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ANÁLISE DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO 171/93 E

SUA INCONSTITUCIONALIDADE
Alberto José Oliveira de Mello1

Sumário: I. Introdução. II. Brevíssima revisão histórica do tratamento sócio-jurídico de


menores infratores no direito brasileiro. III. Hermenêutica da PEC 171/93. IV. A PEC 171/93
à luz da Constituição de 1988. V. Considerações Finais. VI. Referências Bibliográficas

Resumo: A reinvindicação de esforços no sentido de combater o crescente quadro de


violência urbana conduz, muita vez, a equívocos por parte do legislador. Casos pontualmente
emblemáticos de violência envolvendo menores levam a coletividade, influenciada pela
mídia, a defender a extensão da punição criminal a menores de 18 (dezoito) anos. Ao revés
do que comumente parece, o problema do envolvimento de menores em atos criminosos não
é recente. Oportunamente, políticos buscam a saciar a vontade de punição da massa social,
com vista à obtenção de futuros mandatos. É, dessa forma, que foi proposta uma emenda à
constituição (PEC 171/93) com o objetivo de reduzir a maioridade penal para os 16
(dezesseis) anos. Salpicada de contradições e falácias, a PEC 171 fala em modificações na
consciência juvenil e invoca argumentos bíblicos para justificar a tese que abraça. Não
obstante, a PEC em comento não encontra amparo na ordem jurídica instituída pela
Constituição de 1988, de vez que é obstada por uma limitação material ao poder de reforma
da Constituição.
Palavras-chave: Direito Constitucional; interpretação constitucional; poder de reforma da
constituição; limitações ao poder de reforma

Abstract: The efforts claim in order to counter an increase of urban violence of the legal
framework often leads, to mistakes by lawmaker. Emblematic cases of violence involving
under-age leads of collective, based on media influence, to defend the extension of a criminal
penalty to minors under eighteen years old. Instead of what commonly seems, the problem
of minor’s involvement in their criminal acts is not of today. In due course, politicians seek
satisfy the punishment desire of social mass, and with a view to obtaining any future
mandates. Thus, was proposed an amendment to Constitution (PEC 171/93) in order to
reduce the legal age for criminal responsibility from 18 years old to 16. Sprinkled whit
contradiction and Fallacies, the PEC 171 talk about modifications in the youth conscience
and conjure biblical arguments to justify their thesis. Nevertheless, the PEC in question does
not find support in the legal order established by the Constitution of 1988, which has been
embargoed of material limitation to the power of the Constitution reform.
Keywords: Constitutional Law; Constitutional interpretation; power of the Constitution
reform; amending process limitations.

I. INTRODUÇÃO

Chesnais (1999, p. 54, grifo meu), estudando a dinâmica da violência no Brasil,


sinaliza para a obsessão com a insegurança que se observa na totalidade dos habitantes de
grandes cidades brasileiras. Hodiernamente, a preocupação com a violência tem se

