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abertura

Meditações anti-cartesianas:
sobre a origem do anti-discurso
filosófico da modernidade
Parte II*
Enrique Dussel**

* Continuação do artigo publicado em Filosofazer, n. 46. Este artigo começou sendo


uma conferência apresentada no II Congresso da Asociación Filosófica del Caribe
(Puerto Rico), em 2005, atendendo a um convite do presidente Lewis Gordon. Poste-
riormente o tema foi esposto com os novos conteúdos numa conferência feita na X
Feira do Livro em Santo Domingo, no dia 25 de abril de 2007, onde também co-
mençamos a preparar a celebração do Quinto Centenário do primeiro grito crítico-
mesiânico em SantoDomingo (em 1511, à maneira de um Tempo-agora de Walter
Benjamín) contra a injustiça da Modernidade nascente, do colonialismo que era
inaugurado não somente no Continente Americano senão que em toda a periferia
do Sistema-mundo. Em razão da extensão do texto, a coordenação editorial tomou
a liberdade de dividir o artigo em duas partes, sendo que a primeira parte foi pu-
blicada no número 46 desta revista. Tradução Paulo César Carbonari (IFIBE). Esta
segunda parte do artigo também consta, exceto as conclusões, do livro Política da Li-
bertação: historia mundial e crítica (Vol. 1) [p. 228-241], traduzido sob a coordenação
de Paulo César Carbonari e publicado pela Editora IFIBE em 2015
** Filósofo argentino radicado no México, professor emérito da UNAM-Iztapalapa, uma
das principais referências da Filosofia da Libertação. Autor de vários livros, particular-
mente Ética da Libertação na idade da globalização e da exclusão (Vozes, 2000) e, pela
Editora IFIBE, Política da Libertação: historia mundial e crítica (Vol. 1), 2015.

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 47, jul./dez. 2015 9


§5A
 crítica à modernidade desde a “exterioridade radical”:
o anti-discurso crítico de Felipe Guamán Poma de Ayala

O máximo de consciência possível universalmente é a consciência


crítica do próprio indígena que sofre a dominação colonial moderna,
cujo corpo recebe frontalmente o traumatismo de ego conquiro moderno.
Nada melhor que o relato comovedor, que o anti-discurso propria-
mente dito contra a Modernidade, feito por Guamán Poma de Ayala. É
a própria vítima que profere a crítica. Tentemos rastrear os argumentos
que Guamán Poma erigiu contra a primeira Modernidade nascente.
Houve três momentos em que as comunidades indígenas sofreram de
maneira crescente o processo da dominação colonial moderna. No pri-
meiro, os indígenas sofreram os horrores da conquista e as comunidades
indígenas que conseguiram sobreviver foram enquadradas no sistema da
encomenda e da mita nas minas, instituições que foram objeto da crítica
frontal de Bartolomé de Las Casas. No segundo, a partir da denominada
“Junta Magna” que Felipe II convoca para unificar a política colonial, que
é encabeçada pelo vice-rei do Peru, Francisco de Toledo, as utopias mes-
siânicas franciscanas e dos lutadores em favor das comunidades indíge-
nas recebem o choque frontal de um novo projeto colonizador. Decide-se,
então, uma nova estratégia diretamente antilascasiana. O contra-argu-
mento dentro da racionalidade moderna se orquestrou durante o governo
do nomeado vice-rei, eurocêntrico decidido, que encomendou (segundo
parece) a seu primo, Garcia de Toledo, escrever o Parecer de Yucay,1 no
qual se pretende demonstrar que os Incas eram ilegítimos e tirânicos,
pelo que os europeus estavam justificados para levar a cabo a conquista e
a “repartição” de índios para emancipá-los de tal opressão. A posição de
Ginès de Sepúlveda tinha sido modificada, porém, nos fatos, se imporá
como a argumentação hegemônica. Da reciprocidade econômico-comu-
nitária se passou ao despotismo: houve uma hecatombe demográfica (em
certas regiões, somente subsiste a terceira parte da população), os indíge-
nas abandonam as comunidades e vagam pelo vice-reinado (são os yanas,
donde procede o nome de yanaconas), entre outros motivos para não pagar
o tributo que agora se exige que seja em moedas de prata.2
1 De 15 de março de 1571: Colección de documentos inéditos para la historia de Es-
paña XIII (1842, p. 425-469).
2 Ver “La destructuraction” (Wachtel, 1971, p. 134ss). O autor mostra (no esquema da
página 184) que, nos tempos do Inca, o ayullu (comumidade básica) pagava tributos

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No terceiro momento, sob o regime da fazenda, a nova organização
da exploração mineira, o pagamento de tributos em prata e as Reduções
(de muito diversos tipos), as comunidades indígenas ficam subsumidas
de maneira definitiva na sociedade colonial. Queremos situar-nos neste
terceiro momento.
Estender-nos-emos num relato dramático, num protesto crítico,
numa última tentativa de mudar as coisas: a impressionante obra de
Felipe Guamán Poma de Ayala, El Primer Nueva Corónica e Buen Go-
bierno (a partir de experiências recolhidas provavelmente entre 1583 e
1612, mas redigidas de maneira definitiva em 16163) é o testemunho da
interpelação do Outro. Perspectiva única em seu gênero, já que permite
descobrir a hermenêutica autêntica de um índio de uma família inca. É
escrita e ilustrada com uma esplêndida capacidade semiótica e com uma
inimitável maestria.
Guamán Poma, mais ainda que no caso do inca Garcilaso de La
Vega, por ser um indígena que domina a língua quíchua e as tradições
do seu povo dominado, mostra aspectos desconhecidos da vida coti-
diana da comunidade indígena anterior à conquista e sob a dominação
colonial.4 Efetivamente, Guamán Poma produz uma síntese interpreta-
tiva, uma narração crítica que contém uma ética e uma “localização” de
sua visão desde uma posição central sumamente criativa no tempo e no
espaço. Em primeiro lugar expressa:5

em trabalhos e produtos aos curacas (caciques) e ao Inca; o curaca pagava tributos


ao Inca e dava serviços ao ayullu: o Inca dava serviços ao curaca e ao ayullu. A riqueza
ficava num circuito fechado no Império inca. Com a conquista, o ayullu paga tributos
em prata (que é preciso vender por salário para consegui-la) ao curaca e ao espanhol;
o curaca paga tributos ao espanhol e presta serviços ao ayullu, mas o espanhol não
dá nenhum serviço ao ayullu, nem ao curaca. Além disso, a riqueza do espanhol sai
do circuito peruano e parte para a Europa. Extração colonial de riqueza que tem
quinhentos anos e no qual consiste o sistema colonial hoje globalizado – mudando
mecanismos, porém, no seu sentido profundo de transferência “valor-trabalho”.
3 Ver R. Adorno, “La redacción y enmendación del autógrafo [...]” (Guamán Poma,
1980, 1, p. xxxii ss).
4 Ver Gutiérrez (1992, p. 616ss); Subirats (1994, p. 141ss); Wachtel (1971, p. 245ss), etc.
5 No original, a ortografia originária do castelhano de Guamán foi mantida (para
fazer “degustar” este híbrido linguístico particular), embora, em alguns casos, te-
nha sido atualizada para tornar mais fácil a leitura. [NT.: Foi traduzida, o quanto
possível, para suma compreensão em português].

