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1
É evidente que aqui, como em várias aventuras outras de Brigitte Montfort, o autor recorreu a um
nome imaginário, dentro da realidade climatológica e geográfica das Pequenas Antilhas
justamente em Fort-de-France... E aqui está o outro agente
da CIA, o que serve na Martinica.
Apareceu o rosto de outro homem. Este era branco, ruivo
e cheio de sardas. Tinha olhos verdes, queixo saliente, nariz
reto, expressão simpática.
— O nome não vem ao caso, já que você o chamará
Johnny, como de uso. Pois aí tem o seu Johnny para este
trabalho.
— Está certo. Só poderei me comunicar com ele por meio
de Paván?
— Até que Paván decida o contrário, achamos
conveniente que seja assim. As coisas estão um pouco
tumultuadas e não convém exibir nossos agentes. Isto quer
dizer que, salvo se absolutamente necessário, o ruivo Johnny
não entrará em ação.
— Okay. Mas ainda não...
Cavanagh indicou a tela, que mostrava agora outro rosto
de homem. Este era negro, possuía traços fisionômicos muito
corretos, expressão inteligente e viva. Era muito simpático e
de uma alegria que tinha qualquer coisa de infantil. Cabelos
muito crespos, testa ampla, queixo forte, boca risonha e viril.
Em seguida ele apareceu de corpo inteiro, passeando por
uma praia cheia de homens negros, alguns mulatos, uns
poucos brancos, barcos de pesca. Apesar da vivacidade com
que o homem se movia de um lado para outro, a câmara não
deixava de enfocá-lo um só momento. Depois de ser visto
durante dois minutos andando de cá para lá na praia, tornou a
aparecer seu rosto, imóvel, ocupando toda a tela.
— Este é Nando Zafra. Tem menos de trinta anos, é
inteligente e simpático, um atleta cor de ébano...
— Estou vendo que é um soberbo exemplar de homem —
sorriu Brigitte.
— Sem dúvida — sorriu também Cavanagh, mas com um
jeito irônico. — Ele será o seu caso.
— Meu caso? Não me diga que.
— Cavanagh moveu a cabeça em sentido afirmativo,
muito sério.
— Terá que matá-lo, Brigitte. Apenas isso.
— Por quê?
— Esta é a explicação: Nando Zafra é o mais popular dos
pescadores das Pequenas Antilhas. Segundo os informes de
Teófilo Paván, ele tem amigos em todas as ilhas, por
pequenas que estas sejam. Não há uma só ilhota habitada em
todas as Antilhas onde Nando Zafra não seja conhecido e
estimado por todos. Em termos políticos, diríamos que seu
prestígio é absoluto, cem por cento. Ou de outro modo: se
Nando Zafra fosse candidato a qualquer coisa nas Pequenas
Antilhas, não duvidemos nem um só momento de que seria
eleito.
— Eleito... para quê?
— Para o que fosse. Se Nando Zafra pedisse a todos os
antilhanos negros que o seguissem ao inferno, nem um só o
deixaria de seguir.
— Entendo... E é muito mais fácil segui-lo ao campo de
batalha que ao inferno. Não é isso?
— Exato. Nando Zafra é o homem que o agente britânico
eliminado estava vigiando; certamente porque sabia tudo
isto. Tudo indica que esse homem está agrupando seus
amigos e lhes proporcionando armas. Daí, a intervenção do
agente do MI5, que deve tê-lo surpreendido e foi morto a
balaços, na praia. Paralelamente a esta notícia, Teófilo Paván
nos informa que Nando Zafra apareceu na ilha de Antillanie,
ferido numa perna. Capta a relação?
— Claro. Lutaram, ele e o inglês.
— Isso parece o lógico. Vejamos agora...
