como alguém
punitivo e controlador (Ronco-Vincenti, 1980152; Potvin, 1977153; Becattini, 1987154, p.
133).
O relacionamento que reflete a abordagem personalizada à nova religiosidade
adolescencial, também o relacionamento com a Bíblia, exprime tal tendência
individualizada, no adolescente, segundo pesquisas acima citadas.

De fato, ajudados pela fase do “pensamento lógico-formal”, amplamente


consolidado nesta idade, levam o adolescente a dar aos textos sagrados um significado
muito mais “espiritualizado”: entendidos como a fonte da religião, como livro de
revelação ou como comunicação das experiências espirituais dos homens que encontraram
Deus, na história (Zachary, 1990155; Goldman, 1964156).

Ao mesmo tempo, porém, o senso crítico, com o qual entram em contato com a
Bíblia, influencia, de algum modo, esse aspecto de sua religiosidade de adolescente,
especialmente, colocam em dúvida a “veracidade” das histórias ali narradas e o
“significado” que está além dos eventos ali descritos (Tamminen, 1991, p. 150).

s) O pensamento religioso no jovem

Enquanto o período da adolescência é caracterizado por um forte senso de


“privatização” do fenômeno religioso, na juventude, o sujeito revela uma maior
estabilização da própria personalidade e dos relacionamentos com o ambiente que o
circunda.

152
RONCO, A. – VINCENTI, A. Religiosità adolescenziale, stima di sé e percezione dei genitori, In:
“Orientamenti Pedagogici”, 1980, 27, p. 7-30.
153
POTVIN, R. H. Adolescent God Images, In: “Review of Religious Research”, 1977, 19, 43-53.
154
BECATTINI, C. Immagine di Dio e percezione dei genitori, In: “Teresianum”, 1987, 38, 1, p. 127-137.
155
ZACHRY, W.H. Correlation of Abstract Religious Thought and Formal Operations in High School and
College Students, In: “Review of Religious Research”, 1990, 31, p. 405-412.
156
GOLDMAN, R.G. Religious Thinking from Childhood to Adolescense. London: Routledge and Kegan
Paul, 1964.
59

Também o seu comportamento para com o sagrado se diferencia, seja estando


muito envolvido ou se abstendo da prática religiosa (Mion, 1993, p. 27) 157, mesmo se isso
não corresponde, ao menos parcialmente, à concepção negativa de Deus.

Muitos jovens se dizem religiosos, ou, pelo menos, não excluem a possibilidade do
credo religioso, em sua vida, porque são influenciados pela transmissão dos valores
tradicionais, sendo, portanto, tidos como “simpatizantes” (Rusconi, 1969)158 por causa do
próprio grupo de referência e das diversas interferências culturais que alimentam um senso
de religiosidade comum (Spilka-Armatas-Nussbaum, 1964, p. 29-35)159.

Uma tal “identificação religiosa”, que é mais evidente entre os jovens mais adultos
que entre os mais jovens (Mion, 1993, p. 13) não corresponde, porém, automaticamente a
uma “concepção confessional”. Ao contrário, o termo “fé” não evoca necessariamente o
significado religioso entendido, no período precedente (adolescência), mas representa um
modo mais amplo de entender a própria religiosidade.

As mesmas verdades de fé, tidas como noções fundamentais do credo religioso,


refletem antes temáticas gerais, como a crença na alma, na continuação da vida, após a
morte, etc. (Mion, 1993, p. 15).
Geralmente, pode-se afirmar que os jovens são favoráveis antes a um credo “teísta”
que a um “confessional”, com uma concepção muito mais ampla do que a colocada pelas
confissões religiosas institucionais.

Os jovens , em geral, têm uma concepção de Deus como amor, muito distante das
concepções teológicas, como aquele de que Deus é mistério, eterno, justo, luz (Mion,
1993, p. 19).
Igualmente, notou-se que os que praticam o seu credo de forma “confessional”,
participando das diferentes funções religiosas, manifestam uma sensibilidade de que Deus
é “protetor” e “dá segurança” e estão pouco afeitos, devido à intensa formação
catequética, a criticarem os conteúdos religiosos de sua fé (Milanesi, 1981b, p. 167)160.

Vice-versa, os jovens chamados “agregados” a grupos religiosos significativos


assimilaram uma concepção teologicamente correta e se referem, em sua maioria, a um
Deus positivo, cheio de amor, etc., mesmo havendo dificuldade de sair de uma ótica
confessional e institucional de seu credo religioso (Mion, 1993, p. 14-15; Milanesi, 1981b,
p. 167).

Os jovens, no entanto, que não estão empenhados numa religiosidade externa e que
vão menos à igreja tendem, em sua maioria, a um credo teísta e filosófico, portanto, “não-

157
MION, R. La religione dei giovani dopo il crollo delle ideologie, In: “Tuttogiovani Notizie”, 1993, 8, 32,
p. 5-26.
158
RUSCONI, G.E. Giovani e secolarizzazione. Firenze: Vallechi, 1969.
159
SPILKA, B. - ARMATAS, PH.- NUSSBAUM, J. The Concept of God: A factor-Analytic Approach, In:
“Review of Religious Research”, 1964, 6, p. 28-36.
160
MILANESI, G. (Ed.). Oggi credono così. v.1: Risultati. v. II: Approfondimenti. Torino: Elle Di Ci,,
Leumann, 1981b.
60

confessional”, e, por isso mesmo, preferem a fidelidade ao grupo, colocando à margem a


conduta religiosa.

t) Por uma definição “juvenil” de Deus

Como os jovens definem Deus? R - Como já visto, os jovens são propensos a uma
certa religiosidade, mas os termos com os quais a exprimem se diferenciam a depender do
nível religioso que vivenciam.
Os jovens tendem a crer em Deus, mas não praticam aquilo em que crêem ou o
praticam, em níveis diferentes (Mion, 1993, p. 8).

Quando o jovem crê, quer exprimir a própria fé de modo pessoal e privado. São
várias as modalidades de expressão dessa fé que vão desde a pertença a pequenos grupos
até a experiência de uma “religiosidade interior” com a qual se sente feliz.

Os jovens concebem Deus como alguém que lhes dá segurança, os protege e em


quem eles podem confiar. Tal expressão de uma concepção privada da religiosidade é
confirmada pelas definições de fé que eles criam, pondo em relevo a exigência
fundamental de uma experiência religiosa que seja mais condizente com as próprias
experiências de vida.
Mesmo conservando certo espírito crítico com relação ao próprio credo, os jovens,
de fato, estão propensos a se avizinharem de Deus, considerando-o como um amigo,
alguém em quem se pode confiar (Le Saux, 1994, p. 77)161.

Verificou-se que, quando os jovens estão, muitas vezes, em contato com


fenômenos religiosos significativos para a sua idade, como “encontros de jovens, retiros,
acampamentos” etc. (Milanesi, 1981b), as suas concepções e definições têm um maior
caráter religioso (especialmente as moças) e isso lhes permite de confirmar os conteúdos
religiosos dos modelos originários, propostos pela religião institucional.

Tais jovens que participam de grupos religiosos de vários tipos são os que, na
grande maioria, têm uma concepção “masculina” de Deus que protege e com quem se está
seguro.

Mas, há também aqueles que estão mais tendentes a exprimirem a fé segundo os


modelos institucionais e, portanto, com menor concepção e definição “laica” de Deus e
dos conteúdos religiosos.
Concepções bem diferentes de Deus têm os jovens que estão “engajados
politicamente” (Milanesi, 1981b), ao nível social ou político, ou trabalhadores com uma
sistematização, portanto, ocupacional ou familiar e que não participam de grupos
religiosos juvenis.

161
LE SAUX, M. Les jeunes: comment croient-ils? In: “Cahiers pour croire aujourd’hui”, 1994, 12, p. 75-83.
61

As concepções de Deus desses jovens acima descritos (“engajados” sócio-


políticos, e trabalhadores não engajados em grupos juvenis religiosos) são mais abertas ao
mundo laico e dizem respeito a interesses sociais ou filosóficos da mentalidade religiosa.
Eles têm uma concepção de Deus mais “personalista” e mais crítica para com os
conteúdos oficiais da religião, aprendidos no processo de aculturação religiosa (mais forte
entre os que trabalham).
Esses jovens são menos propensos a reconhecerem e acolherem esses conteúdos
religiosos, em suas vidas e experiência confessional de fé, criticando negativamente uma
religiosidade expressa pelas ações rituais e pelo teísmo.

Essas concepções “laicas” dos conteúdos religiosos e de Deus estão associadas


também ao processo de secularização, entendido como “crise da plausibilidade do discurso
religioso” (Milanesi, 1981b), colocando em crise o próprio credo, a rigidez institucional,
promovendo, assim, uma certa autonomia de sua fé juvenil.

“A laicidade poderia ser o sinal de uma exigência de maturação do sujeito, no seu


caminho e em sua passagem de uma fé imposta a uma fé conquistada. Nessa ótica, o que é
colocado em crise é “certo tipo” de plausibilidade do discurso religioso e não a
plausibilidade do mesmo” (Milanesi, 1981b).
Portanto, os jovens colocam em crise “um tipo” de religiosidade confessional
estereotipada ou que não têm mais sentido.
Ao exprimirem a sua fé como não-religiosa, eles a caracterizam com uma maior
racionalidade, coerência e conformidade com os seus valores escolhidos e o âmbito em
que vivem.
Assim, o termo “fé” não evoca necessariamente “significados religiosos”, os
“conteúdos religiosos” não se assemelham ao que as Igrejas concebem, oscilando as
concepções dos jovens entre um “personalismo” e uma “política” que implicam,
geralmente, numa crítica negativista da fé “religiosa” (segundo as Igrejas), vendo-a quase
sempre como irracional, acrítica e alienada (Milanesi, 1981b).

Portanto, os jovens, ao nível de fé, vivem um emergir de “uma mais clara


consciência do próprio papel”, enquanto sujeito de uma religiosidade que não é só
monopólio da Instituição e do hábito, mas é também expressão da própria
“autodeclaração” e das próprias “convicções” (Mion, 1993, p. 25).

2 – A dimensão psicanalítica na religiosidade humana

A religiosidade humana é analisada não somente do ponto de vista cognitivo, mas


também sob o enfoque psicanalítico, mormente nas figuras de Freud, Jung e Frankl, os
mais destacados expoentes na psicanálise clássica que se referem ao fenômeno religioso.
Ei-los!

a) Sigmund FREUD, pai da psicanálise (1856 -1939)

 A horda primitiva Pai tirano => muitas mulheres.


 Morte do pai patriarcal => Posse das mulheres por parte dos filhos
62

 Complexo de culpa => Projeção;


 Manismo: culto à alma do Pai
 Religião: fruto da neurose e mundo de projeções.

Sobre a temática da religião a obra de Freud apresenta um dado curioso embora


não fosse religioso e sempre manifestasse sua aversão à crença religiosa.
Foi sem dúvida um dos autores que mais teorizou sobre esse assunto.
Parecia haver em Freud, à parte o seu ateísmo, um vasto interesse em compreender
o fenômeno religioso, pois sua metapsicologia é marcada por escritos que abordam a
religião em suas mais variadas dimensões.

Esse fato é tão evidente em seus textos que, de modo simplificado, podemos
dividi-lo em três categorias:
1. A primeira estaria ligada aos textos que tratam especificamente do
fenômeno religioso.
2. A segunda abrangeria aqueles escritos em que tal fenômeno é apenas
indiretamente considerado.
3. A terceira reúne os textos que, embora não estejam relacionadas à
experiência religiosa, podem oferecer subsídios para elucidar a
psicodinâmica do fenômeno religioso.

Mas, afinal, em linhas gerais, o que diz a psicanálise sobre a experiência religiosa?

2.1 - Considerações psicanalíticas acerca da experiência religiosa


(Contribuição de Karla Daniela, mestranda de Psicologia Clínica-UNICAP)

Falar do que a psicanálise considera ou menciona acerca da experiência religiosa,


de modo mais conciliável, pode parecer paradoxal para aqueles que estão acostumados ao
grande combate entre Freud e os religiosos.

Num outro sentido, porém, talvez esse impasse não seja tão aterrador assim,
podendo na contemporaneidade ser tratado sem extremismos e sem a construção de
concepções teóricas taxativas, totalmente fechadas, que não abrem possibilidades aos
questionamentos.
Aqui se vê um fato pertinente, ao se deparar com o trabalhe de determinados
psicanalistas, tem-se a impressão de que os mesmos foram mais freudianos que o próprio
Freud, principalmente, quando se refere a escrever o que ele disse (ou até mesmo não
disse) sobre a relação humana estabelecida com a religião.

Como já foi mencionado, Freud não escreveu uma teoria da religião, mas escreveu
largamente a respeito desse tema, abordando-o em diversos dos seus trabalhos. De acordo
com Sérgio Nazar David:

Para Freud, a religião atende, acima de tudo, a fortes e antigos anseios


da humanidade: o anseio pelo pai, o anseio de defesa contra as forças
esmagadoramente superiores da natureza e o anseio de ratificar as
deficiências da cultura. Com a religião, o homem realizaria uma espécie
de intoxicação, que o afasta de parcelas indesejáveis da realidade, mas
também da especificidade de seu desejo. (DAVID, 2003, p. 07).
63

Pode-se ver, ao longo da obra freudiana, pelo menos três formas de compreender,
ao nível do funcionamento psíquico, o fenômeno religioso. São elas:

1. A prática religiosa seguindo a lógica psíquica da neurose obsessiva;


2. A religião como uma ilusão, criação humana, capaz aliviar o homem
frente à angústia da morte;
3. Por último, talvez essa não esteja tão explícita em seus escritos, diz
respeito à dinâmica psíquica empregada na relação com o sagrado,
passando aí por uma representação das figuras parentais.

Não se pode deixar de mencionar que essas explicações estão sob influência do
cientificismo positivista a que Freud se submeteu e que não se constituem em verdades
absolutas, já que é próprio na ciência moderna o questionamento e a revisão teórica.
A princípio Freud encontrou grandes semelhanças entre atos obsessivos e práticas
religiosas:
É fácil perceber onde se encontram as semelhanças entre cerimoniais
neuróticos e atos sagrados do ritual religioso: nos escrúpulos de
consciência que a negligência dos mesmos acarreta, na completa
exclusão de todos os outros atos (revelada na proibição de interrupções)
e na extrema consciência com que são executados em todas as minúcias
(FREUD, 1907, p.111).

Seguindo a ordem de funcionamento psíquico, o religioso, não apenas ele, estaria


tomado por pulsões, que por sua vez estariam recalcadas.
Falhando esse recalque, surgiria o desejo de realizá-las, desejo esse geralmente
encarado pelos fiéis como tentação.

A fim de não sucumbir a essa pseudotentação, se lançaria mão de cerimoniais e


práticas religiosos a fim de se livrar das pulsões, que a todo custo clamam para se realizar.
Eis aí o grande conflito, para Freud, que o religioso enfrenta; obedecer às pulsões e
desobedecer à lei ou obedecer à lei e abrir mão das pulsões. Sendo assim os rituais
assumem a função de aliviar tal conflito, gerando, portanto um prazer inconsciente, que
seria obtido se o desejo pulsional se realizasse.

Não se pode deixar de mencionar a culpa gerada cada vez que a pulsão é realizada;
culpa essa muito semelhante à culpa sentida pela criança por desejar a mãe, nos primeiros
anos de vida.
Em Totem e Tabu (1912), apesar do caráter antropológico, Freud faz uma
detalhada descrição do mito do pai da horda.
É exatamente essa descrição que possibilita uma compreensão do modo como as
relações fraternas se estabelecem e se fundam, e como se deu a origem do sentimento.

O autor relata o Mito da Horda Primitiva, onde um grande líder, no caso o pai,
reina soberanamente, detém todo o poder e desfruta do amor de todas as mulheres da
horda. Instigados pela situação, os filhos resolvem matar o pai e comê-lo, introjetando,
desse modo, as insígnias que o constituíam.
No entanto, o pai morto, com todos os seus significantes acaba por se elevar
enquanto grande totem, logo em que se torna instituidamente proibido se falar em seu
assassinato.

Por outro lado, vê-se a instauração do tabu do incesto, como também, as primeiras
proibições que barraram os instintos inerentes à existência e possibilitaram a vida em
sociedade. No tabu do incesto é terminantemente vetado o direito de se relacionar com
membros da mesma tribo.
64

Acerca disso Maria Rita Kehl menciona: “...a Lei estabelecida pelo acordo entre os
irmãos exige a renúncia de algumas satisfações pulsionais, como condição para se
pertencer à coletividade e se beneficiar das vantagens asseguradas pelo pacto civilizatório"
(2000, p.33).
Em seu escrito de 1927, Freud concebe a experiência religiosa como uma grande
ilusão da humanidade, capaz de aplacar a angústia frente à morte e, conseqüentemente,
dada a extinção perante o apogeu científico. Aqui é preciso definir o que ele mesmo
chamou de ilusão.

Uma ilusão não é a mesma coisa que um erro; tampouco é necessariamente um


erro. [...] O que é característico das ilusões é o fato de derivarem de desejos humanos.
Com respeito a isso, elas aproximam-se dos delírios psiquiátricos, mas deles diferem
também, ã parte a estrutura mais complicada dos delírios. [...] As ilusões não precisam ser
necessariamente falsas (FREUD, 1927, p.49).

A partir dessa concepção, Freud deixa claro seu posicionamento no tocante â


relação que o homem estabelece com a religião. Essa enquanto ilusão criada na tentativa
de proteção ao desamparo constitutivo da própria existência. Conforme deixa claro, os
parâmetros constitutivos da formação dessa ilusão são sobreviveriam aos ditames
científicos. Acreditava que a existência da
Com o apogeu científico, dotado da pretensão de responder e explicar tudo, o
homem não mais precisaria dessa ilusão. Isso levou Freud a concluir que a religião, e todas
os seus significantes estariam fadados ao desaparecimento.

Na última tentativa de explicação pode-se notar o seguinte: após o nascimento


espera-se que ao bebe seja dada todas as condições possíveis ao seu desenvolvimento e à
manutenção de sua vida. Essas condições, geralmente oferecidas por aqueles que exercem
função paterna e materna, dizem respeito aos aspectos biológicos e afetivos. Na ausência
do biológico, por exemplo, comida, higiene, o bebe poderá morrer.

Por outro lado, a ausência ou os excessos afetivos acarretará males diversos,


podendo levar à instalação de uma neurose ou até mesmo de uma psicose. Na tentativa de
sobreviver o aparelho psíquico virá a lançar mão dos recursos que lhe forem disponíveis,
isso também inclui recursos do ambiente, para não sucumbir ao que lhe faltou ou sobrou
nos primeiros anos de vida.

É importante esclarecer, como o próprio Freud afirma, que as primeiras


experiências infantis acompanharão o indivíduo ao longo de sua vida.
Conforme descreve: “... A impressão terrificante de desamparo na infância
despertou a necessidade de proteção - de proteção através do amor - a qual foi
proporcionada pelo pai; o reconhecimento de que esse desamparo perdura através da vida
tomou necessário aferrar-se á existência de um pai, dessa vez, porém, um pai mais
poderoso” (FREUD.1927, p. 48).

Portanto ao crescer com a falta ou o excesso, é provável que o adulto procure na


religião uma forma de tamponar as faltas ou de romper com o excesso gerado pelas
relações familiares. Tal procura fica de certo modo mais esclarecida quando se vê na
prática religiosa uma representação ideal das figuras parentais, tais como o Deus-Pai, a
Igreja-Mãe e a irmandade religiosa.
Essa explicação não pode, de modo algum, ser generalizada, já que, por um lado,
nem todos os indivíduos que se deparam com situações dolorosas em suas famílias,
recorrem à religião. E por outro lado, nem toda experiência religiosa se resume a uma
busca pela família de origem.
65

Há inúmeros aspectos que podem ser observados no cerne da experiência religiosa,


no momento isso não se constitui como parte cabível a esse trabalho.
Devemos estar cientes que em se tratando da vivência religiosa, generalizações e
reducionismos não são cabíveis.

Por certo há mais possibilidades de um diálogo entre psicanálise e religião do que


acreditam alguns estudiosos mais radicais. Isso pode notoriamente ser visto na "amigável"
correspondência entre Freud e o pastor protestante Oskar Pfister.

As cartas que marcaram o período desse diálogo são a prova evidente que não é
próprio do conhecimento psicanalítico legitimar ou não fundamentos religiosos, nesse caso
os fundamentos da fé cristã. O que: na verdade, lhe é pertinente é o estudo dos processos
inconscientes presentes na relação estabelecida entre o sujeito e sua prática de fé cristã; é-
lhe próprio um saber a serviço da libertação daquele que por alguma razão acorrenta-se a
sofrimentos tantos.

Em carta a Pfister, no tocante a esse assunto, Freud escreve: A psicanálise em si


não é religiosa nem anti-religiosa, mas um instrumento apartidário do qual tanto o
religioso como o laico poderá servir-se, desde que aconteça tão somente a libertação dos
sofredores.

Estou muito admirado de que eu mesmo não tenha me lembrado de quão grande
auxílio o método psicanalítico pode fornecer à cura de almas, porém isso deve ter
acontecido porque um mau herege como eu está distante dessa esfera de idéias (1998,
p.27).

Sendo assim a metapsicologia freudiana pode, com veraz propriedade, elucidar o


dinamismo psíquico presente no religioso quer na sua condição patológica quer na sua
condição saudável. É com essa finalidade que os aportes teóricos aqui especificados serão
utilizados, acreditando-se que "o olhar psicanalítico" poderá revelar muito acerca do
religioso e suas vivências.

Síntese:

Diante do que foi exposto pode-se finalizar esse tópico apontado algumas
contribuições do conteúdo estudado até aqui. Podemos contemplar um pouco
superficialmente a psicanálise vista pelo viés dos pesquisadores da religião, já que nos
acostumamos a vê-la somente pela ótica dos que se ocupam da psicologia.

