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VOLTA À ÁFRICA

(RE)AFRICANIZAÇÃO E IDENTIDADE RELIGIOSANO CANDOMBLÉ PAULISTA DE ORIGEM


BANTU

RENATO UBIRAJARA DOS SANTOS BOTÃOi

Resumo: O presente artigo é o resultado de uma pesquisa de mestrado sobre a questão da (re)construção (ou
resgate) da identidade religiosa dos adeptos do candomblé nação angola-congo. A pesquisa foi realizada em dois
terreiros do Estado de São Paulo, cujos pais-de-santo procuram resgatar a identidade afro brasiliera-bantu, tentando
implantar em seus terreiros rituais de religiões africanas do norte de Angola, o que chamamos mais comumente de
(re)africanização. Nossos resultados apontam para: 1) um novo tipo de relacionamento entre o candomblé angola da
Bahia e o de São Paulo; 2) o fato de que a questão da (re)africanização é diferente em cada terreiro. Palavras chave:
religião, candomblé, identidade, bantu.

Abstract:: The present article is the result of a master research about the question of the (re)construction (or rescue)
of the religious identity of the adepts of Angola-Congo nation “candomblé”. The research was carried through in two
“places of fetichism” on the State of São Paulo, whose afro guiders try to rescue the brasillian-bantu identity, trying to
implant in their “places of fetichism” rituals of African religions of the north of Angola, what we call (re)africanization.
Our results shows: 1) a new type of relationship beetween Angola candomblé from Bahia and from São Paulo; 2) the
fact of the question of (re) “africanization” is different in each “place of fetichism”.
Key-words: religion, “candomblé”, identity, “bantu”.

INTRODUCÃO

Como em outras religiões o candomblé sofreu, e vem sofrendo, transformações e busca se adaptar
à modernidade (ou pós-modernidade), e a (re)africanização1 é um desses pequenos movimentos que
ocorrem no interior desta religião. Nina Rodrigues deu início à etnografia do candomblé e
privilegiou, em seus estudos, o modelo jêje-nagô (também conhecido como ketu), rito que lhe
parecia mais evoluído que o rito bantu. Para Lopes (1988, p. 01):
negro de um modo geral. Porque com toda a
Essa discriminação dos Bantos atinge o certeza a maioria dos

podemos pensar que os sacerdotes e sacerdotisas estão buscando africanizar


seus terreiros, ao invés de reafricanizar. Outros autores adotam grafias
diferentes. Prandi (1991) e Braga (1988) utilizam o termo sem o uso dos
parênteses, Melo (2004) adota o recurso das aspas, e Lépine (2005) adota o
Adotaremos tal termo utilizando o recurso dos parênteses, porque termo africanização.
entendemos que o candomblé é uma religião brasileira, desse modo,
grandefloresta tropical (África Central,
africanos trazidos para o Brasil na condição Oriental, Austral), que é o habitat dos povos
de escravos veio do vasto território abaixo da bantófones.

(re)africanização das religiões afrobrasileiras


tenham sido iniciadas por adeptos da nação
Por conta desse “privilégio” ketu.
dispensado à nação ketu, a nação angola- O termo (re)africanização, em sua
congo (e outras nações) que cultua os jinkisi 2 acepção atual, no Brasil, foi pensado por
ainda é pouco estudada. Devido a toda essa cientistas sociais (Brown, 1994; Prandi,
trajetória de ostracismo acadêmico, não é de 1991; Silva, 1995 e outros), para designar
estranhar que a luta e o processo de um conjunto de medidas que se caracterizam
pela intenção de resgatar os mitos, os rituais religião em todo o país, a “hegemonia nagô”
e outros elementos que vinham e vêm ou “nagocracia”3 persiste. Por isso,
perdendo o significado no interior do concordamos com Braga (1988, p. 85),
candomblé. quando ele diz que “[...] essa reafricanização
deveria ser chamada, com mais propriedade,
de nigerianização e em menor escala de
Plural de Nkisi, divindades do panteão mitológico bantu.
2
beninização [...]”. E completa dizendo:
Contudo, mesmo com a disseminação dessa
religiosos. Ao contrário, ficaram de alguma
A reafricanização ou pelo menos a tentativa forma estigmatizados, quase órfãos de uma
de reafricanização dos cultos afro-brasileiros, matriz à qual pudessemeventualmente
pelas razões históricas e até mesmo políticas, recorrer. É como se a cultura religiosa
foi profundamente prejudicial ao africana se limitasse exclusivamente à
conhecimento de outros povos africanos, tais religião dos Orixás. Em síntese, a
como os Bantos, que legaram ao Brasil muito reaproximação com a África tem sido pouco
da sua concepção de vida, de hábitos e expressiva em relação ao conhecimento dos
costumes, hoje plasmados na totalidade do países de língua portuguesa, ironia da
ethos brasileiro. A reafricanização pouco história, os menos estudados e muito pouco
serviu aos interesses dos candomblés Angola, visitados por pesquisadores e gente-de-santo.
Congo e Congoangola, e tantos outros grupos (BRAGA, 1988, p. 88)