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Considera dos índios do tempo dos Incas idolatrarem como gentios
e adorarem o sol seu pai do Inca e a lua sua mãe e as estrelas como
seus irmãos [...]. Com tudo isso, guardaram os mandamentos e
as boas obras de misericórdia de Deus neste reino, o qual não o
guardam agora os cristãos (Guamán Poma, 1980, III, p. 854).6

Adota, de saída, a perspectiva cristã, quiçá como parte estratégica


para a aceitação política de suas propostas. A partir dela, critica a práxis
de dominação dos próprios cristãos espanhóis. É uma argumentação
fechada que mostra a contradição performativa da Modernidade em
sua totalidade. Observe-se como Guamán distingue entre a crença, que
poderíamos chamar teórica (ou cosmovisão), e a prática ou ética cristã
propriamente dita. No tempo dos Incas, estes “idolatraram”, em sua cos-
movisão (desde a dogmática cristã), mas “guardaram” os mandamentos,
em seu comportamento ético, “o que não guardam agora os cristãos”
europeus. Quer dizer, os indígenas foram, praticamente, inclusive antes
da conquista, melhores “cristãos”, por suas práticas, do que os cristãos
espanhóis de “agora”. Toda a Corónica é uma alegação contra os espa-
nhóis conquistadores em nome do próprio cristianismo que eles pre-
gam.7 Como os crioulos, o índio Felipe Guamán, já cristão, opina que o
cristianismo não foi trazido pelos espanhóis,8 opinião que deriva de uma
compreensão híbrida do tempo e do espaço própria de sua narrativa sin-
crética. Unifica num “grande relato” (não é meramente fragmentário) a
visão inca e cristã, a partir da existência oprimida dos índios, “os pobres
de Jesus Cristo”. Manifesta, por isso mesmo, que tem uma visão própria
(índia, americana, desde os pobres e oprimidos) do próprio cristianismo:

6 El Primer Nova Corónica, 912 [926].


7 Claro que há exceções: “Considera como os sábios [...] santos doutores iluminados
pelo Espírito Santo [...], como frei Luis de Granada [...], como o reverendo frei Do-
mingo [de Santo Tomás...] muitos santos doutores e licenciados, mestres, bacharéis
[...]. Outros [em troca] que não têm escrito o começo das letras a, b, c, querem se
chamar licenciados, asno, de farsante e se assina como dom Beviendo e dona Ca-
labaza [Abóbora]”, escreve com sumo humor, ironia e sarcasmo (Guamán Poma,
1980, III, p. 855).
8 No processo de emancipação, em fins do século XVIII e começo do século XIX
(como no caso de frei Servando de Mier, no México), o não debitar aos espanhóis
“nem o cristianismo” era causa de poder negar outros benefícios que poderiam ter
trazido à América junto à conquista e a organização colonial.

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Digo verdadeiramente que Deus se fez homem e Deus verdadeiro
e pobre, que, sem a majestade e luz que trouxe não haveria quem
se alegrasse, pois que o sol que criou não se pode ver9 [...]. E assim
ordenou trazer a pobreza para que os pobres e pecadores se ale-
grassem e o falassem. E assim o deixou mandado aos apóstolos e
santos, colocando-me como pobre entre tantos animais que co-
mem pobres, me comiam também a mim como a eles (Guamán
Poma, 1980, 902-903 [916-917], II, p. 845-846).

Todo o relato interpelativo está construído, normativamente, desde


o horizonte da dialética que se estabelece entre a) a “pobreza, humildade
e feliz equilíbrio da satisfação das necessidades primárias” do passado
inca, contra b) a “riqueza, soberba e desejo infinito e insatisfeito” de ouro
e prata, o ídolo dos europeus. É uma crítica rotunda da Modernidade,
desde o mudo anterior da Modernidade, desde uma utopia ecológica de
justiça ético-comunitária, onde havia “bom governo” e não violência, rou-
bo, sujeira, fealdade, violação sexual, desmedida brutalidade, sofrimento,
covardia, mentira, “soberba”... morte.
A obra se divide sistematicamente em três partes. Na primeira,
mostra – com muitas novidades informativas e na língua quíchua – a or-
dem político-cultural anterior à conquista. É a utopia ex quo. Na segunda
parte são descritas as atrocidades do domínio moderno sobre a grande
cultura inca, o que é comparável em seu esplendor às do Império roma-
no, chinês ou outros tidos por exemplares pelos europeus. Na terceira
parte, que sempre começa com o “conzedérese” (considere-se), se esta-
belece um cara a cara com o rei Felipe III da Espanha para explicar-lhe
possíveis soluções diante do desastre da desordem indígena.
Na primeira parte Guamán Poma manifesta uma sui generis in-
tegração das tradições cronológicas cristã e incaica, mas, sob a lógica
dominante das cinco “idades clássicas”, tanto no mundo asteca e maia
como no inca. Parte, portanto, do Antigo e Novo Testamento judeu-
-cristão e de sua história europeia, mas vai articulando de maneira ines-
perada à história dos incas. O “Primeiro mundo” (como o primeiro Sol
dos astecas e maias) é o de Adão e Eva (Guamán Poma, 1980, 22 [22], I,
p. 16); o “Segundo mundo” é o de Noé; o “Terceiro mundo”, o de Abraão;
a “Quarta Idade do mundo”, desde o “rei Davi” (1980, s.m. [28], p. 23);
a “Quinta Idade do mundo”, que é para a cosmovisão indígena a ordem