Esse fato alarga a visão diante das possibilidades de se ler e estudar a psicanálise
sob ângulo diverso.
Para a construção do conhecimento, o contato com outros campos do saber que
também se ocupam em estudar a experiência religiosa, com pesquisas atualizadas,
realizadas nas mais variadas faixas-etárias ajuda a conhecer o universo cognitivo,
motivacional, emotivo, dentre outros, da vivência religiosa.

N.B.: Trabalho em grupo sobre: BENKÖ, A. Psicologia da religião, p. 31-47 → 1º


grupo: 3. “A psicologia religiosa da psicanálise freudiana”, (p. 31-38) e 2º grupo: B.
“Crítica da crítica psicanalítica da religião” (p. 38-47).

b) Carl Gustav JUNG (1875-1961)


66

O INCONSCIENTE: FONTE DA RELIGIÃO EM CARL G. JUNG

*Minicurso para o Mestrado em Ciências da Religião da UNICAP

Introdução:

Entre os estudiosos da Religião, há um velho problema no que concerne à origem


da Religião: O fenômeno religioso tem sua origem dentro (fatores intrínsecos) ou fora
(fatores extrínsecos) do homem?

Alguns teóricos da Religião (Karl Marx, Émile Durkheim, entre outros) afirmam
que a Religião é algo que vem de fora e que, de algum modo, é transmitido ou imposto ao
homem.
Já outros teóricos (William James, Stuart Mill, Wilhelm Wundt, Sigmund Freud,
Carl Gustav Jung e Viktor Frankl, entre outros) afirmam que vem de dentro do homem 162.
Quem tem razão? A vertente intrínseca ou a extrínseca? Ou ambas?

Vejamos a visão do psicanalista e psicoterapeuta Carl Gustav Jung (1875-1961) da


vertente intrínseca, objetivo desse minicurso.

A psicanálise é um dos seis sistemas (escolas) de Psicologia 163, fundada por


Sigmund Freud (1856-1939), médico austríaco (Freiberg),em 1895, em seus estudos com
o médico vienense Josef Breuer sobre a histeria (Studien über Hysterie) que assinalou os
inícios da Psicanálise164.
Logo vieram os rebeldes da psicanálise entre os quais está C.G.Jung, além de
Adler, Rank e Ferenczi.
Carl Gustav Jung nasceu no dia 26 de julho de 1875, em Kesswill, pequena cidade
à margem do lago Constança, na Suíça, vindo logo a fazer o ginásio e a faculdade de
medicina na universidade de Basel (Basiléia-Suíça). Jung morreu em Küssnacht (Suíça),
aos 06/06/61.
Jung logo se interessou pelas teorias de Freud depois de ler “A interpretação dos
Sonhos”, publicado em 1900. De 1907-1912, manteve estreito relacionamento científico
com Freud, vindo a romper com Freud, em 1912, no que diz respeito, entre outros temas, à
Libido e à Religião, fundando uma nova escola, a que deu o nome de “Psicologia
analítica”.

A ruptura definitiva com Freud se deu com a publicação do livro (1911-1912)


Wandlungen und Symbole der Libido (Mudanças e símbolos da Libido, mais tarde:
Símbolos da Transformação), abordando a esquizofrenia: Dementia praecox (1907).

162
WILGES, Irineu. Cultura religiosa. As religiões do mundo. V. I. Petrópolis: Vozes, 1982, p. 16-19.
163
Os outros cinco são: Associacionismo, Estruturalismo, Funcionalismo, Behaviorismo e Psicologia da
Gestalt.
164
MARX, Melvin H.- HILLIX, William A. Sistemas e Teorias em Psicologia. São Paulo: Cultrix, 1978, p.
319-321.
67

Vejamos agora como Jung entende a estrutura da psique e o Inconsciente como


fonte da religião.

1 – A estrutura da psique em Freud e Jung

a) Síntese da estrutura da psique em Jung

Na “topografia” da psique, segundo Jung: “A personalidade total ou psique


consiste num certo número de sistemas distintos, mas interatuantes. Os principais são o
ego (consciência), o “inconsciente pessoal” e seus complexos, o “inconsciente coletivo” e
seus arquétipos: a persona, a sombra, anima e animus, Self e Deus (como forma e
conteúdo arquetípico).
Além destes sistemas interdependentes, existem ainda as “atitudes” de introversão
e extroversão e as “funções” de pensamento, sentimento, sensação e intuição. Finalmente,
existe um Self que é a “personalidade plenamente desenvolvida e plenamente
unificada”165.

Noutras palavras: “Psique”: Ψυχή: é o sopro que torna vivo um corpo, animando-o.
Já Aristóteles falou de psychê como bíos, isto é, o mesmo que vida. Depois os latinos -
mantendo o dualismo que, por meio de Platão, tinha veiculado um princípio de algum
modo distinto do corpo – traduziram o termo por “alma” que levará ao dualismo entre
psíquico e físico de algum modo teorizado por Descartes com a distinção entre res
cogitans (coisa pensante) e res extensa (coisa extensa).

Com a psicologia científica do século XIX, o termo “alma”, por suas implicações
metafísicas e morais, foi, por sua vez, abandonado a favor da “psique”, considerado mais
neutro e técnico.

Jung adota prevalentemente o termo alemão Seele, que os tradutores consideram


poder traduzir indiferentemente por “alma” e “psique”.

Para a psicologia analítica, portanto, a “psique” é atividade funcional cuja


dinâmica é constituída pelos (e, ao mesmo tempo, constitui os) pares de opostos bipolares,
identificados nos “Tipos psicológicos” (1921): Consciente-Inconsciente; Eu-Si mesmo,
Persona-Sombra, etc.

Como “órgãos funcionais” da psique, são entendidos as transformações da libido


(appetitus, desejo, energia psíquica, tendência para, intencionalidade, e também - não
somente como em Freud - comportamento do instinto sexual) que, na porção
representativa do processo de “individuação” dão lugar a diferentes “imagens”, as quais
podem ser entendidas como “signos” (símbolo morto, objeto que refere a outro objeto),
“símbolos” (leva à realização um significado que ainda estava incompleto), “complexos”
(estrutura psíquica, dotada de forte carga afetiva que liga entre si representações,
pensamentos e lembranças) e “arquétipos” (marcas originais do Inconsciente coletivo).

165
MARX-HILLIX, Ibid. p. 338.
68

A “topografia” junguiana contempla a “Consciência” (ego), o “Inconsciente


pessoal” (produto da remoção secundária e primária descritas por Freud: remover da
consciência e esquecer o que causa conflito (Verdrängung) e desconhecê-lo (Verleugnung)
e o “Inconsciente coletivo” (depositário dos arquétipos, “precede” – como marca original -
a toda a experiência individual e é a “matriz formal” (não de conteúdo) de determinadas
experiências fundamentais, inclusive a religiosa).

b) A estrutura da psique em Freud

Para Freud, em sua “tópica”, o “Inconsciente” (Id) é, por assim dizer, a parte
inferior da consciência: é o campo extensivo e dinâmico da vida mental no qual estão as
idéias e lembranças censuradas na “mente consciente” (ego) por meio dos fortes
mecanismos de recalque (Superego), havendo entre o consciente e o inconsciente o pré-
consciente.

Jung altera radicalmente essa definição e a amplia a ponto de o Inconsciente


freudiano (Id) tornar-se uma parte comparativamente insignificante do material
inconsciente disponível (2/3 do mundo mental).

Ali, na realidade, abaixo do “Inconsciente pessoal” (Id freudiano) afirma-se que os


mais significativos fatores psicológicos existem independentemente da experiência do
indivíduo, são incapazes de ser adquiridos pessoalmente e devem sua existência
exclusivamente à hereditariedade, vinda dos antepassados (família e povos).

Jung postula, portanto, uma camada ainda mais profunda, abaixo do “Inconsciente
pessoal” em que se encontrará o “Inconsciente coletivo” com suas “imagens primordiais e
universais” comuns a toda a humanidade.

Essa terceira dimensão perturba a ordem freudiana de prioridade, pois, enquanto


para Freud o “Inconsciente” (Id) advém da “Consciência” (Ego), para Jung a
“Consciência” advém do “Inconsciente” e a mente inconsciente, nesse sentido, “precede”
a mente consciente166.

166
PALMER, Michael. Freud e Jung: sobre a religião. São Paulo: Loyola, 2001, p. 125-126.
69

Exemplos:

FREUD JUNG

Superego
Ego+ Si mesmo
CONSC. CONSC.
C Ego
Pré-
Consciente Inconsciente
INCONS Pessoal
CIENTE
ID
INC. Inconsciente
2/3 Coletivo:Arquétipos

c) A psique em Jung

O “Consciente” (Ego) de Jung é algo como a concepção que o leigo tem a respeito
de si mesmo; é a mente consciente em contato com a realidade e contém as recordações
conscientes. É sentido como o centro da identidade e da personalidade. O ego de Jung não
é diferente do ego de Freud.
O “Inconsciente pessoal” é a região que fica imediatamente “interior” ao ego.
Como está contíguo e em contato com o ego, os materiais podem ser reprimidos do ego
para essa região.

O “Inconsciente pessoal” equivale a um misto do “Inconsciente” e do “Pré-


consciente” freudianos. Os conteúdos do “Inconsciente pessoal” são acessíveis à
“Consciência” e contêm apenas os materiais que chegaram ao “Inconsciente” como
resultado das experiências pessoais do indivíduo e do “Inconsciente coletivo”.

O “Inconsciente coletivo” está situado mais profundamente. Nessa região obscura


e nebulosa estão aquelas coisas que o homem herdou filogeneticamente (pela evolução e
hereditariedade): os “Arquétipos” (`αρχή:origem, primordial e τύπος: tipo, marca =>
marca original) ou “idéias herdadas” ou o eidos platônico (céu das Idéias) ou as Ideae
principales de Santo Agostinho167.

2 – Os arquétipos em Jung

Arquétipos (marcas primeiras, originais) são as heranças filogeneticamente


herdadas e que são símbolos e predisposições para atuar de certa maneira.
167
PALMER, M. Ibid. p. 149.
70

Os “arquétipos” se formam em conseqüência das “experiências universais” do


homem em sua evolução (por exemplo: o pássaro “mergulhão” já nasce nadando: código
genético). Jung aceitou, assim, a doutrina da herança de “características adquiridas”.
Como as supostas “experiências” são universais, os arquétipos também o são.

Jung descobriu a existência dos “arquétipos”, como sendo o “resultado” do seu


profundo e exaustivo estudo dos mitos e das produções artísticas de diferentes eras e
diversas culturas do Oriente e do Ocidente.
Ele encontrou, nesses estudos, certos “símbolos” que eram comuns a todas elas,
apesar do fato de nenhum intercâmbio direto entre tais culturas ter jamais ocorrido.

Exemplos de arquétipos, entre outros mais importantes que veremos logo a seguir,
são: o nascimento, a morte, o herói, o filho, círculo, mandala, criança, etc.

Os “principais arquétipos” (porque bem elaborados) de Jung são os seguintes:


Persona, a sombra, a anima e o animus, o Self e Deus (como “forma arquetípica” e
“conteúdo arquetípico”).

Vejamos cada um desses arquétipos, especialmente o arquétipo “Deus” que nos


interessa aqui nesse minicurso.

a) Os arquétipos mais importantes

No Inconsciente coletivo, há muitos arquétipos, mas os mais importantes (bem


elaborados, segundo pesquisas de Jung) são os que seguem:

 Persona: é a “máscara apresentada” por um indivíduo à sua sociedade. É a


parte dele próprio que deseja tornar “pública” e pode ou não servir à função de
esconder a personalidade real168.
Noutras palavras, persona é “individualidade fingida” em que a influência
controladora é a “expectativa social”169.

 Sombra: consiste na parte do Inconsciente que foi herdada dos ancestrais pré-
humanos => são os instintos animais (impulsos passionais, imorais,) que,
quando aparecem na Consciência, podem ser “expressos” ou “reprimidos” e,
nesse caso, alguns dos materiais do “Inconsciente pessoal” têm sua origem na
sombra.

168
MARX – HILLIX. Ibid. p. 339.
169
PALMER, M. Ibid. p. 154.
71

 Anima: representa a parte feminina do homem como resultado das experiências


do homem com a mulher. O homem experimenta conscientemente a sua
masculinidade, mas, no fundo, está sendo movido por arquétipos opostos
(femininos) reunidos sob a denominação de anima.

 Animus: é a parte masculina da mulher como resultado da experiência da


mulher com o homem com sua influência inconsciente. O bom “equilíbrio
psíquico”, segundo Jung, requererá a satisfação simbólica destes arquétipos
inconscientes, em harmonia com as vivências conscientes.

 Self: é o arquétipo mais importante e o mais fugidio componente estrutural da


psique. É o arquétipo da integralidade, da unidade, da realização e felicidade
plena, sendo o centro da psique.

 Deus: é uma manifestação do nível mais profundo da mente inconsciente, o


Inconsciente coletivo. Deus é um componente estrutural a priori da psique.
Existe Deus como “forma arquetípica” (Forma – Deus – Arquetípica: F-D-A) e
Deus como “Conteúdo arquetípico” (Conteúdos-Deus-Arquetípicos:C-D-A)170.

Eis um desenho do Inconsciente coletivo com seus arquétipos:

INCONSCIENTE COLETIVO

Animus Anima

Persona SELF DEUS Sombra

170
PALMER, M. Ibid. p. 160-175.
72

Os dois últimos arquétipos (Self-Deus) são os mais importantes porque visam a


“integralidade e unidade” do psiquismo humano, através do processo de “individuação”
que visa a atualização ou a realização plena do Self 171.

O “processo de individuação” tem dois estágios:


1. A primeira metade da vida (0 =>35-40 anos): desenvolvimento do ego e da
atividade sexual.
2. A segunda metade da vida (40 => fim da vida): amadurecimento, sabedoria e
acelerado processo de individuação.

Edinger caracterizou muito bem a diferença entre o primeiro e segundo estágios do


“processo de individuação”, em termos de relação dialética entre Ego e Self:

1. Identidade entre o Ego e o Self: Paraísos, jardim do Éden;


2. Alienação do Ego com relação ao Self: Expulsão do paraíso, Caim.
3. Religação do Ego com o Self172: Jonas, Paulo, Moisés com Javé.

De acordo com este esquema, a primeira metade da vida vê a gradual separação


entre o Ego e o Self, e a segunda metade da vida realiza a gradual reunião dos dois.

No nascimento, não há um Ego, mas uma completa identificação com o Self: um


estado de “integralidade” e de “perfeição inconsciente”, simbolizados nas Escrituras
Sagradas pelos paraísos => Primeira relação dialética da individuação.

O momento de alienação é retratado pela expulsão do paraíso, Caim, Ismael, os


mitos de Prometeu (fez o homem de barro e roubou o fogo dos deuses) e Ícaro (e seu pai
Dédalo: asas de cera fugindo do labirinto e do ódio de Minos => rumo ao sol => caiu: Mar
Egeu: Ícaro) => Segunda relação dialética da individuação173.

O momento de reunião do Ego com o Self é simbolizado por Jonas no ventre da


baleia, Moisés com Javé diante da sarça, a drástica conversão de Paulo e outros fatos
bíblicos e míticos174 => Terceira relação dialética da individuação em busca da realização
do Self que é tão importante quanto o arquétipo “Deus”.

Vejamos agora como o arquétipo Deus é “forma” e “conteúdo” arquetípico.

b) Deus como forma arquetípica ou Forma-Deus arquetípica(FDA)

Deus é um arquétipo que é uma manifestação do nível mais profundo da mente


inconsciente, o inconsciente coletivo. Deus pode ser tomado como “forma arquetípica” ou
“conteúdo arquetípico”.
171
JUNG, C.G. Beziehungen zwischen dem Ich und dem Unbewussten (Trad. Italiana: VITA, Arrigo. L’Io e
l’inconscio: Bollati Boringhieri). Zürich: Rascher Verlag, 1928, p. 85.
172
EDINGER, E.F. Ego and Archetype. Boston–Londres: Shambhala, 1992, p. 186.
173
COMMELIN. P. Mitologia greco-romana. Salvador: Progresso, 1957, p. 100-101 e 255-256.
174
PALMER, M. Ibid. p. 190-191.
73

A discussão junguiana de Deus é essencialmente bipartite. De um lado, temos uma


análise de Deus an sich (em si): o Deus incognoscível, intemporal, eterno e, de outro lado,
uma análise de Deus tal como Ele é “representado” nos símbolos e imagens infinitamente
variados da religião.
O “Deus-forma arquetípica” é um componente estrutural a priori da psique ou uma
modalidade inerente e anterior de percepção ou “uma disposição que começa a funcionar
num dado momento do desenvolvimento da mente humana e organiza o material da
consciência em padrões definidos” 175.

Isso significa que todas as concepções de Deus, por mais sofisticadas (Trindade)
ou primitivas (politeísmo) advêm de uma modalidade inerente e anterior de percepção, isto
é, da “forma arquetípica” que é uma realidade psíquica (experiência imediata e inegável),
intrínseca (não extrínseca) ao indivíduo, como uma “dimensão ativa” de sua própria vida.
É uma espécie de “instinto de Deus” 176.

Não é algo “adquirido”, na experiência externa do indivíduo (só os conteúdos),


mas é como um “fato” (uma marca original: arche+typos) que opera “universalmente”,
como “força elemental” presente ao nosso íntimo, mais perceptível apenas em seus efeitos:
os conteúdos indiretos da metáfora e do símbolo que permeiam a experiência religiosa de
todos os povos 177.
Exemplo: Vasilha redonda ou triangular (forma) que vai receber a água (conteúdo:
experiências religiosas) => Água redonda ou triangular!

Jung não se preocupou com a “existência ontológica” de Deus, mas com sua
existência como “realidade psíquica”, “fenomenológica” (o que aparece), através do
arquétipo Deus.
Deus é um “fenômeno psíquico”, afirma Jung, não fazendo nenhuma afirmação
transcendental (não gostava da metafísica), pois afirma ser essencialmente empírico.

“Deus existe, pois, para ele, como “realidade psíquica experienciada” 178. Deus
como “forma arquetípica” não é individualmente adquirido, mas é a priori um modelo
inato de apreensão pertinente ao inconsciente coletivo, como “incognoscível” e “eterno”,
onipotente, Pai todo-poderoso, amor, justiça, etc., mas que ainda assim se manifesta nos
símbolos da religião.
Há, portanto, uma distinção absoluta entre a “forma-Deus arquetípica” (causa
imperceptível) e os “conteúdos-Deus arquetípicos” (efeitos: experiência religiosa, através
dos mitos, símbolos, signos, etc.).

c) Deus como “conteúdo arquetípico” (Conteúdos-Deus arquetípicos)

Essa é a parte mais ampla e elaborada da teoria junguiana da religião.

175
JUNG, C.G. A Psychological Approach to the Dogma of the Trinity (1942), CW 11: 148-149.
176
Cf. PALMER, M. Ibid. p. 160.
177
Idem, Ibid. p.160-161.
178
JUNG, C.G. Psychology and Religion (1938), CW 11: 104-105.
74

Os “conteúdos-Deus arquetípicos” são todas as “imagens de Deus”, em toda a


história da religião, no Oriente e no Ocidente; toda crença, mito, rito e doutrina já voltados
para representar a “forma-Deus arquetípica”.
As pesquisas de Jung, nessa área, são notáveis e merecidamente famosas,
reconhecidas por todos, em especial o que está escrito em dois livros seus: Aion (sopro,
espírito) que trata sobre o simbolismo do Self , estudando o “éon cristão” que explora o
simbolismo da figura de Cristo e do demônio (1951) e “Resposta a Jó” (1952) que retrata
o conflito entre Jó e Iahweh, descobrindo o “lado sombra de Javé, para a angústia e
desespero de tantos teólogos.
O símbolo para Jung é um “modo de representação” da “forma-Deus-arquetípica”
que é uma disposição psíquica arcaica, primordial e coletiva, profundamente distinta das
imagens de Deus que ela gera.

Em seu livro “Tipos psicológicos” (1921), Jung faz toda uma análise do símbolo
quando é adequado e inadequado, quando vira signo (símbolo morto) e outras
considerações que não temos tempo para tratar aqui179.

Os “conteúdos-Deus arquetípicos” são agentes da revelação da “forma-Deus-


arquetípica”, em sua profundidade. Jung reconhece no dogma da Trindade “o mais sagrado
de todos os símbolos dogmáticos, mas que pode facilmente ser reduzido ao status de signo
(símbolo morto), ao nível de uma configuração matemática para demonstrar a natureza da
Divindade que é dinâmica e não estática” 180.
Cristo e Paulo, para Jung, são manifestações arquetípicas que têm a função de
unificar os elementos díspares da psique com o Self 181.
A experiência religiosa da humanidade, com toda a doutrina, símbolos, mitos, etc.
são “efeitos perceptíveis” de uma “causa imperceptível” que enriquecem a experiência
religiosa que o fiel de todas as religiões tem do “númeno” (numinosum: Deus)182.

3 – Contribuições e críticas a Jung

a) Contribuições da psicologia analítica de Jung

Entre outras qualidades de Jung, são ressaltadas as seguintes:


 Jung sobreviveu 22 anos a Freud e suas obras estão sendo publicadas em
inglês e em outros idiomas. Suas idéias são originais e provocantes.
 Sua concepção do homem fornece um refrescante antídoto para a
concepção que Freud tem do homem.
 É otimista e coerente, na maioria das vezes, com o ponto de vista religioso.
Jung se interessava pessoalmente pelos mitos e religiões, especialmente as
orientais.

179
Vide PALMER, M. Ibid., p. 167-169.
180
JUNG, C. G. Aion (1951), CW 9 (2): 178.
181
Idem, Ibid., p. 37.
182
Ler livro de Rudolf OTTO, Das Heilige ( O Sagrado).
75

 Jung é positivo quanto à existência humana e não tão obcecado por


sexo como Freud, não dando muito valor aos métodos científicos de seu
tempo.
 Jung era um erudito e um entusiasta; seus seguidores (neojunguianos) eram
fiéis e se sentiam profundamente impressionados, logo que o compreendiam
em toda a sua extensão.
 Valorizou muito a dimensão religiosa do homem bem como a sua dimensão
esotérica (alquimia)183.
 Talvez, num futuro de aridez religiosa que já começa, Jung tenha muito
a nos ensinar, apesar de suas falhas metodológicas e seus sonhos “criativos”.

b) Críticas a Carl Gustav Jung

Entre outras críticas feitas a Jung, essas são as mais pertinentes:


 Jung é muito difícil de ser avaliado por ser muito ambíguo, confuso e difícil
de ser compreendido. Jones (1957) assim se expressa com relação a Jung:

Assim, a sua mentalidade tinha o grave defeito de carecer de lucidez.