— Um momento, Mr. Cavanagh. Como devo entender
isto? Pretende o senhor que eu admita a possibilidade de um
simples pescador levantar em armas todos os negros das
Pequenas Antilhas? Vamos aceitar que por seu prestígio
pessoal pudesse fazê-lo, que todos o seguissem, lhe
obedecessem, que todos lutassem por conseguir o que eles
chamariam independência absoluta e por formar um novo
estado que se chamaria Antilhas Livres, só para ele. Admito
essa possibilidade e, de certo modo, estou de acordo com ela,
já que eu, na posição de Nando Zafra, talvez tentasse o
mesmo. Mas uma coisa é ter prestígio e amigos, outra é
dispor de armas suficientes para atrever-se a enfrentar-nos e
aos ingleses, aos franceses...
— Eis aí a questão — disse Cavanagh.
Brigitte manteve as sobrancelhas contraídas durante
alguns segundos. Súbito, sua expressão pareceu iluminar-se.
— Alguém está fazendo uso de Nando Zafra?
— Evidentemente.
— Bem... Isso muda o aspecto da coisa. Utilizam-no,
proporcionam-lhe armas, dão-lhe instruções ou ordens... Isso
implica a intervenção de alguém muito rico e poderoso. Ou,
pelo menos, de alguém que possa gastar muito dinheiro em
armas e que esteja preparado para dirigir Nando Zafra da
sombra.
— Essa é a idéia.
— Bem, bem... Mas então por que matar Nando Zafra?
Por que não matar o outro, ou Outros, os que dirigem e lhe
fornecem armas? Sem estas, Nando voltaria ao seu barco de
pesca, não acha?
— É possível. Mas o fato é que conhecemos Nando
Zafra, aos outros não. E como sabemos que se ele morrer os
antilhanos desistirão de seus intentos, é preciso eliminá-lo.
— Preferiria eliminar os outros — murmurou “Baby”.
— Não se trata de complicar nossa vida, Brigitte, mas de
manter todos tranqüilos. E já que Zafra aceitou ser a cabeça
do monstro, se cortarmos esta, tudo ficará resolvido. O resto
que conseguirmos será por decorrência. Mas sem
complicações, por favor. Tudo o que você tem que fazer é ir
a Antillanie, matar Nando Zafra e voltar. Nem mais nem
menos que isso... e só isso.
— Não vejo razão para insistir tanto...
— Conheço bem você, querida — sorriu Cavanagh: —
irá a Antillanie, andará por toda parte, quererá chegar até os
que estão dando armas e ordens a Nando Zafra e se proporá
eliminar todos eles. Não, não, não, por favor. Não importa
quem sejam essas pessoas. Esqueça-as. Sabemos que se
Zafra morrer, os demais antilhanos voltarão a seus trabalhos
habituais e isso é o que desejamos. Somente isso.
— De que armas disporei?
— De nenhuma. Irá desarmada, sem o seu equipamento
habitual. Se precisar de alguma coisa em determinado
momento, peça-a a Teófilo Paván.
— Não gosto de depender de ninguém.
— Eu sei. Como também sei que, na realidade, você fará
o que lhe der na telha, como sempre. Mas, por favor, não
esqueça que a CIA lhe transmite, simplesmente, uma ordem
de assassinato.
— Já demonstrei muitas vezes que a CIA pode enganar-
se. Mr. Cavanagh.
— Não importa isso. Admitamos que sim. Mas elimine
Nando Zafra. Partirá esta noite, de avião, para Puerto Rico,
onde tomará outro avião para a Martinica. Daí a Antillanie
viajará numa lancha regular para passageiros. Há outros
pequenos detalhes que encontrará neste envelope,
juntamente com seus documentos sob o nome de Brigitte
Latour.
— Está bem. Já posso deixar de apanhar sol?
— Seria conveniente que preparasse sua bagagem, está
claro.
Cavanagh tinha-se levantado. Brigitte imitou-o,
completamente nua, sorrindo ante os esforços que ele fazia
para não a olhar.
— Não deseja mais nada? — perguntou-lhe, sorrindo.
— Não,
— Nem sequer acariciar meu corpo?
Cavanagh olhou-a agora diretamente e passou a língua
pelos lábios. Esteve alguns segundos contemplando aquele
corpo estupendo; o ventre breve e levemente convexo,
cadeiras harmoniosas sem exagero, coxas bem torneadas e
elásticas, seios túrgidos e meigos, de desenho perfeito...