assunto é o resgate dos conhecimentos bantu


em São Paulo e, quiçá, no Brasil.
Contudo, desde os anos 1990 que
alguns sacerdotes do candomblé angola- Nossas reflexões finais apontam para
congo em São Paulo, resolveram iniciar o o fato de que não existe apenas um tipo de
resgate de ritos e mitos bantu. A questão (re)africanização e de que, tem havido uma
com o qual nos defrontamos agora – além da nova relação entre paulistas e baianos,
escassez frente aos estudos sobre a tradição quando se discute
e as culturas bantu no Brasil – é o de saber o resgate de mitos e ritos no interior da
como se dá a (re)africanização no interior nação angola-congo. Pois nos parece que os
dessa nação, fato ainda não pensado pelos pais-de-santo de São Paulo estariam levando
estudiosos das religiões afro-brasileiras. a (re)africanização aos terreiros da Bahia.
Como os angoleiros, nome pelo qual são
(RE)CONSTRUINDO UMA IDENTIDADE
conhecidos, percebem a (re)africanização,
em que aonde (Angola?, Congo?, nos livros?,
A discussão acerca da busca da
eventos?) eles vão buscar esses
identidade religiosa do candomblé nação
conhecimentos, porque a fazem e até que
angola-congo sempre foi um ponto
ponto é possível empreendê-la.
importante e discutido entre seus adeptos. Já
Esse resgate das tradições passa, por
em 1981, no I Encontro de Nações de
exemplo, pela tentativa de reeducar os
Candomblé, realizado na Bahia, o sr.
adeptos do rito angola-congo no sentido de
Esmeraldo Emetério de Santana, integrante
utilizar as línguas bantu que vieram para o
de um dos terreiros mais antigos de
Brasil em seus rituais. Outro exemplo de
Salvador, pedia que os pesquisadores
resgate empreendido pelos angoleiros é o
“olhassem” com mais atenção para a nação
das divindades e a reconstrução das canções,
angola-congo. Entretanto, atualmente,
das rezas e do sistema oracular desse povo.
parece que essa preocupação tem se
Neste artigo procuraremos responder intensificado, principalmente em São Paulo.
a algumas questões referentes a esse Acreditamos que esse “despertar”
movimento, no que diz respeito à para esta busca tenha ocorrido, em grande
(re)construção da identidade religiosa dos medida, por conta da mobilização de pais e
adeptos da nação angola-congo, mães-de-santo da nação ketu de São Paulo,
concentrando nossa discussão nas falas de ao empreender o seu processo de
dois pais-de-santo do Estado de São Paulo: (re)africanização iniciado nas décadas de
Tata Nkassuté e Tata Katuvanjesi. A escolha 1970/1980.
dos O termo identidade seja qual for a sua
definição, sempre nos leva a pensar na noção
de “outro”. Neste sentido, pode-se dizer que
Emprestamos essa expressão de Prandi (1991, p. 101), que
3
a utiliza para demonstrar a popularidade alcançada pelo
o estudo da identidade é também o estudo da
candomblé nação ketu alteridade, dadiferença e também da relação.
– também chamado de nagô – no Brasil, na década de 1970. É perante o outro que a identidade se afirma,
terreiros não foi aleatória, pois, os dois é quando nos defrontamos com o diferente
sacerdotes e suas casas4 se destacam como que tomamos consciência de quem somos, ou
pioneiros (e servem de modelo) quando o seja, da nossa própria identidade. Em nossa
discussão, pensamos que os participantes do noção de fronteira étnica (ethnic boundary)
candomblé angola-congo necessitam de um sua principal argumentação para a definição
“outro” para se firmarem enquanto uma do conceito.
nação com características próprias, o que
emergiria daí sua identidade. Neste caso o
Os terreiros são: Inzo Tumbansi Tua nzambi Ngana
outro da nação angola-congo é a nação ketu, 4
kavungu, localizado na cidade de Itapecerica da Serra,
como ficou claro na fala de tata Nkassuté. grande São Paulo, e comandado por tata Katuvanjesi; e o
Esta necessidade do outro para se Abassá Nkassuté Lemba Keamazi, instalado no distrito de
Padre Nóbrega, cidade de Marília, região centrooeste do
identificar, nos leva à idéia de grupo étnico Estado de São Paulo.
pensada por Barth (1998), e que tem na
entre os membros e os não-membros. Para
A noção de ethnic boundary, elaborada por que a noção de grupo étnico tenha um
Barth, marcou uma virada importante na sentido, é preciso que os atores possam se
conceptualização dos grupos étnicos e dar conta das fronteiras que marcam o
representa um elemento central da sistema social ao qual acham que pertencem
compreensão dos fenômenos de etnicidade. e para além dos quais eles identificam outros
Num primeiro nível, ela volta a sublinhar que atores implicados em um outro sistema
a pertença étnica não pode ser determinada social. (POUTIGNAT. P.; STREIFFE.FENART,
senão em relação a uma linha de demarcação J., 1998, p. 152)

discurso de nossos entrevistados – ao legado


religioso africano. Pode-se perceber a idéia
A manutenção das fronteiras não de fronteira étnica entre os angoleiros e os
depende da permanência de suas culturas, adeptos da nação ketu, quando estes fazem
elas são produzidas e reproduzidas pelos uso de simbologias religiosas como: nomes
atores no decorrer das interações sociais. de divindades, maneiras de tocar os
Então, podemos pensar que as fronteiras atabaques, mitos referentes às divindades,
étnicas são manipuláveis. língua ritual, procedência do grupo que,
No Brasil colonial e imperial, a supostamente, teria trazido o culto ao Brasil,
fronteira entre as diversas etnias africanas etc. Ao demarcar a fronteira entre quem é
era mais claramente observável. Com o bantu e quem não é, nossos interlocutores
tempo os símbolos culturais de identificação parecem concordar com Bastide (1971,
foram perdendo progressivamente sua pp.46-47), quando o autor diz que “em geral,
pertinência, e estas etnias (os bantu, os cada seita conservou a tradição étnica de
ijexá, os mina, os cabinda, entre outros seus fundadores”.
grupos) “sumiram”. A partir dessa
reconfiguração surgiu um novo “grupo Muitos autores pensam os conceitos de
étnico” com sua identidade: a “identidade etnicidade e etnia, partindo de diferentes
negra” ou “afro-brasileira”, que está em bases teóricas5. O conceito de etnia foi
discussão até hoje. pensado por Vacher de Lapouge no século
No entanto, com a (re)africanização XIX, mas o termo etnicidade é relativamente
dos terreiros estas fronteiras parecem estar novo. No entanto, devido às suas pretensões
reaparecendo novamente com mais força, universais, concordamos com Hofbauer
pelo menos no que diz respeito – no plano do (1997, p. 180), quando ele diz:
nos mesmos “vícios” em relação à
De modo semelhante ao uso feito dos outros “identidade” [etnia e etnicidade]: quase todos
dois grandes conceitos históricos – “raça” e os pesquisadores usam o conceito, mas
“cultura” –, a antropologia parece incorrer poucos se preocupam em defini-lo de
maneira precisa [...]

etnias indígenas do Mato Grosso, talvez seja


a mais apropriada para podermos analisar a
A noção de “identidade contrastiva”, que (re)africanização empreendida pelos adeptos
Roberto Cardoso de Oliveira (1976) do candomblé angola-congo. Apoiando-se em
desenvolve, ao tentar dar conta do processo Barth (1998), o autor assinala que:
de “identificação étnica” entre algumas
relação a alguma pessoa ougrupo com
A identidade contrastiva parece se que se defrontam. É uma identidade que
constituir na essência da identidade surge por oposição. Ela não se afirma
étnica, i.e., à base da qual esta se isoladamente. No caso da identidade
define. Implica a afirmação do nós étnica ela se afirma “negando” a outra
diante dos outros. Quando uma pessoa identidade, “etnocentricamente” por ela
ou um grupo se afirmam como tais, o visualizada. (OLIVEIRA, 1976, pp.5-6)
fazem como meio de diferenciação em (grifo do autor)
identidade é uma interação entre o eu e a
sociedade – o subjetivo e o objetivo –, do
A idéia de auto-atribuição ou da interior da pessoa, de seus valores, idéias,
atribuição por outros a uma categoria crenças e também de suas ideologias.
religiosa (nação bantu, nação ketu) é uma A posição ideológica e política dos dois
das mais importantes características da sacerdotes da nação angola-congo – uma vez
moderna teoria da identidade social, ou seja, que a busca por uma identidade pode ser
a definição de si mesmo como pertencente pensada como uma ideologia e um
ou não a um grupo. Se agora o sentimento de posicionamento político do grupo – fica clara
pertença a um grupo passa pela auto- quando se referem à questão do legado
atribuição, fatores subjetivos devem fazer cultural bantu no Brasil. Tata Katuvanjesi
parte deste contexto. Isso significa que a disse em entrevista que:
se apercebe que a maioria dos falares
[...] o brasileiro nem se apercebe o kimbundu brasileiros é de origem bantu. Por exemplo,
e o kicongo tão presentes no português as palavras: nega é banto, quitanda,
vernacular brasileiro. Que o brasileiro nem muleque, que quer dizer grito. Ginga, samba,
Zumbi.