Lembro-me que, certa vez, encontrei alguém que fora seu colega, na
escola, e lhe perguntei como tinha sido Jung como criança. Sua resposta
me impressionou: “Tinha uma mente confusa”. Não era eu, então, a
única pessoa que fizera essa observação 184.

 Jung escreveu apressadamente, em meio à prática médica, 18 volumes,


não havendo oportunidade, como ele mesmo afirma com relação a um livro
(Jung 1956), de amadurecer seus pensamentos que surgiam como uma
avalanche, não havendo tempo para burilar o método.

 Além desses fatores acima descritos, o seu estilo é difícil, não objetivo e
simples como o de Freud, tende Jung uma aversão à metodologia científica
tradicional185.

 Ele é criticado pelo seu “método indutivo” que passa de “semelhanças” entre
“algumas religiões” e generaliza essas experiências e, pior ainda, cria os tais
de arquétipos que não se pode provar, sendo anticientífico e caindo num
psicologismo.

 Jung comete, em lógica, a falácia da “afirmação do conseqüente”: A implica


B; B é verdadeiro; Logo A é verdadeiro. Ex.: Quando não dorme, Pedro fica
irritado; Pedro está irritado; Logo, Pedro não dormiu. Os arquétipos estão
muito nessa linha. E como explicar quase um bilhão de pessoas que não
acreditam em Deus? Onde está o “instinto religioso?” E o arquétipo
universal, coletivo de Deus, marcado aprioristicamente, para essas pessoas? E
a questão de “revelação objetiva” de Deus, em sua teoria arquetípica?
183
MARX-HILLIX, Ibid., p. 341.
184
JONES, Ernst. The Life and Work of Sigmund Freud . 3 vol. (1953-1957), p. 32.
185
Cf; MARX-HILLIX, Ibid. p. 340-341.
76

Conclusão:

Na realidade, a “experiência do sagrado” é um problema muito complexo, mas


muito se deve mesmo ao Jung “não-científico”, no que concerne a tantos elementos acima
refletidos.
O Inconsciente coletivo - que se cristaliza nos arquétipos, nas imagens universais –
contêm elementos emotivos importantes, inclusive o “sentimento” que permeia a
experiência religiosa de todos os povos.

Jung se preocupa tanto com o passado dos povos e pessoas (arquétipos) como com
o seu futuro (teleologia), acontecendo com as pessoas na segunda metade do “processo de
individuação” (40 anos em diante).
Jung afirma que a pessoa que não tem religião é que pode ficar facilmente
neurótica (o contrário de Freud) e, em sua prática psicoterápica, aconselha, principalmente
depois dos 40 anos, a voltar à antiga religião que praticava.

O problema de Deus e o do nascer da “experiência religiosa” – se proveniente de


dentro, de fora do homem ou de ambos – é uma questão aberta para todos os estudiosos da
Religião, através das diversas ciências (antropologia, sociologia, psicologia, sociologia,
filosofia, teologia, etc.) que abordam a experiência que o homem faz do numinosum, em
sua breve ou longa caminhada, na face da terra, em busca do pleroma tão sonhado
consciente ou inconscientemente por todos os povos e culturas das mais primitivas às mais
cultas.
Jung, no entanto, não é assim tão amigo da religião, pois concordar com Jung,
afirma Palmer, “é adotar uma concepção de Deus como disposição humana inata
indistinguível, como algo além de um estado psíquico particular e que “existe” apenas no
sentido de que qualquer coisa que “funcione” para a psique é “real”.

“A circularidade dessa idéia é bem evidente – aquilo que vem da psique é validado
pela psique (psicologismo). Deus foi reduzido a nada mais do que uma experiência
subjetiva... como a crença em discos voadores. Jung radicalizou a tal ponto a noção da
imanência de Deus como realidade exclusivamente psíquica que se torna igualmente
questionável se algo sobrou de Deus e, portanto, se se designa alguma coisa distintiva
quando se fala de religião. Tudo isso aconteceu porque Jung desconsiderou a verdade
metafísica em favor da verdade psicológica” 186.

Em Jung, portanto, o Inconsciente é fonte da religião, mas de um modo


aprioristicamente “inventado” (arquétipos) e fenomenicamente absolutizado (experiência
psíquica: psicologismo), em detrimento da dimensão ontológica (metafísica).
No entanto, ao seu modo, valorizou a religião (experiência religiosa) para o
equilíbrio do psiquismo e contribuiu com muitos novos construtos, nas fronteiras entre
Psicologia e Religião (Revelação).

186
PALMER, M. Freud e Jung: sobre a religião... p. 246-247.
77

Jung intuiu que povos primitivos têm uma sede (um vazio ôntico) de um Todo que
tudo explique e proteja a todos em sua luta pela sobrevivência e criou, então, os
arquétipos. Mas, eram necessários?

Vejamos o que nos diz sobre isso a Logoterapia (terceira escola vienense de
psicoterapia: psicanálise) com seu fundador Viktor Emil Frankl.

c) Viktor Emil FRANKL (1905-1997)

O INCONSCIENTE: FONTE DA RELIGIÃO EM VIKTOR E. FRANKL

* Minicurso para o Mestrado em Ciências da Religião da UNICAP

Introdução:

Viktor Emil Frankl nasceu, aos 26 de março de 1905, à rua Czernin, nº 6, andar
superior, porta 25, em Viena, capital do então império húngaro-austríaco.

Seu pai se chamava Gabriel Frankl e sua mãe, a cordial e piedosa, Elsa Frankl. Ele
tinha mais um irmão Walter e uma irmã Stella. Era uma família de fé judaica, mas crítica e
liberal.
Teve uma formação moral e religiosa típica daquele tempo. Uma vez ele e seu
irmão Walter, quando crianças, encontraram uma revista pornográfica, sendo logo
arrancada de suas mãos pela mãe.

Seu pai foi diretor do Ministério do Serviço Social do governo, sendo destituído
com a invasão do nazismo e mandado para o campo de concentração, em Theresienstadt,
onde morreu de desnutrição (fome) e pneumonia. Sua mãe morreu na câmara de gás, em
Auschwitz, onde também esteve Viktor Frankl, sendo libertado pelos americanos, em
1945.

Desde os três anos que o menino Viktor Frankl queria ser médico. Como criança,
viveu uma vida normal, sofrendo a penúria da I Guerra Mundial. Como jovem divertia-se
e estudava, tendo lido muitos filósofos (Kant, Marcel, Heidegger, etc.), teólogos e
psicólogos.

Sentido da vida não é ensinado, mas encontrado. Para ele valor e sentido é
quase a mesma coisa. Sentido da vida é tudo o que move para realizar alguma coisa
naquele momento, naquela situação, que , para a pessoa, é único. Os valores
universal são transmitidos, não só encontra. F. torna o sentido, valores cotidianos
para o consciente. Há pequenas circunstancias, media valores e sentidos universais.
Valores da existência são coisas pequenas, do dia a dia, isso é sentido de vida, e
aquela coisa pequena é única e repetida.3

Scheeler diz que há valores que são absolutos em si.


78

Teve contato e trabalhou com os célebres conterrâneos Sigmund Freud (psicologia


profunda: pai da psicanálise) e Alfred Adler (psicologia individual: estimula a coragem
nos pacientes) de quem começa a discordar em 1927.

Voltando de Auschwitz, veio a residir na rua Mariannen, nº 1, em Viena. Doutorou-


se, em medicina (neurologia), em 1930, tendo escrito 31 livros, traduzidos em 24 línguas,
sendo o best seller (nove milhões de cópias) o livro Man’s Searching for Meaning
(Psicoterapia e sentido da vida).

Na psicologia, ele sempre se preocupou com o “sentido da vida” e os “valores da


existência”.
Escreveu também artigos para revistas nacionais e internacionais e foi convidado
para dar palestras em quase 200 universidades no mundo, inclusive as do Brasil (1984).

Foi o fundador da Logoterapia, a “terceira escola vienense de psicoterapia” (Freud,


Adler e Frankl) e tinha como hobby escalar montanhas e pilotar aviões.

Era professor de Neurologia e Psiquiatria na Universidade de Viena e também


professor de Logoterapia, na Universidade Internacional da Califórnia. Lecionou ainda nas
Universidades de Harvard, Standford, Dallas e Pittsburgh. Morreu, em 1997.

1 – As origens da Logoterapia

a) Definições:

A palavra “Logoterapia” (do grego: Λόγος: Palavra, revelação divina, resposta


dum oráculo + θεραπευτική: terapêutica, terapia) “é a psicoterapia a partir do espiritual” 187
ou “tratamento psicoterápico que considera fundamental a “vida espiritual” do paciente e
que utiliza como método a indução ou persuasão verbal” 188, usando a “intenção
paradoxal” (pensar o que não quer pensar). – ciclo fóbico

b) Histórico

Como já foi dito, na Introdução, Viktor Frankl, na psicologia, sempre se preocupou


com o sentido na vida e os valores da existência.
Como membro da Sociedade Acadêmica para a Psicologia Médica, à qual também
pertencia Freud, fez uma palestra para esse grupo acadêmico na qual, pela primeira vez,
Frankl usa o termo “logoterapia”, em 1933 e depois.
O termo alternativo era Existenzialanalyse (Análise existencial).

Antes de 1929, ele desenvolveu o conceito de três grupos de valores ou três


possíveis caminhos para encontrar sentido na vida – mesmo nos últimos momentos dela,
nos últimos suspiros.
187
FRANKL, V. E. A presença ignorada de Deus. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 18.
188
HOUAISS, A. “Psicoterapia” In: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,
p.1779.
79

As três possibilidades (caminhos) eram:


1) Uma ação nós a fazemos, um trabalho nós o criamos;
2) Uma experiência, um encontro humano nós os amamos;
3) Uma sorte (destino, doença incurável) nós a transformamos em triunfo
humano.

F. tem três tipos de valores, valores criativos, valores experienciais e valores de


atitude
Viktor Frankl passou pelas duas escolas vienenses (Psicanálise e Psicologia
individual), fundando a “terceira escola vienense de Psicoterapia”, no dizer de Wolfgang
Soucek.
Gordon Allport (Harvard University), no prefácio do principal livro de Frankl
(Man’s Search for Meaning) assim se expressa: “A Logoterapia é o mais importante
movimento psicológico da atualidade” 189, entre outros testemunhos que não temos tempo
para aqui expô-los.

c) Críticas à psicanálise (Freud)

Arthur Schnitzler, famoso poeta de Viena e contemporâneo de Freud, legou-nos um


ditado segundo o qual existem apenas três virtudes: a “objetividade” (psicanálise), a
“coragem” (psicologia individual) e a “responsabilidade” (logoterapia).
Em seu livro Der Unbewusste Gott. Psychotherapie und Religion (O Deus
inconsciente. Psicoterapia e Religião) 190, Frankl faz severas críticas à Psicanálise de
Freud. Vejamos alguns trechos:

A psicanálise percebe o todo da psique de uma forma atomística,


concebendo-a como sendo integrada de partes separadas, isto é, vários
impulsos, que, por sua vez, são compostos por impulsos parciais, os
assim chamados componentes impulsores. Dessa forma, o psiquismo
não será apenas atomizado, mas totalmente ana-tomizado,
transformando a análise da psique na sua anatomia 191.

Noutros textos, sinteticamente, ele assim se expressa: “A psicanálise:

1) destrói a integridade da pessoa humana;


2) despersonaliza o homem e a mulher;personifica aspectos individuais dentro da
totalidade da psique que muitas vezes estão em conflito uns com os outros;
3) demoniza quando considera o Id ou os complexos de associação como se
fossem entidades relativamente independentes e pseudopessoais (personagens
dos contos de fada, etc.);
4) destrói todo o unificado que é a pessoa humana para reconstruí-la a partir dos
fragmentos;

189
FRANKL, V.E. A presença ignorada.. p. 66.
190
FRANKL, V. E. pela Kösel Verlag de Munique (1973).
191
FRANKL, V. E. A presença ignorada... p. 14.
80

5) todo o pensamento psicanalítico é materialista, atomístico e mecanicista”192;


6) Na energia psíquica, a psicanaálise considera o “ego como um joguete dos
impulsos” ou o “ego não manda na sua própria casa” (Freud), sendo os
fenômenos psíquicos geneticamente reduzidos aos impulsos;
7) O ser humano a priori é um ser dirigido ou impulsionado.

Há outras críticas a Freud, mas nos atemos a essas principais, passando agora a
algumas críticas feitas a Jung por Frankl.

d) Críticas à psicologia analítica (Jung)

Jung teve, afirma Frankl, o grande mérito de ver no Inconsciente também o aspecto
religioso, cometendo, no entanto, o erro radical de levar a “religiosidade inconsciente”
novamente à esfera do Id. Ele localizou de modo errado “Deus no Inconsciente”. Religião
não é um “instinto”, mas uma “decisão” 193.

Jung errou, em sua psicologia analítica, em não estabelecer no Inconsciente


coletivo uma relação inconsciente com Deus, sem precisar o “arquétipo Deus” ser divino e
onisciente.
O arquétipo Deus ficou fechado em si mesmo, sem nenhuma extrapolação, mesmo
inconsciente, para o Deus ôntico, meta do “instinto religioso”, segundo Jung.
Jung pôs a religiosidade inconsciente no Id. Neste caso, o Ego (eu) não tem
nenhuma competência no âmbito religioso. A religiosidade nem entra na esfera da
“responsabilidade” e da “decisão” do ego (eu).
Segundo Jung, o Id é “em mim” religioso, mas eu não sou crente ou religioso. O Id
me joga para Deus, mas eu (ego) não me “decido” por Deus.

Isso acontece porque, para Jung, a “religiosidade inconsciente” está ligada aos
“arquétipos religiosos” (Deus-forma arquetípica), a “elementos” do Inconsciente arcaico e
coletivo.

Para Jung, a “religiosidade inconsciente” não é nenhuma decisão pessoal do


homem, mas antes um “acontecimento coletivo típico” – também “arque+típico – no
homem, e que é algo também “impulsivo” que determina a pessoa (como para Freud o
instinto sexual).

Para Jung, o arquétipo é uma propriedade estrutural ou uma precondição da psique


ligada, de algum modo, à atividade do cérebro 194.
Desse modo, a “religiosidade inconsciente” pertence, de modo absoluto, ao
“psicofísico” humano, enquanto que a logoterapia reconhece que a “religiosidade
inconsciente” pertence ao “sujeito” de tal psicofísico, isto é, à “pessoa espiritual”.

Para Jung, as “imagens religiosas originárias” são imagens impessoais de um


Inconsciente coletivo, que, no “Inconsciente pessoal” (individual) encontramos mais ou
192
FREUD, S. “Os psicanalistas são mecânicos e materialistas incorrigíveis” (Schriften, XVII, p. 29).
193
FRANKL, V.E. Dio nell’Inconscio.. .p. 76.
194
JUNG, C. G. Psicologia e religione. Milano: Edizioni di comunità, 1979, p. 146.
81

menos já constituídas, como “fatos psicológicos” da facticidade psicofísica, quase


superando a nossa pessoa.

A logoterapia concebe a “religiosidade inconsciente” do homem, emergindo do


núcleo do homem, da pessoa mesma (e neste sentido realmente ex-sistet), se ela não
permanece latente na profundidade da pessoa, no “inconsciente espiritual”, como
religiosidade reprimida (ateísmo).

Para a logoterapia, a “religiosidade inconsciente” não deriva de um inconsciente


coletivo, pois, pertence à “decisão pessoal” - talvez a mais “pessoal” – que pode tê-la, não
obstante ser inconsciente, mas nunca pertencente à esfera impulsiva do Id.

Para a logoterapia, o “Inconsciente espiritual” e a “religiosidade inconsciente” (o


Inconsciente transcendente) não é um Inconsciente que determina, mas antes um
Inconsciente que existe 195.
Outras críticas ainda são feitas à psicanálise (Freud) e à psicologia analítica (Jung)
que não temos tempo de aqui revê-las.
Vejamos agora a “análise existencial” (logoterapia) de V. Frankl.

2 – A análise existencial de Viktor Emil Frankl

Para solucionar o acima colocado contra Freud e Jung, Frankl sugere a “Análise
existencial”.
Ela coloca outro conceito do homem em contraposição ao da psicanálise: um
joguete dos instintos.

a) Características da Análise existencial

Em lugar do “automatismo do aparelho psíquico”, ele preconiza a “autonomia da


existência espiritual” e o homem como “ser responsável” - característica fundamental do
homem -, sendo a “logoterapia” uma análise dirigida a esse “ser responsável”, tentando
mostrar o “caráter da vida”, do seu “dever” (missão), e o de “resposta da existência” (a
existência faz perguntas e eu devo respondê-las concretamente).

Não é o homem quem faz a pergunta sobre o sentido da vida, mas, ao contrário, o
próprio homem é o interrogado, é ele que deve responder, que deve dar respostas, através
dos atos, às eventuais perguntas que “sua vida” lhe possa colocar.

As “perguntas vitais” só poderão ser respondidas pela “ação”, no “aqui e agora”,


ou seja, na concretitude de determinada pessoa, numa determinada situação.
Assim, a responsabilidade da existência é sempre uma responsabilidade ad
personam e ad situationem (à pessoa e à situação) e para isso precisa de seu método
(caminho).

195
FRANKL, V. E. Dio nell’Inconscio (Trad. Italiana . E. FIZZOTTI) Brescia: Morcelliana, 1990, p. 75-77
82

b) Método psicoterapêutico

Como método psicoterapêutico, a “análise existencial” se dirige especialmente ao


“modo” de “ser neurótico”, considerado uma existência “deteriorada” ou “decadente”,
vitimada pela neurose.
O objetivo último do método é “conscientizar” o homem, especialmente o
neurótico, de seu “ser-responsável”, ou trazer, perante a consciência, o caráter de
“responsabilidade” diante da existência.

Diferentemente da psicanálise que visa tornar o “inconsciente” (impulsivo)


“consciente” (inconsciente => consciente), na análise existencial, “algo” essencialmente
diferente do impulsivo – “algo espiritual” – será conscientizado, pois, a responsabilidade é
a base fundamental do homem enquanto ser espiritual, não meramente impulsivo.

Portanto, a “análise existencial” tem por objetivo o homem, não como ser
“impulsionado”, mas como ser “responsável”, ou seja, a sua “existência espiritual”!
O que “vêm à consciência” não é o “impulsivo” relativo ao Id, mas o meu
próprio ego (eu). Não é o Id que se torna consciente ao “eu” (ego), mas o ego (eu) se torna
consciente de “si mesmo”: passa a ter “consciência de si mesmo”, “encontra-se a si...
mesmo” 196.

3 – O inconsciente espiritual

O Inconsciente freudiano (Id: reservatório de instintividade reprimida), na “análise


existencial” (logoterapia), não é mais um “simples inconsciente instintivo” (com
elementos instintivos), mas também um “inconsciente espiritual” (com elementos
espirituais), sendo assim “ampliado” consideravelmente o conteúdo do inconsciente,
anteriormente concebido pela psicanálise freudiana.

a) O Inconsciente reabilitado

O “Inconsciente espiritual”, graças à logoterapia, “é uma instância psíquica onde se


confrontam o “instintivo” e o “espiritual”, com suas características de tendências
“prospectivas” (instinto) e de forças “criadoras” (espiritual)197.

Na realidade, não só o “instintivo” é inconsciente, mas o “espiritual” também,


como o é a existência (irrefletida: por não poder ser objeto de reflexão).

O “espiritual” poder ser consciente ou inconsciente, sendo o limite entre consciente


e inconsciente muito fluido ou permeável: passa-se facilmente de um para o outro.

No entanto, o limite entre o instintivo e o espiritual precisa ser estabelecido de


maneira muito nítida, pois, “o espírito e o instinto são fenômenos incomensuráveis”
(Medard Boss).

196
FRANKL, V. E. A presença ignorada... p. 15-16.
197
Idem, Ibidem, p. 18.
83

b) Os limites entre o instintivo e o espiritual

O verdadeiro ser humano, diferentemente da psicanálise, não é só um ser


impulsionado pelos “instintos”, mas se trata muito mais, de acordo com Karl Jaspers, de
um ser que “decide”, ou, no sentido de Martin Heidegger e Biswanger, de um “estar aqui”
(Da-sein que “está-no-mundo”: in-der-Welt-sein).
Na logoterapia, o homem é um “ser-responsável”, portanto, um “ser existencial”. O
ser humano pode, assim, ser “verdadeiramente ele próprio também nos seus aspectos
inconscientes”.
Ainda mais, ele é “verdadeiramente ele próprio” somente quando não é
“impulsionado”, mas “responsável”.

O ser humano, propriamente dito, começa quando “deixa de ser impelido”


(instinto) e cessa, quando “deixa de ser responsável” (espiritual).
O homem, propriamente dito, se manifesta como homem, quando não houver um
Id a “impulsioná-lo”, mas quando houver um “eu (ego) que decide”.
Compreende-se agora como a psicanálise chegou a coisificar ou a “id-ificar” e
“des-egoficar” o ser humano.

Mas vejamos quais os limites entre o “instintivo” e o “espiritual”!

De fato, há um hiato ontológico que divide os dois campos, fundamentalmente


distintos, no homem. Trata-se, de um lado, da “existência” (espiritualidade) e, de outro
lado, de tudo aquilo que pertence à “facticidade” (Id).
Enquanto a “existência”, para Frankl, é algo essencialmente “espiritual”, a
“facticidade” se compõe tanto de “elementos psicológicos” quanto “fisiológicos” (“fatos”
psíquicos e corporais).