— Posso? — murmurou ele, voz quase embargada.
— Claro que sim.
Mr. Cavanagh ergueu a mão, que chegou à altura do seio
de Brigitte. Mas recolheu-a bruscamente e encaminhou-se
para a porta. Dali se voltou, sorrindo.
— Agradeço sua generosidade, Brigitte. Mas prefiro
continuar sendo seu bom amigo a desejá-la em vão.
Deixemos esse perigoso desejo para nossos inimigos. Espero
que não a tenha decepcionado.
Brigitte moveu negativamente a cabeça.
— Decepcionada eu ficaria se me tivesse tocado, Mr.
Cavanagh. Eu também entendo as coisas desse modo.
Receberá notícias minhas quando eu vier de cumprir sua
ordem de assassinato.
CAPÍTULO SEGUNDO
Chega a mais sensacional morena do Caribe
Um “Johnny” nativo
O oráculo de Mabanga
2
DOUTOR SCORPIO – aventura imediatamente anterior a esta
sequer a veja. Poderia matar você com o simples mau-
olhado. E outra coisa: não se fie muito se conseguir chegar
perto de Zafra. É possível que deixem você fazer isso, mas já
é menos possível que a deixem voltar ao hotel. A verdade é
que, se dependesse de mim, eu abandonaria o assunto ou,
para matar Zafra, lançaria uma bomba na cabana da velha
Mabanga.
Brigitte olhou ironicamente para Teófilo Paván.
— É uma solução muito expedita, Teófilo. E muito
escandalosa... Não interessa. Além disso, que aconteceria se
a velha Mabanga lançasse um feitiço no avião que ia lançar a
bomba? Certamente cairia no Caribe envolto em chamas.
— Não gosto de brincar com o vodu — grunhiu Paván.
— Bem. Eu vim matar um homem, não me envolver em
bruxarias. Diga-me como posso chegar até um lugar de onde
possa meter uma bala no coração de Nando Zafra.
— Não existe esse lugar.
— Não existe? — Brigitte contraiu as sobrancelhas. —
Olhe, Teófilo, a mim não importa a surpresa que você me
causou ao dizer que acredita no vodu e coisas desse estilo.
Acredite no que quiser, já que são prerrogativas pessoais.
Mas ao mesmo tempo você tem que realizar seu trabalho. Eu
não conheço a ilha, nem o povoado, nada. Como vou poder
matar um homem se você não me disser nem como chegar
até ele?
— Já lhe disse onde está: na casa de Mabanga, a meio
quilômetro do povoado, para o sul. E também lhe disse que,
no pé em que estão as coisas, não poderá disparar contra
Zafra. É tudo.
— Sua atitude é muito cômoda, Teófilo.
— Bom... Sou apenas um informante, não um agente de
ação, como você. Não me peça o impossível.
— Não há nenhum caminho, ou trilha de montanha, ou
grupo de árvores do qual eu possa disparar...?
— Nada. Olhe, não queria estar em sua pele, “Baby”. E
lhe direi que, se eu fosse você, voltaria a Washington e diria
lá que não se pode matar Nando Zafra por métodos...
elegantes. Um avião e uma bomba, isso sim.
— Estudarei pessoalmente o terreno e a situação —
murmurou Brigitte. — Onde estão as armas de que
disponho?
— Eu estarei a todo o momento perto de você. O que
ficará justificado dentro de poucos instantes quando me der
uma boa gorjeta. Parecerá que desejo servi-la a toda hora
para ganhar dinheiro. Quanto às armas, terá apenas que pedir
alguns minutos antes de se dispor a... a tentar qualquer coisa.
— Perfeito. Ah, Teófilo, uma coisa: se você vir que eu
toco uma orelha, é que estou em grave perigo, que fui
descoberta, ou que estão me ameaçando com armas. Nesse
caso, você saberá o que tem a fazer.
— Sei. Bem, já chegamos... Procure torcer o nariz ao
entrar no hotel, achando que é ruim. Naturalidade antes de
tudo. E tenha muito cuidado.