pelo idioma falado no interior dos seus


terreiros.
Embora a citação acima faça 5 Ver: Poutignat & Streiff-Fenart, 1998.
referência ao legado lingüístico bantu no Seguindo a mesma linha de argumentação,
Brasil, ela pode servir também como reforço tata Nkassuté lança mão de possíveis
da identidade religiosa, pois como influências étnicas na exaltação da cultura
mostraremos mais à frente, a nação angola bantu para o Brasil. Segundo este pai-de-
busca diferenciar-se da nação ketu, também santo, até mesmo gestos com a boca, com os
olhos, são um legado da cultura bantu.
Quando você faz assim (fazendo estalos com
Nós somos homens da floresta. A gente sente a boca ao mesmo tempo em que balança a
cheiro das coisas. A gente faz assim (o cabeça negativamente), isso é bantu. Quando
sacerdote faz uma virada de cabeça, como faz assim (pigarreando como se não estivesse
quem quer escutar algo, mas não consegue), gostando do que está vendo ou ouvindo).
não é? Não é um costume... De repente você Quando você entorta a boca, você não gostou
quer escutar as coisas e você faz assim de um negócio, tudo isso é bantu. Você sabia
(novamente a postura de quem quer escutar ou não? [...] Nós somos bantu e ao mesmo
algo). Você sabia que os gestos são bantu? tempo nós somos índios. (TATA NKASSUTÉ)

algumas dimensões simbólicas que podem


ser utilizadas para identificar um grupo
Para muitos estudiosos da identidade (Barth, como étnico: a língua, a religião, o território,
1998; Cohen, 1978; Oliveira, 1976), existem a maneira de andar de falar, etc.
determinados atributos culturais (como a
[...] não justamente para nelas buscar língua) estejam em melhor posição para
critérios de definição, mas como recursos serem nisso utilizados, nenhum pode
que podem ser mobilizados para manter ou merecer o crédito de uma validade universal
criar o mito da origem comum. Embora e essencial para a identificação étnica.
(BARTH, 1998, p. 163)

agrupador para estruturar a identidade da


nação à qual pertence. Inclusive o próprio
A respeito da importância dos símbolos como sacerdote nos disse, e pudemos verificar na
identificação de um grupo, nossos ocasião de um evento organizado por ele,
entrevistados fazem uso do território, mas, que o principal objetivo do ECOBANTO
principalmente da língua para poder se (Encontro Internacional de Cultura de
identificar enquanto um grupo religioso. Tradição Bantu) era discutir a questão das
Neste sentido tata Katuvanjesi é incisivo ao línguas de origem bantu.
utilizar a língua como importante símbolo
essa importância vital para o candomblé,
A linguagem [língua] é fundamental notadamente o candomblé de angola.
importância. Para identificação de um povo, [Porque] cada objeto, cada coisa tem um
de uma cultura, né? Para identificação até nome, e você só passa a conhecer isso
[de um] ancestral. A linguagem [língua] tem através da lingüística (língua), pra você ter
essa identificação. (TATA KATUVANJESI)
religiosa de seu grupo, tata Nkassuté nos
Para ilustrar a importância da língua como apresentou a seguinte reza:
grande símbolo da identidade étnico-
Kelele, kelele, kelele Relampejou Pelo
cálice, pela hóstia Relampejou

Em seguida, o mesmo pai-de-santo dá a


seguinte explicação:
Vou cantar no meu dialeto (na língua da
Pô não é... isso eu não precisava ter feito minha nação) bantu, e só vamos conversar lá
santo pra aprender. Isso não é tradição dos dentro [do barracão] no meu dialeto bantu.
meus antepassados. Porque eu vou cantar [E aí você me pergunta] “Como é que você
turimba6? Então..., mas você fala assim: Ah, vai fazer isso, você sabe?” [E eu te respondo]
fulano vai... “O que é que você vai cantar?” “Não. Porque eu não sei tudo”. Aí tivemos
que estudar o dialeto. (TATA NKASSUTÉ)

na formação da identidade religiosa do


angoleiros tata Katuvanjesi diz:
Ainda sobre a questão das línguas africanas
se reportar à questão orixá, você está se
Sim, sim, eu sempre tive isso, [porque] eram reportando à tradição yorubá-nagô. Mas a
cânticos e rezas que falavam uma outra língua não batia, né? E um povo você
língua, né? E tudo o que se tem na Bahia identifica ele pela língua. A língua é a
você só se reporta à questão orixá, e se você identidade de um povo.

sacerdotes entrevistados, a opção pela


(re)africanização – na realidade, os dois pais
Mas será que a construção de uma de santo gostam de dizer que buscam o
identidade religiosa estrutura-se apenas na Tradicionalismo bantu – é um dos pilares da
língua? Talvez não. Contudo nossos nação angola-congo para reaver seus
interlocutores dizem que sua nação é tão conhecimentos. Para alguns pensadores da
tradicional quanto a nação ketu, alegando identidade e dos estudos culturais, muitas
que eles tem reza própria, cânticos próprios, vezes os grupos “inventam” tradições para
deuses próprios, etc. poderem sobreviver culturalmente.

TRADIÇÃO E SINCRETISMO

A tradição é um tema constantemente


vinculado à questão das identidades sociais, 6Segundo tata Nkassuté a expressão “turimba” é utilizada
para identificar quando alguém canta numa mistura de
sobretudo as religiosas. Pois, conforme os português com alguma língua africana ritual (yorubá ou
bantu).
mostraram-no a propósito da “invenção das
O fato de que numerosos grupos, que se tradições”. Que uma identidade étnica seja
consideram atualmente como grupos étnicos, sempre de um certo modo criada ou
não tinham nenhuma consciência da sua inventada, não implica por isso que seja
identidade comum há apenas um século inautêntica ou que os atores que a
atesta que a continuidade com o passado é reivindicam possam ser taxados de má-fé.
sempre estabelecida por processos criativos, (BARTH, 1998, p.165)
como Hobsbawm & Ranger (1983)