Na psicoterapia logoterápica, deve-se mobilizar, a todo o momento, a existência


espiritual, no sentido de uma espiritualidade livre, contrapondo-a aos condicionamentos da
facticidade psicofísica, que o paciente tende a aceitar como seu destino.

E precisamente frente a essa facticidade deve ser despertada a consciência da


liberdade, aquela “liberdade e responsabilidade” que constituem o “ser humano”
propriamente dito.

c) A especificidade do “ser-homem”

No traçar os limites ontológicos, o ser humano não é só um ser que “decide”, mas
também um “ser-separado”, um “ser-indivíduo” que, como tal, está sempre centrado em
torno de seu próprio “centro”.

Mas, o que há nesse centro, nesse núcleo? O que o preenche? Segundo Max
Scheler: “A pessoa é detentora (centro) e portadora de atos espirituais” em torno dos quais
está o mundo psicofísico.
84

Se a “pessoa humana” é esse “centro espiritual” do qual se originam os atos


espirituais, em vez de se falar de “existência espiritual” e de “factidade psicofísica”, pode-
se muito bem falar de “pessoa espiritual” e de “seu” psicofísico.

Isso quer dizer que nesse “seu” psicofísico se compreende que a pessoa “tem” o
psicofísico, enquanto que ela “é” espiritual.

Na realidade, falando seriamente, não poderia dizer “minha pessoa”, pois não
“tenho” uma pessoa, mas “sou” minha pessoa.

Também não poderia dizer “meu eu”, pois o “eu” realmente “sou” eu, mas não
“tenho” um eu – quando muito, poderia ter um Id, justamente no sentido de minha
“facticidade” psicofísica.
Por estar centrado na pessoa determinada (como centro espiritual existencial), e
somente por isso, o ser humano é também um ser integrado: somente a “pessoa espiritual”
estabelece a “unidade e totalidade” do ente humano.

Ela (a espiritualidade) forma o homem como totalidade, sendo ele um ser


“biopsicoespiritual” (tríplice totalidade), que o torna completo e não somente a dualidade
“corpo-mente” como tanto se afirma por aí.

Jamais a dualidade “psico+física” (que também é unidade) “corpo-mente” podem


representar a “totalidade humana”, pois, ao homem total pertence o “espiritual” e lhe
pertence como sua característica mais específica.

Enquanto somente se falar de corpo e mente, é evidente que não se pode estar
falando de totalidade humana.

d) A autêntica pessoa profunda

Assim, afirma Frankl, quanto à estrutura ontológica do ser humano, demos


preferência a uma estrutura estratificada, com estratos concêntricos, ao invés da
escalonada (Inconsciente - pré-consciente – consciente).

Agora podemos combinar, diz Frankl, a imagem estratificada com a escalonada, de


maneira que a imagem estratificada constitua a projeção num plano, formando o plano
básico para uma construção tridimensional.

A seguir, precisamos simplesmente imaginar que o “núcleo pessoal” (o centro


espiritual-existencial) - ao redor do qual estão agrupados o psíquico e o físico, em estratos
periféricos – seja dotado de um prolongamento.

Assim, ao invés de um “núcleo pessoal”, teremos um “eixo pessoal”, o qual, junto


com os estratos psicofísicos circundantes, atravessa o consciente, o pré-consciente e o
inconsciente.
85

A partir dessa concepção, surge uma imagem relativamente útil e adequada da


verdadeira realidade, a saber, que, tanto dentro do “eixo pessoal”, quanto nos “estratos
psicofísicos”, qualquer manifestação, seja ela espiritual, psíquica ou física, pode ocorrer
em qualquer um dos níveis: consciente, pré-consciente ou inconsciente.

Vejamos uma figura (Figura 1) de Frankl que visa mostrar essa realidade que
acabamos de expor.

Figura 1: Pessoa profunda

Pré-
Consciente Inconsciente

E O núcleo
i perpassando as
Consciente x três instâncias
o

Núcleo
espiritual:
Centro PESSOA

Fissura ôntica
86

A terapêutica psicanalítica usou o termo “psicologia profunda” se referindo ao


Inconsciente (Id: facticidade psicofísica) do homem com seus instintos, mas investigou
muito pouco as “profundezas” do espírito humano, a pessoa humana na “sua” profundeza
inconsciente.

A pessoa “propriamente dita”, como centro da existência espiritual, foi


negligenciada pela psicologia profunda. Isso precisa ser retificado.

Na terapêutica logoterápica, a “pessoa espiritual-existencial” (pessoa profunda) e o


“eu” (e não apenas o Id) possuem uma profundeza inconsciente.

Portanto, a “pessoa profunda”, na psicanálise, se refere ao psicofísico (facticidade,


algo animalesco no homem), enquanto que, na logoterapia, “pessoa profunda” se refere à
“verdadeira pessoa profunda” (espiritual-existencial) que é obrigatoriamente sempre
inconsciente.

Portanto, a execução espiritual dos atos e, conseqüentemente, a entidade pessoal


como centro espiritual de tais atos constituem uma pura realidade de execução.

Noutras palavras, a pessoa fica tão absorvida, ao executar os seus atos espirituais,
que ela não é passível de reflexão, na sua verdadeira essência, ou seja, de maneira alguma
poderia aparecer na reflexão.

Nesse sentido, a existência espiritual, ou seja, o próprio eu, o eu “em si mesmo” é


irreflexível e, assim, somente executável, “existente” somente em suas execuções,
somente como realidade de execução.
A existência propriamente dita é, portanto, irreflexível por não ser passível de
reflexão e, assim, também “não-analisável”.

Com efeito, quando usamos a expressão “análise existencial” não queremos dizer
análise da existência, mas, conforme já foi definida, “análise dirigida à existência”.
A “existência”, propriamente dita, continua sendo um fenômeno primário
(Urphänomen) não analisável e irredutível. Também cada um de seus aspectos elementares
como, por exemplo, quando nos referimos à “consciência” 198 (Bewusstsein ou
Bewusstheit:conhecimento do que se passa em nós) e à “responsabilidade” constitui um
estado fenomenológico primário do mesmo tipo.

No plano ôntico, portanto, esses fenômenos são irredutíveis (bem parecido com o
arquétipo “forma” e “conteúdo” de Jung!), sendo esclarecidos somente com sua
transcendência ao plano ontológico (como fenômeno).

198
Diferente da “consciência moral” (Gewissen): Faculdade de estabelecer julgamentos morais dos atos
realizados.
87

Tanto a “consciência” (Bewusstsein) quanto a “responsabilidade”


(Verantwortlichkeit) são e continuam sendo “problemas insolúveis” no plano da reflexão
psicológica imanente (plano ôntico: Inconsciente).
Porém, assim que as deslocarmos para uma dimensão ontológica, deixam
imediatamente de ser “problemas” porque, em nível consciente, a pessoa espiritual-
existencial pode ser tanto consciente quanto inconsciente (obrigatoriamente).

Por exemplo, olhemos o funcionamento do olho. Da mesma forma que no local de


origem da retina, ou seja, no ponto de entrada do nervo ótico, a retina tem o seu “ponto
cego”, assim também o espírito, precisamente na sua origem, é cego a toda auto-
observação e auto-reflexão; quando é totalmente primordial, completamente “ele mesmo”,
é inconsciente de si mesmo199.

Ao espírito poderia aplicar-se o que se lê nos antigos vedas indianos: “Aquilo que
vê, não pode ser visto; aquilo que ouve, não pode ser ouvido; e o que pensa, não pode ser
pensado” 200.

Conclusão

Como se pôde observar, a abordagem de V. Frankl no que concerne à fonte da


religião no homem, não é tão simples. Ele resgata, sem dúvida, a importância do espírito
humano em suas raízes: o inconsciente do homem como núcleo espiritual-existencial, uma
espécie de “fissura ôntica!”

Certamente, o concurso do existencialismo interferiu e muito nessa rica abordagem


de Frankl com relação ao “ser” da dimensão religiosa do homem, no seu plano ôntico
(mistério) e ontológico (fenômeno), sendo que o espiritual não somente pode ser
inconsciente, em diferentes graus (limiar entre inconsciência e consciência: decidir-
discernir), mas necessariamente deve ser inconsciente tanto na sua instância última quanto
na sua origem.

Viktor Frankl dá muito valor à espiritualidade do homem, muito mais do que Jung,
ao nível de profundidade, como algo inconsciente que deve ser “decidido” pela pessoa
responsável e livre, buscando a transcendência não só psíquica, mas ôntico-ontológica da
“pessoa profunda espiritual “existente”, no Inconsciente.

O espiritual não é algo “instintivo”, mas que deve ser “decidido” pela pessoa
humana, dando sentido à vida.
Na próxima palestra, traçaremos paralelos, colocando semelhanças e diferenças
entre Sigmund Freud, Carl Gustav Jung e Viktor Frankl no que concerne à fonte da
religião.

199
FRANKL, V. E. A presença ignorada... p. 18-25.
200
FRANKL, V. E. A presença ignorada... p. 24.
88

d) O Inconsciente: Fonte da religião, em Freud, Jung e Frankl (Síntese)

O INCONSCIENTE: COMPARAÇÃO ENTRE FREUD, JUNG E FRANKL.

Introdução:

Os três grandes psicanalistas Freud, Jung e Frankl têm muita coisa em comum, mas
também tem muita coisa de diferente no que concerne ao Inconsciente como fonte da
religião.
Não é fácil compará-los, de modo profundo, mas o faremos diante do que foi
exposto nas duas palestras anteriores.

1 – SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE FREUD, JUNG e FRANKL

a) A estrutura da psique, em Freud, Jung e Frankl


89

b)

JUNG
FREUD

Superego
Ego+ Si mesmo
CONSC. CONSC.
C Ego
Pré-
Consciente Inconsciente
INCONS Pessoal
CIENTE
ID
INC. Inconsciente
2/3 Coletivo:Arquétipos

FRANKL: Pessoa profunda

Pré-
Consciente Inconsciente

E O núcleo
i perpassando as
Consciente x três instâncias
o

Núcleo
espiritual:
Centro PESSOA

Fissura ôntica

b) A concepção de religião
90

Para FREUD, a religião é fruto da neurose coletiva do grupo primordial, após o


assassinato do pai da horda primitiva 201. Surge de uma neurose obsessiva (pensamento
constante) que leva ao ritual compulsivo (repetitivo, imutável).
A raiz da religião estaria no complexo de culpa pela morte do pai patriarcal da
horda primitiva. Religião é uma “neurose obsessiva universal” 202.
Em “Psicopatologia da vida cotidiana” (1901), assim Freud se expressa sobre a
religião:

Grande parte da concepção mitológica do mundo, que alcança as


religiões mais modernas, “não passa de psicologia projetada no mundo
eterno”. O obscuro reconhecimento... de fatores e relações psíquicas no
inconsciente está envolvido – é difícil exprimi-lo em outros termos, e
aqui a analogia com a paranóia tem de vir em nossa ajuda – na
construção de uma realidade sobrenatural, que se destina a ser
transformada uma vez mais pela ciência em psicologia do inconsciente.
Poderíamos nos aventurar a explicar dessa maneira os mitos do paraíso
e da queda do homem, de Deus, do bem e do mal, da imortalidade e
assim por diante, e a transformar a metafísica em metapsicologia 203.

Para JUNG, a religião é fundamentalmente experiência de violência da


consciência, que se compreende justamente através do processo e, portanto, a partir de
dentro, da própria consciência.

“Religião é – como diz o vocábulo latino religere – uma acurada e conscienciosa


observação daquilo que Rudolf Otto, acertadamente chamou de “numinoso” (Deus,
divindade), isto é, uma existência ou um efeito ou um efeito dinâmico não causados por
algum ato arbitrário da vontade.

Pelo contrário, o efeito se apodera e domina o sujeito humano, mais sua vítima do
que seu criador (...). O “numinoso” pode ser a propriedade de um objeto visível ou o
influxo de uma presença invisível que produzem modificação especial na consciência. Tal
é, pelo menos, a regra universal (1938/40. XI, § 6).

Uma das raízes da religião deve ser buscada no papel que ela desenvolve na
construção da psique a partir da teoria da consciência que o próprio Jung
fundamentalmente dela dá, isto é, em referência à consciência como autoconsciência ou
consciência da consciência, que no seu fato de ser uma consciente relação consigo próprio
(e, portanto, um pensamento que se verifica no contraste entre o saber de nós e o saber do
outro) está em grau de criar em cada homem, de um lado, a possibilidade do interesse por
si, e do outro, a possibilidade do distanciamento de si.

Em Jung, o “Si-mesmo” (self) é o centro da psique e representante psicológico da


imagem de Deus. “Eu” (ego) é o centro da consciência atual, havendo uma linha de
201
FREUD, S. Totem e tabu (1913).
202
PFL (Penguin Freud Library), 1985, XIII, p. 40.
203
PFL (1991), V, p. 321-322.
91

confim (limite) entre esses dois centros (Si mesmo e eu), motivo pelo qual o “eu” existe
verdadeiramente à medida que está em grau de imaginar-se como proveniente e
constantemente em remitência ao “Si-mesmo”, enquanto ordenador da personalidade e
enquanto aquilo que preside ao sentido e à configuração da própria personalidade, da qual
o “eu” é parte204.

Jung é muito positivo, diferentemente de Freud, quanto à religião em geral e em


seus símbolos arquetípicos.

Para FRANKL, a religião é “re-ligação” (Rückverbindung) do homem com Deus


(religio, religare) e a meta transcendental do homem que vai preencher a fissura ôntica do
Inconsciente espiritual (pessoa profunda):

HOMEM

NÃO SER NÃO TER

_ Fissura ôntica

SER

+
TER

2) A raiz da religiosidade humana

O homem é esse “mais” (+) cuja fissura ôntica: “menos”(-) clama por ser
preenchida, como o riacho só pára quando vira mar e as limalhas só entram em quietude
quando se lançam sobre o ímã.
“O coração do homem anda irrequieto e não descansa enquanto não se jogar em
Vós, ó Senhor” (SantoAgostinho).

A experiência religiosa e mística de todos os santos e povos depende da quantidade


e qualidade desse abraço do Numinosum que o homem de fé experimenta, ao longo do
tempo-espaço.

Exemplo: Santa Teresa d’Ávila, São João da Cruz, São Francisco de Assis, Madre
Teresa de Calcutá, Sai Baba, os sanyasis, os sadhus, no Hinduísmo, os monges budistas, os
derviches, no Islamismo e tantos outros místicos em todos tempos.
204
PIERI, P. F. “Religião” In: Dicionário junguiano. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 431-432.
92

Tudo depende da profundidade da experiência de Deus que as pessoas fazem,


desde que o homem é homem na face da terra.

A dimensão mística é já o “saborear das realidades do Além mais do que as do


Aquém”, sendo, por isso mesmo, carregadas de mistério (é, mas não se sabe direito como
é!).
Vejamos as motivações que levam as pessoas e grupos a vivenciarem (atitudes)
essa dimensão religiosa e mística!

N.B.: → Ler texto de BENKÖ,A. Psicologia da religião, p. 76-80 (Experiência


mística).

II. 2 – Motivações, experiências e atitudes religiosas da pessoa e grupos


religiosos

Introdução: Texto: A Motivação religiosa (BENKÖ,A Psicologia da religião, p.


80-91)

a) A predisposição religiosa na criança

Existe uma religiosidade na criança? Se sim, em que termos?


R - Parece haver uma possível dimensão intencional, na evolução da representação
(aspecto cognitivo) da religiosidade infantil que “amadurecerá” uma consciência do
sagrado que vá além das influências recebidas, na primeira infância, quer ao nível de
estruturas cognitivas (pensamento mágico, antropomórfico, etc.), quer ao nível do
ambiente circundante (família, escola, Igrejas, etc.).

No encontro da criança com a realidade, a modalidade de ela conhecer e interpretar


essa realidade se dá através das formas de animismo, artificialismo, finalismo, magismo,
etc. que, segundo Aletti, na criança, já há uma forma de “religiosidade de criança”, já em
incubação, no período pré-escolar, com o qual se desenvolve uma “intencionalidade-
significante-por-Deus”205 e não apenas para a criança egocêntrica (Aletti, 1978, p. 51).

A partir de seus atuais esquemas psíquicos e dos comportamentos deles


provenientes, a criança manifesta, com suas atuais capacidades, uma “tendência” a uma
integração sempre mais aberta para a realidade total (Aletti, 1978, p. 51).
205
ALETTI, M. Ricerche sulla religiosità infantile... p. 235-262.
93

Noutras palavras, nessa fase definida como “pré-religiosa” (Ibidem), através das
próprias modalidades de interpretação e de decodificação das mensagens religiosas
provenientes do ambiente circunstante, a criança se põe na prospectiva de um
reconhecimento da “alteridade” como presença real e como fonte de motivação para a sua
própria existência.

A compreensão significativa de que ela age na direção dessa realidade é mediada


pelos seus “esquemas cognitivos” e é sinal de seu envolvimento “total” (na totalidade das
diversas dimensões que dizem respeito ao seu crescimento de indivíduo-criança), no
processo de diferenciação e de identificação daquilo que é “diferente” de si”, premissa
indispensável para relacionar-se com Aquele que lhe apresentaram como Deus (Ibidem, p.
52).

A sua religiosidade em formação se torna, pois, sempre mais expressão de um


movimento autêntico para o Transcendente, na medida em que ela sente a
“correspondência” entre a experiência humana (exemplo: no relacionamento familiar,
muito significativo, na sua formação) e a presença divina que estimula nela a curiosidade e
a procura (Ibidem, p. 56).
Daí em diante, há toda uma “maturação religiosa” da criança que atravessa
diversas etapas, desde o relacionamento com a figura dos pais, nos primeiros anos de vida,
para chegar, através das experiências iniciais de “personalização” de relacionamento com
o divino, na pré-adolescência, até o assumir livre e responsável do “valor religioso” como
fundamento da própria existência, tornando-se a dimensão religiosa não marginal, mas
essencial ao desenvolvimento do próprio indivíduo (Hyde, 1990, p. 350).

Portanto, desde criança, há como que uma “intencionalidade” (Vide o “instinto” de


Jung e a “tendência”: pessoa profunda de Frankl) que visa reconhecer, naquilo que é
comunicado e vivido pelos outros, a premissa da apropriação e do desenvolvimento
motivacional de uma experiência religiosa que seja verdadeiramente própria206.

b) Abertura existencial, na religiosidade do adolescente

O adolescente, já bastante crítico com a sua religiosidade, navega entre o risco do


novo e a segurança do velho sistema de referência.

No contexto da religiosidade, ele experimenta em si, de modo particular, novas


capacidades expressivas, em contextos diversos dos habituais (grupo, amigos,
solidariedade, etc.), mas percebe também que o seu credo religioso funciona ainda sobre a
falsa tutela dos pais (não é totalmente do “seu” modo!)

206
FIZZOTTI, E. Verso una psicologia della religione... p. 117-118.
94

Ele sente que algo que surge de dentro de si o impele a algo fundamentalmente
“diferente” do seu credo habitual, permitindo-lhe um estilo programático e a procura de
um sentido para a vida.
Essa novidade começa a ser “tangível”, na medida em que ele entre em contato
com o aspecto funcional e pessoal da própria religiosidade.

O fato de o adolescente subjetivizar o próprio relacionamento com Deus e procurar


viver a própria religiosidade, como “relação pessoal”, representa uma característica de tal
fase evolutiva.
Em vista de tal tipo de relação, Deus é “concebido” e “sentido” por ele como
algo/alguém em quem crer, um motivo para crer e, ao mesmo tempo, lhe permite perceber
de que modo organizar o próprio ideal de vida (Hyde, 1991, p. 134), num relacionamento
mais “pessoal” com Deus.

Na componente “motivacional” do adolescente, prevalece o “aspecto moral” da


religiosidade (especialmente para aqueles que professam a fé e a praticam realmente),
como algo de inato e de natural, no seu relacionamento com Deus de quem ele sente
necessidade para se sentir seguro, em suas ações e, ao mesmo tempo, experimentar a sua
autonomia.

Ao nível motivacional, trata-se da tensão adolescencial entre o “já conhecido” (o


Deus dos pais) e o “não ainda experimentado” (o Deus do adolescente). É nesse contexto
que Deus aparece com as características de pai bom, que ajuda e lhe dá segurança, nos
revezes de sua vida de adolescente.

A passagem para tal concepção de Deus depende muito da educação religiosa


recebida, no ambiente, como é praticada pela família, da especificidade da confissão
religiosa em que cresceu, criando muitos problemas uma educação negativista, na qual
Deus castiga, julga as ações dos homens, tornando-se o adolescente nessa confissão muito
dogmático e submisso (Hunter, 1982207; Dobbins, 1975208).

O aspecto moral da adolescência está permeado de contradições, na linha da


vulnerabilidade psicoafetiva que é típica desse período.

Pouco a pouco, o jovem vai percebendo que o comportamento ético previsto na


religião não é somente o pedido pela instituição religiosa, mas ele mesmo reforça a
convicção da importância de “seus comportamentos” que respondem às novas aquisições
valorativas que estão amadurecendo nele.

Pouco a pouco, o jovem percebe e se conscientiza de que as “motivações


religiosas” fundamentam o seu credo religioso e seu comportamento moral, à medida que
ele cresce.

207
HUNTER, J.P. Operationalizing Evangelism: A Review, Critique and Proposal, In: “Sociological
Analysis”, 1982, 42, p. 363-372.
208
DOBBINS, R.D. Too Much, Too Soon, In: “Christianity Today”, 1975, 20, p. 41-42.
95

Em tal desenvolvimento da motivação religiosa, emerge a exigência de


autenticidade que bem corresponde às novas aspirações presentes, em sua existência
(Milanesi-Aletti, 1977, p. 186)209.

Parece que a religiosidade abarca e aumenta os valores morais do indivíduo, na


medida em que respondem às suas expectativas psicológicas, na ótica de uma “revisão
crítica progressiva” do que é proposto no âmbito familiar.