— Com a velha Mabanga? — sorriu Brigitte.
— Com tudo. Mas especialmente com a velha Mabanga.
— Vigiarei bem os sapos e as corujas. Vamos entrar.
O hotel era meio desmantelado, não estava muito limpo e
os móveis de junco, bastante velhos, começavam a se
desfazer. Havia dois ventiladores no teto, zumbindo com
força. Mas o calor úmido parecia grudar-se em todas as
coisas. Por uma das janelas via-se o céu, encapotado de
negro. O sol desaparecera em menos de um minuto, por trás
de enormes nuvens, e a tarde tinha um aspecto espectral, de
uma lividez de ocaso extraterreno. Soprava um vento suave,
que aumentava lentamente, precedendo a chuva torrencial.
Talvez em poucos segundos grandes gotas de água morna se
desprendessem, empapando mais uma vez a terra e
acelerando o crescimento vertiginoso do jângal vizinho.
— Brigitte Latour — anotou o gerente, um negro de rosto
brilhante e expressão desconfiada. — De onde vem?
— De Puerto Rico e Martinica. Motivo da viagem:
prazer. Nacionalidade: antilhana. Não está aí?
O negro tinha erguido vivamente o olhar porque, com
efeito, no passaporte estava bem clara a nacionalidade da
mulher chamada Brigitte Latour. E ato contínuo, a expressão
do homem mudou completamente.
— Sim — sorriu. — Está tudo aqui, mademoiselle. Vou
lhe dar as melhores acomodações. E não importa se não
puder pagar o preço: terá o melhor.
— Muito obrigada. Mas poderei pagar, seja qual for seu
preço.
— Vou conduzi-la pessoalmente...
— Um momento.
Brigitte voltou-se para Teófilo Paván, que permanecia
imóvel e como amedrontado ou encabulado atrás dela, abriu
a bolsa, tirou um maço de notas e separou uma de vinte
dólares, que estendeu ao mulato.
Teófilo moveu negativamente a cabeça.
— Oh, madame, sinto muito, mas não tenho troco...
— Não quero troco. É tudo para você.
Teófilo fez bem seu papel. Abriu a boca como se a
mandíbula inferior fosse desprender-se, arregalou os olhos e
ficou uns segundos olhando a prestigiosa cédula norte-
americana, antes de adiantar a mão como se temesse que a
golpeassem com um chicote. Mas como isto não aconteceu,
apanhou a nota e saiu do hotel a toda a velocidade, gritando
coisas incompreensíveis.
— Que há com ele? — indagou Brigitte.
— Foi uma gorjeta fora do comum, mademoiselle. Temo
que lhe vai ser difícil se livrar deste homem, agora. Por aqui,
por favor.
O próprio gerente apanhou as maletas e subiu a escada
até o primeiro andar. Quando entraram no apartamento,
“Baby” constatou que era grande, com duas peças e banheiro
privativo. Não estava mal, porém ela “torceu o nariz”.
— Este é o melhor? — perguntou em tom incrédulo.
— Sim, sim.
— Bem. Espero ficar pouco tempo aqui, de modo que o
aceitarei por ora. Tome.
Estendeu outra cédula de vinte dólares e esteve a ponto
de sorrir quando compreendeu que aquelas tinham sido
justamente as esperanças do gerente, que se retirou fazendo
grandes inclinações de agradecimento.
E uma vez sozinha, a espiã super aproximou-se de uma
das janelas que davam para o mar. Via-se bem o
embarcadouro, a cento e tantos metros. E o mar, agora de um
tom plúmbeo. Um relâmpago iluminou o céu e, pouco
depois, ouvia-se um trovão retumbante. E quase em seguida
a água começou a cair, numa espessa cortina de grandes
gotas cálidas, produzindo um rumor monótono, triste.
Mas normal, lógico, comum. O que não era comum, em
tais circunstâncias, era o som daquele tantã que lhe pareceu
ouvir, ao longe, como vencendo o som envolvente da chuva.
Franziu a testa e aguçou o ouvido, mas então lhe pareceu
deixar de ouvir o tantã. Esteve à escuta durante quase um
minuto, mas já não ouviu nada.