determinantes – nas conversas entre o povo-


de-santo – para designar se uma nação de
Apesar da citação de Barth (1998) candomblé (ou um terreiro) é mais ou menos
referir-se aos grupos étnicos pensamos que prestigiada do que a outra.
ela pode sevir também para designar Em nossas idas a campo, percebemos que os
qualquer outro grupo, como os religiosos, sacerdotes da nação angola-congo de São
por exemplo. Principalmente se está religião Paulo, embora façam algumas críticas aos
– no caso o candomblé – for ligada a um terreiros mais antigos de Salvador, ao
grupo étnico. mesmo tempo fazem referências a essas
Segundo Giddens (2000) as raízes casas como “tradicionais”. Eles se
lingüísticas da palavra “tradição” são preocupam em vincular-se a estas casas,
antigas. A palavra inglesa tradition tem como se a filiação aos terreiros da Bahia
origem no termo latino tradere, que significa também tornasse as casas paulistas
“transmitir”, ou “confiar algo à guarda de tradicionais. Para ilustrar nossa
alguém”. Então, a utilização do termo argumentação, extraímos um trecho da
tradição no sentido de transmissão de algo entrevista concedida por tata Katuvanjesi,
de uma pessoa para outra não está em que o sacerdote discute a relação entre a
equivocado. A questão da tradição, como na busca da identidade e a manutenção dos
acepção acima, é um dos pontos centrais e conhecimentos:
Mas agora o que [os pais/mães-de-santo de]
São Paulo ainda sofre, é que tem que pedir a uma tradição, por outro a Bahia cria uma
benção à Bahia, em virtude de lá ser o impossibilidade de um avanço da busca da
papado do candomblé, identidade do povo de candomblé de nação
o Vaticano do candomblé, a Roma Negra do angola-congo.
candomblé. Se, por um lado a Bahia conserva

ensinou as tradições do Tumba Junçara. Foi


quando eu tomei a segunda obrigação numa
Tata Nkassuté também parece preocupado casa de angola”. Em outro momento o
com a questão da filiação aos terreiros sacerdote cita o nome de algumas
baianos quando diz que conheceu um senhor sacerdotisas que comandam os terreiros
que tinha sido iniciado no terreiro do Tumba angolacongo mais antigos do Brasil, que
Junçara. “Ele era filho legítimo de Ciriaco, o obviamente estão na Bahia.
homem que fundou o Tumba Junçara, e me
Nenguas [...] Inzo Tumbensi, mametu
Tenho amizade com todas as casas de angola, Lembamuxi; Bate Folha, mametu
as primeiras (Tumba Junçara, Bate Folha, Guanguacessi; Tumba Junçara, mametu
Inzo Tumbensi) de Salvador, com Tatas, com Messoegi.

Atualmente angoleiros e angoleiras parecem


estar divididos entre aqueles que preferem
Se aceitarmos a idéia de tradição manter a tradição, neste caso “deixar as
como sinônimo de antigo, de algo que vai nos coisas como estão”, e os adeptos da
dar respaldo ao evocar o seu nome, nada (re)africanização (ou Tradicionalismo Bantu),
parece mais apropriado do que ser filiado a mais presentes nos Estados do sudeste.
um terreiro de candomblé baiano, que as Mas o que significa estas duas posições?
pessoas não se lembram nem a data da sua Manter a tradição, neste sentido significa
fundação, como nos disse tata Katuvanjesi, a seguir o modelo de culto das casas matrizes
respeito do terreiro Inzo Tumbensi, local angoleiras da Bahia – Inzo Tumbensi, Tumba
onde se iniciou. Junçara e Bate Folha? Sobre a influência
Mas a relação com a Bahia não se desses terreiros no movimento de resgate da
limita apenas a elogios e filiações, pois nos tradição bantu, tata Katuvanjesi, embora
parece que há também uma ruptura quando creia que temos que manter o respeito, por
o assunto é a questão do resgate bantu. outro lado diz que:
interrompido. Esse processo é interrompido
[...] a maioria dos terreiros de angola aqui de porque eles seguem da seguinte forma: “Se o
São Paulo, eles seguem, eles rezam uma meu avô diz sim, não sou eu que vou dizer
cartilha dos terreiros, das casas matriz de não”. Mas precisa ter coragem pra ensinar,
Salvador. Eles chegam até um determinado porque a obediência, o respeito é uma coisa,
processo, depois esse processo é a coragem, sem criar nenhuma celeuma,
nenhuma animosidade, é outra!

A (re)africanização prevê o resgate e o


conhecimento da filosofia e da cultura bantu.
Talvez os pais e mães-de-santo da Neste sentido a definição de tradição
Bahia não vejam como um problema pensada por Vansina (1982) parece ser uma
repassar os ensinamentos como aprenderam, das mais completas e a que está mais
mesmo que estes contenham uma mistura de próxima de nossa discussão, pois autor diz
línguas e rituais de outras nações e até que: “A tradição pode ser definida, como um
mesmo de outras religiões, “pois foi assim testemunho transmitido verbalmente de uma
que nos foi passado”, dizem os mais antigos. geração para outra [...] As tradições
Neste sentido, manter a tradição também requerem um retorno contínuo à fonte”.
significa não fomentar “purismos” de (VANSINA, p.157, 1982). Apoiados no
separação entre as nações, não vendo pensamento de Vansina (1982), ao se pensar
problema em chamar nkisi de orixá, e em o resgate dos conhecimentos dos adeptos da
cantar em turimba, como ressaltou tata nação angola-congo, não podemos deixar de
Nkassuté, entre outras assimilações. perguntar qual é a fonte que eles utilizam, se
Por outro lado, segundo os dois uma de suas ações é (tentar) se afastar da
sacerdotes paulistas, ser tradicionalista é Bahia, considerada por quase todos os
procurar justamente demarcar esta estudiosos das religiões afro-brasileiras,
“fronteira” – no sentido barthiano do termo como o celeiro do candomblé?
ethnic boundary –, na tentativa de mostrar Pelas nossas entrevistas, percebemos que os
que cada nação tem sua língua, seus ritos, pais-de-santo mais novos já não acham mais
seus deuses, e sua saudação, colocando necessário recorrer apenas aos mais velhos
“cada qual no seu cada qual”. dentro da religião, mesmo porque estes,
geralmente, têm se posicionado ceticamente dessas casas, tata Nkassuté, que é ligado ao
em relação ao movimento, principalmente os terreiro do Tumba Junçara liderado por
terreiros baianos7. Sobre a resistência mametu Messoegi, diz:
tinha que fazer uma política lá. Porque se
Aí o que é que eu fiz, dei andamento a tudo uma casa de angola é a primeira do Brasil e
isso e fui mudar a minha casa matriz. Por que [as pessoas que estão lá] falam que é filho de
eu fui mudar a minha casa matriz? Porque eu Ogum, ela não é de angola. E se você for lá
hoje, tem aula de kimbundu lá dentro.