9 Entre os incas, ninguém devia olhar o sol (Inti), nem sequer o inca.

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atual, se inicia “desde o nascimento de Jesus Cristo” (1980, 30 [30], p. 25).
Depois, segue a história dos “papas” Pedro, Dâmaso, João e Leão.
Neste momento, o relato, agora puramente europeu, é interrompido
com um desenho exemplar: “Pontifical mundo / as Índias do Peru no
alto da Espanha / Cuzco / Castela abaixo das Índias / Castela” (1980, 42
[42], p. 35). No imaginário espacial de Guamán Poma, “acima”, com as
montanhas como horizonte e no céu o Sol (Inti), estava o Peru, Cuzco,
ao centro com os “quatro” seus. “Abaixo” estava Castela, no centro, com
“quatro” regiões igualmente. A lógica espacial inca organiza o mundo
europeu. No ato seguinte aparecem Almagro e Pizarro com seus barcos
que, chegando da Europa, situam agora o relato no Peru (1980, 45 [46],
p. 39). Localizado já pelo ato do “descobrimento”, do relato nas Índias,
paradoxalmente, somente agora, e pela primeira vez – e sem descrição
incaica sobre a origem do cosmo, o que delata um certo eurocentrismo
do índio “cristianizado” –, começa a narração das “cinco idades” ou
gerações dos mitos ameríndios (1980, 48 [48], p. 41ss) e, com isso, se
expressa todo um discurso de grande complexidade que indica a ma-
neira particular com que Guamán Poma estrutura hibridamente sua
“cosmovisão”. Com efeito, o relato tem diversos níveis de profundidade,
bipolaridades próprias e estruturas significativas de grande riqueza.
Em primeiro lugar, as indicadas “cinco gerações” de indígenas
(iniciando-se com as “quatro gerações” desde Uari Vira Cocha Runa até
Auca Runa).10 Sendo a “quinta” o Império inca (1980, 79 [79], p. 63ss), se
efetua a descrição dos doze incas, desde Capac Ynga. Mas, é interessante
observar que no reinado do segundo inca, Cinche Roca Ynga, se articu-
lam os dois relatos (o europeu e o incaico, equiparando os incas com os
imperadores romanos). Guamán situa no dito tempo o nascimento de
“Jesus Cristo, em Belém” (1980, 90 [90], p. 70).11 Pouco tempo depois, o
10 Guamán, pertencente provavelmente a uma aristocracia pré-inca provinciana,
idealiza o tempo anterior aos incas, colocando estes como “idólatras”. Quiçá, com
isso, refuta o argumento de Francisco de Toledo, o vice-rei, aceitando certas críti-
cas contra os incas, mas não contra a cultura do Tawantinsuyo em sua totalidade.
11 “Nasceu no tempo e reinou Cinche Roca Ynga quando foi de idade de oitenta anos.
E, no tempo de Cinche Roca Ynga, padeceu mártir e foi crucificado” (1980, 90
[90], p. 70). O nascimento de Jesus Cristo iniciava a “quinta idade” da cronologia
europeu-cristã, mas agora se articulava com a “quinta idade” incaica à altura do
segundo inca. Como indicava o relato neotestamentário: “Em tempo do imperador
Tibério [...]” (Lucas 3, 1). Guamán Poma está expressando metaforicamente: “No
tempo do imperador Cinche Roca Ynga [...]”.

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apóstolo são Bartolomé se fez presente no Peru, instalando a “cruz de
Arabuco”, na província de Collao, testemunhando a tradição da prega-
ção do cristianismo na época dos apóstolos (1980, 93 [93], p. 72).12 Esta
maneira de unir cronologias (a da cultura ocidental cristã com a dos in-
cas) mostra um modo do relato histórico, do “sentido da história”, exem-
plares, que ensina a pretender estabelecer comparações no khrono-topos
centro-periferia, onde a periferia está “acima” e não “abaixo” e onde é o
ponto de “localização” do discurso, o locus enuntiationis (Mignolo, 1995,
p. 5; 2000, p. 51ss).
Depois, descreve os feitos das doze “rainhas e senhoras princesas”,
esposas dos incas (1980, 120 [129], p. 99); dos quinze “capitães” do Im-
pério (1980, 145 [145], p. 122); das quatro primeiras “rainhas senhoras”
das quatro partes do Império (1980, 174 [176], p. 154), Pode-se observar
que tanto as “princesas incas” como as “rainhas” das quatro regiões ma-
nifestam uma presença clara da mulher dentro da cosmovisão andina:
sempre junto ao varão (o Sol) está a mulher (a Lua).
Terminada a longa lista de principais, Guamán descreve um des-
conhecido conjunto de ordenações, mandatos ou leis promulgadas pelos
Incas (1980, 182 [185], p. 159-167)13 (como um Código de Hammurabi
peruano, porém, muito mais completo que o mesopotâmico, ao menos
por sua temática mais variada). As autoridades do Império “mandam e
ordenam”, desde Cuzco, as diversas regiões, províncias, povos, comu-
nidades, as diversas estruturas de governo, de contadoria, de adminis-
tração, militares, de construção de aquedutos e caminhos, de templos,
palácios e casas; de sacerdotes principais e secundários, de auxiliares, de
festas, ritos, cultos, tradições, deuses (huacas); todo o modo de organi-
zar o trabalho de agricultores, coletores, contribuintes, a repartição das
terras; assim como códigos éticos da família, do casamento, da educa-
ção, dos juízes e dos julgamentos, das testemunhas, que manifestam a
complexidade política da civilização inca.

12 Houve nestes tempos grandes cataclismos, por isso se chama esta época do pacha-
cuti (o que transforma a terra) ou pacha ticra (o que a põe de cabeça para baixo)
(1980, 95 [95], p. 74).
13 Chega-se a ordenar: “Ordenamos que os preguiçosos e sujos porcos sejam punidos: que
a sujeira da chácara (sementeira) ou da casa, ou dos pratos com que comem, ou a cabeça,
as mãos ou os pés sejam lavados e se lhes dê à força de beber mate, como pena e castigo
em todo o reino” (1980, 189 [191], p. 164). A limpeza era uma exigência tão importante
como o tríplice mandamento: “não mentirás; não deixarás de trabalhar; não roubarás”.

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A seguir, descreve as obrigações dos varões por idades (que chama
“caminhos”) (1980, 194 [196], p. 169ss),14 assim como dos enfermos e
impossibilitados (chamados uncoc runa):

Casavam-se um cego com uma cega, um coxo com uma coxa; um


mudo com uma muda; um anão com uma anã; um corcunda com
uma corcunda; um de nariz fendido com uma de nariz fendido
[...]. E estes tinham suas sementeiras, casas, campos e ajuda de
seu serviço e assim não havia necessidade de hospital15 e nem de
esmola com esta ordem santa e polícia deste reino, como nenhum
reino da cristandade nem de infiéis não houve e nem podia ter
havido por mais cristão [que fosse] (1980, 201 [203], p. 177).16

Realmente, quando nascia uma criança no Império inca, era-lhe


atribuída uma parcela de terra que, na impossibilidade de ser trabalhada
por ela, um outro o fazia em seu lugar para seu “alimento e sustento”.
Ao morrer, este terreno era redistribuído. Por direito de nascença não se
dava à criança nem um certificado nem um documento e, sim, a media-
ção para reproduzir sua vida até a sua morte. A este tipo de instituições
se refere Guamán quando afirma que não se encontra semelhante em
nenhum outro sistema civilizatório.
Também são descritas as idades (“caminhos”) das mulheres (1980,
215 [217], p. 190ss). As atividades ou trabalhos são explicados mês a mês
(1980, 244 [246], p. 219).17 Mostra-se quais foram os deuses (“ídolos”), ri-
tos, sacrifícios,18 cerimônias de feiticeiros, jejuns, penitências, enterros,
as “monjas princesas” (virgens vestais do Sol) (1980, 299 [301], p. 272ss).