1
Bacharelando em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pesquisador de Iniciação
Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Técnico em Meio
Ambiente, com ênfase em Direito Ambiental, pelo Colégio Técnico da UFRRJ (CTUR), onde atuou como
Pesquisador de Iniciação Científica Jr. pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC/MEC).
E-mail: albertomello@ufrrj.br.
generalizado, na medida em que esta assume as mais variadas feições. Fala-se em violência
urbana, violência no trânsito, violência doméstica, etc. (ABREU E LOURENÇO, 2010, s/p).
Essa repercussão social de que goza a questão da violência é amiúde manipulada em
prol de interesses políticos. Autoridades públicas, particularmente membros do Legislativo,
com vistas à simpatia do eleitor, acabam propondo soluções simplórias a problemas assaz
complexos. O cidadão-eleitor, a seu turno, influenciado pela grande mídia e, muita vez, sem
conhecimento para análises críticas, termina por acreditar na eficácia daquelas soluções.
Mudanças legais que promovam a dilatação do poder punitivo, com mais repressões e
encarceramentos, afiguram-se como os remédios que salvarão as cidades do caos da violência.
É o que se observa no tocante à redução da maioridade penal.
O tema, atualmente em voga, nada tem de recente. É, na verdade, uma discussão
recorrente na história jurídica do Brasil, cujos primeiros matizes se fizeram vislumbrar ainda
no limiar do período monárquico. No entanto, parece ser tratado, em diversos momentos
históricos, como uma demanda nova e, por conseguinte, urgentemente carecedora de
interferência punitiva. Trata-se, todavia, de mero oportunismo político.
Nada obstante, é mister salvaguardar a observância das leis, como pressuposto
elementar do Estado de Direito, de modo a garantir que instabilidades políticas não afetem a
ordem jurídica instituída em outubro de 1988. Nunca é exaustivo recordar que, uma vez sob a
égide de um Estado de Direito, imperam as leis, capituladas pela Constituição, acima de
qualquer ente ou circunstância.
Preleciona Dallari (2010-a, p. 10) que “a Constituição autêntica não pode ser o produto
de uma construção artificial, estabelecida ou modificada de modo a atender às conveniências
de quem detiver o poder político num dado momento histórico”. Para tanto, o constituinte
originário instituiu limitações formais e materiais ao poder de reforma da Constituição.
As referidas limitações materiais se identificam com as cláusulas pétreas, pelas quais
“pretende-se evitar que a sedução de apelos próprios de certo momento político destrua um
projeto duradouro” (MENDES, 2015, p. 123).
Nesse contexto, o presente trabalho ambiciona a investigar a tese da
inconstitucionalidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171 de 1993 (redução da
maioridade penal), à luz das limitações materiais postuladas pela CRFB/88. Outrossim, com o
escopo de asseverar a inconstância da proposta, procederá a uma revisão histórica da matéria e
analisará detidamente, porém não à saturação, as justificativas apresentadas no texto da
PEC/171, submetido ao Congresso Nacional.
As teses de inconstitucionalidade com fundamento em tratados internacionais sobre
direitos humanos não constituem objeto do presente estudo, uma vez que afiguram-se
demasiado débeis, em face de entendimento preconizado pelo Supremo Tribunal Federal.
Conquanto devessem assumir status de emenda constitucional, após observados
determinadores rigores procedimentais, consoante a Emenda 45/2004, os aludidos tratados são
considerados pelo STF como normas supralegais, porém infraconstitucionais2.
O presente artigo engendrou-se de revisão bibliográfica sistemática, valendo-se
mormente da metodologia dedutiva. Sem embargo, ante imperativos de ordem prática, não pôde
eximir-se de utilizar, pontualmente, da perspectiva indutiva de pesquisa. Impende não olvidar
que os métodos, como um reflexo da própria realidade, dialogam diuturnamente, num processo
de interação dialética.

II. BREVÍSSIMA REVISÃO HISTÓRICA DO TRATAMENTO SOCIO-JURÍDICO DE


MENORES INFRATORES NO DIREITO BRASILEIRO

À luz dos mais modernos postulados da Antropologia, óbvia é a conclusão de que o


Direito Positivo constitui evidente traço cultural de uma sociedade. As normas jurídicas, afora
questões de índole ideológica, expressam as preocupações, os valores e as expectativas daqueles
a que se destinam – e que, de certa forma, são mesmo os seus criadores.
Nesse sentido, é natural que a figura do menor só tenha aparecido nos textos jurídicos
quando sociedade atentou para a peculiaridade desta fase da existência humana. A História
registra que tal ocorreu por ocasião da modernidade e, sobretudo, do processo de
industrialização, cujos primeiros matizes começaram a se fazer visíveis no século XVII. Nesse
diapasão, afirma-se que:

Com o advento da modernidade, certas instituições começaram a se consolidar e a


adquirir importância - entre elas o (...) reconhecimento da infância e mesmo da
adolescência enquanto fases peculiares da vida. A presença de uma nova sensibilidade
e de atitudes, comportamentos e valores distintos - como os mimos que passam a ser
dedicados às crianças, até então vistas como adultos em miniatura - só se torna
conspícua quando se atenta para o longo prazo e, mesmo assim, as práticas anteriores
não deixam de ter vigência. De fato, provocaria escândalo nos dias de hoje a
indiferença com que frequentemente os pais tratavam as crianças até que elas
ultrapassassem o limite de idade que permitia ter esperança em sua sobrevivência.
Como na estória de João e Maria, não era incomum que fossem abandonadas por
famílias que não tinham meios de criá-las. O infanticídio era secretamente praticado
e moralmente admitido. (QUINTANEIRO et al, 2009, p. 11-12)

2
À guisa de exemplo, vide HC 88.240 e 94.702, Rel. Min. Ellen Gracie, ambos publicados no DJ de 24-10-2008.
Portanto, o desenvolvimento de uma consciência social acerca das fragilidades
inerentes à condição infanto-juvenil representou o primeiro passo para que o Direito assentasse,
em seus estatutos, restrições à punição de crianças e adolescentes, com base na idade – surgindo,
assim, a figura do menor de idade. O critério da idade, como será discutido ulteriormente, é
amplamente variável e não raro foi relativizado pelos códigos penais.
Na esteira desses câmbios sociais, o primeiro estatuto jurídico a abraçar o tratamento
penal diferenciado para crianças e jovens foram as Ordenações Filipinas de 16033. Nesse ponto,
a experiência brasileira se confunde, por questões históricas, com a lusitana, porquanto o Brasil
integrou o império português, na condição de colônia e, posteriormente, de reino unido, até
1822. “A vigência das Filipinas, em matéria penal, avançou mesmo alguns anos sobre o próprio
estado nacional brasileiro, até a promulgação do Código Criminal de 1830, com os limites e
alterações decorrentes da nova ordem constitucional e algumas leis penais editadas naquele
período (...)” (ZAFFARONI et al, 2011, p. 417)4.
Dispunham as Ordenações Filipinas, em seu Título CXXXV, do Livro V:

Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte anos cometer qualquer delito,
dar-lhe-á a pena total, que lhe seria dada, se de vinte e cinco anos passasse. E se for
de idade de dezessete anos até vinte, ficará ao arbítrio dos julgadores dar-lhe a pena
total, ou diminuir-lha. E neste caso olhará o julgador o modo com que o delito foi
cometido e as circunstâncias dele, e a pessoa do menor, e se achar em tanta malícia,
que lhe pareça que merece pena total, dar-lhe-á, posto que seja de morte natural. E
parecendo-lhe que não a merece, poder-lhe-á diminuir, segundo qualidade, ou
simpleza, com que achar, que o delito foi cometido. E quando o delinquente for menor
de dezessete anos cumpridos, posto que o delito mereça morte natural, em nenhum
caso lhe será dada, mas ficará ao arbítrio do julgador dar-lhe outra menor pena.
(PIERANGELLI, 1980, apud SPOSATO, 2011).

Do dispositivo supracitado, imperioso destacar que ao jovem entre 17 e 21 anos seria


aplicada pena total ou mitigada, com base nas circunstâncias do delito, a serem analisadas pelo
juiz. Não poderia ser aplicada pena de morte ao menor de 17 anos, devendo o pretor fixar
qualquer outra pena, no rol das possibilidades de que dispunha.

3
“Publicadas em 1603, durante a união ibérica, por Felipe III (II de Portugal), representavam um novo esforço de
atualização e consolidação da legislação extravagante, iniciado por ordem de Felipe II (I de Portugal) em 1595”
(ZAFFARONI et al, 2011, pg. 417, grifo nosso).
4
Decreto de 20 de out. de 1823. Postula em seu artigo 1º, in verbis: “As Ordenações, Leis, Regimentos, Alvarás,
Decretos, e Resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal, e pelas quaes o Brazil se governava até o dia 25 de
Abril de 1821, em que Sua Magestade Fidelissima, actual Rei de Portugal, e Algarves, se ausentou desta Côrte; e
todas as que foram promulgadas daquella data em diante pelo Senhor D. Pedro de Alcantara, como Regente do
Brazil, em quanto Reino, e como Imperador Constitucional delle, desde que se erigiu em Imperio, ficam em inteiro
vigor na pare, em que não tiverem sido revogadas, para por ellas se regularem os negocios do interior deste Imperio,
emquanto se não organizar um novo Codigo, ou não forem especialmente alteradas” (BRASIL, 1823).
Sposato (2011, p. 16) assevera que “(...) As Ordenações Filipinas contemplavam como
condenação para determinados crimes a pena não só para o agente da conduta proibida, como
também para os seus descendentes, atingindo assim menores de qualquer idade e sem qualquer
relação com o fato criminoso”.
Sem embargo de ainda ser observado alto grau de discricionariedade e da aventada
inobservância ao princípio da intranscendência da pena (para alcançar crianças e jovens,
possivelmente impúberes, o que é mais grave), não resta dúvida do caráter revolucionário que
essa legislação representou ao dedicar espaço à matéria.
Com a promulgação do Código Criminal de 1830, tem-se que as Ordenações Filipinas
foram derrogadas, no âmbito penal. Aquele, em seu art. 10, previa expressamente a
inimputabilidade dos menores de 14 (quatorze) anos de idade, salvo na hipótese de eles
demonstrarem discernimento no cometimento do delito. Neste caso, seriam recolhidos a casas
de acolhimento5.
A idade inferior a 21 anos (art. 18, item 10) constituía atenuante. Lyra (1974) apud
Noronha (2004, p. 56) aduz que essa atenuante é criação nativa, não constando dos códigos que
influenciaram o direito penal do Império.
Com o advento da República, promulgou-se, em 1890, um novo Código Penal, em
cuja maioridade permaneceu fixada aos 14 anos de idade. O código em comento delibera que o
menor de 9 anos sequer poderá ser enquadrado na categoria de criminoso; trata-se, pois, da
postulação de uma presunção iuris et de iure para a atitude criminosa nessa faixa etária
(SPOSATO, 2011, p. 20).
Os delitos cometidos por maiores de 9 e menores de 14 anos teriam sua
intencionalidade avaliada, com base no discernimento do agente. Aqueles que fossem detidos
nessa faixa etária, uma vez “obrado com discernimento”, seriam encaminhados para
estabelecimentos disciplinares, onde se quedariam até, no máximo, os 17 anos de idade, ex vi
do art. 30 do CP/1890.
Até esse momento histórico, a discricionariedade da “pesquisa do discernimento”
preponderou no tratamento de infrações cometidas por jovens e crianças. Todavia, observa
Sposato (2011, p. 21) que:

Esta etapa é superada com o surgimento das jurisdições e legislações especializadas;


com o objetivo de tornar a matéria autônoma e independente do direito penal

5
Assinala Sposato (2011) que “(...) Consta de documentos e registros históricos que as chamadas casas de correção
não foram construídas, levando com isso o recolhimento dos menores de idade aos mesmos estabelecimentos de
adultos em franca promiscuidade”.
tradicional, levaram não só à especialização do Direito como à separação da infância
e adolescência em crianças e adolescentes de um lado e menores de outro.
(SPOSATO, 2011, p. 21)

No limiar do século XX, uma série de países adotou institutos processuais distintos
para os casos que envolvessem menores. À semelhança deles, o Brasil, em 1923, criou a figura
do Juiz de Menores. Pouco antes, porém, o país abandonou definitivamente o critério
biopsicológico, “da averiguação do discernimento”, para abraçar critério puramente objetivo,
excluindo de qualquer tipo de processo criminal os menores de 14 anos de idade (Lei n° 4.242,
de 05 de janeiro de 1921).
Com efeito, essas medidas inauguravam uma nova fase na tutela jurídica da infância e
da juventude, que vai se consolidar com a publicação de um Código de Menores, em 1927.
Este, de certa forma, é resultante da experiência adquirida com o Juizado de Menores.
Dispunha o artigo primeiro do referido código: “O menor, de um ou outro sexo,
abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela
autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção contidas neste Codigo” (BRASIL,
1927). Um dos condões da lei de 1927, expresso no dispositivo precedente, é a fixação da idade
penal plena em 18 (dezoito) anos.
Nesse contexto, ex vi do disposto no art. 68 do Decreto 17.943, os menores de 14 eram
inimputáveis, não se admitindo contra eles qualquer sorte de processo. Os menores entre 14 e
18 anos poderiam sofrer processo penal, porém de natureza especial.
O Código Penal de 1940, ora em vigor, manteve a maioridade penal fixada aos 18, ao
deliberar, verbum ad verbo: “Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente
inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.
Em 1979, veio a lume um novo Código de Menores, caracterizado como uma
“legislação marcantemente repressiva e correcional” (MONTEIRO & SANTOS JR, 2007, s/p).
De fato, a lei de 1979 inaugura a chamada “Doutrina da Situação Irregular”, segundo a qual “os
menores passam a ser objeto da norma quando se encontrarem em estado de patologia social”
(SARAIVA, 2003, p. 44). Delibera em seu art. 1º: “Este Código dispõe sobre a assistência,
proteção e vigilância a menores: I – até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação
irregular; II – entre dezoito e vinte e um anos, nos casos expressos em lei”. E, no artigo
subsequente, considera em situação irregular:

(...) o menor: I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução


obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais
ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;
III - em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente
contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou
responsável; V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária; VI - autor de infração penal. Parágrafo único. Entende-se por
responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância,
direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia,
independentemente de ato judicial (BRASIL, 1979).

A propósito da retrotranscrita situação irregular, convém elucidar que:

A declaração de situação irregular poderia derivar da conduta pessoal do menor (no


caso de infrações por ele praticadas ou de ‘desvio de conduta’), de fatos ocorridos na
família (como os maus-tratos) ou da sociedade (abandono). Ou seja, o menor estaria
em situação irregular, equiparada a uma ‘moléstia social’, sem distinguir, com clareza,
situações decorrentes da conduta do jovem ou daqueles que o cercavam (LIBERATI,
2002, p. 78).