Esses resultados, no entanto, não são concordes, nas diversas pesquisas sobre essa
temática (Crawford, 1989)210, mas se revela particularmente verdadeiro, nos grupos mais
ortodoxos, onde existe uma religião mais conservadora e convencional (Wright-Cox,
1967)211.
Noutra pesquisa, o confronto entre adolescentes crentes e não crentes permitiu
constatar uma maior pontuação em favor dos primeiros no que diz respeito à própria
“experiência religiosa”, enquanto que, no que concerne aos “valores morais e sociais”, os
dois grupos não apresentam grandes diferenças (Wright-Cox, 1971) 212.

Mesmo tendo a religiosidade uma associação positiva com o comportamento


socialmente aceito (os adolescentes que “crêem mais” são os que desenvolvem
comportamentos socialmente positivos), nem sempre tal correlação corresponde a valores
morais interiorizados.
A referência às próprias “convicções pessoais”, ao contrário, aparecerá mais clara,
na fase da religiosidade mais tipicamente juvenil, quando o indivíduo tiver maior
consciência do próprio envolvimento motivacional, no seu projeto religioso de vida.
A associação entre moral e religiosidade é válida, sobretudo, para as idéias éticas
professadas, na própria religião que o adolescente assume e à qual se adapta; não é claro,
porém, até que ponto tal ação seja diferente dos rapazes não crentes.

Com Hyde, poder-se-ia sintetizar que:

A religiosidade tende a nutrir uma certa adesão às proibições religiosas,


mas o comportamento moral não depende da religião. Não há evidência
empírica que permita dizer que os jovens e pessoas praticantes sejam
mais morais do que as não-praticantes. Uma religiosidade de tipo
legalístico parece estar associada a um comportamento moral
convencional que poderia ter um efeito negativo no desenvolvimento de
um juízo moral superior (Hyde, 1990, p. 286)213.

Como se pode observar, as “motivações” que movimentam o mundo religioso do


adolescente são muitas e, muitas vezes, incoerentes, ambivalentes, algo típico da fase de
209
MILANESI, G. – ALETTI, M. Psicologia della religione. Torino: Elle Di Ci – Leumann, 1977.
210
CRAWFORD, M.E. et alii. The Relationship between Religion and Mental Health/ Distress, In: “Review
of Religious Research”, 1989, 31, p. 16-17.
211
WRIGHT, D. - COX, E. A Study of Relationship between Moral Judgement and Religion Belief in a
Sample of English Adolescents, In: “Journal of Social Psychology”, 1967, 27, p. 135-144.
212
WRIGHT, D. - COX, E. Changes in Attitudes toward Religious Education and the Bible among Sixth-
Form Boys and Girls, In: “Britsh Journal of Educactional Psychology”, 1971, 41, p. 328-331.
213
HYDE, K.E. Religion in Childhood and Adolescense… 1990.
96

revoluções globais, na existência dos adolescentes de todas as culturas e raças, com


nuances, é claro.

c) Alguns componentes motivacionais da religiosidade do adolescente

O adolescente tende a ver na religião uma ocasião para construir o próprio “projeto
de vida”, embora esteja consciente dos limites e dos conflitos que a sua idade gera (De
Carli, 1984-1985)214.
O caráter motivacional de tal percepção da experiência religiosa se exprime,
através de múltiplos elementos:
1) Vivência intensa das próprias experiências de fé;

2) As conversões, na adolescência, têm um significado “motivacional” de procura


de sentido para a vida, própria da puberdade, fase de instabilidades e
autonomia;

3) Nessas conversões, os adolescentes se “deixam permear” (invadir) de sentido


religioso da própria vida, criando com Deus um vínculo “emocional”, passando
de uma situação de mal-estar a bem-estar e felicidade;

4) O adolescente que se converte é um alguém descontente com o “processo de


vida” que leva (supostos católicos tortos “viram” irmãos “santos” e
testemunhas), com os valores adquiridos e com o sentido dado à sua existência;

5) O adolescente que se converte é alguém que procura, com maior consciência da


própria religiosidade (aspecto cognitivo), uma identificação com novos valores
e, portanto, um novo estilo de vida (Downton, 1980)215;

6) Para esses adolescentes convertidos, a religião lhes permite um estilo de vida


mais pleno e sadio, com uma atenção especial à própria saúde psicológica e um
bem-estar geral (Hay, 1982)216;

7) Se há um constante crescimento religioso, o comportamento do adolescente


convertido é predição de um bem-estar psicológico, mesmo fora da experiência
de conversão (Bergin et alii, 1988)217;

8) A religião, para os adolescentes e pessoas convertidas, permite a eles responder


melhor às condições de não-adaptação cotidianas, permitindo um alto grau de
nova adaptação psicológica (Crawford-Handel-Wiener, 1989)218 bem diferente

214
DE CARLI, S. L’uomo e i suoi limiti, In: “Religione e Scuola”, 1984-1985, 13, 4, p. 185-190.
215
DOWNTON, A. An Envolving Theory of Spiritual Conversion and Commitment: The Case of the Divine
Light Mission, In: “Journal for the Scientific Study of Religion”, 1980, 19, p. 381-396.
216
HAY, D. Exploring Inner Space. Harmondsworth: Penguin, 1982.
217
BERGIN, A. E. et alii. Religious Lifestyles and Mental Health: An Exploratory Study, In: “Journal of
Counseling Psychology”, 1988, 35, p. 91-98.
97

do que foi afirmado por Freud para o qual a religião é uma expressão da
neurose coletiva;
9) Esse bem-estar se encontra também em idades diferentes (até idade avançada) e
com diversas desadaptações psicológicas;

10) Um maior envolvimento, na dimensão social da religião, reduz a sensação de


solidão, particularmente entre os anciãos, como, também, a instabilidade
mental mais grave pode ser incrementada (não provocada) pelo credo religioso
(Johnson-Mullins, 1989)219.

O aprofundamento do aspecto motivacional da religiosidade do adolescente leva a


considerar também o desenvolvimento de sua maturidade religiosa, como ocasião de
crescimento pessoal, como aprofundamento dos valores que lhe permite perceber a
utilidade e a funcionalidade das vivências de fé para a própria existência.

Trata-se de um passo ulterior no qual o adolescente se põe à procura de um sentido


para a própria vida que lhe consinta descobrir o valor totalizante de sua experiência de fé.
Neste sentido, foram encontradas relações significativas entre a orientação
religiosa intrínseca do indivíduo e um alto escore no Test Purpose in Life (Crandell-
Rasmussen, 1975)220.

Tal aprofundamento motivacional, entendido como processo de maturidade da


religiosidade adolescencial, funda-se sobre a percepção de uma possível “escolha” no que
concerne às posições de uma religiosidade precedente hétero-dependente, sobretudo, no
que diz respeito a temáticas valorativas, relevantes para o mundo adolescencial e juvenil,
como a “compreensão do mundo” e da “vida”, a “abertura” aos problemas da humanidade,
o amadurecimento social, etc.
A propósito, Mion fala de escolha, como aspecto principal e importante da
religiosidade juvenil, a partir do momento adolescencial, firmando-se mais
definitivamente na idade sucessiva.

Em particular, Mion ressalta que “a religiosidade, muito mais que no passado,


tornou-se “objeto de uma escolha específica, pessoal e livremente querida” (Mion, 1993,
p. 25).

Sinteticamente, pode-se dizer que o aspecto “motivacional” da maturidade


religiosa é especificado como um fenômeno de crescimento, um desenvolvimento
contínuo do qual participa a inteira personalidade, com suas diversas características.

218
CRAWFORD, M.E. - HANDEL, P.J. - WIENER, P.L. The Relationship between Religion and Mental
Health/Distress, In: “Review of Religious Research”, 1989, 31, p. 16-17.
219
JOHNSON, D.P. – MULLINS, L.C. Subjective and Social Dimensions of Religiosity and Loneliness
among the Well Elderly, In: “Review of Religious Research”, 1989, 31, p. 3-15.
220
CRANDELL, J.E. – RASMUSSEN, R.D. Purpose in Life as Related to Specific Values, In: “Journal of
Clinical Psychology”, 1975, 31, p. 483-485.
98

Fatores como a motivação intrínseca, a mudança na própria vida e no


comportamento, a satisfação encontrada no perceber e perseguir determinados valores,
associados a uma positiva estima de si e às próprias convicções religiosas intrínsecas,
permitem ao adolescente de integrar, de modo mais marcante, a própria orientação
religiosa, de modo funcional com relação aos objetivos mais envolventes e totalizantes que
ele propõe a si, ao longo de sua própria vida (Fizzotti, 1995, p. 121-123).

d) A motivação na religiosidade juvenil

A religiosidade juvenil tem as seguintes motivações:

1) O jovem percebe, de modo mais orgânico, o valor global relevante que o credo
religioso tem para as pessoas;

2) Essa relevância ainda se manifesta, de modo não muito claro, por causa do
aspecto evolutivo e dinâmico que caracteriza o desenvolvimento da
religiosidade humana;

3) Isso acontece com os jovens porque, na juventude, o indivíduo vive a


maturação religiosa antes de tudo como uma resposta às necessidades, às
exigências e valores que dão significado à sua vida;

4) Ao mesmo tempo, emerge, no jovem, a necessidade de sua autonomia, no


encarnar tais valores, assumindo o jovem uma condição religiosa não
institucional e, muitas vezes, secundária com relação aos novos significados
emergentes;

5) O jovem percebe e vive o processo de “maturação” de sua religiosidade:


a) integrando as condutas religiosas no contexto de suas aspirações e
estrutura de valores que ele mesmo amadurece, distanciando-se da
religiosidade adolescencial (Mlanesi-Aletti, 1977, p. 211);
b) fazendo evoluir a sua religiosidade para uma condição de
“marginalização”, tendo um caráter parcial (ou até “total exclusão”), ou
seja, os valores religiosos não fazem mais parte do projeto de vida da
pessoa (Milanesi, 1981b, p. 375).

e) Quais as componentes motivacionais da religiosidade juvenil?

As principais componentes motivacionais da religiosidade juvenil são as seguintes:

1) O jovem consegue crer se encontra um motivo (como significado direcionado


ao comportamento) para crer;

2) A componente motivacional de sua religiosidade representa o desafio mais


sensível a uma religiosidade madura;
99

3) O significado da religião é focalizado e inserido, no contexto do aspecto


privado dos valores assumidos como prioridade para as necessidades
existenciais;

4) O jovem tende a interiorizar os valores éticos que lhe foram propostos pela
revisão crítica positiva da religião;

5) Na juventude, destacam-se cada vez mais as opções religiosas das éticas e o


credo da pertença confessional que era mais homogêneo, na adolescência
(Mion, 1993, p. 8);

6) A observância moral não é mais dependente (conseqüente) do credo


religioso, mas antes fruto de uma crítica à observância externa e de uma
interpretação personalística daquilo que o jovem acha justo fazer e que
justifica o falar de uma “religiosidade centrada no homem” (Ibidem, p. 17),
vivendo mais uma fé intrínseca que extrínseca ( Haitsma, 1986, p. 686)221;

7) A religiosidade juvenil assume, com o passar dos anos, um “valor normativo”


que influencia, de modo mais claro, o quadro de referência valorativa do
jovem;

8) O jovem, mais consciente de si e de suas próprias capacidades, se põe numa


prospectiva de ulterior participação ativa e intencional que corresponde aos
seus projetos de vida;

9) Se o jovem crê realmente, ele assume e se compromete, de fato, com as


coisas em que crê (Libratore, 1988-1989, p. 18) 222;

10) Na juventude, o identikit motivacional vai se formando na direção de uma


centralidade da “dimensão interior” (Watson-Morris-Hood, 1990)223 da qual
partem os diversos aspectos concretos, com os quais o jovem exprime o seu
sentido religioso, havendo, vez por outra, certa ambivalência e marginalidade
da vivência religiosa ( Mion, 1993, p. 9 e 31: Brunetta-Longo, 1991)224.

f) Integração por um “sentido” projetual de si, graças ao processo de


subjetivização

221
HAITSMA, K.V. Intrinsic Religious Orientation: Implications in the Study of Religiosity and Personal
Adjustment in the Aged, In: “Journal of Social Psychology”, 1986, 126, p. 685-687.
222
LIBRATORE, E. I giovani e la dimensione religiosa, In: “Docete”, 1988-1989, 44, 1, p.17-21.
223
WATSON, P.J. – MORRIS, R.J. – HOOD, R.W. Attributional Complexity, Religious Orientation, and
Indiscriminate-Pro-Religiousness, In: “Review of Religious Research”, 1990, 32, p.110-121.
224
BRUNETTA, G. - LONGO, A. L’Italia cattolica. Fede e pratica religiosa negli anni ’90. Firenze:
Valecchi, 1991.
100

O processo de subjetivização é muito mais evidente, sobretudo, quando se refere


ao projeto juvenil, na área do privado, principalmente com a influência da modernidade
sobre os jovens dos anos ’90.
Mion ressalta como a “dispersão individualista” das crenças e a crise da
“autoridade institucional” prepararam o terreno para a afirmação de uma religiosidade
“antropocêntrica”, prevalecendo o ideal de felicidade pessoal e realização de si.

Noutras palavras, no jovem, prevalece a tendência a colocar em evidência antes de


tudo a exigência de “identidade pessoal” como experiência privada à qual sucessivamente
está subordinada a sua busca do sagrado (Mion, 1993, p. 8-9).

As transformações em ato, ao nível emocional, na religiosidade juvenil, podem ser


elencadas em algumas categorias, às vezes, contraditórias, remanescentes da fase anterior,
passando os jovens:
1) da religião à sabedoria;
2) do esquema dogmático à procura de paz interior;
3) da adesão à procura;
4) do dogma à experiência pessoal;
5) do “discurso” ao “percurso”;
6) da instituição sacralizada à sacralização da vivência;
7) da doutrina à espiritualidade;
8) do nocional (racional) ao emocional.

O jovem, portanto, com a subjetivização da busca religiosa, tende a tornar “suas”


(e subordinar) também as necessidades e valores e a centralizar a sua segurança pessoal e
suas prospectivas futuras sobre as experiências que ele mesmo pode padronizar.

E é nessa dinâmica que se insere o seu modo de organizar a experiência religiosa


que não é vista ainda em sua dimensão totalizante, mas antes em sua dimensão “funcional
e psicologizante”.
Enquanto muitos jovens refletem sobre o sentido da vida, outra boa parte procura
obter o melhor da vida (curtir a vida), prescindindo da fé em Deus, considerando-a “um
ponto de chegada natural com o qual não deve se preocupar” (Mion, 1993, p. 15).

Portanto, falar de privado na dimensão motivacional da religiosidade juvenil está a


indicar uma tendência precisa sobre a qual se movem diversas dimensões evolutivas.
De uma parte, ela permite ao jovem de distanciar-se das formas nocionais
(racionais) precedentes e, de outra, faz emergir a exigência de uma visão do sagrado mais
correspondente à própria vivência interior.
Desse modo, mesmo sabendo que tal “religiosidade interior” lhe dá segurança e é
“funcional” à sua necessidade de segurança e de proteção, o jovem percebe a
possibilidade de uma ulterior integração de sua vivência do sagrado na ótica, porém, das
novas experiências valorativas.

g) Do despedaçar-se do velho às novas emergências significativas


101

O surgir de uma fé mais pessoal e mais respondente às exigências individuais do


jovem coloca em evidência um outro aspecto de sua religiosidade: o da “fragmentação”
que enfatiza o hiato existente entre a busca de religiosidade que ele articula, através de sua
nova consciência, e as respostas que obtém das “agências oficiais de religiosidade” nem
sempre favoráveis a alimentarem as vivências criativas (Milanesi, 1981b, p. 364).

Com essa diminuição da religiosidade institucional entre os jovens, formam-se


outros sistemas de significado que, mesmo deixando espaço a certa imaturidade da fé,
permite certa vivacidade de expressão (Butturini, 1985-1986, p. 455)225.

As ambivalências de tal aspecto, como atestam várias pesquisas, nesse campo


(Bertrand, 1993; Burgalassi, 1990; Mion, 1993, etc.), se manifesta no fato que, mesmo
dissociando o próprio sentido religioso do modo com que o vive concretamente, a religião
é ainda importante para o próprio futuro, apontando tudo isso para a desorganicidade da fé
juvenil, mas, ao mesmo tempo, a passagem progressiva para uma fé mais madura porque
mais integrada entre a dimensão individual (com a fragmentação) e a motivacional e
intencional.

Repercute essa ambivalência em seu comportamento, passando a existir um “hiato


entre a área das necessidades, valores, expectativas e definições (religiosas) e a área dos
comportamentos religiosos, no sentido de que existem vivências religiosas às quais não
corresponde uma base motivacional proporcional” (Milanesi, 1981b, p. 372).

Com essa cisão, pode suceder que, para experiências de fé juvenil vivaz e criativa
-correspondentes seja à ruptura do cordão umbilical que ligava certos comportamentos a
uma determinada religião, seja ao desejo de subjetivizar a própria religiosidade - se
contraponham experiências de fé ritualística e convencional, sobretudo, nos grupos
religiosos tradicionais.
Os jovens que participam de grupos de militância religiosa, social ou política, são
os “menos conformistas” e são os que, no desenvolvimento dos próprios projetos,
manifestando, com mais evidência, a presença de motivações, de ideais, de um maior
realismo e de uma adequação ao projeto de vida.

Os jovens mostram, assim, uma inclinação a ressaltar a dimensão “totalizante” de


seus projetos, mesmo se ainda de modo superficial e parcial.

Para esses jovens engajados, prevê-se uma atitude positiva para com o futuro.
Esses jovens são os mais sensíveis para a percepção de Deus como o “totalmente
Outro”, no sentido de que dão um conteúdo mais amplo e especificamente religioso ao
relacionamento com o divino que não é mais simplesmente alguém ensinado pelos pais e
mestres, mas alguém com quem estão “existencialmente envolvidos”, embora muito
subjetivamente ainda (Le Saux, 1994, p. 80).

Na medida em que esses jovens conseguem colocar em discussão, positivamente, a


sua adesão de fé, revendo os próprios modelos de religiosidade (adolescenciais e
225
BUTTURINI, E. Gli atteggiamenti delle giovani generazioni nei confronti del problema religioso, In:
“Religione e Scuola”, 1985-1986, 14, 9, p. 448-456.
102

institucionais), eles terão uma prospectiva de fé, como adesão operosa e responsável,
segundo o próprio quadro de valores.

A subjetivização da fé é, no entanto, mais marcante, entre os jovens não


participantes de grupos religiosos e que são orientados a privatizarem as suas
necessidades, os seus projetos e sua religiosidade, reforçando, sobretudo, a própria
vivência psicológica e expressando uma menor correlação, uma maior ruptura entre as
necessidades pessoais e a religiosidade tradicional (Milanesi, 1981b, p. 133).

No seu projeto de vida pessoal, os jovens se mostram mais responsáveis


pessoalmente, com forte carga emocional, na direção de um sistema de significado
totalizante, principalmente quando eles passam da “fase de avaliação” da religião para a
“fase de atuação”, em seu projeto de vida.
Tal dinâmica interativa permite colher um continuum de coerência e constância
entre a capacidade avaliadora do jovem e sua conduta decisional.

Uma coerência que se manifesta também quando ele se encontra diante das
dificuldades e frustrações sociais de tais projetos, sentindo-se ele sempre o artífice e o
responsável desses projetos.
Tal responsabilidade tem um significado envolvente, sobretudo, no contexto social
no qual o jovem se encontra, assumindo uma dimensão sócio-humanitária à qual é
particularmente sensível.

Valores como fraternidade, solidariedade para com os outros, amor pelos mais
necessitados, sintetizam o seu consenso a uma religiosidade traduzida numa “vida melhor”
do qual também se sente co-responsável (Fizzotti, 1995, p. 126-128).

h) Uma motivação mais funcional que totalizante na religiosidade dos jovens

Muitos jovens gostariam de se engajar num comportamento religioso libertador,


mas não há ocasiões ou oportunidades.

Para os jovens, o caráter “funcional” da fé assume um sentido de participação


pessoal, mesmo que diferente de sua vivência religiosa. Tal sensibilidade é mais constante
entre os jovens que participam dos grupos religiosos.

Entre esses jovens, de fato, “existe uma concepção relativamente majoritária da fé


religiosa, como uma vivência racional capaz de dar significado à vida, numa prospectiva
empírica e criativa” (Milanesi, 1981b, p.146).

A diferença, ao nível motivacional, entre a pertença ou não de jovens a grupos


significativos é um fator que incrementa uma interpretação mais orgânica da percepção do
próprio sistema de significado.
103

Ao mesmo tempo, nota-se uma tendência mais funcional entre os”jovens


agregados” (pertencentes a grupos religiosos) que entre os “não agregados” e faz entrever
como uma fé estereotipada e tradicional é, no fundo, menos envolvente do que aquela que
é vivaz e crítica por parte de muitos jovens que praticam menos, mas... com maior
convicção pessoal.

É claro que, entre os jovens que participam de grupos religiosos (agregados) não
faltam manifestações de uma fé ainda ligada à tradição, com a conseqüente conformidade
às exigências da coletividade (a Igreja), percebida como garantia da autenticidade do
sentimento individual.

Nesse caso, o “sistema de significado” parece ser aparentemente mais unitário e


orgânico, porque ancorado a definições precedentes, mas, ao mesmo tempo, mais frágil e
vulnerável para poder exprimir-se de modo continuado.

Para os jovens que não fazem parte diretamente de grupos religiosos, no entanto,
emerge um sistema de significado mais heterogêneo e diversificado, mais condizente com
a exigência de privatização do próprio sistema de valores e necessidades.

Poder-se-ia, então, concluir que a “maturação religiosa”, nos jovens, está


particularmente ligada a esse aspecto de “coerência funcional” que eles procuram e
descobrem, no interior do próprio sistema de crença, sobretudo, no aspecto privado e
individual do envolvimento motivacional.

Em suma, os jovens dão mais prioridade à própria pessoa, como sujeito


psicológico, também, no contexto da dimensão motivacional da religiosidade, do que à
religião, entendida como ideologia: valores.

Com tal percepção do sagrado, os jovens enfatizam a sua capacidade de serem


artífices de religiosidade, mesmo que no fundo o objeto de sua própria religiosidade seja o
mesmo: Deus (Butturini, 1985-1986, p. 455).