7Em 2006, tivemos oportunidade de conversar com Kátia,


do terreiro do Bate Folha, em que a makota fez sérias
críticas à (re)africanização, infelizmente Kátia não nos
Ainda sobre este assunto, tata autorizou a gravar a conversa.
Katuvanjesi, ligado ao Inzo Tumbensi, que vem sendo levado á frente por sacerdotes
atualmente é liderado por mametu que mantêm terreiros neste estado do
Lembamuxi, não hesita em dizer que: “[...] sudeste.
embora se tenha feito várias investidas para Essa constatação vai de encontro ao
que o povo de santo de angola pudesse estar que pensa Alejandro Frigério (2005)8 sobre a
se desligando e buscando sua própria disseminação das religiões de origem
identidade, ainda essa busca lá nas casas africana e suas diásporas. Parece que para o
matrizes ainda é tímida”. autor a (re)africanização é mais possível em
O posicionamento (político) dos dois cenários da diáspora religiosa secundária –
pais-de-santo entrevistados parece mostrar São Paulo, Rio de Janeiro, por exemplo –, do
uma nova relação entre os terreiros da nação que da diáspora primária
angola-congo da Bahia e os de São Paulo, – Salvador e Recife –, pois estas cidades,
uma vez que, segundo seus depoimentos, o geralmente, são grandes centros mundiais,
resgate dos conhecimentos bantu onde as possibilidades de contatos são
maiores.
Para ilustrar esa idéia extraímos uma fala de
tata Katuvanjesi em que o sacerdote diz:
identidade, para que pudesse contemplar
Então chegando aqui [em São Paulo], como aquilo que eu me preocupava, né? Essavolta
você tem melhores condições de dar (a Angola? Congo? Outra parte da África?)
continuidade a um projeto, a um trabalho, que era uma grande vontade, que era um
chegando aqui, neste eixo Rio grande projeto, que eu tinha lá no meu
– São Paulo, aí as condições já foram Estado, quando da minha iniciação, após a
diferente, já foram benéficas, já tive minha iniciação, ela só chegou a se, a
melhores condições de ta buscando essa contento nos últimos tempos, ou seja, num
tempo bem recente.

entendida a partir da oposição dos


contrários: continuidade e descontinuidade,
Contudo, mesmo fazendo todo esforço estaticidade e dinamicidade, tradição e
para se “afastar” da Bahia e da nação ketu, ruptura. Um não pode viver sem o outro.
os adeptos da nação angola-congo não Neste sentido, quando pensamos a tradição,
conseguem se desvencilhar e formular sua implicitamente, evocamos a ruptura.
própria noção de tradição. Neste sentido a Esta idéia de transformação contínua,
questão da tradição não ficaria que também está na base do significado de
comprometida? Talvez não, pois, nem tudo o tradição discutido por Pereira & Gomes
que é considerado tradicional está associado (2001), leva-nos a pensar este conceito como
a um passado longínquo, como diz Giddens algo inventado ou construído. Segundo
(2000, p. 48) “Muito do que supomos Hobsbawm & Ranger (1997, p. 9), entende-
tradicional, e imerso nas brumas do tempo, é se tradições inventadas:
na verdade um produto no máximo dos
últimos dois séculos, e com freqüência é
ainda mais recente”.
Seguindo as idéias de Borheim (1987),
Ver artigo: Reafricanização em diásporas religiosas
podemos dizer que os conceitos opostos 8
secundárias: a construção de uma religião mundial. Religião
costumam atrair-se. Toda realidade seria e Sociedade, 2005, n.2, v.25, pp.136-160.
repetição, o que implica, automaticamente,
[...] um conjunto de práticas, normalmente uma continuidade em relação ao passado.
reguladas por regras tácitas ou abertamente Aliás, sempre que possível, tenta-se
aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou estabelecer continuidade com um passado
simbólica, visam inculcar certos valores e histórico apropriado.
normas de comportamento através da

Um ponto importante nesta questão


do resgate dos ensinamentos é que a noção Pois, na umbanda se cultuam entidades
de sincretismo sofrerá aí uma reformulação. brasileiras – os caboclos, os pretos-velhos,
Ferretti (1995), em estudo realizado na Casa linha de cigano –, divindades africanas –
das Minas, no Maranhão, vai trabalhar com Yemanjá, Ogun –, e reza-se para os santos
várias noções de sincretismo: paralelismo, católicos – São Jorge, São Benedito – sem
justaposição, adição, alternância, fusão, nenhum problema.
convergência. Canevacci (1996) trabalhará a A respeito do culto aos caboclos9, os
noção de sincretismo como sinônimo de dois sacerdotes entrevistados dizem que os
justaposição, mas numa perspectiva mais cultuam e fazem festa para estas entidades
cultural. uma vez por ano. Outro fator relevante a ser
De nossa parte assumiremos o termo destacado, é que a maioria dos pais e mães
fusão para poder pensar na crítica que a de santo paulistas passaram pela umbanda.
nação angolacongo sofre, quando da Tata Katuvanjesi fala da importância dos
aproximação entre o candomblé e a caboclos e pretos-velhos, e denuncia que os
umbanda. Entendemos que a umbanda teria próprios adeptos do candomblé angola
sido o resultado da fusão dos elementos do discriminam as entidades da umbanda.
catolicismo, do kardecismo e do candomblé.
malignos, espíritos que possa você
O que acontece é que a festa do nkisi é uma e despachar. E o caboclo é de fundamental
a festa do caboclo é outra. Porque caboclo o importância, o caboclo na casa de candomblé
que eu considero da importância do caboclo, é como se fosse o mensageiro, ele tem essa
é que eles são os nossos verdadeiros função também, de mensageiro, e tem função
ancestrais brasileiros, eles não são espíritos também de guardião. (TATA KATUVANJESI)

9O culto ao caboclo tem a ver com a questão de se cultuar a


entidade da terra onde se está instalado. Em África, devido
aos constantes deslocamentos, as etnias, sobretudo os
Mais à frente, o mesmo sacerdote fala bantu, se preocupam em cultuar a entidade que toma conta
sobre a discriminação: da localidade em que estão, porque acreditam que sem essa
permissão nada pode ser feito no local. Para os adeptos do
candomblé angola-congo, os caboclos são os antepassados
dos indígenas brasileiros, por isso devem ser cultuados.
adiante. É igual a questão do preto velho. Há
As pessoas têm aquele preconceito, aquela uma discriminação, um preconceito contra o
discriminação de forma camuflada. Na preto velho, quando na realidade o cara tá lá.
realidade ele discrimina e cria um Ele é de candomblé, mas toda sexta-feira ele
preconceito contra o caboclo, quando na tá dando
realidade ele (o caboclo) está no fundo da o preto velho dele, dando Tranca Rua dele,
casa. Uma aldeia, uma palhoça, onde ele dando um Tiriri, um Marabô, isso acontece,
cultua um Sultão das Matas, um Ubirajara, isso comumente se vivencia isso por aí. (TATA
um Gentilero, umBoiadeiro, e assim por KATUVANJESI)

umbanda com essas entidades e porque é


bom para o “respirar espiritualizado do
A questão do sincretismo fica clara quando ancestral”. Entretanto o sacerdote ressalta
tata Katuvanjesi diz que em seu terreiro não que não se podem misturar entidades com
há problema em cultuar entidades da nkisi.
umbanda, porque a pessoa já veio da
Tranca Rua, um Caveirinha, pra ele nunca
Aqui nesta casa, por exemplo, têm pessoas mais incorporar no cavalo dele, no médium
que vieram, que são oriundas da umbanda e dele? Pode terminar prejudicando aquela
que vieram com essas entidades. E quem sou pessoa. Então eu tenho que respeitar essas
eu para mandar essas entidades embora, se coisas. Eu concilio o pensamento africano
ela já veio com o próprio médium dele, o com o pensamento afro-brasileiro e respeito
próprio cavalo? Como é que eu posso dizer a todas as manifestações. (TATA
um Preto Velho, a uma Pomba Gira, a um KATUVANJESI)

