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A TERRA DE MARIA

Foi uma viagem um tanto atípica porque a companhia aérea norte-americana pela qual optamos
não oferece bebidas alcoólicas na classe econômica. Por conta disto fiquei sem um bom nocaute
vinícola para um trecho de dez horas em poltrona apertadíssima para minha estatura. Para
completar, nossa filha estendeu-se quase que por inteiro nos nossos três assentos e várias
vezes, durante a noite, fiquei no fundo da aeronave para que pelo menos o sono dela fosse bom
e o de minha esposa não fosse tão ruim. Coisas do capitalismo: quem pode e não tem muito
apreço pelo dinheiro que conquista, vai de primeira classe, com espaços e atendimento
diferenciados. Assim funciona o mundo: quem pode, pode. Quem não pode, se sacode.

Mal começara a viagem, a moça que ocupava o lugar à frente de nossa pequenina queixou-se
de que ela puxara seu cabelo. Pura fantasia: as mãos da acusada sequer se haviam aproximado
da cabeça da reclamante. Como qualquer outra criança de sua idade, nossa filha mostrou-se
desgostosa com cinto de segurança que a cingia na decolagem. Deu uma choramingada, que
acabou com os nervos da madame. Esta virou-se como quem pretendesse latir e disse algum
desaforo, que nem quis entender. Dissemos a ela qualquer coisa que não vale a pena lembrar,
mas ficamos aquém de responder à altura: mal educada era ela. Melhor esquecer e deixar que
as horas passem. Se já não perco tempo com coisas menos irrelevantes, o que dizer dos
arroubos de mais uma neurótica neste mundo? Deixa pra lá.

Pegamos o carro que havíamos reservado e o GPS nos trouxe a uma pequena cidade do estado
de Maryland, onde cumpriria um compromisso profissional. A meio caminho, um camarada bateu
na traseira de nosso carro. Coisa desagradável, destas das quais a vida não pode prescindir
para que não deixe de ser o que é. Afinal, a vida não anda em trilhos. É navegação em mar
aberto, cujo humor nunca se sabe. O acompanhante do veículo saltou dizendo que eu os
fechara. Refutei com um argumento simples: vocês colidiram na traseira e aqui, ou em São
Petersburgo, sua história não faz muito sentido. Vou chamar a polícia! Por favor, respondi.
Perdemos alguns minutos até que os policiais liderados por um Xerife de um condado
chegassem. Pouca conversa, um registro com os nomes dos envolvidos e um até logo. Os
danos foram tão modestos, a despeito do barulho, que chego a suspeitar que os infratores
agiram, na verdade, apenas para tentar evadir-se de responsabilidade diante da seguradora. É
assim: tudo começa e termina em dinheiro. Bem, vamos em frente, porque um hotel nos espera.

Na noite daquele domingo assistimos um programa televisivo celebrando o Memorial Day,


feriado nacional criado com outro nome após a Guerra da Secessão e depois expandido para
lembrar aqueles que morreram a serviço das forças armadas daquele país. Foram milhões, cujas
cruzes decoram cemitérios no mundo inteiro, como marcos de lutas tanto pela liberdade quanto
por reservas naturais e mercados. O programa, recheado de celebridades como Joe Mantegna,
Gloria Stefan e Colin Powell, transmitiu a ideia de que não importa o que você perdeu, sejam
pernas, braços, mobilidade ou a vida. Importa o que você fez. Vários veteranos participaram,
com direito a vídeos mostrando suas tragédias e superações. Tudo sem lágrimas, porque heróis
não podem chorar. Pelo que vi, penso que o Vietnã se foi e os movimentos pacifistas também.

Procurei a origem do nome Maryland, a Terra de Maria. Seria uma homenagem à Maria virginal?
Não. O nome homenageia Henrietta Maria, a esposa do rei inglês Charles I. Tanto melhor. Assim
como os crucifixos saíram de alguns lugares públicos brasileiros, que não os honravam pela
prática, também o nome de um estado tão próximo a Washington não seria a melhor escolha
para homenagear aquela Maria, a Maria de Nazaré, Serva do Senhor e Rainha da Paz.

A celebração do Memorial Day foi um show no melhor estilo cinematográfico, com a presença
dos líderes das forças armadas daquele país, reverenciando os tantos que deram sua vida e
seus melhores dias por uma crença patriótica e justificando, por antecipação, que a história se
repita. Em tempos de estado islâmico, tudo sugere que o mundo jamais terá a sonhada paz e é
portanto, necessário que os versos “morrer pela pátria e viver sem razão” de Vandré sejam o
mantra velado desta sociedade. Porque guerra e capitalismo são parceiros antigos. E ambos
repelem a força que regenera o mundo, a caridade.

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