E a contradição desse aspecto permite, de um lado, constatar a importância que os


jovens dão à própria capacidade de “ideologizar os sistemas de significado, abaixando os
níveis de idealismo e limitando as taxas de projeto de vida” (Milanesi, 1981b, p. 375) e, de
outro lado, de conferir um significado ao componente religioso adquirido, na ótica de uma
individuação dos aspectos pessoais, com os quais podem exprimir uma vivência que seja
verdadeiramente respondente ao novo indivíduo ainda em formação (Fizzotti, 1995, p.128-
129).

II. 3 – Influência ambiental e expressões do comportamento religioso pessoal e


grupal
104

Por ser o homem um ente inserido (In-der-Welt-sein), ele, para sobreviver, deve se
adaptar ao meio ambiente, no qual está inserido, tendo esse habitat um influxo típico, a
depender das fases evolutivas que a pessoa humana vive, com seus “esquemas mentais,
afetivos e motivacionais” que se estruturam a partir desse intercâmbio de vida ou morte.

→ Aludir às “Invariantes funcionais” de Piaget: Todo o organismo tem para poder


sobreviver e durar no tempo-espaço:

a) Organização: uma ordem desde os genes até os ossos;


b) Adaptação: assimilação e acomodação ao meio ambiente físico e global.
-

1) O papel do ambiente na religiosidade da criança (Infância)

Na criança, a religiosidade é um fato não ainda “interiorizado”, mas mais exterior e


de “imitação” das pessoas que a circundam (Makhoul-Mirza, 1992, p. 15).

A socialização da criança, pois, é um fator essencial para o amadurecer da


dimensão religiosa latente (déja-là), segundo a expressão de Godin de que “a criança, em
cada ambiente em que vive (lar, escola, paróquia, rua, etc.), ao menos, no mundo
ocidental, “respira” religião (Godin, 1983, p. 15)226.
Também Allport afirmou:

Na infância [...] falta a religião. Na criança estão presentes desejos e


uma correspondência social elementar; nem a inteligência, nem a
autoconsciência bastam para desenvolveram [...] o complexo sentimento
religioso. Por isso, as primeiras respostas aparentemente religiosas da
criança não são religiosas, de fato, mas de cunho muito mais social.
Elas constam nas primeiras atitudes insignificantes da criança como
inclinar a cabeça, juntar as mãos e entrelaçar os dedos; sucessivamente
ela aprende a recitar orações ou louvores simples [...]. A criança aprende
os ritos, não os seus significados (Allport, 1985, p. 80)227.

Portanto, por ser a criança um ser “relacionado e dependente” dos outros, é através
de tal intercâmbio existencial que ela modula a própria atenção para adquirir noções e
sensações úteis também para o crescimento de sua religiosidade que, obviamente, é uma
religiosidade “nos moldes de criança”, dependendo muito como ela vê os outros vivendo o
próprio relacionamento com Deus que ela tenta “aprender” (imitar).
O papel dos pais, nesse crescimento religioso da criança, é fundamental para o seu
crescimento na fé (Godin-Hallez, 1964)228. É através do comportamento religioso de seus
pais e de sua pertença ao grupo religioso que a criança amadurecerá os diversos aspectos

226
GODIN, A. Psicologia delle esperienze religiose. Il desiderio e la realtà. Brescia: Queriniana, 1983.
227
ALLPORT, G.W. L’Individuo e la sua religione. Interpretazione psicologica. In: “La Scuola”. Brescia.
228
GODIN, A. – HALLEZ, M. Images parentales et paternité divine, In: “Lumen Vitae”, 1964, 19, p. 243-
276.
105

de sua própria religiosidade (Makhoul-Mirza, 1992, p. 163; Heller, 1991, p. 23-42; Elkind,
1964b229).

Também é muito significativa a educação religiosa dada, nos primeiros anos de


vida: na medida em que ela cresce cognitivamente e os pais vão lhe ensinando o credo
religioso (aprender de cor as orações, rezar à mesa, ou à noite com mamãe, etc.), tentando
passar o significado simbólico de tais gestos.
Assim, a criança devagarzinho vai elaborando a sua concepção pessoal de Deus,
sendo ele onipotente e onisciente por que os pais o são também para a criança. (Vianello,
1991, p. 73; Vergote, 1969230; Day, 1975, p. 173231).
Tudo isso acima confirma o que já foi dito sobre a dimensão afetiva da criança:

É exata, talvez, a firmação de que Deus se torna o objeto ao qual


pertencem tantas belas qualidades que antes pertenciam aos pais, mas
não deve ser estendida a afirmação de que, por isso, a Deus foram
também dirigidas cargas afetivas que antes foram dirigidas aos pais
(Vianello, 1991, p. 101).

a) Influência dos fatores familiares na religiosidade da criança

Na pesquisa de Makhoul-Mirza (1992), ficou muito clara a influência educativa


que os pais crentes ou não exercem na religiosidade infantil.

Para as crianças de pais praticantes da religião, aos dois anos e meio, já se sente
que “a criança está impregnada daquilo que vê, toca, entende ou sente, participando da
experiência de fé de seus pais, imitando os seus gestos, sinais, ternura, clima de
relacionamento que fazem despertar a sua vida espiritual e religiosa, ao menos, como
projeto” (Makhoul-Mirza, 1992, p. 150).

Contam muito as expectativas dos pais sobre os filhos. O primeiro filho tende a ser
mais religioso (MacDonald, 1979)232, sendo a orientação religiosa mais clara se ambos os
pais professam e praticam um credo religioso coerentemente (Middlenton-Putney,
1962)233.

A percepção que a criança tem de Deus torna-se mais positiva quando ela vive num
ambiente familiar que é de aceitação, paciência, respeito recíproco e amor (Ronco-
Fizzotti-Amenta, 1993, p. 677)234.

229
ELKIND,D. Age Changes in the Meaning of Religious Identity, In: “Review of Religious Research”,
1964b, 6, p.36-40.
230
VERGOTE, A. The Religious Man: A Psychological Study of Religious Attitude. Dayton (Ohio): Pflaum
Press, 1969.
231
DAY, L.G. The Development of God Concept: A Symbolic Interaction Approach, In: “Journal of
Psychology and Theology”, 1975, 3, p. 173-178.
232
MACDONALD, L. Social Class Deliquency. London: Faber and Faber, 1979.
233
MIDDLENTON, R. – PUTNEY, S. Religion, Normative Standards and Behavior, In: “Sociometry”,
1962, 25, p. 141-152.
234
RONCO, A. – FIZZOTTI, E. AMEMTA, E. Immagine di Dio, percezione dei genitori, conoscenza e
stima di sé, In: “Orientamenti Pedagogici”, 1993, 40, p. 661-679.
106

A influência adquire um caráter negativo quando o relacionamento entre os pais é


conflitivo, influenciando esse clima de conflitos (brigas, separação, divórcio) sobre o
estado emocional da criança (Heller, 1991, p, 144), tendendo, como conseqüência, a
diminuir a religiosidade da mesma (Nelsen, 1981)235.

Se, mesmo depois da separação, a criança participa da vida dos pais, de modo
tranqüilo, a religiosidade da criança adquire um maior significado, pois ela pode dirigir-se
a Deus, como aquele que a pode consolar, ou transfere para Deus as próprias fantasias com
relação ao genitor perdido (Kay, 1981)236.
As crianças que não têm pais (sem a vida afetiva dos mesmos) e que foram
internadas em Instituições também apresentam uma imagem de Deus negativa: Deus é
menos ativo, menos potente e com pouca avaliação positiva (Vianello-Carraro-Lis, 1987,
p. 640-641237; Fizzotti, 1995, p. 63065).

b) A influência da Instituição religiosa na religiosidade da criança

Além da influência dos pais na religiosidade da criança, tem muito influxo a


Instituição religiosa à qual ela pertence, através do uso de variáveis educativas, conteúdos
teológicos e culturais, as metodologias na educação religiosa (catequese) que vão incidir
em sua sensibilidade, favorecendo novas transformações em sua religiosidade em
desenvolvimento (Ronco-Fizzotti-Amenta, 1993, p. 662), também, na escola e outros
lugares sociais, para o crescimento de sua religiosidade infantil.

No período da escolarização, entre 6 e 12 anos (tempo de preparação para os


sacramentos), a criança começa a participar das atividades da Igreja, percebendo outros
níveis de informações sobre a religião.

Na idade de 7-8 anos, há o “sociocentrismo”, caracterizado pela descoberta dos


outros e de um inicial senso de pertença, confirmando ou não a religiosidade que tinha em
casa (Milanesi-Aletti, 1977, p. 126).

A descoberta da Instituição, como contexto ambiental significativo, no qual faz as


primeiras experiências do sagrado sem os pais, vai desenvolvendo na criança um
sentimento de “autonomia religiosa”.

Ela percebe que há outros agentes do ensinamento da religião (padre, freiras,


pastor, catequistas, obreiros, etc.), com funções específicas, mesmo se, às vezes, parecem
misteriosos, ensinando conteúdos que favorecem a religiosidade ou quando falam acima

235
NELSEN, H.M. Gender Differences in the Effects of Parental Discord on Pré-Adolescent Religiousness,
In: “Journal fo the Scientific Study of Religion”, 1981, 20, p. 351-360.
236
KAY, W.K. Psychoticism and Attitide to Religion, In: “Personality and Individual Differences”, 1981, 2, p.
249-252.
237
VIANELLO, R. – CARRARO, G.C. – LIS, A. L’immagine della divinità e l’assimilazione delle nozioni
religiose in bambini istituzionalizzati, In: “Orientamenti Pedagogici”, 1987, 25, p. 630-643.
107

da capacidade de compreensão da criança, estimulam nela uma certa “mentalidade


mágica” (Ibidem, p. 127; Dumoulin-Jaspard, 1973)238.

Nem sempre as agências educativas promovem um senso de pertença.


A excessiva moralização do ambiente externo, por exemplo, se, de um lado, indica
à criança o que deve ou não ser feito em vista de um comportamento socialmente aceito,
de outro lado, pode estimular nela um comportamento de dependência passiva.

Foi ressaltado que a criança desde 4-5 anos que passou muito tempo, em ambiente
de catequese ou paroquial, crê muito mais numa justiça de tipo legalístico e formal e tem
uma concepção de um Deus que pune ou premia, aumentando o percentual com o evoluir
da idade do sujeito (Hyde, 1990, p. 283).

Um outro fator externo que pode influenciar negativamente é a excessiva


participação no ensino do catecismo
. Se, de um lado, facilita a aprendizagem de noções religiosas, pode, de outro lado,
não contribuir para o crescimento de uma espontaneidade religiosa (Vianello, 1991, p.
310).

Muito conteúdo religioso pode “fossilizar” o credo da criança, induzindo-a a


reproduzir, em termos mágicos e artificiais, o que lhe é ensinado, fazendo-lhe perder os
potenciais característicos da originalidade e intimidade.

Seria muito melhor, se a catequese levasse em conta as suas exigências e as suas


estruturas mentais (Graebner, 1964).

Quando os conteúdos religiosos são muito incompreensíveis à criança, porque em


contraste com seus esquemas mentais infantis, ela tenderá a refutar – como no caso do
credo: capacidade divina de ressuscitar mortos – ou a deformar os significados – como no
caso de alguns milagres de Jesus.

O conteúdo religioso, aprendido na escola e catequese, é muito importante para a


criança, mas se há discrepância acentuada entre o conteúdo ensinado e a capacidade
cognitiva da criança, sustentada por uma catequese “selvagem”, resulta que nem sempre a
aprendizagem posterior melhora esse mesmo conteúdo religioso.

Ao contrário, com o passar do tempo, os conteúdos aprendidos passam a se


“cristalizar”, vivendo a sua fé, de modo pouco pessoal, separada do mundo real e das
capacidades cognitivas (McDowell, 1952)239, não conseguindo a criança ligar as crenças
religiosas aprendidas com as experiências derivantes de seu dia-a-dia e com o seu esquema
mental, empobrecendo a vivência religiosa da criança (Vianello, 1991, p. 103).

238
DUMOULIN, A. – JASPARD, J. - M. Les médiations religieuses dans l’univers de l’enfant. Prêtre et
Eucharistie dans la perception du divin et l’attitude religieuse de 6 à 12 ans. Bruxelles: Lumen Vitae, 1973.
239
McDOWELL, J.B. The Development of the Idea of God in the Catholic Child. Washington: The Catholic
University of America, 1952.
108

O risco é de ficar a criança “insensível” à experiência religiosa, relegando-a


sempre para fazer alguma outra coisa e não transformá-la numa experiência pessoal.
Ao contrário, o ensinamento religioso é recebido com maior vivacidade, na medida
em que a criança pode “tocar” e “experimentar”, concretamente, aquilo que lhe é proposto.

No que diz respeito ao ensinamento e à compreensão das parábolas evangélicas, a


criança tem dificuldade de interpretá-las e deduzir o significado subentendido de tais
histórias, pois se trata de situações com as quais não está familiarizada.
Compreende-as melhor se forem utilizadas imagens mais conhecidas dela e com
quadrinhos coloridos representando situações de vida que se aproximem às das parábolas
(Fizzotti, 1989, 1990; Fagerling, 1974240).

As instituições cuidem para adequar os meios pedagógicos aos esquemas mentais


da criança, pois elas têm muita influência sobre a criança que usufrui muito do que lhe é
passado por cada instituição, ao seu modo.

Família, paróquia e escola contribuam, de maneira diferente, mas significativa,


para a formação de uma religiosidade que poderá evoluir e se tornar um credo mais
correspondente à vivência interior (Fizzotti, 1995, p. 65-68).

2 – O papel do ambiente na religiosidade do pré-adolescente (Pré-adolescência)

Durante a fase da pré-adolescência, o rapaz e a moça atravessam uma intensa fase


de maturação psicofisiológica que vai incidir também no seu desenvolvimento religioso.
O que lhes foi transmitido pelas diversas agências de informação e educação foi
“percebido” diferentemente por eles, graças ao maior senso crítico que os caracteriza.

Na família, com sua educação religiosa, o pré-adolescente começa a viver a sua


religiosidade, de modo ambíguo e conflitivo: rezando as velhas orações e vivenciando os
velhos conteúdos aprendidos e conhecendo o mundo dos amigos com outras versões
conceituais e comportamentais diferentes do que o pré-adolescente aprendeu antes
(COSPES, 1986, p. 114).

A tentativa de o adolescente “personalizar” os velhos conteúdos aprendidos,


libertando-se dos esquemas de pensamento infantil (menos antropomórfico, menos
mágico, etc.) não lhe dá ainda resultados totalmente positivos, pois o pré-adolescente não
tem ainda bem desenvolvidos os “esquemas abstratos” do pensamento, não
compreendendo bem a linguagem abstrata dos conteúdos religiosos ensinados pela família
e instituições sociais, já que apenas está entrando na fase em que eles acontecem.

Separando-se do ambiente familiar (dessatelização), e se projetando cada vez mais


no mundo externo (socialização: grupo de pares no qual partilha psicologicamente suas
angústias e alegrias e as associações, esportes, etc.), o pré-adolescente experimenta, ainda
240
FAGERLIND, I. Research on Religious Education in the Swedish School System, In: “Character
Potential”, 1974, 7, p. 38-47.
109

que superficialmente, certa “autonomia” de sua potencialidade religiosa, desenvolvendo o


senso de pertença, graças às influências dos grupos de pares que também pode provocar
certa separação da vivência religiosa, sobretudo se hostis à prática religiosa (COSPES,
1986, p. 115; Zavalloni, 1968, p. 368241).

Não diferentemente influi o ambiente da escola.


Pesquisas feitas revelam a estreita ligação entre o que é ensinado na escola e a
maturação religiosa sucessiva, de modo já crescente, na pré-adolescência e muito mais
rico, na adolescência.
Excessiva exposição do pré-adolescente (e depois adolescente) à educação
religiosa nem sempre há efeitos positivos na sua maturação religiosa (Brimer, 1972) 242,
sobretudo, porque a educação formal que a escola confessional dá, tem muito mais
influência sobre a imagem cognitiva que afetiva de Deus, incidindo somente, de modo
relativo, sobre a maturação da vivência religiosa

A contradição entre os processos agregativos, no grupo, seja a escola, seja o


catecismo, produz, no pré-adolescente, um senso de ambivalência porque, de uma parte,
ele percebe a importância dos conteúdos que lhe são ensinados, mas, de outra parte,
percebe que não correspondem à situação agregativa que ele geralmente tende a
privilegiar.
Tal conciliação é, ao contrário, favorável, no caso do grupo religioso, no qual o
pré-adolescente encontra mais facilmente uma modalidade pessoal para desenvolver e
exprimir o próprio sentido de pertença (Koppe, 1993243; COSPES, 1986, p.114-115).

Nem sempre a pertença a grupos de pré-adolescentes traz um crescimento


religioso. Também, o modo como os pré-adolescentes amadurecem o pensamento religioso
nem sempre correspondem às expectativas das várias agências de ensino.

Quando um ensino está muito ligado a uma linguagem teológica e abstrata não
corresponde a uma adequada compreensão por parte dos rapazes, mostrando-se ele arredio
a esse tipo de linguagem ensinada por outros, sendo mais receptivo a uma linguagem
corresponde à sua maturação psicossocial.

Isso não quer dizer que o pré-adolescente esteja pronto totalmente para uma crítica
do que aprendeu, sendo o seu comportamento ainda ambivalente entre o fácil
antropomorfismo da infância (que ainda toma conta de sua dinâmica cognitiva) e o
complexo pensamento abstrato, cujas primeiras estruturas mentais começa a adquirir.

Em tal direção o pré-adolescente está dando os primeiros passos, estando a sua


religiosidade em constante evolução, na direção de uma concepção mais pessoal dos
conteúdos religiosos passados pelo ambiente externo (Hyde, 1965)244.

241
ZAVALLONI, R. Gli atteggiamenti etico-religiosi dei giovani, In: “Pedagogia e Vita”, 1968, 29, p. 356-
382.
242
BRIMER, J. School Worship with Juniors, In: “Learning for Life”, 1972, 11, 5, p. 6-12.
243
KOPPE, W. How Persons grow in Christian Community. Philadelphia: Fortress Press, 1973.
244
HYDE, K.E. Religious Learning in Adolescence. Edinburgh: Olivier and Boyd, 1965.
110

3 – O papel do ambiente na religiosidade do adolescente (Adolescência)

Os componentes sociais adquirem significado particular durante a adolescência


porque, em tal fase do desenvolvimento, o indivíduo procura projetar-se, o mais possível,
para fora do circuito familiar, embora não se separa dele totalmente.

Nesse tempo da adolescência, o rapaz e a moça estão ainda em contato com as


diversas agências educativas, aptas a cuidarem de sua educação religiosa, mas, ao mesmo
tempo, o grau de influência que delas recebe é muito maior do que o interesse que o
adolescente sente por elas.

Se, de uma parte, ele participa das atividades religiosas, de outra parte, torna-se
ainda mais difícil transmitir-lhe uma adequada formação religiosa.

Antes a presença de um ambiente fortemente eivado de educação religiosa traria


resultados negativos, principalmente, no que diz respeito ao campo moral.

a) Influência das figuras parentais

Entre os 14-15 anos e posteriormente, o adolescente constrói sempre mais, com a


influência de seus amigos, uma religiosidade própria e independente daquela professada
anteriormente.
Emerge a tentativa de espiritualizar e generalizar a terminologia referente a Deus,
desaparecendo quase por completo a visão antropomórfica de Deus, reaparecendo, de
modo atenuado, o conceito de Deus-Pai dos anos precedentes.
Os pais voltam a ter certa influência na religiosidade do adolescente que antes era
adquirida e percebida como autoritária, por parte dos adolescentes, havendo certa
conciliação com as modificações acontecidas, através dos amigos (Hyde, 1990, p. 131)245.

Se o adolescente vive em casa um ambiente favorável (amor, diálogo, respeito,


confiança), desabrocha nele um comportamento ótimo e de confiança recíproca, fazendo
amadurecer uma atitude favorável para com Deus bem próximo de sua experiência
(Ronco-Vicenti, 1980246; Hyde, 1991, p. 141247).

Portanto, se, no período da adolescência, os rapazes tendem a definir a sua


autonomia religiosa, subsiste ainda um certo condicionamento devido à religiosidade dos
pais, verificando-se isso, principalmente, entre as moças, tendo elas uma atitude muito
positiva para com o sagrado (Cox, 1967)248.

245
HYDE, K.E. Religion in Childhood and Adolescence... 1990.
246
RONCO, A. – VINCENTI, A. Religiosità adolescenziale... 1980.
247
HYDE, K.E. Adolescents and Religion... 1991.
248
COX, E. Sixth Form Religion. London: SCM Press, 1967.
111

O fato de as moças serem mais “religiosas” do que os rapazes, certamente, se deve


a outros fatores de ordem pessoal (temperamento, afetividade, etc.) e social, como o lugar
que ocupa, na sociedade, influências da religião, em sua socialização e trabalho que ocupa
(Yinger, 1970) 249 e a sua escolarização (Cox, 1967).

Nesse caso, as moças que freqüentam menos a escola têm um menor conhecimento
científico do que os rapazes, desenvolvendo uma atitude menos crítica com relação à
religião (Greer, 1972ª)250.
Como na infância, também na adolescência, a influência dos pais se diferencia no
que diz respeito à religiosidade do pai ou da mãe.

Parece que a mãe contribui enormemente na vivência religiosa do adolescente,


principalmente na das moças (Acock-Bengston, 1978)251, sobretudo, no que diz respeito à
maturação da atitude de confiança em Deus (Hoge-Petrillo, 1978)252.

A influência paterna se revela mais específica, no aspecto legalístico da religião,


especialmente para os rapazes (Tamminen, 1991, p. 319 e 321; Montgomery-Montgomery,
1975 253).

Em geral, se no adolescente permanece a idéia da figura paterna, percebida como


rival, o adolescente tende a ter atitudes agressivas para com os outros e refletirá atitudes
imitativas, no confronto com as atitudes paternas idealizadas, incluído também o modo de
viver a religiosidade.