brasileiro”, diz tata Nkassuté


A opinião de nossos interlocutores
Tata Nkassuté segue a mesma linha de expressa bem a questão da invenção da
argumentação que tata Katuvanjesi. O tradição, do resgate de conhecimentos para
sacerdote também diz que respeita e cultua (re)estruturar o culto angolacongo no Brasil
os caboclos, e que eles são importantes para e torná-lo tão tradicional quanto os outros
a nação angola-congo. “Eu ainda cultuo uma cultos. Mas também expressa uma posição
divindade, que eu trouxe ela da umbanda, ideológica de poder escolher o que vai ser
que é um índio. Ele chega lá no barracão resgatado
uma vez por ano e recebe uma festa muito – novos métodos de adivinhação, novos
grande, porque pra mim é um prazer de ser deuses –, o que vai ser abandonado – a
língua portuguesa e os santos católicos –, e o porque em algum momento todas as
que vai ser preservado –, o culto ao caboclo. tradições já foram inventadas.
Mas acreditamos com Hobsbawm & Mas porque as pessoas, os grupos humanos,
Ranger (1997), que não é porque uma inventam tradições? Segundo os autores
tradição foi inventada, que ela é menor ou citados acima, estas transformações
menos valiosa do que as tradições ocorrem:
desenvolvidas em grupos fechados. Mesmo
da flexibilidade [...] Em suma, inventam-se
[...] quando as velhas tradições, juntamente novas tradições quando ocorrem
com seus promotores e divulgadores transformações suficientemente amplas e
institucionais, dão mostras de haver perdido rápidas tanto do lado da demanda quanto da
grande parte da capacidade de adaptação e oferta. (HOBSBAWM & RANGER, 1997,
pp.12-13)

apontar para razões como: legitimidade


frente às outras nações, prestígio,
Seria este o motivo pelo qual os adeptos da visibilidade e, principalmente, manutenção
(re)africanização do candomblé angola-congo dos conhecimentos e do legado cultural
buscam suas “raízes”? Em nossa discussão, bantu na atualidade. Como diz Teixeira
as falas de nossos interlocutores parecem (1999, p. 131)
práticas atualizadas em função de uma
Assim, tradições (sejam elas religiosas ou continuidade do passado [...] comportando
não) devem ser consideradas como algo também adaptações no intuito de conservar
inventado, isto é, como um conjunto de alguns costumes ou complexos simbólicos em
condições novas.

norte/nordeste de Angola, como o culto aos


nkisi e a utilização do método de adivinhação
Cremos que a noção de invenção das chamado ngombu, veêm sendo implantado
tradições seja o termo mais apropriado para nos terreiros de tata Nkassuté e tata
analisarmos a questão da (re)africanização Katuvanjesi desde o começo da década de
empreendida pelos angoleiros e angoleiras, 1990. Mas parece que nem todos
pois os elementos que estão sendo participantes estão em sintonia com esta
introduzidos nos terreiros pesquisados não prática.
existiam há menos de 30 anos no Brasil. Como exemplo, citamos a polêmica questão
do método de adivinhação, que nas religiões
NOVOS SÍMBOLOS CULTURAIS BANTU NO afro-brasileiras é representado pelo jogo de
CANDOMBLÉ
búzios, mas que tata Nkassuté vem tentando
substituir pelo ngombu. Eduardo Santos
Os símbolos culturais de origem (1969, p. 430) dissertando a respeito do
bantu, característicos das etnias do
adivinho (nganga) e do ngombu diz:
excêntricos que a mente africana é fértil de
De um modo geral, no Noroeste de Angola, o engendrar: o bom adivinho, lá em África, não
adivinho, no desempenho da sua função, faz questão nem da qualidade nem do
utiliza o chamado ngombu, uma pequena número das peças divinatórias. (grifos do
quinda com objetos, dos mais variados e autor)

oracular, perguntamos a tata Katuvanjesi se


ele não achava possível trazer este método
A implantação e a utilização do de adivinhação para o Brasil, e o sacerdote
ngombu é um dos pontos de conflito entre os disse: “Seria possível trazer, agora quem vai
pais e mães-desanto da nação angola-congo atravessar o Atlântico com esse jogo? E
que são adeptos da (re)africanização. quem vai ser preparado? Pode sim, eu acho
Tata Katuvanjesi não concorda com a possível”. Então perguntamos sobre a
substituição do jogo de búzios pelo ngombu, possibilidade de alguém ir até Angola para
porque, para ele, não é possível (ainda) tê-lo ser preparado, e ele disse: “Não! Tem que
no Brasil. “O ngombu na realidade não ser preparado aqui, atravessar pra cá, pra
atravessou o Atlântico [...] hoje está todo quem detêm o conhecimento plantar aqui”.
mundo cheio de ngombu aí [...]”, diz o pai-de- Resolvemos ouvir nosso outro entrevistado
santo. (tata Nkassuté) sobre a questão dos métodos
Ainda a respeito deste sistema de adivinhação, e o sacerdote disse:
onde é que tá as nossas coisas que a gente
Não pensa que o nosso método de conseguiu. A gente não, eu! É como eu falo
adivinhação são os caurís, os búzios do povo pra você, eu falo de boca cheia em qualquer
yorubá não. Chama-se ngombu. Você sabe lugar do Brasil que você chegar, eu resgatei
os ngombu, que são brinquedos de criança.
fotografias dos livros que encomenda da
Europa. Em visita ao seu terreiro tata
Diante dessa afirmativa, perguntamos a tata Nkassuté nos mostrou as peças que compõe
Nkassuté como ele fez para resgatar o o ngombu, mas não tivemos oportunidade de
ngombu, e o sacerdote disse que copiou as fotografá-lo. O sacerdote explica o ngombu
peças deste método de adivinhação das da seguinte maneira:
pra cá, aí ele lê a adivinhação por aquele
Não tem aquele brinquedinho que você instrumento. Não tem aquele que você aperta
enrola pra lá, e depois enrola pra cá. Aquilo é e que vai lá na frente assim? Aquela
um ngombu, aquilo é um método de coisinha? Aquilo é um ngombu, é um método
adivinhação. Se a gente tivesse no barracão de adivinhação. Peteca, que as pessoas falam
eu ia te mostrar.Você segura ele aqui, a única que é portuguesa, é um ngombu, é um
diferença é que ele tem uma bolinha aqui método de adivinhação. O cesto de ngombu
assim, e aqui eles fizeram um negocinho tem 210 peças, eu consegui reproduzir
gozado, você leva na pessoa e vai fazendo algumas. Então, quer dizer, essa é a nossa
coisa e ele vai fazendo assim. Aí ele enrola adivinhação.