14 Dos guerreiros, desde a idade de 33 anos (embora os tivesse desde os 25 aos 50


anos); “dos velhos que caminham” (desde 60 anos); dos de 80 anos; dos enfermos
e aleijados; jovens de 18 anos; de 12 anos; de 9; de 4; criança que engatinha; de um
mês. Cada idade tinha seus diretos no começo, e, depois, também deveres.
15 A Michel Foucault teria interessado esta instituição incaica.
16 Da mesma maneira, “as mulheres e enfermas, coxas e cegas, viúvas, corcundas,
anãs, que possuíam terras e sementeiras, casas e pastos, donde se sustentavam e
comiam, e assim não tinham necessidade de esmola” (1980, 222 [224], p. 197).
17 Ao final da obra há uma valiosa descrição dos “trabalhos” propriamente ditos do
povo camponês (1980, 1.130 [1.140], III, p. 1.027) onde Guamán corrige um tanto
sua primeira descrição feita desde “acima” desde as festas do Inca.
18 Certamente sacrifícios humanos, desde “crianças de cinco anos” (1980, p. 267 [269],
I, 241), outras de doze anos ou adultos.

16 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 47, jul./dez. 2015


A tudo isso, segue um “capítulo da Justiça” (1980, 301 [303], p. 275ss)
que contém os “castigos” que o Inca aplicava aos que não cumpriam suas
ordens. Havia covas (zancay), onde animais peçonhentos comiam vivo
o inimigo (auca), o traidor (yscay songo), o ladrão (suua), o adúltero (ua-
choc), o bruxo (hanpioc), o murmurador contra o Inca (ynca cipcicac), etc.
Havia cárceres menores, açoites, lapidação, forca, pendurar os culpados
pelos cabelos até morrer, etc.
Havia, igualmente, grandes festas (1980, 315 [317], p. 288ss), sagradas
e profanas, “canções de amor” (haray haraui)19 com lindas músicas, bailes
e danças segundo as regiões do Império. São descritos ainda os grandes
palácios (sempre com desenhos de grande valor), segundo as cidades, os
grandes depósitos de mercadorias, as estátuas, os andores do Inca, os
tipos de presentes. Por último, são expostas algumas funções políticas
(1980, 340 [341], p. 312ss): o vice-rei (Yncap rantin), o alcaide da corte,
juiz [aguazil] maior, corregedor (tocricoc), administrador (suyucoc), men-
sageiros (chasqui), “agrimensores” (sayua cchecta suyucoc) – que confir-
mavam os terrenos de cada um, do Inca e da comunidade. Além disso, se
detém sobre os caminhos reais,20 as pontes pênseis, etc. E conclui, falando
dos secretários do Inca, do contador e tesoureiro (com seu quipoc: texto
escrito em nós de cordas com o qual efetuava suas medições, memorizava
seus números, tributos, dívidas, etc.),21 do visitador, do conselho real. A
primeira parte conclui com um texto interpelante:

Cristão leitor, vês aqui toda a lei cristã.22 Não encontrei quem seja
tão cuidadoso em ouro e prata dos índios, nem encontrei quem

19 Das quais esta obra deixou testemunhos desconhecidos, em qualquer outra fonte,
em quíchua (1980, 317 [319], p. 288ss).
20 Recordo que, em minha juventude, subindo montanhas de 6.500 metros de altura, em
Uspallata, num amplo vale, de repente cruzamos um caminho absolutamente reto até
o horizonte (talvez uns 30 km). Foi-nos dito que era o caminho do Inca, a uns 4.000
km de Cuzco. Com efeito, diz Guamán: “Com sua légua e medida demarcada e assi-
nalada, cada caminho, com largura de quatro varas e com pedras colocadas nos dois
lados, algo que não foi feito em todo o mundo, como o Inca” (1980, 355 [357], p. 327).
No Mediterrâneo, vi os caminhos de pedras do Império romano, desde o norte da
África até a Palestina, Itália ou Espanha. Nenhum era tão “direito” como o do Inca.
21 Pode-se ver o desenho deste predecessor do contador moderno em Guamán Poma
(1980, 361 [363], p. 332-333).
22 Quer dizer, nos costumes dos incas é possível observar toda a beleza e valor do
melhor da ética cristã.

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devesse cem pesos, nem mentiroso, nem jogador, nem preguiçoso,
nem puta e nem puto [...]. Dizeis que ireis restituir; não vejo que
ireis restituir em vida e nem na morte. Parece-me, a mim, cristão,23
que vós todos nos condenais ao inferno [...]. Saindo em terra, logo
é contra os índios pobres de Jesus Cristo [...]. Como os espanhóis
tiveram ídolos, como escreveu o reverendo padre frei Luis de
Granada [...], os índios, como bárbaros e gentios, choravam
seus ídolos, quando foram quebrados no tempo da conquista. E
vós tendes ídolos em vossas fazendas e prata de todo o mundo
(1980, 367 [379], p. 339).

É uma feroz crítica à Modernidade europeia em seu conjunto, em seu


cinismo permanente ao contradizer-se, a partir de seus próprios valores,
não somente do século XVI e, sim, até o presente.
Na segunda parte de sua magna obra mostra a contradição entre
o cristianismo pregado e a práxis perversa da Modernidade nascente. É
a mais desapiedada, irônica e brutal descrição da violência da primeira
expansão da cultura ocidental. Começa o relato com a pergunta que o
Inca Guaina Cápac faz a Candía, o primeiro espanhol que chegou ao
Peru: “E perguntou ao espanhol o que ele comia; respondeu em língua
de espanhol e por sinais, apontando que comia ouro e prata. E assim deu
muito ouro em pó e prata e baixelas de ouro” (1980, 369 [371], II, p. 342).
Tudo consiste em buscar ansiosamente “ouro e prata”: “Todos diziam: ín-
dias, índias, ouro, prata, ouro, prata do Peru”. Até os músicos cantavam
o romance Índias, ouro e prata (1980, 369 [371], II, p. 342):

E por causa do ouro e da prata ficam despovoados, em parte deste


reino, os povos dos pobres índios, pelo ouro e pela prata.24 As-
sim, foram os primeiros homens; não se temeu a morte com o
interesse do ouro e da prata. Porém, são os desta vida, os es-
panhóis corregedores, padres, encomendeiros. Com a cobiça do
ouro e da prata vão ao inferno. [...] De como os índios andavam
perdidos de seus deuses e aucas e de seus reis, de seus senhores
grandes e capitães. Neste tempo da conquista não havia Deus

23 É a reprovação de um índio “cristão”.


24 O despovoamento foi devido à violência da conquista e à desestruturação do siste-
ma agrícola inca (por exemplo, os incas mantinham os aquedutos de até 400 km de
comprimento em perfeitas condições e em meio às montanhas, com pontes de pedra
etc. O mundo colonial europeu deixou que fosse destruído todo o sistema hidráu-
lico construído durante mais de mil anos) e, em especial, devido às enfermidades
desconhecidas pela raça indígena.