O paradigma adotado pelo Código de Menores de 1979 apresenta feições simplistas,


de vez que ignora a pluralidade de circunstâncias distintas pelas quais um menor pode fazer-se
carente da assistência estatal, resumindo qualquer conflito à categoria da situação irregular. A
inteligência contida naquele código, denuncia Saraiva (2002, p. 14), implicava na amiúde
reunião, na mesma instituição, de “infratores e abandonados, vitimados por abandono e maus-
tratos com autores de conduta infracional”. É natural inferir-se, por conseguinte, que esse
modelo colaborava para o agravamento dos problemas envolvendo a infância e a juventude. É
razoável a ponderação de que problemas distintos reclamam soluções distintas.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 representou a aurora de uma nova ordem
jurídica. Aduz Alves (2009, p. 17) que “com a Constituição de 1988, o Brasil assume perante o
mundo um compromisso nacional com o futuro de suas crianças um ano antes da aprovação do
texto final da convenção das Nações Unidas sobre direitos da criança”. Nesse sentido, a Lex
Mater de 1988 atribui prioridade incondicional ao tratamento da infância e da juventude.
É, dessa sorte, que o Brasil traz para sede constitucional a definição da maioridade penal (art.
228), assentada na ordem de 18 anos, conforme tendência internacional. Este ponto constitui o cerne do
presente trabalho, como será discutido.
Pouco mais tarde, em 1990, foi publicado o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei
8.069, o qual:
(...) Institui a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, considerando
criança a pessoa com até doze anos incompletos, e adolescente aquela entre doze e
dezoito anos fixando-lhes os direitos e os deveres e prevendo as medidas aplicáveis
àqueles que afrontem os seus preceitos legais. O Estatuto substituiu o antigo Código
de Menores (Lei 6697/790 e a sua doutrina da situação irregular, mas
fundamentalmente foi uma resposta aos movimentos da sociedade que pediam uma
nova política de atendimento às crianças e aos adolescentes que não se baseasse no
assistencialismo nem na repressão herdada da época da Funabem e ratificada pelo
Código de Menores (JESUS, 2006, p. 13).

Assim, tem-se que o ECA introduz uma nova disciplina na assistência a menores,
tratando-os como sujeitos de direitos e atuando em sua recuperação e reeducação.
Não constitui objeto do presente trabalho o estudo dos institutos que regem a tutela do
menor. O escopo, aqui, restringe-se à análise da redução da maioridade penal, à luz da
Constituição de 1988. Como exposto alhures, o estabelecimento da maioridade penal em 18
(dezoito) anos tem sede constitucional, de modo que a análise da legislação infraconstitucional
é, neste contexto, dispensável.
Foi possível, neste primeiro capítulo, discutir sucintamente a evolução do tratamento
penal dos menores, ao longo da história jurídica do Brasil. Paulatinamente, a legislação foi
suplantando institutos frágeis e discricionários, como o critério biopsicológico de pesquisa do
discernimento ou o tratamento generalizante do Código de Menores de 1979. Após diversas
mudanças na idade penal, chegou-se a uma fixação constitucional.
Já foi dito exaustivamente: o povo que ignora o seu passado está fadado a reprisá-lo.
A Historiografia denuncia uma longa e cambiante história sobre a maioridade penal no Brasil.
Nada obstante, o problema da violência, erguido como estandarte pró-redução da idade penal,
não apresenta variação tal que permita relacionar o seu aumento ou diminuição com a
criminalização em tal ou qual idade.
De posse destes conhecimentos históricos, passa-se à análise da etapa seguinte na
longa marcha da idade penal no Brasil: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171 de
1993. Cabe a indagação se essa PEC representa, de fato, uma proposta de ato normativo ou um
instrumento político-eleitoral.

III. HERMENÊUTICA DA PEC 171/93

A fim de apreciar a possível inconstitucionalidade da PEC 171/93, mister faz-se, antes,


analisar pormenorizadamente o seu teor. É, assim, que, subsequentemente, apresenta-se a
análise do texto submetido ao Congresso Nacional em agosto de 1993.
Com efeito, o texto da PEC em comento está inquinado de uma série de contradições
e pressupostos infundados. Nada há de concreto que possa servir de baluarte àquela proposta.
Nesse sentido, urge trazer à baila as palavras do legislador, verbum ad verbo:

Observadas através dos tempos, resta evidente que a idade cronológica não
corresponde à idade mental. O menor de dezoito anos, considerado irresponsável e
consequentemente, inimputável, sob o prisma do ordenamento penal brasileiro
vigente desde 1940, quando foi editado o Estatuto Criminal, possuía um
desenvolvimento mental inferior aos jovens de hoje na mesma idade6.
Com efeito, concentrando as atenções no Brasil e nos jovens de hoje, por exemplo, é
notório, até ao menos atento observador, que o acesso destes à informação – nem
sempre de boa qualidade – é infinitamente superior àqueles de 1940, fonte inspiradora
natural dos legisladores para a fixação penal em dezoito anos. A liberdade de
imprensa, a ausência de censura prévia, a liberação sexual, a liberação e
independência dos filhos cada vez mais prematura, a consciência política que
impregna a cabeça dos adolescentes, a televisão como maior veículo de informação
jamais visto ao alcance da quase totalidade dos brasileiros, enfim, a própria dinâmica
da vida, imposta pelos tortuosos caminhos do destino, desvencilhando-se ao avanço
do tempo veloz, que não pára, jamais. (...)
Hoje, um menino de 12 anos compreende situações da vida que há algum tempo atrás
um jovenzinho de 16 anos ou mais nem sonhava explicar.
A tal ponto isto foi percebido por nós que ao analisar o potencial dos moços com 16
anos percebemos que poderiam escolher os seus governantes e para isso conseguiram
o direito de votar (BRASIL, 1993, p. 23.062-23.063).