tata Nkassuté quantas divindades existem no


Outro símbolo religioso introduzido pelos panteão bantu, se eram 16 ou mais, e ele nos
sacerdotes é o culto às divindades bantu do disse que são centenas e não dá para cultuar
norte/nordeste de Angola. Perguntamos a todas.
pose de pensador, aquele lá é Nkukualunga.
Não, não dá. Você não consegue cultuar Aquele é a terceira pessoa de Nzambi
todas. No Brasil chegaram algumas Mpongu, ele não é o Pensador, ele é a
conhecidas né. Bantu chegou... Chegaram Sabedoria. Nkukualunga. Então, é a terceira
algumas conhecidas também e chegaram, por pessoa de Nzambi. Este culto eu resgatei.
exemplo, outras que tão chegando agora, por Hoje aparece pai da matéria em todos os
exemplo, Nkukualunga. Você já viu “O lugares, mas há 20 anos você ouvia falar em
Pensador”, aquela que tá abaixadinho em tradição bantu?

o próprio povo-de-santo da nação angola


desconhece as divindades do panteão bantu,
Fizemos a mesma pergunta a tata porque são entidades recentes em terras
Katuvanjesi, e o sacerdote nos disse que até brasileiras.
conhece Kianda, o povo não conhece! Nzinga
[...] Nzinga Lumbondo e existe também Lumbondo, até bem pouco tempo não se
muitos santos, muitas entidades do panteão conhecia Nzinga Lumbondo [...] Mutajinji,
afro-religioso bantu que nem o próprio que é uma caçadora. E existe uma infinidade,
angoleiro conhece. Por exemplo, o povo não que no momento eu não me lembro.

têm comparação com os orixás. Assim como


tata Nkassuté, tata Katuvanjesi disse que
Ainda segundo o líder do Inzo Tumbansi, estas entidades são cultuadas, mas as
existem muitas divindades bantu que não pessoas não são possuídas por elas.
são entidades que não têm semelhança.
Elas são cultuadas, porém sem entrar no Fazem algumas comparações, mas são
estado de possessão. Nem transe, nem comparações, meramente absurdas. (TATA
possessão. Karamusseco, Nganga, também KATUVANJESI)

brasileiro.
Além do resgate da língua ritual, de
Em conversa informal com tata novos deuses e de um método de
Katuvanjesi, perguntamos a ele como estas adivinhação, pudemos observar outras
divindades vêm para o Brasil para serem modificações nos terreiros pesquisados como
cultuadas em seu terreiro, e o sacerdote a indumentária. No terreiro de tata
disse que tem um amigo dele, kimbanda Katuvanjesi as mulheres mantiveram as
(sacerdote na língua kimbundu) na região do roupas tradicionais: blusa e saia rendada
Kuanza Sul, em Angola, chamado engomada, chamadas de “roupas baianas”.
Mokumoloji, que traz a representação – Os homens do terreiro substituíram as
nkisi, orixá e vodun, segundo o povo-de-santo roupas de renda por ternos de cor clara sem
não tem imagem – e faz o assentamento dos gravata. Tata Katuvanjesi nos disse que esta
jinkisi, somente então estas divindades estão indumentária é obrigatória apenas para os
prontas para serem cultuadas em solo kambondu (ogãs), porque eles são os
“relações públicas” do terreiro. No terreiro nkisi usam-se roupas “africanas”.
de tata Nkassuté, nas festas de caboclo, Sobre as críticas ao resgate dos
todas as pessoas utilizavam as chamadas ensinamentos, os dois sacerdotes dizem que
“roupas baianas”, porque, segundo o muitas vezes foram (e ainda são)
sacerdote, “[...] estamos cultuando desacreditados pelo que fazem. Tata
antepassados brasileiros”. Já nas festas de Katuvanjesi nos disse:
inventar coisa pro ancestral? O ancestral me
Aí, nesses meus intentos, em busca da mata! Eu fui feito sim no candomblé de
identidade bantu, eu sou taxado de maluco, angola orixalizado, mas procuro na medida
louco, invencionice. Como é que eu vou do possível adequar ele a uma questão real.

eventos (os resgates) como uma verdade que


colocará o candomblé nação angola-congo
Tata Katuvanjesi também nos disse “em seu lugar de direito”, onde outras
que já foi chamado de charlatão e acusado alternativas – a não ser o Tradicionalismo –
de inventar outro culto. “Então, antigamente estão fora de cogitação. Estes religiosos
eu falava sozinho. Eu fui tachado de louco, parecem se posicionar como guardiães
[disseram] que a minha casa ia esvaziar, que (feiticeiros, sacerdotes, sábios) de uma
não ia ficar ninguém certo”. religião/cultura que está se perdendo.
Contudo os pais-de-santo entrevistados Conforme Giddens (2000 p. 52):
parecem bem seguros ao evocar estes
integrar a verdade ritual da tradição.
Guardião não é o mesmo que especialista. Somente eles são capazes de decifrar os
Eles conquistam sua posição e poder graças verdadeiros significados dos textos sagrados
ao fato de serem os únicos capazes de ou dos outros símbolos envolvidos nos rituais
comunais.