18 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 47, jul./dez. 2015


dos cristãos nem rei de Espanha, nem havia justiça (1980, 374
[376], p. 347; 389 [391], p. 361).

O “bom governo” – escrito com ironia – começa depois do caos e


da violência inicial, desde o vice-rei Mendoza:

[...] tontos e incapazes e pusilânimes pobres dos espanhóis, soberbos


como Lúcifer. De Luzbel se fez Lúcifer, o grande diabo. Assim, sois
vós, que me espanto que queirais enforcar e tirar-vos vossa pró-
pria cabeça e esquartejar-vos25 e enforcar-vos como Judas e lançar-
-vos ao inferno. O que Deus manda, quereis ser mais. Se não sois
rei, por que quereis ser rei? Se não sois príncipe, nem duque, nem
conde, nem marquês, nem cavaleiro, por que quereis sê-lo? Se sois
pichador, sapateiro, alfaiate, judeu ou mouro, não vos alceis com a
terra e, sim, pagai o que deveis (1980, 437 [439], p. 405).

E vai descrevendo, uma por uma, as funções públicas e o modo


como oprimem, roubam, castigam, violam os índios e as índias, pelo
que “se perderá a terra e ficará solitário e despovoado todo o reino e fi-
cará muito pobre o rei” (1980, 446 [448], p. 413). E depois dos primeiros
tempos dos presidentes e ouvidores das audiências “cristianíssimos, jamais
se falou que tenha vindo a favor dos pobres índios. Antes, todos vêm
para sobrecarregar mais os índios e para favorecer os vizinhos e ricos
e aos mineiros” (1980, 485 [489], p. 543). Guamán se escandaliza parti-
cularmente com a maneira como as autoridades, até os espanhóis e es-
cravos, usam as mulheres dos índios, já que “andam roubando suas fa-
zendas e fornicam as casadas e desvirginam as donzelas. E assim andam
perdidas e se fazem putas e parem muitos mestiçozinhos26 e não multi-
plicam os índios” (1980, 504 [508], p. 468).27 Os espanhóis, em especial,
25 Leia-se “esquartejados”.
26 Guamán menospreza particularmente os “mestiços”.
27 Uma das obsessões de Guamán é que “antes se acabarão os índios deste reino”
(1980, 520 [524], p. 483), dado que as índias são arrebatadas dos seus esposos natu-
rais. Entre os mineiros, os espanhóis tomam “as filhas dos índios à força e deixam
[o esposo] e as desvirginam eles e os mordomos e forçam suas mulheres, enviando
seus maridos para as minas durante a noite ou os enviam a algum lugar mais longe”
(1980, 526 [530], p. 489). De passada, é inimaginável o sofrimento dos índios nas
minas, nos currais (Ver as páginas 488-505). Caracteriza, ademais, os espanhóis e
as espanholas como de baixa estatura, gordos, preguiçosos, soberbos, sádicos no
trato dos índios domésticos (p. 506-515). “Antes, sois contra os pobres de Jesus
Cristo” (1980, 543 [547], p. 515).

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o “cristão encomendeiro de índios deste reino” (1980, 548 [562], p. 519ss),
são criticados por suas ações que manifestam um sadismo especial, já
que “castiga os pobres de Jesus Cristo em todo o reino (1980, 552 [566],
p. 523).28 Guamán desmantela, assim, uma a uma, as injustiças de toda
a ordem política e econômica colonial da Modernidade. Tampouco a
Igreja se salva da sua certeira, irônica e aguda crítica (1980, 561 [585],
p. 533ss).29 Coleciona ainda alguns documentos sobre “tratos” e “sen-
tenças” para dar exemplos da opressão injusta que se exerce sobre os
índios (1980, 712 [726], p. 670-687).
Os índios que colaboram com os conquistadores são por ele cha-
mados de “mandãozinhos” que, frequentemente, sem ser de famílias de
incas, se fazem passar por nobres pelo simples fato de mandar em nome
dos espanhóis. Havia incas, senhores “principais”, que tinham sob suas
ordens mil índios tributários (curanga curaca) ou quinhentos, ou “man-
dão” maior sobre cem, ou “mandãozinho de cinquenta índios”, de dez
e de cinco (1980, 738 [752], p. 688ss). Havia exploradores, ladrões, “bê-
bados”, mentirosos, “fingidores”, salteadores de estrada, “que atacam a
fazenda dos pobres índios”.30 Como sempre, segue a lista de “senhoras,
rainhas ou princesas”, as mulheres dos “mandãozinhos”, as que chama
de “dona” (1980, 757 [771], II, p. 707ss). Para cúmulo, os índios cristãos

28 “E assim mesmo, às mulheres porque se amancebam e reservam da pia e os serviços


pessoais [y reservan de la taza y de servicios personales] [...] As solteiras e viúvas
são fornicadas [les fonica]” (1980, 556 [570], p. 526).
29 “Fazem das índias, grandes prostitutas e não tem remédio. E assim, não querem
casar porque vão atrás do padre e do espanhol. E, assim, não se multiplicam índios
neste reino e, sim, mestiços e mestiças, e não tem remédio” (19980, 565 [579], p. 534).
A crítica contra a Igreja, uma das instituições que o preocupa de modo especial, e
contra os clérigos chega até a p. 663 (702 [716]). Em algo, os franciscanos e, parti-
cularmente os padres da Companhia de Jesus, são os únicos que saem bem coloca-
dos. Isto mostra uma hipótese de fundo na história ideológica da América Latina
(Ver 635 [647], p. 603ss) e, um pouco antes: “Se foram os clérigos e dominicanos,
mercedários, agostinianos como estes ditos padres da Companhia de Jesus, que
não quer ir a Castela rico, nem quer ter fazenda. E, sim, sua riqueza são almas!”
(479 [483], p. 447).
30 Guamán pertencia a uma família dos Yarovilcas, senhores locais anteriores aos
incas (Ver 1980, 1.030 [1.038], III, p. 949). Uns curacas impostores, colaboracionis-
tas dos espanhóis, o despojaram de suas terras. Guamán despreza, por isso, estes
“mandãozinhos”, curacas que não eram nobres, mas “aparentavam-no”. Por parte
de mãe, poderia estar ligado a alguma linhagem secundária dos incas.