No texto supracitado, o legislador sustenta que mudanças sociais, políticas e


tecnológicas corroboraram para adiantar o amadurecimento dos jovens. Todavia, casos
emblemáticos de crimes estarrecedores envolvendo jovens não são relatos tão recentes, donde
indaga-se: as mudanças aventadas pelo legislador não estariam tão somente dando maior
visibilidade e conferindo novos matizes a problemas antigos? Com o escopo de investigar a
tese proposta pelo constituinte derivado, imperioso passar a análise empírica. Em artigo
publicado na Revista Galileu, Orsi (2015) descreve três casos que ganharam destaque nos
Estados Unidos:

Em 1874, os Estados Unidos condenavam Jesse Pomeroy, de 14 anos, à prisão


perpétua por duplo homicídio. William Henry “Bonney” McCarthy, o “Billy the Kid”
do Velho Oeste, matou pela primeira vez aos 17, e aos 20 já tinha a cabeça a prêmio.
Foi morto pouco depois, em 1881. Nathan Leopold e Richard Loeb, a dupla de
assassinos que inspirou o filme “Festim Diabólico” de Alfred Hitchcock, cometeram
o assassinato pelo qual foram condenados, em 1924, quando já eram maiores de idade
– tinham 19 e 18 anos, respectivamente – mas haviam participado de crimes menores,
antes.

No contexto brasileiro, uma reportagem publicada no Jornal O Globo em 1925


denuncia o crime cometido por Manoel, menor de 11 (onze) anos que matou a machadadas um
homem na Rua do Rezende, Centro do Rio de Janeiro (apud KAPA, 2015).
As informações colhidas dos meios de comunicação nos levam, por indução, à
inequívoca conclusão de que as mudanças culturais elencadas pelo legislador não fundamentam
a aventada hipótese de que a atual sociedade brasileira esteja vivendo um amadurecimento mais
tenro.

6
Equívoco do legislador. Como exposto alhures, a fixação da idade penal em 18 anos foi introduzida em nosso
direito pelo Decreto 17.943/1927.
Tampouco é razoável comparar a idade de capacidade eleitoral com a de
imputabilidade penal. Inexiste a menor coincidência entre essas duas searas. A inteligência
dirigida à seleção de uma pessoa para determinado cargo público não se confunde com a
necessária para maquinação de atos criminosos.
Ademais, prossegue a PEC 171/93:

Nos grandes centros urbanos, os adolescentes entre dezesseis e dezoito anos já


possuem, indiscutivelmente, um suficiente desenvolvimento psíquico e a plena
possibilidade de entendimento (...) que fornecem aos jovens de qualquer meio social,
ricos e pobres, um amplo conhecimento e condições de discernir sobre o caráter de
licitude e ilicitude dos atos que praticam e de determinar-se de acordo com esse
entendimento, ou seja: hoje, um menor de dezesseis ou dezessete anos sabe
perfeitamente que matar, lesionar, roubar, furtar, estuprar etc. são fatos que contrariam
o ordenamento jurídico (...)(BRASIL, 1993, p. 23063, grifo meu).

Uma reportagem publicada pela revista Science (apud ORSI, 2015) conclui que “o
cérebro de um jovem de 16 ou 17 anos ainda não atingiu o desenvolvimento pleno de áreas
fundamentais para a responsabilidade criminal, como as envolvidas no controle das ações
impulsivas, das emoções e da capacidade de resistir à tentação de prazer imediato”. Portanto,
falaciosa é a afirmação de que “indiscutivelmente” os adolescentes com dezesseis anos já
possuem desenvolvimento psíquico e plena capacidade de entendimento.
Sequer encontra amparo científico a afirmação de que jovens de quaisquer meios
sociais possuem a referida noção de licitude e ilicitude. Em artigo publicado recentemente na
revista Sage Open, Males (2015) conclui, com base no estudo de mais de cinquenta mil casos
de homicídio ocorridos na Califórnia ao longo de vinte anos, que a relação entre idade
adolescente e comportamento criminoso é mais intensa nas camadas mais pobres da população,
ao passo que, entre os ricos, é praticamente nula.
Ademais, o legislador, na PEC em análise, chama atenção para a necessidade de se
responsabilizar o agente criminoso, a despeito da idade, e dispara: “A alma que pecar, essa
morrerá (Ez. 18)” (BRASIL, 1993, p. 23063). Refere-se, ainda, ao exemplo do personagem
bíblico Davi e à “sabedoria de Salomão”.
A utilização de argumentos dessa natureza não coaduna com o rigor epistemológico
exigível em redações jurídicas, sobretudo porque a proposta de ato normativo tem seu locus em
um Estado laico.
De tudo quanto exposto, resta evidente a inconsistência dos argumentos utilizados pelo
legislador na fundamentação da PEC 171/93, os quais podem ser facilmente refutados com base
em estudos científicos já realizados.
Impende, neste ponto, passar ao questionamento acerca da constitucionalidade da
proposta de ato normativo analisada.