De fato, no ambiente familiar em que predomina certa rigidez moral (moralismo)


ou certo dogmatismo religioso, o adolescente tende a reproduzir uma visão dogmática do
próprio credo religioso.

Os desencontros entre nova e velha geração também não atenuam a crise religiosa
do adolescente que vive a auto-afirmação de sua personalidade, muitas vezes, de modo
dramático, rejeitando a religião também por fatores pessoais evolutivos ou para ser contra
os pais (Hoge-Petrillo, 1978).

Portanto, se é justo afirmar que o rapaz e a moça adolescentes começam a construir


um caminho próprio para viver a fé religiosa, no entanto, as pesquisas mostram que eles

249
YINGER, J.M. The Scientific Study of Religion. New York: Mac Millan, 1970.
250
GREER, J.E. Sixth Form Religion in Northern Ireland, In: “Social Studies: Irish Journal of Sociology”,
1972a, 1, p. 325-340.
251
ACOCK, A.C. - BENGSTON, V.L. On the Relative Influence of Mothers and Fathers: A Covariance
Analysis of Political and Religious Socialization, In: “Journal of Marriage and the Family”, 1978, 40, p. 519-
530.
252
HOGE, D.R. – PETRILLO, G. H. Determinants of Church Partecipation and Attitudes among High-
School Youth, In: “Journal for the Scientific Study of Religion”, 1978, 17, p. 359-379.
253
MONTGOMERY, S.M. – MONTGOMERY, R. Religious Practice and Orthodoxy among Catholic
Students as a Function of Parental Beliefs and Religious Behavior, In: “Psychological Reports”, 1975, 37, p.
706.
112

não se separam completamente da interpretação e vivência religiosa dos pais (De Vaus,
1983, p. 148)254.
Tal continuidade se revela principalmente, nos comportamentos seqüentes do
assumir os valores morais, através da mediação da prática religiosa.

Noutras palavras, a religião dos pais influi no comportamento religioso do


adolescente, na medida em que sustenta o seu quadro de valores morais e
comportamentais e não tanto como causalidade direta (credo dos pais = credo do
adolescente).
Há, portanto, uma influência na qual confluem o aspecto materno do acolhimento e
da proteção e o aspecto paterno da responsabilidade e pragmaticidade (Cavallotto, 1987 255;
Dudley-Dudley, 1986256).

De fato, são comportamentos que o rapaz e a moça assimilam e, ao mesmo tempo,


reelaboram, criando características totalmente novas de sua religiosidade, relacionando
seja com as novas exigências psicológicas interiores, seja com os diferentes modelos de
referência (amigos, diversas agências educativas, etc.) com os quais entram em contato, na
fase da adolescência, com suas revoluções hormonais (puberdade) e psíquicas
(adolescência).

b) Influência do grupo de amigos

Os adolescentes não delegam aos amigos coetâneos os seus sonhos de autonomia,


pois, de fato o adolescente não é dependente daquilo que o grupo oferece à sua
religiosidade, mas leva ao grupo o patrimônio das influências parentais, no campo
religioso, como em outros campos.

Isso indica que a ligação “adolescente-grupo” de amigos não é substitutiva da


ligação precedente “adolescente-pai”.
De fato, a “formação religiosa” que o adolescente recebe do relacionamento com o
grupo de pares não transforma ainda de “maneira significativa” a sua religiosidade.
Ela provoca antes o desenvolvimento de uma atitude conformista, mas não
alimenta vivências religiosas significativas e muito menos ideais e valores concernentes à
experiência religiosa (De Vaus, 1983, p. 157).

No máximo, esse relacionamento com o grupo de pares contribui para uma


concepção da religião dirigida aos valores sociais.
A concepção social do sentido religioso, desenvolvida graças à pertença ao grupo
de pares, pode alimentar uma concepção “utilitarista” da religião, muito comum entre os
adolescentes.
254
DE VAUS, D. The Relative Importance of Parents and Peers for Adolescent Religious Orientation, In:
“Adolescence”, 1983, 18, p. 148-158.
255
CAVALLOTTO, G. Immagine di Dio e figure parentali. Teorie ed indagini positive, In: “Orientamenti
Pedagogici”, 1987, 34, p. 1024-1056.
256
DUDLEY, R.L. – DUDLEY, M.G. Transmission of Religious Values from Parents to Adolescents, In:
“Review of Religious Research”, 1986, 28, p. 3-15.
113

Se, de uma parte, os rapazes dessa idade tendem a ver, na fé religiosa, uma
possibilidade de contato “crítico” com tudo o que lhe foi ensinado precedentemente, de
outra parte, eles manifestam - principalmente onde a dimensão social é muito consolidada,
como na Suécia (Dahlin, 1990)257 - uma concepção muito utilitarista da religião, em vista
das expectativas sociais e valores da vida em comum.

Será, sobretudo, na adolescência tardia, que o encontro com os amigos adquirirá


um significado verdadeiramente formativo e duradouro, também do ponto de vista
religioso, capaz de modelar, em sentido “formativo”, a própria religiosidade (Hyde, 1990,
p. 229).
De fato, à medida que o adolescente se aproxima da vida adulta, ele vê crescer a
sua autonomia, no confronto com a religiosidade dos pais, e desenvolve uma modalidade
própria de viver a fé, graças às constantes estimulações que recebe para dar uma
contribuição pessoal à maturação de seu credo religioso (Potvin-Lee, 1982)258.

Ao mesmo tempo, aumentam as influências derivantes do relacionamento do


adolescente com os diversos grupos de pertença que são um lugar privilegiado de
verificação de sua própria socialização, em geral, e de sua religiosidade, em sentido mais
específico.
Neste caso, a influência pode ser positiva naqueles grupos que permitem uma real
partilha da experiência religiosa dos adolescentes, enquanto que é negativa quando se trata
de grupos que não favorecem os valores e as experiências religiosas (Milanesi-Aletti,,
1977, p. 189).

c) Uma religiosidade adolescente à procura de “experiências fortes”

O adolescente vive a sua fé, de modo diferente do da pré-adolescência, de modo


particular, com expressões mais personalizadas e, maiormente, respondentes ao próprio
mundo subjetivo.
Entre essas expressões está, de maneira toda especial, a experiência de
“conversão”, seja pela mediação feita por pessoas ou situações significativas, seja pela
repercussão social que traz tal conversão.

O encontro com pessoas particularmente envolventes e significativas, do ponto de


vista religioso - sacerdotes, pastores, figuras carismáticas, ministros do culto que
aproximam os adolescentes, com intenção “vocacional”- é ocasião de reflexão, na vida do
adolescente e produz toda uma série de transformações, ao nível de comportamentos, que
se explicam somente com a atitude imitativa, assumida por ele, com relação a essas figuras
que o tocam de verdade.
As mudanças acontecem, sejam elas, na esfera nitidamente afetiva da experiência
religiosa, sejam naquela simplesmente cognitiva, com uma “revisão” do credo religioso.

257
DAHLIN, B. Conceptions of Religion among Swedish Teenagers: A Phenomenological Study, In:
“Religioius Education”, 1990, 83, p. 611-621.
258
POTVIN, R.H. – LEE, C.-F. Adolescent Religion: A Developmental Approach, In: “Sociological
Analysis”, 1982, 43, p. 131-144.
114

O controle das atitudes religiosas precedentes, pois, não somente conduz o rapaz
e/ou a moça a se confrontarem, emotivamente, com “outras pessoas significativas”,
diferentes das figuras normativas com as quais estão em contato, diariamente, mas os
estimulam, também, a uma compreensão diferente do seu mundo religioso.

Então, quanto mais evidente e incisiva é a educação religiosa recebida, tanto mais é
possível que se verifiquem situações de conversão, nas quais as informações recebidas,
através dessas novas experiências, se enriqueçam e sejam avaliadas, criticamente, com os
novos critérios que caracterizam o desenvolvimento da dimensão cognitiva.

Embora, o fenômeno da “conversão” tenha sido tratado como um comportamento


que envolve o sujeito, sobretudo na “esfera emocional”, não faltam abordagens que
enfatizem a sua importância social, principalmente, se o adolescente leva em conta as
diversas influências interpessoais que concorrem para a sua formulação, num momento em
que ele se preocupa com a dimensão social, seja nos grupos religiosos empenhados ou não
dos quais ele é pertença ou não.

Noutras palavras, o significado “social” da conversão se insere no contexto mais


amplo da dinâmica contraditória da adolescência que vê concorrerem diversas dimensões,
na maturação de uma religiosidade nova.

De uma parte, o rapaz (a moça) tende a construir uma escala própria de valores e
de interpretação, adquirindo, neste caso, a conversão uma conotação “afetiva”, como
participação criativa ao fenômeno e vivência religiosos – mediados por pessoas
significativas – e se insere no quadro mais amplo de uma religião típica da adolescência.

De outra parte, o adolescente tende a se conformar com as expectativas sociais,


crendo que o que lhe acontece, na conversão, corresponde à avaliação que os outros fazem
dela, mormente dentro do grupo, como reação de reforço de sua vivência religiosa,
manifestando uma religiosidade, embasada nos diversos condicionamentos sociais
(Gartrell-Shannon, 1985)259.

4 – O influxo social na religiosidade dos jovens

Como foi amplamente demonstrada, a influência social é muito forte, no


adolescente, principalmente, na sua convivência com o grupo de pares, adquirindo o
âmbito familiar uma importância cada vez menor, na medida em que o adolescente entra
na vida adulta.

De outro lado, ficou evidenciado que, mesmo na vivência de interesses sociais, o


adolescente tende a exprimir a sua religiosidade, de modo privado, mas positivo, tanto no
caso das “experiências fortes” (conversões), quanto no da adesão aos grupos de jovens de
Igreja.

259
GARTRELL, C. D. – SHANNON, Z. K. Contacts, Cognitions and Conversion: A Rational Choice
Approach, In: “Review of Religious Research”, 1985, 27, p. 32-48.
115

A passagem à idade juvenil pressupõe essa diferenciação, na vivência religiosa, e


prossegue, no processo de individuação de uma religiosidade, que seja mais definida e
condizente com a condição do sujeito.

A dimensão social de tal maturação diz respeito, de modo particular, à integração


das diversas contribuições, no seio de um processo de síntese mais consciente e
responsável da própria fé ou, então, no declínio definitivo da prática religiosa.

Os diversos acontecimentos que o jovem vive, por exemplo, podem ter uma
incidência significativa, ao ponto de haver uma alternância de momentos fortes e fracos de
fé.
Os momentos positivos têm feito crescer a fé, enquanto que os negativos fazem o
jovem declinar na fé (Albrecht-Cornwall, 1989)260.

Noutras palavras, tudo aquilo que faz parte da experiência de vida incide, de
maneira diferenciada, sobre a religiosidade juvenil, de acordo com o influxo percebido, no
seu próprio envolvimento pessoal.

a) A influência da mobilidade social

O jovem vive um momento, no qual a busca da “dimensão social” é muito forte


(Spilka-Armatas-Nussbaum, 1964, p. 35) 261, no viver a religiosidade juvenil, sendo muito
importantes o contexto social, a escola, ou paróquia, as diversas formas de grupo e os
sistemas culturais de referência.
Infelizmente, essa busca social do jovem nem sempre encontra uma resposta
favorável, nos diferentes níveis sociais e nas instituições.
A importância da própria “identidade religiosa” é confirmada também, em
situações nas quais o ambiente social não apresenta condições ótimas para o crescimento
religioso do jovem.

Está comprovado que o impacto exercido pela “mobilidade social” (ir para o
trabalho, para a escola, emigrar do campo para a cidade, etc.) no credo religioso do jovem
depende de sua “identidade religiosa” e da possibilidade de encontrar “pontos
significativos disponíveis” de referência, na nova residência (paróquia, lugar, escola) em
que se encontra (De Vaus, 1982).

Nesse caso, a identidade religiosa não está muito ligada a uma dimensão estática
de uma determinada maturidade da vivência religiosa, mas antes indica uma “prospectiva
dinâmica”, na qual se insere o movimento de crescimento da idade juvenil.
E é nesse contexto que se insere o comportamento “crítico” do jovem diante das
diversas agências de mediação religiosa.

260
ALBRECHT, S. L. – CORNWALL, M. Life Events and Religious Change, In: “Review of Religious
Research, 1989, 31, p. 23-38.
261
SPILKA, B. – ARMATAS, PH. - NUSSBAUM, J. The Concept of God: A Factor-Analytic Approach, In:
“Review of Religious Research”, 1964, 6, p. 28-36.
116

A instituição, de fato, “tende a capturar os questionamentos juvenis, concedendo só


“funcionalmente” algum espaço à vivência individual, exigindo, ao contrário, a adequação
ao modelo oficial da Igreja” (Milanesi, 1981b, p. 365).
O jovem, então, percebe a tendência à institucionalização da própria religiosidade e
a vê como impedimento à sua tentativa de “interiorização” e de “absolutização” dos
valores religiosos.

A reação comum, por parte do jovem, a tal fenômeno, acima aludido, é a vivência
de uma “espontaneidade” da própria religiosidade (“Sim” a Deus e “Não” à Igreja),
abandonando, progressivamente, toda a prática religiosa e sacramental. Ou então há uma
“ideologização” do sagrado, ao qual se dá um valor essencialmente cultural ou sócio-
político (Milanesi-Aletti, 1977, p. 215).

Como se pode perceber, há ainda uma ojeriza do jovem ao que é estático, já que
vive um grande dinamismo, em sua vida biopsíquica e emocional, não se adequando a
Igreja a essa realidade do jovem, causando os fenômenos já aludidos.

b) A influência da paróquia.

No Ocidente, a religiosidade está basicamente ligada à vida da paróquia, percebida


pelo jovem como ambiente privilegiado para a vida do grupo e a dinamização das
temáticas religiosas.
A influência social, vivida na paróquia, é certamente considerável, tanto ao nível
de “sistema de convicções”, quanto de envolvimento religioso (Cornwall, 1987, p. 54).

É, na paróquia, de fato, que o jovem encontra muitas ocasiões para aumentar o


próprio nível de religiosidade, através das diversas atividades nas quais se insere, ao nível
individual e comunitário, que amadurecem a própria capacidade relacional.

A referência explícita não é tanto às grandes figuras carismáticas, mas ao leader


religioso local, aos sacerdotes que animam os grupos, às humildes religiosas sempre
disponíveis, aos responsáveis pelos movimentos não violentos, a pessoas, em síntese,
acessíveis à sua experiência religiosa cotidiana (Milanesi, 1981b. p. 181).

c) A influência do associacionismo (grupos paroquiais e outros)

Poucos são os jovens, no entanto, que participam de grupos religiosos, com


vivência profunda e renovada persistência (Butturini, 1985-1986, p. 452), de modo menos
ativo e sensível entre os rapazes e mais ativo e sensível entre as moças.
117

De um modo ou de outro, o associacionismo é muito útil aos jovens para a


maturação de sua religiosidade, fazendo sair do individualismo e subjetivismos da fase
precedente, podendo se enriquecer muito na dimensão pessoal e comunitária (Colozzi-
Martelli, 1988)262.

Isso é menos notado, nos grupos convencionais da paróquia, como a Ação


Católica, os grandes movimentos religiosos e outros grupos nos quais os jovens exprimem
melhor a sua individualidade.

“A decadência dos “grupos constituídos” da paróquia se dá pelo emergir da


“necessidade juvenil de vida privada”, de participação nas festas profanas, de abertura
pessoal ao mundo, de comunidade diversificada e aberta onde todos podem encontrar o
seu lugar” (Le Saux, 1994, p. 80).

Essa tendência está, substancialmente, presente sob as formas de “agrupamento


religioso invisível” que faz com que os jovens se envolvam em “grupos de liturgia,
catequese, formação pessoal, com grande ênfase aos temas da comunicação interpessoal e
da amizade, além dos temas estritamente culturais e políticos” (Butturini, 1985-1986, p.
454).
Trata-se de formas de associacionismo espontâneas, no qual (associacionismo) o
jovem reflete o próprio desejo de segurança, definido como “grupo de identidade” (Mion,
1993, p. 9) e com o qual procura “se identificar”, de modo mais coerente, típica de sua
idade, tentando crescer mais em sua religiosidade individual (Ibidem, p. 24).

De outro lado, no entanto, a influência do grupo pode também “esterilizar” a


renovação religiosa do jovem, principalmente, se são verificadas algumas condições muito
freqüentes:

 quando o associacionismo se fossiliza, em conteúdos que “alienam” o


crescimento da religiosidade (Butturini, 1985-1986, p. 456);
 quando a formação é “insuficiente”, no que diz respeito às temáticas
religiosas (Milanesi, 1981b, p. 149-152);
 quando se fossiliza em “religiosidade festiva”, nas grandes ocasiões,
eivadas de “emocionalismo” (Mion, 1993, p. 9), sempre visando o jovem o
seu bem-estar espiritual, mas descontente por não encontrá-lo, nas formas
acima elencadas.

d) Influência de outras variáveis

O jovem expressa o seu sentimento religioso de outros modos:

1. Os jovens que vivem, numa classe social média burguesa, e moram, em


centros urbanos, são mais “críticos” em relação à Igreja e menos tendentes
a pertencerem a grupos da Igreja (Milanesi, 1981b, p. 211);
262
COLOZZI, I. - MARTELLI, S, L’arcipelago cattolico. Bologna: CIC-IPSSER, 1988.
118

2. Os jovens da classe mais baixa gostam de comportamentos de tipo


coletivos, menos individualísticos e mais próximos das práticas da
Instituição, tendo peso o território onde expressam a sua religiosidade
(Garelli, 1991)263;

3. Os que são menos escolarizados tendem a ter uma religiosidade mais


popular e pouco rica de conteúdos religiosos;

4. Os que têm uma maior escolarização participam mais e exigem mais


oportunidades por parte da Igreja;

5. Na escola média superior, os ensinamentos dados têm um peso muito


grande a depender dos professores, enquanto que, na escola média inferior,
em geral, os jovens não gostam de temáticas religiosas;

6. Os jovens de ensino superior têm um maior senso de pertença e têm um


comportamento menos genérico para com a Instituição religiosa (Mion,
1993, p. 10; Butturini, 1985-1986, p. 452; Milanesi, 1981b, p. 381);

7. Quando, no entanto, o programa de Ensino Religioso é especializado, os


jovens o aceitam mais;

8. No ambiente familiar, o jovem vive, numa condição ambivalente, a sua


experiência religiosa, debatendo-se entre os velhos esquemas ensinados e a
dimensão personalista de sua religiosidade (Mion, 1993, p. 16).

e) Ambivalência dos influxos ambientais

Em geral, os diversos ambientes que influenciam o credo religioso do jovem não


são sensíveis às exigências do “sagrado” que o mundo juvenil exprime.

De fato, a necessidade de “interiorização crítica” dos diversos valores religiosos, o


sentimento de “identidade religiosa” mais autêntico, a urgência de um papel mais
condizente com as próprias disponibilidades sociais dos jovens, tudo isso nem sempre
encontra uma adequada ressonância nas estruturas à disposição (Mion, 1993, p. 25-26).
Tais discrepâncias tendem a criar fenômenos “ambivalentes”, difusos na
religiosidade juvenil, como a fragmentação da vivência religiosa e a subjetivização das
experiências.

De fato, os jovens fazem muita referência à religiosidade institucional que para


eles sufoca e canaliza a sua participação, sem propiciar o desabrochar de um credo mais
pessoal.

263
GARELLI, F. Religione e Chiesa in Itália. Bologna: Il Mulino, 1991.
119

Portanto, o jovem se vê entre o grito de uma religiosidade mais sua e pessoal e a


posição da Igreja que não favorece muito essas diferenciações.

De fato, afirma Milanesi (1981b, p. 373):

O controle institucional sobre a vivência religiosa individual deixa à


subjetividade espaços limitados e pouco condutores aos modelos
coletivos, faltando também uma tradição que favoreça “as vivências”
religiosas altamente subjetivizantes.

Ao mesmo tempo, apesar dessa ambivalência aludida, surgem “novos fermentos


religiosos”, principalmente, entre os leigos jovens que participam desse engajamento, nos
diversos níveis sociais, com matizes mais culturais que emocionais.

Noutras palavras, o jovem religioso-leigo é aquele que mais facilmente (e com


menos resistência) negocia o social com a própria sensibilidade subjetiva, influenciando,
assim, os níveis culturais com os quais entra em contato (Fizzotti, 1995, p. 78).

f) Por uma religiosidade de compromisso

O ambiente vai influenciar positivamente na religiosidade do jovem, se esse


ambiente levar em conta a religiosidade típica do jovem e não impor a mesma
religiosidade de criança para o adolescente e jovem, pondo tudo no mesmo saco,
misturando e confundindo alhos com bugalhos.

A contradição entre vivência subjetiva e vivência social, entre religiosidade


subjetiva e religiosidade social se confirma se não se leva em conta a “dinâmica
conflitual” existente entre a demanda religiosa individual e as ofertas de religiosidade
institucional.

Em tal caso, agir num ambiente religioso não implica necessariamente que o jovem
adira e se identifique com aquela instituição.

De outro lado, a instituição “exige” uma pertença a ela, seja através da mediação
dos conteúdos religiosos ensinados, seja na adesão aos vários grupos nos quais o jovem
amadurece a sua identificação religiosa (Milanesi, 1981b, p. 202).

Diante disso, não há ainda, por parte do jovem, uma “religiosidade de


compromisso”, tornando-se patente a fragmentação da vivência religiosa que não é ainda
um “eclipse do sagrado”(Butturini, 1985-1986, p. 455; Mion, 1993, p.25).

A conseqüência de tudo isso é uma “redução significativa” da participação na


prática religiosa direta e uma afirmação das “práticas individuais” e das “convicções
pessoais” (Butturini, 1985-1986, p. 456).

A importância de tal tendência está em correlação com a idade.


120

Enquanto que, lá pelos 20 anos, aparece a evidente necessidade de orientação por


uma resposta religiosa, com o passar dos anos, o sentimento de pertença e de identidade se
torna mais enraizado, no jovem, enriquecendo-se de uma ulterior capacidade crítica em
vista das necessidades da nova religiosidade juvenil.