20 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 47, jul./dez. 2015


colocados pelos espanhóis, colaboracionistas, para distribuir “justiça”
(1980, 792 [806], p. 7393ss), dada a corrupção generalizada (que não era
permitida nos tempos dos incas), nunca cumprem suas funções.
Por último, Guamán enfrenta os próprios índios, os do povo pobre:
“Se tivesse sido permitido pelos padres, curas das doutrinas e os chama-
dos corregedores e encomendeiros e espanhóis, haveria santos e grandes
letrados e cristianíssimos. Tudo é estorvado pelos ditos com seus tratos”
(1980, 820 [834], p. 764).
Que os índios ainda sejam bons e “políticos”, devem-no mais à
lembrança de seus antigos costumes e apesar de todas as extorsões que
os conquistadores exercem sobre eles. A Modernidade, neste caso, é
causa de corrupção e destruição. Em continuação, Guamán descreve
as crenças, “desde baixo”, dos indígenas (como antes tinha descri-
to os deuses e os aucas do tempo dos incas): o Cristo crucificado, a
Trindade, santa Maria, os santos, o purgatório, as devoções, o batis-
mo, a esmola. Agora, os povos estavam cheios de pobres que pediam
esmola (ao contrário que no tempo dos incas): “Disto têm a culpa os
ditos visitadores da santa madre igreja de não visitar os pobres, enfer-
mos, paralíticos, coxos e mancos, velhos, cegos e órfãos de cada povo”
(1980, 845 [859], p. 791).
A situação do índio havia piorado visivelmente com a presença
da Modernidade. Assim, apareceram os “crioulos e crioulas vadios,
índios nascidos nesta vida do tempo de cristãos” que se corrompem
facilmente porque perderam sua comunidade; se transformam em ya-
naconas (1980, 857 [871], p. 803), em bêbados, “coqueros” [mascado-
res de coca], e “o mais cristão, embora saiba ler e escrever, trazendo
rosário e vestimenta como espanhol, colarinho, parece santo [mas],
na bebedeira, fala com os demônios e reverencia as guacas” (1980, 863
[877], p. 809). Por isso, já são poucos “os índios filósofos, astrólogos,
que sabem as horas e domingos e dias e meses, anos, para semear e
colher as comidas de cada ano [...]” (1980, 884 [898], p. 830). Nosso
autor termina a descrição do lamentável estado das Índias, indicando
que “andou no mundo pobre o autor com os demais pobres índios
para ver o mundo e alcançar e escrever este livro e crônica, para servi-
ço de Deus e de sua Majestade e o bem dos pobres índios deste reino”
(1980, 902 [916], p. 845).

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 47, jul./dez. 2015 21


Na terceira parte, desde a utopia do passado31 e a negatividade do
nefasto presente, Guamán imagina agora um projeto de “bom governo”,
desde o horizonte utópico futuro da “Cidade do céu para os bons peca-
dores” (1980, 938 [952], p. 880)32 e da “Cidade do inferno [para] o rico
avarento, ingrato, luxúria, soberba, castigo dos soberbos pecadores e ri-
cos que não temem a Deus” (1980, 941 [955], p. 882).33 O alegado ocupa
a primeira parte (“Consideração do cristão do mundo que há Deus”34).
Segue-lhe o “capítulo da pergunta” (1980, 960 [974], p. 896), onde argu-
menta dentro de uma lógica política de alta densidade racional acerca
dos problemas mais graves que foram sendo descobertos em sua Coróni-
ca, pondo na boca do rei da Espanha “perguntas” lançadas ao “autor”.
Por último, descreve com tristeza “o mundo [ao qual] volta o autor, seu
pobre ponto de partida, o povo dos pobres de Jesus Cristo”, depois que
passaram mais de trinta anos, tempo no qual percorreu pobre e intei-
ramente o Peru para informar o rei da Espanha e propor-lhe correção
diante de tanta desordem.
O começo das “Considerações” tem, como toda a obra, um senti-
do de sabedoria cósmica. “Criou Deus o céu e todo o mundo e o que há
nela” (1980, 911 [925], p. 852). Agora, divide o tempo em dez idades, ten-
do como eixo o “Peru” – já não a Espanha ou o judeu-cristianismo. As
quatro conhecidas (desde Uari Vira Cocha até o Auca Runa); a quinta
31 Todavia, parece que haveria um duplo passado. O do Inca, que é tomado frequente-
mente como ponto de referência. Às vezes, porém, se nota certa crítica à dominação
inca vista desde as regiões distantes de Cuzco (a que Guamán pertencia) e, por isso,
se lê: “O quarto Auca Runa foram [!] gente de pouco saber, mas não foram idólatras.
E os espanhóis foram de pouco saber, mas, desde o início, foram idólatras gentios,
como os índios, desde o tempo do Inca, foram idólatras” (1980, 911 [925], vol. 3, p. 854).
Parece que o maior desenvolvimento civilizatório incluiria, para Guamán, a ido-
latria, não assim os povos mais simples, sem dominação recíproca, como as civili-
zações anteriores ao Império inca. “Olhavam ao céu os antigos índios até a quarta
idade do mundo chamada Auca Runa [...]. Os índios do tempo dos Incas idolatra-
ram como gentios e adoraram o sol, seu pai do Inca” (1980, 912 [926], p. 854).
32 Escreve: “A cidade de Deus e dos pobres homens que guardaram sua palavra”. Nesta
cidade, entram muito poucos espanhóis e todos os índios oprimidos, os “pobres de
Jesus Cristo”.
33 Comenta nosso autor: “Considera que os índios e as índias têm muita paciência nesta
vida de tantos males de espanhóis, padres, corregedores e mestiços e mulatos, ne-
gros, yanaconas e chinchonas que tiram a vida e as entranhas dos índios. Considera”.
34 Assim intitula o tema na “Tábua” final (1980, s.n. [1.186], III, 1.067). O tema é tratado
a partir de: 1980, 909 [924], III, p. 852.

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dos incas; a sexta de Pachacuri Ruma (o homem que pôs tudo “ao revés”:
a revolução cósmica prévia à conquista); a sétima da “conquista cristã
runa”; a oitava das guerras entre conquistadores no Peru; a nona da “jus-
tiça cristã e bem-estar” da primeira época colonial; a décima, a ordem
colonial imposta.
Guamán começa, desde o marco da origem e do processo do “uni-
verso” (pacha”, com uma primeira “consideração”: os serviços aos “po-
bres enfermos e peregrinos”, que cumpre com a “lei antiga35 e a lei de
Deus”, com o corpachanqui (“Deves hospedá-los!”). As “obras de mise-
ricórdia” são o critério final do alegado de Guamán, a compaixão ante o
fraco, o enfermo, o pobre. Nesta exigência ética coincidem a “lei antiga”
do Peru e o melhor do cristianismo reinterpretado pelo nosso “autor”.
Realmente, Guamán tinha uma interpretação messiânica do cristianismo,
uma teologia da libertação antecipada:

Morreu Jesus Cristo pelo mundo e pelos homens. Passou tor-


mentos e mártir [...]. Nesta vida, andou pobre, perseguido. E
depois do dia do juízo, virá [...] para pagar os pobres despre-
zados. [...] O primeiro sacerdote o mundo foi Deus e homem
vivo, Jesus Cristo, sacerdote que veio do céu pobre e amou mais
o pobre que o ser rico. Foi Jesus Cristo Deus vivo que veio ti-
rar as almas e não a prata do mundo [...]. São Pedro [...] deixou
tudo aos pobres [...]. E todos [os apóstolos] foram pobres e não
pediram salário nem renda e nem buscavam fazenda (1980, 936
[950], p. 876; 962c [979], p. 899).

Em resumo: “Quem defende os pobres de Jesus Cristo serve a Deus.


Que é palavra de Deus em seu evangelho e, defendendo os índios de vossa
Majestade, serve a vossa coroa real” (1980, 972 [990], p. 906).
Além disso, recomendava ordenar as instituições com uma certa
unidade, já que antigamente tudo se entendia porque estava sob o poder
paterno de um só Inca, enquanto que na desordem colonial “há muitos
Incas: corregedor Inca, doze tenentes são Inca, irmão ou filho do corre-
gedor e mulher e escrivão são Inca [...]” (1980, 914 [928], p. 857). Tam-
bém era necessário que se tivesse consciência de que, com a presença dos

35 De novo se refere a uma “lei” anterior aos incas: “Como os índios primeiros, embo-
ra fossem dos incas idólatras, tiveram fé e mandamentos de seus deuses e lei e boas
obras guardaram e cumpriram” (1980, 914 [928], p. 857).

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europeus, tudo havia piorado para os índios: “considera que os índios
têm [agora] tanto pleito nesta vida. No tempo dos Incas não a tinha”
(1980, 914 [928], p. 857). Por isso, o grande argumento político para o
“bom governo” consistia na “restituição do poder” aos Incas:

Que haveis de considerar que todo o mundo é de Deus e assim


Castela dos espanhóis e as Índias são dos índios e Guiné é dos
negros. Que cada um destes são legítimos proprietários, não tão-
-somente pela lei [...]. E os índios são proprietários naturais deste
reino, e os espanhóis naturais da Espanha. Aqui, neste reino são
estrangeiros [mitimays] (1980, 915 [929], p. 857-858).

A partir da compreensão inca da espacialidade geopolítica, Gua-


mán pretende justificar seu projeto, contando estrategicamente com o
apoio do rei da Espanha. Assim como antigamente o Império inca havia
sido o “centro” do universo (Pacha), como seu “Umbigo” (Cuzco), desde
onde se estendiam as “quatro partes” do mundo (na direção dos quatro
pontos cardeais, como na China ou entre os astecas no altepetl36) for-
mando uma “cruz cósmica”. Assim, agora, propunha, extrapolando estas
estruturas geopolíticas imaginárias num mundo mais global, e colocando
no “centro” o rei Felipe de Espanha, as “quatro partes” ou reinos: os
Incas, que retomavam o poder em toda a América; os cristãos, em torno
a Roma; os africanos de Guiné e os turcos otomanos até a “Grande China”.37
Um “monarca do mundo” com “quatro” reinos (eram uma projeção globa-
lizada do Império inca, mas ao mesmo tempo, se propunha a restituição,

36 Ver “Altepetl” (Lockhart, 1992, p. 14ss). Sobre a organização “dual” e em “quatro”


regiões do Império inca e da cultura em geral do altiplano ver Pärssinen (1992, p.
171ss), especialmente “Principles of the Dual and Quaternary Structures”.
37 “Haveis de considerar que tão grande majestade que tinha o Inca Topa Inga Yupanqui,
rei do Peru [como a que têm] os reis e príncipes, imperadores do mundo, assim cristãos
como do Grande Turco e do rei chinês, imperadores de Roma e de toda a cristandade
e de judeus e do rei de Guiné” (1980, 948 [962], p. 888). O Inca era um rei do mesmo
nível que nos relatam as histórias de outras culturas e, além disso, o “Inca tinha qua-
tro reis das quatro partes deste mundo” (1980, 948 [962], p. 888). Nosso autor propõe
agora um projeto novo: “A de ser monarca o rei dom Felipe [Sob ele haverá quatro
reis menores:] O primeiro, ofereço um filho meu, príncipe deste reino, neto e bisneto
de Topa Ynga Yupanqui [desta maneira, reproduzia um tanto o projeto da Monarquia
Indiana, de Torquemada [...]. O segundo, um príncipe do rei de Guiné, negro; o ter-
ceiro, do rei dos cristãos de Roma [...]; e quarto, o rei dos mouros de Grão Turco, os
quatro coroados com seu cetro e ‘tuzones’” (1980, 949 [963], p. 889).

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como opinava Bartolomé de Las Casas, da autonomia dos Incas, embora
fosse “sob sua mão-mundo” (1980, 949 [963], p. 889) do rei da Espanha):
“Porque é Inca e rei, que outro espanhol, nem pai, não tem que entrar
porque o Inca era proprietário e legítimo rei” (1980, 916 [930], p. 859).
Por não ser possível esta restituição, era necessário pensar numa
multidão de medidas, em todos os níveis da estrutura administrativa,
política, eclesial, militar, sexual, educativa, etc., que Guamán, com infi-
nita paciência, se preocupa em descrever nestas “considerações”. Como
exemplo, uma última citação:

Considera isto, que o corregedor entra, dizendo: “Que eu te farei


justiça”, e rouba. E o padre entra: “Eu te farei cristão, te batiza-
rei, te casarei, te doutrinarei”, e rouba e esfola e deixa mulher e
filha. O encomendeiro e os demais espanhóis dizem: “Justiça,
que sirva o rei porque sou seu vassalo”. E rouba e furta quanto
tem. E pior os caciques [índios) e mandões; os esfolam de tudo os
pobres desventurados índios (1980, 957 [971], p. 893).

Depois destas dramáticas “considerações”, passa ao segundo ponto


organizado sobre quinze perguntas que o “autor” põe na boca do rei
Felipe. Diz a segunda delas:

“Diga-me, dom Felipe Ayala, naquele tempo, como houve tantos


índios em tempos do Inca?”. Digo a vossa Majestade que naquele
tempo era somente o Inca rei [...]. Mas, vivia-se na lei e nos man-
damentos dos Incas. E como tinham um rei, serviam descasada-
mente neste reino e multiplicavam e tinham fazenda e de comer,
filhos e mulheres suas (1980, 963 [976], p. 896).38

Na quinta questão, o rei pergunta:

“Diga-me, autor, como se fará rico os índios?” Saiba vossa Majestade


que hão de ter fazenda em comunidade, que eles chamam sapci, se-

38 “Diga-me autor, como agora não multiplicam os índios e se fazem pobres? Direi
à vossa Majestade: primeiramente, que não multiplica porque todo o melhor das
mulheres e donzelas o tomaram os padres doutrinantes, os encomendeiros, cor-
regedores espanhóis, mordomos, tenentes, oficiais criados deles. E assim há tan-
tos mestiçozinhos e mestiçazinhas neste reino. Com dor ao dizê-lo, amancebando
toma e abandona as mulheres de suas fazendas dos pobres. [O índio] quer morrer
em vez de se ver em tanto dano” (1980, p. 897-898).