iniciar, agora parece que, com a retomada da


identidade religiosa bantu – iniciada,
Esta postura de guardião fica expressa segundo os próprios entrevistados, em São
quando tata Nkassuté se coloca como o Paulo –, nossos dois interlocutores estão indo
iniciador do resgate das tradições bantu. Ou à Bahia para levar as tradições às casas
mesmo quando tata Katuvanjesi diz que seu matrizes da nação angola, como expressado
terreiro é o primeiro (re)africanizado do nas afirmações de tata Nkassuté e, em
Brasil. Sobre as impressões dos filhos-de- alguns momentos, por tata Katuvanjesi.
santo, frente à (re)africanização, Neste sentido, essa “volta” à Bahia,
apresentamos a fala de dois integrantes do para levar as tradições perdidas e resgatadas
Inzo Tunbamsi – um deles é o tata kambondu através doslivros, passa antes pela África,
Marcelo Kanjila. Eles disseram, em uma mais precisamente por Angola, e imprime-se
conversa informal, que não vêem problema como a principal característica e diferença
algum em utilizar roupa social nos cultos, da (re)africanização do candomblé nação
porque, para eles, essas roupas passam a angola-congo em São Paulo – quiçá no Brasil.
imagem de que o candomblé também é uma Por não ter um órgão que centralize as
religião séria e organizada. Um outro filho- decisões, como o Vaticano para o
de-santo, que conversou conosco, defende a catolicismo, o candomblé permite que cada
idéia de que os órgãos públicos deveriam mãe/pai-de-santo seja
financiar as viagens empreendidas pelos o soba (rei) em seu terreiro e realize a sua
sacerdotes e sacerdotisas à África. Não própria (re)africanização. Por isso, podemos
tivemos oportunidade de conversar com falar de (re)africanizações, pois, na medida
nenhum filho ou filha-de-santo do Abaçá em que cada sacerdote faz o seu próprio
Nkassuté, mas a julgar pela posição de tata caminho e escolhe quais elementos serão
Nkassuté, de que não tolera filho-de-santo mantidos e quais serão substituídos e quais
que não acompanha suas idéias, parece que serão resgatados em seu terreiro, surge um
todos deste terreiro estão de acordo com outro processo de busca dos ensinamentos,
seus ideais de mudança. da busca pela identidade religiosa . Daí que,
em última instância, podemos falar também
CONSIDERAÇÕES FINAIS de uma identidade religiosa afro-bantu
particular, mas nunca esquecendo que esta
Diante de todas essas informações – identidade, em dado momento, se articulará
tão novas para nós –, o que mais nos chamou com outras identidades que formarão uma
a atenção é que parece estar se delineando identidade religiosa afro-bantu coletiva.
um novo tipo de relação entre a Bahia e São O que se tentou demonstrar nesta
Paulo. Se antes os pais-de-santo paulistas (de discussão foram os caminhos e descaminhos
todas as nações) tinham que ir à Bahia se que os dois sacerdotes entrevistados vem
percorrendo com o objetivo de resgatar e vivo o culto aos antepassados e conseguir
implementar os ensinamentos religiosos (e legitimidade. Mas para isso seus líderes
filosóficos) da cultura bantu em seus estão começando a atravessar o Atlântico,
terreiros. Verificamos que para estes pais-de- buscando um diálogo inter-religioso com
santo chegarem ao atual estágio de seus sacerdotes africanos, agora não mais da
processos, eles foram obrigados a renunciar região yorubá, mas da África bantófone. De
– no sentido de ir contra – a toda uma nossa parte só nos resta seguí-los e verificar
tradição históricoantropológica de que religião (ou religiões) é esta, e que ritos
ostracismo da cultura bantu no Brasil –, pelo e mitos são estes.
menos no que diz respeito ao estudo das Desta forma tentamos mostrar como a
religiões. questão da (re)africanização está inserida na
Este resgate passou pela decisão de discussão acerca das identidades religiosas
dessincretizar seus ensinamentos, em e, no caso dos adeptos da nação angola-
relação à nação ketu, considerada pela congo do Estado de São Paulo, como estas
maioria dos estudiosos pessoas estão procedendo para (re)construir
1 – antropólogos e historiadores ou resgatar sua identidade.
principalmente – a mais próxima da
África. A essaa decisão seguiram-se
REFERÊNCIAS
outras como: fazer encontros
específicos para se discutir as
BARTH, F. Grupos étnicos e suas fronteiras.
diretrizes da nação; reaprender (seja
In: POUTIGNAT, P; STREIFF-FENART, J.
através dos livros, seja através dos
Teorias da etnicidade: seguido de grupos
mais velhos, ou do contato com
étnicos e suas fronteiras de Fredrik
sacerdotes africanos) os rituais, os
Barth. São Paulo: Editora da Unesp, 1998.
mitos e a(s) língua(s) bantu;
“enfrentar” a resistência
BASTIDE, R. As religiões africanas no Brasil.
2 – que ainda persiste – por parte dos São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971.
mais antigos; implantar
assentamentos de “novas” divindades BORHEIM, G. O Conceito de Tradição. In:
bantu, até então desconhecidas do Tradição-Contradição. Rio de Janeiro:
público brasileiro, entre outras ações. Zahar, 1987.
Além de demarcarem uma “fronteira” BROWN, Diana. Umbanda: religion and
de esclarecimento entre as nações de politics in urban Brazil. New York: Columbia
candomblé, mostrando que cada uma tem University Press, 1994.
suas características próprias, os sacerdotes
entrevistados também renunciaram ao BRAGA, J.S. Fuxico de candomblé: estudos
sincretismo com a igreja católica. Contudo, afrobrasileiros. Feira de Santana: UEFS,
ao assumirem a dessincretização para 1988.
recuperar a identidade perdida, os adeptos
da nação angola-congo realizam outros CANEVACCI, M. Sincretismos. São Paulo:
sincretismos com as religiões africanas de Studio Nobel, 1996.
Angola, tanto ao nível dos rituais, quanto ao
nível da crença. Logo, se não é possível COHEN, A. O Homem Bidimensional.Rio de
chegar a uma “pureza nagô”, também não é Janeiro: Zahar, 1978.
possível buscar uma “pureza bantu”.
Contudo, este movimento adquire FERRETTI, S. Repensando o sincretismo.
semelhanças e diferenças quando se trata de São Paulo: EDUSP/FAPEMA, 1995.
comparar as duas nações. Quando se verifica
que as nações angola-congo e ketu buscam FRIGERIO, A. Reafricanização em diásporas
falar línguas africanas de localizações religiosas secundárias: a construção de uma
geográficas específicas, quando cultuam religião mundial. Religião e Sociedade, 2005,
deuses encontrados somente nestas regiões, n.2, v.25, pp. 136
quando importam rituais ou quando mantêm 160.
intercâmbio de idéias com sacerdotes GIDDENS, A. Mundo em descontrole: o que
africanos, podemos aproximá-las e até dizer a globalização está fazendo de nós. Rio de
que o movimento de busca é o mesmo. Janeiro: Record, 2000.
Mas as semelhanças acabam aí. Pois,
enquanto a nação ketu (re)africanizada quer HOBSBAWN, E; RANGER, T. A invenção das
se adaptar ao novo milênio e ao mercado de tradições. 2 ed. São Paulo, Paz e Terra, 1987.
bens religiosos, a nação angola busca se
reinventar, se (re)estruturar, para manter HOFBAUER, A. De raça a identidade.
Cadernos de Campo, 1997, v. 5/6, pp. 173- PRANDI, R. Os candomblés de São Paulo: a
188. velha magia na metrópole nova. São Paulo:
LEPINE, C. Mudanças no candomblé de São Hucitec/Edusp, 1991.
Paulo. Religião & Sociedade, 2005, n.2, v. 25,
pp. 121 SANTOS, E dos. Religiões de Angola. Lisboa:
135. Junta de Investigações de Ultramar, 1969.

LOPES, N. Bantos, malês e identidade negra. ______. Sobre a “medicina” e magia dos
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. quiocos. Lisboa: Junta de Investigações de
Ultramar, 1960.
MELO, A. V. de. A voz dos fiéis no candomblé
“reafricanizado” de São Paulo. Dissertação SERRA, O. Águas do rei. Petrópolis: Vozes,
de Mestrado 1995.
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de Filosofia e Ciências, 2004. SILVA, V.G. da. Orixás da metrópole.
Petrópolis: Vozes, 1995.
OLIVEIRA, R. C. de. Identidade, Etnia e
Estrutura Social. São Paulo: Livraria TEIXEIRA, M.L.L. Candomblé e reinvenção
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PEREIRA, E. A; GOMES, N. P. de M. religiosidade, sincretismo, anti-sincretismo,
Inumeráves cabeças: tradições afro- reafricanização, práticas terapêuticas,
brasileiras nos horizontes da etnobotânica e comida. São Paulo:
contemporaneidade. Fonseca, M.N.S. (org.). Pallas/CEAO/CNPq, 1999.
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Geral da África. vol. I. São Paulo:
POUTIGNAT, P; STREIFF-FENART, J. Teorias Ática/Unesco, 1982.
da etnicidade: seguido de grupos étnicos e
suas fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo:
Editora da Unesp, 1998. iGraduado em Filosofia e mestre em Ciências Sociais
pela Unesp/Marília; membro do Nupe -Núcleo Negro
da Unesp para Pesquisa e Extensão.

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