Pensando nas inesperadas dificuldades daquela missão,
que a princípio lhe parecera tão simples, entrou no banheiro
e olhou-se ao espelho, criticamente. Era ela, sem dúvida,
com toda sua beleza. Mas de boa vontade teria tirado as
lentes de contato que faziam seus olhos parecer negros.
Preferia-os azuis.
Os pensamentos cruzavam-se em sua mente. Claro que,
de um ou de outro modo, teria que chegar até Nando Zafra.
Não seria ela, a agente “Baby”, quem se desse por vencida
antes de começar o trabalho. Absurdo. Absurdo a ponto de
ser incrível. De maneira que, fosse como fosse, ela teria que
chegar até Nando Zafra e...
Ouviu-se outro trovão e em seguida, como se soasse
dentro de sua própria suíte, com a nitidez mais perfeita, o
tantã. Tão nítido, que Brigitte se dirigiu à primeira peça,
quase sobressaltada. Mas ali não havia ninguém.
Absolutamente ninguém. E menos ainda, tocando o tantã.
Além disso, com aquela chuva fragorosa, seria impossível
ouvir nenhum daqueles tambores de pele de cabra.
Deviam ser alucinações auditivas, simplesmente. Já não
ouvia o tantã.
***
Deixou de tocar o tantã e olhou o homem que estava
sentado sob o teto de folhas de palmeira. Pela borda, a água
resvalava copiosamente, deslizando depois pela terra em
diminutos arroios. Diante da varanda aberta, via-se parte da
espessa selva tropical. No céu, alguns relâmpagos
fulgurantes. O homem estava comodamente sentado numa
cadeira de balanço, olhar perdido no céu atormentado. Era
negro, alto, forte e bonito. Tinha o poderoso torso nu e
estava descalço. Vestia apenas umas velhas calças brancas,
esmolambadas, que lhe chegavam até um pouco abaixo dos
joelhos.
Quando ele voltou a cabeça, encontrou-se com o olhar da
mulher. Era também negra, gorda, reluzente. Tinha olhos
saltados, boca enorme e dentes branquíssimos. Viam-se
alguns fios prateados em seus cabelos presos no alto da
cabeça por um lenço de cores.
— Já se cansou, Mabanga? — sorriu o homem.
— Não toco mais, Nando. Já sei.
— Sabe? Que é que sabe?
Mabanga levantou-se, deixando de lado os dois tambores.
Aproximou-se de Nando Zafra, bamboleando suas graxas,
como se fosse rolar pelo chão de um momento para outro.
Acocorou-se aos pés dele e olhou-o fixamente.
— Que é que sabe? — insistiu Nando.
Ela meteu a mão num bolso de sua bata multicor e sacou
várias folhas de tabaco. Escolheu duas e enrolou-as,
formando um charuto perfeito. Depois confeccionou outro
com a mesma rapidez, pondo-o na boca. Acendeu-o e
entregou-o ao homem. Acendeu também o outro, que deixou
ficar entre seus grossos lábios. Parecia que seus olhos não
olhavam para fora, mas para dentro, e a fumaça do charuto
não os afetava absolutamente.
— Chegou — disse.
— Quem chegou?
— A pessoa... Uma pessoa que te quer mal. Nando. Faz
pouco que chegou à ilha.
Nando Zafra sorriu amistosamente.
— E quem é?
— Não sei ainda... É uma pessoa muito forte, que me
escapa.
— Muito forte? Você deve ter razão, Mabanga. Mas por
muito forte que seja, não poderá me fazer mal nem chegar
até aqui.
— Não digo forte de força do corpo, mas da cabeça.
Entendes, Nando? Essa pessoa é forte de cabeça.
— Quer dizer: inteligente, de força mental?
Mabanga fez que sim.
— Muito forte. Tem a cabeça fechada e não posso entrar
nela. Mas seus pensamentos vêm atrás de ti. Quer te matar.
— Ninguém pode vir me matar, Mabanga, você bem
sabe.