Para isso, as instituições devem se esmerar para focalizarem a “dinâmica das


respostas religiosas” à disposição dos jovens, permanecendo sempre a dúvida de uma
“eficaz conciliação” dos diversos elementos que constituem a demanda religiosa da qual o
jovem se faz portador (Fizzotti, 1995, p.79).

Numa religiosidade adulta e já muito mais madura, a pessoa religiosa tem as


seguintes características:
1. Formação permanente da fé para fortificar a religiosidade;
2. Um continuum de religiosidade sem muitos altos e baixos, no essencial;

3. Apesar da tensão processual, há uma consciência e responsabilidade com a


própria religiosidade que deve tornar a pessoa feliz;
4. Uma consciência maior de si, como ser fundamentalmente religioso;

5. Uma intencionalidade que se exprime na experiência do contato com o


“Outro-diferente-de-si” (Fizzotti, 1995, p. 131-138);
6. Manutenção de uma religiosidade libertadora e transformadora da pessoa e do
mundo;

7. Crítica construtiva permanente à pertença à Igreja para a renovação pessoal e


eclesial.

Essas são algumas idéias, ao nível psíquico e cognitivo, sobre a religiosidade, na


infância, pré-adolescência, adolescência, juventude e maturidade, na existência humana,
ao longo dos seus dias na face da terra.

N.B.: → Ler Texto: BENKÖ,A. Psicologia da religião, p. 91-100 (Atitude


religiosa e Atitude religiosa madura).
121

5. SÍNTESE GERAL das dimensões estudadas (religiosa, cognitiva, psicanalítica,


motivacional), nas fases do desenvolvimento intelectual global, segundo Jean Piaget

(Contribuição de Janice Marie Smrekar Albuquerque e Maristela Ferreira Veloso,


mestrandas de Ciências da Religião, 2005-2006).

PRIMEIRA FASE: SENSÓRIO-MOTOR (0-2 ANOS)


DIMENSÕES:

RELIGIOSA COGNITIVA PSICANALÍTICA MOTIVACIONAL


122

* Por causa da * A criança vive a * O Self (arquétipo *Predisposição


mediação dos própria religiosidade religioso) já existe religiosa → fase pré-
pais, a ligação de acordo com os na psique da religiosa.
com Deus processos de criança.
acontece de maturação. *Dimensão
acordo com o *A criança e a intencional,
amor vivido * Aproxima-se do coisa percebida de representação inicial.
pelos pais. Sagrado pela forma animista
* Nos primeiros inteligência e (experiência * Existe alguma
anos da Infância, formação do sensorial) não são manifestação
Deus = Papai e pensamento com sua diferenciadas. (expressão)
Mamãe → Ser natureza sensível ao “religiosa” devida às
que cuida Transcendente que é * Falta de distinção influências da
(influência da misterioso entre Eu e o família, escola, Igreja
mãe = aspectos (fascinante) por suas mundo. e ambiente.
maternos de qualidades * Religiosidade da
Deus) e extraordinárias. * O Eu é o centro criança em
influência do pai necessário e único. incubação: →
(aspectos * A criança segundo “Intencionalidade
praticantes, sua caminhada * Os pais significante por
criativos e intelectual respondem Deus” (ALETTI,
culturais). desenvolve sua positivamente aos apud LIBÓRIO,
* A ligação com percepção seus desejos → 2005, p. 81).
Deus se dá pela diferenciada. percepção de sua
sensibilidade onipotência sobre * Tendência a uma
imitativa. * Não existe os pais/ambiente. integração maior à
* A formação de compreensão realidade.
uma concepção cognitiva de Deus * Se os pais forem * Reconhecimento da
afetiva e ou religiosidade: bons, então, Deus é “alteridade” como
antropomórfica Deus vive no céu. bom. fonte motivacional de
de Deus se dá de sua existência.
acordo com o que * A realidade é * Há imitação de * Diferenciação e
a criança vive aquilo que vê e gestos e palavras identificação do
afetivamente com sente, primazia de religiosas. Não diferente: Deus é
os pais. dados perceptivos existe moralidade outro, é diferente.
* Do ponto de sobre o que a família nem percepção *Percepção de
vista afetivo- faz referente a entre certo e errado relação entre a
religioso, a coisas, atos e religiosidade para experiência humana e
criança passa de religiosos e Deus. com Deus. divina, estimulando a
uma assimilação curiosidade e a
passiva a uma procura por Deus.
concepção mais
rica de Deus
(modelação
egocentrada).
* Através dos
123

processos
intelectivos,
típicos da idade,
ela formula um
“modo seu” na
relação com
Deus: dimensão
animista do
pensamento.
124

SEGUNDA FASE: PRÉ-OPERATÓRIA (2-7 ANOS)

DIMENSÕES

RELIGIOSA COGNITIVA PSICANALÍTICA MOTIVACIONAL

* Sente-se livre para *Pré-operatório *Capacidade de * Religiosidade ainda


se ligar a Deus; (6-7 anos): associação entre os não interiorizada e de
percebe mais a sua * Surge a função acontecimentos, imitação das pessoas
dimensão afetiva simbólica do embora de sua intimidade.
com Deus. pensamento → assistemática e
Capacidade fragmentária. * Socialização: como
* Deus é um intuitiva nas ações * Representação fator essencial → no
protetor e não mais realizadas e nas simbólica de Deus a desenvolvimento da
um juiz. impressões sobre o partir das religiosidade latente.
que a circunda. representações que
* A relação com * Apesar de não tem a criança dos * Papel dos pais é
Deus sofre elaborar conceitos pais/ adultos fundamental para o
influência da auto- ou fazer deduções, a significativos (Pais crescimento da fé da
afirmação da criança é capaz de bons: Deus é bom). criança: educação,
personali- dade. notar * Desenvolvimento oração,
contraditoriedade de linguagem para comportamento.
*A partir dos 10 nos acontecimentos imitar o linguajar e
anos crê que Deus experienciados. a gestualidade *Elaboração
intervém religiosa. progressiva e gradual
indiretamente, *Características * Deus é visto como da concepção pessoal
através das pessoas que influenciam a causa primeira, mas de Deus.
e situações. representação. não há compreensão
*1)Reprodução das conseqüências *Influência da
* Diminui seu imediata da desta relação causal. Instituição religiosa:
comportamento realidade pelas suas *Define a realidade Igreja, escola,
religioso esperado representações com o que é catequese = efeitos
pelos adultos. Aos mentais (tendência concreto. positivos (pertença,
poucos, cria egocêntrica). *Pensamento fé) e negativos
relações de 2 Os vínculos mágico, (excessiva
intimidade com adequados entre si e egocêntrico: Deus moralização → ou
Deus. o mundo ou entre as pode atender fossilização;
coisas e o mundo qualquer prece. artificialismo versus
*Início das crises não são *A criança é espontaneísmo).
com os pais e do estabelecidos (Pré- onipotente → O que
seu “modo próprio” causalidade). pedir, Deus dá.
nas relações com * Há o animismo: as * Deus é poderoso,
Deus. coisas são vivas ao controla, pune, lê
redor de si. pensamento → É
125

*Torna-se dinâmica, *Há o usado como ameaça


consciente e com artificialismo: As emocional/psíquica.
senso de pertença coisas são * Deus criou o
religiosa com construídas por mundo como o
amigos e alguém que está mágico e é
Instituições. escondido por trás poderoso como o
de tudo. pai é poderoso.
* O credo religioso *Há o magismo:as *Concepção
se abre para um coisa fabricadas têm antropomórfica de
relacionamento uma relação causal Deus
maior e mais mágica. → sem objetivação,
significativo com * A dimensão de dimensão moral,
Deus. transcendência é certo/errado,
construída pelos justo/injusto.
traços anteriores.
126

TERCEIRA FASE: OPERATÓRIO-CONCRETA (7-11 ANOS)

DIMENSÕES

RELIGIOSA COGNITIVA PSICANALÍTICA MOTIVAVIONAL

*Período: Pensamento * Consciência de Deus * Maturação psico-


discernimento da operatório (dos 7- como alguém diferente fisiológica
religião. 8 anos): de si e de seus pais. influencia o
* Procura de relação desenvolvimento
*Mediação * Surge a com Deus. religioso.
significativa dos capacidade de *Concepção atomista:
amigos e desapare- associação entre os realidade →Adaptar o *Conflito religioso:
cimento das velhas diversos real ao conhecimento experiência
formas de acontecimentos e a de Deus e da religião. familiar anterior x
religiosidade capacidade de *Acredita em Deus que conteúdos novos
institucional. conclusão tudo pode: milagres. aprendidos e novas
coerente. Depende dele experiências.
* Diferenciação na emocionalmente.
percepção da Pensamento mais *Noções mais críticas *“Dessatelização”x
vivência afetiva da concreto (dos 7-9 sobre: vida, morte, socialização x
própria fé. anos): idéias de Deus. autonomia
*Tem dúvidas sobre religiosa.
* Um * Associa as concepções simplistas
relacionamento imagens visíveis, de Deus tidas em sua * Pertença a grupos
amigável e confiante dando-lhes infância. →Resultados
em Deus. características *Sente-se amparada e positivos e
psicológicas: segura, pois Deus é negativos para o
*Mudanças confiança, amor, criador, protetor sob um crescimento
psicológicas e dedicação ângulo mais científico. religioso.
influências altruísta, ternura, *Discernimento, razão
ambientais tornam etc. e responsabilidade *Comportamento
mais intensa e moral →Consciência ambivalente: entre
afetiva a vivência Pensamento das ações erradas. o antropomorfismo
religiosa. incipiente * Deus se torna real infantil e complexo
hipotético- intimamente: pensamento
dedutivo (dos 9- experiência de Deus ao abstrato.
13 anos): nível da fé.
* Há maturação *Concepção
* Representa para biopsíquica → pessoal da religião,
si situações maturação religiosa→ família, escola e
possíveis. autonomia como Igreja.
pessoa.
* Colhe o *Contraditoriedade:
127

significado de Deus poder x Deus


noções mais pessoa →Rejeição do
abstratas como: Deus “dado” pelos
infinito, eterno e outros e procura do
espiritual. “meu” Deus => pré-
adolescência.
128

QUARTA FASE: OPERATÓRIO-FORMAL (11- 13 anos e mais)

DIMENSÕES

RELIGIOSA COGNITIVA PSICANALÍTICA MOTIVACIONAL


*(Adolescente: *(Adolescente: 13- * (Adolescente: 11- *(Adolescente: 11-
11-17) 18) 17) 17)

*Conflitualidade *Caracterizado por *Subjetivização da * Crítico com sua


entre o pensamento um forte senso de fé, autonomia dos religiosidade:
religioso e os novos privatização do valores, procura sentido para
conhecimentos fenômeno religioso. relativização da a vida.
científicos crença = maturação
adquiridos. *Idade das crises psíquica. *Subjetivização do
dos valores relacionamento com
* Percepção da falta religiosos. *Comportamento Deus, vivência da
de coerência entre “autocêntrico- própria
as teses religiosas * Dimensão subjetivista”, religiosidade.
transmitidas pela religiosa com um conflito com os
catequese e escola sentido mais pais, família sobre o * Prevalece o
com os novos pessoal. que é certo ou aspecto moral:
conhecimentos errado e confia em Deus para
científicos do *Há certo justo/injusto. ajudar a organizar o
mundo e de sua protagonismo na seu ideal de vida.
própria expressão da * Dúvida religiosa,
religiosidade. própria fé. racionalização e a * Aspecto moral
crise da permeado de
* Desenvolvimento * Respostas adolescência leva à contradições:
de certa diferenciadas que crise da religião. comportamento
relativização do respondem aos seus ético-institucional
pensamento novos esquemas * Religiosidade versus novos
religioso, cognitivos. pessoal a partir dos valores.
conseqüência da problemas e
maturação cognitiva * Diminuem experiências *Motivação
e dos novos algumas convicções emocionais. religiosa:
conhecimentos religiosas, fundamento do
adquiridos. adquiridas antes por * Revisão da credo e do
assimilação pessoal, religiosidade comportamento
* A religião não é a causando infantil para a moral.
única resposta, mas inquietude. religião ser fator de
uma das respostas integração da *Religiosidade
aos problemas do * Conflitualidade personalidade, aumenta os valores
mundo. entre o pensamento responde a impulsos morais ao responder
religioso e os novos interiores = às expectativas
* Tomada de conhecimentos influência no psicológicas, mas
129

consciência da científicos relacionamento ser praticante não


disfuncionalidade adquiridos. consigo e com os implica ser mais
da religiosidade outros. moral.
infantil precedente. * Percepção da falta
de coerência entre a * (Jovem: 18-25 * Religião contribui
* Revisão das teses religiosas anos) para a construção
próprias concepções transmitidas pela do próprio projeto
de acordo com os catequese e pela * “Identificação de vida.
próprios esquemas escola com os religiosa”, mas não
mentais e as novas novos necessariamente * Conversão tem
convicções conhecimento “concepção significado
adquiridas. científicos do confessional” ao motivacional de
mundo e de sua estabilizar a própria procura de sentido
* Reavaliação da própria personalidade. para a vida → vida
própria adesão ao religiosidade. plena e sadia, saúde
credo religioso em * Crê em Deus, mas psicológica.
vista de uma * Desenvolvimento pratica do seu jeito
impostação de certa → ambivalência * Religião contribui
diferente. relativização do psico-moral. para a adaptação
pensamento psicológica às novas
* Possibilidade de religioso, * Concepção de situações, reduz
evoluir para uma conseqüência da Deus mais sentido de solidão.
religiosidade mais maturação cognitiva personalista, * Vivência da fé é
madura, e dos novos criticando a religião importante para v
desenraizando-se conhecimentos oficial e os ritos. ida.
dos resíduos adquiridos.
infantis. * Crise de
* A religião é uma plausibilidade do
das respostas aos discurso religioso
problemas do → relativismo
mundo. moral.
130

RELIGIOSA COGNITIVA PSICANALÍTICA MOTIVACIONAL

* Aos 14 anos, * Tomada de consciência * Maior coerência * Religiosidade como


começa a da disfuncionalidade da e conformidade escolha pessoal e livre.
desaparecer a religiosidade infantil com seus valores
concepção precedente. escolhidos, não se * Aspectos
material de Deus sentindo culpado motivacionais
para dar lugar ao * Revisão das próprias ou pecador. influenciam mudanças
conceito concepções de acordo com na vida e no
personalizado e os próprios esquemas * Crítica comportamento →
experiencial de mentais e as novas negativista da fé satisfação ao perseguir
Deus → Deus: o convicções adquiridas. “religiosa” (da valores, estima positiva
Pai Ideal. Igreja) como de si, convicções
* Reavaliação da própria irracional, acrítica, religiosas para direcionar
* Religião adesão ao credo religioso alienada, objetivos ao longo da
serve como fator em vista de uma declarando sua vida.
de integração da impostação diferente. autoreligiosidade.
personalidade *(Jovem de 18-25 anos)
em função dos * Possibilidade de evoluir * Integração de
processos de para uma religiosidade sua própria * Religiosidade juvenil
maturação. mais madura, personalidade e → percepção do valor
desenraizando-se dos religiosidade → global da religião.
* (Jovem: 18- resíduos infantis. maior coerência.
25 anos) * Maturação religiosa
* Aos 14 anos, começa a como respostas às
* O desaparecer a concepção necessidades, às
relacionamento material de Deus para um exigências, aos valores
pessoal com conceito personalizado. da vida.
Deus varia de
acordo com os *A religião serve como * Opções: Integração na
momentos fortes fator de integração da estrutura dos valores
da adolescência personalidade em função maduros ou exclusão de
e independe de do processo de maturação. valores religiosos da
sua prática vida.
religiosa. *(Dos 15-18 anos)
* Interiorização dos
* A * O relacionamento valores éticos, depois
religiosidade vai pessoal com Deus varia de revisão crítica da
responder aos acordo com os momentos religião, assumidos
impulsos fortes da adolescência e como prioridades na
interiores ou independe de sua prática vida.
centrar-se na religiosa.
percepção de * Religiosidade centrada
Deus e responde *A religiosidade vai no homem →
131

às expectativas responder aos impulsos interpretação


individuais do interiores ou centrar-se na personalista, vivência
jovem. percepção de Deus e intrínseca da fé e dos
responde às expectativas valores morais.
* Repercussão individuais do adolescente.
do fenômeno  * Identidade como
religioso da * Repercussão do centralidade da
“personalização” fenômeno religioso da dimensão interior.
no próprio “personalização” no * Subjetivização da
comportamento próprio comportamento: busca religiosa:
→ relação relação consigo mesmo e distancia-se das formas
consigo mesmo com os outros. de entender precedentes
e com os outros. (infância e adolescência)
* Privilegia os valores e e constrói uma visão do
* Privilegia os assume modelos sagrado de acordo com a
valores e assume partilhados. vida interior.
modelos
partilhados. *Ativa dentro de si o senso * Experiência religiosa:
de respeito e de obediência dimensão funcional e
* Ativa dentro daquilo que vem de Deus e psicologizante
de si o senso de garante “segurança
respeito e de pessoal”, principalmente se * Hiato percebido entre
obediência inserido num grupo de sua nova consciência e
daquilo que vem amigos, amadurecendo o religiosidade e as
de Deus e afastamento do núcleo posições oficiais
garante familiar. institucionais →
“segurança Ambivalências o
pessoal”, *Tende a conservar uma comportamento
principalmente concepção alternativa de
se inseri do num Deus como alguém * Jovens engajados em
grupo de punitivo e controlador se grupos têm melhor
amigos, fortemente ainda prospectiva de fé, jovens
amadurecendo o dependente dos pais não participantes têm
afastamento do exigentes e controladores. maior ruptura entre
núcleo familiar. desenvolvimento
* Dá aos textos sagrados subjetivo e religiosidade
* No homem um significado muito mais tradicional.
(juvenil), Deus e espiritualizado: Fonte da
concebido como religião; Livro da Projeto de vida pessoal:
pessoa que age e Revelação. Comunicação responsabilidade,
se mescla no das experiências espirituais coerência, consciência
próprio mundo dos homens com Deus. sócio-
jovem. Coloca em dúvida a humanitária,fraternidade,
veracidade das estórias e solidariedade para uma
* Também se do significado do que está vida melhor.
mostram mais descrito na Bíblia.
sensíveis às * Jovens agregados com
132

conseqüências sistema de significado


da morte. * (Jovem (18-25 aos) mais orgânico, jovens
não participantes com
* Na mulher Revelação de uma maior sistema heterogêneo e
(juvenil), há estabilização da própria privatização de valores.
uma personalidade e dos
sensibilidade ao relacionamentos com o * Prioridade à própria
relacionamento ambiente que o circunda. pessoa (sujeito
pessoal e psicológico) do que à
intimista com * Diferenciação do religião (ideologia)
Deus. comportamento com o
sagrado: ou muito * Processo de síntese
* Deus é envolvido ou se abstendo mais consciente, mas
percebido nela da prática religiosa. com situações fortes e
como alguém fracas de fé.
que oferece * Influenciados pela
proteção e transmissão de valores *Impacto da mobilidade
consolação. tradicionais por casa do social (participação
grupo de referência e das plena no contexto):
* As jovens têm interferências culturais que criticidade diante das
mais medo da alimentam um senso de Instituições de mediação
morte porque religiosidade comum. religiosa.
causa a perda da
própria * A identificação religiosa * Espontaneidade da
identidade. não corresponde a uma religiosidade
concepção confessional. (interiorização) como
* A fé, tanto de resposta à
um como de * O termo fé representa um institucionalização da
outro, está modo mais amplo de religiosidade (Sim a
ligada à entender a própria Deus, não à Igreja) ou
religiosidade religiosidade. ideologização do
infantil e não há sagrado com valor
ainda uma fé * Favoráveis a um credo cultural ou sócio-
precisa. teísta que a um político.
confessional.
* A vivência do * Grupos religiosos
credo que * Concepção de um Deus podem enriquecer ou
professam Amor distante das alienar os jovens.
concentra-se nas concepções teológicas →
vivências Deus mistério, eterno, juiz, * Vive a dinâmica
imediatas e luz. conflitual entre a
intensas. demanda religiosa
* Aqueles que praticam o individual e as
seu credo confessional e exigências de
participam das diferentes religiosidade
funções religiosas têm uma institucional.
sensibilidade de que Deus
133

é protetor e dá segurança.

* Os agregados a grupos
religiosos significativos
assimilam a concepção
teologicamente correta.
Eles se referem a um Deus
positivo, cheio de amor,
sem sair da ótica
confessional e institucional
e em níveis diferentes.

*Aqueles que ao estão


empenhados numa
religiosidade externa e vão
menos à igreja, tendem a
um credo teísta e
filosófico, não
confessional, fiel ao grupo
de pertença, colocando à
margem a conduta
religiosa.

* Crêem em Deus, mas não


praticam aquilo que crêem
ou o praticam de modo
diferente do institucional.
134

III – FUNÇÕES PSICOSSOCIAIS DA RELIGIÃO (Seminários)

III. 1- Religião como oferta de saúde, bem-estar e salvação.

Livros: - FIZZOTTI, E. Verso una psicologia della religione, Cap. IX-X.


p.139-162.
- LIBÂNIO, J.B. A lógica das cidades e outros livros a serem
indicados.

III. 2 - Os novos movimentos religiosos: apelo e provocação ao cristianismo

- FIZZOTTI, E. Verso una ..... Cap. XI


- Outros autores a serem indicados.

III. 3 -Formação permanente de uma maturidade religiosa libertadora e


transformadora.

- FIZZOTTI, E. Verso una.... Cap. VIII.


- Outros autores a serem indicados.

Conclusão Geral : Síntese de cada Unidade e novos desafios educacionais hoje.

N.B.: Esta Apostila está quase totalmente baseada no Livro de FIZZOTTI,


Eugenio. Verso una psicologia della Religione, vol. 2, citado na Bibliografia.

Recife, julho de 2012.

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Prof. Luiz Alencar Libório

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