IV. A PEC 171/93 À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

É imperioso investigar a admissibilidade da modificação proposta ao artigo 228 da Lex


Fundamentallis, com vistas à doutrina das cláusulas pétreas.
Aduz Mendes (2015, p. 120, grifo do autor) que o poder constituinte originário pode
tornar intangíveis algumas das opções que tomou, consagrando o que se denomina de cláusula
pétrea. Resta estudar se a idade penal se inclui nessa categoria.
Dispõe o art. 60, §4º, da CF/88, ipsis litteris: “Não será objeto de deliberação a
proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direito,
secreto, universal e periódico; III – a separação dos poderes; IV – os direitos e garantias
individuais”. O referido dispositivo introduz as cláusulas pétreas do Ordenamento Jurídico
Brasileiro, remodelado pela Carta de 1988.
Com atenção ao inciso IV do referido parágrafo, indaga-se: esse dispositivo abarca o
artigo 228 da Constituição Federal?
A resposta a essa questão envolve discussão das mais controversas na seara do Direito
Constitucional Brasileiro e se relaciona com a literalidade do inciso IV, §4º, do art. 60. É que o
aludido dispositivo menciona direitos e garantias individuais. Deve-se, pois, investigar se as
demais categorias de direitos expressas no Título II da Constituição 7 (direitos fundamentais)
gozam ou não do mesmo status de cláusula pétrea.
Uma fração da doutrina postula pela interpretação estrita da cláusula constitucional,
pelo que tão somente os direitos individuais (art. 5º) estariam abarcados. De outra banda, há os
que defendem que o constituinte empregou a espécie pelo gênero, de sorte que todos os direitos
fundamentais devem ser encarados como cláusulas intangíveis.
Malgrado esses posicionamentos, impende recorrer ao espírito da Carta Cidadã. Para
tanto, mister faz-se trazer à baila as palavras de Barroso (2013, p. 201-202), em defendendo a
inclusão dos direitos materialmente fundamentais na categoria de cláusula pétrea:

A posição por nós defendida vem expressa a seguir e se socorre de um dos principais
fundamentos do Estado constitucional brasileiro: a dignidade da pessoa humana (art.
1º, III). Esse princípio integra a identidade política, ética e jurídica da Constituição e,
como consequência, não pode ser objeto de emenda tendente à sua abolição, por estar

7
No referido Título, encontram-se normas de direitos individuais, sociais e políticos, que são, nas palavras de Luís
Roberto Barroso (2013, p. 200), diferentes gerações ou dimensões de direitos fundamentais.
protegida por uma limitação material implícita ao poder de reforma 8. Pois bem: é a
partir do núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana que se irradiam
todos os direitos materialmente fundamentais, que devem receber proteção máxima,
independentemente de sua posição formal, da geração a quem pertencem e do tipo de
prestação a quem dão ensejo.

Destarte, com a finalidade de assegurar uma vida digna, não apenas os direitos
individuais, mas todos os direitos fundamentalmente materiais, devem ser considerados
cláusulas pétreas, independentemente da dimensão a que pertençam.
Nesse diapasão, a geração, exempli gratia, dos direitos sociais deve gozar da
intangibilidade prevista no inciso IV do §4º do art. 60, porquanto:

(...) A doutrina contemporânea desenvolveu o conceito de mínimo existencial, que


expressa o conjunto de condições materiais essenciais e elementares cuja presença é
pressuposto da dignidade para qualquer pessoa. Se alguém viver abaixo daquele
patamar, o mandamento constitucional estará sendo desrespeitado. Oram bem: esses
direitos sociais fundamentais são protegidos contra eventual pretensão de supressão
pelo poder reformador (...). Em suma, não somente os direitos individuais, mas
também os direitos fundamentais materiais como um todo estão protegidos em face
do constituinte reformador ou de segundo grau (BARROSO, 2013, p. 202-203).

Institui o art. 6º da Carta Magna: “São direitos sociais a educação, a saúde, a


alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Observe-se que a proteção à infância figura como direito social, na cognição do constituinte de
1988.
Ora, os arts. 227, 228 e 229 da Constituição nada mais fazem senão pormenorizar a
proteção capitaneada pelo art. 6º. O corolário dessa constatação é o que os referidos artigos são
cláusulas intangíveis ao constituinte derivado, id est, são cláusulas pétreas.
Portanto, a proposta tendente a modificar o artigo 228 da Constituição Federal é
juridicamente impossível, com fundamento no art. 60, §4º, inciso IV, da mesma constituição,
interpretado extensivamente a fim de abarcar todos os direitos e garantias fundamentais
materiais (Título II – CF/88), os quais se originam do princípio da dignidade da pessoa humana
– que, como exposto alhures, constitui limite material implícito ao poder de reforma.

8
A propósito aludidos limites materiais implícitos, ensina Mendes (2015, p. 133, grifo do autor): “As limitações
materiais ao poder de reforma não estão exaustivamente enumeradas no art. 60, §4º, da Carta da República. O que
se puder afirmar como ínsito à identidade básica da Constituição ideada pelo poder constituinte originário deve
ser tido como limitação ao poder de emenda, mesmo que não haja sido explicitado no dispositivo (...). Os princípios
que o próprio constituinte originário denominou fundamentais, que se leem no Título inaugural da Lei Maior,
devem ser considerados intangíveis”.
Faz-se mister enfatizar que a mera localização do dispositivo na topografia
constitucional não afasta a sua natureza de norma intangível. Há, pois, precedente de julgado
no Pretório Excelso, em que foi considerado cláusula pétrea o disposto no art. 150, III, b:

- Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda


Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a
Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza
Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par.2., 60, par.4., incisos I e IV, 150, incisos III, b, e
VI, a, b, c e d, da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada,
portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria,
pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função
precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, a, da C.F.). 2. A Emenda
Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o
I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse
dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, b e VI", da
Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis
(somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual
do contribuinte (art. 5., par.2., art. 60, par.4., inciso IV e art. 150, III, b da
Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributária reciproca (que veda a União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o
patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60,
par.4., inciso I,e art. 150, VI, a, da C.F.); (...) 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade
julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do
Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida
cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.
(STF - ADI: 939 DF, Relator: SYDNEY SANCHES, Data de Julgamento:
15/12/1993, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 18-03-1994 PP-05165
EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755)

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De tudo quanto exposto, foi possível revisitar a evolução do tratamento de menores no


ordenamento jurídico pátrio. Restou evidente que a legislação aplicada no Brasil desde a era
colonial seguiu os avanços da sociedade moderna. Não se trata, como é evidente, de um
processo linear, mas de uma sucessão de altos e baixos, onde a experiência histórica tratou de
tecer caminhos mais adequados a problemas assaz complexos.
Nesse sentido, o Direito Brasileiro, relativamente à tutela da menoridade, é o palco
onde as conveniências e valores políticos de cada época se manifestam. Basta observar
paralelamente o Código de Menores de 1979 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990)
para se alcançar essa constatação. Ou a influência que crimes cometidos por menores tiveram
no processo legislativo, como, verbi gratia, na criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do
Menor (Funabem), que após rejeitada pela Câmara dos Deputados, foi criada por decreto, em
1964, após o bárbaro assassinato do filho do então Ministro da Justiça, Milton Campos, por
adolescentes (SILVA, 2001, s/p).
Da análise da redação da PEC 171/93, submetida ao Congresso Nacional, foram
obtidas interessantes conclusões, no tocante ao arcabouço teórico que fundamenta a redução da
idade penal. Na verdade, dir-se-ia que não há fundamentação, pois, como explanou-se, a
proposta de ato normativo configura-se como uma série de posicionamentos ideológicos que
não encontram amparo em dados objetivos.
O cerne das discussões, contudo, reside na constitucionalidade da proposta. Como
demonstrado, a PEC 171/93 não está albergada pela ordem constitucional emergida em 1988,
porquanto trata de matéria intangível ao poder constituinte derivado. Esse fato tem como
baluarte interpretação extensiva do art. 60, §4º, IV, da Constituição Federal, que trata como
cláusula pétrea, segundo composição doutrinária já demonstrada, todos os direitos
materialmente fundamentais, os quais emanam do princípio da dignidade da pessoa humana.
Dessarte, a inteligência contida no artigo 6º da CF/88, que trata a tutela da infância
como direito social, configura-se como cláusula pétrea. Bem assim, os artigos 227, 228 (idade
penal) e 229, que esmiúçam o disposto no art. 6º.
Urge atentar para a natureza político-social do problema. Já existem medidas
adequadas à reeducação e ressocialização dos chamados adolescentes em conflito com a lei,
configurando a existência de um direito penal próprio para a juventude. Não obstante, a mídia
e agremiações partidárias devotam particular interesse em disseminar a falsa noção de
“impunidade”.
O problema do menor origina-se de questões sociais que não serão resolvidas pela
punição, mas por políticas preventivas que promovam a inclusão social do jovem e pelo
aprimoramento dos atuais sistemas de recuperação.
Já é tempo de superar a velha cultura de que a criação de leis e a punição resolvem
todos os problemas.

VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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