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menteiras de milho e trigo, batatas, pimenta, magno, algodão, uva,
obrage, tintura, coca e árvores frutíferas (1980, 963 [977], p. 898).

O “bom governo” consistiria, e nisso tudo poderia ser resumido,


“que todos os espanhóis vivessem como cristãos” (1980, 966 [984], p. 902).
Guamán, como Karl Marx, organiza sua estratégia argumentativa se-
guindo o mesmo princípio do crítico de Trier: colocar o que pretende ser
cristão numa evidente contradição performativa entre seus atos perversos
e os éticos ditados do próprio cristianismo.39 Que mundo encontrou o
autor ao voltar a seu povo?

Trinta anos estando a serviço de sua Majestade, encontrou tudo


no chão, entrando em suas casas, sementeiras e pastos. E encon-
trou seus filhos e suas filhas nus, servindo a índios plebeus. Que
seus filhos e sobrinhos e parentes não o conheceram porque che-
gou tão velho; seria com idade de oitenta anos, todo encanecido e
fraco, desnudo e descalço (1980, 1.094 [1.104], p. 1.008).

E isto não é tudo, já que sua obra, sua Corónica, ficará sepultada
numa biblioteca europeia de Copenhague, até 1908. O mundo dos pobres
“yndios”, os “pobres de Jesus Cristo”, em plena Modernidade, esperarão
ainda séculos para que se lhes faça justiça...

§ 6. Conclusões

Eu pensei que poderíamos considerar a sabedoria dos próprios po-


vos originários americanos que não foram impactados pelo cristianismo
(como aconteceu com Guamán Poma)... Eles significam uma “reserva
de futuro” crítica por sua exterioridade radical. Porém, paramos aqui o
relato para não nos estendermos demais.40
39 O texto de Marx ao qual nos referimos diz o seguinte: “Ao Estado [luterano alemão]
que professa como norma suprema o cristianismo, que professa a Bíblia como sua
Carta, é preciso opor-lhe as Palavras da Sagrada Escritura, que, como tal Escritura,
é sagrada até na letra. Este Estado [...] cai na dolorosa contradição, irredutível no
plano da consciência religiosa, quando se enfrenta com aquelas máximas do evan-
gelho que não somente não acata, e sim, que não pode tampouco acatar” (Sobre a
questão judaica, I) (Marx, 1956, MEW I, p. 359-360) (Dussel, 1993, p. 133ss).
40 Na segunda parte de minha obra (Dussel, 1965) procurei vislumbrar a visão do Outro
do processo de invasão e da conquista, origem da práxis violente da modernidade.

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Felipe Guamán Poma de Ayala concluiu sua Corónica em 1616. No
ano anterior, o joven René Descartes abandonava quase 20 anos de seus
estudos no colégio jesuíta de La Flèche. Nada soube e nem poderia saber
o joven filósofo acerca de todo um mundo periférico e colonial que a
Modernidade havia instaurado. Seu futuro ego cogito constituiria um
cogitatum que, entre outros entes à sua disposição, situaría a corporeida-
de dos sujeitos coloniais como máquinas exploráveis: o corpo dos índios
da encomienda, da mita ou da propriedade latino-americana, ou dos es-
cavos africanos da “casa grande” das plantações do Brasil, do Caribe ou
da Nova Inglaterra. Nos ombros da Modrnidade se retiraría para sempre,
até hoje, o “ser humano” dos sujeitos coloniais.
Se a dúvida que pretendemos introduzir é verdadeira certamente
poria muita luz nas novas investigações sobre o sentido da Modernidade
filosófica. Se a Modernidade não começa filosoficamente com Descartes,
ele deve ser situado como o grande pensador do segundo momento da
Modernidade nascente, quando já havia sido produzido irreversivelmente
o ocultamento, não do “ser” heideggeriano, mas do “ser colonial”. Isso
deveria gerar todo um processo de descolonização filosófica. A Holanda
situada ao redor da Amsterdam do século XVII, aquela da Companhia
das Ìndias Orientais, seria um mundo surgido posteriormente à crise
da Espanha dos Reis espanhois do século XV e do Império de Carlos
V (o Império-mundo de I. Wallerstein) que abriram a Europa para o
largo horizonte do primeiro Sistema-mundo, colonialista, capitalista,
eurocêntrico, moderno.
O 1637 do Discurso do Método, publicado nos Paíse Baixos (Holanda)
numa orden já dominada pela burguesía triunfante, não seria a origem da
Modernidade, senão seu segundo momento. O paradigma solipsista da
consciência, do ego cogito, inaugura seu desenvolvimento esmagador, de-
vastador, durante toda a Modernidade europeia posterior e chegará mui-
tas vezes modificado até Hume, Kant, Hegel, J. P. Sasrre ou P. Ricoeur.
No século XX será radicalmente criticado por I. Levinas que, partindo
da quinta meditação das Meditações Cartesianas de Edmund Husserl,41
41 Seria muito importante aqui fazer uma leitura fina da Quinta Meditação sobre
“Descrição da esfera transcendental do ser como intersubjetividade monológica”
(§§ 42ss, Husserl, 1963, p. 121ss), na qual o filósofo de Freiburg pretende ir além do
ego cogito, quando trata da questão “do Outro”, desde o “mundo da vida comum”
(der gemeisamen Lebenswelt) (§ 58, p. 162), partindo do que se deve “admitir que é
em mim que os outros se constituem enquanto outros” (§ 56, p. 156). Por seu turno,

Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 47, jul./dez. 2015 27


pretende abrir-se ao Outro, também ao Outro da Modernidade euro-
peia… ainda, porém, na Europa.
O holocausto judeu será, de qualquer modo, um desastre irracional
intra-europeu fruto distante da Ilustração – como o expõem Adorno e
Horkheimer. Entretanto, o próprio Levinas e toda a Escola de Frankfurt
em suas três generações não conseguem superar a Modernidade por não
ter se dado conta da colonialidade do exercício do poder ocidental. Levinas
permanece inevitavelmente eurocêntrico, mesmo que tenha descoberto a
irracionalidade da totalização da subjetividade moderna: não pode se situar
na exterioridade da Europa metropolitana, imperial, capitalista.

Bibliografía citada

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Madrid: Trotta, 2005.
CARVAHLO, Mario de. Intellect et Imagination. In: Rencontres de
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CARVAHLO, M. de. Aos ombros de Aristóteles (Sobre o
não-aristotelismo do primeiro curso aristotélico dos Jesuítas de
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Sartre não poderá superar de todo a aporia constatada em Le regard (Sartre, III, 1,
iv; 1943, p. 310ss), pela qual constitui “o Outro” irremediavelmente como objeto. O
Outro, por seu lado, igualmente me constitu como objeto: “La personne est présen-
te à la consciente en tant qu´elle est objet pour autrui” (Sartre, 1943, p. 318).

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