— Não... Nada servirá de nada. Logo virá. Chegará até
esta casa, sem que ninguém possa impedir.
— E me matará? — sorriu Zafra. Mabanga permaneceu
silenciosa e pensativa, fumando. Por fim, levantou-se, entrou
na casa e logo reapareceu trazendo uma vasilha de barro, que
depositou no chão, aos pés de Nando Zafra.
Tornou a acocorar-se e ficou olhando o conteúdo da
vasilha: pedras negras e brancas, ossos e penas de galo,
pequenas varetas de bambu.
Levantou a vasilha e agitou-a durante uns segundos.
Depois derramou o conteúdo no chão, sempre entre os pés de
Zafra. Olhou atentamente a disposição das pedras, varetas,
ossos e penas...
— Não... — murmurou. — Não te matará. Mas quer te
matar.
— Como entendo isso?
Mabanga tocou os ossos e penas com um dedo
gordíssimo.
— Nunca soube de nada assim... Quer te matar, mas não
te matará. Verás essa pessoa várias vezes e ficarás feliz por
conhecê-la...
— É uma mulher? — riu Nando.
— Não sei. Não posso ver nada claro aqui.
— Mas o que acontecerá contra mim?
— Parece que não acontecerá nada. Querem te matar,
mas não te matam. Serás feliz. Vejo sangue, mas serás feliz...
A pessoa virá logo, assim que parar de chover.
— Mas virá para matar-me?
— Sim.
— E não me matará?
— Não.
— Essa pessoa me odeia?
Mabanga olhou as pedras, os ossos, as penas e varetas.
Por fim, moveu negativamente a cabeça.
— Não te odeia. Mas virá para te matar. Não vou deixar
que chegue até aqui, Nando. Vou matar essa pessoa no
caminho.
Ia levantar-se em direção aos tambores, mas Nando Zafra
a conteve com um gesto.
— Espere, Mabanga... Você disse que serei feliz
conhecendo essa pessoa, não?
— Sim, Nando.
— Então, deixe que chegue.
— Quer te matar.
— Mas não me matará. Você mesma disse... Deixe que
chegue.
— Não sei... Isto não está claro. Essa pessoa é muito
forte, o que não é bom. E aconteceu qualquer coisa que não
me deixa entender bem o oráculo.
— Estude-o. Enquanto isto, veremos se quando deixar de
chover a pessoa chega.
***
— Mabanga.
A gordíssima negra ergueu a cabeça, sobressaltada.
Quando olhou para Nando, havia ainda em seus olhos uma
expressão de perplexidade.
— Não consigo compreender isto...
— Já parou de chover — sorriu Zafra. — E ninguém está
chegando aqui.
Soprava agora um vento refrescante. As árvores
brilhavam, como novas, e o céu começava a mostrar muitos
claros de tom azul. Grossas gotas caiam ainda das folhas,
como uma imitação de chuva.
— Logo chegará. Vou continuar olhando o oráculo... Mas
não saiu bem, não se pode ver nada direito, Nando. Essa
pessoa quer te matar, virá aqui, não te matará, te sentirás
feliz e... não se vê nada mais.
— Então, vamos ficar à espera. Continue olhando o
oráculo.
— Sim.
Mabanga não pôde dedicar-se por muito tempo a isso.
Tinham decorrido escassos cinco minutos, quando bem
diante da varanda umas ramas separaram-se sob a mão
esquerda de um homem negro, que trazia um fuzil na mão
direita. Depois apareceu uma mulher. Depois, outro homem
negro...
— Aí está ela — disse Mabanga.
CAPÍTULO TERCEIRO
A mulher que veio para matar
Bonecos e alfinetes
O galo decapitado
CAPÍTULO QUARTO
Não há homens diferentes
Feitiços malignos e benignos
Uma barra de ferro contra um arame de aço
CAPÍTULO OITAVO
Tempo ao tempo
Soa forte o tantã
Fogo de artifício sobre o mar
CAPÍTULO NONO
O vodu de Mabanga
Um dia: as Antilhas Livres
“Boa viagem, agente ‘Baby’!”
A SEGUIR: